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Nome: Gabrielly Mayara Nunes de Oliveira - Psicologia

Diário de TS

Primeiro diário
Dia 30/08

Nesse primeiro dia tivemos contato com a história das pessoas que iríamos
encontrar em campo. A minha dupla seria formada por aluna do curso de Terapia
Ocupacional e o nome do senhor que acompanharemos na república seria Jorge.
Discutimos em sala sobre o vídeo " Becos da Memória" e com base na
discussão inicial partimos para reflexões muito interessantes sobre nossas
memórias em lugares que passamos e permanecemos certo tempo de nossa vida,
sobre nossas diferenças, semelhanças e isso criou certa proximidade em nosso
grupo.
A partir da apresentação que a professora fez sobre Jorge me despertou
grandes expectativas sobre o primeiro encontro com ele. Foi dito que ele apresentou
grande melhora em questão de auto cuidado desde o TS passado, mas que ainda
tinha muito a ser feito. No entanto, o que mais me gerava ansiedade era conhecer
ele de fato, sentar, olhar nos olhos e saber o que ele tinha para me dizer.
Conhecer aquela pessoa e ter a oportunidade de poder, mesmo de forma
pequena, fazer parte daquela história e ajudar em algum sentido na qualidade de
vida e saúde daquela pessoa que eu iria encontrar nas minhas próximas
quartas-feiras do semestre.

Dia 05/09

Hoje foi o dia em que conhecemos a policlínica da Vila Mathias. A minha


primeira impressão era de que o ambiente aparentava ser "bem cuidado", lembrava
uma UBS, e naquele momento não haviam muitas pessoas na recepção ou na sala
de espera.
Fomos direcionados a uma sala de reunião, toda de vidro, com uma mesa ao
centro e lá conhecemos a responsável técnica que nos orientou e conversou
bastante com a gente sobre a dinâmica da policlínica e da república, também disse
sobre as dificuldades que enfrenta.
Diminui minhas expectativas em relação ao acesso ao sistema, pois
descobri que para acessar os prontuários existia bastante dificuldade. No entanto,
conhecer o ambiente da policlínica foi muito interessante, entender como funciona a
dinâmica ali, os profissionais que ali atuam e as demandas atendidas. A
responsável técnica também falou sobre os módulos de TS passados e eu desde já
comecei a imaginar como seriam os nossos encontros.

Dia 13/09
O saguão foi enchendo aos poucos, uma mesa à frente, olhares curiosos…
Madu iniciou o encontro transversal cantando, mostrando um talento muito
admirável e o poder de suas palavras e da arte.
Diversos assuntos foram ali abordados, falaram sobre o instituto Camará, da
luta antirracista, das mulheres (e os problemas por nós enfrentados), sobre as
pessoas trans e muito mais. Acredito que trazer esse tipo de conversa em um
módulo como TS é indispensável pois ali nos encontramos com pessoas, com
histórias, cada um em um lugar diferente, com diferentes lutas e diferentes
bagagens e é o nosso papel como profissionais da saúde nos atentarmos a ter um
olhar treinado, a observar tudo isso e saber lidar com as futuras demandas que
chegarão. O encontro foi muito rico, potente e transformador em diversos aspectos.
Saí de lá com um gostinho de quero mais e admirando cada pessoa que passou por
ali.

Segundo Diário
Dia 20/09

O primeiro dia que fomos a república saiu exatamente de acordo com as


nossas expectativas. A minha dupla seria a Mary e o João e mais uma aluna
também iria, mas com outro senhor da república. Chegando lá, imediatamente o seu
Irineu foi nos atender na porta com um sorriso no rosto e entrando lá, de forma mais
retraída estava o seu Jorge.
Todos nos sentamos na sala e em uma tentativa de quebrar o gelo inicial da
falta de intimidade, começamos a nos apresentar a conversar sobre como tinham
sido as experiências anteriores daqueles daqueles senhores em no módulo de TS,
com outros alunos. Seu Jorge mostrou a sua empolgação com a sua ida a
faculdade, disse ter conhecido o diretor e falou disso mais algumas vezes durante
aquele encontro,
O olhar curioso de seu Jorge acompanhava uma fala um pouco lentificada,
era como se a sua fala não conseguisse acompanhar o seu raciocínio. Logo lembrei
do que a professora tinha me relatado sobre as medicações que ele tomava para
insônia e pensei em alguma possível relação. Seu Jorge perguntou de nós, falou
sobre o espiritismo, sobre o seu antigo gosto pela culinária, sobre o tempo que
morava em Santos e na república, sobre os vídeos e novelas que assistia…
Notamos que ele era um homem solitário, disse que não tinha costume de sair de
casa e se queixou de muitas dores - principalmente no pé - que estavam
atrapalhando a sua mobilidade e suas atividades cotidianas.
Pensando em possíveis entrelaçamentos futuros no projeto de cuidado,
pensei logo de cara que até o final daquelas visitas gostaria de fazer ele sair
daquela república, respirar ar fresco e voltar a se sentir livre como antes.
Nesse primeiro encontro não focamos em nenhuma intervenção ou perguntas
mais direcionadas, demos prioridade a criação daquele vínculo e em estabelecer
uma relação de confiança com aquele senhor que parecia tão perto e ao mesmo
tempo tão distante de nós.
Já que seu Jorge tinha demonstrado grande interesse por vídeos de culinária,
imaginamos que ele deveria gostar de cozinhar. No entanto, durante aquela
conversa, ao perguntarmos sobre a sua rotina e alimentação, ele disse que devido a
sua coluna e problemas no pé e na perna, não conseguia ficar em pé para cozinhar
e que a única coisa que preparava era um café solúvel, com água esquentada no
microondas. De imediato surguiu a ideia de desmistificar o ambiente da cozinha
para ele, de mostrar possibilidades e cozinhar sentado e de reviver o seu momento
de preparação de alimentos que ele tanto gostava. Nesse sentido, pensei em trazer
um coador e pó de café para o próximo encontro, para que, talvez, a ambientação
de fazer um café, o aroma e conversa na copa depois bebendo o cafézinho pudesse
ajudar de alguma forma.

Dia 27/09

Tanto eu como a minha dupla, estávamos muito ansiosas para o próximo


encontro e com muitas expectativas. Conversamos bastante, pensamos em como
iríamos conduzir aquela conversa e levamos café e pãozinho para a república
aquele dia.
No entanto, indo contra as nossas expectativas, foi um dia diferente do que
planejamos. Assim que chegamos já recebemos a notícia de que seu Jorge estava
dormindo e tinha esquecido do encontro. Ele foi acordado por alguém que estava na
república, mas apareceu indisposto e respondeu apenas o necessário. Quando
oferecemos o café, ele disse que já tinha tomado a pouco tempo, então desistimos
do plano. Conduzimos ali uma conversa, tentamos descobrir e explorar novas
coisas como o seus encaminhamentos médicos 9 já que a dor que ele sentia
naquele momento era o centro das conversas e da fala que ele trazia),
medicamentos que estava tomando, alimentação, rotina, família e um pouco do seu
passado como trabalhador ambulante.
Poucos minutos depois, chegaram o João e o Luca na copa para também
conversar com seu Jorge, porque seu Irineu não quis receber visitas. Então, a partir
dali, seu Jorge, curioso com os novos rostos, conduziu a conversa repetindo as
informações que já tínhamos para as novas pessoas e reafirmando o seu interesse
pela nutrição.
A conversa não foi tão produtiva e longa, mas descobrimos informações
interessantes. Seu Jorge falou um pouco do seu passado, relatou ter tido uma vida
solitária e falou de alguns interesses passados de quando era jovem: desenho e
rádio. Nesse momento aquela conversa, antes difícil por estar atravessada por
muitas pessoas, se tornou produtiva e pensamos em muitas possibilidades para os
próximos encontros. Reativar essa faísca pelo desenho era o nosso maior plano
naquele momento e como possível resultado, poderíamos diminuir o tempo de tela e
adicionar mais uma atividade prazerosa em sua rotina. Ademais, pensamos também
na possibilidade dele fazer parte do projeto de extensão UAPI, já que o seu perfil
estudioso e curioso e a sua boa memória com aquele ambiente da faculdade
demonstravam que ele se encaixaria muito naquele projeto.

Dia 04/10
Mary e eu tínhamos planejado aplicar um instrumento padronizado sobre
eventos prazerosos com o seu Jorge, e assim entender melhor a sua rotina e quais
atividades ele faz ou deixou de fazer. No entanto, o encontro foi desmarcado e
ficamos um pouco frustradas, mas aproveitamos o tempo para ir até a policlínica e
acessar o prontuário do seu Jorge.
A dupla se tornou oficialmente um trio com a chegada do João e essa junção
me pareceu muito interessante. Psicologia e T.O se mostraram muito
complementares e os planos de ação que pensávamos sempre eram em uma boa
sintonia, com a chegada do João, novos horizontes se abriram, porque poderámos
pensar em algo também para a sintomatologia de seu Jorge, já que o João cursa
fisioterapia. Acredito que essa união resultará em um olhar amplo para o usuário,
contemplando seus aspectos mentais e dificuldades físicas e ainda seu
desempenho em atividade de vida diária.
Dedicamos um bom tempo vendo o prontuário do seu Jorge, vimos que
muitas vezes os médicos o descreviam como confuso, que ele há tempos se nega a
realizar um exame de colonoscopia, também nos atentamos aos remédios que ele
faz uso, principalmente os relacionados à insônia e próstata. Dessa forma,
poderíamos perguntar para seu Jorge novamente da medicação e ver se ele
manteve ou mudou alguma medicação, além de checar se não está fazendo algum
uso inadequado ou exagerado.

Dia 18/10

Esse encontro também saiu de forma diferente da planejada e novamente não


conseguimos aplicar a escala de eventos prazerosos que pretendemos aplicar. Com
diversos imprevistos com a outra dupla, dessa vez a professora sugeriu que eles se
juntassem conosco na policlínica, então, dessa vez, tinham muitas pessoas na
república com o seu Jorge: Mary, eu, João, Igor, Júlia, Felipe e as professoras.
Devido ao grande número de pessoas, percebemos que a conversa que
tínhamos a pretensão de conduzir não seria possível, então pensamos em propor
alguma atividade.
Enquanto pensávamos, dei um singelo presente ao seu Jorge, um livro de desenho
técnico que acompanhava dois dvds. Pensei que seria uma forma dele entrar
novamente em contato com esse universo que ele relatou gostar tanto em sua
juventude. No entanto, a primeira reação do seu Jorge foi de estranhamento com
aquele livro, mas esse cenário foi mudando ao longo do encontro.
Propomos uma atividade que tinha como premissa observar o equilíbrio do
tempo que dedicamos em nossas atividades do dia a dia, com o objetivo de fazer o
seu Jorge rever o tempo de sono e o tempo com a tv, mas sem querer impor o
“certo” e sim, apenas refletir se fazia ou não sentido aquela dinâmica. Como
resultado, a dinâmica gerou bastante interação e o seu Jorge pareceu gostar
daquele ambiente mais agitado. Todos falamos um pouco, mostramos nossa rotina
e refletimos se tínhamos a pretensão de mudar ou não algo ali e o seu Jorge, para a
nossa surpresa, refletiu sobre seus horários de sono e sobre o tempo de tv e
youtube. No entanto, ele pareceu resistente a mudanças e entendemos que o
momento que ele se encontra agora, se dar o direito de dormir tarde e acordar tarde
seja algo positivo para ele, já que enquanto posição passada de trabalhador essa
realidade não era possível e nesse sentido, nos mostramos compreensivos e
respeitamos as vontades e preferências de seu Jorge, mas falamos um pouco sobre
higiene do sono para ele pudesse entender melhor os possíveis efeitos positivos
para a sua insônia que é controlada apenas com medicação.
No final do encontro, o seu Jorge começou a folhear o livro e a fazer
perguntas. Me aproximei e fui mostrando o livro, as partes que interessavam a ele e
mostrei o dvd. Ele se mostrou interessado e disse que lharia durante a semana, mas
não criei muitas expectativas.
Na volta para a policlínica, eu e meu trio conversamos bastante e traçamos
possíveis metas para os nossos encontros. A nossa dinâmica como grupo está
sendo muito produtiva e acredito que renderá bons frutos.

Dia 25/10

Ao chegar na república o seu Jorge foi me receber com um sorriso no rosto.


A mudança nele comparada aos primeiros encontros era muito visível. Logo quando
entrei ele já me disse muito feliz que tinha gostado muito dos dvds do livro e que já
tinha assistido as duas horas de dvd. Percebi que algo nele tinha brilhado e talvez
essa fosse a chance de incentivá-lo a voltar a desenhar e assim foi, conversamos
bastante sobre os desenhos, no começo ele se mostrou desesperançoso e disse
que não tinha o dom, mas no meio da conversa já mudou de ideia e nos prometeu
um desenho da república se déssemos uma régua e um estilete para ele.
Conseguimos, finalmente, aplicar a escala de eventos prazerosos com o seu
Jorge e essa escala nos ajudou a conduzir a conversa de forma surpreendente. Foi
o encontro mais produtivo até o momento e ver a mudança de comportamento do
seu Jorge é completamente recompensador, criamos grande carinho por ele e poder
ver a sua melhora nos faz acreditar que estamos no caminho certo.
Seu Jorge comentou durante a aplicação do instrumento que não saía a
muito tempo e relembrou de forma muito nostálgica o seu passado e a sua infância
em Santos. Uma atitude muito interessante também foi quando ele começou a
comentar dos defeitos e qualidades de um quadro de paisagem que ficava no centro
da sala de estar da república e de imediato tivemos a ideia de levá-lo até a
pinacoteca. Ele aceitou a ideia e pareceu animado, acertamos todos os detalhes
então e o tempo voou e logo deu o horário de irmos para a policlínica.
Dessa vez, fomos com um sorriso diferente no rosto, o sentimento de estar
fazendo diferença na vida de alguém e a alegria e certeza que a saúde é a área que
temos paixão e queremos trabalhar. Apesar das dificuldades, notar a melhora de
alguém é indescritível e uma das melhores sensações que eu já experienciei.

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