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Nome: João Vitor Arceno Souza

Data:21/09/2023

Resumo

Dinâmica profissional e formação do psicólogo:


uma perspectiva de integração

São mudanças econômicas, políticas, tecnológicas e socioculturais


que estão configurando, entre outros, novos cenários para o mundo do
trabalho que impõem, em diversos planos, a necessidade de
alterações nas definições, atitudes e competências dos trabalhadores
e, em especial, dos profissionais. Imerso em uma crise econômica e
social de caráter estrutural, o país vive os problemas das sociedades
mais industrializadas (a exemplo dos impactos das novas tecnologias
no segmento moderno da sua economia) lado a lado com os crônicos
problemas de um país de Terceiro Mundo, condição em que vive a
grande maioria da sua população. Ocupações voltadas para a
prestação de serviços em saúde e educação são consideradas como
as mais promissoras a curto prazo pelos analistas de tendências do
mercado de trabalho, levando-se em conta o decrescente peso do
emprego industrial a partir das mudanças estruturais que vivem as
empresas neste segmento (Bernardo, 1994). Independente dessas
transformações mais gerais, que colocam contornos abrangentes que
podem conformar a definição e transformações de ocupações
específicas, as profissões como sistemas ou estruturas sociais
experimentam processos de mudança que ocorrem no seu interior e
que modificam continuamente a sua relação com a sociedade. Como
afirmam Kast e Rosenberg (1970), o conceito de profissão envolve: (a)
a existência de um corpo sistemático de conhecimento que requer
lento processo de formação e treinamento, envolvendo tanto aspectos
intelectuais como atividades práticas; (b) um grau de autoridade
conferida pelos clientes em função do conhecimento técnico
especializado um amplo reconhecimento social como base para o
exercício da autoridade; (d) um código de ética que regula as relações
entre os pares e entre o profissional e os seus clientes; e (e) uma
cultura profissional que é mantida pelas organizações. Este processo
envolve, como destaca Wolff (1984), fases como a de diferenciação
(quando a comple idade de um campo demanda a necessidade de
indivíduos capacitados para lidar com determinados problemas),
legitimação (quando surge o sentimento de comunidade e o
reconhecimento da sua especificidade pelos clientes, governo e
sociedade) e a fase de institucionalização (quando os mecanismos de
autoregulação e de recrutamento, treinamento e socialização dos
novos membros estão consolidados) Ao longo dos capítulos
antecedentes deste trabalho teve-se a oportunidade de examinar, nas
principais áreas consolidadas de atuação do psicólogo, as
transformações em curso no seu interior, que estão gerando novos
padrões de serviços prestados por este profissional, assim como as
demandas que tais movimentos inovadores colocam para o seu
processo de formação. Neste sentido, e até para ser coerente com os
resultados já apresentados nos trabalhos isoladamente, torna-se
imprescindível recompor o todo do exercício profissional, até o
momento decomposto em áreas, por um recurso analítico. Assim, este
capítulo retoma os resultados apresentados nos capitu-los anteriores
para, em um segundo nível da análise, identificar tendências comuns
de mudança no exercício profissional das áreas estudadas, assim
como as demandas comuns de alteração no processo de formação.
As pesquisas de âmbito nacional realizadas pelo Conselho Federal de
Psicologia (CEP, 1988; Bastos, 1990), assim como outras de
abrangência regional ou local, têm, repetidamente, documentado que
o exerci-cio profissional do psicólogo no país caracteriza-se pela
dominância de um modelo de atuação restrito, denominado por
Carvalho (1982) de li-mitado", por não explorar suficiente e
adequadamente todo o potencial de conhecimentos que a psicologia
já tornou disponível à sociedade. Ou seja, o mercado de trabalho,
agora visto sob o prisma do tipo de trabalho oferecido à sociedade,
revela-se bastante homogênco, indicando que as instituições
formadoras têm atuado como reprodutoras de um modelo básico de
atuação que consiste no desempe nho de tarefas tradicionalmente
confiadas aos psicólogos, nos seus diversos ambientes de trabalho.
Apesar do quadro delineado nos surveys sobre o exercício profis-
sional, que tomam como base amostras representativas de
profissionais, revelar as características descritas acima, percebe-se
que este exercicio, como quaisquer outras práticas sociais, não se
revela imune às transformações sociais, econômicas, políticas e
tecnológicas que marcam o período atual em nível mundial e nacional
Assim, configuram-se novos fazeres, antigas práticas ganham novos
contornos, novos fundamentos ou concepções sobre a atuação
ganham realce e novas clientelas e contextos são explorados. Produto
de interações entre a dinâmica da produção do conhecimento
psicológico e os desafios colocados pela realidade nacional (por seu
caráter excludente, também no que se refere ao acesso aos
benefícios gerados pela psicologia), a busca de alternativas ao fazer
clássico que definiu, e permanece delindo legalmente o exercício da
psicologia, ainda não consolidou um novo padrão de ntuação que seja
largamente domi-nante. (1992) resumem as principais tendências
encontradas pelas revisões bi-biográficas nas áreas de atuação do
psicólogo A primeira tendência consiste na consolidação de um
modelo que não se restringe à mensuração de caracteristicas
psicológicas e intervenção frente aos problemas de ajustamento de
indivíduos, o que ocorre até mesmo na área clínica. Neste sentido, vai
além da anterior e nos dá acesso a práticas singulares que estão
construindo uma nova forma de ver o papel do psicólogo e a sua
relação com a vida de indivi-duos, grupos, organizações e
comunidades. Quando se examinam os textos produzidos sobre as
diferentes áreas de atuação pode-se, claramente, perceber a
existência de movimentos comuns, que ganham contornos e
coloração distintos nos campos, mas que se apóiam, largamente, na
consciência de quão insuficientes e limitadas têm sido as respostas
dadas pelos psicólogos às demandas sociais que lhes chegam. "Trata-
se, portanto, neste referencial, da adoção da idéia de que signos
produzidos pelo conhecimento humano, que vão surgir de uma
encruzilhada entre lugares sociais, históricos, políticos, econômicos,
culturais de onde são proferidos, e não da consideração de conceitos
universais com o estatuto de revelações, de certezas tornadas Na
atuação do psicólogo em educação, essa transformação se manifesta
através de uma psicologia que avança na busca de maior com-
pieensão do significado do comportamento humano nos contextos de
interação em que ele se insere. No campo da psicologia
organizacional e do trabalho é apontado, como um dos elementos que
caracterizariam a emergência de um novo paradigma, o
"redimensionamento do ser que trabalha como agente e não como
mero recurso [...) a explicação dos eventos que ocorrem no nivel
individual passaram a ser analisados em suas relações mais amplas,
atas-tando-se de uma visão reducionista e redescobrindo significados"
(Zanel-li, cap. Na atuação do psicólogo social, a visão do homem em
uma perspectiva histórico-social torna-se um pressuposto básico "É
necessário ter uma dimensão do movimento histórico e do meio
sociocultural em que o sujeito está inserido e buscar delinear as forças
de influências mútuas existentes nesta inter-relação" ( Bomfim, cap.4)
Este pressuposto manifesta-se na totalidade das experiências
descritas por Bomfim Vejamos alguns exemplos. No geral, esta
mudança expressa-se através de uma aproximação, bem mais
estreita, dos conhecimentos psicológicos daqueles produzidos por
outras ciências sociais, como a Sociologia e a Antropologia. Os
profissionais entrevistados apontaram a relevância de vários
intercâmbios entre a psicologia e outros campos da ciência com a
antropologia, para a compreensão da historicidade humana; com a
sociologia e ciência política para o entendimento dos contextos e das
clientelas com que trabalha; com a epidemiologia e sociologia para
lidar com as questões de saude pública; com as ciências biológicas e
medicina, para romper o modelo psicologizante que domina a
explicação dos problemas individuais. Os problemas com que se
defrontam os psicólogos sociais - pela sua diversidade ~ demandam
conhecimentos de um leque extremamente abrangente de campos do
conhecimento, como destacado por Bomfim (cap 4). A natureza
complexa dos fenômenos que demandam a intervenção do psicólogo,
nos diversos domínios do seu campo de atuação, aliada às
concepções emergentes que procuram ver o fenômeno psicológico
nas suas interações com outros fenômenos, conduz à necessidade de
integração de múltiplas perspectivas profissionais O trabalho em
equipes multiprofissionais passa a ser um imperativo para que o
enfrentamento do problema seja congruente com as múltiplas facetas
que ele assume. Nos domínios da psicologia clínica o trabalho em
equipe multiprofissional é uma decorrência da crescente inserção do
psicólogo em instituições de saúde, associando-se, portanto, ao
rompimento do "modelo de consultório. Como afirma Silva (1992), o
"trabalho conjunto que busque a integração de vários saberes e
práticas profissionais é um dos requisitos mais importantes do modelo
de atenção à saúde que se busca implementar" (apud, Lo Bianco et
al , cap 1). Um exemplo que bem caracteriza uma atuação
multiprofissional encontra-se no caso da psicóloga que trabalha no
departamento de cardiologia de um grande complexo hospitalar O
exame desta experiência, entre outras informações, revela que o
conceito de multiprofissionalidade requer mais do que simples
justaposição de vários profissionais e envolve coesão e articulação da
equipe em torno de um objetivo comum Na área escolar/educacional,
a atuação do psicólogo passa a ser exercida, sobretudo, em parceria
com o educador, como condição para promover a melhoria da
qualidade das práticas pedagógicas. Na álea organizacional pode-se
pensar, na realidade, em múltiplas equipes multiprofissionais, a
depender da subárea ou do tipo de intervenção em foco O psicólogo
aproxima-se do administrador, por exemplo, quando se insere nos
sistemas de gerência de pessoal; trabalha junto a pedagogos,
educadores, administradores e sociólogos na área de treinamento e
desenvolvimento; atua com assistentes sociais e advogados quando
se encontra na área de benefícios. A força que tal tipo de intervenção
exerce na definição da identidade do profissional de psicologia
extrapola, largamente, o que se convencionou chamar de área clínica
e atravessa a atuação do psicólogos em diversos outros contextos de
trabalho. A atuação tradicional do psicólogo na escola é caracterizada
pelos entrevistados por Maluf (cap.3) como uma atuação clínica,
remediativa e voltada para avaliação psicométrica. A área
organizacional e do trabalho caminhou nitidamente para superar o
modelo restrito e caracterizado pela psicotécnica que marca os seus
primórdios, caracterizado por centrar-se no ajustamento do indivíduo
ao trabalho a partir de mensurações de características de
personalidade, aptidões e interesses Como descreve Malvezzi (1979)
seu foco desloca-se para a transformação dos sistemas socio técnicos
corresponsabilizando-se por atividades que possam construir modelos
organizacionais mais apropriados às demandas do seu ambiente
externo e interno. também deixam claro este movimento de
deslocamento de uma intervenção centrada no indivíduo e nos
processos de seleção, para atividades que lidam com grupos e com a
própria estrutura organizacional. Na própria área clínica existe um
movimento de expansão que, por um lado retira o psicólogo do
consultório e o coloca em instituições de saúde e, por outro lado,
procura incorporar, na compreensão do problema individual,
elementos dos contexto social. Na área organizacional e do trabalho,
já a revisão bibliográfica realizada por Bastos (1992) apontava, como
o terceiro movimento inovador na área, a busca de uma inserção do
profissional a posições mais estratégicas permitindo-lhe interferir na
formulação das políticas organizacionais básicas. Na área escolar este
tipo de inserção é vista como permitindo que o psicólogo se
desvincule do corpo administrativo da escola Profissionais
entrevistados por Maluf (cap. Embora ainda mantenha um forte
vínculo com a atividade acade mica de ensino e pesquisa, também é
crescente o número de psicólogos sociais que desenvolve atividades
de consultoria junto aos movimentos populares, sociais e comunitários
assim como junto a instituições as mais diversas. A ampliação do
leque de problemas com que o psicólogo passa a lidar, a crescente
crença sobre a multideterminação envolvida nestes problemas além
do fato de passar a trabalhar com outros profissionais em torno de
uma questão específica, tem como um subproduto importante a
diversificação dos recursos técnicos empregados Esta diversificação
associase, na maioria dos casos, à necessidade de passar a lidar com
gIu-pos e não mais com indivíduos isoladamente Em síntese, o que foi
percebido por Lo Bianco er al (cap.l) em relação à atuação do
psicólogo clínico, parece estender-se para os demais domínios,
especialmente para as práticas na psicologia social. No caso do
psicólogo clínico, o seu contato com uma clientela distinta daquela que
tem acesso aos serviços psicoterápicos privados parece ter um efeito
importante no desencadeamento das mudanças descritas, envolvendo
desde a revisão dos modelos teórico-conceituais até as estratégias de
como lidar com os aspectos psicológicos e psicopatológicos Sua
inserção nos serviços básicos de saúde pública, por exemplo, leva-o a
se engajar em atividades voltadas para atenção primária e secundária,
no geral ações preventivas ou remediativas de baixa complexidade.
Também é a área social que apresenta a mais clara diversificação de
clientela, por trazer para o campo de atuação da psicologia, os
segmentos sociais antes excluídos. A citação de Martín-Baró feita por
Maluí (cap 3) é bastante elucidativa deste movimento: "muitos dos
conceitos, teorias e modelos mais utilizados em Psicologia surgiram
em condições muito diferentes, a partir de interesses sociais muito
concretos e na busca de respostas murto específicas, mas
costumamos aceitá-los como se se tratasse de lentes universais e
assépticas que nos permitissem ler qualquer realidade" Por lidar com
problemas que se afastam fortemente daqueles do eminentemente
enfrentados pela Psicologia e, especialmente, por tratá-los em um
perspectiva interdisciplinar, presume-se como necessária a produção
de conhecimentos especificamente voltados para a clientela,
problemas e contextos em que estes ocorrem O trabalho de Bomfim e
al (1992), de alguma forma, ao descrever a trajetória da psicologia
social enquanto campo de intervenção em problemas socio
comunitários no Brasil, permite inferir o papel desafiador colocado pela
própria prática inovadora junto aos movimentos sociais e comunitários
para a geração deste conhecimento Fortalece-se uma preocupação
com o engajamento pela transformação social Permeando todo o
conjunto de mudanças analisadas, parece emergir da maioria das
práticas profissionais descritas nos capítulos anterio-res, uma noção
diferenciada acerca do compromisso social da psicologia. Hoje, a
noção de compromisso parece estender-se para abarcar uma clara
preocupação com a transformação das condições de vida em que o
indivíduo vive ou com a alteração de estruturas sociais tidas como
geradoras dos problemas vividos pelos indivíduos. No domínio da
psicologia social, talvez este seja um dos principais eixos em que se
dão as mudanças observadas Todas as experiências descritas como
inovadoras trazem, como marca definidora, uma preocupação com a
transformação social e, mais especificamente, com a alteração das
estruturas geradoras da exclusão a que é remetida a maioria da
população brasileira. Na área organizacional Zanelli (cap 2) registra
que, para alguns segmentos da atuação, emerge uma maior
preocupação com o compromisso político-ideológico. Essa nova
noção de compromisso social aparece, especialmente, na atuação em
qualidade de vida no trabalho e saúde mental e junto dos sindicatos,
quando o psicólogo passa a lidar com aspectos sociais e políticos que
extrapolam o âmbito próprio da organização. A atuação clínica
tradicional é o locus privilegiado para a manutenção de uma
perspectiva humanista, quando não assistencialista, como definidora
do tipo de comprometimento do psicólogo com o social. Apesar disso,
nos movimentos de saude pública, o movimento pela extinção dos
manicômios, em síntese, os trabalhos que se situam na interface entre
o clínico e o social trazem, também para a área clínica, a noção de
compromisso com a transformação social mais abrangente. Como
afirma Guedes (1992) referindo-se à atuacão clínica, "um alcance
maior para o trabalho do psicólogo - no sentido de atingir mais
pessoas ou camadas mais pobres da população - já não implica
necessariamente opção por outra área". Essa inserção institucional
impõe a relação com outros profissionais c entre outros aspectos,
configura um contexto específico, que deve ser considerado na própria
execução do trabalho; a progressiva perda do seu caráter liberal com
o crescente número de psicólogos assalariados se, por um lado,
contribui para a democratização dos serviços psicológicos, por outro,
implica em alterações significativas na forma como o seu trabalho é
organizado. Tais elementos envolvem não apenas os conhecimentos
e técnicas que se tornam necessários aos novos contextos e clientelas
com que passa a trabalhar. Nesse teneno pode-se perceber, também,
que os movimentos inovadores descritos, de forma congruente,
exigem, independente de área de atuação, uma "postura" diferenciada
em relação a que hoje domina o exercício profissional. o ser pró-ativo,
empreendedor Esse conjunto de habilidades revela a necessidade de
que, no curso da formação acadêmica do psicólogo, sejam rompidos
os limites que o aprisionam a uma formação fragmentada e tecnicista
ou que o preparam para reproduzir formas extremamente limitadas de
enfientar um reduzido leque de problemas Ele, também, aponta o
desafio de que a mudança na formação não pode se reduzir ao plano
dos conteúdos ou conhecimentos, mesmo que a sua ampliação dê
conta dos novos contextos, clientelas e problemas com os quais o
psicólogo passou a se deparar. No plano dos novos conteúdos ou
conhecimentos, fica claro que a sua profunda ampliação, decorrente
da diversificação de problemas e contextos com que o psicólogo
passa a lidar, não pode ser contemplada diretamente e em toda a sua
extensão, por um curso no nível de graduação Neste sentido, é
interessante notar como o discurso dos profissionais entrevistados
caminha na direção de propor uma sólida formação básica que
desenvolva no psicólogo habilidades fundamentais, inclusive relativas
à busca dos conhecimentos necessários à uma atuação específica. O
que parece em questão é que a simples existência ou contato com tais
áreas não tem se revelado suficiente para garantir uma perspectiva
interdisciplinar ao campo.

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