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OS 40 ANOS DA GREVE GERAL DE ESTUDANTES PELA MANUTENÇÃO

DO RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO DA UFAC

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.


Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima...
[Carlos Drummond de Andrade,
A flor e a náusea]

Em março de 1984, com vinte e um anos de idade, ingressei no curso de História da


Universidade Federal do Acre (Ufac). Poucos dias após o início das aulas, passei a acompanhar
as discussões e deliberações que culminaram com a deflagração da greve de estudantes pela
manutenção do Restaurante Universitário (RU), ameaçado de fechamento pelo corte de verbas
imposto pelo último dos governantes da ditadura militar do pós-64. Essa impactante greve,
liderada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), então sob a presidência de Marcos
Afonso, e pelos Centros Acadêmicos de História, Pedagogia, Heveicultura, Letras, Economia,
representou um importante marco na história do Movimento Estudantil acreano. Logo após o
término da greve, o DCE se engajou de modo contundente na campanha das Diretas Já para
presidente da república e, de modo mais específico, na primeira eleição direta para a reitoria da
instituição.
Naquele março de 84, eu estava me desvinculando da Pastoral da Juventude e militava no
Partido Comunista do Brasil (PcdoB), então na clandestinidade. Alguns meses antes, em
outubro de 1983, ao lado de inúmeras companheiras e companheiros secundaristas (Nazaré,
Carmem, Hilda, Cila, Nora, Socorro, José Alício, Neto, Farley, Coêlho, Altair, entre outras e
outros), tinha participado da histórica mobilização que culminou com uma grande assembleia
na quadra do Colégio Meta, seguida da passeata pela retomada da Casa do Estudante Acreano
(CEA), expulsando de seu interior um grupo de golpistas vinculados ao partido político que
dava sustentação ao regime militar no Brasil, a Aliança Renovadora Nacional – Arena, que
depois mudou para Partido Democrático Social – PDS.
Bônus que era vendido para arrecadar fundos para a manutenção da greve estudantil de 1984. O
desenho e acabamento final é do artista plástico, poeta e ator Jorge Carlos (João Maiara)

É interessante lembrar que o DCE foi fundado em 1972, mas, somente no ano de 1977,
com a eleição da chapa Seringueira, sob a presidência de Valdir Nicácio, a entidade deixou de
ser uma espécie de grêmio recreativo e passou a encampar as lutas políticas em defesa dos
interesses coletivos do conjunto de estudantes e a inserir no âmbito da Ufac as questões e temas
relacionados à destruição de imensas área de florestas, à expropriação de famílias de
trabalhadores indígenas e não-indígenas, ao desmonte de ecossistemas, ao assassinato de
sindicalistas ou lideranças comunitárias e a toda sorte de violências contra mulheres, crianças
e homens das áreas de seringais e colônias da região. Desde aqueles fins da década de 1970 e
por toda a década de 1980, o DCE da Ufac passou a ser figura central entre as principais
entidades locais nas lutas pelo fim da ditadura militar no Brasil. Não por acaso, essa entidade
estudantil foi uma das protagonistas de inúmeras mobilizações, passeatas, atos-shows, festivais
de música, greves e marchas em apoio às causas de trabalhadoras e trabalhadores das cidades e
das florestas da Amazônia acreana.
I Festival Acreano de Música Popular – Famp, realizado na sede social do Vasco da Gama, no
centro de Rio Branco, em 1980, já tendo o DCE da Ufac como um de seus organizadores

Algumas das pessoas que passaram pelas diretorias do DCE da Ufac ainda vivem e atuam
em diferentes instituições na Amazônia acreana ou outras localidades do país: Tristão
Cavalcante, Airton Rocha, Fátima Almeida, Ademir Lopes, Carioca, Fábio Vaz, Gerson
Albuquerque, Sávio Maia, Sérgio Roberto, Francisco das Chagas (Fran), Maria José, Kennedy
Afonso, Hildo César, Mídia Maciel, Sanderson Moura, Wlisses James, Eduardo Carneiro,
Alexandre Lopes, Raquel Ishii, Eudo Rafael, apenas para citar alguns nomes. Porém,
curiosamente, no marco da passagem dos 50 anos de fundação do DCE, em 2022, com a mais
completa omissão de sua diretoria, não me lembro de ter visto nenhuma atividade ou lido
qualquer menção alusiva ao meio século de existência dessa que é a entidade mais antiga da
Ufac, com uma impressionante trajetória em defesa da universidade pública, gratuita, laica, de
qualidade, socialmente referendada e conectada com as questões que dizem respeito aos
mundos amazônicos e latino-americanos.
Ato público alusivo ao Primeiro de maio de 1978, na quadra do Instituto São José, centro de Rio
Branco. No primeiro plano aparece Airton Rocha, que seria eleito presidente do DCE, em 1981.

A greve pelo RU (ou bandejão), deflagrada no mês de março do ano de 1984, colocou em
evidência a força do Movimento Estudantil e do DCE da Ufac e serviu como uma espécie de
estopim para um amplo conjunto de outras lutas que transbordaram dos corredores e salas da
instituição para os espaços públicos da cidade de Rio Branco. Rememorar essa greve no marco
de seus 40 anos implica em não apenas atualizar as históricas bandeiras de luta pela
universidade pública na Amazônia acreana, mas recusar as cerimônias protocolares e ufanistas
em alusão aos 60 anos de criação da Universidade Federal do Acre e aos 50 anos de sua
federalização. É preciso não esquecer que a Ufac nasceu sob a égide da ditadura militar de 1964
e que no ano de 1977, quando a chapa Seringueira era eleita para a direção do DCE,
paradoxalmente, a reitoria e toda a administração superior dessa Instituição Federal de Ensino
se abraçava com os autoritários governantes locais para render homenagem ao centenário da
implacável colonização do Acre e homenagear os ditadores de plantão na república brasileira,
responsáveis por inúmeras violências físicas, psíquicas e ambientais contra centenas de famílias
das florestas e das cidades amazônicas, impondo a ferro e fogo sua “moderna” economia
agropastoril, destruindo milhares de quilômetros de florestas e os modos de vida de suas
populações.

Gerson R. Albuquerque
Centro de Educação, Letras e Artes
Universidade Federal do Acre

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