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Acta Scientiarum. Human and Social Sciences Maringá, v. 33, n. 1, p. 13-19, 2011
Aproximações teóricas do conceito de classe 15
setor de serviços, bancos, comércio, turismo, alterações no perfil da classe trabalhadora. Antunes
serviços públicos etc., até aqueles que realizam enfatiza precisamente a relação entre as
atividades nas fábricas, mas não criam diretamente transformações no universo da produção e no
valor (ANTUNES, 2003, p. 102).
universo do trabalho para explicar a nova forma de
É notável a expansão do trabalho improdutivo no ser da classe. A produção e o trabalho não são
capitalismo contemporâneo. Além disso, há um dimensões dissociadas. Ao contrário, há uma
processo intenso de imbricação dele com o trabalho interpenetração recíproca5. Portanto, as
produtivo. Verifica-se esta associação, por exemplo, transformações históricas compreendem as duas
no papel cada vez mais relevante das esferas, não afetando, de forma alguma, a concretude
telecomunicações no processo produtivo, na geração e centralidade do fenômeno da classe.
de “valores de troca” pelas grandes corporações O elemento que une esse conjunto complexo e
transnacionais. Antunes adiciona à “classe-que-vive- diversificado que forma a “classe-que-vive-do-
do-trabalho”, por fim, os desempregados – expulsos trabalho”, materializa-se na experiência de
da produção pela re-estruturação produtiva e pelas subsunção real do trabalho ao capital, vivida pelos
tecnologias excludentes – e os trabalhadores rurais, sujeitos. Os trabalhadores – produtivos,
que, de maneira geral, vendem sua força de trabalho improdutivos, desempregados pelo metabolismo
para os novos “empresários rurais”. societal capitalista – vivem situações que os
Consciente de que suas proposições teóricas aproximam enquanto membros de uma formação de
enfrentam resistência no interior do pensamento classe, por oposição ao capital e por semelhanças na
social, sobretudo de corte marxiano, Antunes experiência de viver da força de seu trabalho. Ellen
procura delimitar a “classe-que-vive-do-trabalho” Wood, em “Democracia contra Capitalismo”, afirma
apontando quem “não” faz parte dela. que não só as relações de produção conformam a
A classe trabalhadora hoje exclui, naturalmente, os existência da classe social, mas, sobretudo, a
gestores do capital, seus altos funcionários, que experiência vivida pelo sujeito. Nas palavras de
detêm papel de controle no processo de trabalho, de Wood:
valorização e reprodução do capital no interior das
As ligações e oposições contidas no processo de
empresas e que recebem rendimentos elevados ou
produção são a base da classe; mas a relação entre
ainda aqueles que, de posse de um capital
pessoas que ocupam posições semelhantes nas
acumulado, vivem da especulação e dos juros.
relações de produção não é dada diretamente pelo
Exclui, também, em nosso entendimento, os
processo de produção e de apropriação (...) as
pequenos empresários, a pequena burguesia urbana e
pessoas nunca estão ‘reunidas’ em classes, a pressão
rural proprietária (ANTUNES, 2003, p. 104).
determinante exercida por um modo de produção na
Ricardo Antunes admite, então, que o mundo do formação das classes não pode ser expressa sem
trabalho assumiu dimensões mais complexas, referência a alguma coisa semelhante a uma
heterogêneas e diversificadas. Há expansão dos experiência comum – uma experiência vivida de
relações de produção, as divisões entre produtores e
trabalhadores de serviços, desempregados e
apropriadores, e, mais particularmente, dos conflitos
precarizados. Este último assumindo um papel cada e das lutas inerentes às relações de produção
vez maior na composição da classe trabalhadora (WOOD, 2003, p. 89).
atual, com os terceirizados, subcontratados, part-time.
Nem por isso a classe perde vitalidade histórica e É perceptível que Ricardo Antunes não vê a
potencialidade analítica. Para isso, ela deve ser classe como um elemento teórico imposto sobre a
compreendida como elemento dinâmico, integrado realidade, como um continuum observável em
às contingências da história. Os processos de qualquer realidade. Orienta, para afirmar essa
produção e de trabalho sofreram alterações proposição, parte de sua obra com a finalidade de
profundas a partir da década de 1970. O proletariado compreender a crise do sindicalismo6 e da
fabril, manual, estabilizado perdeu espaço com a re- organização política de classe, tendo em vista as
estruturação produtiva, ao passo que o profundas transformações na composição e na
assalariamento cresceu fortemente – ainda que nos experiência dos sujeitos que vivem da venda de sua
padrões precarizados. A derrocada do força de trabalho.
fordismo/taylorismo e a ascensão dos padrões Os complexos fenômenos societais do século
flexíveis de produção4 foram acompanhadas pelas XXI demandam aparatos teórico-metodológicos
correspondentes, que deem conta de orientar as
4
Há, na realidade, múltiplas combinações entre os diferentes padrões de
5
produção: fordismo, taylorismo, linhas enxutas/flexíveis, trabalho doméstico etc. Para maiores informações sobre esse debate, verificar Boito Júnior (2005).
Não é objetivo deste ensaio aprofundar essa problematização. Para mais 6
informações, verificar Leite (2003). Verificar Antunes (1995, 1999).
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16 Aquiles
investigações com profundidade (IANNI, 1997). centralidade na condução dos processos, tornando-os
Antunes se coloca precisamente no campo dos que meros portadores de esquemas estruturais pré-
promovem uma atualização desses parâmetros de existentes (THOMPSON, 1981).
análise, como defende Ianni, e corre os riscos Embora Thompson tenha sido criticado, em
decorrentes da opção que faz, como em toda revisão vários momentos, por não dar a devida importância
de teorias tradicionais. às relações sociais de produção em sua compreensão
do fenômeno de classe, ele procura mostrar
Edward P. Thompson e a classe como processo e relação
exatamente o contrário. Há uma operacionalização
Influente historiador inglês, Thompson se teórica segundo a qual a totalidade8 das relações de
destacou por construir uma noção de classe que produção determina as situações que serão
levasse em conta sua historicidade e processualidade. “experimentadas” pelos sujeitos. Não existe um
Buscou enfatizar o seu caráter “relacional”. Por meio resultado pré-determinado desse processo
de sua leitura da obra marxiana, se envolveu em
conduzido pelos indivíduos. Precisamente nesse
importantes discussões com outros pensadores,
ponto se encontra o elemento explicativo central – e,
notadamente com Louis Althusser7. Thompson
sobretudo, a sofisticação conceitual – do arcabouço
questionou as apreensões estruturalistas do
teórico de Edward Thompson. A “experiência” seria
fenômeno de classe, segundo as quais os indivíduos
o elo entre a totalidade das relações sociais de
seriam distribuídos em conjuntos estáticos de acordo
produção e o resultado das “situações” vividas pelo
com a sua posição nas relações de produção.
ser social. Thompson assim define a noção de
Haveria, segundo ele, uma relação de determinação
entre processo de produção e classe social e, “experiência” em seu desenho analítico:
notadamente, uma primazia de traços econômicos Os homens e mulheres (...) retornam como sujeitos
na definição das formações de classe. Segundo dentro deste termo – não como sujeitos autônomos,
Thompson: “indivíduos livres”, mas como pessoas que
experimentam suas situações e relações produtivas
Existe atualmente uma tentação generalizada em se determinadas como necessidades e interesses e com
supor que a classe é uma coisa. Não era esse o antagonismos, e em seguida “tratam” essa
significado em Marx, em seus escritos históricos, mas o experiência em sua consciência e sua cultura (...) da
erro deturpa muitos textos ‘marxistas’ contemporâneos. mais complexas maneiras (...) e em seguida (muitas
‘Ela’, a classe operária, é tomada como tendo uma vezes, mas nem sempre, através das estruturas de
existência real, capaz de ser definida quase classe resultantes) agem, por sua vez, sobre a situação
matematicamente – uma quantidade de homens que se determinada (THOMPSON, 1981, p. 182).
encontra numa certa proporção com os meios de
produção (THOMPSON, 1987, p. 10). Ao discutir a proposta de compreensão de classe
de Thompson, Ellen Wood afirma:
Estas definições estruturalistas incorreriam no erro
de tratar o fenômeno da classe como uma construção (...) determinações objetivas não se impõem sobre
matéria-prima vazia e passiva, mas sobre seres
teórico-abstrata, deslocada dos processos históricos
históricos ativos e conscientes. As formações de
reais. O dinamismo das relações entre os sujeitos, classe surgem e se desenvolvem à medida que
orientadas por suas “experiências vividas”, seriam homens e mulheres vivem suas relações produtivas e
reduzidas à mecânica das determinações econômicas. experimentam suas situações determinadas, no
O marxismo estruturalista teria uma noção de classe interior do conjunto das relações sociais, com a
desumanizante, em que o “fazer-se” dos sujeitos cultura e esperanças que herdaram, e à medida que
trabalham de formas culturais suas experiências
enquanto classe seria deliberadamente negado, em
(WOOD, 2003, p. 76).
função de um conjunto de pré-disposições estruturais
impostas sobre a realidade dos acontecimentos As formações de classe só podem ser analisadas
(THOMPSON, 1987). Assim, essa perspectiva se quando observada em sua historicidade, ou seja,
isolaria cada vez mais no interior de seu casulo de verificar sua existência só é possível quando os
procedimentos científicos, teorizando sobre a classe, processos históricos estruturados por relações de
despreocupada com o ser social e sua história. Além produção ganham uma dimensão ampla. Apenas
disso, o entendimento estruturalista do marxismo 8
desprezaria a história real em favor da subsunção do O método do materialismo histórico desenvolvido por Marx encerrou uma longa
discussão com o hegelianos sobre a noção de totalidade. Sinteticamente, o
“agir humano à estrutura”, tirando dos sujeitos a domínio do todo sobre as partes, configurado por meio da apreensão dos
múltiplos fenômenos parciais como momentos do todo, como parcelas de um
mesmo processo configuram a definição de totalidade histórica. Além disso, o
7 ponto de vista da totalidade sobrepujaria inclusive outras determinações,
Thompson dedicou uma importante obra para o debate com os estruturalistas, consideradas até então suficientes para delimitar suas diferenças diante da
sobretudo com Louis Althusser: “A Miséria da Teoria ou Um Planetário de Erros: ciência burguesa, como o predomínio de motivos econômicos na explicação da
uma critica ao pensamento de Althusser” (THOMPSON, 1981). história. Para maiores informações verificar Lukács (2001).
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[os trabalhadores improdutivos] são aqueles que se de produção. Dessa forma, é possível verificar as
constituem em agentes não-produtivos, geradores de singularidades das lutas de classes em um dado
anti-valor no processo de trabalho capitalista, mas
contexto, levando em conta sua processualidade,
que “vivenciam as mesmas premissas” e se erigem
sobre os fundamentos materiais [dos trabalhadores concretude e evidência nos acontecimentos.
produtivos] (MESZAROS apud ANTUNES, 2003, Por fim, vale destacar que Thompson e Antunes
p. 102) (grifo nosso). não organizaram com sistematicidade suas
definições de classe social. Empreender possíveis
O elemento que leva Antunes a reunir um
aproximações é, inevitavelmente, uma tarefa
conjunto amplo de seres sociais que vivem da
arriscada, sobretudo em um ensaio de curtas
venda da sua força de trabalho em um mesmo
dimensões. No entanto, é possível apontar alguns
conjunto de classe é, precisamente, a “experiência
de viver as mesmas condições de subsunção ao elementos que unem as teorias sobre classes dos
capital”. Ocorre, inquestionavelmente, que o dois pensadores: a) classe como categoria
mundo do trabalho se transformou brutalmente histórica, vinculada a contextos e seres reais; b)
nas últimas décadas e o perfil daqueles que vivem experiência como elemento gerador de relações
da venda de seu trabalho sofreu alterações. Negar entre sujeitos e estruturas na processualidade dos
esse fato histórico é ignorar o dinamismo das fenômenos; c) lutas e contradições como
relações de produção, suas composições e resultado de situações experimentadas pelos
recomposições, e optar por uma compreensão indivíduos, ensejando processos de interações
anti-histórica da classe. entre classes; d) dupla dimensão da classe, interna
As contradições e conflitos gerados no processo (compreender suas variações na composição e
de “experimentação” de “situações” de classes forma de ser) e externa, na relação entre sujeitos
ensejam a centralidade dos processos de luta. reunidos em classes distintas, por meio de
Antunes e Thompson, também nesse ponto, têm projetos e interesses diversos.
acordo ao afirmarem que as formações de classe se
organizam e consolidam em contextos de Referências
acirramento das contradições. Além disso, há a ANTUNES, R. O novo sindicalismo no Brasil. São
dimensão das relações internas à cada classe, ou Paulo: Pontes, 1995.
seja, a composição dos conjuntos afeta as formas e ANTUNES, R. Neoliberalismo, trabalho e
sindicatos: reestruturação produtiva no Brasil e na
padrões de ação de cada um no processo histórico.
Inglaterra. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.
Assim, torna-se necessário verificar as formas de ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a
ser, as relações internas de cada formação de classe afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo
em seu contexto real. Para Ricardo Antunes: Editorial, 2003.
BOITO JÚNIOR, A. O sindicalismo na política
(...) apesar da heterogeneização, complexificação e
Brasileira. Campinas: Editora do Instituto de Filosofia e
fragmentação da classe trabalhadora, as
Ciências Humanas da Unicamp, 2005.
possibilidades de uma efetiva emancipação humana
CASTELLS, M. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e
ainda podem encontrar concretude e viabilidade
Terra, 2001.
social a partir das revoltas e rebeliões que se
GORZ, A. Adeus ao proletariado: para além do
originam centralmente no mundo trabalho; um
socialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
processo de emancipação simultaneamente do
IANNI, O. A sociologia numa época de globalismo. In:
trabalho, no trabalho e pelo trabalho (...) Todo o
amplo leque de assalariados que compreendem o FERREIRA, L. C. (Org.). A sociologia no horizonte do
setor de serviços, mais os trabalhadores século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997. p. 13-25.
‘terceirizados’, os trabalhadores do mercado LEITE, M. P. Trabalho e sociedade em
informal, os ‘trabalhadores domésticos’, os transformação: mudanças produtivas e atores sociais.
desempregados, sub-empregados etc., pode somar-se São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
aos trabalhadores diretamente produtivos e por isso, LUKÁCS, G. História e consciência de classe. São
atuando como classe, constituir um segmento social Paulo: Martins Fontes, 2001.
dotado de maior potencialidade anticapitalista na luta OFFE, C. Trabalho como categoria sociológica
de classes (ANTUNES, 2003, p. 216). fundamental?. In: OFFE, C. (Ed.). Trabalho e
sociedade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. v. 1,
A preocupação de Antunes reside, p. 13-41.
fundamentalmente, na apreensão do proletariado em THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um
suas múltiplas características no contexto do século planetário de erros: uma crítica ao pensamento de
XXI, da re-estruturação e transformação dos meios Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
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