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AURORA ano IV número 6 - JUNHO DE 2010 ISSN: 1982-8004 www.marilia.unesp.

br/aurora

NOTAS SOBRE O CONCEITO DE INDIVÍDUO


NA TEORIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA:
Um percurso a partir das obras de Stuart Hall, Norbert Elias,
Richard Sennett e Zygmunt Bauman

Rodolfo Arruda

Resumo
O artigo investiga o modo como alguns autores da Teoria Social contemporânea (Stuart Hall,
Norbert Elias, Richard Sennett e Zygmunt Bauman) desenvolveram diversas críticas à noção
de Indivíduo pertencente ao pensamento social clássico. Em comum, estes pensadores
consideraram necessário reformular o arcabouço teórico legado pela Sociologia Moderna,
julgando que muitos dos instrumentais teóricos utilizados por ela não são mais capazes de
captar a complexidade e a multiplicidade dos processos de individualização que ocorrem na
época contemporânea. Com base numa leitura aberta destas diversas críticas levantadas por
estes autores, o artigo busca demonstrar que o conjunto destas objeções pode ser visto como
uma nova forma de representar a noção de Indivíduo, que atribui poderes, funções e
expectativas a estes novos sujeitos muito diferentes daquelas apresentadas pelo pensamento
clássico. Após apresentação deste novo quadro conceitual concedido à categoria de Indivíduo
no mundo contemporâneo, o artigo se encerra colocando para a discussão quais os novos
problemas e os desafios contidos no surgimento deste novo modelo.
Palavras-chave: Teoria Social Contemporânea, Indivíduo, Identidade e Vida Líquida.

Abstract
The paper investigates how some authors of contemporary Social Theory (Stuart Hall, Norbert
Elias, Richard Sennett and Zygmunt Bauman) developed several criticisms of the notion of
Individual belonging to the classic Social Thought. In common, these thinkers consider it
necessary to reformulate the theoretical legacy of the Modern Sociology, believing that many
of the theoretical frameworks used by it are no longer able to capture the complexity and
multiplicity of individualization processes occurring in the contemporary era. Based on an
open reading of these various criticisms raised by these authors, the paper demonstrates that all
these objections can be seen as a new way to represent the notion of individual, which gives
powers, functions and expectations of these new Individual very different from those
presented by classical thought. After presentation of this new conceptual framework given to
the category of Individual in the contemporary world, the article concludes by putting to
discuss what new problems and challenges contained in the emergence of this new model.
Key Words: Contemporary Social Theory, Individual, Identity, Liquid Life

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Líquido-moderna é uma sociedade em que as condições sob


as quais agem os seus membros mudam num tempo mais
curto do que aquele necessário para a consolidação, em
hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e
da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A
vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não
pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito
tempo. Zygmunt Bauman – Vida Líquida

Introdução apropriado para uma melhor compreensão


dos problemas e desafios apresentados pelo

N este artigo, nosso objetivo é


constituir um quadro panorâmico
dos contornos do Indivíduo
contemporâneo a partir da investigação das
contexto hodierno. Diante disso, o intuito
do artigo não é elucidar a questão ou
propor uma linha interpretativa para o
problema, mas aproveitar a multiplicidade
figuras oferecidas nas pesquisas e análises de trajetórias analíticas proporcionada pela
de alguns autores significativos da Teoria sociologia contemporânea e tentar esboçar
Social1 atual. Partimos da suposição de que um quadro de como esses debates
há um número grande de representações constroem um quadro-teórico2 sobre a noção
sobre os papéis, os poderes, atribuições e de Indivíduo contemporâneo.
expectativas quanto ao papel dos Uma pergunta que poderia
indivíduos no mundo contemporâneo e de caracterizar de modo mais simples o nosso
que não existe consenso nas Ciências objetivo, poderia ser disposta de modo
Sociais sobre que tipo de modelo é mais informal: “Como a Sociologia
contemporânea tem representado o
1 Utilizamos o termo Teoria Social (a exemplo de Indivíduo, no contexto desses novos
muitos autores, de diferentes tradições teóricas – problemas apresentados pelo mundo Pós-
britânica e americana, sobretudo – tais como moderno3?”, ou, de modo semelhante,
Anthony Giddens, Ulrich Beck, Jeffrey Alexander,
Richard Sennett, Axel Honneth, Zygmunt Bauman,
entre outros) que se caracteriza, acima de tudo, pela 2 O termo quadro-teórico aqui empregado não

reflexão meta-teórica sobre o pensamento possuí nenhum valor conceitual. É apenas um


sociológico moderno e suas categorias, e também termo aqui criado para representar uma espécie de
por um tipo de debate interdisciplinar que reabre mosaico conceitual, algo como utilizar diversas
fronteiras entre disciplinas tradicionais como representações e conceitos sobre um mesmo
Sociologia, Antropologia, Psicanálise e Economia, assunto, para elaborar uma imagem modelo ao final
buscando expandir o referencial teórico e dos diversos materiais utilizados.
metodológico do pensamento social 3 Certamente, a discussão aqui apresentada pode ser

contemporâneo. Muitas vezes a Teoria Social é vista como uma retomada de um debate que marcou
representada como uma especialidade dentro da de modo significativo a imaginação sociológica nos
Sociologia, mas esta forma de representá-la não anos 1980-1990, que foi o confronto entre os
pode desconsiderar o fato de que a Teoria Social se defensores da corrente chamada de Pós-
coloca acima dos cânones da disciplina, justamente modernidade e os autores que criticavam a ausência
para poder realizar essa auto-crítica aos próprios de critérios e evidência conceitual do termo.
limites disciplinares. Mais detalhes in Alexander Considera-se que a resolução deste conflito foi
(1987). muito mais uma trégua entre os contendores do que

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“Qual a figura de Indivíduo podemos das explicações e interpretações de caráter


visualizar após realizarmos uma sociológico.
investigação, no interior das obras e das A intenção de realizar essa leitura
análises de alguns autores da Teoria Social panorâmica que investiga o instrumental
?” As perguntas convergem para uma teórico nas análises sociológicas
curiosidade comum: “Qual é a imagem de contemporâneas parte de algumas
Indivíduo que nos oferecem alguns dos percepções acerca dos problemas
autores mais destacados da sociologia enfrentados no campo investigativo destas
contemporânea?”, “Trata-se de uma visão áreas.
otimista, que atribui uma gama de Um primeiro plano a ser
responsabilidades e poderes, tais como a identificado é o fato de que nos debates
autonomia e o poder emancipatório de teóricos das Ciências Humanas, categorias
reformular as relações sociais problemáticas tais como Indivíduo, e suas noções
atuais4, ou, uma visão mais cética, que correlatas, Identidade, Subjetividade,
aponta para a redução das possibilidades Intimidade, etc., encontram-se em situação
dos sujeitos de tomarem ação efetiva de constante indefinição e discussão quanto
dentro de suas determinações, devido a a sua verdadeira extensão e acerca de seus
uma reformulação de suas dimensões e seu possíveis poderes explicativos
processo constitutivo?” (ALEXANDER, 1997).
Este artigo expõe o resultado de As Ciências Humanas, como um
um conjunto de leituras de alguns autores conceito amplo que incorpora diversas
contemporâneos da Teoria Social, no qual correntes teóricas, são vistas como uma
o foco de investigação recai sobre os disciplina que não possui uma unificação de
instrumentos teóricos utilizados pelos modelos investigativos a respeito das
pesquisadores para representar o papel e a categorias principais que constituem a
atuação dos agentes individuais no interior análise dos fenômenos sociais e sua
conseqüente explicação. Sob este aspecto, a
propriamente uma definição para um dos dois lados, própria Ciência Social representa essa
tal como uma nova síntese poderia sugerir. Diante característica como um distintivo da
deste impasse e das impressões pejorativas que o disciplina, que não é negativo, mas que essa
termo atraía, muitos tentaram uma reformulação e constante busca por métodos e por rigor
melhor detalhamento, como são os casos de
Giddens, modernidade tardia, e, Bauman, modernidade
conceitual é da própria natureza crítica
líquida, entre outros. Neste texto nós consideramos desta área de conhecimento e importante
que existem diferenças entre as acepções, mas nos para a sua renovação.
manteremos fixados na questão do conceito de Embora seja admitida essa
Indivíduo contemporâneo deixando essas diferenças coexistência (vista, muitas vezes, como
para uma discussão posterior.
4 Neste sentido, é possível considerar o
apontado acima, como um elemento
posicionamento de autores do mesmo período que positivo) de modelos interpretativos, isto,
adotaram uma abordagem oposta, considerando o por sua vez, não inviabiliza as motivações
contexto recente não como uma ruptura e uma de alguns pensadores de discutirem em
desestruturação do projeto da Modernidade, mas profundidade esses modelos e de buscarem
sim como um projeto inacabado, no qual é possível,
com algumas reelaborações retomar o seu
sínteses e um mapeamento das linhas
desenvolvimento. Tal é o exemplo de Habermas, teóricas.
quando enfatiza a importância da emancipação e do Essa busca de uma “síntese
reconhecimento para o sujeito contemporâneo. provisória” acerca dos modelos teóricos de
Consideramos que essa dimensão é extremamente representação do Indivíduo na época
válida e importante neste debate, mas por questões
de escolha temática deste artigo, preferimos deixar
contemporânea não pode ser desvinculada
essa problemática provisoriamente ausente. das transformações históricas e sociais que

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pautam o contexto atual. Ao lado da que propõem um quadro-teórico acerca das


discussão metodológica que envolve os dimensões deste possível “novo indivíduo
autores, é coerente admitir que esses contemporâneo”.
debates também estão pautados na Tal elaboração se inicia com
tentativa de compreender como as Norbert Elias, que mostra como a
mudanças sociais produzem novos representação do Indivíduo como uma
modelos de individualidade e entidade autônoma reside numa equivocada
desestruturam modelos de representação dicotomia indivíduo versus sociedade, que
antigos que não teriam mais poder não da conta de captar a especificidade das
explicativo na sociologia. individualidades atuais e que se caracteriza
Sob este aspecto, o levantamento pela sobrevalorização da identidade-eu.
destes modelos teóricos também pode ser Em sentido complementar, Richard
entendido como análises que tentam Sennett contribui para o debate resgatando
articular como as diversas transformações o modo pelo qual se desenvolveu esse
do mundo contemporâneo estão forjando “inchamento” da esfera da intimidade. Na
novos processos de constituição dos obra, O declínio do Homem Público, Sennett
sujeitos e novas dimensões de (1988) demonstra como a depreciação da
representação dos Indivíduos. ação dos indivíduos na esfera pública
Para as dimensões que este artigo promoveu a liquidação da Cultura Pública e
comporta, na execução desta proposta, contribuiu, juntamente com o avanço das
traçamos um pequeno encadeamento experiências da alienação e do consumo,
teórico em que é possível visualizar uma para a expansão da esfera da intimidade e
interpretação atual destas reformulações. um conjunto de problemas a ela
Como não realizamos aqui uma relacionados.
investigação profunda da constituição e de O quadro-teórico da investigação
desenvolvimento da noção de Indivíduo no pretendida neste artigo se completa com as
pensamento social, nós utilizamos um metáforas da Modernidade Líquida e da
conjunto de referências distintas e Vida Líquida oferecidas por Zygmunt
heterogêneas de alguns autores (sobretudo Bauman. Essas imagens, de acordo com a
os três primeiros sugeridos, Hall, Elias e trajetória aqui empreendida, oferecem as
Sennett), como um caminho possível para idéias-chave para a elaboração de um
se abordar a questão; apenas como mais modelo de representação do Indivíduo na
uma forma de elaborar a problemática do época contemporânea. Esse modelo, como
sujeito no contexto presente. Para dar se verá mais adiante, postula um Indivíduo
início ao problema das diversas fragmentado que possui, dentre suas
representações de “Indivíduo” no interior principais características, a quase
das teorias sociológicas clássicas, utilizamos impossibilidade de se constituir em bases
as análises realizadas por Stuart Hall (2005) estruturais/institucionais e referências
na obra A identidade Cultural na pós- culturais/valorativas sólidas e confiáveis.
modernidade. Essa contribuição é levemente
pontuada por alguns elementos de Jeffrey O Sujeito Moderno e os Modos
Alexander (1997) acerca da Teoria Social e Tradicionais de Representação do
o constante debate teórico-metodológico Indivíduo
que a caracteriza, juntamente com a
possibilidade de confluência teórica de Para contextualizar o tipo de
referenciais heterogêneos. Com as noções discussão que pretendemos realizar neste
metodológicas explicitadas, o artigo segue artigo, tomamos como ponto de apoio
com uma abordagem seletiva de autores algumas análises realizadas por Hall (2005),

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o qual, por meio de um trabalho que 3) Das figuras apresentadas, não


discute a questão da Identidade na pós- causa estranheza o fato de que os modelos
modernidade, oferece alguns modelos de Iluminista e o sociológico tradicional
representação do Indivíduo, utilizados em tenham sofrido críticas contundentes e
épocas distintas. reformulações, com o objetivo de superar a
Estes modelos extraídos da análise superficialidade de suas projeções.
de Hall (2005) contribuem para marcar essa
reconfiguração dos novos contornos do Argumenta-se, entretanto, que são
Indivíduo contemporâneo. É a partir deste exatamente essas coisas que agora
contraste de modelos de representação que estão ‘mudando’. O sujeito,
julgamos ser possível visualizar as previamente vivido como tendo
especificidades do quadro-teórico uma identidade unificada e
estável, está se tornando
contemporâneo que se pretende elaborar fragmentado; composto não de
com a pesquisa dos autores atuais. uma única, mas de várias
Hall (2005) chama a atenção para identidades, algumas vezes
três modos, aos quais o autor se refere: 1) o contraditórias ou não-resolvidas.
sujeito do Iluminismo; 2) o sujeito Correspondentemente, as
Sociológico, e, 3) o sujeito pós-moderno. identidades que compunham as
Para uma breve exposição do paisagens sociais ‘lá fora’ e que
significado destes modelos, é possível asseguravam nossa conformidade
considerar: subjetiva com as ‘necessidades’
1) No primeiro caso, o sujeito do objetivas da cultura, estão
Iluminismo se baseia numa concepção entrando em colapso, como
resultado de mudanças estruturais
abstrata de indivíduo centrado, unificado e e institucionais. O próprio
dotado de capacidades de razão, de processo de identificação, através
consciência e de ação, cujo ‘centro’ do qual nos projetamos em nossas
consistia num núcleo interior, que emergia identidades culturais, tornou-se
pela primeira vez quando o sujeito nascia e mais provisório, variável e
com ele se desenvolvia, ainda que problemático. (HALL, 2005, pág.
permanecendo essencialmente o mesmo – 12)
contínuo ou ‘idêntico’ a ele – ao longo da
existência do indivíduo (HALL, 2005). É neste terceiro eixo, a saber, a
2) Em seguida, na noção de sujeito idéia de sujeito pós-moderno, que se realiza
sociológico, já é possível visualizar uma a nossa investigação. Hall (2005), de acordo
representação do indivíduo mais complexa, com nossa análise, oferece uma
no qual esse sujeito já não é mais contextualização bastante sugestiva quando
autônomo, abstrato e essencializado. No enfatiza o aspecto fragmentário, incerto e
modelo sociológico, o indivíduo é volátil em que o debate sobre a identidade
representado como resultante de um e a individualidade é elaborado.
processo complexo de interação entre o Desta forma, o debate sobre o
‘eu’ e a ‘sociedade’, numa interação intensa Indivíduo no contexto atual se dá não
que articula ‘espaço interior’ (subjetivo, apenas influenciado pela abordagem
íntimo, da consciência individual) com o sociológica (que postula a idéia central de
‘espaço público’ dos papéis sociais, das Processo de constituição e Interação), mas
representações e atribuições recíprocas que não se pode perder mais a dimensão de que
se realizam em situação de interação mesmo essas categorias devem ser
(HALL, 2005). repensadas em vista das rápidas mudanças

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estruturais pelas quais as sociedades e seus possibilitaram um campo novo de


membros estão submetidos. problematizações para a Teoria Social.
Ao passo que Hall (2005) nos
fornece essa orientação metodológica
fundamental, sua análise também se abre Norbert Elias e “A Sociedade dos
para mostrar como essa representação em Indivíduos”
movimento do indivíduo contemporâneo
não é tão simples quanto parece. A partir dos elementos acerca dessa
nova percepção do indivíduo
Tentar mapear a historia da noção contemporâneo levantada por Stuart Hall
de sujeito moderno é um no tópico anterior, é possível realizar um
exercício extremamente difícil. A aprofundamento destas questões com a
idéia de que as identidades eram ajuda das análises de Norbert Elias.
plenamente unificadas e coerentes
Um dos pontos centrais que
e que a agora se tornaram
totalmente deslocadas é uma
marcam os debates contemporâneos sobre
forma altamente simplista de a questão da individualidade se encontra no
contar a história do sujeito trabalho do sociólogo alemão Norbert
moderno. (...) É agora um lugar- Elias (1897 – 1990).
comum dizer que a época Duas obras-chave apresentam reflexões
moderna fez surgir uma forma centrais sobre o debate da relação
nova e decisiva de individualismo, Indivíduo versus Sociedade que possuem
no centro da qual erigiu-se uma influência em grande parte dos debates da
nova concepção de sujeito Teoria Social Contemporânea: O Processo
individual e sua identidade. Isto Civilizador (volumes I e II) e, A Sociedade dos
não significa que nos tempos pré- Indivíduos.
modernos as pessoas não eram
indivíduos mas que a
Destas importantes obras, devido
individualidade era tanto ‘vivida’ ao contorno mais breve deste artigo, nos
quanto ‘conceptualizada’ de forma interessa o livro publicado postumamente,
diferente. (HALL, 2005, pág.13) A sociedade dos indivíduos. Nele Elias (1988)
desenvolve no plano teórico-metodológico
Como demonstra Hall (2005), a concepção de “relação indivíduo versus
analisar esses diferentes processos de sociedade” ao mesmo tempo detalhando
individualização, que se sobrepõem ao suas teses metodológicas que perpassam as
longo de contextos e épocas distintas, é o análises do O Processo Civilizador, e
caminho mais viável para uma observação refutando veementemente um modelo
mais acurada sobre as características restrito muito comum na sociologia de
singulares de nosso contexto, que relacionar estas duas entidades.
demarcam esse sujeito pós-moderno. Como Elias (1988) pondera, a
Neste sentido, julgamos que a separação estanque das entidades indivíduo
análise de Norbert Elias (1988) pode nos e sociedade gera distorções analíticas no
oferecer alguns conceitos e idéias que dão campo das investigações das Ciências
uma dimensão mais clara de como se Humanas. O modelo, portanto, deve ser
operou essa transformação de um sujeito reformulado.
sociológico tradicional – aquele legado pelo
pensamento clássico –, para uma Tomemos como exemplo a
representação mais complexa e dinâmica, família de conceitos que tem no
do Indivíduo contemporâneo, as quais centro o conceito de “indivíduo”.
Atualmente a função primordial

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do termo “indivíduo” consiste em


expressar a idéia de que todo ser A apresentação dos membros
humano do mundo é ou deve ser como indivíduos é a marca
uma entidade autônoma, e ao registrada da sociedade moderna.
mesmo tempo, de que cada ser Essa apresentação, porém, não foi
humano é, em certos aspectos, uma peça de um ato: é uma
diferente de todos os demais, e atividade reencenada diariamente.
talvez deva sê-lo. Na utilização A sociedade moderna existe em
desse termo, fato e postulado não sua atividade incessante de
têm uma linha divisória clara. É ‘individualização’, assim como as
característico da estrutura das atividades dos indivíduos
sociedades mais desenvolvidas de consistem na reformulação e
nossa época que as diferenças renegociação diárias da rede de
entre as pessoas, identidade-eu, entrelaçamentos chamada
sejam mais altamente valorizadas ‘sociedade’. Nenhum dos dois
do que aquilo que elas têm em parceiros fica parado por muito
comum, sua identidade-nós. A tempo. E assim o significado da
primeira suplanta a segunda. ‘individualização’ muda,
Teremos mais a dizer a esse assumindo sempre novas formas
respeito posteriormente, mas esse – à medida que os resultados
tipo de balança nós-eu, sua clara acumulados de sua história
inclinação para a identidade-eu, passada solapam as regras
não é nada evidente. Em estágios herdadas, estabelecem novos
anteriores do desenvolvimento, preceitos comportamentais e
era bastante comum a identidade- fazem surgir novos prêmios no
nós ter precedência sobre a jogo. A ‘individualização’ agora
identidade-eu. A maneira acrítica significa uma coisa muito
como o termo “indivíduo” é diferente do que significava há
usado na conversação nas cem anos e do que implicava nos
sociedades mais desenvolvidas de primeiros tempos da era moderna
nossa época para expressar a – os tempos da exaltada
primazia da identidade-eu pode ‘emancipação’ do homem da
levar-nos a presumir, trama estreita da dependência da
equivocadamente, que a ênfase vigilância e da imposição
seja a mesma nas sociedades em comunitária. (BAUMAN, 2001,
todos os estágios de pág. 40)
desenvolvimento e que tenham
existido conceitos equivalentes
em todas as épocas e línguas. Esse Acima de tudo, nossa suposição é
não é o caso. (ELIAS, 1994, pág.
que esta reelaboração metodológica postula
130)
um sujeito diferente no debate
contemporâneo, a qual, por sua vez,
Como é possível inferir pelo
influencia a constituição de um quadro-teórico
argumento acima apresentado, não apenas
diferenciado acerca do Indivíduo
a relação estanque deve ser evitada, mas é
contemporâneo. Para o quadro que
necessário um redimensionamento dos
pretendemos elaborar neste artigo, que se
poderes concedidos na representação do
apóia nas imagens de Bauman (2001)
Indivíduo, com os quais as Ciências Sociais
consideramos que o autor polonês investe
articulam. Bauman (2001) descreve uma
nesta rica pista de Elias (1988).
passagem em que a interpretação desta
reformulação é reforçada.

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O título dado por Norbert Elias a identidade na época contemporânea,


seu último livro, publicado Richard Sennett desenvolve em sua
postumamente, ‘A Sociedade dos abordagem pistas fundamentais para a
Indivíduos’, capta com perfeição a compreensão de como essa balança eu-nós
essência do problema que (Elias, 1994) foi desequilibrada
assombra a teoria social desde o
seu começo. Rompendo com uma
substancialmente em favor dos elementos
tradição estabelecida desde da vida privada.
Hobbes e forjada novamente por Sennett reconstrói em seu livro, O
Stuart Mill, Spencer e a ortodoxia Declínio do Homem Público, o modo como se
liberal na doxa (o quadro não constitui o domínio da cultura pública por
examinado de toda cognição meio das necessidades de interação que o
adicional) de nosso século, Elias recente meio urbano impunha a indivíduos
substituiu o ‘e’ e o ‘versus’ pelo de diferentes regiões e com referências
‘de’ e, assim, deslocou o discurso culturais distintas. Essa capacidade de se
do imaginário das duas forças, relacionar com os novos ‘desconhecidos’
travadas numa batalha mortal mas
da cidade constitui um elemento primordial
infindável entre liberdade e
dominação, para uma ‘concepção
na noção de civilidade, que seria a
recíproca’: a sociedade dando capacidade de se comportar a partir de
forma à individualidade de seus papéis sociais pré-definidos, sobretudo a
membros, e os indivíduos capacidade de construir relações sociais
formando a sociedade a partir de menos voláteis que não dependessem de
suas ações na vida, enquanto vínculos personalíssimos.
seguem estratégias plausíveis e Tal modelo, segundo Sennett,
factíveis na rede socialmente obteve êxito até aproximadamente o final
tecida de suas dependências. do século XIX, a partir do fôlego obtido
(BAUMAN, 2001, pág. 39) pela Revolução Francesa, encontrando
desenvolvimento em algumas regiões da
Uma vez que as categorias de Europa. Porém, em paralelo, desde o
indivíduo e sociedade estão reconfiguradas avanço impulsionado pela Revolução
e pautadas pelo olhar de Elias, é possível Industrial, processos em direção contrária a
apontar alguns elementos que vida pública também se desenvolviam.
reestruturaram esse processo, sem, agora, Na esfera histórico-cultural, as
sofrer o risco de sugerir interpretações ações da vida pública passam a ter um
equivocadas sobre a gênese da desgaste crescente e o crescimento da
reconfiguração desta balança. É o que fica esfera intimista da sociedade passa a
mais claro no tópico seguinte, quando exercer uma influência cada vez maior.
Sennett (1987) levanta alguns elementos Esta visão contribuiu significativamente
para mostrar como a cultura pública foi para o que Sennett (1987) chama de
desvalorizada neste processo, apontando personalização das relações sociais, a saber,
outra característica deste novo sujeito uma entrada de elementos pessoais no
contemporâneo. Espaço Público. Sobretudo, uma crescente
necessidade de articular elementos de
valores personalíssimos e da esfera privada
Richard Sennett e “O declínio do em articulação com as ações públicas.
Homem Público” Este redimensionamento gera
limites bastante restritivos quanto ao
Num livro que contribui desenvolvimento de ações políticas e
significativamente para o debate sobre a participação no Espaço Público desta nova

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sociedade que se estabelece. Como as Zygmunt Bauman e a metáfora da Vida


relações sociais estão agora avaliadas por Líquida
esses elementos da esfera privada dos
valores personalíssimos, os Indivíduos Tomando parte neste debate sobre
perdem a expectativa de ação na Esfera as transformações do Indivíduo no mundo
Pública, que se reduz, então, a um local pós-moderno, Zygmunt Bauman têm
cada vez mais impessoal, e hostil, no qual publicado uma seqüência produtiva de
não há mais nenhuma relação social a ser obras em tom ensaístico que exploram em
constituída. profundidade boa parte dos trabalhos mais
Para finalizar a sua interpretação significativos da Teoria Social.
sobre essa reconfiguração, Sennett se refere Obras como Modernidade e
a este desdobramento recente como as Holocausto, Europa, Modernidade e
‘Tiranias da Intimidade’. Estas tiranias se Ambivalência, juntamente com Globalização:
evidenciam no momento em nós, enquanto as conseqüências humanas, e O Mal-estar da Pós-
indivíduos membros das sociedades Modernidade, em todas elas o autor tem
contemporâneas, perdemos cada vez mais a explorado de forma criativa as produções
capacidade de agirmos desvinculados de mais significativas de diversos matizes das
nossos valores e processos formativos Ciências Sociais, de modo a fornecer ricos
singulares e perdemos a capacidade de insights sobre o contexto contemporâneo.
abarcar a singularidade do ‘outro’, o qual se Em grande medida, Bauman se filia
encontra também inflado pelo mesmo a uma vertente de pensadores críticos
processo. acerca dos limites e contradições do
processo civilizatório. Ressaltam-se
O mito hoje predominante é que diferentes matizes teóricos como Norbert
os males da sociedade podem ser Elias, Hannah Arendt, Theodor Adorno,
todos entendidos como males da Sigmund Freud, que muitas vezes
impessoalidade, da alienação e da compõem o pano de fundo dos ensaios de
frieza. A soma desses três
Bauman, os quais, por sua vez, dialogam
constitui uma ideologia da
intimidade: relacionamentos
com produções atuais e autores de recente
sociais de qualquer tipo são reais, destaque na Teoria Social, tal como
críveis e autênticos, quanto mais Anthony Giddens, Pierre Bourdieu, Michel
próximos estiverem das Foucault e Jürgen Habermas.
preocupações interiores Os temas tratados em grande parte
psicológicas de cada pessoa. Esta de sua produção intelectual não apresentam
ideologia transmuta categorias grande inovação em relação aos debates
políticas em categorias característicos dos autores associados à
psicológicas. (SENNETT, 1988, questão da pós-modernidade, tais como
pág. 317) David Harvey, Jean-François Lyotard e
Anthony Giddens, mas a sua forma
ensaística e criativa de fundir e rediscutir os
É no contexto desta sociedade que resultados do conjunto destas pesquisas, irá
sobrecarrega os elementos e as expectativas distinguir Bauman como um autor que nos
na esfera da vida privada dos Indivíduos, oferece questões pertinentes e originais
que Bauman irá acrescentar novos para o nosso contexto.
elementos, criando um quadro-teórico O mundo fragmentado pode ser
acerca do sujeito contemporâneo mais percebido em suas manifestações mais
detalhado. concretas das transformações dos meios de
produção, do mercado financeiro, e da

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revolução tecnológica que impulsionou a Um dos pontos centrais que


circulação de mercadorias, mão-de-obra e marcam essa idéia de Vida Líquida é
informação em velocidades cada vez justamente a impossibilidade da criação de
maiores e mais eficientes. Bauman (2001) projetos e da instituição de modelos de
seguindo a pista aberta desde Marx, discute vida e de ação no contexto atual.
como: Esta situação também é muito
discutida na obra de Bauman (2001)
Diferentemente da sociedade naquilo que o autor chama de uma
moderna anterior, que chamo de reformulação na estrutura de uma
“modernidade sólida”, que dicotomia muito comum: a relação entre
também tratava sempre de Liberdade e Segurança. Desde Freud em
desmontar a realidade herdada, a Mal-estar na Civilização, o modelo de análise
de agora não o faz com uma
perspectiva de longa duração,
que fundamentava grande parte das análises
com a intenção de torná-la das Ciências Humanas postulava os perigos
melhor e novamente sólida. Tudo da penetração do Estado e das Esferas
está agora sendo Públicas na dimensão da vida privada, na
permanentemente desmontado intimidade, na privacidade e no processo de
mas sem perspectiva de alguma formação dos Indivíduos. Esse grande
permanência. Tudo é temporário. receio da dominação totalitária, segundo
É por isso que sugeri a metáfora Bauman (2001) pode ser visualizado nas
da “liquidez” para caracterizar o duas grandes imagens de 1984 de George
estado da sociedade moderna: Orwell e de Admirável Mundo Novo de
como os líquidos, ela caracteriza- Aldous Huxley.
se pela incapacidade de manter a
forma. Nossas instituições,
Porém, o modelo de sociedade
quadros de referência, estilos de contemporâneo, caracterizado pela
vida, crenças e convicções mudam globalização, inverteu a lógica deste receio.
antes que tenham tempo de se A questão do controle estatal da economia
solidificar em costumes, hábitos e e dos processos formativos dos indivíduos
verdades “auto-evidentes”. Sem deu lugar a uma tendência de
dúvida a vida moderna foi desde o descentralização, desregulamentação,
início “desenraizadora”, “derretia flexibilização e precarização de todos os
os sólidos e profanava os processos constitutivos que moldavam as
sagrados”, como os jovens Marx e sociedades ocidentais no breve período do
Engels notaram. Mas enquanto no
pós-guerra em diante.
passado isso era feito para ser
novamente “re-enraizado”, agora
Esses elementos canalizaram na
todas as coisas — empregos, noção de Liberdade todos os anseios e
relacionamentos, know-hows etc. promessas de realização deste novo modelo
— tendem a permanecer em de Indivíduo, o qual encontrou na
fluxo, voláteis, desreguladas, liberdade do consumo e a
flexíveis. A nossa é uma era, desresponsabilização pelo outro as maiores
portanto, que se caracteriza não evidências da realização deste novo
tanto por quebrar as rotinas e processo.
subverter as tradições, mas por Todavia, é a partir desta análise que
evitar que padrões de conduta se Bauman estrutura as características da Vida
congelem em rotinas e tradições. Líquida, que nos fornecem pistas
(BAUMAN, 2001, 158)
interessantes sobre o nosso contexto. Essa
ênfase da Liberdade que desregulamentou e
retirou as responsabilidades estatais que

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estruturavam as relações e os vínculos aparentemente excludentes, a macro análise


sociais e produtivos, são as mesmas que que caracteriza seu debate com a Teoria
agora estão diretamente ligados às Sociológica e as suas análise mais
sensações de incerteza e insegurança que especificas, quando oferece exemplos de
caracterizam a nossa impressão atual. vidas cotidianas, apoiado numa espécie de
O sentimento de incerteza cresce na sociologia da vivência. É curioso como esse
medida em que a nossa sensação de seres estilo sociológico denota um traço original
humanos descartáveis se torna cada vez do autor polonês e gera um conjunto
mais disseminada com as transformações grande de dúvidas a respeito de se saber,
dramáticas pelas quais o mundo do afinal, qual é a característica de seu oficio
trabalho vem se estruturando. sociológico.
A sensação de insegurança, que Desta forma, é admissível, seguindo
muitas vezes é restrita impropriamente a a tendência de recentes intérpretes da obra
questões de violência e criminalidade, se de Bauman5, que em nenhuma parte de sua
espraia para todas as esferas dos obra é possível encontrar uma passagem
relacionamentos humanos, dado o caráter textual ou uma preocupação em que o
frágil e descartável dos vínculos sociais que sociólogo da modernidade líquida se
estruturam esse novo processo de dedique a elucidar e clarificar as suas bases
individualização. e premissas teóricas, que sustentam suas
É o que fica evidente em um dos análises especificas.
seus livros, Amor Líquido, em que Bauman, Ainda que Bauman não apresente
a despeito de avançar numa área não tais esclarecimentos, alguns elementos são
privilegiada dos sociólogos, a esfera da recorrentes e podem orientar a leitura
afetividade, discute como até mesmo os posterior das obras do autor: 1) sua
laços afetivos se enquadram nessa lógica da concordância com a abordagem de Norbert
descartabilidade e flexibilidade. Elias, ou seja, sua tentativa de re-qualificar
De forma interessante, Bauman (ou mesmo, superar) a dicotomia indivíduo
fecha o quadro mostrando como esses X sociedade, o que também significa a
novos medos e preocupações se estruturam tentativa de constituição de uma noção
de modo a consolidar situações de nova que supera o pensamento sociológico
ambivalência no processo de formação dos clássico; 2) sua ênfase em reinvestir os
Indivíduos. É no momento em que agimos elementos subjetivos e emocionais no
de forma flexível e descartável no plano das debate da Teoria Social, que se caracteriza
relações afetivas que a segurança no com a adoção de Freud, e, 3) um aparente
relacionamento se torna algo valioso e ao resquício da influência marxista, a respeito
mesmo tempo utópico nos vínculos do processo de desumanização do homem,
amorosos. De modo semelhante, com o com um olhar para a destruição dos
advento da eliminação da ação política na vínculos sociais que se operam na
sua acepção tradicional de nosso raio de
ação cotidiano, é que a noção de
5 Como exemplo desses autores, podemos citar as
comunidade e as suas variações de
obras Peter Beilharz Zygmunt Bauman: the
comunitarismo se insinuam como formas dialectics of Modernity, e The Bauman Reader,
possíveis de política, ainda que no fundo Michael H. Jacobsen e Poul Poder The Sociology of
saibamos que não passam de ações pré- Zygmunt Bauman: challenges and critique, e Keith
políticas. Tester, The Social Thought of Zygmunt Bauman,
dentre outros. No geral, essas obras, por enquanto,
possuem pouca penetração no ambiente acadêmico
Ao longo de sua obra, Bauman nacional e por enquanto não possuem tradução em
parece conciliar duas abordagens nosso país.

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passagem do modelo moderno, para um importantes para futuras análises


modelo posterior (pós, líquido, tardia, etc.), sociológicas, independente das temáticas
temperado com influências de Hannah abordadas, justamente porque são
Arendt e Michel Foucault acerca dos novos problemas comuns que todas as
conceitos de humanidade e modelos de abordagens do pensamento social são
Homem desenvolvidos pela Biopolítica. obrigadas a se posicionar.
Embora em alguns momentos Ao final do mosaico que se apóia
Bauman (2001) deixe antever pequenas na sugestiva metáfora da Vida Líquida de
brechas positivas dos diagnósticos que Bauman, consideramos que o olhar cético
caracterizam nossa época contemporânea, que a imagem nos oferece não deve ser lido
é, acima de tudo, a precarização, a como uma visão pessimista ou fatalista do
fragmentação e o esgarçamento dos laços contexto atual. Neste sentido, é necessário
sociais que perpassam, ao que parece, o admitir que a análise de Bauman não se
conjunto de suas análises. preocupa em investigar as possibilidades
históricas de constituição de novos sujeitos
ou atores sociais que podem surgir a partir
das mudanças, mas acreditamos, sobretudo,
Considerações Finais que essa consideração não desmerece o
olhar crítico do pensamento sugerido pelo
O debate acima exposto, embora pensador polonês. Ao que tudo indica, a
tenha como ênfase central a reconstrução criatividade de suas metáforas, e a riqueza
teórica de alguns modelos de representação dos insights, elaboram um importante
do Indivíduo na Teoria Social, ao final de diagnóstico sobre nossa condição e acerca
sua enumeração, compõem um painel um dos problemas atuais, a partir dos quais
tanto quanto cético a respeito das podemos propor, em momento posterior,
possibilidades e capacidades que os alternativas e respostas.
Indivíduos possuem neste processo de
transformarem as condições sociais e de
tomarem parte conscientemente na
condução deste processo que caracteriza as Referências Bibliográficas:
dimensões problemáticas da pós-
modernidade. ALEXANDER, Jeffrey. "O novo
No fundo, como a nossa exposição movimento teórico." R.B.C.S. n° 4 vol 2
tentou demonstrar, esse modelo plural e jun de 1987.
fragmentado de individualidade
apresentado a partir dos autores BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
contemporâneos é conseqüência muito Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
mais de um processo que rediscute e 2001.
trabalha de forma crítica os conceitos
legados pelo pensamento social clássico, do ______________. Amor Líquido: sobre
que tão somente uma crítica pessimista a fragilidade dos laços humanos. Rio de
oriunda de uma análise de conjuntura de Janeiro: Jorge Zahar,2004.
nosso presente recente.
É importante considerar também, ______________. Vida Líquida. Rio de
que essa compreensão mais acurada dos Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
processos constitutivos do sujeito
contemporâneo (os diferentes modelos, ELIAS, Norbert. A sociedade dos
plurais e multifacetados) são instrumentos indivíduos. Revisão Renato Janine

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