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MATERIAL PARA UM

CURSO DE FORMAÇÃO PARA


FOCOLARINOS EXTERNOS CASADOS
E INTERNOS EM PROVA
(ORGANIZADO POR GIANNI CITO)

(atualizado em junho de 2005)


3

Junho de 2005

Desejando fornecer uma ajuda para a progressiva inserção dos focolarinos externos
casados na realidade do Carisma e da vida do focolare, preparamos as presentes
“linhas” esquemáticas.
Procuramos aproveitar bem as experiências que vocês já estão levando em frente, com
a consciência de que aquilo que hoje lhes propomos, sem dúvida, pode ser
ulteriormente integrado e aperfeiçoado.
A formação dos focolarinos casados externos com certeza se articula também em dois
momentos fundamentais dos quais um coincide com o momento formativo dos outros
externos e o outro nos parece que tenha um caráter de especificidade.
Este último, em especial, achamos que possa ser realizado nos quatro anos previstos
para a formação e nos dois anos de prova, e se articular sobre os seguintes pontos:
Discursos fundamentais de Chiara
Virgindade e matrimônio
História dos focolarinos casados
Encontro com Foco
O voto de Foco
Valtournanche
Aos encarregados dos focolarinos casados
Os pontos da Espiritualidade em relação à vida como casado
As promessas
As cores e Como um arco-íris
Algumas perguntas/respostas de Chiara aos focolarinos casados
Experiências de focolarinos casados
Histórias de alguns focolarinos casados
O Catecismo e outros Documentos da Igreja Católica
Na hipótese, que nos parece mais ou menos possível, de que em cada região se possa
fazer (além do encontro mensal para o collegamento) 20-25 horas de aulas por ano (a
serem realizadas no arco de 9-10 meses), se preveem 10-12 horas de aulas para a
Espiritualidade e para as Cores que podem ser feitas junto com os focolarinos
externos, e 10-12 horas para a formação específica.
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PROGRAMA PARA O PRIMEIRO ANO


0. Vocação (2 horas)
 0.1. Os focolarinos casados I. Giordani, da “Movimento dos Focolares”, Ed. C. N. 1967
 0.2. Sobre a vocação do focolarino casado G. Cito, Sobre a vocação do focolarino casado – notas

1. História (3 horas):
 1.1. Virgindade consagrada G. Cito, Sobre o valor da virgindade consagrada - notas
 1.2. Primeiros anos De “Trechos de história dos foc. casados” § 1 (‘44-’48)
 1.3. Encontro de Chiara com Foco De “Trechos de história dos foc. Casados” § 2 (‘48)
 1.4. Foco Tommaso Sorgi: vídeo 24.04.90 (escola foc. casados)

2. Discursos fundamentais de Chiara (3 horas):


2.1. Voto de Foco Chiara, aos externos casados 21.02.60
De “Trechos de história dos foc. Casados” § 4 (‘53)
 2.2. Valtournanche Chiara, às focolarinas casadas 11.07.64
De “Trechos de história dos foc. Casados” § 7 (‘64)

3. Os pontos da Espiritualidade como focolarino casado (2 horas):


 3.0.1. A espiritualidade do Movimento Chiara, de “Movimento dos Focolares”, Ed. C.N. 1967
 3.0.2. O foc. casado e os 12 pontos da
Espiritualidade A.M. e D. Zanzucchi, Escola focolarinos casados, 1993
 3.1. Deus Amor e a caridade no Movimento dos Chiara, aos Bispos amigos do Movimento 13.02.79
Focolares

(referências para um aprofundamento):

 3.1.1. A família e o amor Chiara, Familyfest, 03.05.81


 3.1.2. Família comunidade de amor I. Giordani, Ed. C.N. pág. 27/31 e 73/74

 3.2. A Vontade de Deus Chiara, de “Movimento dos Focolares”, Ed. C.N. 1967

(referências para um aprofundamento):


 3.2.1. A Vontade de Deus na experiência do
Mov. dos Focolares Chiara, aos foc. cas. 08.10.80 após ter feito o 2º tema
 3.2.2. Diário de Fogo I. Giordani, Ed. C.N. pág. 91/92; 131/137; 169/171
 3.2.3. O leigo Igreja I. Giordani, Ed. C.N. pág. 169/170

4. Documentos da Igreja sobre matrimônio e família (1 hora)


 4.1. Gaudium et Spes
 4.2. Familiaris Consortio (em particular § 11/18 e 17/34)

5. Perguntas/Respostas de Chiara (2 horas)


(proposta)
 5.1 aos resp. focolare, 13.04.90 
 5.2 aos foc. casados, 07.01.89 
 5.3 aos foc. casados, 13.05.88 
 5.4 aos foc. casados, 13.05.88 
 5.5 aos bispos, 12.02.88 
 5.6 aos ext. casados, 12.01.88

[O símbolo  significa que o material citado foi transcrito na presente coletânea.]


[O símbolo  significa que o material citado ainda não foi transcrito na presente coletânea.]
5

Os focolarinos casados
(Primeiro ano 0.1)
de Igino Giordani – extraído de “O Movimento dos Focolares”, ed. 1967

Na Obra de Maria, existem focolarinos não mais audazes promotoras de uma


casados, que vivem em comunidades, e consagração de todos, dentro e fora dos
focolarinos casados que vivem nas próprias claustros, segundo os conselhos
casas. Entre eles existe igualdade enquanto evangélicos –, as ocupações no mundo são
pertencem ao focolare. Não é a vida em tão temporais enquanto nós as fazemos tais
comum que constitui a essência do e não é necessário dizer que os leigos,
focolarino, mas a regra comum. encarregados da “consagração do mundo”,
A presença dos casados (homens e podem consagrá-lo quanto mais eles
mulheres) é considerada essencial para a mesmos são consagrados. Os focolarinos
integridade do focolare. casados podiam haurir dos focolares, ou
casas de virgens ou de sacerdotes e levar
Trata-se de uma ousada inovação que torna, ao mundo aqueles fermentos de perfeição
de certa forma, consagrados também os que a humanidade mais precisa (e dos
casados. quais, talvez, tenha mais fome).
Inovação que se explica com o prodigioso Por outro lado, também quase todos os
desenvolvimento da consciência eclesial dos focolarinos de vida comunitária trabalhavam
nossos tempos, da Encíclica Mystici no mundo: não se enclausuravam, mas
Corporis1 à Ecclesiam Suam2, e assinala um mostravam nas fábricas, no campo, nos
outro “caminho” da Igreja. escritórios, nas praças etc. a visão – e o
A ideia brotou do próprio modo de ser do sabor – da santidade.
focolare, que é um mosteiro dos novos Tocou ao escritor destas notas, em primeiro
tempos, inserido no aglomerado de edifícios lugar, ser chamado a essa vocação, em
populares e aberto ao mundo, para um contato com os primeiros focolarinos. Quem
diálogo permanente com todos, pois todos dirigia e animava o Movimento, porquanto
são revistos na própria realidade de filhos de não seguisse normas escritas, obedecia as
Deus e, portanto, irmãos. Desde o início, inspirações e construía através da
focolarinas e depois focolarinos não usaram experiência cotidiana uma nova empresa, da
hábitos particulares, nem distintivos; se qual nem mesmo ela conhecia as
consideravam cristãos, que, buscando a dimensões e as metas. Ao ver um casado
perfeição, não deixavam o mundo entre os focolarinos, deixou-o viver segundo
externamente, deixavam-no interiormente. a mesma regra deles. Certamente, até onde
No momento em que os primeiros casados lhe consentia a condição de chefe de família
se aproximaram do focolare e ficaram e de trabalhador.
fascinados por esse ideal de consagração Mas também os primeiros focolarinos de
total a Deus e à Igreja, seguindo o exemplo vida comunitária condicionavam o horário de
de Maria que, virgem e mãe consagrada a oração, apostolado, comunhão entre eles,
Deus, vivera entre a gente pobre de sua aos deveres profissionais.
terra, participando com o silêncio, da paixão
do seu Filho e da construção da sua Igreja, Vieram depois outros pais e mães de
provaram o desejo irresistível de viver essa família; às vezes juntos, às vezes
vida, até ser um só coração e uma só alma. separados. Desenvolveram-se, assim, três
tipos, ou melhor, como dizemos, três ramos:
Essa vida podia ser conduzida mesmo o primeiro, o das virgens (iniciadoras do
ocupando-se dos afazeres temporais. Movimento); o segundo, dos rapazes, muitos
Segundo santa Catarina de Sena – uma das com vocação ao sacerdócio; e o terceiro, o
dos casados.
1 Estes logo se tornaram numerosos. Não
porque carecessem da fome de perfeição;
Papa Pio XII apresentou essa encíclica em 29 careciam, sim, dos meios de instrução, de
de junho de 1943. formação e principalmente de compreensão.
2 De autoria do papa Paulo VI: foi publicada em De fato, estava ainda arraigado (embora
6 de agosto de 1964.
6

hoje tenha sido afastado, em grande parte, pertencem a Deus, como os outros
pelo sopro do Concílio) o preconceito de que focolarinos.
a perfeição fosse privilégio dos religiosos e Na observância dos Estatutos, eles levam
dos sacerdotes, e que, aos leigos, no em consideração as suas obrigações para
mundo, estivesse reservada... a imperfeição, com a família, tanto mais que o ideal da
atenuada por uma ou outra prática de Obra de Maria vê a família como uma
piedade e noções rudimentares de pequena Igreja, da qual reforça, com
catecismo. Formara-se, através das inspirações divinas e graças sacramentais, a
gerações passadas – e persistia ainda unidade.
naquele ano de 1948, quando aconteceu o
primeiro contato de um casado com o Não emitem votos, mas fazem promessas
focolare –, uma separação de fato. de obediência, pobreza e castidade.
Verificava-se uma verdadeira fenda de Também a esse respeito, santa Catarina já
castas no âmbito religioso, dependente e exortara os seus discípulos leigos a
semelhante ao da separação civil e social de vincularem-se com a obediência, cujo mérito
casta e classe: de um lado, religiosos, o – dizia – não depende do hábito sob o qual é
clero – pessoas que falavam uma linguagem praticada, mas pelo amor com o qual se
peculiar e se vestiam de modo pratica.
característico; e os leigos, de outro, como Quanto à castidade conjugal, seguem a
que desconsagrados que aos poucos se Casti connubii3, dispostos sempre a maiores
afastavam, depois de um período de austeridades, sob o conselho do diretor
anticlericalismo semelhante à luta de espiritual e dentro de um acordo mútuo de
classes. Foi quando se verificou o primeiro ambos os cônjuges.
contato de um casado com o focolare.
Assim as focolarinas e os focolarinos
Desta fratura fluíram o laicismo, a casados vivem entre a própria casa e o
indiferença, a hostilidade: os males da focolare: aqui imitam Maria virgem e lá,
irreligião. Maria mãe.
Eis que, no meio do mundo, e para Fora, compartilham do apostolado próprio da
converter o mundo, restabelecia-se a Obra de Maria, que é um testemunho
comunhão, numa reverência recíproca que perene de vida – a evangelização por meio
formava um dos atrativos dessas relações, das obras – no local do trabalho, pelas ruas,
entre praça e clausura, entre laboratório e em casa, ou no focolare, e exercem todas as
oratório; em suma, entre clero e leigos outras atividades dos demais focolarinos.
recompunha-se no próprio setor, o único
Corpo de Cristo, com aquela igualdade de Também para eles o responsável pelo
focolare promove uma formação cultural
dignidade, de deveres, de apostolado, de
sacerdócio, do qual nos fala a Constituição comum. Tal formação baseia-se
dogmática De Ecclesia. No focolare, isso essencialmente no estudo da teologia e da
acontecia espontaneamente, germinava por sociologia católica (também nisso vai-se ao
si mesmo, tendo como modelo Maria, com encontro do desejo da Igreja, que com a
Mater et Magistra4 estabeleceu o dever de
Jesus no meio: e Jesus unificava.
conhecer a doutrina social como parte
A experiência desenvolveu-se com integrante da concepção católica).
vicissitudes diversas, como era previsível,
Para desempenhar esse objetivo comum a
mas afirmou-se e, em 1964, foi reconhecida
pelas autoridades com a aprovação da todas as focolarinas e a todos os
Regra, que abrange também os casados. focolarinos, o focolare procura o progresso
cotidiano da vida de perfeição.
Realizou-se uma aspiração, nascida do
exemplo de Maria e José e realizada por Como a Fundadora explicou às casadas,
muitos cristãos dos primeiros séculos, para essa vida de perfeição, torna-se
quando um são João Crisóstomo defendia necessária uma técnica comum de
que os leigos deveriam viver como os
3
monges, sem o celibato. Um monacato dos Carta encíclica do Papa Pio XI sobre o matrimônio
cristão, publicada em 31/12/1930 (cf. www.vatican.va.
tempos modernos. Arquivo dos papas).
4 Carta encíclica do Papa João XXIII sobre a evolução da
Segundo a Regra, os focolarinos casados
questão social à luz da doutrina cristã, publicada em
não pertencem mais a si mesmos, 15/05/1961 (cf. www.vatican.va. Arquivo dos papas).
7

provações, estudo e oração: modelar-se em Um dos focolarinos casados, escrevendo


Maria; fazer do focolare a casa de Nazaré. aos seus companheiros, definiu da seguinte
O efeito desse ideal nas famílias já foi maneira esta nova vocação: “O focolare nos
provado experimentalmente. Floresceram oferece a solução mais alta, sublime e ao
famílias onde a presença de Jesus purificou mesmo tempo moderna e totalitária, ou seja,
as relações conjugais e elevou a obra nos convida a tornar-nos cópias de Maria e
educativa dos filhos, suscitando alegria, milícia, acies, dela; Ela que, na Ecclesiam
serenidade, força. A família floresce como Suam é mostrada como ‘modelo de
uma pequena Igreja duma beleza inaudita. perfeição’, leva também nós casados a viver
a virgindade do espírito e a maternidade
Lá está Jesus no meio, de modo que as espiritual no sentido visto por Agostinho: o
relações entre filhos e pais, entre esposa e de gerar Cristo no irmão, gerar almas na
marido, realizam o sacramento nupcial e Igreja, as quais formam misticamente Cristo;
adquirem matizes de paraíso. leva-nos ao sacerdócio real, enquanto que,
Apoiadas ao focolare, sustentadas pela por nosso intermédio, introduz entre as
obediência, essas criaturas fazem circular virgens e os sacerdotes do focolare a
pelas estradas do mundo, nos ambientes presença do mundo leigo com as suas
mais profanos, as virtudes e as graças misérias e as suas necessidades. Ela nos
acumuladas por virgens e sacerdotes e ensina a viver no sacramento do matrimônio
assim ajudam na circulação do bem entre as núpcias humanas como participação das
todas as categorias da Igreja para transmiti- núpcias de Cristo com a Igreja, das quais
lo a todas as categorias da sociedade. participam também virgens e sacerdotes
Levam o fogo do amor de um pólo ao outro, nossos irmãos. Porque Maria, a quem
reconstruindo aquela ponte sobre o mundo pertencemos, é, ao mesmo tempo virgem,
para o qual a Igreja olha hoje com confiança. esposa, mãe, viúva [...]”.
Entretanto, a presença dos casados impede Como se vê, realiza-se uma das instâncias
o focolare de se tornar uma instituição daquele processo de comunidade, de
fechada, de isolar-se – é este um dos divulgação dos valores religiosos, da ruptura
maiores perigos para uma comunidade das barreiras divisórias, que a Igreja está
apostólica – e mantêm-no em contato com executando. O focolare populariza aquela
pessoas de todas as condições sociais e de que parecia uma aristocracia da ascese;
qualquer lugar, da mesma maneira que restabelece o diálogo, seja dentro da Igreja
Jesus, Maria e os Apóstolos viviam virgem, seja fora da Igreja, um ecumenismo
misturados às multidões para santificá-las. que se tornou vida de cada momento. Uma
Para assim se consagrar, os casados devem promoção daquele laicato partícipe – como
preparar-se durante um biênio dando prova lembra a constituição De Ecclesia – “da
da seriedade da própria vocação. função sacerdotal, profética e real de Cristo”,
Atualmente organizam-se cursos chamado “quase do íntimo, qual fermento, à
sistemáticos para a formação deles. santificação do mundo”.
Uma vez admitidos ao focolare, eles Os focolarinos casados (homens e
assumem todos os deveres. Não têm senão mulheres: mas na visão evangélica não se
um direito: o de amar, que praticamente se veem senão almas) sabem que depende
traduz em servir. Assim virginizam as deles o sucesso desta iniciativa, na qual são
próprias almas e assimilam a missão elevados num plano de ascética que parecia
sacerdotal, que é de doar o sacro a um a eles inatingível: da doação a Deus, na
mundo desconsagrado; e têm, para com os pulverização do próprio eu, de cada um, cuja
sacerdotes e virgens, aquela reverência e alma, como que ancilla Domini, vive para
submissão que a Igreja manda. engrandecer o Senhor.
Sobre a vocação do focolarino casado
(Primeiro ano 0.2)
Gianni Cito, março de 2003

Então, estes popos, se entendessem quem como dizia o próprio Foco, os proletários do
são! Por um lado, consagrados e por outro, espírito.
no meio do mundo, exatamente como a O termo santidade era prerrogativa somente
família de Nazaré, como S. José!5 dos padres, frades e religiosas. Para os
Se entendêssemos quem somos! casados não se pretendia e não se esperava
mais do que uma vida sóbria, honesta, no
Se o focolare6 é a novidade na Igreja nos temor a Deus, vivida segundo os
nossos dias, a vocação do focolarino casado ensinamentos da Igreja.
é a novidade na novidade. Ele é um
Agora, ao invés, após o Vaticano II, há uma
consagrado, colocado sobre o altar7,
chamado à santidade seguindo Chiara. abertura nova na Igreja. Abertura que faz
com que se compreenda muito mais que ela
A nós, focolarinos casados, é dirigido o é como Deus a quis, isto é, composta pela
mesmo convite feito a Chiara e que Jesus humanidade inteira. Ela, a Igreja, é povo de
fez aos primeiros discípulos8: “Vem e Deus, composto, na grande maioria por
segue-me”. A nossa resposta é a mesma leigos, geralmente casados, e também por
resposta deles: “…deixando as redes, o virgens, sacerdotes, religiosos e assim por
seguiram”. É o mesmo convite que Jesus diante.
dirige a 2000 anos a muitos, e muitos se Agora é claro para todos, e não só para a
tornaram santos ao segui-lo. Muitos Igreja católica, mas também e ainda mais
responderam, percorrendo o caminho que para as várias Igrejas, que a santidade é a
lhes era oferecido e pelo qual foram santidade de todos, para todos; que existe
atraídos. um chamado universal à santidade. E
Convite que Jesus dirigiu a casados e a podemos nos tornar santos onde estamos e
virgens e se estes eram a maioria dos que o na condição em que nos encontramos. O
seguiram, hoje, é universalmente aceito que próprio matrimônio é um caminho de
este convite é dirigido a todos, religiosos, santidade.
religiosas e sacerdotes, mas também a
Por que então Jesus suscitou hoje a
leigos, inclusive a casados. vocação do focolarino casado? Acho que
Em particular, no que diz respeito ao podemos dizer que se somos todos santos
casado, sem dúvida hoje vivemos num com o batismo9, como dizíamos, santos, no
contexto eclesial muito melhor daquele em sentido mais pleno, podemos nos tornar
que viveu Foco antes que conhecesse santos percorrendo o caminho de Chiara.
Chiara. Naquela época os casados eram,
Partamos do chamado universal à
santidade.
5
Todos os cristãos são chamados a colocar
Chiara, Aos focolarinos de Casa Vida, 28 de janeiro Deus no primeiro lugar. Ou seja, todos são
de 2002. chamados ao desapego de todas as coisas,
6 Art. 6 do Regulamento dos focolarinos: O focolare ao desapego de si mesmos e a deixar, ao
é, à imagem da família de Nazaré, uma convivência, no
meio do mundo, de pessoas virgens e casadas, todas menos espiritualmente, todas as pessoas
doadas, mesmo se de maneira diferente, a Deus. para seguir Jesus.10
7 Chiara, Aos focolarinos de Casa Vida, 28 de janeiro de
2002: Que seja consagrado é um milagre porque é
justamente o oposto. Porque o casado é (na tradição da
Igreja) bem aquilo que não é consagrado. E então lhe 9 Paulo se dirige aos cristãos das Igrejas particulares
expliquei como Foco, tendo atrás de si 2000 anos de de Roma, Jerusalém, Corinto, Filipos, Acaia, ou a
história da Igreja, entendeu o que é o consagrado. O comunidades como aos da casa de César, como a
consagrado é alguém que é posto sobre o altar, como as santos…
pessoas sagradas. Não é somente alguém do povo. 10 Lc 14,26-27: Se alguém vem a mim e não odeia seu
8 Mt 4, 18-20: Estando ele a caminhar junto ao mar da próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a
Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não
irmão André, que lançavam a rede ao mar, pois eram carrega sua cruz e não vem após mim, não pode ser meu
pescadores. Disse-lhes: “Segui-me e eu vos farei discípulo.
pescadores de homens”. Eles, deixando imediatamente Mt 19,29: E todo aquele que tiver deixado casas ou
as redes, o seguiram. irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por
As frases de Jesus, do tipo relatadas em Lc fundo. Padre Tommasi estava para
14,26-27 ou em Mt 19,29 ou em Lc 18,18-22 consagrar a Deus 54 entre popas e popos e
e, até ontem, prerrogativa só dos virgens ou Foco fez um grande panegírico, uma
dos padres ou dos religiosos, hoje ressoam exaltação da virgindade. Ele, ao contrário de
dirigidas a cada cristão. Também ao leigo, nós, conhecia o valor que a Igreja dava a ela
também ao casado. O estado matrimonial e glorificava a Deus por estes popos virgens.
não é mais impedimento à santidade. Mas Quando ele terminou, eu disse: ‘Mas Foco,
ainda se ouvem frases deste tipo: “Na Igreja você também sabe amar, é o amor que
há dois caminhos de santificação, um no vale’. É o amor que vale. Nesta palavra – o
matrimônio e um na virgindade”; “Tem amor – está dentro tudo: está o voto de
aquele que é chamado ao matrimônio e Foco, o voto das popas e dos popos, a
aquele que é chamado à virgindade”. O ‘causa’. Portanto, é preciso sempre chegar
estado matrimonial e virginal são vistos em lá. Este conceito é forte. Esta palavra ‘amor’
antítese entre si e podemos afirmar que a é forte. É a vida de Jesus Cristo em nós, a
virgindade não é entendida. De fato, o vida de Deus em nós. É dali que veio o
virgem geralmente é identificado com o nascimento de vocês e é dali que devem
celibatário ou a solteira. Mas é toda uma extrair para ir a fundo nas coisas, inclusive
outra coisa. no aspecto jurídico, por exemplo, das suas
Na realidade, para os focolarinos casados, promessas”.
normalmente, acontece que após o Vamos por etapas, para depois chegar às
casamento alguém sinta que Deus lhe pede nossas promessas.
ainda algo: “Não me basta…”. Podemos Entretanto, o chamado de Foco. É o
dizer que é um novo chamado, que não é o chamado a seguir Jesus com absoluto
de antes, que não é o chamado universal de radicalismo, isto é, a deixar tudo para seguir
todos os cristãos, não é nem mesmo o Jesus. Como aquele das virgens, mas num
chamado a viver o Ideal, como é para todos estado diverso: o matrimonial.
na Obra. Deus, de fato, lhe pede ainda algo
além do matrimônio. E não se pode dizer que os focolarinos de
vida comum são virgens porque não têm a
Entre nós se diz, genericamente, que o vocação ao matrimônio.
focolarino casado ouve o chamado ao
focolare. Mas, na realidade, o chamado ao Os focolarinos, como todos, nasceram
focolare não existe. O focolare é só o geneticamente predispostos ao matrimônio
caminho para seguir Jesus, um caminho e, excluindo alguma rara exceção, todos os
belíssimo e fascinante, mas sempre um dos focolarinos pensavam em se casar antes de
muitos caminhos que a Igreja oferece. Até se doarem a Deus. Portanto, não se pode
mesmo se desaparecessem todos os dizer que os focolarinos não têm (ou não
focolares e a Obra de Maria inteira, o tinham) a vocação ao matrimônio.
chamado permaneceria íntegro, com a Certamente a tinham, só que, ainda no
mesma potência. estado não matrimonial, sentiram uma
vocação especial a deixar tudo
O que é o chamado do popo casado? materialmente e a renunciar a tudo,
“É preciso partir de Foco, – disse Chiara ao matrimônio inclusive, para seguir Jesus.11
Centro Famílias Nova, no dia 1° de fevereiro
Esta é uma vocação a mais, além da
de 2002 – é preciso voltar sempre àquele
vocação de todo o povo de Deus (o
momento lá. Estávamos em Via Tigré e
matrimônio), existe um chamado especial a
havia uma longa mesa; Foco estava no
deixar tudo para seguir Jesus.
O focolarino sente a vocação a seguir Jesus
causa do meu nome, receberá muito mais e herdará a
vida eterna.
Lc 18,18-22: Certo homem de posição lhe perguntou:
“Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?”. 11 Mt, 19,10-12: Os discípulos disseram-lhe: “Se é assim a
Jesus respondeu: “Por que me chamas bom? Ninguém é condição do homem em relação à mulher, não vale a
bom, senão só Deus! Conheces os mandamentos: Não pena casar-se”. Ele acrescentou: “Nem todos são
cometas adultério, não mates, não roubes, não levantes capazes de compreender essa palavra, mas só aqueles a
falso testemunho, honra teu pai e tua mãe”. Ele disse: quem é concedido. Com efeito, há eunucos que nasceram
“Tudo isso tenho guardado desde a minha juventude”. assim, desde o ventre materno. E há eunucos que foram
Ouvindo, Jesus disse-lhe: “Uma coisa ainda te falta. feitos eunucos pelos homens. E há eunucos que se
Vende tudo o que tens, distribui aos pobres e terás um fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem
tesouro nos céus; depois vem e segue-me”. tiver capacidade para compreender, compreenda”.
no focolare, porque é aqui que se segue para gerar, também nós, Jesus no meio. Se
Chiara, com os votos, com os 7 aspectos e por acaso alguém está sozinho, até mesmo
os 12 pontos da espiritualidade, é aqui que momentaneamente, vai viver no focolare.
estão todos os que desposam Jesus Se por acaso fica viúvo, e ainda tem as
abandonado e vivem com Jesus no meio. condições psicofísicas aptas, vai viver no
Para os focolarinos casados é igual. Em focolare, como Rodolfo Bosi ou Gigi Covi ou
particular, a vocação deles ao matrimônio Enzo Rossitto ou se torna interno fora de
consiste não em terem se casado, mas em focolare, se ainda tem o dever de cuidar dos
entender que o matrimônio é um caminho de filhos, como Pavel Ferko ou Raymond
santificação e que se casaram para viver a Dauphinais.
vontade de Deus sobre eles. O focolarino casado espiritualmente se vê
Porém, também para os focolarinos casados no focolare, está no focolare, mas
pode haver uma vocação especial a mais, materialmente deve viver em outra casa.
que é a de deixar tudo, ao menos e na Portanto, deixa a mulher e os filhos, sente a
maioria dos casos só espiritualmente, para vocação por Jesus. Não se trata só de
seguir Jesus. E fazem isto com o focolare, colocá-los em segundo lugar, como devem
onde se encontram junto com pessoas que fazer todos os cristãos, mas mesmo de
materialmente deixaram e deixam tudo para deixá-los espiritualmente.
seguir Jesus. Isto não significa amá-los menos, aliás,
Mas nem sempre deixam tudo só quanto mais alguém é desapegado mais os
espiritualmente. ama, quanto mais alguém os deixa por amor
Basta pensar em Danilo, em Pino e em a Jesus mais é capaz de viver sempre no
todos os que têm e deixam tudo, até o amor.
trabalho, a cidade, para servir Deus na Portanto, deixar por Jesus não significa não
Obra, onde Chiara quer. Ficam como amar; significa amar mais.13
exemplo também os vários Paolo Macciotta,
Porém, realmente deixa a mulher, os filhos,
Agostino Peretti, Mimmo Foderaro, Stefano
a casa e os campos espiritualmente e vive
Bologna, Emilio Schiantarelli…, mesmo se
espiritualmente no focolare.
depois alguns voltaram.
Atualmente as coisas estão assim. Existe
Assim, os focolarinos se transferem para
uma vocação à santidade, ao matrimônio,
outras regiões, portanto às vezes acontece
comum ao povo de Deus, mas existe uma
que também materialmente devam deixar os
vocação especial que é a de deixar tudo
campos, por um período ou para sempre. E
para seguir Jesus.
depois, quando acontece que voltam ao
trabalho de antes é como se Deus o Nós vivemos como era para os primeiros
devolvesse a eles. discípulos. Não é que Jesus chamou Pedro
e André, que eram casados, de modo
Mas Chiara nos ensina a não dar tanta
diferente de João, que talvez não era
importância ao “perder”, ao que se deixa ou
casado, ou de Paulo que viveu a virgindade.
ao que se renuncia, quanto ao invés àquilo
Ele os chamou da mesma maneira, não
que se recebe em troca. Jesus promete aos
havia diferença.
seus seguidores o cêntuplo nesta terra e a
vida eterna no Reino dos Céus.12 13 Não divida o seu coração na terra – escreveu Chiara a
uma noiva: Carta in “Tra Terra e Cielo”, Città Nuova, 1998
Este deixar nos conduz ao focolare, nossa – não divida o seu amor. O amor é um só, o amor por
casa espiritual, nossa primeira casa. Talvez Deus. Mas não me entenda mal, escute. Existe um ideal
vocês se surpreenderão em saber, mas a na vida que supera todos: amar. Amar quem? Deus. Ele
mora no coração de todas as criaturas. Mas você, porque
nossa primeira casa é o focolare, porque é essa é a sua vontade, deve vê-lo sobretudo num coração,
aquela onde se guarda, se alimenta, se faz no de seu esposo. Você deve amá-lo mais do que quanto
o ama porque Deus mora no seu coração. Para você,
crescer a nossa união pessoal com J.A. É a amar Deus se demonstre assim: amando seu esposo o
casa do nosso casamento com J.A. máximo que puder. Por ele, renegue o seu egoísmo, a
sua vontade de ficar fechada em si mesma, as suas
Estamos inseridos no focolare a pleno título, comodidades, todos os defeitos que você tem. Por ele
aumente a sua paciência, aperfeiçoa as suas capacidades
de mãe, saiba calar quando alguém erra. Se você se
12 Mt 19,29: Todo aquele que tiver deixado casas ou irmãos, esforçar para ver Jesus nele, então o amor pelo seu
ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa do esposo não terá fim. Nem mesmo no Paraíso, porque nele
meu nome, receberá muito mais e herdará a vida eterna. você ama Deus.
Pedro também circulava pelas igrejas com focolarinos e focolarinos casados: “… E já
sua mulher, ao menos assim consta nos que falávamos dos popos casados, os
Atos dos Apóstolos. Paulo não tinha mulher. popos casados são muito importantes.
Mas havia diferença? Não, não havia uma Vejam, popos, que justamente a família de
grande diferença. Pelo contrário, deu o Nazaré tinha pessoas casadas, não é que
primado a Pedro. se pode sair disso, não ter os popos
Não se pode exaltar a virgindade e depreciar casados. Os popos casados devem
o matrimônio ou vice-versa exaltar o participar da vida do focolare. Foco tinha
sempre diante de si – Foco é o ideal para
matrimônio e depreciar a virgindade.14 A
vocês – sempre diante de si s. José, porque
virgindade é uma graça especial de Jesus,
não é que s. José é aquele tipo que se
não enquanto virgindade mas enquanto é o
pensa, assim, o tempo todo olhando os
chamado especial de Jesus a deixar tudo
outros dois lá no alto e ele… Entretanto ele
para seguir Ele, e isto os popos fazem no
era chefe de família; quando ele percebe
focolare.
que Maria estava grávida e que esperava
Por isso quando se diz: “Há quem tem a um filho, duvidando que a coisa fosse errada
vocação ao matrimônio. Há quem tem a ele decidiu – portanto alguém que toma as
vocação à virgindade”, não é exato, porque decisões, que sabe como se virar –; depois
todos temos a vocação ao matrimônio, ou chega o anjo, o convence e ele dá os seus
quase todos. Para alguns, porém há um passos. Quando se trata do fato que
chamado especial de Jesus a deixar tudo Herodes começa… através dos Reis Magos,
para o seguir. o que ele faz? O anjo faz com que ele parta,
Jesus levou consigo casados e virgens da é ele que diz a Maria: “Vamos.” Portanto
mesma maneira. uma pessoa que sabe como se virar.
Pedro deixou a mulher para segui-lo, depois Não é que os popos casados vêm só para
a tomou consigo novamente, como consta, participar, trazem algo, são o selo, são a
porque devia; porque como casado tinha os porta aberta para o mundo, portanto também
seus deveres. eles… E depois eu estou convencida de
uma coisa: dizem que, depois da Santíssima
Porém o espírito é este dos primeiros Trindade, o relacionamento mais profundo
cristãos e, portanto, a vocação dos que se teve é o relacionamento entre Maria
focolarinos casados é a do selo de ouro. e Jesus, quando estavam na terra, dizem: é
Mas este já é um outro capítulo que o mais estreito. Mas são José participava! É
abordaremos mais para frente. impossível que Maria o tenha amado tão
Mas, entretanto, também é preciso eliminar pouco a ponto de guardar-lhe os segredos;
um equívoco, isto é, que entre focolarino e participava, e ela sabia dizer talvez de modo
focolarino casado tudo é igual. Não. É que ele entendesse; pode ser que Maria,
diferente porque se responde a um chamado sendo Imaculada, compreendesse as coisas
de Deus de modo diferente, num estado mais profundamente, porém o diz também a
diferente. É igual porque se faz a Sua s. José, ele estava dentro, estava em
vontade. É isto que vale. família, não podia de forma alguma ser
alguém isolado. Por isso os popos casados
Que grande invenção é o focolare, cada vez
participam plenamente; a vocação do popo
maior. Uma convivência de pessoas que
casado é uma vocação altíssima, devemos
espiritualmente ou materialmente, sem
mantê-los ligados a nós, porque têm uma
nenhuma diferença, deixaram tudo para
função completa no focolare, fazem de
seguir Jesus.
modo que sejamos realmente a quarta
Porque a eles só interessa Jesus. É isto que estrada”.
vale.
Lemos um pouco antes que: “Não é que os
Como deve ser a inserção dos focolarinos popos casados vêm só para participar,
casados no focolare? Acho que a figura de trazem algo, são o selo, são a porta aberta
s. José pode nos ajudar muito. Chiara, no para o mundo, …”.
dia 29 de dezembro de 2001, disse aos
O que é o selo, o selo de ouro, de que fala
14 1 Cor 7,7: Quisera que todos os homens fossem como Chiara?
sou; mas cada um recebe de Deus o seu dom particular;
um, deste modo; outro, daquele modo.
No dia 13 de junho de 2000, numa escola de
focolarinos e focolarinos casados do 5° ano, devem abrir os olhos destes popos, pois
disse: “O que é este selo de ouro? Eu agora eles podem se iludir e pensar quem sabe o
explico bem o que penso e depois também quê. É uma coisa humana, abençoada por
como é teoricamente. Deus, existe o sacramento. Porém, saem
Quando eu disse, também a Foco e depois a esses pobres rapazes que… Enfim, abram-
todos os primeiros focolarinos casados: lhes os olhos, os ajudem. Isso”.
«Vocês são o selo do focolare», eu tinha em Aqui Chiara fala das Inundações. No dia 28
mente exatamente a figura de s. José na de janeiro de 2002, encontrando-se com o
família de Nazaré, pois ele tinha uma função nosso Centro, disse: “É preciso que os
enorme. S. José protegia tudo: ele protegia popos casados tenham forte (a consciência)
Maria e Jesus. (…) Os focolarinos virgens que Foco era de todas as inundações,
têm uma vocação mais sublime, porque a jornalismo, ecumenismo… Se vê que nos
virgindade é uma vocação mais sublime; popos casados tem também não só a figura
porém, era protegida por s. José. Jesus era de S. José que protege o focolare, que vive
Deus e era protegido nada menos que por com aquele… (radicalismo), mas também a
um virgem, que era São José. inundação, então…
Eu sempre tive este conceito: os focolarinos Se olharmos para Foco, popos, não existe o
(casados) devem ser a proteção dos popos popo casado sem inundação. Foco tinha
no focolare. Esta é a vocação deles. Este todas elas. E era consagrado, porque é o
selo significa ser a proteção do focolare, primeiro.
desta familiazinha, desta Família de Nazaré, Somente Foco entendeu o ser consagrado
no focolare. É isso. Não è que seja tanto, do popo casado. Que seja consagrado é um
tanto… milagre porque é justamente o oposto.
Se pensarmos ainda, popos, que todos nós Porque o casado é (considerado na tradição
temos que seguir Jesus abandonado e que da Igreja) bem aquilo que não é consagrado.
Jesus abandonado naquele grito, como diz a Foco, tendo atrás de si 2000 anos de
teologia, é como o grito de um parto divino história da Igreja, entendeu o que é o
que gera os homens como filhos de Deus consagrado. O consagrado é alguém que é
(como uma mãe, que grita quando nasce um posto sobre o altar, como as pessoas
filho, ele gritou porque nascia a Igreja), sagradas. Não é somente alguém do povo.
então se entende imediatamente que a Porém talvez agora é preciso evidenciar
atitude é aquela materna, paterna. Portanto, muito também os popos casados, porque os
deixem-se guiar por esta vocação e não por popos casados estão lá no (neste)
outras. Está certo, popos? fenômeno extraordinário.
Naturalmente, os virgens devem ser Porque naquela vez eu disse a Foco:
agradecidos. Mas sabem como é, nem “mesmo se você não tem a castidade… a
sequer é preciso ser agradecidos. Devem pobreza… porém, o amor é tudo”. Mas eu
viver assim e depois tudo vem por cheguei a dizer só isso: “Se você ama, é
consequência. como nós, porque é puro, pobre…”.
Vocês gostam, popos casados? Portanto, estes popos, se entendessem
Repito: voltando ao início, quando eu disse a quem são! Por um lado, consagrados e por
Foco: «Devem ser o selo de ouro», eu outro, no meio do mundo, exatamente como
pensava isso, tinha na alma s. José… mas a família de Nazaré, como S. José! Eis o
não quero limitar a vocação de vocês fascínio, a história da atração do tempo
apenas a s. José. É também realizar as presente! É isto! É preciso explicar isto muito
inundações, (…) é tudo o que quiserem, o bem, este conceito aqui. É uma pena que já
diálogo inter-religioso. Porém, a atitude vieram todos os popos casados, não é? (Se)
perante os outros popos é de proteção. se diz assim, se pode esclarecer bem a
vocação deles.
Pois bem, também vocês experimentaram,
talvez também tiveram que lutar para viver a A diferença entre (os popos casados e) os
pureza, e sabem perfeitamente o que voluntários é que (os primeiros) são
comporta este matrimônio. É algo bonito, consagrados a Deus. Porém talvez
maravilhoso, mas em suma, vocês sabem precisaria ter um pouco de (da) sabedoria de
também quais são as dificuldades. Portanto, Foco, conhecer bem a história da Igreja. Por
exemplo, ultimamente eu li um livro sobre
como surgiram as virgens. Surgiram
espontaneamente na Igreja. Na Igreja
primitiva havia as virgens e os virgens e
ninguém os chamava celibatários como nós
inventamos (agora) para deixar este mundo
contente. Havia os virgens e as virgens, que
depois eram considerados, por (assim)
dizer, como uma “casta” na Igreja. Como
havia os presbíteros, havia as virgens (e os
virgens). Mas não como um mosteiro,
(porque estavam) no meio do mundo,
mesmo se estavam ligados entre si. E diz
coisas muito bonitas que talvez poderiam
ser aplicadas (no nosso caso).
Mas aqui tem a mão de Nossa Senhora.
Nossa Senhora que era virgem e mãe. E
portanto, ela harmonizou num conjunto duas
coisas “estranhas”. Por isso, como (esta) é
Obra de Maria inventou para os popos (esta
possibilidade). Para nós é uma das pérolas
mais bonitas (a presença) dos nossos popos
casados, esta nova vocação”.
Aprofundemo-nos nas promessas.
Sobre o valor da virgindade consagrada (Primeiro ano 1.1)
Anotações organizadas por Gianni e Elide Cito

“É um milagre de amor conhecido só pelos para o homem, tecido social formado pela
anjos…” assim cantavam os primeiros agregação de pessoas em relação umas
focolarinos com admiração e com as outras. A manipulação genética é o
reconhecimento, pensando no focolare. seu último desenvolvimento.
O focolare, esta convivência extraordinária e A virgindade não é mais um valor porque
única de virgens consagrados à qual são não existem mais sistemas de valores
chamados a participar também os casados. absolutos, mesmo se não é mais tão
Foco, que abriu esta estrada, conhecia a zombada como nos anos setenta ou oitenta,
história da Igreja, o inestimável valor da talvez porque haja mais tolerância pelas
virgindade consagrada, quanto bem fizeram escolhas pessoais. No relativismo que nos
à humanidade os e as grandes virgens, impregna, cada um tem a possibilidade de
fundadores e fundadoras daquelas famílias fazer o que quiser. A escolha da virgindade
religiosas tão importantes e luminosas na concerne à esfera pessoal, privada. Cada
história da Igreja. A atitude de humildade de um pessoalmente e por si só é responsável
Foco se apoiava na sua profunda e vasta por aquilo que faz e assume as
cultura cristã. consequências.
Hoje, que o movimento dos focolares está Mas na história da Humanidade, na
presente no mundo inteiro e se estende por experiência de muitos povos e civilizações,
todas as culturas e por todas as religiões, nunca existiu um certo anseio à virgindade?
sentimos a exigência de aprofundar, de De que forma?
esclarecer, às vezes quase de descobrir, o Na fenomenologia religiosa de muitos povos,
significado da virgindade. Do focolare, fazem a virgindade e os atos sexuais são
parte os focolarinos casados que são frequentemente ligados ao sagrado e às
chamados à convivência com virgens
forças cósmicas.15 Para alguns atos rituais
consagrados, portanto a uma vida de
ou mágicos se exigia a pureza sexual, uma
caridade sobrenatural com eles. Para vivê-la
espécie de integridade física para entrar em
plenamente é preciso compreender a
contato com as divindades.
singularidade da virgindade em Chiara, que
é novidade, mas também continuidade, Pode-se citar o exemplo das vestais
porque se situa no âmbito da mais pura romanas, encarregadas de manter sempre
tradição da Igreja. aceso o fogo sagrado no templo da deusa
Vesta. Durante o período em que exerciam a
Como é vista, no mundo moderno ocidental,
sua função eram obrigadas a conservar a
a virgindade?
sua virgindade.
O individualismo do nosso mundo ocidental
Os monges e as monjas do budismo
levou à perda de muitos valores e, entre
theravada, espiritualidade completamente
estes, a virgindade. Tudo é focalizado no
diferente da nossa e que também nestes
indivíduo: exigências, necessidades,
últimos anos vem influenciando a
aspirações. A família, célula base da
mentalidade ocidental, continuam a seguir
agregação social, vai se desmantelando nos
as regras monásticas de 2500 anos atrás.
seus componentes e nas suas funções,
Para eles, o voto de castidade, que seguem
como marido, mulher, pais, filhos e procura
rigorosamente, é muito importante. A
se recompor segundo as necessidades
virgindade é considerada como um fruto de
individuais. Basta se referir às assim
“graça”, ou “abundância de bem” da pessoa
chamadas famílias “alargadas”, às famílias
que a pratica, sinal que é pessoa abençoada
de homossexuais…
e que vive num estado privilegiado de
Assiste-se à separação cada vez mais clara preparação para atingir o Nirvana.
entre o desejo da procriação e o da
sexualidade. Ambos são vistos como direitos
do indivíduo: direito ao hedonismo, direito ao 15
filho, direito à própria satisfação, sem levar
em conta o outro e o tecido social essencial Cf. V. MAURO, in Lexicon - Dicionário teológico
enciclopédico, PIEMME, 1993, p. 1126.
Já no Antigo Testamento, falta o ideal da virgem. Quando Lhe perguntam o seu
virgindade porque era um bem para cada pensamento a este propósito, diz: “…quem
um se casar. Na tradição judaica pós-bíblica tiver capacidade para compreender,
o primeiro entre os mandamentos é compreenda!”. Aconselha a virgindade,
considerado “crescei e multiplicai-vos.”16 ousaríamos dizer, como uma proposta.18
Apesar disso, notamos que a tradição Sabe que nem todos compreenderão, mas
judaica aconselha a abstenção da relação aquele que compreende sabe o que Ele
sexual, como abstenção do “profano”, em quer dizer e se sente interpelado em
momentos de culto, isto é, antes de primeira pessoa. Nasce um relacionamento
participar de ritos que dão acesso, de algum particular, um tesouro a ser guardado
modo, à santidade de Deus. Aos sacerdotes cuidadosamente porque não se pode
do Antigo Testamento se exigia a compartilhar com todos.19 Mas Jesus não
continência temporária para entrar em se separou do mundo, pelo contrário, entrou
contato ritual com Deus.17 Entre os nele sem se deixar contaminar,
hebreus, na Palestina e na diáspora, dois permanecendo completamente dentro.
grupos, os Essênios e os Terapeutas, em Basta pensar nos seus relacionamentos com
alguns casos praticavam o celibato para a samaritana, com o cobrador de impostos,
serem espiritualmente vigilantes, com a adúltera. Muitos o seguem e assim
completamente dedicados ao estudo da nasce um fenômeno tipicamente cristão,
Palavra de Deus, dando vida à comunidade uma flor do Evangelho:20 permanecer
dos eleitos. virgens para imitar Jesus e já, desde séc. II,
Aquilo que nos parece que caracteriza o para imitar Maria. Por isso os virgens e as
desejo de virgindade nas experiências não virgens estão presentes em número mais ou
cristãs é a exigência de separar o sagrado menos igual desde o início da vida cristã.21
do profano, para chegar a um estado de Permaneciam virgens a serviço da
pureza. Virgindade, ou castidade, como comunidade, num ascetismo doméstico.
separação do mundo para não se deixar Com efeito, as primeiras comunidades
contaminar, distância necessária para cristãs eram formadas pelas mais variadas
chegar ao relacionamento com a pessoas: jovens e idosos, ricos e pobres,
transcendência. Desapego das pulsões, das escravos e livres, mulheres e homens e
paixões e o estado de virgindade, com tudo todos se colocavam uns a serviço dos
o que comporta como falta de outros. Galieno de Pérgamo, um médico não
relacionamentos afetivos estáveis, falta de cristão do séc. II, dá este testemunho sobre
filhos, parecia constituir o substrato ideal os cristãos: “Os cristãos realizam ações
para que se pudesse implantar a vida do semelhantes às dos verdadeiros filósofos.
espírito. Que eles desprezem a morte, temos isso
Até aqui, nos parece, a busca de uma diante dos olhos. Até mesmo, por pudor, se
humanidade que, mais ou menos abstêm dos prazeres sexuais. Existem entre
conscientemente, anseia pelo eles mulheres e homens que se abstêm por
relacionamento com o Absoluto. toda a vida das relações carnais”.22 Cada
Depois, finalmente, Jesus. um colocava os próprios dons a serviço de
todos. E havia também quem tinha o
Deus se fez próximo para nos trazer a vida carisma da virgindade, dom gratuito que
do Céu, a boa nova que o Reino dos Céus
pode ser vivido já desde esta terra. 18 Cf. Mt 19,11.
Observemos antes de tudo a sua vida. 19 Cf. Chiara, Aos focolarinos/as externos/as,
Castelgandolfo, 22.4.2000.
Jesus permaneceu virgem, assim como 20 Cf JOÃO CRISÓSTOMO, De elemosina hom. III, PG
Maria, sua mãe, e s. José, seu pai terreno. XLIX, col 296, 12-13.
21 “Mas desde quando o Senhor, vindo neste nosso
Ele devia representar todo o gênero corpo, uniu numa estreita sociedade a natureza divina e a
humano, tinha, para realizar, a grandíssima humana, sem que elas contraíssem mancha de mistura
missão da redenção do homem, da união alguma, então uma habitual vida celeste se enraizou nos
membros dos homens difundindo-se no mundo. … Ela é
dos homens com o Pai. E permaneceu aquela milícia celeste que o exército dos anjos
hosanantes prometeu aqui na terra”. (S. AMBRÓSIO, Le
Opere, Torino 1969, p. 560).
16 Cf. Gen 1,28 22 Reipubblicae Sinopsys, fragmento conservado
17 Cf. Es 19, 15, 21-25. numa tradução árabe d’Abu’l Fada’.
Deus reservava a poucos, que para s. Paulo casam e nem elas se dão em casamento,
significa “viver com coração indiviso”.23 mas são todos como os anjos no céu”.27
A beleza e o fascínio das primeiras E Agostinho acrescenta que aqueles que
comunidades cristãs é também esta imitam o Cordeiro nas virtudes, seguem as
normalidade de um tecido social ao qual o suas pegadas. E neste caminho certamente
amor recíproco, com uma nova vitalidade, também podem caminhar os casados “… eis
dá um sentido altíssimo. porém a um certo ponto o Cordeiro se
Na Igreja dos primeiros séculos é encaminhar pelo caminho da virgindade,
justamente a virgindade o segundo grande como poderão segui-lo aqueles que não têm
testemunho depois do martírio. A virgindade tal prerrogativa? Lá cabe a vós segui-lo, a
cristã é muito mais do que retorno a um vós suas virgens… Com efeito, podemos
estado original de inocência, é sinal da exortar os casados a qualquer ideal de
santidade, exceto porém o que não têm.
ressurreição futura.24 Quem recebeu o
Portanto, vós segui-o, mantendo com
carisma da virgindade se encaminha para o perseverança o voto que fizestes com amor
tempo do Reino eterno do Senhor.
ardente… Observar-vos-á a multidão dos
Alguns grandes Padres da Igreja: fiéis que nisto não pode seguir o Cordeiro,
Cipriano: “Vós começastes a ser aquilo que vos observará sem invejar-vos e rejubilando-
nós seremos. Vós possuís desde agora a se com vós, em vós terá novamente o que
em si não tem mais. De fato, se não poderá
glória da ressurreição”.25
cantar aquele cântico que é só vosso,
Metódio: “Esta bebida, a terra não está em poderá porém escutá-lo e alegrar-se pelo
condições de produzir: somente o céu pode vosso dom excelso…”.28
ser a sua fonte. Se de fato os passos da
virgindade estão na terra, a sua cabeça toca Portanto, a virgindade, casamento espiritual
da alma com Cristo, está na mesma linha do
os céus”.26
matrimônio, mas também o transcende. Na
Mas qual era, nestas primeiras comunidades virgindade Deus toma o lugar de uma
cristãs, a relação entre a virgindade e o criatura e se comporta com o/a virgem com
matrimônio? a magnanimidade que só o Senhor pode ter.
Agostinho, com grandíssimo equilíbrio, E se a virgindade é um verdadeiro
exalta a excelência da virgindade, mas ao casamento espiritual com Cristo, se atribui a
mesmo tempo salvaguarda a bondade do ela um dos dons mais bonitos do
matrimônio. A virgindade é digna de honra matrimônio: a maternidade ou paternidade
não tanto porque é um fato puramente espiritual, mesmo sem filhos. Na história da
natural, quanto ao invés porque é Igreja são muitíssimos os filhos espirituais
consagrada a Deus e, por isso, santa. Mas dos e das virgens. “Rejubila-se realmente a
também o matrimônio foi santificado por mãe virgem que gera filhos imortais
Jesus e feito sacramento. E sobre esta mediante o Espírito”.29 “E um carisma de
realidade, tão alta – o matrimônio é Deus que é amor nunca é só uma ajuda
considerado o “grande sacramento” – se para se privar de algo, nunca é só uma
insere, para os cristãos, a possibilidade de ajuda para a renúncia, mas também para
escolher a virgindade. A escolha é entre construir algo. O carisma da virgindade é
duas coisas boas das quais uma é superiora fonte de maternidade e paternidade
à outra. A virgindade é “a imagem da vida espiritual, Deus usa os virgens para criar
angélica, reprodução na terra dos costumes para si a sua família universal”.30
do céu”.
Outra importante característica ligada ao
O motivo dominante dos louvores é sempre casamento com Jesus é a fidelidade.31 A
o escatológico, isto é, ligado à perspectiva virgindade, como casamento com Deus, tem
futura na qual o Reino de Deus triunfará.
“Com efeito, na ressurreição, nem eles se 27 Cf Mt 22,30
28 Cf AGOSTINO, De sancta Verginitate 28,28, Roma
23 Cf. 1 Cor 7. 1982, p. 119-120.
24 Cf. Mc 12,25. 29 Cf. GREGÓRIO DE NISSA, De verginitate, XIII, SC
25 Cf CIPRIANO, De habitu virginum, 32. 119, p. 430, trad. it. In Città Nuova, p. 83.
26 30 Cf. CHIARA, Diário 10 de agosto de 1970.
Cf METODIO DE OLIMPO, Symposium OS, 1, p. 54,
20-23. 31 Cf. BASÍLIO DE CESAREIA, Epist., I, 44 - 46
toda a seriedade de uma escolha memória histórica, fundamento da nossa
imprescindível. João Crisóstomo recorda a cultura, economia, arte; ou ainda como
quem já se consagrou a Deus que não deve centros de promoção humana e social; ou
ser subestimado o valor de uma promessa atividade missionária…36).
feita a Ele.32 Quando Deus escolhe uma Foram forja e cadinho de santidade,
alma para fazer dela a Sua esposa e ela reservatórios dos quais o mundo extraía
aceita este convite, entre os dois se criam as espiritualidade, sedento, como sempre foi,
condições típicas deste casamento, a do relacionamento com Deus.
exigência de amor exclusivo se torna
realidade e exprime o triunfo do amor: “Tu E quanta santidade! Bento, Bernardo,
és tudo para mim, só tu, ó Cristo, existes!”33 Francisco, Clara, Antônio, João da Cruz,
Teresa d’Ávila… Cada século foi enriquecido
Após a primeira fase de ascetismo pela presença de grandes santos e de suas
doméstico, na Igreja primitiva o ideal do famílias religiosas.
perfeito cristão será constituído pelo virgem
ou pela virgem que se tornam monges ou Apesar da “maternidade” espiritual ter sido
sempre uma das características mais
monjas.34 De fato, em seguida à legalização
bonitas da virgindade consagrada, de fato os
da religião cristã e à sua expansão em todo
consagrados viviam cada vez mais fora do
o mundo conhecido na época, o primitivo
mundo. E esta separação durante os
espírito cristão decai, as comunidades se
séculos aos poucos foi se aprofundando até
“corrompem”; e então, para voltar à pureza
chegar a determinar verdadeiros abismos,
dos primeiros tempos, e não para fugir do
mundo, alguns virgens – sendo Antonio (ou
Antão), o Egípcio, o primeiro – se retiram no 36 O que constitui o húmus, por exemplo, de onde
deserto. E começam a se formar pequenas brotou o monaquismo beneditino, são os conceitos
fundamentais de igualdade de todos os homens diante de
comunidades separadas do barulho e da Deus; da nobreza do trabalho; da vaidade das riquezas.
vaidade do mundo. Aos poucos, elas Com efeito, no mosteiro não há distinção entre nobre e
servo. Ora et labora, o lema beneditino, é símbolo da
elaboraram um itinerário ascético que tem união do humano com o divino, da atividade com a
como etapas, a compunção, a renúncia, a contemplação, e representa a síntese daquelas energias
reaquisição do espírito coloquial com Deus, que lentamente civilizaram os bárbaros e prepararam o
advento da nova civilização e sociedade medievais e
etc. É muito interessante notar que o modernas.
caminho espiritual era visto como No séc. V vigorava a divisão da sociedade em
caracterizado pela progressiva aquisição da categorias precisas, segundo um esquema trinitário
esboçado por s. Agostinho: sacerdotes, guerreiros,
alegria e do repúdio da tristeza considerada camponeses constituem a sociedade medieval. Todavia
até mesmo como se fizesse parte dos vícios estas três ordens são desiguais em grau e dignidade.
Na mentalidade medieval, “trabalhar” corresponde
capitais.35 às atividades agrícolas que são a tarefa dos servos do
estado. Em contrapartida se elogia a vida contemplativa,
Aos poucos se fundam e se multiplicam os o repouso de Deus, nutrido de lectio divina e de liturgia.
mosteiros femininos e masculinos, onde se Todavia as comunidades monásticas sempre elogiaram o
trabalho manual, mas o ora et labora beneditino é a
reúnem pessoas sedentas de perfeição, com expressão de uma promoção monástica do trabalho que
grandes benefícios seja para a Igreja, seja é associado com igual dignidade à oração; é interpretado
para a civilização humana (basta pensar, a como penitência e como imitação dos apóstolos além da
necessidade de prover às urgências próprias e do
título de exemplo, nos mosteiros como mosteiro.
verdadeiros centros de cultura tanto no A comunidade, delineada pela Regra de s. Bento,
quer ser auto-suficiente. O trabalho é artesanal, manual e
Ocidente quanto no Oriente, no cuidado e no intelectual. o legislador, de modo categórico, exclui o ócio
amor com que guardaram e defenderam, que é o inimigo da alma.
contra a negligência e a ignorância, os Insiste-se muito nas benemerências do
monaquismo no campo do trabalho, seja em agricultura e
antigos manuscritos e nos transmitiram não beneficiamento dos terrenos, seja na cultura e na
só a tradição autêntica dos apóstolos, base transmissão do patrimônio intelectual e científico. Mas o
da nossa fé, mas também muitos monaquismo teve mérito também pela ação missionária.
Um momento decisivo para a formação da nova Europa
documentos preciosos para a nossa foi a conversão dos povos germânicos ao cristianismo.
Mérito de s. Gregório, um dos maiores homens europeus,
o de ter iniciado a conversão dos longobardos e de ter
32 Cf. JOÃO CRISÓSTOMO, Ad Theodorum lapsus, I - III, assegurado a dos visigodos, então recém encaminhada,
SC 117, pp. 46-66. e de ter dado início à dos anglo-saxões. Para a
33 reconquista da ilha à religião e à civilização papa
Cf. METÓDIO DE OLIMPO, Symposium, Inno, SC 95.
Gregório se serviu de monges missionários que,
34 Cf. GREGÓRIO PENCO, Il monachesimo, Milano lentamente, civilizaram os bárbaros preparando assim o
2000. advento da nova civilização e sociedade medievais e
35 Cf. GREGÓRIO PENCO, Ibid. modernas.
muros que dividiam os batizados em dois Cristo e na Igreja, Corpo Místico de Cristo”.
componentes: de um lado os fiéis, o povo Portanto, a virgindade que agrada a Deus,
anônimo, os súditos que viviam num grau para Chiara, é sinônimo de amor que, como
mais ou menos constante de imperfeição, os o fogo, tudo consome, participação na vida
proletários da Igreja, como dizia Foco; do de Deus-Amor. Deus que em sua vida íntima
outro, os mestres, os religiosos, os ascetas, – perfeita doação recíproca – vive a sua
os santos. Mas ao mundo leigo, secular, não divina virgindade.39
conseguia chegar a linfa vital da santidade
“O virgem é aquele que segue em frente
fechada como era naquelas fortalezas, e o
sem apoios, só com Deus. Aliás, encontra
povo de Deus definhava na aridez. A
apoio no fato de não procurar apoio algum,
escolha inicial entre dois caminhos, já então
porque Deus intervém com ajuda e força
considerados opostos, determinava a
quando a alma confia única e plenamente
consequente e firme separação.37 Nele.
É a este ponto que nasce o carisma de Se a frase da escritura: “Sois deuses” se
Chiara. aplica bem a algum estado de vida, vale
Chiara escolhe Deus, Deus só … ou melhor sobretudo para o virgem a serviço do Reino
Deus a escolhe e ela sente logo o desejo, o de Deus. Ele é Deus, dentro do possível, por
ímpeto de dar-lhe tudo. A escolha da plena participação na vida de Deus.”40
virgindade era a consequência deste
Num trecho sucessivo Chiara define os
escolher Deus só, de ter Deus como único
traços da virgindade consagrada com
Ideal da vida, Deus-Amor. Muitos a
referência particular à época
seguiram neste radicalismo, as primeiras
contemporânea: “A época moderna, assim
focolarinas e os primeiros focolarinos, mas
como vê as suas invenções, inovações e
também muitas pessoas, as mais variadas,
exigências no campo técnico e em todos os
atraídas pela totalitariedade deles e Chiara
campos da vida humana, também oferece
aceitava todos e se formou a primeira
novas formas de vida do espírito,
comunidade em Trento. “…esta é a lei que
expressões fora de cogitação há algum
vale para todos na Obra de Maria, escolher
tempo, que ladeiam todas as outras,
Deus. Mas depois o Senhor escolheu alguns
plurisseculares e sempre atuais. Por
para si, colocando-os em condições de não
poder mais, com a graça de Deus, voltar exemplo, através dos Institutos Seculares41,
atrás… A vocação do focolarino é uma a vida de perfeição, a consagração a Deus,
grande eleição: se passa a fazer parte se espalha pelo mundo, ao invés de se
daqueles que Deus escolheu para si para recolher nas fortalezas de Deus, que foram
torná-los mais aptos para difundir o seu e são os conventos. E isto é um progresso.
Reino e coloca nas condições mais Hoje, a virgem, a consagrada a Deus, vive
favoráveis para tornar perfeitos. Quem aos quatro ventos no meio do mundo, nos
renunciou a tudo uma vez para sempre, é escritórios, nas escolas, nos ônibus, até nos
bares, porque… ela já não possui um véu
finalmente livre.”38
que a cubra, nem os muros do convento que
Mas como Chiara entende a virgindade? a salvaguardem, nem as grades , nem o
“A virgindade que agrada a Deus não horário da comunidade que ordena a vida e
consiste tanto, ou apenas, na virgindade é freio e apoio, nem os olhos sempre
física, mas na atitude espiritual que é vigilantes do superior. Portanto, menos
inexistir a si mesmo, para ser todo, sempre, aparato externo, … a exigência, por
de Deus. É a transparência de Maria, que conseguinte, de uma força interior que a
jamais pensou em si, mas só em Deus, em mantenha constantemente unida Àquele que
ela escolheu, ou melhor, que a elegeu como
37 «E […] é lógico, porque o conceito era este: “quer
se casar ou consagrar-se a Deus?” Parecia uma 39 Gregório Nazianzeno: “Prima virgo sancta Trinitas”,
contradição de termos: casar-se e consagrar-se ao in Carmi II,2, enquanto a Trindade é virgem porque é
mesmo tempo a Deus. Porém, no Evangelho totalmente gratuita em si e no seu ato de doação.
encontramos a solução para aquele bendito Foco, que 40 Cf. CHIARA, Sois deuses, in Saber Perder, São
nunca será bendito o bastante!» (Chiara, à Escola dos Paulo 2005.
focolarinos casados, Castelgandolfo, 08/05/85). – Cf. 41 No final do séc. XIX surgiram novas formas
também Chiara, Aos focolarinos casados, 18/01/91. particulares de vida consagrada nas quais as pessoas
38 Cf CHIARA, Aos focolarinos da escola, Grottaferrata, chamadas permaneciam no mundo, leigos entre os
3 .6.1963. leigos, sem a obrigação da vida em comum.
esposa…”.42 convivências?44 E eis aqui o “milagre de
Chiara sente que este chamado, esta amor”. Alguns casados, Foco em primeiro
atração, é para santificar o mundo: “Eis a lugar, passam a fazer parte com todos os
grande atração do tempo moderno: atingir a direitos destas convivências, se forma
mais alta contemplação e manter-se aquele conectivo social que cria a
misturado com todos, homem ao lado do comunidade. Chiara une o que parecia
homem. Diria mais: perder-se no meio da irremediavelmente oposto. Admite estas
multidão, para impregná-la do divino, como pessoas no íntimo desta convivência, não
se ensopa um naco de pão no vinho. Diria como agregados, nem como uma ordem
mais: partícipes dos desígnios de Deus terceira, mas a pleno título, como “uma
sobre a humanidade, traçar sobre a multidão cunha na santidade do focolare”.
recamos de luz e, ao mesmo tempo, dividir Das duas figuras, que formam um
com o próximo a injúria, a fome, os golpes, focolare45, uma protege e alimenta 24 horas
as alegrias fugazes. Porque a atração do por dia a presença de Jesus; a outra é a
nosso, como de todos os tempos, é o que de cunha que se insere nesta santidade e a
mais humano e mais divino se possa alarga para a compreensão do mundo, para
pensar: Jesus e Maria, o Verbo de Deus, que ele possa compreender e participar.
filho de um carpinteiro; a Sede da Outras vezes, Chiara usa para o focolarino
Sabedoria, mãe de família”.43 casado a imagem da janela para o mundo.
Portanto, a virgindade concebida não como
separação, defesa do mundo, mas como o 44 «Esta vocação não existia na Igreja… E é lógico, porque
melhor estado para poder amar a todos. o conceito é este: “quer se casar ou consagrar-se a
Deus?” Parecia uma contradição de termos: casar-se e
Estado ótimo que consente que se amem consagrar-se ao mesmo tempo a Deus. Porém, no
uns aos outros a tal ponto que, sobre a Evangelho encontramos a solução para aquele bendito
completa negação de si mesmos, se possa Foco, que nunca será bendito o bastante!
Estávamos na Via Tigrè e tínhamos decidido com Padre
ter a graça da presença de Jesus, de Deus. Tommasi, que nos seguia em nome do Bispo de Trento,
Se o ser virgens significa renúncia à que 54 focolarinos e focolarinas se consagrariam a Deus
maternidade ou paternidade física, implica com o voto de castidade. Eu dou esta bela notícia a Foco
e ele começa a exaltar a virgindade… Lembro-me que
sempre uma “maternidade” espiritual, antes ele estava encantado e ao mesmo tempo como que
de tudo gerando a presença de Jesus no esmagado, porque via uma coisa tão maravilhosa… Ele,
que tinha estudado todos estes santos, que conhecia
meio e depois, influenciando o tecido social profundamente a Igreja, sabia o valor da virgindade para
circunstante que é realmente beneficiado a Igreja, para servir a Deus e para o Reino de Deus… era
pelo próprio amor pessoal por Cristo. tão humilde, talvez pensasse que era um ideal impossível
para ele… e fazia grandes elogios à virgindade…
Renuncia-se à formação de uma família, à De repente eu disse: “Mas Foco, se você amar, se a sua
possibilidade de continuar a própria vida vida for somente amor, você é virgem, é virginizado. O
amor virginiza. O que possui de seu, do seu egoísmo, do
terrena nos filhos, para se colocar no meio seu orgulho, de você mesmo? Se você for somente amor,
de uma multidão à qual se indica o céu com isto virginiza. Mas por que não ratificamos isso com um
uma mão e que, com a outra, se sustenta na voto, ou uma promessa: você fará sempre tudo por amor
e assim será virgem, pobre e obediente”…
provação da vida. Foco, reconhecendo a grandeza do estado de virgindade,
na prática conquistou tudo aquilo que agora todos vocês
Muitos a seguem, se constituem as herdam …». (Chiara, À Escola dos focolarinos casados,
primeiras formas de convivência onde o Castelgandolfo, 08.05.85).
ardor atinge o máximo. Chiara quer chegar a 45 Cf. Regulamento da seção dos focolarinos, Roma
1991, p. 7. – Capítulo II: O focolare e os focolarinos
todos. Descobre em alguns casados o Art. 5 – Cada membro da seção faz parte de um focolare.
mesmo anseio de santidade, o mesmo Art. 6 – O focolare é, a imagem da família de Nazaré,
desejo de perfeição. Mas são casados, a uma convivência no meio do mundo de pessoas virgens
e casadas, todas doadas, mesmo se de maneira
escolha inicial deles os põe, de fato, fora diferente, a Deus.
daquela convivência. Mas por que não? Se Art. 7 – O focolare é composto, de fato, por dois tipos de
membros:
também eles amam Deus mais que tudo e o - os focolarinos que conduzem vida em comum e
colocam no primeiro lugar, por que não seguem os conselhos evangélicos de castidade, pobreza
escutar a inspiração de Foco e ousar fazer e obediência, comprometendo-se com votos privados.
Podem ser leigos, presbíteros, ou diáconos.
com que entrem no coração destas - os focolarinos casados, que vivem na própria
família e praticam a castidade conjugal, a pobreza
evangélica e a obediência segundo o seu estado e em
42 Cf. CHIARA, Virgens de hoje, in Meditações, São conformidade com este regulamento, comprometendo-se
Paulo 2000. com promessas privadas. Eles podem ser leigos,
43 Cf. CHIARA, A atração do tempo moderno, in diáconos, ou mesmo presbíteros se pertencentes a
Meditações, São Paulo 2000. Igrejas de rito oriental.
Outras ainda do selo de ouro. São todas seguir Jesus, e eles (os casados) o fazem
figuras que permitem compreender como é espiritualmente.
articulada e variada esta convivência e que Muitos focolarinos virgens sentiram antes a
evidenciam, ao mesmo tempo, uma só vocação ao matrimônio. Muitos ficaram
coisa: a preciosidade do núcleo central noivos. Num certo ponto sentiram um
formado por virgens consagrados que chamado a se doar a Deus ou, de qualquer
acendem, num certo lugar, o fogo forma, decidiram deixar tudo, família
permanente da presença de Jesus. Se presente e futura, a profissão, a própria
existe este lugar central, pode existir pátria, por Deus. Este é um dom precioso,
também a cunha, tem sentido o selo ou a uma escolha até revolucionária, um tesouro
janela. Se não existe, em quem a cunha se precioso na Igreja que deve ser sempre
inserirá? E o selo o que poderá selar? incluído, protegido.
Poderíamos pensar que todos seguimos Os virgens fazem desta união com Jesus
uma vocação, “eu como casado, o outro abandonado o tudo de suas vidas não
como virgem” e por isso construímos o apenas espiritualmente, como para os
focolare igualmente. Porém, nos casados, mas também com o corpo. De fato,
esquecemos, como as duas vocações estão deixam tudo e dão tudo a Deus. Renunciam
em dois planos diferentes mesmo se ambas à família, à profissão, não porque não
no âmbito do bem; e que Chiara faz entrar estimam o matrimônio ou por uma fuga da
no focolare nem todos os casados (o atividade profissional, mas para seguir
matrimônio é a estrada, a vocação comum a Jesus, a escolha mais bonita que podem
todos os batizados), mas só as pessoas realizar. Como uma flor recém
particulares que têm o extraordinário desabrochada, cortada e oferecida no altar,
chamado de Deus a escolhê-lo abandonado cortam as suas raízes com a vida terrena e
como esposo exclusivo da alma. Foco canta com uma grandíssima fé em Deus, se
a sua eleição numa das suas mais lançam numa maravilhosa, mas também
conhecidas canções: “embora no estado exigentíssima aventura. São jovens e, com a
matrimonial, a virginal graça me dá”.46 generosidade que caracteriza os jovens,
Esta união com Jesus abandonado dos respondem heroicamente. Eles O escolhem
casados é muito profunda. O focolarino e O desposam abandonado na integridade
casado não é apenas um casado que segue de suas pessoas, no corpo e no espírito com
uma vocação ao matrimônio, mas é também todas as consequências, às vezes até duras
aquele que, para além do próprio que esta escolha comporta.47
matrimônio, sente que deve entregar a Os focolarinos casados, justamente porque
própria vida a Deus, e quase sempre a sua vivem no mundo e no focolare, conhecem
vocação vem após a obtenção do vínculo uma e outra estrada.
matrimonial. Formar a própria família
segundo o modelo daquela de Nazaré. Mesmo sendo casados tiveram a graça de
Várias vezes Chiara o compara a s. José. entender… Estamos entre aqueles
discípulos que “têm ouvidos para entender”.
E quando se fala de vocação ao matrimônio Por isso, como irmãos podemos proteger e
e de vocação à virgindade é preciso fazer defender os nossos “popos” do julgamento
algumas distinções. do mundo.
A inclinação ao matrimônio é comum a todos Como João Batista, podemos ser como que
os homens. Falando de vocação ao precursores de Jesus que eles perenemente
matrimônio podemos falar de viver isto como geram entre si, conosco.
um caminho permanente de santidade.
Entre os casados existem alguns que E como? Em primeiro lugar, alimentando em
sentem o chamado a seguir Deus, de se todas as ocasiões e com o nosso ser a
doar totalmente a Deus no focolare, estima em torno deles. Justamente porque
encontrando nesta convivência a estamos inseridos dignamente no mundo,
possibilidade de realizá-lo. No focolare se nos é mais fácil dialogar com o mundo.
encontram junto com pessoas que Quantos filhos de focolarinos casados
materialmente deixaram e deixam tudo para sentiram a atração ao focolare? E, com
47 Cf. CHIARA, Aos focolarinos/as externos/as,
46 Cf. CHIARA, entrevista TV italiana, 1976. Castelgandolfo, 22.4.2000.
certeza, não foi porque nas suas casas se Deus Amor; como se fosse encarnação do
respirava um clima de máxima estima e amor ou braços estendidos da Providência
admiração em relação à virgindade? celeste em direção à humanidade para
Pela nossa consagração a Jesus servi-la, para enxugar as suas lágrimas,
abandonado podemos ser para eles, como para curar as suas chagas, para lhe indicar
diz Chiara, mães e pais para protegê-los o Eterno… É este o altíssimo Ideal ao qual
como s. José protegeu a família de Nazaré. somos chamados: somos Um para que o
Como s. José: lembram como, embora na mundo creia.
escuridão, desposa Maria para não a expor
a um mau juízo. Foge para o Egito para
salvar o Menino Jesus e, por isso, deixa o
trabalho, a pátria, os amigos (analogia com
as famílias focolare que partem para
construir e proteger Jesus no meio nas
comunidades que encontrarão). Fica
angustiado quando o perde aos 12 anos, e o
procura por dias com generosidade, sem se
poupar, e apesar disso sabe que aquele filho
não lhe pertence.
Estamos inseridos no focolare a pleno título
para, também nós, gerarmos Jesus no meio.
Isto é, amar-nos segundo o modelo da
Trindade. Ora sendo filhos, “o focolarino
casado é o primeiro fruto do amor do
focolare”, ora sendo pais e mães, selo de
ouro. Se vivermos a unidade entre nós,
vivemos a Trindade na terra.
A vida da Trindade, vida do Corpo Místico
de Cristo. Como a respiração faz com que a
pessoa viva, assim a vida da unidade, que
tudo dá e tudo recebe, faz com que o corpo
de Chiara viva. A vida da unidade nos
parece a respiração do Corpo Místico; no
focolare está a respiração de Maria. Nela,
porque vivemos o carisma, somos um, todos
virgens e todos casados.48 Maria, Virgem e
Mãe, realmente revive e está presente no
focolare. É a virgem e é a mãe. Por meio
dela, o convento se torna focolare e assume
as dimensões do mundo, fonte pública onde
todos podem se saciar, plena de
maternidade para com as almas porque
imagem viva, puríssima e incandescente de

48 Sacerdócio, virgindade e matrimônio são os três


lados de um triângulo isósceles: dois elevam-se ao céu,
apontando para Deus e n’Ele se encontrando; o terceiro
estende-se sobre a terra, gerando sacerdotes e virgens,
através dos quais comunica-se com o céu. Tríade que
harmoniza o divino no humano e o humano no divino. Se
entre eles passar o amor são três e são um: são o
viaduto de Deus para continuar a Encarnação do Filho. E
no amor são unidos e distintos: pertencemos todos ao
sacerdócio, todos como Igreja que é virgem, participamos
a virgindade espiritual; todos somos almas esposas de
Cristo; de modo que sacerdócio, virgindade e matrimônio,
na sua essência sagrada, em Cristo, são vividos por
todos os cristãos. (IGINO GIORDANI, Diário de fogo, São
Paulo 1983, p. 74).
Primeiras intuições de Chiara a respeito da vocação dos focolarinos
casados
(Primeiro ano 1.2)
de “Trechos da história dos focolarinos casados, extraídos dos escritos e discursos de Chiara”

Em 1960, durante um encontro de focolarinos apresentavam três caminhos, os tradicionais


casados externos49, perguntaram a Chiara que nos ensinavam: o matrimônio, a vida
quando foi que ela teve a primeira inspiração religiosa e a virgindade no mundo. E para
relativa à vocação dos focolarinos casados: mim nenhum destes caminhos satisfazia
… A meu ver, a maneira como Deus insere meu anseio. Eu encontrava em todos estes
as realidades sobrenaturais nas humanas é três caminhos algo de realmente profundo e
sempre de um modo muito delicado, quase belo… mas em todos eles faltava alguma
imperceptível. coisa para ser minha vocação.

O que se deu com a história do Movimento Em relação à família – eu dizia – existe nela
de modo geral, ocorreu igualmente com o algo de maravilhoso que muitas vezes não
“terceiro ramo”50. Eu não saberia afirmar há entre as pessoas consagradas; por
quando nasceu. Existem, porém, alguns exemplo, a espontaneidade, a simplicidade,
fatos que, me parece, podem ser filhos pequenos e grandes todos juntos,
indicadores… todos irmãos… Na família natural temos, por
exemplo, o amor da mãe, que é um amor
Em uma entrevista51 Chiara teve oportunidade de sem limites, exatamente porque a natureza
explicar: o fez assim, que espera o filho que se
Diria, como premissa, que esta vocação transviou… mesmo quando não há mais
floresceu, na minha opinião, como a esperança alguma… Todavia, na família
realização de um desígnio de Deus na Obra. natural falta uma coisa: a consagração a
Ainda em 1939, quatro anos antes que Deus. São Paulo fala muito claro a este
nascesse o Movimento, tínhamos tido uma respeito, ou seja, não é uma vocação
intuição: nasceria um quarto caminho pelo totalitária…
qual os jovens poderiam trilhar. Não o Eu pensava no convento. A vida monástica
matrimônio simplesmente, não a é bela, belíssima; pois existe a consagração
consagração a Deus num convento, nem total a Deus, mas (o convento) é fechado. E
mesmo a consagração a Deus eu dizia: mais esplêndida ainda seria a
individualmente, permanecendo na própria vocação de pessoas contemplativas,
família. Mas uma nova realidade: uma portanto plenas de Deus, no meio do
convivência de virgens e casados, segundo mundo: esta é a grande atrativa da minha
o modelo da família de Nazaré. vida…
Numa outra ocasião52, Chiara explicou melhor Existia ainda a consagração, sendo virgem
esta sua intuição: no meio do mundo. É uma grande renúncia:
A ideia do focolare nasceu em Loreto. não se casam, se consagram a Deus… mas
não deixam a família, não deixam os
O meu estado de espírito, antes de viajar campos…
para Loreto… (era) um grande desejo de
santidade, mas não encontrava o caminho Fui a Loreto e lá senti o primeiro chamado
para chegar lá… Diante de mim se de Nossa Senhora… porque durante todos
aqueles dez dias eu me sentia envolvida por
uma excepcional graça divina. Era tão forte
49
o divino que encontrava naquela Casinha
Chiara, Aos focolarinos externos casados, de Loreto, que continuamente eu chorava,
21/02/60. chorava, chorava… Senti o divino! Percebia
50 Nos primeiros tempos do Movimento – assim como a presença da Sagrada Família ali dentro:
será explicado nas páginas seguintes – se usará o termo
“terceiro ramo” para indicar o setor dos focolarinos
Maria, Jesus e S. José; era uma presença
casados. tão viva que, na minha alma, tinha a
51 Entrevista de Jean-Claude Darrigaud a Chiara, impressão de vê-los passar de um lugar
23/01/81.
52
para outro. Tudo era pleno de divino, do
Chiara, Aos focolarinos casados, Grottaferrata,
08/02/62 – Cf. também Chiara “O quarto caminho”, Aos divino expresso por esta família, porque
focolarinos externos, Rocca di Papa, 30/12/84.
para mim a Casinha (de Nazaré) significava
esta família. Depois, a última coisa que
entendi , no último dia, é que eu seria
seguida por muitas e muitos virgens. Em
seguida saí (da igreja) e disse a mim
mesma: encontrei o meu caminho. Mas se
alguém me tivesse perguntado: qual é,
Chiara? Talvez não saberia dizer…
Agora eu entendo: queria por assim dizer
um “quarto caminho”, ou seja, uma família…
com tudo aquilo que existe de belo nela,
mas composta por virgens… Eu queria um
convento, mas também com os casados
dentro, e por isso mesmo aberto, e não só
fechado.
Ali (em Loreto) encontrei este caminho, onde
os virgens estão no meio do mundo, mas
agrupados… era o focolare, e o focolare é
isso aí. Portanto, vocês podem muito bem
imaginar como é importante para nós o
terceiro ramo; se faltam vocês não existe o
focolare, o focolare não tem sentido… não
conseguiremos jamais levar ao mundo a
verdadeira inspiração que Deus nos deu…
(concluindo): é uma família, mas todos são
virgens, “virginizados” pelo amor; é um
convento, claro que é um convento, mas
com os casados, do contrário não existe o
focolare, não tem sentido; somos todos
virgens, mas no meio do mundo, e juntos
exatamente para nos fortalecer. Como a
família de Nazaré era aberta, mas era
também uma família, e era também fechada.
Este é o focolare; não existe outro tipo de
focolare.
Como é sabido53, primeiro nasceram os focolares
femininos, depois em 1948 se formou o primeiro
focolare masculino. Neste ínterim, também
alguns casados sentiram-se atraídos a
compartilhar, de algum modo, da vida dos
focolarinos.54

53 5 “Em 1944 existíamos só nós focolarinas e o nome


que se dava ao focolare não era focolare, e sim ‘Casinha’.
Até então não havíamos feito ainda a ligação entre a idéia
do focolare e a da Casinha de Loreto, que eu tinha
visitado há cinco anos, sentindo aí um primeiro chamado
de Deus.
Mas já o fato que usávamos o nome ‘Casinha’ pode ser
um esclarecimento para o fato que achamos que todo
focolare… deve ter como modelo a Casinha de Loreto…
porque existem os virgens e os casados”. (Chiara, Aos
focolarinos casados, 16/06/70.
54 Chiara no tema feito em 28/09/90, entre outras
coisas, fala do primeiro “focolare”, o qual porém não podia
se considerar em seu sentido completo porque faltavam
os casados.
1948: Encontro de Chiara com Foco
(Primeiro ano 1.3)
de “Trechos da história dos focolarinos casados, extraídos dos escritos e discursos de Chiara”

A ocasião que suscitou em Chiara a idéia que Movimento que acabara de nascer, na Itália,
também os casados poderiam fazer parte do após a segunda guerra mundial, significaria
focolare, por meio de um chamado totalitário, foi alguma coisa para ele. Pelo contrário,
o encontro com Foco em 17 de setembro de desconfiava muito das pessoas que naquele
1948. Assim falou Chiara:55 período pareciam ser donos de algum tipo
Em 1948, tendo o Movimento se difundido e de patente para promover o renascimento
indo além da região de Trento, chegando a da Itália…
Roma, estávamos aí procurando casa para Mais tarde me dei conta de quem eu havia
morar e alguém nos tinha aconselhado a encontrado. Giordani me escreveu: “Idéias
pedir ajuda a Giordani, na época deputado como as suas, tão ricas de doutrina, de
no Parlamento. sabedoria e de fogo, eu não acreditava que
Fui a sua procura, acompanhada por um existissem aqui na terra”. Deus o tinha
pequeno grupo de pessoas que pertenciam preparado desde sempre para encontrar o
à grande família franciscana. Após uma carisma da unidade. E o que se deu em
longa espera Giordani nos recebeu, porém – seguida foram encontros pessoais ou de
como ele mesmo disse mais tarde – mais grupo, os quais fizeram amadurecer
porque via nestes novos interlocutores justamente um desenvolvimento
possíveis eleitores seus, do que por outro inimaginável do Movimento.
motivo. Chiara falou mais amplamente sobre esse
Ao invés, logo que entramos ficou encontro com Foco num encontro de focolarinos
casados externos em 196057
impressionado pelo grupo em si, que unia
pessoas pertencentes às três ordens Sem dúvida alguma, o primeiro momento
franciscanas, as quais normalmente viviam indicativo (do nascimento da vocação dos
separadas umas das outras, e muitas vezes focolarinos casados) foi o encontro com a
até se hostilizavam, de acordo com a primeira pessoa que tinha esta vocação:
história. Foco, Giordani…
Não me lembro do que ele me disse logo Em 1948-49, embora a nossa mente fosse
que nos viu. Eu, esquecendo-me tomada pela realidade do “ut omnes” (que
completamente o motivo pelo qual todos sejam um), jamais tínhamos
estávamos fazendo aquela visita, comecei a encontrado alguém que fosse casado (as
contar brevemente a pequena história do primeiras focolarinas já haviam se
nosso Movimento, a qual lhe causou uma consagrado a Deus, assim como os
grande impressão, como ele mesmo narra focolarinos), o qual tivesse os mesmos
em um de seus livros56. Ele nos anseios nossos58, isto é, uma pessoa de
acompanhou até à saída, aproximou-se de grande visão, que não vivia fechada na sua
mim e pediu-me para que escrevesse o que família, mas aberta para a Igreja e para toda
eu havia dito. Para ele era esta uma maneira a humanidade.
de manter o contato. Entre ela e outras pessoas que tínhamos
Giordani passara toda a sua vida até então conhecido existia uma diferença abismal, e
na espera de que se abrisse diante dele um isto nos causou uma grande impressão…
caminho, para satisfazer um desejo que vimos que ela era diferente das outras; tinha
atormentava sua alma, ou seja, consagrar- uma qualidade que as demais não tinham.
se totalmente a Deus apesar de ser casado. Esta qualidade era exatamente a sua
Havia procurado muito, mas não imaginava
de modo algum que o encontro com um 57 Chiara, Aos focolarinos externos casados, 21/02/60.
58 “Quando, em 1948, conhecemos Giordani, o nosso
Movimento, o qual se apresentava como comunidade
55
cristã renovada, tinha visto o despontar de uma vocação
especial no seu íntimo: a vocação dos focolarinos. E havia
Entrevista de Jean-Claud Darrigaud a Chiara, 23/01/81. focolares masculinos e femininos, os quais eram o
56 2 Cf. Igino Giordani, Memorie di un cristiano ingenuo, coração, a alma da comunidade”. (de: Entrevista de Jean-
Ed. Città Nuova, 1981, pág. 149 e ss. Claude Darrigaud a Chiara, 23/01/81).
vocação, foi assim que o entendemos com o aquela pessoa que mantinha a nossa alma
passar dos anos… aberta para toda a humanidade, que impedia
Desde o início Foco foi sempre para nós o de nos fecharmos em nós mesmos, abrindo
símbolo da humanidade, e era sempre horizontes…
1953: O voto de Foco
(Primeiro ano 2.1)
de “Trechos da história dos focolarinos casados, extraídos dos escritos e discursos de Chiara”

Em novembro de 1953, cerca de sessenta lembro-me que disse (naquela ocasião):


focolarinos/as se consagraram a Deus com os “Escuta Foco, afinal o que é que falta? Se
votos perpétuos de castidade. O assistente você ama Jesus Abandonado é desapegado
(eclesial) de então, Pe. Giovanni Battista de tudo, você não se apega a nada:
Tommasi, ex-superior geral dos Estigmatinos, desapegado do trabalho, da família, das
falara com cada um individualmente, considerara suas idéias, dos seus livros, da sua vida, da
todos preparados para dar este passo e os sua idade… Se você ama Jesus
consagrara a Deus “como flores, feitas para um Abandonado, se Jesus Abandonado é tudo
Reino que não é deste mundo”. Em várias para você, você é pleno de Deus e vazio de
ocasiões Chiara recordou o seguinte episódio, de si mesmo. Se é pleno de Deus, é a caridade
fundamental importância para a vocação dos viva, Deus vive em você. Então, quem é
focolarinos casados. mais virgem do que você?”
59 Foco seguia toda esta cerimônia, onde as E recordo que ainda lhe disse: “A virgindade
pessoas eram como que elevadas desta física não é o mais importante; uma pessoa
terra como se fossem anjos, os quais pode ser virgem e ir muito bem para o
deviam colocar-se a serviço da humanidade, inferno. O que vale mesmo é a virgindade
porque não poderiam mais pensar em si espiritual, e onde Deus está – Deus é
mesmas. Em síntese, nisto consiste a sempre virgem – onde está Deus aí está a
virgindade. castidade; onde está Deus, aí esta a
obediência; onde está Deus, aí esta a
E lembro que Foco – pela grandeza
pobreza… Então, por que tu não te
espiritual que tinha, pelo conhecimento e
consagras a Jesus Abandonado, isto é, a
experiência a nível eclesial de alguém que
ser o Amor, e oferece também tu esta
realmente muito estudou e amou a Igreja –
consagração sobre o altar, consagrando-se
experimentava no seu íntimo um sentimento
assim ao nosso Ideal desta maneira?”
cada vez mais profundo de admiração em
relação ao que estava acontecendo… À E lembro ainda que no dia seguinte, (com)
medida que aquelas flores eram “cortadas”, ele sozinho, o primeiro do terceiro ramo,
ele compreendia o significado da virgindade circundado por todos os focolarinos
nos desígnios da Igreja e da Providência consagrados a Deus, fomos à missa na
divina… Estava conosco, focolarinas, e igreja de Santa Maria Goretti60, e aí todos
diante de nós dizia palavras, que agora não
lembro, mas que certamente nos causaram 60 “… Estes propósitos que depois se tornaram
um forte impressão. concretamente promessas que emitiu: promessa de
castidade segundo seu estado; de obediência aos
Eram palavras de uma humildade abissal, responsáveis de focolare, os quais por sua vez levariam
como se ele estivesse embaixo e daí em conta os seus deveres de estado; de pobreza, no que
se refere à sua pessoa, de acordo com sua condição
contemplasse no alto a grandeza da social”. (Entrevista de Jean-Claude Darrigaud a Chiara,
vocação virginal, para a qual Deus chama 23/01/81);
algumas pessoas na Igreja.
Falando aos focolarinos casados da Escola, Chiara deu o
Ele não poderia seguir por este mesmo seguinte esclarecimento:
“Esta vocação não existia antes na Igreja… Se entende
caminho, porque Foco era casado; todavia, muito bem, porque o raciocínio era este: você quer se
esquecendo de si mesmo e tocado pela casar ou consagrar-se a Deus? Parecia em si uma
graça de Deus, dava glória a Ele por aquilo contradição alguém que fazia as duas coisas. E ao invés
no Evangelho encontrou-se a solução por meio do nosso
que fizera aqui na terra, estando também em bendito Foco, que jamais será suficientemente bendito.
meio a nós. Morávamos na rua Tigré e tínhamos decidido, juntamente
com Pe. Tommasi, o qual havia sido escolhido pelo bispo
Talvez por causa da humildade de Foco – a de Trento, que 54 entre focolarinos e focolarinas se
consagrassem a Deus com o voto de castidade.
humildade atrai sempre a atenção de Deus – Comunico esta bela notícia a Foco, o qual me faz um
verdadeiro panegírico da virgindade… Lembro-se que ele
estava encantado e, ao mesmo tempo, arrasado, porque
59 para ele era algo maravilhoso, pois havia estudado a vida
de muitos santos e conhecia profundamente a vida da
Chiara, Aos focolarinos externos casados, Grottaferrata, Igreja, sabia qual o valor da virgindade para a Igreja, para
21/02/60. servir a Deus, para o Reino de Deus… estava numa
nós tivemos esta profunda impressão: a
vocação desta pessoa, assim como a de
todos que a seguirão, será um martírio; o
martírio que Deus pede a todos os cristãos
quando diz (no evangelho): “Quem quiser vir
após mim, renegue a si mesmo, tome a sua
cruz e me siga…”
A partir daquele momento Foco não ficou
sozinho; logo vieram os seguidores desta
mesma sua vocação. E lembro-me que
antes de Pe. Tommasi morrer, ele pôde
consagrar a Deus – embora de um modo
muito diferente dos outros, mas sendo
igualmente uma enorme oferta – uma
dezena dos nossos do terceiro ramo.

atitude de grande humildade, talvez via tudo isto como um


ideal impossível de ser atingido por ele… e continuava
elogiando a virgindade…
E de repente eu digo: Mas Foco, se você ama, se a sua
vida é somente amor, você é virgem, é “virginizado”, pois
o amor “virginiza”. O que lhe resta de si mesmo, do seu
egoísmo, do seu orgulho?
Se você for unicamente amor; é isto que virginiza.
Por que não poderemos selar isto com um voto, uma
promessa, algo que fará você fazer tudo por amor; assim
você é virgem, pobre e obediente…
Foco, que reconheceu a grandeza do estado de
virgindade, conquistou na prática aquilo que agora todos
vocês herdaram…” (Chiara, À Escola dos focolarinos
casados, Castelgandolfo, 08/05/85). – Cf. também Chiara,
Aos focolarinos casados, 18/01/91.

E ainda nos anos sessenta, Chiara, respondendo a uma


pergunta, afirmou:
“No início, na época dos primeiros cristãos, a família não
era mal entendida, porque havia a presença de Deus, de
Jesus, atrás do qual todos corriam. Era algo muito
secundário o fato de ser chamado à virgindade ou mesmo
ao matrimônio… Hoje em dia, seja no campo da
virgindade, seja no campo do matrimônio, a situação é
falsificada. No que se refere à virgindade há muitas
pessoas que acham os votos uma coisa muito importante,
ao passo que eu acho não é assim. O importante é amar
a este Jesus, depois se Ele te chama a fazer os votos…
é secundário.
Do mesmo modo existem muitas famílias, também cristãs,
que idolatram de um certo modo a família, colocando-a no
lugar de Deus. E isto é muito errado!…
Portanto, fazia-se necessário a existência de pessoas
(também casadas), tanto mulheres quanto homens, que
fossem chamadas a uma doação total a Deus, as quais
realmente colocassem em prática o que Jesus afirmara:
“Quem não deixa pai, mãe, mulher, filhos…” no sentido
que os pospõe e coloca Deus antes (deles).
Agora… Deus chama famílias inteiras… E isto é
realmente algo magnífico!
Mas nós não teríamos chegado a este ponto, se não
tivéssemos passado pelo cadinho do terceiro ramo, do
assim chamado terceiro ramo; eu me refiro ao desapego
de alma capaz de colocar Deus acima de tudo, mesmo
sozinhas, sem ter muitas vezes o auxílio do marido que
partilha o mesmo ideal, ou vice-versa”. (Chiara, Reposta
às Perguntas, Grottaferrata, 06/01/60).
1964: O discurso de Valtournanche
(Primeiro ano 2.2)
de “Trechos de história dos focolarinos casados de escritos e discursos de Chiara”

Um momento fundamental para os focolarinos importantíssimos e de grande


casados foi o encontro de Chiara com as responsabilidade para nós, porque fazemos
focolarinas casadas em Valtournanche no dia 11 do terceiro ramo um ramo realmente
de julho de 1964: falou a elas sobre a vocação genuíno (que depois não é um ramo, mas
dos focolarinos casados num discurso que ela lhes direi) de focolarinas, realmente com
mesma definiu de “fundação”.61 aquela vocação.
… Este ano foi caracterizado por dois Uma enorme responsabilidade cai também
grandes acontecimentos: a aprovação da sobre vocês. Porque se vocês são aquelas
Regra feminina (e por consequência da que devem ser, se cria uma tradição justa,
masculina), Regra que realmente por isso também amanhã teremos
corresponde à Obra… focolarinas casadas “puro sangue”, caso
Dois anos atrás foi aprovado o Movimento contrário, haverá uma coisa degenerada no
ad experimentum… nos deram uma Regra início e então teremos uma Regra
que modificamos… porque víamos esplêndida… mas não teremos a sua
aprovadas muitíssimas ideias, quero dizer realidade…
inspirações, que o Senhor mandou para a Quando eu soube que devia lhes falar,
Obra… Porém, ao mesmo tempo, esta pensei em ver na Regra como devem ser as
Regra masculina trouxe uma enorme dor focolarinas casadas; porque eu acredito
para nós: a Igreja excluía a vocação do demais na Regra e sei que traz em si o meu
terceiro ramo… Sobretudo para o terceiro Ideal, a inspiração que Deus me deu e o
ramo foi uma tragédia (lembro de Foco, pensamento da Igreja…. É uma vocação
Spartaco e todos os popos e para mim… e muito precisa: aquela e não outra.
para todos vocês). Após ter analisado a figura do simpatizante e do
Porém eu tinha confiança em que o Senhor voluntário, Chiara prossegue:
interviria… … Há uma grande separação entre estes e
Durante este ano foi aprovada a Regra aqueles que vêm daqui para cima. E daqui
feminina… (Ao apresentá-la) dissemos: para cima se começa com as focolarinas
mesmo se a Igreja não admite certas casadas… daqui para cima são
formas, nós devemos dizer as coisas como consagrados.
são diante de Deus. A Igreja tem a graça de O que significa esta palavra
dizer se vem de Deus ou não vem de “consagrados”?…
Deus…
Significa que Deus os chamou e os tornou
Apresentamos esta Regra, onde, além das “sagrados”, não são mais de si mesmos, são
focolarinas do primeiro ramo havia as de Deus, são consagrados a Deus. Isto é
focolarinas do terceiro ramo (a Regra era tão verdadeiro que a grandeza da vocação
feminina) assim como são… da focolarina casada se vê pelo fato que faz
Milagrosamente a Igreja… a aprovou… parte do objetivo geral da Obra de Maria
Repentinamente nos chamaram e nos especificado pela Igreja. Este objetivo é a
disseram: “Eis a Regra de vocês…” perfeição cristã através da caridade,
Tive a impressão de quando nasce uma mediante os conselhos evangélicos…
criança: quando é a hora que deve nascer e Esta é, um pouco, a dificuldade que
Deus quer e basta, não se pode esperar, é encontrava a Igreja: como é que um casado,
preciso que nasça. que está ligado à família pode estar ligado a
Assim nasceu o terceiro ramo!… uma Ordem e de uma maneira tão forte a
ponto de ter três votos? (eu digo votos
Naturalmente este é um dos acontecimentos porque mudarão esta palavra “promessas”
em “votos”, porque é possível, são
61
verdadeiros votos, naturalmente adequados
Chiara, Às focolarinas casadas, Valtournanche,
à vontade de Deus, mas são verdadeiros
11/07/64
votos)… na América… ao ver aquelas focolarinas de
Vocês são justamente pessoas consagradas Recife e aqueles focolarinos de Recife, e
(e acho que é aqui que a Igreja encontrou também da Argentina, que não se
um pouco de dificuldade), mas como Nossa distinguiam dos da sua mesma idade não
Senhora inventou este dispositivo que é a casados. Você não vê a diferença, são tão
Casinha lauretana, era preciso que a Igreja, luminosos e se movem com tanta liberdade
fechando os olhos, nos aprovasse. E este no focolare, que não se pode dizer: “Aquele
será um precedente para quem sabe acabou de entrar em focolare ou aquele não
quantas Ordens que nascerão deste tipo… sabe onde pôr os pés”, porque fazem tudo:
trabalhos, capinam o jardim, tanto que me
Estes três pregos podem parecer um pouco veio espontâneo dizer: “Isso, esta é a
fortes para alguém; serão os que salvarão a Casinha de Loreto …”.
vocação de vocês, porque vocês não terão
Pensando na vocação de vocês me parece
nada além do Ideal…62
que se concentre em dois pólos e não se
As focolarinas casadas podem viver toda a sabe qual vem antes e qual depois.
espiritualidade da Obra de Maria, toda como Somente Maria, Virgem e Mãe, Mãe e
as outras focolarinas, caso contrário não Virgem, me explica a vocação de vocês.
poderiam fazer parte da Casinha de Loreto. Para serem vocês mesmas, devem viver
Diferenciando-se em alguma coisa, teriam entre o focolare – virgem – e a família, entre
se reunido – como a Igreja tinha colocado na a família e o focolare. Portanto o ambiente
Regra precedente – em núcleos, mas fora de vocês, onde encontrarão a santidade, é o
da Casinha de Loreto. focolare-família, a família-focolare e daqui
Ora, para fazer parte da Casinha, é preciso não devem sair.
ter todos os direitos da Casinha, mas Se a vocação das voluntárias é tão visível,
também todos os deveres dos que vivem na tão evidente, a de vocês é escondida como
Casinha… aquela de Maria. Vocês perceberão isso sob
Eu me lembro da alegria que experimentei todos os aspectos. Vocês terão muitas
tarefas escondidas, mas é ali que se
tornarão santas…
62 Em relação às três promessas, transcrevemos a resposta
de Chiara a esta pergunta: Como você vê, Chiara, o Depois, Chiara passa em revista os vários
relacionamento, o equilíbrio que deveria existir em nós,
focolarinos casados, entre a escolha pessoal de Deus,
aspectos e faz um confronto entre como são
ratificada pelas promessas e o sacramento do vividos pelas voluntárias e pelas focolarinas
matrimônio? casadas. Por exemplo, para o apostolado:
“Aqui parece que este focolarino casado vê como que uma
contradição. Diz: “Nós nos consagramos a Deus até … Qual é o apostolado de vocês? É o
mesmo com as promessas, mas também tem também o
matrimônio. Como é que se pode ir a Deus com esta apostolado característico da Obra de Maria,
consagração pessoal e ao mesmo tempo viver bem a vida isto é, o testemunho da unidade. Onde? No
matrimonial, em resumo, viver bem o matrimônio?”. focolare, onde se vê que são um entre
Eu diria que este focolarino, ou também muitos outros,
talvez não tenham entendido bem, bem, como é esta casados e não casados, e na família até
consagração que fazemos a Deus, inclusive os onde é possível, porque existe a liberdade
focolarinos casados, por meio das promessas, não com
os votos, com as promessas. As promessas não fazem dos outros…
outra coisa senão ratificar em nós aquela via do amor, a
via da caridade, que nós iniciamos com o Ideal.
Eu lhes disse que o modelo de vocês é
Nós amamos, procuramos amar, porém para estarmos Maria e lhes disse que a vida de vocês é
mais certos de que amamos, fazemos a promessa de entre dois polos: o focolare e a família, a
castidade, que nos desprende das pessoas, … para poder
amar a todos, e portanto os primeiros são o marido, ou a família e o focolare…
mulher. Nós nos despojamos das coisas para ter o
coração livre para amar todos, fazemos a promessa de Chiara continua falando dos vários pontos da
pobreza para ter o coração livre e amar mais; e nós nos espiritualidade:
desapegamos de nós mesmos, de todos os nossos
pensamentos e preocupações, para ter o coração livre e Existe outro ponto da espiritualidade onde a
amar mais. Igreja diz que – é o título da Mariápolis deste
Então o que são estas promessas? São todas em função
do amor, todas finalizadas a um amor maior, a um amor ano – para servir a Deus e a Igreja devemos
mais forte. E é precisamente o amor que mantém unida a caminhar pela via da caridade…
família, que mantém o matrimônio. Portanto, não existe
contradição, não se trata de equilíbrio: um é em função do Este fato é importantíssimo para vocês,
outro. A consagração a Deus do focolarino casado é em
função do matrimônio, além de todo o resto, mas em
porque, mesmo tendo os votos de
primeiro lugar do matrimônio….». (Chiara, Respostas à obediência, castidade e pobreza, vocês os
Mariápolis de Loppiano, 12/05/87)
possuem de modo escondido. Vocês não vocês não existem e então as focolarinas
podem dizer aos maridos: “Eu obedeço à não são mais elas mesmas, assim como
responsável do focolare”. Seria contra o bom vocês não seriam vocês sem o focolare e
senso, porque o marido não sabe que a isto ainda porque a vocação de vocês se
responsável do focolare tem a graça de baseia entre estes dois polos: família-
comandar você que é casada e que deve focolare.
obedecer ao marido. São coisas que Se vocês não entrarem no focolare, a
parecem opostas. Também isso, quem castidade de vocês mais cedo ou mais tarde
explica é Maria a qual obedecia a Jesus e desaparece, a pobreza de vocês
ao Espírito Santo dentro de si, e se desaparece, a obediência… quem irá
entendiam, porque eram o único Deus. A conduzi-las? Ora, vocês têm todos os
graça que a responsável do focolare tem é a direitos no focolare, menos um: aquele de
mesma graça que tem o seu marido quando comandar, e é lógico, porque vocês estão
lhe pede uma certa coisa. E ela confirmará a fora… O focolare tem necessidade de
dele ou ele confirmará a dela. Naturalmente, vocês, vocês têm necessidade do focolare
se o marido pede coisas boas… Aquilo que para torná-lo a “casinha de Loreto”.
vem em evidência não são tanto os votos,
mesmo se estão escondidos, mas a O segundo ponto depois de Maria, que é
caridade. virgem e mãe, é a caridade. Por isso Foco63
Por força das circunstâncias, vocês levam
63 Assim que Foco pôde ouvir o discurso de Chiara em
ao focolare o amor. Tudo aquilo que existe Valtournanche, endereçou a todos os focolarinos casados
na Obra e que comecei e fundei… Eu me uma sua carta, da qual lhes trazemos estes trechos:
sinto a mãe de todos, como me dizem. Para “Aquilo que eu experimentei ao ouvir o que foi dito neste
verão às focolarinas casadas, nem se pode dizer: uma
mim as focolarinas do primeiro ramo valem reviravolta que transformou toda a minha vida e me fez
tanto quanto vocês. Estou certa de que outro: me tirou do mundo e inseriu numa comunidade
sagrada como no vestíbulo do Paraíso. Agora pertenço
haveria uma deformação nos nossos totalmente a Deus como um monge.
focolares se não existissem vocês, com a Era o que eu esperava a muitos anos, entre crises de
vocação de vocês, de modo que eu não dúvida e de desolação. Porque ficar como terceiro ramo
ou ordem terceira não era o que se queria.
reconheceria mais nenhuma das focolarinas, A nossa fundadora nos educara ao dilema: ou tudo ou
se vocês não existissem. E explico o porquê: nada.
porque a essência do cristianismo é o amor, O compromisso levaria esta que é a mais original
iniciativa na Obra de Maria a uma das tantas pias uniões,
porque o Ideal nasceu como Deus amor, úteis e belas, mas não feitas, me parece, para o homem
porque a vocação do focolarino é levar o de hoje, para a Igreja de hoje, que quer a totalidade da
doação: um monaquismo dos tempos novos, não
fogo, levar o amor… entrincheirado em conventos, mas lançado pelas estradas
do mundo; não limitado a categorias, mas aberto a todos
Ao virem com a caridade, vocês vêm com os desejosos de doar-se ao Senhor, mediante uma
tudo e impedem que as focolarinas saiam da consagração total, no serviço à Igreja…
estrada, isto é, que coloquem em evidência O focolare nos oferece a solução mais alta, sublime, e ao
mesmo tempo mais moderna e radical: nos convida a nos
talvez a castidade ou a pobreza ou a tornarmos cópias de Maria e milícia – acies – d’Ela;… leva
obediência. Vocês impedem isto e impedem também nós, casados, a viver a virgindade do espírito, e a
maternidade de Cristo no sentido contemplado por
o tom de comando no focolare, impedem o Agostinho: de gerar Cristo para os irmãos; gerar almas
modo servil daqueles que obedecem, para a Igreja, as quais são misticamente Cristo. Leva-nos
impedem que se vangloriem da pobreza, ao sacerdócio real, enquanto que através de nós introduz
entre as virgens e os sacerdotes do focolare a presença
porque vocês a possuem, mas não podem do mundo leigo, com as suas misérias e as suas
mostrá-a, que se vangloriem da castidade necessidades… De modo que o dom que Deus nos fez é
um privilégio incrível que são Paulo e os Padres da Igreja
como a vocação mais bonita, enquanto sonharam e santa Catarina de Sena começou a realizar…
Deus chamou vocês para uma outra Um privilégio do qual nos vem a responsabilidade enorme
estrada. É mais bonita teórica e realmente, de colocar em comunhão sacerdócio e virgindade com o
mundo, iniciando nas origens aquele diálogo que o Papa
mas é necessário fazer a vontade de Deus, e o Concílio pedem…
é necessário fazer-se santos na vontade de Somos os primeiros na história da Igreja a entrar com
Deus. paridade de deveres, na casa até agora reservada aos
consagrados. Paridade de deveres, sem alguns direitos,
A presença de vocês no focolare, portanto, é mas sempre com aquele imenso de amar (como desde o
início nos ensinou a Mestra que nos foi dada por Deus).
tão essencial que não existe – repito – o Nós, casados, entre outras coisas, temos uma vantagem
focolare sem vocês… sobre os focolarinos que vivem em comum, justamente
porque nunca podemos ter alguma autoridade. Um dom
Portanto, ou vocês estão e o focolare especial do Senhor, porque, no mundo, girando por
adquire o sabor da “casinha de Loreto” ou casas, ruas e locais de encontros, nós estamos ligados a
Deus com o fio da obediência ao responsável do focolare.
dizia que é algo super original, porque aconteceram dois fatos. O primeiro é que ela
existiram muitas virgens, mas de Virgem e encontrou a liberdade…
Mãe, existiu somente Maria. De algum modo No campo puramente humano. No campo
ela revive… (dentro das nossas sobrenatural, este desapego, que é pedido a
possibilidades, pois temos o pecado vocês também do marido, torna vocês livres,
original), Maria revive nesta vocação virgens.
maravilhosa.
Santa Rita e Santa Isabel têm estes dois
Deus chamou vocês a se casarem e depois elementos: a liberdade, são pessoas livres,
a se tornarem freiras ao mesmo tempo, e e outro elemento, entram no convento: a
colocou junto essas duas coisas. É uma consagração.
coisa magnífica, magnífica! Por isto convém
vivê-la, pensando no quanto vocês são Agora, sem esperar aquele momento…
eleitas… vivendo a nossa espiritualidade como eu
disse, sobretudo Jesus abandonado, ou
Nestes dois dias, pensando na vocação de desapego, e entrando na “casinha” e
vocês, eu não conseguia imaginá-la senão sentindo-se parte integrante da “casinha”,
como aquela de Santa Rita de Cássia que vocês imediatamente dão o passo de Santa
permaneceu só e entrou no convento; ou Rita e de Santa Isabel naquele momento.
mesmo quando Santa Isabel da Hungria Vocês são virgens consagradas, mesmo
ficou viúva e se tornou terciária. Ali sendo mães e estando fora do convento.
Somos religiosos que trabalham no mundo para fazer a Vocês são virgens e consagradas. Assim eu
vontade do superior, o qual representa Deus para nós … vejo a figura de vocês.
Esta nossa vocação original é a primeira, portanto, na
aventura de vinte séculos: porque os oblatos, as ordens Vocês entendem que eu não consigo mais
terceiras, os voluntários, etc.. ficavam à margem das
comunidades religiosas em sentido estreito. Nós, ao
falar de terceiro ramo, porque vocês estão
invés, entramos dentro e levamos para fora – distribuímos na “casinha”. Portanto de agora em diante
no mundo – os dons da santidade preparados na falaremos de focolarinas casadas, mas
comunidade.
O êxito da iniciativa depende de nós. Exige um focolarinas, focolarinas, e a Igreja abençoará
entusiasmo, uma doação de si, uma pulverização do também esta palavra. Vocês são focolarinas
próprio eu, total, de modo que não vivamos mais nós, mas casadas: o 3º ramo existia uma vez, quando
Cristo em nós; e nosso querer e nosso pensamento –
embora em meio aos deveres profissionais e familiares éramos 3 ramos; agora não existe mais.
que devemos cumprir duas vezes melhor do que antes – Agora existe a Obra masculina e a Obra
se tornam o pensamento e o querer da Obra de Maria:
portanto, da Virgem e Mãe nossa, representada pelos feminina, que é uma única Obra, a Obra de
nossos superiores. Deus, a Obra de Maria.
Para mim, basta meditar um pouco sobre o que o estado
de focolarino significa – qual a sua importância como Vocês são da Obra feminina, na casa
união com Deus, imitação de Maria, serviço da Igreja, lauretana, vocês são focolarinas casadas.
doação às almas, viver não mortificados, mas mortos na
observância da Regra… –, basta meditar sobre estes Depois existe outro ponto da espiritualidade
pontos substanciais para saltar no sobrenatural e entrar
na convivência da Virgem e dos Santos, dentro do arco da que me parece ser ideal especialmente para
SS. Trindade… vocês e é o amor a Jesus Abandonado…
Santa Catarina fazia com que consistisse na gratidão para
com sacerdotes e virgens a substância primeira da Vocês o tomam como Esposo, como as
santidade dos catarinianos casados. Já é assim entre nós, focolarinas. Por isso Deus chamou vocês
levados a ver nos focolarinos e focolarinas nossos
mestres e nossos exemplos. A unidade com eles é a antes a se casarem com o marido de vocês
nossa força. O colocar Jesus em meio com eles é o nosso – ou depois, porque algumas de vocês estão
primeiro apostolado.
Somos co-responsáveis da virgindade e do sacerdócio na
noivas – e depois a casarem-se com Jesus,
Igreja, assim como somos partícipes das graças ligadas à porque a virgem é uma esposa de Cristo. E
virgindade e ao sacerdócio. Chiara pode dizer de nós vocês se casam com Ele segundo a Obra de
como são Paulo da sua comunidade: “Te desposei,
virgem casta, a Cristo”. Nós, leigos casados, levamos Maria. E na Obra de Maria casam-se com o
aqueles tesouros aos ambientes onde em geral nem Abandonado.
sacerdotes nem freiras chegam.
Se pensarmos por um momento neste mistério, quase Vocês possuem um Esposo que nunca irá
sentimos vertigens: ele nos introduz, leigos casados, no desiludi-las e é Jesus abandonado.
coração da santidade, no centro da Igreja. Mas nós não
somos mais: é a Obra de Maria que vale, e nela nós O Regulamento explica onde e de que modo
desaparecemos em humildade.
O empenho é grande, de uma audácia precursora, devemos amá-Lo. Diz que deve ser amado
revolucionária. Se tiver êxito, dará à Igreja a força decisiva sobretudo no desapego total dos outros
para instaurar o diálogo com o mundo…” (Foco, Carta aos
focolarinos casados após Valtournanche, Roma,
afetos. Vocês devem ter o afeto pelo marido
24/09/64). e pelos filhos e por todos os parentes.
Porém devem ser, ao mesmo tempo, Uma focolarina do 3º ramo que não sabe o
desapegadas destes afetos porque Deus é que é a presença de Jesus no meio, que
tudo… não fez esta experiência, porque não fez
Diz o Regulamento que é essencial, para prática da vida de focolare, pois a sua vida
criar a unidade no plano sobrenatural, o se desenrola entre a família e o focolare, e
desapego dos afetos humanos, senão não volta para casa um pouquinho “humana”,
se pode realizar a unidade no plano porque não conhece o que é Jesus no meio
sobrenatural. Por ser vontade de Deus, e portanto não tem aquela ânsia contínua de
vocês amam com o coração também o levar Jesus em meio também na família, não
marido e os filhos. Não é depois ou antes, é uma verdadeira focolarina do 3º ramo.
mas é contemporaneamente… Vocês Vocês devem conhecer Jesus no meio, vivê-
podem viver aquela frase do Evangelho que Lo no focolare, porque, Deus querendo (se
diz: “Quem deixa pai, mãe…” Não é que Ele quiser), possa a família natural e
vocês podem, vocês devem vivê-la sobrenatural de vocês viver com Jesus no
espiritualmente, com estes desapegos. meio, porque vocês souberam levá-lo às
duas famílias, natural e sobrenatural, de
Então, quando entrarem no focolare, vocês outra forma vocês não são focolarinas.
se encontrarão imediatamente irmãs das
outras: vocês são virgens, porque possuem Ontem foi o dia de Santa Felicidade e foi
este desapego e são esposas de Jesus maravilhoso ver no Evangelho onde Jesus
abandonado. Casar-se com Jesus diz: “Meu pai e minha mãe são aqueles que
abandonado significa casar-se com o fazem a vontade de meu Pai”, e diz isto,
desapego… falando de Maria, que era alguém que fazia
a vontade de Deus e, portanto, era a
Jesus abandonado deve ser amado também primeira a realizá-la. Porém, Jesus divide e
nos outros fora da família, porque vocês são parece que se contradiz e diz: “Não é Maria
mães da família natural. E ainda, por serem a minha mãe, mas aqueles que fazem a
virgens, são mães de almas que são vontade do Meu Pai” e se falava de
confiadas a vocês através de uma família Felicidade que tinha 7 filhos mártires. Por
ainda maior… Vocês devem cuidar delas quê? Porque deve ser dito de vocês aquilo
segundo a vontade de Deus, pelo tempo que que se diz de Santo Irineu, bispo, que tinha
vocês possuem, de modo a desenvolver mulher e filhos. Ele antes de morrer, durante
estas duas funções: de mães naturais- o processo lhe perguntaram: “Você tem
sobrenaturais e de mães sobrenaturais até o esposa? Tem filhos?” Ele respondeu: “Não”
ponto de amar quase naturalmente aquelas e dizia a verdade. Ele não tinha esposa nem
almas que a Obra de Maria confia a vocês… filhos no modo em que os juízes entendiam.
Depois o Regulamento diz que outro ponto Ele tinha mulher e filhos, mas de um modo
da nossa espiritualidade, um dever, que é a diferente, num outro plano. Portanto, ele
norma das normas, a premissa de qualquer disse que não.
outro Regulamento, é saber ter Jesus em Se vocês fossem interrogadas por aqueles
meio. mesmos perseguidores e lhes
Por isso, quando vocês estão fora do perguntassem: “Você tem marido; tem
focolare, deverão ter um amor louco por filhos?”, vocês responderiam: “Não! Porque
Jesus abandonado e não traí-Lo nem meu pai, minha mãe, são aqueles que fazem
mesmo entrando em focolare, porque pode a vontade de meu Pai”…
ser que O encontrem também ali… É uma vocação alta, se compreende, mas é
Você está no focolare para dar. São José na a vocação cristã, e aqui nasce o tipo da
casinha de Nazaré, mesmo se tinha Jesus, casada como Deus a pensa.
Deus, e Maria Imaculada, não estava ali Ontem, quando estava pensando nessas
para receber, mas para dar. coisas, minha alma se tranqüilizou (vinha
Também a vocação de vocês no focolare é mesmo de Deus, estava na missa e via que
aquela de dar e colocar com as outras Jesus este tipo não existia na Igreja), pois via
em meio. Como o nosso modelo e o de como está nascendo o tipo da focolarina
vocês é Maria, não se concebe Maria se não casada. Por isso, vale também a Palavra de
como alguém que conhece Jesus… Vida: “quem não deixa pai, mãe…” e “vai
vende aquilo que tem…”, vale e “quem não
renuncia a tudo… toma a sua cruz”, vale. ouvido, mas por tê-las vivido, e assim
Vocês podem vivê-las mas com plasmar em vocês aquele Cristo que é a
competência. Sabê-las não por tê-las santidade dentro de vocês.
A Espiritualidade do Movimento dos Focolares
(Primeiro ano 3.0.1)
de Chiara Lubich da “O Movimento dos Focolares”, ed. 1967

Deus, A vontade de Deus, etc. tre céu e terra, um novo acordo entre filhos e
O Movimento começou com este grande Pai,
nome que resumiu toda a sua vida: Deus! Foi o desenvolver-se de uma nova fé, Não
Deus – a Trindade – mostrou-se como o sol se tratava somente da fé em Deus, que já
no alvorecer de um mundo que reencontrava possuíamos, mas da fé no seu amor; por
a paz depois do fragor da guerra; e ofereceu isso, nada nos parecia mais adequado para
a nós, seus filhos, uma vida mais divina do a vida que estávamos iniciando do que a
que aquela que já levávamos, mais frase: “E nós acreditamos no Amor”. Esta fé
cristãmente coerente, mais íntegra. no amor de Deus por nós, cada um de nós,
por todos, pela humanidade inteira, iluminou
Outras jovens tinham sido chamadas, em toda a nossa futura existência.
lugares, tempos e circunstâncias diversas ao
mesmo ideal. Deus nos amava! Ele era o nosso criador.
Era quem nos sustentava momento por
Entre estas recordávamos com freqüência momento. Ele o tudo!… Nós não teríamos
Clara de Assis. nenhum sentido no mundo se não fôssemos
“Filha, o que desejas?” - perguntou-lhe uma pequena chama desta Chama infinita -
Francisco quando ela, aos dezoito anos, amor que responde ao Amor.
fugira de casa para seguir o Senhor. E pareceu-nos tão sublime a dignidade a
“Deus!” - respondeu. que nos elevara, tão alta e imerecida a
possibilidade de amá-lo, que repetíamos:
Deus, esta única, infinita realidade, devia
“Não se trata de dizer: devemos amar a
resumir também para nós, sob o impulso da Deus; mas: oh! poder-te amar, Senhor…
graça, todas as nossas aspirações, num
poder-te amar com este pequeno coração!”.
desejo ardente de sermos fiéis a ele por
toda a vida, como o foram os santos. E nos esforçamos para ser coerentes.
Deus, portanto, e nada mais, pois qualquer Com o passar dos dias, das semanas, dos
outra pessoa ou coisa teria diminuído o anos, pareceu-nos que ele não quisesse
encantamento do chamado divino. deixar-se vencer em generosidade.
Deus, que para nós foi logo, desde o “De fato, talvez porque, como afirma a
primeiro instante, sinônimo de amor: o Amor! Escritura, “a quem me ama, manifestar-me-
ei”, aos poucos Deus foi-nos revelando os
Assim o apresenta a Escritura: “Deus tesouros semeados por ele próprio aqui na
charitas est”, terra, por amor a nós, e a sua presença
Deus, tudo para nós, Deus Amor, única e multíplice neste lugar de exílio à
Foi uma grande novidade para a nossa espera do céu, presença que nos esclareceu
rotineira vida espiritual, uma novidade tão sempre mais como é infinito o seu amor e
grande que operou uma verdadeira como são inumeráveis os recursos da sua
conversão. paternidade. Indicou-nos onde encontrá-lo,
para nos assemelharmos a ele e de que
Antes, de fato, embora procurássemos ser maneira possuí-lo; em suma, indicou-nos de
boas cristãs e estar na graça de Deus, que modo e com que meios poderia nascer
vivíamos como órfãs, como pessoas que ou amadurecer a união das nossas almas
tinham pai e mãe, mas”, somente terrenos, com ele e dele com as nossas almas.
Depois, tendo conhecido de um modo novo
Deus Amor, sentimo-nos mais E não nos chamou para viver num ermitério,
conscientemente filhas do Pai que está nos ou num mosteiro, nem em clausura, mas
céus, E duma certa maneira pudemos onde mais reina o príncipe do mundo e
repetir com Francisco de Assis: “Não mais dominam as trevas: “Pai, não peço que os
pai Bernardone, mas Pai nosso que estais tires do ~ mundo, mas que os preserves do
nos céus”. mal”.

Ia-se delineando para nós uma relação en-


Descobrimos, então, como crianças ao abrir na alma.
dos olhos, que a vinda de Deus sobre a terra Esta foi uma experiência que nos fez
por nosso amor mudara radicalmente o entender o quanto é agradável a Deus a
mundo: ele tinha permanecido. caridade e como o amor fraterno é a flor do
Caminhando ou viajando, não éramos Evangelho.
atraídos pelo que acontecia ao nosso redor,
embora bonito e interessante. A própria
Roma, por exemplo, não nos atraía só por Havia também irmãos nos quais Deus não
seus maravilho- sos monumentos e pelas devia ser apenas amado, mas também
preciosas relíquias. Os elos que ligavam o obedecido. Tratava-se de pessoas que de
nosso caminhar por ele no mundo eram um modo especial o representavam: os
Jesus nos tabernáculos que encontrávamos. nossos superiores eclesiásticos, os bispos,
os assistentes, escolhidos com mão
De tal forma que cada Igreja que víamos da amorosa pela Igreja. Eram os pastores e nós
janela de um trem, se tornava “casa” para a as ovelhas.
nossa alma.
E o efeito nas nossas almas e em toda a
E quando tínhamos a possibilidade de visitar Obra, produzido por este esforço de viver
algum santuário, ou a Terra Santa, que viu como filhos de Deus na Igreja, esposa de
nascer e morrer o Salvador - lugares estes Cristo, como ramos unidos à videira, foi
que desejávamos nunca mais deixar - quem este: com o tempo, pareceu-nos que a
dava alento ao nosso caminhar era Jesus na própria Igreja palpitasse nos nossos
Eucaristia, presente em todas as partes do corações, capazes somente de sentir com
mundo, presente da mesma maneira tanto ela e de participar das lutas e vitórias,
na capela de uma aldeia como na majestosa desejosos até mesmo de derramar o próprio
catedral duma importante cidade: ele, luz sangue, unicamente pelo triunfo da Igreja.
aqui e ali acendida pelo seu amor; conforto
para jovens e velhos, pobres e ricos, cultos E depois: Deus no nosso meio.
e ignorantes; Irmão universal, o mesmo para Durante os primeiros dias, quando nos
todos, que enxugava as lágrimas, que esforçávamos por atuar as palavras de
revigorava os corações, que dava o seu Jesus: “Onde dois ou três estão unidos no
Espírito aos que vivessem segundo a sua meu nome, aí estou no meio deles”, parecia
lei. que o céu nos envolvesse, que o paraíso
Não era portanto tão mau assim o mundo! estivesse no nosso meio. Jesus retornava
Jesus Eucaristia tornava-o um enorme espiritualmente entre nós, irmãos nele, e,
convento e se oferecia à fome de divino que como em Emaús, acendia os corações com
pode surgir em cada um de nós. uma chama que o mundo não conhecia,
fazendo empalidecer homens e coisas,
E ainda mais: cada irmão - a colega de pondo em evidência somente o que é
classe, o mendigo, a mulher da feira, o grande, belo e bom perante Deus.
deputado, a criança, o doente - sob a ação
da graça, mudaram de fisionomia aos Jesus entre os cristãos nos parecia um
nossos olhos. Aprendemos a reconhecer e templo que podia erguer as suas colunas -
amar em cada próximo um membro do os corações dos seus filhos unidos - em
Corpo místico, Cristo nele. toda parte, e oferecer o bálsamo de um
tabernáculo espiritual, tanto numa rua
E aconteceu então que todo aquele que barulhenta como nas terras pagãs
podia impedir o caminho rumo a Deus se supersticiosas ou num cárcere de
tornava uma porta para encontrá-lo. perseguição.
Os livros santos tinham prometido: Jesus é sempre vida e plenitude, alegria e
“Passamos da morte à vida porque amamos paraíso, guia e mestre - o nosso amor
os irmãos”. recíproco podia ser a poderosa causa que O
E quanto mais se amava Cristo em todos, tornava presente. Dizíamos entre nós: “Se
com o despojamento de si mesmo, mais o colocarmos vários pedaços de madeira
coração se plenificava de divino; mais entrecruzados e os acendermos no cimo de
facilmente, à noite, durante a oração, o um monte, aquele fogo será visto de noite
Senhor nos fazia sentir a sua doce presença por todos os habitantes do vale e
resplandecerá como uma estrela caída na orientação da Igreja: a Escritura, fonte
terra; mas se dispusermos os nossos inesgotável da qual hauriram e hão de haurir
corações em unidade, amando-nos como a vida, até o fim do mundo, todos aqueles
ele nos amou, teremos o próprio Fogo, o que o querem amar; a Escritura, que
Amor entre nós, e poderemos ser também Maria Santíssima, a - nossa mãe,
instrumentos de Deus para muitas almas”. meditava…
Deus, portanto, encontrado na Eucaristia, Desejávamos imitar Maria, que ficou no
amado no irmão, obedecido nos superiores, mundo, e como ela tornar-nos portadores de
Deus espiritualmente presente no meio de Deus aos irmãos, portadores de Deus no
nós. mundo.
E Deus, infinito, que habita pela graça no Deus, Deus, Deus em qualquer lugar e
nosso coração finito. Era necessário ajudá-lo sempre, a preencher o vazio deixado pelo
a reinar com a sua majestade, a destruir o pecado e superabundantemente plenificado
nosso eu e a transformar-nos nele. pelo sangue de Jesus.
E, ainda, Deus nas Escrituras, colhido e Deus que é Amor: este Ideal é o objetivo e a
meditado sob a ação do Espírito e a finalidade da nossa vida de focolarinos.
Os pontos da espiritualidade na vida do focolarino casado
(Primeiro ano 3.0.2)
Castelgandolfo, scuola focolarini sposati, 1993
Anna Maria e Danilo Zanzucchi

PREMISSA de moral. Levou-nos a viver toda a


O Ideal trouxe uma nova visão da vida. A espiritualidade, que contém em si também a
nossa experiência e de muitos outros norma moral. Este foi o método de Chiara:
produziu na pessoa uma certa unificação levando-nos a viver o Ideal fez-nos viver
interior. Mesmo Foco, por primeiro, também segundo as linhas morais que estão
encontrando Chiara, tinha percebido esta por trás do matrimônio.
unificação. Isto é verdade em geral, mas Para todos nós a um certo ponto da nossa
vale também para a vida familiar e a vida vida aconteceu o encontro com Deus Amor.
conjugal, que fazem parte do nosso ser. O Este é um acontecimento pessoal, uma
que é que unifica? É o Amor de Deus, que relação direta com Deus e tem como
nos permite colocar juntos muitos aspectos consequencia uma resposta pessoal. Daqui
da nossa vida quotidiana que antes eram, vem a nossa escolha de Deus na qual em
em um certo sentido, destacados uns dos um certo sentido não tem a que ver com o
outros. Este novo amor nos leva a amar o matrimônio. Tem a que ver porque esta
outro fazendo-nos um, sabendo perder tudo escolha reflete-se sobre a vida matrimonial,
pelo outro. Mas um amor autêntico deste porém a resposta a Deus é da pessoa.
tipo pede um “desapego”. Aquele desapego Uma vez feita esta escolha, se sente Deus
que Chiara tinha indicado a Foco, quando presente em cada momento, e que cada
diante da sua humildade – Foco não via circunstância da vida é vivida, pode ser
como poder consagrar-se a Deus e exprimia vivida na Sua presença, com a Sua ajuda,
a sua admiração pelas focolarinas e com o Seu Amor. Esta é a resposta que o
focolarinos virgens que faziam os votos – nosso amor quer dar a Deus.
Chiara justamente tinha-lhe dito: “Mas
escuta Foco, se você está desapegado das Portanto gostaríamos que estas coisas que
próprias idéias, dos seus campos, da sua hoje estamos dizendo fossem aplicadas
família, da sua idade por amor a Jesus imediatamente, dado o rumo que demos à
abandonado, você é pleno de Deus, quem é nossa vida conjugal, em qualquer situação
mais virgem do que você?” Portanto é o que estivermos, esta luz ilumina o nosso
amor que nos torna virgens, ficando imutável matrimônio.
a diferença substancial entre a virgindade e Aqui se poderia ver todo o tema de Deus
o matrimônio. Mas este amor é possível Amor e inseri-lo na nossa vida conjugal.
somente se existe um desapego real de Mesmo só o fato de poder a cada momento
tudo. lançar cada preocupação Nele, em Deus e
Portanto Chiara nos abriu um caminho novo, retomá-las Dele, as preocupações são como
um caminho que não passa no “fundo de um que vistas por Ele, amadas por Ele,
vale”, mas sobre a “crina de uma montanha”. conduzidas por Ele.
Quando nos encontramos no “alto de uma Uma outra realidade que incluímos aqui,
montanha”, sobre um “vertice”, vemos todos mas que poderia ser incluída em muitos
os problemas com maior clareza e com outros pontos, é esta: Deus criador. Deus
maior desapego nas suas realidades. que nos escolhe, nós casados, marido e
– DEUS AMOR – mulher para colaborar com Ele para doar a
vida a outras criaturas. Existe uma frase de
Depois sobre a “crista da montanha” se deve Paulo VI, muito bonita que diz, não sei as
caminhar enfrentando também todas as palavras exatas, mas soaria assim: «Deus
situações concretas, e permanecendo serve-se de nós pais para “dar-se” filhos,
sempre em cima, no alto, em Deus. Nestes para “dar a si mesmo” filhos».
dias trabalhamos um pouco ... A pergunta de
fundo era esta: “Como Chiara fez conosco – A VONTADE DE DEUS –
desde os primeiros tempos, justamente em Um certo dia todos nós decidimos nos casar,
relação à nossa vida de casados, à nossa e lembro bem que Anna Maria e eu, quando
vida matrimonial?” Certamente não nos falou
nos casamos, o fizemos com a convicção de RECÍPROCO –
fazer a vontade de Deus: ela e só ela Depois, o amor ao próximo: aqui Chiara
queríamos fazer. Ao nosso lado estavam as teve um modo de nos falar do amor ao
focolarinas e os focolarinos que ao invés outro, isto é ao marido ou à esposa, teve
tinham escolhido a virgindade, mas também uma palavra síntese, que talvez foi preciso
eles tinham escolhido este estado para fazer um tempo, para que entendêssemos o que
a vontade de Deus, tinham sido chamados a queria dizer, mas procuramos vivê-la
deixar tudo também materialmente e a imediatamente: amar Jesus no outro.
renunciar ao matrimônio para o Reino de Vocês podem entender que aqui como base
Deus. Mesmo na vontade de Deus diferente, é necessário daquele estrato que pede o
em um estado de vida diverso, nós nos amor ao irmão, de toda aquela realidade que
encontramos iguais aos outros focolarinos. é o fazer-se um, o entrar no outro, aquele
O que é que nos fazia iguais? A vontade de acreditar no Jesus do outro, existe toda esta
Deus. dinâmica sobre a qual eu não me detenho
A experiência de muitos de vocês será porque vocês também a viveram. Porém
semelhante à nossa, e podem existir outras este ver Jesus no outro nos dá, no nosso
experiências, sobretudo para aqueles que matrimônio, uma visão do outro um pouco
encontraram o Ideal depois do matrimônio. especial. Um pouco especial neste sentido,
Permanece o fato que agora somos todos que nasce um tal respeito pela pessoa do
casados e temos este sacramento, portanto outro, uma tal delicadeza ao tratar com o
hoje se vivemos o matrimônio segundo o outro, uma tal intensidade também de amor
desígnio de Deus, estamos na Sua vontade. ao outro, um tal não pretender que é amor a
E como está escrito: “A quem me ama eu Jesus…, que se torna pouco a pouco co-
me manifestarei”, na medida que fizermos natural com a prória vida.
esta vontade de Deus compreenderemos Isto faz com que você não instrumentalize o
pouco a pouco como conduzir a nossa vida outro, não o possua, dá esta liberdade,
matrimonial, teremos a luz para as dúvidas coloca em luz o papel de um e do outro, mas
que nos virão, encontraremos as respostas. não como dois elementos em contraposição,
Chiara nos ensinou a caminhar no raio da mas como dois elementos complementares,
vontade de Deus, raio único e especial para complementares quer dizer pouco, dois
cada um de nós. E nós dois nos lembramos elementos que são feitos um para o outro.
bem que desde o inicio do matrimônio era
tão forte o desejo de não sair daquele raio, O amor recíproco: se nos amamos como
que nos parecia viver o relacionamento Chiara nos ensinou, a consequência é o
entre nós dois quase sem nenhum esforço, amor recíproco. As características deste
porque nos sentíamos tomados por Deus e amor recíproco são a ajuda mútua à
pela unidade com Chiara e com todo o santidade, confidência espiritual entre os
Movimento daquela época. Tínhamos nos esposos, nos vermos na verdade, nos
casado poucos dias antes, estávamos em podermos dizer também a verdade quando
Assis para a lua de mel, mas já durante o existe a caridade. Aqui pode lhes surgir uma
ano anterior tínhamos nos habituado a viver pergunta: “Nem sempre nas nossas famílias,
pelos outros, a viver pelo mundo unido. Por no nosso matrimônio pode existir o amor
isso não foi difícil estabelecer entre nós o recíproco, porque aqui somos chamados
relacionamento conjugal de tal maneira que pessoalmente e alguns de nós têm a esposa
Deus permanecesse cada dia o nosso que compartilha o ideal, onde existe a
primeiro amor. Esta forte presença de Deus possibilidade de um amor recíproco que se
em cada um de nós e no nosso meio, não manifesta, que se pode declarar”. Porém
tirava nada do encanto de dois esposos que muitos de vocês (em geral a metade) são
se amavam. Meses e anos (35!) se pessoas na qual o cônjuge não é do Ideal,
passaram, mas esta exigência de ou melhor talvez é do Ideal, mas não chegou
permanecermos ou continuamente nos àquele ponto no qual se possa declarar
recolocarmos na vontade de Deus não só abertamente: tenhamos Jesus em meio.
permaneceu, mas se fortificou tornando-se Também para estes é preciso dizer que o
uma necessidade para estar na alegria e na amor recíproco é possível. Mesmo porque
paz. existe um sacramento em ação e aqui é
– O AMOR AO PRÓXIMO E O AMOR preciso acreditar e colocar o amor também
lá onde não existe o amor neste nível. Pelo conjugal. Gostaria de salientar, por um
menos da outra parte parece que não existe, momento, a fidelidade conjugal que para nós
digo parece porque não se pode saber, não é de um valor muito grande, que deve ser
se sabe, só Deus pode julgar o coração, só guardado como um tesouro, deve ser
Deus sabe. Portanto nós temos só que protegido, não é uma coisa obvia. Devemos
colocar amor e estarmos certos que ser um testemunho para o mundo,
encontraremos amor, porque o amor, este especialmente hoje, também a este respeito.
amor de Jesus, que é sobrenatural, tem Podem existir momentos em que justamente
sempre uma resposta, talvez com o tempo. o semblante de Jesus Abandonado é o não
Outro elemento do amor recíproco, um ser capaz de ser assim, isto é, ver-nos tão
elemento que nós descobrimos, um fruto imperfeitos que não somos capazes, não
digamos que descobrimos, é que este amor somos ainda livres de nós mesmos, o amor
é sempre novo. em nós não é ainda livre. Também esta
Um das dificuldades que existem em muitos imperfeição, esta incapacidade de ser assim
casados que nós encontramos na vida é que vazios de si e ser somente amor, é Jesus
o amor envelhece, que o amor conjugal se Abandonado, que amado, abraçado é luz e
cansa, sofre a usura do tempo. O nosso força.
amor conjugal se é vivido assim, este amar – JESUS ABANDONADO –
por Jesus, em Jesus, em Deus não se Até agora falamos deste amor belo, pleno,
cansa. Porque você não pode se apoiar no que dá alegria, que é sempre novo. Mas
amor que teve no dia anterior. É uma existe o segredo, a chave que bem
conquista contínua. Portanto também entre conhecemos, e é Jesus Abandonado.
marido e mulher, ver-se cada manhã novos
como é a lei do Ideal, renovar-se, recomeçar É fácil indentificar na vida de dois esposos o
sempre, viver esta vida com aquela semblante de Jesus Abandonado. Chiara
intensidade que Chiara diz faz de modo que diz: “Aquilo que me faz sofrer é meu”.
o nosso matrimônio seja novo. Nenhum de nós é perfeito, existem
momentos de cansaço, incompreensões,
Quando nos encontramos com os noivos, dificuldades de caráter, diferenças
vemos que causa impressão a eles ver-nos psicológicas e de comportamento, por isso
sempre novos, sempre apaixonados. Dizem: não é nenhuma novidade que existam
“Mas como, depois de trinta – quarenta anos dificuldades mais ou menos frequentes.
vocês ainda são assim como se estivessem Portanto cada dor que se manifesta no
no início?” O amor recíproco leva a isto, traz relacionamento marido e mulher, é um
um frescor, uma novidade contínua, que é semblante de Jesus Abandonado. Além
também a força para superar as disso, Jesus Abandonado tem também um
dificuldades. outro sentido: é a medida de amor, do
O amor conjugal manifesta uma realidade verdadeiro amor que devemos e podemos
que existe sempre no amor recíproco. No ter um pelo outro. Amando Jesus
amor conjugal experimenta-se esta Abandonado aprendemos a saber perder, a
realidade que é o doar-se completamente esquecer de nós mesmos com todos os
com tudo de nós mesmos, também com o nossos apegos, fazendo de modo que
corpo, com o físico. Porém é ao mesmo vivamos a sexualidade por amor e não como
tempo um doar-se e é também um acolher e o egoísmo nos levaria a fazer. No
um ser acolhido e, portanto, se torna um relacionamento conjugal, estar vazios de si
amor que não se distingue mais a parte de por amor do outro é um elemento essencial.
um e a parte do outro. Porém isto acontece Temos que levar em consideração que
e tem a sua completeza, a sua realização no mesmo se nos é evidente a linha que
plano de Deus, porque estamos falando de deveríamos e gostaríamos de seguir, muitas
uma realidade criada por Deus, desejada vezes nos sentimos imperfeitos, não livres,
por Deus, portanto que está buscando a sua incapazes de viver como gostaríamos.
plenitude. Também esta incapacidade, esta
Portanto deve ser aquele amor, como diz imperfeição, estes nossos limites tão fortes –
Chiara, “sempre movido e impelido pelo somos homens, não anjos! – são Jesus
amor”, também em cada ato próprio da vida Abandonado, que deve ser reconhecido,
amado, abraçado até encontrarmos o nossa dificuldade: de fato nós não nos
Ressuscitado, que é luz e que é a força para pertencemos, somos de Deus através do
recomeçar. focolare, e nós damos a Deus esta nossa
Antes mencionei a estrada sobre a “crista da fraqueza de pecadores. As vezes é
montanha”: estamos a caminho, não suficiente colocar em comum para que
estamos parados, não devemos ficar passe a tentação. Em certos casos o marido
parados, a Santa Viagem é cheia de pode comunicar à esposa que esta
obstáculos que porém, com o amor e com a atravessando este momento difícil: a própria
unidade, podemos superar. Um destes esposa poderá ajudá-lo e aumentará a
obstáculos é constituído pelas tentações. confidência entre os cônjuges. Repito que é
Nenhum de nós é perfeito, estamos preciso prudência: antes de falar é
mergulhados em um mundo que é tudo, necessário escutar a voz do Espírito Santo
menos cristão e que não nos ajuda, pelo dentro de nós.
contrário quer nos arrastar com a sua moda Um outro aspeto com o qual Jesus
e a sua cultura de morte e não da vida Abandonado pode se apresentar é a
verdadeira; somos bombardeados por necessidade de que a um certo ponto seja
imagens, por espetáculos em que reina necessário distanciar os nascimentos, ou
soberana a malícia. Por isto temos que viver então por razões de saúde não se devam ter
de modo heróico a virtude da prudência e relações conjugais. Encontramo-nos diante
muitas outras virtudes necessárias para de períodos mais ou menos longos, nos
poder viver a castidade como Deus nos quais devemos viver a continência, e
convida a fazer como cristãos e como portanto não podemos exprimir o amor
focolarinos. O Ideal é como um tesouro recíproco também através da relação
precioso que encontramos, é o próprio Deus sexual. Se vemos estas circunstancias do
em nós e no nosso meio: não podemos alto (da crista da montanha onde estamos
trocá-Lo pelas modas do mundo, ou pelos caminhando), descobrimos que elas podem
impulsos que vêm da nossa natureza ser um dom que faz com que cresça o amor
humana. Chiara nos lembra para viver a entre os cônjuges ao invés de diminuí-lo. É
prudência, a fortaleza, a temperança, etc. uma renúncia que nos lembra certas vezes
para proteger este tesouro em nós. Não nos Jesus Abandonado, mas se é feita por amor,
deixemos enganar pelo mundo, que tenta produz novo amor, e nos dá a possibilidade
nos iludir com miragens irreais, com de oferecer a renúncia a Deus e, como bem
artimanhas. sabemos, Ele não se deixa vencer em
As tentações existem e existirão sempre, generosidade. Também a nós aconteceu
porque nós carregamos conosco o pecado desde o inicio do matrimônio de decidir
original até a morte, que depois é a vida. livremente viver a continência completa por
Além de tudo não esqueçamos que Satanás alguns períodos, e sempre foram períodos
nunca entra em férias, e fica particularmente cheios de alegria e de todos os tipos de
em cima de quem quer fazer a vontade de frutos.
Deus e não a sua, ainda mais daqueles, – JESUS EM MEIO –
como nós focolarinos, que quer se Vocês se lembram de um discurso que
consagrar totalmente a Deus. Mas nos Chiara fez em Valtournache em 1964 às
lembremos que não estamos sozinhos, que focolarinas casadas, onde diz entre outras
a nossa Espiritualidade é coletiva, e o coisas: “Existem dois elementos na vida de
Senhor dá também as graças a quem vive um casal que podem ajudar a unidade e que
em unidade. Isto significa que quando podem ajudar Jesus em meio: um é o
estamos passando um período com aspecto natural, a atração natural que existe
tentações, se bem que com toda a discrição entre marido e mulher e que é um dos
e a prudência necessária, é oportuno fundamentos do matrimônio, depois este
comunicar que estamos em dificuldades. elemento sobrenatural que leva ao amor
Não se trata tanto de confessar os pecados recíproco, como Jesus ensinou a Chiara que
(para isto existe a confissão e é necessário diz: “... quando vejo esposos que vivem
utilizá-la), quanto de colocar em comum com assim, eu vejo esta felicidade, aquela
o responsável do focolare o momento difícil felicidade que, bem no fundo, o mundo
que se está vivendo, de maneira a levar procura. O mundo procura esta felicidade e
juntos a provação, de modo a “doar” esta
a vê sobretudo nestes casais que vivem esta A este ponto cito dois trechos de duas cartas
vida – é Jesus em meio. de Chiara dos primeiros tempos.
Esta felicidade pode faltar, quando não Escrevendo a uma noiva ela diz: “Quando o
existe Jesus em meio. Jesus em meio é seu noivo voltar da guerra, você verá nele a
fundamental para a vida de um casal, manifestação da vontade de Deus, sentirá
porque temos que viver dias após dia esta na sua voz a voz de Jesus que diz a você:
nossa vida em situações muito diversas com enlace a tua vida à minha, para que na
problemas que se apresentam na vida de nossa família Deus não seja mais
cada família. Jesus em meio é uma luz abandonado”. Portanto para Chiara não é
potentíssima para poder nos orientar em que uma mulher se dê um pouco a Deus e
todas as situações, uma ajuda formidável um pouco à pessoa do marido. Para Chiara
para não nos desanimarmos, para seguir em a realidade é que toda a pessoa no
frente, para encontrar as soluções. Jesus matrimônio se doa a Deus através do outro.
em meio é a luz para decidir o nosso agir e é E é por isso que aqui acontece uma unidade
a força para realizá-lo corretamente. Digam- indissolúvel, forte, que jamais terminará,
me vocês se esta não é a base da moral! porque os dois serão uma só carne.

Existe um outro elemento que pode ajudar a Em uma outra carta Chiara disse a uma
presença de Jesus em meio entre os dois casada: “Não divida o seu coração na terra.
(digo elemento, porém não é a palavra Um só é o Amor – Deus. Existe um Ideal na
correta) e é o relacionamento com a vida que supera todos – amar – é o meu
comunidade. E para nós casados a primeira Ideal, deve ser o seu, se você quer vir
comunidade é o focolare. Quantas vezes comigo. Amar quem? Deus – Ele mora no
nós nos encontrando em dificuldade vamos coração de todas as criaturas, mas você,
no focolare por amor, porque temos que ir porque aquela é a Sua vontade deve vê-lo
para amar, e ali encontramos a força para sobretudo em um coração, no do seu
enfrentar as situações que tinhamos deixado marido. Sim, porque ali você deve amar
em casa, mas com uma visão que vem de Deus que mora no seu coração. Portanto,
Deus, uma força nova. para você, amar Deus se demonstra assim:
amando seu marido o mais que puder”.
Uma vez Chiara em 1957 disse que nós Depois diz também como fazer: “...por ele
focolarinos casados temos a graça de viver renegue o seu egoísmo...”
a castidade também porque estamos
inseridos na unidade da Obra. E disse que Deus é Amor, Deus é Vida O Ideal faz com
quando alguém se desliga da Obra cessam que vivamos esta realidade na nossa vida
estas graças, porque de fato a comunidade conjugal, com este fundamento essencial. E
é um apoio nos momentos difíceis. Vocês se uma das consequências é que percebemos
lembram como no tempo dos primeiros que o amor conjugal é por si só aberto à
cristãos voltar na comunidade dava a força vida, não pode ser fim em si mesmo.
depois para enfrentar a vida que deviam Portanto é aberto à vida, à paternidade, à
viver em uma sociedade pagã. maternidade espiritual e, frequentemente
para nós, também física.
– A UNIDADE –
Chiara, nos primeiro tempos, falando das
Como se sabe, a sexualidade entendida em focolarinas, dos focolarinos e dos focolarinos
senso lato é uma realidade que toma todo o casados dizia que existem três modos de
homem: o homem e a mulher são seres dar Deus ao mundo: a virgem o dá, porque o
sexuados e quando se casam se doam possui, é toda de Deus: nos focolarinos,
inteiramente um ao outro, com toda a também eles virgens, o dá às vezes também
própria pessoa. Eles vivem o dom total do gerando Cristo sobre o altar (nos focolarinos
próprio ser na unidade. que se tornam sacerdotes); enquanto que o
Esta unidade, para os focolarinos e as pai e a mãe de família o dão nos filhos que
focolarinas de vida comum, corresponde nascem, que depois fazem com que sejam
para eles a doar-se totalmente inteiros/as a batizados – e é um outro Cristo que nasce –
Deus na virgindade, consagrando-se assim mas não só, porque pela unidade familiar
a Deus. Nós, no matrimônio, nos damos fazem com que aquele sacramento do
totalmente inteiros a Deus doando-nos a batismo seja realmente vivido.
uma criatura, portanto através desta criatura. Aqui convém darmo-nos conta da grandeza
do nosso encontro com Chiara, que não Ideal não desvaloriza a relação sexual. A
ficou observando que nós éramos casados, relação sexual na vontade de Deus nos
mas nos lançou todos para o amor e para o ajuda a fazer-nos santos, nos ajuda a amar
ut omnes. Mas justamente este fato de nos mais, mas na vontade de Deus. Este é o
projetar em direção a Deus e aos irmãos, ponto, por isso o Ideal a valoriza para nós e
redimensiona, ou melhor, coloca no devido contemporaneamente a desapega de nós,
lugar o amor conjugal, a própria relação porque nos diz: “na vontade de Deus”.
conjugal, também os valorizando. De fato o Portanto você está na disposição também
mundo tende a exaltar a importância da de perdê-la, quando Deus quiser. Entendo
relação sexual, considerando-a fim em si que esta é uma meta, mas é uma meta
mesma, e se entende que faça assim alegre, é uma meta bela, entendem, é uma
porque deixa de lado o essencial, o amor liberdade do homem pronto que é capaz de
verdadeiro que vem de Deus. Enquanto que amar assim.
nós podemos bem testemunhar com a – A EUCARISTIA –
nossa experiência que este aspecto da vida
conjugal é feito por Deus, portanto é bom Duas palavras sobre a Eucaristia.
porque Deus não pode fazer coisas ruins. É Participando todos os dias do encontro com
um aspecto que contribui para aumentar e Jesus, com aquele mesmo Deus com o qual
manter ou renovar o amor, contribui para a existirá a unidade plena no Paraíso, nós
unidade do casal. sentimos que devemos renovar
frequentemente também aquele Pacto do
amor recíproco entre nós que nos leva a
– A PALAVRA E A EUCARISTIA – uma unidade cada vez mais plena.
Não nos deteremos muito sobre a Palavra. Para que isto aconteça, vocês lembram os
Quando ouço Chiara nos seus temas, sinto temas de Chiara, é necessário que existam
que para estar neste nível em que se as condições, isto é, estar em graça de
compartilham, não se ouvem, não se Deus. E aqui vem à mente a confissão. Já
escutam, se compartilham estas coisas do deveríamos ser perfeitos, mas somos
céu, estas coisas maravilhosas, fortes da criaturas, Deus sabe e Deus nos ama, Deus
vida de Chiara, é necessário ser um pouco, é misericórdia. E Chiara nos ensinou que é
pelo menos um pouco como eram as preciso recomeçar sempre. Portanto o
primeiras focolarinas entre elas. E era grande valor da confissão para poder
evidente para mim que se deve ser a receber Jesus Eucaristia e que Jesus
Palavra. Isto é, este ser a Palavra em cada Eucaristia opere em nós esta transformação
momento, ser o “Collegamento” vivo em Nele que é justamente o efeito deste
cada momento. Isto sim, deve se tornar o grandíssimo sacramento. É essencial
ponto central da vida. Deve ser como que o também para a vida de um casal.
movente de toda a nossa vida, mas senti Em relação a isto, vejam: é também o fato
que só vivendo assim é que nós focolarinos que a confissão não é vista como um
casados podemos ter acesso a esta descarregar os próprios pecados. Também
realidade. Caso contrário levamos uma vida ela é um ato de amor. Não só, mas a
um pouco de acomodações e aqui gostaria confissão cancela os pecados. Não é que
de dizer uma outra coisa como nossa fica alguma coisa, uma lembrança do
experiência. Também poder conviver com as pecado, para Deus não existe mais. Então,
focolarinas virgens e os focolarinos virgens numa vida como a nossa que tem uma meta
no focolare, sentimos que a nossa vida tão alta, para alguns é também difícil de
conjugal deve ser traspassada pelo amor, se atingir, porque talvez não houve uma
não, não temos a coragem de entrar, deve educação desde criança ao domínio de si,
ser vivida no amor, deve ser virginizada ou existem circunstâncias de saúde ou
também esta parte, virginizada pelo amor. várias outras circunstâncias. Quero dizer
Então isto nos leva a estar ali. que nesta santa viagem estão previstas por
Com isto, popos, digo uma coisa que teria Deus também as nossas misérias, as
dito depois, me parece que seja importante nossas quedas, mas Deus não se importa
entender duas coisas: uma que a relação com a nossa queda, Deus se importa se nós
conjugal foi feita por Deus e é boa, é sadia, nos desanimamos e se nós não nos
é um meio para fazer-nos um, portanto o empenhamos e não nos recolocamos
sempre no esforço de melhorar. Portanto é o futura, mas aqui hoje, agora, neste
empenho que é importante, é ir em direção à momento, como fazer”.
meta, não as quedas (acidentais ou não) A nós que somos chamados neste momento
que possam existir, elas estão ainda a exprimir o nosso amor recíproco
compreendidas neste caminho e na também na relação conjugal, na relação
misericórdia de Deus. Portanto não deve sexual e a gerar filhos. E me parece que
existir nem desânimo, mas não é preciso Maria pode nos dar a resposta substancial.
nem mesmo cair na acomodação ou em E aí a resposta que Maria nos dá através de
situações estagnantes, que não são da vida Chiara é isto mesmo que dissemos até
cristã. agora, isto é, este amor, o amor, o não viver
– A IGREJA – para nós mesmos, o ser totalmente amor, é
Eu me lembro bem que antes de conhecer o esta virginização do amor que Maria nos diz.
Ideal não conhecia, de fato, a Igreja e, Na experiência dos focolarinos casados,
portanto, nem mesmo a amava. sobretudo das famílias focolares, nestes
Foi Chiara que me fez descobrir a Igreja, me anos houve também isto: como eu lhes
fez conhecer na sua essência mais profunda disse, a nossa vida matrimonial torna-se
e, na medida em que o tempo passava, muito bela, muito forte, em alguns
encontrava cada vez mais uma ressonância momentos também podemos dizer difícil,
profunda entre aquilo que o Ideal de Chiara porém bela, Deus preenche as coisas,
me fazia viver e o ensinamento da Igreja. preenche as realidades. Vejam uma relação
Lembro ainda uma das primeiras Escolas conjugal vivida baseada no amor recíproco
para focolarinos casados, estávamos em 24 por dia, mesmo o amor sexual que você
Loppiano (naquele tempo com Silvana e pode viver é de uma plenitude certamente
com Fede), e nos perguntávamos sobre a não conhecida pelas pessoas que têm
problemática que surgiu publicamente em relações superficiais, porque têm como base
consequência da adoção da “pílula o amor recíproco total, completo de toda a
anticoncepcional”: todos os jornais falavam pessoa, que se exprime nesta realidade.
muito a respeito. Compartilhando as A experiência nos diz também que isto é tão
experiências, examinando os frutos que o belo, é tão grande, porque você sente que é
Ideal tinha trazido à nossa vida de esposos, feita por Deus, que em certos momentos
vendo como se superavam as dificuldades, marido e mulher, todos os dois de acordo
vieram em luz algumas linhas. Um ou dois porque a unidade entre eles enfim é madura,
meses depois saiu a Encíclica do Papa sentem de doar a Deus por algum período
Paulo VI “Humanae vitae”, e com alegria mesmo breve, segundo o que diz S. Paulo
pudemos constatar a grande consonância nas suas cartas, o próprio matrimônio, no
que existia entre a nossa vida e o sentido de viver como irmão e irmã por um
ensinamento que brotava da Encíclica, tanto certo período, mas como um dom a Deus.
que mandamos um telegrama ao Papa para Nós temos a impressão que seja Deus que
garantir-lhe a nossa unidade e a nossa doa a si mesmo, ..., que Jesus entre nós doe
fidelidade à Igreja. a si mesmo a Deus e depois, quando se
– MARIA – retoma a vida conjugal existe uma tal
delicadeza, uma tal beleza, até uma tal,
Eis Maria – aqui teríamos muitas coisas digamos, alegria nova, que achamos que
para dizer, porque Maria – Chiara nos disse: seja o cêntuplo que Deus dá. Por isso vocês
“... é a especialista em vida familiar”. Porém veem que a continência, também aquela
Maria é realmente esposa de São José, mas imposta por certas circunstâncias da vida,
de modo todo especial. Muitas vezes pedi a poderia ter esta plenitude do dom feito a
Maria que ela nos ensinasse, como é, como Deus e recebido de Deus. Sempre se é
viver a nossa vida. Pensava em nós, a todos totalmente caridade, tanto que dizíamos que
nós focolarinos casados, que ela nos a nossa vida de santidade na direção de
ensinasse o que pode nos dizer, ela que foi Deus não pode ter interrupções. Deve ser
a verdadeira esposa de São José. sempre uma subida, seja nos momentos em
A nós que somos esposos na vida humana que se vive a relação conjugal também
assim, aqui sobre a terra, que entendemos sexual, seja nos momentos em que se vive a
muito bem que Maria é o sinal da vida continência.
E se adquire a liberdade de seguir Deus que Com o dom da “ciência” adquirimos aqueles
está dentro, não uma lei que vem de fora, conhecimentos que são necessários para
mas uma lei que está dentro. poder dominar, sermos donos da natureza,
– O ESPÍRITO SANTO – para poder depois fazer dela um dom
completo. – Com o dom da “piedade”
O ultimo ponto da Espiritualidade é o podemos continuamente buscar a união com
Espírito Santo. Nos últimos dias Deus, para estar na Sua graça, viver na Sua
escutaremos juntos de novo um tema de presença. – O “temor de Deus” nos ajuda a
Chiara de três anos atrás justamente sobre reconhecer quem somos, pobres seres
o Espírito Santo, e veremos como toda a humanos, pobres criaturas que
nossa vida é ou pode ser guiada pelo continuamente têm necessidade do Amor de
Espírito Santo. Deus. Ajuda-nos a jamais acreditar de ter
Hoje me limitaria a lembrar a preciosidade e chegado à meta. – A “humildade” nos
os frutos dos dons do Espírito Santo. Com o lembra quem somos nós, e quem é Deus,
dom da “sabedoria”, se descobre a lei que dando-nos a força para recomeçar sempre.
Deus inseriu na pessoa e portanto também Faz também com que tomemos consciência
na sexualidade humana, e esta é iluminada do pecado, e portanto podemos depois
por ela. – Com o dom do “intelecto”, procurar evitá-lo. A humildade, com o
reconhecemos esta lei que Deus colocou no intelecto, podem nos ajudar a descobrir a lei
nosso coração, para poder viver o que não vem de fora, não é imposta pelo
matrimônio segundo a vontade Dele, exterior, mas é antes uma lei que está
segundo esta lei. – Com o dom do dentro de nós. E esta descoberta nos ajuda
“conselho” podemos compreender como a conquistar a liberdade de seguir esta lei,
atuar esta lei. – Com o dom da “fortaleza” que depois significa em última analise seguir
podemos resistir às tentações, ser o próprio Deus.
coerentes, ir contracorrente na nossa vida. –
Deus-Amor e a caridade no Movimento dos Focolares
(Primeiro ano 3.1)
13 fevereiro 1979
Chiara aos Bispos amigos do Movimento

Foi-me confiada a tarefa de falar sobre fazê-lo, enquanto que eu me sentia


Deus-Amor e a caridade, como é vivida no chamada a ensinar aquilo que se refere a
Movimento dos Focolares. Deus?
Como já é conhecido, a Igreja afirmou várias Deus, portanto, ocupava um lugar
vezes que a espiritualidade do Movimento é importante no meu pequeno coração,
fruto de um carisma que Deus suscitou para mesmo antes que iniciasse o Movimento.
o bem de muitos. Ela se revela, portanto, Mas Ele era um dos atrativos da minha vida,
como uma experiência do Espírito, que traz preenchia uma parte do meu dia. Existiam
consigo uma novidade genuína, na vida outras coisas, outras ocupações.
espiritual da Igreja.
Na medida em que se aproximava a hora da
Penso então, que nada seria mais efIcaz do manifestação da nova vida dentro de mim,
que doar-vos, logicamente com a alma certas contradições tornavam-se cada vez
receosa, a minha experiência, isto é, como o mais claras, cada vez mais evidentes.
Senhor comunicou-me esta espiritualidade,
procurando colher aquilo que de novidade Mas - eu me perguntava - não era pouco
ela traz à Igreja. aquele apostolado ao qual nós católicos nos
dedicávamos durante uma hora, como um
Quando Deus quis que eu iniciasse o trabalho paralelo aos outros trabalhos?
Movimento, Ele colocou-me num caminho
totalmente diferente daquele que tinha Por que a vida cristã muitas vezes se
percorrido até então. limitava à Missa dominical, em escutar a
doutrina cristã, a algumas orações ditas
É um fato conhecido: não é que antes eu distraidamente?
não fosse católica e praticante. Eu
comungava todos os dias, frequentava as E, perguntava-me ainda, por que tantas
associações católicas, valendo-me de tudo obras e pessoas que pertenciam a Igreja
aquilo que de melhor podiam oferecer-me. que eu tanto amava, pareciam ter atraído
Deus, sem duvida, significava muito para sobre si como apanágio, a feiura e o vazio
mim. Talvez Ele até ocupasse o primeiro característico das beatas, das orações ditas
lugar na minha alma, porém isto permanecia sem alma, dos pacotes para os pobres feitos
no desejo, às vezes ardente e até mesmo sem amor, do modo antiestético no vestir e
cruciante, e na procura de uma estrada que nas coisas?
transformasse este desejo em realidade. Mas Deus, além da bondade e da verdade,
Pelo contrário, como se explicaria a dor que não era também Amor e Beleza? E o seu
eu sentia depois dos exercícios espirituais, Filho não era o mais belo entre os filhos dos
quando previa que aquela chama, aquele homens, o Amor encarnado?
entusiasmo, que eles tinham suscitado Por que a palavra “sermão” tinha se tornado
dentro de mim, iriam durar poucos dias e sinônimo de discurso enfadonho e pouco
depois eu seria absorvida novamente pela atraente?
costumeira vida cotidiana?
Por que visitando uma cidade cristã e outra
Como se explicaria também a angustia sem a nossa fé, não se encontrava uma
inconsolável que se apoderou de mim grande diferença?
quando, por ser pobre, não pude inscrever-
me na Universidade Católica, onde supunha Embora estivesse certa que a minha religião
que não fosse ensinada outra coisa senão continha a Verdade absoluta, apesar das
praticas religiosas, eu mesma caía neste
Deus?
absurdo: procurava a verdade no estudo, ao
E porque aquela sensação de inutilidade lado dos filósofos ateus (os únicos que eu
que me invadia quando ensinava as conhecia) e comungava todos os dias,
crianças da escola primaria, ao pensar que nutrindo-me da Verdade encarnada, mas
aquele trabalho qualquer pessoa poderia sem sabê-lo.
Em meio a estas incoerências, em meio a nos nossos lábios, nas privações da guerra,
estes contrastes nos quais Deus me atraia e também nas separações, sob os
a vida de nós cristãos fazia-me sofrer, Ele se bombardeios, até mesmo diante da morte:
manifestou. tudo, tudo é expressão do amor de Deus.
Não sei exatamente quando. A sua luz sutil E Ele deposita esta novíssima fé n’Ele-Amor
entrava e iluminava, envolvia a alma, não no nosso coração, como se enterrasse uma
anulava o pensamento anterior, substituía-o semente num terreno.
lentamente. É esta a nossa grande, grandíssima
Um episodio. Eu ainda ensinava. Um descoberta. O mundo que nos circunda não
sacerdote que estava de passagem - eu a conhece. Comunico a novidade a todos
tinha grande consideração pelos sacerdotes aqueles que posso: a minha mãe, ao meu
- tendo conhecido, talvez, a minha tendência pai, às minhas irmãs, ao meu irmão, às
religiosa, bate a porta da classe. Quer falar minhas amigas.
comigo. Pede-me para oferecer uma hora do Nós acreditamos no amor. Esta é a nossa
meu dia pelas suas intenções. Eu respondo: vida. Por isto manifestamos o desejo de
porque não o dia inteiro? Impressionado por sermos sepultadas - se morrêssemos por
esta generosidade juvenil, pede para que eu causa da guerra - em um único tumulo e que
me ajoelhe, me abençoa e me diz: “Lembre- sobre este fosse escrito como nosso nome,
se que Deus a ama imensamente.” porque aquele era o nosso ‘ser’: “E nós
Foi a fulguração. acreditamos no amor”. (Cf. 1 Jo. 4, 6).
“Deus me ama imensamente”. “Deus me Mas se Ele revelou-se Pai, eu, nós,
ama imensamente”. descobrimos a realidade de sermos seus
Eu digo e repito as minhas companheiras: filhos. E ao amor não se pode responder
Deus me ama, Deus te ama imensamente. senão com o amor.
Deus nos ama imensamente. Como era diferente agora a nossa
Daquele momento em diante descubro Deus existência.
presente em toda a parte, com o Seu amor: O céu e a terra uniram-se.
nos meus dias, nas minhas noites, nos meus Como era órfã, carente de sol a nossa vida
ímpetos, nos meus propósitos, nos antes. E como a religião que acreditávamos
acontecimentos alegres e confortantes, de viver não nos permitia o vôo para o céu!
como também nas situações tristes,
escabrosas, difíceis. Éramos como passarinhos ligados, talvez
com fios sutis, à terra.
Ele está sempre presente, esta em todo o
lugar e me explica. O que me explica? Que Agora tudo adquiria sentido.
tudo é amor: aquilo que eu sou e aquilo que Também o apostolado. Sim. Este não era
me acontece; aquilo que somos e aquilo que uma ocupação ao lado das outras. Na nova
nos diz respeito; que sou sua filha e Ele é vida que ardia dentro de nós, este era um
meu Pai; que nada passa despercebido ao transbordar sobre os irmãos o amor de
Seu amor, nem sequer os erros que cometo Deus, que plenificava o nosso coração.
porque Ele os permite; que o Seu amor
envolve os cristãos, como a mim, envolve a E a Igreja não acolhia somente beatas que
involuntariamente atraíam o desprezo para a
Igreja, o mundo, o universo.
religião, mas também jovens ardentes,
E me sustém e abre-me os olhos a tudo e a prontas a dar a vida pelos irmãos.
todos, fazendo-me descobrir tantos frutos do
Amar a Deus como filhos significava amar
Seu amor.
os irmãos, todos filhos do mesmo Pai. Deus
Deu-se a conversão. ‘A novidade’ brilhou na não poderia aceitar-nos sozinhos, queria
minha mente: sei quem é Deus. Deus é que fossemos a Ele com os irmãos. Se Deus
Amor. era Amor, também nós, seus filhos,
Deus é Amor! deveríamos na vida ser amor, resplandecer
como pequenos sóis ao lado do Sol.
Disto somos conscientes e somos convictas
no mais intimo do nosso ser. Tudo muda na Agora, olhando o passado, parece-nos que
nossa vida. O sorriso aflora continuamente aquele Espírito novo que soprava sobre nós
fosse um pouco semelhante àquele que com eles; e diminuindo o meu afeto diminui
tinha impelido os profetas do Antigo também a Consolação”
Testamento, quando levantavam suas vozes Portanto a mesma experiência.
para pedir uma conversão interior. Amar a
Deus não poderia limitar-se ao culto. Este De modo que se a descoberta de Deus-
tornar-se-ia uma desculpa para acreditar-se Amor tinha sido um estimulo para ir em
salvo, enquanto que a essência da religião direção ao irmão, o amor ao irmão nos
deveria levar ao amor ao próximo: “… levava novamente a Deus.
Porque é amor que eu quero e não O irmão se revelava como o nosso caminho
sacrifícios” (Os. 6,6), Deus disse através da para ir a Deus. Eu - o irmão - Deus, era o
boca de Oséias. “… Ainda que multipliqueis trinômio da nova vida.
a oração; não vos ouvirei… Buscai o direito,
corrigi o opressor! Fazei justiça ao órfão, Nestes 35 anos individualizamos as
características deste amor ao irmão, da
defendei a causa da viúva” (Is. 1,15-17), diz
Isaias. caridade.
Antes de tudo vimos o seguinte: que a
E assim aconteceu com o Movimento.
caridade nos torna “Um” com os outros, e
O amor a Deus, como resposta ao Seu amor neste “fazer-se um”, sofrer com quem sofre,
por nós, exprimiu-se logo em amor ao chorar com quem chora - neste fazer-se um
próximo. Qualquer pessoa que se resume tudo aquilo que Paulo diz no seu
encontrávamos na vida tornava-se objeto de canto à caridade.
nossas atenções, dos nossos cuidados, da
De fato para “fazer-se um” com o irmão é
nossa dedicação. Os conceitos precedentes
que tínhamos do próximo desmoronavam. necessário ser longânime, que significa:
“sem qualquer impaciência”. Quando nos
Não existiam mais compatriotas ou
“fazemos um”, sem duvida queremos o bem
estrangeiros, simpáticos ou antipáticos,
bonitos ou feios, santos ou perversos, do outro. Desta atitude - fazer-se um com o
irmão - está bem distante a inveja. Para
homens ou mulheres, cultos ou ignorantes,
ricos ou pobres. Todos eram, como nós, “fazer-nos um” não podemos nos
filhos de Deus. envaidecer, mas pelo contrário, é necessário
esvaziar-nos de nós mesmos. Pensa-se
Amávamos um irmão após o outro, sem somente no outro e, portanto, não ha lugar
conservar no coração resíduos de afeto ou para a ambição, ou para o egoísmo. Quando
de preocupações pelo irmão amado nos “fazemos um” não nos irritamos, porque
anteriormente, porque não era por nós ou é necessário muita calma; não se pensa
por eles que os amávamos, mas por Deus. mal, porque nos “fazemos um” justamente
E realizava-se infalivelmente a palavra da esperando que no outro triunfe o bem, a
Escritura: passávamos da morte para a vida justiça, a verdade. “Fazer-se um” é sofrer,
porque amávamos os irmãos. O que era crer, esperar e suportar tudo.
esta morte? O tédio anterior da alma que
não vivia, porque não amava. E o que era a Além disso, para “fazer-nos um”, não nos
devemos preocupar com respostas a dar ou
vida? A vida da alma vivificada pelo amor.
ações a propor enquanto escutamos o
E à noite, depois de ter amado durante todo próximo. “Fazer-se um” - nós aprendemos -
o dia o irmão, Jesus nos fazia sentir a Sua é nos esvaziar completamente de nós, para
presença e experimentávamos o Seu amor, carregarmos aquilo que pesa no outro, os
aquilo que os contemplativos chamam as seus problemas, as suas necessidades;
consolações do espírito. Portanto nós não para acolher o outro, ser - de certa forma - o
as encontrávamos tanto indo a Deus outro, viver o tu.
diretamente, quanto indo a Deus através do
amor aos irmãos. Fazendo-nos “Um”, perfeitamente, com o
outro, atuando este despojamento de nós
Nestes últimos tempos eu li que Catarina de mesmos, o Espírito Santo - dado que a
Sena havia feito a mesma experiência. No caridade ilumina - nos sugere muitas vezes
seu “Dialogo” o Eterno Pai diz: “Não a resposta a ser dada ou aquela
socorrendo o próximo diminui nos homens a determinada ação a ser feita.
caridade fraterna; e diminuindo esta
caridade diminui também o meu afeto para E, dado que o outro se sente compreendido
por nós e aliviado de seus pesos, os seus
olhos tornam-se puros, e ele vê as coisas de entendemos é que a caridade ama por
Deus e deseja conhecê-las. Interessa-se, primeiro os irmãos, porque a Deus não se
então, por aquilo que nos interessa. E surge pode amar por primeiro dado que Ele nos
a unidade. precede no amor. Eis porque João, ao invés
O Movimento, deste modo, expandiu-se de dizer: “Amados, se Deus assim nos
cada vez mais justamente por causa do amou, também nós devemos amá-Lo”,
amor, sem nenhum desejo de conquista , ou disse: “Amados, se Deus assim nos amou,
melhor, com repugnância por um apostolado devemos, nós também, amar-nos uns aos
que fosse mero ativismo. outros”. (1 Jo. 4, 11).

A atitude de “fazer-se um” foi colocado como Talvez tenha sido para nos ensinar a “amar
base do nosso relacionamento com quem por primeiro” que no inicio do Movimento,
quer que seja: superior, inferior, Deus não nos impulsionou logo a amar
necessitados … como condição essencial todos os irmãos. Ele nos orientou em
para a unidade. direção dos necessitados, dos pobres, dos
doentes, dos encarcerados, dos órfãos.
“Fazer-se um” é também expressão do Considerando agora, é como se Ele tivesse
nosso amor coletivo, se em grupo tratamos fixado a nossa atenção somente neles: “…
com outros grupos. Com efeito, é também a cada vez que o fizestes a um desses meus
atitude certa para qualquer dialogo, para irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”
compreender os outros e não transformar a (Mt. 25, 40). E as primeiras estatísticas do
conversação em mera tagarelice. E nós, Movimento não foram as das pessoas que
como todos os cristãos, somos chamados nos seguiam, mas as dos pobres que
hoje ao diálogo. O dialogo que é amar. encontrávamos, para lembrarmo-nos
Somente o Espírito Santo em nós, que está sempre deles.
sempre onde está a caridade, pode fazer-
nos descobrir todos os erros sutis Mais tarde compreendemos que com isto o
escondidos nas mais fascinantes teorias. Espírito Santo queria inculcar no nosso
coração que a Igreja e, portanto, bem o
Além do “fazer-se um”, Deus nos iluminou Movimento dos Focolares, e a Igreja dos
sobre outros modos de ser da caridade. pobres e que os pobres são o seu tesouro.
Ensinou-nos, por exemplo, que a caridade é
criativa, porque sempre diversa. Paulo diz: O nosso programa era chegar a todos os
“… conduzi-vos pelo Espírito” (Ga. 5, 16), e pobres da cidade.
o Espírito Santo nunca se repete. Carregando maletas pesadas, as minhas
Entendemos que a caridade é companheiras e eu, nas horas de folga do
desinteressada, porque foi derramada em trabalho, os visitávamos em seus casebres:
nossos corações pelo Espírito Santo que eram Jesus. Sonhávamos que um dia, o dia
nos foi dado (Rom 5,5), e o Espírito Santo é do juízo, o Senhor nos mostraria aquele
amor puro, sem nenhum egoísmo. vestido que tínhamos doado, aquele
cachecol, aquelas luvas das quais nos
Entendemos que a caridade é sobrenatural, tínhamos privado, adornados com perolas
porque participação da ágape de Deus. É preciosas como tinha acontecido com a cruz
um amor novo, o amor característico da era que Catarina de Sena tinha doado a um
cristã, da era nova, que introduz na história pobre.
humana e na ética humana uma “novidade”
absoluta. “Este amor - escreveu Agostinho - No pobre o Senhor nos tinha indicado
nos renova, a fim de que sejamos homens alguém que poderíamos finalmente “amar
novos, herdeiros do Testamento Novo, por primeiro”.
cantores do cântico novo”. Depois vimos ainda que a caridade é
Entendemos que se diferencia da simples universal. Ela nos faz descobrir Jesus, de
benevolência ou da filantropia porque certa forma, em todos os homens e,
participando do próprio amor de Deus, portanto, podemos amá-lo em todos.
daquele amor que Jesus possuía, ela sabe Se são católicos a Trindade habita em seus
amar também os inimigos - o que supera - e corações: “Se alguém me ama guardará
sabe também morrer pelos outros. minha palavra e meu Pai o amará e a ele
E ainda uma coisa importantíssima que viremos e nele estabeleceremos morada”
(Jo.14, 23).
Se são católicos tíbios, não deixam de ser É deste modo que o Movimento concebeu e
membros do Seu Corpo místico, quer concebe a caridade.
possuam a graça, quer a tenham perdido Mas dado que, desde os primeiros tempos,
por causa do pecado. cada uma de nós primeiras focolarinas,
Se são cristãos não católicos, são todavia - amava deste modo (fazia-se um, amava por
como diz Paulo VI – “pertencentes à Igreja”, primeiro, com amor sobrenatural, etc.), eis
mesmo se ainda não à “unidade católica”. que o resultado foi o amor recíproco, que
Se pertencem a outras Religiões, neles foi descobríamos a síntese do Evangelho: o
depositada “uma semente do Logos”, como mandamento característico de Jesus e
diz Justino, e neles estão ocultas as “novo”. Compreendíamos como fazer para
“sementes do Verbo” (Ag 11). mantê-lo sempre vivo, já que com a pratica
do mesmo verificou-se em nós uma segunda
Com efeito o Concilio reconhece numerosos conversão.
elementos “de verdade e de graça que já se
achavam entre as nações, como numa “Ante omnia mutuam et continuan charitaten
secreta presença de Deus” (Ag 9). habentes” (1 Pd 4, 8). “Acima de tudo,
cultivai, com todo ardor, o amor mútuo”, foi
Se são pessoas que não creem, foram da uma palavra que o Espírito imprimiu no
mesma forma criadas a imagem de Deus e nosso coração, para antes de qualquer outra
podemos ver Jesus nelas por causa daquela ação (até mesmo de ir à Missa, antes de
presença de solidariedade de Cristo com fazer o bem, antes do estudo ou do
elas, uma vez que Ele e Deus feito homem e trabalho), nós nos apoiássemos com firmeza
que morreu e ressuscitou por todos os no amor recíproco declarado e redeclarado
homens. E pela solidariedade, talvez entre nós, quando por causa de nossas
inconsciente, deles com Cristo, porque às faltas tivesse desaparecido.
vezes, paradoxalmente, cumprem as obras
prescritas por Ele com mais convicção do Queríamos despertar pela manhã
que os próprios cristãos. E ainda completamente esquecidas dos defeitos
solidariedade deles com Cristo porque as encontrados no irmão no dia anterior, para
vezes, sentem-se atraídos por Ele, como facilitar o amor recíproco. Desta maneira o
disse uma personalidade romana a uma amor adquiria continuidade e tomava
senhora do Movimento: “Acredite, senhora, consistência.
que entre quem crê e quem se declara ateu, “Amai-vos uns aos outros como eu vos
mas procura Cristo, há pouca diferença”. amei.” (Jo.15, 12).
Foi o fato de poder ver Jesus em todos que E esta era a medida na qual todos os
nos impulsionou nestes anos e difundiu o nossos sacrifícios para nos amar estavam
Movimento entre pessoas de muitas outras contidos: “Ninguém tem maior amor do que
Igrejas, de outras Religiões e atraiu a aquele que dá a vida por seus amigos”
simpatia de pessoas que não creem, mas (Jo.15, 13).
que pedem para, de algum modo, poder Quisemos selar este amor recíproco com um
participar dele. pacto: as primeiras focolarinas olhando-se
Foi por isto que, quando João Paulo II nos umas às outras disseram: eu estou pronta a
pediu para preparar um mapa da difusão do morrer por ti, eu por ti, eu por ti. Todas por
Movimento, pudemos constatar: que as cada uma.
pessoas que vivem este espírito estão Com o mandamento novo vivido, Jesus
difundidas, de certo modo, por toda a terra. estabelecia a sua morada espiritual entre
É por isto que, nos últimos meses, me vem nós. Deus-Amor descoberto de modo
frequentemente à memória um dos primeiros esplêndido e novo tinha descido em meio a
dias do início do Movimento, quando ao ler nós.
as minhas primeiras companheiras o Através do Mandamento Novo atuado, o
testamento de Jesus (Jo.17), vi-o iluminar-se mundo ao nosso redor convertia-se: “… a
palavra por palavra, e o compreendi e fim de que todos sejam um … para que o
sobretudo intuí que aquela página era a mundo creia que tu me enviaste” (Jo.17, 2l).
“carta magna” do Movimento que nascia, Foi como uma avalanche. As pessoas que
cujo lema não poderia deixar de ser: “ut nos seguiram são inumeráveis.
omnes unum sint”, “que todos sejam um”.
Entre as lagrimas que o nosso homem velho a Missa em sua capela privada. No final,
nos fazia derramar, ao morrer na caridade depois de ter-me agradecido por ter ido,
recíproca, e o júbilo pela vida nova que nos disse-me: “Então, trabalhemos juntos. Aqui
invadia ao tomar vigor o homem novo, o trata-se da caridade - disse ele – mas de
mundo viu florescer - também através de uma caridade profunda, profunda …para
nós - o amor. com todos”. Eu acenei de sim. Ele tinha
O Papa João Paulo II, no domingo após o entendido.
inicio do seu pontificado, convidou-me para
A Família e o Amor
(Primeiro ano 3.1.1)
Roma (Palaeur), 3 de maio 1981
Chiara no Familyfest

Caríssimos irmãos e irmãs reunidos aqui no podemos mesmo dizer, a uma diminuição da
nome de Jesus, provenientes dos cinco natalidade em relação à mortalidade. E ter
continentes. Desejo que a plenitude da mais de um filho, ou no máximo dois, está
alegria esteja com todos, porque Ele está no tornando-se uma coisa fora do comum.
nosso meio! Sabemos como as legislações de muitos
Hoje trataremos um dos temas mais países tendem a encorajar este costume
candentes do nosso momento histórico, um decadente por meio de normas legislativas
dos mais atormentados, mais atuais e vitais: que contribuem a enfraquecer a consistência
a família. da família: como a fácil obtenção do
Mas o que é a família? divórcio, o aborto provocado amplamente
concedido, a eutanásia, a contracepção, a
Sociólogos, moralistas, educadores, esterilização do homem e da mulher, a
políticos e psicólogos poderiam dar as insuficiente remuneração econômica dos
definições mais variadas. No entanto, eu trabalhadores com vários filhos e assim por
estou convencida de que a todos interesse diante.
principalmente um pensamento sobre a
família: o pensamento de Deus. Observamos ainda diariamente como os
mass-média principalmente a televisão, o
O que é a família para Deus? Hoje, aqui, teatro, o cinema, a publicidade e a literatura,
iremos responder sobretudo a esta propõem muitas vezes um modelo de
pergunta. Neste momento nos basta fazer relacionamento homem-mulher no qual o
uma simples constatação: Deus no ato da amor de doação é substituído pela posse
criação, plasmou uma família. Quando se momentânea do outro, onde a relação física
encarnou, foi rodeado por uma família. se reduz a “jogo erótico”. E o próprio
Quando Jesus iniciou a Sua missão e conceito de “pecado”, neste campo, perdeu
manifestou a Sua glória, estava festejando o seu significado.
uma nova família.
Constatamos como penetrou entre os jovens
Bastaria isto para compreender o que é a a idéia de que o matrimônio já é um fato
família no pensamento de Deus. superado e que só tem sentido a
Mas hoje como é a família? convivência livre entre homem e mulher
enquanto existir o sentimento que os une,
Nós o sabemos. O influxo de teorias
mas esta convivencia é interompida quando
nocivas, a decadência dos valores morais este sentimento diminui de intensidade.
tradicionais, o materialismo teórico e prático,
a mentalidade hedonista favorecida pelo Já sabemos como este caráter provisório do
consumismo, atacaram e continuam casal, que afeta a segurança do
atacando frontalmente a família. relacionamento, leve muitos, depois de
terem feito várias experiências deste tipo, ao
Sobretudo a cultura anárquica e estado de desespero. E é elevadíssimo o
individualista esvaziou todo o significado da número de suicídios de jovens.
idéia de indissolubilidade do matrimônio,
reduzindo-o a um mero “assunto privado”, Os filhos, neste contexto, encontrando-se
isento de qualquer responsabilidade e privados do apoio natural dos pais, crescem
empenho em relação à sociedade. numa condição de incerteza e precariedade
de relações, que os leva à desconfiança na
Conhecemos como certos tipos de
vida, à insegurança psíquica, à droga, à
propaganda alarmista no campo violência. Além disso, esta mentalidade
demográfico levou a interpretar de uma
induz muitos jovens, que ainda têm a
maneira egoísta e materialista o problema
intenção de formar uma família estável, a
(em si importante e sério) de uma considerar as relações pré-matrimoniais
“paternidade e maternidade responsáveis”. como uma prática normal.
A tal ponto que na sociedade do bem-estar
já se tende ao crescimento zero ou, E as pessoas idosas - neste contexto
degradado da família - marginalizadas, já Movimento Famílias Novas para realizar
não encontram nela a sua função. este objetivo? A que remédio recorre? Qual
A mulher, por fim, que está procurando uma é a sua fonte?
nova identidade em relação ao passado, por Não há dúvidas: Deus que é Amor. Porque a
uma necessidade intrinsecamente positiva família nada mais é que uma engrenagem,
de realizar-se também fora do lar, no um cofre, um mistério de amor: amor
trabalho, na profissão, na vida social, tem nupcial, materno, paterno, filial, fraterno; o
muitas vezes a tendência de pôr em amor da avó pelos netos e dos netos pelo
segundo plano a sua função de esposa e de avô, pelas tias, pelos primos… Nada mais
mãe. constitui, liga e dá sentido à família que o
Estes são os principais aspectos negativos amor. E se a família fracassou no mundo é
da família de hoje. É este o quadro da porque o amor diminuiu. Onde o amor se
família também no mundo cristão, o qual foi acaba, a família se desfaz.
apresentado aos Bispos no Sínodo sobre a É por isso que as nossas famílias devem
família no mês de outubro do ano passado. abastecer-se na fonte do Amor. É Deus-
Um quadro trágico que forçou os sucessores Amor que sabe o que é a família, que a
dos Apóstolos a evidenciar várias vezes na esculpiu como uma obra-prima do amor,
sua mensagem a importância de os sinal, símbolo e tipo de todos os seus outros
membros da família aproximarem-se com desígnios. E se Ele fez a família plasmando-
freqüência do sacramento da penitência, a com o amor, é sinal de que Ele também
pela necessidade que temos de perdão. poderá sanar a família com o amor.
Caríssimos, é este o quadro com que Nós sabemos que o homem é homem se ele
também nós nos deparamos: quadro se comporta segundo o que é: imagem de
realmente dramático do ponto de vista Deus, portanto, se está em comunhão com
cristão. Deus, se fixa a sua posição como o “tu” de
E nasce a pergunta: de quem é a culpa? Deus.

Se é verdade que o mundo é tal como a Assim também o amor que une a família é
família o constrói, certamente pode-se amor quando sabe estar, nutrir-se,
afirmar o inverso, isto é, que a família é tal e sustentar-se, confrontar-se, comunicar-se
qual a sociedade que a gera. com o amor que existe em Deus, com
aquele amor que é dom de Deus.
Hoje o mundo muitas vezes vive no Iodo e a
família ali imersa, dificilmente sai dali Eis por que a Igreja solicita a freqüência aos
incontaminada e tem extrema necessidade Sacramentos, portadores de graça, que nos
das ajudas extraordinárias da graça. enriquecem de amor sobrenatural: convida-
nos à oração em comum, à participação da
O nosso coração gostaria que estivéssemos liturgia, a nutrimo-nos da Palavra de Deus, a
numa outra situação e numa outra época, alimentarmo-nos das devoções antigas e
onde resplandecessem as virtudes cristãs e novas, sobretudo das que se referem à SS.
a família fosse respeitada, louvada e Virgem, que são uma verdadeira ajuda para
servisse de exemplo. Mas não podemos aumentar a vida da graça!64
deixar de amar o nosso tempo no qual Deus
nos fez nascer e devemos fazer todo o Quando no coração dos membros de uma
possível para que a família e o mundo sejam família este amor está aceso e é vivo, não
como deveriam ser. nascem problemas insolúveis, não surgem
obstáculos intransponíveis e não se
Não resta dúvida que Deus suscitou nos lamentam fracassos irremediáveis; a família
nossos dias vários movimentos cristãos que volta a ser bela, unida e sã como Deus a
dão uma válida contribuição à pastoral pensou.
familiar promovida pelos Bispos e,
inegavelmente, cada um desses Hoje em dia a família precisa de uma forte
movimentos aprovados pela Igreja tem o seu injeção daquele amor. É este o significado
carisma com uma precisa estratégia para
sanar a família.
64
A este ponto surge espontaneamente uma
pergunta: qual é o ponto de partida do Cf. Sínodo dos Bispos: “Mensagem às famílias
cristãs no mundo contemporâneo”, Vaticano, 25.10.80.
do título da nossa jornada: “A família e o fase de buscas e de grandes
amor”. transformações, de modo que já não
O nosso Movimento deve suscitar este podemos pensar em voltar atrás e todos
propósito nas famílias, em todas as famílias aqueles que sabem propor valores
que encontrar: revitalizar o amor que é ínsito verdadeiros têm muitas possibilidades de
a cada família com aquele que é puro dom influir nesta transformação. É o caso de
de Deus. Enfim! Que o Amor faça reflorescer todos os que oferecem modelos de famílias
o amor! unidas com relações autênticas e não
opressivas, abertas à sociedade que os
E se for assim, já que tudo concorre para o circunda, com opções claras em favor da
bem daqueles que amam, mesmo os vida e dos filhos, reatando relações cortadas
traumas que hoje fazem gemer a família no entre as gerações, com a redescoberta da
mundo, terão como fruto o novo tipo de função dos mais velhos.
família que os tempos exigem e que os
sinais dos tempos preanunciam. Caríssimos, hoje, portanto, falaremos da
família, trataremos dela globalmente;
Será o Amor que provém do Alto a dar o aprofundaremos os problemas a ela ligados:
auxílio mais eficaz para que a família a relação com os filhos, a situação dos
burguesa, atualmente contestada porque órfãos, dos noivos, das viúvas, dos anciãos;
fechada no próprio egoísmo, se abra à falaremos das adoções, do problema do
sociedade. aborto; veremos a vocação do nosso
Será esse amor que saberá melhor de Movimento Famílias Novas, a sua
qualquer outro meio prestigiar a mulher, espiritualidade, o seu serviço à Igreja local,
pondo-a no seu verdadeiro lugar na os contatos com os não-cristãos e os que
sociedade. não crêem; ouviremos as mais variadas
experiências; falaremos também da doutrina
Será esse amor forte que incrementará a da Igreja sobre a família e até mesmo
tomada de consciência de muitos homens,
ouviremos as palavras do Santo Padre.
em vista de uma participação maior na vida
de família, partilhando com a mulher todos O que é que fica por dizer? O que é que se
os aspectos num plano de igualdade. pode acrescentar a um programa tão intenso
e tão completo?
Será esse amor que consolidará aquilo que
hoje, não obstante tudo, existe de bom na A meu ver, para devolver à família a sua
família, como a exigência de sinceridade e verdadeira fisionomia e restituir-lhe o seu
clareza, menos malícia entre rapazes e esplendor, ao lado dos discursos, das
moças, graças ao hábito normal de crescer advertências, das diretrizes, da exposição
juntos desde pequenos, que contribuiu para de experiências, está aquele exemplo
eliminar certas artificialidades, luminoso e universal que a Sabedoria eterna
incomunicabilidades e complexos inventou: a família de Nazaré. Nela todas as
precedentes. famílias que existem e existirão no mundo
podem encontrar o seu modelo e tipo. E não
Será o Amor de Deus nos corações que apenas as famílias, mas cada um dos seus
proporcionará a verdadeira redescoberta da membros poderá inspirar-se nela para saber
corporeidade, deixando de ser olhada com
que comportamento adotar, que atitudes
malícia, para vê-Ia em seus aspectos
assumir, que relacionamentos revigorar e
positivos de criatura. que virtudes cultivar.
Assim, esse amor há de acelerar aquele Cada homem da terra que é esposo e pai,
processo em ato que nos faz esperar uma
sempre poderá encontrar em José - esposo
rejeição e uma justa conceituação do de Maria e pai adotivo de Jesus - uma luz,
erotismo promovido pela cultura, agindo em um estímulo, uma fonte de inspiração. Dele
favor de um interesse por outros conteúdos
aprenderá a fidelidade a toda a prova, a
da vida, tais como os sociais, políticos ou castidade heróica, a força, a laboriosidade
culturais.
silenciosa, o respeito, a veneração, a
Só o Amor que provém de Deus poderá proteção à mãe de seus filhos, a
oferecer a medida segura para uma participação nas preocupações familiares…
paternidade e maternidade responsáveis. Cada mulher que é esposa e mãe, poderá
No mundo, apesar de tudo, estamos numa
descobrir em Maria o seu próprio dever ser, numa admirável unidade, as duas
a igualdade com o homem e a sua tendências que os podem atormentar, ou
identidade. Verá na Esposa de José seja, a necessidade de afirmar-se como uma
realizado em pleno o seu desejo de ser nova geração que deve escrever um novo
também protagonista; aprenderá com ela capítulo da história e o desejo de abrigar-se
como ultrapassar o círculo familiar para à sombra de seus entes queridos, no amor e
difundir, em proveito de muitos, as riquezas na obediência.
que lhe são próprias: a capacidade de Sim, que a Sagrada Família, jóia da
sacrificar-se, a interioridade que a torna humanidade associada, espelho da vida
segura, a religiosidade que a distingue, a Trinitária, onde o amor faz de Deus “Um”,
necessidade inata de elevar-se e elevar esteja hoje diante de nós, esteja com todos
irradiando candura, beleza e pureza. nós a conduzir esta jornada pelo bem da
E assim, os filhos encontrarão em Jesus, na família no mundo, da família na Igreja e para
sua vida familiar com Maria e José, fundidas a glória de Deus.
FAMILIA - Comunidade de amor
(Primeiro ano 2.1.2)
Igino Giordani

A Igreja doméstica continua.


Entre as intuições geniais do Concílio Ao considerar esta missão salvifica, Santo
Vaticano II - genuínas inspirações do Agostinho chama de co-bispos os pais de
Paráclito - acha-se aquela que visa família, isto é, bispo, cada chefe de uma
recolocar a família na sua estrutura humano- minúscula Igreja, destinada a confluir na
divina de comunidade do amor e de central grande Igreja. E as mães de família,
da vida, bem como na sua eficácia de força prolongam a missão de Maria, e são,
purificadora e moralizadora da sociedade. portanto, insubstituíveis.
Também esta intuição serviu para repor a O mundo pré-cristão de ontem e o mundo
família na sua essência evangélica, na sua não-cristão de hoje estão alquebrando a
origem teândrica e na sua relação com Deus dignidade da mulher, coração da casa,
e com a humanidade. poesia da família. A religião, porém, não
Se da família derivam a Igreja e o Estado, desiste de recolocá-la na sua dignidade. E
ou seja, a cidade de Deus e a cidade do papas como Pio XII e Paulo VI repetem a
homem, essa dupla cidadania, essa vida poesia da virgindade e da maternidade da
dupla, constitui a plenitude da humanidade mulher cristã. Pio XII a definiu “obra-prima
redimida. Bastaria o exame de tal da criação”; Paulo VI evocou “a visão
germinação para dar a medida da sagrada e sublime, que a nossa doutrina
importância vital, insubstituível, daquela religiosa e a nossa formação humanista
comunidade que hoje em dia, nos jornais e atribuem à criatura feminina, à mulher”. E
no âmbito da frivolidade aparece muitas lembrou o “pensamento humano e cristão”
vezes rebaixada a situações de capricho. totalmente inebriado de sentimento e de
poesia e expresso naquela multiforme
* linguagem dos valores supra-sensíveis, que
O encontro decisivo de Deus com o homem, é a antropologia da fé e da inteligência
para a reconciliação - a redenção -, metafísica e deontológica da vida humana.
aconteceu no coração de uma virgem, a Para nós, Mulher é a visão de virginal
qual deu início a uma família, que ofereceu à pureza, que restaura os sentimentos afetivos
humanidade o Salvador. A estupenda e morais mais elevados do coração humano;
aventura da redenção principiou assim numa para nós é o aparecimento, na solidão do
humilde casa em Nazaré onde nasceu e homem, da sua companheira, que conhece
cresceu o Homem-Deus, o qual daria aos as dedicações supremas do amor, os
homens a salvação e à sociedade a Igreja. recursos da colaboração e da assistência, o
vigor da fidelidade e da operosidade, o
Paulo VI consagrou o título de Mãe da Igreja heroísmo habitual do sacrifício; para nós, é a
para Maria, a qual assim o é porque foi mãe mãe - inclinemo-nos - à fonte misteriosa da
de Jesus. Do seio da pequena família de
vida humana onde a natureza recebe ainda
Nazaré nasceu a grande família, que é a
o sopro de Deus, criador da alma imortal;
Igreja universal.
para nós, é a criatura mais dócil a toda
* formação idônea por isso a todas as funções
O milagre continua. Em toda casa - culturais e sociais, especialmente àquelas
repetimos - mora o Espírito Santo e toda mais congeniais com a sua sensibilidade
casa se torna uma pequena Igreja - aquela moral e espiritual; para nós é a humanidade,
que o Concílio define como “Igreja que encerra a melhor atitude para a
doméstica” -, da qual brota um arbusto da problemática religiosa e que, quando a
floresta que é a grande Igreja. Para este segue sabiamente, eleva e sublima a si
objetivo, que é divino e humano, a mãe de mesma na expressão mais genuína da
família repete, de certo modo, a função de feminilidade; e por isso, cantando, rezando,
Maria, o pai, a função de Deus-Pai, e a desejando ardentemente, chorando, parece
prole, que é destinada a aumentar a Igreja, naturalmente convergir para uma figura
representa Jesus, pois é Cristo que única e suprema, imaculada e dolente, que
uma mulher privilegiada, entre todas recompõe a família humana, numa
bendita, foi designada a realizar, a Virgem comunhão que estabelece um convívio da
Mãe de Cristo, Maria”. divindade com os homens e os faz
Infelizmente, muitas pessoas malbaratam comensais de Deus. Com efeito, no
estas realidades e os estupendos valores Cenáculo - onde se iniciou a convivência
que elas comportam, porque ignoram o que eucarística - a presença dele no pão e no
o homem é, o que é a mulher; e porque, vinho foi garantida tanto por Maria, a virgem
também, desconhecem quanto a família vale e mãe, como por Pedro, sumo sacerdote e
na economia humano-divina. pai de família. Neles dois, matrimônio e
sacerdócio aparecem quais dois
O Concílio quis despertar a consciência da sacramentos associados e solidários.
família; e o conteúdo do seu ensinamento foi
sistematizado e sintetizado por Paulo VI *
num congresso feminino realizado em À luz daquela refeição em comum, em que a
fevereiro de 1966. Igreja antes comia o pão dos anjos e
Pela primeira vez - reconheceu ele - a Igreja portanto, o pão de farinha, repartido
admitiu que os esposos e os pais fraternalmente, comunicando aos abastados
participassem ativamente num concílio as suas disponibilidades para com os pobres
ecumênico, extremando-se, assim no daí, entende-se melhor o Pai-nosso;
cuidado que ele sempre teve pela família e invocação da família humana ao Pai comum,
pelo amor humano, que jamais deixou de a qual pede dois bens fundamentais: o Pai
abençoar, a exemplo de Cristo. Hoje o seu nosso que está nos céus e o pão nosso de
valor revela-se de capital importância, cada dia na terra.
porque se vê como o futuro da humanidade As duas coisas: a presença do alimento
depende do comportamento das famílias. supersubstancial, para a alma, e a presença
“Da santidade e da plenitude de vida do alimento natural para o estômago; vale
espiritual da família. depende a vida ‘física e dizer: o duplo alimento para a dupla vida,
moral’ da humanidade; ainda mais: a real que não se pode separar sem produzir um
dilatação do reino de Deus”. cadáver, explica o motivo porque a
Na Constituição pastoral sobre a Igreja no distribuição do sacramento é acompanhada
mundo atual, o Concílio - cujo pensamento o com a distribuição de mantimentos: reflexo
papa resume - determinou com precisão da Encarnação, que une (sem confundi-los)
alguns pontos fundamentais. Diz ele: “O o elemento divino com o humano, para
matrimônio e a família não são obras reunir a humanidade à divindade.
apenas do homem”, mas também obra de Quando mamãe Margarida disse ao novel
Deus: “provêm de Deus”, o qual em prol bispo de Mântua, José Sarto, seu filho: “Tu
deles torna o homem “participante do seu não terias esse anel aí (episcopal), se eu
amor pelos homens e da sua faculdade não tivesse tido esta aliança (de
criadora de vida”. casamento)” - mostrou a associação do
Deus se vale dos pais para aumentar a vida: matrimônio com o sacerdócio, instituído
para a sua função de Criador. principalmente para a celebração da santa
missa (a eucaristia).
EUCARISTIA E MATRIMÔNIO O matrimônio é um sacramento, cujos
O grande sacramento ministros são os próprios cônjuges; é, por
conseguinte, um veículo da graça, um sinal
A redenção, de igual forma que a criação, da comunicação da vida de Deus às
nos seus primórdios apresenta-se com os criaturas humanas. Especificamente, é
traços de uma convivência familiar: Jesus é imagem da união nupcial de Cristo com a
filho de uma mulher, legítima esposa, mãe Igreja: como Igreja e Cristo constituem “um
de família e depois viúva - a qual vive com corpo”, assim mulher e marido formam “uma
ele trinta anos numa casa pobre, como carne”. Não somente imagem e símbolo,
muitos filhos do povo hebreu. mas também participação efetiva nas
Depois da ascensão, ele desaparece das núpcias de Cristo com a Igreja. O
vistas, mas permanece entre os seus sob as matrimônio é continuação e ramificação do
espécies eucarísticas, em torno de quem se “matrimônio” de Cristo com a Igreja,
conforme já dissemos: “O matrimônio cristão segundo a qual a vida de Deus passa para o
está em relação real, essencial e intrínseca homem, com uma missão primária e vital, na
com o mistério da união de Cristo com a qual a eucaristia opera essencialmente.
Igreja; tem a sua razão nele, acha-se Podemos dizer que a eucaristia e o
organicamente entrelaçado com ele e matrimônio são os dois sacramentos do
participa, portanto, da sua natureza e do seu amor: um do amor divino, o outro do amor
caráter sobrenatural. Não é simplesmente o humano, ambos feitos para unir-nos a Deus.
símbolo desse mistério…mas sim, uma A Bíblia nos ensina que o mistério das
cópia que brotou da união de Cristo com a núpcias se acha no centro da economia da
Igreja. ..” (Scheeben). salvação. “A redenção insere-se na
Por isso - diz São Paulo -, “este mistério é realidade humana da família, na qual se
grande”. comunica a vida”.
Os esposos se unem para colaborar na Igreja e familia
criação feita por Deus e para ampliar o Não é por acaso que o primeiro milagre de
Corpo Místico, concorrendo para a tarefa Cristo, aquele com que, antecipando os
própria da união de Cristo com a Igreja. tempos, manifestou-se Messias, se
Assim sendo, enquanto a eucaristia é realizasse, por solicitação de Maria, uma
comunicação de vida divina à humanidade mãe de família, num banquete de núpcias,
redimida, o matrimônio é comunicação de em Caná. Naquela ocasião, com a mudança
vida humana aos homens a serem da água em vinho, Jesus antecipou o
redimidos. milagre da eucaristia, que muda o vinho em
Esta comunicação efetua-se pelos méritos sangue de Cristo.
da paixão e morte de Cristo: Per Christum. Também o ultimo milagre - a instituição da
Outrossim, enquanto a eucaristia, eucaristia - está em relação com o
sustentando o espírito, beneficia também o matrimônio. Com efeito, segundo o que os
corpo, o matrimônio, gerando o corpo, teólogos ensinam, o mistério das núpcias
concorre para alimentar também o espírito, está ligado ao mistério pascal, cujo ponto
com as graças sacramentais, com a essencial é a instituição da eucaristia. Na
educação, com o exemplo. noite pascal, a Igreja externa a sua alegria,
Por isso: “E vós maridos, amai as vossas cantando a inefável união nupcial de Cristo
mulheres, como Cristo amou a Igreja e se com a Igreja: “Eis as núpcias do Cordeiro.
entregou por ela, a fim de purificá-la com o Eis a noite luminosa em que o cortejo
banho da água e santifica-la pela Palavra” nupcial entra na glória… Esta é a noite em
(Ef 5,25-26). Isto quer dizer que o amor - que as coisas celestiais se unem às coisas
segundo explicou Pio XII na Casti Connubii - terrestres e as coisas divinas às coisas
não se exprime somente em serviços humanas… a terra está unida ao céu, e o
externos, mas também em obras que visam homem e Deus estão unidos para sempre”.
aperfeiçoar a vida interior e para crescer Realiza-se o objetivo da encarnação, que é
unidos em Deus: para produzir santidade. o de reunir o homem a Deus. As divinas
A sua unidade é, então, aquela vida de pessoas são três e formam um só Deus:
perfeição a que todos devem tender. Se a assim na família são mais pessoas - pai,
unidade é o objeto, compreende-se mãe, prole - e formam uma unidade
imediatamente o vínculo com a eucaristia, incindível. Aquelas e estas acham-se ligadas
fonte da unidade. pelo amor: pelo Espírito Santo. Com a
Igreja.
Os outros seis sacramentos estão para a
eucaristia como os planetas estão para o Ao realizar as núpcias, os cônjuges agem
sol; pois, se os outros sacramentos contêm “como órgãos e ministros de Cristo e da
a graça, a eucaristia contêm o próprio Autor Igreja”. Como tais, devem amar-se com um
da graça. No entanto, o sacramento do amor sobrenatural e amar os filhos, não
matrimônio está ligado à eucaristia com um apenas como frutos das suas vísceras, mas
vínculo de particular intimidade. Se os também como flores do Corpo Místico, como
mistérios principais da fé são a Trindade. a filhos de Deus.
Encarnação e a Eucaristia, vemos que a A prolificação é também expansão da Igreja:
família se insere na operação divina, é prolificação também da Igreja, Esposa do
Filho de Deus. duas comunidades de amor e de fé dos
Pois bem, para manter-se em tal caráter e seguidores de Cristo, cuja aventura de
exercer a sua função, os cônjuges cristãos algum modo repetem.
precisam da eucaristia, da mesma forma E acham-se vinculadas: não há Igreja sem
que para viver fisicamente necessitam de família cristã, e não existe família cristã sem
alimento. A eucaristia é o alimento da Igreja: Igreja. As famílias geram as paróquias; as
é Cristo entre nós, em nós e para nós. E paróquias, as dioceses; as dioceses, a
Cristo é a Vida. Igreja. Uma defende a outra.
Para a família, a eucaristia é a aorta, que a Ora, a paróquia vive se as famílias vão à
mantém unida ao coração - o Coração divino missa e comungam. Onde isto não ocorre,
-, do qual recebe o sangue divino, mediante decaem simultaneamente a paróquia e a
o qual a criatura humana vem ao mundo e é família,
associada a Deus: uma geração para a vida Hoje a Igreja depende da família para que
temporal e para a vida eterna. seja reconstituída em tantos países, e,
A Igreja e, nela, a família são as duas reciprocamente para que a família volte a
comunidades do sacrifício, porque são as tornar-se uma pequena Igreja.
A vontade de Deus
(Primeiro ano 3.2)
de Chiara Lubich (“O Movimento dos Focolares”, ed. 1967)

Deus. Amar a Deus. E com esta simples idéia, a nossa alma


Mas como amá-lo? exultou, pois tínhamos a impressão de ter
“Não quem diz: Senhor, Senhor, mas quem nas nossas mãos um bilhete de acesso à
faz a minha vontade, este é que me ama”. santidade, que poderíamos oferecer a todos
aqueles que conhecêssemos ao longo do
Amar a Deus, portanto, não era uma nosso caminho, e até mesmo às multidões.
questão de sentimento, mas um ato de
vontade: era fazer a vontade de Deus. Ser a vontade de Deus sobre nós foi o
nosso primeiro empenho, a possibilidade de
Naquele tempo, uma circunstância simples, atuar durante a vida o nosso ideal.
porém singular, deu-nos a ocasião de aplicar
imediatamente esta verdade. Desde aquele momento, pareceram bifurcar-
se dois caminhos diante de nós. Quantos
Uma de nós tinha-se consagrado a Deus anos nos ofereceria ainda a vida terrena?
privadamente, com o voto de castidade. Vinte? Trinta? Ou talvez meses ou dias?
Pouco tempo depois, todavia, tinha tido a Poder-se-ia transcorrer este tempo a
impressão que o Senhor lhe pedisse tudo. caminhar pela estrada da própria vontade ou
Pensando no que ainda não lhe tinha dado, da vontade de Deus. Em geral os homens
achou que deveria imolar a sua vontade na fazem a própria vontade, e a conseqüência
obediência, os poucos bens na pobreza, os disto é que, mesmo não pecando
familiares e a própria carreira retirando-se gravemente, confundem-se com os bilhões
do mundo. E concluíra que Deus a chamava de seres que daqui a cinqüenta ou cem anos
à clausura. . serão esquecidos por todos.
Embora não sentindo-se inclinada àquele Esforçando-nos, pelo contrário, por
estado de vida, dissera o seu “sim”. Mas caminhar na vontade de Deus, oferecendo a
depois, ao confiar o fato ao confessor, ele a nossa alma como cálice para contê-la,
dissuadiu, julgando mais útil o seu pouco a pouco não mais viveria o nosso “eu”
apostolado no mundo. Obedeceu, e isto nos em nós, mas Cristo em nós.
fez entender que o mais importante não era Não sabíamos para onde ele nos conduziria,
tanto este ou aquele caminho mais ou mas não era difícil abandonar-nos em Deus
menos perfeito, mas a vontade de Deus que tínhamos descoberto como Amor! E
para nós, para cada um de nós. parecia-nos estranho e sem sentido o tom
Impressionou-nos fortemente uma página de de melancólica resignação com que nós
Francisco de Sales: “… a alma que ama a cristãos, diante de situações difíceis,
Deus está tão transformada na vontade dizemos: “Seja feita a vontade de Deus!”.
divina ao ponto de ser chamada a própria Não devemos, de fato, fazer tão tristemente
vontade de Deus…; por isso o Senhor diz, o que Deus quer, mas, pelo contrário,
pela boca do profeta Isaías, que chamará a deveríamos nos entristecer em fazer a
Igreja cristã com um nome novo, impresso e nossa vontade, inconcludente, que só traz
esculpido no coração dos seus fiéis…, e tédio à alma criada para o infinito, para o
será este: ‘a minha vontade neles…’. O desígnio de amor que o Pai tem sobre cada
nome mais honorífico para os cristãos será um de nós.
unicamente: a vontade de Deus neles”. Também os santos fizeram a vontade de
Tornou-se então claro que, se nós, como Deus. Tinha sido esta a sua grandeza.
muitos outros no mundo, achávamos difícil Nós, especialmente numa primeira fase, os
encontrar o caminho para a santidade, imitamos ao pé da letra, no desejo sincero
existia, pelo contrário, um caminho válido de alcançar a santidade. Tínhamos
para todos: virgens e mães, sacerdotes e aprendido deles, como as crianças que
operários, crianças e velhos, religiosos e imitam os adultos, aquelas penitências
governantes. Chamava-se: a vontade de corporais e espirituais que se lêem nos
Deus! livros: dormir no chão, passar a noite
rezando… se deixa levar pelo trem, da mesma maneira
Freqüentemente nos perguntávamos: “Se a nossa alma, para chegar a Deus, teria que
para nos fazermos santas for necessário fazer a Sua vontade, de modo completo, no
rezar, rezemos o dia todo; … se for momento presente, pois o tempo caminha
necessário usar o cilício, usemo-lo noite e por si só.
dia; … se for necessário açoitar-nos, E não era extremamente difícil entender o
açoitemo-nos, mas o que é que devemos que Deus queria de nós. Ele manifestava a
fazer? O que é que Deus quer de nós?”. sua vontade através dos superiores, da
E pareceu-nos entender que os santos Escritura, dos deveres do próprio estado,
deviam ser imitados sobretudo em fazer - das circunstâncias, das inspirações, etc.;
como eles sempre fizeram - a vontade de minuto por minuto, iluminadas e ajudadas
Deus. Foi, de fato, a divina vontade feita por pela graça atual, construiríamos o edifício da
cada um deles que os tornou obras-primas nossa santidade, ou melhor, fazendo a
de Deus que refletem a infinita variedade de vontade de um outro - do próprio Deus - ele
Deus Amor. Só assim também as edificaria a si mesmo em nós.
penitências corporais e espirituais teriam Todavia, no início, tendo pouca prática desta
encontrado seu sentido na nossa vida nova vida, e não podendo, obviamente,
espiritual. interpelar sempre o diretor espiritual,
Deus, amar a Deus, e, para amá-lo fazer a acontecia que em alguns momentos
sua vontade. tínhamos dúvidas acerca do que o Senhor
queria de nós.
Mas Deus e a sua vontade coincidem:
caminhar na sua vontade era caminhar em Acreditando, porém, no seu amor, perante
Deus. dois atos indiferentes, escolhíamos um dos
dois, certas de que se não fosse o que Deus
Pequenos exemplos, porém úteis, iam desejava, ele nos colocaria de novo no
esclarecendo estes conceitos. caminho certo.
Deus era como o sol e a cada um de nós Desta maneira, aos poucos, fomo-nos
chegava um seu raio: a vontade de Deus habituando a escutar com uma atenção
sobre mim, sobre a minha companheira, cada vez maior aquela “voz” dentro de nós,
sobre a outra. Único era o sol, vários os que nos frisava a vontade de Deus,
raios, embora sempre raios de sol. expressa nas mais diferentes maneiras,
Único Deus, única vontade, diferente para aprendendo a distingui-Ia dentre as muitas
cada um, mas sempre vontade de Deus. vozes da nossa vontade, do “homem velho”
em nós.
Era necessário caminhar no próprio raio sem
nunca sair dele. Vivemos assim, certas de que, com o passar
do tempo, veríamos o Senhor compor com a
E caminhar nele no tempo que nos era nossa vida um magnífico desenho, um
dado. Agora, depois, amanhã. Fazer a
bordado divino.
vontade de Deus neste momento; passado
este, no momento seguinte, até o último, do Visto do mundo, com olhos humanos,
qual teria dependido a eternidade. Não se poderia parecer danificado, aqui e ali, pelos
tratava de divagar sobre o passado ou nós que ligam o fio reatado quando - saindo,
sonhar com o futuro. Era necessário pela fraqueza humana, da vontade de Deus
abandonar o passado na misericórdia de - voltamos no caminho certo mergulhando-
Deus, visto que já não o possuíamos, e o nos uma vez mais na misericórdia do
futuro seria vivido com plenitude quando se Senhor. Visto, porém, com olhos divinos - lá
tornasse presente. do céu, onde “tudo concorre para o bem
daqueles que amam a Deus” - veríamos
Só o presente estava nas nossas mãos. resplandecer nele a magnífica trama do
Nele, para que Deus reinasse na nossa vida, amor de Deus.
teríamos de concentrar mente, coração e
forças no cumprimento da sua vontade. E esta seria entrelaçada com as tramas de
outras vidas, as vidas daqueles que como
Assim como uma pessoa que viaja de trem nós, junto conosco, cumprissem a vontade
não pensa em caminhar dentro do vagão
divina. E no seu todo seria obra do único
para chegar antes ao destino, mas sentado
que sabe divinamente guiar, ordenar,
compor: Deus. vindas de Deus.
Mais tarde entrevimos alguma coisa de tudo Ela interveio outras vezes, dando-nos
isto. conselhos, fazendo-nos escrever e
Já nos primeiros meses, o Senhor quis fixar reescrever o estatuto, até chegarmos àquele
nos nossos corações os pontos que, com alegria e gratidão, agora
fundamentais da espiritualidade que possuímos e que nos foi dado pela Igreja
animaria a nós mesmas e ao Movimento que como vontade de Deus.
se estava difundindo irresistivelmente. A intervenção da Igreja, neste aspecto, não
Depois, durante todos estes anos, Deus foi- foi senão amor - o amor de uma mãe que
nos mostrando, gradativamente, a fisionomia vê, respeita e aprova. Nós, ao obedecê-la,
da Obra que ele queria suscitar na sua sentimo-nos livres filhos de Deus.
Igreja. A vontade de Deus! Podemos repetir que
A autoridade, em diversos momentos da com a sua graça acreditamos no amor e
nossa história, pediu-nos uma descrição da Deus não nos desiludiu.
Obra. Hoje também o nosso Movimento, já
Esforçamo-nos, vez por vez, de colher na reconhecido, sente-se lado a lado com os
vida do Movimento aquela lei que parecia outros nascidos na Igreja, a trilhar pelos
regulá-lo e a Igreja encorajou o nosso agir anos e, esperamos, pelos séculos, ao longo
segundo aquelas linhas que nos pareciam do caminho da vontade de Deus.
Vontade de Deus na experiência do Movimento dos Focolares (Primeiro
ano 3.2.1)
Rocca di Papa, 8 outubro 1980
Chiara à Escola dos focolarinos casados

Esta idéia da vontade de Deus entrou dentro terra, entendem como é? Que se pode dar
de mim verdadeiramente como um cunho. tudo a Deus? E encontrei de novo a vontade
Esta manhã. ao acordar e fazendo de Deus sob um outro aspecto.
meditação sempre sobre a vontade de Deus Noutro dia, uma outra impressão. E agora
pensava, vinha-me isto à idéia: se eu diz-se muitas vezes: é preciso calar estas
voltasse a nascer desejaria ser, em vez de coisas, estas idéias,… nas realidades
uma apostola da unidade, como o sou, uma humanas, é preciso calar. Eu sentia pelo
apostola da vontade de Deus, porque contrário que eu devia calar, porque sou
agrada-me tanto, penetrou dentro de mim muitas vezes tomada por muitas coisas a
(no meu intimo; tão intimamente) e esta fazer, penso em muitas coisas: são os
manhã, também a idéia desta manhã… capozonas, estão cá os focolarinos casados,
digo-vo-la porque vos faz entender porque é o Sinodo, três coisas, então, vinte coisas na
assim. cabeça, depois chegar ao “ut omnes”,
Por exemplo, eu sempre fui arrebatada, infinitas coisas. Eis então o Espírito S. que
impressionou-me muitas vezes durante a me dizia, é Ele porque fez-me bem, dizia-
minha vida precisamente aquela frase: me: Chiara cala, cala na vontade de Deus
“ama-Me com todo o coração”, todo o do momento presente, fica tranqüila, fica ali,
coração. E eu dizia: mas como fazer para faz essa só.
amar Deus com todo o coração cá nesta Então esta idéia! Recordem-na, esta idéia
terra, aqui onde estamos apegados a todas de “calar” Como vivemos em tempos tão
as coisas, das pessoas, das circunstancias, vertiginosos, cheios de… só barulho, carros,
das doenças, de nós próprios? Deus quer tecnologia…, é o importante afinal para
mesmo todo o coração, toda a mente, todas estarmos mesmo em Deus e sermos
as forças. E parecia-me que ninguém à face perfeitos, porque em estado de perfeição
da terra o tenha feito e estou convencida não estamos nem eu, nem vocês, nem
que é verdade, exceto Jesus e Maria. muitos outros do nosso Movimento…
Porque até os santos fizeram as suas Podemos estar na perfeição, estamos na
vontades que depois remediaram e fizeram- perfeição mesmo no meio do mundo, no
se santos. Mas para mim foi sempre uma meio de tantas coisas, do nosso eu, se
atração este “todo o coração” tudo - ter todo calarmos, cá está! Esta palavra dá mesmo a
o coração, o coração para Deus, toda a idéia do que é, esta idéia de confiar,
alma, todas as forças. abandonar-nos, no fim a idéia exata da
Mas esta manhã precisamente fazendo vontade de Deus.
meditação sobre este mesmo tema, porque Um outro conceito que me passou em
vale para toda a nossa… também para os mente…
futuros, impressionou-me novamente este: Noutro dia fiquei encantada, mas mesmo
“todo o coração” e fez-me entender: mas encantada, diante daquelas palavras: “Meu
repara Chiara, se tu fazes a Sua vontade, alimento é fazer a vontade do Pai”, o meu
agora estás aqui com os focolarinos alimento.
casados, se tu estás aqui com todo o
coração, toda a mente, todas as forças e Sabem porque? Porque é que eu digo:
não mais, porque se tiveres pouco coração encantada? Porque experimentei e vi que é
ou pouca mente ou poucas forças, mas verdade. Isto é, eu verifiquei isto: quando
estás aqui com as que tens, não mais, tu não estou no presente, na vontade de Deus,
amas-Me com todo o coração. fico inquieta, não me acontento. Quando
tenho três ou quatro coisas, porque
Então, tive uma vontade de me levantar, geralmente é assim… ou eu própria ou os
esta manhã porque fiz meditação ainda na outros, quando tenho muitas coisas e
cama, um desejo de me levantar e viver precisamente não calei na vontade de Deus,
momento a momento este “todo o coração”, quando não me alimento da vontade de
todo… este todo que está desligado da
Deus, fico inquieta. E reparei que é uma dada altura se deteve a falar apenas
exatamente como as crianças pequenas com a samaritana, ou sòmente com… a
quando têm fome. Se se pudesse dizer, Pedro disse qualquer coisa, ou … e no
Chiara chora, chora mas não porque… da entanto, devia realizar Ele “L’UT OMNES”
raiva, irritação (birra) ou outras coisas, chora antes de nós. Fazendo aquela determinada
porque inquieta, estou inquieta, a minha coisa, fazendo a vontade de Deus, Ele fez
alma chora, a minha alma chora. Porquê? tudo, porque sabem que Ele devia fazer só
Porque tenho fome. Experimentei, mas sem aquela coisa.
pensar ao “Meu alimento”, experimentei Então afinal o que é que eu vos quero dizer
durante um dia inteiro alimentar-me, com estes três exemplos? Que eu durante
momento a momento da Sua vontade. Era este ano, já a tenho cá dentro e já o sabem
um outro aspeto, não era o “calar” naquele os gen3, os gen4, que quero absolutamente
dia, não tinha ainda chegado o “calar”. ser uma apostola da … pelo menos este ano
Experimentei nutrir-me momento a momento que temos este tema, da vontade de Deus e
da Sua vontade, isto é, viver a Sua… e quero vivê-la, experimentar e dar, dar, dar. E
sentia a alma saciada. não dar só ao nosso Movimento, porque
As vezes tenho dentro de mim um zelo, senão somos sempre só entre nós, mas dar
vocês percebem, um pouquinho invulgar, com todos os meios, de todas as
porque precisamente é “ut omnes”, de certo maneiras…
modo far-me-ia, não é sempre assim, mas Porquê dá-la? Porque é feita para as
no fundo, muitas vezes existem três, quatro multidões, é a via de santidade para as
coisas, dez coisas que gostaria de fazer ao multidões e então porque não a damos?
mesmo tempo, até - porque se estamos um Mas entendem que é uma
pouco em tensão, um pouco e isso, mas responsabilidade?! Se quem tem muitas
experimentei fazer uma de cada vez aquilo coisas as deve distribuir, porque de outra
que me parecia uma de cada vez, isto maneira se é rico e devem distribui-la aos
durante um dia. Mas vocês sabem, outros, se nós somos ricos de uma coisa
experimentem! Porque estou encantada com espiritual, de uma grande descoberta que é
estas palavras: “Meu alimento” Porque a de que todos podem caminhar em direção
experimentei. E se bem que a minha à santidade, contanto que percorram esta
experiência não queira dizer uma grande mesma estrada, nós temos a obrigação,
coisa, de qualquer modo serviu-me. temos a responsabilidade de a dar ao maior
Experimentei: sentia a alma como número possível de pessoas, a única coisa
alimentada, era esta a palavra: nutrida, mas é…!
mais do que nutrida: saciada, exatamente
isso, a alma saciada. Sabem é como quando Noutro dia encontrei-me com uma pessoa
uma pessoa chega esfomeada, esfomeada, um bocadinho assim… e eu disse “…a
esfomeada e come, come. E a mãe diz: vontade de Deus…” e ela diz: ‘mas que
queres mais alguma coisa? Não estou linguagem antiquada!’ Eu coloquei de lado
mesmo saciado e dorme-se uma soneca. esta frase, mas digo: sim será uma
Reparem, é mesmo assim, uma soneca linguagem antiquada, porém o certo é que
espiritual. A alma esta saciada, como… que S. Paulo o disse, Jesus também, N. Senhora
saciada, mas para que a alma se sacie é disse-o, será um modo de falar velho!
preciso a felicidade, a paz, o gaudio, a …Deêm-nos com uma linguagem nova,
beatitude, é isso, a alma fica como que naquele momento eu pensei: agora farei
beatificada: experimenta-se uma alegria este livro que sairá com as quatro, cinco
interior, aquela alegria de que eu aqui falei, conversações, mas eu não vou por “a
que nós experimentávamos já nos primeiros vontade de Deus”, porque me dizem que é
tempos, a alegria que nos distinguia daquela antiquado, e então como agora há um outro
vida natural a esta vida sobrenatural. modo de o dizer, isto é: “o sim do homem a
Experimentem. “O Meu alimento” é uma Deus”, então, o título do livro será este: “O
palavra realmente Jesus não podia dizer…, sim do homem a Deus”.
porque Jesus podia dizer, sei lá, sei lá, ’o Então, popi, SIM à vontade de Deus,
meu oxigênio é fazer a vontade do Meu Pai’, também a esta que eu me vá embora já, que
mas disse mesmo “o Meu alimento”. Quer não cumprimento um a um, pessoalmente
dizer que nutre, que sacia. E Ele também a
porque devo fazer uma outra coisa…!
DIARIO DE FOGO
(Primeiro ano 3.2.2)
Ed. out. 1990

1957 mesmo o fato de nossa ação apostólica não


18 de fevereiro - Uma pessoa convertida de ser reconhecida pelos homens de Igreja, é
uma vida de pecado, após vários anos de uma delicadeza do Pai. Ele quer o amor
convento, confessou-me sua desilusão e o absoluto: o amor puro e desinteressado.
propósito de buscar outras experiências Quer ser amado por Ele. Mesmo os homens
para encontrar o Cristo. Disse-lhe que o devem ser amados por Ele. Não por nós,
desejo de Cristo é a unidade: “Que todos não por vantagens, condecorações terrenas
sejam um” e separar-se equivale a colocar- e láureas institucionais. Por Deus, apenas.
se contra a sua vontade. Lamentava-se da E’ a isto que a torrente da vida sempre nos
avareza encontrada, do imobilismo da leva, se não, perdemos a única ocasião que
burocracia. Disse-lhe que diante de Deus nos é oferecida para alcançar a foz.
não somos responsáveis pelas faltas dos Perdemos a oportunidade procurando reter
outros. Cada um de nós é responsável pelo a corrente em pântanos onde o reluzir da
que faz para obedecer à Lei divina. O defeito água estagnada. pode criar a ilusão que os
do outro não me dispensa de amar. Cristo cacos de vidro davam aos primitivos,
vive, a Igreja já é santa se O deixo viver em parecendo esmeraldas.
mim e me santificar. Os males não se A única esmeralda é este amor único.
eliminam com a fuga mas opondo-lhes o
bem, fazendo da nossa pessoa uma barreira 1963
de virtudes. Nem sanamos o mal do corpo 3 de fevereiro – Você quer estar num
da Igreja acrescentando outro, como seria a pedestal, resplandecer, ser visto. Ele se
deserção. escondeu na humanidade, nasceu numa
* gruta, morreu sobre um patíbulo, se encerra-
26 de fevereiro - Têm razão quando se nos tabernáculos: as mais humildes
comparam o ciclo da existência com o ciclo moradas, isoladas, ignoradas, no silêncio,
das estações. Ela é como a árvore que em velhos e fechados recintos.
cresce, floresce e frutifica enquanto entre 21 de fevereiro - «Ó Jesus, eu quero ser teu;
seus ramos, os pássaros fazem seus teu como Tu entendes; faz de mim tudo o
ninhos. Depois vem a má estação, os que quiseres». É a fórmula de consagração
trabalhos e o tempo, e desfolha os ramos e matinal. E Jesus faz o que quer: me quer
os resseca: até que o divino podador os seu, no seu modo: e me desapega de todos
poda. Poda e reduz a planta ao essencial: a os laços com o mundo. Circunda-me com
uma cruz. recintos de silêncio cada vez mais alto: a
A vida: um crescimento à solidão. No fim de aura da contemplação.
tudo ficas só. Solus cum sola. E a alma não Eu seria um tolo se ficasse contemplando a
deseja senão coloquiar com Deus, para este mim mesmo ou os próximos, ao invés de
maravilhoso resultado conduzem as fixar a alma n’Ele e raptá-la carregada de
desilusões, os sofrimentos, as traições e as divino. Conheci suficientemente os homens:
mortes. neste término de existência devo conhecer
* muito mais a Ele, vida que não morre.

25 de maio - A comparação mais óbvia que *


se apresenta ao meu espírito ao contemplar 30 de abril - Hoje se celebra a Virgem de
o que fiz é que minha vida seja como uma Sena (Santa Catarina), a primeira a
árvore no outono quando perde as folhas e incendiar-me com o amor de Deus.
parece envelhecer. Uma por uma as ilusões Parece-me agora ter terminado, finalmente,
caem: política, letras, amizades, riquezas, a mudança do meu ser: do meu eu para
prestígio… Contudo é uma avaliação Deus. Os obstáculos multiplicaram-se tanto,
superficial. Logo que o olhar vai além das nestes últimos tempos, que me parecia ter
aparências constatamos que o desapego perdido os anos decisivos da existência.
dos valores efêmeros é uma libertação. Até
Parecia-me, pela ilusão de seguir a Deus, palavrório cambiante dos homens aos
ter loucamente sacrificado uma carreira: as poucos se dissipa para deixar a alma no
honras, a arte, a sociedade… Vejo agora colóquio com os vivos da nova vida: da
que eram luzes acesas pelo inimigo na verdadeira vida, da Vida que não morre.
escuridão. A opção foi feita. Sei que há a Lamentar-se desse cortejo de vaidades,
minha frivolidade em meio a tudo; mas desse burburinho da multidão, dessa
confio constância e coerência no Coração obsessão por dinheiro, com todo o lamaçal
de Maria, à assistência de Santa Catarina, e, da soberba, desprezo, cálculo e hipocrisia, é
através delas, ao próprio Deus. como lamentar as lembranças das paredes
* de um cárcere, da sucessão das horas de
As ruas estão agitadas e gritam apelos trabalho e marchas e refeições e sono,
eleitorais, cartazes publicitários e tendo medo de si mesmo, da liberdade, de
transmissões radiofônicas… o coração é ser árbitro dos próprios passos e
arrastado pela voragem das ambições e, pensamentos.
impotente, sofre… Deus nobis haec otia fecit65. Mas um Deus
Quando me decidirei a mudar o centro da que é Deus e otia que se torna ação por Ele.
minha vida do mundo para Deus, da fúria Até hoje trabalhou-se mais pelo homem e
para a paz, do transitório para o eterno? seu pão cotidiano. Agora, trabalha-se mais
Iludo-me, às vezes, pensando já ter feito a para Deus, para o Pai nosso que está nos
escolha e estar ancorado à vida; mas logo céus.
me reencontro, por algum tentáculo, ligado Se o impulso vital da época, diante do
ao passageiro, à vaidade, ao perecível… mortífero absurdo das divisões, é restaurar o
No entanto, basta que me fixe Nele e esteja diálogo com inimigos e agastados, o impulso
na órbita do sorriso de Maria. Basta desta idade do repouso - de noviciado para
transferir-me para fora de mim mesmo e o Paraíso - é buscar a relação com o eterno
amar os outros para que a paz se instaure e instaurar o diálogo onde não há traição
no meu espírito e participe da segurança do nem insídia, mas que vivifica e eleva, com
Eterno. Deus.
* O mundo nos abandona para que fiquemos
a sós com Deus e possamos atingir a pátria
2 de julho - A solidão veio vindo e, sobre ela numa fase que é preparatória à bem-
estende-se como um bando de nuvens sem aventurança. Pedagogia da contemplação,
fim, o silêncio, semelhante ao mar que depois de tanto treinamento para a ação.
rumoreja ressoando praias longínquas,
sobre o qual o céu altíssimo e límpido se Lançados neste mar desconhecido,
encurva para protegê-la. carregado de silêncio, repete-se em um
outro nível, a experiência de Colombo,
As costas, a terra; mas os seus rumores são Christum ferens que, no oceano do deserto,
como o murmúrio de águas que acalentam a quedou-se sozinho diante de um Novo
solidão. Foram-se os homens, feneceram as Mundo. Com ele é bom preparar-se e
amizades, morreram os interesses… invocar: Jesus curo Maria sit nobis in via.
Ingratidão? Vaidade? Ilusão?.. Certamente!
Mas é, sobretudo, a lógica da existência que Então, por que se diz que o mundo te rejeita
vigora até uma certa idade do homem; e ou ainda que o mundo se distancia de ti?
depois, a crista declina para o outro lado da Não é, antes de tudo, Deus que se aproxima
vertente, para mergulhar no mistério, como a e te ajuda para que desembarques numa
água no fundo do mar. praia mais calma? Aproxima-se e
Só! Portanto, livre. desimpede a passagem de tudo aquilo -
rumor e ruína, fumaça e folhagem - que te
Natureza e sobre-natureza, ao serviço de impede a caminhada.
uma inteligência infinita, suscitam esta
pausa, determinam uma fase de preparação
para a eternidade; arrebatam o homem do 65
vozerio e desgaste de todo instante a fim de
“Um Deus procurou-nos este repouso”. Palavra de
dar tempo para ouvir o silêncio: a voz do Titiro na I Égloga de Virgílio em alusão à magnificência de
Altíssimo contida no seio do mistério. O Augusto (N.D.T.)
Talvez o mundo se distancie neste sentido: 30 anos, nos países desenvolvidos superou
ao ser contemplado de um certo modo, do os 70, facilitando, portanto, a fase do
alto, de Deus, em lugar de vê-lo de baixo, do repouso - do silêncio de - que é, em muitos
Eu, desvenda-se na sua mutável vaidade. casos, garantida por instituições sociais que
Vemos, então, que os homens se distanciam são, de um certo modo, a flor e o fruto da
para que fiquemos em liberdade, sobretudo justiça ensinada pelo Evangelho.
aqueles a quem éramos ligados como nosso A consciência religiosa não progrediu na
ideal. Aqueles que com os seus sofismas e mesma proporção deste desenvolvimento; e
superficialidade, juntamente com seus assim há muitos desperdiçam esse período
sacrifícios e heroísmos, aparecem como de quietude e recolhimento, lamentando a
esquemas do mal e do bem, indicação do falta de movimento e do rumor, que parecem
percurso a seguir. a mesmo acontece com a ser o dinamismo da vida para quem vive
lição das crônicas e da história, que ora se superficialmente.
distanciaram.
A coexistência, por assim dizer, com Deus
Porque o silêncio, no qual o espírito gera a colaboração com Ele. A existência,
repousa, relaxando-se, após a catarata de de fato, transcorre racionalmente se for
terror detonada durante decênios, libertando vivida em colaboração com Aquele que é
o julgamento de complexos, preconceitos e Deus. Uma idéia que, sozinha, leva ao
mitologias, torna-o mais ágil criticamente êxtase; um Deus que nos trata como
para avaliar as realidades do passado e a colaboradores, de tal forma que o nosso
sua utilização para orientar o futuro. fazer, palavras, escrita, os nossos muros,
Vista nesta simplicidade, a ciência pode ser leis, mercadorias, a arte e a ciência, a
contemplada na sua aptidão para abrir técnica, a economia e a política tomam-se
novos caminhos para o mistério do universo uma participação na obra da construção do
e descobrir belezas, ousadias imensidão edifício que o Criador, incansavelmente,
que fazem amar, em adoração sempre constrói. Uma colaboração para suscitar a
maior, o Autor de tantas coisas ordem do universo, o qual, se sofre de
maravilhosas. alguma desordem, é justamente a perda da
As lutas pela justiça e pela liberdade são liberdade que nos foi concedida.
travadas no âmbito dos esforços generosos Uma forma comum, mas preciosa, desta
para salvar um patrimônio superior e tutelar colaboração, é a provisão da dor: os
a glória de uma genealogia. Enquanto os sofrimentos que não faltam em qualquer
paladinos da liberdade e do amor dão, em idade, mas que, na última, aumentam.
um cenário de trevas, um novo relevo a Unem-se à Paixão do Crucificado para
estes valores por eles amados com compor o material da redenção: material que
arrebatamento, porque divinizantes, a restabelece o equilíbrio da justiça cósmica,
hostilidade, ao contrário, vem do Homicida violada pela liberdade mal compreendida.
interessado em mortifica-los. Dialética de Então, o nosso relacionamento com o
vida e de morte tornam-se, então, a Eterno é o de Cristo na cruz diante do Pai,
profissão, a carreira, todo relacionamento por quem se sentiu abandonado - e foi o
humano. Deste modo verifica-se que a ápice do sofrimento - na angústia e, no
existência foi obstruída pela fúria, desvarios entanto, abandonou-se à vontade do
e distrações e não foi compreendida nem Altíssimo, a ponto de colocar nas Suas
vivida. Não houve tempo para entendê-la, mãos o próprio espírito.
vivê-la, desfrutá-la; e tão célere passou que É esta a atitude produtiva. Custa
não foi possível vê-la. padecimentos atrozes, entre os quais uma
* abissal solidão, no abandono, embora
12 de julho - O progresso social é fruto da aparente pelo Eterno, isto é, pelo Ser.
consciência religiosa, que faz ver, no Mas encerra-se com uma inserção mais
homem, o irmão, aliás, o próprio Cristo. Mas profunda da nossa na sua Vida, da nossa
a consciência religiosa é favorecida, por sua existência no seu Ser, de tal modo que
vez, pelo progresso social, cultural e político. nascemos para uma vida nova que viceja
Se nos países subdesenvolvidos a quando tudo parece morrer.
perspectiva de vida é, em certos casos, de *
20 de julho - Não é verdade que os homens realmente, para uma alma consagrada, o
te abandonam. Seguindo a gravitação do caminho para o Paraíso: a união com Deus.
Eterno, retraem-se para que Ele venha, o E, descobri que tinha doado a Deus a minha
Único, Ele, o Só, que quer a alma sozinha: vontade, mas como Ananias e Safira, havia
Solus cum sola. retido uma parte. As palavras dos
Nesse colóquio amoroso iniciou-se a Superiores iluminaram-se acerca da beleza
juventude da Eternidade. do perder tudo pelo Senhor, da substituição
Quando me descuro da regra, enfronho-me da minha pela Sua vontade, de tal modo que
na ilusão que não seja um mal: na minha Ele, através de Quem tem a autoridade, faça
idade, com os meus estudos, as minhas de mim o que quiser. Digo todas as manhãs:
capacidades, uma inércia, uma prática, um Jesus, quero ser teu; teu como tu entendes;
pensamento parecem incapazes de faze de mim tudo aquilo que quiseres”
modificar o curso da alma… Na verdade, (palavras ensinadas por quem me dirige).
esse descuido abre a entrada silenciosa e Mas, só agora compreendo o que significam.
delicada do Inimigo, o qual, sob a ilusão da Significam a liberdade: tudo aquilo que se
fé invicta e da virtude segura, solapa os dirige para o mundo, não me importa mais.
fundamentos de ambas. Só Deus importa. Sinto-me, agora,
verdadeiramente, um consagrado:
Na confusão não se nota o propriedade Sua e Ele pode fazer o que
desmoronamento da obra de Deus em nós. quiser.
Pelo contrário, a demolição aparece como
um ato de virtude: uma iluminação luciferina Se tens algo contra alguém, mesmo
assiste a obra de devastação mostrando-a admitindo que seja por uma culpa
como uma penetração mística: e é uma verdadeira, estás, sem dúvida, errado
penetração no abismo. Não te salvas a não porque tens algo contra o amor: o amor
ser aniquilando-te diante de Deus, nunca vai contra. E o amor vê. Assim,
obedecendo aos superiores, substituindo a quando tens algo contra alguém é porque
tua pela Sua vontade, pela vontade deles. não vês. Não vês nem ao menos a culpa
daquela pessoa; porque se a visses,
* chorarias, trabalharias para eliminá-la,
Descera ao ponto mais baixo duma amando o pecador a fim de libertá-lo do seu
depressão psíquica. De repente, fui pecado.
colocado em uma plataforma de luz pelo Tens algo contra uma pessoa, tens algo
contato com meus superiores. São contra Cristo.
1973 alegria e aflição – é Ele: e Ele é o amor.
21 de abril – Jesus, absorve-me em Ti; Vejo que, mantendo-me unido a Ele (e ele
transforma-me em Ti; de modo que o meu deseja isto: aliás, morreu por isto), me
pensamento não seja nada mais que o teu invade uma grande paz, uma luminosa
pensamento; a minha vontade, a tua alegria, embora nas tribulações da minha
vontade. Ambição? Vaidade? Não: é a tua artrose e da fratura do fêmur de Mya66, que
doutrina, a tua lei. Parecia tão difícil; e é tão mais de um ano está quase imobilizada.
fácil, e doce, e estupendo, e divino. Mas se lançarmos n’Ele as penas: Ele, o
23 de abril – O horário se esvai. Quase não Amor, as carrega sobre si.
vejo mais a hora em que devo me dedicar a Por Ele, ser livres de rancores, de cobiças,
Deus e a hora em que devo me dedicar ao de invejas; livres até da vaidade de ser
trabalho. notados, citados, premiados… Isto é estar
No trabalho me consagro, no justo sentido no mundo como filhos de Deus, ou seja,
que é igualmente dedicação a Deus. Ao poderes munidos da liberdade dos filhos de
perceber esta unidade, continuidade, pela Deus, e portanto irrefreáveis,
qual todas as 24 horas pertencem ao insequestráveis, jamais, absolutamente
Senhor, que as dá a mim, vi cair uma pilha jamais, subjugados. Servos por amor, isto é,
de papéis que estavam em ordem e agora livremente, sim, escravos por prostração
estão embaralhados. Isto também me diante dos poderosos e dos ricos não,
parece um ato de renúncia, de paz, de jamais.
vitória com Deus, por Ele. Na segunda carta aos Coríntios, são Paulo,
25 de abril – O amor a Deus, eu o herdei após aludir às revelações tidas no céu, em
dos pais, do ambiente em que nasci. Agora rapto, onde ouvira «palavras inefáveis, que
se apresenta a mim como um círculo infinito, não é lícito ao homem repetir», passa a
espaçoso, com aberturas nas sebes: um gloriar-se das suas fraquezas. Para que não
círculo que, ano a ano, se restringiu e se se enchesse de soberba – escreve – lhe «foi
refinou. Agora me parece fechado como um dado um aguilhão na carne». Ele pediu a
jardim modesto, onde não param mais Deus que o liberasse; mas o Senhor lhe
pessoas: ficamos sempre Ele e eu. Isto me respondeu: «Basta-te a minha graça, pois é
dá uma alegria com Ele e ao mesmo tempo na fraqueza que a minha força manifesta
um terror comigo inimaginável. todo o seu poder». Por conseguinte, com
todo o ânimo prefiro gloriar-me das minhas
1º de setembro – Jesus Cristo é a força, fraquezas, para que pouse sobre mim a
porque é Deus. A sua redenção já redime os força de Cristo… Quando sou fraco, então é
seus do medo. O medo dos poderosos, dos que sou forte (12, 8-10).
opressores, dos tiranos, na época de Hitler e
Stalin e dos pequenos ditadores afro- 8 de dezembro – Jesus, filho de Maria
asiáticos, em quem ama Cristo não serve Imaculada, tu sabes que não me canso de te
para nada: pode ordenar torturas, cárceres, agradecer (com frequência instintivamente)
assassinatos, mas não toca a alma. O medo pelos dons que me fizeste. O primeiro deles,
da miséria, na sociedade dos opulentos e a síntese deles, é a vida, mas a vida à qual
dos ladrões, é anulado pela promessa d’Ele, depois tu doaste o bem infinito da
que o Pai assiste e nos dispensa da Redenção. E, na verdade, esta vida, embora
angústia de nos preocuparmos com o que com os meus pecados e defeitos (e aqui
comeremos e vestiremos. está o milagre do amor de Deus Pai, do
amor do Santo Espírito, do Sangue
Muitas ameaças, muitos assaltos de derramado na cruz), não foi senão Tu: e
doenças e contrariedades. Mas Cristo está sempre senti a verdade – a realidade – do
conosco; e se Ele está conosco, quem pode que disse são Paulo: «… já não sou eu que
estar contra nós? No mundo do cristianismo vivo, mas é Cristo que vive em mim». E,
foi extirpado o medo e restituída a liberdade.
Estamos livres de déspotas, de ladrões e
desgraças, porque no final quem dispõe de 66
tudo – corpos e almas, riquezas e misérias,
Mya Salvati, sua esposa.
sobretudo por isto, te agradeço: por me ter, E tudo sob a carícia de Maria, a Mãe.
nesta vida, feito com que eu fosse Tu. O Aos meus filhos e parentes, aos meus
resto não existia: ou era morte; passagem companheiros e companheiras de fé, à
de fantasmas, furor de vaidade, tempo minha esposa amada, doo, ó Senhor, esta
perdido. E, para mim, tu és eternidade alegria, e sempre maior.
conquistada. O teu amor me revelou os
irmãos: me revelou os anjos; fez deles o
viático para que eu subisse da terra ao céu.
O LEIGO IGREJA
(Primeiro ano 3.2.3)
Igino Giordani

A HUMANIDADE NASCENTE

1. A nova sociedade
A ascese que usássemos para nos desligarmos do serviço social seria uma hipocrisia: a
ascese alimenta e sustenta a caridade, não a elimina.
“Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e
mãe” (Mt 12, 50), diz Jesus, que também diz que Deus no céu age perpetuamente: é ação
perfeita (Aristóteles diz: Ato puro); e isto, em contraste com certa filosofia superficial que
imagina Deus como inércia. A inação é irmã da morte: e Deus é Deus dos vivos, não dos
mortos.
Ora, a nova sociedade irrompe deste fazer: fazer a vontade do Pai, realizando no
mundo um sistema de vida coletiva em que vigora a lei nova: um setor do Reino de Deus.
Quem não faz isso, não é nem irmão, nem irmã, nem mãe: é um inimigo. Na parábola
evangélica, o servo preguiçoso, que não entesoura, mas enterra o seu talento, é chamado
iníquo: a preguiça equivale moralmente à iniqüidade, o não fazer ao mal fazer.
Por isso a caridade é chamada “laboriosa” por são Paulo, porque custa trabalho. E este
trabalho é o fruto com o qual, na terra, nós glorificamos o Pai e, pelo qual, no céu, o Pai nos
glorifica.
E o não agir é culpa: “Aquele que sabe fazer o bem e não o faz incorre em pecado” (Tg
4, 17).
O pecado de omissão – de quem se retira na própria casca e só pensa em si mesmo –
é uma deserção na Igreja que milita. Daí vem o dever de tomar parte das atividades sociais
(política, arte, literatura, economia, etc.) para recuperá-las – para cristianizá-las,
transformando-as em meios para fazer o bem e glorificar a Deus – , com uma participação que
é caridade em ação: caridade de pátria, de povo, de pensamento. Através desta atividade, o
mundo se cristifica, enquanto que sem ela, como se vê, se sataniza e se precipita na morte.

[Extraído de: Noi e la Chiesa, 1946 (Opusc. XI, 8; cf. 1 Cor 10), pp. 29-30]
Respostas às perguntas
(Primeiro ano 5.1)
Castelgandolfo, 13 de abril de 1990

[…]“Pode nos dizer algo a mais sobre inspiram lá.


como estar perdidos em você na mesma Portanto, popos, se já, desde agora nós não
dimensão de Renata?” aprendermos… Porque, sabe como é? Nós
Chiara: Bem, popos. Certo que aqui é um queremos sempre a última coisa, então,
problema, hein? Porque o Senhor nos assim que acabou uma fita e a ouvimos a
chama a qualquer hora: chama os gen 3, colocamos no arquivo. Depois até se tira
chama os gen 4, chama os gen 2. No nosso fora algumas vezes, porque é útil, para
calendariozinho vocês viram quantos tem: algum retiro ou para algum encontro, mas
gen 3, gen 4, gen 2, muitíssimos. Logo, nós não sabemos o que temos naquele
deixa e não deixa tempo para cultivar as arquivo: vocês entenderão depois.
virtudes. A Renata é a típica pessoa que Por isso, ser um comigo não significa um
conseguiu ter tempo – tinha 59 anos quando comigo por um lado e por outro, fazer
morreu –, conseguiu ter tempo para cultivar colóquios, o diálogo, manter a
as virtudes. Portanto, também aqui será correspondência… Não significa isto,
preciso ver que graças manda aos que ele significa pôr em prática o que eu digo, criar a
supõe…, sabe que morrem aos vinte anos e mentalidade sobre como…, como…, sobre o
aos que sabe que morrem aos sessenta, que Jesus fez comigo, significa isto.
aos quarenta; é preciso ver. Portanto, tem
todo um aspecto de mistério nestas coisas. Vejo que Graziella, aonde vai, também faz
grandes efeitos, efeitões, porque as popas
Para ser um comigo, hein, popos… – a grandes aprenderam no Paraíso de 49 a
coisa… comigo significa como instrumento serem nada. É este o seu… a conditio sine
de Deus –, é preciso ser um com o carisma, qua non para entrar naquela realidade era
procurar penetrar bem naquilo que eu digo, anular-se, isto é, íamos diante do
que procuro sempre dizer alguma coisa que Santíssimo e se sugeria fazer o vazio. Agora
me vem de dentro, e com certeza não este vazio pode ser mal entendido, mas
adquirido em lugar algum, a menos que não significava justamente perder as próprias
seja para confirmar o que sinto. Vocês têm ideias – Jesus também as perdeu no
um exemplo no Fede, que vejo que faz abandono, perdeu até mesmo o sentimento
muito bem nas regiões onde vai. Ele leva do Pai –, era…
isto; dá isso…, espero – isto não sei –, não
acrescenta mais nada em suma… Ele Ora, por isso as popas dos primeiros tempos
procura… Porque já acrescentar, já são popas um pouco especiais, também os
comentar, amanhã se torna – “Chiara disse popos um pouco especiais, porque lá
isto” – um pedacinho de comentário; criaram o hábito e depois o conservaram e o
amanhã se torna: “Chiara disse uma frase” – que eles têm de riqueza é o carisma, eles…
um pedação de comentário; amanhã se Porém eles, também, ao mesmo tempo, o
torna … comentário. Entenderam, popos? E sentem como próprio, porque eles deram de
não existe mais o Ideal. Enquanto que, ao si próprios para tê-lo, porque deram a
contrário, devemos pegar só aquilo. Ainda própria anulação, a própria morte, que não a
mais sabendo que eu um dia ou outro sentiam como tal, porque o resultado era ver
partirei e que é preciso se buscar em todo o o paraíso, pelo menos como Deus nos
patrimônio dos arquivos que temos e ouvir permitia ver, não é? esta espécie de
de novo o que eu disse e reviver aquilo, contemplação. Porém pagaram, porque, se
porque fazem assim. Agora não podemos alguma viesse com um raciocínio, não
fazer a comparação com os santos, mas os íamos mais para frente, pelo contrário… E
franciscanos continuam a buscar lá, não é assim também depois…
que inventam as coisas; a menos que não Portanto, as popas e os popos grandes, eu
tenham um carisma a mais. São Boaventura devo colocá-los na frente como modelos. O
tinha um carisma a mais, então ele que têm de especial? Têm que eles sabem
organizou as coisas também do ponto de como fazer unidade, que significa a
vista, creio, jurídico, talvez; mas todos se anulação completa; mas depois também
possuem de tal modo a coisa que se disse, porque era uma outra pessoa. Agora:
tornaram pessoas – não todas –, mas enxertada sobre aquela pessoa. Agora dizer
pessoas realizadas, por isso vão pelo Marcos…, se poderia dizer um popo novo.
mundo e deixam um rastro que ninguém É isto que eu queria dizer. Não sei porque
deixa. E do mesmo modo os popos, os lhes disse isto, mas isto é importante: muda
maiores. Não é algo colado, é algo dentro radicalmente, dentro muda tudo, muda tudo.
delas. Elas se realizaram com o carisma; Agora… Por isso nós dizemos “o desígnio
justamente porque os carismas também da Graziella”: não deve ser a Graziella que
podem ser comunicados, e existe aquele vive, é o seu desígnio; o desígnio do
que pega um pouco e penetra um Chiaretto: não é ele, é o seu desígnio, ou
pouquinho, que penetra um pouquinho … seja, é “o Verbo” que Deus tinha em mente
Mesmo porque, vejam, popos, eu penso, quando o criou e que…, do qual encontrará
nestes dias, porque já estou pensando no o seu lugar no Paraíso, porque Deus o
próximo tema sobre o Espírito Santo, mas…: imaginou assim. Nós dizemos que o
o que faz o Espírito Santo? Renova a face imaginou, o Chiaretto, por exemplo, com a
da terra, o Espírito Santo renova as Palavra: “A luz que tu deste a mim eu a dei a
pessoas, faz com que nasçam de novo. Não eles, para que sejam um como eu e tu”; e
é uma película de verniz. Por exemplo, aqui nós dizemos: “Irá ao Paraíso ocupar aquela
temos o Gabriel; chega o Espírito Santo e o Palavra”. Mas, se o Chiaretto durante a vida
Gabriel se cobre com uma película de amor, não é aquela Palavra viva, ele não ocupará
de luz… Não é isto. Aqui está o Gabriel e aquele lugar.
surge um Marcos, isto é, surge uma outra Assim, o meu é Ut omnes unum sint: é a
pessoa, por assim dizer, que não é mais ele, minha Palavra, é o que Deus pensou – e Ele
é um outro. olhou no Verbo –, quando me criou. Ora,
Isto é importante. Por exemplo, vejamos: este algo não é: eu filha da minha mãe e
quando Focherello conta como ele…, o meu pai; aqui é uma outra coisa: é filha de
impacto que ele teve com o Ideal, é Deus.
belíssimo. Eu vou colocar no meu tema, Portanto, popos, é necessário justamente
para mostrar o que faz o Espírito Santo. Ele entender que é preciso uma… Quando se
tinha toda esta riqueza de estudos de todos fala de conversão radical, se entende. Mas o
os gêneros, não só políticos, mas Espírito Santo nos dá uma mão. E o Espírito
hagiográficos…, todos estes estudos: Santo como deu a mão? Ensinando-nos o
teologia, patrística, etc. Sentiu o Ideal e tudo Ideal: isto, isto, isto, isto, isto; nos ensinando
se moveu, se moveu, se moveu aqui e ali… o Ideal: viver o momento presente, viver
compondo um novo desenho. Não era mais Jesus abandonado, viver…, isso, vivê-lo,
o Foco de antes. Tanto que disse: “e assim: sem dúvida está na cabeça.
quando…” E tinha se transformado de tal
modo que “quem me via levava um choque”,
Respostas às perguntas aos focolarinos casados
(Primeiro ano 5.2)
Castelgandolfo, 7 janeiro 1989

[…]"A aridez, as dúvidas, a sensação de Deus, que engloba em si não só as coisas


incredulidade, podem pertencer a que ele quer e manda de propósito, mas
certas etapas da “Via Mariae”, mas também as que ele permite! É o seu amor
podem ser causadas pela nossa pouca que as permite. Acreditar nisso. Agindo
correspondência. Como discerni-las?" assim não fazemos distinções, aceitamos as
coisas como são e as superamos. Se
Chiara: Eu não complicaria a vida. Tenho paramos, querendo analisá-las, nos
certeza que nessas provações há sempre abatemos e fica pior.
um elemento divino e um elemento humano.
Eu vejo que por baixo de certas perguntas
Muitas vezes elas refletem uma culpa
de hoje, e de outras que recebi, subentende-
passada da pessoa. Por exemplo: eu digo
se esta: “Bem, eu cheguei à quinta, à sexta
que as tentações voltam depois de terem
etapa. Tenho a nítida impressão de estar
desaparecido por meses e meses. Mas você
ali”. E eu acredito pois são etapas em que
nota que aquela tentação que chegou está
vocês poderiam estar. E prossegue: “Porém,
ligada a um passado no qual você não agiu
tive uma fortíssima tentação. Encontrei-me
corretamente perante Deus. Portanto, sente
numa situação difícil e cedi. Pequei”. Ela ou
uma sensação de peso… e parece mais um
ele pecou, ou é o que parece. E diz: “Devo
fator humano que uma provação de Deus.
recomeçar a ‘Via Mariae’ do início?”
Nas provações existe sempre esta mistura.
De certo modo é como a maior provação de Não! Não deve recomeçar a “Via Mariae” do
Jesus que conteve o aspecto humano que início, pois já recebeu a Anunciação; já
eram os hebreus, os judeus que o contou as experiências; sabe como
condenaram à crucifixão. Podia-se dizer estabelecer Jesus no meio; sabe que a
muito bem que o crucificaram por ser um cruz… Se caiu deve levantar-se.
blasfemo, etc. Todavia o Pai também quis Quando uma pessoa morre em pecado
aquela oferta a fim de reunir o povo a Si e os mortal perde todo o bem que fez, porém, se
homens entre eles. As provações possuem pede perdão a Deus, readquire-o, inclusive
estes dois elementos. os méritos. Na “Via Mariae” é assim. Se
Portanto, eu diria para não se preocuparem você pede perdão a Deus, faz uma
em analisar, examinar: “Mas esta aridez é penitência adequada, etc. e aceita todas as
culpa minha. E esta foi Deus que me conseqüências das mãos de Deus, pode
mandou”. O que devemos é esculpir no recomeçar da etapa em que estava… Esta é
coração aquela frase que tanto nos ajudou, a minha convicção. Mas tudo está em fase
em todos os períodos da nossa vida de experiência, sabem. Talvez ainda seja
espiritual: “Tudo o que Deus quer necessário examinar bem. Mas para reparar
(portanto… um grave acidente que não uma falta tão grave, Deus enviará o mesmo
dependeu de você) ou permite (por exemplo, tipo de provação várias vezes, até que a
você caiu no erro porque não evitou a alma, depois de ter sido provada, provada,
ocasião…), tudo o que Deus quer ou permite provada, provada, já não necessite mais
é para a nossa santificação”, se estivermos daquela provação. Mas quem enfrenta tudo
nesta disposição. com amor, não necessita de outras
provações pois já foi suficientemente
Por conseguinte, devemos pensar que tudo
provado.
o que nos acontece vem das mãos de Deus.
Acreditar, mesmo sem ver, no amor de
Respostas às perguntas - Escola focolarinos casados
(Primeiro ano 5.3)
Castelgandolfo, 13 maio 1988

Finalmente, popos! É uma alegria encontrá- no céu porque se movem. Os astros estão
los. Já me contentaria em vir, vê-los no céu porque giram. Se parassem por um
pessoalmente e saudá-los. Todavia para momento, cairiam.
ficar um pouquinho mais, só por esse Também nós, durante a nossa existência
motivo, responderei a algumas perguntas nos devemos habituar cada vez mais, mais
para conversarmos um pouco. Respondo a e mais, a ser o amor, a doarmo-nos
cinco perguntas e depois prossigam com o totalmente. Daqui a pouco vocês vão sair
programa. Até quando permanecerão? Ah, para fazer um intervalo, para descansar um
só até amanhã. Mas olha como era pouco. Também neste caso, a pessoa que
necessário vir hoje! Não me recordava do encontrarem é Jesus. E este modo de viver
programa, dado que o li no inicio, logo não nos cansa. E um repouso para a alma e
depois que ficou pronto. para o corpo, uma vez que também é
Podemos começar com as perguntas. expressão da vontade de Deus o re- pouso
e a alimentação.
Fede: É um focolarino do país de Robert:
Doar-se completamente a Deus fazendo a
Richard.
sua vontade, sendo o amor. Por quê?
Richard: Chamo-me Richard, Porque nós vivemos segundo a Santíssima
“Comemora-se hoje o dia de “Estrelas e Trindade. Somos a imagem de Deus e Deus
lágrimas”. O que lhes recordam agora é Trino. O Pai é autodoação ao Filho; o Filho
aqueles momentos?” é autodoação ao Pai. Cada um é dom de si.
Nós somos quem devemos ser, antes de
Chiara: Eles recordam-me isto… tudo cristãos e depois também focolarinos
O conceito em que penso nestes dias… que vivem o cristianismo, que difundem no
mundo um pouco de cristianismo autêntico,
Pois vocês querem sempre saber: “Agora, o verdadeiro, sem desvios, somente se formos
que você vive? O que é que…”. A reflexão o amor. Se a certa altura deixarmos de ser o
que faço nestes dias, muito profúnda… e amor, aparecem as perturbações, o medo,
que também tem ligação com o dia 13 de as preocupações, que devem ser lançadas
maio, “Estrelas e lágrimas”, é que o homem, no Pai para recomeçar logo a amar.
criado por Deus à sua imagem e
semelhança, portanto também nós, é ele O dia 13 de maio de 1944 me faz lembrar
mesmo somente se for o amor, somente se que, e ainda não conhecia bem o
doar-se. Evangelho, cintilou na minha mente a frase:
“O amor vence tudo”. Que é uma frase
E meses atrás vivíamos uma certa Palavra latina, de um escritor latino, nem sequer é
de vida que dizia que a caridade perfeita, uma frase do Evangelho. Contudo ressoou
que não é nada mais que a caridade, elimina em mim como um comando, como uma
o temor. E não sabia de que maneira a ordem: “O amor vence tudo”. Portanto o
caridade perfeita elimina o temor. amor também vence, para fazer a vontade
Vivendo o Ideal, também neste último de Deus, a dor de deixar os pais naquelas
período, eu constatei realmente que sempre condições, no meio da guerra, vendo tudo
que vivo o caridade (pois perfeita quer dizer destruído, etc.
exatamente caridade), sempre que vivo a Mas naquele dia esta frase fez-me viver o
caridade, que procuro doar-me aos outros, ato de deixar os meus pais. Agora é uma
ou aderindo à vontade de Deus, como na realidade que orienta toda a minha vida. E
oração, ou no trabalho… Inclusive no gostaria que vocês experimentassem.
trabalho, doando-me àquele popo que Nunca deixem de doar-se completamente.
escreve a carta, ou ao que me ouve, ou face Só assim é que rebentará uma revolução ao
a uma situação, constatei que o temor redor de vocês. Não fiquem preocupados
desaparece. O temor aparece somente em ser capo-focolare, ou responsáveis de
quando paramos um segundo, quando Famílias Novas. Vocês são o que são e
deixamos de ser como as estrelas que estão
cumpram tranquilamente o próprio dever. de que temos um tesouro imenso que é a
Que a única preocupação seja a de doar-se espiritualidade, que já penetrou por toda a
totalmente. Depois terão também a graça parte. Se vocês vissem! Recebo relatórios
para seguir aquelas famílias, os focolarinos do mundo inteiro. Falam de bispos que nos
casados. A graça está em vocês. Mas o que abençoam e dizem que é mesmo o
importa é sair de si mesmo, ser plenamente cristianismo, que é feito para os dias de
o amor. hoje, que corresponde à visão que teve
Esta é a recordação que trago de 1944, de antes o Concílio Vaticano II e que por vezes
“Estrelas e lágrimas”. Naquele momento foi não foi aplicada, provavelmente porque não
uma frase que me ajudou a resolver uma sabiam como fazê-Io e que no Movimento
situação, que ademais foi a condição tem-se esta possibilidade.
indispensável para começar o Movimento. Enfim, temos um carisma, temos um
Ao passo que agora eu sinto que é, deveria tesouro, uma pedra preciosa. É necessário
ser, toda a minha vida. E sugiro que seja a que os poucos anos que temos, com os
de vocês. seus minutos, sejam puro Ideal, puro Ideal,
puro Ideal. Num momento será a vez de
Graziella: Ela é Marita da Argentina, que estabelecer Jesus em meio, depois a vez de
fará hoje as promessas perpétuas, como viver a Palavra e chegará a vez de abraçar
Richard. Jesus abandonado.
Marita: “Na oração do pacto que Eu disse para amar Jesus com as obras. É
renovamos todos os dias após a uma coisa belíssima: amar o próximo
comunhão fala-se da realidade de uma concretamente. É um fato a atenção de
única alma. Como fazer para manter viva vocês ao que eu digo e é amar. É um fato eu
esta realidade?” falar para vocês e é amar. Vocês saem da
sala, encontram uma pessoa e sorriem um
Chiara: Da única alma? Está certo! pouquinho mais do que gostariam, pois
Basta viver no plano sobrenatural, ser talvez estejam preocupados, não sei, com
iluminados e guiados sempre pelo algum problema, mas saem de si doando-se
sobrenatural, que quer dizer pelo Ideal. Não aos outros: é um fato. Tudo isso nos
é necessário que nos concentremos… pois mantém na única alma. Estar na alma é
mesmo se nos concentramos só na viver na nuvenzinha do Ideal.
realização da única alma, é sempre uma Frequentemente Deus é representado numa
coisa parcial. Talvez, não sei, você passe nuvem, sobretudo no Antigo Testamento. Da
por uma provação que deve superar. Nesse mesma maneira nós devemos estar na
caso é preciso abraçar Jesus abandonado e nuvenzinha do Ideal, sempre mergulhados
não se preocupar em ser uma única alma. no Ideal. E assim vivemos a realidade de
Todavia, abraçando Jesus abandonado você uma única alma, sem tantos outros
está na realidade da única alma. conceitos, ou idéias.
O meu conselho é este: sermos conscientes
Rispostas às perguntas - Escola focolarinos casados
(Primeiro ano 5.4)
Castelgandolfo, 13 maio 1988

“Nem todos conhecemos Foco realidade da Obra de Maria que são os


pessoalmente. Pode dizer qual é o seu focolarinos casados, que é uma realidade
relacionamento com ele hoje?” nova, novíssima, que não existia na Igreja…
Ontem foi uma alegria receber um fax da
Chiara: …Muitas vezes uma pessoa se
Bolívia, onde está o nosso Mimmo… Eles
sente importante porque pertence a uma
enviaram-me um fax. Logicamente o bispo e
linhagem, tem uma origem importante. Por
todos confiam muito nele e escolheram-no
exemplo, um é conde porque o pai, o avô,
para guiar o carro do Papa. E ele saiu
etc., etc., era um conde. Então se sente
guiando o carro para o Papa. E foi
quem sabe o quê, porque é daquela estirpe.
engraçado, pois ele se apresentou ao Papa
Eu pensava justamente nestes dias: “Meu e disse-lhe: “Eu sou um focolarino de
Deus, os focolarinos casados não conhecem Chiara”. E o Papa respondeu alguma coisa.
a raiz da estirpe deles que é Foco. Não o E depois Dom Stanislao chegou perto dele e
conheceram e portanto talvez não se dêem disse-lhe: “Trago-lhe as saudações de
conta de quem é. O nosso Tommaso Chiara” e não era verdade, mas como ele
começou a escrever a biografia de Foco. viu que todos nós dizemos sempre ao Santo
Depois publicarão outras coisas. Padre: “Saudações de Chiara”, “saudações
Ele era uma pessoa fora do comum, não era de Chiara”, ele fez o mesmo. E Mimmo não
uma pessoa comum. Tinha um carisma, o conhecia Dom Stanislao, então lhe
carisma de co-fundador. E bastou que ele perguntou: “Mas quem é você?”. E ele
chegasse, em unidade (ela se refere ao respondeu: “Sou Dom Stanislao”. Quem
relacionamento comigo), em unidade sabe o que Mimmo pensou!
comigo, com o carisma que Deus me deu, Não sei por que eu disse isso sobre Mimmo,
para que provocasse uma coisa totalmente mas para dizer como são popos… Como os
nova na Obra, absolutamente nova. Que focolarinos casados são maravilhosos. Onde
não foi somente a encarnação do Ideal nos estão representam to- da a Obra de Maria,
popos casados, nas Famílias Novas, no guiam o carro do Papa. Todos confiam
ecumenismo, porque também ali Foco… em cegamente neles.
Humanidade Nova e nas multíplices
É uma vocação sem par, que antes não
ramificações que temos no campo da
existia. Também o fato de transferir-se para
humanidade. Mas quando ele chegou houve
os continentes e fazer nascer todas as
um salto de qualidade: o carisma
vocações, é uma coisa fora do comum!
manifestou-se no seu esplendor. E esta foi a
Realmente esta é a prova de que o que vale
sua… Agiu silenciosamente. Ele não sabia,
é o sobrenatural: casados ou não, a certa
visto que tudo provinha de mim mas em
altura, o que importa é a vontade de Deus e
virtude da unidade com Foco.
depois lançar-se na vivência do Ideal.
Não era um simples focolarino casado,
É uma novidade na Igreja, porque houve
Foco. Quero esclarecer isto. Era muito mais
sempre, como dizia Foco, um certo
relativamente à graça. Não tinha somente a
proletariado, enquanto aqui Nossa Senhora
graça que os focolarinos casados têm de
não faz distinção de pessoas. E ela foi mãe
serem focolarinos. E já é uma grande coisa,
e esposa. Está certo que aconteceu de um
que não se pode calcular. A santidade não
modo original, todo seu, pois preservou a
corresponde ao carisma, mas à intensidade
virgindade prodigiosamente. Porém foi ela
com que vivemos o carisma. Logo um popo,
que criou esta vocação extraordinária. E
talvez casado, pode ser mais santo que
então suscitou Foco com esta exigência
Foco, pode vir a ser, é difícil, mas pode vir a
fortíssima de se consagrar a Deus, e que
ser mais santo que Foco. Contudo Foco era
não era a única, porque ele vibrava também
um fenômeno do ponto de vista
por toda a humanidade. Era uma pessoa
sobrenatural! De modo que nunca
abertíssima. E alargou o Movimento…
chegaremos a entender suficientemente a
Ajudou-me, digamos a verdade, a
sua pessoa. E é maravilhoso ver esta
concretizar o que eu já via, o “ut omnes”,
alargou-o a todas as pessoas, aos popos Sejam popos.
casados. E agora vocês podem ver a Eu soube que estão introduzindo a causa de
realidade dos focolarinos casados que beatificação de um focolarino casado.
encabeçam todas as famílias novas e todas
as atividades, as concretizações, como dizia Mas, a meu ver, é um dos muitos, ou seja,
ontem, todas estas obras que são as seriam muitos e muitos. Foi só porque uma
adoções, os matrimônios recompostos… certa pessoa se interessou e quer que seja
proclamado santo. Mas eu penso que não é
Concluo dizendo que será difícil conhecer para admirar. É o modo de viver dos
Foco suficientemente. Por um lado vocês focolarinos casados.
devem estar orgulhosos de ter uma origem
como esta. Por outro saibam que nunca o Enfim, queria dizer que… é porque ainda
alcançarão do ponto de vista sobrenatural. não nos interessamos pelos processos de
Como santidade… deixo aberta a questão… canonização. Muitos dos nossos popos
começarão a escrever biografias,
“Caríssima Chiara, partindo desta escola especialmente daqueles onde se vê, como
há algo que você desejaria muito nos no nosso Roberto, a santidade. Porém, na
dizer e que nos quer confiar?” minha opinião, existem muitos e são frutos
do carisma vivido.
Chiara: a que mais quero é que sejam Eis a palavra que…: popo e nada mais!
popos. Portanto ir aos focolares sem fazer distinção
Muitas vezes há esta lentidão, os problemas nenhuma. Estão ali meia hora? Está certo,
familiares, todas estas coisas, não é? sejam popos: lavem os pratos, atendam o
telefone, escrevam uma carta. Sejam popos.
Mas, onde estivermos… Também Nossa
Os outros vivem ali vinte e quatro horas.
Senhora tinha os problemas familiares.
Vocês estão meia hora, mas sejam popos. E
Quando teve de fugir para o Egito e devia
acumulam muita força para viver depois no
cuidar de José, do menino Jesus. Vocês
meio do mundo.
conseguem imaginar Nossa Senhora com
problemas? É impossível! Nossa Senhora é Felicidades para tudo, tudo, tudo o que
superior a tudo, é mãe de todos, de todas as trazem no coração. Levem as minhas
virgens, dos virgens, dos sacerdotes, dos saudações à região inteira. Desta vez estão
bispos, é mãe do Papa. Porquê? Porque encarregados, não é como… Dom Stanislao.
Deus era o seu tudo, ou seja, o Ideal era Estão encarregados. Quando virem um dos
tudo para ela. nossos digam: “Saudações de Chiara”.
Estão encarregados.
Sejam superiores a tudo, até na própria
linguagem, no modo de tratar, de se Levem o fogo, a autodoação total. Basta
comportar. Não devem ser de nenhum grau nunca fechar-se em si mesmo mas estar
a menos, pois podem cair. As circunstâncias sempre fora e assim irão ver como
lhes farão cair numa atitude um pouco… caminharemos e faremos renascer da
Não! Popos e nada mais! E se são melhor forma a Igreja em muitos lugares e
verdadeiros popos, servirão bem e educarão também a humanidade. É o melhor serviço
os próprios filhos, servirão os maridos. que podemos prestar!
Darão a melhor contribuição à família, que é
a pequena sociedade e à grande sociedade.
Bispos amigos do Movimento - Respostas às perguntas
(Primeiro ano 5.5)
Castelgandolfo, 12 fevereiro 1988

(…) Dom Hemmerle: Como são as etapas ele e basear-se nele. Tudo deve ser feito por
da “Via Mariae” para as pessoas ele.
casadas? Quando as pessoas, ao encontrar o
Movimento, compreendem isto, aceitando-o
Chiara: Mas descobrimos que a nossa
e atuando-o, notam uma espécie de
espiritualidade também conduz à santidade.
conversão, pois Deus passa a ser o Ideal
[…] Concluímos: “Então a nossa das suas vidas. Então começam a ver como
espiritualidade é um caminho de santidade. fazer para o amar; aprendem que é preciso
E, se é um caminho de santidade, devemos fazer a sua vontade, etc.,
vivê-la ainda melhor, cada vez melhor”.
Ora uma pessoa casada é como uma
E os senhores sabem que a nossa pessoa virgem, ou como um sacerdote, no
espiritualidade se baseia no amor, na que respeita esta espiritualidade. É ele que
caridade, no amor a Deus e no amor ao é chamado por Deus; é ele que compreende
próximo; na caridade. Então pusemo-nos a que deve mudar, que se deve converter e
amar, a amar sempre; mas o amor ilumina, colocar Deus acima de tudo, como de resto
porque: “A quem me ama, me manifestarei” exige o Evangelho, pois não é senão o
e compreendemos profundamente muitas Evangelho. Mas pode acontecer que a
coisas, como por exemplo, que tínhamos um esposa não o compreenda… Acontece
modelo desta santidade. O nosso modelo muitas vezes que a mulher não o
era Maria. compreende; ela pensa que faz tudo bem,
Foi uma descoberta que fizemos assim, que chega aquilo que faz. Ao passo que o
como crianças. Ela era o nosso dever ser, marido percebe e começa a viver o Ideal,
nós éramos um “poder ser” como ela. E, provocando todos os efeitos da
depois, outra descoberta que fizemos ao ler espiritualidade do nosso Movimento. Quem
o Evangelho foi que os vários episódios da foi tocado por Deus foi ele e é ele que diz o
vida de Nossa Senhora, da anunciação até seu sim.
ao fim, podiam ser como uma espécie de Depois naturalmente… Então aquilo é uma
etapas que a alma atravessa na caminhada espécie (dizemo-nos) de anunciação;
espiritual em direção a Deus. Com efeito, porque se nota que aquele Jesus, que talvez
uma das últimas etapas de Maria, é a já vivesse nele mediante a graça, começa a
desolação aos pés da cruz: é um extremo, crescer e a desenvolver-se. Começa assim
que os santos também passam; mas o seu itinerário seguindo as etapas da “via
podemos falar disso mais tarde. Mariae”, e vai sempre para a frente. Portanto
Então vimos que era assim e foi por isso que não existem diferenças entre as almas no
dissemos (eu expliquei no outro dia, como que concerne a espiritualidade.
pude): “Nós também vivemos uma espécie Do mesmo modo a segunda etapa - que
de anunciação, em que Jesus se começa a vemos expressa de certo modo na visita de
desenvolver e a crescer dentro de nós. E’ Nossa Senhora a Santa Isabel, quando
quando nos dão este Ideal”. Porque no Maria vai para amar mas depara com uma
fundo o que é o Ideal? Muitas pessoas, alma tão aberta que canta o “Magnificat”,
mesmo cristãs, como nós, põem no mesmo contando-lhe a sua experiência
plano no coração, na mente e na memória, extraordinária -, também é vivida no
Deus, o estudo, a família, o trabalho, o Movimento. Porque Jesus dentro de nós,
desporto (talvez sejam mais amantes do que se começa a desenvolver e a crescer,
desporto do que de Deus e estejam mais ilumina a alma e esta compreende: “Ah,
apegadas à família do que a Deus), porque olha: a minha vida passada era assim. Por
é normal; embora praticantes, é isto o que isso é que eu me sentia insatisfeito e não
acontece. Agora com este Ideal (como com conseguia fazer nada; por isso é que… Mas
qualquer outro ideal cristão) percebem agora é tudo diferente, agora percebo!
claramente que Deus deve ser colocado no Agora a minha religião é uma coisa viva!” E
primeiro lugar, que tudo deve ser posposto a então começa também ele a amar, como fez
Maria com Isabel. E no momento oportuno frutos: suscitam vocações de consagração a
conta também ele a sua experiência; pode Deus, no sacerdócio, nas ordens
cantar o seu “Magnificat”, o seu pequeno religiosas… E isto uma família, uma família-
“Magnificat”. E a mulher? Se a mulher tiver focolare! São realmente um fenômeno!
sido tocada da mesma maneira que ele, … Outras vezes o marido também
então também a mulher. Nesse caso compreende que na terceira etapa… É o
cantarão juntos a experiência comum, nascimento do Menino Jesus. Como dizia
amarão juntos, irão para a frente juntos. Paulo VI: “Devemos saber gerar Cristo no
Caso contrário, naturalmente a primeira meio de nós”. Pois bem, quando pelo amor
pessoa que o marido deve amar é a esposa, recíproco Jesus se torna presente entre nos,
porque é o seu próximo mais próximo. E acontece um fato parecido com o
ama-a até que ela o siga. nascimento do Menino Jesus.
E na verdade é o que acontece geralmente. Mas provavelmente o marido não o pode
O marido adere ao Ideal, mas a mulher não; estabelecer com a esposa, porque ela ainda
ou a mulher sim e o marido não. Então não conhece o Ideal, ou não o deseja; então
aquele que aderiu, ama o outro e este acaba estabelece-o com outros membros do
por segui-lo. Depois, com o passar do Movimento até poder fazê-lo com a esposa.
tempo, estabelecem a presença de Jesus E por aí adiante, todas as outras etapas.
entre eles e nasce aquilo a que nós
chamamos a “família-focolare”, que é um Também quando compreende que é
autêntico focolare, um verdadeiro focolare, verdade que este Ideal é amor, porém que,
porque o verdadeiro focolare é onde há se faltar o amor à cruz, não é o verdadeiro
Jesus, a presença de Jesus no meio. amor, não é conforme ao Evangelho, nem à
Igreja, etc., talvez o faça sozinho. Mas a
De tal maneira que enviamos estas famílias primeira dor que compartilha com os outros
- pai, mãe, às vezes com filhos pequenos - é a da família.
para as terras distantes. Alguns dos
senhores sabem que, onde não podemos Portanto, assim como é sozinhos que se vai
formar um focolare (pois não temos para o Paraíso, assim é pessoalmente que
focolarinos suficientes para satisfazer o somos chamados por Deus e é
desejo de todos os bispos), mandamos uma pessoalmente que temos de corresponder e
família-focolare, geralmente com muitos ajudar todos os outros, arrastando-os.
Respostas às perguntas - focolarinos externos casados
(Primeiro ano 5.6)
Castelgandolfo, 12 janeiro 1988

É uma sala maravilhosa! Vocês parecem Você poderia aprofundar o conceito


todos gen! segundo o qual, ao contrário do que
Se não são, eram! Poucos anos atrás, acontece noutras espiritualidades, a
muitos de vocês eram gen, não eram? nossa “santa viagem” não é uma
Eu vim mesmo… por amor!, digamos. Na escalada mas, partindo da unidade, é
outra sala as gen 3 também estão à minha quase como uma estrada plana?
espera, por isso fico meia-hora com vocês e
Chiara: Eu nunca disse que a nossa “santa
meia-hora com elas; mais não posso.
viagem” era uma estrada plana. Ah! Não,
Tenho seguido um pouco o encontro de não! Pelo contrário! O que eu disse foi que a
vocês, pois Graziella ou Fede põem-me ao estrada do focolarino – enquanto muitos
corrente de como está indo. Estou contente. outros percursos, sobretudo nas
Vi que partiram em quarta desde o princípio. espiritualidades individuais, são
Vocês me mandaram algumas perguntas e, representados como a subida de um monte,
para dizer a verdade, as que li eram muito como por exemplo do Monte Carmelo na
interessantes e todas mereciam uma longa espiritualidade de Santa Teresa de Ávila e
explicação. Espero que Graziella e Fede as de São João da Cruz; além de outros Eu
recebam, de maneira que, antes que vocês disse que a nossa é como caminhar ao
partam, lhes possam dar uma breve longo do divisor de águas das montanhas,
resposta… Talvez Danilo e Anna Maria com de modo que se avança, mas sempre no
vocês os dois possam responder, pois alto. Foi isto que eu disse.
perguntam coisas que é preciso que saibam E por que é que disse isto? Porque nós
e ponham em prática. recebemos uma graça enorme através deste
Por exemplo, os focolarinos casados jovens carisma. Essa graça foi a de termos
– que eram gen e também estão dispostos a conseguido, em virtude do carisma, penetrar
partir, pois sabem que não podem ser e entender o Evangelho a partir de dentro.
focolarinos casados se não estiverem Por isso, mesmo se o Evangelho há séculos,
dispostos a isso, devem estar prontos a há muito tempo que dizia: “Amai-vos uns
tudo, como os outros focolarinos –, deparam aos outros como eu…”, era lido assim, fazia-
com problemas e dizem por exemplo: “agora se qualquer coisa: “queiramo-nos bem”, se
nós, marido e mulher, o que fazemos da dizia, mas não se chegava a uma grande
nossa casa? E quanto ao emprego, como conclusão, a uma grande novidade.
fazer? Se amanhã pode ser que, tenhamos Aqui, pelo contrário, o Espírito Santo nos fez
de partir!…” compreender o que implica esta palavra:
São problemas que é preciso enfrentar; não que devemos nos amar uns aos outros
se pode passar por cima deles ou dizer: como Jesus nos amou; por conseguinte,
Bem… É necessário responder-lhes. prontos a morrer. Então, tem tudo por fazer
Contudo eu não posso fazê-lo agora, em cada instante; não podemos nunca ficar
mesmo se eram realmente perguntas parados.
interessantes! Nem sempre é assim; às Por isso, conseguimos penetrar no
vezes são um pouco arranjadas, inventadas, Evangelho: “Ama o teu próximo como a ti
mas estas não. Na maioria eram muito mesmo”; aquele como foi uma iluminação
interessantes. para nós. Compreendemos que todas as
Escolhi algumas delas, repito, pensando pessoas são iguais a mim, portanto devo
ficar uma meia-hora com vocês. Se a Eli amá-Ias como a mim mesma. Por
vier, pode ler as perguntas… e eu tento conseguinte a minha vida mudava
responder. completamente.
Foi como se penetrássemos todas as
Eli: As focolarinas casadas externas de “Palavras” que começamos a viver no
Turim. princípio. Ora isto é uma graça que vocês
nem calculam, porque não é uma coisa depois, ou no mês seguinte, se puser a
comum. Geralmente ama-se mais ou viver: “A quem me ama, manifestar-me-ei”, e
menos, talvez cristãmente e com pureza de Jesus, por você ter amado, o ilumina; já está
espírito, mas não a este ponto de estar na via iluminativa.
prontos a morrer, até ao abandono; o que E, se duas horas depois você viver outra
significa, dispostos a perder as próprias palavra, como por exemplo: “Aquele que
ideias, a perder tudo diante do próximo de permanece em mim e eu nele, produz muito
maneira que se edifique realmente a fruto” (cf Jo 15, 5), naquela união que Deus
unidade, que se estabeleça realmente a entende, uma verdadeira união com Ele,
presença de Jesus no meio. mediante o amor a Jesus Abandonado, a
Depois, todos os elos que vimos na nossa caridade e todas as virtudes; se você estiver
espiritualidade: que, vivendo o amor unido a Deus e der muito fruto, significa que
recíproco, também se vive a Palavra: “Onde já está na via unitiva.
dois ou três…”, e de consequência o Portanto a atuação do Evangelho modifica
testamento de Jesus, que é a unidade. Foi de certo modo todas estas coisas. E nós,
toda uma descoberta do carisma; antes não entrando no Evangelho, pusemo-nos logo no
se sabia. cume. Mas claro que ainda não chegamos à
Como o Ideal se alastra, é de todos (Deus meta; temos que caminhar ao longo do
manda os carismas para todas as pessoas, divisor de águas. Andar, andar, andar, andar
para a humanidade), então os outros até o fim da viagem, da “santa viagem”.
compreendem-no e assumem-no, aplicando- Logo, a nossa estrada é outra. E é como as
o nos respectivos Movimentos, grupos ou outras, porque nós também passamos no
comunidades de base, nestes outros grupos, princípio um período essencialmente
etc. Fazem própria esta descoberta, a qual purificativo; depois, mais iluminativo; e
parece uma coisa de nada, mas é uma depois, no fim, chegaremos ao unitivo, da
revolução, pois transforma completamente a união com Deus, profunda, provada, com
nossa vida. muitas manifestações do amor de Deus,
Então, tendo penetrado no Evangelho, sempre junto com a cruz que nunca falta.
mesmo na medula do Evangelho, o que Por outro lado também é verdade que
aconteceu? Pusemo-nos logo no cume da vivemos os três estados todos ao mesmo
montanha. tempo.
Por exemplo: quando se fala de um itinerário Pensem em vocês mesmos, por exemplo; já
espiritual nas formas individuais, fala-se desde o início também os nossos gen são
sempre de três estados: a via purgativa, que iluminados pelo Ideal. Se amam,
é a primeira parte da subida à montanha, compreendem e vivem com Jesus no meio
durante a qual se têm purificações, doenças, também eles, embora pequeninos. E não é
encontros com a morte, etc.; a via que chegaram ao fim!
iluminativa e a via unitiva, isto é, quando há Isto para dizer que os três estados se
a união com Deus chegando até mesmo à sobrepõem; são vividos até
união transformante. contemporaneamente, além de
Nós descobrimos, ao invés, que para nós… distintamente.
também é assim. Como explico no video da
“Via Mariae”: no princípio vêm as Eli: Lúcia Magno de Nápoles
purificações, etc. Porém, vimos que ao Chiara, soubemos que no Sínodo os
mesmo tempo é diferente e há três frases do bispos tomaram maior consciência da
Evangelho que o confirmam. existência na Igreja de vários
Uma diz, por exemplo: “Vós já estais puros, Movimentos. Disseram que estes últimos
por causa da palavra que vos fiz ouvir” (cf Jo devem inserir-se cada vez mais na Igreja
15, 3). Portanto, se você escuta a palavra, local. Como é que nós, focolarinas,
até mesmo no próprio dia em que conheceu podemos atuar isto, mantendo ao mesmo
o Ideal, e a viver (escutar também significa tempo a nossa vocação específica?
viver), já está purificado; já está “limpo”.
Portanto já está na via purgativa. Chiara: Vocês ouviram dizer que se falou
dos Movimentos; foi praticamente o tema
Porém, se no dia seguinte, quinze dias
fundamental do Sínodo. Parece-me que e também nos deixam fazer todas as nossas
agora todos o admitem; foi pelo menos um manifestações.
dos temas mais importantes.
Eli: Mena de Viena
Então ela pergunta: como pediram que os
Movimentos se insiram bem na Igreja local, Caríssima Chiara, em que consiste a
como é que nós o podemos fazer sem diferença entre a minha vida agora, como
deixarmos de ser quem somos? focolarina externa e, depois, quando for
focolarina interna?
Mas vocês devem saber que os bispos não
são… de pedra! São pessoas que possuem
Chiara: O que esperamos é que depois
o Espírito Santo e compreendem a Igreja.
você esteja mais formada, mas será mais ou
No nosso caso os bispos quase sempre,
menos a mesma coisa. Claro!, haverá outras
quando compreendem um pouco o que é o
coisas. Por exemplo, entrando em
Ideal, a primeira coisa que nos dizem é:
focolare… Antes de mais nada, você entra
“Sejam vocês mesmos. Vocês devem ser o
em focolare! Começa a fazer parte de um
que são”. Porque percebem que, não só não
focolare. Mas ainda não é a palavra exata:
podem mortificar um carisma, mas também
você passa a constituir um focolare; é uma
que é com esse carisma que nós servimos a
parte essencial constituinte do focolare.
Igreja.
Sempre conforme a figura de São José.
Portanto, não há uma contradição entre
Nas perguntas vocês falam muito de São
fazer aquilo que o bispo quer e fazer aquilo
José. Têm razão!, porque ele não ficou fora
que nós queremos, porque o que o bispo
da porta guardando Maria e Jesus; mas
quer é que façamos o que é conforme à
estava dentro de casa. Era o chefe da
nossa espiritualidade. Esta é a primeira
família; estava em casa.
coisa.
Portanto, você começa a formar o focolare,
Todavia, eu também disse a todos os
juntamente com as outras focolarinas
capozonas que, mesmo se alguns bispos
casadas e as outras focolarinas virgens.
não o compreendessem, porque ainda não
conhecem o Ideal em profundidade, devem E há muitas outras coisas, como por
ir ter com eles, dizer-lhes o que fazemos, exemplo, as promessas. Vocês devem fazer
expor-lhes bem o que estamos fazendo, as promessas de pobreza, castidade e
para estarmos na vontade de Deus também obediência, apropriadas a vocês, popos
no que concerne aos bispos. Depois casados. Naturalmente exigem o dom total
perguntemos-lhes: “E o senhor, o que de si mesmos; é isso que conta. Então será
deseja que façamos?”. E se pedirem algo, preciso que as expliquem a vocês desde já,
para nos inserirmos na pastoral diocesana pois é melhor que saibam o que lhes será
local, fazemo-lo de bom grado; pois temos o pedido depois.
objetivo de promover a unidade também Por isso, depois vocês serão membros
entre todos os católicos. Ou se nos constituintes de um focolare, farão estas
chamarem para as comissões ecumênicas promessas e estarão cada vez mais
ou inter-religiosas, nós aceitamos. Ou para formados, de maneira a tomar sobre vocês
ensinar o catecismo… Soube que só na toda a responsabilidade que o focolare tem.
região de Roma há 280 catequistas Geralmente confia-se ao focolare uma parte
membros do Movimento; só na região de da região (grande, muitas vezes) e é preciso
Roma! Mas eu nunca formei uma Ordem levar para a frente todos os diálogos, todos
dos catequistas!… Surgiram os setores, tudo, os “cachos”… Será posta
espontaneamente pelo desejo de servir a também sobre os ombros de vocês toda
Igreja; foi assim. Portanto, imaginem no essa responsabilidade.
mundo inteiro quantos serão os nossos
catequistas!… Para dar um exemplo. Mas se Naturalmente, sempre de acordo com os
pensarmos em todos os outros campos, responsáveis, para que a vida familiar não
quem sabe o que descobriríamos!… seja prejudicada, mas se harmonizem
ambas as coisas.
Por conseguinte, não há contradição. E se
nos parecer que há, somos nós que nos Eli: Sesi Minestrina, da região de Trento.
adaptamos. Depois os bispos compreendem
Caríssima Chiara, conheço o Ideal desde
que era gen 3; agora sou casada e tenho chegou Maria com este seu carisma, com
dois filhos. O meu marido acredita em este seu dom, com este seu Ideal.
Deus, mas não compartilha o Ideal. Neste Isso, irradiar Maria… Irradiar Maria: Maria é
caso como posso viver como focolarina? nada de si e cheia de Deus. Se amarmos,
deixamos viver em nós o Ressuscitado e
Chiara: Mas uma focolarina não precisa que
somos uma criatura nova; então somos uma
o marido viva o Ideal! Uma pessoa é
outra Maria e, sendo outra Maria, colocamos
focolarina, porque vive o Ideal em quaisquer
Jesus no meio; e com Jesus no meio o
condições. Se não pode compartilhá-lo com
mundo é conquistado.
o marido, é um aspecto de Jesus
Abandonado a abraçar. Mas, mesmo se não formos ao menos duas
pessoas e não pudermos ter Jesus no meio,
Ela deve servir sempre Jesus nos outros,
não importa. Tendo Jesus em nós,
começando pelo marido, por amar o marido.
pessoalmente, o Ressuscitado vive em nós
Mas não é que para ser focolarina tenha que
e já irradiamos a nova criatura; somos uma
ter um marido focolarino. De modo nenhum!
criatura nova e, por conseguinte, outra
De modo nenhum! Uma focolarina… Então
Maria. Portanto já fazemos alguma coisa;
tinha também eu que estar casada para ser
Mas alguma coisa… Muito, não é pouco!…
focolarina!… Não, não!
Já podes dar graças a Deus por o teu Eli: Os focolarinos casados externos da
marido acreditar, porque senão seria muito região de Valdarno.
mais difícil. Depois, pouco a pouco, você o Celebramos o Ano Mariano na Igreja e, no
conquistará com o seu amor, porque é o âmbito da Obra, aprofundamos de modo
amor que faz tudo. De amor natural e amor especial a realidade e o mistério de Maria.
sobrenatural, você tem muito para dar. O que você acha que nos convém fazer
Depois ele há de perceber, você vai ver! para aproveitarmos ao máximo esta
dupla circunstância?
Eli: Os focolarinos casados do focolare de
Paris-Sul. Chiara: Bem, ontem no início do encontro,
Você diz que “onde vive Maria, o deserto ouviram o que eu disse sobre Maria. Se o
floresce”. Como é que cada um de nós puserem em prática, já chega. Bastaria um
pode irradiar Maria no mundo? ponto: estar sempre além da chaga; bastaria
um ponto.
Chiara: Bem, qual é o motivo principal por
Por isso, para começar, os aconselho a não
que o deserto floresce nos lugares onde vive
ouvi-lo só uma vez. Na região poderão pedir
Maria? Porque, onde vive Maria (referimo-
para o ouvir outra vez, façam anotações, um
nos à Obra de Maria, é claro, que é mais
dia vivam um ponto, no outro dia outro,
concreto), há Jesus no meio. Então Jesus
porque é como uma torrente de coisas, mas
nunca está parado, mas faz sempre alguma
depois é preciso tomar em consideração
coisa. Converte ao seu redor, talvez
ponto por ponto e colocá-los em prática.
lentamente porque os outros são de cabeça
Caso contrário são só coisas belas, bonitas,
dura, não sei; ou é odiado como Jesus que,
que às vezes chegam a nos impressionar,
quando viveu nesta terra, foi sinal de
porque estamos sob a ação da graça de
contradição. Os demônios tornavam-se
Deus, mas que depois é preciso colocar em
ainda piores; os maus tornavam-se piores
prática.
diante da Luz, porque não cediam. Jesus
age sempre. Geralmente, como no fundo as Portanto, entretanto avancemos e
pessoas são boas, convertem-se; então o recolhamos tudo o que existe na Obra. Sei
deserto floresce por toda a parte. Esta é a que agora os responsáveis do “amarelo”
nossa experiência. também querem fazer uma coletânea de
tudo o que escrevi ou disse nestes quarenta
Ontem mostramos a um cardeal, que
anos sobre Maria e, mais tarde, publicar um
passou por um focolare, os nossos mapas
livro. Reparei que é muito útil porque é muito
naquele livro: “A unidade é a nossa
prático. Pergunta-se, por exemplo, como
aventura”. Realmente impressiona ver como
viver assim, assim e assim: qual a relação
floresceu o deserto em todas as partes do
entre Maria e Jesus Abandonado, etc.
mundo aonde chegou o Ideal. Mas é porque
Depois… lhes digo o que eu faço. Neste Ano aprofundaram-na, pondo-nos depois ao
Mariano me sinto mesmo na atmosfera de corrente através de uma espécie de
Maria, por isso me dá vontade, por exemplo, exercícios espirituais: discursos que depois
de ir aos santuários. Ou, passando perto de mandamos para as regiões. São muito
um santuário de Nossa Senhora, mesmo se belos!
não entro, faz-me refletir mais do que
antigamente, porque ali Maria está presente Eli: Umberto Rovelli, região de Florença.
de modo particular, com certeza. Sei que não devo me apoiar no focolare e
Ela fez surgir todos estes santuários no que a minha presença deve servir para
mundo para estar presente de um modo aumentar cada vez mais a unidade entre
mais localizado, de maneira que as pessoas virgens e casados. Gostava de saber
saibam onde encontrá-la. como enfrentar vários problemas
pessoais de modo a não perturbar a
E depois, também o modo de rezar as “Ave-
realidade do focolare.
Marias” é diferente este ano: rezo-as melhor.
Como por exemplo a primeira parte da “Ave
Chiara: Mas o fato é este: é claro que não
Maria”, a segunda: “Agora e na hora da
se pode ir ao focolare com a ideia de
nossa morte”. É preciso aperfeiçoar estas
encontrar as soluções, as consolações, etc.
coisas. Portanto, como estes focolarinos
É preciso ir para construir o focolare, porque
querem saber o que fazer, eu diria: tudo o
o focolare é você.
que houver de mariano, por exemplo, sei
que se fazem discursos interessantes, Por outro lado, também é necessária a
mesmo na rádio, a respeito de Maria, ou comunhão de alma e não é que se pode
mesas-redondas: se tiverem a ocasião, comunicar aquilo que não se tem dentro.
ouçam-nas. Sabem como é. Da pergunta Todavia esta comunhão de alma deve ser
não se percebe se ele quer aprender a amar feita por amor, não para pesar ou por amor-
mais Maria, ou se ele já ama Maria mas próprio, por amor a si mesmo, por egoísmo.
quer descobri-la em toda a parte. Tanto num Portanto, eu diria: você deve comunicar os
caso como no outro, eu diria: procure-a onde seus problemas no focolare, e como! Mas
a pode encontrar. Antes de tudo no Ideal: fazê-lo por amor. Se o fizer por amor, isto é,
em tudo o que o Ideal dá a você. Depois como um dom, será uma alegria para os
vive-o, vive-o para ser outra Maria, para que focolarinos poderem conhecer e
ela reviva em você e possa ser vista em nós; compartilhar com você os seus problemas,
e depois procure-a onde a acha, sobretudo mas só se os der por amor.
nos lugares em que ela é mais venerada.
Ou, se você não conseguir ir mesmo a um Naturalmente, fazendo assim, o que
santuário, encontra também igrejas com acontece? Que você não os comunica num
altares dedicados especificamente a Nossa momento qualquer, mas só no momento
Senhora. Vi que as focolarinas e os oportuno, quando for o caso, quando é o
focolarinos descobriram muitas Nossas momento por exemplo da comunhão de
Senhoras! Há a Nossa Senhora do cordão, a alma, quando se contam as experiências,
Nossa Senhora da corrente, a Nossa etc. Ou senão pode falar particularmente
Senhora da esperança, há até a Nossa com um focolarino ou com o capofocolare
Senhora do sono; há Nossas Senhoras de (quem você achar melhor) e comunicar-lhe o
todos os tipos, porque ela protege e resolve problema para colocar Jesus no meio e ver
tudo. o que fazer.

Mas é belo constatar que neste verão fomos Mas não se deve ficar com a boca fechada,
todos à procura de todos os santuários de porque vão ao focolare só para o apoiar!… É
Maria… Aliás vocês também o devem ter necessário que… O focolare é uma
feito. Por conseguinte procuremos aproveitar realidade viva, não é artificial ou morta. Com
este ano para fazer assim. certeza, quando São José tinha um
problema, falava dele com Nossa Senhora e
Aprofundemos também a “Redemptoris vice-versa. Maria deve ter dito a São José:
Mater”, que é a encíclica do Papa. Mas já o “Não encontro o Menino Jesus”, disse-o
devem ter feito. Nos focolares podem pedir certamente. Não é que guardou a dor só
para a ouvir, pois os nossos focolarinos para si para fazer um ato de virtude e o
sacerdotes dividiram-na entre eles e ocultou a São José; é impossível.
Assim também nós no focolare devemos Naturalmente, como se faz em geral, nós
comunicar ao máximo o que achamos que também distinguimos a obediência
se pode dizer, mas fazendo de tudo para “iluminada” (como nós dizemos, isto é, que
que seja um dom de amor. não é praticada às escuras, às cegas) da
É como quando me perguntam, por obediência “cega”, que é quando não se
exemplo, como fazer para nos confessarmos estende por que se deve fazer uma
bem? Recordo que desde os primeiros determinada coisa, porém sabe-se que se
tempos nós resolvemos a questão da deve obedecer àquela pessoa e se faz na
confissão, porque… às vezes tem-se uma mesma.
certa vergonha de dizer certas coisas… Nós Porque é que é “iluminada” muitas vezes,
dizíamos: “Vamos dar de presente ao sobretudo no focolare, ou quase sempre?
confessor os nossos pecados, pois é Jesus, Porque há Jesus no meio; então, a ordem é
vamos dar de presente; portanto… quanto dada por amor, só por amor, e o ato de
maiores, maior será o presente”. Íamos para obediência também é feito por amor. Mas,
dar de presente como se ama, se vê. E, quando se vê,
Isto para exemplificar, mas era assim. desaparecem as trevas, não se age às
Dizíamos isso a quem se preocupava, cegas. Obedece-se e compreende-se
porque lhe parecia que tinha coisas grandes: claramente que é mesmo vontade de Deus
“Deixe para lá, dê um presente a Jesus”. para mim aquilo que a outra pessoa diz. E o
responsável não fica com a impressão de
Eli: Andrea Turati e Massimo Medagli de pesar sobre o outro, porque sente que
Milão. interpreta a vontade de Deus. Geralmente
na vida do focolare é assim.
Para mim o ano de 1987 foi sentir,
escolher e desposar Jesus Abandonado. Porém, se por acaso nos viesse um
Para 1988 você nos propões a obediência pouquinho de “homem velho”, ou ao
dizendo que ouviremos falar desse superior, que não está ali preocupado com
aspecto de várias maneiras. Queria lhe detalhes, mas dá a ordem e basta!, e nós
pedir se pode nos falar da relação que não sentimos de modo algum que… não nos
existe entre Jesus Abandonado e a parece vontade de Deus, mas uma sua
obediência? permissão; não nos parece vontade de
Deus. Nesse caso, o que fazer? Devemos
Chiara: É uma relação imediata, clara como obedecer do mesmo modo, devemos
a água, a que existe entre Jesus obedecer do mesmo modo: é a obediência
Abandonado e a obediência, porque… “cega”.
Eu lhes disse que ouviriam falar disso, pois Ora, Jesus Abandonado é justamente o
este ano queremos aprofundar esta virtude. emblema da obediência cega! Porque Deus-
Visto que somos um movimento católico, Pai pediu-lhe uma coisa tão grave, que ele
queremos ter todas as virtudes além da não esperava (parece, do que se lê no
caridade. Sabemos que a caridade é a mãe Evangelho), pois dissera mais ou menos
de todas, porém também queremos saber assim: “Todos me abandonarão, mas o meu
alguma coisa das suas filhinhas, que são as Pai jamais me abandonará”.. Ao invés,
virtudes. sente-se abandonado pelo Pai e deve
obedecer também a isto, também a isto que
Por conseguinte queremos aprofundar esta é uma coisa absurda, que Deus se sinta
obediência. Então encarreguei algumas abandonado por Deus, é mais que absurdo!
pessoas, como por exemplo Fede, Marisa e E ele obedeceu e disse: “Nas tuas mãos,
padre Silvano, de fazê-lo recolhendo tudo o Senhor…”, em suma aceitou; venceu essa
que foi dito como carisma e o que existe na terrível prova.
tradição da Igreja, nos Evangelhos e no
Antigo Testamento. Há coisas maravilhosas, Por isso Jesus é mesmo o nosso modelo
maravilhosas! Porque a obediência é sempre que for difícil obedecer. No focolare
importantíssima! Basta ver que Jesus dizia talvez não seja frequente mas às vezes é
que o seu alimento era fazer a vontade de preciso obedecer à Igreja, à moral da Igreja,
Deus, isto é, Jesus alimentava-se da por exemplo, que em certas circunstâncias
obediência, da obediência total. pode parecer dura, ou injusta,… e ficamos
julgando; ao passo que sabemos com
precisão que temos que fazer assim, assim com a industrialização, etc.; mas são só
e assim. Nós devemos obedecer mesmo coisas externas. O homem é sempre o
sem ver, mesmo sem entender, porque mesmo. Se não é Jesus Cristo que o
Jesus Abandonado nos ensina a dar estes modifica, fica sempre o mesmo, sempre o
saltos. mesmo: mesquinho, totalmente voltado para
Diz-se que, quem obedece, canta vitória; e si mesmo, com estes poucos, minúsculos
nós o experimentamos muitíssimas vezes. E desejos, assim. Se não for Jesus que lhe dá
que, quem pratica a obediência, está em paz asas, pobrezinho, fica sempre no mesmo.
e na alegria, porque cortou a própria cabeça Ou seja, as ideias de liberdade e de
e acredita na vontade de Deus, no plano de independência agora estão em voga; está
Deus sobre si, e não nos seus próprios bem! No ano que vem ou daqui a cinco
raciocínios e projetos. anos, a moda será outra; porém não quer
Por conseguinte, há uma relação dizer que aquilo que Cristo trouxe à terra
estreitíssima entre Jesus Abandonado e a desapareça. O que importa é o eterno; o que
obediência. Ele é a obediência realmente tem valor é o que permanece. E se vê que
personificada, ou melhor, é a obediência vale, realmente, porque é o que constrói.
mais grave, a obediência mais pesada, em Vejam como o nosso Movimento constrói! É
que mais se sofre, que é a obediência porque se baseia em palavras eternas; vive
“cega”. Ele não compreendia, decerto, se apoiado em palavras eternas e não vai atrás
gritou: “Meu Deus, por que me dos arautos de cada época.
abandonaste?”; porém disse logo: “Nas tuas
Eli: Paul de Colônia.
mãos, Senhor…”. Foi uma coisa!…
Saberemos no Paraíso o que aconteceu Caríssima Chiara, quando vou ao
naquele momento. Deve ter sido tremendo, focolare e volto para casa, fico sempre
pois gritou, bradou; deu um grande grito. E com a impressão de ter experimentado a
logo depois: “Nas tuas mãos, Pai, entrego o unidade. A minha mulher, que também é
meu espírito”. focolarina externa, faz a mesma
experiência. Ambos queremos viver
Assim também nós, quando nos ordenam
como uma família-focolare. Contudo, no
uma coisa difícil, dentro talvez tremamos,
dia-a-dia é difícil permanecermos no nível
porém depois obedecemos; e assim
de unidade vivido antes em focolare. O
levamos tudo para a frente e progredimos
que você me aconselha para aprofundar
também espiritualmente. Se ao invés
a unidade entre a minha mulher e eu?
começamos… Porque agora também os gen
2, as gen 2 me escreveram e me
Chiara: Mas ai de nós se não fosse assim!
perguntaram: “Quando toda a gente ama a
Porque o focolare deve ser sempre o
liberdade e a independência, como é que
modelo da unidade, onde vamos nos
nós falamos de obediência?!” Ah, deixem
alimentar. Senão o Eterno Pai e Nossa
que falem de liberdade […] Mas não é que
Senhora não os teriam feito entrar em
significa que, lá porque a opinião pública fala
focolare para se aperfeiçoarem, para se
de liberdade e de independência, a
santificarem. Se o focolare não fosse algo
obediência deixe de ter valor. É preciso
que supera sempre em beleza, em unidade,
estar… o mundo é feito assim.
em profundidade, o modo de viver normal,
Ontem indo de carro ouvimos na rádio uma que é a vida familiar, para que serviria ir ao
canção de amor e dissemos: Meu Deus! focolare? Por conseguinte é normal; é lógico
Como o mundo está atrasado! Ainda está que seja assim.
ali, onde o deixamos há cinquenta anos, no
No focolare tanto ele como ela aprenderão
mesmo ponto. Porque eram as mesmas
cada vez mais a viver o Ideal, a amar-se
palavras de sempre: a felicidade, o amor, a
sobrenaturalmente, a ver Jesus. Sobretudo
felicidade. Meu Deus (dissemos), não deu
isto: vocês devem esquecer que casaram
nem um passo para frente!
com Teresa, Rosa, Maria ou Anita; é Jesus
Sim, sim, é assim, é assim. Alguma coisa que devem amar sempre, a cada instante da
talvez tenha melhorado, por exemplo, a vida; têm sempre Jesus ao lado. Se
técnica, os operários já não trabalham como fixassem esta ideia na cabeça: que ele é
antes, pois mudou o modo de produção, Jesus, que ela é Jesus, tudo correria bem,
tudo correria bem! família. Mas não se pode pretender que
Concretamente vi que também certos agora uma família já seja um focolare se
focolarinos casados, que têm esta você mal acabou de nascer como focolarino
convicção, quando lhes perguntam: mas casado. Ainda é um externo; não pode
como você faz para resolver certos pretender já um Jesus no meio estável; não
problemas, etc., etc. (certos problemas de é possível. Você ainda está no início da sua
que eles mesmos poderão lhes falar), carreira como família-focolare. Entendeu?
“Como você faz?”, respondem: “Vejo Jesus”. Portanto: coragem, não se preocupe com
Resolvem tudo vendo Jesus nos outros. E nada, vá para a frente, inspirando-se sempre
realmente é uma solução, é uma solução: no focolare. Depois, naturalmente, o
pelo menos a base para qualquer solução. primeiro lugar onde se vive o Ideal é em
Portanto, ai de nós se não fosse assim: é casa; então nascem as famílias-focolare,
lógico que no focolare se encontre uma que são uma coisa estupenda, maravilhosa,
unidade maior. Mas é ali que, tanto você uma das mais belas invenções que Nossa
como a sua esposa, que não sei se está Senhora fez na Obra de Maria: estas
aqui, poderão se formar cada vez mais, para famílias-focolare.
depois fazer com que o seu seja o focolare-
4. DOCUMENTOS DA IGREJA SOBRE MATRIMONIO E FAMILIA
(Primeiro ano 4.1)
GAUDIUM ET SPES
Constituição Pastoral do Concilio Vaticano II
Sobre a Igreja no mundo de hoje

SEGUNDA PARTE atuais condições econômicas, sócio-


ALGUNS PROBLEMAS MAIS URGENTES psicológicas e civis introduzem ainda na
46. Depois de ter exposto a dignidade da família não pequenas perturbações.
pessoa humana, bem como a missão Finalmente, em certas partes do globo
individual e social que está chamada a verificam-se, com inquietação, os problemas
realizar no mundo, o Concilio dirige agora a postos pelo aumento demográfico. Com tudo
atenção de todos, à luz do Evangelho e da isto, angustiam-se as consciências. Mas o
experiência humana, para algumas vigor e solidez da instituição matrimonial e
necessidades mais urgentes do nosso familiar também nisto se manifestam: muito
tempo, que profundamente afetam a freqüentemente, as profundas
humanidade. transformações da sociedade
contemporânea, apesar das dificuldades a
Entre as muitas questões que hoje a todos que dão origem, revelam de diversos modos
preocupam, importa revelar particularmente a verdadeira natureza de tal instituição.
as seguintes: o matrimônio e a família, a
cultura humana, a vida econômico-social e Eis porque o Concílio, esclarecendo alguns
política, a comunidade internacional e a paz. pontos da doutrina da Igreja, deseja ilustrar
Sobre cada uma delas devem resplandecer e robustecer os cristãos e todos os homens
os princípios e as luzes que provêm de que se esforçam por proteger e fomentar a
Cristo e que dirigirão os cristãos e nativa dignidade do estado matrimonial e o
iluminarão todos os homens na busca da seu alto e sagrado valor.
solução para tantos e tão complexos 48. A íntima comunidade de vida e de amor
problemas. conjugal, fundada pelo Criador e dotada de
CAPÍTULO I leis próprias, é instituída por meio do
A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DO contrato matrimonial, ou seja com o
MATRIMÔNIO E DA FAMILIA irrevogável consentimento pessoal. Deste
modo, por meio do ato humano com o qual
47. O bem-estar da pessoa e da sociedade os cônjuges mutuamente se dão e recebem
humana e cristã está intimamente ligado um ao outro, nasce uma instituição também
com uma favorável situação da comunidade à face da sociedade, confirmada pela lei
conjugal e familiar. Por esse motivo, os divina. Em vista do bem tanto dos esposos e
cristãos, juntamente com todos os que têm da prole como da sociedade, este sagrado
em grande estima esta comunidade, vínculo não está no arbítrio da vontade
alegram-se sinceramente com os vários humana. O próprio Deus é o autor do
fatores que fazem aumentar entre os matrimônio, o qual possui diversos bens e
homens a estima desta comunidade de fins,67 todos eles da máxima importância,
amor e o respeito pela vida e que auxiliam quer para a propagação do gênero humano,
os cônjuges e pais na sua sublime missão. quer para o proveito pessoal e sorte eterna
Esperam daí ainda melhores resultados e de cada um dos membros da família, quer
esforçam-se por os ampliar. mesmo, finalmente, para a dignidade,
Porém, a dignidade desta instituição não estabilidade, paz e prosperidade de toda a
resplandece em toda a parte com igual família humana. Por sua própria natureza, a
brilho. Encontra-se obscurecida pela
poligamia, pela epidemia do divórcio, pelo
67
chamado amor-livre e outras deformações.
Além disso, o amor conjugal é muitas vezes Cf. S. Agostinho, De bono coniugii: PL 40, 375-
profanado pelo egoísmo, amor do prazer. e 376 e 394. Santo Tomás, 8umma Theol., Suppl. Quaest. 49,
art. 3 ad 1; Decretum pro Armenis: Denz.-Schõn 1327; Pio XI,
por práticas ilícitas contra a geração. E as Enc. Casti connubii: AAS 22 (1930), p. 547-548; Denz.-Schõn
3703-371.4.
instituição matrimonial e o amor conjugal os que vivem no círculo familiar encontrarão
estão ordenados para a procriação e mais facilmente o caminho duma existência
educação da prole, que constituem a sua humana, da salvação e da santidade.
coroa. O homem e a mulher, que pela Quanto aos esposos, revestidos com a
aliança conjugal “já não são dois, mas uma dignidade e o e cargo da paternidade e
só carne” (Mt 19,6), prestam-se recíproca maternidade, cumprirão diligentemente o
ajuda e serviço com a íntima união das suas seu dever de educação, sobretudo religiosa
pessoas e atividades, tomam consciência da que a eles, cabe em primeiro lugar.
própria unidade e cada vez mais a realizam. Os filhos, como membros vivos da família,
Esta união íntima, já que é o dom recíproco contribuem a seu modo para santificação
de duas pessoas, exige do mesmo modo dos pais. Corresponderão, com a sua
que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos gratidão, piedade filial e confiança aos
cônjuges e requer a indissolubilidade da sua benefícios recebidos dos pais e assisti-los-
união.68 ão, como bons filhos, nas dificuldades e na
Cristo Senhor abençoou copiosamente este solidão da velhice. A viuvez, corajosamente
amor de múltiplos aspectos nascidos da assumida na seqüência da vocação
fonte divina da caridade e constituído à conjugal, por todos deve ser respeitada.74
imagem da sua própria união com a Igreja. E Cada família comunicará generosamente
assim como outrora Deus veio ao encontro com as outras as próprias riquezas
do seu povo com uma aliança de amor e espirituais. Por isso, a família cristã, nascida
fidelidade,69 assim agora o Salvador dos de um matrimônio que é imagem e
homens e Esposo da Igreja70 vem ao participação da aliança de amor entre Cristo
encontro dos esposos cristãos com o e a Igreja,75 manifestará a todos a presença
sacramento do matrimônio. E permanece viva do Salvador do mundo e a autêntica
com eles, para que, assim como ele amou a natureza da Igreja, quer por meio do amor
Igreja e se entregou por ela,71 de igual dos esposos, quer pela sua generosa
modo os cônjuges, dando-se um ao outro, fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela
se amem com perpétua fidelidade. O amável cooperação de todos os seus
autêntico amor conjugal é assumido no amor membros.
divino, e dirigido e enriquecido pe força 49. A palavra de Deus convida repetidas
redentora de Cristo e pela ação salvadora vezes os noivos a alimentar e robustecer o
da Igreja; para que, assim, os esposos seu noivado com um amor casto, e os
caminhem eficazmente para Deus e sejam esposos a sua união com um amor
ajudados e fortalecidos na sua missão indiviso.76 E também. muitos dos nossos
sublime de pai e mãe.72 Por este motivo, os contemporâneos têm em grande apreço o
esposos cristãos são fortalecidos e como verdadeiro amor entre marido e mulher,
que consagrados e ordem aos deveres do manifestado de diversas maneiras, de
seu estado por meio de um sacramento acordo com os honestos costumes dos
especial;73 cumprindo, com a sua força, a povos e dos tempos. Esse amor, dado que é
própria missão conjugal e familiar, eminentemente humano - pois vai de pessoa
penetrados do espírito de Cristo que a pessoa com um afeto voluntário -
impregna toda a sua vida de fé, esperança e compreende o bem de toda a pessoa e, por
caridade, avançam sempre mais na própria conseguinte, pode conferir especial
perfeição e mútua santificação e cooperam dignidade às manifestações do corpo e do
assim juntos pa a glória de Deus. espírito, enobrecendo-as como elementos e
Precedidos assim pelo exemplo e oração sinais peculiares do amor conjugal. E o
familiar dos pais, tanto os filhos como todos Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e
elevar este amor com um dom especial de
graça e caridade. Unindo o humano e o
68 Cf. Pio XI, Enc. Casti connubii: AAS 22 (1930), p.
546-547; Denz.-Schõn. 3706.
divino, esse amor leva os esposos ao livre e
69 Cf. Os 2: Jr 3,6-13: Ez 16 e 23: Is 54 recíproco dom de si mesmos, que se
70 Cf. Mt 9,15; Mc 2,19-20; Lc 5,34-3~; Jo 3,29; Cf.
também 2Cor 11,2; Ef 5,27; Ap 19,7-8; 21, 2 e 9.
71 Cf. Ef 5,25 74 Cf. 1Tm 5,3.
72 Cf. Conc. Vat. lI, Consto dogmo Lumen gentium: AAS 75 Cf. Ef 5,32.
(1965), p. 15-16; 40-41; 77 76 Cf. Gn 2,22-24; Pr 5,15-20; 31,10-31; Tb 8,4-8; Ct
73 Pio XI, Enc. Casti connubii: AAS 22 (1930), p. 583. 1,2-3; 4,16; 5,1; 7,8-14; 1Cor 7,3-6; Ef 5,25-33.
manifesta com a ternura do afeto e com as pais. O mesmo Deus que disse, “não é bom
obras e penetra toda a sua vida;77 e que o homem esteja só” (Gn 2,18) e que
aperfeiçoa-se e aumenta pela sua própria “desde a origem fez o homem varão e
generosa atuação. Ele transcende, por isso, mulher” (Mt 19,4), querendo comunicar-lhe
imensamente a mera inclinação erótica, a uma participação especial na sua obra
qual, fomentada egoisticamente, rápida e criadora, abençoou o homem e a mulher
miseravelmente se desvanece. dizendo: “Sede fecundos e multiplicai-vos”
Este amor tem a sua expressão e realização (Gn 1,28). Por isso, o autêntico fomento do
peculiar no ato próprio do matrimônio. São, amor conjugal, e toda a vida familiar que
portanto, honestos e dignos os atos pelos dele nasce, sem pôr de lado os outros fins
quais os esposos se unem em intimidade e do matrimônio, tendem a que os esposos,
pureza; realizados de modo autenticamente com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a
humano, exprimem e alimentam a mútua colaborar com o amor do Criador e
entrega pela qual se enriquecem um ao Salvador, que por meio deles aumenta cada
outro na alegria e gratidão. Esse amor, dia mais e enriquece a sua família.
ratificado pela promessa de ambos e, Os esposos sabem que no dever de
sobretudo, sancionado pelo sacramento de transmitir e educar a vida humana - dever
Cristo, é indissoluvelmente fiel, de corpo e que deve ser considerado como a missão
de espírito, na prosperidade e na específica - eles são os cooperadores do
adversidade; exclui, por isso, toda e amor de Deus Criador e como que os seus
qualquer espécie de adultério e divórcio. A intérpretes. Desempenhar-se-ão, portanto,
unidade do matrimônio, confirmada pelo desta missão com a sua responsabilidade
Senhor, manifesta-se também claramente humana e cristã; com um respeito cheio de
na igual dignidade da mulher e do homem docilidade para com Deus, de comum
que se deve reconhecer no mútuo e pleno acordo e com esforço comum, formarão
amor. Mas, para cumprir com perseverança retamente a própria consciência, tendo em
os deveres desta vocação cristã, requer-se conta o seu bem próprio e o dos filhos já
uma virtude notável; por este motivo, hão de nascidos ou que prevêem virão a nascer,
os esposos, fortalecidos pela graça para sabendo ver as condições de tempo e da
levarem uma vida de santidade, cultivar própria situação e tendo, finalmente, em
assiduamente e impetrar com a oração a consideração o bem da comunidade familiar,
fortaleza do próprio amor, a magnanimidade da sociedade temporal e da própria Igreja.
e o espírito de sacrifício. São os próprios esposos que, em última
O autêntico amor conjugal será mais instância, devem diante de Deus, tomar esta
apreciado, e formar-se-á a seu respeito uma decisão. Mas, no seu modo de proceder,
sã opinião pública, se os esposos cristãos tenham os esposos consciência de que não
derem um testemunho eminente de podem proceder arbitrariamente, mas que
fidelidade e harmonia e de solicitude na sempre se devem guiar pela consciência, fiel
educação dos filhos e se participarem na à lei divina, e ser dóceis ao magistério da
necessária renovação cultural, psicológica e Igreja, que autenticamente a interpreta à luz
social em favor do casamento e da família. do Evangelho. Essa lei divina manifesta a
Os jovens devem ser conveniente e plena significação do amor conjugal,
oportuna- mente instruídos, sobretudo no protege-o e estimula-o para a sua perfeição
seio da própria família, acerca da dignidade, autenticamente humana. Assim, os esposos
missão e exercício do amor conjugal. Deste cristãos, confiados na divina providência e
modo, educados na castidade, poderão, cultivando o espírito de sacrifício,78 dão
chegada a idade conveniente, entrar no glória ao Criador e caminham para a
casamento depois dum noivado puro. perfeição em Cristo quando se
desempenham do seu dever de procriar
50. O matrimônio e o amor conjugal COJ responsabilidade generosa, humana e
destinam-se por sua própria natureza à cristã. Entre os esposos que deste modo
geração e educação da prole. Os filhos são, satisfazem à missão que Deus lhes confiou,
sem dúvida, o maior dom do matrimônio e devem ser especialmente lembrados
contribuem muito para o bem dos próprios aqueles que, de comum acordo e com
77 Cf. Pio XI, Enc. Casti connubii: AAS 22 (1930), p.
547-548; Denz.- Schõn, 3707. 78 Cf. 1Cor 7,5.
prudência, aceitam com grandeza de ânimo conciliar o amor conjugal com a transmissão
educar uma prole numerosa.79 responsável da vida, a moralidade do
No entanto, o matrimônio não foi instituído comportamento não depende apenas da
só em ordem à procriação da prole. A sinceridade da intenção e da apreciação dos
própria natureza é aliança indissolúvel entre motivos; deve também determinar-se por
pessoas e o bem da prole exigem que o critérios objetivos, tomados da natureza da
mútuo amor dos esposos se exprima pessoa e dos seus atos; critérios que
convenientemente, aumente e chegue à respeitem, num contexto de autêntico amor,
maturidade. E por isso, mesmo que faltem o sentido da mútua doação e de procriação
os filhos, tantas vezes ardentemente humana. Tudo isto só é possível se se
desejados, o matrimônio conserva o seu cultivar sinceramente a virtude da castidade
valor e indissolubilidade, como comunidade conjugal. Segundo estes princípios, não é
e comunhão de toda a vida. lícito aos filhos da Igreja adotar, na
regulação dos nascimentos, caminhos que o
51. O Concílio não ignora que os esposos, magistério, explicitando a lei divina,
na sua vontade de conduzir reprova.80
harmonicamente a própria vida conjugal,
encontram freqüentes dificuldades em certas Todos, finalmente, tenham bem presente
circunstâncias da vida atual; que se podem que i I vida humana, e a missão de a
encontrar em situações em que, pelo menos transmitir não se limitam a este mundo, nem
temporariamente, n podem aumentar o podem ser medidas ou compreendidas
número de filhos e em que só com unicamente em função dele, mas que estão
dificuldade se mantém a fidelidade do amor sempre relacionadas com o eterno destino
e a plena comunidade de vida. Mas quando do homem.
se suspende a intimidade da vida conjugal, 52. A família é como que uma escola de
não raro se pode pôr em ris a fidelidade e valorização humana. Para que esteja em
comprometer o bem da prole; porque nesse condições de alcançar a plenitude da sua
caso, ficam ameaçadas tanto a educação vida e missão, exige, porém, a benévola
dos filhos como a coragem necessária para comunhão de almas e comum acordo dos
ter mais filhos. esposos, e a diligente cooperação dos pais
Não falta quem se atreva a dar soluções na educação dos filhos. A presença ativa do
imorais a estes problemas, sem recuar pai contribui poderosamente par, formação
sequer perante o homicídio. Mas a Igreja destes; mas é preciso assegurar também a
recorda que não pode haver verdadeira assistência ao lar por parte da mãe, da qual
incompatibilidade entre as leis divinas que os filhos sobretudo os menores, têm tanta
regem a transmissão da vida e o necessidade; s descurar, aliás, a legítima
desenvolvimento do autêntico amor promoção social da mulher. Os filhos sejam
conjugal. educados de modo a serem capazes,
chegarem a idade adulta, de seguir com
Com efeito, Deus, Senhor da vida, confiou inteira responsabilidade a sua vocação,
aos homens, para que estes incluindo a sagrada, e escolher um estado
desempenhassem dum modo digno dos de vida; e, se casarem, a poderem constituir
mesmos homens, o nobre encargo de uma família própria em condições morais,
conservar a vida. Esta deve, pois, ser sociais e econômicas favoráveis. Compete
salvaguarda, com extrema solicitude, desde aos pais ou tutores guiar os jovens na
o primeiro momento da concepção; o aborto constituição da família com prudentes
e o infanticídio são crimes abomináveis. conselhos que eles devem ouvir de bom
Quanto à sexualidade humana e ao poder
gerador do homem, eles superam de modo 80 Cf. Pio XI, Enc. Oasti connubii: AAS 22 (1930), p.
admirável o que se encontra nos graus 559-561: Denz.-Schõn. 3716-3718; Pio XII, Alocução ao
inferiores da vida; daqui se segue que os congresso da união Italiana de parteiras, 29 outubro, 19 AAS
43 (1951), p. 835-854; Paulo VI, Alocução ao Sacro colégio,
mesmos atos específicos da vida conjugal, 23 junho, 1964: AAS 56 (1964), p. 581-589. Certas questões,
realizados segundo a autêntica dignidade que requerem outras investigações mais aprofundadas,
humana, devem ser objeto de grande foram confiadas, por mandado do Sumo Pontífice I uma
comissão para o estudo da população da família e
respeito. Quando se trata, portanto, de natalidade; uma vez terminados os seus trabalhos, o sumo
Pontífice pronunciará o seu juízo. No atual estado da doutrina
do Magistério, o sagrado Concílio não pretende pro
79 Cf. Pio XII, Alocução 20 janeiro, 1958: AAS (1958), p. 91. imediatamente soluções concretas.
grado; mas evitem cuidadosamente forçá- ainda fortalece-los, com bondade e
los, direta ou indiretamente, a casar-se ou a paciência, nas suas dificuldades e
escolher o cônjuge. reconforta-los com caridade, para que assim
A família - na qual se congregam as se formem famílias verdadeiramente
diferentes gerações que reciprocamente se irradiantes.
ajudam a alcançar uma sabedoria mais As diferentes obras, sobretudo as
plena e a conciliar os direitos pessoais com associações de famílias, procurem fortalecer
as outras exigências da vida social - com a doutrina e a ação os jovens e os
constitui assim o fundamento da sociedade. esposos, especialmente os casados de há
E por esta razão, todos aqueles que têm pouco e formá-los para a vida familiar, social
alguma influência nas comunidades e e apostólica.
grupos sociais, devem contribuir Finalmente, os próprios esposos, feitos à
eficazmente para a promoção do matrimônio imagem de Deus e estabelecidos numa
e da família. A autoridade civil deve ordem verdadeiramente pessoal, estejam
considerar como um dever sagrado unidos em comunhão de afeto e de
reconhecer a sua verdadeira natureza, pensamento e com mútua santidade82 de
protegê-los e favorecê-los; assegurar a modo que, seguindo a Cristo, princípio de
moralidade pública e favorecer a vida,83 se tornem, pela fidelidade do seu
prosperidade doméstica. Deve salvaguardar- amor, através das alegrias e sacrifícios da
se o direito de os pais gerarem e educarem sua vocação, testemunhas daquele mistério
os filhos no seio da família. Protejam-se de amor que Deus revelou ao mundo com a
também e ajudem-se convenientemente, por sua morte e ressurreição.84
meio duma previdente legislação e com
iniciativas várias, aqueles que por
infelicidade estão privados do benefício
duma família.
Os cristãos, resgatando o tempo presente,81
e distinguindo o que é eterno das formas
passageiras, promovam com empenho o
bem do matrimônio e da família, com o
testemunho da própria vida e cooperando
com os homens de boa vontade; deste
modo, superando as dificuldades, proverão
às necessidades e vantagens da família, de
acordo com os novos tempos. Para alcançar
este fim, muito ajudarão o sentir cristão dos
fiéis, a retidão da consciência moral dos
homens, bem como o saber e competência
dos que se dedicam às ciências sagradas.
Os cientistas, particularmente os
especialistas nas ciências biológicas,
médicas, sociais e psicológicas, podem
prestar um grande serviço para o bem do
matrimônio e da família se, juntando os seus
esforços, procurarem esclarecer mais
perfeitamente as condições duma honesta
regulação da procriação humana.
Cabe aos sacerdotes, devidamente
informados acerca das realidades familiares,
auxiliar a vocação dos esposos na sua vida
conjugal e familiar por vários meio pastorais,
com a pregação da palavra de Deus, o culto
litúrgico e outras ajudas espirituais; devem
82 Cf. 8acramentarium Gregorianum: PL 78,262.
83 Cf. Rm 5,15 e 18; 6,5-11; GI 2,20.
81 Cf. Ef 5,16; CI 4,5. 84 Cf. Ef 5,25-27.
FAMILIARIS CONSORTIO
(Primeiro ano 4.2)

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA FAMILIARIS CONSORTIO


JOÃO PAULO II
A FUNÇÃO DA FAMÍLIA CRISTÃ NO MUNDO DE HOJE
SEGUNDA PARTE
O DESÍGNIO DE DEUS SOBRE O MATRIMÔNIO E SOBRE A FAMÍLIA

O homem imagem de Deus Amor

11. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (20): chamando-o à existência por amor,
chamou-o ao mesmo tempo ao amor.

Deus é amor(21) e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à


sua imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem
e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da
comunhão(22). O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano.

Enquanto espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito
imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor abraça também o
corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual.

A Revelação cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana
na sua totalidade ao amor: o Matrimônio e a Virgindade. Quer um quer outro, na sua respectiva
forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda do homem, do seu «ser à
imagem de Deus».

Por consequência a sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro


com os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico,
mas diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Esta realiza-se de maneira
verdadeiramente humana, somente se é parte integral do amor com o qual homem e mulher se
empenham totalmente um para com o outro até à morte. A doação física total seria falsa se não
fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensão
temporal, está presente: se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de decidir
de modo diferente para o futuro, só por isto já não se doaria totalmente.

Esta totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma
fecundidade responsável, que, orientada como está para a geração de um ser humano, supera,
por sua própria natureza, a ordem puramente biológica, e abarca um conjunto de valores
pessoais, para cujo crescimento harmonioso é necessário o estável e concorde contribuição
dos pais.

O «lugar» único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimônio,
ou seja o pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o homem e a
mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor, querida pelo próprio Deus (23) que só a
esta luz manifesta o seu verdadeiro significado. A instituição matrimonial não é uma ingerência
indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma
exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e
exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de
mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em segurança em relação ao
subjetivismo e relativismo, fá-la participante da Sabedoria Criadora.

TERCEIRA PARTE
OS DEVERES DA FAMÍLIA CRISTÃ

Família, torna-te aquilo que és!

17. No plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade», o que
«é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As tarefas, que a família é
chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e representam o seu
desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e encontra em si mesma o
apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua dignidade e a sua responsabilidade:
família, «torna-te aquilo que és»!

Voltar ao «princípio» do gesto criativo de Deus é então uma necessidade para a família, se se
quiser conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu ser mas também do seu
agir histórico. E porque, segundo o plano de Deus, é constituída qual «íntima comunidade de
vida e de amor»(44), a família tem a missão de se tornar cada vez mais aquilo que é, ou seja,
comunidade de vida e de amor, numa tensão que, como para cada realidade criada e redimida,
encontrará a plenitude no Reino de Deus. E numa perspectiva que atinge as próprias raízes da
realidade, deve dizer-se que a essência e os deveres da família são, em última análise,
definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de guardar, revelar e comunicar o amor,
qual reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo
pela Igreja, sua esposa.

Cada dever particular da família é a expressão e a atuação concreta de tal missão


fundamental. É necessário, portanto, penetrar mais profundamente na riqueza singular da
missão da família e sondar os seus conteúdos numerosos e unitários.

Em tal sentido, partindo do amor e em permanente referência a ele, o recente Sínodo pôs em
evidência quatro deveres gerais da família:

1) a formação de uma comunidade de pessoas;

2) o serviço à vida;

3) a participação no desenvolvimento da sociedade;

4) a participação na vida e na missão da Igreja.

I - A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE PESSOAS

O amor, princípio e força de comunhão

18. A família, fundada e vivificada pelo amor, é uma comunidade de pessoas: dos esposos,
homem e mulher, dos pais e dos filhos, dos parentes. A sua primeira tarefa é a de viver
fielmente a realidade da comunhão num constante empenho por fazer crescer uma autêntica
comunidade de pessoas.

O princípio interior, a força permanente e a meta última de tal dever é o amor: como, sem o
amor, a família não é uma comunidade de pessoas, assim, sem o amor, a família não pode
viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas. Quanto escrevi na Encíclica
Redemptor Hominis encontra, exatamente na família como tal, a sua aplicação originária e
privilegiada: «O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser
incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele
não se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo próprio, se nele não
participa vivamente»(45).

O amor entre o homem e a mulher no matrimônio e, de forma derivada e ampla, o amor entre
os membros da mesma família - entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre parentes e
familiares - é animado e impelido por um dinamismo interior e incessante, que conduz a família
a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade
conjugal e familiar.

II - O SERVIÇO À VIDA
1) A transmissão da vida

O itinerário moral dos esposos

34. É sempre muito importante possuir uma reta concepção da ordem moral, dos seus valores
e das suas normas: a importância aumenta quando se tornam mais numerosas e graves as
dificuldades para as respeitar.

Exatamente porque revela e propõe o desígnio de Deus Criador, a ordem moral não pode ser
algo de mortificante para o homem e de impessoal; pelo contrário, respondendo às exigências
mais profundas do homem criado por Deus, põe-se ao serviço da sua plena humanidade, com
o amor delicado e vinculante com o qual Deus mesmo inspira, sustenta e guia cada criatura
para a felicidade.

Mas o homem, chamado a viver responsavelmente o plano sapiente e amoroso de Deus, é um


ser histórico, que se constrói, dia a dia, com numerosas decisões livres: por isso ele conhece,
ama e cumpre o bem moral segundo etapas de crescimento.

Também os cônjuges, no âmbito da vida moral, são chamados a um contínuo caminhar,


sustentados pelo desejo sincero e operante de conhecer sempre melhor os valores que a lei
divina guarda e promove, pela vontade reta e generosa de os encarnar nas suas decisões
concretas. Eles, porém, não podem ver a lei só como puro ideal a conseguir no futuro, mas
devem considerá-la como um mandato de Cristo de superar cuidadosamente as dificuldades.
Por isso a chamada «lei da graduação» ou caminho gradual não pode identificar-se com a
“graduação da lei”, como se houvesse vários graus e várias formas de preceito na lei divina
para homens em situações diversas. Todos os cônjuges são chamados, segundo o plano de
Deus, à santidade no matrimônio e esta alta vocação realiza-se na medida em que a pessoa
humana está em grau de responder ao mandato divino com espírito sereno, confiando na graça
divina e na vontade própria» (95). Na mesma linha a pedagogia da Igreja compreende que os
cônjuges antes de tudo reconheçam claramente a doutrina da Humanae Vitae como normativa
para o exercício da sexualidade e sinceramente se empenhem em pôr as condições
necessárias para a observar.

Esta pedagogia, como sublinhou o Sínodo, compreende toda a vida conjugal. Por isso a
obrigação de transmitir a vida deve integrar-se na missão global da totalidade da vida cristã, a
qual, sem a cruz, não pode chegar à ressurreição. Em semelhante contexto compreende-se
como não se possa suprimir da vida familiar o sacrifício, mas antes se deva aceitá-lo com o
coração para que o amor conjugal se aprofunde e se torne fonte de alegria íntima.

Este caminho comum exige reflexão, informação, instrução idónea dos sacerdotes, dos
religiosos e dos leigos que estão empenhados na pastoral familiar: todos eles poderão ajudar
os cônjuges no itinerário humano e espiritual que comporta em si a consciência do pecado, o
sincero empenho de observar a lei moral, o ministério da reconciliação. Deve também ser
recordado como na intimidade conjugal estão implicadas as vontades das duas pessoas,
chamadas a uma harmonia de mentalidade e comportamento: isto exige não pouca paciência,
simpatia e tempo. De singular importância neste campo é a unidade dos juízos morais e
pastorais dos sacerdotes: tal unidade deve cuidadosamente ser procurada e assegurada, para
que os fiéis não tenham que sofrer problemas de consciência (96).

O caminho dos cônjuges será portanto facilitado se, na estima da doutrina da Igreja e na
confiança na graça de Cristo, ajudados e acompanhados pelos pastores e pela inteira
comunidade eclesial, descobrirem e experimentarem o valor da libertação e da promoção do
amor autêntico, que o Evangelho oferece e o mandamento do Senhor propõe.

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