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ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
O objetivo deste estudo foi conhecer o processo de comunicação da equipe de
saúde com o paciente com câncer, sob a ótica de familiares. Uma pesquisa de
abordagem qualitativa foi realizada entre maio e junho de 2022, em uma Unidade
de Oncologia de um hospital do Sul do Brasil. Foram realizadas entrevistas semies-
truturadas com oito familiares de pacientes em tratamento quimioterápico. Os
dados foram gerenciados no programa Atlas.ti, versão cloud para estudantes, sub-
metidos à análise de conteúdo e interpretados com o conceito de comunicação.
Evidenciou-se, na percepção dos familiares, que os médicos utilizam uma lingua-
gem objetiva, simples e adequada para informar o paciente sobre a doença e o
tratamento. A equipe da Unidade de Oncologia que atua durante o tratamento,
sobretudo a de enfermagem, foi avaliada como acolhedora, que cuida dos pacien-
tes respeitando a singularidade, o tempo e o espaço de cada um. Conclui-se que
o processo de comunicação pode ser integrado como um elemento facilitador do
cuidado nos serviços de oncologia, pois a comunicação pode impactar positiva-
mente na experiência do adoecimento do paciente e dos familiares e na relação
com a equipe de saúde.
Palavras-chave: Relações Familiares. Oncologia. Comunicação em Saúde. Relações En-
fermeiro-Paciente. Relações Médico-Paciente. Pesquisa Qualitativa.
ABSTRACT
This study aimed to understand the process of communication between the healthcare
team and cancer patients from the perspective of family members. A qualitative research
approach was employed between May and June 2022 at an Oncology Unit in a hospital in
the Southern region of Brazil. Semi-structured interviews were conducted with eight family
members of patients undergoing chemotherapy treatment. Data were managed using the
Atlas.ti program, cloud version for students, subjected to content analysis and interpreted
within the framework of communication. According to the viewpoint of family members, it
became evident that physicians use clear, simple, and appropriate language to inform patients
about the illness and treatment. The Oncology Unit’s team involved in treatment, especially
the nursing staff, was assessed as being supportive, caring for patients while respecting their
individuality, time, and personal space. It can be concluded that the communication process
can be integrated as a facilitating element in oncology services, as it can have a positive
impact on the patient and family member’s illness experience and their relationship with the
healthcare team.
Keywords: Family Relationships. Oncology. Health Communication. Nurse-Patient Relations. Doc-
tor-Patient Relations. Qualitative Research.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue comprender el proceso de comunicación entre el equipo de
salud y los pacientes con cáncer desde la perspectiva de los familiares. Se empleó un enfo-
que de investigación cualitativa entre mayo y junio de 2022 en una Unidad de Oncología de
un hospital en la región sur de Brasil. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con ocho
familiares de pacientes en tratamiento de quimioterapia. Los datos fueron gestionados uti-
lizando el programa Atlas.ti, versión en la nube para estudiantes, y se sometieron a análisis
de contenido, interpretándolos en el contexto de la comunicación. Según el punto de vista
de los familiares, quedó claro que los médicos utilizan un lenguaje claro, sencillo y apropiado
para informar a los pacientes sobre la enfermedad y el tratamiento. El equipo de la Unidad
de Oncología que participa en el tratamiento, especialmente el personal de enfermería, fue
evaluado como un equipo acogedor que cuida a los pacientes respetando su individualidad,
tiempo y espacio personal. Se puede concluir que el proceso de comunicación puede inte-
grarse como un elemento facilitador en los servicios de oncología, ya que puede tener un
impacto positivo en la experiencia de enfermedad del paciente y de los familiares, así como
en su relación con el equipo de salud.
Palabras clave: Relaciones Familiares. Oncología. Comunicación en Salud. Relaciones Enfermero-Pa-
ciente. Relaciones Médico-Paciente. Investigación Cualitativa.
INTRODUÇÃO
No Brasil, em 2021, foi criado o Estatuto da Pessoa com Câncer. Esse documento tem
como objetivo assegurar a promoção das condições de igualdade perante as etapas da doença,
como o direito ao diagnóstico precoce através dos cuidados promovidos pelo Sistema Único
de Saúde (SUS), o acesso ao tratamento de qualidade, bem como a prevenção da enfermidade.
Além disso, apresenta como obrigatoriedade a transparência sobre as informações da doença
e do tratamento. Essa transparência também ocorre por meio das estratégias de comuni-
cação, processo base da relação médico-paciente/família, pela promoção do diálogo claro
e objetivo, pelo esclarecimento de dúvidas e explicação das etapas do adoecimento e pelo
acolhimento do paciente e sua família pela equipe e serviço de saúde (Brasil, 2021).
METODOLOGIA
Trata-se de pesquisa qualitativa realizada em uma Unidade de Oncologia de hospital
público do Sul do Brasil. O serviço dispõe de consultórios e sala para triagem de sintomas da
Covid-19, recepção do ambulatório de quimioterapia, um salão para infusão com 11 poltronas
inclináveis para os pacientes, bem como uma adicional para o acompanhante, totalizando 20
assentos, e uma sala com quatro leitos e quatro poltronas, onde são acomodados os pacientes
que realizam protocolos de quimioterápicos de longa duração (Amaral, 2022).
Quanto aos profissionais, existe uma equipe de enfermagem composta por nove enfer-
meiros, seis técnicos de enfermagem e um auxiliar de enfermagem. Além deles, há médicos,
farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas, odontólogos, psicólogos, terapeutas ocupacio-
nais e assistentes sociais (Amaral, 2022).
Os participantes foram familiares de pessoas com câncer em tratamento quimioterápico
que atenderam aos critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais; ter capacidade cognitiva para
realizar entrevista; ser a pessoa da família que mais acompanha a pessoa em tratamento
quimioterápico durante a trajetória da doença; e a pessoa em tratamento ter realizado, pelo
menos, dois ciclos de quimioterapia. Os critérios de exclusão foram não falar o idioma portu-
guês e o familiar em tratamento estar realizando a última quimioterapia do último ciclo.
A amostragem foi do tipo intencional e a produção dos dados ocorreu entre maio e junho
de 2022. Nesse período, um dos pesquisadores realizava estágio curricular de graduação no
serviço, o que favoreceu o convite para as pessoas que estavam no critério de inclusão do
estudo. Para a produção de dados, o pesquisador dialogou com a equipe de enfermagem
sobre os possíveis familiares que atendiam aos critérios de inclusão, tendo levado em conta
a observação prévia do espaço e a vivência que a equipe possuía com os pacientes e seus
familiares.
A partir da seleção, realizou-se o convite aos possíveis participantes, após apresentação
de nome, curso, faculdade e finalidade da pesquisa. Ao final, oito familiares aceitaram
participar, sem haver nenhuma recusa. As entrevistas foram encerradas ao se atingir oito
participantes, considerando que houve a saturação dos dados pela repetição das informações
nas entrevistas. A amostragem por saturação pressupõe o encerramento do grupo amostral
quando, a partir de um certo número de entrevistas realizadas com um grupo homogêneo,
o conteúdo começa a apresentar repetição e o objetivo proposto foi atingido, permitindo a
compreensão do objeto de estudo (Turato, 2013).
Como técnica de produção de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada, as quais
foram realizadas em uma sala privativa do serviço, tendo duração variável entre dez e quinze
minutos e registradas somente em áudio. Os arquivos de áudio foram transcritos e arma-
zenados em pastas no Google Drive. Essas pastas foram compartilhadas com a orientadora
e responsável pela pesquisa, que revisou todas as transcrições antes do gerenciamento dos
dados no programa Atlas.ti, versão cloud de demonstração, programa utilizado para o geren-
ciamento dos dados.
A análise de dados foi norteada pelas seis etapas propostas por Creswell (2010). A primeira
diz respeito à organização dos dados, momento em que ocorreu a transcrição das entrevistas
e a organização/sistematização dos resultados. A segunda etapa compreende a leitura dos
materiais de modo a extrair as ideias principais e produzir outros questionamentos, os quais
podem indicar a necessidade de modificar as entrevistas ainda a serem realizadas (Creswell,
2010). Nesta pesquisa, essa etapa foi realizada concomitante à produção de dados, de forma a
aprimorar as entrevistas, e foi operacionalizada por meio da leitura e revisão das entrevistas
e discussão das mesmas entre os pesquisadores.
A terceira etapa compreende a codificação dos materiais empíricos, processo que pode
ser realizado com o auxílio de programas ou manualmente (Creswell, 2010). Nesta pesquisa
foi utilizado o programa Atlas.ti para implementar essa etapa. Destaca-se que não foi cons-
tituído um livro de códigos prévios, eles emergiram das falas dos participantes. A quarta
etapa é caracterizada pela descrição e síntese dos assuntos ou temas identificados por meio da
construção de unidades temáticas ou categorias (Creswell, 2010). Para essa etapa foi utilizado
também o Atlas.ti, além de ter sido construído um quadro para evidenciar o processo de
construção e aglutinação de códigos para a composição das unidades temáticas. No Atlas.
ti foram elaborados 13 códigos e selecionados 182 excertos, os quais constituíram duas
categorias – Categoria 1: A comunicação com o paciente diante do diagnóstico de câncer e
Categoria 2: A comunicação com o paciente durante o tratamento.
A quinta etapa compreende a apresentação dos resultados, que comumente ocorre de
forma narrativa na pesquisa qualitativa (Creswell, 2010). Foram utilizados excertos repre-
sentativos das ideias centrais que compuseram cada unidade temática. Por fim, a sexta
etapa é a interpretação dos resultados, a qual se constitui de um movimento reflexivo dos
pesquisadores em articulação com elementos da própria experiência, da cultura e vivência
dos participantes e cenário da pesquisa e também com teorias ou literatura inerente à área
de pesquisa (Creswell, 2010). Nesta pesquisa, a interpretação se deu em articulação com o
conceito de comunicação, na perspectiva abordada por Silva (2003).
A comunicação compreende a articulação entre signos visando a transmissão entre uma
pessoa e outra. É mediada por experiências, percepções, aspectos psicossociais e culturais
que determinam a intencionalidade e a tentativa de compreensão e convencimento sobre
uma mensagem emitida durante as relações que o sujeito tece consigo e com os demais nas
situações cotidianas (Silva, 2003).
Por fim, foram respeitados os preceitos éticos da Resolução nº 466 de dezembro de 2012,
tendo sido o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer nº 5.372.824. O
anonimato dos participantes foi mantido por meio do nome de cidade, por eles escolhido,
para identificá-los.
RESULTADOS
No Quadro 1 apresenta-se a caracterização dos oito familiares participantes do estudo,
seguindo a ordem de realização das entrevistas.
Foi a médica. [...] foi bem explicativo. Ela disse o que ele tinha, o tratamento que
seria feito, todo o passo a passo que a gente iria ter que percorrer durante esse
tempo. E tudo de uma forma bem delicada, bem sensível, demonstrou apoio com a
gente, o que foi bem importante nessa questão do pai aceitar o tratamento. [...] Foi
um momento que me deu esperança, porque ela mostrou que tinha várias manei-
ras da gente atacar a doença e tentar melhorar os sintomas. (Estância)
Foi o médico. Mas na verdade, quando ela pegou o resultado do exame, já viu que
era a doença, né?! Mas quem conversou depois melhor com a gente foi o médico,
na consulta. [...] Foi bem importante e acho que direito, né?! Ele sentou pra conver-
sar com a gente, ficamos uns bons minutos dele explicando do diagnóstico e como
seria o tratamento, qual seria a medicação, o que poderia causar. Então a gente
ficou bem preparado pro que ia vir… (Pelotas)
Foi o médico. [...] Ah, foi bom porque como eu disse me acalmou. Não só a mim,
né, a ele também, pelo menos eu acho e espero. Porque o médico explicou que
pegamos a doença no início, então tínhamos mais chances e tudo mais… explicou
como ia ser o tratamento, qual ia ser o remédio, se poderia dar alguma coisa ruim
nele, foi tipo essas coisas. Daí ele conseguiu nos acalmar. (Canguçu)
Ele [o médico] explicou sobre a quimio, sobre as reações que poderia dar, tipo
enjoo, e tal. Toda dúvida que a gente passou a ter depois do choque do diagnóstico
foi sanada e de uma forma simples, que deixou a gente entender e não aquele tipo
de conversa que te deixa mais confuso do que quando começou. [...] teve isso desde
o momento do diagnóstico e depois foi reforçado no primeiro ciclo e tudo mais.
Foi bem rápido, mas esclarecedor sobre as reações, o propósito e tal. (Passo Fundo)
Foi o médico. [...] mas o médico foi muito claro sobre o diagnóstico e sobre o tra-
tamento, explicou qual seria a medicação e quais os tipos de efeitos que poderia
causar no organismo dele, mas dizendo que também havia a possibilidade dele
passar bem, sem sentir nada muito ruim. (São Lourenço)
No momento, estávamos eu, ela e o médico responsável. [...] foi explicado o que era
a doença, mesmo a gente já conhecendo, foi mostrado qual foi o achado no exame
dela que indicou a presença dessa doença, qual seria o tratamento e os efeitos que
talvez causaria no corpo dela, né?! Em relação à perda de cabelo, por exemplo. En-
tão foi muito explicativo e informativo, e isso é importante nessa situação…o fato
do paciente entender tudo o que está vivenciando. (Gramado)
Não, foi só ele mesmo. Mas acho que foi bom pra não ficar muita gente junto e ela
acabar se estressando, de ficar nervosa e acabar não entendendo o que o médico
falou, né... (Passo Fundo)
Tem a minha mãe que tá sempre com a gente também, mas eu acompanho mais
ele aqui porque ela é sensível né pra ver ele meio fraco aqui fazendo remédio e tal.
Mas em casa, fora daqui ela ajuda muito e tá sempre com a gente. Sempre querendo
saber como ele tá, como foi a quimio, se tem alguma novidade e tal. A gente sempre
chega em casa e conta pra ela. (Canguçu)
Tem essa nossa outra irmã. O resto ou morreu ou tá pra longe. Mas essa outra irmã
que também tá com câncer a gente não costuma falar sobre tudo, tudo… porque
pensa, se ela tá mal e essa tá bem, fica uma situação chata, porque parece que uma
merece mais que a outra, sabe?! Então a gente filtra as coisas, mas ela sempre parti-
cipa. Somos um trio parada dura [risos]. (Piratini)
[Tem] a irmã dela, a minha tia… as duas irmãs dela, mas a que mora… a outra é
meio doente, sabe cara?! mas a que mora mais perto tá sempre em volta, juntos.
[...] A minha prima é enfermeira até inclusive, sabe?! Ela tá sempre explicando e
conversando com ela e tal. [...] Eu levo as crianças pra lá, eu tenho filhos também,
então ficam na volta dela, ela adora. (Herval)
Mesmo ele tendo ficado meio assim sem saber bem se iria querer fazer ou não, foi
ele que decidiu tudo. Ninguém nunca passou por cima dele e perguntou só pra
mim, deixando eu decidir, mesmo sendo filha, o que eu acho que é correto, porque
no final das contas o organismo é dele, o corpo é dele, quem vai passar por tudo é
ele. (Estância)
Ela sempre esteve junto em todas as conversas. A voz dela sempre prevaleceu, por-
que o corpo é dela, né?! Ela decide o que fazer com ele, então eu só aceito e concor-
do, porque sei que vai fazer bem pra ela. (Pelotas)
[...] ela [médica] chamava mais eu de canto, né cara? Pra conversar e depois eu
explicava pra ela. [...] Aí ela me explicou toda a situação do quadro dela, que era
extremamente necessário [radioterapia] pra tentar parar a doença, que era de al-
tíssimo risco a doença que ela tinha se ela não fizesse e aí eu concordei com tudo.
(Herval)
Tudo que é feito com o corpo dela é explicado e permitido, então ela sempre tem
controle de tudo que acontece. [...] Óbvio que eu fico sempre junto com ela, mas
nunca me meto, a não ser quando ela pergunta o que eu acho sobre tal coisa.
(Piratini)
Ela decide tudo. Ela é bem entendida de todo o quadro dela, então ela escolhe o
que vai ser feito. Eu só acompanho junto, as consultas, os procedimentos que posso
acompanhar, mas ela decide tudo. (Gramado)
O carinho que essas enfermeiras, doutoras, têm com ela é uma loucura, o cara
fica abestado. Desde lá debaixo, das atendentes até aqui é assim, perfeito. E tão
sempre conversando com ela, explicando as coisas também de tratamento, e que-
rendo sempre saber como ela tá e isso é essencial pro paciente ficar bem e aceitar o
tratamento, né?! Além também do pessoal sempre reconhecer ela [se referindo ao
fato de os profissionais chamarem a familiar pelo nome], então não fica parecendo
que ela é “só mais uma paciente”, isso emociona, ela sai super bem e satisfeita. [...] a
relação é ótima, perfeita na verdade. (Pelotas)
Todo mundo é bem compreensível, gente boa, educados, carinhosos, pessoas re-
almente boas de comunicação, né?! Tão sempre querendo saber como o pai tá e
fazendo de tudo pra deixar ele o mais confortável possível, por exemplo, sempre
botam uma mantinha nele pra tapar do frio. E mesmo que isso pareça um gesto
O pessoal sempre fala tudo pra gente, combina tudo certinho. As enfermeiras sem-
pre explicam e pedem permissão pra poder fazer [...] é muito boa [a relação], bem
forte. Desde o primeiro dia, quando a enfermeira sentou com ele e deu as boas-
-vindas, explicou que ia pegar a veia pra fazer o remédio né, e falou que tinha que
tomar água pra melhorar e tudo mais. Explicou que ia fazer o remédio antes da
quimioterapia que era pra não ter reação, explicou quais eram e tudo mais. Então é
nessas situações que a gente percebe o carinho da equipe com ele. É ótimo ter um
pessoal bom pra nos ajudar a passar por isso. (Canguçu)
DISCUSSÃO
Com base no apresentado, percebeu-se a satisfação dos familiares em relação à comuni-
cação da equipe de saúde com o familiar acometido pelo câncer. Eles a qualificaram como
esclarecedora e objetiva. Apontaram a sutileza utilizada pelos profissionais ao transmitirem o
diagnóstico, demonstrando apoio e segurança. Tal achado evidencia que nesse processo rela-
cional os profissionais atingem a finalidade máxima da comunicação, que é a compreensão e
a transformação de determinada realidade (Silva, 2003).
Nesse sentido, utilizar linguagem simples em relação aos termos técnicos para explicar
a doença e seus estágios é importante nas relações entre médico, paciente e familiares, pois
estimula a compreensão, validação e aceitação da mensagem por quem a recebe (Barboza et
al., 2020).
A comunicação é elemento crucial para a aceitação da terapêutica e o prognóstico da
doença. Dentre as estratégias recomendadas para melhorar essa ação, que convergem com
as identificadas no presente estudo, estão: o uso adequado do tempo cedido para a conversa,
o uso da empatia e escuta terapêutica para com os envolvidos, o uso de termos comuns que
buscam atingir o conhecimento de cada ouvinte e o esclarecimento de dúvidas sobre todo o
conteúdo acerca do processo do câncer (Gilligan et al., 2017).
Ainda que possa ser recomendada a presença de outros profissionais durante a comu-
nicação do diagnóstico (Campos; Silva; Silva, 2019), esse acompanhamento deve ser
ponderado junto a cada paciente e família. Isso porque, conforme evidenciado nos achados
desta pesquisa, a presença de mais profissionais pode repercutir em estresse, nervosismo
e até mesmo vergonha. Dessa forma, faz-se necessário analisar cada caso, buscando saber
do próprio paciente se é da vontade dele ter à sua disposição uma equipe multiprofissional
no momento do diagnóstico, de modo a proporcionar conforto e tranquilidade para a
compreensão do momento de forma a refletir positivamente no percurso de sua trajetória.
A rede de apoio familiar identificada nesta pesquisa se mostrou importante por servir
de apoio e suporte ao paciente no processo de decisão acerca do tratamento e também para
o enfrentamento da doença. Tal resultado converge com os achados de um estudo realizado
com pessoas com câncer, que evidenciou a importância de familiares no suporte emocional,
financeiro, na execução de tarefas domésticas, no transporte aos atendimentos e na adaptabi-
lidade ao diagnóstico e ao tratamento (Santos et al., 2021).
Em relação ao tratamento, especificamente à tomada de decisão, processo no qual
a comunicação é central, recomenda-se que seja feita de forma mutualista, envolvendo os
profissionais de saúde, pacientes e familiares, sobretudo, evidenciando a autonomia da pessoa
que receberá as intervenções sobre seu corpo (Vidal et al., 2022).
Nesse sentido, a noção de autonomia e as escolhas dos pacientes dependem do contexto
clínico, da perspectiva prognóstica e dos riscos de cada terapêutica proposta. A autonomia e
a compreensão dos pacientes são influenciadas pelos aspectos não verbais da comunicação
e os referenciais socioculturais dos pacientes, os quais dão sentido à mensagem informada e
aos significados produzidos por quem a recebe (Forte; Kawai; Cohen, 2018).
Um dos aspectos que interferem na autonomia de pessoas adoecidas, com câncer ou não,
são os silêncios produzidos na relação da família com o paciente. A conspiração do silêncio,
como é denominada essa prática, emerge do comportamento protecionista dos familiares,
na tentativa de esconder sentimentos negativos, como medo da perda, incerteza diante do
desconhecido e dor frente ao inaceitável (Neves et al., 2017; Volles; Bussoletto; Rodacoski,
2012).
Na presente pesquisa, o resultado se mostrou divergente da literatura, pois os partici-
pantes perceberam respeito por parte dos profissionais em relação à autonomia na tomada
de decisão, ao mesmo tempo em que também respeitaram, enquanto familiares, os desejos e
vontades da pessoa doente, colocando-a como protagonista nos momentos de consulta, por
exemplo. Tais ações convergem com o preconizado no Estatuto da Pessoa com Câncer, no que
concerne ao direito à acompanhante nos atendimentos, ao mesmo tempo em que assegura ao
paciente o direito ao acesso às informações transparentes e objetivas relativas à doença e ao
seu tratamento, viabilizando o respeito à sua dignidade e autonomia (Brasil, 2021).
No que tange à comunicação da equipe que assiste ao paciente durante o tratamento no
ambulatório de quimioterapia, os participantes reconheceram a valorização da individuali-
dade, o respeito pelo paciente e pela família, além do acolhimento. Esse acolhimento por parte
das equipes oncológicas também foi identificado em estudo brasileiro no qual os pacientes
destacaram a abordagem acolhedora dos profissionais de saúde, os quais estabeleciam com
eles relação na qual a escuta, a empatia e o uso de linguagem acessível eram valorizados
(Santos et al., 2021).
A comunicação estabelecida com os pacientes pela equipe do serviço cenário desta
pesquisa vai ao encontro do indicado na literatura, que recomenda haver clareza na
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu conhecer o processo de comunicação da equipe de saúde com o
paciente com câncer sob a ótica de familiares. A comunicação demonstrou ser uma impor-
tante competência dos profissionais da Unidade de Oncologia, viabilizando o acolhimento e
o estabelecimento de vínculo na assistência ofertada.
Evidenciou-se a valorização do paciente pela equipe de saúde. Embora a família repre-
sente fonte de apoio emocional e social e deva ser cuidada e ouvida no processo de tomada
de decisão, é essencial que o corpo daqueles que recebem o tratamento e o cuidado sejam
o centro da assistência da equipe oncológica. Tal aspecto foi destacado pelos familiares,
demonstrando que tanto eles quanto os profissionais respeitam ao máximo o direito à auto-
nomia estabelecido em políticas públicas nacionais.
Percebeu-se que os profissionais, por meio da comunicação verbal e não verbal, são
elementos-chave na humanização do cuidado em oncologia, pois configuram-se enquanto
facilitadores da compreensão da doença e suas repercussões, podendo, assim, desmistificar
estigmas que provocam medo e angústia aos pacientes e familiares diante do diagnóstico e
tratamento, facilitando e sendo apoio durante todas as etapas do adoecer por câncer.
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Fonte de financiamento
Financiamento próprio.
Conflito de interesses
Os autores declaram que não há conflito de interesses.
Responsabilidade editorial
Ramona Fernanda Ceriotti Toassi, Mariangela Kraemer Lenz Ziede
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil