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Kátia de Almeida
Introdução
Assim, para que os objetivos da adaptação dos dispositivos eletrônicos sejam obtidos é
necessário que medidas sejam realizadas para determinar se as características selecionadas e
desempenho eletroacústico real do aparelho de amplificação estão de acordo com as
necessidades audiológicas do indivíduo, proporcionando amplificação sonora com qualidade e
sem desconforto perceptual. Além disso, os dispositivos eletrônicos de amplificação atuais
possuem características dinâmicas de processamento de sinal, tais como redução de ruído,
cancelamento de microfonia, tecnologia direcional e outros algoritmos que devem ter seu
funcionamento verificado para garantir o benefício ao seu usuário.
Dessa forma, o objetivo deste capítulo é discutir, a partir das evidências científicas, os
principais procedimentos utilizados na verificação clínica das características da amplificação
em adultos.
► Procedimentos de verificação
Mensurações com microfone-sonda permitem uma avaliação objetiva dos níveis de pressão
sonora gerados pelo aparelho de amplificação na orelha do seu usuário, possibilitando avaliar
não apenas o processamento do sinal sonoro, bem como o registro do ganho e da saída do
aparelho para diferentes sinais e intensidades de entrada. Limiares em campo livre com
aparelho não servem a esse propósito, entretanto, fornecem informações referentes à audição
do usuário com aparelho, informação que não é fornecida pelas medidas com microfone-
sonda ou mesmo não pode ser estimada a partir delas.
Por outro lado, ainda que medidas de ganho in situ não requeiram respostas subjetivas,
também não avaliam a audição, assim os limiares com aparelho não podem ser previstos a
partir do ganho eletroacústico registrado pelos equipamentos com microfone-sonda. Cada um
desses procedimentos tem sua utilidade no processo de verificação, uma vez que podem
fornecer informações sobre a adequação da adaptação.
Idealmente, os dois procedimentos deveriam ser utilizados para propósito de verificação das
características da amplificação do aparelho selecionado. Entretanto, se apenas um deles puder
ser realizado, o método de escolha deverá ser a utilização das mensurações com microfone-
sonda.
A audiometria em campo livre vem sendo utilizada para a verificação do ganho acústico
fornecido pelo aparelho de amplificação sonora. Usualmente, pela comparação dos limiares de
audibilidade obtidos para estímulos tonais sem e com aparelhos de amplificação, o chamado
ganho funcional.
Além do ganho funcional, os limiares de audibilidade com aparelho (ou limiar funcional)
também têm informações importantes a acrescentar no processo de verificação. O que então
vem a ser o limiar funcional? Basicamente, é a menor intensidade sonora (em cada frequência
de teste) que o usuário é capaz de detectar com o aparelho de amplificação sonora. Portanto,
é o som mais fraco que o usuário é capaz de ouvir enquanto está usando um aparelho de
amplificação com um determinado ajuste de ganho acústico. Inclui conceitos importantes
como: é a única resposta perceptual que requer participação subjetiva e algum nível de
processamento auditivo do indivíduo. É uma resposta “tudo ou nada” que reflete o sinal
sonoro mais fraco que o usuário é capaz de ouvir.
Não haverá um limiar funcional se a intensidade de estímulo (em conjunto com o ganho do
aparelho de amplificação) não for suficiente para exceder o limiar de audibilidade do usuário.
O limiar funcional está atrelado ao ajuste de ganho do aparelho, isto é, um ganho mais elevado
levará a um limiar funcional mais baixo e vice-versa. E a definição de limiar implica que esse
índice reflete o desempenho do indivíduo em níveis de intensidade em torno do limiar. Desse
modo, tanto o limiar com aparelho e o ganho funcional não devem ser utilizados para
descrever ou prever o desempenho do usuário em níveis supraliminares4.
Há estudos que demonstram que limiares em campo livre com aparelho que se encontrem em
torno de 20 a 30 dBNA na faixa de frequências de 250 a 6.000 Hz significam a audibilidade do
sinal de fraca intensidade de fala, importante informação no processo de verificação, ainda
que não se tenha equipamentos com microfone-sonda2.
Ainda que os limiares de audibilidade com aparelho expressem os sons mais fracos que o
usuário é capaz de ouvir, em aparelhos com amplificação não linear, o ganho funcional não
reflete a amplificação fornecida pelo dispositivo para os sons de média e forte intensidade,
como ocorre com os aparelhos lineares. Além disso, independentemente do tipo de
amplificação – linear ou não linear – o ganho funcional não prediz a inteligibilidade de fala que
será obtida com o uso da amplificação em nenhuma circunstância, silêncio ou ruído. Também
não indica se a saída máxima está rebaixada, adequada ou muito elevada. Ou mesmo, como
funcionam os algoritmos de processamento de sinal como redução de ruído ou microfone
direcional. Mas, a informação fornecida pelo limiar funcional – um índice da audibilidade – é
crítica porque cada aspecto do processamento auditivo origina-se da habilidade de ouvir o
estímulo sonoro. Sem a audibilidade não haverá inteligibilidade.
Outra questão importante refere-se ao fato de que as respostas em campo livre sempre
refletem a audição da melhor orelha, o que pode limitar o valor dos resultados obtidos
especialmente no caso de perdas auditivas assimétricas ou unilaterais.
Deve-se ressaltar que medidas em campo livre são a única alternativa no caso da verificação
do ganho acústico fornecido por aparelhos de amplificação sonora adaptados por via óssea,
próteses implantáveis de orelha média e implantes cocleares.
Mensurações com microfone-sonda são o método mais eficiente para verificação das
características da amplificação do aparelho de amplificação sonora em uso pelo indivíduo 1,2.
Trata-se de um procedimento que possibilita a avaliação de modo simples e rápido do ganho
acústico e da saída máxima; das características de entrada e saída (compressão); da
direcionalidade do microfone; da redução de ruído; do rebaixamento de frequências e de
outros algoritmos de processamento de sinal.
Mensurações do nível de pressão sonora próximas à membrana timpânica podem ser divididas
em duas categorias distintas: mensurações absolutas, que refletem o nível de pressão sonora
global gerado pelo aparelho de amplificação; e mensurações relativas, denominadas medidas
de ganho.
Vale ressaltar que as respostas definidas como absolutas são expressas em decibel nível de
pressão sonora. Enquanto as respostas de ganho derivam das medidas absolutas e, por serem
relativas, são expressas em decibel. Ambas as respostas são relevantes e requerem cuidados
para sua obtenção9. A relação entre as duas medidas está exemplificada no Quadro 38.1.
A terminologia10 a ser empregada nas mensurações com microfone-sonda de acordo com a
ANSI S3.46 é descrita a seguir.
Resposta da orelha não ocluída (REUR) e ganho da orelha não ocluída (REUG)
Para registrar a REUR, o paciente deve estar posicionado adequadamente e instruído a não se
mover durante a realização do teste. Com o tubo-sonda inserido no meato acústico externo,
deve-se selecionar um sinal de entrada de banda larga a uma intensidade de 65 a 70 dBNPS
(deve estar acima do nível de ruído ambiental e não provocar desconforto ao paciente).
São definidos como o registro do nível de pressão sonora no meato acústico externo com o
molde auricular inserido e o aparelho de amplificação ligado. Pode ser tanto em decibel
relativo ao sinal de entrada (REAG) ou em dBNPS referindo-se à saída do aparelho medida no
meato acústico externo (REAR). É uma medida de saída e tem sido cada vez utilizada para
verificar se o aparelho atinge os três principais objetivos da adaptação, que são tornar o sinal
de fala de fraca intensidade (50 a 55 dBNPS) audível; a fala em nível de conversação
confortável (65 a 70 dBNPS) e amplificar os sons fortes (> 80 dBNPS) sem provocar
desconforto. As aplicações clínicas da REAR são: verificar as curvas de resposta em frequências
para diferentes níveis de sinal de entrada; registrar a saída máxima da prótese auditiva (RESR);
avaliar o funcionamento da compressão, microfone direcional, redução de ruído e outros
algoritmos de processamento de sinal.
Para o registro da REAR o aparelho de amplificação ligado e acoplado ao molde auricular deve
ser adaptado à orelha do usuário, deixando o tubo-sonda no assoalho do meato acústico
externo embaixo com anel marcador aparente para monitorar sua profundidade. Selecione um
sinal de banda larga tipo “fala” e diferentes intensidades de entrada para verificar a
amplificação do sinal de fraca, média e forte intensidade.
No caso dos aparelhos com amplificação linear é uma resposta eletroacústica objetiva,
equivalente ao ganho funcional. Suas aplicações clínicas são: verificar se o ganho prescrito foi
obtido; cálculo do ganho acústico do aparelho de amplificação, a partir dos limiares de
audibilidade individuais; e que seja escolhido o método prescritivo desejado.
Alguns procedimentos devem ser seguidos para obtenção de medidas confiáveis. A primeira
delas é a calibração do tubo-sonda cujo propósito é torná-lo acusticamente invisível. Para
tanto, os efeitos da passagem do som através do tubo de silicone devem ser levados em
consideração. Dessa forma, a ponta do tubo-sonda deve ser colocada próximo ao microfone
de referência, no momento da calibração, e esta unidade deve ser posicionada a uma distância
de 20 a 50 cm do alto-falante, dependendo do equipamento utilizado. Esse procedimento deve
ser repetido toda vez que o tubo-sonda for trocado. Um dos principais responsáveis por erros
na calibração é a presença de cerume na ponta do tubo. Por isso, deve-se verificar antes de
cada medida se o tubo-sonda está totalmente desobstruído.
Na preparação do paciente ao teste, a inspeção visual do meato acústico externo deve sempre
preceder o registro das medidas. Isto deve ser feito a fim de descartar a existência de
problemas que possam impedir ou dificultar a realização do teste; além de observar
comprimento, diâmetro e direção do meato acústico externo, o que facilitará o adequado
posicionamento do tubo-sonda.
Por outro lado, aparelhos com amplificação não linear, cujo ganho é dependente da
intensidade do sinal de entrada, respondem de modo bastante diverso – em termos de
amplificação –, dependendo das características espectrais e intensidade do estímulo sonoro.
Nesses dispositivos a escolha do sinal de teste é fundamental para verificar adequadamente
seu funcionamento.
No passado estímulos tonais modulados eram os únicos utilizados para obtenção das
mensurações com microfone-sonda. Entretanto, o avanço do processamento digital do sinal
sonoro pelos aparelhos de amplificação inviabilizou o uso de sinal tonal para avaliação desses
complexos equipamentos que processam de modo muito diferente o sinal tonal e a fala.
Para determinar como a fala é processada, é necessário utilizar um sinal com as características
mais relevantes da fala natural, ou seja, com o espectro médio da fala, a modulação, a variação
da frequência fundamental e de seus harmônicos, e a comodulação em diferentes bandas de
frequências. Por essa razão, nos últimos anos diferentes estímulos de banda larga foram
desenvolvidos com essa finalidade. Entretanto, a maioria dos sinais de fala “artificial” não
contém necessariamente todas as características presentes na fala real.
O International Speech Test Signal – ISTS foi desenvolvido pela European Hearing Instrument
Manufacturers Association16 e consiste em segmentos de 500 ms de gravações de 6 falantes
femininos lendo uma passagem em inglês dos EUA, árabe, chinês, francês, alemão e espanhol.
Esses segmentos foram agregados com pausas e filtrados para atingir o espectro médio de fala
feminina, que foi selecionada porque representa tanto as baixas frequências presentes nas
vozes masculinas como as altas frequências presentes nas vozes das crianças. O ISTS tem
duração de 60 segundos e foi composto em sessões de 10 a 15 segundos. O tempo de 15
segundos permite que os algoritmos da prótese auditiva ajustem-se ao sinal.
Cada sinal de teste tem características bem definidas; normalmente é mais conveniente
utilizar amostras de fala real, especialmente quando avaliamos aparelhos de amplificação
sonora não lineares. Há algumas vantagens na utilização de tons modulados, pois é possível
um maior controle das características de frequência e intensidade do estímulo de entrada do
que quando utilizamos os sinais de fala com os diferentes equipamentos com microfone-
sonda. A saída máxima de um aparelho de amplificação sonora será mais elevada para um
sinal de tom puro do que para um estímulo de banda larga ou sinal de fala.
■ Protocolo de teste
Muitas variáveis podem afetar as mensurações obtidas com os equipamentos com microfone-
sonda. Portanto, na tentativa de minimizar os erros no registro destas medidas, sugerimos o
seguinte protocolo de teste17 que tem se mostrado apropriado, para ser aplicado com grande
parte das adaptações encontradas na clínica:
• Realize as mensurações em salas tratadas acusticamente; se isto não for possível, diminua as
superfícies refletoras próximas à área de teste
• Insira os limiares de audibilidade (via aérea e via óssea) do indivíduo e selecione o método
prescritivo
• Para verificar a oclusão ou abertura da adaptação realize o registro da REOR para um sinal de
entrada de 65 dBNPS
• Use intensidades de sinal de entrada de 50, 65 e 8 dBNPS para obtenção da REAR ou REAG
(aparelhos de amplificação sonora não linear) e 65 dB para o ganho de inserção
• Utilize preferencialmente sinais de fala gravados ou sinal de fala “artificial” para as medidas
REAR e REIG
A verificação do ganho prescrito tendo alvos propostos por um método validado deve ser feita
preferencialmente, usando os equipamentos com microfone-sonda. Tais equipamentos
permitem identificar o ganho gerado pelo aparelho de amplificação sonora enquanto em uso
pelo indivíduo. Além disso, os valores de ganho obtidos servirão como base de comparação
quando mudanças futuras forem efetuadas nos ajustes das características do aparelho de
amplificação.
Embora desvios do ganho prescrito sejam tolerados ou em alguns casos até mesmo desejáveis,
evidências sugerem que há um decréscimo no benefício percebido quanto maior for o desvio
dos valores-alvo.
A verificação da audibilidade dos sons fracos, conforto aos sinais médios da fala e tolerância
aos sons fortes pode ser realizada registrando-se a resposta REAR ou REAG para diferentes
intensidades de sinal de entrada, ou seja, 50, 65 e 80 dB.
A etapa final no processo de verificação é certificar que sons intensos não excederão os
limiares de desconforto do usuário. Ainda que subjetivamente seja possível avaliar o
desconforto do usuário da amplificação a partir da exposição a sinais sonoros intensos no
campo livre, é necessária a verificação dos níveis de pressão sonora de saída gerados pelo
dispositivo ou a resposta de saturação na orelha externa – RESR. Esta resposta fornece
informações com relação à saída máxima, permite seu ajuste e registra os níveis máximos de
pressão sonora de saída da prótese auditiva, os quais devem estar abaixo dos limiares de
desconforto previamente estabelecidos, garantindo maior conforto ao usuário do aparelho.
Todos os dados são convertidos para uma escala em dBNPS em que há representação dos
limiares de audibilidade normais (para referência), os limiares do indivíduo sem aparelho de
amplificação sonora e os níveis de desconforto previstos que definem a área dinâmica residual
da audição; o LTASS – Long Term Average Speech Spectrum, ou seja, espectro médio de fala
contínuo, contendo os picos e vales do sinal usado para o teste; alvos de ganho para fala
amplificada (conforme o método prescritivo utilizado) e para a saída máxima amplificada.
Três medidas são sugeridas para a verificação e/ou ajuste fino das características da
amplificação:
• Compare cada curva obtida com os alvos prescritos. Os sons audíveis serão aqueles que
estiverem acima dos limiares de audibilidade. Se a amplificação não estiver atingindo os alvos
prescritos, realize ajustes na programação do aparelho de amplificação sonora e realize novas
medidas.
• Selecione como sinal de teste um ruído de banda larga (ruído branco ou ruído rosa), em
intensidade suficiente para ativar o redutor de ruído (65 a 70 dBNPS)
• Inicie o teste, mas espere 20 segundos para permitir a ativação da redução do ruído e
registre a curva obtida
• Registre uma segunda curva, para um sinal como o ISTS ou outro sinal de fala gravado que irá
demonstrar se o redutor de ruído está ou não afetando a amplificação da fala.
• Selecione como sinal um ruído de banda larga, em intensidade moderada (65 a 70 dB NPS)
Se um ajuste em particular não tornar o sinal de fala de altas frequências audível, testes
podem ser repetidos à medida que ajustes finos forem realizados com objetivo de encontrar o
ajuste que propicie a melhor audibilidade. Vale lembrar que dependendo da severidade da
perda auditiva, mesmo com uso desses algoritmos pode não ser possível tornar todas as
bandas de fala audíveis para o usuário da amplificação.
► Conclusão
Para que os objetivos da adaptação sejam obtidos, é necessário que medidas sejam realizadas
para determinar se as características selecionadas e o desempenho eletroacústico real da
prótese auditiva estão de acordo com as necessidades audiológicas do indivíduo,
proporcionando amplificação sonora com qualidade e sem desconforto físico ou perceptual.
Testes em campo livre não fornecem informação sobre a amplificação fornecida pelos
aparelhos de amplificação, mas avaliam a audição do usuário, informação que não é fornecida
pelas medidas com microfone-sonda. Idealmente, as duas medidas poderiam ser realizadas
para uma completa verificação do desempenho do indivíduo usando os aparelhos de
amplificação sonora.
Na prática clínica, se houver tempo apenas para o uso de um único procedimento, opte pelas
mensurações com microfone-sonda, pois são o método mais eficiente para a verificação das
características da amplificação fornecida pelos aparelhos de amplificação sonora quando em
uso pelo indivíduo.
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