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2ª edição

2021
Copyright © 2021 Thalissa Betineli

Revisão: Margareth Antequera.


Revisão final: Gramaticalizando Assessoria.
Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Babi Dameto

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É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER FORMA
OU POR QUALQUER MEIO ELETRÔNICO, MECÂNICO, INCLUSIVE POR MEIO DE
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ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES, PERSONAGENS, LUGARES E
ACONTECIMENTOS DESCRITOS SÃO PRODUTOS DA IMAGINAÇÃO DA AUTORA.
QUALQUER SEMELHANÇA COM ACONTECIMENTOS REAIS É MERA COINCIDÊNCIA.
TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO RESERVADOS PELA AUTORA.
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
REDES SOCIAIS
Isso nã o é d e a d m ira r, p ois o p róp rio Sa ta ná s se d isfa rç a d e a njo d e luz.
2 Coríntios 11 :1 4

Cinco meses antes


Cortina d’Ampezzo – Vêneto, Itália.

O crepitar do fogo da lareira me despertou outra vez. Tão perdido


nos pensamentos, não percebera que o pôr do sol já tinha acabado, flocos de
neve caíam devagar. Esfreguei as mãos na caneca de café, com fome, mas
desmotivado a encontrar o que fosse na cozinha do pequeno chalé.
Meu terceiro dia ali, e ainda não me esquecia da ligação de dias
atrás, de como me refugiar pareceu ser o certo, sem saber que os tormentos
não ficavam em casa, eles nos seguiam. Esse, em questão, me fez perder
horas refletindo sobre os erros que resultou no telefonema.
Não retornaria a Montepulciano, não havia um lugar de paz.
Fitei o negrume do café, um falso aconchego, uma ideia errada de
que me encontraria outra vez. Não, a batalha travada dentro de mim me fez
cair, me perdi sem me dar conta, e mesmo no silêncio mais longo em que
estava, ainda podia ouvir a voz na minha cabeça.
Errei no meu caminho?
Falhei quando me afastei?
Tentei me manter honesto na minha fé, no entanto, visto do ângulo da
última ligação, minha atitude foi condenável. Culpado por um fim, os anos
servindo, buscando virtudes e me dedicando, se tornaram pó.
Percebi tarde demais.
O celibato foi uma escolha difícil, achei forças na crença de que era
o caminho certo. A fé não me deixaria fraquejar. Não... Foi ela quem me
atacou, a devoção de uma mulher, a fé que a manteve ao meu lado.
Dentro do confessionário, ouvi sobre seu casamento fracassado, seus
medos e anseios, sobre o desejo carnal e o pecado, só não escutei o que
estava por baixo da confissão.
Aconselhei-a sobre suas crises existenciais, tentei guiá-la diante das
suas dúvidas sobre Deus e o Diabo e a vi durante as missas. Uma mulher na
casa dos cinquenta anos, olhos verdes, cabelos escuros e uma tristeza nítida
no semblante.
Suas confissões se tornaram mais longas com o passar do tempo. Do
confessionário, encontrei-a nos bancos da igreja, frente a frente, ouvindo
sobre suas aflições, cego diante das suas malícias.
Fiquei feliz quando se tornou mais leve, a tristeza sendo substituída
pelos sorrisos, e a confissão sobre seus medos convertida em luxúria.
Ela me queria!
Foi com essa determinação que segurou minha mão e a levou sobre o
seu coração, me tentando e me mostrando que ao mantê-la por perto como
devota, crente que minhas palavras a faziam bem, ela foi seduzida pelo
convívio.
E o que eu respondi?
A batida forte na porta me despertou do devaneio. Em um pulo,
larguei a caneca sobre a mesinha ao lado do sofá e a abri.
Uma mulher, com roupas de esquiar, abaixou o gorro do casaco. Os
cabelos escuros, com flocos de neve nas pontas, se desprenderam, e os olhos
verdes e vibrantes me avaliaram.
Parecia um anjo.
— Desculpe-me por importunar, acabei me perdendo do meu grupo e
começou a nevar... — Olhou sobre o meu ombro para dentro da cabana. —
Não sou daqui e já escureceu.
— Sim... — Ela queria entrar?
Hesitei, incerto se deveria.
— Se não for incômodo, não estou tão agasalhada quanto pensei.
Poderia me deixar ficar um pouco até o tempo melhorar?
— Já está um pouco tarde... — Vacilei. Que mal poderia acontecer?
— Tudo bem — murmurei, dando passagem.
— Obrigada. — Respirou aliviada, adentrando.
Fechei a porta, levando-a para a sala.
— Sente-se. — Ofereci o sofá. — Posso preparar um café para você
se esquentar.
— Não precisa, obrigada. — Acomodou-se próxima à lareira e
retirou o casaco. A blusa de frio, colada e acompanhando a curva dos seios,
me fez desviar o olhar.
A imagem nos faz pecar, padre. A convivência é uma doença para
mentes fracas como a minha. Mesmo se me dissessem que eu fraquejaria
desse jeito, ainda assim, só encontraria abrigo dentro da minha própria
fraqueza. A voz daquela mulher, na minha mente, me causou calafrios.
— Não ficarei muito, só o tempo de dar uma trégua.
— Tudo bem — murmurei, me sentando defronte, na poltrona.
— Sou Mônica. — Sorriu pela primeira vez, atraindo a minha
atenção e me deixando com uma sensação incômoda.
— Padre Armando. — Assim que disse, seus olhos se fixaram no
meu pescoço, buscando por...
— Não parece, não está de colarinho.
— Não usamos batina o tempo todo.
— Não foi neste sentido — manteve-se firme —, talvez seja porque
não acredito em Deus.
— Cada pessoa tem a sua crença.
— Como médica, prefiro a ciência.
— Está de férias?
— Fui voluntária por um ano após terminar a faculdade, em breve
tentarei uma especialização. — Sempre me estudando, as mãos repousando
no colo, o sorriso um tanto intrigante. — Está de férias também?
— Não há férias para a fé, estou em um retiro.
— Pecou, padre? — Direta, debochada e atenta.
Espantei-me, a saliva travada na garganta.
— Há diversas formas de pecado. — Fui vago, incapaz de sustentar
o seu olhar. — Nem todos os pecados são como imagina. Há várias formas
de encarar os erros referentes à minha fé.
Seu silêncio me fez mirá-la.
— Me referi ao pecado carnal — disse assim que nossos olhos se
encontraram. — Sexo.
— Não foi neste sentido. — Raspei a garganta, perturbado. — Não
fiz sexo ou... Às vezes o pecado está aqui. — Bati o dedo na têmpora.
— Sente tesão?
Um vinco se formou no meio das minhas sobrancelhas.
— A conversa está indo para um caminho...
— Pecaminoso? — completou, dissimulada. — Não me entenda mal,
sou uma jovem que nunca se viu diante de um padre. Por mais que meus pais
sejam católicos, a religião não foi um pilar dentro da minha família e nunca
acreditei que um homem conseguisse se manter no celibato. É apenas uma
curiosidade.
— Há curiosidades que não devem ser sanadas. — Tentei contornar
a situação, aflito.
Ela riu, cabisbaixa.
— Não podemos ser francos um com o outro? É apenas uma
pergunta, sou uma médica que gosta de entender o corpo humano. Como você
lida com o seu? Não há desejo?
— Talvez um padre de onde você vive possa tirar suas dúvidas.
Somos desconhecidos e...
— Por isso, podemos ser francos — rebateu meu argumento.
Suspirei, agoniado.
Antes dos últimos dias, me negaria a seguir com a conversa. Não,
nada me faria vacilar ou refletir. Contudo, as dúvidas nasceram no meu peito
e agora foram tentadas a se enraizarem.
— Está sendo indelicada — murmurei.
— Não precisamos de delicadeza. — Levantou a cabeça, o olhar me
invadindo.
— Como médica, o que você responderia?
— Diria que todos os corpos estão suscetíveis ao tesão, fomos
criados para isso. O celibato não altera o que somos, o máximo que faz é
ocultar o desejo com a batina. — Hesitou, ponderando. — Nossos cinco
sentidos trabalham para nos excitar, um homem não perderia isso, ainda mais
se não for... — Elevou as sobrancelhas. — É virgem? — Minha expressão
de susto a fez rir. — Acabou de me entregar que não.
Levantei-me, transtornado, dando as costas para ela.
— Não, não sou — suspirei, atormentado. — Mas isso não...
— Acho que agora aceitarei o café — cortou-me, satisfeita.
Congelei, o frio na espinha mais violento do que o de fora. — E, padre, sei
que está sem a batina e o colarinho, mas poderia ouvir a confissão de uma
pecadora?
— Eu... — gaguejei, perdido.
— Não pode?
Lembrei-me daquela mulher no confessionário. Nas primeiras vezes,
nas últimas. Era o Diabo me testando?
— Não agora, não comigo. Não posso aconselhá-la no estado em
que...
— Também quer se confessar? Parece estar cheio de dúvidas.
Olhei-a sobre o ombro, estarrecido.
Tentei negar, mas estaria mentindo para ela ou para mim mesmo?
— É uma vida longa, sempre teremos dúvidas — sussurrei. —
Preciso organizar meus pensamentos.
— Conte-os para mim — sugeriu e me afastei.
Seu olhar insistente parecia apertar meu coração até me sufocar.
Fui para a cozinha conjugada.
O café... Necessitava me distrair com ele.
— Farei o café. — Mantive-me de costas. Sua respiração alta
aumentou a tensão do silêncio.
— Pequei. — A voz ecoou alta. — Neguei apoiar quem necessitava.
Meus pais estavam em crise, não os amparei e nem ajudei meu irmão. Ao
invés disso, me afastei.
Pego desprevenido, não consegui falar.
— É tão grande o meu pecado por ser egoísta? — insistiu.
Neguei, cabisbaixo.
— Talvez o sentimento de culpa seja pior que o pecado. E o seu não
é tão grande assim. — Liguei a cafeteira e me voltei na sua direção. Sentada,
ela me encarava.
— E desejar um servo do Senhor, também não é um grande pecado?
— Não tive reação. Nem noção de quanto tempo se passou, até que dei uma
risada de escárnio, baixa e trêmula.
Olhei ao redor, mortificado.
Nunca, na minha vida, eu tinha encontrado alguém tão direto. Era
castigo?
— Devo entender com o seu silêncio que é um pecado sem perdão?
— Mônica — disse sem jeito. — Luxúria é um dos sete pecados.
— É algo grave — cortou-me com ironia. — Então, devo entender
que por isso, todas as pessoas irão para o inferno?
— Todo pecado pode ter perdão quando nos arrependemos
profundamente. — Engoli a vergonha, que desceu queimando até o meu
peito.
— Compreendo — murmurou. — Todos podem obter perdão —
repetiu. — Se um devoto como você, pecasse, então Deus seria ainda mais
misericordioso?
Era como se ela tivesse o poder de me revirar por dentro.
— Ele não favorece Seus filhos. Todos são igualmente...
— Se fosse só o pecado da luxúria? — interrompeu-me.
O que estava acontecendo comigo?
— Há perdão para todos.
— E se eu confessasse um pecado que ainda não cometi? — Sua
pergunta me fez encará-la, atônito.
— Que pecado seria esse? — Saiu antes que eu impedisse.
Seu sorriso cresceu.
Fechei os punhos, como se estivesse diante da provação, desnudo,
desarmado.
— O pecado carnal.
— Não — balbuciei. — Vamos mudar de assunto. Conte-me sobre
sua família.
Notei o movimento das suas pernas ao se cruzarem, o busto marcado
pela blusa, os ombros estreitos. Meu corpo se lembrou do toque quente de
uma mulher.
Dei as costas, agarrado à bancada da cozinha.
— Você foge dos seus pecados — disse, determinada. Tentei me
manter firme. — Meus pais viviam em um casamento infeliz, me ligaram há
alguns dias, mas não quis conversar com a minha mãe. Apoio o divórcio
entre eles, principalmente quando existe traição.
— Apoiar os pais é essencial — murmurei, tragado por lembranças.
— Me toque, padre Armando, sinta o quanto desejo você. Não
apenas seu corpo, mas sua alma. Seria errado se apaixonar? Deus não nos
ensinou a amar uns aos outros, por que impedir os padres? — Sua
pergunta me pegara desprevenido, sentado no banco da igreja com ela.
Agarrou minha mão, levou-a sobre seu coração e recuei tão rápido.
Neguei-a com brusquidão.
— Está perdido em pensamentos. — A voz de Mônica me assustou.
Quanto tempo fiquei calado? Balancei a cabeça, mirando-a sobre o ombro.
— As dúvidas estão traindo você, não é?
Passei uma mão sobre o rosto, asfixiado por elas.
— Todos possuem dúvidas — confessei em um sussurro. — Somos
profundos e carregamos dúvidas ainda mais pesadas. Também sou de carne e
osso. — Fitei o chão.
— Sabe qual é a minha maior dúvida neste momento? — Arrastei
meu olhar até ela, uma malícia sedutora no sorriso, os olhos convidativos.
Engoli em seco, a luta interna me açoitando.
Neguei com a cabeça.
— Não quer saber?
— Algumas são melhores quando mantidas em segredo, o próprio
silêncio é uma resposta. — Calei-me. Sua expressão deixou claro que me
queria.
Levantou-se.
— Padre...
A cafeteira apitou, tentei me distrair com ela, mas assim que dei as
costas para Mônica, sua voz me parou.
— A minha maior dúvida é se você irá pecar comigo.
Minha mente ecoou aquela frase, mas com outra voz... Em outro dia...
Ela me chamou, parada na porta da igreja, já vazia. Disse que
necessitava se confessar. Segurei suas mãos, sem perceber que seus olhos
me devoravam. Foram suas palavras que me fizeram enxergar, quando
contou que se apaixonou por alguém que não devia. Alguém que era
proibido.
Por mim.
Todas aquelas idas, conversas e conselhos, tiveram segundas
intenções, e na sua concepção, eu também estava envolvido. Até seu
marido notara, o ponto final naquele casamento fracassado. Neguei,
espantado, me afastei e pedi que fosse embora. Não era recíproco, não
sentia desejo por ela. E declarei, consternado, que jamais a tocaria ou
sentiria algo a não ser compaixão.
A mulher chorou, perdida e desamparada. Dei as costas, mas antes
que fosse embora, afirmou que estava decidida.
Sobre o que Cecília se referiu?
— Não. — Minha voz saiu entrecortada. — Não... — Olhei para a
mulher de pé na minha sala, apavorado. — Sou um padre. Não! Não
quebrarei meu celibato!
— Já o quebrou quando pensou em foder comigo ou com qualquer
outra mulher.
— Não pensei!
Não? Depois de Cecília ir embora, não refleti sobre o desejo? O que
aconteceria se eu tivesse sentido? E isso não balançou minhas convicções?
Olhei para Mônica. A imagem dela de joelhos, com o meu pênis na
boca, me desestabilizou.
— Agora imaginou. — Sorriu, satisfeita.
— Não.
— Mentir já é um pecado. Arrumamos a cama para ele, por que não
nos deitamos de uma vez? — Não respondi, atormentado por suas
insinuações. Sim, agora, vacilando, eu imaginava. Meu corpo reagia. — No
seu silêncio, me pergunto sobre sexo. Jesus, no seu estado humano, não
poderia ter transado? Qual o problema se tivesse casado e tido filhos?
— Pare de blasfemar.
— É apenas uma pergunta. Se isso não fosse errado, então não
precisaria existir celibato.
— É importante. — Estava sendo subjugado.
— Há quanto tempo não fode uma mulher, padre? — A pergunta
lasciva soou perto demais. Mônica tinha se aproximado sem que eu
percebesse. Recuei, dividido entre o medo da verdade do que dizia e o
pânico por ter uma ereção.
— Há dez anos. — Ouvi-me dizer, sem raciocinar.
As dúvidas, por fim, me devoraram. Fraco e culpado, estava fácil ser
seduzido.
— É muito tempo — suspirou.
É... Muito tempo.
— Pare, por favor. — Dei as costas.
— Irei parar depois que transarmos.
Arrastei-me para longe, duro. A sensação do tesão me recordando de
como era ter um corpo quente debaixo do meu.
Cecília me fez refletir. Mônica ofertou a tentação.
— Fique aqui — ordenei e fui para o banheiro.
Nu, me joguei debaixo do chuveiro, tentando acalmar a excitação.
Minutos se passaram em que a minha luta interna me fez sofrer, recordar
todos os caminhos, as palavras, as más interpretações e enganos.
No entanto, neste momento, Mônica não estava errada. Eu estava
duro, incapaz de acalmar o tesão. Suas sugestões criando fantasias na minha
cabeça, se aproveitando das fragilidades por ter me sentido culpado em
relação à Cecília.
Saí do banheiro, os cabelos molhados e o corpo descontrolado,
prestes a mandar aquela mulher embora, quando a vi deitada na minha cama.
A visão da minha queda.
Os cabelos escuros contra os travesseiros brancos, os seios
levantados, os mamilos rijos e rosados, o quadril curvilíneo contra os
lençóis, a boceta exposta e o sorriso de quem sabia que tinha razão.
Foram seus olhos, maliciosos, que disseram que eu iria pecar com
ela.
Poderia ser perdoado?
E por que não ser, quando o homem, possivelmente, foi criado para
pecar? Por que criar o fruto, senão para comer? Por mais que a serpente
tenha guiado Eva, a maçã já não estava lá?
— Se vista. — Tentei lutar contra a minha mente.
— Se enganar não mudará o que sente.
Não, não mudaria. Assim como aquele retiro não faria com que eu
me sentisse menos culpado depois da ligação de Cecília, dizendo que se
suicidaria ao perceber que nada mais restava. Errou com o casamento, errou
com os filhos, consigo mesma e até com a religião. Merecia o inferno, e se
livraria do peso que sentia ao entender o quanto foi cruel ao se oferecer a um
padre.
O que eu respondi? Nada. O silêncio, às vezes, era mais cruel que as
palavras.
Diante da mulher nua, excitado, me indaguei se falhar uma segunda
vez mudaria algo.
Não. Não. Não devia!
Era tentadora a visão, as dúvidas pendendo mais do que as certezas.
A dor buscando um alívio, como se me ferir mais fosse a solução.
Apertei as mãos, suando frio.
Mesmo excitado ao máximo, o corpo incendiado por me libertar,
tentei resistir.
— Sabe que mesmo se recusar e me mandar embora, não acalmará
esse tesão a não ser que se masturbe. — Eu me senti destruído com a lógica.
Nada iria aplacar esse desejo.
— Não.
— É uma oferta única. Se já está tão amargurado com seus fracassos,
um a mais não mudará.
Não, um a mais só indicará o quanto mereço sofrer.
Orei baixo, porque mesmo se não transasse com ela, terminaria
gozando de algum jeito. Já não tinha mais volta. Dor pela dor, culpa pela
culpa. Assim, talvez, eu recebesse meu castigo, porque ao pensar nos
enganos que cometi com Cecília e sua mágoa, me sentia sujo e cruel.
— Orar não mudará o fato de que está com vontade — sussurrou,
abrindo as pernas.
O que Cecília não conseguiu fazer, Mônica fez. Senti fome ao
observar como seus seios pareciam macios, a intimidade sem pelos, as
pernas torneadas. Por que me privar? O que era mais um sofrimento entre
tantos que me engoliam?
Respirei fundo, o calor se alastrando por cada membro, a vontade
insana de me deitar naquela cama e me destruir de uma vez.
A completa entrega para aquela serpente. Era isso.
Beijá-la, chupá-la, me afundar, disse a mim mesmo enquanto tirava
as roupas e me rendia de uma vez. O colchão se afundou onde coloquei meu
joelho e Mônica veio ao meu encontro.
— É bem-dotado — sussurrou, devassa, sem me dar tempo de
impedir sua boca, que envolveu meu cacete e o chupou.
— Ahhhh! — Foi como a primeira vez.
Extasiante, uma sensação de ser abraçado pela boca molhada e
quente.
Agarrei um punhado de cabelo e incentivei seus lábios a trabalharem
na extensão do meu pau. A língua deslizou pelas veias saltadas, lambeu a
glande, puxou o prepúcio e me sugou.
Forte.
Arrancou gemidos profundos e insanos.
Acariciou minhas bolas, voltando a enfiar meu cacete até encostar-se
à sua garganta, roçando no palato, brincando com o meu tesão.
Quantos anos sem ter o coração acelerado? As pernas arrepiadas, o
prazer me dominando? Ver seus lábios ao redor, os olhos pregados em mim,
a satisfação escorrendo por nossos corpos... Me condenou. Poderia passar
uma eternidade, mas nunca esqueceria.
Fechei os olhos, absorto no ritmo lento, e me desesperei quando ela
se afastou.
— Estamos apenas no começo — decretou.
Arrastou o corpo até o meio da cama, um convite silencioso, que não
precisou ser feito duas vezes.
Avancei sobre ela, deixando minha consciência para trás, e cobri seu
corpo. Nossas bocas se colaram, eu queria mais. Muito mais. Mãos
explorando o seu corpo, apertando os seios, desci para eles e chupei seu
mamilo. Mamei com sede, suas mãos me incentivando, o bico intumescido.
Estremeci quando envolveu meu pênis e começou a me masturbar.
Eu poderia estar com tesão, mas era Mônica quem estava me
comandando. Foi ela quem me jogou contra a cama e subiu sobre mim, os
cabelos roçando no meu peito, os olhos astutos, o sorriso diabólico e a
boceta contra o meu pau.
Sem voz, apenas assisti quando pegou o preservativo jogado na
cama, que até então não tinha reparado, o rasgou, segurou meu pênis,
colocando-o, e se sentou sobre ele.
Penetrei-a com violência, sua boceta resistindo, o espaço sendo
reivindicado. Os nossos gemidos em uníssono, enquanto eu a abraçava e
arremetia.
Pequei.
Rolei sobre a pior falha e beijei todo o seu corpo. Por um momento,
me lembrei de como era homem, de como meus instintos primitivos me
governavam. Puxei-a contra mim e me coloquei por cima.
Estoquei com brutalidade, nossos suores se misturando, sua boca
buscando a minha, as pernas enlaçando o meu quadril.
Fundo, bruto.
Obsceno.
Foi o que senti a cada enterrada, a cada aperto que sua musculatura
fazia contra meu pau, a cada unhada que recebi nas costas e em como senti
prazer ao ver todo o seu corpo vermelho, os lábios molhados e a respiração
ofegante.
— Armando! — gemeu, os dedos enroscados nos meus cabelos.
Virou-me e subiu sobre meu quadril outra vez. Rebolou, me
oferecendo os seios, o calor escaldante, o gozo me queimando, endurecendo
ainda mais meu pênis, escalando meu ventre como um arrepio entorpecedor.
Conhecia e ao mesmo tempo estranhava a sensação que me afogava.
A de estar sendo levado ao limite, além da realidade, sentindo sua pele na
minha, o calor da sua boceta e o quanto besuntava minha virilha e, ainda
assim, estar ébrio, distante do presente.
Gozei dentro de Mônica, sucumbindo ao êxtase. Seu íntimo me
apertava, até me forçar a rosnar, devastado. Os espasmos percorreram o meu
corpo, meu coração saltou contra o peito e apalpei suas coxas, implorando
que fosse devagar.
Todo o meu ser pareceu queimar.
Ela deslizou para o meu lado, ofegante, uma perna sobre a minha.
— Para quem estava há tanto tempo... — suspirou, de olhos
fechados, fios de cabelo sobre o rosto. — Foi bom.
Espantei-os, precisando ver sua face, tão atormentado que não queria
falar.
Sentia o peso do meu ato.
O que não esperava era que, ao tocar na sua bochecha, ela me
afastasse e se levantasse da cama.
— Irá embora? — Foi tudo o que consegui perguntar.
— Somos tão carnais, padre — enfatizou, recolhendo as roupas do
chão.
— Mônica...
Colocou a calça, seguida da blusa e sorriu.
— Foi só sexo.
— Eu... — gaguejei. Sim, foi sexo.
Sentei-me.
O que eu esperava? Que ela fizesse penitências comigo? Que me
amparasse diante do meu erro?
— Sim — balbuciei.
— Está sofrendo por isso? — questionou.
Encarei-a, confuso.
— Por que quer saber?
Ela respirou fundo, terminando de vestir as botas.
— Espero que sofra. — Jogou as palavras.
— Do quê...
— Sabe o que é engraçado dos nomes? — Parou diante da cama, a
expressão traiçoeira. — É que muitos são religiosos, enquanto as pessoas
não. Você conheceu duas mulheres com nomes de santas. Uma, você rejeitou,
arrancou sua fé e a matou. Com a outra, você perdeu sua fé e pecou.
— Do que está...
— Minha mãe é Cecília — declarou, severa. — Você deu a ela
esperanças e depois as tirou. Nada mais justo do que eu acabar com o seu
celibato e mostrar que é tão cruel e sujo como qualquer um.
Arregalei os olhos, aturdido.
Cecília morreu?
— Mônica...
— Pergunte ao seu Deus se há perdão para um pecador como você.
— Sorriu, me dando as costas.
Sem ação, como se o chão tivesse se aberto sob os meus pés, a vi
sair do quarto, e, segundos depois, o som da porta da frente se fechando.
Nu, deitado em uma cama onde tinha matado meu celibato e qualquer
direito de me redimir, compreendi sua maldade.
Ela veio para me punir.
A tentação me perseguiu, e como homem, sucumbi.
E assim como chegou, também se foi, levando minha lucidez.
Eu era culpado de tudo? Da morte de Cecília por tentar me manter
puro? Por fraquejar diante da vingança de sua filha?
Merecia todo o sofrimento?
O que restaria de mim quando vestisse a batina?
Por isso fiz sa ir d e v oc ê um fog o
q ue o c onsum iu, e re d uzi v oc ê a c inza s no c hã o, à v ista d e tod os
os q ue e sta v a m obse rv a nd o.
Eze q uie l 2 8 :1 7 -1 8

Dias atuais
Lucca, Itália

O pecado é um anjo silencioso, que durante a noite deita-se ao meu


lado e me abraça para que eu durma pensando nele, e acorde com o gosto
do seu beijo na boca. Era assim que sentia o meu pecado. Revivia-o a cada
noite, ajoelhado e implorando ao meu Senhor pelo perdão, um perdão que
pedia há muito tempo.
Mas não havia perdão para mim, pois não estava arrependido,
apenas torturado pela culpa de não sentir remorso.
O meu pecado não estava na mulher, mas em seu corpo e no ato, não
no sentimento envolvido.
E por ser carnal, se tornava mais impuro.
Mantive-me forte durante todas as noites em que meu corpo me tentou
para sentir outra vez a sensação que era se masturbar. Resisti e passei noites
em claro, orando, implorando um perdão mentiroso, um perdão que Deus
poderia me dar, mas não eu.
Santa Mônica foi uma mulher e também uma mãe devota, voltada
para a Igreja e a fé. Nunca criou discórdia e, segundo seu filho, Santo
Agostinho, havia sido ela quem o conduzira para a fé verdadeira.
Mas a Mônica carnal me conduziu à tentação e criou uma
discórdia ainda maior em minhas dúvidas, criou tormentos que me
lembravam dos antigos, me afastando das certezas da minha fé verdadeira.
Onde essa pecadora estaria agora? Essa pergunta se fez durante as primeiras
noites em que regressei à nova cidade.
Pelas suas palavras finais, que me condenaram às noites em claro,
pensando, soube que Cecília estava morta e nunca mais veria Mônica.
Estava certo disso, e tampouco precisei confirmar minhas certezas. Eu as
decidi como absolutas. O esquecimento, às vezes, era um refúgio seguro, e
eu tentava me manter dentro dele há muito tempo.
Abri os olhos, deitado em minha cama no quarto do segundo andar do
pequeno sobrado amarelo de pedras para o qual me mudara em Lucca.
Retornei a abaixar as pálpebras, ciente de que o céu estava
começando a clarear, no entanto, não dormira momento algum durante a
noite. Nos meus sonhos ouvia o gemido de prazer de Mônica. Na escuridão
via suas curvas, tão humanas, sendo beijadas pelos meus lábios, e a sua
boceta, o inferno em forma de Paraíso, tão convidativo para mim. Beijei-a,
chupei-a e a reivindiquei para mim, me danando no mesmo instante.
Poderia ser salvo se voltasse ao meu celibato. Não salvo da minha
mente, porque essa já estava em queda, mas talvez pudesse ainda salvar a
minha alma. E assim, desde a noite em que ela saiu porta afora, vim para
Lucca, ajoelhei-me e todos os dias orei por horas seguidas, tornei-me um
padre recluso em suas obrigações.
Curvei-me sobre minhas obrigações durante o tempo que se passou,
preparando as minhas missas, reflexões, retornando a pensar sobre a
teologia e a filosofia aprendidas na faculdade durante tantos anos. Nos dias
que se passaram, esforcei-me para ir às casas afastadas, ajudar os
necessitados e administrar o teatro da igreja.
Afastei os pensamentos, me levantando. Tomei um longo banho,
coloquei a batina e me ajoelhei ao lado da cama. Orei como todos os dias e
saí em direção à minha pequena paróquia.
Conforme me aproximava, me lembrei de quando me mudei. A
cidade, tão antiga quanto Montepulciano, onde eu estava antes, me acolhera
bem, e os vizinhos da região da minha paróquia confiavam em mim.
Avistei-a. Senti-me em paz e subi suas escadarias devagar,
trancafiando-me por lá durante todo o dia. A tarde passou tão lenta quanto a
noite, e aos poucos a luz do sol se tornou fraca nos vitrais coloridos.
As portas, abertas, davam passagem para um fluxo de pessoas, que
ao passar dos minutos diminuiu, e já com todos os bancos lotados, ouvi o
badalar do sino.
Sorri para todos, esquecendo os tormentos, os sofrimentos e as
dúvidas, porque nesse momento não havia fraqueza. Havia o meu
aprendizado, o meu desejo por transmitir a palavra.
Levantei a cabeça, fitando a todos, e preparei a minha voz para
começar a celebração. No entanto, meus olhos se desviaram para as portas
abertas, que deixavam à mostra a penumbra da rua iluminada pelos postes.
Como se tivesse voltado a enxergar, compreendi que não era apenas a minha
consciência que perseguia minha paz, já não mais alcançada.
Usando um sobretudo preto com altas golas ao redor do pescoço, os
cabelos escuros presos no alto da cabeça em um coque, e um rosto
determinado, a mulher entrou na igreja como um anjo saindo do céu.
A postura elegante de Mônica afastou a minha calmaria.
O pecado me perseguiu, destruindo minha paz.
Senti que enganava a todos, inclusive a mim mesmo. Quem eu era,
senão um padre profano?
Olhos verdes, inescrupulosos e diretos, me acusando como se
jogassem aos meus pés a devassidão carnal de meses atrás.
Mônica entrou, caminhando devagar pelo corredor diante de mim, e
desviou para um dos bancos ao fundo, sentando-se para assistir a minha
missa.
Confe sso a m inha c ulp a ; e m a ng ústia e stou p or c a usa d o m e u p e c a d o.
(Sa lm o 3 8 :1 8 )

“Eu pecava, porque em vez de procurar em Deus os prazeres, as


grandezas e as verdades, procurava-os nas suas criaturas: em mim e nos
outros. Por isso precipitava-me na dor, na confusão e no erro”, dizia Santo
Agostinho, filho de Santa Mônica. Estava errado? Mas se o pecado era
tomar suas criaturas para o prazer, então por que as criou tão belas e
sexuais?
Criou-as como anjos esculpidos para apenas serem observadas sem a
luxúria? Por que criar seios tão fartos, senão para serem apertados? Seria
um grande pecado nosso desejar cada criatura com adoração e de forma
carnal?
Estava me escondendo por trás de cada pensamento impuro, buscava
a minha paz dentro de cada dúvida que acalentasse o meu coração, mas sabia
que as criaturas não eram belas para serem desejadas de formas tão terrenas.
Poderíamos ser seres apenas de luz, mas havia escuridão, e nessa escuridão
me encontrava perdido e sem direção.
Iniciei a missa, levantando minhas mãos, e a cada palavra, os lábios
de Mônica se curvavam em um sorriso de pura malícia, arrancando a minha
concentração. A missa se tornou longa, e a cada minuto ansiava que ela fosse
embora. Porém, deveria ter imaginado o que aconteceria em seguida.
Esperei as pessoas irem embora.
Sussurrei uma prece devagar, ansiando que estivesse sozinho, mas
assim que levantei a cabeça, a vi.
Sentada no penúltimo banco, com os olhos tão impetuosos, que eu
poderia afirmar que via por dentro da minha batina. Cortei o contato visual,
envergonhado.
Agarrei o cálice do altar e dei as costas, guardando-o. Minhas mãos
tremeram por alguns segundos, o suor frio deixava explícito o meu
nervosismo, e balancei a cabeça, querendo que Mônica se fosse.
Ouvi passos ressoarem pelo corredor, e contra a minha vontade,
olhei sobre o ombro.
— Uma devota pode se confessar depois da missa? — Sua voz, tão
carregada e enérgica, transtornou-me, e larguei o cálice.
— Mônica. — O nome soou estranho. — Nós dois sabemos que não
é uma devota. Por que veio assistir a uma missa de uma religião que não
segue? — Tentei parecer educado, mas estava desconcertado ao encará-la.
Desviei os olhos.
O Diabo algum dia conseguiu refúgio na Terra por seus pecados?
— Está negando a casa do Senhor para uma pecadora, padre? — A
forma como me acusou arrastou os meus olhos até ela, um sorriso malicioso
nos seus lábios. — Posso não ser uma devota, mas nada me impede de entrar
na Igreja. Não sou um demônio para ser banida. — Assenti devagar e dei as
costas, ansiando por fugir. — E como andam os seus demônios, padre? Eles
o assombram durante a noite?
Os meus demônios me acordavam quando eu adormecia, me
embalavam em seus braços de puro fogo e sussurravam no meu ouvido o
prazer carnal contido nos meus desejos.
— Não possuo demônios, apenas a minha devoção e fé. — Tentei
cortá-la, mandá-la embora.
Deu uma risada debochada.
— Ou você apenas não os vê, enquanto tenta disfarçá-los de anjos.
— Por que estava me apedrejando?
— Diga-me o que quer — supliquei. — Precisarei desligar as luzes e
ir embora, a missa já acabou.
— Já disse o que quero: confessar os meus pecados.
— Nós já fizemos isso uma vez.
— Então você não apagou da sua casta e santa memória, a noite de
prazer? — zombou de mim.
— Não sou santo, muito menos poderia ser casto depois...
— Depois de transar comigo, padre Armando?
— Peço que se retire, por favor. — Virei-me e apontei para a porta
da igreja, descobrindo Mônica mais perto. — Irei embora e não posso
deixar nenhuma pessoa dentro dessa igreja durante a noite.
Perscrutou-me com segurança e sorriu.
— Leve-me até o confessionário, não negue atenção para alguém que
não está bem. — Franca, me deixou embaraçado.
— Você não está bem?
— Irá me ouvir?
Seria um padre muito cruel ao negar amparo a uma devota com
sofrimento?
Fitei o piso lustroso de cerâmica escura.
— Siga-me. — Dei um voto de confiança.
Conduzi-a ao confessionário ao lado do altar e adentrei no estande
pequeno de madeira. Na escuridão, separados por uma tela, o vulto muito
próximo.
Fiz o sinal da cruz.
— Srta. Fattin, como servo do Senhor, estarei aqui apenas para ouvi-
la, sem julgamentos. Perante Ele, conte os seus pecados, peça o seu perdão.
Calei-me.
— Já se arrependeu? — perguntou com malícia, chicoteando minhas
dúvidas.
Entreabri os lábios, franzi a testa, em choque.
— Seu silêncio é a sua confissão.
Perante o pecado jogado aos meus pés, emudeci, sendo tragado pelas
dúvidas que dilaceraram minha fé.
Cobri o rosto com as mãos.
— Não me arrependi. — Sua voz ecoou pelo confessionário. — Na
verdade, estou aqui para dizer que pela morte da minha mãe, jamais me
arrependerei de trazer você para o pecado e o fazer ver que todos nós somos
humanos. Sua castidade e celibato não são mais puros.
No meu íntimo, eu sabia que nunca tinham sido.
— Você já disse isso naquela noite. Retire-se, por favor. Peço
perdão por não ter amparado ou ajudado a sua mãe, porém estava fora do
meu alcance. Não poderia... — Não finalizei.
Levantou-se, imitei-a, mas assim que saímos do estande, me
distanciei. Fui parado por sua mão no meu braço, me segurando.
Encarei-a.
— Estou aqui para lembrá-lo antes que consiga esquecer e se
arrepender. — Dentro dos seus olhos vi o meu inferno. Um que revelou os
motivos das minhas noites sem paz: eu não esqueceria.
— Já pedi o meu perdão. — Esquivei-me, me afastando. — Peça o
seu também. Volte para a sua cidade, não há nada aqui para você. — Apoiei
as mãos contra o altar, cabisbaixo, ansiando pelo silêncio.
Ouvi os seus passos se distanciarem e lutei com todas as minhas
forças para não levantar a cabeça, mas fraquejei, vendo-a de costas, partindo
em direção à porta.
E como se a tentação brincasse comigo, Mônica parou e mirou-me
sobre o ombro, com determinação.
— Essa é a minha cidade agora. Nós nos veremos com frequência.
Alg uns e le v a m -se p e lo p e c a d o, outros c a e m p e la v irtud e .
Willia m Sha k e sp e a re .

Dormi de forma profunda, como não conseguia há meses. O barulho


da buzina alta me despertou, fitei meu quarto na penumbra da madrugada.
Sentei-me, estranhando a ausência da insônia.
Fui direto para o chuveiro, deixando a água gelada me acordar de
vez. Já vestido, parti para o teatro.
A manhã passou rápida. Organizei os quadros que chegaram, arrumei
o pequeno palco e me mantive ocupado por horas seguidas. Conforme o dia
passou, acabei me esquecendo de Mônica.
Meu celular tocou no final da tarde.
— Não vá dizendo que ainda está em seu retiro, Armando — minha
mãe bradou do outro lado da linha.
— Não, mãe. — Sorri e apoiei-me no parapeito da varanda,
observando o movimento. — Estou no teatro de Lucca.
— Voltou para a Igreja? — questionou, frustrada.
— Sim.
— Você está feliz?
— Estou feliz com as minhas decisões, se é isso o que pergunta.
— Queremos visitar você em breve.
— Venham, esperarei por vocês.
— Pisa não é tão longe, poderemos ir no próximo fim de semana.
— Organizarei um quarto.
— Não se preocupe. Liguei apenas para saber como estava. Não nos
deu mais notícias desde a ida para a Cortina d’Ampezzo. — Fechei os olhos.
Não posso me recordar da viagem.
— Esqueci, desculpe-me. Terei que desligar, mãe. Ligarei mais tarde
para saber o que decidiram.
— Isso. Amamos você. — Sorri com suas últimas palavras, encerrei
a ligação e guardei o celular.
Desviei os olhos pela rua, mas minha mente estava no passado,
quando minha mãe questionou a minha decisão de me tornar padre. Temia
que eu me arrependesse por moldar a minha vida inteira por causa de um
momento.
Não mudaria minhas escolhas, a fé e a esperança eram certas.
Deus escrevia certo por linhas tortas. Não existiria neto, mas
haveria fé.
— Meu Senhor, é o certo por linhas tortas?
— É um tanto sugestivo ver um padre admirando mulheres com um
sorriso assim. — Ouvi uma voz segura e firme, que arrepiou os pelos da
minha nuca.
Fechei os olhos, implorando que o Diabo não me atormentasse.
— Não as admiro desse jeito. — Mesmo surdo, cego e louco,
reconheceria a forma direta que apenas essa mulher possuía.
— Mas eu não disse de que jeito você as mirava. — Para o meu
espanto, Mônica repentinamente parou ao meu lado, repousou os braços no
parapeito e me encarou. Seus cabelos negros contrastavam com o casaco
branco.
Balancei a cabeça com veemência, desviando minha atenção, e voltei
os olhos para a rua.
— Nosso último encontro não foi tão amistoso para que sejamos
amigos. — Tentei afastá-la com a franqueza. Sua presença não só me
recordava do sexo, mas também das falhas com Cecília.
— Não estamos conversando como amigos. Amigos, os comuns, não
transam ou desejam uns aos outros.
— Pare, por favor, foi um mal-entendido.
— Chama sexo de mal-entendido?
— Não. Chamo as suas provocações de equivocadas. Deveríamos ter
esclarecido isso antes. Passei a noite refletindo sobre. Sinto muito pela sua
perda, Cecília era uma boa mulher, uma fiel que buscava por Deus. — Fitei-
a por alguns segundos. Seus olhos verdes, tão vibrantes contra o preto da
maquiagem, estavam surpresos e até espantados. — Cometi um erro quando
a afastei com grosseria, por ter partido sem nem ao menos uma conversa
final. — Seria um pecado esconder a ligação? — Também falhei quando
permiti que ela se aproximasse. Tanto como padre e como homem, deveria
ter sido mais delicado com Cecília. Tive medo, não hesitação, e com isso
feri os sentimentos dela. — Calei-me ao ver a dureza dos olhos de Mônica.
Desviou-os para a rua.
— Você se coloca em um pedestal, acreditando que foi o único
motivo? — A franqueza das suas palavras sussurradas me causou um
calafrio.
Como Mônica pode causar tantas sensações?
— Não faço isso.
— Faz. O casamento dos meus pais estava em crise. Ela estava
depressiva e viu em você um refúgio, uma ilusão para escapar, como fazia
com outros homens no passado.
— Então por que me culpa? — Perscrutei seu rosto, buscando
alguma resposta, e Mônica riu, sarcástica. Espiou a hora no relógio de pulso.
— Porque você foi um dos motivos para o ponto final — ponderou.
— Foi o empurrão que faltava, ela me contou pessoalmente. E, bem... —
Fitou-me, decidida. — É divertido ver o estado em que deixo você.
Arregalei os olhos, começando a ficar envergonhado.
— Está na minha hora, tenho um plantão. — Afastou-se. Observei-a
sem qualquer intenção consciente, era como se eu fosse atraído por ela.
Mônica deu as costas.
— Morará em Lucca por minha causa?
— E você comprova as minhas teorias — zombou. Parada no meio
do corredor, mirou-me sobre o ombro. Seus lábios se curvaram em um
sorriso malicioso, incendiando uma chama pecaminosa dentro de mim,
acalentada pelo Diabo. Desesperei-me. — Não estou aqui por você. Disse
aquilo para assustá-lo, adoro ver o pavor em seu rosto tão devoto. Passei na
residência que queria, no hospital de Lucca. — Mais malícia. — Talvez o
seu Deus escreva certo por linhas tortas, me trazendo para perto de você. Ou
seria o Diabo? Como você possui mais conhecimento do que eu nessa parte,
deixo que descubra a resposta por nós. Em breve nos veremos.
Mônica se distanciou, o andar elegante e confiante.
Voltei-me para a janela, fitando a escuridão do céu. A pergunta
perduraria a noite inteira. E outra se fez na minha cabeça.
Tentei afastá-la, em vão.
Quando eu veria Mônica novamente?
Ou a nd a rá a lg ué m sobre a s bra sa s, se m q ue se q ue im e m os se us p é s?
(Prov é rbios 6 :2 8 )

Estava em dúvida: quem embalou meu sono profundo nas últimas


noites fora o Diabo ou Deus? Porque, agora, estava zombando de mim. O
pesadelo com duas crianças no gramado da casa dos meus pais, em Pisa,
ainda estava fresco quando acordei no meio da noite.
Duas meninas, especificamente, com olhos maliciosos e verdes, tão
diretos que eu poderia jurar saber de qual ventre elas saíram, mesmo não
tendo uma presença materna em meu sonho. E o que me acordara foi a voz da
minha mãe, enérgica e alta, que ecoou pelo gramado verde iluminado pelo
sol. Ambas as pequenas cabecinhas se viraram, com os cabelos negros
voando, buscando minha mãe. Essa correu, abriu os braços e agarrou-as,
como se fossem sangue do seu sangue.
Passei o resto das horas com insônia.
— Está com algum problema? — A voz da minha mãe e seu toque no
meu braço me despertaram dos devaneios.
Levantei a cabeça, fitando-a sentada na minha frente, com a mesa
arredondada do restaurante entre nós.
— Estou apenas cansado. — Sorri para disfarçar.
— Você está mentindo, entendo que há problemas que não quer
compartilhar. Só saiba que eu e seu pai estaremos sempre ao seu lado. Ele
não pôde vir, mas eu estou aqui.
Estiquei o braço e afaguei sua mão.
— Eu sei, mãe. Como ele está? — Mudei de assunto.
— Reformar a casa o cansou um pouco. — Ela pareceu nostálgica,
subindo os olhos para o grande lustre elegante acima das nossas cabeças. —
Está tão linda. Sinto falta de você lá, ajudando seu pai. O gramado parece o
mesmo de uma vez. — O calafrio passou pelo meu corpo e arregalei os
olhos, vislumbrando o antigo gramado, com duas meninas correndo. —
Armando? — Dei um pulo da cadeira ao sentir o toque dos dedos da minha
mãe sobre a minha mão.
— Como? — indaguei, constrangido por não ter prestado atenção.
— Qual é o problema? Desde o começo do jantar, está quieto e
pensativo.
— É o hábito de estar sozinho.
— Sabe que pode me contar, se for algum problema grave.
— Padre Armando tem o problema de pensar demais. — Implorei
que os meus ouvidos estivessem enganados, mas a voz tão direta possuía
uma única dona.
Petrificado na cadeira, como se uma cruz fosse jogada sobre as
minhas costas, neguei aos meus olhos a visão da presença parada nas minhas
costas.
Surpresa, minha mãe fitava alguém atrás de mim, e suas rugas
aumentaram conforme seus lábios se curvaram em um sorriso indecifrável.
— Acredito que não conheço você. — Foi a forma mais educada que
minha mãe encontrou de perguntar o nome, e diante da minha inércia, senti as
mãos de Mônica roçarem nos meus ombros, se apoiando propositalmente.
Eu estava sendo abandonado por Deus? Por que pregar peças das
quais não sabia as falas?
Arrepiado, me inclinei para frente, me esquivando do seu toque.
Engoli em seco, buscando uma saída, contudo, Mônica, como em
todas as outras vezes, foi mais rápida e avançou pelo meu lado, estendendo a
mão na direção da minha mãe.
— Sou Mônica Fattin. — Inclinou-se sobre a mesa. Meus olhos
vagaram pelo braço esguio, os seios delineados pelo vestido preto colado e
o decote arredondado.
— Muito prazer, Mônica. Sou a mãe de Armando, Ivette Ferrazzi.
Como conhece meu filho?
A risada de Mônica deixou transparecer a verdade e me encarou,
uma ameaça silenciosa. Implorei que não fosse traiçoeira.
— Nós nos conhecemos durante a missa, sra. Ferrazzi. Padre
Armando sabe lidar muito bem com as palavras. — A malícia tentando me
constranger.
— Armando não costuma ser muito próximo das mulheres que
frequentam as missas, e, por sinal — acusou-me com o olhar —, ele nunca
me falou sobre você.
— Nós nos conhecemos há pouco tempo.
— Muito pouco tempo — cortei Mônica e apoiei os cotovelos na
mesa, juntando minhas mãos abaixo do queixo, como se estivesse orando.
— Posso me sentar? — A sua pergunta me calou, me deixando
desconsertado, apenas assistindo ao fósforo que se acendia para criar o fogo
sobre a pira que era a minha angústia. Minha mãe, na sua singela doçura de
se encantar por Mônica, apontou para a cadeira entre nós dois, que logo foi
ocupada por Mônica.
— Você não veio com alguém? — questionei, educado.
— Estou sozinha, padre — afirmou. — Acabei de voltar do hospital.
— Trabalha no hospital? — Minha mãe se ajeitou, curiosa.
— Estou fazendo residência no hospital de Lucca, sra. Ferrazzi.
— Me chame de Ivette, querida. — Apenas assisti ao meu próprio
inferno e o fogo começando a subir por debaixo da mesa. — É residente em
qual área?
— Sou pediatra. — Encarei-a. — Passei na residência de
gastropediatria — completou, estendendo a mão sobre a mesa, com unhas
feitas e claras.
— E como seria essa área, srta. Fattin?
— Quando me formei na residência de pediatria, decidi optar pela
Gastroenterologia Pediátrica, e passei na residência que queria aqui em
Lucca. Basicamente, Ivette, atendo crianças e adolescentes com doenças de
intestino, fígado e transplantadas. Foram dois anos na primeira residência e
agora serão mais dois anos. — Mônica se tornou outra mulher, séria,
explicando sobre sua profissão. Peguei-me fascinado com a forma que
movimentava as mãos. — Praticamente estou em função durante toda a
semana e dois finais de semana com outros residentes.
— Enquanto Armando cuida das almas, você cuida dos corpos.
Mônica sorriu, triunfante.
— Gosto dos corpos, Ivette. — Cutucou-me e engoli em seco.
Alcancei o copo com água. — Desculpe-me, mas não sou tão devota, não
consigo entender a fé, então prefiro a ciência. — Seus olhos me
crucificaram.
— Sou devota, mas confesso que adoraria que Deus tivesse me dado
netos ao invés de um padre. — Minha mãe riu.
A água, tão pura, desceu como labaredas na garganta e tossi.
— Mãe!
— Netos, filhos de Armando?
— Ele é o meu único filho. Você, como mulher, entende, não é?
Mônica permaneceu em silêncio, me encarando, até se levantar com a
chegada do garçom.
— Como a comida de vocês já está sendo servida, eu irei atrás da
minha. — Sua graciosidade brincava com a zombaria. — Recém-voltei do
hospital, e antes de me sentar já estava prestes a pedir para levar.
— Mas estávamos em um assunto tão...
— Tudo bem — cortei minha mãe e me levantei.
Aproximei-me de Mônica, que curvou os lábios em uma maldade
arrebatadora e estendeu a mão. Sob o olhar da minha mãe, obriguei-me a
cumprimentá-la.
— Deseje-me boa noite, padre — brincou comigo. — Deseje que eu
durma com os anjos, porque vindo de um padre, talvez eu realmente durma.
— Você dormirá com o que precisa para protegê-la. — Tentei me
afastar, contudo, antes que se fosse, parou lado a lado comigo.
— Nós dois sabemos com quem eu dormiria se não fosse por um
celibato — sussurrou tão maldosa, que me deixou sem resposta.
E como todas as outras vezes, se afastou tão rápido como chegou,
deixando-me aturdido com as palavras que sabia usar bem.
O garçom serviu os pratos e me sentei, voltando a ouvir minha mãe
conversar sobre a reforma da casa. Cortei qualquer assunto que fosse em
direção à Mônica. Mesmo quando ela se foi do restaurante, ainda a sentia.
Mônica já não era uma presença física, mas uma sensação constante.
H á d ua s tra g é d ia s na v id a : um a a d e nã o sa tisfa ze rm os os nossos d e se jos, a
outra a d e os sa tisfa ze rm os.
Osc a r Wild e .

O choro da criança ainda estava nos meus ouvidos.


Mesmo sendo minha profissão, nunca me acostumara com a morte,
apenas aprendi a ignorá-la, para poder deitar minha cabeça sobre o
travesseiro todas as noites e não pensar nas crianças enfermas que morreram
durante o dia, nos recém-nascidos que lutavam para sobreviver, pois, se
continuasse a pensar, como foi no início da faculdade, eu teria desistido. E
desistir nunca foi uma opção para tudo o que decidi na minha vida.
Consultei a planilha de pacientes da segunda-feira, pacientes para
visitar durante toda a manhã, junto com mais residentes. Dois transplantados,
além de recém-nascidos. Pensei em Abelle, uma prematura extrema, que
desde o nascimento havia caído em minhas mãos.
A porta se abriu com brusquidão.
— Mônica. Abelle acabou de falecer.
Não consegui disfarçar o choque.
— Neste momento?
— Há vinte minutos. — Percebi que Vicenzo queria me confortar,
mas manteve distância. Nosso namoro durou apenas na faculdade.
Seria tão injusta a morte assim? O que diriam os sábios sobre ela?
Ou esses se calariam perante sua presença?
— Quero vê-la. — Contornei a mesa, fechando os botões do jaleco.
— Não é necessário. Os familiares já estão lá.
Não era pelos familiares. Era uma mania minha visitar o paciente
morto, como se eu precisasse afirmar para mim mesma que era apenas um
corpo. Um corpo a ser estudado, com peles, carnes e ossos. Ou haveria algo
mais? Esse nunca foi um assunto que quis perguntar ou descobrir. Para mim,
o corpo sempre bastou. E esse vício se tornou importante.
Não respondi a Vicenzo, dei as costas para alcançar o final do
corredor e descer pelo elevador. Ouvi o murmúrio dos familiares assim que
alcancei a porta da sala, e evitei entrar.
Permaneci parada diante do vidro, fitando a mãe chorando e Abelle
dormindo para sempre.
Antes que eu previsse, meus olhos se embaçaram e o nó dentro do
meu peito se formou. Franzi a testa, estranhando a sensação depois de tanto
tempo sem chorar. Observei a mãe também chorar. Assim como suas
lágrimas escorreram, as minhas acompanharam as delas. Perceber o quanto
me apegara à Abelle foi um choque.
— Às vezes é bom se manter distante nesse momento, Mônica. —
Vicenzo parou ao meu lado. — Quer que eu a leve para casa?
Queria conversar, perguntar sobre ideias que até então nunca me
assolaram.
Perscrutei o rosto do médico ao meu lado.
Não era das suas respostas que eu necessitava. Não, era das palavras
de outro homem.
— Não — respondi taciturna e dei as costas, colocando as mãos
dentro dos bolsos do jaleco.
Vagueei pelos corredores, perdendo-me nos minutos. No consultório,
larguei o jaleco, peguei a bolsa e saí do hospital.
Dirigi devagar, começando a pensar na minha afeição com Abelle.
Queria desabafar sobre esse sentimento com alguém que pudesse me dar
certo conforto diferente.
Padre Armando. Mas eu não tinha sido maldosa com ele? Contudo, o
mal não era apenas uma ideia criada por nós? A maldade não estaria no ato
em si, mas no pensamento?
Fui uma pecadora ao tentar um padre?
Mais do que isso, fui vingativa. Obtive a minha vingança e o deixei.
Encontrá-lo em Lucca bagunçou tudo.
Passei os olhos pelos carros, percebendo que estava dirigindo para a
sua igreja.
Estacionei, perguntei para duas senhoras que estavam na frente do
local sobre o padre, onde provavelmente poderia morar, e me indicaram um
pequeno sobrado a cinco quadras.
Dirigi até lá, ciente de que talvez eu estivesse sendo ainda mais
maldosa. Entretanto, desta vez não estava indo com a intenção de constrangê-
lo.
Estacionei e saí do carro. Já passava das 23h da noite quando bati à
sua porta. Ouvi um barulho dentro do sobrado e aguardei. Observei a
decoração da sacada do segundo andar, vasos com plantas e flores
vermelhas sobre a balaustrada.
A porta abriu, revelando Armando vestido com um suéter escuro,
calça jeans e meias pretas.
Pego de surpresa, sorri ao me deparar com seu rosto tão assustado.
Tud o sofre , tud o c rê , tud o e sp e ra , tud o sup orta .
(1 Coríntios 1 3 :7 )

A força do pensamento atrai? Ou seria a própria fé em algo que


não temos controle? E o que seria a fé, senão o desejo de poder crer em
algo que de fato jamais teremos certeza?
De todas as dúvidas que eu tive, uma eu acabara de liquidar. Poderia
crer que a força do pensamento atraía, principalmente os mais impuros.
Diante dos meus olhos, Mônica permanecia parada na porta da minha
casa, sem responder as perguntas não ditas por mim, apenas imaginadas no
infortúnio do meu dia.
Encarei-a por tanto tempo, que me perdi na ideia de que talvez fosse
um fantasma saído dos meus pesadelos.
— Sei que é tarde. — Sua voz me trouxe de volta e franzi a testa,
perdido. Deus guiou seus passos até lá? Ou o Diabo deu o meu endereço,
buscando levar a tentação até mim? — Não me convidará para entrar? —
Desviei o olhar, sem escapatória. — Ou está mandando-me embora? —
Sorriu, dissimulada.
— Não, não. — Dei espaço. — Entre.
— Por um momento acreditei que iria me deixar na chuva. É uma
casa grande para alguém que mora sozinho. — Avançou para dentro, me
constrangendo ao observar os cantos da minha casa com afinco.
— Foi a mais próxima que encontrei da paróquia. — Permaneci
parado, de costas para a porta, tão imóvel que Mônica se virou na minha
direção.
Perscrutou-me por inteiro, séria. Dei um passo, quebrando a
atmosfera que tinha se instaurado.
— Deve ser solitário.
— Nunca me senti solitário. — Passei por ela, indicando o caminho
até a sala. Remexi a lenha do fogo da lareira, vendo as labaredas vivas e
intensas. Recordei-me dos seus olhos, fixos nas minhas costas. — A que
devo a visita?
— Estive de plantão hoje.
Fitei-a sobre o ombro. Cruzou as pernas, sentada, sem a bolsa, que
repousava sobre o sofá.
Acomodei-me defronte.
— O que eu deveria entender com isso?
— Preciso conversar com alguém... Com você. — Sua sinceridade
me desarmou e assenti, tentando desvendar sua feição austera.
— Por quê?
— Pensei na sua devoção. — Envergonhei-me.
Ela já tinha visto outra devoção, a diabólica e impura. Recostei na
poltrona, tamborilando os dedos das mãos nos encostos laterais e desviei o
olhar.
— Minha devoção não é tão útil para você, visto que não é crente.
— Preciso ser crente para conversarmos? — Riu.
— E sobre o que precisa conversar?
— Não sabia que sua mãe queria netos.
— Ela sempre pensou nisso, mas compreende que escolhi esse
caminho. Estamos aqui para falar sobre minha mãe?
Mônica jogou a cabeça para trás, deixando os fios negros deslizarem
pelas bochechas, afastando-os do rosto, e se tornou tão séria, que não pude
desviar os olhos.
— Estive de plantão e, como disse, preciso conversar.
— Sobre qual assunto? — Arqueei as sobrancelhas, com seu colo
mais exposto ao se inclinar para frente. — Por mais desentendimentos que
temos, como servo do Senhor estou aqui para ajudá-la também.
— Você é bondoso demais, padre.
— A bondade e a maldade estão presentes em todas as pessoas.
— Em alguns há mais maldade.
— Não o suficiente para que não haja perdão. — Calei-me com sua
negativa, ao balançar a cabeça.
No fundo, eu também não acreditava que havia perdão para tudo. Na
verdade, não acreditava que eu poderia perdoar.
— E se houvesse apenas bondade? Seria justo findar uma vida cheia
de bondade?
Ela estava falando sobre bondade e maldade, ou sobre algum
julgamento?
— O que isso significa? Se há um ser tão bondoso...
— Um ser tão bondoso poderia ser aquele que nem passos deu. É
aquele que não conviveu com ninguém. — Suas palavras foram rápidas
demais. — Como um recém-nascido.
— Foi isso o que aconteceu? — Tentei em vão desvendar, antes que
respondesse. Assentiu, cabisbaixa, tensa.
— Perdi um paciente hoje. — Sua voz tão segura vacilou. — Eu a
perdi porque não havia mais o que fazer. Deveria estar ciente disso. Estava,
mas... — Presenciei a vulnerabilidade em seus olhos, que revelou a minha.
Tentou-me. — Apeguei-me à criança, mesmo sabendo que as chances de
viver eram poucas. Tive esperança. Mesmo que a medicina dissesse que
seria impossível.
— A fé. — Encarou-me, assombrada. — A fé fez você crer que ela
pudesse viver. Você quis ter fé que algo impossível acontecesse.
— Não.
— E o que seria, então?
— O desejo de que a vida fosse mais justa. — Tão direta, que
aprisionou o meu olhar ao seu.
— E por que acredita que a vida é injusta?
— Um recém-nascido merece morrer? Ela merecia viver tão pouco,
Armando? — O modo como meu nome soou pelos seus lábios me deixou
desconfortável.
— Você diz isso porque não acredita.
— E deveria acreditar? Acreditar que tudo acontece por um motivo?
Que a vida e a morte são passageiras assim? — Não consegui responder a
frase, sendo atropelado pelas palavras tão firmes dela. — Por isso estou
aqui. — Surpreendi-me com suas lágrimas. — Diga-me, em que posso
acreditar? Porque, neste momento, não vejo nenhum vislumbre da fé que o
mantém em pé nessa devoção. Diga-me, como posso me confortar?
Mônica era força, uma presença fascinante e pecaminosa.
E diante dos meus olhos e do meu silêncio, ela fraquejou. Uma
lágrima deslizou vagarosa pela sua bochecha, criando uma queda tão grande
dentro das minhas tentativas de me manter firme, que apenas assisti calado.
É m a is fá c il re sistir a o p rim e iro d os nossos d e se jos d o q ue a tod os os q ue o
se g ue m .
Be nja m in Fra nk lin.

O que significa a fé? No sentido literal, podemos defini-la como a


adesão de forma incondicional a uma ideia, tornando-a uma verdade
absoluta. Mas se fosse algo tão simples, como tirar palavras para defini-
la em todo o seu entendimento, estaríamos banalizando algo que remonta
há anos. Em uma antiguidade antes do catolicismo, já não existia o
paganismo?
Mas dentre todas as crenças, havia algo em comum: o desejo de
acreditar, de que o ser superior, mesmo que chamado por vários nomes,
existisse. O que dizer para alguém cuja fé já não existia? Como confortar
uma pessoa que não crê que algo poderá ajudá-la, que há algo que
responda a todas as suas dúvidas silenciosas?
Divaguei em pensamentos, aprisionado naquele olhar franco,
aguardando uma resposta.
Ela foi a mulher que corrompeu meu celibato.
Embaraçado pela noção, perdi a chance quando, fascinado pela
lágrima contra sua bochecha corada, notei a malícia à espreita.
— "Cubra o rosto dela. Meus olhos se ofuscam, ela morreu jovem"
— recitou uma passagem da peça A Tragédia da Duquesa de Malfi,
causando calafrios por todo o meu corpo. — Isso é o que poderiam dizer,
não é? Ela morreu jovem, talvez fosse sua hora.
— Não é o que eu iria dizer. — Fui direto diante de toda sua ironia.
O crepitar da lareira se tornou mais alto e juntei as mãos, esquentando-as
uma na outra. — Iria dizer que eu jamais poderei transformar sua inquietude
em fé, se você não desejar e acreditar.
— E se eu quiser? — A sinceridade foi pior que o deboche. — E se
eu precisar? Não consigo deixar de pensar que é injusto e, por isso, não
consigo aceitar. Estou andando em círculos desde que minha paciente
faleceu.
— Acredite que há algo para tudo isso, mesmo diante de toda a sua
descrença. — E pecado e tormentos, completei mentalmente. —
Compreenda que a medicina não salvará a todos, e que a morte é algo
natural. Pode não acreditar em alguma divindade, mas necessitará entender
que a morte não é uma condenação, como você julga.
Abaixou a cabeça, unindo as mãos.
— Você a encara como algo natural? — Sua voz não era mais frágil
ou trêmula, mas de uma força que me fez arquear as sobrancelhas. Assenti.
— É fácil dizer isso quando a pessoa sobre a qual fala é uma completa
desconhecida.
— Não é fácil, e nunca será, mas é inevitável. Se algum dia a
medicina conseguir solucionar a morte...
— Então a fé não precisará mais existir.
— A fé é uma razão para viver, não para justificar a morte.
— E se não houver vida, como será essa fé?
— Por isso se chama fé. Crer sem ter certeza.
Sua expressão, antes fragilizada, se tornou mordaz, uma máscara.
E o que ela queria, afinal? Que eu, um padre católico, a confortasse
quando ela não tinha fé? Não conseguiria, pois ela nem sequer acreditava
nas minhas palavras.
— Sinto muito, mas não posso ajudá-la nisso. — E perante o seu
pedido tão estranho e inoportuno, fracassei novamente.
Que tipo de padre eu era, para não ser capaz de ajudar? Enchi-me de
dúvidas, perdi a luta, a tentação arrastou meus olhos para baixo. O seu
pescoço fino, a pele macia, a curva dos seios na blusa justa.
— Mas você já me ajudou. — Espantei-me. Mônica conseguia
prender minha atenção, como se a segurasse nas mãos.
— Como? — Eu deveria encerrar a conversa, mas assim como eu
sempre quis ter fé, eu também estava cobiçando algo impuro e pecaminoso
demais.
Que homem eu seria se sucumbisse aos meus desejos e me perdesse
em meus pecados?
— Distraindo-me. — Sorriu, maliciosa. — Queria poder acreditar
em todas as suas palavras, e provavelmente irei pensar muito nelas durante a
noite. — A luxúria abraçou-me, me embalou e sussurrou que Mônica,
deitada em sua cama, nua, iria pensar em mim. — Mas — perscrutou meu
rosto — sua conversa me acalmou, me fez entender que talvez a criança
esteja em paz.
— Isso é o que importa.
— Ao menos ela está, enquanto nós estamos na tormenta. — Levou à
luz as verdades do que estava acontecendo comigo.
Um trovão irrompeu, causando calafrios, e a grossa chuva começou a
açoitar os vidros das janelas.
— Ainda está atormentado?
Elevei as sobrancelhas e abaixei a cabeça.
Queria fugir do tema.
— Se a chuva piorar muito...
— Você está evitando falar do que aconteceu. — Notou minha fuga.
— Como se fosse impuro pensar nisso.
Precisava tirá-la da minha casa, pois a cada segundo meu corpo se
esquecia do peso da batina e se lembrava do toque pecaminoso de Mônica.
— Se já está melhor...
— Já estou. E você? Parece que não está bem, talvez seja minha vez
de confortá-lo. — Hesitou. — Armando. — Impactante como seu olhar.
Atirou-me no fogo, diante da minha própria cruz.
Levantou-se. Como um anjo, Mônica me fascinava a ponto de me ver
ajoelhado em sua frente, aceitando a luxúria, hipócrita nos perdões que pedi.
Balancei a cabeça, recobrando a razão.
— Estou bem. — Também me levantei. Aproximei-me da lareira, me
afastando dela. O fogo na minha frente parecia subir por minhas pernas. A
ereção, explodindo dentro da calça, ansiava por satisfazer as lembranças do
lugar quente e apertado. A culpa e desejo. Meu ser queria reviver o gozo,
ignorando os longos dez anos de celibato. — Já conversamos sobre esse
assunto. Vingou-se e me culpou. Isso me atormentou. — Vislumbrei o rosto
de Cecília. Ela estava morta. — Perdoei você pela maldade. Perdoei-me
pelo pecado. — Perdoei mesmo? — Não há mais nada sobre isso. Podemos
ser amigos. — Mantive-me de costas para ela. — Tudo está no passado —
falei para o vazio, pois não obtive resposta, não a que eu esperava.
A imaginação se tornou realidade: senti seu toque, suas mãos
acariciaram meus ombros.
Recuei em um pulo, assustado por sua aproximação repentina.
— Ou não está bem porque quer pecar outra vez, mas sabe que não
pode. — O silêncio, que deveria ser tranquilo, me causou agonia. Tão fria
sobre assuntos como sua mãe e vingança, e tão calorosa quando me
provocava. — Assim como eu quero.
Desesperado, ergui a cabeça, tinha que a mandar embora, mas as
palavras não saíram perante sua postura determinada. E ao me calar, Mônica
sorriu, levantou as mãos e acariciou minha face.
— Gostei de você na cama. — Um inferno pensar em seus gostos.
Fechei os olhos ao sentir a carícia.
— Já está na sua hora. — Evitar encará-la não me deu forças.
— Obrigada, Armando. — E equivoquei-me de novo, já que de olhos
fechados não pude prever o que Mônica faria.
Senti seus lábios macios contra os meus, em um beijo casto.
Criou um abismo entre mim e a devoção.
Retribuí o beijo, ansiando por mais, sentindo meu pau tão duro, como
se ditasse o que queria. Ansiei por tê-la embaixo de mim, revelar meu lado
carnal.
Mônica se afastou inesperadamente, em direção à saída.
A consciência do meu ato me abalou. Não foi sexo, mas o beijo me
condenou a compreender que eu queria continuar.
Cobri o rosto com as mãos, atormentado.
O rangido da porta abrindo e a noção de que já não adiantava mais
negar o quanto a desejava.
Abaixei as mãos e a fitei.
— Espere — falei sôfrego, por saber que não ceder à tentação
também seria um tormento.
A c a stid a d e é a m a is a norm a l d a s p e rv e rsõe s se x ua is.
Ald ous H ux le y.

A decadência não significa apenas perda material, mas um estado


de degradação também mental.
Quando eu comecei minha queda?
Talvez não tenha sido quando Mônica entrou naquela cabana, nem
quando conheci Cecília, mas quando não entendi que, uma vez caído, jamais
me ergueria.
Os vícios, a atração e os próprios medos, antes silenciados pelo meu
celibato, pela minha mente centrada em continuar no caminho, retornaram, e
mesmo quando acreditei me reerguer, ceguei-me diante do fato de que eles já
estavam dentro de mim há muito tempo. Adormecidos, esperando uma
tentação tão grande para me fazer enxergar que não existia a perda de um
vício e defeitos, apenas uma sombra que os escondia.
Nós somos formados de vícios, desejos inconscientes e
impulsividade. Somos como animais, que ao se deparar com a evolução, se
levantaram e aprenderam a andar em pé. Mas eu não estaria sendo
científico demais ao pensar assim? Ou deveria acreditar no Éden e sua maçã
proibida? No sentido literal, Mônica seria serpente, e eu um mero homem nu
diante da tentação carnal. Não seria muita injustiça comigo, sendo eu de
carne e osso, propenso ao desejo?
E na decadência dos vícios, pedi que ficasse. Soou tão estranho, tão
pessoal e tão necessitado, que ao levantar os olhos e fitar os seus, surpresos,
me envergonhei da minha fraqueza.
— Está pedindo que eu fique? — Era espanto na voz, não malícia, e
pela primeira vez não me julgou.
Fechou a porta, minhas mãos suaram frio, frente a frente com ela, se
aproximando.
— Estou pedindo que espere a chuva passar. — Queria enganar a
quem?
— A chuva ou o seu desejo? — Ela sabia. Estava nos meus olhos e
eu também sabia.
Distanciei-me, sentei na poltrona e esperei que fizesse o mesmo.
— Sente vergonha da luxúria. — Censura e acusação. — Quer sexo,
mas não se atreve a pedir.
Ri, embaraçado. Não tinha graça nenhuma, só o desespero.
Ocultei meu rosto com as mãos.
A verdade é cruel.
— Estou sendo hipócrita, não estou? — murmurei.
Riu, maliciosa, me sobressaltando quando abaixou as minhas mãos,
ajoelhada na minha frente, no meio das minhas pernas. Perto demais para se
afastar.
— Está sendo humano. Por que negar o desejo? Se fosse errado, não
deveria existir. — A lascívia estava no seu olhar, atiçando o meu tesão.
Suas mãos acariciaram minhas palmas.
— Está satisfeita em me ver nesse estado?
— Estou satisfeita em ver um homem me desejar.
— Isso é vaidade — acusei-a.
Riu de mim, fazendo pouco da minha preocupação. Desceu as mãos
para as minhas coxas, subiu em direção à minha ereção. Era arrebatadora a
sensação de ter o seu toque no meu corpo.
— Não me importo com os pecados. — O olhar confiante me despiu.
— E você também não deveria.
Depois. Depois eu poderia pensar.
Agora só me esqueci da castidade, e movido pelo tesão, guiei suas
mãos até o meu pau, que se erguia contra a calça.
O silêncio foi quase tão prazeroso quanto sentir seu toque.
— Me deixe acalmar seus tormentos — disse o meu maior tormento.
Inclinou-se e agarrou meu rosto.
Beijei-a com a necessidade que me angustiou todas as noites. Sua
língua se entrelaçou à minha, os lábios macios pressionados pelos meus, o
seu gosto delicioso na minha boca. Suguei sua língua, ansiando saciar o
tesão que me engolia. Beijei-a com fervor, acomodando-a sobre minhas
pernas, sentada no meu colo.
Satisfiz todos os meus demônios.
Apertei sua bunda sobre a calça, enlouquecido ao imaginar me
afundando em sua carne. Arfei, tentando recuperar a respiração. Não larguei
seus lábios, e antes que ela abrisse os olhos, beijei-a de novo, devorei sua
boca, subi as mãos para dentro da sua blusa. Queria me fartar nos seus seios,
chupá-los como sonhei nas noites impuras.
Ergui sua blusa.
— Armando. — Sua voz ainda era segura, mesmo no gemido mais
íntimo, quando abaixei seu sutiã preto e abocanhei seu mamilo rosado, tão
intumescido, esperando por mim.
Chupei-o com violência. Seu gemido era de dor e prazer, um que eu
estava causando. Excitei-me mais ao pensar nisso.
Deslizei a língua pela aréola macia, detalhando cada parte da sua
pele, que era minha nesse momento, e voltei a chupar seu bico.
Suas mãos se enterraram nos meus cabelos, bagunçando-os, e
desceram pelo meu pescoço, marcando minha pele com as unhas.
Tirei o suéter e encarei Mônica, sedento por mais. Um animal tão
faminto. A queria deitada no chão, entre meu corpo e o tapete, gemendo e
gozando comigo.
— É isso o que quer? — Estava brincando e eu não tinha mais forças
para resistir.
Avancei contra a sua barriga nua, beijei ao redor do seu umbigo,
deliciando-me na sua pele calorosa. Fui até seus seios. Lambi a pele quente
entre eles, seu cheiro único de mulher, abocanhei o direito, chupei-o
devagar, seu gemido aumentando.
Espalmei as mãos nas suas costas arqueadas, deslizando até sua
calça. Invadi-a, afundei meus dedos na sua bunda.
Mônica gemeu e escapou das minhas mãos.
A ausência me atordoou.
Mudo, implorei que voltasse.
— Não fugirei, ou esse é o seu maior medo agora? — Como ela me
lia desse jeito?
Hipnotizado, assisti-a se ajoelhar no meio das minhas pernas, minha
ereção tão dura que eu estava perdendo o controle. Abriu o botão, aliviando
o aperto do meu pau.
Suspirei, controlando a ansiedade por estar em sua boca.
Beijou meu peito nu, os olhos pregados no meu rosto, me arrastando
para o inferno quando trilhou um caminho com os lábios pelo meu abdômen,
passou pelo ventre e roçou os cabelos pela minha epiderme.
Ela me chuparia, iria extravasar em sua boca, mataria minha
vontade.
Joguei a cabeça para trás, seus lábios avançaram para a cueca,
enterrei minha mão nos seus cabelos, guiando-a para baixo. Abaixou-a, meu
pau saltou para fora, pingando de excitação.
Poderia gozar sem nem ao menos me afundar em Mônica? Não,
queria e necessitava me enterrar nela.
Era uma necessidade, senão se tornaria uma tortura nas próximas
noites. Mas apenas senti seus lábios roçarem na glande antes de se
afastarem.
Perdido, encarei-a.
Sorriu, sacana.
— Precisamos de um preservativo. — Em que lugar estava minha
cabeça para não pensar nisso?
— Não tenho.
Levantou-se.
— Previ isso. — Riu, me arrepiando. — Eu trouxe, mas deixei no
carro. Pensei que não usaria. — A expressão deliciosamente divertida. Deu
as costas. — Irei buscar.
Abaixou a blusa, caminhando em direção à porta.
No tempo em que assimilei o baque na porta com a falta da sua
bolsa, ouvi seu carro acelerar, me deixando em torpor.
Levantei-me, como se minha sanidade dependesse da confirmação de
que ela se foi. Pela janela, vi a rua vazia.
Meu pau estava doendo, esperando um alívio.
Ela me provocou só para me deixar no desespero carnal.
Apertei as pálpebras. Se me jogasse na chuva, os pingos gelados
aliviariam o meu tesão?
— O que farei? — Um choro interno.
Guardei a ereção dentro da calça, tentando acalmar a excitação, mas
o Diabo estava jogando comigo, como Mônica fez.
Não passaria.
Eu respirava a lascívia, ainda sentia o seu cheiro e tato.
Subi as escadas atordoado, Mônica inundando a minha mente, o
tormento de ansiar por ela.
Despi-me no banheiro e entrei debaixo da água quente.
Aguente, pensei.
Não obstante era a visão dos seus seios rosados que surgia, os
mamilos rijos, a mente pregando uma peça ao me imaginar chupando-os,
mordiscando-os. Apoiei um braço na parede, os ombros debaixo d’água.
Fechei os olhos.
Seus seios macios, a barriga, as curvas da cintura, o ventre. Um
caminho para o meu paraíso carnal, que começava abaixo do umbigo e
terminava no meio das suas pernas.
Pernas. Ela estava no meio das minhas, meu pau contra sua boca. Tão
perto que bastaria só um empurrão que ela me chuparia. Os lábios
contornando a extensão, roçando a língua pela glande, bebendo meu líquido
pré-ejaculatório, mamando com fome, puxando o prepúcio para baixo
enquanto sua boca, em um vaivém delicioso, me engolia.
Gemi, o gozo subindo pelo meu ventre, me queimando de prazer.
Seus lábios subiram e desceram, aumentaram o ritmo e, com os olhos
pregados em mim, diretos, disse a verdade: eu estava me masturbando.
Suspirei, mirando o pau dentro da minha mão, as veias saltadas de
tesão. Nesse ponto, não conseguiria mais parar, precisava ir até o fim.
— Ahhhhh! — Ofeguei.
Masturbei-me com a visão de Mônica me chupando com ímpeto,
inteiro na sua boca, a língua acariciando-o, os espasmos me invadindo. Na
minha mente pecaminosa, a vi lamber a glande, meu gozo contra sua língua.
Gozei. O sêmen se espalhando na minha palma, o coração acelerado
e a respiração entrecortada, o orgasmo me tirando da realidade. O jato
chegou até a parede, se esparramando, arrepios percorreram todo o meu ser,
as sensações me subjugando.
Enfiei a cabeça debaixo d’água, me livrando do êxtase, amargurado.
O que fiz?
Até onde serei levado por Mônica?
Enterrei a cabeça entre as mãos, aliviado por gozar, mas pesado por
ter me masturbado.
Culpado, me condenei.
Chorei em silêncio, sem conforto, incapaz de encarar a mim mesmo.
Fracassei em meu caminho, não tinha dúvidas. Os dez anos foram
pisoteados por um curto período e nenhuma palavra me acalentaria. Tudo
pelo que abri mão para usar a batina, a fé e a crença em milagres, me
esmagaram.
Ajoelhei-me no piso molhado, meu pranto acompanhado pelo barulho
do chuveiro.
Como pude fazer isso?
Como destrocei minhas convicções e motivos?
Deveria ter me lembrado, olhado para o passado.
Mas Mônica tinha esse efeito sobre mim.
Desliguei o chuveiro e, vestido, me arrastei para a cama.
Deitado, encarei o teto, ciente de que seria mais uma noite em claro,
devorado pelos tormentos. Dentre eles, não sabia qual era o pior: se era o
pecado que cometi ou desejar pecar mais.
H á p e c a d os tã o a g ra d á v e is q ue , se os c onfe ssa sse ,
c om e tia o p e c a d o d o org ulho.
Sop hie Arnould .

Não existia mais paz. Tampouco perdão.


Diante da minha fé, ainda acreditava que Deus compreenderia minhas
fraquezas se voltasse ao celibato. Confrontando o homem em mim, eu estava
consumido pelo desejo mundano, sem chance de redenção, pois todas as
noites sonhava com o corpo daquela mulher, e todas as madrugadas chegava
à mesma conclusão: ansiava por repetir o ato.
O único consolo nos dias que se passaram foi que Mônica não me
procurou. No entanto, também era um castigo para a parte que só pensava
nela.
Contemplei os fiéis saindo da igreja após o término da missa.
Quanto tempo meu corpo demoraria para se esquecer daquela
mulher?
Fitei o confessionário. Talvez, confessar em voz alta diminuísse o
sofrimento.
Quando a última pessoa deixou a igreja, me dirigi ao estande, me
acomodando dentro dele. Aflito pelas dúvidas que me chicoteavam,
ajoelhado diante do vazio da tela, fechei os olhos e orei.
Minhas angústias saíram em uma torrente. Desabafei sobre o sexo
com Mônica, implorei que Sua bondade não alterasse o que me manteve no
celibato por dez anos. Que continuasse Seu milagre, que compreendesse
meus sofrimentos e falhas.
Então, confessei sobre o que aconteceu há uma semana. A luxúria que
senti diante daquela mulher enigmática, o orgulho ao ver a vulnerabilidade
dela, a volúpia que comandou meu raciocínio e a masturbação por não
suportar o tesão, a imaginação lasciva da sua boca ao redor do meu pau.
— Não imaginei que seria tão rápido assim. — A voz confiante
cortou minha confusão.
Dei um pulo, arregalando os olhos e encontrando Mônica ajoelhada
do outro lado, me encarando.
Desejei-a tanto que poderia imaginar sua assombração?
Sua risada me constrangeu. Ela ouvira minha confissão.
— Pode continuar, talvez eu me junte a você.
— Gosto de privacidade.
— Não me pareceu isso há uma semana.
— Naquela noite em que fugiu? — retruquei.
— Não o ajudei quando fui embora? Ou realmente queria transar? —
Maliciosa.
Fechei os olhos. Nós dois sabíamos a resposta.
— Se agiu por diversão e maldade, não deveria ter ido à minha casa
— falei franco, esperando que me respondesse desse modo. — Eu a quis —
confessei, sôfrego. — Não consegui refrear o desejo, sou homem por
debaixo dessa batina, e você transformou aquela noite no meu inferno. —
Enfrentei o seu olhar firme. — Se não me quer, pare de me atormentar.
— Aí está — sussurrou. — A franqueza e impaciência de um homem.
Achava você muito contido, educado e paciente em demasia ao lidar comigo.
Por que se mostrar tão firme agora?
Inclinei a cabeça para o lado. Aonde queria chegar?
— Desculpe-me se faltei com respeito, apenas peço que tenha
consideração. Deixe-me sozinho.
— Não zombarei de você agora, nem sou tão maldosa. Se estou aqui,
é porque talvez eu precise conversar. — Repetiu a frase de uma semana
atrás.
Neguei veemente com a cabeça.
— Como posso acreditar em suas palavras? Falou a mesma coisa
dias atrás — acusei-a.
Mônica abaixou a cabeça, juntou as mãos na frente do corpo.
Levado por forças maiores do que a razão, examinei seu busto
marcado pela blusa.
— Continuo perturbada pela morte daquela criança — disse sem
rodeios, me pegando de surpresa. — E busquei conforto em outro homem.
Sou muito pecador para que um anjo venha e me tire desse
momento, antes que eu admita o ciúme, a ilusão de posse e a luxúria?
Cabisbaixa, seus olhos se encontraram com os meus e sondou minha
reação.
Não consegui esconder o quanto me abalou.
— Não estou brincando com você ou com seus sentimentos, mas
preciso entender se fui muito maldosa. — Estava sendo sincera e cruel.
— E por que pedir para mim? Não é como se fosse devota para pedir
conselhos a um padre. — Foi o máximo que consegui dizer.
Desviei o olhar para o canto.
Era raiva e frustração? Há quanto tempo não as sentia!
— Porque sei que é sincero e me ouviria, mesmo tendo suas razões
pessoais para negar.
— Não sei se posso fazer isso agora, me desculpe.
— Está com ciúme? — Adivinhou.
— Não, só quero continuar a minha confissão. Não pecou, é solteira
e pode se deitar com quem quiser.
Mônica sorriu devagar.
— Notei que ele estava tentando se envolver comigo, já fomos
namorados na faculdade. Em uma noite, quando dei carona para ele, cansada,
achei que o sexo poderia aliviar. — Emudeci. — Depois de transar, percebi
que era noivo, ao ver os porta-retratos na sala.
Fechei os olhos, a cena nítida na minha mente.
— Não o fiz trair de propósito. Fui enganada, mas me senti culpada.
Não sabia que Vicenzo estava noivo. — Em silêncio, me perguntei se ela
também não sentia culpa por tudo o que fez comigo.
— Não foi proposital.
— Não deveria me culpar, então?
— Deveria esquecer. — Foi a resposta que eu dei para ela e para
mim, só que não esqueceria a imagem dela nos braços de outro. E esse outro,
além de colega de profissão, era também um antigo namorado.
— Sou mulher e sou carnal. Busquei me acalmar na pessoa errada.
Raiva. Muita raiva.
Ela podia ver isso em mim?
— Somos todos pecadores, carnais e falhos.
— Obrigada — sussurrou, o sorriso me atingindo.
— Preciso fechar a igreja e ir embora — cortei o assunto, irritado.
Levantei-me e saí do confessionário, sendo seguido por Mônica.
Guardei a batina, organizei o que precisava e me voltei para ela, que me
esperava paciente.
— Está a pé? — indagou, me acompanhando pelo corredor até a
porta.
— Sim.
— Posso dar uma carona, se quiser. — Uma oferta tentadora, que não
respondi.
Fechei as portas da igreja.
A camisa social não me protegeu da brisa noturna. Mônica continuou
ao meu lado nas escadarias e evitei contato visual. Ao alcançarmos a
calçada de paralelepípedos, roçou a mão na minha, como se buscasse meus
dedos.
— Deixe-me dar uma carona para você. — Segurou a minha mão, me
surpreendendo.
Puxou-me em direção ao carro.
— Mônica. — Desvencilhei-me do aperto, me afastando. Jogou os
cabelos para trás, me fitando com um sorriso sagaz. — Não me toque desse
jeito em público.
Alargou o sorriso diante da minha vergonha explícita. Não sustentei
o olhar na sua direção.
— Desculpe-me pelo gesto de carinho. — Não tinha sinceridade na
voz. — Não pensei no que as pessoas poderiam achar se nos vissem.
Aceitará minha carona?
— Prefiro ir a pé — murmurei, educado.
No entanto, não me movi.
— Irá chover. — Olhou para o céu, satisfeita.
— Não tenho medo de chuva.
— Então tem medo de mim? — Ri diante da pergunta, encontrando a
malícia em pessoa sorrindo para mim.
— Tenho medo dos desejos. — E de ser dominado pelo corpo,
completei mentalmente.
Ela liquidou a nossa distância e estendeu a mão.
— É apenas uma carona, um pedido de desculpas pelo que fiz e um
agradecimento por ter me ouvido.
Sem reação, fui vencido.
— Apenas uma carona — murmurei mais para mim mesmo,
seguindo-a até o carro.
Sentei-me no banco do passageiro, atingido pelo seu perfume
impregnado em todo o lugar. E, como se o Diabo gostasse de me judiar, me
indaguei se aquele homem também esteve sentado ali.
Seria uma longa ida para casa.
Estático, atento às suas mãos no volante quando acelerou, supliquei
que fôssemos rápido, mas sua velocidade se manteve constante.
— Está bravo comigo. — Quebrou o silêncio enquanto me distraía
com cada detalhe do carro, menos com ela.
— Não tenho motivos.
— Está sim. Por ter deixado você na mão e por ter transado com
outro.
Não respondi. Mirando a janela, estranhei as ruas.
— Preciso ir para casa. Para a minha casa.
— Você não especificou para qual casa queria ir. — Fitei-a de canto,
apavorado.
— Para a minha casa, se possível. — Tentei não parecer nervoso,
mas minhas mãos, já suadas, me traíram, e as apertei contra a calça.
— Admito que talvez eu tenha sido egoísta. — Continuou me
ignorando.
— Todos nós somos egoístas.
— Mas eu fui mais. Pensei no meu sofrimento primeiro, e na minha
diversão. Deveria ter imaginado que você sofreria ao me ouvir. E que
enquanto levei na brincadeira, você realmente quis. — Era uma tortura ouvir
sua voz direta dizer isso. Prestei atenção nas casas que passavam pela
janela. — Devo um pedido de desculpas.
— Está desculpada.
— E também quero terminar o que começamos. — Com os olhos
pregados na janela, seu toque foi uma surpresa.
Dei um pulo, sua mão direita na minha virilha, apertando sem receio
meu pau.
Suspirei, refreando o prazer.
Encarei-a, pasmo.
— Mônica.
— Não diga que não quer, ouvi sua confissão. — Constrangeu-me
com a acusação.
Aumentou a pressão nos dedos, meu cacete duro dentro da cueca.
Encostei a cabeça no banco, tentando buscar uma forma de escapar.
— Por favor, pare! — suspirei, dominado por aquela mulher. — Não
posso. É apenas uma carona.
Não me ouviu, continuou a me acariciar, os olhos fixos à frente, a
outra mão no volante, guiando o carro como fazia com o meu tesão.
— Abra a calça, Armando. — Não foi um pedido.
— Não. — Segurei sua mão, um erro fatal para a minha lucidez. Ela
a desprezou. — Por favor. — Bati a cabeça contra o banco, pressionando as
pálpebras quando abriu a calça, o alívio contra o ventre e seus dedos
invadindo minha cueca. — Pare.
— Nós dois não queremos parar. Está bravo porque eu o deixei e
transei com outro. Vê-lo enciumado me deixou com tesão, assim estou
satisfazendo os nossos desejos. — Direta, crua e rápida.
Antes que eu tivesse tempo de responder, suas unhas arranharam
minha pele no ventre, afastou o cós da cueca e segurou minha ereção.
Entreabri os lábios com o choque, sem ar.
O arrepio percorreu minha espinha. Tocou-o devagar, os olhos
voltados à frente, a velocidade constante, me masturbando com uma
agilidade deliciosamente prazerosa.
Arquejei, à sua mercê, acorrentado com a luxúria ao pensar que não
era a minha mão, como fora no chuveiro — subindo e descendo por minha
extensão, o dedo roçando na glande, seguindo as veias —, era a mão de
Mônica. Quase gozei com o aumento de intensidade.
Mirei-a, mergulhado no prazer, seu braço estendido entre nós.
O carro parou, assim como meu coração ao vê-la desligar o motor,
sorrir e me encarar.
— Estamos na minha casa, padre. — Confirmou os meus temores. —
Ficará no carro ou entrará comigo? — Perdido, contemplei sua feição astuta,
procurando a resposta.
No entanto, sabia qual era.
Assim como a pergunta certa seria: irei transar ou manterei meu
celibato?
Outra vez, a resposta estava pronta.
Dentro da sua casa, na sua cama, envolvido com o seu cheiro, seu
corpo em meus braços e eu me afundando nela. Como negar esses momentos
para o meu tesão? Já estava à beira da loucura sem tê-los. Se recuasse,
talvez perdesse de vez a sanidade.
O hom e m é m orta l p or se us te m ore s e im orta l p or se us d e se jos.
Pitá g ora s.

Medo e culpa foi o que senti. Tão profundos que não era capaz de
compreendê-los. Aguentaria o peso dessa cruz nos dias futuros, mas agora
não me esforçaria para desvendá-los.
Confuso, entrei na casa, guiado por sua mão. Ligou o abajur da sala.
A luz amarelada se derramou sobre a mesinha de canto, nos sofás e
poltronas, criando sombras contra as cortinas brancas da sacada no lado
oposto. Deixou-me sozinho ali, observei os porta-retratos com fotos de
formatura, de prováveis amigos.
Quem estava ali, o padre Armando ou o homem que silenciei por
tantos anos? Com uma mulher descrente, da ciência. Se analisasse seus
objetos pessoais, aprenderia mais sobre ela?
Não, não poderia conhecê-la de forma tão pessoal. A carnal era mais
simples.
Se ultrapassasse esse nível, seria o meu fim.
— Você gosta do silêncio. — Sua voz chegou antes dela, que
retornou com duas taças e um vinho.
Parado, sozinho na casa de uma mulher.
Quando perdi a cabeça?
Foi quando me sentei? Quando seus pés descalços me atraíram? Ou
na forma como se inclinou sobre a mesinha de centro e encheu ambas as
taças de vinho?
— Moro sozinho, me acostumei ao silêncio.
— Também moro, mas nem por isso fico em um silêncio
constrangedor desses. Parece que estamos prestes a cometer um assassinato.
— Uma ironia cruel, pois eu realmente estava. Mataria de vez o meu
celibato.
Ansiei desligar minha consciência. Deixar escapulir o meu senso de
certo e errado.
— O silêncio, às vezes, é bom.
— Para pessoas com mente pura, talvez sim. — Uma pontada de
deboche acompanhada do riso baixo.
Limpei o suor das mãos na calça.
Mônica me ofereceu uma taça.
— Não bebo — disse sem jeito perante seu sorriso indecifrável.
— Nunca bebeu? — Arqueou as sobrancelhas.
— Já bebi, só deixei o costume de lado quando decidi me tornar
padre.
— O que é mais um pecado para quem já é um pecador? — Alargou
o sorriso, insistindo na taça. Aceitei-a, relutante, dizendo a mim mesmo que
o álcool me ajudaria.
— Você não precisa fazer uma celebração com esse vinho, não
estamos em uma missa. — Não deixou passar a oportunidade de debochar.
Encarei-a.
— Você não necessita falar apenas de religião comigo.
— Desculpe, padre — enfatizou.
— Armando. — Um pedido vindo do meu íntimo. — Não me chame
de padre neste momento.
— Se arrependeu de ter vindo? Posso levá-lo embora, se isso
realmente o atormenta.
— Sim, me atormenta. Me aflige a compreensão de que cedi ao
desejo — confessei. Um vinco se formou na sua testa, surpresa com a
franqueza. — De que me adianta ir embora agora, quando não satisfazer o
meu anseio também me atormentará? Estou diante de uma encruzilhada,
qualquer caminho que eu tomar, me queimará.
— Então aproveite o fogo ao invés de apenas se martirizar, pad... —
Hesitou, sorridente. — Armando. Todos nós arderemos um dia, segundo a
sua crença, ou não?
Bebi um longo gole.
Por um átimo fechei os olhos, experimentando o gosto do vinho. O
líquido queimou minha garganta e esquentou o meu corpo.
— Dizendo assim, parece que acredita que todos irão para o inferno.
Os lábios na borda da taça, captando a minha atenção, tão erótico
para mim.
— Todos nós somos humanos, falhos, e segundo o que dizem, quem
peca primeiro arderá no inferno, ou não?
— Se há arrependimento. — Por que estávamos nesse assunto?
— Por que fazem Deus parecer tão severo? Ele deveria entender.
— Por favor... Religião não é um assunto que eu gostaria de
conversar agora — cortei-a, mas ainda assim fiquei refletindo sobre sua
frase.
Não acreditava que Ele era severo, ou que muito menos não
compreendia as falhas humanas. Pelo contrário, me aferrava nessa crença,
como se para aliviar um pouco a culpa.
— Desculpe-me. — Bebeu um longo gole, acabando com o vinho da
taça. Se serviu de mais, observando a minha ainda cheia. — E qual é o
assunto?
Desviei o olhar.
— Você está sem jeito.
— Não estou mais acostumado a frequentar a casa de mulheres.
— Talvez precise se acostumar.
Seu celular sobre a mesa de centro vibrou, acendendo a tela,
deixando à mostra o nome Vicenzo. Mônica não desviou o olhar de mim.
— Está incomodado?
— Quem é Vicenzo? — A pergunta saiu sem controle.
Ela mirou o celular.
— O meu erro.
Minhas suspeitas foram confirmadas.
Eu deveria recuar?
— Eu... — Hesitei pelo tempo que pareceu uma eternidade. — Por
que ligou?
— Ele quer atenção.
Fitei-a, surpreso.
— E irá dar? — Essa era uma das perguntas que, por mais que
fizéssemos, não desejávamos mesmo ouvir a resposta.
Não queria escutar, mas Mônica foi rápida.
— Não, não voltarei atrás do que disse. Não me envolvo com
pessoas comprometidas. Vicenzo foi um erro. — Semicerrou os olhos. —
Está com ciúme?
Estava. Isso foi um alerta.
— Preciso ir. — Levantei-me de supetão, tão apressado quanto as
palavras.
Dei as costas para ela, visando a porta.
Precisava fugir.
Como deixei tudo isso acontecer?
Era capricho contra dez anos construídos. Trocaria todos os anos,
o meu milagre... por sexo?
E o fato de ser Mônica, tão bela como um anjo, e tão maliciosa como
um diabo, tornava tudo mais tentador.
Antes que eu chegasse até a porta, ouvi sua voz.
— Armando. — Parou-me.
Fitei-a sobre o ombro, com um pedido silencioso que me deixasse ir,
que entendesse que eu não estava mais aguentando. Eu precisava de
respostas que nunca encontraria, enquanto ela não tinha perguntas, porque
não necessitava de respostas.
Éramos opostos. Eu seria o seu prazer passageiro, e ela o meu
pecado eterno.
Como lidar? Como suportar?
Como não tornar o carnal em paixão?
O corpo, o toque, o cheiro, as sensações, o conhecimento, a
intimidade. Uma vez conquistada, me arrasaria.
— Não posso — disse sôfrego.
— Podemos.
— Deixe-me ir.
— Eu o quero aqui. — Exigiu de mim o que meu âmago também
ansiava. Volvi-me para a porta. — Se sair da minha casa, saiba que não
voltarei a procurá-lo.
Era o que eu necessitava ouvir, mas não o que queria.
Saí da casa. O vento frio, os pingos grossos da garoa, o barulho
inquietante da chuva. Entretanto, travei, a porta aberta atrás de mim, o céu
tempestuoso à minha frente.
O fim da tentação.
O final. Mas por que não me sinto satisfeito? Por que anseio em me
abrigar ao invés de fugir debaixo da chuva?
Era o fim para ela, não para mim, mesmo que eu partisse.
Suspirei, exausto.
Que Deus me perdoe mais essa vez, pensei ao escancarar a porta,
avançar pelo corredor, retribuir o olhar pasmo de Mônica e a agarrar.
Segurei o seu rosto, me perdendo de vez no fogo que ela era.
Eu já estava caído, por que não pecar mais?
É q ua se im p ossív e l c onc ilia r a s e x ig ê nc ia s d o instinto se x ua l c om a s d a
c iv iliza ç ã o.
Fre ud .

Se o prazer é um pecado, por que o fazer ser tão bom?


Assisti minha queda, gradativa, em seus olhos.
— Voltou — disse, surpresa. — Não se atormentará por isso?
— Também seria um tormento ir embora.
— E as suas dúvidas?
— Não fale delas agora.
— E o seu celibato? — debochou.
Ofeguei.
— Não o questione neste momento.
— Somos apenas humanos hoje? Pecadores? — Era ardilosa, mas já
não me importava.
— Sempre fomos humanos.
— Você poderia ser um santo.
— Jamais conseguirei essa santidade — confessei, abalado.
Ela acariciou minha bochecha e assentiu.
— Beije-me, padre.
— Não me chame assim.
— Beije-me, Armando.
Avancei contra ela como uma fera, sedenta por sua carne.
Colei nossos lábios. Os seus, macios, se abrindo e permitindo minha
língua invadir a sua boca. Explorei-a, envolvi a sua língua, chupei-a, as
nossas salivas se misturando, meus dedos enroscados em seus cabelos, as
respirações entrecortadas.
No instante seguinte, antes que tivesse consciência, suas pernas
enlaçaram meu quadril, segurei-a pela bunda, apalpei-a a cada passo que nos
conduzia para cima.
Cada degrau um demônio.
Cada segundo o meu desespero.
E no alto das escadas, me esqueci deles.
— Continue. — Afastou a boca, me indicando o caminho.
Precisava do seu cheiro, do nosso contato.
Avancei por seu pescoço, mordi a pele, chupei-a, marquei-a, minha
baba escorrendo até o seu busto, enquanto nos guiava para o quarto.
Ela ofegou, cravou as unhas na minha nuca e me beijou quando
chegamos à cama.
Meu pau a queria com tanta devoção, que não suportei ir devagar.
Larguei-a sobre a cama, cobrindo seu corpo com o meu. Puxei sua blusa, os
seios expostos sob a luz do abajur, os mamilos arrepiados e rosados,
implorando para serem chupados.
O quanto neguei o sonho de tê-los outra vez.
Suas mãos empurraram minha cabeça.
Abocanhei o direito, arrancando um gemido baixo de Mônica.
Deslizei a língua pela aréola, chupei seu bico, inchado contra o meu palato,
maltratado pelo meu tesão. Mamei com fome, passei para o outro, a língua
intercalando entre os dois peitos. Lambi o meio entre eles, mordi-os, babei
em cada pedaço da sua pele já vermelha.
— Tire a camisa.
Obedeci como um servo fiel ao tesão. A roupa voou para o chão.
Sem dar descanso aos seus seios, voltei a me fartar neles. Gostosos,
macios, arrepiados pelas chupadas, marcados pelas mordidas.
Eu já não via a linha ultrapassada. Não, me neguei a enxergar o
sentimento de posse quando senti suas unhas no meu peito.
Sustentei-me com os braços e a observei me cobiçar.
Minha, na cama, nem que fosse por um momento. Desejado por ela.
— Por que escolher ser casto, quando tem tudo isso para oferecer a
uma mulher? — Devassidão acompanhada do toque no meu ventre.
Abriu o botão da minha calça, a mão adentrou por sobre a cueca.
Estremeci.
— Ohhh! — gemi baixo quando seus dedos resvalaram pela curva da
minha ereção. — Não. fale sobre meu celi...
— Estou falando sobre a sua beleza — interrompeu-me.
Arquejei, a pressão da sua mão contra o meu pênis.
Minhas mãos suaram.
A necessidade crescente de vê-la ajoelhada no meio das minhas
pernas, me chupando.
Entreabri a boca, surpreso com o olhar dela, me revirando por
dentro. Pode ler meu desejo?
Como resposta, sorriu do jeito que fazia quando me pegava no flagra
ou me constrangia, e me jogou para o lado. A mão escapou da calça e foi
acompanhada pela outra. Puxou minha roupa, a jogou para longe e parou no
pé da cama.
— Sou a única com quem transou durante esses dez anos? —
questionou, deixando claro com o tom que não tinha outra escolha a não ser
responder.
— Você não precisa perguntar — murmurei, encabulado.
Estudou-me.
— Responda.
Respirei fundo, cobrindo o rosto com as mãos.
— Quebrei meu celibato com você. Apenas com você — suspirei
contra as palmas.
— E antes?
Encarei-a, assustado.
— Isso não vem...
— Esteve com mulheres sem preservativo? — Irredutível.
— Mônica...
— Quero fazer oral em você — declarou. — Sem preservativo —
enfatizou. — Mas isso depende da sua sinceridade.
Minha face esquentou, fitei o vazio, incapaz de enfrentá-la.
— Você já fez isso sem proteção.
— Uma vez, não me arriscarei de novo.
— Não — balbuciei. — Só estive com uma mulher sem preservativo
antes de me tornar padre, uma namorada.
— E?
Engoli devagar, vislumbrando entre o rosto de várias mulheres do
meu passado, aquele que foi o primeiro tormento antes da batina.
— Acabou. Foi a única. Depois dela, fiz todos os exames
necessários para estar seguro da minha saúde.
Assentiu, satisfeita.
A atmosfera se tornou mais densa. Estava fascinado por sua postura,
em como se aproximou.
Seduziu-me.
— Quero chupar você. — A maneira como falou, acompanhada da
luxúria, me arrastou como correntes para a beirada.
A sanidade foi varrida ao vê-la se ajoelhar devagar, espalmar as
mãos nas minhas coxas e, em silêncio, me prometer que nunca esqueceria a
sensação dos seus lábios sobre minha glande, ou de como o abocanhou,
sugou, a língua serpenteando na extensão, a boca mamando minha ereção,
como se quisesse beber até a última gota.
— Ohhhh! — Resvalei os olhos, repousando a cabeça na cama.
Minha mão, independente da mente, pousou em sua cabeça, acompanhando o
movimento. — Mônica... — gemi seu nome. — Meu De... — Calei-me, me
odiando por um breve instante antes de ser possuído pelo prazer da chupada
violenta, intensa e profunda. A cabeça roçou no fundo da garganta, meu
prepúcio puxado por sua mão, a outra acariciando minhas bolas.
Esforcei-me a sentar, sem tirar sua boca do meu pênis. Queria
presenciar o que fantasiei no chuveiro.
Eu não tinha salvação. Não, com certeza não, principalmente diante
do gozo que me invadiu quando Mônica apertou a base do meu cacete,
segurando-o, e me olhou.
Aqueles olhos repletos de volúpia, a língua para fora. Lambeu-me da
base até a glande, detalhou a coroa, cada parte sensível. Os lábios se
fecharam na cabeça, mamou até me arrepiar, me forçando a agarrar seus
cabelos com brutalidade e enfiar meu pau fundo em sua boca.
— Ahhhhhhh! — Minha voz arrastada encheu o quarto.
A sensação molhada da sua boca me sugando.
Fechei os olhos, me entregando a ela, experimentando o deleite, que
parou segundos depois.
Fitei-a, angustiado.
Ela se ergueu, me empurrou pelos ombros contra a cama e me
dominou com o seu corpo. Os mamilos roçaram no meu peito, o toque
queimando cada célula, o sorriso tão lascivo, os cabelos fazendo cócegas ao
deslizarem pela epiderme.
— Quer me foder? — Assoprou nos meus lábios.
Tudo o que fiz foi concordar com a cabeça.
Foder.
Essa palavra não resume o que meu corpo precisa. Mais, mais da
sua boceta contra meu pau, me sugando, me apertando, molhada,
resvalando. Todo o meu ser dentro dela, era tão luxurioso.
Deu as costas, arrancou a calça e me deu a visão da bunda, o fio da
calcinha enterrado no meio das nádegas. Vermelha, rendada. Tentadora.
De propósito, se inclinou para frente, expondo-se mais, e abriu a
bolsa.
— Queria senti-lo dentro, pele com pele. — Meu pau endureceu
mais. — Mas a proteção é sempre melhor. — Volveu-se de frente. Por um
átimo, meu sonho com as duas crianças me tirou da realidade. O barulho do
invólucro sendo rasgado me trouxe de volta. — Pronto para pecar? — O
pacote entre os dentes.
Sorri, nervoso, as mãos suadas, os batimentos acelerados.
Vi-a como um anjo, imponente a cada passo em minha direção, me
possuindo por completo ao colocar o joelho entre minhas pernas, uma mão
segurando meu pau e os olhos aprisionando os meus.
Dela, até o meu último pensamento.
— Você é grande... Um desperdício — debochou, maldosa.
— Por favor. — Sente-se em mim, era o que eu queria dizer, mas não
tive forças.
Meu pau sofria dentro da sua mão, que o masturbava sem pressa,
assistindo o prazer no meu semblante, os arquejos escapando do meu âmago.
Desenrolou o preservativo sobre ele.
Estremeci diante da pegada mais bruta, tentei alcançar suas coxas.
— Peça — brincou.
— Mônica — supliquei. — Por que faz isso? — Esfreguei uma mão
na testa, avançando para os meus cabelos.
— Gosto de ver o seu tesão. Um pouco de vaidade ao ver o efeito
que causo, e que nenhuma outra conseguiu.
— Não... — Não me dê a vaidade, porque sentirei o direito de
querer o mesmo: possuir, exclusivamente.
Tremia de excitação, ela notou quando pegou minha mão direita e a
levou para a sua boceta. Afundou meu indicador entre seus grandes lábios.
Babava no meio das pernas.
Besuntou meu dedo, me fez sentir seu clitóris inchado e gemeu,
rebolando contra minha mão.
— Ohhhh! — Sua voz destruiu meu controle.
E as suas bochechas coradas contra o véu escuro dos seus cabelos
liquidou minha resistência.
Puxei minha mão, agarrei seu quadril e a empurrei para o lado. O
homem que eu era, faminto por ela, a manteve no meio da cama, satisfeito
por ver a surpresa na sua feição, abalado por seu sorriso.
Motivado pela boceta exposta quando abri suas pernas, meu corpo
ardeu, incontrolado pelo tesão que incinerou cada terminação nervosa, fez
meu pau babar e meu ventre se contrair.
Era mais do que eu conseguia processar.
— Transe comigo — provocou, rebolando, se oferecendo.
Rocei meu pau nos seus grandes lábios, abri-os, vidrado na visão da
carne encharcada me engolindo, devastado pela sensação macia ao ser
abraçado, o calor me sugando.
Impulsionei meu quadril para frente, em uma estocada feroz.
Penetrei-a com violência, seus olhos se reviraram, suas mãos
puxando o lençol e o meu corpo se perdendo dentro dela.
Apertada, a musculatura lutando contra meu pau, enterrado
profundamente.
— Ahhhh! — gemi alto, o arrepio se alastrando por minhas costas,
sua boceta me pressionando, como se eu a tivesse rasgado, reivindicado o
meu lugar.
Fechei os olhos.
Por um segundo, que queria que fosse eterno, saboreei estar afundado
dentro de Mônica.
— Armando... — chamou-me.
Ela era a tentação encarnada. Eu a beijei, a abracei e fui
dominado.
Era tão quente, tão melado.
Movi suas pernas contra o meu peito, estiquei-as, abraçado a elas.
— Mais... — Fascinou-me com o deleite explícito.
Deslizei para fora, a glande escorregou pela abertura e me enterrei
até o talo, o meu gemido se unindo ao dela, seu corpo sucumbindo.
— Ohhhh! — Meu prazer era descomunal.
Virei o rosto e beijei sua panturrilha, lambi, mordisquei, o que era
pouco se comparado ao que sentia quando estoquei outra vez.
Indescritível.
O suor escorreu pelas minhas costas, meu cacete em um vaivém
bruto, explorando seu interior, tomando posse.
Posse até do seu orgasmo.
Era o que eu tanto queria, e que não poderia cobiçar, uma fraqueza
tão carnal.
Seus peitos balançaram, meu pau entrou e saiu, repetidas vezes.
Seus fluidos encharcaram nossas virilhas, as faces coradas, o cheiro
de sexo tomando o quarto.
Abri suas pernas, sustentadas pelos tornozelos, e arremeti.
Fundo.
Impetuoso.
Insaciável.
Desabei contra seu corpo, abracei-a, sem parar de meter, subindo,
descendo, os suores se misturando.
Beijei-a com avidez, tomei sua língua, mordi seus lábios, minhas
mãos exploraram toda a sua estrutura, seus seios maltratados com
beliscadas, os gemidos silenciados por minha boca.
— Armando. — Ofegou, estremecendo. — Ohhhh!
Rosnei, a força desmedida a cada enterrada, o barulho das nossas
coxas se chocando, seus pés contra minha bunda, incentivando as
penetrações.
Rolamos.
Mônica montou sobre mim, segurou meu queixo e chupou meu
pescoço, jogando minha cabeça para trás. As reboladas insanas, seus peitos
balançando contra minhas mãos, as respirações entrecortadas.
A vagina se contraiu ao redor do meu pênis, tão quente, tão
enlouquecedora.
— Ahhhh! — Prendi seus mamilos, encarei-a, embevecido de tanto
gozo. Esse subiu em ondas torturantes, o espasmo percorreu minha espinha e
terminou na cabeça do meu pau. Ela sorriu ao sentir e rebolou com furor, me
engolindo até o talo.
Meus dedos dos pés se retraíram, os pelos arrepiados, a respiração
suspensa, o coração ecoando nos meus ouvidos.
Inebriado, com Mônica me cavalgando, suada, exausta de tanto
transar e sucumbindo ao êxtase, o meu se aproximou.
Seus seios bateram no meu rosto, os mamilos oferecidos para a
minha boca.
Chupei-os, mamei-os, guloso, ciente que seus gemidos também eram
de dor pela ferocidade com que sugava. Estavam tão intumescidos,
deliciosos, tão...
— Ohhhh! — rosnei com o bico contra minha língua e gozei violento,
sendo intensificado pelas reboladas incessantes. Afundei meus dedos em
suas coxas, pedindo por clemência.
Acabei-me dentro dela, minha mente em branco, um limbo
confortável em que respirava o seu cheiro, vivia o seu toque e as sensações
eram só de prazer absoluto. Tão sublime o orgasmo, tão devastador. O
espasmo perpassou cada célula, guiado por sua boceta, até ela terminar em
êxtase, me lambuzando, a testa contra a minha, nossos olhares perdidos.
Quem eu era, não lembrava.
Ofeguei uma última vez antes de fechar os olhos, exausto, saboreando
os resquícios do ápice.
Mônica afastou-se, se deitando ao meu lado.
O que farei depois desta noite? Como negarei esse prazer, quando
pensar em ter mais me deixa duro?
Seu perfume estava impregnado no meu olfato, e só então, quando
recobrei os sentidos e a respiração se estabilizou, que senti ardência no meu
peito.
Marcas de unhas.
Quando ela as fez?
Não tive tempo de responder.
Puxou o preservativo, gemi, extremamente sensível, distraído pela
sua bunda quando se afastou, jogou o preservativo no lixo do banheiro e
retornou para a cama.
— Dormirá aqui? — Ainda estava corada. Por minha causa.
De bruços, apoiou-se sobre os cotovelos, me fitando de cima.
Não sustentei o olhar, acovardado.
— Não.
— Por quê?
— Preciso ir.
Era demais ficar.
Encarei-a.
— Não posso me acostumar à sua cama. Já fiquei demais. Isso me
custará muito.
— Dormir aqui ou não, não mudará o que fizemos. Tampouco
piorará.
Sim, não iria piorar.
Mas cada segundo ao seu lado, naquele quarto com cheiro de sexo e
seu perfume, com a sua pele quente, o calor dos nossos corpos, seria uma
lembrança a mais para me corroer.
— Então você amou uma mulher antes de se tornar padre —
comentou.
— Não é importante — cortei-a, de olhos fechados.
— Uma namorada?
— Sim.
— A amou?
Mirei-a.
— Não, não a amei, mas sofri por ela.
Assentiu, me estudando sem pressa.
Se arrastou e repousou a cabeça contra o meu peito.
— É mais fácil uma pessoa nos fazer sofrer do que nos cativar —
murmurou, a voz arrastada.
Mônica conseguia ambos, me ferir e me cativar com a mesma
intensidade.
Viciado no sofrimento, me peguei pensando em Vicenzo, o homem
que também esteve com ela. Esteve na sua cama? Presenciou o seu orgasmo?
Beijou cada parte do seu corpo?
Sua respiração se tornou mais pesada, adormeceu durante aqueles
dez minutos em que fui devorado pelo ciúme.
Afastei-a com delicadeza, cobri seu corpo nu e me vesti. Saí do
quarto, mas antes que fosse embora, fui fraco mais uma vez.
Seu celular na mesinha de centro da sala me atraiu.
A mensagem.
Peguei-o, verificando o que Vicenzo tinha mandado.
Meu coração, pesado, me fez apertar as pálpebras.
Por que me comportei como um marido ciumento?
Larguei-o, exausto, furioso comigo mesmo, me mandando para casa
debaixo da chuva. A água me castigou como eu merecia: fria, grossa,
açoitando minha roupa, deslizando pelo meu rosto.
Não posso sentir ciúme ou acreditar que há algo mais do que sexo.
Sou um padre, isso não pode mudar. Enquanto Vicenzo é seu antigo colega,
antigo namorado, e não a teve só uma vez durante o tempo em Lucca.
Com o celibato imundo, minhas lágrimas se misturando aos pingos de
chuva, andei sem rumo por alguns minutos, o choro abafado pelas mãos, a
angústia apertando o meu peito.
Ingênuo, por acreditar nas mentiras de Mônica, levado por seu jeito
sedutor, por sua força hipnótica.
E sem direito de cobrar satisfações, pois não era nada além de um
padre que subjugou suas próprias escolhas e aceitou transar com uma mulher.
O calor da minha casa não se comparou com o do corpo de Mônica.
O silêncio aumentou meu sofrimento e, debaixo do chuveiro, destruído por
meus próprios atos, temi que não só o ciúme, mas a possessividade e o
prazer residissem no meu âmago.
A m e d ic ina c ria p e ssoa s d oe nte s, a m a te m á tic a ,
p e ssoa s triste s, e a te olog ia , p e c a d ore s.
Ma rtinho Lute ro.

Larguei o livro Amores sobre a cama e esfreguei as mãos na caneca


com o café quente. Gripado pelo terceiro dia, a febre tinha dado uma trégua,
mas os calafrios ainda subiam pelas pernas.
A gripe não era nada. Eu estava doente de alma, definhando
lentamente por recordar das mensagens.
Mônica foi perversa.
Não só por me seduzir, parte disso também era minha culpa, mas sua
mentira me machucou. Foi como acreditar em uma serpente e tomar o seu
veneno acreditando ser água, só porque tinha uma aparência doce.
Era castigo? Talvez.
Não conseguia esquecer que tinham transado diversas vezes,
inclusive na semana passada. Por que mentir?
Sua brincadeira era minha ruína.
Os três dias de cama, me arrastando pela casa enquanto o temporal
desabava do lado de fora, não só me fez repensar no sexo, em como traí
minha batina, como também confirmou meu medo.
Pensar em Mônica continuamente, me machucar com sua omissão, ter
ereções ao relembrar, ciúme, luxúria. Não se referiam ao carnal, mas ao meu
coração.
Estou envolvido.
Fechei os olhos.
Agarrar-me nas distrações do dia a dia ou em minha devoção, não
impediu que acontecesse.
O vento forte contra o vidro da janela me acordou do devaneio.
Espirrei, o corpo incapaz de reter calor. Meu celular tocou no andar de
baixo, calcei as pantufas e desci as escadas.
Quem eu queria que me ligasse?
O número da minha mãe no visor.
— Mãe. — Tossi.
— Está doente?
— Só uma gripe.
— Passou frio?
— Peguei chuva, nada demais.
— Como não se cuidou?
— Fui visitar um senhor que frequenta a Igreja e acabei na chuva
quando voltei para casa. Não previ.
— E agora, quem vai cuidar de você?
Ri, incrédulo.
— Não se preocupe, não é como se eu não pudesse me cuidar
sozinho.
— Em casa, sozinho! — suspirou.
— Não precisa de tanto, não é...
— É meu único filho, mora longe e nem tem alguém em quem possa
se apoiar, como não me preocupar?
— Não morrerei de gripe.
Ela ficou quieta.
— O que foi? — Subi as escadas, atrás da caneca.
— E aquela sua amiga? Não me lembro do nome. Não pode passar aí
para cuidar de você?
Sorri em escárnio. Mal ela sabia que Mônica era a culpada.
— Mônica? — Nomeei o diabo. — Não temos contato.
— Mas ela parecia tão próxima. — Um fiapo de esperança.
— Apenas uma conhecida.
— Se piorar, ao menos a chame.
— Se piorar, irei ao hospital.
— Está bem. — Deu-se por vencida. — Ligarei antes de dormir,
para saber se melhorou.
— Aguardarei. — A campainha soou alta.
— Tem visita? — Minha mãe se recusou a desligar.
— Deve ser alguma vizinha. — Caminhei até a porta. Espirrei,
funguei, um tanto fraco e a abri. — Ou então... — Calei-me.
— Se o padre não vai à missa, a devota vai até o padre. — Mônica
sorriu, a desgraça em pessoa.
Congelei, atordoado.
— Armando? — minha mãe indagou ao telefone.
— Como... — gaguejei. — Mãe, preciso desligar.
— Quem é?
— Depois conversamos. — Encerrei a ligação. — O que faz aqui?
— Minha pergunta foi seguida de um espirro.
— Está doente? — Elevou as sobrancelhas, sem uma preocupação
genuína.
— Não estou em condições de conversar, se puder... — Queria me
livrar dela.
— Não. — Sua mão brecou a porta, o olhar enérgico. — Não está
bem.
— Você não me deixa bem — confessei, amargurado. — Então, por
favor, me deixe sozinho.
Raiva e desejo borbulhavam dentro de mim.
— Está arrependido?
— Sim — menti, entredentes.
— Por quê? — Sua pergunta soou com uma inocência que ela não
tinha.
— Porque foi errado.
— É culpa ou remorso?
— Ambos.
— Não são verdadeiros.
— Você não sabe o que sinto para afirmar isso. — Respirei fundo,
fitando o chão.
— Está gripado?
— Por sua culpa.
— Minha?
— Quando fui embora... — Não finalizei. — Não quero e nem posso
mais ceder a você.
— Acha que estou aqui para transar?
— E o que seria, senão isso?
Ela sorriu, irônica.
— Não vim para ter sexo.
— Então por que está aqui?
Um vinco surgiu na sua testa.
— Por que foi embora de madrugada?
— Falei que não iria dormir.
— Pegou chuva naquela noite, por isso está assim.
— Foi melhor do que se tivesse ficado.
Inclinou a cabeça, ajeitando a gola do sobretudo.
— Não me convidará para entrar? Está frio.
— Não, eu...
— Não seja mal-educado — sussurrou. — Não mereço essa
crueldade.
Entrar, para o quê?
Me torturar mais?
Mentir outra vez?
Seu olhar decidido nocauteou a minha firmeza.
Balancei a cabeça, sem forças, e cedi.
Que m p õe p onto fina l num a p a ix ã o c om o ód io, ou a ind a a m a ,
ou nã o c onse g ue d e ix a r d e sofre r.
Ov íd io.

Religião e ciência, duas teorias tão diferentes, mas que dependem


da mesma emoção: fé, pois nenhuma detém a verdade absoluta. E essa é
uma utopia. Novas verdades substituirão as tidas como certas, assim como
os pecados iniciais de um pecador, que se acumulam cada vez mais, até
não se lembrar do primeiro.
Qual foi meu primeiro pecado? Quantos se seguiram depois dele?
Um permaneceu comigo na sala durante os segundos em que encarei
Mônica, sentada na poltrona, me assistindo beber café.
Luxúria.
Mágoa. Raiva.
— Teve febre? — indagou, séria.
— Não precisa se preocupar.
— Como médica, quero ajudar, e como mulher, busco você.
— Não transaremos — afirmei. Depositei a caneca sobre a mesinha
ao lado do sofá. — Deixei isso claro.
— Querer alguém não é sinônimo de sexo. Às vezes, a presença, a
conversa e a atenção bastam.
— A minha atenção? — Pasmo. — Você a tem.
— Então por que me manda embora?
Ri, perplexo.
— Porque você aqui torna mais fácil. — Desviei o olhar. — Eu
querer de novo.
— E saciar o desejo não é o que queremos? — indagou, sugestiva.
— Nascemos para ter sonhos e vontades. E se existem, são para serem
atingidos. Necessitamos nos satisfazer. Como pode negar quando está ao
alcance das suas mãos?
Porque se eu não recuasse, estaria aceitando o meu sentimento.
— Isso é fraqueza.
— Todos são fracos.
— Não quero ser, não agora. Só preciso dormir.
— E dormir comigo não é bom? — Sorriu.
— É um pecado para mim — sussurrei, sôfrego.
— Nós sempre estaremos em pecado — censurou-me.
— Por que está aqui? — Exasperei-me, expondo meu desespero.
Levantei-me. — Não estou bem, é isso o que quer ouvir? Saber do estado em
que você me deixa? Como fico abalado por... — Meneei a cabeça. Cale-se,
Armando! Fechei os olhos, cabisbaixo. — Só vá embora.
Passei por sua poltrona, rápido o suficiente para ela não conseguir
me parar, no entanto, antes que eu alcançasse a escada, sua voz me impediu.
— Está fugindo! — acusou-me.
— Só não consigo conversar agora — confessei, de costas, a mão no
corrimão. — Amanhã. Ou depois.
— Por que não consegue e foge? O que aconteceu?
Ela era tudo o que eu desejava em meus sonhos mais impuros e em
meus pesadelos mais deliciosos.
— Por favor — balbuciei para mim mesmo.
Seu toque nas minhas costas me assustou, virei-me, encontrando-a na
minha frente.
— O que está sentindo? — Curiosidade explícita.
— Não me peça. — Sofri.
— Não estou pedindo, exijo que me conte! Não esconda!
Sua frase despertou a ira. O animal tão carnal e furioso dentro de
mim, que não esquecia suas mentiras.
Arregalei os olhos, trêmulo.
— Não gosta que escondam? — questionei, colérico. — Eu também
não gosto! — Exasperei. — Mas lá estava eu, em plena madrugada,
descobrindo que sou o segundo homem na sua cama. Que a divido com
Vicenzo, que sou trouxa por acreditar nas suas palavras quando disse que
estava arrependida, que não se envolveu mais. — Ofeguei, recuperando o
fôlego. Estava surpresa, os lábios entreabertos, sem dizer uma palavra. —
Não irá negar, não é? — lamentei.
Controlei a impulsividade de despejar mais do que sentia e dei as
costas.
Subi alguns lances, o silêncio a ser cortado por sua voz.
— Então é isso?
Alterado, olhei-a sobre o ombro.
— Sou apenas uma aventura para você, enquanto você é a destruição
de tudo o que conquistei. A importância que temos na vida um do outro é um
abismo imensurável e o único que cairá nele serei eu. — Vacilei, meu
coração acelerado, a dor escorrendo por minha face. — Então, sim, é isso!
Acabou! Continuaremos nossas vidas!
— Voltará para a Igreja?
— Decidi há anos, não abrirei mão por uma aventura ou — inspirei
— vingança.
— Não estou aqui por vingança — retrucou às pressas.
— Mas nós dois sabemos que também me enganou.
Mônica sorriu, assentindo devagar.
— Não pediu exclusividade. Na verdade, não estamos em um
relacionamento para que eu deva isso a você. É um padre, que garantias eu
tenho? — Jogou a realidade na minha cara.
— Por isso você esteve comigo e com Vicenzo?
— Está incomodado por que eu omiti — o sorriso de triunfo,
diabólico — ou é ciúme?
— Não — neguei com veemência. — Não diga isso!
— Não tenha vergonha, é normal sentir ciúme. — Mais satisfação. —
Isso o torna um pouco mais humano e menos santo.
— Não sou santo.
— Mas busca essa santidade toda vez que se condena por se entregar
ao desejo. Você não é santo e nunca será, porque é tão carnal quanto eu.
— O que espera de mim? Compreensão? — Seus olhos me
invadiram. — Adoraria ser mais puro, bondoso e tolerante. — Aflito, não
me contive. Todo o meu ser ruía em melancolia. — Mas sou um homem,
como disse, sou carnal, e neste momento meu maior tormento é imaginá-la
deitada na cama de outro. Mentiu quando afirmou que não houve
envolvimento.
— E o que esperava? — Exaltou-se.
— Vocês já namoraram!
— Meu passado não é da sua conta, Armando! — respondeu seca.
— Por que falar que se arrependeu, quando não é verdade? Por que
brincar comigo? Ir se confessar?
Era isso. Uma resposta sincera bastava.
Mônica abaixou a cabeça, me chocando.
E fechou os olhos.
— Queria ver você — suspirou. — De que outra forma eu poderia
encontrar um padre, senão indo me confessar? — A ausência de malícia ou
qualquer zombaria me desarmou.
— Por que, se já estava com Vicenzo? Por que me maltratar?
Ela riu, cabisbaixa, e ergueu apenas o olhar.
— Não estou em um relacionamento com ele, é somente sexo, e estou
tentando acabar com isso.
— E eu sou a sua aventura? — questionei, ríspido. Louco de agonia,
meu corpo tremendo de tanto nervosismo.
— Me sinto bem ao seu lado — suspirou. — Não há compromisso
entre nós três, nenhum de vocês precisa se justificar para mim, assim como...
— Não! — Exaltei-me. — Isso acaba agora!
— Só por ciúme? — Esboçou espanto.
— Sim, por ciúme! Não suporto a ideia de outro homem com você.
— Era uma cruz pesada em demasia. Curvei-me, apertando o corrimão,
sufocado pelo desespero. Cobri parcialmente o rosto com a outra mão, sem
conseguir respirar. Perdi o controle, a lucidez. — Não posso suportar... —
Saiu em um sopro, incapaz de aguentar a pressão no meu peito. — Quando o
que sinto não é mais só atração. Estou me envolvendo. Há algo aqui que não
compreendo e não posso aceitar. — Meus olhos se encheram de lágrimas e
encontrei os dela, assustados. — Ciúme é um indício de um sentimento a
mais. O que restará para mim quando nossa aventura acabar?
— Armando...
— Apenas me deixe, por favor — implorei. As lágrimas deslizaram
por minha face, abundantes, derramando a minha dor. Cobri meus olhos com
a mão, me rendendo ao pranto.
— Não posso prometer algo, mas... — disse baixo. Não, não quero
ouvir. Só vá. — Entre você e Vicenzo, se me pedir para escolher, será você.
Não a ouvi se aproximar, sua mão roçou na minha, que cobria os
olhos.
Recuei, assustado.
— Essa é a sua decisão?
— Sim. — Mantive-me firme. Tropecei no degrau, me segurando
vacilante no corrimão. — Vá embora! — Um suplício.
Ela assentiu, relutante.
Mudo, a vi descer as escadas, atravessar o corredor e desaparecer. A
porta bateu com força.
Meu Deus! Orei, me arrastando para o quarto. Quando me joguei
neste buraco sem luz? O quanto estou corrompido, a ponto de sofrer por
acabar com um envolvimento que não é com minha batina?!
Adentrei no quarto, caí de joelhos ao lado da cama e enterrei o rosto
contra o lençol.
Chorei.
Eu a queria com todo o meu ser. E não poderia ter.
Não era certo. Não era para mim.
Não sei quanto tempo se passou até que meus joelhos latejassem e as
pernas adormecessem. Caí contra o assoalho, sem vontade de me levantar.
O chão foi agradável para o meu lamento.
Apaixonei-me pelo pecado e, ao afastá-lo, implorando que se
mantivesse distante, me feri. O que resultaria dessa decisão?
A p a ix ã o q ue im a , o a m or e nlouq ue c e , o d e se jo tra i.
Luis Fe rna nd o Ve ríssim o.

Senti falta da Mônica.


Não ter sua presença era tão torturante quanto ter, e sua ausência só
mostrou o quanto eu já estava apegado.
E, também, por isso, sofri.
Infiel à minha batina, já não tinha direito de usá-la, mas era quem me
acompanhava durante os dias que passaram. Duas semanas em que
questionei se Deus poderia me perdoar, se Sua bondade e misericórdia me
salvariam de mim mesmo.
Não me masturbei, mas a vontade surgiu todas as noites. Entre tesão,
culpa e desamparo, também me encontrei frustrado. Mônica aceitou minha
decisão, desapareceu, expondo o quanto eu não ficaria contente sem a
presença dela.
Sofrerei mais se voltar para a sua cama ou se permanecer no
celibato?
— Está bem, padre? — A devota, sentada ao meu lado, me despertou
do devaneio.
— Estou sim, obrigado.
— A ala do hospital está tão bonita — comentou sobre a inauguração
que presenciávamos. A ala que fui chamado para abençoar. — Estive
preocupada devido à sua ausência nas últimas missas.
— Sim. — Sorri, cordial. — Não estava muito bem de saúde.
Culpa da Mônica.
— Admiro sua devoção, por ser um homem jovem ainda.
— A idade não significa nada.
— É, não significa. — Meneou a cabeça, avistando o mesmo que eu.
— Padres, médicos... são tão importantes para nossa alma e corpo.
Eu a vi entrar acompanhada de alguns médicos, os cabelos escuros
como um véu, os olhos verdes e astutos, a pose de quem carregava toda a
autoridade, usando um vestido branco, a tornando um anjo.
Nossos olhos se encontraram. Os seus, diretos o bastante para me
sentir nu diante deles. E os meus foram arrastados por seu sorriso
zombeteiro, até avistar o homem que segurava sua mão. Cabelos escuros, o
olhar devorando-a.
— Não formam um bonito casal? — a senhora comentou. Pisquei, um
tanto confuso.
— Quem?
— As pessoas que você está olhando. — Pegou-me no flagra. —
Vicenzo e Mônica. São dois médicos, os conheci outro dia no hospital. Uma
pena que ele seja noivo.
Sob o crepúsculo, o frio estava sendo substituído pela temperatura
amena.
Dentro de mim, nevava.
Levantei-me, inconsciente do ato, e caminhei para fora da tenda.
O ar fresco não diminuiu meu nervosismo, muito menos o
constrangimento de sentir ciúme ao lado de uma devota.
Por que estão juntos?
Quando a mandei embora, a joguei para os braços dele?
Ri, amargurado.
Se fosse isso, ao tentar me livrar da cruz, encontrei as chibatadas. Ao
destruir um tormento, construí outro muito maior. Mais pesado e
insuportável.
Não tive nervos de ferro para assistir à socialização de Mônica com
o médico, ou em como formavam um belo casal. Retornei para o local, me
esquivando de topar com ela, ignorando-a, mesmo que seus olhos me
caçassem, ardilosos.
Durante a primeira hora, obtive sucesso. As pessoas se
esparramaram pelo jardim que, ao longe, possuía um imenso labirinto de
cerca viva. Grupos de pessoas se juntavam, a conversa em ondas ao meu
redor.
Enfiei as mãos nos bolsos da calça jeans, contemplando o céu
estrelado.
Estou tão perdido.
Se por um lado me sinto aliviado por afastar Mônica, por outro
não paro de procurá-la. Um sinal de Deus ou do Diabo? Quem está
brincando com a minha aflição?
O cheiro de grama cortada atingiu o meu olfato no mesmo instante
que uma voz segura chegou aos meus ouvidos.
Sussurrada, a respiração arrepiando os pelos da minha nuca.
— Algumas senhoras estão elogiando o padre. — Recuei, espantado.
Mônica sorriu, parada atrás de mim. — Elas o adoram. — Os olhos
acusadores. — É por que sua missa é boa? — Riu do meu susto. — Pareço
um fantasma?
— Não — resmunguei, olhando ao redor. Não era como se estar
perto dela dedurasse o sexo que tivemos. No entanto, como um ladrão, em
cada sombra via a chance de ser pego.
— Bonitas palavras que usou hoje — deboche.
— Não vi que estava presente.
— É, notei que andou se esquivando de mim.
— Não fiz isso.
— Mentir não é pecado? — Hesitou, me forçando a encará-la. —
Padre?
Respirei fundo e desviei minha atenção para o labirinto.
— Não está preocupada com meus pecados.
— Ah, claro que estou! — Irônica. — Faço parte deles.
— Não mais. — Foi difícil dizer as palavras. Meu peito me
sufocava, a garganta se fechando, as mãos suando.
— Gosta de labirintos?
— Adoro silêncios.
— E consegue ficar em paz com os seus pensamentos? — Testou o
quanto eu sofria.
— Meus pensamentos são minha paz. — E Mônica o meu inferno.
Alguns passos de mim, o tecido cobrindo o corpo que beijei, o
perfume que saboreei, a pele que me aqueceu, a mulher que não me deu
sossego um segundo sequer durante aqueles dias. Não por presença, mas por
continuar na minha mente, nos meus sonhos. Em cada respiração.
Alguns passos de mim, e eu poderia tocá-la. Estender a mão, sentir
seus lábios.
— Me surpreendo com você, então. — Inclinou-se, roçou o ombro no
meu braço. Fui capaz de vislumbrar, de olhos fechados, o escândalo ao
abraçá-la ali, naquele instante. — É tão seguro, racional e frio, que devo ter
me enganado ao vislumbrar a surpresa em seu rosto quando me viu.
A saliva desceu como lava.
Era tortura pelo que decidi?
Queimando na fogueira da sua inquisição como filho do Diabo, perdi
a fala.
— Quer perguntar, não quer? — Continuou estudando a minha agonia
explícita.
— Não.
— Conseguirá dormir com essa dúvida?
— Não estou com dúvida. — Voltei-me contra ela, exatamente como
queria. — Sigo convicto com a minha escolha.
— Podemos nos enganar — disse baixo, como uma oferta.
— Estou seguro. — Mas minha voz me contradisse. — Ainda mais...
agora.
— Agora. — Curvou os lábios, satisfeita. — Quando me viu com
Vicenzo?
— Agora que percebi que foi o certo. Minha batina sempre me
confortará, manterá minha cabeça no lugar.
— Enquanto o seu corpo arde dentro dela — debochou.
Ela estava me massacrando, gostando da visão de como meus olhos
percorriam ao redor antes de espreitá-la, vacilantes ao desviar outra vez. Ou
de como meu corpo suava, o sofrimento escorrendo por minha face.
Não só sofrimento.
Não, o que sinto... está além. Uma luxúria monstruosa que eu nego,
a raiva por me privar e o quanto me condeno por estar nesse ciclo de
cobiça e culpa.
— O que — engoli devagar — acontece comigo não é mais do seu
interesse. Então, por favor, se afaste. Volte ao seu acompanhante. — A última
parte foi como me apunhalar.
Não precisei ver para saber que sorriu.
— Quer que eu transe com ele? — Mônica era a serpente testando o
quanto eu desejava a maçã.
Fechei os olhos.
— Faça o que quiser. — Como dói. — O que aconteceu entre nós
está no passado. Coloquei um ponto final, esclareci que não continuarei a
aceitar suas provocações, e mesmo assim, você ignora e me atormenta. É
difícil entender — a mentira me queimou — que eu não a quero?
— Não, não é — sussurrou. — Abra os olhos — ordenou. Meneei a
cabeça, negando. — Diga, olhando para mim, que não me quer, que você não
sofre por me ver com outro e que o seu verdadeiro desejo não é arrancar
minhas roupas e me possuir como um homem.
Abri a boca, sem forças.
É uma luta perdida. Eu sei. Como a encararei e...
— Você está aí. — A senhora de antes se aproximou. Sobressaltei-
me, me afastando de Mônica. — Quero apresentá-lo ao meu marido. —
Educada, sem notar que estava me livrando de cair de joelhos por Mônica.
— Claro. — Sorri.
Antes que me distanciasse, Mônica agarrou o meu braço, rente às
minhas costas.
— Fugir é só adiar a verdade. Ainda o farei me encarar e dizer que
não me quer mais. Vá, viva na sua ilusão, mas esteja ciente de que eu o
arrancarei dela, seja para que me prove que estou errada, ou para que caia
em meus braços.
Mortificado, suas palavras se fixaram em mim pelos minutos
seguintes. Assombrado pelo medo de admitir a verdade: eu conseguiria
fugir de Mônica?
"As p e ssoa s q ue p a ra m d e c re r e m De us ou na bond a d e c ontinua m a a c re d ita r
no d ia bo. Nã o se i p or q uê . Nã o, re a lm e nte nã o se i p or q uê . O m a l é se m p re
p ossív e l. E a bond a d e é e te rna m e nte d ifíc il. "
Anne Ric e .

Armando era calmo, paciente e convicto. Ele era a fé que eu não


tinha.
Talvez o principal motivo da minha atração tenha sido isso:
encontrar alguém que possuía uma fé inabalável, que nunca imaginei ter.
Admirei-me com o abstrato da sua crença.
Nascida em uma família católica decadente, onde a fé era apenas
uma aparência, me agarrei à ciência, já que a religião não me deu respostas
concretas sobre vencer a morte e o que existia após ela.
Perder aquela paciente me perturbou, Armando expor sua aceitação
da morte me inquietou e sua luta em não ceder me fascinou.
Não desejava o seu mal, mas não o via como um padre. Nunca o
escutei como devota nem o respeitei dessa maneira. Como mulher, só via o
homem que enxerguei debaixo da batina.
Armando estava certo. Poderia arruinar toda a sua vida por uma
aventura, só que eu não conseguia mais parar.
A mão de Vicenzo na minha cintura me despertou. Afastei-a,
observando Armando sem pausa.
— Você acabou de terminar com a sua noiva — censurei-o. — Não
me toque desse jeito.
O homem que aprisionava minha atenção começou a gesticular,
conversando animado com as senhoras que o rodeavam. A forma como seu
maxilar quadrado se movimentava, o sorriso puro, o nariz reto, a postura
mais tranquila. Oposto a mim.
Saboreei a visão. Como a religião se desmontava perante a tentação
e se tornava pó. Mais uma prova sobre mim mesma.
Eu não tinha fé nas pessoas.
Se tirássemos as ideologias e as regras sociais, a religião, a
profissão e a moral, o que sobrava senão a forma mais primitiva? Sexo.
Era o que ansiava ter com Armando.
Sua negação só aumentava a minha luxúria. Isso me tornava má? E
não seria somente um conceito também?
Seus olhos se encontraram com os meus. Alarmado, ele perdeu o fio
da conversa, gaguejou e se virou de costas.
— Dra. Fattin. — Uma mulher se postou ao meu lado. — Martina a
viu. — Balançou a criança no colo. — Sabe como são as crianças, até trazê-
la aqui, não parou um segundo.
— Olá, Martina. — Sorri, encantada por seus cachos escuros.
Peguei-a no colo, seus braços envolveram o meu pescoço.
— Mas o que temos aqui? — Vicenzo me abraçou por trás
propositalmente, acariciando a bochecha da criança. — A menininha que
esteve conosco por algumas semanas.
— Os últimos dias foram mais tranquilos — a mãe explicou. Devolvi
o bebê, me esquivando de Vicenzo que, distraidamente, conversava com a
mulher. Cacei Armando entre as pessoas. Uma colega de profissão
conversava com ele, logo uma senhora se uniu à dupla.
— Se me derem licença — murmurei, movida por um sentimento
incômodo. — Laura. — Me aproximei e vi o susto de ambos ao me
avistarem. — Vejo que já conheceu o padre da nossa paróquia. — Coloquei-
me defronte a ele.
— Estávamos falando disso agora. — Minha colega sorriu. —
Assisti uma de suas missas, fazia anos que não voltava para a Igreja, por
mais que tenha sido muito religiosa quando mais nova.
— Também frequenta as missas? — a senhora ao meu lado indagou.
— Fui apenas a uma. No entanto, tive o prazer de me confessar com
o padre. — Encarei-o. — Mas não sou crente.
— O que você acha sobre o ateísmo? — A velhinha se voltou para
Armando, que arregalou os olhos, sem jeito, e retribuiu meu olhar.
— Até um ateu acredita em algo para sustentar a sua descrença.
— E se eu for uma pecadora sem salvação? — questionei.
Momentaneamente, ele ficou sem fala.
— Não é um assunto tão instigante neste momento e...
— Pelo jeito, constrangemos você. — Laura riu, descontraindo a
situação.
— É uma pergunta pertinente — insisti.
— Não tenho as melhores respostas sobre isso — cortou-me.
— E o que a Bíblia diz sobre sexo? — Emendei: — Desculpe-me,
nunca cheguei a abrir uma.
Ele suplicou, em silêncio, que eu parasse.
— Essa eu posso responder por você. — A senhora o salvou. —
Sexo foi criado por Deus, sendo assim, não é errado. E é através dele que
podemos cumprir o pedido de Deus: multiplicar-nos. Não é pecado desde
que não seja praticado com maldade.
— E o que seria essa maldade? — a médica, do meu outro lado, se
dirigiu para Armando.
— Sexo fora do casamento — respondeu tão baixo que parecia pedir
por socorro.
Mal sabia o quanto estava me divertindo.
— E as outras práticas? — Não deixei passar.
— Não fique envergonhado. — Laura me ajudou sem saber. — Mas a
pergunta de Mônica é realmente muito boa. Um sexo menos tradicional é
considerado errado?
Ele sorriu, desesperado.
— E o sexo anal, padre? — finalizei.
Seu sorriso morreu, os olhos arregalados, poderia imaginar o suor
brotando pelo seu corpo.
— Bem... — Estava aflito.
— Deixarei que responda para vocês. — Olhei para as mulheres. —
Meu acompanhante me espera.
Dei as costas, satisfeita por deixá-lo em pânico.
Passei reto por Vicenzo, que continuava com a mãe de Martina, me
servi de uma taça de espumante e me refugiei no jardim, distante das
pessoas.
Tomei um longo gole, parada na penumbra, encarando outra face.
A do egoísmo.
Enquanto me divertia, Armando sofria. Um completo egoísmo meu
continuar atrás dele, ignorar seu pedido só afirmava isso.
Se eu quisesse, poderia ter Vicenzo. Após o seu término, estava atrás
de mim, uma oferta fácil, sem tantos problemas como lidar com um padre,
ou...
Não.
Eu não era bondosa, sequer acreditava que um dia poderia ser.
— Por que fez isso? — Sobressaltei-me.
Armando surgiu ao meu lado.
— Fiz o quê? — desdenhei.
— Me provocou.
— Desculpe-me — zombei. — Ser maldosa é um defeito meu.
Sorri, bebericando o espumante.
— Por que não respeita a minha vontade?
— Estou fazendo isso agora. Mas fui tão má assim?
— Sim — resmungou, enfiando as mãos nos bolsos da calça.
— Como foi com Laura?
— O que quer dizer?
— Uma vez que se prova o pecado...
— Não faria isso com ela! — Exaltou-se, irritado. Vacilou, me
examinando. — Nem farei mais com você.
— Então vá embora. Finalmente compreendi o seu pedido, também
quero ficar sozinha.
Mirou-me, perturbado.
— Também estou sendo cruel ao dar o que pediu?
Oscilou, fitou sobre o ombro as pessoas ao longe, retornou em minha
direção, o peito subiu e desceu em uma respiração pesada.
— Ficará com Vicenzo? — Seu timbre entregou seu medo.
Sorri com sua pergunta.
— Ficarei com o homem que não foge da minha cama durante a noite.
Pode ser Vicenzo ou qualquer outro, menos você.
— É o seu jeito de me atingir — sussurrou, amargurado.
Encarei-o.
— Se sugiro sexo, você me condena. Se peço que se afaste, me joga
no inferno — disse, seca. — Você sofre antecipadamente e por todos os
motivos. Lamenta como se estivesse crucificado.
— E estou... — lamuriou. — Atormentado pelos meus demônios.
— O que eu tenho a ver com isso?
— Você criou parte deles. — Era verdade.
— Então os matarei. Se é tão doloroso, farei esse favor.
— Não conseguirá mais — respondeu, cabisbaixo. — Não entende
que esse é o motivo pelo qual estou aqui de novo. — A aparência de derrota.
— Cercando você?
— Esse é o seu tormento? Não admitir que anseia por essa tentação?
— Aceitar é difícil... tanto quanto cometer o mesmo pecado. —
Olhou-me, em cólera. — Qualquer atitude minha me causa dor.
Qual lado venceria?
Ele me instigou, já não recuaria.
— Veremos o que é mais árduo. — Alarguei o sorriso, o prazer
escancarado. — Manter o seu celibato ou se lembrar do homem que é
quando está comigo.
Avancei, o silêncio se prolongando conforme a distância entre nós
aumentava.
Mirei-o sobre o ombro, não existia mais resquícios de um padre,
apenas um homem com desejos impossíveis de serem calados.
— Aonde está indo? — Ansioso, como eu queria.
Ri, dando as costas.
— Ficarei nua neste labirinto, padre. Volte para a sua batina ou me
siga. O que o atormentará mais? — Passei pela entrada a tempo de ouvir
passos atrás de mim.
Entre g ou-se ta nto a o v íc io d a lux úria , q ue e m sua le i tornou-se líc ito à q uilo q ue
d e sse p ra ze r, p a ra c a nc e la r a c e nsura q ue m e re c ia .
Da nte Alig hie ri.

Presenciar, minutos antes, Mônica com uma criança no colo, me


recordou do pesadelo. E a agonia que senti, me levou a escolher o fogo do
inferno a qualquer paz ao recuar.
Não quis perdão.
Nem suplicar por ele. Não naquele momento, quando receber a
divina bondade de Deus seria hipocrisia. Aceitar a eterna crueldade do
Diabo condizia mais com o sentimento no meu peito.
Duas semanas resistindo às tentações, apagadas pela presença de
Mônica em poucas horas. Todos os meus incentivos internos para me manter
firme, foram dilacerados pela visão de Vicenzo ao lado da mulher que
instigava o meu lado mais primitivo.
Os pregos finais para crucificar a minha ilusória decisão foram as
perguntas sobre sexo, sugestivas em demasia para a minha imaginação.
Como vestir a batina, quando pensar na curva da bunda de Mônica
me arrepiava?
Se o seu objetivo foi me fazer vacilar, obteve sucesso.
Dúvidas, medos, culpa, cobiça, vaidade.
Desejo incontrolável. Bruto.
Que fosse mundano, pecaminoso ou uma loucura, já não tinha mais
como voltar atrás.
Encarei a entrada de cerca viva.
Qual luta eu estava travando? Ir ou não? Ceder ou correr?
Aceitar meu inferno de bom grado ou dissimuladamente fingir que
não o busquei?
Se fugisse, seria só em corpo, minha mente continuaria ali, prostrada
diante do labirinto, implorando para entrar.
Ri em escárnio.
O som da grama sob a sola do meu sapato soou alto, como as batidas
retumbantes do meu coração. Mônica se distanciava, meu nervosismo
crescendo com os metros entre nós.
De todos os modos, eu iria pecar. Isso já não mudaria.
Caminhei firme, mais convicto do que nos dias anteriores.
Ultrapassei a abertura.
A entrada do meu inferno.
Dante, em sua obra, descrevia o Início como o local dos indecisos.
Seria esse o meu lugar? Parei no final do corredor, mirei o caminho à
esquerda, vazio. No da direita, Mônica sorria, recostada na parede antes da
próxima bifurcação.
— Por um instante, duvidei que não viesse — zombou.
— Mônica... — Ofeguei.
— Qual desculpa usará desta vez?
Um vinco surgiu na minha testa.
— Não tenho...
— Quero acabar com a sua deliciosa cegueira sobre si mesmo. —
Endireitou-se e deu as costas, desaparecendo para o lado esquerdo.
Apoiei a mão contra a folhagem de uma das paredes, abalado. Cada
passo me doía.
— Irei retornar... — sussurrei. Para quem? — Mônica! — chamei-a
e caminhei até onde estivera segundos antes.
Ao meu lado esquerdo, a vi.
— Seu sofrimento poderia ter um fim. — Franca, me desconsertou.
Respirei fundo, a roupa me apertava, a gola sufocava. Puxei-a, o ar me
faltando, o suor se empertigando. — Respeitei sua escolha — censurou-me,
os olhos fatais. — Desisti. Não pode me culpar quando foi você quem me
procurou. — Arqueou as sobrancelhas em zombaria. — Não pode negar.
Suas mãos repousaram nas alças do vestido.
— Não estou negando. — Um fiapo de voz, sôfrego.
Puxou-as para baixo. O vestido deslizou pelo seu corpo e caiu
sobre seus pés.
Abri a boca, aturdido.
— Mônica...
Satisfação escancarada.
— Se ainda não enxergou o que quer...
O sutiã branco erguia seus seios, a calcinha fina e rendada contra
o quadril, a curva da sua cintura...
Arrepiei-me, a ereção criando um frio no meu estômago.
— Me siga. — Seduziu-me. Deu as costas, a visão perfeita da sua
bunda, o fio da calcinha enterrado no meio dela.
Desapareceu na encruzilhada, deixando o vestido e um homem
devastado para trás.
— Mônica! — bradei, vacilante em cada passo, como se ainda
tivesse a chance de retroceder. — Volte. Não irei segui-la.
Peguei seu vestido, o perfume impregnado.
— Mas você já está me acompanhando. — Sua voz soou alta,
procedida de uma risada.
Cheguei ao corredor que escolheu e encontrei-a, se afastando com
agilidade.
— Você está me arruinando.
Não devia...
Rumei em sua direção.
No caminho seguinte, caçando-a como um condenado, compreendi.
Esse era o meu barco no rio, conduzido para os Nove Círculos Infernais.
Mônica era meu Caronte, o guia que eu cobiçava.
Sumiu outra vez, indo para a direita, deixando para trás o par de
sapatos.
Ela estava seminua e descalça.
Recolhi-os.
Na curva para a esquerda, ela estagnou.
— Por que se condena?
— E por que não?
— Todos irão falhar e pecar alguma vez na vida. Isso nos torna
humanos. — Rumou para a esquerda.
Segui-a.
— E se essas falhas forem irremediáveis? — bradei, a perdendo de
vista no corredor seguinte.
— Tudo é corrigível, exceto a morte — respondeu, a voz alta, me
guiando.
— Menos o meu...
— Talvez se tornar padre tenha sido sua escolha errada.
Travei. O silêncio ao meu redor, cortado pela minha respiração
ofegante, agiu como uma gaiola.
Amedrontado.
— Por que diz isso? — A pergunta saiu cheia de receios.
— Nunca saberemos o que é certo ou errado. É uma das injustiças da
vida.
— Como pode ter tanta certeza?
O primeiro passo para recomeçar a caminhar foi o mais difícil.
Avancei, metros de distância de Mônica.
— Quem é tão iluminado e santo para dizer o que é certo? Você? —
debochou.
— Está duvidando da minha devoção — acusei-a, irritado.
— Não duvido, o admiro.
Arregalei os olhos, chocado com sua resposta. Apressei-me, ela
dobrou para a direita, a tempo de eu vislumbrar seus cabelos balançarem.
— Por que admirar um padre que peca?
— Por que não? Não vejo maldade no pecado.
— Mas...
— É pecado para você — dura e direta —, que acredita em
santidade e é religioso. Mas, e para um descrente?
— Também deveria.
Calei-me.
O sutiã branco caído sobre a grama me paralisou.
Eu estava no Limbo do Inferno de Dante, diante do suspiro e
desesperança, sem chance de retorno.
— O pecado não torna tudo melhor? — Seduziu-me.
Apanhei o sutiã, inspirei o seu perfume, a ereção latejando. Imaginei
minha boca em seus mamilos, a língua serpenteando as curvas.
Fechei os olhos e me guiei pelo desejo, um animal faminto.
— Deveria ser errado — gritei.
— Mesmo se for — retrucou, sarcástica —, você continuará. Na pior
das hipóteses, não iremos para o céu.
— Esse... — Vacilei. Onde ela estava? Sua voz ao longe, os
corredores vazios. — Não quero conversar sobre isso.
— Sobre o que quer falar? — provocou-me.
Aguardando-me no final de um dos corredores, Mônica sorriu,
maliciosa, os mamilos arrepiados, esperando que eu os chupasse. E como
queria.
Larguei as roupas e sapatos, acariciei meu pau, tão duro que doía, e
piorou ao vê-la juntar os seios, para que eu imaginasse meu pênis no meio
deles.
— Quer falar sobre sexo? — Deu as costas antes que eu a
alcançasse.
Adentrei no meu segundo círculo: a luxúria.
Cometia consciente e com vontade. Queria e precisava ter Mônica.
Percorri o trajeto que fez, abri o botão da calça, aliviando o aperto
no meu pau.
Lá estava ela outra vez.
— Padre.
— Não me chame assim.
— Por que não posso?
— Neste momento, tudo o que não sou é um padre — confessei,
agoniado, vidrado no seu olhar. — O que acontecerá depois?
— Depois do quê? — Sorriu, voltando a caminhar.
Orientado por ela, mordido pela lascívia, com uma gula insaciável,
passei pelo meu terceiro círculo.
— Depois que sua admiração acabar. — Doeu dizer.
Travei, dividindo o mesmo corredor com Mônica. Ela roçou os
mamilos nas folhagens, traiçoeira, e riu diante do meu espanto.
— O término não significa a morte — zombou, escapando para o
lado direito.
Esfreguei o rosto, furioso.
Ela não se importa com o que estou sacrificando?
Recuei alguns passos, indo do meu quarto círculo para o quinto,
sucumbindo a emoções avassaladoras.
— Estou quebrando meu voto por você. — Joguei as palavras. — Se
ainda não compreendeu.
— Todos nós sacrificamos algo por outra pessoa. — Longe,
governava meu sentido.
— Eu deveria ir. Estou arruinando meu celibato por um envolvimento
sem futuro. Somente eu sofrerei as consequências.
— Quem disse que não há futuro? — Aquilo me assustou. Mirei o
vazio à minha frente. — Somos adultos, está consciente das suas ações, não
sou a única culpada. — Anunciou o meu sexto círculo. Sim, eu pecava
consciente. — Como sabe o que o futuro nos reserva?
— O que quer? Me diga de uma vez... ou irei embora. — Inspirei
fundo. Olhei para trás, sem parar de andar. A ansiedade pesando no meu
estômago se espalhou por toda a minha estrutura, o coração ressoou mais
alto do que meus passos, e me vi confessando: — Quero você. — Sufoquei-
me com o peso das minhas palavras. — Como homem, como um animal tão
irracional que não pensa no amanhã. Preciso saber se é recíproco. — O
sofrimento transpareceu.
— Se não fosse recíproco, não estaríamos aqui. — Suas palavras me
congelaram.
— Você também me quer? — indaguei, perplexo, inundado pela
maior luxúria de todas, ultrapassando o sétimo círculo e adentrando no
oitavo.
— Quero você — afirmou.
Corri atrás dela, me deparando com sua calcinha branca no final de
um corredor.
Completamente nua, um pecado em carne e osso.
Meu pau estremeceu, a excitação me queimando.
— Está sendo sincera?
— Pare de duvidar tanto. Você se afoga nas suas próprias
inseguranças e não enxerga a verdade na sua frente.
— A maioria foi trazida por você.
— Então posso acabar com uma: estou sendo sincera. Neste
momento, a sua necessidade em me ter aumenta a minha excitação. Não é
vingança ou algo passageiro.
Apertei o pedaço de tecido nas mãos, o seu perfume contra o meu
nariz, o tesão insano me transtornando.
— E no que estamos?
— Estou aqui — chamou-me.
Comandado pela devassidão, avancei. Atingi a última curva.
Sob a penumbra da lua, avistei o centro do labirinto, penetrando no
nono círculo: o dos traidores.
Sim, eu iria trair minha batina.
Trairia todo o caminho que construí.
Como negar, diante do paraíso carnal que Mônica é?
Sentada em um banco estilo vitoriano, seus cabelos jogados para
trás, os olhos confiantes, os lábios entreabertos e nua. O meu inferno se
consolidou no meio das suas pernas abertas, os grandes lábios despidos de
pelos, expostos para mim. Suas mãos pousaram nas coxas, abriu-se mais, os
pés curvados contra a grama.
— Estamos viciados — confessou, libertina.
Joguei a calcinha, me aproximando. Desabotoei a camisa, deixando-a
para trás, e parei no meio das suas pernas.
O ar cheirava a sexo. Podia imaginar o fogo se alastrando debaixo de
nós, nos queimando, nos revirando. Era assim que eu me sentia.
— Me faça esquecer de quem eu sou.
Satisfeita, segurou minhas mãos, me guiando para baixo.
— Lembre-se apenas de mim. — Assoprou.
Ajoelhei-me no meio das suas pernas, sem desviar o olhar do seu.
Empurrou minha cabeça contra o ventre.
— Beije-me — ordenou, séria.
Não precisou mandar outra vez.
Sedento, afundei meus dedos nas suas coxas e admirei os seios
erguidos. Deliciei-me com a visão da sua barriga, seguida pelo ventre, e os
grandes lábios babando para mim.
Botei a língua para fora e rocei a ponta pelo monte pubiano,
deslizando para a abertura. Enfiei-me nela, molhada, o seu gosto invadindo
minha boca.
Lambi seu clitóris. Ela estremeceu, ofegante.
— Chupe-me. — Jogou a cabeça para trás.
Caí de boca na sua boceta, bebendo dela. A carne macia contra os
meus lábios, a minha língua revirando cada dobra. Explorei sua entrada,
retornei para o clitóris, maltratando-o. Circulei-o, conhecendo sua forma.
— Armando... — Arquejou. — Ohhhh! — Seus dedos bagunçaram
meu cabelo.
Tomei Mônica para mim, desejei arrancar mais gemidos.
Mordisquei seu lábio esquerdo, chupei-o, o mantive preso na minha
boca, lambendo a pele, experimentando a textura até o soltar e afogar minha
língua na sua intimidade encharcada, besuntando meu queixo. Lambuzado
com seus fluidos, que escorriam diretos para mim.
O domínio sobre seu prazer me devastou. Puxei meu pau para fora,
tocando-o devagar. Masturbei-me.
Minha mão para cima e para baixo, as veias salientes, meu cacete
latejando.
Minha língua em um vaivém, do monte pubiano até a curva da sua
bunda. onde eu desejava meter até perder a lucidez.
Embriagado por sua boceta, ofeguei.
Mordi a carne, volvi a lamber seu clitóris, suguei-o. Queria cada
parte sua, cada suspiro profundo.
— Ohhhh! — gemeu, rebolando contra o meu rosto. Esfregou-se, me
lambuzando com a minha saliva e a sua excitação.
O tesão se alastrou como fogo, da minha boca chupando a sua boceta
até a cabeça do meu pau. Duro, implorando por libertação. Aumentei a
pressão da minha mão, a outra subiu por sua barriga até beliscar seu mamilo
direito.
Mônica sobressaltou-se de prazer, o gemido alto, as pernas se
ergueram, repousaram contra os meus ombros, os pés contraídos nas minhas
costas.
Brinquei com seu mamilo intumescido, quis levá-la ao inferno junto
comigo. Massacrei seu clitóris, inchado contra minha violência, o prazer
subindo em ondas pelo meu corpo, se convertendo em chamas no meu ventre.
Mais forte, com minha língua. Com minha mão.
Masturbando-me. Chupando-a.
Minha respiração se tornou entrecortada, as batidas furiosas do meu
coração me arrancaram da realidade.
Fechei os olhos, segurando o gozo até o último instante.
Até que seu corpo se arrepiasse, que eu pudesse ouvir o seu arquejo
de êxtase, e que suas mãos agarrassem os meus cabelos e colassem minha
boca na sua boceta.
Um pedido silencioso para que a fizesse gozar.
E fiz com prazer.
Adorei cada parte da sua intimidade, me dediquei por minutos entre
lamber, sugar e penetrá-la.
Meti a língua com fervor, devoto por cada pedaço da sua pele, me
toquei. Seus pés bateram nas minhas costas, as coxas tentaram se fechar ao
redor da minha cabeça. Gozou, os espasmos me contagiando.
Minhas células explodiram quando minha mão se movimentou outra
vez, o orgasmo me atingiu, me jogou na borda da realidade, sem noção de
espaço-tempo, sem vislumbre de racionalidade.
Apenas o gosto de Mônica na minha garganta.
Somente o gozo subindo, como correntes sobre meu corpo, me
mantendo ajoelhado, esporrando contra a grama. Estremeci, o suor
escorrendo pela minha nuca, meus olhos revirando, o gemido silenciado
pelos grandes lábios de Mônica.
— Armando... — Ofegou, intensificando o meu ápice, que perdurou
pelo tempo em que vivi apenas as sensações, tão pecaminosas, tão
deliciosas.
Inesquecíveis como o sabor do orgasmo daquela mulher.
Respirei fundo, os resquícios do êxtase me mantendo no chão.
Fazer sexo oral em Mônica se tornou o meu ato preferido.
— Sua boca... é espetacular — disse baixo.
— Não diga isso. — Resfoleguei.
— Por quê? — A respiração dela entrecortada.
— Assim me dará vontade de chupar você de novo — confessei,
sentado sobre as pernas.
— Não negaria esse sexo oral. — Segurou-me pelo queixo, atraindo
os meus olhos. — Teremos a noite inteira.
— Teremos?
— Não quer continuar? De nada adiantará recuar agora.
Assenti.
— Faça comigo...
— O que eu quiser — cortou-me, o sorriso de quem tinha
conquistado as chaves do inferno.
Ou as chaves do meu coração.
— Para a minha casa?
— Dormirei com você — sussurrei.
— Não deixaria que fosse embora.
— E o que acontecerá amanhã?
— Quer saber sobre o amanhã — sugestiva — ou sobre o outro tipo
de sexo que podemos ter hoje?
— Eu... — Calei-me.
Que tipo?
Ela era um demônio revirando minha devassidão.
— Ainda não entendi. — Levantei-me, tenso.
Sua mão agarrou meu pau amolecido, vacilei, sensível.
— Não. — Esquivei-me dela. — Não encoste agora.
Sorriu.
— Estou me referindo à pergunta que fiz antes. — Ergueu-se, o
desafio evidente. — Uma que não esperei para escutar a resposta —
sussurrou, maliciosa.
Quanto maior o tormento, mais prazeroso ele é. Descobri isso
quando compreendi ao que ela se referia.
O se r hum a no te m m uito m a is d e se jos q ue ne c e ssid a d e s.
J oha nn Goe the .

O pior cego é aquele que não quer ver.


Aceitei a cegueira completa naquele momento, para não enxergar
minha queda, a perdição ou as consequências.
De todos os golpes que recebi, o penúltimo tinha sido ter sua boceta
na boca, e o último seria possuí-la de todos os jeitos.
— Por que está quieto, padre? — perguntou da cozinha da sua casa.
Deslocado no meio da sua sala, os olhos fixos no tapete, ouvi-la me
chamar de padre doeu.
Por me odiar. Por trair. Por saber que não teria forças para recusar.
Por adorá-la.
— Por favor, não me chame assim.
— Padre? — Parou no batente da porta, sorridente. — Se preocupa
muito com os nomes. Eles não significam nada quando não praticados, são
apenas rótulos.
Constrangi-me, o gosto do seu orgasmo ainda na minha boca, a noção
de que estávamos ali por um motivo: sexo.
Não sustentei o olhar.
— Estou mais preocupado com a minha consciência.
— Não quero que a tenha hoje. — Pausou. — Ficará parado aí?
Ri, sem jeito.
— Acho que não.
— Está agindo como um estranho na minha casa. — Veio em minha
direção, segurando as taças. — Precisa relaxar. — Depositou-as na mesinha,
as enchendo de vinho. — Não é como se fosse sua primeira vez na minha
casa ou transando comigo.
— Eu sei — falei quase sem voz. Puxei a gola da camisa, sufocado
pela ideia.
— Feche os olhos. — Parou na minha frente.
— Por quê?
— Só faça isso. — Foi uma ordem.
Obedeci como seu cordeiro. Na escuridão das minhas pálpebras,
concretizando meus medos, vislumbrei-a nua. Estava perdendo a lucidez.
— Qual o propósito disso? — questionei, aflito.
Seus lábios roçaram na minha orelha, o arrepio percorreu da minha
lombar até a nuca.
— Gosto de pensar que você fantasia comigo quando fecha os olhos.
— Era um diabo no meu ombro. Sedutora, confiante.
— Por que faz isso comigo? — Sofri.
— Gosto de ver o tesão exposto. Desse jeito. — Seu dedo percorreu
minha bochecha, os meus lábios, invadindo a minha boca. — O quanto você
reluta em sentir, e mesmo assim... aqui está!
— Mônica.
Afastou-se por um átimo, e então começou a desabotoar minha
camisa. Arregalei os olhos, segurando as suas mãos.
— O que está fazendo?
— Deixarei você mais confortável.
— Mas...
— Não transaremos de roupa.
— Eu sei.
— Aprenda a relaxar, senão parecerá que o estou obrigando. É isso?
— Arqueou as sobrancelhas, irônica.
— Não estou aqui porque ordenou ou pediu.
— Gostei de ouvir isso. — Terminou de abrir, espalmou as mãos no
meu peito nu e retirou a minha roupa. — É um pecado você ser gostoso
assim — murmurou antes de me dar as costas e apanhar as taças. — Ainda
está se condenando por tudo isso? — Volveu-se, me oferecendo uma.
E, pela primeira vez, vislumbrei curiosidade em seus olhos verdes.
— Quer mesmo saber? — Tentei negar a bebida.
— Pegue, se embriagar é o de menos agora.
Relutante, aceitei. Beberiquei o vinho amargo, que desceu
queimando.
— Gosta de me lembrar que estou falhando.
— Não, só acho certo o recordar que fingir santidade diante do
pecado que cometerá não diminuirá o peso dele. — Direta.
— Não sabe como é.
— Por que sou uma descrente?
— Nunca arruinou tudo o que construiu — censurei-a. Ela negou com
a cabeça, o deboche na curva dos lábios.
— É isso o que nós somos? Sua ruína?
— Nós? — Espantei-me. Meu coração congelado no peito.
Sem a perder de vista, bebi um longo gole do vinho, a ansiedade
explodindo nas minhas veias junto com a adrenalina.
“Nós” me dava a ideia de apego.
“Nós” era mais do que eu suportava, três letras que significavam
muito.
Outra vez, não quis enxergar a gravidade.
— Não é isso o que somos neste momento? — indagou,
retórica.
— Até então, acreditei que não existia “nós” — interrompi-a.
— O que seríamos?
— Uma aventura?
Sentou-se, me apontando o sofá.
— Mesmo em uma aventura, ainda seria “nós”. — Acomodei-me,
enchi novamente a minha taça, torturado por sua resposta.
— Não diga isso. — Minha frase morreu, engolida pelo silêncio que
se formou entre “nós”.
Olhos nos olhos, sua seriedade defronte à minha angústia.
— Teme se apaixonar? — Uma pontada de divertimento na pergunta.
— O que restaria de mim se isso acontecesse? — Mantive-me firme.
— Também é humano, é normal. — Suas palavras me machucaram,
pois ao invés de um envolvimento carnal e efêmero, estava se transformando
em sentimentos.
— Você é tão franca que, às vezes, desejo que mentisse. — Engoli o
sofrimento junto com a saliva, afastei o olhar, covarde, pois nele estava
exposta a minha amargura.
— Desculpe-me a indelicadeza.
Queria me afundar no vinho, esconder-me da forma penetrante que
me mirava.
— Não é indelicadeza, não é como se eu fosse tão importante. Há
outros homens além de mim, e isso — “nós” — surgiu de uma vingança. —
Minha fala me lembrou de Cecília. De tudo que observei naquela casa,
compreendi o que faltou: fotos da sua mãe. — Você não comenta sobre
Cecília, nem sobre sua morte.
— Não gosto de pensar na morte.
— Por quê?
— Sou descrente, que conforto eu poderia sentir ao pensar nisso? —
O incômodo no seu tom me fez encará-la.
— E mesmo assim, me pergunto...
— Você citou outros homens — cortou o assunto. — Por que fez
isso?
Ri, embaraçado, me ocultando em mais um gole de vinho.
— Não irá responder?
— Você pede por respostas que já sabe. — Retribuí o olhar intenso.
— É delicioso as ouvir com sua voz.
Anuí.
Ela queria mais, sempre mais de mim.
— Sinto ciúme de você — confessei.
— Não gosta dessa sensação? — Tinha malícia no seu semblante.
— Não, não gosto, é um sentimento desconhecido.
— Mas disse que esteve com outras.
— Foi há mais de dez anos, como poderia me lembrar? Livrei-me
dos vícios e emoções de relacionamentos. — Olhei ao redor. — E agora
estou aqui.
— Está sem controle.
— Estou tentando...
Ela me arrancava confissões sem esforço.
— E se eu pedir para não tentar?
— Ciúme é um erro.
— Nós já estamos em um erro.
Entregava munições para Mônica me torturar mais.
Neguei com a cabeça.
— É instinto, irracional e primitivo, como um... — Hesitei.
— Como um animal? E não somos, de certo modo? Apenas uma
evolução.
— Temos teorias diferentes. — Ri, angustiado. — Não quero
acreditar, pois se me sentir assim — devorei-a com o olhar — terei vontade
de me comportar como um.
— Não é como se não estivesse satisfeito.
— Gosta dessa sensação? — Enruguei a testa, sem rumo.
— Sim, quando sente ciúme, quando mostra o quanto está envolvido.
— Por quê?
— Parece que está mais perto de mim. — Sua honestidade me pegou
desprevenido.
— Por que desejar essa proximidade, se somos uma aventura? —
insisti.
Queria respostas.
Alguma luz, mesmo que essa me cegasse mais.
— É você quem diz e quem nos denominou assim primeiro, nunca
afirmei, somente repeti suas palavras. — Sorriu, provocativa.
Sequei a taça.
— Mas nunca negou.
— Aprecio assistir suas dúvidas. — Crucificado por essas palavras,
me perdi no fundo da taça.
— Acabe com algumas — supliquei. — Por favor.
— Quando percebeu que não era apenas sexo? — questionou.
Boquiaberto, estava encurralado.
— Eu... Não sou um homem que costuma falar de sentimentos.
— Não, não é o comportamento de um homem, muito menos de um
padre. — Atiçou-me. — Mas está aqui, disposto a me contar. — Sorriu. —
E eu adoraria ouvir.
Ri da minha desgraça. Recostei-me no sofá, em busca de coragem.
— Não sei... — balbuciei. Perscrutei o seu rosto. — Não somos
jovens, não há paixões à primeira vez. — Fui franco, engolindo a vergonha.
Só precisava falar, sem pensar em como iria parecer. Ou se repetiria minhas
palavras milhares de vezes depois. — Não me apaixonei por você na
primeira noite, muito menos na segunda ou em vários encontros. Era sexo.
— Era pecado. — Inclinou a cabeça.
— Até não ser mais sexo — suspirei. — Percebi que não era só
desejo quando a ideia de ficar na sua cama já não era pelo corpo, mas por
ser você e... — Ela se levantou, me calei.
— Continue. — Veio em minha direção.
Vidrado, respirei fundo.
— Não queria mais o prazer. Ansiei por você, por tê-la. O ciúme
arruinou minha tentativa de me afastar — confessei, como se ela fosse a
minha santa.
Parou diante de mim.
— É por isso que não gosta de ser uma aventura?
— Tenho direito de pedir algo mais? — Como poderia, se do outro
lado estava a minha batina?
— Às vezes, não precisamos ter direitos para pedir, apenas ganância.
— Eu... — gaguejei. Ela pegou a taça da minha mão, depositando
junto com a sua na mesinha. — Se não for necessário.
— Desejar já torna necessário. — Ajoelhou-se, meus olhos
aferrados nos dela.
— Não. — Um vinco se formou na minha testa. — O que tem a
dizer?
— Sobre não ser apenas sexo? — Sorriu, sua mão pousou no botão
da minha calça.
— Não brinque comigo, está sendo maldosa.
— Há diversão na maldade. — Abriu, desceu o zíper.
— Se é assim... eu teria que me afastar. — Ofeguei.
— E conseguiria?
— Acabe com as minhas dúvidas.
— Não posso sanar todas elas, não sou uma santa, muito menos uma
devota. — Minha ereção estremeceu contra a sua palma, o tecido da cueca
impedindo o contato direto. — Peça ao seu Deus uma luz, talvez ele o ajude.
Abri a boca, sua mão apertou meu pênis, o indicador subiu até o cós,
desceu até minhas bolas, brincando com a curva contra o tecido, até retornar
ao começo e libertar meu cacete.
Conquistou minha rendição.
— Mas... — Estava difícil respirar.
— Você se tornou... — Curvou-se, a boca muito próxima do meu pau.
— Uma devoção para mim. — Assoprou. — Não o vejo mais como uma
aventura. — Mais perto. — Entendi quando comecei a querer conhecer você
mais, quando quis que nos tornássemos um risco.
— Um risco? — suspirei.
— Sim, por me permitir alimentar os seus sentimentos e criar os
meus. — Sua língua deslizou entre os lábios e tocou a minha glande.
— Ohhhh! — Fechei os olhos.
Abocanhou-o. Meu corpo queimou diante do calor da sua boca
envolvendo a extensão, me engolindo até a cabeça roçar contra sua garganta.
Agarrei seus cabelos, incentivando o vaivém lento.
Minha respiração entrecortada preenchia o ambiente junto ao barulho
que Mônica fazia. Acariciou minhas bolas. Tinha a visão do meu pau
entrando e saindo da sua boca, para então ela o lamber.
Subiu deliciosamente, contornando minhas veias, até mamar na minha
glande, que babava de tesão.
O coração acelerado, o corpo pegando fogo, me perdi no prazer. A
queimação do meu ventre se expandindo por toda a minha estrutura, um
anúncio que eu não demoraria para gozar, não se...
— Ohhhh! — gemi alto, ela me chupou com força. — Mônica... —
Sua devoção em chupar meu pênis me devastou.
Eu era seu servo, daria tudo o que ela pedisse.
Estoquei, implorando que sugasse mais rápido, que me fizesse gozar
na sua boca, para que engolisse até a última gota. Só de imaginar, o líquido
pré-ejaculatório escorreu, a assisti beber e se afastar.
— O que você... — Estava ébrio de tanta excitação.
— Não se apresse em gozar. — Sorriu, maliciosa.
— Mas... — Apertei minha ereção, ainda molhada por sua saliva.
— Teremos a noite inteira.
— Não — murmurei.
Não suportaria esperar.
No instante seguinte, agarrei-a, ergui suas coxas, suas pernas
envolveram meu quadril, meu pau roçando na sua bunda exposta pelo vestido
e, antes de beijá-la com fervor, me perdi no verde feroz dos seus olhos.
Nossos lábios se colaram, minha língua escravizada pela sua, as
unhas contra minha nuca, o suor brotando a cada batida intensa do meu
coração.
Carreguei-a escada acima, já sem me importar se essa noite marcaria
minha queda final.
"Se De us c onhe c ia d e a nte m ã o os p e c a d os d e q ue a hum a nid a d e se ria c ulp a d a ,
Ele foi e ntã o c la ra m e nte re sp onsá v e l p or tod a s a s c onse q uê nc ia s d e sse s p e c a d os
q ua nd o d e c id iu c ria r o hom e m . "
Be rtra nd Russe ll.

Se um dia eu buscasse perdão pelos meus pecados, seria engolido


pelas penitências. Decadente e pecador, neste momento, queria esquecer a
batina através do corpo de Mônica. Implorei por isso, e fui atendido. Mas,
por quem? Deus, Diabo?
Unidos naquele corredor.
Braços, língua, lábios, salivas e desejos, a violação dos meus votos
foi violenta, mas deliciosa.
Devorei sua boca, minha mão contra sua nuca, a outra apalpando a
sua bunda. Mesmo em meus braços, era Mônica quem nos guiava, a sua força
domando a minha, a sua energia latente subjugando os meus batimentos.
Arfei contra os seus lábios, recuperando o ar, a porta do seu quarto a alguns
passos.
— Está em dúvida? — O rosto rente ao meu.
— Não. — Enfatizei com a cabeça. — Não esta noite.
Satisfeita, voltou a me beijar.
Nos perdemos um no outro, atravessamos o curto caminho entre a
entrada e a sua cama. Estagnei defronte a ela e encarei a mulher em meus
braços. As bochechas coradas, os lábios avermelhados, os olhos enuviados
de tesão. A aparência frágil escondendo a determinação mais forte que já
conheci. E essa dualidade me excitou mais.
Ela me guiou até o inferno, me deu suas chamas, me deixou
queimar. Deu-me a fome por sua carne, e a maneira como eu desejava
comer causaria inveja até ao Diabo.
— Por que parou?
— Você me deixa uma bagunça. — A protagonista dos meus
tormentos.
— Não quer deixar a minha cama uma bagunça? — provocou.
Beijei-a, ora a língua dentro da sua boca, ora em seu rosto. Avancei
por seu pescoço, puxei seus cabelos, erguendo sua cabeça. O busto exposto
para minhas mordidas, deixei chupões pela trilha de saliva até chegar à
curva dos seus seios, ocultos pelo vestido.
Queimado, não poderia mais fugir das chamas, pois a dor só me
lembraria do que a provocou.
Abaixei as alças, o sutiã rendado me privando da visão perfeita.
— Tire-o — ordenou, a voz erótica.
Deitei-a na cama, procurei o fecho e o abri. A lingerie no chão, a
imagem espetacular dos seus peitos. Minha ereção se tornou mais dura, meu
corpo estava no limite.
Meu pau no meio deles. Lambuzando-os.
— Acenda a luz, quero ver você.
Obedeci. A iluminação amarelada do abajur ao lado da cama
inundou o quarto. Despi o resto da minha roupa, largando-a no chão, ansioso
para ver Mônica nua.
— Tem preservativo? — Estranhei dizer.
— Na primeira gaveta. — Apontou a cômoda. — Pegue, mas não o
vista.
Retornei segundos depois, rasguei o pacote.
— Não vista ainda. — Ela se sentou, me puxando. — Quero chupar
você. — O sorriso sacana, o olhar safado sobre minha ereção. — Mas quero
que peça.
— O quê?
— Quer que eu o chupe? — Intimidou-me.
Abri a boca, sem ação.
Se quero? Gozaria só de imaginar sua língua circulando minha
glande, me sugando como fez na sala. Envolveu meu pau com a mão,
apertou-o, as veias latejaram contra sua palma, mas apenas passou os lábios
sobre ele.
— Peça.
— Me chupe — implorei, as mãos na cabeça, o coração na boca e a
necessidade me massacrando.
Abocanhou-o. E chupou com violência. Subiu e desceu, lambeu,
mamou com fome, me arrancando gemidos e tremores.
— Ahhhh! — gemi, as mãos em seus cabelos, incentivando-a a
acompanhar minhas estocadas.
A glande roçou no seu palato, atingiu sua garganta, minhas bolas
doeram de tesão, meu cacete estremeceu na sua boca.
Pele com pele. Era sua boca no meu pau.
A ideia luxuriosa me transformou em um demônio. Aumentei o ritmo,
o prazer em ondas crescentes.
Ela sabia como chupar, como levar o homem ao paraíso. Assim como
sabia torturar.
Afastou a boca.
— Não quero que goze assim.
— Não...? — Estava tonto de deleite.
— Queria gozar na minha boca? — Deu uma lambida na cabeça do
meu pênis. Arrepiei-me. — Não hoje.
— Por quê?
— Quero que beije todo o meu corpo. — Se deitou e empurrou o
vestido, o tirando. Apenas de calcinha, sorriu. — Venha, me mostre o quanto
sua boca é divina.
O que eu mais queria no mundo.
E foi com essa ânsia que me deitei sobre ela, beijei sua boca,
entrelacei nossas línguas, para saltar para o seu pescoço. Mordisquei a pele,
deixando marcas sobre ela.
E então me fartei em seus seios.
Gostosos, macios, rosados. Os mamilos arrepiados, implorando por
atenção. Meus, mesmo que por apenas uma noite.
Chupei o direito, suas mãos apertaram meus ombros. Não me
importei, aumentei a pressão, o seu gemido era uma mistura de dor e prazer,
enquanto ter aquele bico na minha língua, explorando a aréola, mamando
com fervor, me deixava à beira do abismo de volúpia.
Suguei-os, me revezando entre eles, minha baba escorrendo pelas
curvas. A epiderme estava vermelha devido aos meus chupões e mordidas.
A visão espetacular do que eu fiz.
Como é delicioso!
Esfreguei meu rosto no meio deles, lambi entorno. Poderia ficar a
noite inteira com seus peitos, adorava-os. Contudo, ela me puxou para cima,
aprofundou o beijo e guiou minhas mãos para a sua calcinha.
— Me masturbe — disse contra a minha boca.
Afastei o tecido do meio das pernas, toquei nos grandes lábios, já
inchados, encharcados. E afoguei meu dedo entre eles.
— Ohhhh! — gemeu, mas a silenciei com outro beijo.
Mordeu meu lábio enquanto a revirei com meu indicador, o esfreguei
contra seu clitóris aumentado, seus fluidos escorrendo para a minha palma.
Rebolou na minha mão, me recordei do seu gosto, em como adorei chupá-la.
Eu queria mais.
Afastei-me, contemplando-a arrepiada, e rasguei o pacote do
preservativo.
— Quero com força — sussurrou. — Com a necessidade que você
tem de estar dentro de mim. — A voz decidida, me governando.
Meu pau latejou e, prestes a colocar o preservativo, a ouvi.
— Toque-se para mim antes.
Ela era maldosa.
Engoli em seco.
Segurei minha ereção, encarando Mônica, e me masturbei.
Para cima, para baixo.
— Ohhhh! — Era demais para aguentar. Ela abriu as pernas, o olhar
devorando o meu pau. — Sente tesão? — perguntei, ofegante.
— Por você? Mesmo com a batina, só vejo o que há por baixo —
zombou. — Isso me excita. Penso que é certo fetiche.
Arregalei os olhos, sua boceta molhada se oferecendo. A oferta mais
doce.
Lúcifer algum dia se apaixonou pela criação do seu Pai? Era
possível não adorar?
— Pare de falar sobre religião.
— E o que quer conversar?
— Sobre sexo. — Revirei os olhos, minha mão deslizando pela
extensão. — Sobre nós.
— Então me foda de uma vez, senão gozarei só com a visão da sua
masturbação.
Coloquei o preservativo, a ansiedade explodindo pela corrente
sanguínea ao me acomodar sobre o seu corpo. O atrito dos seus mamilos no
meu peito, suas mãos explorando cada parte da minha estrutura, seus olhos
acorrentando os meus.
Segurei um punhado de cabelo seu, imobilizando sua cabeça, e guiei
meu pau até seus grandes lábios.
Abri-os, a textura suave, a sensação de ser tragado. A sua entrada
apertada, penetrei-a com força, o gemido expondo o prazer extremo que senti
ao ser engolido por sua boceta, a musculatura me abraçando, meu pênis
reivindicando um espaço em seu interior.
Enfiei-me mais, até o fundo, minhas bolas contra sua virilha.
— Ohhhh! — Mônica arquejou, semicerrando os olhos. Cravou as
unhas nos meus braços, as pernas envolveram o meu quadril, e no instante
seguinte, fui jogado para o lado. Montou sobre mim, o sorriso malcriado.
Aquele que matou de vez o meu celibato, pois, por ele, me afundaria no seu
corpo todas as noites. — Você é tão bonito — sussurrou, acariciando o meu
peito, passou pelo pescoço e contornou os meus lábios, abrindo-os. —
Desse jeito. — Senti sua vagina me apertar. — Suado, corado pelo sexo. —
Alargou o sorriso. — Excitado. — Ergueu o quadril e se sentou com
veemência. — Ohhhh! — Fechou os olhos. — Desse jeito — disse baixo, a
mão na minha testa, empurrando meus cabelos para trás. — Bem desse...
jeito. — Rebolou com vontade, me invadindo com o olhar.
— Ohhh! — Meu gemido se uniu ao dela, senti o seu íntimo ao meu
redor, caloroso, me engolindo, as reboladas me devastando.
Seus seios balançaram, os sustentei, brincando com seus mamilos,
apertando-os. Mônica se deitou, imobilizei-a pela cintura e meti.
Bruto.
Fundo.
Apaixonado.
Engoli seu gemido com o beijo, sentindo tocar o seu âmago com o
pau e a língua, explorando ambos os lugares, nossos suores se misturando, as
respirações altas.
Fervíamos em tesão.
Contudo, ela outra vez me privou de chegar ao orgasmo. Saiu de
cima, recuando para fora da cama.
— O que...
— Não gozará assim.
— De novo? — Meu corpo doía de excitação.
Ela riu, de costas, andando até a cômoda.
— Olhe bem. — Empinou a bunda ao se inclinar sobre a gaveta. —
Gostou da minha bunda? — Analisou-me por cima do ombro.
Sem fala, compreendi sua sugestão.
— Não diga que não quer.
— Eu... — Volveu-se em minha direção, segurando o lubrificante.
— Nunca fez sexo anal? — perguntou, sem perceber minha agonia.
Não porque iríamos fazer, mas por ainda não estar dentro dela. A ideia
estava me corroendo. — Não irá responder? — Atraiu minha atenção.
— Não — sussurrei. — Nunca fiz.
Satisfeita demais, quase como se estivesse orgulhosa, se sentou ao
meu lado.
— Fique como está. — Antes que eu entendesse, despejou o
lubrificante sobre o meu pênis, lambuzando o preservativo com ele. Tocou,
esparramando o líquido. — Deite-se. — Empurrou-me pelo ombro. Caí
contra o lençol, a visão inebriadora de Mônica subindo sobre meu cacete.
Passou o lubrificante também e o deixou de lado, sempre atenta às minhas
reações.
— Mônica, realmente quer...
— Nunca faço nada sem ter certeza. Estou querendo foder com você
assim há algum tempo, afinal, sou a única mulher na sua vida. Quero mostrar
todas as formas de prazer. — Senti quando sua entrada no meio das nádegas
tocou na minha glande. Minúscula, quase um lugar profano, de tabu.
— Não irá doer?
Ela riu da minha ingenuidade.
— Dói, mas é gostoso — disse antes de pressionar o corpo para
baixo. Meu pau resvalou para dentro, o aperto insuportável da sua bunda, a
sua expressão de dor e controle.
— Ohhhh! — Comprimido. Sufocante.
Extasiante.
Todo o meu corpo ardeu diante da penetração contida, subindo e
voltando, me dando mais daquele espaço, recuando, para me afundar. Mais.
Sentou-se com força, a bunda contra a minha virilha, o deleite em nossas
feições.
Fechei os olhos, arrepiado.
— Tão gostoso — ronronou.
Nem nos meus sonhos mais tórridos, eu poderia ter imaginado.
Ergueu-se, meu pênis sendo estimulado, a glande roçando para fora,
mas antes que saísse, ela voltou a se enterrar até o talo.
— Ohhhh! — Trinquei os dentes. — Mônica... — supliquei de
prazer, sendo ignorado.
Ela começou a se movimentar.
A bunda em um vaivém violento.
Seu corpo estremecendo, os seios pulando, os cabelos bagunçados, o
rosto de quem estava morrendo de tanto deleite. Mas, nada disso se
comparava ao meu gozo. Quente, se alastrando, descendo para as minhas
bolas em cada estocada funda, caminhando para o meu coração a cada
subida ritmada, trancando minha respiração em todas as requebradas que me
faziam sentir a musculatura do seu ânus.
Como um demônio, não me satisfiz.
Não, cobicei mais, e ela compreendeu no meu olhar, pois se deteve.
— O que quer fazer? — O sorriso sempre repleto de segundas
intenções.
Empurrei-a para o lado e a segurei de bruços.
— Não se aguentou? — zombou, empinando a bunda na minha
direção, lambuzada de lubrificante.
— Não — rosnei, insano.
Segurei meu pau pela base e abri suas nádegas com ele, me
enterrando com violência.
— Ahhhh! — ela gritou, puxando os lençóis, enfiando o rosto contra
eles. Latejei no seu íntimo, espremido, o gozo ameaçando chegar ao limite.
Não agora.
— Não precisa ser delicado — sussurrou. — Mostre até onde eu
levo sua loucura. — Remexeu o quadril. — O que quer?
— Quero fodê-la. — Irracional, arremeti com brutalidade, seu corpo
sendo impulsionado para frente, segurado pelas minhas mãos. — Dói? —
indaguei, recuperando o fôlego.
— Dói mais em você do que em mim.
Compreendi sua resposta, mas simplesmente a descartei.
O lugar onde enterrava meu pau repetidas vezes, rasgando-a até que
me acomodasse sem resistência, desligava o meu cérebro.
Movido pelo prazer, penetrei-a freneticamente.
Minha virilha colidindo com sua bunda, minhas mãos subindo por
suas costas, os dedos se enroscando nos seus cabelos. Puxei-os em minha
direção, ela arqueou as costas, se empinando mais.
E meti.
Duro.
Enlouquecido.
Pingos de suor escorrendo do meu abdômen até ela, ambos ofegantes,
os gemidos desconexos.
Enfiei minha mão direita no meio das suas pernas, dedilhando seus
grandes lábios, o tesão escorrendo por eles. Mergulhei meu dedo, brincando
com seu clitóris, pressionei-o, provoquei-a em círculos lentos, precisos,
harmoniosos com as minhas enterradas.
Eu a tinha.
Sua bunda, sua boceta.
Todos os seus prazeres.
Larguei seus cabelos e desferi um tapa na sua bunda.
— Ahhh! — Ela estremeceu, lambuzando meus dedos. Seu corpo se
contraiu e sugou o meu último esforço em segurar o orgasmo.
Revirei os olhos, o coração ecoando nos meus ouvidos, a respiração
pesada, os nervos em frangalhos, o arrepio desnorteante.
A lucidez foi varrida e fui levado a um limbo sublime, a satisfação
plena ao ser engolido pelas sensações entorpecedoras.
Embevecido, o orgasmo me nocauteou. Podia sentir a bunda de
Mônica me apertar, os seus gemidos mais baixos que os meus, nossas peles
fervendo. Mas minha mente se prendia apenas ao prazer que subia em ondas,
que me destruíam e me relaxavam.
Gozei devagar, meu pau sofrendo espasmos, o ventre queimando, o
estômago frio e a adrenalina me desestabilizando.
— Ahhhh! — Abracei-a por trás, afastei seus cabelos e beijei o seu
pescoço.
Desabamos na cama, minha mão melada com seu orgasmo, grudados
de tanto suor.
— Gostou? — Respirou fundo.
— Adorei... — Resfoleguei, sem forças. — Espero que não exista
um inferno.
Ela riu baixo, se arrastando para o lado, e me virou. Estremeci
quando tirou o preservativo, mas ainda estava fraco pelo êxtase, então
apenas a assisti ir ao banheiro e retornar quase um minuto depois.
— Precisamos tomar um banho — suspirou. — Estou tão cansada. —
Retornou ao meu lado. Observei-a, o rosto tão relaxado. Isso me causou
ainda mais satisfação: a ter depois do sexo, sem malícia ou intenções.
Mônica em carne e osso, vulnerável como uma pessoa ao se entregar na
intimidade. — Quer tomar comigo?
— É um convite tentador.
— É quase uma ordem. — Sorriu. — Para quem transou e irá dormir,
um banho não será um erro tão grave assim.
Fechei os olhos.
Ela gostava de me torturar.
— Venha! — Puxou-me, me conduzindo para o banheiro.
Fiquei em silêncio enquanto entrava debaixo do chuveiro e
contemplava os pingos escorrerem por seus membros, o cabelo jogado para
trás, o rosto repleto de gotículas de água. O verde dos seus olhos, ao me
mirar, pareceu mais vivo.
— Se arrepende?
— Se eu mentisse — adentrei também, fechando os olhos ao ser
atingido pela água —, também seria um pecado.
— É, seria... — Hesitou, me forçando a encará-la, surpreso pela sua
expressão. Acarinhou meu queixo, contornando o maxilar. — Você é bonito e
se esconde na batina.
— E você me afasta com suas palavras.
— Não passará a noite? — Pegou o sabonete, ora se ensaboando, ora
me tocando.
— Gostaria que eu passasse?
— É um desejo, poderá satisfazê-lo?
Vacilei diante do seu olhar firme.
— Ultimamente, o seu desejo tem se tornado o meu —
confessei.
Terminamos o banho quase em silêncio, exceto por alguns
comentários ácidos dela.
Nu, ao seu lado, me acomodei na cama, o lençol enrolado em nossas
pernas, as roupas ainda espalhadas pela casa.
— Está apaixonado — afirmou em um sussurro.
Fitei a penumbra do quarto, apavorado pela verdade nas suas
palavras. E em como ela não tinha receio em tocar nos meus sentimentos.
Mônica se virou de costas e agarrou a minha mão, me virando para
abraçá-la. Envolvi-a com os braços e repousei a cabeça em seu ombro,
mergulhado no seu perfume.
— E o que você sente? — Estava aflito por ouvir uma resposta que
poderia me machucar.
O Diabo, ao cair, temeu o que encontraria no inferno?
— Sentimentos são mutáveis. — Foi vaga. Suspirei, amargurado. —
Mas, neste momento, posso dizer que há mais entre nós do que eu gostaria...
— Quase inaudível: — E que talvez já não o queira mais com a batina.
Chocado, não tive reação. Ao mesmo tempo que tive medo, também
me senti reconfortado.
Fechei os olhos, tentando calar os meus pensamentos.
O que significava ceder a tudo isso, sem saber o futuro? Retornar ao
caminho de antes, aquele que acreditei e que resumiu minha vida e fé?
O que seria certo?
Perdido, engoli o choro.
— Boa noite — suspirou sonolenta.
Apertei-a contra o meu peito, a admirando adormecer, como um anjo
que carregava os meus pecados.
Ele re sp ond e u: "Eu v i Sa ta ná s c a ind o d o c é u c om o re lâ m p a g o".
Luc a s 1 0 :1 8 .

O sexo, na teoria, não teria apelo sexual ou tesão, tampouco


paixão. Nós criamos a ideia, consequentemente, o desejo. O objetivo da
natureza é claro: procriação. Somos nós os culpados pelo orgasmo.
Talvez meus pensamentos fossem assim por causa da minha pouca fé.
Acreditava mais no lado carnal do que na santidade como uma mente crente.
Por isso, mesmo com a intensidade da nossa diversão, eu realmente não nos
via como pecadores do jeito que Armando enxergava.
Na religião, seria um pecado um padre nu, deitado na minha cama.
Entretanto, a ideia também era deliciosa.
Eu não tinha medo do inferno ou da condenação. E isso retornava aos
meus medos reais: o nada que poderia existir depois da morte. Então, talvez
até saber da existência do inferno fosse reconfortante. O fogo era melhor do
que o vazio.
Remexi-me, o suspiro escapou dos meus lábios. Esse fogo infernal
subia pelo meu ventre enquanto a língua de um padre brincava no meio das
minhas pernas, saboreando o meu gosto. Sabia o quanto ele adorava, vi isso
em seu olhar quando me chupou naquele jardim.
— Armando... — Ofeguei, abrindo mais as pernas, desperta.
Flexionei-as, extasiada.
— Quero aproveitar essa noite. — Levantou o rosto, os lábios
besuntados.
Que espetáculo erótico.
Seu sorriso envergonhado me fez querer afagar sua face.
— Diz como se depois desta noite irá dar as costas e esquecer tudo
isso.
— Talvez você faça. — Mágoa no tom de voz. Alisei seu cabelo
para trás.
De fato, eu poderia fazer, me conhecia o suficiente. Vicenzo, uma
vez, me chamou de fria, e disse que eu não o amava mesmo depois de tantos
anos. E era verdade.
Busquei Armando, o fiz cair em desgraça, fraquejei suas certezas e
mascarei a minha curiosidade com a desculpa de ser uma vingança sobre
minha mãe. Não, quando o vi, ele pareceu ser um desafio delicioso em
demasia. A coincidência de estarmos na mesma cidade despertou minha
gana de o provocar. Não deixaria passar, queria comprovar minha
descrença: ninguém é santo, e os que buscam a santidade são os que mais
caem em tentação.
Ainda me lembrava das últimas palavras antes de dormir. Estávamos
nos tornando rotina.
Algo dentro de mim estava mudando.
Me apegar à paciente falecida foi o primeiro indício.
Agora Armando.
Isso era esperança? Independentemente das incertezas?
Esperanças com um padre?
Crueldade pedir que largasse a batina, quando começamos de forma
errada.
Como levar adiante?
Como recusar, quando seus olhos me imploravam que eu abaixasse
sua cabeça contra o meio das minhas pernas e o deixasse continuar?
A completa ignorância dos problemas, foi o que essa noite
significou, apenas afundados um no outro, sem pensar no ontem ou no
amanhã, apenas a vivemos, pois, ninguém faria isso por nós.
E se não existisse nada além de uma única noite...
— Não me respondeu. — Acordou-me do devaneio.
— O que quer ouvir? — Acariciei seu cabelo, relaxando as coxas
contra os seus ombros. Ele as beijou, saboreando a minha pele, inspirando o
meu cheiro. Trilhou até minha virilha e deu um beijo casto nos meus grandes
lábios, antes de invadi-los com a língua.
— Tenho medo de ouvir — sussurrou.
Gemi, afundando as unhas nos seus fios, incentivando-o a fazer um
oral. Meteu a língua nas minhas dobras, revirou-me do avesso de tanto
prazer com as chupadas ritmadas, a fricção do dedo sobre meu clitóris
enquanto lambia minha abertura, mordiscava minha carne.
— Armando... — Rebolei contra a sua boca, o orgasmo avançando
em ondas.
Uma habilidade espetacular em me levar ao orgasmo apenas com a
boca.
Seu nome na minha boca aumentava o meu prazer.
Um homem que não deveria estar me levando ao êxtase.
Tão obsceno.
Como ele poderia saber me provocar tanto para gozar?
Como sua adoração era...
— Ohhhh! — Revirei os olhos, os cabelos esparramados no
travesseiro, o arrepio subindo como labaredas até queimar o meu ventre,
gelar o estômago e se explodir em fogo sobre o meu peito.
Atritei minha boceta contra o seu rosto, o orgasmo me engoliu.
Língua, dedo, respiração, sons, gozo.
Eu estava indo além, o sentia me sugar, beber todos os meus fluidos,
mas a sensação era distante, enuviada por tanto deleite. Sublime, atordoante.
Um contentamento espontâneo, quase como uma paz por não pensar,
somente aceitar aquela borda deliciosa e primitiva de gozar.
Perdi o ar, devastada pelo meu coração acelerado, os espasmos
subindo pelo meu corpo, o ventre se contraindo, a boca seca e as mãos sem
forças.
Lambeu-me até a última gota e ergueu a cabeça, me contemplando.
Seu queixo lambuzado, os olhos fascinados.
— Preciso de mais — sussurrou.
Ofeguei, ainda fraca, e inspirei fundo.
— Venha cá! — Ainda estava recobrando os sentidos.
Arrastou-se sobre o meu corpo, meus mamilos arrepiados contra seu
tronco. Cobriu-me, sua testa contra a minha, nossos narizes quase se tocando.
— Por quê?
— Por quê? — repetiu, tão intenso.
— Por que precisa? — Eu era sádica, gostava de ver seu espanto,
como uma menina contando a um padre que vendeu sua virgindade.
— Já estou aqui. — Apertou as pálpebras, como se as palavras
ferissem. — Quando precisar me julgar, que seja por tudo o que fiz, e não
pelo remorso de não...
— Ter realizado tudo o que queria — completei. — Não se
martirize. Não somos santos, o seu Deus conhece Sua criação.
— Pare! — negou veemente. — Não quero falar disso. —
Devassidão exposta.
— Falemos de “nós”. — Sorri.
— Do agora? — Mexi-me, seu pau grosso e duro pressionou o meu
ventre. — O que significa para você? — Ele buscava algo no meu olhar.
— Intimidade. — Assoprei.
— Algo mais?
— Assim ficarei constrangida — caçoei.
— Não deboche agora. — Imperativo, um tanto magoado.
Abri as pernas, acomodando-o entre elas, e contornei com a ponta do
indicador o seu queixo, cada detalhe do seu rosto, os longos cílios, o maxilar
quadrado.
Suspirei.
— Pode significar envolvimento — confidenciei.
— Quer estar envolvida? — indagou, receoso demais.
— Não sou eu quem possui regras. — Tentei não soar indelicada.
Não desviou o olhar um instante sequer, absorto no meu.
— Você não respondeu. Somos dois adultos, podemos suportar as
respostas.
— E compreendê-las? Está ao nosso alcance?
— E por que não as compreenderíamos?
— Quero estar envolvida, assim como vejo que você também.
Ele perscrutou meu rosto, chocado.
— O que falou antes não era apenas o momento? — murmurou.
— Por que precisa analisar tudo o que acontece? Por que sempre
questionar? — indaguei, o sorriso quase inexpressivo.
Não questione. Não me contagie com essa vontade.
— Eu tento... — Travou uma luta interna.
— Você quer e também se julga, foi por isso que eu evitei responder.
— E voltamos ao mesmo assunto — lamentou.
— Como se andássemos em círculos. Se quer quebrá-lo, então
esqueça que é padre. Seja só um homem comigo, apenas isso basta agora.
— Para fazer o quê? — indagou, agoniado.
Sorri, me animando.
— Foda comigo como antes — ordenei contra os seus lábios, as
unhas descendo pelas suas costas. — Como dois cegos tateando em busca
um do outro.
— Mônica... — Estremeceu.
— Gostou do anal? — cochichei no seu ouvido.
Seu corpo se tencionou, quase podia ouvir a agitação do coração.
Pelo menos, a respiração se tornou mais rápida.
— Não faça isso. — Riu envergonhado.
Quase tão delicioso quanto a entrega cheia de volúpia durante o sexo.
E o seu espanto no começo.
— Diga — exigi.
— É um inferno... — balbuciou.
— De bom? — Engoli o riso.
— Sim. — Relutante. — Perdoe-me — disse baixinho. — De
gostoso.
— Continue.
Fitou-me e riu contra os meus lábios.
— É apertado. — Uma mescla de sofrimento e graça. — Me
provocou, foi muito excitante penetrá-la daquele jeito, como se eu tivesse
direito sobre o seu corpo, como se estivesse me dando algo a mais. Esqueci-
me da educação, de qualquer lucidez. — Urgência no olhar. — Eu a quis
com todo o meu ser.
— E irá querer novamente — afirmei. — Assim como eu.
— Você gosta?
— Não subestime o prazer de uma mulher. Não transo com você para
agradá-lo.
— Você me quer desse jeito — assegurou mais para si mesmo.
— Como disse, você colocou palavras na minha boca. Nunca falei
que não queria.
— Porque demonstrou em atos — acusou-me.
Ri, balançando a cabeça.
— Como quando eu o deixei naquela noite, após provocá-lo?
— Você é maldosa.
— E você se masturbou. — Nossos olhares se demoraram, a
atmosfera tão intimista entre nós.
— Nunca se masturbou pensando em mim? — Ri, surpresa com sua
pergunta.
— Esperava que sim?
Piscou devagar, entendendo.
— Não precisou — respondeu. — Quando me desejava, era só...
— Você estava ao alcance.
Ele anuiu.
— Quer ver?
— O quê?
— Eu me masturbar?
Engoliu em seco, perplexo.
— Não. Não agora. — Hesitou. — Quero transar — disse mais
baixo.
— De novo?
— Quero você assim, como está agora, nesta intimidade. — Franziu
a testa. — Diferente da maioria dos momentos, aqui você não está brincando
comigo, nem zombando. Preciso estar nesta cama com você.
— Gosta disso — observei, desarmada.
Uma sensação estranha me invadiu ao refletir sobre suas palavras.
Vicenzo disse o contrário.
Armando estava me colocando como frágil, e diante dos seus olhos,
me vi assim, despida de todas as minhas armaduras.
— Pegue um preservativo. — Cedi.
No instante seguinte, seu corpo cobriu o meu, novamente no prazer
rolamos pelos lençóis, a lucidez longe o suficiente para aproveitarmos cada
milésimo. Pude vislumbrar mais de Armando sem sua culpa, desligado do
próprio julgamento quando atingimos o orgasmo juntos, quando nossos
corpos, suados, se entrelaçaram e repousei a cabeça em seu peito.
— Me acostumarei com você na minha cama.
— Está zombando de mim. — A voz arrastada, ainda se recuperando
do êxtase. — Puxou-me, me virando de lado e me abraçando. — Deite-se
assim comigo — sussurrou.
— Me acordará do mesmo jeito? — Sorri.
— Quer?
Segurei suas mãos, mantendo-as contra a minha barriga, sem
responder.
— Dormirá aqui ou fugirá na calada da madrugada como na última
vez?
— Dormirei — disse depois de alguns segundos, como se tivesse
travado uma luta.
Aconcheguei-me mais contra ele.
— E amanhã?
— Não posso ficar tanto tempo.
— Mas você mora sozinho.
— Tenho compromissos.
— É domingo — argumentei. — Seu único compromisso não é com a
missa? — Eu não deveria insistir. — De manhã e durante a tarde — o que
estava acontecendo comigo? — você pode ficar.
Silêncio.
— Você quer?
— Sabe que sim — murmurou.
— Conheço você bem — debochei.
— O que faremos, se eu ficar? — indagou, receoso.
— Do que tem medo? Teme não conseguir ir embora depois?
— Não daqui, mas do momento.
— Não pense sobre isso — sussurrei. — Fique, acorde ao meu lado.
— Ele não respondeu. O silêncio perdurou por alguns minutos, até eu o
cortar: — Posso confessar algo em que acredito?
— O quê? — Não escondeu a curiosidade, a respiração contra os
meus cabelos.
— Mesmo que parta amanhã, jamais irá embora deste momento.
— Por que diz isso? — Remexeu-se, aflito.
— Porque foi como queria.
— Você é direta — suspirou, constrangido.
— Então, ficará?
Senti o movimento contra o meu ombro.
— Já estou aqui — disse baixo, como se não tivesse forças. — Não
tenho as respostas que preciso... Ainda assim, em casa, não as encontraria.
Aqui — enfatizou — estou com você, enquanto lá eu só teria os meus
tormentos.
Sim, na cama não precisávamos pensar sobre o que estávamos nos
tornando.
A re lig iã o p re stou a o a m or um g ra nd e se rv iç o, fa ze nd o d e le um p e c a d o.
Ana tole Fra nc e .

O remorso é um dos sentimentos mais inquietantes. Uma dor que


grita ao se lembrar do erro, e não se cala no esquecimento.
Deitado na cama de Mônica, eu deveria me arrepender. Apesar
disso, para o meu desespero, não sentia nada além de plenitude. Era como
se, após ter provado o fogo do inferno e respirado a dor, adorasse a
sensação de ser queimado.
A luz da manhã me despertou, abri os olhos, ainda abraçado na
mulher que me fez recusar o céu, para ter mais noites no inferno com ela.
Como vestir a batina à noite? Rezar uma missa e me comportar
como um bom padre?
Nem remorso sentia, e isso era o que mais me massacrava. Ela me
ofereceu a maçã, comi até o caule e ainda sentia fome. Não havia
justificativas.
No início, foi carnal.
E disso, se transformou em sentimento. Por mais que eu temesse, não
poderia mais voltar.
Talvez hoje fosse minha última missa?
Sofri em silêncio, engolindo o desespero.
Mônica se mexeu dentro dos meus braços.
E se tudo não passasse de uma aventura para ela?
O que eu teria me tornado?
Não pense agora.
— Está acordado? — Virou-se, frente a frente para mim.
— Sim.
Estreitou os olhos.
— Está pensando demais. Se arrependeu?
— Se preocupa mesmo com o meu remorso?
Sorriu.
— Preocupo-me que fuja da cama como se eu fosse o Diabo.
Ri da comparação.
É o Diabo.
— Ainda estou aqui.
Sorriu, nossos olhos fixos por um tempo, que pareceu infinito.
— O que essa noite significou? — questionei em um sopro.
— Me diga você. — Neguei com a cabeça. Ela ponderou e desviou a
atenção para a minha boca por um instante. — Talvez não sejamos mais uma
aventura. Sabemos o que queremos.
— Não sei o que você quer.
Encarou-me tão direta, que me senti tocado na alma.
— E eu não sei o que você escolheria se eu pedisse. — Franca, dura.
O modo verdadeiro que me desconcertou.
Demorei a encontrar minha voz.
— O que você poderia pedir. — Hesitei. — Que eu não atendesse?
Estou na sua cama e... — Calei-me, embaraçado.
— Se condenando por estar.
— Ainda assim, permaneço.
Ela riu, sem ironia, parecia mais... vergonha.
Fechou os olhos.
— Eu não poderia pedir.
— Por quê? Não está envolvida como eu? — Diante das minhas
palavras, seu sorriso desvaneceu.
— Porque depois você poderia se arrepender e, por minha causa,
teria escolhido um caminho sem volta.
— Me arrepender? — Arqueei as sobrancelhas, ela me fitou.
— Você acredita na sua vocação, a escolheu há mais de dez anos.
— E mesmo assim, olhe onde estou — sussurrei, atormentado pela
honestidade.
— E se julgando por isso. — Não disse nada por algum tempo,
apenas me observando. Quando retornou, sua voz soou contida: — Como
pedir que abandone um caminho que sempre achou certo para viver algo que
no futuro possa não ser como imagina?
— Tem medo de que eu a culpe? — Sua expressão de surpresa
confirmou. Tentou disfarçar com um sorriso.
— Você me culparia de qualquer jeito.
— Não...
— Sim — decretou.
— Por que diz isso?
— É da natureza humana — retrucou com tanta convicção, que
deixou claro que não acreditava na bondade.
— Não a culpo. — Fechei os olhos. Era a verdade. Ela poderia ser a
serpente que me tentou, mas quem cedeu fora eu. — Não me obrigou e —
hesitei, doeria dizer em voz alta — estou aqui porque quero, passei a noite
porque desejei.
Admitir a culpa, às vezes, é o pior castigo. Não são os temerosos
que dizem que o purgatório é pior que o inferno?
No instante seguinte, ela me virou, montou sobre o meu quadril e
sorriu como um anjo. Ri da comparação.
— Do que está rindo?
— De como estamos.
— E não gosta de estar assim? — Seus olhos acusaram-me, as unhas
roçando o meu peito. — Seja franco!
Fugi da sua avaliação, envergonhado.
— Adoro tanto que tenho medo de ir embora.
— E por que teria medo?
— Por mais que dissemos o que sentimos, talvez... Quando estiver
sozinha, notará o quanto é arriscado.
— Isso é o que você — enfatizou — acredita que eu penso? —
Pausou. — Ou é o que pensa?
Poderia fugir da resposta, entretanto, eu queria?
— Aceitei o risco quando me ajoelhei no meio das suas pernas e me
rendi. — Volvi a fitar o seu rosto. Acariciei-o, me perdendo na textura da
sua pele, na curva dos lábios. — Eu a afastei e...
— Como percebeu isso?
— Quando a vi com Vicenzo, sofri mais que — franzi o cenho —
quando quebrei meu celibato. Percebi que gostei de estar com você.
— Se tornou um vício.
— Sou humano — disse agoniado.
— Gostaria de repetir esta noite?
Os temores que silenciei, voltaram a urrar dentro de mim. Ansiava
por mais? Perscrutei sua face, tentando descobrir qual resposta esperava.
Se eu admitisse em voz alta... seria o golpe fatal ou uma libertação?
Massageei suas coxas, perdido nelas, em como sua cintura atraía
minhas mãos, passeei pelo seu quadril.
— Não se distraia, quero que responda — exigiu, segurando os meus
pulsos. — Está disposto a continuar?
Como responder sem ter certeza?
— E o que seremos se eu disser que sim?
— Como assim?
— Quer que sejamos o quê? Uma mulher e um padre? Dois
criminosos se encontrando nas sombras para que ninguém nos veja? Ou está
disposta a pedir por mais?
— O que eu poderia pedir? Você me daria?
Engoli devagar, como se a saliva fosse fogo, incinerando minha
lucidez.
Respirei fundo e não tive coragem de encará-la.
— Que eu largue a batina. — Por fim, as palavras saíram.
A maior de todas as loucuras.
Eu estava disposto a largar a batina por Mônica? Ou, no fundo, era
por minhas dúvidas? Se eu continuasse... seria pior.
— E então, retornamos ao mesmo assunto. — Voltou a ser irônica. —
Você ama a batina, enquanto aqui, só há paixão. Estamos nos conhecendo, e
sim — afirmou —, pediria isso, mas não tenho o direito, pois a paixão pode
acabar antes de se tornar amor. O que restará de você caso largue a batina e
o que há entre nós acabar?
Ela disse em voz alta o que pairou nos meus pensamentos e não tive
coragem de enfrentar. Mônica largou a cegueira, no entanto, meu âmago se
contorcia.
— Você não pode me dar garantias, não é perfeita e nem um anjo, por
mais que eu a pinte assim — confessei, o coração pulsando como uma
bomba, desestabilizando a respiração. — Sabemos dos riscos e perdas,
conhecemos o que cada um poderá encontrar no outro e que... — Sofri. —
Talvez a paixão seja só paixão. — Implorei com o olhar. — Mas não há
caminho decente para voltar ao celibato quando desejo continuar na sua
cama. Estou perdido.
— Jamais se encontrará em mim — cortou-me. — Não podemos nos
buscar em outras pessoas, principalmente quando temos crenças diferentes.
— Não estou me buscando.
— O que está fazendo?
— Estou apaixonado por você de um jeito que talvez seja errado eu
continuar na batina — sussurrei. — Independentemente se não dure, neste
momento tenho mais dúvidas do que certezas.
— Está disposto a fazer isso? — Era medo na sua voz?
Encarei-a, surpreso.
— Se você aceitar.
Mônica virou o rosto, se esquivando.
— Não quer? — insisti.
Ela deu um sorriso tão genuíno, que tomou o meu coração.
— Eu quero — afirmou e me encarou. — Mas não pedirei. — Uma
sombra passou sobre o seu semblante.
— Tem algo para me contar? — sugeri.
— Demos tempo ao tempo — sussurrou.
— E como isso funcionaria?
Espalmou as mãos no meu peito, observando-o. Respirou fundo antes
de dizer:
— Quero estar com você, viver mais dias e noites ao seu lado, no
entanto, sentirei muita pressão se largar a batina agora, quando não há
certezas entre nós.
— Como espera que eu consiga continuar desta maneira?
— Do mesmo modo que fez esta noite.
— Sofrendo com isso?
— Sofreria de qualquer forma. — Dura. — Você ama o seu
sofrimento.
— Por que diz isso? — Desviei o olhar, magoado.
— Porque posso e gosto de vê-lo assim. — Malícia escancarada.
— Não fale assim.
— Mas é a verdade. — Escapou das minhas mãos, se levantando.
Não refutei suas palavras.
Sim, era verdade.
— Me acompanhará em outro banho? — Parou na porta do banheiro.
— Ou não imaginou como é gozar na minha boca? — Sorriu, me dando as
costas.
Deixei a consciência na cama, incapaz de negar sua oferta, e a segui.
Não existia mais Deus ou Diabo capaz de me fazer esquecer de
Mônica.
Esse s p a d re s c onhe c e m m a is p e c a d os d o q ue a g e nte .
Ma rio Quinta na .

O sexo não é apenas um instinto primitivo. Deus não o criou


apenas para a procriação. Amai-vos uns aos outros. O que é sexo, senão
afeto, essencial para as relações humanas? Como poderia ser decadente,
se foi criado para um propósito nobre?
— Não irá embora? — Puxou-me para debaixo do chuveiro, nossos
corpos molhados, nus, o olhar preso um no outro.
— O que teria feito se eu tivesse ido?
Sorriu, os cabelos escuros para trás, gotículas de água realçando o
verde da íris.
— Eu esperaria.
— Suspeita que eu voltaria?
— Ah! — Riu, me dando as costas, a bunda arredondada e macia
próxima da minha ereção. — Você voltaria, porque já quebrou o celibato.
Nada mais te segura.
— Pare... — suspirei. — Pediu tempo ao tempo, não me castigue
dessa maneira.
— Desculpe-me. — Volveu-se, me surpreendendo com a
honestidade. — Apenas gosto de ver o desespero que antecede o seu anseio.
Perscrutei o seu rosto, em busca de algo mais.
— Assuma que está se apaixonando.
— Que diferença faria?
— Toda.
— Por quê?
— Então este momento não seria em vão.
— Tudo é em vão diante do fim.
— Não desta forma. — Neguei com a cabeça. — Não estou pedindo
sobre sua fé.
— É um padre, deveria desejar minha fé. — Avançou sobre mim, os
mamilos roçando na minha pele, as mãos explorando minhas costas.
— Desejo seu corpo... seu afeto. — Enfiei a mão debaixo dos seus
cabelos, prendendo seu pescoço contra minha palma e sussurrei em seu
ouvido: — Desejo você.
Busquei seus lábios, nossas línguas se entrelaçaram, as respirações
descompassadas. Mãos buscando explorar todas as partes dos corpos.
Apertei seus seios, brinquei com seus bicos e deixei Mônica trilhar para o
meu pescoço com mordidas e chupões, levando o meu olhar com ela.
Passou pelo abdômen, a visão se tornando mais luxuriosa.
Ajoelhou-se perante a minha ereção e a envolveu com a mão, o
sorriso sacana me conquistando.
— Quer gozar na minha boca? — Não esperou a resposta.
Abocanhou o meu pau, a boca quente, molhada.
Senti em todo o meu ser. Mamou com vontade, em um vaivém insano,
acariciando minhas bolas, a língua passeando pela extensão. Lambeu minha
glande, atenta a todas as minhas reações.
— Ohhhh! — gemi, afundado em prazer quando me sugou com
ímpeto.
Era gostoso ser envolvido por sua boca dessa forma, sentir o fundo
da sua garganta. Agarrei seus cabelos e meti com brutalidade, arremetendo
sem pausa.
O arrepio subiu da minha virilha até a nuca, o coração vacilou, a
respiração suspensa, todo o tremor se expandindo com os espasmos.
— Mônica... — Arfei, o frio na barriga acompanhado da queimação
no ventre.
Iria gozar, estava chegando... Quase...
Ela sorriu, colocou a língua para fora e me masturbou, a cabeça
roçando na ponta da língua, lambuzada com sua saliva.
Ali eu soube que a visão da queda, vista de outro ângulo, poderia
ser mais bela que o paraíso. Mônica me mostrou que o inferno era melhor
que o céu.
Gozei contra sua língua, sem perder nenhum momento. Esporrei
contra sua boca, meu sêmen escorrendo por seus lábios, sendo tomado por
ela. O orgasmo me engoliu, intensificado por uma chupada final no meu
pênis.
— Ohhhh! — Afastei-a, tentando me manter de pé, os sentidos
fracos, a mente nublada, os olhos lutando para não se fecharem.
Era tamanha emoção, que me senti feliz. Completo.
Durou alguns segundos até que seus braços repousaram sobre meus
ombros.
— O que será de mim? — Abracei-a, enterrando o meu rosto contra
o seu pescoço. Beijei-o, inspirei seu cheiro.
— Talvez Deus não veja maldade.
— Não acredita nisso.
— Acredito no sexo.
— E no que mais? — Segurei seu rosto, mirando-a rente ao meu.
— Que sexo nem sempre é só isso. Poderemos dar um próximo passo
futuramente e...
— Nós já demos, só você que não aceita.
— Não me pressione. — Esquivou-se, extremamente vulnerável,
pela primeira vez, o que me espantou.
— Sim — murmurei. — Eu entendo o quanto é difícil e...
— Você sabia desde o início e mesmo assim decidiu continuar —
acusou-me. — É difícil.
Não tive resposta.
O silêncio que nos acompanhou durante o banho foi confortável,
como se não precisássemos de palavras, bastava nosso contato.
Aguardei que se vestisse no quarto e quando a vi com uma blusa fina,
marcando seus mamilos, as coxas torneadas pela bermuda, não contive o
sorriso.
— Por que ri?
— Só estou pensando que você torna mais difícil ir embora depois.
Só de cueca, sentado, esperei até que parasse no meio das minhas
pernas.
— Irei com você. — Repousou as mãos nos meus ombros. —
Assistirei sua missa.
— Não. — Arregalei os olhos.
— Por quê?
Neguei veemente.
— Não conseguirei. — Só de pensar nela sentada em um dos bancos,
me desesperei.
— Não consegue ou não quer?
— Será constrangedor demais para mim — confessei. — Como
poderei ficar bem, se a mulher por quem estou apaixonado estará me vendo
de batina e fingindo um celibato?
— Um fetiche — zombou.
— Por favor.
— Admitiu novamente. — Alargou o sorriso e esperou até que eu
compreendesse. — Que está apaixonado. É tão estranho para você?
Empurrei-a, ignorando sua afronta.
— Não estou sendo irônica. — Tentou me segurar.
— Mas está me envergonhando pelo fato de que parece que sou o
único aqui que se sente assim — acusei-a, negando que visse minha
expressão. — Não vê importância.
— Claro que vejo! — Segurou o meu braço, me impedindo de
escapar.
— Por que me deixa na dúvida?
— Gosto de ver...
Voltei-me contra ela, segurando seu rosto entre as mãos.
— Eu sofro, quer me levar ao limite? — sussurrei.
— Desculpe-me. — Vacilou e se afastou. — Vamos comer, estou
faminta. — Saiu do quarto. Permaneci mais alguns segundos, um tanto
confuso, antes de segui-la, me sentindo íntimo ao andar por sua casa apenas
de cueca e vê-la na cozinha.
— É meu convidado, o que quer comer?
— O que tem em casa?
Ela riu, abriu a geladeira e observou por alguns segundos.
Acomodei-me contra a bancada branca.
— Não paro muito em casa, quase sempre almoço e janto no
hospital, a maioria das coisas são congeladas.
— Vive só de comida congelada quando está aqui?
— Não tenho muito tempo. — Puxou uma caixa de pizza congelada e
a colocou na bancada. — Você costuma cozinhar? — Examinou-me dos pés à
cabeça. Encolhi-me.
— Minha mãe me ensinou.
— O que costuma fazer? — Tirou a pizza e a colocou no forno.
— Pratos simples. Sou uma pessoa comum.
Ela riu, me olhando irônica.
— Às vezes, o comum é o melhor.
Semicerrei os olhos.
— O que está insinuando com isso? — Não contive o sorriso.
Ela parou na minha frente.
— Não acho você comum, na verdade. — Direta, avançou para o
meu lado e se sentou sobre a bancada, me puxando pela mão para que eu
parasse no meio das suas pernas. Acariciei as coxas expostas.
Era tão gostoso.
— Quero saber algo que me deixou curiosa.
— O quê? — Encarei-a.
— Disse outro dia que namorou.
— E o que isso tem a ver conosco?
— Estou curiosa — falou como se fosse óbvio. — Namorou e
mesmo assim se tornou padre. — Esmiuçou.
— Está interessada?
— Se prefere colocar desse jeito, sim, estou interessada. — Alargou
o sorriso, rodeando meu pescoço com os braços, nos aproximando.
Minha antiga namorada... Era mais do que isso, havia motivos ao seu
redor que não queria recordar. Causas que faziam minha mãe sempre indagar
se eu fizera a escolha certa.
— Foi apenas um namoro — resumi.
— Por que acabaram? Escolheu o seminário depois do término?
— Não.
Estreitou os olhos, me segurando pelo queixo.
— Está escondendo algo.
Ri, constrangido.
— Você também tem segredos. — Contra-ataquei.
— O que quer saber?
— Por que escolheu a medicina? Algum dia acreditou em algo?
Suspirou, pesar genuíno na sua feição.
— Tento salvar as pessoas da tragédia que é a vida. A qualquer
momento podemos morrer, somos muito frágeis. — Abaixou a voz,
perturbada. A nossa visão era tão diferente sobre a morte.
— Por isso não acredita em Deus? Não deveria ser ao contrário,
confiar nas escolhas dEle?
Ela riu, negando.
— Não confio em forças superiores. A salvação, para mim, está na
medicina.
— Ela não faz milagres.
— Seu Deus já fez algum? — Dura nas palavras e no olhar.
Fechei os olhos por um átimo.
— E Vicenzo?
— Está fugindo do assunto. — Notou rápido demais.
— Como foi namorar?
— Curiosidade ou ciúme? — Aceitou minha fuga, as mãos
massageando os meus ombros.
— Deveria sentir ciúme? — A fiz sorrir outra vez.
— Namorei com ele por quase toda a faculdade, planejávamos ter
filhos depois da residência. — Desviou o olhar. — Mas acabou, decidi
viajar e ele veio para Lucca.
— E depois você chegou.
— Não vim atrás dele. — Volveu a me fitar. — Passei na residência
aqui.
— Não sabia que eu estava na cidade?
— Não, foi uma boa surpresa, uma diversão a mais. — Alargou o
sorriso.
— Você é má.
— Você permite que eu seja — retrucou.
— E a sua família?
— O que tem? — Se tornou hostil.
— Nunca fala deles e não há uma foto da sua mãe ou de outra pessoa.
Tem um irmão também, não é?
— Minha mãe contou isso? — Tentou me afastar com deboche.
— Não, não foi assim.
— Então como foi? Ela contou sobre o casamento fracassado?
— Está irritada com isso?
Piscou devagar.
— Desculpe-me.
— Cecília apenas se confessou comigo, falou sobre o casamento...
— O casamento que ela arruinou — cortou-me, soltou o ar em uma
lufada. — E a sua mãe? Ela queria que você tivesse filhos? — Mudou o
assunto.
Acatei sua vontade.
— Sempre quis, queria netos. E não aceita minha escolha, como se
fosse errado eu ser padre.
— Nunca pensou que ela pudesse estar certa?
Cobri parcialmente o rosto com uma mão, impedindo o sorriso
tímido.
— O que está sugerindo? — questionei assombrado.
— Não pretendo ter filhos com um padre. — Riu. — Se essa é a sua
preocupação.
— Pare com isso.
— Mas não posso negar que ela pareceu bem feliz ao me ver naquele
jantar. — Aproximou a boca do meu pescoço, depositando beijos, afagando
a pele. Ergui sua cabeça e rocei nossos narizes, os corpos colados.
— E você a deixou mais contente quando se sentou conosco.
— Não perderia a oportunidade. — A expressão descarada. —
Achei que fugiria de nós. — Agarrei sua cintura e fiz cócegas, sua
gargalhada arrepiando até a minha alma. — Pare. — Ofegou entre risos.
Relaxei as mãos, mantendo-as no seu quadril, as bochechas coradas,
entregue ao momento íntimo, os dedos contornando o meu queixo. — É bom
conhecer você melhor.
— Me deixe conhecer você também.
— Estou deixando. — Inclinou a cabeça, a verdade exposta no olhar,
sem barreiras, sem a malícia de sempre.
Perdi-me neles por um tempo indefinido, como se fossem um mar
calmo, transparente e profundo, que me tocou, me dando uma sensação de
quase compreender, bastava...
O apito do forno a fez dar um pulo da bancada, liquidando a epifania.
Serviu a pizza em um prato e nos sentamos, os minutos sendo
preenchidos por uma conversa banal sobre minha mãe. Conversar com
Mônica era fácil, quase como se ela não precisasse perguntar para tirar
respostas de mim. Fluía, me fazia querer falar. Foi nítido o amor que sentia
pela profissão quando a citou, sua frieza duelava com esse outro lado.
E durante o tempo em que ficamos juntos, o relógio pareceu correr.
Não queria ir, e me peguei pensando em convidá-la para a minha casa.
O quanto eu pecava ao pensar em transar depois de celebrar uma
missa?
Tempo ao tempo, ela pediu. Era bom. Tão perdido, não sabia qual
era a escolha certa. Amava a batina, acreditava na minha devoção e no que a
envolveu no começo... e estava apaixonado por uma mulher. Meu maior
sofrimento, que não me permitia ser feliz.
Como se lesse meus pensamentos, ofereceu-se para ir à minha casa.
Acompanhou-me, explorando o lugar enquanto eu me arrumava, e a deixei,
partindo para a missa.
A igreja começou a encher, cada olhar parecia me acusar, cada fiel
sentado nos bancos parecia uma chicotada no meu íntimo.
Sangrei em silêncio, chorei sem lágrimas, e me senti sujo, indigno e
ruim.
Condenei-me por estar ali, um lugar que durante dez anos amei.
E ainda adorava.
A tortura piorou quando meus olhos foram atraídos para a porta de
entrada e Mônica passou por ela e se sentou em um banco afastado, a
atenção em mim.
Ela iria assistir à minha missa.
Entre g o-m e c e g a m e nte a o im p ulso q ue m e a rra sta .
J e a n Ra c ine .

— Pedi que não viesse — disse assim que a última pessoa, exceto
Mônica, saísse da igreja.
— Não gosto quando mandam, foi bom ver a sua surpresa. — Com
pura malícia, se aproximava. — Sabia que eu viria.
— E me constrangeu durante todo o tempo. — Sorriu, do outro lado
do altar.
— Se constrangeria só de pensar, minha presença não mudou nada.
Suspirei, encarando-a por alguns segundos.
— Pediu porque não quer que eu o veja com a batina.
— Pare.
— Ou temeu que eu fosse queimada ao pisar na igreja? — debochou.
— Não penso assim — murmurei, sem conter o sorriso ao pensar nas
comparações que já fiz.
— Fica bonito de batina. — Arregalei os olhos.
— Não fale assim. Respeite.
— Não faltei com respeito só porque elogiei.
— Não buscamos a estética.
— Se Deus não buscasse, por que os anjos são tão belos?
— Essa ideia foi criada por nós.
— Como pode ter certeza?
— E como você também pode ter? — retruquei.
Ela deu de ombros.
— Quando olho para você, tenho certeza de que Deus o escolheu,
além da devoção, pela beleza.
— Pare — implorei, retirando a batina e o colarinho. Guardei-os.
— Está incomodado.
— Sim, estou.
— Quer que eu vá embora?
Encarei-a.
— Quero que vá para casa comigo — confessei.
— Esperarei você lá fora.
Saiu em silêncio, mas, em minha mente, o caos reinava.
Temia ser visto... mas por quem? Era como se eu fosse um anjo
fugindo dos portões do Céu, tentando escapar da fúria ao desfrutar da
criação.
E não era o que eu estava fazendo?
Fadado ao fracasso, aceitando o sofrimento, afundando-me nele.
Organizei o restante das coisas, agoniado pela noção do errado, e fui
atrás de Mônica. Tranquei a igreja e avistei a mulher no carro, me
aguardando.
A cada passo, supliquei a Deus que me perdoasse. A batina já não
poderia mais conter a minha paixão por Mônica.
— Está feliz — sussurrei ao me sentar ao seu lado.
— Você não? — Deu partida.
— Deveria?
— Por que não? Temos tão poucos momentos na vida, deveríamos
desfrutar o agora.
— E o que seria o agora?
— Um momento em que podemos esquecer nossos problemas por
estarmos com quem queremos. — E com isso, ela arrancou um sorriso meu.
Abaixei a cabeça, sem graça, e assenti.
Estava fascinado pela face mais íntima que Mônica apresentava.
— Estacione longe — sugeri assim que avistei as quadras da minha
casa.
— Por quê?
— Seria estranho um carro de mulher na frente da casa de um padre.
— Está com medo de continuar? — Fitou-me pelo canto do olho.
Anuí, sem vergonha de mostrar minha fragilidade.
— Estou com medo do que temos pela frente.
— Quer parar? — Estacionou, se volvendo na minha direção.
De verdade? Já não me via retornando a vida de antes.
— Não, não mais.
— Eu também não. — Sorriu radiante. — Vamos. — Desceu do
carro.
Segui-a, olhando ao redor como um criminoso, o coração apertado
no peito e a respiração suspensa até cruzar a entrada da minha casa e nos
refugiarmos lá dentro.
Parada no meio da minha sala, retirando o casaco como se estivesse
confortável, me peguei fascinado.
— O que foi? — indagou, surpresa.
— Não nos imaginava assim...
Jogou o casaco para o lado, retirando os sapatos.
— Assim como?
— Você... — Senti vergonha.
Dei as costas e depositei o casaco no gancho, larguei os sapatos no
canto e fui até ela. Mônica já estava relaxada, deitada no meu sofá.
— E como eu parecia para você? — Retomou o assunto, zombeteira.
Desviei o olhar, sem coragem de manter o contato visual.
— Bem... — Refleti sobre a primeira vez que a vi. — Não pensei em
nada quando a conheci, já estava acostumado a manter distância.
— E como foi? — A malícia surgiu.
— Um homem não costuma falar das suas impressões. — Tentei
mudar o foco.
— Muito menos um padre. — Riu baixo. — E aqui estamos.
Neguei devagar, fitando minhas meias escuras.
— Pareceu vinda do inferno — disse de uma vez.
— Não estou perguntando sobre aquela noite na cabana. Quero saber
de agora.
— Agora? — Encarei-a, erguendo as sobrancelhas.
— Antes de nos envolvermos desse jeito.
— Acreditava que era frívola. — Fui franco.
— Frívola? — Alargou o sorriso.
— Você parecia não se importar com o meu sofrimento e nem com o
que era importante para mim. Tive a impressão de que esperava muito de
mim, mas também buscava o que poderia ter com outros homens.
— Vicenzo?
— Ainda fala com ele?
— Trabalho com ele. Isso incomoda você?
— Poderia significar algo a mais?
— Venha aqui. — Sentou-se, me dando espaço no sofá. — Não —
respondeu após eu me acomodar.
— Então não me preocupo.
— E agora?
— Agora o quê?
— Como eu pareço? — Sorriu.
— Mais real, de carne e osso, não tão inalcançável.
Pegou minha mão, colocando-a sobre sua face.
— Gosta de tocar em mim?
— Não apenas dessa forma — murmurei, sem graça. — Digo no
sentido de compartilhar a intimidade.
Aproximou-se até se deitar contra o meu peito, me forçando a relaxar
no encosto do sofá.
— Parece que você pensa muito antes de falar.
— E você, não?
— Pensar demais é um mal.
— Não pensar também.
— Iremos testar. — Riu.
— De que forma?
— Quero sair com você.
— Mas estamos saindo.
— Não desse jeito. — Se levantou, indo até um porta-retratos da
minha estante. Pegou-o, me mostrando. — Onde é?
— Cortona — respondi, ainda sem entender.
— É isso o que quero. — Os olhos iluminados. — Sair com você
sem esse seu medo de sermos vistos, sem que pense no celibato, pecado,
tormento ou julgamentos. — Vislumbrei ansiedade em seu semblante. —
Quero que se sinta livre ao meu lado.
— Por que está pedindo isso?
— Só o vejo sofrer. — Depositou o porta-retratos no lugar de volta.
— Sei que quer estar comigo, mas o quero completo. — Encarou-me.
— É um passo a mais que quer dar?
— Talvez. Quero conhecer você longe dessa melancolia.
— Isso a fará escolher? — questionei. Fugiu com o olhar, ciente ao
que me referia. — Responda — supliquei. — Caso contrário, negarei seu
pedido.
Sorriu, sem jeito, e volveu a me fitar.
— Poderia não sentir mais medo. — Ouvir sua voz frágil pela
primeira vez, repleta de receios, me surpreendeu.
— Qual medo?
Antes que respondesse, meu celular tocou distante.
— Alguém está ligando. — Tentou escapar.
— Não. — Segurei seu braço.
— É a sua mãe. — Espiou o celular no sofá, ao longe. — Não irá
atender?
— Mas...
Esquivou-se e pegou o aparelho, atendendo e me entregando.
— Armando — ela chamou assim que coloquei na orelha.
— Mãe.
O olhar afiado de Mônica em mim.
— Desculpe-me ligar já tarde. Está em casa?
— Sim. — Franzi o cenho. — Aconteceu alguma coisa?
— Seu pai não passou bem, estamos em Lucca.
— Em qual hospital? — Meu coração pareceu congelar no peito.
— Ele está estável, pode vir amanhã.
— Não — insisti, Mônica curiosa ao meu lado. — Em qual hospital?
— No mesmo que o tratamos há anos.
— Estou a caminho.
— Armando... — Desliguei, sem ouvir o resto.
— O que aconteceu? — Mônica já não sorria mais.
— Meu pai está no hospital — murmurei, agoniado.
— O que ele tem?
— Ainda não sei. — Olhei ao redor, um pouco perdido. — Só
preciso ir para lá.
— Calma. — Pegou minha mão, me forçando a prestar atenção nela.
— Dou uma carona para você.
— O que a minha mãe pensaria quando nos visse? — Ergui as
sobrancelhas.
— Sou médica, posso dizer que estava trabalhando quando encontrei
você. — Hesitou. — Ou posso dizer...
— Não diga nada para a minha mãe — pedi.
— Sua mãe não é burra, mas não falarei.
— Obrigado.
Calcei os sapatos, peguei o casaco de volta e, em poucos minutos, já
estávamos dentro do carro de Mônica, a caminho do hospital.
Em momento algum eu falei. Absorto em meus medos e
preocupações, só conseguia pensar no meu pai e em seu estado de saúde. No
que eu acreditava. No que eu estava fazendo.
Subi com Mônica pelo elevador, e tão logo chegamos ao andar,
avistei minha mãe na sala de espera. Veio ao nosso encontro, surpresa ao ver
Mônica.
— Armando. — Minha mãe me abraçou, sem disfarçar o olhar na
mulher ao meu lado.
— O que aconteceu? Onde ele está?
— No quarto, já adormeceu — explicou, tentando me puxar para
sentar, no entanto, não me movi.
— Irei vê-lo.
— Espere até amanhã.
— Não — neguei veemente.
— Vá — Mônica murmurou, entrando na conversa. — Só assim você
se acalmará.
Assenti, minha mãe aceitando a derrota, mas interessada na médica.
E essa retribuiu o olhar que lancei.
Iria confiar nela.
— É o quarto 402 — minha mãe me informou.
— Obrigado. — Dei as costas, vagando pelo corredor. O ambiente
me perturbava, evocava lembranças tristes, e quando avistei alguns quartos
com portas abertas e os doentes em seus leitos, compreendi o que Mônica
dizia sobre a morte: ela não era calorosa, muito menos aconchegante. Fria,
seca e muitas vezes impactante demais para assimilar. O que um descrente
sentiria perante a morte senão um vazio, que tomaria todas as suas
preocupações e momentos alegres? A vida se tornaria sem sentido. Essa era
a cruz que Mônica aguentou em silêncio quando veio me pedir ajuda.
Uma descrença que a fazia sofrer por conviver com a morte.
Ela não buscou uma crença, mas um pouco de paz.
Avistei o número do quarto e parei diante da porta, tentando
controlar a aflição. Não poderia perdê-lo, não aceitaria. Não quando tinha
fé, quando também sentiria culpa.
Abri a porta e entrei em silêncio para não acordar meu pai.
— Sua mãe te ligou, então — disse desgostoso, acordado.
— Pensei que estaria dormindo.
— Não gosto das camas de hospital.
Assenti, sem reação.
— Não precisa se preocupar. — Tentou me acalmar.
Fui até ele e me sentei na poltrona bege ao lado da cama.
— Não? — indaguei temeroso.
— Não — suspirou. — Os médicos ainda estão me examinando. Não
me enterre antes do tempo. — Tentou fazer uma piada.
— Não penso nisso. — E nem conseguiria imaginar essa situação. —
Há alguma suspeita?
— Veio ser meu médico ou conversar? — Fugiu da pergunta. — Se
houvesse, saberíamos. Não vamos sofrer antes do tempo.
— Tenho fé que voltaremos para casa. — Engoli o choro, mantendo
o sorriso de fachada. — Eu deveria ter me preocupado.
Deveria ter pensado no que aconteceu há dez anos. No que acreditei.
Sua recaída não seria minha culpa?
— Se preocupado com o quê? Não temos poder sobre o futuro.
Acreditava mesmo não ter?
— Temos sobre os nossos atos.
— Não, não sobre todos eles — refutou. — Já percebeu que quando
agimos, inúmeros acontecimentos ocorrem como consequência?
— Sim.
— Acredito nisso. Não apenas em efeitos ruins, mas nos bons
também. É mais tranquilizador pensar assim.
— É o que acha da morte? — Era difícil não voltar ao assunto.
— Não sobre a morte. — Encarou-me, com firmeza. — Mas sobre a
vida.
— Não a teme?
— A morte? — perguntou surpreso e riu. — E de que me adiantaria
temer? Todos nós morreremos, essa é a consequência de termos nascido,
algo por qual todos passarão, seja ele bom, mau, pobre, rico ou qualquer
gênero. Não devemos temer a morte. — Estendeu a mão na minha direção.
Segurei-a, acariciando sua pele manchada com pequenas pintas mais
escuras. — Nós devemos temer morrer e continuar vivo. — Estreitou os
olhos. — Morrer por dentro é um mal da humanidade. Uma morte dolorosa,
que demora mais do que qualquer outra.
— Não seria uma vida.
— Não, não seria. Está mais para um castigo. — Pausou, ponderando
se continuaria, o olhar me estudando. — Sabe do que sinto medo?
— Do quê?
— Que quem esteja no leito não seja eu... mas você.
— Não... — Espantei-me. — Por que diz isso?
— É feliz? — perguntou, direto. — Não me refiro a momentos
felizes, quero saber por dentro, se está feliz.
Encarei-o, os olhos tão parecidos com os meus, as rugas da idade.
O que eu responderia?
Sofri, porque não queria magoá-lo, tampouco mentir.
— Estou buscando a felicidade — murmurei.
— Não demore muito para encontrá-la, está bem? — Envolveu minha
mão com as suas. — Às vezes passamos a vida inteira buscando uma
felicidade que estava perto de nós.
Minha batina.
Mônica.
Suas palavras pesaram tanto, que me senti crucificado, sentado
naquela poltrona. A forma como ele me confortou, sem dizer uma palavra,
me fez querer desabafar.
Desviei o olhar, sem saber como agir, se era certo.
— Estou em um caminho difícil, eu sei — suspirei. — Tomei uma
decisão há dez anos por amor, só que agora encontrei outra forma de amor.
— Sofri ao dizer. Doeu como se facas transpassassem meu peito, o nó na
garganta ardeu e as lágrimas se acumularam. — Pai, eu... — Hesitei. Eu
estava ruindo diante dele? Meu queixo tremeu, e quando ergui os olhos,
vendo o seu sorriso de compaixão, perdi a luta contra as lágrimas. — Me
envolvi com uma mulher.
— Uma mulher? — Sorriu, me chocando.
Virei o rosto, mortificado.
— Sim. Uma médica. É tão errado — admiti. — Começou errado —
enfatizei. — Só que... esqueci-me de como era me apaixonar, e quando fui
tomado por esse sentimento, não consegui lidar.
— Como ela se chama? — Apertou minha mão.
— Mônica, é uma pediatra deste hospital e... — Olhei-o, angustiado.
— Ela não acredita em Deus.
— E como foi se envolver com um padre?
— Não sei — murmurei. — Talvez, por não crer, viu-me apenas
como um homem.
— Ah! — ele suspirou, como se fosse uma notícia maravilhosa.
Arregalei os olhos. — Então ela viu você como eu o vejo.
— Como assim?
— Como um homem, filho.
Meneei a cabeça, tentando negar.
— Não tenha medo — ele continuou.
— Mas eu tenho — lamentei. — Porque há mais, o que aconteceu
há...
— Não se responsabilize por tudo o que acontece ao seu redor. Não
há poder maior do que o amor, e se você o sente, não é maldade. E nem
errado.
— Mas, e você? — Saiu sem que eu controlasse.
— Estou feliz por saber que meu filho finalmente se permitiu ser
feliz, por isso, peço que não se culpe, não pague por falhas que não são...
— Não vamos falar sobre isso — cortei-o. Não havia palavras que
mudariam meus pensamentos.
— Mônica deve ser uma mulher incrível. — Aceitou o pedido.
— Ela é — suspirei. — É uma mulher decidida.
— Pelo jeito, decidiu por você.
Não respondi, o olhar fixo no dele por alguns segundos.
— Sua mãe sabe?
— Não, não quero dar esperanças quando não sei o futuro.
— Por que hesita em tentar?
— Há mais do que amor, pai. — Exasperei, limpando as lágrimas. —
Existe minha fé, meus motivos, todo o caminho. Sou um padre!
— É o meu filho mesmo antes de usar a batina. Não me importo com
tudo isso que citou, apenas com a sua felicidade.
— Eu serei feliz independentemente do que escolher. — Tentei
acreditar.
— Sou um velho, não demore muito. Quero ver a sua felicidade, que
vá nos visitar. Reformamos a casa. Quem sabe você não leva a médica para
que possamos conhecê-la?
— Ela está aqui — murmurei, fitando o chão.
— Por que não a trouxe para o quarto?
— Queria ficar a sós com o senhor, ela ficou com a mãe.
Ele riu, me chamando a atenção.
— Sabe que Ivette a encherá de perguntas. — Sorri. — Um dia a sua
mãe, quando ainda éramos jovens — contou, animado —, decidiu passar
uma tarde com a minha falecida mãe. Foram juntas para um vinhedo.
— Elas se davam bem.
— Ivette era uma filha para ela. Mas antes, antes de casarmos ainda,
as duas passaram essa tarde juntas. Quando chegamos. — Deu uma risada.
— Elas já haviam até escolhido os nomes dos nossos futuros filhos! Estava
tudo arranjado.
— Armando?
— É. Uma variação italiana de Amadeo, aquele que ama a Deus.
Tivemos você, que é amor.
— Então devo me preocupar com as duas juntas.
— É. — Gargalhou. — Quando voltar, elas terão os nomes já.
— Seria o sonho da mãe — resmunguei.
— Seria o nosso — afirmou, me encarando. — Se tivéssemos uma
menina, ela se chamaria Alessa ou Geo.
— Geovanna?
— Não, apenas Geo.
— Mas foi apenas um menino.
— Que valeu por todos os anos da minha vida. — Deu tapinhas na
minha mão e se acomodou na cama, bocejando.
— Irei deixá-lo descansar. — Levantei-me, um pouco mais calmo. —
Amanhã estarei aqui.
— Não fugirei. — Ele sorriu, balançando a cabeça.
— Amo você — murmurei. — Boa noite.
Ele respondeu baixo enquanto eu me afastava, e antes que eu saísse
do quarto, disse:
— Nunca se esqueça, o maior pecado é não viver o que Deus deu
para nós.
— Obrigado. — Atormentado por seu conselho, o deixei, voltando
pelo corredor frio de antes.
Ao longe, vi minha mãe conversando com Mônica.
Aqueles minutos com o meu pai trouxeram um pouco de conforto,
como se sua mão pousasse na minha cabeça e me desse uma aprovação.
Nã o é p ossív e l c onv e nc e r um c re nte d e c oisa a lg um a , p ois sua s c re nç a s nã o se
ba se ia m e m e v id ê nc ia . Ba se ia m -se num a p rofund a ne c e ssid a d e d e a c re d ita r.
Ca rl Sa g a n.

Ter fé diante do medo é uma virtude. Duvidar, é ser humano, porque


o desconhecido nos torna vulneráveis, nos deixa receosos e,
consequentemente, duvidamos. A fé responde à necessidade de conforto em
confiar em algo que não está sob nosso controle, enquanto a ciência leva à
luz verdades cruéis. Por isso, há quem necessita acreditar em uma
entidade maior.
O que isso significava neste momento? Era nítido que Armando
estava incomodado, mas não me contaria. Sua mãe poderia me dar respostas
às perguntas que não tive coragem de fazer a ele.
Sentei-me ao seu lado, a confortando como se fosse familiar de um
paciente meu.
— Confie na medicina.
— Eu confio, senão não estaríamos aqui. — Ela sorria, calma,
escondendo o medo na expressão curiosa. — Armando não necessitava vir.
— É o pai dele, é normal se preocupar.
— Ele se preocupa demais — reclamou. — Por isso sofre tanto.
— Ele ama os seus tormentos — opinei. — Mesmo se não os tivesse,
caçaria para possuir algum.
— Ainda que ele tenha fé, o que torna tudo mais fácil.
Assenti, desejando não entrar nesse assunto. Não era uma ocasião
adequada.
— Você tem fé? — Fez a pergunta que eu temia. — Seu nome é
Mônica, não é?
— Sim. — Encarei-a. — Não tenho fé, acredito mais na ciência.
— E não é solitário acreditar que somos sozinhos? — A pergunta me
pegou de surpresa.
— É solitário sim, mas não escolhemos no que crer.
— É um sentimento também.
Sorri.
— Também não temos controle sobre as emoções.
— Vocês estavam juntos? — Foi direta.
— Como? — Arregalei os olhos, seu sorriso se engrandecendo.
— Armando chegou aqui preocupado, mas não pude deixar de notar a
camisa amarrotada e — deu de ombros —, bem, vocês apareceram juntos.
— Seu filho é um padre. — Como se isso fosse um argumento.
— Não estou perguntando o que ele é. Conheço o meu filho, sei que é
padre, mas não está morto. Quero saber se estava com ele.
— Somos amigos. — Esquivei-me outra vez, envergonhada. Um tanto
sem saída.
— Devo entender que é a amizade que também conforta? —
sugestionou, o desejo evidente que eu confirmasse.
— A batina é o conforto de Armando — neguei.
— Então por que são amigos? — Pegou minha mão. Encolhi-me
diante do toque inesperado. — Ele não precisa da batina, mas de uma amiga.
Vi a forma como se estranharam naquela noite.
— Eu o surpreendi.
— Armando parecia mais chocado do que surpreso — exclamou.
Ri da sua observação, admirada com a conversa íntima.
— Causo essa reação às vezes — admiti.
— Em um padre? — Riu.
— Ele também é humano.
— E também é um homem — enfatizou.
Fiquei em silêncio. Neste momento, talvez fosse melhor manter o que
tínhamos entre nós, por mais tentada que eu estivesse a contar para sua mãe.
— Por que Armando escolheu se tornar padre?
— Ele não contou?
— Deveria?
— Se não falou, quem sou eu para contar. — Acariciou minha mão,
dando leves tapinhas. — Você está bastante interessada nos motivos dele.
Elevei uma sobrancelha.
— E a senhora parece não concordar muito.
— Não queria ele como padre.
— Por quê?
— Nunca imaginei ser mãe de um padre. — Foi sincera. — Sempre
sonhei em ter muitos netos, dizia isso para ele — suspirou. — Mas Armando
não se importou. Agora, só de citar isso, ele parece temer.
— Crianças o assustam? — Sorri.
— Para uma pediatra deve ser estranho saber que alguém teme
crianças, mas para Armando, é algo que foge do que planejou. Eu ainda
insisti por um tempo, mas ele é irredutível.
— Teimoso?
— Muito teimoso. Quando coloca algo na cabeça, nem Deus é capaz
de tirar. Mas isso você já sabe, não é mesmo? — sugeriu outra vez.
— Somos apenas bons amigos.
— Bons amigos. — Me revirou só com o olhar. — Me desculpe a
intromissão. — Percebi que segurar minha mão não era só uma forma de
afeto. Ela não ia me deixar escapar. — Mas se são só isso, por que Armando
a trouxe?
Abri a boca, sem uma desculpa.
— Não sou bisbilhoteira, só estou perguntando porque foi repentino
estarem juntos tão tarde da noite. E não me diga que estava na igreja e
ofereceu carona para ele por pura bondade.
Sua colocação me fez rir. A risada se perdeu durante os segundos,
engolida pelo silêncio.
Levei o meu tempo, decidindo se cederia, como aquela mulher tanto
queria. Com o olhar voltado ao corredor, afastei minha mão das dela.
— O celibato é algo difícil de lidar — murmurei.
— Estamos falando de qualquer um ou do celibato do meu filho?
— Do seu filho.
— Meu filho... — Pareceu refletir. O suspiro de alívio me fez sorrir.
— Ele não me contará, não é?
— Não, muito provável que não.
— Ele não está decidido?
Encarei-a.
— Não.
— Ele nunca teve certeza.
— Não é o que parece.
Ela pareceu reconsiderar.
— Foi um período difícil quando escolheu se tornar padre. E, bem,
como disse, ele é teimoso.
Anuí, com cautela.
— Esse período difícil. — Tentei. Não era curiosidade para
atormentá-lo, só queria entender melhor o homem que estava comigo. E a
noção do que eu ansiava me surpreendeu. Eu deveria ter parado... ou ao
menos ter contado. Agora também tinha medo. — Como foi?
— Não me importo com o celibato ou religião. — Foi franca. —
Contanto que ele seja feliz, qualquer período difícil terá valido a pena. Não
posso dizer seus motivos, se ele quiser, irá se abrir com você. E se ele
estiver disposto a seguir ao seu lado... tenho certeza de que contará. Quem
sabe me dará netos também.
Sorri, sem realmente achar graça.
No fundo, me senti cruel.
Ivette me deu um voto de confiança tão grande ao falar de netos,
como se tivéssemos um relacionamento concreto. Teríamos? Não sabia como
seria o amanhã.
Talvez Cortona nos desse alguma resposta.
E eu também precisava dar o meu passo, confiar que nossos
sentimentos fossem maiores do que os nossos segredos.
— Está sendo muito precipitada. — Foi meu jeito de recusar.
— Eu sei, não se assuste comigo, é só uma mulher cansada de assistir
o filho como padre por dez anos, ciente de que ele não é feliz. Você é quase
como um milagre para mim. — O olhar era de fascínio.
Milagre? Um padre largar a batina por uma mulher?
— Compreendo — murmurei. — Pode me contar uma coisa?
— O quê?
— Convidei Armando para viajar comigo para Cortona — expliquei.
— Ele aceitou? — indagou, surpresa.
— Ainda não teve muito tempo para pensar no assunto. Mas, com a
situação de agora, você acha que uma viagem faria bem?
— É claro que uma viagem seria ótima!
— Por quê?
— Ele necessita de uma distração, ainda mais depois de saber sobre
você.
Concordei com a cabeça, tentando entender o que tinha a mais
naquela fala. Prestes a perguntar, Armando despontou no corredor, vindo em
nossa direção.
— Leve-o nessa viagem — Ivette disse antes de se levantar. — Faça
bem para o meu filho. — Se afastou. Segui-a. — Seu pai acordou?
Armando me encarou, envergonhado, e se voltou para a mãe.
— Sim, parece bem.
— Está bem sim, não precisava se preocupar tanto. Vocês — fitou-
me — podem ir para casa.
— Não, ficarei com a senhora. — Realmente, ele era teimoso. — Ou
ao menos venha para a minha casa.
— Irei para o hotel ao lado, já até reservei um quarto. Ele dormirá a
noite inteira, não precisaremos ficar.
Armando pareceu contrariado.
— Ivette tem razão — intervi. — Será desgastante para ambos
ficarem no hospital. Convivo com familiares que passam semanas em uma
sala de espera. Às vezes, o paciente sofre mais ao ver o cansaço do parente.
Ele me encarou, ainda relutante.
— Mônica está certa. — Sua mãe me apoiou.
— Então ao menos me deixe acompanhá-la até o hotel — cedeu um
pouco.
— Está bem. — Ela sorriu.
Acompanhei-os para fora e esperei no carro enquanto Armando se
despedia da mãe. Durante todo o caminho, ele me indagou com o olhar, até
que quando estávamos a sós, eu confirmei.
— Sua mãe... — disse assim que ele entrou no carro.
— Contou para ela? — acusou-me.
— Não, ela conhece o próprio filho. Descobriu assim que reparou
em como chegamos juntos.
— E você admitiu. — Exasperou, me censurando.
Sorri, dando partida, me divertindo com a sua angústia.
— O que disse a ela?
— Nada.
— Nada?
— Não precisei. Ela tirou as próprias conclusões.
— Ela não perguntou?
— Só se estávamos juntos, como disse, não contei. — Preferi omitir
a conversa mais profunda que tive com a sua mãe.
— Simples assim?
— Sua mãe só precisou ver. — Vi sua timidez pelo canto do olho.
— Ela me perguntará.
— Mentirá?
— O que espera que eu faça? — Franziu a testa.
— Mentir é pecado — debochei.
— Já somos pecadores — resmungou, sério.
— E o seu pai? Como está?
Ele hesitou, fitando a janela.
— Doente — sussurrou.
Não insisti no assunto. Pelo seu semblante, estava pesado em
demasia, não mexeria em suas feridas.
— Sabe que estou aqui se precisar conversar. — Ofereci apoio. —
Eu entendo.
— A morte ou a doença?
— A doença. Sobre a morte, acredito que a sua fé é mais
reconfortante do que a medicina.
— Obrigado.
Inconscientemente, sorri. Sem malícia ou maldade. Um sorriso por
estender a mão para ele.
— Está agradecendo o quê?
— Por tentar ser bondosa.
— Diz como se eu não pudesse ser... — E, no fundo, era verdade.
Evitava me ligar ou me apegar tanto aos momentos como as pessoas,
como se o distanciamento emocional me poupasse de sofrer diante da
fatalidade que era a vida.
Evitava. mas não com Armando.
— Pode ser, você apenas não gosta. — Deu um meio sorriso.
— Dormirei na sua casa.
— É um pedido?
— Não, sabe que não costumo pedir muito.
— Trabalhará amanhã pela manhã?
— Sim, por isso — dobrei a esquina, mudando de rumo —
passaremos na minha casa primeiro. Só tenho que pegar uma muda de roupa,
não ocuparei muito espaço no seu guarda-roupa.
Ele abaixou a cabeça, embaraçado pela ideia de dividir os espaços
tão pessoais. Não era a primeira vez que reparava nas suas reações quando
isso acontecia.
— E Cortona?
— A viagem que pediu antes? — Titubeou. — Não acho que seja o
melhor momento.
— Serão alguns dias. Fará bem.
— Para quem? — O tom de voz acusatório me calou.
— Para nós — respondi depois de um tempo, estacionando em frente
à minha casa. Deixei-o no carro e entrei, retornando minutos depois com uma
mochila.
— Quer ir por nós? — Ele retomou o assunto.
— Não acredita? — Fitei-o, zombeteira.
— No que eu deveria acreditar? — Era uma das suas muitas
perguntas.
Dirigindo para a sua casa, refleti sobre o que a viagem significava
para mim.
A diversão tinha se tornado algo mais. O que era esse algo mais?
Cortona era uma confirmação do que poderíamos ser. De nos tornar
mais sérios e esclarecer o que precisava. Não queria mais vê-lo
atormentado, nem com tanto medo de Deus ou do Diabo. Sem religião,
julgamentos ou receios entre nós. Somente os corpos e contato.
— Cortona significa o meu envolvimento — confessei,
surpreendendo-o.
— O que devo entender com isso?
Sorri, constrangida.
— Veremos como será. Na volta, poderei responder. — Encerrei o
assunto.
Ele encostou a cabeça no assento, ciente de que não arrancaria mais
nada de mim. Porém, talvez, ele já soubesse, só se negava a ver.
Assim que chegamos à sua casa, me peguei ansiando que essa fosse
uma das diversas noites que passaria ali. Sentei-me na cama, deixando os
sapatos em um canto.
— Se necessita de um tempo para pensar sobre nós... — Não
finalizei. Ele tirou a camisa, largando-a ao meu lado e parou na minha frente.
— Não, irei com você — afirmou, seu olhar decidido me fascinando.
Não contive o sorriso, o puxando para mim.
— Obrigada.
Ele se inclinou e encostou nossas testas.
— Quero beijar você — confessou com sofreguidão.
— Só estou esperando você tomar a iniciativa — provoquei-o.
Segurou o meu rosto, me beijando. A língua molhada invadiu a minha
boca, caçou a minha, dominou-a, ditando um ritmo ansioso com suas mãos,
que exploraram minha pele por debaixo da blusa.
Deitou-se sobre mim, a boca descendo para o meu pescoço, as suas
costas nuas contra minhas palmas e o seu peito exalando calor, me
esquentando.
Fugi tanto da emoção que era sentir sua necessidade, só para acabar
desejando também.
Estar enrolada nos lençóis com ele, pernas entrelaçadas, mãos por
todas as partes, lábios se unindo e respirações entrecortadas, poderia ser sua
descida para o inferno, como insinuava às vezes, mas, para mim, era uma
forma de ter alguma esperança por perto.
Armando era a fé que eu não tinha, enquanto eu era o pecado que
ele abraçou por completo.
Esta m os m uito long e d e c onhe c e r tud o o q ue a s nossa s p a ix õe s nos le v a m a
fa ze r.
Fra nç ois La Roc he fouc a uld .

— Está pensativo — Mônica cortou o silêncio que se instaurara


dentro do carro desde a nossa saída de Lucca.
Ir para Cortona com ela, algo até então impensável.
Estar ao lado de uma mulher.
Estava me questionando quais decisões me levaram até o momento, e
caso tivesse feito diferente, o que teria mudado.
Caso tivesse resistido mais.
Sido mais devoto.
Ou até refletido sobre os motivos que me levaram a escolher a batina
há dez anos. Deus poderia me olhar com bondade e não me punir? Poderia
não descontar no meu pai?
Seria tão ruim desejar que estar com Mônica não fosse errado?
Pensava sobre as possíveis consequências ao escolher tê-la, no entanto,
ainda acreditava em coincidências.
Coincidências.
Foi o que o olhar da minha mãe me disse quando ela pediu que eu
aceitasse a viagem com Mônica. Não precisei contar sobre nós, o silêncio
bastou.
Meu pai estava bem, logo retornariam para Pisa, ela disse.
Como dizer a Mônica que tinha mais medo que felicidade?
— Gosto do silêncio.
— Está bem com a sua consciência? — Um tanto irônica. Não
respondi. — Apenas quero saber se realmente está aqui comigo, ou se sua
mente está na batina que deixou em casa.
— Estou aqui, não é? — suspirei.
— Isso responde a minha pergunta.
— E tinha uma?
— Sempre há perguntas.
— Por que acredita nisso?
— Se não houvesse, ninguém buscaria as respostas em outras
pessoas. Assim, não existiria paixão. — Vi seu sorriso luxurioso pelo canto
do olho.
— Então houve uma pergunta!
— E você ainda possui algumas.
— Você poderia saná-las? Ou me deixará ansioso todos os dias?
Ela riu, balançando a cabeça.
— Pelo que você anseia?
— Por algo que me conforte pelas escolhas que fiz.
— Não seja tão precipitado. — Seu sorriso perdeu a força.
— Essa viagem é o que, senão uma confirmação?
— Apenas uma viagem. — Foi curta. — Já conversamos sobre isso.
— Disse...
— Tempo ao tempo — interrompeu-me.
— Temos tempo? Acredita nisso, mesmo com toda a sua descrença?
Apertou o volante, se contendo em responder de maneira errada.
Volvi a fitar a janela, a luz do nascer do sol incidindo pelos campos abertos
da região de Toscana.
— Por que escolheu um lugar em que eu já estive?
— Não gostaria de voltar a visitar? — respondeu com outra
pergunta.
— Nunca esteve em Cortona? — indaguei, surpreso. Ela negou, mais
calma. — Quis por ser parte das minhas lembranças ou por que achou
bonito?
— O que é belo para você?
Mirei a estrada à frente.
— Este lugar — sussurrei, meu coração se enganando por um átimo,
uma falsa tranquilidade ao ver os raios solares iluminando a paisagem e ter
Mônica ao meu lado. Essa sim, eu achava bela desde a primeira vez que a
vi. Que tipo de padre eu era se, antes mesmo de cair, já tinha se encantado?
— E você — confessei. Seus olhos ganharam brilho.
— Nunca me elogiou antes.
— Queria ser elogiada? — Encostei a cabeça no banco, sem perder a
mulher ao meu lado de vista.
— Esperava que admitisse que a estética também é importante. —
Maliciosa.
— Não é o mais importante.
— É o sentimento, é isso que dirá?
Não respondi de imediato.
— O que é o mais importante para você?
— Não sou frívola como disse — ela zombou e sorri.
— Não a acho mais.
Assentiu, satisfeita, ligando o rádio, a música baixa inundando o
carro.
— O que espera dessa viagem? Sei que já disse, mas busco
compreender mais. Sinto que ao mesmo tempo que eu avanço, você recua.
Ela respirou fundo, não pressionei que fosse rápida. Segundos
depois, sem retribuir o meu olhar, respondeu.
— Espero compreender o que busco em nós, consegue entender? —
suspirou. — Também quero certezas.
— Espero poder dá-las.
— Eu também. Não crio expectativas sobre ilusões, sabemos o que
podemos ou não — disse temerosa. — E o que ganharemos ou perderemos.
— O que você perderia? — Perscrutei seu rosto. — Ainda acho que
eu perco...
— Você sempre se torna a vítima — resmungou. — Não julgue as
perdas alheias. Todos perdem na mesma intensidade, cada pessoa sente de
uma maneira única.
— Não esperava ouvi-la falar de sentimentos assim.
— Você só espera malícia da minha parte. — Fitou-me pelo canto do
olho por um breve instante. — Gosto de surpreendê-lo.
A voz do GPS seguiu a de Mônica, avisando sobre o caminho a
seguir. Ela me olhou, um pouco perdida.
— Estamos na direção certa, só continue.
— Ainda se lembra do trajeto?
— É a casa dos meus avós. Quando criança, fiz esse caminho
diversas vezes, são boas recordações, e essas nunca se vão totalmente.
— E as ruins, consegue mandar embora?
— Você consegue? — perguntei, curioso.
Seus ombros se tencionaram, o incômodo claro. Com a intimidade,
conseguia notar expressões que antes passavam despercebidas.
— Ninguém consegue, por mais que tente.
— Por isso podemos ter uns aos outros — murmurei.
— É aqui? — Sua pergunta me fez olhar para frente. Vislumbrei uma
casa grande e antiga no final da estrada, o sorriso se formando naturalmente.
— É. É aqui.
— O que você busca aqui? — Foi sua vez de perguntar.
— Nós — murmurei ao nos aproximarmos.
Estacionou, mas não desceu.
— Nós?
— Não quero respostas sobre outras coisas. O resto, eu deixei com a
batina. Aqui, é sobre nós.
Ela sorriu e saiu do carro. Imitei-a, seus olhos admiravam a
paisagem ao redor, enquanto os meus a adoravam.
— Obrigada — murmurou, dando as costas.
— Pelo quê?
Mirou-me sobre o ombro, a alegria na feição.
— Por me escolher — disse sincera, implantando no meu coração um
sonho de que fôssemos certos. Que eu pudesse ter o conforto dos seus
braços, embora eu precisasse renunciar à batina.
"Um únic o insta nte d e a m or re a bre o é d e n fe c ha d o. "
Vic tor H ug o.

E se Lúcifer, na sua queda ao inferno, se apaixonasse pelo fogo,


seria então um inferno ou seu próprio Paraíso?
Observando Mônica parada diante da enorme porta de madeira da
casa, compreendi que me apaixonaria todas as vezes que a visse, e esperava
ser recíproco. Não o desejo por sexo, mas a necessidade da companhia, de
se conhecer no íntimo, por mais difícil que fosse, já que nem nós mesmos
sabíamos os nossos limites.
Ela teria o poder de me fazer esquecer por aqueles poucos dias?
Tornar a viagem um limbo para os meus medos?
Um paraíso para os meus desejos?
E um inferno para o meu celibato.
Seu sorriso genuíno varreu meus pensamentos.
— É bonito — comentou, examinando a grande sala da casa, as
janelas já abertas, com a brisa esvoaçando as cortinas e dando a claridade
para o assoalho de madeira escura. Móveis simples e antigos tornavam o
ambiente mais aconchegante.
Mônica caminhou até uma grande janela, que dava acesso à varanda.
— Faz quanto tempo que não vem para cá? — Pulou para fora, o
olhar se perdendo na vastidão dos campos.
— Quinze anos. — Aproximei-me, ainda do lado de dentro.
— Por que nunca mais veio?
— Não tive mais tempo. — Evitei pensar nos motivos.
— Notei um altar — murmurou. — Sua família sempre foi religiosa?
— Meus avós eram, inclusive cuidavam e auxiliavam na paróquia
local.
— Faleceram há quanto tempo?
Sorri, triste, fitando o assoalho, me lembrando das tardes quando
criança.
— Alguns anos atrás. Tive tempo de aproveitar minha infância com
eles.
— Sente saudade?
— Como não sentir?
Mônica virou a cabeça sobre o ombro, seu olhar carregado de um
sentimento que não consegui entender.
— Fiz você sentir saudade.
— É normal.
Perscrutou meu rosto.
— Não gosta desse sentimento, não é? — questionei.
— Não, saudade é... — suspirou, se aproximando. Adentrou,
passando por mim e indo até a prateleira acima da lareira. — Tem alguma
foto sua?
— Por que quer uma?
— Quero ver como você era quando criança. — Fitou-me, ansiosa.
— Aquela ali. — Apontei para o último porta-retratos. Ela o pegou,
analisando a fotografia.
— Que lindo! — Sorriu, se divertindo. — Gosta de crianças? —
Olhou-me com afinco.
— Não como você.
— Deduz por eu ser pediatra?
— Sim — resmunguei, incomodado.
Enfiei as mãos nos bolsos, desviando o olhar.
— Sua mãe me contou... — Não precisou completar.
— O quê? — Encarei-a.
— Que você tem pavor de crianças. — Riu. — Enquanto ela ainda
sonha com netos.
— Conversaram bastante sobre mim.
— Não, apenas sobre isso.
— É bastante.
— Por que não gosta?
— Por que eu deveria?
— Elas são ingênuas e inocentes.
— Apenas não penso sobre isso. — Não sustentei o contato visual.
Sentei-me no sofá. — Se gosta tanto, por que ainda não teve um filho? — A
pergunta escapou antes que eu controlasse, mas me neguei a ver sua
expressão.
Ela riu, cada vez mais perto.
— Desculpe-me. — Envergonhei-me.
Parou na minha frente, entre minhas pernas.
— Entendi sua pergunta — respondeu, direta. — Não tenho porque
não é o momento certo ainda. E, também, nunca tive alguém com quem eu
quisesse ter. — Suas palavras me fizeram erguer o olhar até ela.
— Está sendo maldosa.
Acariciou meu rosto com a mão direita, a ponta do indicador roçando
no meu queixo.
— Gosto de ver você assustado. — Alargou o sorriso.
— Não faça isso.
— Assustar você ou atiçar sua imaginação?
Engoli devagar, calado.
Ambos.
Só por imaginar, sentia um calafrio, e fingia não perceber o frio na
barriga.
— Não precisa responder. Vamos pegar as malas. — Sua mão se
afastou. Segurei-a pelo pulso.
— Não precisamos delas agora — disse, ansioso. Não era sexo o
que eu queria, apenas seu toque.
Puxei-a contra mim, ela se sentou no meu colo, as pernas em cada
lado do meu quadril.
— E o que você precisa? — perguntou, satisfeita.
Respirei fundo, saboreando o perfume dos seus cabelos, a sensação
de tê-la. Encostei nossas testas.
— Só... um momento assim.
Assentiu, retribuindo meu olhar por segundos, que pareceram horas,
até eu o cortar, depositando beijos em todo o seu rosto. Desci por seu
pescoço, seus dedos enroscados nos meus cabelos, chupei sua pele, a
vermelhidão se espalhando conforme eu trilhava um caminho até seu busto
exposto pela gola arredondada.
Beijei, rocei a ponta do meu nariz e repousei os lábios por um
instante no começo das curvas dos seios.
— Preciso disso.
— Precisa?
Assenti, voltei até sua clavícula e a lambi, seus olhos luxuriosos me
acompanhando.
— Dessa parte. — Cheguei até a curva do pescoço, minha língua
deixando um rastro de saliva. — Dessa — beijei abaixo da sua orelha —
aqui — sussurrei contra seu pescoço, mordiscando-o. — Aqui também. —
Sorri contra a epiderme arrepiada do começo do ombro, e retornei para a
curva dos seios. — Este lugar. — Espalhei beijos. — Meus preferidos. Cada
momento da sua respiração. — Seu diafragma subia e descia. — O arrepio.
— Ela se remexeu e a encarei, enfiando minha mão em seus cabelos pela
nuca. — Todo instante nosso.
— Os momentos são preciosos para você. — Arrastou a voz.
— Eles são eternos nas nossas lembranças.
— Viva-os primeiro, antes de querer memorizar cada detalhe.
Anuí, a compreensão em nosso olhar, a sensação de nos conectar sem
palavras.
Foram suas mãos que puxaram meu rosto e levaram meus lábios aos
seus, sua língua que buscou a minha, roçou a ponta, explorou minha boca,
deu tudo o que buscava, desde a respiração descompassada e os corpos
unidos, à necessidade crescente de mais, até os gemidos de tesão.
Deitei-a no sofá, ainda entre suas pernas, e aprofundei o beijo,
dominei sua língua, enroscando ambas, sorvendo sua saliva. Meu cacete
endureceu ao sentir o toque dos seus dedos no meu abdômen, puxando meu
suéter para cima.
— O preservativo ficou no carro? — Afastei um pouco o rosto, a
ponta dos narizes se tocando.
Ela sorriu, os lábios molhados, o inferno em seus olhos. Ela o
proferiu:
— Não precisamos hoje, quero sentir você por completo, pele com
pele. Até gozarmos juntos. — Era uma oferta tentadora, que fez meu coração
bater mais rápido, o arrepio crescer desde o meu pênis até a nuca. Tenso,
balancei a cabeça em negação. — O que foi? — Envolveu minhas orelhas
com as mãos.
— Acho melhor ir buscar.
— Por quê?
Fugi da sua avaliação.
— É arriscado. — Foi o máximo que consegui dizer. Ela agarrou
minha mão. — Mônica... — E beijou a palma aberta. O sorriso tranquilo,
mordeu meu dedo, sem desviar a atenção do meu rosto. Sua carícia, assim
como a intensidade que me encarava, me devastou, como se ela pudesse...
tocar na minha alma.
— Está com medo? — disse baixo, o deboche discreto.
Assenti, embaraçado.
— Olhe para mim — mandou. — Olhe! — Obedeci, preso na forma
como ela me contemplava, como ainda sustentava minha mão. — Confie.
Não estamos juntos neste momento? Ou não acredita em mim? Não irei
engravidar.
— Como teremos certeza?
— Não sou uma adolescente. — Riu, inclinando a cabeça. — Sei o
que faço, cuido do meu corpo e o conheço bem, além de tomar pílula. Você
tem muito medo.
Não tinha argumentos para refutar, e o que eu citasse poderia suscitar
sua curiosidade sobre meu gosto por crianças.
— Apenas sei que nem tudo é tão seguro. — Uma péssima desculpa,
que a fez aumentar o sorriso.
— Quer viver este momento intensamente? Ou prefere se apegar aos
medos? — inquiriu, as ideias certas para me derrotar.
— Diz como se não tivesse medo.
— Não tenho. — Sua outra mão acariciou minha bochecha. — Não
somos irresponsáveis, se estamos bem, saudáveis... — Calou-se, aguardando
a minha resposta.
Eu queria? Era tudo o que pensava, sentir pele com pele, um passo na
confiança, que poderia não ter mais volta.
No entanto, ainda tinha, quando Mônica estava debaixo do meu
corpo, me instigando e expondo anseios que finalmente eu aceitava?
— Confio. — Foi a forma como expressei que estava entregue.
Beijei sua mão, trilhando beijos pelo seu pulso.
Desvencilhou-a e agarrou a ponta do meu suéter.
— Tire-o — pediu, já arrancando sua blusa.
Ambos caíram no assoalho, ao lado do sofá, o sutiã impedindo o
contato direto, e me desfiz dele também, me fartando em seus seios
arrepiados. Chupei-os, lambi as aréolas, mamei com tanta fome por ela, que
não me bastou. Deixei todo o seu busto vermelho, massacrei seus ombros, as
mãos explorando suas costas, tirando sua calça.
De calcinha, as pernas envolvendo meu quadril, mirei-a.
Bochechas coradas, olhos inundados de volúpia, os cabelos
esparramados, o corpo lambuzado com minha saliva, marcas de mordidas. A
visão da mulher que reascendeu o desejo de homem dentro de mim.
"O Pa ra íso nã o é um lug a r, é um a d e c isã o. "
We sle y D'Am ic o.

Existe paz no inferno? No meu sim. Uma paz que não senti nem nos
meus dias castos. No entanto, ela não é consequência do tormento? Se não
o experimentássemos, não distinguiríamos a paz.
Como nos levantaríamos, sem estar no chão? Como desejaríamos a
bondade, se não houvesse maldade? Um não seria elevado se o outro não
caísse. Dependentes para existir.
Logo, se há perdão, não é porque deve existir o erro e o pecado?
Uma ilusão para me confortar por estar deitado em um sofá, em
Cortona, relaxado após o orgasmo, com uma mulher adormecida contra o
meu peito?
Uma que possuí com tanta gana, que implorei por sexo anal, e a tive
de várias maneiras, pele com pele. Pecado com pecado. Não eram só nossos
dedos e pernas entrelaçados, mas suores e êxtases. Entretanto, ainda não foi
o bastante.
Era um prazer sublime ter Mônica, gozar com ela, ouvir sua
respiração descompassada, sentir meu coração prestes a explodir.
Suspirei, voltando a adormecer, para acordar com a ausência do seu
calor.
Sentei-me, olhando ao redor.
— Mônica? — chamei-a, vestindo as roupas.
— Estou aqui — anunciou sua presença.
Sentada na varanda dos fundos, ela contemplava o vinhedo.
— Acordou faz tempo? — Sentei-me ao seu lado, curioso com a sua
feição insondável.
— O celular me despertou.
— Por que não me acordou? — Queria colocar meu braço sobre seu
ombro, mas me contive.
Ela abraçou as pernas flexionadas.
— Já teve momentos em que gostaria de estar sozinho? — perguntou.
Enruguei a testa, preocupado.
— Quer que eu a deixe sozinha?
— Não. — Sorriu, pegando a minha mão.
— É por causa de antes? — Ocultei meu receio.
— O sexo? — Olhou-me, surpresa. — Não, foi mais prazeroso e
íntimo do que eu poderia imaginar. Estava até começando a acreditar em
bondade... como se houvesse sim uma explicação para acontecimentos bons.
— O que aconteceu?
— Vicenzo me ligou. — Congelei ao seu lado, incapaz de falar. —
Uma das minhas pacientes prematuras acabou falecendo durante a manhã.
Outra que perdi.
— Por isso está assim — lamentei.
Assentiu, angustiada.
— Você deve estar se perguntando o porquê sofro, quando já passei
por isso antes, estudei por anos e vivenciei muitas mortes. — Não me deixou
responder. — Também gostaria de entender. Acredito que seja porque antes
não me apegava às pessoas. — Olhou-me de canto, com certa cautela. — Um
erro que evitei tanto cometer.
— Talvez seja nossa aproximação. Em contato comigo, se pergunta
mais sobre a morte do que antes — sugeri, afagando sua mão.
— Sugere que estou questionando minha própria descrença?
— E por que não? Todos podem se questionar.
— Não deveríamos ter esse assunto, não depois de um sexo tão bom
— cortou-me com um suspiro. — Só que, exatamente por isso, parece mais
angustiante. Uma notícia dessas proceder o deleite.
Dei o seu tempo, calado ao seu lado.
Mônica continuou a fitar ao longe por alguns minutos, puxei-a contra
o meu peito, a abraçando, imaginando a sua desolação. Mesmo atormentado,
me culpando e sofrendo, eu acreditava em algo, e isso confortava.
A fé, mesmo nos momentos mais obscuros, é capaz de nos erguer e
nos mover. No entanto, e se ela não existisse?
Compreendi a falta de sentido da vida e da morte para Mônica, que
até então ela não tinha questionado, por não ter proximidade com a fé.
Comigo ao seu lado, crente, e por ironia, padre, ela percebeu o vazio.
Eu a fiz enxergar sua completa descrença ao mostrar minha fé. Não
importava onde estávamos, se era em Cortona ou no paraíso, existia a
amargura das crenças.
Queria ajudá-la, dar paz, independentemente se o assunto me
incomodasse.
Beijei o topo da sua cabeça, contente com a sua entrega nos meus
braços. Apertei-a contra o meu peito.
— Qual é a sua angústia? — sussurrei contra os seus cabelos. — Me
conte, já ouvi vários descrentes e os medos mais...
— Não me compare aos seus devotos, Armando. — Meu nome soou
ríspido. Estava voltando a se fechar.
— Não estou.
— Cada descrença é diferente da outra, assim como nossa visão de
mundo — murmurou.
— Então me conte algo para que eu possa ajudar — supliquei.
Ela não respondeu de imediato, o silêncio mais pesado.
— Estaria sendo maldosa ao pedir sua ajuda — confessou.
Queria ver seu rosto, mas ter suas costas repousando contra o meu
peito também me satisfez.
— Não, gosto de ajudar as pessoas.
— Eu também, mas de forma diferente — disse, irônica.
— Estamos juntos aqui — enfatizei.
Suspirou, cedendo, mas só falou após minutos.
— Depois que Vicenzo me contou que a paciente, Giulia, faleceu,
pensei no seu Deus.
— Por qual motivo?
— Questionei o significado de tirar a vida de alguém tão novo e
inocente. Como desejar Sua existência se, para isso, necessita assumir que
Ele é o responsável por essa decisão? Seria maldade, não bondade.
— Você atribui à morte um peso de maldade, quando só precisa
aceitar como é, uma passagem para um plano maior.
— Sem viver antes? Então, por que a fez nascer? — Mais dura.
— Na fé, acreditamos que há motivos que apenas Deus conhece e
que, juntos a Ele, compreenderemos seus ensinamentos.
— Parece tirar as palavras da Bíblia — retrucou, indignada.
— Não as tiro, aprendi com elas. — Relutei em lembrar os motivos
que tive como ensinamento.
Buscando acalmar os fantasmas de Mônica, eu reencontrava os meus,
velhos e esquecidos por baixo da batina.
— Isso o conforta? — Não estava convencida.
— Sim.
Confortou-me quando fiz minha escolha e arquei com ela, e queria
que continuasse, ainda mais com meu pai no hospital.
— E se não houver Deus? — Tentou mascarar a aflição da voz, mas
seus olhos, ao me fitar sobre o ombro, a relevaram. Buscava uma resposta
que a contrariasse.
E eu a dei.
— Que provas temos que Ele não existiu? Como nós e o mundo
existiriam, sem um Criador? Viemos da evolução? Mas então, por que há a
religião por tanto tempo?
— Uma criação do homem.
— E de onde veio essa criação? — Rebati com a mesma certeza com
a qual ela fazia as perguntas.
— A Bíblia não foi escrita por Deus, muito menos por aquele que
chamam de Jesus. Foram homens buscando um povo que acreditava mais em
um deus do que no imperador. — Por mais convicção que tivesse ao dizer,
estava angustiada.
— Mas para isso, Jesus precisou existir. — Entrelacei nossos dedos.
— Não a julgo por não acreditar. Às vezes, as pessoas têm fé e creem por
necessitarem de algo que as mantêm fortes perante o sofrimento e o medo. A
fé sustenta e dá um norte — confessei uma parte minha.
— Para você, o que é?
Mirei ao longe, pego por sua pergunta.
— Ambos. Acredito em Deus, em seus ensinamentos. Esse foi o
motivo que lutei tanto por me envolver com você. — E porque no meu
caminho eu tinha escolhido a batina. Anos no seminário, me preparando,
além da devoção. Era muito tempo para abandonar sem temer. Sentia tanto
medo quanto o Diabo em seu julgamento, no entanto, não contaria. Nossos
demônios nos mantêm racionais quando não os enxergamos. Levá-los para
a luz é trazer a loucura. — Creio que nossa estada neste plano é para nos
redimir, buscarmos uma forma de subirmos aos Céus... mesmo que eu vá
para o inferno. — Ela riu, deixando passar. Calei-me, me contendo.
Mônica percebeu.
— O que quer me falar?
Respirei fundo.
— Você teme mais a ausência de Deus do que Sua existência.
Balançou a cabeça, cansada.
— Temo minha própria descrença.
— Por isso está sofrendo agora, não é? Está comigo e busca entender
os motivos do nosso envolvimento, o porquê da felicidade, se há a desgraça.
— Uma explicação do por que na bondade, há a maldade — disse
seca e fria.
— Se refere à morte? — Ela pareceu relutar. — Quer aceitá-la?
— Depois de estar com você. — Um vinco surgiu no meio das suas
sobrancelhas. — Quero desejar que exista algo bom, um motivo honesto. E
que mesmo diante da tragédia, eu encontre um significado que me reconforte
como você se sente. Você me faz desejar uma fé igual a sua.
— Me vê como exemplo?
— Não, só é solitário pensar que de um momento para outro,
deixamos de existir e o que vivemos foi em vão. Pó que se torna pó, sem
propósito. Essa é a minha descrença. — Apertou minha mão. — Não aceito
que nossos momentos sejam em vão.
— Eles não são — afirmei, perplexo. Virei seus ombros, frente a
frente.
— Me diga no que acreditar — murmurou. — Fale que não é errado
eu não dar a devida importância à sua fé, não me sentir culpada.
— Não posso — desabafei, sofrendo com sua luta. — Não posso
implantar uma fé em você, da qual não acredita.
— Por que é padre?
Ri diante da pergunta.
— Não percebeu que agora não sou? Aqui só sou um homem. E
talvez eu não seja mais padre nem no futuro. — Doeu confessar.
— Então, ao invés de você me levar para a fé, eu o tirei da sua.
— Não. — Fui firme. — Usar ou não a batina, não mudará minhas
crenças, pelo contrário. Quero seguir por um caminho que sempre eleve
minhas escolhas.
— A fé é crer sem provas? É acreditar em algo sem certezas?
— Diferente da ciência — concordei. — Isso a torna ainda mais
bela. Crer que há Deus, que Ele veio por nós. Acreditar que está acima,
como um Criador cuidando dos Seus filhos. Muitas vezes, as mortes e
tragédias são consequências do nosso livre-arbítrio. Deus não ordena, não
impõe Suas vontades. Ele dá escolhas, e precisamos arcar com as
consequências.
Mônica refletiu, vidrada em mim.
— Mesmo que recaia em outros?
— Não controlamos... — Engoli em seco, a angústia começando a me
afetar. Não queria pensar. — Os efeitos colaterais.
— Ele deu liberdade para a Sua Criação — ela murmurou.
— Assim ela pôde evoluir — complementei sua ideia.
Sorriu.
— Desejo que minhas consequências não estraguem o que temos —
suspirou e se calou.
Franzi a testa, sem entender.
— O que poderia estragar?
— Já fiz isso ao questionar nossas crenças, não poderia... Não... —
Ela tentou dar um basta no assunto, no entanto, a mantive no meu abraço.
— Apenas me diga — insisti. — Está buscando realmente acreditar?
— Sim. Diante da felicidade, não suporto a ausência de sentidos,
quero que exista um depois.
— Então acredite, seja na sua ciência ou em qualquer outra coisa. É
sua decisão ter fé. — E antes que ela negasse, puxei meu crucifixo do peito,
o tirei e o passei por sua cabeça.
Ela sorriu, sem graça.
— É um milagre um ateu desejar crer?
Ri, negando.
— É um milagre ele ansiar por isso.
— E se eu tiver fé. — A vulnerabilidade deu lugar à malícia. —
Serei muito pecadora por desvirtuar um padre?
— Não estou aqui obrigado, não carregue essa culpa sozinha.
Mônica voltou a ficar aflita.
— E se eu necessitar de provas para crer? Pois na morte... não vejo
o que você fala.
— A prova é você. — Toquei no seu rosto. — É cada pessoa que
vive, é o mundo. Se quiser prova, abra a Bíblia pelo menos uma vez e a leia
sem criticar ou com um olhar cético. A fé já é a prova, crer em algo que
nunca viu é um milagre.
Ela emudeceu, abaixou a cabeça e olhou para o crucifixo.
— Estamos aqui por um motivo, é o que diz.
— Isso pode confortar você.
— Torna os momentos mais belos e menos trágicos. — Olhou-me. —
E a culpa menos pesada.
— Qual é a sua culpa?
A pergunta perdurou.
Mônica se levantou, fingindo não escutar, no entanto, antes de entrar,
respondeu:
— Queria contar agora, mas não quero estragar nossa viagem. —
Tinha pesar na sua voz.
— Não irá. — Eu estava atônito.
— Outra hora, outro dia, por favor. — Ela nunca tinha pedido desse
modo.
— Tudo bem. Pelo menos eu a ajudei?
Levantei-me.
— Sim. Em meio à descrença, você me mostrou uma fé que posso
crer. — Hesitou. — Agora vamos desfazer as malas. — E entrou na casa.
Segui-a, ajudando a acomodar as nossas coisas no quarto, arejar
cada aposento, e durante a conversa e organização, notei uma leveza que
antes não tinha, como um vestígio de tranquilidade nela, talvez um pouco de
fé. Não questionei sobre o que queria me contar, dei o seu tempo, e ao
entardecer, depois de andarmos por uma trilha entre as vinhas, nos
acomodamos na cozinha.
— Beberá comigo? — Aproximou-se, segurando uma taça.
— Trouxe vinho? — Ao invés de pegar a taça, enlacei sua cintura,
mantendo Mônica rente a mim, e me escorei no balcão.
— Sim, está no armário. — Sorriu, envolvendo meu pescoço com os
braços. — Abra para mim?
— Me dê um beijo — murmurei, recebendo um casto.
Afastou-se, abriu um dos armários e pegou a garrafa de vinho.
— Aqui. — Estendeu em minha direção.
Usei o saca-rolhas, o estouro me fez dar um pulo, seguido do riso de
Mônica.
— Obrigada. — Parou ao meu lado.
Enchi sua taça, deixando o vinho sobre a bancada.
— O que fará? — Espiei as panelas sobre o fogão. Mônica
bebericou o vinho, deixando a taça em um canto e começou a cozinhar.
Sondei-a por alguns minutos.
— Algo rápido, não sou a melhor pessoa na cozinha. Amanhã você
fará o jantar.
Assenti.
Havia algo em seu olhar que não soube dizer, só estava lá por
aqueles minutos em que se dedicava às panelas. Talvez fosse a forma mais
espontânea, ou o sorriso sincero, ou a total ausência de cautela e deboche.
Prendeu os cabelos em um coque, as bochechas coradas, e por um
átimo me olhou, o que bastou para que eu a puxasse e a prendesse entre o
meu corpo e o balcão. Com a mão em sua cintura, senti suas curvas através
do vestido solto, e com a outra sustentei sua cabeça erguida.
— Você está feliz? — Queria ter certeza do que via.
Encostei nossas testas, sem a perder de vista.
— O que acha?
— Acho que você não quer dizer as palavras que eu já proferi. —
Acariciei o contorno da sua mandíbula, mantendo-a presa.
— O que você falou? — Roçou nossos corpos, a malícia à espreita.
Ela sabia.
— Diga — insisti, trincando o maxilar, firme na decisão.
Suspirou, as mãos pousaram nos meus ombros, inclinou a cabeça, e
como se o inferno subisse pelo meu corpo, me incinerando, um paraíso de
fogo, a verdade transpareceu em seus olhos, seguida das palavras.
— Estou apaixonada por você.
Se fossem oferecidos o céu ou perdão, ainda assim escolheria a
paixão de Mônica. Esse era o meu paraíso.
"Pa ra Ad ã o, o p a ra íso e ra ond e e sta v a Ev a . "
Ma rk Twa in.

Tanto a fé quanto a paixão não buscam provar, somente acreditar


em algo. Enquanto uma crê em um ser superior, a outra acredita no desejo.
E em meio a minha crença, eu estava apaixonado.
Ambas nos levavam ao extremo, e nesse limite, o sentimento se
tornava intenso. Como refreá-lo, quando, na decadência da minha devoção
pela batina, as palavras de Mônica se infiltravam na minha sanidade?
Os olhos diretos, o sorriso libertino e a taça roçando nos lábios. A
visão da mulher sentada à minha frente, à mesa, após o jantar, me fazia
desejar que o momento perdurasse para sempre.
Calados, meus tormentos não venciam a fascinação que eu sentia.
Não agora, depois aceitaria a dor.
— Você mal bebeu o vinho — murmurou, uma falsa mágoa.
— Está tentando me embriagar?
Ela riu.
— Já ficou bêbado?
— Quando muito jovem, sim.
— Não consigo imaginar. — Manteve o sorriso o tempo todo.
— E como me imagina?
Levantou-se, segurando a taça, e contornou a mesa até chegar ao meu
lado.
— No início, o vi como um homem casto, no entanto, era um padre
com dúvidas. Aí vi o homem — disse devagar. — E desse, eu vi a paixão
quando discutiu comigo. — Estendeu a mão. Segurei-a, entrelaçando os
dedos e me erguendo.
— Eu não deveria ter exigido.
— É um homem apaixonado.
Alcancei sua taça e bebi um longo gole de vinho.
— Mas com que direito, se não podia prometer nada em troca? —
Encarei-a. Ela também bebeu. — Não tínhamos certezas e...
— Ainda não temos. — Secou a taça e a depositou na mesa. Afastou-
se. — E não quero que me prometa nada. — Virou-se, próxima do sofá.
Ela não podia me pedir isso, quando já éramos um “nós”.
— Mas estamos aqui, isso tem um sentido a mais.
— A mais? — repetiu, receosa. Avancei até parar frente a frente com
ela, presenciando sua feição sem confiança. Era Mônica no íntimo. — Não
precisamos de mais, não agora — negou com veemência, tentando fugir em
vão. No instante seguinte, ela estava presa no meu abraço. — Armando... —
Vacilou.
Poderia culpar o vinho, o silêncio das minhas dúvidas, ou até mesmo
o Diabo.
Não, o culpado era eu.
Mesmo sem ter confiança, eu daria esse passo.
Como quem está à beira de um precipício, e medroso, ainda assim
salta.
Prendi seu queixo entre os dedos.
— Largarei a batina. — Proferi as palavras que me atormentaram
desde a nossa chegada. O silêncio pareceu traiçoeiro e Mônica arregalou os
olhos, assustada. Recuou, se desvencilhando do meu toque, e deu as costas,
às pressas, para a varanda. — Mônica... — Fui atrás dela.
— Não... — Estagnou, a cabeça voltada para o céu estrelado. Diante
das suas costas, ouvi o seu sussurro: — Por que agora?
— E por que não?
— Está sendo muito apressado.
— Não deseja? — inquiri, dando mais um passo. Inspirei o perfume
dos seus cabelos. — Não diga que depois de retornarmos para Lucca,
esquecerá de tudo. Quer que eu seja padre quando me vê apenas como um
homem?
— Não sabemos o dia de amanhã.
— Mas sabemos os desejos de hoje. — Ela se virou ao ouvir minha
resposta.
— E os seus tormentos?
— Deixei-os em Lucca, como você pediu. Quando retornarmos,
precisarei enfrentá-los — suspirei. — É o certo a se fazer.
— O certo é um ponto de vista que pode mudar conforme a situação.
— Não conseguiu esconder seu receio.
— Estou falando de agora, não de qualquer situação.
— Poderá se arrepender. — Afastou o olhar, a expressão insondável.
— E se...
— Largarei a batina. — Fui firme.
— Não. — Olhou-me com súplica.
— Não a culparei por isso. — Avancei até sua cintura, prendendo-a
entre as mãos. — Por que insistir que eu continue quando estamos assim?
— Assim como? — Fechou os olhos, permitindo o meu toque.
Envolvi-a em um abraço, virando-a de costas para mim.
— Está apaixonada — sussurrei contra o seu ouvido. Ela respirou
fundo. — Sei que sentimentos podem mudar e que as situações nos tornam
impulsivos. As emoções são mutáveis, talvez não seja a verdade, mas a
intensidade desse contato... me faz acreditar que amo você.
Voltou-se bruscamente contra mim, o verde profundo dos seus olhos,
os lábios entreabertos.
Percebi pela sua feição que ela se rendera.
— Não queria me apaixonar — sussurrou.
— Se arrepende de tudo?
Sorriu triste.
— Não. É tão confuso, não estava nos planos, mas ainda assim, estou
feliz.
Segurei o seu rosto.
— Me deixe... — Aproximei nossos lábios. — Amar você. —
Beijei-a. Nossas línguas se entrelaçaram, minhas mãos avançaram para suas
coxas, a ergui do chão e a carreguei para dentro. Cada peça de roupa
retirada pelo caminho da sala ao quarto, era mais do que tecido.
Despimo-nos da nossa consciência.
Adorei cada pedaço da pele de Mônica, beijei todas as suas curvas,
memorizei o atrito dos nossos corpos e me fascinei por cada gemido. Ela me
deu mais do que sonhei em possuir.
Abraçados na penumbra do quarto, os lençóis enrolados em nossas
pernas unidas, ela suspirou, a cabeça contra o meu peito.
— Você gosta do anal — murmurou, ainda ofegante. Afastei os
cabelos úmidos de suor da sua testa e a beijei.
— Acho impossível não gostar. — Repousei a cabeça no travesseiro.
— Qual a sensação para você?
— Do sexo anal?
— Sim. Uma vez você me perguntou, agora quero a sua resposta.
Ouvi seu riso, seu corpo estremecendo.
— É uma entrega — sussurrou. — Intimidade e confiança, não
apenas prazer... Está mais para cumplicidade.
— Quer isso?
— Cumplicidade? — Virou o rosto na minha direção. — Mas nós já
temos. — Sorriu, honesta. Apertei-a contra o meu corpo, a euforia vibrando
no meu peito.
— Temos — suspirei. — E podemos ter muitos momentos, amanhã...
— Não pense no amanhã. — Voltou a deitar, me incomodando com
sua insistência em fugir de planos futuros, e implantando curiosidade.
Assenti e fitei o teto.
— Não esperava que dissesse aquilo. — Sua voz cortou o silêncio.
— O quê?
— Que me ama. Você teme seus sentimentos, mas se entrega muito
rápido a eles.
— Não. — O riso escapou. — Só não consigo escondê-los por muito
tempo.
— Sempre foi assim?
— Não. — Rocei os dedos pelo seu ombro. — Só não sou mais
acostumado a sentir tantas emoções. — Fechei os olhos, lembranças amargas
invadindo minha mente. Espantei-as. — Você disse que está apaixonada.
— Sim.
— Pelo momento ou por nós?
— Teme que eu faça disso uma aventura?
— E não faria? — Suspendi a respiração.
— Não é uma aventura, queria que fosse, mas me deixei levar, assim
como você. — Antes que eu pudesse questionar algo, ela escapou dos meus
braços e se levantou. — Venha! — Puxou-me. — Vamos tomar um banho.
Não hesitei. Debaixo do chuveiro, me devotei ao seu corpo, amei
cada parte dela. Após um longo banho, nos sentamos em um colchonete com
almofadas e cobertas na varanda.
— Poderia durar mais dias — ela murmurou, sentada no meio das
minhas pernas, a cabeça contra o meu peito, mirando as estrelas.
— Podemos fazer durar.
— O vinhedo ainda é da sua família?
— Sim, arrendamos. Meu pai não quis se dedicar como meus avós
— resumi uma parte do passado.
— E você se tornou padre — murmurou, pensativa. — O que queria
ser antes de tomar essa decisão?
Sorri.
— Provavelmente escolheria outra faculdade.
— Por que escolheu ser padre? — Finalmente fez a pergunta. — Se
poderia...
— Às vezes, acontecem imprevistos — cortei o assunto. — E o seu
irmão?
— Mariano mora com a esposa na França. — Também se limitou. —
Preferiu se afastar há alguns anos. — Mexeu-se, incomodada.
— Não precisamos contar o que nos perturba... Agora. — Fui
honesto. — Podemos compartilhar aos poucos, não quero tornar o momento
desagradável.
— Não está sendo. — Olhou-me sobre o ombro, a sinceridade no
olhar.
— Queria isso quando fez o convite?
— Não pensei em como seria, meu único objetivo era ter você por
completo.
— Acha que está completa neste instante?
— Estou apaixonada — disse, enérgica. — Não costumo assumir os
sentimentos, mas você me fez sentir que eu poderia. — Sem traço de malícia
ou deboche.
Abracei-a com força.
Esse momento era o meu paraíso.
"O a m or nã o busc a a g ra d a r a si m e sm o ne m d e stina q ua lq ue r c uid a d o a si
p róp rio. Ma s se d á fa c ilm e nte a o outro, e c onstrói um p a ra íso no d e se sp e ro d o
infe rno. ”
Willia m Bla k e .

— Às vezes tenho medo de saber o que se passa na sua cabeça


quando fica em silêncio assim. — A voz de Mônica me acordou do
devaneio.
Fitei o céu límpido, caminhando ao seu lado pelo campo esverdeado.
— Sua mente é mais maliciosa do que a minha. — Entrelacei nossos
dedos.
— E talvez, por isso, possa ser mais ingênua por acreditar na própria
malícia e não ver o que está ao redor — respondeu direta, o sorriso
aumentando sua petulância. — Somos dois anjos puros?
— Passou a acreditar em anjos?
— Passei a acreditar em você. E, talvez, mais na sua crença do que
na minha descrença.
— Eu deveria me sentir feliz por isso.
— Apenas por isso? — insinuou. Puxei sua mão e a beijei, parando
no meio do caminho.
Mônica se prostrou na minha frente, os cabelos escuros ao vento, os
olhos tão brilhantes e claros. Hipnotizado, ficaria admirando-a por anos.
— Você é linda — sussurrei.
Ela sorriu, sem resposta.
— Fique feliz por mais coisas — murmurou.
— O que sugere? — Ela me puxou, me guiando pela trilha entre as
vinhas. Caminhamos por minutos até retornarmos à casa e, durante a tarde
visitando os lugares, ela se mostrou mais espontânea, mais alegre.
Até o entardecer quando, após sair do banho, a vi sentada na
varanda, admirando o pôr do sol.
Sentei-me ao seu lado, envolvendo os seus ombros com um braço e
aproximando a boca do seu ouvido.
— Está quieta outra vez — disse baixo.
— Você se incomoda com os meus silêncios? — Não se afastou.
— Tenho medo dos seus pensamentos.
— Não é melhor temer minhas ações?
— Mas são os pensamentos que as criam.
— E de quais ações tem medo? — Virou o rosto, rente ao meu.
— Não me respondeu sobre a decisão que tomei ontem — expliquei.
Ela fechou os olhos, meneando a cabeça. O longo suspiro que deu
expôs seu cansaço, e por uma fração de segundo, vislumbrei a preocupação.
— O que espera que eu diga? — Encarou-me.
— Que estará ao meu lado? — Arqueei as sobrancelhas, o desespero
em abandonar a batina para então ser deixado por Mônica.
O que mais doeria?
Morreria cheio de arrependimentos?
Não, não sei. Suspirei, observando o lusco-fusco.
Talvez tudo esteja errado, e eu só continue falhando mais e mais.
Talvez seja o caminho certo.
Não há confirmação, nenhum sinal.
Sua cabeça pousou no meu ombro.
— Não sou tão maldosa a ponto de abandonar você.
— Não é sobre maldade ou bondade, apenas decisões.
— Você — enfatizou — tem uma decisão a tomar. — Deixou claro
que não faria parte da escolha, não carregaria esse peso comigo.
— Só me diga que teremos mais momentos assim — murmurei,
incapaz de olhá-la.
O crepúsculo começava a criar sombras.
— Eu quero estar assim com você, principalmente por estar
apaixonada. No entanto, também é por isso que podemos fazer coisas por
impulso.
— Eu sei. Pediu que não trouxéssemos nossos problemas para cá,
mas preciso de algumas certezas, e hoje está difícil não pensar. Depois de
entender... — Não finalizei.
— De entender o que sente? — concluiu.
— Você pede tempo, mas... — Fitei-a pelo canto do olho. Mônica
retribuiu, atenta. — Como será? Um relacionamento no escuro enquanto eu
me sinto hipócrita usando a batina? Amo uma mulher — abaixei a voz —,
não posso pregar outra coisa.
— Desse modo eu pareço uma pessoa má.
— Má por me fazer amar você?
Ela sorriu, ergueu a mão e tocou na minha barba por fazer, roçando
as pontas dos dedos.
— Você fica bem de barba.
— Está fugindo do assunto. — Segurei sua mão, mas não a afastei. —
Eu tenho mais a perder do que você, e mesmo assim, estou disposto a me
arriscar.
— Se for essa a sua escolha, não a faça por mim. — Puxou a mão,
unindo à outra. Desviou o olhar para elas, o sorriso de canto, enigmático. —
Por mais descaso que fiz sobre isso, ainda assim — suspirou. — Agora me
preocupo. Não quero que troque a batina por algo que possa acabar. Não
porque não desejo você, mas porque sei o quanto isso pode custar.
— Ficará feliz se retornar ao celibato? — A raiva transpareceu na
voz.
Não consegui me controlar, me levantei.
— Armando...
Dei as costas, passei uma mão no cabelo, sem rumo.
Prestes a entrar na casa, ela segurou o meu braço, já de pé atrás de
mim.
— Me sinto sozinho — murmurei. — Nessa grande queda. —
Permaneci de costas. — Só me deixe quieto, às vezes é bom.
— Não desse modo, está irritado.
— Não deveria... — Olhei-a sobre o ombro. — Estou. Quero que
compreenda o meu pedido, que seja clara, mas você se esconde nas
palavras, como se sentisse mais medo do que eu, ou soubesse... mais. É
difícil escolher entre minha paixão e a minha devoção — desabafei, meus
olhos ardendo, lutando para não lacrimejar. — Me sinto sozinho nesse caos
interno. — O nó na garganta ardeu.
— Não está.
— Sim, estou. Você mesma disse que é somente minha decisão.
— Quer que eu peça que abandone a batina? É isso? — Dura,
imponente.
— Quero que me diga o que sente sobre isso. — Voltei-me contra
ela, jogando as palavras.
— Para quê? Dividir a culpa para usá-la, se nosso relacionamento
fracassar? — Vi remorso em sua feição segundos após dizer.
— É isso o que pensa?
— Não. — Recuou um passo. — É do que sinto medo.
— Que eu deixe de ser padre e nós acabemos?
— Somos humanos, sujeitos a falhas.
— Estou disposto a me arriscar, e você?
— Eu... — Desviou o olhar. — Não posso.
Sorri com escárnio e dei as costas.
— Ótimo — rosnei.
— Armando... — Avançou contra mim, cortou a distância e agarrou o
meu braço. — Pare!
Travei, cabisbaixo, o meu corpo ruindo, o tremor perpassando o meu
peito.
Apertei as mãos, o suor frio acompanhado da angústia.
— Não sei o que faço aqui — confessei.
— Quer ir embora?
— Não, mas como ficar se esses momentos podem se transformar em
tormentos futuros? Em lembranças de uma paixão que não foi recíproca?
— Disse o que eu sinto.
— Emoções são mutáveis e os sentimentos, às vezes, não são fortes
suficientes para motivarem escolhas. Estou disposto a enfrentar meus
demônios, mas se você não está...
— Quer ouvir que estou feliz por você me escolher? Eu estou!
— Você é objetiva, enquanto eu me apego aos detalhes.
— Eles são tão importantes para você? Então me deixe contar... —
Pressionou o meu braço.
Virei a cabeça, mirando-a. Seus olhos tão aflitos como os meus.
— O quê?
Soltou-me, o corpo tenso, os passos nos distanciando.
— O que não consegue contar? — insisti.
— Estamos estragando tudo.
— Não, estamos sendo honestos. Fugirá outra vez?
— Não faço...
— Faz quando não me responde.
— Quero, Armando — declarou convicta. — Se quer a minha
confissão, eu a dou. Estou feliz por me escolher, mesmo que isso o
machuque. — Hesitou, o vinco surgindo entre as sobrancelhas, as mãos
unidas, apertadas. — Sou egoísta a ponto de desejar você mais do que me
preocupar com seus problemas, a pensar mais no meu estado mental ao
aceitar as suas crenças do que me importar com o que significa para você,
assim como não quero contar o que me preocupa porque eu — enfatizou —
não quero perder essa felicidade, mesmo sabendo que isso pode ser um
inferno para você. — Deu um passo na minha direção.
— Isso não é egoísmo.
— É sim, quando me apaixonei por um padre e não vi pecado na
relação, só porque não me machuca e nem fere meus princípios, preferindo
ocultar os questionamentos para que não veja a loucura que é.
— Mas...
— Não senti remorso quando falou que iria abandonar a batina. Só
de ouvir que me ama, foi o suficiente para nada mais importar. — Mais
perto. — É isso o que quer? Eu digo, com sinceridade. — Alcançou o meu
rosto, o toque suave na minha barba. — Não quero que vá embora, nem que
volte para a batina, muito menos que deixe de me amar. Os sentimentos são
mutáveis? Sou egoísta o suficiente para desejar que os seus não mudem,
independentemente se isso machuque você. — Sua honestidade me abalou.
— Preciso acreditar em algo em meio às minhas descrenças e você me deu
esses segundos de fé, em que desejo que não seja passageiro, que tenha
algum sentido. Que a vida ganhe um sentido para que nós — respirou fundo
— sejamos preciosos.
— O amor é um sentimento egoísta.
— Assim como a vaidade. Me sinto especial por me escolher, ao
invés do celibato. Então... Não quero estragar mais, não agora, talvez
amanhã ou depois. Quero ser sincera, mas, hoje, não aguentarei ver você
pegar as malas e me deixar, pois sei que isso aconteceria.
— Eu não partiria.
— Sim, você iria.
Suspirei.
Como me manter firme diante dos seus olhos marejados? Do verde
incandescente banhado de lágrimas? Ou da voz sôfrega pedindo por mim?
Nunca tive forças perante uma Mônica forte. No entanto, a vulnerável
me tinha dentro das mãos.
— Leve o seu tempo, mas me conte quando estiver preparada. —
Assentiu. — Também não estou pronto para expor tudo, seria hipocrisia
cobrar. Venha cá. — Liquidei o espaço entre nós.
Necessitava abraçá-la, e o fiz, apertando-a entre os meus braços,
beijando os seus cabelos, o seu rosto, os lábios, avançando para o pescoço.
Mônica retribuiu minha urgência, as mãos explorando o meu corpo, me
acalmando, confessando o anseio sem palavras.
— Obrigada — sussurrou contra a pele abaixo do meu ouvido. —
Por me fazer me sentir assim... Mesmo que seja estranho.
Segurei o seu rosto entre as mãos, contemplando-a.
— É estranho para nós, mas estamos juntos. Obrigado por confessar.
— Precisava de certezas.
— E você as deu.
Anuiu, sem desviar o olhar.
— Me envolvi mais. — Pareceu relutante.
— Não está feliz?
— Estou. — Sorriu. — É isso o que as emoções fazem: nos
entregam.
— É — sussurrei, a beijando. Trilhei beijos por suas bochechas. —
É isso. — Espalhei beijos por sua pele, segurando-a em meus braços e nos
levando para a varanda.
A noite se tornou romântica, regada com vinho e muitos toques.
Mônica se entregou por completo e acabou com meus medos ao não mudar o
seu comportamento quando chegamos a Lucca.
A batina ficou dentro do guarda-roupa, enquanto a mulher que roubou
meu coração permaneceu na minha cama.
"A fé nã o é a lg o p a ra se e nte nd e r, é um e sta d o p a ra se tra nsform a r. "
Ma ha tm a Ga nd hi.

A Mônica de antes jamais buscaria algum tipo de crença. A de agora,


necessitava encontrar a fé, por não suportar a ausência de sentido que a
paixão poderia ter sem ela.
Mais do que isso, eu estava com medo. Para quem orar? Para quem
pedir ajuda?
A conversa que precisava ter com Armando me assombrava. No
início, pensara em contar quando o encontrei em Lucca. No entanto, ainda
existia a mágoa dentro de mim naquela época, o que me levou a aventura, a
zombaria, a cada noite e dia rondando aquele homem.
Até perceber que já estava apaixonada.
Como escolher o momento certo? Ele iria compreender?
Ou me acusaria?
Eu era parcialmente culpada por ele desistir de ser padre, como
contar que algumas coisas foram construídas sobre mentiras? Como pedir, se
o que eu ofereceria era uma verdade dolorosa? Fora um dos motivos que me
fez relutar, até saber o quanto ele se sentia sozinho.
— Seu café esfriou. — A voz de Vicenzo me trouxe à realidade.
Sentou-se no banco ao meu lado, no restaurante do hospital. Mexi a
colher, me lembrando da noite na casa de Armando.
— Não preciso beber.
— Está sem almoçar e quase sem jantar, um café cairia bem. — Sua
mão pousou no meu ombro. Tirei-a sem delicadeza. — Desculpe-me, achei
que...
— O sexo casual que tivemos não dá direito a você me tocar.
— Define como sexo casual o que tivemos? — Surpreendeu-se.
— E não é?
— Pensei que fosse algo mais. Acreditei que voltaríamos ao que
éramos.
— Não estamos mais na faculdade.
— Por isso mesmo — disse, contrariado. — Imaginei que você
quisesse...
— Só por causa do sexo?
— Éramos namorados, é natural pensar. — Levantei-me,
silenciando-o. No entanto, fui seguida. — Ei! — Agarrou meu braço, me
volvendo contra ele.
— Não somos assim. Eu não sou assim. Você me conhece, não
deveria esperar declarações ou envolvimento. Não espere que eu seja uma
mulher emotiva ou apegada. — Exceto que Armando me fazia crer no
contrário.
Seu silêncio evidenciou sua amargura.
— Por que voltou?
— Passei na residência.
— Em Lucca?
Sorri, irônica.
— Você não foi o motivo, nem sabia que estaria aqui. Não se iluda.
Este é o melhor hospital para a minha área. — Desvencilhei meu braço do
seu toque.
Ele rosnou, furioso, e me agarrou outra vez, me arrastando para um
canto.
— Eu acabei um noivado por você! — rosnou, impondo força na mão
e me machucando. — Tem noção da porra que eu fiz?!
— Me solte! — Impus-me, puxando meu braço e o empurrei. — Fui
clara com você quando considerou acabar o noivado. Avisei para não fazer,
porque éramos só sexo. Nunca escondi.
— Mas... — Ele hesitou, aturdido. — Transamos tantas vezes, que
poderíamos ser namorados.
— Eu nunca disse isso.
— Seus atos falaram por si só.
— Não! — Ergui a voz. — Não retornaremos às nossas brigas por
motivos tão infantis como esses. Você esperou demais, e eu não tinha nada a
dar.
— Simples assim?
— Relacionamentos não são simples, porque não envolvem apenas
sentimentos, mas se quer resumir dessa forma, sim. Para mim, foi só
diversão.
— Não sentiu nada? — perguntou, desolado. — Todos os anos de
namoro não a fizeram sentir nada no sexo atual?
— Não houve amor, tampouco paixão. Sexo e orgasmo não definem
sentimentos para mim. — Exceto que sentia tudo com Armando.
Encarou-me com asco.
— Você continua sendo a mesma — acusou-me.
Neguei, firme.
— Não sentir algo por você não significa que eu seja fria. É triste, eu
sei, mas, às vezes, o amor acaba e não retorna. Foram anos longe de você e
não me apaixonei tanto quanto você. Nós dois sabíamos. Você amava, eu
tentava.
— Sempre impôs uma barreira.
— Nunca o amei. Sexo é só sexo.
— E mesmo assim deixou que eu terminasse meu noivado.
Recuei.
— Sinto muito pelo seu noivado, só que não foi uma decisão minha,
nunca pedi por isso. Você foi precipitado.
— Está com outros também?
— Sim, há outro homem.
— E ele?
— O que tem?
— Também é casual?
Balancei a cabeça, o sorriso de indignação.
— Se for casual ou não, não é da sua conta. Somos só colegas de
profissão, não insista. — Ameacei me afastar, ele se colocou no caminho.
— Me diga!
— O quê?
— Esse outro... Sente algo por ele?
— Se eu dissesse que não, seria só para confortar a sua ideia de que
continuo sem me envolver. — Hesitei. — Não me preocupo com isso, então
sim, sinto algo por esse homem, pode ser paixão ou amor. — Ele meneou a
cabeça. — Espero que encontre alguém que se apaixone dessa forma por
você.
Dei as costas, ciente do seu olhar me acompanhando. Desci para o
andar em que o pai de Armando estava e encontrei sua mãe na sala de
espera, acompanhada pelo padre.
Ele veio ao meu encontro e me abraçou sem pudor algum. Com a
cabeça sobre seu ombro, notei a curiosidade de Ivette.
— Como está o seu pai?
— Bem. — Foi sucinto, se afastando e me levando até a sala.
— Olá. — Estendi a mão para Ivette, que me cumprimentou.
— Olá, Mônica. Trabalhou o dia inteiro?
— Sim. — Seus olhos resvalaram para o crucifixo no meu peito,
sobre a blusa à mostra pelo jaleco. — Estou um pouco cansada, mas já é
costume. — E você, como está? — Sentei-me ao seu lado, Armando se
manteve de pé.
— Estou bem, um pouco preocupada, os médicos ainda não disseram
muito.
— Ele melhorará. — Tentei ser otimista, ela sorriu.
Seus olhos revelaram outra coisa, o incômodo explícito.
— Armando, pode pegar um café para mim? — pedi.
— Algo mais? — Ele estranhou.
— Não, só isso.
Relutante, nos olhou antes de dar as costas e se afastar.
— Ele não está bem, não é? — inquiri.
Ivette suspirou e assentiu, o sorriso triste.
— Não quero dar essa notícia para Armando.
— Mas ele precisa saber.
— Não — murmurou. — Como posso — fitou-me —, se ele largará
a batina? — Abri a boca, sem palavras. — Ele contou para mim — explicou.
Calada, não consegui sustentar o olhar.
— Não se sinta constrangida. Armando precisava contar, disse que a
viagem fez muito bem, que se apaixonou. — Pausou. — Estou tão feliz por
isso, se chegou a esse ponto, é porque ele ama você.
Concordei muda.
Meus olhos voltaram para Armando no final do corredor, vindo em
nossa direção.
— Posso esperar netos? — Ela riu, a voz ainda trêmula.
— Acho que não agora. — Fiquei mais envergonhada.
— Não dê atenção para o que o meu filho diz sobre crianças. Eu
serei uma avó feliz.
Encarei-a.
— Talvez um dia. — Levantei-me. — Posso pedir um favor?
— Claro.
— Quero visitar o seu marido, ver como ele está, só não conte para
Armando.
— Mas...
— Por favor, qual é o quarto?
— É o 402 — disse rápido.
Armando entrou na sala, segurando meu copo de café. Peguei-o.
— Obrigada, precisarei verificar um paciente e já retorno — avisei e
me afastei, sem esperar mais perguntas. Avancei pelo corredor, bebi o café
durante o trajeto e joguei o copo em uma lixeira.
Necessitava saber do estado do seu pai para entender como confortar
Armando.
Abri a porta.
Ele dormia tranquilo e não acordou quando entrei e me aproximei da
cama. Peguei a prancheta e, por alguns minutos, li sobre o paciente.
Às vezes, é melhor não saber.
— Poderia ter perguntado. — A voz de Armando me assustou.
Parado na porta, me encarava.
— Só queria...
— Tudo bem. Ele está melhor? — A esperança no seu semblante
indicou que Ivette não contara a verdade.
— Sim. — Que direito eu tinha de contar?
O melanoma estava por todo o corpo, e se tornou metástase cerebral.
— Venha, antes que ele acorde. — Estendeu a mão na minha direção.
Larguei a prancheta e fui até ele, saindo do quarto.
— Minha mãe perguntou se quer jantar conosco.
— E aonde iríamos?
— Na minha casa. — Antes que eu me preparasse, sua mão enlaçou a
minha, entrelaçando nossos dedos.
Meu coração vacilou.
— Aceito. — Sorri.
Faria Armando feliz por todo o tempo antes que a morte e o luto
tomassem conta. Estaria ao seu lado.
Aq uilo q ue se fa z p or a m or e stá se m p re a lé m d o be m e d o m a l.
Frie d ric h Nie tzsc he .

Queria que o meu envolvimento com Mônica não fosse errado e que
não afetasse tudo aquilo em que eu acreditava. Que não respingasse em meu
pai, nem na minha fé.
Deus era bondoso, não era?
Agarrei-me nessa crença, tentando silenciar os receios no meu peito,
mesmo que esses se tornassem tormentos na minha mente na primeira
oportunidade.
Mereço ser julgado por minha escolha?
— Como escolheu pediatria? — Minha mãe, cozinhando, me acordou
dos pensamentos.
Ajeitei-me na cadeira da cozinha, próximo de Mônica.
— Sempre gostei de crianças, de ajudar pessoas. E de alguma forma,
salvá-las — ela respondeu, me fitando.
— Algumas nem sempre podem ser salvas — minha mãe respondeu,
picando alguns vegetais.
— É, eu sei — murmurou.
— Mas assim como morrem, elas também nascem. — A indireta foi
para mim.
Ri, constrangido.
— Mãe, não precisa dar tantas indiretas.
— Eu entendo a vontade da sua mãe de querer netos — Mônica
interveio. — Ainda mais quando havia perdido as esperanças, não é?
Minha mãe a olhou por cima do ombro, o sorriso estampado no rosto.
— Tinha perdido quando Armando se tornou padre. Como não voltar
a sentir agora?
— Estamos nos conhecendo — argumentei.
— Quem sabe um dia. — Mônica alargou o sorriso. Encolhi-me na
cadeira, mortificado. — Não estou dizendo que teremos. — Suavizou.
— Nem brinque com isso. — Desviei o olhar. — E como está o pai?
— Voltei-me para a minha mãe. — Receberá alta?
— Os médicos disseram que em breve. — Foi sucinta, me
incomodando.
Essa perturbação durou todo o jantar, o silêncio estranho da minha
mãe, os olhares receosos de Mônica.
Afastei o prato, já sem aguentar.
— O que tem o pai? — Fui direto.
Minha mãe ficou sem reação.
— Armando... — Mônica tentou ajudar.
— Não, eu preciso saber.
Ela suspirou, olhou para a médica ao meu lado e balançou a cabeça.
Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Não precisamos conversar sobre isso agora.
— Sim, precisamos — disse impassível.
— Armando. — Ela apoiou o cotovelo na mesa e a testa contra a
mão. — Sempre soubemos que poderia voltar. Sabíamos — lamentou. —
Nos agarramos às esperanças.
Mônica pegou minha mão sobre a mesa, apertou-a, como se quisesse
me confortar.
— O câncer dele está pior, não é? — perguntou no meu lugar.
— Sim — minha mãe suspirou em meio às lágrimas. — Melanoma.
A primeira vez foi descoberto no primeiro estágio, há doze anos. Tratou por
dois anos e melhorou.
— Sinto muito.
Ela sentia, eu me torturava.
Era um castigo? Foram minhas escolhas que resultaram no retorno?
— Não houve mais sinais? — Mônica continuou.
— Não agora. Notamos tarde demais.
Encarei-a, desolado, meus olhos cheios de lágrimas.
— O quanto está mal? — sussurrei.
— Os médicos disseram — mais lágrimas — que é metástase
cerebral. Desculpe-me, Armando, eu não sabia como contar.
— Nunca é fácil. — A mulher ao meu lado suspirou.
— Ele morrerá? — O nó na minha garganta ardeu, latejou e se
irradiou como um sufocamento para o meu peito.
— Talvez um milagre outra vez — falou, tímida. E emendou diante
do meu desespero estampado: — Não é sua culpa.
Não tive condições de continuar na mesa.
Levantei-me abruptamente, devastado pela noção de que meu
milagre... Minha culpa...
— Armando — Mônica me chamou, me seguindo.
Subi as escadas a passos largos.
— Quero ficar quieto — pedi.
— Não, não ficará em silêncio desta vez. Eu entendi o que sua mãe
disse! — Exasperou, me acompanhando até o quarto.
Adentrei, vendo-a parada na porta.
— Do que está falando?
— Suas escolhas.
— Minhas escolhas?
— O milagre. — Hesitou. — Sua batina foi o milagre?
Abri a boca, angustiado por pensar na situação.
— É meu milagre, mas também me trouxe tormentos — sussurrei. —
Só, por favor, não... — Dei as costas, a dor tão grande no meu peito, o
desespero me transtornando. Senti-me sem rumo, sem chão, sem controle
sobre meu corpo.
Ruí, me sentando na cama.
— Talvez o seu milagre tenha sido a medicina.
— Milagres são impossíveis para uma descrente. — Não consegui
refrear as palavras.
— Estou mais crente do que jamais estive, porque também preciso
— contradisse-me, se aproximando.
— Não...
Antes que eu pudesse escapar, Mônica parou na minha frente e se
agachou, segurando minhas mãos.
— Olhe para mim. — Obedeci, o sofrimento me sufocando. — Estou
tentando acreditar que nossas vidas são milagres — sussurrou. — E que
Deus é mais bondoso do que a maldade deste mundo. — Não respondi. —
Não precisa me dizer qual foi o seu milagre, porque compreendi, mas
entenda que somos humanos. — Apertou minhas mãos. — E talvez a
medicina também tenha feito a sua parte.
As lágrimas escorreram por minha face enquanto fitava o rosto
apreensivo de Mônica.
— Você confia mais na medicina — balbuciei.
— Confio mais em fatos. Talvez Deus tenha intercedido, talvez agora
Ele também possa, mas não se culpe por algo que é natural. — Sorriu,
amarga. — Como você já me disse. Não pense que é por estar largando a
batina, que Deus retiraria o milagre. Não é sua culpa. — Enfatizou: — Não é
nossa culpa.
Curvou-se, se ajoelhando, e beijou minhas mãos.
Abalado pela visão da sua cabeça abaixada, do contato físico, da
torrente de dor dentro de mim, não conseguia não jogar esse peso.
E não conseguia calar minha aflição.
— E se for... — lamuriei.
— Amar não é maldade. — Ergueu o rosto. — Escolher também não
é. Se confia tanto em Deus, não o julgue como um juiz irredutível, mas como
um Pai que olha com bondade para o filho, vendo o seu sofrimento e o
quanto as suas escolhas cobram um preço alto em sua consciência. — Sua
convicção transpareceu na voz. — Ele não faria a doença do seu pai retornar
porque largou a batina. O câncer, principalmente o melanoma, é muito grave,
e seu pai teve sorte na primeira vez. Já vi casos de pessoas que não tiveram
segundas chances. — Sorriu, triste. — Isso não é obra divina, é do nosso
organismo. Não me diga que Deus poderia criar o câncer, porque se for
assim, eu não poderia aceitá-lo como quero.
— Por... quê? — Pisquei devagar, aturdido.
Devastado, cada palavra como um chicote contra minhas feridas
internas, que sangravam. Os buracos latejando, meu coração gritando.
— Talvez Deus tenha nos unido.
Ri, perplexo.
— Não diga algo em que não acredita.
— Estou tentando confortar você, explicar que mesmo se não
tivéssemos nos conhecidos, seu pai poderia ainda estar naquele hospital.
— Nunca saberemos. — Minha voz saiu dura, pesada.
E amarga.
Um julgamento silencioso contra mim mesmo.
— Como também nunca saberemos o que é certo ou errado. Quero
acreditar que para tudo há um motivo, então não perca a fé em si mesmo na
minha frente. — Pausou. — Porque senão também perderei.
Afastei minhas mãos, abalado.
— Meu pai está morrendo, me desculpe se não posso corresponder
ao que espera.
Mais lágrimas escaparam.
— Não posso confortá-lo dizendo palavras bonitas. — Levantou-se.
— Porque é isso o que você faz. Sabe que não aceito a morte e agora você
também não. — Sentou-se ao meu lado e respirou fundo. — Posso abraçá-lo,
como alguém que quer tomar a sua dor. — Puxou meu braço. — A morte não
é fácil, nunca é, e as pessoas que pensam que acreditam, talvez, no fim,
também vacilem.
— Por que está sofrendo? — Olhei-a, confuso pela angústia dos seus
olhos que, mesmo profundos, ainda não se comparavam ao poço de tristeza e
medo em minha alma.
— Também estou assustada com a situação do seu pai — confessou,
o queixo tremeu, suas mãos me buscaram e antes que eu pudesse recuar, me
abraçou com força. — Eu sinto a perda por você — sussurrou no meu
ouvido.
— Não sinta as minhas dores — supliquei.
— Como não, se você faz isso comigo? — Afastou-se, segurando
meu rosto entre as mãos. — Quero um milagre também, mas em todos os
casos, estarei ao seu lado.
Desviei o olhar e afastei suas mãos, destroçado demais para
concordar.
— Ele morrerá em breve? — Ouvi-me perguntando o que temia.
— Não sei dizer. Talvez dure meses, talvez semanas ou dias. Tudo
dependerá do organismo do seu pai, mas...
— Mas? — Fitei-a de canto.
— Por ser metástase cerebral, é complicado dizer o quanto os
resultados poderão ser bons. Não sou especialista nessa área, não posso
afirmar e nem quero supor. Assim como você não pode se culpar.
— Não posso... — repeti em um lamento.
— Não. — Envolveu-me nos seus braços. Deixei-me ser levado,
beijado e embalado. — Não pode.
— Não me deixe. — Fechei os olhos, o rosto contra os seus cabelos
e o choro entalado. — Me culpar por isso.
— Não deixarei, não somos errados — sussurrou, me confortando,
alisando meus cabelos.
Permaneci abraçado com Mônica por minutos, em silêncio,
acalmando meus demônios, implorando para Deus que meus piores temores
não se concretizassem.
E que isso não fosse uma consequência das minhas escolhas.
— Vamos descer. — Mônica se levantou, me arrastando junto. —
Sua mãe também precisa de você.
— Sim — concordei a contragosto, seguindo-a escadas abaixo.
— Armando. — Minha mãe veio ao meu encontro assim que nos viu,
os olhos molhados e avermelhados. — Desculpe-me.
— Tudo bem. — Abracei-a. — Está tudo bem.
— Passaremos por isso, Ari é forte, seu pai vai melhorar.
A atmosfera, mesmo com todas as conversas banais que minha mãe e
Mônica iniciaram, se manteve um tanto quanto mórbida para mim. Pegava-
me em devaneios, recordando de anos atrás, de escolhas e de aflições.
E a cada vez que ambas me olhavam, na esperança de que eu também
conversasse, esboçava um sorriso falso para não trazer à tona como a noção
do estado do meu pai estava me corroendo.
O sentimento permaneceu, não apenas naquela noite, após minha mãe
ir embora e Mônica voltar para a sua casa, mas em todos os dias da semana
que se passaram. Um estado de choque em que, por mais que eu visse as
horas passando, ainda estava preso a determinados momentos.
Largar a batina.
Ficar com Mônica.
Meu pai doente.
Pontos que me sufocavam. Que me engoliam.
Cada visita ao hospital, fosse sozinho ou com minha mãe e Mônica,
me trazia fantasmas.
Só que eu não poderia dizer que Mônica era um lado ruim da minha
vida, não mais, quando, em toda a semana que se passou, ela permaneceu
comigo. No hospital, em casa, nas jantas. A cada horário vago.
Ela era o meu anjo em meio ao inferno.
Foi um conforto, sem usar palavras, mas através dos olhares e
toques.
A batina permaneceu guardada. Um substituto no meu lugar e a
desculpa da enfermidade do meu pai, me manteve um pouco menos
atormentado por me afastar da Igreja naquele momento. Logo, entraria com
um processo para solicitar minha desvinculação no Tribunal Diocesano.
Deixaria de ter fé? De ser devoto?
Não. A devoção por Deus não precisava de uma batina para ser
mantida, ela habitava dentro de mim, e continuaria em cada dia que buscaria
o perdão, para pagar por meus pecados.
E diminuir meus erros.
Duas semanas se passaram, e o estado do meu pai se manteve
estável. Ora ele conversava conosco, ora dormia por um bom período.
— Mônica virá? — Minha mãe se levantou assim que retornei do
quarto do meu pai.
— Não, precisou ir para casa, acho que... — Hesitei diante do olhar
de satisfação da minha mãe. — O que foi?
— Estou feliz por você.
— Não — suspirei, meneando a cabeça. — Acho que irei até lá,
levar um jantar. — Ignorei a fala da minha mãe. — Quer ir também?
— Não, logo voltarei para o hotel, ficarei só mais alguns minutos
aqui.
— Está bem.
— Já está acostumado com o carro? — perguntou, se referindo ao
carro que deixou comigo.
— Um pouco. — Abracei-a. — Boa noite.
— Boa noite. — Beijou minha bochecha, me seguindo com o olhar
enquanto me afastava.
No caminho, passei em um restaurante para levar o nosso jantar.
Faria uma surpresa, por mais que Mônica odiasse ser pega
desprevenida. Era mais uma coisa da sua personalidade que eu tanto
conhecia. Assim como sabia cada pinta, cada curva do seu corpo, as partes
que coravam, a forma como seus pelos se arrepiavam ou como sua
respiração acelerava.
Sabia como seu gênio às vezes era tempestuoso, e sempre impactante
com sua forma direta de lidar e ver a vida.
De como seu olhar era mais significativo do que muitas palavras e
como o seu sorriso malicioso era uma blindagem. E, também, um ataque.
Eu a amava.
Tão ligado a ela que me sentia em casa com a sua presença e se
tornou comum tê-la no meu quarto, jantando, almoçando, me acompanhando
ou me enviando mensagens.
Como poderia ser ruim?
Não.
Talvez Deus tenha me dado um anjo.
Bati à sua porta, a chave que me dera tinha ficado em casa. Demorou
alguns segundos até que ouvisse a chave girar, e prestes a encará-la com o
meu sorriso mais amoroso, me deparei com outros olhos.
Ou talvez tenha sido o Diabo me dando um demônio?
Encarou-me tão surpresa quanto eu, e diante do meu inferno,
compreendi que ela estava viva.
Os silêncios de Mônica, suas respostas vagas sobre a família, a falta
do luto. Tudo o que eu havia notado e ignorado, agora estava escancarado na
minha frente.
Enganou-me por todo esse tempo?
— Padre Armando? — Cecília estava tão espantada quanto eu.
Diante da tragédia que se tornou minha vida, não encontrei palavras, apenas
retribuí seu olhar, tão incrédulo.
Em meu calvário, fui jogado contra a minha cruz, meus tormentos
sussurraram que eu amava um anjo caído, que me levou consigo até o fundo
do inferno e lá me deixou sozinho.
Tod a a p a ix ã o te m o se u c a m inho d e c a lv á rio.
Cond e ssa Ma rie d e Be a usa c q .

A verdade coloca em xeque nossas crenças. Na decadência delas,


nos desesperamos ao compreender o tamanho dos nossos erros.
De quem é a culpa? Nossa? De Deus? Ou do Diabo?
Minha verdade não era mais absoluta, o meu amor, impuro, e o meu
tormento, revelador, me acusando de ser um padre leviano, largando a batina
por uma mentira.
Palavras que não foram ditas, silêncios ensurdecedores e culpas que
agora eram levadas à luz.
Senti vergonha. Raiva. Desprezo. Medo.
E tristeza.
Quem era a mulher que eu amava? Pois não a conhecia tanto assim.
Quando conhecemos alguém no íntimo, as chances de o encanto
acabar são tão grandes quanto o abismo entre o céu e o inferno. No
entanto, ainda assim, o amor pode permanecer, pois é construído através
da confiança, companhia e verdade. É se bastar um no outro, sem terceiros
ou motivos de continuar.
Mônica me arrancou a confiança e a verdade, e eu já não poderia ter
sua companhia.
— Padre? — Cecília me trouxe de volta para a realidade.
Fitei seus olhos verdes.
— Está... — gaguejei. — Está... — Viva? — Em Lucca?
— Sim. — Sorriu, confusa. — Conhece Mônica?
Conto que a amo e estive com ela por todo esse tempo?
— Sim, ela frequenta as minhas missas.
— Estou feliz em vê-lo. — Suavizou a voz. — Mas por que está
aqui?
Por que estou aqui?
Olhei para a marmita em minhas mãos.
Queria chorar, largar a comida e dar as costas, sem engolir meu
pranto.
— Passei para agradecer sua filha por ter me ajudado com o meu pai
no hospital — menti.
— Claro. — Cecília pareceu relaxar. — Entre, não faz muito que
cheguei. Acho melhor conversarmos, nosso último encontro não foi dos
melhores, não é? — Deu passagem.
Preciso ir embora, dar uma desculpa e me refugiar. Minha cabeça
está um caos, estou me afundando.
— Obrigado. — No entanto, aceitei seu convite.
Um lado irracional me guiou para dentro, indo até a sala já conhecida
de Mônica e me sentando em um sofá.
Ferido, eu quis atacar.
Machucado, quis atingir o limite.
Queria presenciar a verdade em seus olhos, mesmo cego pela raiva e
mágoa.
— Mãe... — A voz chegou primeiro e assim que Mônica parou na
porta entre a sala e o corredor, se calou, os olhos arregalados em mim.
— Olá. — Esbocei o meu pior sorriso, a acusação no semblante. —
Passei para agradecer por tudo. — Áspero. — Por toda a ajuda.
Seus braços e ombros desabaram.
— Agradecer — murmurou.
— Foi uma surpresa vê-lo aqui. — Cecília se sentou em uma
poltrona, no lado oposto, sem notar a atmosfera tensa entre sua filha e eu. —
Está morando em Lucca?
— Sim. — Voltei-me para ela, os punhos fechados contra as coxas,
tentando controlar o nervosismo.
— É inusitado vocês se conhecerem — Cecília comentou.
Mônica entrou, sua presença imponente avançando pela sala e se
sentando no mesmo sofá que eu. Sua voz e postura seguras não condiziam
com seus olhos, me caçando a todo instante.
— Na verdade, é a minha mãe — dura — que não deveria estar aqui.
Cecília se encolheu na poltrona, uma súplica na feição.
A falta de afeto e laços era nítida, quase palpável.
Constrangi-me com o olhar da mulher defronte para mim,
arrependido de ter entrado. Não tinha pensado em Cecília, apenas na minha
raiva contra Mônica.
Encarei o chão.
— Não vamos continuar a discutir na frente de um padre, por favor.
— Então se retire da minha casa, não a convidei.
— Talvez eu devesse ir — murmurei.
— Não! — Cecília me fez fitá-la. Não recuei. Levantei-me, a
marmita depositada no sofá, ignorei-a. — Preciso ir para casa. — Olhei
para Mônica. — Meu tempo acabou.
— Espere! — Cecília disse antes de Mônica, que me fitava
assustada. — Precisamos conversar.
— Está um pouco tarde. — Alarmado, queria fugir.
— Por favor, é importante.
Mônica se ergueu, a censura no olhar.
— Acompanho você até a porta, padre. — Deu as costas,
menosprezando a mãe.
— Obrigado.
— Irei junto. — Cecília não deu escapatória.
Uma, segurando a maçaneta, diante de mim, com a porta aberta.
A outra, me seguindo.
— Boa noite. — Encarei Mônica, furioso.
— Boa noite. — Não me olhou. — Não volte — falou para a mãe,
que passou pela porta atrás de mim. Essa foi fechada em um baque, o som
dos portões do céu se cerrando.
Respirei fundo, a rua silenciosa piorou a apreensão.
Caído no meu calvário, sangrava com chicotadas e temia as chagas.
— Desculpe-me por Mônica, não estamos em um bom momento —
murmurou, parada nas minhas costas.
— Ninguém está... em um bom momento.
— Estou feliz por termos nos encontrado. — Aumentou a voz. —
Nunca esqueci nossa última conversa.
Meu coração parou, o calafrio percorreu minha espinha como um
demônio, descarregando gelo em minhas correntes sanguíneas.
— Não. — Ofeguei.
— Estou divorciada — contou, meu desespero em níveis
estratosféricos.
Olhei-a sobre o ombro, apavorado, o chão parecia escapar dos meus
pés, o ar fugir dos pulmões.
— Está viva — confessei.
— Sei que passei a impressão errada na última...
— Acreditei que estava morta! — interrompi-a com assombro. —
Culpei-me por erros que não eram meus! — acusei-a, irado.
— Eu sei — lamentou. — Por isso precisamos conversar. Me
desculpe por ter ligado naquela noite, por tudo. — Seus olhos passaram a
mais genuína honestidade, sem um pingo da malícia da sua filha.
— Aceito suas desculpas. — Anuí. — Preciso ir embora.
— Não me divorciei por sua causa, se é isso o que teme ouvir —
falou apressada. — Não conseguíamos mais seguir, eu estava afundando,
buscando escapes. É assim que alguns casamentos funcionam, um dos dois
acaba buscando refúgio, enquanto o outro observa amargamente a traição.
Foi assim que aconteceu e eu... — Hesitou diante do meu olhar. Abandonado
por Deus, fui chutado até pelo Diabo. — Me apaixonei por você.
— Não — afirmei. — É também um escape, uma ilusão.
Sorriu.
— Tentei suicídio após o término da nossa ligação. — Recuei um
passo. — Não foi sua culpa, nem o estado mental em que eu estava nem eu
ter me apaixonado.
— Não... — Balancei a cabeça, frente a frente com ela. Apavorado.
— Sou um padre. — Para quem eu estava mentindo?
— Eu sei, e isso também não é sua culpa. Não voltei para cobrar,
nem pedir seu amor. Estou aqui para consertar minha relação com a minha
filha.
— Como... — Pausei, confuso. — Mônica culpa você?
Assentiu.
— Ela ficou do lado do pai no divórcio. Também não a julgo por
isso. Mas, encontrar com você, agora — a nostalgia banhando sua voz —,
me fez perceber que, às vezes, é melhor nos manter longe das paixões. Peço
desculpas por confessar o meu pecado naquela vez.
— O seu pecado?
— Tornar você mais um escape ao crer que me apaixonei.
Mirei o chão, aturdido.
Por que agora?
Eu mereço?
São todos erros meus?
— Se isso era tudo — murmurei, chocado, a garganta fechada.
— Sim, era tudo. É um pedido de desculpas, apenas. Só vim por
Mônica. — Estremeci ao ouvir o nome. — Quero me reerguer, começando
por quem eu feri. Principalmente, preciso da minha filha, do perdão dela. —
Pareceu hesitante. — Você poderia me ajudar?
— Eu? — Arregalei os olhos, mais perdido. — Não posso.
— Ela sabe que você foi o padre para quem me confessei? —
indagou, preocupada.
— Sim, sabe — decretei. — Não posso culpar você. — Queria
terminar logo. — Peço desculpas também pela maneira como a tratei.
— Não. — Sorriu. — Não precisa me pedir.
— Seguiremos em frente assim — cortei-a, mesmo a raiva
borbulhando dentro de mim.
Enganado, machucado por ambas.
— Seguiremos — concordou. — Obrigada.
Encarei-a, mudo.
Não era só raiva e mágoa o que batia no meu peito. Havia também
compaixão. Cecília foi tão errada assim, se a considerasse alguém perdida?
— Já que Mônica não abrirá mais a porta — comentou, passando por
mim. — Irei embora. Se conversar com ela. — Parou, me olhando. — Por
favor, diga que a mágoa não nos leva a lugar nenhum. — A voz se tornou
quase um lamento.
— Direi.
— Obrigada, boa noite — disse, se afastando. Entrou no carro e deu
partida.
Devia fazer o mesmo, todavia, fiquei parado ali, na frente da porta,
perdido em tantos pensamentos e angústias, que só despertei quando o
rangido atrás de mim me fez virar e encontrar Mônica, os olhos vermelhos e
a expressão agoniada.
— Armando...
— Não. — Afastei-me, ensandecido.
— Entre para conversarmos. — Deu um passo na minha direção.
Impassível.
Sangrando.
— Estou indo embora! — Dei as costas.
— Não posso deixar, não quero...
— Mas eu quero! — Irredutível.
Mais passos me afastando.
— Armando. — Avançou em minha direção, sem me alcançar. —
Isso é o fim? — Estagnei ao ouvir.
E sorri, amargo.
Tão batido e surrado, os espinhos da tristeza me perfurando.
— Como seria um fim, se nem ao menos começamos? — Tão duro e
seco como ela já fora comigo.
Voltei a andar.
O fim da minha batina, de “nós” e a transformação completa do
paraíso em inferno.
E foi p re c ip ita d o o g ra nd e d ra g ã o, a a ntig a se rp e nte , c ha m a d a o d ia bo, e
Sa ta ná s, q ue e ng a na tod o o m und o; e le foi p re c ip ita d o na te rra , e os se us a njos
fora m la nç a d os c om e le .
Ap oc a lip se 1 2 :9

Quando nos damos demais, às vezes não sobra nada para nós. E
nesse nada, um abismo escuro e profundo nos puxa para o desespero ao
refletir sobre o fim. Esse, visto de forma descrente, é o término, enquanto
para quem tem fé, pode ser o recomeço.
O grande problema não está nele, mas no apego. Como aceitar o
final de um amor que até então acreditávamos verdadeiro? O verdadeiro
pavor não está em findar, mas na imaginação do que poderia ter sido, do
que foi. A tristeza sentida é compreender a intimidade perdida e o que
antes era tido como seu, agora é desconhecido.
Em meios às minhas lamentações silenciosas, senti o fim.
Não do amor, mas do encanto.
Devorado pela raiva, me acusei de ter dado minha batina por
Mônica, de ter acreditado mais do que deveria.
Não havia volta, não perante a mentira sobre Cecília.
Mônica se divertiu com meu sofrimento?
Deu risada de mim quando encontrei sua mãe?
Era esse o seu objetivo? Levar-me ao limite para me humilhar?
Cego de ira e mágoa, tão sujo e decadente, parei antes que me
afastasse demais e a encarei.
— Não me acuse com esse olhar. — O seu estava avermelhado.
— Não me peça mais nada. — Minha voz saiu sem controle. — Não
tem esse direito.
— Nunca tive, mas sempre pedi. — Mesmo com palavras diretas,
faltava sua confiança de sempre.
— E agora eu já não estou mais disposto a aceitar.
— Me deixe explicar. — A tristeza transpareceu na sua feição.
— Explicar uma mentira? Me dará outras?
— Não queria ter mentido. — Juntou as sobrancelhas, balançando a
cabeça. — Queria ter contado.
— Faz parecer muito difícil ser verdadeira.
— Na situação que estávamos, era. E isso não era sobre você.
— Não? — ironizei, erguendo a voz, a testa enrugada. — Não me
envolvia? Me culpei por achar que sua mãe morreu! — acusei-a, dando um
passo em sua direção. — Lembra-se de quando e como nos conhecemos? Eu
não me esqueci dessa maldita noite durante meus tormentos. Me senti
culpado! Sequer pensou nisso? Nunca me pediu desculpas por me enganar e
eu nunca exigi. Você não teve consideração, me fez achar que era por tristeza
que evitava falar da sua mãe.
— Não era para ser assim — balbuciou, as lágrimas brotando, se
acumulando nas laterais.
— E como seria? Me explique! — Exaltei-me, os punhos cerrados,
os dentes trincados.
Desviou o olhar no átimo em que uma lágrima escorreu por sua
bochecha.
Tão perdida, parecia buscar respostas no vazio da noite.
— Queria me vingar. — Sôfrega. — Não negarei essa crueldade.
Não foi apenas contra você. — Olhou-me. — Também queria ferir... minha
mãe.
Ri, incrédulo.
— Você...
— Ao invés de pedir o divórcio. — Seu queixo tremeu, mais
lágrimas deslizaram, furiosas. — Ela arrastava meu pai no casamento,
presenciei sua tristeza enquanto minha mãe o traía. Meu pai tentou perdoá-la.
— As palavras saíram ásperas. — Eles tentaram, ainda a amava. Eu apoiava
o divórcio, entretanto, não me envolvi nas decisões. Até ela retornar para
casa e contar que estava apaixonada por um homem. — O final saiu em um
suspiro.
— E aí você agiu como o juiz e o carrasco.
— Não foi justo, eu sei! Senti raiva, também sou humana e sofri com
a minha família destruída! Meu irmão deu as costas, meu pai estava no chão
e minha mãe apaixonada. Quando retornei de viagem, encontrei-a
desacordada... A internamos, e depois, veio o divórcio. — Pausou, o soluço
escapou dos seus lábios e fez tremer seu corpo. — Minha família acabou.
— Ao invés de apoiá-los, você se voltou contra mim!
— Porque não achava justo você e ela saírem impunes. Estava cega
pelo ódio, perdi o amor que uma filha pode sentir pela mãe... A vi como uma
mulher maldosa e insensível. — Chorou, a mão contra os lábios. — Só que
agora, não é sobre o passado. Apaixonei-me pelo homem que você é, sei que
não é culpado.
Mesmo com seu pranto desesperado, com as lágrimas ardendo e o nó
na garganta sufocando o meu peito, não cedi.
Não desviei meu rancor.
— Quem você é para julgar o que é justo ou não? Deus?
— Deus não existe! Só nós podemos julgar o que é certo ou errado.
— Hesitou, vendo meu susto. — Não diga que está surpreso. Como acreditar
na bondade de Deus, se estou sofrendo de novo?
— Não coloque Deus nos seus erros.
— Meus erros... Meu erro foi apoiar meu pai?
— Seu erro foi julgar sua mãe — respondi seco, ela arregalou os
olhos. — Cecília errou ao trair, eu falhei ao não ver em como ela se iludia,
mas você — apontei o dedo, mais um passo na sua direção — julgou, se
meteu no relacionamento dos seus pais não como um filho imparcial, mas
como uma mulher nutrindo ódio pela outra, e me fez entrar nessa história, me
fez acreditar na culpa e na morte. Enganou-me e me levou a amar você, sem
nenhuma verdade.
— Eu fiz tudo isso? — rosnou.
— Você começou e acabou.
— O que mudaria se eu tivesse contado tudo ainda no início?
Ri, em cólera, incapaz de conter a fúria desmedida.
— Eu jamais teria me envolvido! — disse entredentes. — Não me
envolveria no meio de vocês duas!
— Apoiar o meu pai não tem nada a ver conosco.
— Você me envolveu quando disse que era vingança, quando me fez
sofrer.
— Mas você não a amava.
— Tinha consideração por Cecília!
— Você nunca me disse. — Recuou, perplexa, as lágrimas ainda
avançando por seu rosto.
O silêncio perdurou por alguns segundos enquanto, ofegante, eu
tentava voltar à razão.
— E você nunca me disse que sua mãe estava viva, nem que tinha
problemas familiares, ou que nutria tanto ódio pela mãe, sem entender que
um casamento é feito pelo homem e pela mulher. Ambos possuem culpa em
um divórcio.
— Não fale do meu pai!
— Não me acuse por ter sido ignorante por tanto tempo. Você julgou
e executou a sentença, e, com isso, me fez sofrer do início ao fim. Como
pode insistir em nós?
— Não vejo maldade nisso. — Fechou os olhos por um instante,
molhados pelo pranto.
— Como pode ser cruel e estar apaixonada?
Fitou-me.
Balancei a cabeça, indignado. Frustrado.
Decepcionado.
Tão abalado que até a ira me dava vontade de chorar.
— Volte para a sua casa. — Desviei o olhar. — Se resolva com a sua
mãe. Ela pode ter traído o seu pai, não ter pensado no casamento, assim
como pode ser insensível como diz, mas ainda assim, é a sua mãe! Estou
farto de vocês.
— Armando...
— Apoiar apenas o seu pai não a torna certa, nem odiar sua mãe.
Perdoá-los por serem humanos e me deixar ir embora é o correto.
Tentou segurar o choro, os lábios franzidos, os olhos inchados.
Dei alguns passos para trás, uma lágrima teimou percorrer minha
face.
— É pela mentira?
— Não é só por isso.
— Não pode me perdoar?
— Não — sussurrei, enfatizando com a cabeça. — Peça para Deus...
O Diabo brincou comigo.
— Não coloque o Diabo nessa situação — acusou-me. — Eles não
existem! Você tem fé, e me amou. Que Deus é esse que permite tamanha dor?!
— É o nosso livre-arbítrio.
— Então ele nos jogou e nos mandou tentar a sorte. — Foi dura. —
Desculpe-me, mas não vejo como você, não olho para o que vivemos com
desprezo ou vendo falhas. Não quero me castigar e...
— Não foi Deus quem criou o seu sofrimento, Mônica! Só você! —
No entanto, só Ele pode perdoá-la.
Fitei o céu, perdido na agonia, todo o meu ser ruía, cada célula
latejava de decepção. Um gosto amargo.
— Não buscarei perdão divino... se acha que é isso que eu preciso.
Meu pai está depressivo e sozinho, enquanto minha mãe aparece no meio da
noite pedindo para conversar. Queria ser bondosa, mas não sou.
— Seus problemas familiares são seus, não culpe Deus! Nossos
dilemas... — Aquilo pareceu dar um clique na minha mente, soou pela minha
alma. — São apenas nossos — declarei, como se finalmente pudesse
entender. — Agora percebo que estarmos juntos não é culpa de Deus nem do
Diabo, somente nossa.
Limpei a lágrima, ciente que mais uma rolaria.
— Você parece ser mais forte. — Riu, amargurada.
— Aprendemos a mascarar as nossas tristezas.
— Se há tristeza, há dor. Como poderia Deus criar isso? Estou
odiando esse Ser, se Ele for real — sussurrou, descontando sua ira em algum
lugar.
— Não quero mais conversar sobre isso. Irei embora.
— Há outro motivo também. — Ergueu a voz, me impedindo. — Que
milagre é esse que você teme que seja tirado de você? Deus é tão punitivo?
— Chega! — Quase gritei. — Culpa Deus por esse momento, quando
na verdade estou ganhando um presente por me afastar de você!
Ela se calou, abismada.
O silêncio perdurou por segundos, em que nos encaramos, até ser
cortado pelo som de gotas de chuvas.
— Acabou? — sussurrou, o desespero no timbre.
— O amor não, o encanto sim. É uma mulher com problemas
familiares que precisam ser resolvidos, e eu sou um homem que necessita
encontrar seu caminho de volta. — Senti o peso das palavras e fechei os
olhos. — Volte para casa e converse com Cecília. O rancor só machucará
você.
— Você também sente rancor por mim.
— E esse é o meu tormento. — Encarei-a, triste por estarmos cara a
cara, em nossa feiura.
Desabei os ombros, exausto.
— Queria ser como você imaginou, contudo, aos poucos
descobrimos os problemas e defeitos um do outro. Com isso, acaba o
fascínio, o que resta senão um amor que também se findará? — sussurrou,
melancólica, as lágrimas livres. — Sou de carne e osso, guardo rancor e me
vinguei, julguei e machuquei. O que pareço agora, despida das mentiras?
Não pisquei, as lágrimas rolaram, meu corpo sucumbiu ao tremor.
Com a respiração suspensa, o peito apertado e a dor querendo sair aos urros,
sorri, exprimindo a desolação da minha alma.
— É uma mulher, assim como Cecília. Vocês sofrem. Por mais que
esteja apaixonado, por mais que eu a ame — ela fechou os olhos —, não me
envolverei mais.
Desabou aos prantos, cobrindo o rosto, o choro convulsivo abalando
toda a sua estrutura. Seu real motivo era por mim? Ou era o desgaste
emocional? Finalmente estava expressando suas feridas em relação à
família?
Por um instante, senti compaixão. Talvez eu pudesse chegar até ela, a
abraçar, confortar.
Não!
No meu íntimo, ainda retumbava a mágoa. Por mais que seu choro
fosse minha fraqueza, me mantive decidido. Cobri os olhos com os dedos,
apertando-os e enxugando as lágrimas.
De tudo, ver Mônica desabar em seu desespero, foi o que mais me
devastou.
— É isso... — balbuciei. — Espero que encontre o seu perdão,
enquanto eu busco minha redenção.
Dei as costas e corri.
Corri, porque se eu vacilasse, acabaria cobrindo aquela mulher com
meus braços e me odiando por ter raiva na mesma medida que a amava. Por
saber o quanto ela foi cruel, e mesmo assim, sentir que me machucava mais
me afastar.
Sem rumo, vaguei por alguns minutos antes de retornar para o carro,
sem prender o choro, que percorreu minha garganta e saiu aos soluços. Os
olhos vermelhos e a roupa molhada, com os pingos cada vez mais grossos e
rápidos.
A chuva desabou junto com a minha noção de que fui enganado.
Estava sem Mônica. E sem minha castidade.
As sua s m á g oa s q ue im a v a m -lhe a a lm a c om o um a forna lha .
Vic tor H ug o.

Às vezes o que não foi dito dói e pesa mais do que as palavras. O
silêncio cria um abismo tão grande entre as pessoas, que não conseguimos
alcançar o outro lado, e a cada segundo, esse espaço é aumentado.
Vi esse silêncio nos olhos de Armando, o seu abismo quando me deu
as costas, e por mais que eu quisesse alcançá-lo, eu mesma aumentava o
buraco entre nós.
Sem fundo, escuro e sufocante.
A chuva me lavou, as lágrimas se uniram aos pingos enquanto fitava
a rua deserta, o choro subindo e descendo o meu peito, as mãos trêmulas e o
frio me assolando.
De todas as emoções que vi refletidas no rosto de Armando, a que
me devastava era a piedade. Mesmo com raiva, sentiu compaixão pelo meu
sofrimento, essa sua bondade me abalou.
Retornei para casa minutos depois, sem assimilar minha subida para
o quarto e nem o banho. No automático, me deitei, ciente de que não
dormiria.
Foi o teto que fitei durante a noite inteira, consumida pelas palavras
de Armando, por cada momento que tivemos juntos, por cada instante que
deixei passar em contar a verdade.
O trabalho durante o dia inteiro foi mais exaustivo, meu lado
emocional despedaçado se revelava nos meus olhos, a noção pesada de que
Armando não mais estaria comigo, e que tudo o que idealizara, se desfez em
minutos. Ainda assim, eu precisei manter minha postura de sempre.
Essa durou todo o caminho para casa durante a noite, até me deparar
com a minha mãe na porta, me aguardando.
— Não deveria ter vindo. — Fechei a expressão, irritada, o cansaço
da noite sem dormir se unindo à tristeza.
— Mônica...
— Deixe-me passar. — Defronte para ela, ergui a chave.
— Por favor, precisamos conversar. — Deu-me passagem, abri a
porta e antes que eu conseguisse fechar, ela a segurou. — Mônica!
— Quer conversar? — Enfrentei-a, cedendo. Dei as costas, sem me
importar se ela me seguisse ou não. Larguei a bolsa no aparador, tirei os
sapatos e de meias fui para a sala. — Estou cansada. — Ergui a voz. —
Então seja breve, pois será nosso último encontro. — Acendi as luzes da
sala, minha mãe parou debaixo do arco, sem tirar os olhos de mim.
Refutei a sua tristeza com o meu desdém e me sentei na poltrona,
apontando o sofá.
— Somos duas mulheres adultas, não precisa agir como se eu fosse
uma vilã — declarei.
— Não estou. — Sentou-se, atenta.
Fiquei quieta, mirando olhos iguais aos meus, a sensação de solidão
me engolindo.
Não queria ser como minha mãe.
Por isso, relutava em aceitar continuar a mesma, pois a antiga
Mônica era um reflexo da mulher em que se espelhou quando nova.
— Está decepcionada comigo — sussurrou.
Foi como uma bala, que me atingiu violentamente.
Sim, a decepção que eu sentia por minha mãe era como a que
Armando sentia por mim.
— Sim — murmurei. — Como não estar, quando me lembro de você
se confessando para mim que se apaixonou por um padre, contando sobre
ele... implorando minha compreensão enquanto o meu pai definhava em
tristeza? Quando quem sentiu o divórcio foi ele?!
— Não.
— Sim! Um casamento desgastado por suas traições! — acusei-a. —
E ele tentou levar! Como tentou! E você fez pouco do amor dele.
— Mônica. — Sua voz vacilou, os olhos se encheram de lágrimas.
Só quando as minhas lágrimas caíram, que percebi que também
chorava, que meu corpo expressava o meu desespero.
— Meu pai entrou em depressão, você destruiu nossa família.
— Eu sei.
— Como espera — ofeguei — que eu a perdoe? — Armando dissera
que era necessário o perdão, mas como?
— Eu sei. — Fungou, em um lamento, cabisbaixa. — Isso pesa na
minha consciência todos os dias.
— Você é a culpada! — E eu, por fazer o mesmo com Armando,
apunhalando-o.
— Sou, mas, por favor...
Dor. Raiva. Mágoa.
E muita fúria.
O meu choro era de tudo que me assolava por dentro, que me fazia
sentir o peito doer, meu estômago embrulhar, e o descontrole emocional
guiar minhas palavras.
— Percebe que não há diálogo? As chances se esvaíram quando
nossa família acabou.
— Família não é dessa forma.
— Não me importo com o divórcio em si, nem se o amor entre você
e meu pai acabou. É com respeito, e você faltou com ele quando insistiu em
um casamento para então largar tudo por uma paixão. Por atos
irresponsáveis, uma mulher sem pudor.
— Eu sou uma mulher! — Exaltou-se, desesperada. — Sou mãe, mas
também tenho anseios!
— Quando meu pai pediu entre o divórcio e a tentativa, e você
concordou em tentar, poderia ter recusado! — Alterei-me. — Deu falsas
esperanças!
— Se eu soubesse...
— Se soubesse, teria feito igual, não minta! E as traições?! A forma
como desgastou todos de casa?!
— É passado, Mônica, por favor. Eu sei que errei.
— E eu sei que está aqui para pedir um perdão que eu não sou capaz
de dar. — Fui dura, tão dura quanto as lágrimas que escorriam por minha
face, como a dor que latejava em meu peito e o desgosto que me corroía.
Não esquecia a tristeza do meu pai, as situações agoniantes antes do
divórcio.
— E ainda assim — balbuciou, a súplica em toda a sua presença. —
Eu continuo sendo a sua mãe.
Calei-me, o peso da palavra refreando a minha ira.
— Sei que está magoada, mas quero o seu amor de volta —
implorou. — Não podemos continuar assim, distantes.
— Nosso caminho não precisa ser igual, muito menos junto, quando
tudo o que você faz é me magoar.
— Peço perdão. — Inclinou-se para frente, os ombros desabados, as
mãos unidas contra o colo. — Arrependo-me dos meus erros.
Desviei o olhar, doía demais.
E queria que ela também sentisse, pois quando amamos alguém
demais e essa pessoa nos destrói, a mágoa é do tamanho do amor.
— Está me pedindo perdão? — Meus olhos cravados no chão. —
Quero que saiba — inspirei fundo, soltando o ar devagar, tentando me
controlar — que Armando largará a batina.
Encarei-a.
— O quê? — Uniu as sobrancelhas, sem entender.
— Quando você assinou o divórcio, logo após parar no hospital, fui
atrás do padre que você me contou. Transei com ele. — Minha voz, firme,
escondeu o caos dentro de mim. — Nos envolvemos.
— Mônica... — Perdeu a fala, chocada, os olhos molhados,
arregalados. No entanto, não previ que falar dele também seria uma tortura
para mim. Meu queixo tremeu, meu coração pareceu vacilar, em frangalhos.
— Era por isso que...
— Nos encontramos depois em Lucca — cortei-a, passei as mãos
pelas bochechas, limpando as lágrimas, e novas caíram. — E começamos um
relacionamento. Armando me ama, por isso, deixará de ser padre. A sua
presença aqui — rosnei —, me fez perceber o quanto eu fui cruel, e o fez ver
essa maldade minha. Novamente... — Silencie-me. Queria culpá-la, mas, no
fundo, essa parte era só minha culpa.
Ela cobriu a boca aberta, em choque ainda.
Sorri, amargurada, o rosto manchado de lágrimas.
— Pode me odiar agora. — Senti-me como a mulher que Vicenzo e
Armando rotularam: fria e maldosa.
— Não. — Balançou a cabeça. — Jamais a odiaria, é minha filha, e
mesmo depois de todo ódio e vingança, ainda a amo.
— Mas eu não mais.
— Estou aqui para reconstruir o que destruí, por favor... Sou humana,
também erro.
— Seus erros me machucaram demais. Às vezes, as falhas custam
muito caro para os outros, como eu... como Armando.
— Não foi intencional.
— Mas machucou.
— E sou tão má a ponto de não poder me redimir? Meu erro foi tão
grande que não posso pedir perdão? — Chorou baixinho.
Aquilo me abalou. Por um momento, vacilei.
Revesti-me, lutando para me manter firme, e me levantei.
— Estou apaixonada por Armando, e também por sua culpa ele foi
embora.
— O que espera que eu diga?
— Que assuma que não veio pedir perdão. — Encarei-a. — Que só
está com medo de ficar sozinha. — Porque se, de fato, viesse por
misericórdia, iria criar uma rachadura na imagem que pintara para odiar.
— Eu tenho medo, mas é sobre não ter o amor dos meus filhos.
Sua honestidade me fez recuar.
— Não consigo — confessei. — Não agora, não hoje. Estou muito
machucada.
— Ao menos pense, por favor. — Levantou-se. — Nutrir mágoa por
algo que já passou, quando poderíamos estar bem, quando eu poderia tentar
ser uma boa mãe... Sei que foi um divórcio turbulento, que os filhos sofrem
mais que os pais. Eu deveria ter pensado nisso, mas falhei como mãe.
— E eu falharei como filha, pois não poderei perdoá-la.
— Só peço um tempo.
— Então me dê esse tempo. — Encolhi-me. — Tudo o que fez foi se
vitimizar, dizendo estar mal, sem perguntar sobre a dor dos seus filhos.
Invadiu minha casa, retornou para a minha vida achando que eu correria aos
seus braços por um pouco de afeto.
— Eu sei...
— Mágoa não se desfaz apenas com palavras, leva tempo, e se eu
conseguir, avisarei. — Decretei o fim da conversa. — Não preciso
acompanhá-la até a porta, não é?
— Não, não precisa. — Enxugou as lágrimas, fungando. —
Obrigada. — Saiu da sala, devagar, como se esperasse uma reviravolta.
Nada aconteceu, o silêncio foi cortado pelo bater da porta e
desmoronei na poltrona, chorando por algo dentro de mim ter se quebrado
dessa forma, envolto de mentiras, traições e raiva.
A mágoa não passava, mesmo que eu amasse minha mãe. E chorei
também por Armando, por sua ausência, pela angústia de tê-lo machucado,
tudo se perdendo.
Todos nós sofríamos, e o perdão era parecido com a minha fé:
inalcançável. Toda vez que eu tentava, o rancor ou as feridas, me desviavam
do rumo.
Deveria ser imparcial com meus pais, acolher o pranto da minha
mãe, não julgar, porque eu também era falha.
Julguei, apontei o dedo, e machuquei outras pessoas no processo.
Ri, em meio às lágrimas, me recordando de como Armando já me
chamara de anjo. Sim, só que ele não sabia que eu tinha caído há muito
tempo.
Continuaria levando-o para o fundo comigo? Já não bastava fazê-lo
sofrer? Confrontar sua fé com a minha descrença?
Não, se algo de útil veio da conversa da minha mãe, foi ver que
éramos falhos, que eu estava em meio a uma tempestade que não passava, e
se eu a julgava como cruel, deveria mudar o meu jeito.
Não seria má com Armando.
Abriria mão para que ele seguisse seu caminho, mesmo apaixonada.
Não o envolveria nos meus problemas. Essas eram as nossas decisões, que
passariam por cima do amor como a mágoa fez.
Cobri o rosto com as mãos, aceitando a tristeza, o desespero e todas
as emoções que me fizeram prantear alto, um lamento do meu íntimo.
Por mais que doesse, que os dias seguintes fossem difíceis sem ele,
desejava a melhora do seu pai e que ele voltasse ao caminho que escolhera
como certo.
Não suportaria que a minha maldade tirasse a sua bondade.
Nã o há m a ior d or d o q ue re c ord a r a fe lic id a d e nos te m p os d e m isé ria .
Da nte Alig hie ri

Em meio ao caos eu me encontrava.


Cercado de lembranças e desejos por uma mulher que me dilacerou,
um amor enraizado no meu peito que nem Deus ou o Diabo poderiam tirar.
Assim como a mágoa e a decepção também me marcaram.
Opostos coexistindo.
Fitei, perdido, os fiéis saindo da igreja. Esperei até que não restasse
nenhum, e com um gosto amargo na boca por ter permanecido com a batina
quando era indigno, me retirei do lugar.
Perturbado pelas lembranças com Mônica, a cada passo que me
levava para casa, refleti que o caminho para me redimir seria longo,
exaustivo e, talvez, sem sucesso. Como voltar atrás quando meu coração
ainda se lembrava do toque quente, da voz sussurrada, das noites
compartilhando lençóis e da sensação de ser recebido por um abraço.
Apegar-me na fé, na Igreja, na devoção, em todos os motivos. No
milagre que salvou o meu pai. Tudo isso poderia ser mais forte do que as
minhas emoções, trancafiadas, que me faziam chorar durante a noite?
Orei durante o trajeto, uma oração semelhante a tantas outras
proferidas nos últimos dias, desesperado por um alívio dos meus pecados.
Era certo continuar como padre?
Abandonar... e ter o quê?
Continuar... como um hipócrita?
O que tornava meu mundo menos trágico era minha crença em
acreditar na bondade de Deus. Foi o que me manteve firme diante de Mônica
na minha missa, os seus olhos dissimulados, a feição triste. A presença
colossal.
Foi embora sem tentar conversar.
Por que foi?
Queria comprovar se eu voltaria a celebrar missas?
Meu celular me acordou do devaneio.
— Mãe? — atendi-o, mirando o céu claro pelas estrelas, a primavera
chegando.
— Achei que não pudesse atender.
— A missa acabou agora.
— Ah! — suspirou, sem esconder o desgosto. Um que ficou visível
quando contei que Mônica e eu tínhamos terminado, que voltaria a tentar me
manter casto. Tentou me convencer do contrário, mas estava impassível, nem
meu pai conseguiu.
Eu ia honrar com a minha escolha de dez anos.
Iria honrar meu milagre.
A mentira de Mônica só expôs que não éramos certos.
— Ela não te procurou? — Pensando sobre a serpente, minha mãe
perguntou sobre.
Suspirei.
— Não, e nem deveria. Eu a vi hoje na minha missa, mas não chegou
a tentar conversar.
— Eu também a vejo — contou. — Está sempre pelos corredores do
hospital. Não sei em que andar é a pediatria.
Suspeitava que sua proximidade era mais pela simpatia que nutria
pelo meu pai.
— Pergunte ao meu pai se ele não anda recebendo visitas dela —
sugeri.
— Ah! — Riu. — Ari jamais contará se ela pedir que não o faça. —
Minha mãe pareceu alegre. Voltei a caminhar mais depressa, ansioso para ir
para casa e me refugiar com a minha dor.
O silêncio se alongou até me incomodar.
— Ele irá melhorar — falei. — Nosso milagre irá acontecer.
— Neste momento, é melhor confiar na medicina.
— E em Deus. — Fui enfático.
Por que estava alterado? Por que tão perturbado? Parecia que o bater
do meu coração ressoava em todas as minhas veias, fugaz.
Não aceitaria que minha fé se tornasse impotente diante da medicina.
Não, era preciso um milagre, e ansiava por ele com a mesma crença em
Deus. Com a mesma determinação em dar as costas para o meu amor e
buscar uma redenção dos pecados.
— Amanhã irei aí, deve estar solitário.
— Não precisa, mãe, sempre me senti bem assim. — Dobrei a
quadra que levava para a minha casa. Apressei-me até a porta e a abri.
— Mesmo assim, agora que estou na cidade, posso até dormir aí. —
Sorri com a ideia.
— Seria bom. — Uma distração para a minha mente masoquista. —
Amanhã passo no hospital e você me acompanha para casa. — Tirei os
sapatos e acendi as luzes, trancando a porta. O perfume da Mônica parecia
revestir as paredes, se fixar nas minhas narinas.
Ilusão.
Mente.
Ou coração?
— Farei algo para jantar agora — falei, passando pela sala.
— Seu pai já dormiu, amanhã começarão as novas sessões. Há uma
chance de dar certo.
— E dará!
— Irei desligar, até amanhã, Armando. Fique bem.
— Boa noite, mãe — suspirei e desliguei.
O sorriso falso do meu rosto morreu assim que abaixei o celular.
Fitei minha cozinha inundada pela luz amarelada da lâmpada.
Estava sem fome.
Retornei para a sala e me joguei no sofá, liguei a televisão para
quebrar o silêncio incômodo e tentei me distrair com as imagens.
A solidão, quando é escolha, é companhia. Quando forçada, é uma
prisão.
Coloquei-me naquela prisão.
Comi qualquer coisa diante da televisão, ciente que por mais alto que
o volume estivesse, não era do som que eu sentia falta, mas de uma
companhia específica.
Mônica.
Automaticamente, me lembrava de Cecília, e era como uma
apunhalada no meu coração, me fazendo sangrar, olhar para todas as
lembranças felizes com Mônica e me questionar se foram reais.
Agora, agridoces, causavam melancolia.
Seus motivos por ter me ocultado, como medo, não diminuía a
decepção. Era triste a sua briga familiar, o ódio por alguém que deveria
estar ao lado dela. Como se em meio ao oceano, desprezasse o barco.
Suspirei, deixando o prato de lado, me deitando todo torto no sofá.
Ela deveria perdoar. Um tanto hipócrita de pensar, quando eu não dei
esse perdão, mas sua mãe merecia. Resolver-se era melhor. Era sua família.
Fechei os olhos.
Família.
Mais de dez anos atrás, quando escolhi a batina, deixando a paixão
juvenil pela religião, aceitando uma culpa e abraçando um milagre. Não
havia volta. O que pensei quando me enchi de esperanças com Mônica?
Aparentei ser um jovem inconsequente.
Meneei a cabeça, tentando afastar aquela maldita lembrança de tantos
anos que permaneceu trancafiada, e que era o meu pior demônio.
Um dia, disse a mim mesmo, eu a encontraria face a face.
Há duas tristezas na vida: quando compreendemos que estamos
fugindo dos nossos demônios e quando decidimos encará-los.
A campainha ressoou pela casa, dei um pulo.
Esfreguei o rosto, sem imaginar quem poderia ser. Mônica poderia
ser audaciosa, mas não a esse ponto. Se não teve coragem na igreja, não
bateria na minha porta.
Talvez minha mãe?
Atravessei a sala, o corredor, e parei diante da porta. Abri-a,
vivenciando a segunda tristeza.
Encarei a mulher de olhos verdes e cabelos escuros, caindo
ondulados sobre os ombros.
— Padre — Cecília falou, envergonhada. — Sei que é tarde,
compreenderei se fechar a porta, no entanto, há assuntos que eu gostaria de
conversar. — Sua hesitação me fez compreender que havia muito mais do
que apenas essas palavras. — Como velhos amigos, espero que entenda.
Balançado pela visita, não tive reação.
— Por favor — insistiu, olhando ao redor, a bolsa apertada contra o
corpo.
— Não... Não há assuntos. — Estava perplexo, afundando em
recordações, questionamentos, receios.
— Nós dois sabemos que há. — Franziu a testa, determinada.
— Se está se referindo à noite passada, eu...
— Não — interrompeu-me. — Não apenas sobre isso. Também
sobre o que aconteceu antes e... — Pausou, um sorriso genuíno. — Eu sei. —
Duas palavras que me devastaram por completo. — Mônica me contou.
— Se contou — sussurrei, sem forças —, converse com ela.
— Não. — Avançou, colocando a mão na porta. Recuei. — Ela não
me perdoou, mas você. — Hesitou. — Bem, é ainda padre, não é?
— Ser padre não significa que eu seja bom, não mais. E nem que eu
consiga perdoar.
— Ao menos pode me ouvir? — Expôs seu desespero na voz e no
semblante.
Aturdido, dei alguns passos para trás.
Não, o melhor seria mandá-la embora, acabar de vez com os
tormentos.
— Por favor — implorou.
A raiva e a amargura não foram suficientes para diminuir a
compaixão.
Deixando-a entrar, supliquei que não fosse errado, que não abrisse
mais feridas. Engoli em seco, guiando-a para a minha sala, tão tenso que meu
corpo parecia congelado.
Ela podia ver na minha expressão toda a angústia?
Quando se sentou no sofá e me encarou, calada por minutos, enxergou
o inferno que eu estava vivendo?
"H á p e c a d o a té na nossa sa ntid a d e , há inc re d ulid a d e na nossa fé ; há ód io no
nosso p róp rio a m or; há la m a d a se rp e nte na m a is be la flor d o nosso ja rd im . "
Cha rle s H a d d on Sp urg e on.

Eva teria comido o fruto proibido por conta própria se não


existisse a serpente? Sem oferta, sem tentação? Ela sequer teria visto o
fruto? Teria oferecido a Adão? Então, seria vontade divina ou o livre-
arbítrio? Pois, neste momento, ele já existia, visto que ambos foram
expulsos por comer o fruto. Se Deus não tivesse dado o livre-arbítrio, não
haveria erro.
Não existiria pecado.
Escolhas, pecado, expulsão.
Poderíamos suspeitar que um necessitava do outro para existir, logo,
o pecado foi criado intencionalmente. Pecado e perdão, criados para nos
manter longes da divindade e do Jardim do Éden. O Paraíso já não era o
mesmo, a serpente estava no fruto.
Como Mônica. Como Cecília. Como eu.
Um levando ao outro. Teria conhecido Mônica sem Cecília?
O fruto só ganhou sua importância na história por ser apresentado
pela serpente. Sem ela, o que ele seria senão apenas mais uma maçã, sem
simbologia ou metáfora?
Quem era maquiavélico, Deus ou o Diabo?
O pecado foi o primeiro tormento?
O que está acontecendo com minha crença tão pura? É como se
Mônica a manipulasse, mesmo distante. Ou era, por fim, o rasgo final na
minha batina, na minha resistência mental?
— Pelo seu silêncio, compreendo que não se sente à vontade comigo.
— Ela tomou a iniciativa.
Queria ser educado, mas o meu abalo não permitia. Estava
desmoronando finalmente. Encarava-a com um assombro, vinda dos mortos
para trazer verdades.
O que eu queria ouvir?
O que ela desejava falar?
— Não estou — murmurei. — Não esperava sua visita. — Áspero.
— Eu esperava um pouco mais de simpatia. — Sorriu.
— Não me peça isso quando estou angustiado.
— Não estou aqui para causar mais estrago.
— A sua presença faz isso.
— Peço desculpas, mas precisei vir — suspirou, os ombros
desabados, as mãos unidas no colo. — Desculpe-me pelo passado, não vim
relembrá-lo, se é isso que deixa-o tão alarmado.
— Se não é sobre isso — enruguei a testa —, o que quer? Desculpe-
me a franqueza, mas não desejo ouvir mais nada.
— Não. — Foi quase um grunhido de desespero. — Só me ouça. —
Fiquei quieto, esperando. — Mônica tentou me atingir ao contar sobre vocês.
— Está aqui por isso? — Mortificado, fitei o chão.
— Ela me odeia.
— Isso é entre vocês — cortei-a.
— Ela está apaixonada por você. — Sua fala me fez encará-la. —
Você sente o mesmo?
— Isso não envolve você.
— Sou a mãe dela.
— O relacionamento era nosso, apenas nós dois. — Impus limite.
— Ela me culpa pelo término, pelo divórcio, talvez até pelo próprio
ódio — desabafou. — De todos os meus fracassos na vida, ser alvo do ódio
de um filho que carreguei no ventre, que alimentei — sua voz se enfraqueceu
—, é o pior deles. Então, por favor, Armando, me diga. É minha culpa você
ter abandonado Mônica?
A pergunta perdurou.
Era culpa da serpente, Eva ter comido a maçã?
— Não, não foi sua culpa — sussurrei, a agonia comendo pedaços de
mim, dificultando minha luta em sobreviver ao encontro. — Ela me
manipulou desde o início, me torturou com a ideia de pecado e me disse que
você se suicidou. Eu me culpei, não busquei por provas concretas. —
Apertei os punhos, aflito. — Confiei cegamente na sua filha, minha primeira
falha. Eu me envolvi até um ponto que não tinha mais volta, que me
apaixonei. Foi ela — não desviei a atenção da mulher — quem assistiu tudo
isso sem contar a verdade, não você. A culpada pelo término é somente
Mônica. Sempre houve verdades demais da minha parte, e mentiras em
demasia da dela.
— Confiar é um erro?
— Cegamente, sim. Ainda mais quando a pessoa em que depositamos
esse voto se mostra traiçoeira.
Cecília abaixou os olhos.
— É muito egoísmo meu vir aqui e pedir isso — murmurou. — Mas
enquanto você não a perdoar e não a guiar por um caminho, temo que eu
também não consiga o meu perdão. — Ergueu os olhos, se revestindo de
esperança, deixando claro o seu objetivo. — Vi o sofrimento da minha filha,
farei o que estiver ao meu alcance.
Encostei as costas na poltrona, transtornado.
Era isso mesmo? Eu estava ouvindo direito?
Foi como se perdesse o apoio do chão por um instante. Me senti
atropelado pela noção de quem estava diante de mim e o que estava pedindo.
— Veio me pedir para voltar com Mônica? — Escapou como um
silvo.
— Não. — Sorriu. — Só para que a perdoe. Perdão e estar junto são
diferentes.
— Um é consequência do outro.
— Se assim prefere pensar.
— Não posso, não consigo e nem quero. — Fui enfático, as mãos
apertadas, meu coração sendo esmagado.
— Não a ama mais? — indagou, supressa.
Fechei os olhos.
— Voltei atrás da minha escolha — disse em voz alta, o martírio que
até então fingia não sentir. Pressionei as pálpebras, o rosto voltado para
cima, mil estacas cravadas no meu peito. — Não deixarei de ser padre. E
mesmo assim... não consigo.
— Um padre deveria conseguir ter misericórdia.
— Um padre não deveria pecar. — Fui ríspido, volvendo a mirá-la.
— Você ama minha filha — disse para si mesma.
— Sim — concordei.
— Ela errou por se vingar, mas entenda que ela cresceu em meio às
minhas traições. Você foi o ponto final do meu casamento já desgastado. Eu
era uma boa mãe e uma péssima esposa. Quando Mônica começou a
amadurecer, perdeu o ideal de mulher que via em mim quando nova,
percebeu que sou cheia de falhas e odiou o que viu. Julgou-me pelo que
presenciou. Entenda o que é sentir que a família está destruída. Foi levada
pela raiva, o desamparo. Não a culpe inteiramente. Ela não é tão má assim,
foi moldada pelo desgaste emocional. Todos nós somos falhos o suficiente
para perdoar a falha do outro.
Cobri o rosto com as mãos, a sua honestidade foi igual a uma
bofetada.
Uma mãe, que mesmo sendo odiada pela filha, ainda a protegia.
Meus olhos arderam, lutei, muito, com todas as minhas forças, engolindo o
choro até ele se expandir pelo meu peito, como um fogo agonizante.
— Desculpe-me. — Não tinha mais firmeza. Levantei-me, querendo
fugir. — Não sei se mereço ainda ser padre, porque não consigo nem isso.
Esse também é o meu tormento. — Ela se manteve sentada, olhos nos olhos,
desesperos compreendidos. — Quero perdoá-la, mas não tenho capacidade,
nem sou tão bondoso quanto queria. Tenho tanto sofrimento que Mônica não
me deixou apenas bravo, mas reviveu sensações tristes. Julguei-a na mesma
intensidade do quanto a amo, e isso me torna tão falho quanto qualquer outra
pessoa. Não mereço a batina — confessei, segurando o pranto. — Porque
nem me perdoo mais. Tampouco por não ter visto a sua ilusão.
— Não é sua culpa.
— Sim, é. Fugia de tudo, nunca encarei os problemas, poderíamos ter
tido outro final, uma conversa decente, uma solução que não fizesse Mônica
chegar ao limite. Fugi quando me apaixonei por sua filha, fugi das
consequências. Se Mônica é culpada por ter acreditado que mentiras não
ferem, você por ter fracassado no casamento, eu sou por fugir sempre.
Seus olhos se encheram de lágrimas.
Ela se levantou, o movimento as derrubou, escorreram por suas
bochechas, os lábios franzidos, a testa enrugada.
— Estou cansada, Armando. Vivi mais da metade da minha vida e me
sinto infeliz, busco uma razão para a felicidade. É um fracasso ainda maior
quando vejo a péssima mãe que fui, que sou culpada pelo divórcio, quando
tudo o que busquei foi ser feliz. — Ofegou, puxando o ar. — Por que alguns
conseguem, enquanto outros admiram algo que nunca alcançarão? Perdi
minha fé, sofri tanto e não encontrei refúgio. Errei tanto, que não encontrei o
caminho para a felicidade. Hoje só estou buscando uma forma de fazer feliz
a minha filha. Por favor — curvou-se para frente, o choro embargando a sua
voz —, estou cansada, muito cansada. Até no amor eu falhei. — Ela parecia
convulsionar, tamanho lamento. — Não sou digna de perdão? Não somos? O
que fizemos? Matamos? Roubamos? Estupramos? Ou só fomos levados pela
emoção, sem intenção de ferir os outros?
Uma lágrima rolou por minha face.
Todas as minhas células doíam, massacrado pelo sofrimento que me
embalava.
— Alguns matam sem intenção.
— E alguns amam por simplesmente amar. Onde está o erro por amar
alguém? Trair, se vingar, dar falsas esperanças, acusar. — A melancolia no
seu olhar me atingia, me pregava no chão e dele não conseguia me mover,
como se espinhos me fisgassem no mais suave movimento da respiração. —
Onde está a barbaridade para ser julgado como um criminoso? Dizer que não
consegue perdoar? Isso só o tempo mostrará. — O sorriso foi o tiro final
naquela atmosfera que pesava sobre nós. — Sabe por que sei disso?
— Por quê? — Foi difícil encontrar minha voz, cada palavra dita
estava começando a me desgastar, a jogar o tamanho do seu significado nos
meus ombros.
— O homem que eu mais fiz sofrer, não hesitou em me perdoar.
Demorou, mas estava lá, o perdão, mostrando que por mais erros que
tenhamos cometido no final da nossa jornada... — Fungou, mais lágrimas
desabaram. Incontroláveis, elas desciam por suas bochechas. As minhas,
tímidas, encontraram fuga pelas laterais dos meus olhos. — Uma parte do
que vivemos foi bonita, teve muito amor. E foi por esses belos anos, que ele
perdoou. Não a mulher, no final, mas a jovem por quem ele se apaixonou,
que se perdeu. O que foi maior, os erros ou o amor?
Cobri o rosto com as mãos, não havia escapatória, não quando o
pranto se enveredou pela garganta e saiu como um suspiro cansado.
— Estou tão cansado de tentar compreender o que querem de mim —
balbuciei contra as palmas. — Do que faço aqui, de ter de escolher e me
sentir errado em qualquer lado que decidir. — Desabei os braços,
encarando-a. — Estou exausto de amar.
— Estamos cansados — concordou, tendo compaixão na sua
expressão.
— Então — inclinei a cabeça, movimentando-a, as sobrancelhas
cerradas, um suplício — não me peça demais. Amo Mônica, mas seu erro
criou um dos meus maiores tormentos. Primeiro preciso encontrar uma forma
de aceitá-los.
— Apenas me diga que um dia a perdoará, por favor.
Sorri.
O gosto amargo, o calafrio, a ardência nos olhos, o choro um tanto
preso, as batidas descontroladas do meu coração.
— Se um dia eu conseguir me perdoar por todos os erros, ela
também receberá o meu perdão.
— Não perca a fé nas pessoas.
Inspirei profundamente, só agora percebendo que mal respirava.
O silêncio se estendeu por alguns minutos, como se precisássemos
remoer tudo o que dissemos.
— Era isso? — indaguei, limpando as lágrimas.
— Sim. — Balançou a cabeça em afirmação.
— Acompanharei você até a porta. — Fiz sinal para que me
seguisse.
Calados, como dois criminosos remoendo suas confissões, abri a
porta.
Cecília me fitou.
— Posso fazer uma última pergunta. — A coragem pincelou em seu
olhar.
Estremeci, milhões de questões passaram por minha mente.
— Sim.
Mas nenhuma correspondeu ao que ouvi.
— Como uma mãe que idealiza a felicidade da sua filha, quero saber
que tipo de futuro você esperava ao abandonar a batina para ficar com
Mônica?
Diversos abraços, vozes alegres, uma tarde morna na varanda da
casa de Cortona, promessas para o dia seguinte, jantares românticos,
noites tórridas, manhãs encorajadoras, afagos e carícias que tornariam o
passar dos dias... Não, isso tudo poderia ser resumido em uma única ideia:
construir uma vida juntos. Essa era a minha visão do futuro com Mônica?
Não foi o que cansei de perguntar para ela antes de abdicar da batina? O que
viria depois?
Tarde demais notei que Cecília viu meu desespero.
Poderia entender que se eu respondesse, estaria compreendendo o
tamanho da paixão que tínhamos vivido, e que mesmo provocando o meu
inferno, foram os melhores momentos da minha vida?
“ Nã o se tra nsform a o infe rno no p a ra íso, m a s o p a ra íso e m um infe rno. ”
We sle y D'Am ic o.

É estranho quando sentimos mais do que vemos, quando possuímos


mais emoções do que explicações. Ter respostas e não poder proferi-las. O
que é compreensível para nós, muitas vezes, é inaudível para os outros. E
o que idealizamos como paraíso, pode ser o inferno do outro.
O que levou Lúcifer a cair foi sua paixão pela humanidade?
Pecaminoso, eu agonizava em cada questionamento que me levava
sempre ao mesmo lugar: poderia ser perdoado por me apaixonar?
Ser atirado no abismo, caindo em queda livre, como estava me
sentindo, mirei um ciclo se repetindo: uma omissão do passado começou um
tormento. Uma omissão do presente trouxe meu sofrimento.
A porta fechada, o silêncio após a partida de Cecília que, ao notar a
minha mudez, se contentou com ela e foi embora, os móveis nos mesmos
lugares de sempre, a mesma luz, o mesmo assoalho, e ainda assim, me sentia
deslocado.
— Meu Deus! — implorei em uma respirada funda, cobrindo o rosto
com as mãos.
Não respondi por medo de ouvir as verdades, as tornando vivas. No
entanto, as engolir me deixou sufocado, o peito fervendo, como se lava se
derramasse a cada batida errada do meu coração, como uma corda
envolvendo o meu pescoço e, pouco a pouco, me puxando do chão.
As lágrimas se acumularam nos olhos, a mente pregando peças ao me
lembrar da voz de Mônica, de como a vi diversas vezes adentrar pela porta,
percorrer aquele corredor. Dar à minha casa o seu ar.
As lágrimas deslizaram furiosas, como um castigo por recolher meu
desalento. Atordoado por não esquecer nenhuma conversa, nenhum sonho
que se desmanchou tão rápido, criando um vazio estupidamente demasiado,
arrastei os pés, um tanto perdido no meu próprio ambiente, e fui para o andar
de cima.
Cada degrau foi difícil.
Chegar ao quarto, fitar a cama sem ter com quem compartilhar, e
saber que minha escolha significaria não ter nunca mais, me fez desmoronar
sobre os lençóis.
O cheiro da Mônica.
Se procurasse, encontraria fios de cabelo?
Talvez uma marca de batom?
Chorei baixinho, orando em meio aos soluços. Doía tanto, que não
cabia dentro de mim, precisei extravasar de alguma forma, por palavras
desconexas, tentando formar orações, pelo pranto que me fazia oscilar o
corpo.
Pior do que não ter nada, é possuir e assistir, impotente, escapar
das suas mãos. Sem nunca ter tocado, não saberia qual era a sensação.
Depois de ter experimentado... Esquecer... Como eu poderia?
Como não sentir que partes de mim ainda imploravam que tudo
fosse um pesadelo e que logo acordaria com mãos suaves e gananciosas?
Ir para Cortona só criou memórias que agora eram como pontas de
lanças me espetando. Mônica vislumbrou o mesmo futuro que eu, quando
estivemos naquele lugar?
E foi almejando voltar ao passado, quando fui tolo, que adormeci.
A ignorância às vezes dava uma felicidade boba, mas genuína, pois
não víamos além.
Os dois dias que se passaram foram como um caminho ao calvário.
Ora a distração conseguia sucesso, ora me perdia em pensamentos, repetindo
momentos, saboreando os bons, sendo chutado pelos ruins. Um ciclo que me
desgastava, machucava por dentro, fazia sangrar, e, no final, as lágrimas
expressavam a angústia que avolumava no meu âmago.
Não ter. Ter. Amar. Rancor.
Todos eles, unidos, urravam sem pausa.
— Está muito quieto hoje — minha mãe disse em voz alta o que nós
dois já sabíamos.
— Cecília veio aqui outro dia. — Afastei o prato, prendendo minha
atenção nele.
— A mãe de Mônica? — indagou, surpresa.
— Sim. — Fitei-a sem graça.
— O que ela queria?
— Que eu perdoasse a Mônica. — Quase vacilei ao dizer.
Soltei uma lufada de ar.
— Bem... — Minha mãe não conseguiu disfarçar a surpresa. Bebeu
um gole do vinho, depositando a taça na mesa. — O que você respondeu?
Uni as mãos, como em uma prece, e encostei a testa nos dedos
esticados.
— Eu não poderia — decretei.
— Não?
— Não — sussurrei, apertando as pálpebras fechadas. — Nós dois
sabemos que não sou bom em lidar com omissões e com perdões.
— O passado é passado. Não fique preso ao que ele fez, senão
poderá perder o futuro. — Suavizou, sem perder a seriedade. Era quase
como... Pena?
— Eu escolhi o meu futuro. — Fitei-a.
— Porque acredita que haverá um novo milagre, não é? — Não, não
era pena. Seu sorriso estava repleto de compaixão. — Se baseou nesse
motivo, e não por seu amor pela batina ser maior do que por Mônica.
— Mãe, por favor... — clamei.
— Me escute ao menos uma vez, sou sua mãe.
— Está bem. — Aceitei as chicotadas que ela me daria. Cabisbaixo,
ainda com a testa apoiada, os ombros tensos, a respiração pesada, cada
nervo lutando ao máximo para me manter são. — Sei que dirá que Deus é
bom, que minhas escolhas não resultarão em...
— Não — interrompeu-me. — Sei que se sente atingido pela
situação, estar no meio de um conflito entre mãe e filha. Concordo que se
mantenha afastado por ora, só não a tome como uma decisão definitiva. O
perdão pode ser o que precisam, os três.
Arregalei os olhos, minha mãe sorriu.
— Elas precisam se resolver, porém, você ama Mônica. Depois
disso, a batina nunca mais será o suficiente para você. Deixe-me terminar!
— exigiu quando abri a boca, alarmado. — Sei o quanto você se condena,
sou sua mãe, Armando. Mas entenda que Deus jamais faria do amor um
pecado, muito menos para aqueles que uma vez buscaram ser padres. — Um
tapa teria me atordoado menos. Incapaz de sustentar o olhar, fitei minhas
mãos, asfixiado por suas palavras. — Perdoar não significa voltar, pelo
menos não agora. E pare de correr! Não percebe? Você faz da batina uma
fuga.
— Não consigo. — O choro embargou minha voz, ruí.
Não tinha como segurar. Sem conforto, precisava pelo menos de
alguém para me amparar quando estivesse no chão.
— Minta — sugeriu sem cautela.
— O quê? — Pisquei repetidas vezes, sem segurar as lágrimas
abundantes, tão familiares já.
— Dê um perdão mentiroso até que ele se converta em um honesto. É
mostrando que ensinará a Mônica como seguir em frente com a sua mãe. Ela
precisa de um exemplo e — estendeu o braço e pegou minha mão,
arrancando-a do contato com a outra — está buscando isso em você, não
percebe? A ida na igreja, ter visitado seu pai, como descobri...
— Nós dois sabemos que não seria correto. O quanto eu sofri para
perdoar no passado e que mesmo todo esse caminho no sacerdócio não
bastou para eu — enfatizei — me perdoar.
Apertou minha mão, acalentando-a dentro das suas.
— Você não sabia.
— Decidi pelo milagre, me esquecendo do próximo.
— Ninguém sabia — insistiu, séria. — Não pegue a culpa dos outros
para si, já te disse naquela época.
— Como não me culpar?
— Armando... — suspirou, comovida com o meu choro silencioso.
— Não misture o passado com o agora. Faça o que eu estou pedindo.
Não tive forças para refutar. Meneei a cabeça, desejando que não
estendesse o assunto, que percebesse, pelo meu pranto, que eu não estava em
condições de dialogar de forma lógica.
Só doía.
Só revivia angústias.
Parecia que os demônios estavam dançando e batendo os pés sobre
mim, um baile sem fim, me pisoteando cada vez mais forte até me ouvir
dizer:
— Cecília me perguntou sobre o futuro. — Cabisbaixo, o olhar
cravado na mesa, meio rosto escondido pela mão erguida, o cotovelo
apoiado.
— Você o imaginou?
— Não consegui contar — disse em um soluço.
— Por que não conseguiu imaginar?
A erguida de olhar até a minha mãe pareceu eterna, tão longa quanto
o suspiro e a descida de uma lágrima do meu cílio, contornando meu nariz
até pingar dos meus lábios no tampo de madeira.
— Porque imaginei — a franqueza como uma lança cravada no cerne
—, sempre esteve lá, em meus pensamentos. Só não enxerguei o quão
sonhador eu era quando estava com ela, como imaginava o futuro por
simplesmente viver o presente.
— O que sonhou?
Sim, um sonho maravilhoso, daqueles que não queremos acordar,
porque a realidade é severa.
— Cortona. — A confissão saiu da minha alma. — Como se
pudéssemos reviver os momentos que passamos lá.
— Foram felizes? — Ela parecia tocar no meu sofrimento,
compartilhando no olhar a compreensão.
— Uma vida — suspirei. — Com dias iguais àqueles.
— Então perdoe Mônica, e perdoe a si mesmo. Esse é o começo para
saber qual caminho é o certo.
— Não quero mais falar sobre isso — pedi, cansado, meu cérebro
não conseguia entender o pedido da minha mãe. Na verdade, ele parecia
desligado, praticamente queimado de tanto pensar no passado.
— Falaremos do tratamento que seu pai começará — ela concordou.
Ouvindo-a, me agarrei à fé.
Tão rápido aquela noite se passou, os dias se estenderam pretos e
brancos, um ritmo monótono e angustiante entre missas, casa e hospital. Toda
vez que via Mônica na igreja, me lembrava do pedido da minha mãe.
Supliquei a Deus por forças, e por entender o que eu deveria fazer.
Uma semana se passou, o tormento de ver aquela mulher na missa me
assombrou até quando deitava a cabeça no travesseiro.
Não suportava mais.
Perdoe-a, disse Cecília e minha mãe.
Como? Eu ainda sentia raiva, tamanha, só de recordar todo o tempo
junto, sem nunca mencionar a verdade. No entanto, não podia negar que
sentia compaixão. Em meio à fúria, vi a sua dor, senti-a como minha, sua
situação tão desesperadora.
Entrelacei os dedos, aguardando os fiéis partirem um por um.
Mônica, como de costume, deixava os idosos passarem primeiro,
aguardando até quase o final. Antes que compreendesse o que fazia, desci os
degraus do altar, passei pelas últimas pessoas que se afastavam dos bancos,
sorrisos se voltaram para mim, como se eu fosse um anjo, sem saberem o
inferno que eu vivia ao me desviar deles, cumprimentando-os, buscando a
loucura. O suor se empertigou em minhas mãos, frio como a sensação que
percorria desde minhas panturrilhas e subia pela espinha.
Meu coração retumbava nos meus ouvidos, meus olhos quase cegos
para o restante, como se o meu organismo antecipasse a conversa.
Mônica deu as costas sem notar minha presença. Discreto, me
aproximei, olhando ao redor antes de mirar sua mão abaixada e roçar a
minha. Virou-se, a surpresa nos olhos verdes.
— Padre — sussurrou.
— Espere. — Leu os meus lábios. Afastei-me, retornando, em um
estado deplorável de ansiedade, de volta para o altar. Não a olhei até que a
igreja se esvaziasse, por mais que todo o meu ser clamasse por tê-la na mira
um segundo que fosse.
Resisti, agarrado ao último resquício de lucidez.
Até encontrar seus olhos diretos, agora com vislumbres de
fragilidade.
Em pé, no meio do corredor da igreja, matei minha saudade de ver
como seus cabelos cobriam os ombros, como suas pernas ficavam torneadas
pela calça jeans, o busto delicado pelo discreto decote, revelando pouco dos
seios em que me afundei tantas vezes. Meus desejos subiram como
labaredas, queimando cada célula, o suor aumentando, os batimentos
ressoando como sirenes.
Alarmes que gritavam que Mônica retribuía o meu olhar.
— Por que pediu que eu esperasse? — Sua voz cortou o silêncio
tenso.
Chega de fugir.
Poderia não sentir a misericórdia, mas conhecia a dor.
A minha, a dela.
A mesma mágoa.
Eu deveria ajudá-la.
Esse era o meio de começar a encarar cada demônio, começar pelo
perdão dos outros até encontrar o meu. Apontar o caminho, mesmo estando
só.
Mentir, para dar a ela a paz que eu não tinha.
"Che g ou a hora d e se r julg a d o e ste m und o".
J oã o 1 2 :3 1

Minha mãe estava certa. Sempre fugindo, buscava abrigo na fé, como
se ela pudesse me dar respostas fáceis, caminhos retos e me livrar da
escolha.
Com a base rachada, não tinha como me agarrar nela, forçado a
encarar meus tormentos, como fiz com Mônica ao retribuir seu olhar, imóvel
diante de mim, metros nos separando, e, ainda assim, era como se eu a
tocasse.
Calado, tentava engolir junto à saliva um pouco do desconforto do
peito.
Meu coração estava batendo ainda? Parecia ausente, roubando meu
raciocínio e me privando do controle.
Não existia mais bancos, paredes, vitrais ou qualquer coisa que
desviasse minha atenção. Por aquela mulher na minha frente, eram como se
espinhos se cravassem em minhas solas para me ferir. Sangrar, sem o
vermelho, lágrimas implorando para chegarem aos meus olhos que,
vidrados, se esqueceram de piscar.
Fascinado pela vulnerabilidade de Mônica, duelando com a sua
cabeça erguida.
— Por que pediu que eu esperasse? — A segurança que faltava no
semblante estava na voz.
Vacilei, evitei falar tão rápido, senão gaguejaria.
Inspirei.
— Por que está vindo nas missas?
— Não posso buscar Deus? — Foi um desafio, misturado com
amargura.
Elevei as sobrancelhas, acometido pelo seu jeito.
— Na última conversa, disse que era descrente.
— E você disse que me amava. — Toda a sua presença me acusou.
— Não menti sobre isso. — Agradeci por ter o altar na minha frente,
me sustentei nele.
— Está vestindo uma batina, reza as missas que eu vou e retornou ao
celibato. — Olhou ao redor, certificando-se que estávamos sozinhos. — Um
padre pode continuar a amar uma mulher? — Voltou sua atenção em mim.
— Você mentiu. — Não era assim que eu queria. Não, uma conversa
tranquila, um diálogo razoável. — Me enganou desde o início.
— E como poderia ser diferente? — Alterou-se, sem erguer a voz.
— Como eu poderia acabar com algo que estávamos vivendo — hesitou —,
quando estávamos felizes?
— A verdade não seria o fim.
— Sim, seria! — Avançou alguns passos, se engrandecendo. — Você
não teria se envolvido se soubesse que minha mãe estava viva. Fugiria do
sentimento como o Diabo foge da cruz e seria igual agora: nega qualquer
envolvimento, sem admitir que o afastamento é por causa da presença da
minha mãe, e não por eu ter mentido.
— E o que espera que eu faça, Mônica? Que ignore o que há entre
você e ela? Que eu fique cego pelas desavenças?
Balançou a cabeça, os ombros caídos, a postura de quem estava
indignada. Foi para o lado e se sentou em um banco, fitando as mãos.
Seu silêncio criou expectativas que, a cada segundo, aumentavam, me
engolindo e rasgando meus nervos.
— Cecília veio até a minha casa. — Ela levantou a cabeça, em
choque.
— O que minha mãe foi fazer? — A mágoa transpareceu.
— Pedir que eu perdoasse você. — Ergui o queixo.
Ela sorriu, irônica.
— O que isso mudaria para ela?
— É a sua mãe e quer a sua felicidade. — Ela negou. — Você
condena Cecília, enquanto ela foi até mim, buscando o seu bem.
— É por isso que quis conversar? — inquiriu, seca, se levantando.
— Não — suspirei, desviando o olhar para o altar. — Não é por
isso. — Abaixei a voz.
— Então, pelo quê?
Três palavras, com um peso tão grande que pareciam me prensar
contra o chão. E de lá, eu não conseguia me reerguer, afundado no seu
significado, na importância que tinha na minha vida. Como me arrancava da
calmaria, me dava cobiça, luxúria, sonhos.
Ressentimento.
Um imenso rio sem fundo e escuro, desolado e quieto. Era onde me
encontrava.
— Eu a amo — sussurrei, sem erguer a cabeça. — Ainda a amo,
mesmo escolhendo a batina.
— Por que escolheu? — Tinha a firmeza que me faltou.
— Eu... — A saliva desceu dolorosa e antes que eu raciocinasse, a
fitei, minha angústia esparramada pelas rugas na testa. — Eu não posso ficar
entre você e a sua mãe, seria egoísmo da minha parte só pensar no que sinto.
— E me julgar não foi egoísmo? — Arregalei os olhos. — Quando
sei que há mais sobre você do que me contou?
— Nada que pudesse machucar você.
— Ainda assim, não revela por completo o homem com quem dormi.
— Perdeu a fraqueza nos olhos, revelando a minha. — Seja franco,
Armando. Nunca esteve certo do que queria, temia seu milagre acabar,
apavorado por um julgamento divino — pausou — e, mesmo assim, amou.
Na primeira oportunidade, se escondeu.
— Não diga isso. — Fechei os olhos, sua feição era como uma faca.
— Entendo não querer estar no meio de um conflito familiar e que
isso o faria se sentir culpado. No entanto, não fuja quando uma decisão é
necessária. — Sua voz soou mais próxima. — Esperei você naquela noite e
em muitas outras. Uma mensagem, um olhar, uma simples presença. Você
fugiu de dar um fim decente ou de ter uma conversa clara.
— Nós conversamos. — Encarei-a.
Subiu os degraus.
— Não, você conversou, enquanto eu pedia desculpas por uma falha
minha. Errei, e mesmo que não me arrependa, pois sei que se tivesse
contado, não teríamos vivido momentos tão bons, pedi perdão. Sofri quando
vi a sua dor — meneou a cabeça, estremeci diante da forma como me mirou
— e presumi que você não suporta mentiras e omissões porque sobrevive em
uma delas. — Sua acusação arrancou os últimos pregos que seguravam
minha sanidade.
Perturbado, dei um passo para trás.
— Entenda como quiser, se acredita que só tivemos uma conversa da
minha parte. Falhei como padre e como homem, não preciso que me aponte o
dedo quando conheço meus demônios — disse sôfrego. O tremor da minha
voz não confessou nem uma ínfima parte da opressão no meu peito.
— Pare de se esquivar! — Exaltou-se. — Quanto mais você se
esconde deles, maiores ficam!
— E como quer que eu não fuja? — Sua alteração foi o meu gatilho.
Transtornado, botei para fora. — Se quando eu decido largar a batina por
você, pronto para entregar meus anseios e traumas, recebo mentiras em
troca?
— Não é só isso — retrucou.
— Sim! Tem a ver com Cecília. Como posso proceder quando
participei dos problemas da sua mãe? — Ofeguei, meu corpo tremia, o suor
brotava com a mesma aflição que as batidas aceleradas contra meu tórax.
Abaixei a cabeça, me sentindo incapaz de expressar meu desgosto
desmedido. — Se eu pudesse esquecer a mentira, apagar os desencontros...
Por puro egoísmo, só para poder ter você, como vislumbro em todos os meus
sonhos... Eu faria. — Aquilo doeu como uma chicotada, dilacerando a carne
mais profunda. Seria possível fazer sangrar a alma?
— Armando...
— Me escondo porque mesmo com a batina, quero você. Refugio-me
nos motivos de não conseguir perdoar, que, sim, fazem parte de um passado
desconhecido para você. Ainda estou machucado e nunca me perdoarei por
só ter visto o meu milagre. — Minha voz falhou.
Uma lágrima rolou furiosa pela minha bochecha e pingou no altar,
não a contive. Nem as outras que a seguiram.
— Do que está falando? — Mais do que assombro, era receio.
— Ainda namorava quando escolhi ser padre. — O ar que puxei pela
boca não foi suficiente. — O perdão mais difícil não é aquele que damos
aos outros, mas a nós mesmos. Não me perdoo pelo passado, por amar
você, por não viver essa paixão. Preciso me confortar com a fé, mesmo
vacilando na crença da bondade.
— Não diga isso.
— Julgue-me. — Precisei testemunhar seu abalo, os olhos me
devoraram, urgentes, a tensão explícita em cada membro do seu corpo. —
Me condene como eu faço em todas as noites que sinto sua falta, se isso
aliviará o seu fardo. — O verde incandesceu pelas lágrimas que deslizaram
livres, marcando seu rosto. — Diga-me — supliquei. — O que eu poderia
fazer? Entre mim e a sua mãe, quero que a escolha. — As palavras saíram
firmes, sem mostrar a ruína que eu estava por dentro.
Ela recuou, como se tivesse recebido um tapa.
— Está perdendo a sua fé? — O pavor no tom, em cada lágrima que
escapava dos cílios e percorriam, impetuosas, até o final do seu rosto, o
queixo que tremeu, a forma como abraçou o próprio corpo.
Sua consternação se equiparou a minha.
Chorei, lágrimas furtivas, partes do meu desespero. Curvei os
ombros para frente, pesado demais para sustentar a noção, encontrar
conforto pelo que estava por vir. E em como chegou tão rápido como uma
colisão, me atordoou.
Derrubado pelo que meu coração sussurrava, dei a ele minha voz.
— Perdoo você, Mônica. — Cada pedaço do meu ser ardeu no pior
dos infernos. — Tinha decidido mentir por ser mais fácil. Mas... — Cada
pilar que me sustentava começou a desabar. Um por um, o som oco era do
meu coração, o vazio, a sensação do meu espírito. — Ao expor meus
tormentos para você — precisei tomar fôlego, as lágrimas estavam me
afogando —, eu também expus minha dor e acabei com a fúria que sentia. —
Soergui minhas sobrancelhas, o vinco no meio delas, os lábios curvados, as
mãos apertadas. Tão apertadas quanto o nó na minha garganta, ardente.
Pisquei devagar. Imóvel, Mônica parecia perder a lucidez. — A mágoa que
sentia por você se foi, pois entre ela e o amor, ele ainda é maior. — Sem
sustentação, o colapso escapou através do meu soluço de pranto. Lágrimas,
muitas, irrefreáveis. — A perdoo, porque você não pede desculpas por se
arrepender, mas por me amar. Como posso julgá-la se também erro?
O silêncio caiu sobre nós.
Olhos nos olhos, a atmosfera tão abafada e quase palpável.
Ali, naquele instante, tudo o que vivemos passou diante dos meus
olhos. Cada malícia, cada encontro, insinuação, toque, beijo, sexo, saliva,
braços, pernas, mãos, lençóis, risadas, olhares. Desde os momentos que
escondemos o nosso eu até nos confrontar despidos de defesas.
Seu choro cortou o silêncio antes que seu corpo entrasse em
convulsão, inclinado para frente, as mãos cobrindo a face, sua estrutura
tremendo com os soluços.
Deus, como essa mulher consegue me tocar dessa forma? Me levar
da ira à compaixão, e dos gritos ao avanço urgente para além do altar,
ultrapassar nossa distância e me colocar diante do seu desespero?
Peguei-a nos meus braços, sua cabeça contra o meu peito, minhas
mãos nas costas que conhecia cada pinta, no calor do nosso contato, íntimo,
sem intenções. Um conforto que só quem amava poderia dar. Seu choro
atingia cada célula minha como uma corrente elétrica que arrepiava e dava
curtos-circuitos no meu cérebro. Desligado, somente com o coração eu a
amparei.
Beijei o alto da sua cabeça, afagando os seus cabelos, que escaparam
do contato quando voltou o rosto em minha direção, os olhos avermelhados,
rastros de lágrimas sendo trilhados por novas.
— Como pode me perdoar? — A surpresa com que indagou me fez
compreender a conversa com a minha mãe.
Como alguém que nunca sentiu o perdão, poderia dá-lo?
— Independentemente da minha escolha de me manter distante, ainda
amo você. Por que não perdoá-la? — sussurrei, meu rosto rente ao seu,
minha mão ainda em seus cabelos. — Por que não mostrar que o perdão é
mais libertador do que aparenta?
O riso escapou dos seus lábios, melancólico, levando consigo as
lágrimas.
— Você quer que eu perdoe...
Preciso me manter franco.
— Pode estar magoada pelo divórcio dos seus pais, ter rancor contra
Cecília, mas, entre continuar a nutrir esses sentimentos, escolha o perdão.
Faça como eu, que decidi perdoar ao invés de alimentar o ressentimento por
mais uma mulher que me fez sentir culpado.
— O que fizeram com você? — Antes que eu pudesse reagir, ela
agarrou o meu rosto.
Fechei os olhos.
Como senti falta desse toque, da forma como seus dedos macios
contornavam minhas bochechas.
— Não, não fizeram. — Cobri sua mão com a minha. — Foi o que
não me contaram e o que tiraram de mim.
— Deus não deu o seu milagre?
Encarei-a, nossos olhos ligados pelos oceanos de tristeza.
— É errado dizer que eu só ganhei com a batina. — Veio do fundo,
de um abismo dentro da minha alma, que ocultei de mim mesmo, por ser feio
e assustador. E foi ali, encarando-o, que o desamparo usurpou a fé.
Guiei sua mão até minha boca, beijando-a devagar, os olhos
fechados.
— Não me peça muito, por favor — supliquei em um sussurro contra
sua pele. — Queria poder desabafar, mas se me fere só de pensar no que
poderia ter sido e no que aconteceu, me destruirá dizer em voz alta.
Mirei-a.
— Obrigada — pela primeira vez, vi gratidão em seu olhar — por
me confortar de uma forma que eu não merecia.
— Todos nós merecemos.
— Quem confortará você, se não permite que eu o faça? — Virou a
mão e pegou a minha.
— Desejo que seja Deus. — Foi um medo.
— Está certo disso? — Mais lágrimas inundavam o seu rosto.
— Não, não estou — contei meu pavor. — Não estou mais certo de
nada — confessei. Sussurrávamos. — Minha única certeza é que preciso me
afastar de você.
— Escolher a batina não é um erro?
A minha demora para responder foi uma resposta.
— Sim — confirmei. — Só que agora não é mais uma fuga. É um
conforto por não poder estar com você.
— Não volte — implorou, franzindo a testa, a urgência em cada linha
de expressão. — Você vive o hoje com medo do passado e correndo do
amanhã. Não sabemos como será o futuro.
— Mas conhecemos o hoje, que é o momento em que me encontro
amando você e a empurro em outra direção. — Longe de mim. Ela negou, o
pânico de assimilar o fim. — Sua mãe me perguntou se imaginei um futuro
com você.
— O que disse a ela?
— Não precisei contar, mas falei para a minha mãe.
— O quê...
— Que estávamos em Cortona. — Sorri, mas essa curva expressou a
tristeza da minha alma.
— Só?
— Eu não era mais padre, não existiam omissões, nem culpa ou
pecado. Momentos iguais aos que tivemos lá. — O seu sorriso foi mais
triste. — Você também sonhou?
— Sim, mais do que isso. — Não piscávamos, absortos nos
sussurros.
— O que imaginou?
Negou com a cabeça.
— Se um dia pudermos reviver pelo menos um dos nossos momentos
sem culpa, poderei contar. — Não tinha malícia. Assenti, afastando minha
mão da dela, no entanto, ela a agarrou. — Sua fé é igual a de antes de nos
conhecermos?
Pego desprevenido, desviei o olhar.
No pecado, eu tive fé.
Na desesperança, vacilei.
Tinha mesmo fé? Ou estava desesperado em acreditar nas minhas
palavras, como se, repeti-las incontáveis vezes, as tornassem verdadeiras?
Engoli a angústia que rasgava minha carne.
— Tenho fé que Deus seja bom. — Uma lágrima escorreu, parte dos
pedaços do que fui.
— Não foi essa a pergunta que fiz. — Sua outra mão chamou minha
atenção, segurando meu queixo.
— Sou um padre fracassado por me apaixonar pelo pecado. Duvido
da minha devoção e confiei tanto na minha fé que não vi suas rachaduras. —
Mortificado pela confissão do que me rondava desde a volta do meu pai
para o hospital, quis me ajoelhar e ficar no chão até não existir mais nada.
— Não perca a fé, por favor — implorou, me surpreendendo. —
Mesmo na descrença, ansiei por encontrar algum sentido sem ser o vazio
existencial. Descobri você. Vacilando, continuo a vir, e hoje tive meu
perdão.
— Acredita em Deus? — Não escondi meu espanto.
— Acredito no perdão. Quem sabe, em algum determinado momento,
eu possa acreditar em Deus. — Hesitou. — Não perca sua fé, apenas dê um
voto de confiança na medicina. Seu pai talvez esteja nas mãos dela, e não
nas de Deus.
Fracassado demais para continuar, abaixei a cabeça.
— Obrigado.
— Pelo quê?
— Por me mostrar que, mesmo perdido, eu soube guiá-la de alguma
forma — suspirei aliviado.
Derrotei um dos meus demônios: o da mágoa.
O amor... ainda vivia no meu coração, mas não me faria voltar para
Mônica.
— Não sente mágoa?
— Não mais. — E era verdade.
— Abandonará a batina?
Irei? O que me resta?
O que é certo?
— Se eu abandonar, não será por sua culpa. Espero que também não
seja por descrença, mas por entender que não é o meu caminho. — Apertei
as pálpebras. — E que Deus me perdoe por isso.
Ela largou minha mão, recuando.
— Espero que você encontre o seu perdão, como fez eu encontrar o
meu.
— Tentará? — indaguei, curioso.
— Todo conflito é difícil demais para poder afirmar algo, mas você
fez a sua parte. — Sorriu, as lágrimas diminuindo. — Não podemos dar
certeza se não a temos. Queria poder sair daqui com você, mas se está
acabado, também aceito e não sinto raiva. — Fungou, a desesperança no
olhar. — Não estou magoada, você me ama, mas decidiu seguir o seu
caminho. Tentarei o meu perdão, Armando. Tente ser apenas um homem.
Fechei os olhos.
A verdade machuca quando jogada sobre nós.
Sorri, deixando meu amor partir.
— Boa noite, Mônica. — Admirei-a em toda a sua força, na
imponência com que ergueu a cabeça, retribuiu o triste sorriso e anuiu.
— Boa noite.
Foi embora, não mais como um tormento.
No silêncio da igreja, a solidão me abraçou. Sentei-me nos degraus,
grato por já ser tarde da noite, e me encolhi contra os joelhos.
Não serei mais padre, foi a decisão final. Não por Mônica, mas
porque me careciam certezas.
O perdão que dei, faltava para mim.
No entanto, renunciar à batina não seria fácil. Agoniado pelo medo,
me agarraria à crença de que Deus seria justo e bondoso comigo, aceitaria
minha decisão e manteria meu milagre.
Como continuar sem vocação?
Forçar não destruiria o que restava da minha fé?
Sofri com antecipação, devastado sobre os degraus, me embalando,
tentando me confortar.
A batina tinha sido minha companheira, como seriam os dias sem as
pessoas nas missas? Sem celebrá-las? A rotina criada por longos anos.
Não poderia usar algo que já não servia.
Por não caber, também doeu, por me entender, dilacerou.
Sem Mônica. Sem meu sacerdócio.
Odiei-me por todas as escolhas, e também por escolher o que
precisava, e não o que queria.
Olhei ao redor, os bancos da igreja pareceram retribuir, cada canto
me vigiando, cientes da despedida, lamentando pelo homem sem rumo, falho
e atormentado.
"Nunc a a a lm a hum a na surg e tã o forte e nobre c om o q ua nd o re nunc ia à
v ing a nç a e ousa p e rd oa r um a ofe nsa . "
Ed win H ubbe ll Cha p in.

É mais fácil odiar a perdoar, remoer a seguir em frente. A


misericórdia, muitas vezes, é esquecer e curar feridas que um dia
acreditávamos serem enormes. É aterrorizante reconhecer nossas falhas
nos outros e compreender que, talvez, o que vemos seja reflexo dos nossos
erros, porque é mais suportável apontar os defeitos irremissíveis do que
admitir falhas perdoáveis.
O perdão, ao ser dado, levaria embora toda a mágoa que nutrimos
por alguém?
Onde há amor, há recomeços.
Dessa maneira, a compaixão de Armando abriu meus olhos. Sentindo
por nós dois, ele soltou minhas mãos e me deixou dar os primeiros passos,
mesmo que isso significasse caminhar cada vez mais distante dele,
abandonando o rancor e a mágoa para trás, restando apenas um olhar de
quem admira um amor ao longe e reconhece a si mesmo nele.
Cada minuto que dirigi até a minha casa, as palavras desistir da
batina ecoaram na minha cabeça. Era o certo a se fazer. Apertei o volante
com força, diminuindo a velocidade.
Ele me mostrou que existia mais bondade do que maldade, não nos
outros, mas em mim. Isso era uma forma de fé?
Sorri, as lágrimas se juntando nos cantos dos olhos. Queria preencher
o meu vazio com sentidos, mas temia que, enquanto eu encontrava, Armando
estivesse perdendo.
Limpei o rosto com uma mão, avistando minha casa.
Estacionei, e já dentro, decidi seguir em frente, como ele fez.
Um dia após o outro, a cama cada vez maior, a saudade batendo
como um vento insistente contra uma janela aberta, que era o meu coração,
esperando por uma visita sorrateira que jamais aconteceria.
Em cada conversa com um paciente, me pegava nostálgica pelas
nossas. E as idas até o quarto do seu pai me fizeram questionar outra vez
sobre a fé. O tratamento não estava dando resultados, e ainda assim, Ari não
estava com medo ou indignado. Parecia aceitar o fim de bom grado,
confiante em sua crença.
Era assim com a maioria?
Queria sentir essa paz.
A segunda semana não foi melhor que a primeira. Remoí sobre seu
perdão desde ao abrir os olhos de manhã, até adormecer na madrugada. A
vida no hospital passava no automático. Sem grandes eventos, emoções,
surpresas, era como se eu estivesse adormecida por dentro, apenas adiando.
E adiando.
Até perceber que imitei Armando. Assustada demais, corri do que
despertava as minhas emoções.
Ao cair da noite, sentada no sofá, o celular na mão, ora um convite,
ora um pesadelo, me enchi de coragem e enviei uma mensagem. Obtive a
resposta poucos minutos depois, e, em meia hora, a campainha tocou.
Foi a melhor decisão?, indaguei-me ao me aproximar da porta, abrir
e encarar minha mãe.
Não saberíamos as emoções dos outros se não déssemos um pouco
da nossa.
Éramos tão semelhantes, que também por isso tinha sentido raiva.
Poderíamos odiar um espelho, ou ele nos odiaria de volta por ser apenas um
reflexo?
— Quer conversar? — Elevou as sobrancelhas ao perguntar.
Dei passagem, ela entrou cabisbaixa, sendo guiada até a sala.
Ódio borbulhava, mesclado com outro sentimento que permanecia no
escuro.
Era ânsia em conhecer a profundidade do seu pedido de perdão?
Poderia dá-lo como Armando fez?
— Sei que liguei tarde. — Apontei para o sofá.
— Nunca é tarde. — Acomodou-se, deixando a bolsa de lado, entre
nós, assim que me sentei.
— Está ainda no hotel?
— Sim. Não sei para onde irei depois daqui, talvez tente conversar
com o seu irmão.
— Ele não gostará se não avisar antes.
— Assim como você se incomodou — murmurou, assenti, o
constrangimento estranho pesou na atmosfera. Comportávamos como duas
desconhecidas. — Como está a residência? — Não parou de me olhar.
— Corrida. Não consigo almoçar em casa, mas vale a pena quando
recebo os recados das mães, me agradecendo por ajudar seus filhos.
— E você tinha medo de sangue quando pequena. — Riu, me fazendo
sorrir. — Dizia que encontraria uma forma de fazer as pessoas não
sangrarem mais.
— Precisamos sangrar — murmurei, ela anuiu, entendendo o sentido.
— Fiquei feliz quando soube que havia conseguido a residência,
torci por você. — O sorriso desvaneceu.
— Me esforcei.
— Precisou ter determinação para chegar onde está hoje. Muitas
pessoas desistem pelo caminho, mas você não, nunca vi se dar por vencida,
mesmo quando poderia...
— Não, não poderia — afirmei. — Não podemos viver a vida dos
outros, assim como não podemos nos anular para sentir as dores do próximo.
— Mas sentir faz bem.
— Mas também nos permite julgar, o que, em muitas vezes, não
temos o direito. — Fui franca, apontando para o assunto do convite.
Minha mãe arregalou os olhos, os ombros tensos, a boca aberta,
queria dizer algo, mas se conteve. Tampouco eu falei.
Eu não tinha o direito de julgá-la, assim como Armando não teve
quando fez comigo. Estar no meio de um divórcio, condenando um lado sem
que nenhum dos dois houvesse pedido.
Ela soltou uma lufada de ar, seguida pela voz trêmula.
— Somos suscetíveis às falhas, é normal. — O sorriso tímido
acompanhado da preocupação. — Julgamos não pelo erro, mas pelo que era.
Queremos que volte a ser igual ao passado.
— Nunca mais vai ser, não é? — sussurrei, criando um sufocamento
que percorreu todo o meu corpo até se tornar um nó na minha garganta e me
fazer prender a respiração.
— Não precisa ser igual — disse baixinho. — Só precisa ser bom.
Nunca voltaremos a ser os mesmos do passado, porque vivemos o agora. E o
futuro também será diferente.
— O que acontece se tivermos medo?
— A vida é muito curta para se prender ao pavor — fechou os olhos,
aflita —, e muito longa para guardar mágoa.
O aperto no meu peito ganhou asas, que pareceu varrer qualquer
controle sobre meu nervosismo, sobre meu choro que insistia em subir aos
poucos, se mostrando pelo marejar e pela voz partida.
— Eu me machuquei — confessei. — Em todas as vezes que
presenciei as brigas, ao ver meu pai chorando, enquanto você se mantinha
distante... Quando tive outra visão de você.
— Todos nos machucamos. — Agora, em sua expressão abatida, vi a
mulher sofrida. — Não posso dizer que tive o mesmo sofrimento do seu pai
ou de vocês. Eu o infligi em vocês, por isso, dói ainda mais no meu coração.
Portas fechadas, gritos, choros, a família se despedaçando. Onde
estava o lar?
Juntei minhas mãos, o movimento de abaixar a cabeça derrubou
minhas lágrimas.
— Você não pensou nisso naquela época — acusei.
— Não tive noção do que perderia. Às vezes nos tornamos tão
impulsivos, que não vemos o início das consequências e até onde elas nos
levarão. — Hesitou. — Em uma das últimas noites, você me chamou de uma
jovem iludida, uma menininha que alimentou o monstro dentro de si. —
Aquilo doeu, respirei fundo. — E era verdade — suspirou. — Criei uma
bagunça em quem eu sou, me aventurei de uma maneira que nunca tinha feito
antes.
— Desprezou nossa família.
— Sim — enfatizou, sôfrega. — Fiz isso. — Olhei-a, com tanta
mágoa que não cabia no meu ser.
— Como espera que tudo se torne igual?
— Não espero. Peço um novo começo. Fui errada, magoei pessoas
importantes.
— Tantos erros...
— Erros meus — interrompeu-me, se volvendo em minha direção. —
Falhas do meu relacionamento. Me arrependo de ter agido daquele jeito, por
ter fugido através das traições. — Uma palavra que nos atacou com seus
espinhos. Ela fungou, levou alguns segundos, perdida no meu rosto, as
lágrimas despencando, os lábios franzidos. Vislumbrei medo. — A verdade
é que o amor acabou. Estávamos casados há trinta e quatro anos, já não
amava o seu pai, não era feliz.
— Mas...
— E como mulher — continuou — me sentia incompleta e
abandonada por mim mesma. Parecia uma vida infeliz demais.
— Por que não terminou? — supliquei por uma resposta que me
fizesse compreender, apertei minhas mãos, a angústia me abraçando com
brutalidade.
— Tive medo. — Exasperou, desesperada. — Por vocês, filhos, e
pelo tempo. Eram trinta e quatro anos que acabariam, me acovardei. Como
aniquilar algo tão grande? Só não percebi que, na verdade, ele já tinha
findado. Nem todos os casamentos duram até o caixão, alguns se apagam
com o tempo.
— Você fugiu. — A noção despencou como uma tempestade fria.
— Temi não saber me definir ao não ser uma mulher casada, tive
receio que o arrependimento batesse. — Sorriu, melancólica, o pranto
acompanhando o meu. — Então, sim, fugi até de mim mesma, tentei ser outra
mulher na cama... No fim, eu também sou mulher.
— Eu sei.
— Também sonhei com um casamento perfeito, um amor duradouro e
sofro com isso. — Chorou, cobrindo o rosto com uma mão. Não a apressei,
também queria o silêncio, porque, ao me colocar em seu lugar, cada parte de
mim se desmanchou em compaixão. Em pânico. E em compreensão. — Sofro
— disse entre os soluços. — Porque me encontro em uma situação que
jamais imaginei. Sinto que perdi mais do que ganhei nessa vida.
— Essas... não seriam consequências?
— Todos nós podemos errar, só precisamos ter alguém que nos ame
o suficiente para nos perdoar.
— Espera isso de mim?
— Você é minha filha, mesmo que sinta rancor, eu sempre a amarei.
Posso não ter conquistado todos os meus sonhos de menina, mas tenho filhos.
Ser mãe é mais do que gerar, é acolher e cuidar para sempre, um amor que
mesmo nas falhas e no ódio, se engrandece.
Fechou os olhos, a dor estampada quebrou o meu coração.
Mesmo magoada, ela ainda era a minha mãe. Como negar o meu
amor?
— Deveria ter pensado em nós. — Funguei, limpando uma lágrima.
— Deveria e me culpo por isso. Era meu dever, e não fiz nada.
— Sem família, como...
— Não — interrompeu-me. — A família ainda existe, Mônica. Ainda
somos, cada um em seu canto, porque existem nossos laços.
— Por que fez isso?! — Encolhi-me no sofá e desabei.
O choro cresceu, o medo por tudo o que poderia ter perdido, pelo
que ruiu, por quem me tornei. Por quem éramos.
Antes que eu pudesse reagir, minha mãe avançou, suas mãos
contornaram meus ombros e ela me puxou contra o seu peito. Abracei-a, tão
forte como se quisesse recuperar todo o tempo. Esse perdurou entre nós, seu
pranto acompanhou o meu. Meu silêncio bastou para que ela entendesse.
— Desculpe-me por nos fazer sofrer — sussurrou contra os meus
cabelos.
Levantei a cabeça, encarando-a.
— O que sente por Armando? — Precisava saber.
Ela sorriu, como se eu fosse ingênua.
— Sempre confundi o sentimento de fuga com paixão. Buscava um
conforto nos outros, que precisava encontrar em mim. Foi isso o que
aconteceu, não só quando acreditei estar apaixonada por Armando, mas com
todos os outros. — Afastou os fios de cabelo do meu rosto. — Armando
soube disso desde o início, eu demorei a enxergar. Não estou aqui por ele —
enfatizou. — O amor que busco é o seu, Mônica. O de uma filha, é o que
preciso e quero para poder me encontrar.
— Está perdida? — Soergui as sobrancelhas, o peito apertado.
— Sim. Preciso me encontrar, me reconstruir, aprender a viver outra
vez. — Acariciou a minha bochecha.
Assenti.
Contra seu peito, quase no seu colo, como se eu ainda fosse uma
criança, me senti em paz. Não só pela voz da minha mãe, por entender
finalmente a mulher que ela era ou ter seu toque em meus cabelos.
Agora tínhamos nos conectado como amigas, como um apoio. Uma
ramificação do que uma mãe era para uma criança, para o que uma mãe se
tornava para um adulto. Não mais aquela que era sua super-heroína perfeita,
que nunca errava, que poderia resolver tudo e parecia só sentir amor pelos
filhos. Ter uma vida só para eles.
Ao me endireitar e a fitar, me vi nela. Uma mulher com anseios, com
uma história, com diversas faces, angústias e amores. Erros e acertos, uma
vida além de ser mãe, um coração cheio de sonhos e alguém que precisava
de um ombro amigo para desabafar suas frustrações e anseios, porque
também era humana.
— Deixe-me ajudá-la. — Encontrei minha voz. — Eu a perdoo, mãe,
por todos os erros, e peço perdão por me esquecer que sou filha e por julgá-
la sem me colocar na sua pele.
Ela sorriu, o riso em meio às lágrimas, seu corpo estremeceu e a
abracei.
— Obrigada — balbuciou.
— Quero que siga em frente. — Alisei os seus cabelos.
— E você?
Afastei-me, ela segurou minhas mãos.
— Estou tentando. Durma aqui hoje — pedi —, fique comigo.
— Sim. — Balançou a cabeça positivamente e espalmou a mão na
minha bochecha. — Amo você — sussurrou.
— Também te amo.
Eu era sangue do seu sangue, carne da sua carne. Filha por escolha e
por amor. Não nutriria uma mágoa por alguém que me amava
incondicionalmente. Nos momentos escuros, precisávamos de reciprocidade.
— Venha — respirei fundo, tentando me recompor de tanto choro —,
vou mostrar minha casa. — Puxei-a pela mão, entrelacei os nossos dedos, o
coração em paz.
Armando estava certo.
O perdão é libertador. Faz mais mal a quem sente rancor.
Juntas, subimos para o meu quarto, onde poderíamos conversar noite
adentro. Tínhamos o resto dos nossos dias para reconstruir o que se rompeu.
Se isso era um caminho para fé, não sabia, mas ao ter minha mãe de volta,
compreendi que só vivemos uma vez. Não podemos nos dar ao luxo de
perder tempo, e pessoas, por sentimentos ruins.
"Que m te m m a is c ulp a ? O te nta d o ou o te nta d or? "
Willia m Sha k e sp e a re .

Não existe momento certo ou errado. Nós o nomeamos assim


conforme o que nos favorece. Eles ocorrem porque precisam acontecer.
Poderíamos atribuir ao destino, mas isso também não faz jus aos infinitos
acasos.
Obra do destino? Deus?
Ainda não era crente o suficiente para acreditar que tudo era vontade
divina. O acaso parecia bom.
Minha fé estava se construindo na ideia de que Jesus desceu à Terra
como homem. Sua humanidade não tiraria sua divindade. Amar não era
pecado, e se um dia firmasse minha convicção, isso não mudaria.
No entanto, crer é único, assim como visões. Cada ser humano
veria uma cor diferente, refletiria uma emoção.
Em minha busca pela fé, encontrei o perdão.
Minha mãe foi embora dois dias depois da nossa conversa, mais
leve, mais feliz. Esperançosa.
Retornei para a minha rotina no hospital. Cada dia daquela semana
que se passou, meu sorriso surgia quando pensava em minha mãe, e se
desvanecia quando o coração pesava por não saber nada de Armando, por
ter evitado visitar seu pai.
— Já está indo? — Vicenzo parou na porta do consultório, a mão
erguida.
— Acho que sim. — Meu relógio marcava 19h da noite. — Só irei
conferir uma paciente.
— Soube que sua mãe esteve por aqui. — Enfiou as mãos nos bolsos
do jaleco, sem jeito.
Levantei-me, desligando o laptop.
— Sim, minha mãe veio. Trouxe-a aqui no hospital. — Peguei minha
bolsa e desliguei as luzes.
Ele me acompanhou pelo corredor.
— E como vocês estão? Na última vez que me contou...
— Nos acertamos — expliquei. — Eles estão bem.
— Mande um oi para eles na próxima vez. — Começou a se afastar.
— Sim. — Sorri. — Assim que eu tiver um tempo e...
— Nunca temos tempo. — Ele riu. — Podemos nos afastar daqui,
mas os pacientes continuam em nossas mentes.
— É a vida que escolhemos.
— Boa noite! — Acenou. — Qualquer coisa, estarei de plantão.
— Obrigada.
No último instante, vislumbrei esperança no seu olhar. Não a retribuí.
Fui até a paciente, e ao observá-la, todo o meu ser insistiu que eu descesse
alguns andares, que fosse até um quarto e visitasse um senhor.
Quantos dias sem conversar com Ari?
Caminhei devagar pelo corredor, relutante.
Queria saber se ele estava bem... Não uma visita.
Sim, só uma informação.
Avancei para o elevador, apertei o botão e desci os andares. Os
corredores vazios me receberam, fui até a recepção, atenta se Armando
pudesse estar por ali. Não queria mais incomodá-lo, este foi o principal
motivo de parar minhas visitas ao seu pai.
— Oi — chamei a atenção da recepcionista, que leu o meu nome no
jaleco. — Sei que não sou médica deste andar, mas poderia me fazer um
favor?
— No que poderia ajudar?
— Tem um paciente neste andar que é conhecido meu, se chama Ari
Ferrazzi. Ele não estava bem há alguns dias, só gostaria de saber sobre o seu
estado.
— Um momento. — Abaixou os olhos para a tela do computador. A
espera foi agonizante, uni as mãos, apertando os dedos.
Quando seu olhar se encontrou com o meu, compreendi. Era o mesmo
que eu estampava quando precisava dar uma notícia ruim a um familiar.
Não precisei escutar.
Recuei, minhas pernas eram gelatinas, o chão pareceu oscilar.
— Quando? — murmurei.
— O senhor Ferrazzi faleceu há três dias, durante a noite. Sinto
muito.
— E os familiares?
— Partiram com o corpo.
O peso da morte caiu sobre mim, tive que me apoiar em uma parede.
Senti seu impacto na feição que tinha por Ari, na lembrança do seu
rosto, da voz, do olhar.
E Ivette? E Armando?
— Obrigada. — Dei as costas, transtornada, meu corpo andou
sozinho, mergulhada em um torpor que só quando o vento do lado de fora do
hospital bateu sobre minha face, percebi que meu rosto estava marcado por
lágrimas. Tirei o jaleco, largando-o no banco do passageiro.
Sem fome, me perguntei sobre a dor de Armando. O que eu sentia não
era nem o começo do sofrimento dele. Mais do que compaixão, a urgência
percorreu todos os meus membros não só como angústia, era algo primitivo,
um querer que me fez dar partida e desligar o cérebro.
Eu precisava estar ao seu lado.
Dirigi com pressa, as lágrimas pingando por minha bochecha, as
mãos suadas contra o volante, o coração dando cambalhotas e roubando
minha respiração a cada salto.
Avistei a sua casa, diminuí a velocidade e estacionei.
No instante seguinte, já estava na sua porta, tocando a campainha.
Nada.
Toquei uma segunda vez.
Nada.
Uma terceira.
Insisti até me dar por vencida. Olhei ao redor, as janelas fechadas,
nenhum sinal de luz.
Talvez estivesse em Pisa com a mãe? É, era possível.
Sem vontade de ir para a minha casa, sentei-me na calçada, em frente
à sua porta. Pela primeira vez, o meu silêncio me trouxe paz. Sob o céu
estrelado, o vento gelado balançando minha roupa, abracei as pernas.
Como eu poderia confortá-lo? Dizer que não era sua culpa?
Ele aceitaria?
Não, não é culpa dele, tampouco nossa. É da vida, uma que não
pode ser julgada nem condenada. Não há crime, nem culpados.
Pela primeira vez, tive fé em Deus.
Orei que fizesse Armando compreender a verdade. Nunca houve
milagre, nada foi tirado por sua escolha em largar a batina.
Se Armando estivesse em seu calvário, que fosse breve e logo
retornasse, com suas feridas cicatrizadas e um novo aprendizado de que a
doença não era um castigo ou ausência de milagre. Apenas a medicina e a
mortalidade.
Orei da maneira mais simples, uma conversa entre as lágrimas por
imaginar o pesar dele, por saber que sua visão era fechada quanto a
coincidências. Encararia como consequência. Coincidências são fáceis
demais para serem explicações, é mais coerente o caminho difícil.
Os transeuntes atraíram minha atenção. Contemplei-os por minutos.
A morte. Sem discriminação, chega para todos.
Como consolar alguém que perdeu a pessoa amada? Encontraria
palavras, como Armando fez quando bati em sua porta, a tempos atrás,
chocada com a morte de uma paciente?
Direi que foi desejo de Deus?
Não, é o ciclo da vida, não um desejo.
E era isso que me dava medo, sem ninguém para apontar o dedo, sem
desvio ou desculpa. O único milagre era o humano, a medicina.
Ele precisaria compreender o estado do seu pai, mas como fazer
alguém enxergar quando se acostumou a se fingir de cego? Acreditou por dez
anos, depositou a fé na batina, e agora perderia ambos.
Seu milagre nunca existiu, criado em sua cabeça, se tornou padre por
uma ilusão. Ari adoecer outra vez foi trágico, mas possível. Humano. E
coerente à doença.
Escondi o rosto entre meus braços e chorei baixinho, me sentindo
pequena, me agarrando a algo maior.
Não sei quanto tempo se passou até a minha tristeza diminuir, ir para
o carro e dirigir para casa.
Naquela noite, e em todas as outras que se passaram durante a
semana, bati em sua porta. Sempre sem resposta. Determinada a confortá-lo,
não porque devia isso a ele, mas por sentir a sua dor.
A paixão nos leva a confortar quem segura nossas mãos, e
apaziguar a dor que sentimos pelos outros.
No final da semana, dirigindo no mesmo caminho de todas as vezes,
vi as luzes acesas da sua casa. Meu coração congelou no peito, o sangue
parou, engoli a respiração, tomada por receio.
Deveria?
Ou isso só pioraria a sua situação?
Estacionei, sem sair do carro, as mãos ainda no volante, a cabeça
abaixada e minha mente inundada de diversas versões do que poderia
suscitar a minha presença.
Em todas elas, estar ali era melhor do que não dar apoio.
Saí do carro, sem pensar muito. Só precisava... ir.
Toquei a campainha, a ansiedade traiçoeira percorrendo a pele, a
expectativa me deixando inquieta.
A porta se abriu com brusquidão, a pouca luz que vinha de dentro me
deu um vislumbre de Armando. Ele não precisou dizer que sofria, seus olhos
falaram por ele.
— Mônica? — A voz rouca completou a tristeza do seu semblante: a
barba por fazer, a exaustão em cada linha de expressão.
— Bem — sem jeito, abracei meu corpo —, posso entrar?
— Sim. — Relutante, me deu passagem.
Seguiu-me até a sala, iluminada apenas por um abajur de canto.
Sentei-me no canto de um sofá, aguardando que ele se aproximasse, mas não
o fez.
Parado no meio da sala, defronte para mim, cabisbaixo, foi como se
o imenso mundo de dor que ele sustentava nos ombros, se tornasse visível.
O silêncio arrastou a minha aflição, a sua desolação.
— Como você está? — cortei-o, o nó ardente na garganta, parecia
meu coração tentando sair. Ele respirou fundo, estagnado. — Eu soube —
disse o que estava implícito na minha visita.
Seu choro me assustou, levou a mão até os olhos e os cobriu. Um
soluço estremeceu seu corpo, tamanho sofrimento que encheu meus olhos de
lágrimas, o desespero tocando no meu íntimo e me calando por minutos.
Minhas lágrimas escorreram pela face, cobri a boca com a mão,
incapaz de encontrar palavras que pudessem alentar a devastação. E foi ela
que vi quando ele ergueu o rosto, expondo o grito mudo da sua alma e
sussurrou, em desespero:
— Eu fui abandonado.
Soube que não era do simples abandono que falava.
Em seu calvário, ele deixou sua fé e esperança.
"Se um hom e m tiv e r re a lm e nte m uita fé , p od e d a r-se
a o lux o d e se r c é tic o. "
Frie d ric h Wilhe lm Nie tzsc he .

Fui julgado, levado ao inferno e deixado lá.


Quem poderia ter misericórdia? Eu merecia?
Minha fé na bondade não me levou a nada, pelo contrário, crente
demais, cogitei abandonar a batina e assim acabei com o meu milagre.
Tirou meu pai.
Castigou-me.
Culpado, não pude diminuir o sofrimento ao fitar o caixão, me
despedir, ver a terra cobrir a madeira, palmos nos separando, remorso me
corroendo.
— Por que se sente assim? — Mônica indagou, fitei-a, tão perdido
em meu desespero que abri a boca, mas demorei a encontrar a voz.
— Por que não me sentir desse modo?
— Todos morrem, isso não é abandono.
Neguei com veemência, o cenho franzido.
— Eu não esperava...
— Ninguém espera, por mais grave que seja a situação. É normal.
— Não diga que é normal! — bravejei, a dor extrapolando o
suportável, arrancando minha racionalidade.
Queria gritar, destruir, bater em mim mesmo.
Encolher-me no chão e ali ficar.
Mônica arregalou os olhos, dei as costas, não queria ver suas
reações.
Apoiei as mãos na prateleira acima da lareira e chorei.
— Não faça isso consigo mesmo. — Sua voz chegou antes da sua
presença.
— É minha culpa, apenas minha. — Um padre falho, um homem
errado, um filho inconsequente.
— Não, não pode se culpar desse jeito. — Sua mão pousou no meu
ombro.
— Então, quem eu culparei? — Virei-me, frente a frente com ela. —
Deus? Ele não seria culpado, são consequências das minhas escolhas!
— Não há culpado, Armando! — Perdeu a paciência, suas lágrimas
me surpreendendo. Recuou até se sentar outra vez, sem desviar o foco. —
Deus jamais faria isso, porque também não foi a causa no início. — Sua
convicção me irritou. — Ele não poderia tirar... — Firme, as palavras como
chicotadas. — Porque nunca houve milagre!
— O que está insinuando? — sussurrei.
— É disso que se trata o seu desespero, não é?
— Não...
— Prometeu se tornar padre se o seu pai melhorasse?
— Pare.
— A medicina fez sua parte, ele se recuperou, e você abdicou de
tudo para seguir uma ilusão que criou!
Suas lágrimas resvalaram. As minhas pareciam labaredas mostrando
o fogo que incinerava o meu coração.
— Por favor. — Coloquei as mãos na cabeça.
— Nunca foi sua escolha, Armando.
— Não...
— Trocou sua namorada, tudo o que planejou quando novo.
— Foi um...
— Não foi um milagre! Foi apenas uma coincidência. — Implorei
com o olhar para que parasse. — Assim como agora, que decidiu seguir
outro caminho e o câncer retornou.
— Não.
— Eu vi o estado clínico do seu pai.
— O quê?
— Os quadros que tiveram o retorno de um câncer como o melanoma
são graves, como o caso do seu pai.
— Não é verdade!
— Milagres não curam câncer, a morte não é castigo e o retorno de
uma doença é natural!
— Está dizendo que não houve milagre? — A cólera me atingiu,
embrulhou meu estômago, fez o suor brotar pelos poros e trinquei os dentes.
— Você? Com sua descrença e ceticismo ousa me dizer no que acreditar ou
não?
— Não. — Ergueu a voz. — Não digo no que acreditar, cada crença
é única. Estou afirmando que você espera demais de um milagre que nunca
existiu! Só houve tratamento, até a sua mãe sabia disso!
— Não! — rosnei, dando as costas, tão destruído que meu corpo
pesava. O choro baixo cortando o silêncio que durou alguns segundos, até
Mônica continuar.
— Não sou mais descrente, muito menos cética. Acredito em Deus e
recorri à fé quando soube da morte do seu pai. Ele é bondoso, jamais
mataria, só deixou o ciclo da vida acontecer, enquanto você se culpa, sendo
egocêntrico e arrogante!
Se tinha algum resquício de lucidez em mim, se extinguiu quando
ouvi suas últimas palavras. Voltei-me contra ela, minhas mãos tremeram de
fúria, destituído de controle.
— Egocêntrico e arrogante? — Minha voz reverberou pela sala.
— Acha que tem o poder de acabar com um milagre, se tivesse
acontecido um? — Levantou-se, me enfrentando. — Acredita que suas ações
determinam a vida de uma pessoa?
— Sim!
— É muita arrogância sua! — No meio da sua compaixão, a raiva
ganhou lugar. — Acreditar que é o causador! É muito egocentrismo seu
pensar que está acima da natureza humana ou que tem o poder de influenciar
ações divinas!
— Não! Não é assim... — Minha voz quebrou com o soluço,
semicerrei os olhos. Doía, tanto que transbordava. Caí de joelhos, fraco, o
chão parecia sumir, o mundo se encolher. Lançado contra todos os meus
tormentos, o grito que dei não extravasou a angústia que afogava meu peito.
— Não! Como... — Olhei para Mônica. — Deus não poderia apenas
assistir! Eles não poderiam ser apenas uma plateia disso tudo!
— Armando...
— Há milagre! Eu vi!
— Como você viu?
— A recuperação do meu pai. Eu tive fé!
— Ter fé não move montanhas, nem faz milagres. — Tão franca que
um tapa doeria menos.
— Não acredita porque nunca precisou! — rosnei. — Nunca teve fé
durante dez anos, nem perdeu por uma escolha.
— O que você perdeu?
— Ganhei em troca o milagre. — Recusei alimentar meus demônios.
Encarei-a, transtornado.
Por alguns minutos, ela só observou o meu estado.
— Acredita em Deus ainda?
— Deus foi bondoso, mas eu o abandonei... Me abandonei.
— Deus sempre foi bom, mesmo quando você acreditava ser pecado,
também era bondade. Sabe por que você se culpa? — Um vinco surgiu no
meio das sobrancelhas.
Ela se aproximou e se agachou na minha frente.
— Não...
— Você gosta da culpa, adora tentar encontrar respostas que o faça
se sentir culpado.
— Insinua que eu me faço de vítima quando estou sofrendo pela
morte do meu pai? — Cuspi as palavras. — Me culpo sim! Não zombe da
culpa da minha escolha e da minha felicidade pelo milagre!
— Um para compensar o outro.
— Um para perdoar o outro. — O lamento veio da minha alma.
— Deus faria um milagre para o perdão? Não seria muito humano e
cruel isso?
— Talvez a bondade não seja pura — sussurrei, agoniado.
Assustado.
— Então não seria bondade, e nem viria de Deus. Uma vez você me
disse que Deus não faria o mal, não do jeito que eu encarava a morte —
arregalei os olhos —, onde está a sua crença agora? — Exaltou-se. — Onde
ela está?
— Morta com o meu pai. Eu a enterrei naquele cemitério.
— Então você está mentindo para si mesmo.
— Não! A fé em mim mesmo... Não mereço ser olhado e cuidado por
Deus. Eu não poderia...
— O que não poderia?
— Pedir mais do que mereço. Foram tantas falhas... Tantas... —
Agonizei, o choro aumentando. — Diga que eu sou arrogante e egocêntrico...
mas não, não sou merecedor da bondade... Porque escolhi você no lugar
dela.
— Chora por isso?
— Não aguento...
— E por isso, não poderia merecer o perdão também?
— O perdão é para quem busca. Eu não desejo mais nada.
— Isso não é descrença, é só você se condenando. Está implorando
que Deus o abandone, mas nem disso tem certeza. — Ela viu minha dor,
esticou o braço e tocou no meu rosto. Fechei os olhos, estremeci diante do
contato. — Não queria presenciar seu sofrimento — sussurrou. — No
entanto, jamais o deixaria neste estado.
Em desespero, a desejei.
Uma loucura para arruinar de vez quem eu era. Um conforto na carne,
nos seus braços, nos meus tormentos.
Peguei sua mão, mantendo-a presa, nossos olhos nos despindo, a
minha súplica silenciosa. Doía, e doeria mais se eu a tivesse, se pudesse
puxar seus cabelos, presenciar o prazer no verde dos olhos, os lábios
ressecados de ofegar, as bochechas coradas, o suor que percorreria seu
pescoço e pousaria entre os seios.
Soltei sua mão e agarrei seus cabelos pela nuca, colando nossas
bocas, roubando o seu ar e a aprisionando contra o meu corpo. Língua contra
língua, respirações entrecortadas, maltratei os seus lábios, o desespero
misturado com a saliva.
O p ior infe rno é a q ue le q ue e x iste d e ntro d e c a d a um d e nós.
Aug usto Bra nc o.

Se o amor fosse um pecado, eu seria um grande pecador.


Rendi-me a todos os sentimentos conflitantes, ao meu egoísmo, e,
também, ao meu julgamento.
No abandono, ansiei por me perder mais.
— Não. — Mônica me afastou com brusquidão. — Não dessa forma.
— E de que forma quer que seja?
— Não com raiva — encarou-me, surpresa —, nem mágoa. Não é
sexo o que você quer.
— E o que eu quero, Mônica? O que eu quero que Deus algum dia
possa me dar? Paz?
— Você quer amor, perdão. Mas não há mais ninguém para perdoá-lo
que já não o fez, a não ser você mesmo. Quer se machucar mais...
Angustiado, abaixei a cabeça, sentado sobre minhas pernas.
— Palavras são fáceis, praticá-las é quase impossível.
— Você me deu o perdão, qual a dificuldade de dá-lo a si mesmo?
Ergui a cabeça, as lágrimas embaçando minha visão.
— Não consigo. Eu me conheço, por isso, não quero receber ou dar.
— Se não parar de se julgar tanto pelos erros do passado, continuará
repetindo-os no futuro. O seu agora é um nada, porque mesmo com fé, você
é descrente. Mesmo enxergando, é cego. Mesmo vivo, está morto.
— Não pode dizer isso — murmurei, amargurado.
— Eu esperava encontrar você afundado, ou até atormentado — seu
olhar pesou —, mas não desse jeito, tão descrente de si mesmo. E eu vejo o
porquê.
— Vê? — Estreitei os olhos, os punhos fechados.
— Você se colocou em um pedestal, como se fosse bom ou divino,
incapaz de falhar. Não se perdoa porque não admite que seja suscetível ao
pecado e erro, como todos nós. — Sua decepção foi a última martelada
contra o prego que perfurava o meu coração.
— Por que veio? Para me julgar desse jeito?
— Não, queria ajudar você, não enterrar de vez o homem por quem
eu tinha tanta fé, mesmo vendo suas falhas. Comporta-se como uma criança,
buscando o culpado e o juiz.
— Você me condena por isso — sussurrei. — Veio me ajudar, mas
não suporta me ver caído. Como ajudar os que estão no chão, se nega vê-
los?
— Eu vejo sua dor, Armando. Amo você e, por isso, não irei
incentivar seu martírio. — Dura, direta e magoada.
Ela me amava.
Tão perdido que estava, demorei para mirá-la e assimilar que tudo o
que mais quis... foi ouvir essas palavras.
Foi a sua forma de dizer adeus?
Que também estava me abandonando?
Não, fui eu quem terminou, quem a afastou. Agora, ela tinha
estendido as mãos para me amparar, não para voltar.
No chão, na minha poça de lamentação, me odiei.
Não queria só chorar e sangrar. Queria me ferir de todas as formas
possíveis, provar o que perdi, aumentar a culpa que já me esmagava.
Dar-me ao luxo de amar, mesmo que isso intensificasse a devastação.
Mônica se moveu, começando a se levantar. Agarrei seu braço,
desesperado.
— Armando... — Surpresa, tentou se esquivar.
— Não... Não me deixe agora — supliquei, afundando meus dedos na
sua epiderme.
— O quê...
— Por favor. — No instante seguinte, me joguei sobre ela, a mão
encaixada abaixo da sua orelha, busquei sua boca, meu corpo despertando ao
empurrar o seu contra o chão.
O sangue pulsou em cada veia até minha ereção, o coração
martelando contra o peito, cada pelo arrepiado pela noção de que Mônica
estava embaixo de mim.
Queria devorá-la. A fazer minha.
Tão minha que seria só o meu pecado.
Abri seus lábios, enfiei minha língua, dominando a sua, ditando um
ritmo urgente, uma ânsia desmedida por mais do seu sabor.
Minhas mãos desceram para o seu corpo, deslizaram pela blusa,
puxando-a para cima. Afastei a boca da dela, somente o tempo para passar a
roupa, volvendo a devorar sua língua, chupá-la, mordiscar e me lambuzar
com sua saliva.
Mônica arfou quando tirei o seu sutiã e alcancei seus seios, os
chupei, deixei mordidas pelo caminho, mamei com fome, o bico intumescido
brincando dentro da minha boca.
Ardi no fogo quando arranquei o que restava da sua roupa, agora a
minha pressa acompanhada da sua. Abri suas pernas e me fartei da sua
boceta até que gemesse meu nome repetidas vezes.
O quanto senti falta do seu sabor delicioso, da forma como seu corpo
vibrava com o meu.
No desespero, a brutalidade com que me despi e a penetrei, me fez
enlouquecer.
A fodi contra o chão, suas pernas envolvendo o meu quadril, seus
braços jogados para cima. Prendi seus pulsos com as mãos, o suor brotando
na minha nuca conforme estocava com violência dentro dela.
Uma.
Duas.
Três.
Enterrei-me sem cessar, tão sedento que soltei seus pulsos, prendi
seu quadril e o ergui do chão. Ansiava ir mais fundo, além, a possuir de
corpo e alma.
— Armando... — gritou quando a joguei para o lado, coloquei-a de
quatro, empurrando sua cabeça para o chão, os dedos enrolando seus fios e
meti na sua boceta.
— Ohhhh! — urrei.
Sua musculatura apertou meu cacete, estava tão molhada.
Espetacular.
Puxei-a pelos cabelos, erguendo seu tronco e o envolvendo,
belisquei seus mamilos, arremetendo ajoelhado, suas costas coladas no meu
tórax, sua bunda contra o meu ventre.
Ela estremeceu, sua voz se perdendo de prazer, o cheiro de sexo ao
nosso redor, reforçado pelos nossos gemidos ininterruptos.
Saí do seu interior, para penetrar outra vez, fundo.
Duro.
Estoquei sem parar, seus fluídos besuntando meu pau até minhas
bolas, suas mãos agarraram minha cabeça e virou o rosto sobre o ombro,
calando o meu rosnado com um beijo profundo.
Meu pênis em um vaivém, nossas estruturas atritando, suores
misturados, lasciva e libertinagem escorrendo com nossas salivas.
Transei como um animal em seu último dia de vida. Tão feroz, tão
enlouquecido, mordi seu ombro, lambi seu pescoço, masturbei seu clitóris
enquanto ela me engolia até o talo.
E quando gozei dentro de Mônica, arrepiado em cada arremetida,
esporrando devagar, tive meu momento de paz. Aquela sublime, quando
esquecia quem eu era e onde estava, vivendo o orgasmo por completo, sendo
jogado em um abismo de deleite. Respirações entrecortadas, batidas
ensurdecedoras do meu coração, eram o que estavam comigo enquanto o
limbo me deixava feliz.
Um êxtase tão imensurável que viveria nele.
Meu pau ficou sensível, ainda sentindo o aperto de Mônica.
Afastei o quadril e desabei sobre ela, a bochecha contra suas costas
suadas.
— Mônica... — Arquejei, exausto.
— Estava com saudade de transar... com você. — Sua voz
entrecortada e rouca me arrepiou.
Anuí, de olhos fechados.
Ambos nus, jogados no chão, lambuzados e grudados.
Um tempo que pareceu eterno, mas que durou apenas alguns
segundos, em que pude fugir da minha mente e descansar.
— Preciso ir. — Ela se mexeu, me empurrando. Trouxe-me para a
realidade, um choque perturbador.
Resvalei para o lado, me sentando.
— Fique — pedi, incapaz de encará-la.
Sentou-se defronte. Podia ver meu olhar marejado?
A feição amargurada?
A desolação que não poderia ser descrita em palavras?
Senti-me destruído.
— Eu ficar não fará você conseguir o perdão. — Hesitou. — Olhe
para mim, Armando. — Obedeci, vacilante. E ao chegar aos seus olhos, meu
ser se despedaçou. — Não sou eu quem precisa dá-lo, é você. A sua culpa é
uma ilusão.
— E o sexo... E...
— Estávamos com saudade, mas ainda assim — respirou fundo — é
só sexo. Você estava certo quando me afastou. Agora você precisa se
encontrar.
Levantou-se, recolhendo as roupas.
Em torpor, a assisti se vestir.
Uma parte de mim morreu quando ela me olhou e sorriu.
— Perdoei minha mãe.
— É? — Atordoado, não consegui formar uma pergunta.
— Você me ensinou o perdão.
— E ela?
— Minha mãe irá recomeçar, sem mágoas do passado, sem se julgar
pelos erros. Ela tem uma vida pela frente. — Compreendi sua indireta.
— Todos se perdoaram? — Afligi-me.
— Sim, meu pai foi o primeiro a perdoar, muito provável por ver
suas fraquezas. Eu... Meu irmão.
— Você foi a que mais se magoou.
— É, quando amamos, também sentimos em demasia. — Assenti, o
olhar cravado no chão. — Como foi...
— O velório? — concluí a frase. Parecia que tinha algo entalado na
minha garganta, que impedia a passagem do ar. — Descobri que, às vezes, o
que dizemos para confortar as outras pessoas não é o suficiente para nós. —
Expressei o vazio que existia no meu âmago.
— O melhor conforto só encontramos em nós mesmos. — Tão franca
que não pude refutar, apenas assentir e deixar uma lágrima escorrer. —
Estarei aqui se precisar, e espero que o veja como o homem que é. Inteiro,
não os pedaços de quem aceita ser destroçado.
— Boa noite — balbuciei, o queixo tremeu.
Uni as mãos, apertando-as, ouvindo os passos de Mônica.
— Boa noite. — Sua voz soou ao longe, seguida da porta se
fechando.
Não sei quanto tempo se passou em que fiquei ali, jogado no chão da
sala, remoendo uma verdade terrível: em algum momento eu precisaria
enfrentar de vez meus tormentos. Ninguém faria isso por mim.
É nosso dever carregar a nossa cruz até o calvário e deixá-la lá.
Mesmo que doa. Que pese, que nossas pernas vacilem, nos façam
cair, ralar os joelhos, sangrar as mãos e ombros, achar que a subida é tão
íngreme e longa que será impossível chegar ao topo.
Mas, para isso, eu precisaria parar de me esconder, de me acovardar.
De temer sofrer e, ao mesmo tempo, só saber viver dessa forma.
Era cômodo o meu inferno, no entanto, se tornou tão insuportável que
se eu não saísse dele, definharia até só restar uma amarga lembrança do que
era viver.
Pod e m os fa c ilm e nte p e rd oa r um a c ria nç a q ue te m m e d o d o e sc uro; a re a l
tra g é d ia d a v id a é q ua nd o os hom e ns tê m m e d o d a luz.
Pla tã o.

O amor é paciente o suficiente para abrir mão sem esperar que


volte, e sábio para saber que a felicidade não está em ter, mas em sentir.
E, talvez, o amor também seja o sentimento mais judiado de todos.
Suporta desde a ira até a indiferença, da companhia ao abandono, e se
acaba, se torna uma tristeza.
Por isso, eu tinha fé. No amor, naquele dado e no recebido, até
mesmo naquele que se perdia nos caminhos, mas que um dia poderia se
reencontrar. As paixões nada mais eram do que minúsculos amores que
aprendíamos a sentir.
Fui frívola, criei uma redoma de frieza durante minha vida, não por
amar, mas por fugir da emoção. O desapego emocional como uma defesa
para não sofrer. Diante da raiva, do desprezo, da perda, da morte, há uma
dor imensurável dentro daquele que ama. Não queria sentir.
Usava a ciência para explicar as reações do corpo diante do encanto,
como o arrepio, a dilatação das pupilas, a sensação de segurança. Mas como
esmiuçar o coração calmo, o conforto, a sensação de olhar para um lugar
vazio e sentir falta de algo que o preenchia? A subjetividade não possuía
teoria. Cada coração batia conforme sua necessidade, se apertava conforme
sua urgência e se expandia em compreensão quando necessário.
Foi nessa subjetividade que senti dor, a perda.
E, também, o conforto.
Armando não partiu por não me amar. Perdidos, nos tornávamos
frágeis demais, e precisávamos criar morada somente dentro de nós, como
quem escondia suas feridas dos outros.
Despedaçado, ele precisava encontrar sua fé, como descobri a
minha.
Eu fui a serpente que tentou o padre.
Agora, era sua escolha o caminho a seguir. Abandonar o passado, se
perdoar, e me deixar para trás. Acreditar em nós. Deixaria que ele
descobrisse o paraíso que precisava.
Encarar a nós mesmos poderia ser o verdadeiro inferno. Reconhecer
a feiura, o que desprezávamos, as falhas que nos tornavam miseráveis e os
traços que ignorávamos por não admiti-los. Nunca haveria paz se não
existisse adoração por si mesmo.
Já sem meus problemas, somente a saudade me acompanhava.
A cama vazia, os cantos silenciosos, aquela ligação ou mensagem
que não chegava. A expectativa quebrada após um dia inteiro de trabalho ao
lembrar que ele não estaria me esperando em casa.
Ainda o esperava nas duas semanas que se passaram. Se fosse sua
escolha seguir adiante, aprenderia a lidar.
Ele me amou, eu o amei, e isso bastou. Aprenderíamos a amar novas
pessoas.
— Irá almoçar? — Vicenzo me despertou do devaneio ao bater na
porta.
Arregalei os olhos, mirando o relógio.
— Não, preciso passar e conferir um paciente. Acabei me atrasando.
— O consultório abre às 13h30 da tarde.
— Consegue me cobrir por alguns minutos? — Sorri, me levantando.
— Aceito um café da manhã. — Anuiu.
Peguei meu jaleco e passei por ele, corredor afora. Se ainda tinha
mágoa, ele soube disfarçar e se manter ao meu lado como amigo.
Fui até meu paciente, observei seu leito, conferindo o estado da sua
saúde. Na volta, a enfermeira com quem tinha conversado pela manhã,
despontou do outro lado do corredor, os olhos fixos em mim.
— Dra. Fattin — chamou-me, avançando em minha direção.
Gelada, aguardei, o sorriso nervoso, as mãos suadas.
— Sim?
— Aqui está o que pediu. — Ergueu o envelope na minha direção.
— Obrigada. — Segurei-o, enfiando no bolso do jaleco, como se
fosse um crime.
A cada passo que dava até a minha sala, meu coração aumentava a
batida. Aérea, o nervosismo varria meu controle, o tremor nas mãos, a boca
seca, a ansiedade mesclada com medo. Como quando estávamos diante do
desconhecido, e, despreparados, apanhávamos para a imaginação que criava
diversos cenários, a angústia que engolia nossa racionalidade.
Ou o primitivo pavor.
Guardei o envelope na bolsa e não o peguei mais durante o dia.
A distração da rotina foi bem-vinda, e fez falta quando cheguei em
casa e larguei o envelope sobre o sofá, me refugiando na cama.
Deitada no escuro, refleti.
Eu precisava abrir.
Fugir não mudará nada.
O que acontecerá após conferir?
Eu o amo.
A imaginação, às vezes, nos dá asas enormes, mas se o espaço é
pequeno, jamais alcançaremos grandes altitudes.
Era isso que os diversos cenários projetados na minha mente estavam
fazendo.
Por que estou fugindo, criando situações, quando o real está na
minha frente?
Sou uma criança com medo?
Não, meus pequenos pacientes enfrentavam a dura realidade, as
notícias péssimas, e mesmo com lágrimas nos olhos, sorriam e confortavam
os pais.
As crianças são corajosas porque ainda não conhecem o medo. Os
adultos, por estarem familiarizados, se apegam nele.
Minhas palavras, ditas há um tempo, ressoaram:
Deixe o tempo decidir... sobre o envelope fechado e o perdão.
Am a r é um a form a d e c re r e m silê nc io.
Pa d re Fá bio d e Me lo.

O impulso faz parte do instinto animal, oposto à razão, nos leva a


cometer loucuras como se fossem necessidades.
Também devemos a ele a coragem e as falhas, nos tornando mais
humanos, equilibrando nossas virtudes e apontando o que devemos
aprender e como não nos machucar mais.
Era ele quem me impediu, por uma semana, de rasgar o envelope e
ver, tentando me preservar de mais machucados.
Fé em Deus, crença na ciência, ambos coexistindo dentro de mim.
Bondade e maldade, evolução e criação.
Instinto e razão.
Isso tudo me tornava humana, não um diabo ou anjo, como Armando
declarava com o olhar. Não era pura ou de todo bondosa. Contudo, também
já não me julgava como cruel.
Errava tentando acertar. Cedia a impulsos sem pensar com clareza.
E me dei por amor, sem pensar no amanhã. Assumi riscos.
Fechei a mala, sem uma direção específica, me sentei na cama,
fitando a bolsa e suspirei.
Onde encontraria Armando?
Ao bater na sua porta há duas noites, descobri que tinha ido viajar, já
fazia uma semana que tinha lido aquele papel.
Levantei-me e saí do quarto com a bolsa e a mala, desliguei as luzes,
verifiquei se tudo estava trancado e enviei uma mensagem para Vicenzo,
agradecendo por cobrir meu horário.
Tranquei a casa e acomodei a mala no bagageiro, me sentando atrás
do volante, sem um rumo certo. Precisaria começar pelos seus últimos
passos.
Dirigi até a igreja, a nostalgia ao observá-la. Fazia semanas que eu
não ia, um turbilhão de sentimentos me inundou.
Quando entrei pela primeira vez, vendo Armando, pedi para me
confessar, o provoquei.
Estive lá, testando-o. Cutucando-o. Dando mais de mim do que
percebia.
Desci do carro, subi as escadas e adentrei. Fiz um sinal da cruz,
conversando em silêncio com Deus enquanto me aproximava do altar. Uma
senhora o organizava, sem prestar atenção em mim.
— Senhora? — Chamei sua atenção.
— Oh! — Sorriu, repousando as mãos. — Precisa de alguma ajuda?
— Sim, sou... — Hesitei, olhando ao redor. — Já faz algum tempo
que não venho aqui. Saberia me dar alguma informação sobre o padre
Armando? — Emendei perante seu olhar de indagação. — Tenho uma
encomenda para ele, e não consigo entrar em contato.
Suspirou, frustrada.
— Padre Armando saiu da Igreja já há algum tempo.
— Sim, vi que sua casa está fechada.
— Ele pediu afastamento — explicou, me chocando. — São coisas
da vida, não é? O que parece certo na juventude pode mudar conforme o
passar dos anos, deve ter sido isso. Ele é um bom moço.
— Sim — murmurei. — Saberia me informar para onde foi ou se
possui algum telefone? — Seu celular estava fora de área.
— Acho que tem um número de emergência de quando começou aqui.
— Pareceu pensar. — Um momento. — Deu as costas e adentrou por uma
das portas na lateral. Aguardei alguns minutos, retornou com um papel. —
Aqui. — Sorriu, me entregando. — Acredito que seja a mãe dele.
— Obrigada. — Retribuí o sorriso, a expectativa me dilacerando.
Ofeguei, tão nervosa que a minha ida ao carro passou como um
borrão, meu coração retumbava, o suor frio se empertigando, a noção de que
estava mais próxima de conseguir.
Não dei partida, o olhar fixo na igreja, uma mão no volante e a
ansiedade em níveis estratosféricos, disquei para o número.
Chamou uma, duas, três.
— Alô? — A voz de uma mulher.
— Com quem falo?
— Ivette, quem gostaria?
Sorri, um tanto aliviada, mas a tensão ainda maior.
— Ivette, é a Mônica... Mônica Fattin, amiga de Armando.
— Ah! — suspirou alegre. — Claro, não me esqueci de você. Está
tudo bem?
— Sim, está sim. — Ponderei. — Sinto muito por Ari, soube há
algum tempo... Gostaria de vê-la — completei.
— Já estou em Pisa — lamentou.
— Eu sei, quero ir aí — expliquei.
O silêncio me deixou apreensiva.
— Vou adorar recebê-la — disse por fim. — A casa está muito vazia
agora. — Com isso, entendi que Armando não estava lá.
— Daqui a algumas horas estarei aí, então. Poderia me passar o
endereço por mensagem?
— Claro. — Notei pelo timbre que estava estranhando, mas não
disse nada. Despedimo-nos em seguida e com o seu endereço no GPS, dirigi
em direção às respostas que ela poderia me dar.
Na última vez que vi Armando, ele se culpava, sem esperanças.
Tive algumas suspeitas sobre o motivo de ele se jogar nesse abismo
escuro, mas também não questionei.
Seria muita maldade trazer à luz os tormentos dele.
Contei apenas para minha mãe, reconstruindo nossos laços. A cada
ligação que ela me fazia, perguntando o necessário, receosa por ser muito
intrometida, confessava um pouco mais de mim.
Cheguei a Pisa antes do previsto, perto do meio-dia. A viagem
pareceu durar minutos, do tanto que estava perdida em pensamentos.
Ciente de que Armando não estava lá, depositei minhas esperanças
em Ivette. Pelo GPS, me localizei nas ruas, peguei uma estrada que seguia
para os arredores e vislumbrei uma grande casa no final. Um gramado se
estendia ao redor dela, junto com árvores, uma varanda ligada à casa de dois
andares.
Estacionei na frente, tranquei o carro e avancei apenas com a bolsa.
Subi os degraus, admirando a grama aparada, a forma como o vento
balançava as copas, a sombra convidativa naquele sol forte. O cheiro de
terra, de madeira e de um lar me acalentaram.
A porta se abriu.
— Mônica. — Ivette sorriu, recuando. — Entre, por favor.
— Obrigada. — Acompanhei-a pelo corredor, a casa com tons
alegres, tapetes espalhados, o assoalho de madeira estalando. Fotografias
emolduradas nas paredes davam mais atmosfera de lar, o sol invadia a sala
pela grande janela que levava para a varanda.
— Fiquei surpresa com a sua ligação — confessou, me levando até a
sala e me oferecendo um sofá.
— Precisei ligar. — Sorri, constrangida.
— Por um momento — sentou-se ao meu lado — achei que você
estava procurando Armando, mas quando quis vir mesmo assim, fiquei tão
feliz. — Pegou minha mão, apertando-a entre as suas.
— Queria conversar com você e foi uma oportunidade...
— Fiquei preocupada com você — confessou, elevando as
sobrancelhas. — Ari me contou que sempre o visitava. — Encolhi-me,
envergonhada. — Me disse que adorava conversar com você, que o fazia se
esquecer um pouco da vida. E que lhe dava esperanças sobre Armando.
— Também gostava dele — murmurei pesarosa. — Como está a vida
agora, sem ele?
— Estou voltando à rotina. — Deu de ombros. — A casa, às vezes,
parece vazia, mas ainda assim é um lar, e sinto Ari por aqui.
— É uma casa muito bonita. — Tentei contornar o assunto.
— Ah — sorriu —, é sim. — E se empolgou, me contando sobre a
construção, sobre a infância de Armando e logo começamos a rir, nos
perdendo em histórias do passado por quase uma hora. — Construímos há
mais de quarenta anos, e a reformamos há pouco tempo. — Pausou, o olhar
de quem queria falar algo mais.
Foi a minha vez de trazer a sua mão entre as minhas.
— Sei que não somos próximas, mas se quiser contar o que está
sentindo, estou aqui.
— Obrigada. — Respirou fundo. — Fiquei feliz quando a vi com
Armando, quando ele finalmente fez escolhas certas.
— Não é bem assim.
— Não, era a escolha certa, tenho certeza! Armando não tinha
vocação, nunca teve, conheço meu filho. Era um sofrimento silencioso e até
Ari via... Acho que ele morreu feliz, por saber que nosso filho tinha você.
Abaixei a cabeça.
— Mas não estamos mais juntos.
— Foi escolha de Armando, não é?
— Nossa. Tivemos alguns problemas em nossas vidas, o amor
precisou ficar em segundo plano.
Ela assentiu, desviou o olhar e fitou um porta-retratos antigo sobre a
mesinha de canto. Uma foto dela, de Ari e de Armando.
— Sinto a casa vazia pela primeira vez. Familiares e amigos
passaram por aqui, mas sinto tanto a falta dele.
— Vocês viveram juntos por muito tempo.
— Eu sabia que ele morreria, entende? — Encarou-me, a dor da sua
alma revelada nos olhos. — Quando o levei para Lucca, nós dois sabíamos
que não sairíamos de lá juntos, porque o diagnóstico foi feito aqui. O médico
deu semanas para ele, e eu... — Ofegou, lacrimejando. — Eu sofri calada,
porque Ari era assim, ele não queria me ver sofrer. Ele ria e dizia que Deus
o queria lá em cima mais cedo, para guardar um lugar para mim no futuro. —
A lágrima deslizou devagar na sua bochecha.
— E ele não pode estar certo?
— Deus nunca faz errado. Ari parou de sofrer, esse é o meu conforto.
Mas ainda assim, sinto saudade, vivi uma longa vida ao seu lado, e mesmo
depois de tantas décadas, ainda o amo.
— E você vai continuar amando-o. — Sorri triste. — Fico
emocionada com a forma como aceita a morte.
— Nós temos que aceitá-la. Talvez seja o único fato da vida que
precisamos engolir, porque é inevitável. Mas eu sei que Ari morreu feliz —
enfatizou com um menear de cabeça. — Feliz porque confiava que eu ainda
seria feliz, mesmo sem ele. Só espero que esse tempo chegue...
— Chegará.
— Ele consertou algumas madeiras da varanda. — Olhou para fora.
— E todo dia, quando nos sentávamos ali, ele perguntava...
— O quê?
— Quando Armando se sentaria conosco e nos contaria que voltou
para ficar. Não para morar aqui, mas para ser feliz. — Pausou, respeitei seu
tempo. — Ari se culpava por Armando ser padre.
— Por quê? — Enruguei a testa.
— Somos religiosos, Mônica, mas não confio no que não acredito.
— Se refere ao suposto milagre.
— Suposto, porque na verdade nunca houve. Isso só aconteceu na
cabeça de Armando, que precisava se confortar de algum jeito. Quando a
doença retornou, eu e Ari sabíamos que colocaria em xeque a crença de
Armando. E quando meu marido morreu, confirmei no olhar do meu filho.
— Ele não aceita.
— Não, não se perdoa — murmurou e se levantou. — Venha para o
jardim. — Avançou para fora. Segui-a, o sol incidindo sobre nós, o farfalhar
das folhas sob a brisa, as flores restantes do final da primavera. Desci os
degraus e parei ao lado de Ivette, na grama. — Seja sincera, você ama o meu
filho? — Fitou-me.
Sorri.
Poderia ainda não ter tanta fé em muitas coisas, mas, sobre essa...
— É por isso que estou aqui — respondi. — Nós começamos errado,
principalmente eu...
— Por causa da sua mãe. — Meu sorriso esmoreceu. — Armando me
contou sobre Cecília.
— É — olhei para frente —, falhei no começo.
— Será? — Sorriu, me surpreendendo. — Entenda, não a julgo.
Acho que nem foi a mentira que deixou Armando bravo, mas o significado da
omissão para ele. — Hesitou, o silêncio pesou. — Acho que nada começou
com Cecília, foi bem antes.
— Mas a vingança não foi o melhor jeito de nos conhecermos.
— Você a perdoou, não é?
— Como sabe?
— Caso contrário, não estaria aqui. O perdão pode mudar uma
pessoa, e, no final, mãe é mãe. Se uma mãe perdoa tudo o que um filho faz,
ele também tem a capacidade de fazer o mesmo. — Desviou o olhar para as
árvores. — Não conheço Cecília, no entanto, acredito que ela foi sincera.
— Ela também sofreu. Eu a julguei por me fazer sofrer, só que ela
não teve intenção maldosa.
— Sim. — Sorriu. — Há a maldade e o desespero.
— O desespero também nos faz errar.
— E todos erram, não é? — Mirou-me pelo canto do olho. — Estar
aqui, agora, é um acerto para você?
— É uma tentativa.
— Por que deixou Armando partir, se o ama? — Abaixou-se, se
sentando na grama. Permaneci de pé por mais alguns segundos.
Tive a chance de pará-lo.
Momentos com ele naquela noite.
Horas depois.
Uma conversa.
E mesmo assim, me afastei.
— O que ele buscava não estava comigo. — Acomodei-me ao seu
lado.
— E o que ele busca?
— Fé e perdão. Uma redenção para os seus tormentos.
— Ah! — suspirou, uma risada baixa se seguiu. — Os tormentos do
meu filho... Ele se atormenta, não é?
— Sim. — Ri. — Sempre dizia que era pecado o que tínhamos: um
padre com uma mulher.
— O amor é pecado? — Fitou-me.
— Não. Não acredito que Deus o faria desse modo, principalmente
agora, que passei a ter fé.
— O que a fez ter fé?
— Armando. — Fui franca, acolhendo seu olhar perplexo. — Não a
paixão que sentimos, foi a sua fé admirável.
— E agora, Mônica? — indagou, elevando as sobrancelhas. — Que
Armando perdeu a fé e...
— Não — interrompi-a. — Ele não perdeu a fé em Deus, mas em si
mesmo. Esse também é um dos motivos que me trouxe até aqui.
Assentiu, roçou a palma na grama, a expressão de quem tinha mais a
dizer.
— Se o ama, não se sentiu traída quando ele partiu?
— Não poderia o culpar por querer se encontrar. De nada adiantaria
estarmos juntos se ele vivesse como um condenado. Acredito que amar... É
como a sua perda, Ivette. — Pausei, inspirei fundo, o vento beijando minha
pele e fechei os olhos. — Ari não está mais aqui, mas você está se
esforçando para sorrir e continuar, por acreditar que ele está feliz e em um
lugar melhor. Continuamos amando sem a presença.
Fungou, me chamando a atenção. Uma lágrima escorreu por sua face.
— E como fazer alguém parar de se culpar pelo passado? —
sussurrou.
— A culpa acaba com o perdão. É o que falta para Armando.
— É. — Silenciou-se.
Ficamos minutos em silêncio, cada uma mergulhada em seus
questionamentos. Em suas saudades.
Em seus amores.
Eu precisava de mais. Não por mim, era para o homem que eu
amava.
— O que o milagre de Armando tirou dele? — Quebrei o silêncio.
Um pássaro cantarolou ao longe e fitei o céu, sem precisar ver Ivette para
saber o turbilhão de emoções que acometia o seu rosto.
— Quando Ari adoeceu, começamos o tratamento — disse depois de
minutos, vacilante, como se ainda repensasse se deveria. — O médico disse
que poderíamos ter bons resultados.
— O milagre dele é a medicina. Quando essa falhou, ele se culpou,
achando que foi consequência de largar a batina. É isso?
Respirou fundo, negando com a cabeça.
— Ele se agarrou ao milagre para fugir da dor.
— Que dor?
— Da perda. Da escolha. — Olhou-me, os olhos marejados. — Ele
nunca te contou?
— Não, há coisas... Que deixamos sempre para depois. E ainda
assim, poderíamos levar uma vida inteira para conhecermos alguém por
inteiro.
— Armando namorava quando Ari adoeceu — disse em um fôlego
só. — Assintomático, descobrimos o câncer numa tarde de verão. Kiara, a
namorada de Armando, ficou ao lado dele durante todo o tratamento, apoiou
e até se mudou para a nossa casa. — Não consegui esconder o espanto. — O
tratamento já estava fazendo efeito, até que uma noite — suspirou, o olhar
perdido ao longe. — Armando me contou que acreditava que um milagre iria
acontecer. Naquela noite, eu chorei pelo meu filho, porque vi que ele estava
traçando um destino mediante um milagre falso.
— E o tratamento fez efeito conforme o previsto — concluí.
— Armando não acreditou no tratamento, com tanta fé no milagre,
cumpriu sua promessa: seria padre. — Fiquei calada, aturdida. — Ari voltou
para casa, e foi a vez de socorrer Kiara.
Um vinco se formou no meio das minhas sobrancelhas.
— Como assim?
Mais lágrimas rolaram pelas bochechas de Ivette.
— Sabe como Armando é teimoso. Nada tirou da sua cabeça que
precisaria cumprir a promessa. Não permitiu que ninguém questionasse.
Orou dia e noite, agarrado à promessa que fez, visitando Ari no hospital e
depois cuidando dele em casa. Foi inegável a sua felicidade quando o pai
começou a se recuperar. — Hesitou. — Chorava e se sentia grato pela
chance, tão convencido de que teve poder sobre a situação, mais encorajado
a seguir o caminho que traçou. Não prestava atenção em nada mais, a não ser
em Ari e na Bíblia, dizendo aos quatro cantos que se tornaria padre... Uma
devoção cega, um zelo exagerado. — Pausou. — Tarde demais, ele
confessou que um dos seus maiores erros foi fazer sua escolha sem pensar
nos outros, principalmente em quem estava sendo afetada.
— Kiara? — Como se a claridade do sol também iluminasse minha
cabeça, comecei a compreender.
— Ela era jovem, estava começando os estudos e não sabia como
seria o futuro. Amava Armando, mas ele amava o milagre. — Fungou,
limpando o rosto, em vão, pois mais lágrimas se derramaram. — Ela ficou
desesperada. — Mirou-me. — Estava grávida de um homem que se tornaria
padre.
— Mas ele...
— Não. — Apressou-se em dizer. — Ele não sabia. Kiara iria contar
depois de Ari melhorar, mas Armando decidiu se tornar padre antes de
saber. Irredutível na decisão, Kiara guardou para si a gravidez — suspirou,
cansada. E continuou, mais baixo: — Ela o apoiou até nisso, e abortou a
criança.
— Como vocês ficaram sabendo?
— Ela colocou o meu número como emergência. — Sorriu, triste. —
Ligaram-me durante a noite, estava com hemorragia ao fazer o aborto de
forma clandestina. Acabou ficando internada, Armando soube junto conosco.
— Ele se culpa por isso. — A realidade me atingiu.
— Ele a fez tomar a decisão, mesmo sem intenção. Acredita que
trocou a criança pelo milagre. Abriu mão de um pelo outro, por isso, o
milagre se tornou sua razão de vida.
— E se não existir...
— É... — Arrastou a voz embargada pelo choro. — Se não houver, a
perda se torna pior. Em sua cabeça, terá sido em vão.
— Por Ari morrer, ele se culpa mais, não é? Pelo pai e pelo filho —
murmurei, mortificada pelo peso que Armando jogava sobre seus ombros. —
E Kiara?
— Armando partiu para o seminário, orando por perdão, sem jamais
culpar Kiara. Não, conheço meu filho, ele jamais a culparia, sempre pega as
dores dos outros para si — disse, angustiada. — Kiara foi embora, voltou
para a cidade dela e nunca mais entrou em contato.
— Ela se culpa?
— Se foi certo ou errado? — Pareceu dizer mais para si mesma. —
Nunca descobriremos, o impulso e o desespero nos levam a agir. Jamais
saberei se ela carrega essa culpa, mas — a dor no olhar banhado pelas
lágrimas — não quero decidir sobre quem errou ou acertou, se é uma vida ou
não, só sinto que todos perderam algo.
— Ele não pode se culpar quando não sabia.
— Assim como também não deveria se culpar pela morte do meu
marido. O que podemos fazer diante disso, Mônica? Como fazê-lo entender
que não existe essa cruz que ele insiste em carregar? E que o milagre real,
não é esse que ele criou, mas a vida? O que podemos fazer perante o
tormento de outra pessoa? — Sôfrega, fechou os olhos.
Armando não me contou, não por medo. Era o puro sofrimento de
ouvir em voz alta aquilo que mais dilacerava o seu coração. Contar era
lembrar, então ele manteve no silêncio a sua dor.
Angustiada, revivi na mente cada cena com ele, cada momento
calado, os olhos que pareciam exprimir a dor. Meus olhos se encheram de
lágrimas também.
Não o culpo, sequer o julgo.
E agora, sabendo dos seus demônios, iria até o final por ele.
Por isso, eu estava ali.
— Onde posso encontrar Armando? — perguntei, me virando para
ela. Encarou-me, surpresa, segurei suas mãos e sorri. — Preciso dele.
— Armando veio aqui. Ficou algumas horas e partiu...
— Para onde?
Acariciou minhas mãos. Sorriu.
— Se você o ama e viveu diversos momentos com ele, talvez
compreenda o que ele me respondeu quando perguntei.
— O que foi?
— Armando me disse que buscaria se encontrar no paraíso dele. —
Pausou. — Compreende?
Meu coração encontrou o ritmo certo, o sorriso não expressou nem
metade da satisfação que senti.
Da expectativa mesclada com ansiedade.
Certa urgência.
— Sim — ri —, eu sei onde ele está. — Ergui-me em um pulo. Tinha
pressa.
— Já vai? — Olhou-me surpresa.
— Se não for falta de educação, preciso ir.
Ela riu, sem me acompanhar.
— Vá, encontre o meu filho.
Deixei-a no gramado e atravessei a sala. Saí da casa como quem
corria contra o tempo.
Como quem ansiava por um pedaço que faltava.
Precisávamos cair no abismo para encararmos o fundo, nos
compreendermos e escalarmos para fora, encontrando o paraíso: nós
mesmos. Assim, poderíamos entrar no éden um do outro, sem angústias ou
medo.
O nosso estava em um lugar que vivemos por breves dias sem
amarras.
No Pa ra íso os a njos o a c om p a nha m .
Da lv a Ag ne Ly nc h.

Paz não é a ausência de problemas, mas a aceitação deles e uma


busca por solução sem covardia. Uma vez obtida, ela pode ser o empurrão
final para o nosso paraíso. Esse, o que seria, senão ter o que amamos?
Eu estava em paz comigo mesma, com meus medos e conflitos.
Precisei da consciência para evoluir, compreender o que antes parecia tão
difícil, e reparar minhas falhas. Com os outros. Com o meu coração.
Armando conseguiu fazer o mesmo?
Encontrou o que foi buscar em Cortona?
Avistei a estrada ladeada pelas árvores e segui por ela, a casa ao
longe se projetando contra o céu azul-claro.
Como estaria Armando? A pergunta perdurou, me assombrando
desde o momento que estacionei em frente à casa, subi as escadas e adentrei.
O corredor, seguido da sala, estavam vazios, a brisa balançando as cortinas,
o silêncio cortado pelo canto dos pássaros e do vento.
Larguei a bolsa no sofá, buscando-o com o olhar e o encontrando
sentado na varanda, de costas para mim, a camiseta preta voando contra o
corpo, o cabelo um tanto maior, com pequenos cachos se formando, e uma
postura de quem estava perdido em pensamentos.
Quieta, me aproximei sorrateira, até me sentar ao seu lado. Ele deu
um pulo, assustado.
— Você... — Sua voz falhou.
— Esperava outra pessoa?
— Não... Eu... — gaguejou, alarmado, os olhos arregalados. Estava
mais bonito, a barba por fazer realçando seu maxilar quadrado, o rosto
anguloso, os lábios desenhados e rosados.
— Era para ser surpresa. — Abracei minhas pernas, o sorriso de
satisfação. — Se bem que... Não teria como avisar você, já que desligou o
celular.
— Eu necessitava desse tempo — desviou o olhar —, me desculpe.
— Eu sei disso.
— Não devia ter partido daquele jeito — mirou as videiras —, sem
avisar, mas se conversássemos, eu não teria forças para ir embora. — A
angústia em cada linha de expressão.
— Passei na sua casa — mantive o meu humor —, sua mãe me
recebeu.
— É? — Tentou sorrir e fracassou.
— Ela ficou feliz com a minha presença.
— Ela está precisando de um pouco de ânimo — murmurou. Assenti,
estendi minha mão e puxei a sua, acariciando-a e a levando até os meus
lábios. Beijei-a, chamando a atenção de Armando.
— Todos nós precisamos de felicidade, por mais obscuros os dias ou
a amargura dos pensamentos. Nossa vida não se resume apenas em perdas.
— Enfrentei o seu olhar duro.
— As perdas não resumem, mas tiram um pouco do brilho.
— Há sempre o surgimento de uma nova estrela para iluminar a
escuridão que a outra deixou — disse baixinho. Armando sorriu, tão triste,
que me doeu.
Fechou os olhos, a cabeça voltada para frente, e assim ficou por
minutos, introspectivo, sofrido.
Abriu os olhos, os cílios molhados pelas lágrimas, que encontraram
um caminho, deslizaram por sua bochecha e pingaram.
— Não toda. — A voz vacilante. — Me sinto culpado por todas as
minhas perdas. — Mirou-me pelo canto do olho. — Talvez, se eu tivesse
contado, você compreenderia o tamanho do buraco no meu peito.
— Por ter me apaixonado por você no escuro, passei a amar vê-lo na
luz. — Acariciei sua mão, segurando-a firme.
Balançou a cabeça, limpando as lágrimas.
— Veio em vão, não há nada aqui, Mônica.
— Quer que eu vá embora?
Hesitou, seu pomo de Adão subiu e desceu, os lábios pressionados.
Pareceu relutar.
— Não — desabafou em um suspiro cansado. — Só não sei o que
posso dar a você, não tenho nada.
— Não quero que me dê algo. — Arrastei-me, mais perto. — Quero
ajudar você a se encontrar. Nem sempre o caminho que queremos trilhar é o
mais fácil, por isso, precisamos de alguém ao nosso lado.
— Mas você já tentou. — Encarou-me.
— Sua mãe teve fé em mim — contei. — Talvez ela tenha visto
minha bondade em algum lugar. — Elevou as sobrancelhas, sem entender. —
Ela depositou a esperança dela em mim ao me contar tudo. — Notei, pelo
assombro dos seus olhos, que ele compreendeu.
— Tudo? — sussurrou.
— Sobre o filho que não teve. — Fui clara. — A culpa que carrega e
o milagre que acredita. São pesos demais para uma pessoa só. — Apertei
sua mão, que escapou das minhas. Ele cobriu o rosto, a sua quietude
melancólica, a necessidade de se esconder, não para chorar, mas para sentir
o sofrimento.
Só que, desta vez, não deixaria que enfrentasse sozinho. Aproximei-
me e o puxei pelos ombros, o abracei, deixando desabar a cabeça contra o
meu peito, acariciei os seus cabelos.
Por escolher Cortona, ele deixou claro que buscava o seu perdão,
uma maneira de recomeçar. Eu o acompanharia.
"Pod e ha v e r m uita s v isõe s d ife re nte s d o q ue o Cé u é , p orq ue o Cé u é o q ue torna
c a d a p e ssoa e te rna m e nte e tota lm e nte fe liz. "
Ma ttie Ste p a ne k .

Nossa consciência é o nosso céu e inferno. Diante da felicidade,


nos dá a sensação de posse; no abandono, temos o desespero; e na
tristeza, nos joga em um abismo onde, em seu fundo, nos sentimos
desamparados, fracassados, e, por fim, nos acomodamos na escuridão.
Escolher o abismo é o mesmo que o abraçar, nos destituindo de
forças e desejos para nos mover.
Caído na minha profundeza, não hoje, nem ontem ou quando conheci
Mônica, mas há dez anos, eu permaneci naquele escuro, em silêncio, uma
morte lenta. Uma cegueira contínua.
O que me jogou na miséria não foi Kiara, nem Cecília ou Mônica, e
sim a crença de que eu tinha um poder sobre o milagre e o divino. Revelado
em vários rostos, agora eu o encarava, com dor. Com acusação.
Os dias em Cortona foram para encarar minha consciência. Horas de
aflição, de negação e choro. Agora sem a batina, as lembranças eram
abundantes. Junto a elas, a culpa. Todas precisaram ser revividas para que
eu estivesse um passo a mais do meu perdão. A única maneira de voltar a
ter fé em mim mesmo.
Despir-me da crença de que Deus ou o Diabo jogavam seus dados. A
doença, a morte, as fatalidades. Partes da humanidade. Aceitar a culpa, o
primeiro passo para ser mais gentil comigo mesmo. Permitir-me errar, ser
falho, assumir minha parcela, e, também, saber que isso é ser humano.
Suscetível aos pecados e erros, digno de perdão.
No entanto, não foi fácil. A luta na minha mente me levou à exaustão.
Cansado, deprimido, no chão por noites, necessitei de forças para entender
que precisava melhorar e compreender que não tive culpa pela doença do
meu pai ou pela omissão de Kiara.
No escuro das minhas palmas, cobrindo meus olhos, senti o
aconchego de Mônica, aquela que se enroscou não só no meu pescoço como
uma serpente, mas no meu coração como uma mulher. E me fez recordar que
sempre quis mais, que me acorrentei em uma ilusão.
Jogou-me na claridade quando me fingia de cego.
— Você se culpa... — ela sussurrou.
— Dez anos — respondi, grato por me esconder contra o seu ombro.
— Dez anos fugindo de mim mesmo.
— Você jogou os problemas para baixo da batina. — Afagou meu
cabelo. — Quando eles deveriam ter sido resolvidos naquela época.
— É errado ter tanta fé?
— É errado dar à fé a responsabilidade, assim como querer segurar
mais do que aguenta.
Ergui a cabeça, encarando-a. Meus olhos ardiam, meu coração
doído, minha respiração pesada. Tremia, a tristeza como um lago sem fim.
— Eu tive fé no milagre do meu pai, porque precisava de algo para
diminuir o peso do aborto... — Foi difícil falar. Ofeguei, prestes a desviar o
olhar.
— Continue me olhando. — Mônica percebeu, a mão pousou no meu
rosto. — Kiara não contou. Como pode se culpar por algo que você não teve
decisão?
— Como não? Se eu não tivesse escolhido a batina, Kiara não... Ela
não... — As lágrimas se acumularam, o horror ao pensar.
— Não sabemos. Ela abortou por desespero, ou, talvez, não
quisesse.
— Não diga isso.
— Desculpe-me, mas você se culpa ao achar que poderia ter mudado
o fato. Não saberá nunca. Perder a fé ou se culpar não ressuscitará o seu pai
ou fará a decisão passada mudar.
Fechei os olhos.
Dito em voz alta o que eu tentei compreender por semanas, parecia
um tapa na cara. Que ardia em todo o meu corpo.
A fé, quando abandonada, se torna uma cruz imensa.
— Estou tentando... — balbuciei, as lágrimas escorrendo por minha
face. Solucei. — Estou...
— Eu sei. — Acarinhou minha bochecha.
— Quero encontrar a felicidade que tivemos — abri os olhos —,
quero aceitar e ter o perdão.
— Você o tem, ele é só seu.
— É tão difícil e traiçoeiro. — Enruguei a testa, os lábios curvados
para baixo, o rosto molhado.
— Por que traiçoeiro?
— Ao me perdoar, sinto que estou deixando o passado esquecido, o
que eu não deveria fazer.
— E por que não deveria? Por que não deixar os seus tormentos
como devem ser, no passado? — Direta.
— É como enterrar o filho que eu deveria ter tido. — Minha voz se
partiu.
— Não poderia ser o certo? — Arriscou, receosa. — O errado, visto
de outro ângulo, pode ser o correto.
— Para quem?
— Para você se encontrar nas falhas.
— O que podemos ser ao falhar? — inquiri, em desespero.
— Humanos, Armando. — A compaixão explícita na forma como me
olhava. — Apenas humanos. Você espera em demasia por um Deus. Ele
existe, mas não intercedeu nem para o bem, nem para o mal. Ele respeitou a
sua vontade. Como culpar o Diabo, quando ele pode não ter ciência dos seus
erros?
Suas palavras se cravaram no meu âmago, que sangrou, latejou, se
dilacerou.
— Está dizendo que tudo foi apenas assistido por eles?
— E, também, por você.
— Não — neguei com veemência. — Eu tenho culpa.
— Culpa por ter se omitido, por não saber e por acreditar. Não são
falhas imperdoáveis.
— Para mim...
— Você esperou demais de si mesmo. — Foi dura.
E era verdade. Tive muita fé em mim mesmo. Ao perdê-la, me
abandonei.
— Como não esperar? E como ter... Quando há mais desejo?
— Comece por ele. — Sorriu, paciente. — Tente entender os seus
desejos.
— Como? — Funguei, limpando as lágrimas. Novas deslizaram,
contornaram meu nariz, pingaram na boca.
— Como todas as pessoas. Pelo começo.
— E qual seria ele? — Implorava que ela me desse um norte.
— O perdão.
— Já conversamos sobre isso.
— Não quer viver mais momentos como os que tivemos aqui? Por
que veio, se não era isso o que queria?
— Quero — confessei, sôfrego.
— Então se perdoe, a misericórdia começa por nós mesmos — disse
baixo. — Deus daria o perdão até ao Diabo, se ele buscasse redenção. Você
busca desde o início.
Ri, incrédulo.
— Se até o Diabo...
— Quem é você para não ser perdoado? — completou.
Assenti, calado.
Mereço?
Quem eu sou, para ser renegado?
As lágrimas se acumularam, mais abundantes. Chorei, curvando-me
contra o ombro de Mônica, me ocultando do seu olhar. O pranto alto pelos
tormentos que se desprendiam de mim, pela batina deixada para trás, por
toda descrença, medo e anseios.
Chorei pelo perdão que confortava o meu peito. Pela decisão que eu
não tive, pela escolha baseada na ilusão.
Posso me perdoar... Sou apenas um humano. Se todos têm chances,
por que eu não?
Sou apenas um homem.
Mônica se desvencilhou, observou meus olhos vermelhos, o rosto
marcado pelas lágrimas, e se agachou na minha frente, segurando minha
cabeça entre as mãos.
Sorriu devagar.
— Seu silêncio é a melhor resposta para saber que se perdoou. —
Seus olhos, marejados, cintilaram. — Em meio à minha descrença e à sua fé,
nos conhecemos. Hoje, cada um tem a sua, enfrentamos os nossos demônios
e construímos uma confiança e admiração. — Ofeguei, sem fala. — Uma vez,
você me disse que eu não acreditava em milagres. Confesso que inclusive
hoje, não creio no mesmo que você. O milagre que acredito é outro. — Riu,
as lágrimas deslizando, o sorriso aumentando. — Um que a medicina não
tem o poder de fazer, e mesmo se um dia conseguir, será artificial. Não terá o
amor de um homem e de uma mulher... porque são necessários dois. —
Hesitou, abaixou a mão e agarrou a minha, levando-a até o seu ventre. — O
milagre é a vida, que Deus deu junto com o nosso livre-arbítrio. Nós temos o
nosso.
E a ind a q ue tiv e sse o d om d e p rofe c ia , e c onhe c e sse tod os os m isté rios e tod a a
c iê nc ia , e a ind a q ue tiv e sse tod a a fé , d e m a ne ira ta l q ue tra nsp orta sse os
m onte s, e nã o tiv e sse a m or, na d a se ria .
Sã o Pa ulo I Coríntios 1 3 .

Celibato é o estado em que uma pessoa se mantém solteira, como


os padres, para que sua devoção seja apenas de Deus.
Eu sempre acreditaria em Deus e teria minha fé, mas já não seria
padre. Escolhi o amor de uma mulher. Uma que veio para me trazer de volta
à vida.
— Como? — Aturdido, indaguei. O arrepio das panturrilhas até a
nuca, o tremor aumentando, a adrenalina percorrendo minhas veias.
— Mentiria se dissesse que simplesmente aconteceu. — Riu.
Assenti, agora chorando de susto.
— Mas você não estava tomando...
— Estava — interrompeu-me. — Até que terminamos. Pensei que
não voltaríamos, então pausei a pílula — respirou fundo —, e então, tudo
aconteceu e quando fui à sua casa, transamos.
— Por que não disse nada naquela noite?
— Nem todas engravidam de primeira, não pensei... Foi um risco —
sussurrou. — Um impulso. Talvez, inconsciente, uma vontade de encontrar
um novo caminho.
— Você — hesitei — está certa disso?
— Sim. — Balançou a cabeça, enfatizando. — O teste deu positivo.
Boquiaberto, encarei-a por segundos.
— O filho que não tive. — Peguei suas mãos do meu rosto.
— O filho que iremos ter — concordou.
Meu coração, como se antes estivesse morto, bateu enlouquecido, o
riso saindo em meio às lágrimas. O meu corpo estremeceu com a risada
vinda da minha alma.
De felicidade.
De paz.
De um contentamento que transbordava.
— O que faremos? — Beijei suas mãos, adorando-a.
Um filho.
— Acho que casar não é o mais adequado para mim. — Sorriu,
irônica.
— O que seria?
— Sabe qual é o meu desejo?
— Qual?
— Morar aqui com você.
Respirei fundo, suas mãos contra meus lábios.
Fechei os olhos.
Deus, que meus desejos continuem! Que minha realidade
permaneça como esse sonho.
— O que acha sobre ser pai? — Sua pergunta me fez encará-la.
— Nunca pensei em ser pai. A perda era maior do que a ideia de ter.
O que era ser pai? Era alguém que sempre seguraria a mão do
filho até a morte. Eles cresceriam, mas continuariam sendo filhos, uma
parte dos pais.
— Eu também nunca pensei em ser mãe — refletiu. — Somos
conflituosos, pois quando pensamos em sermos pais, lembramos dos nossos.
— Principalmente dos erros...
— E isso parece ser um ciclo. Ansiamos em fazer diferente.
— Mas eles também não sentiram o mesmo quando se tornaram pais?
— murmurei. — Eles também estavam aprendendo a serem pais.
Respirei fundo, o cansaço de ter escalado o alto do meu desespero, e
agora sentia a plenitude de poder sorrir, aliviado. Mais do que isso, tão
completo que derramava na minha feição, no brilho dos meus olhos que
refletiam os de Mônica.
— E nós também aprenderemos — afirmou.
— Começaremos aqui?
— Não. — Inclinou a cabeça. — Preciso terminar minha residência.
Começaremos aqui, mas não agora.
— Sim. — Sorri, ainda incrédulo. — Preciso contar algo.
— O quê?
— Sonhei com a gente um pouco depois de encontrá-la em Lucca.
— Era um sonho bom?
Gargalhei, cobrindo o rosto com as mãos, enxugando as lágrimas.
— Foi um pesadelo.
— É? — Riu.
— Obrigado. — Volvi a encará-la e beijei suas mãos.
— Por que está agradecendo?
— Por estar aqui.
— Não tem que me agradecer.
— E você quer mesmo o filho? — arrisquei, temeroso.
— Não pense que o passado é o futuro. — Apertou minhas mãos. —
Vocês eram jovens, nós somos adultos, cientes e com escolhas. Eu quero
esse filho, com ou sem você. — Levantou-se. — Agora ligarei para uma
mulher que precisa saber que terá netos.
Ri, observando-a se afastar.
Obrigado, sussurrei, os olhos voltados para o céu, e segui Mônica.
— Por que disse netos? — indaguei.
Ela se deitou no sofá, o celular na mão e o sorriso irônico dançando
em sua face.
— É sempre bom ter um irmão.
— Nem temos o nosso primeiro.
— Temos sim, e não me contentarei apenas com um.
Sorri, o medo à espreita, mas menor que a felicidade que borbulhava
no meu ser. Eu a tinha. E agora não éramos apenas dois.
Mônica ligou para minha mãe, as duas conversaram por minutos,
enquanto me perdi em pensamentos, relembrando o passado. Ansioso pelo
futuro.
E vivendo o presente.
— Sua mãe quer falar com você. — Mônica me ofereceu o celular.
Alcancei-o.
— Mãe?
— Diga que é mentira!
— É mentira. — Ri.
— Como vocês fazem isso comigo? Posso morrer do coração.
— Está tudo bem, mãe.
— Mesmo? Você sofreu tanto e...
— Não estou sofrendo mais — cortei-a, o olhar cravado na mulher
ao meu lado. — Finalmente... estou bem.
— Conseguiu o que queria?
— Sim, consegui.
— Obrigada, Armando.
— Pelo quê?
— Por ser feliz. Nunca quisemos um padre, só a sua felicidade. E
agora um pai! Quando Mônica me contou, precisei me sentar, só de imaginar
um neto correndo pela minha casa... Netos, não é?
— Mãe, estamos no primeiro — censurei-a.
— Mônica ama crianças — argumentou, aumentando o meu sorriso.
— Você pensou nisso desde o momento que soube que ela é pediatra.
— Claro que sim! Passem aqui quando retornarem para casa, estarei
aguardando vocês.
— Pode deixar. Qualquer coisa, nos ligue. — Desliguei.
— Sua mãe está feliz. — Mônica se aconchegou em meu colo. — A
minha também ficará.
— Estão realmente bem?
— Sim. — Repousou a cabeça contra as minhas pernas. — Antes de
ser mãe, ela é uma mulher.
— Amo você — sussurrei, alisando os seus cabelos, expondo a sua
orelha.
— E quando acordar pela manhã, continuará me amando como eu
amo você. — Virou o rosto em minha direção. — Quer tomar um banho
comigo?
— Só um banho? — sugeri.
Ela riu, se erguendo e me puxando pela mão.
— Talvez, venha e descubra.
Guiado por ela, fomos ao banheiro, onde admirei seu corpo enquanto
se despia, e nus, entramos na banheira.
— O que fará? — perguntou, deitada contra o meu peito,
entrelaçando nossos dedos.
— Sobre o quê?
— Agora que não é mais padre, o que fará da vida?
— Já enviei minha solicitação de desvinculação ao Tribunal
Diocesano. A confirmação do meu desligamento será o certificado emitido
pelo Papa.
— Não poderei mais chamar você de padre — zombou, virando a
cabeça sobre o ombro.
— Não, não poderá. — Ri.
— Fazia com certa admiração, sabia? — Acariciou a minha barba
rala.
— E agora não me admira mais?
— Admirava o padre que era, e ainda mais o homem que é. E terei
orgulho do pai que será.
— Está sendo precipitada!
Ela riu, relaxando a cabeça contra o meu ombro.
— Pela forma como começamos — disse depois de alguns minutos.
— Jamais imaginaria que teríamos um final desses.
— Jamais?
— Jamais — afirmou. — Você era padre.
— E quebrei meu celibato por você.
— Não se arrepende?
— Não. E você?
— Não. — A forma como disse, contente, inundou meu coração. —
E não somos pecadores.
— É, não somos. Não foi pecado...
— Porque virou amor — completou em um sussurro.
Abracei-a por trás, minhas mãos percorreram o seu corpo dentro da
água, a curva da cintura, subi apalpando as costelas até resvalar nos seus
seios, atritei seus mamilos intumescidos contra minhas palmas.
— Estava com saudade do seu corpo também. — Assoprei contra o
seu ouvido. Remexeu-se contra minhas pernas.
— A água não está quente o suficiente.
— Não. — Sorri. — Não está.
— Antes que fique gripado como naquela vez. — Virou-se, elevando
as pernas e as encaixando ao redor do meu quadril. Montou sobre mim,
depositando os braços nos meus ombros. — Posso cuidar de você.
— Como uma médica?
— Não. — Encantei-me pelo sorriso radiante. — Como a sua
mulher. — Sua mão se encaixou na minha nuca, e levou a boca até a minha.
Chupei seu lábio inferior, lambi-o antes de invadir sua boca com a
língua, a explorar e envolver a sua, aprofundando o beijo, deixando nossas
salivas se misturarem.
Devagar, como se quiséssemos sentir cada toque, cada respiração e
memorizar cada detalhe, Mônica segurou meu pau e elevou o quadril, se
sentando sobre ele. A glande roçou nos grandes lábios, revirei os olhos,
ainda fechados, e gemi contra sua língua.
Lambeu meu queixo, assistindo, lasciva, a minha entrega. Mordeu-me
ali, se sentando pausadamente, sua boceta me sugou, a musculatura me
apertando, até nossas virilhas se tocarem e eu a penetrar.
Profundo.
— Ohhh! — Ofeguei, sua voz acompanhando a minha, nossos corpos
movimentando a água conforme ela começava a cavalgar.
Para cima, para baixo, meu pênis em um vaivém lento, matando a
saudade de possuí-la.
Transamos sem pressa na banheira, experimentando cada pedaço de
pele, marcando com chupões, beijos e mordidas, presenciando o prazer um
do outro através dos olhos, dos pelos arrepiados e dos lábios entreabertos,
suas coxas roçando nas minhas, suas mãos explorando cada parte da minha
estrutura. E eu me relembrando de cada detalhe do seu corpo.
Enrosquei seus cabelos molhados nos meus dedos e a beijei.
Juntos, chegamos ao orgasmo. Gozamos, testa contra testa,
respirações ofegantes, nos encarando, nos adorando.
Abracei-a, o coração acelerado, vivendo cada momento da intensa
felicidade. Realizado.
A paz de tê-la nos meus braços, o encaixe dos nossos corpos.
Éramos passado, presente e futuro, unidos. Inferno, purgatório e céu.
E, também, a minha forma de fé: o amor.
Ag ora , p ois, p e rm a ne c e m a fé , a e sp e ra nç a e o a m or,
e ste s trê s, m a s o m a ior d e ste s é o a m or.
Sã o Pa ulo I Coríntios 1 3 .

Cinco anos depois

Somos resultados do que buscamos, dos nossos tormentos e das


nossas realizações. Descrenças que, quando confrontadas, se tornam fé. E
um livre-arbítrio que, carregado de tentações, pecados e perdões, nos
torna humanos.
Somos a maçã, e também, a serpente. Os filhos mais belos que Deus
poderia ter criado. E que, em meio a tantos erros e acertos, poderiam
encontrar os portões do paraíso.
Eu já tinha o meu.
— Sua filha fez uma pergunta. — Mônica me acordou do devaneio.
Pelo retrovisor, observei a menininha sentada em sua cadeirinha fixada no
banco de trás, os cabelos lisos e castanhos cobrindo os olhos. Os olhos
idênticos aos da mãe.
— O que perguntou? — Sorri.
— A vó disse que quando eu for grande, me contará uma história.
— Ah é? — Mônica riu, ciente também de que a história seria sobre
eu ter sido padre.
— É sim. — Pelo semblante da minha filha, sério, ela parecia
prestes a dizer algo importante. — Mas eu andei pensando e acho que vou
esperar.
— Por que ainda não é grande? — Virei-me para trás, Mônica no
volante, também um pouco atenta na conversa.
— Não. — Balançou em negação a cabeça, com veemência. — A
Geo ainda não entenderia a história, e quero ouvir com ela, não é? — Olhou
para a irmã mais nova, dentro da outra cadeira anexada ao banco.
— Alessa, mas Geo demorará ainda — opinei.
— A mãe disse que seria melhor se aprendêssemos a dividir e ter
paciência.
Cravei o olhar na minha mulher, tão realizado em tê-la ao meu lado,
que não escondi a paixão.
— Vocês conversam mais do que eu pensava — acusei-a.
— Enquanto você cuida da vinícola, tenho minhas horas de folga do
consultório. — Ela deu de ombros. — E ela tem tantas perguntas. —
Arqueou as sobrancelhas.
— E você responde todas?
— Não, eu faço o mesmo que fiz com você. — Maliciosa, alargou o
sorriso. — Deixo que encontre as respostas por si mesma.
— Então está dizendo — ajeitei-me no banco —, que Alessa puxou a
mim?
— Ela é idêntica a você — afirmou. — Muitas perguntas e sempre
pensando demais.
— Isso seria ruim? — Franzi o cenho.
— Não. — Abaixou a voz. — Me apaixonei pelo homem que é,
jamais mudaria isso. É melhor ter questionamentos do que não ter nada.
— Geo poderia ser como você — murmurei.
— Elas são um pouco parecidas comigo. — Pura malícia. — Um
pouquinho.
Ri, ela estendeu a mão e a beijei, voltando a segurar o volante com
ambas.
— Minha mãe ligou, disse que pretende vir para o aniversário da
Geo, já está com o presente que meu pai deixou com ela. Ele ficará na
França com o meu irmão. Ela queria trazer Fabrício, seu namorado, mas ele
não poderá vir.
— Por quê?
— Precisará ficar em Toulouse.
— Terá que conversar com uma senhora chamada Ivette sobre isso.
— Por quê?
— Minha mãe quer fazer a festa dela em Pisa. — Semicerrei os
olhos.
— Não! — A resposta que eu esperava. Ri, passando uma mão sobre
meus cabelos.
— Conversem e se entendam.
Mônica apenas balançou a cabeça, quieta por alguns minutos.
— Preciso ligar para Beatrice — falou.
— Por quê?
— A chave do consultório ficou com o pintor, quero que ela a pegue
de volta.
— Dará tudo certo com o novo lugar, não se preocupe.
— Mãe, a vó disse que vai ter bolo, posso comer? — Alessa se
mexeu no banco.
— Bolo? — Geo repetiu, atenta à irmã, nos fazendo sorrir.
À frente, vislumbrei a casa da minha mãe que, sentada em uma
cadeira na varanda, nos esperava. Mônica estacionou e saí. Abri a porta
para Alessa e tirei Geo da cadeirinha, deixando a irmã segurar sua mão e
ambas correram pelo gramado da frente, em direção à minha mãe.
— Elas não podem comer tantos doces — Mônica resmungou,
abrindo o porta-malas. Agarrei-a pela cintura, impedindo-a de continuar.
— Deixe minha mãe aproveitar as netas.
— Você já as mima muito! — disse sem seriedade. Apertei-a mais
contra o meu corpo.
— Somos assim — sussurrei no seu ouvido, o doce perfume me
atingindo e arrepiando todo o meu corpo.
— Vocês dois juntos são uma dupla de babões — falou, olhando-me
sobre o ombro.
— Nós dois. — Atritei a ponta dos nossos narizes. — Eu e você. —
Beijei-a, meus lábios pressionando os dela, minha língua invadiu sua boca,
sem pressa. Virou-se dentro dos meus braços, envolvendo o meu pescoço
com as mãos e aprofundando o beijo.
Arfou, se afastando.
— Poderíamos deixar as meninas alguns dias com a minha mãe —
sugeri.
— Já fizemos isso no mês passado.
— Minha mãe irá adorar. — Afastei uma mecha do seu cabelo e a
coloquei atrás da sua orelha. — Não diga que não podemos.
— Podemos. — Sorriu.
— Ficarão aí? — minha mãe gritou da varanda. Rindo, nos
afastamos.
Peguei as malas enquanto Mônica trancava o carro e ligava para
Beatrice.
— Mãe — disse ao subir as escadas.
— Como estão? — Ela abriu a porta, me acompanhando.
— Bem, esperando sua visita em Cortona.
— Preciso ver aquela casa depois da reforma, mas Alessa já me
mostrou algumas fotos. — Avançou, procurando pelas netas que, segundos
depois, apareceram correndo. A menor tentando alcançar a maior. — Ah! —
minha mãe suspirou, encantada. — Elas são o que eu sempre quis.
Larguei as malas, me aproximando.
— Nós sabemos. — A voz de Mônica anunciou sua presença.
Aproximou-se e abraçou minha mãe.
— Senti saudades, venham me visitar mais vezes.
— Mãe — Alessa gritou, no jardim dos fundos. — A avó nos deu
algumas mudas para plantarmos. Venham ver!
Caminhamos para onde as meninas estavam.
Parado contra uma parede, admirei minha mãe agachada entre Geo e
Alessa, mexendo nas mudas.
— Venha aqui. — Mônica se aproximou, puxou meus braços e os
colocou ao redor do corpo. Abracei-a por trás, nossos olhos em nossas
filhas.
— Se eu morresse amanhã, não precisaria ir para o céu — sussurrei
contra os seus cabelos. Ela se virou, repousou as mãos nos meus ombros, o
sorriso radiante.
— Porque temos o nosso — concordou.
Acariciei o seu rosto.
— Temos um amor tão grande — suspirei, sua mão cobriu a minha e
a beijei devagar, a textura maravilhosa dos seus lábios. Encostei minha testa
na dela.
— Estão providenciando um terceiro? — minha mãe bradou, se
aproximando. Gargalhamos.
— Não, duas está ótimo! — minha mulher disse, as costas contra o
meu peito e a cabeça relaxada no meu ombro.
Extasiado, vi minhas filhas correrem pelo gramado em nossa direção,
enquanto minha mãe se virava para elas e abria os braços.
Os cabelos castanhos contra o vento e a luz do sol, os olhos verdes,
ambas parecidas com a mãe. Essa, eu mantive dentro do meu abraço.
Completos, com brigas, desavenças, e buscando sempre compreender
nossas profundidades, vivíamos um dia de cada vez. Não pensava mais no
passado, segui em frente com minha família, minha verdadeira adoração.
Mônica me deu o amor, e um pecado que nunca foi pecado.
E para ela, eu entreguei o meu celibato e coração.
Olá, você que chegou até aqui! Espero que tenha sido uma leitura
emocionante e impactante. Que padre Armando e Mônica fiquem para
sempre no seu coração, e que eu tenha te arrancado sorrisos, suspiros e
lágrimas.
Este livro não seria possível sem a participação de pessoas muito
importantes, como minhas betas e amigas: Mirian Cardoso, Elizandra
Forcellini, Dalila Neves e Rayane Araújo. E também a Bárbara Oliveira,
por sua leitura final. Agradeço por cada observação, apoio, incentivo e
sugestão.
Agradeço a todas as parcerias e profissionais por trás dessa obra,
que me auxiliaram a deixá-la impecável.
Agradeço também a minha Família Pecadora, que se uniu desde a
primeira versão deste livro e compartilhou a minha ansiedade para esse
lançamento. Sem dúvida, este livro é para vocês.
E não poderia deixar de agradecer ao meu marido, que sempre me
apoiou e me ajudou durante os períodos de escrita. Amo você!
A todos que chegaram até aqui, muito obrigada!
Sua leitura é muito importante para mim, assim como seu feedback.
Então, venha nas redes sociais me contar sua opinião.
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