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ARTHUR CASAS

ensina Fundamentos da Arquitetura


e Design de Interiores

AULA 02
Casas e interiores
Aula 02  Casas e interiores

“A arquitetura residencial no Brasil, pra mim, é talvez a melhor do mundo.


Temos grandes arquitetos que conseguem projetar seu trabalho através
de projetos residenciais. Acho que é a forma que a arquitetura brasileira
é reconhecida no mundo inteiro, depois do grande projeto de Brasília”.

No escritório da Casa Iporanga, em um espaço de 6 m por 3 m, com todos os lápis e


réguas, Arthur Casas dá início a aula sobre casas e interiores. O cômodo é o lugar onde
nascem os projetos do arquiteto, que faz questão do som de música enquanto faz os de-
senhos, ao mesmo tempo em que aprecia a paisagem da Mata Atlântica vista da janela
de frente à escrivaninha de trabalho.

A paisagem é um dos pontos fundamentais na hora em que Casas estuda o terreno


onde será feito um projeto residencial. Se há uma grande paisagem, ela é trazida para o
projeto, mas se não há, ela é criada.

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O nascimento de uma casa


“A casa é um elemento que todo arquiteto idealiza projetar em algum
momento, é a raiz, a célula da arquitetura. E é engraçado como as casas
conseguem ser tão diferentes umas das outras mesmo com programas
parecidos, só por conta do terreno. Ele é quem dita o que vai ser projetado
ali. A grande protagonista da arquitetura de uma casa é a paisagem”.

A partir do momento em que Arthur Casas e equipe são procurados para a realização
de um projeto de arquitetura, eles começam a trabalhar por etapas bem definidas. No
primeiro momento, acontece a conversa com os clientes. Deste encontro tem que sair,
de forma franca, as informações sobre os desejos e vivência daquela família, ou seja,
como moram hoje, como querem morar, como funciona a rotina de todos os membros
da casa, o que pode ser melhorado, etc.

Perspectivas do arquiteto
“É importante você entender isso, você pode criar espaços na casa onde as pessoas
conseguem interagir com o mesmo assunto. Uma vez eu consegui melhorar a relação de
uma família com uma mesa de jogos. Em outra casa, resolvi com uma grande cozinha com
mesa no centro, porque eles tinham uma memória afetiva de vida na fazenda. Então você
vai conversando e tentando entender como melhorar essa comunicação entre cada um”.

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É neste momento que o arquiteto conhece o terreno, entendendo como a paisagem irá
agregar ao processo criativo. Nem sempre é ne­cessário ir pessoalmente até o local, pois
o material pode chegar por imagens de drones.

Em um segundo momento, é hora de ir para o desenho. É quando se busca materiali-


zar no papel ou em trabalhos gráficos, por meio da perspectiva, a proposta arquitetônica
para o cliente. Novas ideias e alterações são comuns nesta etapa.

A partir do momento que o cliente aprova, o projeto é encaminhado para a equipe de


projetistas, que envolve profissionais de cálculo estrutural, sustentabilidade, elétrica, hi-
dráulica, entre outros. As estruturas são dimensionadas e novas imagens são feitas,
mas agora, dentro de uma realidade bem mais próxima do que será a casa. O terceiro
momento é o orçamento, no qual o cliente escolhe a construtora.

“Eu não imponho, mas a gente pode convidar parceiros pro cliente escolher.
Aí ele percebe se aquilo é possível ou se temos que fazer alterações.
Dá para fazer ajustes para que o projeto caiba dentro de uma realidade
financeira. É como se fosse um casamento, então é importante ter essa
relação de forma amiga e direta com o cliente, porque se as alterações
forem feitas no meio da obra, pode comprometer o resultado”.

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Conceitos
Mobiliário e o fluxo dos espaços

“Pra mim, é extremamente importante entender o fluxo e o percurso


das pessoas dentro desse espaço. Eu desenvolvi isso da escala
do móvel com a da casa, apesar da minha faculdade. Aprendi na
marra por ter começado nesse meio e também porque logo cedo
comecei a desenhar móveis, então acontece de forma natural”.

A influência do começo da carreira de Casas com arquitetura de interiores fica evidente


em todos os projetos. As plantas desenhadas por ele já são feitas com os móveis dentro
dos cômodos.

Outra característica do estilo Arthur Casas na hora de pensar nos interiores é a simpli-
cidade, influência da escola de Bauhaus, precursora do design moderno no século XX.
Por conta disso, os ornamentos praticamente não são vistos nos trabalhos de Casas,
que prefere focar na forma como o móvel é estruturado e no que ele oferece ao cliente
no sentido de conforto e eficiência, além da beleza.

Perspectivas do arquiteto
“Eu sei apreciar um móvel com ornamentos, mas quando eu desenho prefiro subtrair todos
os elementos decorativos e ser bem econômico com relação aos detalhes”.

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Escola Bauhaus
Fundada pelo arquiteto Walter Gropius na Alemanha em 1919 e fechada em 1933 a mando
de governo nazista, a Escola Bauhaus de design e arquitetura foi um marco para a história da
arte. O ensino difundia a funcionalidade das construções e procurava unir o artista e o artesão,
com produções mais simples e minimalistas. A Escola Bauhaus foi tão importante que se tor­
nou um movimento estético e social à época, lançando até mesmo um manifesto. Até hoje, é
referência quando se fala em modernismo.

Desenhada pelo arquiteto Marcel Edifício da Escola de Bauhaus,


Breuer, Poltrona Wassily é um em Dessau, projetado pelo
ícone da Escola de Bauhaus fundador, Walter Gropius

Materiais e cores do design na


composição do ambiente

“Isso a gente aprende observando a Mata Atlântica. Às vezes


eu vou pro interior dos EUA para trabalhar e você vê lá só
três tipos de árvore. Aqui no Brasil não, tem uma diversidade
enorme e a gente tem que colocar isso nos materiais”.

Utilizar os materiais que compõem a estrutura da casa de forma equilibrada é o grande


segredo da arquitetura e da decoração. A madeira e a pedra são bem-vindas, mas,
quando utilizadas em excesso, podem carregar o projeto.

Quando o assunto é uso das cores, é importante lembrar que há outros elementos além
da própria cor em si, como a sombra, por exemplo, e a alteração na iluminação do sol,
que também modifica o ambiente ao longo do dia.

Além disso, as próprias pessoas compõem as cores do ambiente, com a roupa, com o
movimento e também com objetos futuros, pois a casa não se finaliza no mobiliário. Por
isso, a aplicação de cores deve ser pensada com atenção.

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Perspectivas do arquiteto
“Sou muito econômico com cores nos ambientes residenciais, mas nos comerciais não
tanto. Para lugares com maior permanência, como as casas, acredito que é melhor econo­
mizar nessa questão, porque você já vai finalizar a residência com seus objetos pessoais,
livros, obras, as coisas que vai adquirindo ao longo do tempo. Às vezes, para evitar adicio­
nar mais elementos, eu uso cores que já tem a ver com a paisagem.”

FC House

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Projetos Arthur Casas:


residências
Casa AL, São Conrado, Rio de Janeiro, Brasil

O projeto desta casa é um grande exemplo de como a arquitetura pode mudar comple-
tamente um terreno e enaltecer a paisagem local. O cliente da Casa AL morava em um
apartamento próximo à Lagoa, no Rio de Janeiro, e estava em busca de uma vida mais
tranquila em um local mais afastado, com menos agito social. Dois terrenos estavam em
mente para a construção da casa, mas ambos não tinham boa vista, segundo o cliente.

“Quando o conheci, fomos visitar dois lotes, um absolutamente não


tinha vista mesmo, mas esse tinha. Era um terreno triangular, com
muitos eucaliptos. A primeira coisa que falei foi fazer um levantamento
topográfico e marcar a cumieira do vizinho pra fazer a casa acima
disso. Então é a questão de entender o terreno pra fazer o projeto”.

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A posição da casa foi invertida. O quarto e as áreas sociais foram trazidas acima da cumieira
do vizinho e os quartos de hóspedes e serviços ficaram no andar inferior, com vista para o
jardim. Como o terreno fica praticamente ao lado da Pedra da Gávea, famoso ponto turístico
do Rio de Janeiro, a ideia foi usar a madeira, mas principalmente a pedra, para trazer a ma-
terialidade do entorno para dentro da casa e criar essa relação com a paisagem.

“Quando ele viu que a casa tinha essa vista ficou impressionado.
É uma área interessante porque é onde as pessoas pulam de
asa delta, então a vista ficou ainda mais completa.”

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Casa MS, Fazenda Boa Vista,


Porto Feliz, São Paulo, Brasil

Localizado no condomínio fechado Fazenda Boa Vista, o largo terreno se encontra em


frente ao campo de golfe. A casa foi desenhada de forma que todos os ambientes ti-
vessem vista para o campo. Além disso, é uma região muito quente, com baixo índice
pluviométrico, característica que praticamente moldou o projeto da residência.

“A primeira coisa que eu quis fazer foi trazer um pouco de água ao


redor da casa para criar um clima mais ameno. Eu não gosto de
ser obrigado a usar ar condicionado, principalmente na região das
áreas comuns, então a gente tem que resolver isso com ventilação
cruzada. Neste caso, trazer água para umedecer foi uma solução.”

No entorno do condomínio, há uma grande concentração de olarias e isso foi trazido


para dentro do projeto. Os tijolos da construção foram feitos a partir da matéria prima da
região, o que conferiu uma coloração mais clara ao projeto. A irregularidade no encaixe
das pedras do piso e dos tijolos das paredes foi proposital e pensada para trazer rustici-
dade ao ambiente. A madeira maciça disposta em réguas de diferentes larguras também
foi amplamente utilizada na construção.

A mobília foi trazida quase em totalidade dos Estados Unidos, com destaque para o jogo
de mesa e cadeiras do artista estadunidense Michael Coffey, de 80 anos, que participou
da fabricação das peças.

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“O cliente topou a ideia de adquirir o mobiliário em Nova York,


onde temos o outro escritório. Isso nos permite saber quem
são os grandes designers da região. O Michael tinha acabado
de realizar um projeto para meu escritório em NY.”

Michael Coffey
Coffey é um grande escultor estadunidense
de móveis em madeira na região do estado
de Nova York. Nascido em 1928, desde
criança adorava atividades manuais e resol­
ver problemas mecânicos, o que o levou a
seguir no caminho da construção em madei­
ra. Os trabalhos de Coffey foram ganhando
notoriedade até que ele fundou uma escola
de marcenaria e design, que hoje é conheci­
da como New England School of Architectu­
ral Woodworking. A escola não está mais sob
a liderança do ar­tesão, que decidiu se dedi­
car somente às obras nos últimos anos. Os
trabalhos do ar­tista vão desde móveis e obje­
tos até estrutu­ras de arquitetura.

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Casa FC, Itu, São Paulo, Brasil

Erguida às margens de um lago, a residência fica no condomínio Terra São José, em Itu,
um dos primeiros condomínios de interior próximos de São Paulo. A residência tem tudo
o que Casas configura como sustentabilidade estética, que foi o guia deste projeto.

“Procuramos ao máximo diminuir o impacto da construção


com a pesquisa de materiais e de soluções simples, como a
estrutura metálica, o sistema de reaproveitamento da água e
o uso de placas solares e de madeiras certificadas”.

Trabalhar na construção da paisagem fez parte desse projeto. Foi criado um segundo
elemento de água com característica de lago, com pedras da região, que são as pisci-
nas. Para tornar o ambiente mais informal e proporcionar integração, a casa não possui
terraço. A sala faz esse papel quando as portas estão abertas. Os móveis possuem co-
res neutras e fibras naturais.

Um dos diferenciais estéticos da Casa FC é a coloração externa, adquirida na própria


região. Foi fabricada uma massa com a terra do terreno para que se chegasse à tonali-
dade de material orgânico.

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A disposição dos ambientes e cômodos da casa foi feita de forma que os moradores
tivessem privacidade, com o quarto do casal no andar superior e o das crianças e de
hóspedes no inferior, pensando já na rotina da fase adolescente que está por vir. A partir
dessa linha de raciocínio, foi criada uma escada externa que liga os pavimentos.

Perspectivas do arquiteto
“Sempre me incomodou um pouco nas casas, sobretudo as de fim de semana, você ter que
passar por uma conexão interna para chegar à área social. Então criei esse elemento exter­
no que, inclusive, por conta da coloração, me remete a alguma coisa mexicana. Mas não sei
direito o porquê... quando fiz essa casa, eu ainda não tinha pensado sobre isso, mas anos
depois, quando visitei o México, eu percebi que ali também tinha esse elemento da terra e
da escada externa. Minha cabeça fez alguma conexão sem eu perceber durante a criação”

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A planta na arquitetura:
materialização das ideias

Em desenvolvimento de outro projeto no condomínio Fazenda Boa Vista, em Itu, Casas


compartilhou o processo prático da elaboração de uma planta de residência. Foi um dos
poucos projetos em que não houve visita ao terreno, pois a cliente mandou material feito
com drones, o que possibilitou o entendimento da localização. Foi observado a neces-
sidade de ganhar a vista do terreno, que conta com uma parte mais alta, quase plana,
e um declive de cerca de 3 metros. A cliente havia imaginado a casa com dois andares.

Perspectivas do arquiteto
“Eu sugeri por telefone, porque eu tenho essa relação rápida e direta com os clientes, que
eu estava imaginando fazer uma casa térrea e com um andar inferior para colocar quarto de
hóspedes, sauna, ginástica, etc. Expliquei que queria fazer a estrutura de casa térrea de­
bruçada na paisagem, utilizando a totalidade da frente da casa, que são 50 metros. E fazer
um percurso de uma casa que hoje as pessoas pouco fazem, que é o de uma casa térrea.”

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O desenho

“Eu desenho à mão porque aprendi assim, não acho virtude nem problema,
acredito também nos que desenham no computador, mas comigo não
adianta. Fiz dois cursos de computação gráfica já e tomei pau nos dois”.

A forma que Casas começa a desenhar é já imaginando todo o mobiliário e os fluxos


no interior da residência, colocando tudo em folha quadriculada, normalmente com mo-
dulações. Neste caso específico foi utilizado modulação 1x20 por 1x20 para facilitar a
execução da estrutura da residência.

O arquiteto procura sempre fazer com que as paredes estejam uma sobre as outras nos
desenhos, por conta da questão estrutural. Ele também aproveita este momento para
pensar no volume, fachada e na questão da materialidade.

As cores são usadas nos traçados das plantas para identificação dos materiais. O ver-
melho representa a madeira, o verde é o metal e o azul é vidro. Detalhes executivos são
pensados neste momento, como é o caso dos muxarabis.

Muxarabis

De origem árabe, os muxarabis são estruturas feitas em madeira vazada com intuito de conferir
ventilação e iluminação natural de forma parcial. Isso acontece por conta dos pequenos espa­
ços entre os desenhos na madeira, que também agregam beleza e privacidade.

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É feita uma planta de corte com escala maior, outra com corte da casa, mostrando exa-
tamente as alturas dentro de cada pavimento. Há também a planta de cobertura, impor-
tante no momento de desenvolver as diferentes alturas da casa.

O próximo passo é a entrega do material à equipe que vai produzir. Uma perspetiva é
apresentada para o cliente para que ele possa visualizar o que foi proposto e dar as
suas opiniões.

“Geralmente, as observações que acontecem são mais


relacionadas com a questão da planta em si do que com a
materialidade ou a implantação da casa no terreno”.

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