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AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS DE RUÍDO EM CAMINHÕES DE COLETA

DE LIXO E O RISCO DE PERDA AUDITIVA EM SEUS OPERADORES

João Candido Fernandes


Universidade Estadual Paulista – Depto de Engenharia Mecânica - Bauru

Nelson Augusto Neto


EMDURB – Empresa Municipal para o Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru

Abstract. The objective of this work was the analysis of the levels of present noises inside the cabines of the
trucks, used in the collection of selective garbage in the Bauru district, measured in real conditions of work, and
analysis of the audiometric evaluations of drivers.
In the evaluation of the levels of noises of the trucks, a sampling of 21 trucks of an universe of 26, was used
being these of two manufaturers Ford and GM. Two types of evaluations of the noise were accomplished in the
trucks: mensurations with stopped truck and in movement, accomplishing the operation of the collection. Those
evaluations facilitated to evaluate the auditory risk the one that the truck driver it is submitted. In the
mensurations a meter of level of sound pressure was used, following a methodology and appropriate norms.
For audiometric evaluation, an aleatory sampling of 21 was taken (twenty-one) drivers. For the
classification of the audiograms, was used the methodology of MERLUZZI (1981).
The analysis of the results, they allowed to observe that 78,1% of audition losses were suggestive for noises,
being its great majority of 1st and 2nd degree.
As conclusion, suggestive induced auditory loss exists, same levels of sound pressure being found most of
the smaller noises levels to the values established by the brazilian standard (NR15).

Keywords. Noise, Induced Hearing Loss, Truck.

TEMA: Ergonomia, Segurança e Qualidade de Vida no Trabalho

1. INTRODUÇÃO

O avanço da tecnologia propiciou melhoria na qualidade de vida e bem estar geral à


sociedade, entretanto, esse progresso trouxe conseqüências como a poluição do ar e sonora. O
ruído e seus efeitos prejudiciais à saúde física e mental do indivíduo, principalmente a
audição, tem sido objeto de estudo de inúmeras pesquisas.
Diariamente, pode-se estar exposto a elevados níveis de ruído, devido a grande
concentração de veículos nas vias públicas. Desta forma, tudo leva a crer que o ruído nas vias
de trânsito pode ser tão prejudicial quanto o ruído industrial, apesar deste último ser abordado
com maior freqüência em estudos e pesquisas, seja pela quantidade de trabalhadores nas
indústrias ou pela maior facilidade de estudo e controle.
A exposição a níveis elevados a pressão sonora pode causar perdas auditivas
irreversíveis e outros danos à saúde em geral, tornando-se imprescindível sua redução e
controle. Portanto, todo esforço deve ser realizado para que ambientes e postos de trabalhos
sejam adequados ao homem (Fernandes, 2000).
Entretanto, como em qualquer outro ambiente de trabalho, a saúde auditiva dos
motoristas de caminhões deveria ser considerada, devido à exposição dos mesmos as mais
variadas situações de desconforto, tais como: exposição ao ruído proveniente do motor,
vibrações, bem como o ruído proveniente de outros veículos em tráfego.
Estudos comprovam que o ruído dentro da cabine de veículos é gerado por várias
fontes, entre elas, motor, sistema de escapamento e de transmissão, e no caso específico desse
trabalho dos lemes utilizados pelos veículos coletores de lixo.
Os fabricantes por sua vez realizam estudos visando chegar a um veículo de coleta de
lixo, menos agressivo ao meio urbano, e ao próprio ambiente de trabalho dos condutores. A
tendência é acabar com o ruído e por conseqüência com a produção de fumaça provocada pela
necessidade de trabalhar com o motor em alta rotação, porém a potência desse motor é um dos
principais responsáveis pelos níveis elevados de ruídos no interior das cabines.
Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar os riscos auditivos desses motoristas, a fim
de detectar possíveis alterações e posteriormente caracterizá-las.

2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada para avaliar o risco auditivo dos motoristas de caminhões


coletores de lixo consistiu de duas partes: medição dos níveis de ruído dentro das cabines e
avaliação audiométrica dos motoristas.

2.1 – Materiais

2.1.1 – Instrumentos para medição dos níveis de ruído.

a) Medidor de Nível de Pressão Sonora da Marca Entelbra, Modelo ETB-142.A;


b) Microfone da Marca Entelbra, do Tipo Condensador tipo “L”;
c) Áudio Calibrador da Marca Entelbra, Modelo: ETB – 135. B.

2.1.3 - Audiometria Tonal Limiar

Foram extraídas dos prontuários médicos as audiometrias dos 21 (vinte e um)


motoristas objeto desse estudo, pertencentes aos anos de 1997, 1998,1999 e 2000.

2.2 – Métodos

2.2.1 - Amostra de Caminhões

Para avaliação do ruído em caminhões coletores de lixo utilizou-se uma amostra de 21


veículos. Os veículos que formaram a amostra estão na Tabela 1.

2.2.2 – Determinação dos Níveis de Ruído

O ruído no interior da cabine dos caminhões foi determinado em duas situações:


- com o caminhão parado;
- com o caminhão em uma operação de coleta de lixo.
Foram realizadas 5 medições para cada caminhão da amostragem, e determinou-se o
valor médio de ruído presente na cabine de cada um deles.
Para estas duas avaliações, foi utilizado o medidor de nível de pressão sonora regulado
no circuito de equalização “A” e na resposta lenta (slow).
Tabela 1 – Características dos caminhões da amostra.
ANO MARCA/MODELO QUANTIDADE
1986 FORD 13000 1
1989 FORD 14000 2
1994 FORD 14000 1
1994 GM 14000 1
1995 FORD 14000 4
1995 GM 14000 10
1999 FORD 14000 1
1999 GM 14000 1
TOTAL 21

2.2.3 – Avaliação Audiométrica em Motoristas de Caminhão.

Para a avaliação audiométrica, tomou-se uma amostra de 21 motoristas da coleta de


lixo da cidade de Bauru, sendo retirado do prontuário médico destes exames audiométricos
dos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, e em seguida aplicada anamnese nos mesmos. O perfil
dos motoristas é mostrado nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2 – Classificação dos Motoristas da Amostra por Idade (anos).


Número de
Idade (anos) % do total
Motoristas
30 a 35 1 4.76
35 a 40 6 28.57
40 a 45 8 38.09
45 a 50 3 14.29
> 50 3 14.29
Total 21 100

Tabela 3 – Classificação dos Motoristas da Amostra por Tempo de Serviço.

Número de
Tempo (anos) % do total
Motoristas
0a5 7 33,33
5 a 10 6 28,57
10 a 15 5 25,81
15 a 20 3 14,29
Total 21 100

Para a interpretação e classificação dos audiogramas de acordo com a existência e


grau da perda auditiva, foram utilizados os critérios propostos pela PORTARIA Nº 19 DA
SECRETÁRIA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO (9 de abril de 1998) e
MERLUZZI (1979).

3. RESULTADOS
3.1- Níveis de ruído durante uma operação de transporte

Os resultados obtidos nas medições realizadas nos caminhões da amostra encontram-


se resumidamente apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 - Nível de ruído encontrado nos caminhões da amostra em operação.


Veículos Nível de Ruído – dB(A)
Tempo de
Caminhão em Aceitável
MARCA/MODELO/ANO Exposição (h)
movimento NBR 10.152
FORD/13000/1986 88,5 75 6
FORD/14000/1989 87,7 75 6
FORD/14000/1994 81 75 6
GM/14000/1995 84 75 6
FORD/14000/1999 73 75 6

HAMMARFORS E KAJLAND (1963) encontraram um nível médio de ruído com o


caminhão em movimento, igual a 78 dB(A) e PRADO (1994) 72 dB(A).
Com exceções dos caminhões A e B apresentados na Tabela 06, notou-se que os
demais dados obtidos encontram-se próximos aos encontrados pelos autores acima citados:

3.2 - Nível de ruído com o caminhão parado

Nos caminhões da amostra foram determinados os níveis de ruídos com os mesmos


parados e apenas o motor funcionando, em rotações diferentes, e sem cargas (Tabela 5).

Tabela 5 - Nível de ruído dos caminhões parados em função da rotação.


FORD/ FORD/ FORD/ GM/ FORD/
Rotação do 13000 14000 14000 14000 14000
motor (rpm) 1986 1989 1994 1995 1999
Níveis de Ruído em dB(A)
1500 86 85 78 78 68
1800 87 87 80 82 71
2000 89 88 82 83 73

3.2- Resultados das avaliações audiométricas

Com respeito às avaliações audiométricas nos 21 motoristas da amostragem foram


divididos em:

3.2.1- Resultados com respeito as condições de trabalho.

Na ficha para investigação da perda de audição profissional, foram avaliadas as


condições de exposição ao ruído dos motoristas da amostra. Os resultados desta análise estão
mostrados na Tabela 6 (em função da idade e do tempo de serviço).
Tabela 6 - Condições de trabalho dos motoristas.
Idade Número de Jornada de Usa EPI Desconforto
(anos) Motoristas Trabalho Sim Não Sim Não
30 A 35 1 6 - 1 - 1
35 A 40 6 6 1 5 2 4
40 A 45 8 6 - 8 2 6
45 A 50 3 6 - 3 - 3
> 50 3 6 - 3 - 3

Tempo de Número de Jornada de Usa EPI Desconforto


Serviço Motoristas Trabalho Sim Não Sim Não
(anos)
0A5 6 6 - 6 - 6
5 A 10 7 6 - 7 4 3
10 A 15 5 6 1 4 - 5
15 A 20 3 6 - 3 - 3
TOTAL 21 - 1 20 4 17

Com base nos dados da Tabela 6, constata-se que: 95,2% dos entrevistados não
utilizavam E.P.I., enquanto 4,8%, o que significa 1 motorista da amostragem de 21, alegou
utilizar, informando que anteriormente à utilização, apresentava desconforto quando em
serviço bem como irritação.
A alegação da não utilização de E.P.I., foi justificada pela necessidade de estar sempre
atento a comunicação, através de assobios com os catadores de lixo, bem como, eventuais
ruídos, provenientes do trânsito, tal como buzina.
100% dos entrevistados declararam trabalhar com o vidro aberto, devido ao grande
desconforto térmico no interior da cabine do caminhão. HEIDRICH, GERGES e PARAZINI
(1994), realizaram medições de níveis de ruído dentro da cabine, e obtiveram pequena
variação entre as situações com o vidro das portas abertos e fechados.
100% dos motoristas declararam ter jornada de trabalho em torno de 6 horas/dia.

3.2.2- Resultados dos sintomas causados pelo ruído

A Tabela 7 mostra os resultados da anamnese dos 21 motoristas.


O resultado da anamnese clínica revelou os seguintes dados:
- 100% dos entrevistados declararam não sentir tontura;
- 23,8% dos entrevistados declararam sentir problemas com zumbido;
- no geral 76,2% dos entrevistados declararam ouvir bem, e não ter dificuldade
de comunicação, e apenas 23,8% declararam ter algum problema de comunicação.

3.2.3- Resultados das audiometrias

Quanto à perda de audição, a Tabela 8 apresenta os resultados das audiometrias nos 21


motoristas da amostragem
Tabela 7 - Sintomas apresentados pelos motoristas
Dificuldade de
Idade Zumbido
Comunicação oral
(anos)
Sim Não Sim Não
30 A 35 - 1 - 1
35 A 40 3 3 1 5
40 A 45 1 7 2 6
45 A 50 - 3 2 1
> 50 1 2 - 3

Dificuldade de
Tempo de Serviço Zumbido
Comunicação oral
(anos)
Sim Não Sim Não
0A5 - 6 - 6
5 A 10 2 5 1 6
10 A 15 2 3 2 3
15 A 20 - 3 2 1
TOTAL 4 17 5 16

Tabela 8 - Resultados das audiometrias por ouvido.


Tempo de Níveis de Perda Auditiva
Serviço Normal 1º grau 2º Grau 3º Grau 4º Grau Total
0A5 4 6 2 - - 12
5 A 10 4 2 5 2 1 14
10 A 15 - 2 8 - - 10
15 A 20 - - 6 - - 6

Idade Níveis de Perda Auditiva


(anos) Normal 1º grau 2º Grau 3º Grau 4º Grau Total
30 A 35 2 - - - - 2
35 A 40 6 4 2 - - 12
40 A 45 - 6 7 2 1 16
45 A 50 - - 6 - - 6
> 50 - - 6 - - 6
TOTAL 8 10 21 2 1 42

Os dados revelam que:


- 19,5% dos ouvidos examinados permaneceram com a audição normal;
- 78,1% dos ouvidos apresentam perda de audição provocada por ruído;
- 2,4% dos ouvidos apresentam perda de audição provocada por causa diversa
do ruído.
- para motoristas com até 5 anos de trabalho, 66,7% já apresentavam perda
auditiva;
- entre 5 e 10 anos de exposição ao ruído do caminhão, 71,4% já possuíam
hipoacusia. Analisando os dados observa-se a severidade das condições de trabalho dos
motoristas estudados neste trabalho.
- 33,4% dos motoristas tiveram perda de audição bilateral, enquanto que 57,1%
tiveram perda maior no ouvido esquerdo e 9,5% tiveram perda maior no ouvido direito.
A perda auditiva maior no ouvido esquerdo pode ser explicada, devido ao
posicionamento do motorista na cabine, cujo ouvido esquerdo fica próximo à janela, que
conforme constatado na anamnese, 100% dos motoristas trabalham com o vidro aberto,
captando assim o ruído, provocado pelo motor e pelo leme, utilizado pelos caminhões
coletores analisados neste trabalho.

4. CONCLUSÕES

A análise dos resultados obtidos nas condições dos ensaios, permitiu apresentar as
seguintes conclusões:

- 14,3% dos caminhões apresentaram níveis de ruído superiores ao


estabelecido pelo NR-15 (C.L.T.), que neste caso é de 87 dB(A) para 6 horas de exposição
diária, o que indica uma condição anormal de trabalho, podendo esta ocupação, no caso
acima, ser classificada de insalubre, no que se refere a problemas causados por ruído.
- no que se refere a conforto acústico, pode-se concluir que a operação de
coleta de lixo, através de caminhões, é desconfortável em sua grande maioria, segundo a NBR
10152.
- a principal fonte de ruído do caminhão é o motor e seus acessórios,
principalmente leme e compactadores.
Para a avaliação audiométrica dos motoristas de caminhão concluiu-se que:
- 95,2% dos motoristas não utilizavam E.P.I., alegando impossibilidade de se
trabalhar com o mesmo (segundo depoimento dos motoristas), o que contribui para as
hipocausias.
- 4,8%, o que significou um motorista, utilizava E.P.I., e analisando suas
audiometrias, notou-se que após a utilização do mesmo sua hipoacusia estacionou no nível em
que se encontrava.
- os sintomas de zumbido apareceram em 23,8% dos motoristas, e o sintoma de
tontura é inexistente.
- 23,8% declararam ter alguma dificuldade de comunicação (olhar sempre para
o rosto (boca) de quem fala).
- o índice de 78,1% sugestivo de perda de audição provocada por ruído é muito
elevado, essas perdas são na sua grande maioria, perdas de 1º e 2º graus, e portanto não
dificulta a vida do motorista no seu dia-a-dia (segundo os próprios motoristas), mas é
proporcional ao tempo de serviço (anos), o que poderá agravar o quadro com o passar do
tempo.
- a precocidade da perda auditiva, demonstra a severidade do ruído nos
caminhões coletores, 66,7% dos motoristas com até 05 anos de exposição, já apresentam
perda de audição induzida por ruído.
- existe maior perda de audição no ouvido esquerdo do que no direito dos
motoristas.
Como conclusão final pode se afirmar que a operação da coleta de lixo por
caminhões, no que se refere a problemas causados por ruído na sua grande maioria não é
insalubre, segundo a C.L.T., portaria 15. Mas está claro a existência de perda auditiva
induzida por ruído e o desconforto acústico.

BIBLIOGRAFIA

ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Norma NBR 10151 –


Avaliação do ruído em áreas habitadas visando o conforto da comunidade. 1987.

ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Norma NBR 10152 –


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BRASIL – Lei Federal Nº 6.515, Portaria Nº 3.214 do Ministério do Trabalho, - NR 15 –


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BRASIL, Ministério da Previdência e Assistência Social. Atualização da Norma Técnica sobre


Perda Auditiva Induzida por Ruído. 1988.

BRASIL, Ministério da Previdência e Assistência Social – Secretaria de Segurança e Saúde


no Trabalho – Portaria N.º 19 , 09/04/1998.

FERNANDES, J. C. – “Acústica e Ruído” – Apostila do Curso de Especialização em


Engenharia de Segurança do Trabalho – UNESP – Campus de Bauru – 2000.

HAMMORFORMS, P. & KAJLAND. A. – Sound: Pressure Analyses of Noise From Motor


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HEIDRICH, GERGES e PARAZINI – “Redução de Ruído na Cabine de um Caminhão


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MERLUZZI, F. Patologia da rumore. In: __. Patologia da Rumore.v.2. Milão: Piccin, 1981.
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MERLUZZI, F. CORNACCHIA, L. PARAGINI, G.; TERRANA T. –Metodologia di


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PRADO, M. A. – Avaliação da Perda de Audição em Motoristas de Caminhão de Bauru no


Transporte Rodoviário de Cargas a Média Distância. Bauru, 1994. p. 7-13 –
Monografia (Especialização em Engenharia de Segurança no Trabalho) – Faculdade
de Engenharia, Universidade Estadual Paulista.

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