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POR QUE

LACAN ,
Christian Ingo Lenz Dunker

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COORDENAçãO
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^L CONSELHO EDITORIAL
<J L « Leopoldo Fulgencio ( Universidade de São Paulo )
Maíra Bonaf é Sei ( Universidade Estadual de Londrina ) Sum á rio
Jorge Luís Ferreira Abrão ( Unesp- Assis )
Isabel Cristina Gomes ( Universidade de São Paulo )
. Paulo Amarante ( Fiocruz-RJ )

Copyright 2016 © by CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER


Todos os direitos desta edição reservados à Zagodoni Editora Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida, seja
qual for o meio, sem a permissão prévia da Zagodoni.
EDITOR
Adriano Zago
REVISÃO
Arilene Teggi
Apresentação à Coleção Grandes Psicanalistas 7
DIAGRAMAÇÃO E CAPA Introdução. Por que Lacan? 9
Michelle Z. Freitas
1 O estilo de Lacan 17
CIP- Brasil. Catalogação na Publicação
2 A estética da interpretação 35
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
3 A ética da interpretação 59
D939p
Dunker, Christian Ingo Lenz
4 A lógica da interpretação 83
Por que Lacan? / Christian Ingo Lenz Dunker; coordenação Daniel 5 Alienação e separação nos processos interpretativos em
Kupermann. - 1. ed. - São Paulo : Zagodoni, 2016.
272 p. : il. ; 23 cm. (Coleção Grandes Psicanalistas ; 1) psicanálise 109
Apêndice
Inclui bibliografia 6 Interpretação na psicose 123
ISBN 978-85-5524-001-0
1. Lacan, Jacques, 1901-1981. 2. Psicanálise. 3. Psicologia. 4. Teoria 7 O dever de dizer e o dever de calar 135
psicanalitica. I. Kupermann, Daniel. II. Título. III. Série.
16-29873 CDD: 150.195 8 A teoria lacaniana do sujeito: uma apresentação comparativa 143
CDU: 159.964.2a
9 Teorias da sexualidade em psicanálise 179
10 o que são estruturas clínicas? 191
[2016] 1 1 Discurso e narrativa: a verdade em estrutura de ficção 209
,
ZAGODONI EDITORA LTDA.
Rua Capital Federal, 860 - Perdizes 12 A travessia da angústia pelo real, simbólico e imaginário 233
01259-010 - Sã o Paulo - SP
Tel.: (11) 2334-6327 1 3 Génese e estrutura do conceito de real 241
contato@zagodoni.com.br
www.zagodoni com.br . Apêndice. Breve biografia de Jacques Lacan 265
Apresentação à
Coleção Grandes Psicanalistas

A Coleção Grandes Psicanalistas tem a ambição não apenas de apre-


sentar ao leitor as principais coordenadas das obras dos autores nela
¡3 tratados, mas também de situá-las em nosso tempo e em nosso contexto
cultural. Ao propormos uma pergunta comum que comparece já no título
• 53 de todos os seus volumes, pretendemos revelar o lugar e a inserção de
*3 cada autor no campo psicanalítico - sua filiação singular ao pensamento
freudiano -, bem como indicar de que maneira o contato com suas ideias
contribui para o enteftdimento dos problemas que nossa época suscita e
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- para a clínica do mal-estar contemporâneo.
Consideramos, inspirados no célebre ensaio de Michel Foucault - O
que é um autor? -, que um "Grande Psicanalista" é aquele que teve su-
cesso em deslocar o "centro de gravidade" da psicanálise contemplando,
em sua obra, quatro aspectos do pensamento psicanalítico: uma teoria
do funcionamento psíquico, ou seja, uma metapsicologia; uma concepção
psicopatológica que lhe é correspondente; uma teoria da clínica que com-
§V põe seu estilo singular de psiCanalisar; e uma reflexão crítica acerca do
- que faz um psicanalista, tanto no que concerne ao processo de formação e
aos modos de institucionalização da psicanálise, quanto no que se refere

Y) à situação analítica em si, ou seja, à escuta e ao ato analítico.


Os livros que compõem a coleção são dirigidos a todos os interessa-
dos na psicanálise, bem como àqueles que se dedicam às vá rias prá ticas
10
«$
* de cuidado com o ser humano, e que compartilham da concepção de que
Saúde implica a busca de um sentido singular para a existência.

o DANIEL KUPERMANN
(b Professor Doutor do Departamento de Psicologia Cl ínica do
Instituto de Psicologia da Universidade de S ão Paulo ( USP )
Introdução.
Por que Lacan ?

T7 ste livro é ao mesmo tempo um testemunho de pesquisa e a resposta


JLjque pude encontrar para esta indagação aparentemente tão simples:
por que Lacan? Em vez de explanar uma comparação genérica com outras
formas de psicanálise ou um estudo linear sobre tópicos introdutórios,
que o leitor encontrará nos textos já consagrados que iniciam o incauto
nesta matéria, optei por recapitular meu encontro com Lacan. E este en-
contro está mediado pelas condições que o leitor pressentirá neste livro:
o Brasil, a psicologia, a filosofia, as ciências da linguagem, mas principal-
mente a importância de pensar Lacan no contexto de nossa clínica hoje,
de nossa pesquisa e do progresso da psicanálise.
T^Vedico este livro aos meus
VJ analisantes, orientandos É este o meu " porque" Lacan. Parcial. Intencionado. Perspective. Que
e alunos, com quem tudo fala português. Entã o, Lacan porque seu estilo é improvável, inimitável
e provocativo.
aprendi, e de quem tudo também
desaprendi. Daí que a abertura deste livro inclua um pequeno ensaio sobre a na-
tureza do estilo em Lacan, com uma evidente tentativa de pensar o estilo
na história e no tempo. Esse capítulo foi apresentado pela primeira vez
em Dublin, na Irlanda, quando fazia meu pós-doutorado. Ele é fruto do
impacto multiculturalista que experimentei nessa aventura em meio a ja-
poneses, indianos, sul-africanos, europeus e sul-americanos, que convi-
viam graças à grande generosidade e empenho de Ian Parker, em redes
de pesquisa em encontros pelo mundo afora. O texto é um exemplo de
uma abordagem que tenta pensar Lacan criticamente, em todas as conse-
quências que esta palavra pode trazer: institucionais, clínicas, éticas, po-
líticas e discursivas. Ele foi publicado inicialmente em The Letter, revista
irlandesa de psicanálise.
Por que Lacan ? Porque ele pensou o fazer da clínica de forma indisso-
ciável de uma crítica do poder e da reflexão ética.
E crítica é antes de tudo análise da linguagem. Por isso o segundo estruturalismo era uma vaga tão forte que ele havia deixado de ser um
bloco deste livro é um estudo sobre linguagem na clínica. simples método para apreender sistemas simbólicos como a língua e os
Este estudo sobre linguagem e interpretação em Lacan relaciona-se sistemas de parentesco. Ele havia sido elevado e torcido ao ponto de der-
mais infimamente com outro texto que foi redigido de forma contempo- ramar consequências éticas, estéticas, políticas e lógicas. O método estru-
rânea ao livro de 1996, ou seja, a minha tese de doutorado sobre As Psi- tural conseguia, assim, prometer uma espécie de unidade para as ciências
coses ria Criança: tempo, linguagem e sujeito jDunker, 2013), editada pela humanas, fundadas que estariam nas ciências da linguagem.
Zagodoni. Jamais esquecerei o gesto que deu origem a estes dois textos A intuição básica do livro era simples: partir da divisão que Lacan fa-
paralelos. Assim como na tese, tentei mostrar que a fundamentação eto- zia da pr ática da psicanálise entre tática, estratégia e política, mostrando
lógica do está dio do espelho havia avançado desde 1936, data do artigo que a tática era uma questão de estética, e que, dentro da estética, quem
de Lacan, até os modernos estudos da psicologia comparada e animal, havia pensado de forma mais próxima os problemas da interpretação
de 1996; tentei seguir a pista lacaniana de que havia uma semiótica da era a antiga tradição da retórica. O programa é declarado e explícito em
interpretação no livro dos chistes. , No contexto dos estudos sobre o pro- Lacan; apesar de que poucos comentadores levaram esta pista até suas
HlêmÊfda linguagem em crianças com diagnóstico de psicose, fui levado últimas consequências. A estratégia, segundo minha hipótese, refere-se
a ler e organizar um vasto repertório de textos disponíveis na época so- à estrutura dialética do tratamento, nõ qual interpretação e manejo da
~ ~
bre interpretação, seja de extra ção semiológica, semiótica ou pragmática transferência se alternam comodois tempos fqrtes que atravessam toda
a experiência anaíítkã 3õ1mcm aolim . Quanto aos fins e ao seu domínio
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e até mesmo de filosofia analítica. Tratei de levar a sério a indicação de
Lacan de que o fulcro prá tico da teoria da interpretação em psicanálise
está no livro pouco lido de Freud chamado Os Chistes e sua Relação com
^
que é a polí tica, tentei pensá-los com referência ao que se pode chamar de
lógica da interpreta ção; ou seja, seu lugar no horizonte de conclusão de
o Inconsciente. Um dia, enchi-me de coragem e já lá pelos três-quartos da uma análise, seja ele pensado pela sexuação ou pelo real.
tese apresentei-me a meu orientador com um calhama ço de textos e uma Estes estudos sobre a interpreta ção eram complementados por dois O

declaração assertiva: estou disposto a mudar de tema. Em vez das psicoses,


' ensaios que de certa maneira condicionam a interpreta ção do ponto de
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£ sobre as quais tinha amealhado um vasto material clínico, iria me dedicar vista diagnóstico. O primeiro, que depois recebeu inú meros desenvolvi-
2 ao tema teórico da interpretação. Recebi então, de meu sagaz orientador, mentos, está na origem de meu livro sobre O C álculo Neurótico do Gozo
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5 Luis Cláudio Figueiredo, uma resposta cujo valor de interpretação jamais (2002) e versa sobre o que são as estrutura clínicas em Lacan. Pois se é fato
esquecerei: Claro Christian, fique à vontade para aproveitar e mudar de orienta-
I dor tambéml Foi assim que em 1996 terminei minha tese, tendo dois meses
que a interpretação depende de um estilo e de uma poética, pela qual o
analista exerce sua liberdade criativa na linguagem, se ele depende de um
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antes da publicação da primeira edição desse livro. Entre os dois projetos, horizonte de construção e dissolução ética de contextos locais de lingua- u
%=
f4 agora reunidos pela Zagodoni Editora, está o tema comum da linguagem gem, ou de montagens da transferência, e se ademais ela se rege por um
e do sujeito. télos lógico de tal forma a ser pensada na totalidade de uma experiência,
s Quatro capítulos deste livro são provenientes de Lacan e a Cl í nica da a interpreta ção depende ainda de a quem ela se dirige e isso faz fun çã o
3 Interpretação, que veio à luz em 1996 no contexto do Centro de Estudos diagnóstica. As estruturas clínicas darTeurose. da psicose e da pervprsã o
o
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são assim uma condição de possibilidade para a interpretação, que define
em Semiótica e Psicanálise da PUC de São Paulo. A Editora Hacker, diri-
gida pelo hoje emérito teórico da teoria da comunica ção José Luiz Aidar,
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seus limites, que organiza sua pol ítica que OQS £Qnvida ;Tès tabelécer a
encarregou-se de editar o volume, contendo seis dos quatro artigos origi- prioridade de certos problemas cl ínicos sobrp_nutros.
nais reproduzidos aqui. Por que Lacan ? Porque ele nos coloca de modo incontomável diante
Como se exprimia sua diretora, na ocasião, a saudosa Samira Chalub, da relação tensa com a universalidade dos saberes, pensando a psicanáli-
era um momento em que se discutia de maneira acirrada e transversal a se como uma pesquisa, uma pesquisa dmnconsdeñte? como a isso se refe-
concepção de linguagem que atravessava a teoria de Lacan. Por aqui ain- ria meu querido professor Luis Carlos Nogueira. Lacan trouxe para a psi-
da se tentava entender o impacto do estruturalismo em meio às objeções canálise uma disciplina de reinvenção e fidelidade a Freud, nos levando
e pondera ções críticas de Humberto Eco, Jacques Derrida e Gilíes Deleu- aos debates e métodos da ciência de sua época junto com os autores mais
ze. Foi assim que surgiu a ideia de responder a esta controvérsia com clássicos da filosofia. A linguística não parou com Saussure e Jacobson,
uma espécie de argumento prático; ou seja, perguntar que tipo de uso da a topologia descobriu os polinómios de Alexander, fundamentais para a
linguagem devemos ter em conta durante o tratamento psicanalítico. A teoria dos nós, só depois da morte de Lacan, a etologia avançou muito de-
complexidade do problema remontava ao fato de que naquela altura o pois de Lorenz e Baldwin, a filosofia de Hegel não se contenta mais com
10 11
os comentá rios de Kojéve e Hyppolite, a literatura não se encerrou com sa intervenção em hospitais da Grande São Paulo, no á mbito da Rede de
Joyce e Duras. Este não é um livro sobre os conceitos básicos ou essenciais Pesquisa sobre Sintoma e Corporeidade do Fórum do Campo Lacaniano.
de Lacan, mas uma mostra de como é possível pesquisar com Lacan de tal O capítulo sobre o Dever de Dizer e o Dever de Calar (Dunker, 2012a)
é urna espúcie-de complemento, quinze anos depois, ao artigo inicial
-
O capítulo que escrevi em colaboração com minha ex-orientanda e sobr ’ f ógiea.da Interpretaçõà. A partir de uma análise das categorias mo-
'

amiga Tatiana Assadi sobre a alienação e a separação dos processos in-


terpretativos em psicanálise (Dunker, 2004b) é a tentativa de processar
^
dais, tendo em conta sua inflexão ética, tentei mostrar que o silêncio do
analista pode ter uma nova função. No fundo, é um texto que faz um
uma especie de atualização da teoria lacaniana da interpretação a par- balanço crítico de uma experiência de análise, comparativamente muito
tir do Seminário XI sobre Os. Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, mais silenciosa antes do que parece ser a regra hoje. Essa alteração, seja
de 1963. As duas posições subjetivas, da alienação e da separação, que ou nã o decorrência do encurtamento do tempo das sessões, remete à
determinavam o processo transformativo no interior de um tratamento potência conceituai da noção de dizer, bem como uma revisão da ética
psicanalítico, de certa forma introduziam runa nova considera ção sobre o do psicanalista e da sua figura fundamental do desejo do psicanalista à
sujeito que jamais se expôs a uma revisão sistemática pelo próprio Lacan. luz dos últimos escritos de Lacan. Ele debate com o lamento de muitos
5 As indicações preciosas que encontramos sobre a interpretação neste se- psicanalistas de que hoje, dizem ser preciso fazer muito mais psicote-
3 minário, por exemplo, que ela não está aberta a todos os sentidos, parece rapia que antigamente, que hoje não dispomos dos mesmos recursos
ig muito mais uma resposta de ocasião a Leclaire e Laplanche do que pro-
priamente uma ressignificação da teoria do significante na interpretação,
de tempo e de radicalidade quanto à presença do psicanalista, como se
dispunha vinte ou trinta anos atrás. De certa forma, este estudo comple-
PM tal como aparece em Função e Campo ou em Direção da Cura. Neste ensaio, menta a tese de livre-docência que defendi em Estrutura e Constituição da
3
tentamos pensar as consequências desta nova teoria da alienação, cujo Cl ínica Psicanal í tica (Dunker, 2012b ), acerca do cará ter híbrido do fazer
produto é uma concepção mais forte de fantasia, à luz de uma concepção do psicanalista, entre a direção da cura como experiência de verdade do o
ampliada de linguagem que leve em conta não apenas as operações de desejo, o método clínico de tratamento dos sintomas e a retórica tera-
i significação e significancia entre significantes, mas também as incidên- pêutica da palavra.
cias da transcrição ( passagem entre meios de linguagem, do oral ao escri- Por que Lacan? Porque ele pensou o sujeito no que este tem de mais
3
to, por exemplo), da tradução ( passagem de uma língua para outra) e a ef émero e raro, junto com o que nele há de mais materialista e universal:
transliteração (passagem de um sistema de escrita para outro). a linguagem. Ou sejá, ele permite defender a categoria de sujeito e ao £
£
O capítulo original sobre a interpretação na psicose é no fundo a rea- mesmo tempo nos adverte da periculosidade filosófica que isso repre-
plicação desta intuição genérica que atravessa este livro, de que as modi- senta. 5
5
CA ficações e ampliações da concepção de linguagem em Lacan determinam Ainda na Universidade São Marcos, redigi o capítulo sobre a teoria
seu entendimento e sua prá tica da interpretação. Ele foi originalmente do sujeito em Lacan (Dunker, 2001). Motivado pela necessidade de dialo-
l3 apresentado e discutido nas aulas de Formações Clinicas do F órum do Campo gar com outras teorias do sujeito, notadamente as teorias sociais críticas i
Lacaniano de S ão Paulo. Da teoria dos atos de reconhecimento à experiência e as teorias da educação, este é um estudo comparativo que tem como
da fala, da fala vazia ou plena ao significante, do significante à enuncia- benef ício principal mostrar a importância das noções de constituição,
ção, da enunciação ao sentido, do sentido à falta de sentido presente no constru ção e forma ção em Lacan, que posteriormente empreguei como
nome, da função de nomeação ao dizer e deste à letra, não há mutação fundamento do método para entender as prá ticas de cura, tratamento e
no tema de linguagem que nã o se refira a uma transformação da prática terapia em psicanálise, método este baseado em uma topologia histórica.
de interpreta ção. Contudo, se esta intuição é correta, onde estará a teoria A teoria do sujeito em Lacan é dependente de seus desenvolvimen-
da interpretação na psicose para além do texto de 1958 sobre a Questão tos sobre a linguagem, notadamente a experiência de reconhecimento,
preliminar? Este é o experimento que permitiu opor a função do fftzffer u - mas também ela é covariante de suas intelecções sobre a divisão sexual
função da nomea ção na escuta psicanalítica do delírio. No escopo clínico do sujeito. O longo caminho que vai da crítica do conceito freudiano, re-
A das psicoses, este pequeno estudo defende a tese de que q delírio é uma lativo ao Complexo de Édipo e o papel crucial que nele toma a angústia
giestas estruturas de ficção que anelam e desanelam a verdade no Real. O de castração, impõe varia ções que culminam nas teses sobre o objeto a,
desenvolvimento conceituai deste nó formado pela nomeação e pelo shif - na concepção de gozo e a teoria da sexuação, dos anos 1970. O ponto de
ter tem por contraponto a nossa teoria das Formações Psicossomáticas, partida para esta longa trajetória está na intuição, ademais freudiana, de
desenvolvida no livro conjunto A Pele como Litoral (2011), produto de nos- que talvez não exista apenas uma, mas várias teorias da sexualidade em
12 13
psicanálise. É disso que trata o capítulo sobre Teorias da Sexualidade em trariamente a uma certa tendência do pós-lacanismo que autonomiza os
Psicanálise. últimos escritos de Lacan como uma nova clínica, repetindo o erro que se
Tendo a linguagem de um lado e a sexualidade de outro, Lacan de- fez com Freud ao supervalorizar a última tópica, quero crer que há uma
senvolve sua teoria sobre as estruturas clínicas. Da linguagem que Lacan razão de método em Lacan: nunca separar os desenvolvimentos sobre a
importou o método estrutural pelo qual foi possível pensar as estruturas linguagem e a estrutura dos avanços de formalização sobre o Real, Sim-
clínicas como mitos, como posições do sujeito na linguagem, em todos os
seus níveis: do significante, do discurso, da letra e enunciação. Da sexua-
bólico e Imaginá rio. Nada mais ideológico do que esta espécte dé désgar
ramento clínico entre estruturas¡Antropológicas e estruturastontológicas ^
-
Como tentamos mostrar em nossaspesqursasjunto ao Laboratorio de Te-
/
lidade Lacan importou uma variação da dialética necessária para pensar a
lógica do não-todo. Esse duplo movimento é o que apresento no capítulo oria Social, Filosofia e Psicanálise da USP, que coordeno junto com Nel-
sobre O que S ão Estruturas Clínicas. son da Silva Jr. e Vladimir Safatle, desde 2008, a teoria dos três registros
O capítulo sobre discurso e narrativa (Dunker, 2004a) corresponde provém de Hegel e de Méyerson, da crítica ao kantismo e ao positivismo,
ao resultado preliminar de minha pesquisa de pós-doutorado, realizado da epistemología marxista e do surrealismo. Ainda que os últimos avan-
,

sob supervisão de Ian Parker e Erica Burman, em Manchester entre 2001 ços de apreensão do Real se deyama topologia e a lógica, esta intui çã o
e 2003. Seu propósito mais genérico é introduzir a noção de narrativa em é originariamente uma. reflex㣠sobre ojempo e a história nunra nm es-
3
-
, ,

quematismo classificatório
psicanálise de orienta çã o lacaniana, examinando a fundo a tese de que a
Nos capítulos inéditos sobre A Travessia da Angústia pelo Real , Simbó-
I ficante, quando e por que podemos dizer que um sujeito é capaz de criar lico e Imaginário, apresehtado no histórico evento de 2013 "Lacan na IPA"
3 e Génese e Estrutura do Conceito de Real , tento mostrar como o Real é tanto
PH
ficções? Seriam as teorias sexuais infantis, os mitos individuais dos neuró-
o impossível quanto contingente. Ele é tanto o que nos orienta na clínica 5
ticos, os romances familiares, sem falar na mitologia pessoal das pulsões
gêneros psicanalíticos de ficção? Novamente tentei reconectar Freud e La- quanto o pior. O tempo, a negatividade e linguagem são as condições O

can sem que o segundo fosse apenas a verdade "revelada" do primeiro. pelas quais Lacan efetivou à sua maneira uma ciência do Real. g
I Tentei mostrar, sem trair o método estrutural, quais seriam as condições Por que Lacan ? Porque ele nos fornece as ferramentas para nos imuni- -
J

i lógicas para que a criança pudesse entrar nos discursos. Era uma época zarmos contra a própria degradação de seu estilo, de sua teoria e de sua
em que se discutia ardorosamente o problema da entrada na linguagem clínica.
3
e suas relações com a decisão da estrutura clínica. Ou seja, se a maneira Este é urrrlivro que tenta responder a pergunta mais simples e mais
£
como a criança se apropria da linguagem é também a maneira como ela essendalVgjjue fazemos quando fazemos psicanálise t Nos vinte cinco anos

i decide sua relação com o desejo e com o falo, subsequentemente com o


modo neurótico, psicótico ou perverso de relação com a linguagem, que
que separam os primeiros dos últimos estudos deste livro a psicanálise
se transformou. O acesso aos textos aumentou; a tradição de comentário

s lugar se reservaria nesse processo de constituição aos discursos, no sen-


tido dos quatro discursos: universitário, de mestre, da histeria e do psi-
canalista? Uma teoria da génese dos discursos parecia-me absolutamente
essencial para dirimir o equívoco entre os chamados desenvolvimentis-
tas, que defendiam a importância das experiências locais da criança, e os
permite andar em companhia onde antes cada esquina representava um
risco. Mas quero crer que o ganho em detalhamento perdeu um tanto
em termos da apresentação de problemas mais gerais, que permitiriam
a concorrência de esforços de pesquisa e de investigação. Hoje, as linhas
de comentá rio parecem tão independentes que não se consegue dirimir
logicistas, que acreditavam que havia muito pouco a fazer quanto à inter- as conversas entre leituras divergentes.J\[este livro ainda se poderá ver
venção nesse processo. Ou seja, para julgar as pretensões clínicas que per- comparações e teses sintéticas que hoje seriam uma temeridade, senão
mitiriam "tirar" uma criança de sua rota rumo ao autismo, ou entender uma ignorância. Ainda assim, os pecados dejiiventudp são os que ficam .
como ela se alienava primordialmente, faltava um capítulo da conversa Por que Lacan? Porquè sTmr
que parecia estar muito distante da clínica, a saber, a teoria dos quatro
discursos. De fato, em anos posteriores desenvolvi várias hipóteses sobre
o potencial uso clínico da teoria dos discursos, antes tão severamente con- Referê ncias
finada ao estatuto isolado de uma espécie de teoria social lacaniana.
Por que Lacan? Porque ele nos convida a pensar o impossível. DUNKER, C.I.L. Lacan e a Clí nica da Interpretação. São Paulo: Hacker, 1996.
E o impossível para Lacan se apresenta em diferentes figuras: a an- DUNKER, C.I.L.; PASSOS, M.C. Uma Psicologia que se Interroga. São Paulo:
%
I! 14 gústia, o sujeito, o desejo obsessivo, o objeto a e, finalmente, o Real. Con- Edicon, 2001. 15

L.
DUNKER, C.I.L. O Cálculo Neurótico do Gozo.São Paulo: Escuta, 2002.
DUNKER, C.I.L. Truth structured like fiction: sexual theories of children
viewed as narrative. Journal for Lacanian Studies 2, 2:183-197, 2004a.
0 Estilo de Lacan
DUNKER, C.I.L.; ASSADI, T.C. Alienação e Separa ção nos Processos Inter-
pretativos. Psicanálise. Psyche (São Paulo), 1 v.13, p.85-100, 2004b.
DUNKER, C.I.L. O dever de dizer e o dever de calar . Stylus. Rio de Janeiro,
V 24, p. 93-102, junho 2012a.
DUNKER, C.I.L. Estrutura e Constituição da Clí nica Psicanal í tica. São Paulo:
Annablume, 2012b.
DUNKER, C.I.L. A Psicose na Criança. Sã o Paulo: Zagodoni, 2013.
DUNKER, C.I.L. Mal- Estar, Sofrimento e Sintoma. São Paulo: Boitempo, 2015.
2
<

I
I Ta abertura do Escritos, o único livro propriamente publicado por La-
1\l can, encontra-se uma afirmação clássica que diz: o estilo é o hnmem .

Estilo é uma noção dif ícil de definir, apesar de sabermos empregá-la com
facilidade. Diz-se que alguém tem estilo, às vezes, como sinónimo do que
I a psicologia popular chama de personalidadept í clqsse. S ão noções que su-
gerem que alguém tem algo de muito próprio que toma esse alguéín...
alguém. Mais precisamente isso significa que podemos reconhecer esse
5

s
alguém; mas o curioso é que não sabemos, como e por que o facemos.
Quando reconhecemos um estilo, há a impressão de que existe uma es-
sência perceptível naquela pessoa, uma essência que a faz diferente, úni-
ca e idêntica a si mesma. Há outra propriedade importante da noção de
estilo. O estilo é algo que se deseja possuir ou que se deseja encontrar em
Ii alguém. Algu ém sem estilo é algu ém mmum . no sentido HP vulgar, or-
triado.
u a signos, modos
de ser, falar, vestir e consumir inautênticos. É aquela pessoa cujo estilo de
vida nos parece inautêntico ou postiço.
Ora, esta maneira de entender o que é um estilo é completamente
oposta à de Lacan. Se seguirmos a referência completa, encontramos que
a frase usada por Lacan, na contracapa de seu Escritos, vem de Buffon e
não diz apenas que "o estilo é o homem", mas que "o estilo é o homem a
guem nos dirigimos" . Por esta afirmação se depreende que meu estilo não é
urna coisa que está em mim, que eu possuo e que corresponderia à essên-
cia mais íntima de meu ser. Por exemplo, agora, enquanto escrevo, meu
estilo (se eu tivesse um) estaria em vocês não em mim. Afinal, é a vocês
que eu estou me dirigindo. É a vocês que estou me endereçando. Mas
aqui vale a pena examinar melhor este a quem nos dirigimos. O que signifi-
ca me dirigir a vocês? O leitor já deve ter tido aquela desagrad á vel sensa-
I! 16
ção de que aquele com quem falamos não está falando realmente conosco.
Pensem no telemarketing , nas secretá rias eletrónicas ou nos "costumes dis- _
o paciente chega à análise, ele fala de si, mas não fala com o analista: em
seguida ele fala com o analista, mas não fala de si:_ quando o analisante
^

cursivos" que somos obrigados a seguir em instituições, corporações ou falã dê si com o analista a análise termina.
situações mais ou menos regradas. Às vezes temos uma intuição de que As duas funções complementares do imaginário nos informam so-
a pessoa está falando com seus próprios preconceitos, com suas próprias bre o estatuto de desconhecimento de si, próprio do ego, e o estatuto de
ilusões e comete toda sorte de antecipações que pode fazer acerca do ou- conhecimento do outro, como objeto, reduzido a uma projeção duplicada
tro a quem se dirige. Na desavença cotidiana entre casais isso se revela em do próprio eu. Chamo a atenção para esta dupla de termos: mnher.imp.ntn
expressões do tipo: "parece que eu estou falando com a parede" ou por do outro comoobjeto e desconhedmento de si como sujeito. Lacan formula o
uma interminável sucessão de correções como: "você não entendeu, não conceito de imãginário_a partir de três referências principais:
foi isso que eu quis dizer". 1. Estudando ¿ paranoia Xaçan-perçebe que esta pode ser entendi-
O exame do tema do estilo nos leva, assim, a duas constata ções com- %
. da como uma espécie de roertrofiXda função do conhecimento.
plementares: N\ Q paranoico-sente-se perseguidtrcomo se fossp um objeto de rn-

%
1. nossas relações intersubjetivas comportam uma espécie de ilusão - mhecimento. Ele interessaao outro, mas nãt) sahe n que ele possui
^

U permanente de que estamos falando com um outro que pensa- para ser objeto deste interesse. O paranoico, assim como aquele
HJ mos conhecer, como conhecemos os objetos do mundo, e assim que acredita demais em seu "eu", possui atributos essenciais que
% podemos prever e intervir sobre seu funcionamento; lhe conferem um estilo, leva-se a sério demais, acredita que ele
O
2. nossas relações intersubjetivas comportam ainda uma outra é a imagem da função que exerce. Ele é capaz de punir-se para
PH
ilusão insidiosa, a saber: a de que somos os senhores de nossa satisfazer a este insondá vel desejo do Outro. Esta ideia de que a
própria fala, e que esta é apenas a expressão de nossa intencio- paranoia tpm uma vocação ao conhecimento já aparecia em Sal-
nalidade interior. vador Dali. Lacan extrapola e inverte esta tese. Não só a paranoia Q

é um fenômeno da esfera do conhecimento comooconhecimen-


í Ao sistema de funcionamento articulado dessas duas formas de ilu- to, elemesmÕTtem estrutura paranoica. Com esta mversao, a pa-
~ §
são, Lacan deu o nome de imaginário. Como espero que os exemplos te- ranoia deixa de ser especificamente umã variante das~psicosese
t nham deixado claro, o imaginário não é uma substância, mas um efeito passa a constituir um aspecto da estrutura mesma do ego.
5
2. Estudando os trabalhos de Wallon sobre as relações da criança
ss=
£ e uma condição das rela ções ínter- humanas. O imaginá rio foi deduzido
põrTãcãrTTpartir das fragilidades que este detecta na teoria freudiana com sua imagem no espelho, além de estudos etológicos sobre
do narcisismo. A principal delas é que, para Lacan, Freud não teria dis- o comportamento animal e certas descobertas da Psicologia da u
í tinguido suficientemente o sujeito em sua acepção psicológica do sujeito, Forma, Lacan postula que o imaginá rio constrói-se para um su-
o
em sua acepção epistemológica. Ou seja, o sujeito freudiano, presente na jeito a partir de uma captura inata na imagem do semelhante. O
l teoria do narcisismo, é simultaneamente um sujeito conhecedor e dese- fascínio narcísico do reencontro da própria imagem unificada a
u jante, mas ali onde ele conhece, ele não deseja; e ali onde ele deseja, ele partir, principalmente, do olhar do outro comporia a premissa
não conhece. que toma o imaginá rio o domínio da identifica ção. Disto Lacan
Narciso é aquele personagem mitológico que se apaixona pela pró-
pria imagem refletida no espelho. Narciso interessa-se por sua imagem;
ele quer conhecê-la como se assim descobrisse o que tem de mais precio-
destaca dois efeitos
^
lentaisf agressividadã (fruto dqjup-
turn da imagem) e a "paixão (fhuto daTmifieaçãeraa imagem).
3. Acompanhando os trabaffiosde Hegel sobre o desejo e, princi-
so para o outro. Inversamente, ele experimenta a sensação de que nessa palmente, sua teoria da alienação, Lacan assimila à ordem do
mesma imagem, que ele parcialmente desconhece, pois algo lhe parece imaginário todo um espectrojie problemas em tomo das rela-
escapar, ali está o que fará ser reconhecido, amado e desejado pelo Outro.
Menos conhecida é a história da musa que se apaixona por Narciso._A
musa rhama-se Eco, e devplve portanto, a Narciso o retomo de sua pró-
^
^- ^ ^
ções de stranhamenfb fascinação1 para com o semelhante. A
y lienação corresponde à separação entre o sujeito e a posiçãocle
^ ¿nde este enuncia seu desejo. Uu seja, afieñar-se é 3esconhecer ã
~

pria fala. No fundo, Eco acaba realmente devolvendo, em escala inverti- posição de ondesè fala quando nos dirigimos a alguém. Contu-
da, o que Narciso quer dizer, mas a questão aí é: quer dizer para quem ? do, também nos alienamos quando conhecemos demais aquele
.

Há uma síntese lapidar feita por Lacan acerca do processo psicanalí- a quem nos dirigimos, tomando-o um ohjpto de conhpcimpntn
tico que envolve este tema do descompasso entre a fala e o outro. Quando A alienação traz para a teoria do imaginá rio um elemento novo
18 19
em rela ção ao puro domínio da imagem, a saber, o ideal. Um tava simplesmente estimulando-o. A teoria dos conteúdos mentais, in-
'
Ideal
resume a função da imagem prescindindo cíela . Não de- teriorizados e essencializados, caía como uma luva para exemplificar o
bemos, portanto, confundir o ideal com a imagem. O ideal g_a empreendimento imaginário de auto-objetivação. A teoria das relações
posicã oa partir da qual a imagem se fon se mantém . Com de objeto admitia nominalmente aquilo que se deveria evitar, a saber, a
isso Lacan pode postular uma dialética entre o ideal e a imagem; objetaliza ção do outro. A mestria, ao qual o analista se dedicava em sua
entre eu ideal (que é umà( únagem)"e Ideal de eu (que é uma
'
prática, era agora percebida como o exato oposto do que se deveria espe-
fun çãõ).- jO funcionamento desía dialética explicaria o progresso rar do tratamento analítico.
clã alienação. Quando me alieno em uma imagem é porque não É importante mencionar que o lacanismo não chegou a um solo
reconheço o ideal que ela veicula, e quando me alieno em um ausente de resistências a esse tipo de clínica. O que havia de mais com-
Ideal é porque desconheço a imagem que ele forma. Outra for- bativo, especialmente nas universidades, era representado pela fenome-
mula ção deste problema encontra-se nas relações entre o sujeito nología interpessoal, de tipo rogeriano, por exemplo, e pela psicologia
e seu desejo: "quando sei demais quem sou, não sei mais o que científica de contornos behavioristas. Lacan surgiu como uma teoria que
quero"; inversamente, "quando sei dentais o que quero, não sei respondia e continuava, com vantagens, os argumentos já introduzidos
mais quem sou". por essas duas vertentes. Sentia-se em Lacan um forte desejo de justifica-
-J
i
ção da prática clínica e de seus fundamentos, bem como um diálogo aber-
& A cr
í tica do imaginá rio to com a ciência, principalmente na sua dimensão epistemológica. Além
g disso, abria-se uma discussão direta sobre a ética da psicanálise e sobre
o problema do poder no interior do tratamento psicanalítico. O principal 2
A teoria lacaniana do imaginá rio representou uma verdadeira revo-
e efetivamente mais lido texto de Lacan sobre a clínica chama-se Direção
lu ção no circuito psicanalítico brasileiro dos anos 1980. Até então a psi-
da Cura e os Princí pios de seu Poder (1958). O próprio título desse trabalho D
canálise em vigor no país era principalmente de extração anglo-saxônica.
representava um programa de resistência à psicanálise hegemónica no
Melanie Klein e Bion, que fez diversas viagens ao Brasil durante os anos
I 1960 e 1970, eram referências importantes. O pensamento de Lacan chega
Brasil dos anos 1980. Direção da cura, não direção do paciente, princí pios de
seu poder, ou seia ^ efria rn pol í tica e não técnica. s
ao Brasil em um momento de virada político-cultural. Vivia-se os últimos 2
anos da ditadura militar e o país esboçava um processo de redemocrati- Mas há outra via pela qual Lacan se tornou palatável rapidamente no
5 Brasil. As teses sobre*o imaginário permitiam tematizar criticamente um
£ zação. A psicanálise, presente nas universidades e também nos hospitais
psiquiátricos desde a sua origem identificava-se assim com certa estratifi- aspecto importante da cultura brasileira, a saber, seu apego ao espetá culo
cação social: patriarcalista, aristocrática e conservadora. e à exibição ostensiva como práticas imanentes ao poder . Portanto, um U

questionamento que punha no centro da a ção clínica o questionamento


O Nesta situação, era muito compreensível que as prá ticas clínicas,
sobre os princípios do poder e como ele pode ser sustentado em uma di-
reconhecidamente psicanalíticas ou de inspiração psicanalítica, fossem
l associadas a um dirigismo ostensivo. O psicanalista era percebido como
mensão imaginária, por exemplo, na qual mestre e escravo são lidos pelo
valor de face, podia conectar diretamente a problemática cl ínica com o
u uma espécie de mestre que, dotado do saber privilegiado sobre o ser do
tema da ideologia e da crítica.
sujeito, podia orientar interpretativamente o sujeito rumo ão seu autoco-
nhecimento. Um regramento bastante austero do sistema de formação de A lei, no sentido de ordenamento jurídico e também de regulamenta-
analistas contribuía para isso. Neutralidade severa, rigor no tratamento ção institucional, era percebida não como um princípio formal decorrente
da forma ção coletiva, mas como instrumento arbitrá rio e encarnado de
e principalmente apego ao contrato e à estabilidade do setting analítico
eram temas constantes. dominação. Como afirma o ditado popular: para os amigos tudo, para os
Neste contexto, as teses de Lacan sobre o imaginá rio pareciam ser jnimigos a lei. Ora, essa incidência da lei corresponde exatamente ao que'
Lacan descrevia como funcionamento paranoico. A identifica çã o entre a
aplicadas quase que espontaneamente à própria imagem corrente acerca
do tratamento analítico. Uma experiência de alienação baseada no pri-
pessoa e a função, a redu ção do outro à condição de objeto eja identifi- ¡
cação entre ideal e imagem, típicas do funcionamento imaginário!eram L> "
J/
vilégio concedido à imagem do analista, daí a ênfase na transferência e “

praticas sociais e políticas extensivas na cultura e visíviislíÕinterTnr da j


em sua interpretação extensiva, no aqui e agora. A dependência vigoro-
picãnãlisè tradicional D
sa, assim criada e mantida entre analista e analisante, que já era sentida
socialmente como problemá tica, tinha agora uma explica ção teórica. A A noção de imaginá rio servia, assim, como um interpretante não só
~ ~ crítico em relação às práticas sociais de opressão como incluía a psicaná-
20 -
psirfin á lisp . que deveria orientar-se para a fravessia do imagin á rio, £S- 21
lise entre elas. A ideia de que a psicanálise serviria para efetivar a-harmp-
^ ou seja, o sintoma. A perversão, longe de ser definida apenas em termos
niza ção das diferenças, ajustando o indivíduo à sociedade, tornamjq-o morais, é pensada como outro tipo de negação, uma negação imaginá-
_
compatível e em conformidadp mm ns ideais da mltura Strava-ae-as-- ria, cujo retomo é também no imãgjnafiõTd fetiche. Finalmente, a psicose
sim oavesso diTq úeLacan propunha . corresponderia a uma terceira e mais vigorosãlõrma de nega ção, uma
Também do ponto de vista do modelo formativo o pensamento de negação cujo retorno se daria no real. Aqui vem uma ideia nova: o real já
Lacan representava uma abertura com relação à medicalização e elitiza- - não é definido como realidade, mas seu protótipo é a alucinação.
ção da psicanálise. Para realizar esta leitura Lacan precisa rever aquilo que em Freud
era o eixo de consideração da castração, ou seja, o falo. Para Lacan, em
0 simbó lico como alternativa sua tentativa de ultrapassar runa leitura realista ingénua, empirista e bio-
logizante de Freud, p falo não pode ser considerado como equivalente do
Mas voltemos ao problema do estilo. Fomos levados a uma espécie pénis. Por quê? Porque o pénis é uma imagem ou objeto positivo e, como
de impasse sobre a questão. No plano do imaginário, estamos entre co- vimos, o simbó lico e uma media ção não um objeto positivo. Por isso, o
"

nhecimento paranoico e desconhecimento sistemá tico. É da estrutura da falo passa a ser pensado como o representante da falta e-aJalta-eomcio
3 consciência umá pregnante alienação no outro que nos faz ver nele um articulador centrai do desejo.
recíproco, simétrico de mim mesmo. Ou seja, o outro imaginário nãn p Também em relação ao drama edípico a negatividade se fará presen-
verdadeiro outro, portanto,, se me dirijo a ele só posso esperar tapeacão e te. O pai não se identificará mais com o genitor, o que, como vimos, é um
trabalho do imaginá rio (sobrepor objeto e função ). Ü paí~ém ~ j55cãnálise
- J^
engano, oscilação entre paixão e agressividade, reversão perpétuaentre
^s
^
J amõr e ódio. A solução. pornn <T da -por LacSTTpafa este impasse não re-
/'side nem noi nb&omentn npm n í) desconhecimento, mas no reconheci-
será definido justamente como agente de certo tipo de negação, assim
a
^
i
^
mento. O estilo é o homem a quem me dirijo, porque e somente quando ao me
como á m ã e o será també m, mas em outro sentido.
Finalmente, a teoria da libido será relida sob essa ótica da negativida- D

dirigir ao outro eu o introduzo em uma dialética do reconhecimento. O de representada pelo falo. Agora, não se trata mais da relação de objeto, I
I 'põrítõ aquí ãtúralmente, é saber o que é então este ato de reconhecimen-
' to alémTndo falso reconhecimento nardsico. A distinção crucial reside
para
interno ou externo, mas da relaçã o com a falta. É importante salientar
que na esfera da mediação representada pelo desejo há uma dialética en-
hJ

i:
«
no fato de que o reconhecimento verdadeiro não toma por conteúdo qual-
quer atributo, traço ou signo do outro ou do sujeito. O reconhecimento
tre simbólico e imaginário, portanto um desdobramento da negatividade
intema ao simbólico,‘em uma dialética na qual simbólico e imaginá rio
verdadeiro é uma questão de forma, é o reconhecimento das mediações se negam de forma recíproca e determinada. Um belo exemplo disso é a
que tomam possível que um se dirija ao outro. Estas mediações são de tese da disparidade entre o eu e seu desejo. Ah onde o sujeito sabe o que
diversos tipos e o conjunto delas recebeu, em Lacan, o nome de simbólico, quer, ele não sabe quem é; e ali onde ele sabe quem é, ele não sabe mais
ou de ordem simbólica. o que quer.
Num primeiro momento Lacan considerou que esta mediação pode- É o que ilustra a trajetória de Goethe no romance de formação O Mes-
ria ser o trabalho ou a luta por fazer reconhecer e por reconhecer-se nos tre Wilhelm. Trata-se da história de um jovem bem-sucedido que, tendo
Ideais do Eu. Esta media ção seria exemplificada pela passagem do sujeito um brilhante futuro à sua frente, sente-se inesperadamente vazio, apático
da família à sociedade. Logo, Lacan substitui esta ideia pela tese dtgquç o e desorientado. Após uma educação sólida que lhe faz se apropriar de seu
mediador principal a ser reconhecido ria relaçãoifitersu bjetiva é jpdesejg. lugar, social ele não consegue mais se empenhar com relação ao desejo.
O desejo é desejo de reconhecimento, é desejo de ter seu desejo reconhe- Ele sabe demais quem é, daí não sabe mais o que quer. Neste ponto, ele
cido, e por isso ele é desejo de desejo do Outro. Aqui começa a surgir um decide fantasiar-se de pobre monge e passa a morar em um vilarejo afas-
dos principais atributos do simbólico em Lacan, a saber, a negatividade. tado. Nesta condição, onde sua identidade supostamente real não pode
É pelo trabalho da negatividade que o desejo progride. A positivação do ser mais reconhecida, ele é arrebatado pela paixão por uma bela jovem.
desejo em um objeto corresponde à sua alienação nesse objeto. A paixão é tão violenta e decidida que ele está prestes a abandonar tudo
Aqui a demonstra ção de Lacan é minuciosa. Ele mostra como as es- por ela. Mas o romance se toma dif ícil porque ela não o reconhece como
truturas clínicas se definem por seu modo próprio de introduzir o traba- potencial amante. Neste ponto ele mesmo comeca a duvidar de si: se é o
lho negativo do desejo. Por exemplo, a neurose caracteriza-se por uma ne- bem-sucedido estudante ou o monge no qual se disfarça. Sabe bem o que
gação simbólica da castração, por isso ela se apresenta, clínicamente, pelo quer, mas o preço é a incerteza sobre quem ele é.
11 '
retomo no simbólico daquilo que foi negado (recalcado) no simbólico, Temos então a primeira , mediação, que é o trabalho, e á segunda me-
23
V.
diâção, que é o desejo. A terceira media ção, que representar á um verda- principalmente, realizou uma espécie de divisã o do sujeito. Este instante
deiro salto e expansã o na noçã o de simbólico, é a mediação da linguagem. de divisão, e esvaziamento do sentido inicial, será no tempo seguinte reo-
Aqui reencontramos a negatividade, mas em uma acepção mais fina. E a cupado com uma significação. Afinal, por que eu me via assim reprovado
negatividade contida na noção de significante. A forte influência do es- e por quem? A quem afinal eu estava me dirigindo? Se nã o era isso que
truturalismo de Lévy-Strauss, de Jakobson e de Saussure (nesta ordem) ele queria ouvir, o que seria então?
faz Lacan elevar a noçã o de simbólico de sua dialética com o imaginá rio Espero que o exemplo sirva para introduzir alguns elementos pró-
ao estatuto de uma ordem. Uma ordem que supera e sobredetermina os prios ao conceito de simbólico e, principalmente, como Lacan chega a este
efeitos imaginários. conceito a partir de uma reflexão crítica sobre o que é o outro. Normal-
Voltando ao nosso tema do estilo. O estilo é o homem a quem nos mente, apresenta-se este conceito de forma unificada, .mas para nossos

dirigimos. Retirada a projeçã o imaginá ria, pela qual o outro a quem nos
dirigimos se reduz a um objeto de nossa consciência, e restringido o pro-
cesso de identifica çã o com o desejo do outro, para quem me fa ço de ob-
jeto, seria possível, ainda sim, conceber que nos dirigimos ao outro? O
^ ^
interesses aqui quero sugerir que este conceito c Outrò um conceito
bastante heterogéneo em Lacan. Isso decorre, querocrefTde certas difi-
culdades em absorver a noção estruturalista de ordem simbólica e inte-
grá-las a uma acepção dialética do Outro.
3 Outro mesmo, o Outro real, como situá-lo? 1. Na origem, a noção de ordem simbólica contém uma premissa
Lembro-me aqui de um fragmento de minha pr ópria análise. Estava cara à racionalidade sistémica, ou seja, o sistema simbólico fun-
eu discorrendo sobre o sexo dos anjos em uma fala que me parecia de fato ciona às expensas da representa ção que os indivíduos podem
s muito vazia, mas eu a mantinha mesmo assim, pois achava que isso esta- fazer sobre ele. Isso interessou Lacan na medida em que permi-
va de acordo com o que meu analista esperava. É bem isso que se passa tia entender o inconsciente como este sistema simbólico e ainda s
no imaginário: eu falo o que suponho que meu destinatá rio quer ouvir explicar a noção freudiana de sobredeterminação psíquica. A
e recebo minha pró pria mensagem invertida, mas sem saber que ela é o noção de sistema simbólico privilegia os lugares e as posições
retomo de minha própria mpnsagerm Ocorre que dentro desse espaço que são definidos por suas relações internas e não pelos conteú- j
!5
em que eu acreditava obedecer fielmente à regra que o definia, ou seja, a
associação livre, escuto de repente um estranho ruído. Como se fosse um
"fczz", "fczz", que em português é uma interjeição para exprimir contra-
dos que ocupam estes lugares ou posições. Lacan demonstrou a
compatibilidade entre essesjugares e essas rela ções com a teoria
freudiana dóLÉdipojz da çastra çaò. Mas se este Gutro a quem
O
.
V

I riedade ou pouco caso. Sinto-me indignado: eu ali tentando ser um bom


analisante, esforçando-me com a associação livre e meu analista me escu-
me dirijo é
por assim
acenas
dizer,
uma ordenrformãl de significantes, se ele é,
impessoal, não é possível responder ao proble-
§
ma do desejo e ainda mais explicar os efeitos de sujeito senã o U
í estilo é chato , ou seria melhor dizer, n ã n haãa estilo. Fiquei então real-
u com uma teoria como a de Althusser, e mesmo de Foucault, pela
mente bravo, mas em silêncio durante algum tempo. Considerando que qual o sujeito está permanentemente assujeitado. O risco aqui é
se meu analista havia rompido a regra que se impunha a ele: escutar-me fazer uma teoria que passe da heteronomia do simbólico para
á com acolhimento e parcimónia, autorizei-me eu também a interromper a a heteronomia do sujeito, excluindo definitivamente o tema da
u
regra. Virei-me então do divã disposto a um "ajuste de contas transferen- liberdade na psicanálise.
cial". Qual nã o foi minha surpresa naquele momento ao constatar que o 2. Ora, se o programa clínico, que disto decorre, nos leva simples-
tal barulho era apenas meu analista tentando acender um dgarro e como mente a uma submissão à ordem simbólica, e se a é tica que lhe
seu isqueiro não funcionava direito, ouyLuge o tal "fczz", "fczz". Recebi corresponde é uma ética da resigna ção à falta, tudo o que havía-
então minha própria mensagem, a tal f íala^yazfo, mas agora de forma in- mos ganho com a crítica do imaginá rio parece agora perdido em
vertida e não direta. Estava claro que eu mesmo não achava grande coisa prol de uma nova forma de assujeitamento, com perigosos mati-
o que estava dizendo, e que se estivesse no lugar do outro seria impelido zes, não mais naturalistas, mas ontológicos. Uma coisa é criticar
a reprovar-me. Mas aqui se tratou de uma mensagem, que tomo como \A as práticas clínicas de aliena ção que exploram um falso conceito h
exemplo porque justamente não tem nada que ver com a intencionalida- de liberdade, uma liberdade individualista, liberal e intenciona-^
de. Uma mensagem que chegou desde uma outra forma de outro, uma 3 é excluir toda e ~qualquer forma de possibilida -
^ lista : outra coisa
forma que Lacan chamou de grande Outro. Esta mensagem se produziu de de transforma ção, o que, convenhamos, para um clínico não
a partir de uma interrupçã o da cadeia associativa. Interrupção, ou ponto deixa de ser paradoxal.
de basta, pela qual se determinou um novo sentido sobre a mensagem, e, 3. Este raciocínio foi percebido pelo próprio Lacan, que começa en-
24
0
tão a deslocar sua noçã o de ordem simbólica de tal forma a que logia educacional, na semiótica e na filosofia brasileiras. Também já se
_
ela represente não mais um sistema perfeito, um código comple- assinalou a importância da psicanálise, particularmente a de extração la-
to, mas uma espécie dAiaütocontradicá o lógka. Ou seja, a ordem caniana, para as vanguardas estéticas dos anos 1970 e 1980.
simbólica não deve ser entendida como o conjunto completo e Neste contexto, a problemá tica teórica relativa ao campo do simbó-
articulado de todos os sistemas simbólicos: o sistema de paren- lico desembocou em três temas de ampla discussão dentro do lacanismo
tesco, mais o sistema de reprodução social, mais o sistema cultu- nos anos 1990.
ral (arte, ciência, religião), mais o sistema das instituições e assim _
1. O primeiro tema foi o estatuto d efira em psiran á lisjyllma teo-
^
por diante. A ordem simbólica não é a síntese de todas as formas ria que afirmava a heteronomia do simbólico, e sua controversa
de alteridade, mas ã~confradição que impede que esta síntese deriva para uma heteronomia do sujeito, propunha automatica-
'
tato aconteça. EsteTmoylmento corresponde a tese de que ao mente um problema: o que fazer com a ética? Neste ponto co-
' Outro falta um significante, que o Outro é não todo, que o Outro meçaram a se dividir as leituras de Lacan no Brasil entre aqueles
contém um vazio ou um furo. Dolado do sujeitolsso, implica que defendiam o cará ter irredutível da reflexão ética em Lacan
que seu desejo será também não todo articulado na linguagem. e aqueles que enfatizavam o veio lógico-estruturalista. A psica-
nálise é uma ética na qual o método deve se submeter, ou ela é
l O simbólico como problema um método no qual a ética tem um valor propedêutico e condi-
cional?
l A descoberta deste problema relativo à acepção de simbólico e de 2. O Segundo tema, que parece decorrer das consequências políti-
l Outro em Lacan teve algumas consequências para a difusão da psicanáli- cas e institucionais acerca de como se resolve a primeira questão, 5
se lacaniana no Brasil. Como vocês devem saber, a psicanálise no Brasil é diz respeito à organização social do movimento lacaniano e sua g
comparativamente muito difundida. Há centenas de associações, grupos
Q
internacionalização. A psicanálise lacaniana foi trazida para o
e escolas ligados às mais diferentes instituições e orientações teóricas. Sua Brasil na década de 1970 por três ex-seminaristas que tiveram I
!i presença nos cursos universitários tanto de psicologia quanto de ciências
sociais é realmente grande. Já se descreveu o Brasil como um país de alto
consumo de psicanálise, com a ressalva crítica de que isso se aplica à po-
contato com o pensamento de Lacan, notadamente no centro
universitário católico de Louvain, na Bélgica. Ela é fruto também
de uma assimilação tropicalista do pensamento francês, pelas
a pulação da classe média, que está longe de ser a maioria da população. vanguardas cfos anos 1960 e 1970. Depois disso, veio um período £
S,
Mas também nos serviços de saúde mental e nos principais hospitais do marcado por uma migração de analistas que iam à França estu-
s país há uma presença significativa da psicanálise, sem que se possa carac- dar e fazer análise com lacanianos. u
2 terizar qualquer vinculação expressiva ao sistema de formação e controle A querela do passe, as dissensões e as movimentações polí-
u
próprios à medicina. ticas tomaram-se agudas no final dos anos 1990. No centro des-

i O consumo extensivo de psicotrópicos, como antidepressivos, cres-


ce assustadoramente, mas não parece fazer grande oposição simbólica à
prá tica da psicanálise. Como no caso francês, ambas as práticas convivem
apesar das in ú meras reportagens que insistem na sua rivalidade.
ta disputa, se a lemos em termos de implicações teóricas, havia
uma espécie de encruzilhada acerca de como sair do que se pas-
sou a chamar de "primeiro Lacan" ou o Lacan do simbólico. Para
aqueles que, como eu, iniciaram sua formação anal ítica nos anos
No Brasil o recurso aos convénios é ainda muito pequeno entre os 1980 havia uma flagrante contradição entre a crítica do imagi-
psicanalistas. Essa situa ção de sobrevivência ampla da prática do tipo li- nário e a retomada conservadora do simbólico; mais ainda, uma
beral no exercício da psicanálise deve ser matizado com o fato de que ela flagrante disparidade entre as teses de Lacan e o funcionamento
muitas vezes é praticada fora dos cânones do modelo quatro vezes por coletivo dos analistas que teoricamente a elas se referiam. Tudo
semana e que não segue os padrões europeus e americanos em termos de se passava como se o sentido crítico tivesse sido perdido e o pro-
honorários. cesso de normalização houvesse afetado também a psicanálise
Sem d úvida, a psicanálise é hoje a forma de psicologia mais organi- lacaniana.
zada e influente em um país com quase 120 mil psicólogos. Ressalte-se 3. O terceiro ponto em tomo da noção de simbólico na psicanálise
que a psicologia é uma carreira extremamente procurada e a proliferação brasileira dos anos 1990 deriva da reação das psicanálises não
de cursos é um problema importante no contexto atual. A psicanálise, lacanianas ao avanço do lacanismo. Digo aqui reação teórica. Co-
i & neste contexto, tem um papel importante na psicologia social, na psico- meçam a surgir trabalhos críticos relevantes acerca da redução
27
linguística contida na ideia de simbólico. Autores inspirados no do. Outros viam no real a confirmação de suas teses sobre a soberania
pragmatismo atacavam a concepção idealista de linguagem her- do logicismo e do idealismo transcendental como verdadeira essência do
dada por Lacan. Acusava-se Lacan de ter esquecido o lugar dos pensamento de Lacan. _
afetos, da intensidade e do que Freud chamava de ponto de vista ^destilo é o homem a quem nos dirigimos . Voltemos a esta frase. Até agora
económico em psicanálise. Além disso, começa a se discutir que vimos os problemas relativos a pensar o homem como sujeito consistente,
a primazia do simbólico justifica, perigosamente, um neurótico unificado e dotado de uma essência da qual o estilo seria um atributo.
centrismo. Ou seja, a neurose é a estrutura clínica de onde se in- Vimos em seguida que a noção de "dirigir-se a" nos causa um problema.
fere certa teoria do sujeito universal, a partir do qual a perversão Não sabemos a quem nos dirigimos e que somos ao mesmo tempo agente
e a psicose seriam formas deficitá rias ou incompletas. Começa- deste endereçamento mas também efeito de uma ordem discursiva que
se a estudar mais Laplanche, Deleuze e o próprio Foucault, que preestabelece os lugares aos quais podemos nos endereçar e a forma de ?
são usados de forma pertinente para criticar o lacanismo teórico.
Mas, além disso, que aliás bem se encaminhou como um diálogo
teórico e clínico cada vez mais forte com outras correntes da psi-
canálise, havia um clima dominante de crítica ao estilo lacaniano. ;
Excesso de formalismo nas relações, silêncio extensivo do analis-
fazê-lo. O inconsciente é o discurso do Outro e o Outro é simbólico. No
falta agora examinar o terceiro termo da frase: o estilo.
Estilo vem do latim stylus , que quer dizer corte, como na pena utili-
~
zada para escrever , que era tamhém chamada ci õ stilette. Disso se sugere Jj
que o estilo é no fundcujunodo como cada umlidae arfeu í aTcTcorteciueoy

^^
r
ta, prepotência e arrogância no trato com as diferenças (princi- .separa do Outro mmwwpntn m p em que a ele se dirige. O estilo defi-
I palmente representadas pela universidade, pelas psicoterapias e
^
ne o modo como nos separamos uns dos outros, como criamos diferenças
pelas outras psicanálises, tidas como impostoras e desviantes em no interior do laço social que nos une aos
relação à verdadeira psicanálise). Tudo se passava como se devol- noção de estilo, na moda para Hpsignar LL J-ipn dp vesti mpn ía r» n
, n
Q
vêssemos a mesma mensagem segregatória que havia originado corte aplicado ao terida
o movimento lacaniano nos anos 1960. Compreendemos agora porque a mera aderência identificatória ao

! O estilo no real
outro não faz estilo. Compreendemos ainda que a mera possibilidade de
se endereçar ao Outro e receber dele a própria mensagem de forma in-
s
£

£
<2
_
Neste cená rio confuso e marcado por controvérsias foi se formando
uma espécie de estratégia baseada naÇfuga para àjrenje. Já na virada do
.
vertida não faz, ou não nos d á, o estilo de como isso é feito. O estilo seria »
então um efeito não dfi identificaçã o, mas da contraidentificacão, de sepa- f I
ração em rela n à iHpntHfirarã o spja pia gjfpfiAlira mi imagin á ria .
*

J =
século começa a ganhar impulso outra categoria teórica, que será imedia-
tamente traduzida em termos clínicos, políticos e institucionais. A obra
^
Para sustentar isso, teoricamente Lacan foi levado a se perguntar pe-
las condições de possibilidade do significante. Como surge para o sujeito
S
u

o
de Lacan posterior ao período 1966-1968, data da publicação do Escritos o significante, na medida em que o significante é o que representa um
l3 e do Seminário XI , havia sido muito pouco traduzida. Havia o seminá rio sujeito para outro significante. É a teoria do traço uná rio. O tra ço é o que
O XX, mas a maior parte dos textos circulava de forma "pirata", sem grande Freud chamava de inscrição, marca psíquica de um acontecimento. Um
apoio de comentadores e o menor consenso interpretativo. Isso pode ser exemplo:
atribuído à crescente dificuldade estilística e conceituai que parece do- No livro de Daniel Defoe Robinson Crusoé, o protagonista - de mes-
minar os textos de Lacan da década de 1970. Sabia-se, sim, que nesse pe- mo nome - encontra-se perdido e solitário em uma ilha. Certo dia ele
ríodo Lacan havia reformulado sua teoria radicalizando e formalizando encontra uma pegada na areia e se pergunta: "Seria isso realmente uma
a categoria de Real. O real passava entã o a ser uma espécie de aposta da pegada? Não poderia ser apenas um efeito contingente do bater das on-
qual encontraríamos as respostas para as insuficiências teóricas deixadas das sobre a praia?" Ou seja, a pergunta de Robinson Crusoé é se há um
pelo imaginá rio e o simbólico. outro que a ele se dirige naquele sinal.
Particularmente devo dizer que discordo frontalmente desse modo Se Robinson Crusoé respondesse de modo psicótico, ele poderia ter
de apresentar as coisas. A noção de real em Lacan é primitiva, deriva de olhado para aoiialapegada e a entendido imediatamente como uma men-
sua leitura de Hegel, está presente muito antes dos anosl970, e mesmo sagem, algo assim como uma garrafa com uma mensagem dentro envia-
sua mistura com a categoria de realidade foi, em geral, pouco analisada dã~sabe-s_g lá de onda sabe-se l á por quem. Ele a tomaruTcõmo uma men-
pêlos que se engajaram nesta empreitada. De toda formaTfoi através da sagem específicamente enviada para ele, uma mensagem que poderia ser
noção de real que alguns gostariam de reencontrar o criticismo perdi- recebida como uma espécie de convite ou de ordem nos seguintes termos: 29
28

l.
"Encontre-me lá, amanhã, conforme havíamos combinado anteriormen- se passa seja realmente real. Mas, importante, o real sempre se
te". Onde é lá? Quando é amanhã? E com quem eu combinei o tal en- depreende de coordenadas simbólicas, no interior das quais ele
- -
contro? Ou seja, quero dizer com isso que na psicose há um problema na pode ser parcialmente reconhecido, logo, simbolizado. Isso leva
ter^ jquejppmitejxíconhecer a uma definição curiosa do real. Se ele é o que resta ser sim-
função do endereçamento, na fun çãojio
^
~ ^ ^
rjfj pí rnHadrTã s sn ã s mndRffigirdeení nTr-ia çã n Os shifters , como eu, tu ele
( shifters de pessoa), ontem, amanhã, daqui a pouco ( shifters de tempo) e
bolizado ou imaginarizado, ele não pode ser representado nem
fixado em uma imagem. O real é o impossível. O Real não é urna
lá, aqui, já ( shifters de lugar ), são os termos de linguagem que nos indicam categoria primitiva, pré-representacional,~ pré-linguística ou pre-
a posição do sujeito, que articulam enunciado e enunciação. Permitem, reflixiva. o Real é sémpre deduzido do simbq!icÕ~êl5õlniãgi7~
ñafio, A têõriã dõ tra ço uná rio mostra-se assim uma forma de
^
^
portanto, que exista consistentemente um Outro ao qual nos dirigimos e
de onde a ordem simbólica nos interpela. conjugar a projeção narcísica, a introjeção simbólica, com uma

^ Mas se Robinson Cmsoé respondesse de modo perverso ao olhar


para a pegada na areia da praia, ele poderia se contentar com a própria
pegada. Poderia fazer da pegada o seu fetiche transformando este traço 2.
espécie de identificação real (uma identificação sem sujeito), que
é a identificação em jogo no traço unário.
Real é o que retorna sempre ao mesmo lugar. De fato, após ser
em parte de seu sistema de escritura sobre o gozo. Mas de toda forma, apagada, a pegada vira traço e como traço pode ser indefinida-
J ele inverteria o sentido habitual da mensagem para algo como uma prá- mente repetida, assim como os traços que compõem as letras de
g tica de apagamento continuado de todas as marcas possíveis e ainda de nosso alfabeto. As letras são reuniões estáveis de traços que po-
reprodução de outras marcas de pegada, de tal forma que o pobre Sexta- dem ser reutilizados ou recombinados sem que a elas se fixe um
I Feira (outro personagem do livro) se veria angustiado por não poder mais sentido específico. O traço, ao contrário do significante, é estra- g
reconhecer-se em suas próprias pegadas, quando voltasse à ilha nova- nho ao campo do sentido. Ele retoma ao longo do tempo, mas
mente. seu retorno não é diferenciante, como no caso do significante. É
Finalmente, se Robinson Crusoé respondesse de forma neurótica, ele um retomo de algo que volta como um e novamente como um,
e assim por diante. Ele não unifica os sentido nem o seu usuá- 2
2 o faria perguntando-se sobre afinal quem é este que deixa uma pegada
rio, mas apenas garante que ambos se mantenham contínuos e S
aqui e, se isso é realmente uma pegada, o que isso quer dizer... para mim?
Em outras palavras: "por que justamente eu fui ser endereçado por esta reconhecíveis no tempo. Quando Cmsoé encontra a pegada, que
a pegada". Ele poderia fantasiar o encontro com o proprietá rio da pegada, ainda não sabe ser de Sexta-Feira, quando ele apaga essa pega-
£ da é porque sabe que ao fazê-lo ele permite a hipótese de sua
5
fugir dela, tomá-la como um sinal ou negar veementemente que a pegada S
lhe diz respeito. É assim que um sujeito neurótico reage diante de uma repetição; ele espera e conjectura se a pegada virá novamente e u
3 formação do inconsciente, como o sintoma de que há algo "mancando" .
qoan õ r
o em si mesmo. O Real, para Lacan, é também da ordem do encontro. É o encon-
Ocorre, e isso é bem interessante, que Robinson Crusoé não responde r tro, por exempTõTde Robinson Cmsoé com a pegada na areia. O
3O
de forma nem neurótica, nem psicótica nem perversa, ou então faz algo ( encontrcTcIõTèaCquecaracteriza tanto o trauma quanto a felich
que se poderia esperar em qualquer uma destas estruturas: Crusoé apaga 1 ~cTãcle e aindã 5 cíéstino de cada um, é o encontro contingente en-
' '

a marca. Ao proceder desta maneira ele transforma o estatuto da marca \ tre séries causais simbólicas nã o contingentes. Lomo diz Tomás
da pegada, de marca ela vira um traço. É por poder ser apagável ou rasu- \ de Aquino, vou até a feira porque há uma causalidade que me
rá vel, se quisermos, que um traço é um traço. Ao ser apagada e manter-se leva até ela. A feira acontece e está lá porque há uma outra rede
mesmo assim, como uma inscrição para Crusoé, é que ela pode ser inde- J de causalidades (unindo ato e potência). Mas quando vou até a
finidamente repetida. Estou usando este exemplo de Robinson Crusoé I feira e percebo que estou sem dinheiro e nesta mesma hora en-
porque ele contém as características que Lacan atribui ao Real. I contro meu amigo que me deve algum, esta é a noção de feliz en-
(Q O Real não são os objetos, mas o tempo que demora até eme o f contro. Há também a versão do mau encontro, que é aquela que
I apresenta ao sujeito algo que lhe é insuportável. A sexualidade

oEjetO-apareça '
desapareça. E exatamente isso que está em
jogo em nossa passagem. O tempo entre a pegada e Sexta-Feira, 1 para Freud encontrava sempre o sujeito nesta situação. Antes da
é nesse tempo que o Real se mostra como negação. Note-se que ^ hora, depois da hora, excessiva, inconveniente,
o real não corresponde à realidade da pegada, o real aparece jus- p. Finalmente, o conceito
J de Real se mostra em nosso apólogo mui-

« tamente ali onde nos perguntamos se é possível que aquilo que to atim a ideia dê~ãtórAfrrtãljTpl6Tfieíõ do afo de apagamento
31
que a marca se toma traço e como tra ço pode sustentar o signi- gerais, além dos psiquiá tricos, mas também em escolas, empresas e no
ficante. Encontramos aqui não uma solução, senão um encami- sistema judiciá rio. Diante das contingências e variedades de problemas
nhamento para o problema da hiperdeterminação simbólica. O colocados por estas novas circunstâncias, o lacanismo se viu exposto tan-
ato é uma espécie de retomo da noção de liberdade recalcada no to a um novo movimento crítico quanto a uma nova forma de absorção
interior do sistema teórico de Lacan. A radicaliza ção, desta tese ideológica.
levará Lacan a pensar o ato sexual e verificar que ele é sempre O que teria sobrado então do estilo de Lacan?
uma impossibilidade lógica. Não o ato sexual no sentido do coi-
to, mas a plena harmonia e completamente entre os sexos. Daí
vem as conhecidas, e repetidas ad nausean, afirmações como a de
que a rela ção sexual não existe, de que a mulher não existe.

Vemos em todas essas acepções de real como ele depende da noção


de corte ou de separa ção; separação temporal entre o objeto e seu reen-
3 contro, separação entre as voltas da repetição, do gesto de corte ou de
í apagamento, do corte entre os sexos. O estilo é, portanto, o corte e o corte .
é real.
O
A paixão pelo real e seus desatinos
l
Q
A disseminação da teoria do real entre os lacanianos brasileiros en-
controu uma imediata tradução política. Havia os que se apresentavam
!t
como praticantes da Clínica do Real, uma clínica muito mais ativa e me-
nos resignada do que a dos que praticavam a clínica lacaniana clássica, a
g

3 clínica do significante e do simbólico. Subitamente, o simbólico passou de


£ uma categoria todo-poderosa para algo completamente plástico e redefi- £
5
nível conforme as circunstâncias. Paralelamente, houve uma recuperação 5
da noção de imaginá rio. Nos últimos anos de seu ensino, Lacan passa a
u reconsiderar o imaginário, não mais como sede da alienação e do desco-
nhecimento, mas como fonte de consistência e de sustentação do vivente.
l O imaginário pode fornecer agora um conjunto de alternativas, chamadas
V também de suplências, a uma subjetividade dilacerada pela multiplica ção
e fracasso do Nome-do-Pai.
Subitamente o lacanismo se sociologizou, passou a considerar-se em
atraso diante das novas descrições sobre o estilo de vida e os modos de
sofrimento em nossa época. As leituras da sociologia compreensiva e dos
estudiosos da pós-modemidade começam a ser traduzidas em acordo
com a tese sobre o declínio do Nome-do-Pai e sua versão no último La-

l
can, os Nomes-do-Pai. O fenômeno psiquiá trico da cria ção industrial e
midiática de novos grupos clínicos (pânicos, fobias sociais, anorexias, de-
pressõés, síndromes de Munchausen) começa a ser incorporado ao pro-
grama clínico do lacanismo. Simultaneamente, a teoria do real pareceu
compatível com um alargamento e um experimentalismo do setting clíni-
co tradicional. No Brasil isso se mostrou compatível com o crescimento

1 32 da presença de analistas lacanianos em órgãos de sa úde, como hospitais 33


A Est ética da Interpretação

A ação do psicanalista pode ser apreendida a partir de três dimensões:


/ la política, a estrategia e a tática (Lacan, 1958). No nível tático en-
contramos o maior grau de liberdade do modo interpretativo, uma vez
que este leva em conta diretamente o estilo singular de cada analista. A
política é o campo de discussão dos princípios a que se estará sujeito se se
tratar de uma análise. A estratégia rege os caminhos possíveis na direção
da cura, como, por exemplo, o manejo da transferência. A tática pode ser
definida como o campo de discussão da forma das intervenções.
Pensamos que é no nível tático que se pode falar de uma estética .
da interpretação. Em outras perspectivas, como a hermenêutica bíblica, a
interpretação da cultura ou a crítica da arte, o estilo da própria interpre-
tação não é decisivo. No caso da psicanálise, a forma como se coloca uma
fala pode fazer toda a diferença entre constituí-la como uma interpretação
õu como um comentá rio vaziò. A perspectiva estética não está, portanto,
descartada; mas como jalar delã~sein incotf éFnumá tomada de posição
febre o estilo, a rigor, problemática e improdutiva?
Nossa hipótese é que o fundamento estético da interpretação em psi-
canálise pertence ao campo da*fef óric No jaso das estéticas, cujo progra-
^
ma é a compensação de fatos artísticos à luz de uma teoria da percepção,
do juízo ou simplesmente a partir de certa noção acerca do Belo, a eficácia
V da interpretação não constitui o critério fundamental. No caso da psica-
nálise, se excluíssemos a eficácia da fala e do silêncio não teríamos nem
mesmo como reconhecer uma interpretação. Ora, a retórica é justamente
o campo da investigação em que a linguagem e a fala são consideradas
como veículos de transformação do sujeito. Em função disso, ela costuma

1
ser entendida como uma área perigosa, principalmente quando desligada
A extração retórica de certos procedimentos interpretativos vem a doxa (opinião) e estabelecer um conhecimento matemata, isto é, suficien-
constituindo um campo de pesquisa acerca das relações entre psicanálise temente formal para ser transmitido ou ensinado. A crítica filosófica da
e outras disciplinas, como a literatura, a poesia ou a filosofia da lingua- retórica passa pela crítica da singularização do discurso a que ela está
gem (Forrester) e até mesmo a gramática (Mahony). Este é o veio de apro- sujeita. O bom retórico deve aiustar sua fala a. seu destinatário. No limite,
ximação mais tradicional quando se pensa em estética da interpretaçã o, isso levaria à produção de um discurso que seria apropriado para um
isto é, no quadro do diálogo interdisciplinar. Não o escolhemos tanto pela único interlocutor, o que se opõe às pretensões unlversalizantes de Aris-
amplitude desta empreitada mas por partilharmos da tese de que a condi- tóteles e da filosofia em geral. Mesmo em Platão a ambiguidade com que
ção preliminar da poesia e da literatura é retóncc). se trata a palavra ( pharmakon ) expressa o perigo que a retórica representa

Retórica e filosofia
^ \\ i
para a filosofia. A palavra é pharmakon porque como meio da dialética é
_
função da cura e do conhecimento. mas como veículo da retórica, enve-
nena e mata.
Consideremos a retórica como um /modo de lidar com a palavra ori- Os perigos da retórica são claramente atestados pela tradição filosó-
ginado na MagnaCrécja do século VTajp.) De acordo com Zenão, ela se fica que procura a identidade das essências e sua tradução num discurso
definTcomolg iticia do bem dizí TT Getoricamente a retórica possui que as espelhe. A palavra singular e a verdade parcial que ela traz consi-
<
^ ^^
uma dupla vi nculaçã o: dg umJad o à mediciruy onde se manifesta como
^
go respondem, no entanto, exatamente às pretensões da psicanálise. Mais

O
^
um método de<rurcTpiIa palavra especiãtmente desenvolvido na Escola
de Epidauro. Tal método, chamado psicagogia, refere-se à condução ou
recentemente, autores como Erie Laurent, Alain Badiou e Barbara Cassin,
inspirados em Lacan, mas também nieizschianos e heideggerianos, vêm
pondo à prova os limites do discurso universalizante, abrindo espaço,
direção da alma segundo o desejo de quem fala, e se encontra na raiz da
ideia de psicoterapia. dessa maneira, para o ressurgimento da antiga questão retórica. O com-
promisso da retórica não é com a verdade, mas com a verossimilhança; o
Por outro lado, a retórica vincula-se à política e à ética, por sua pre- ~
sença no discurso sofístico. É o caso das escolas retóricas de Górgias e não é com o universal e necessário , mas com o particiiiãre õ còritmginfê. 2
Isócrates. Isto levará um comentador como Zizek (1993) a afirmar que "a retórica
representa, na filosofia, o que não pode ser pensado de outra maneira S
A retórica compunha assim o cená rio em que nascia a filosofia pla-
t senão na linguagem". Se a diálética filosófica é cooperativa e conduz à
3 tónico-aristotélica. Tal filosofia caracteriza-se pela tentativa de superação
ascese rumo à verdade, a retórica é narrativa e agonística.
£ d ÉÇcbxàf da opinião, não sujeita à demonstração, que compunha assim um
tipo menor de conhecimento, variável, relativo, não universal. A retórica X
transmissão nã o poderia ser integral Há um elemento idiossincrá tico em U
3 se vê, assim, questionada, uma vez que visa apenas constituir opiniões
sua assimilação. Esse elemento foi historicamente eliminado, transfor-
5 e não propriamente conhecimento. As primeiras reflexões sobre o que é
uma demonstração emergem no quadro simultâneo de crítica sistemática mando-se a retórica num simples conjunto de técnicas para ornamentar a
I à retórica e de solução para a crise das matemáticas pitagóricas. Procuran- fala e a escrita, estas sim de f ácil transmissão. A história da filosofia pode
:5er considerada, nesta perspectiva, como a história da exclusão da retóri-
u do sistematizar os procedimentos envolvidos nas demonstrações, e tendo
três tipos de argumen- ca pela dialética e pela axiomá tica.
em vistaa tradição aristotélica, podemosj,
r
tos: o éó )
tricc cujo figL
, ¿ rsuas ã o; o cK(alétiçei
, que tem por objetivo a *
f
O que não pode senqjerfeitamente ensinado consiste na arte de in-
¿ sistema referen- I ventar ideias e de dispô-las de modo a provocar certos efpitos, a inventio ,
prnva inHiret- a

^
; e O Odítico
ciai discursivo que vai
, ue funciona
axiomas aos
a partir
teoremas .
de um

Os três níveis da clínica antes tratados traduzem, a nosso ver, os três


J
\L segundo a designação de Hortêncio e Cícero. A invejitig deve levar em
A cónta a solidificação das f órmulas retóricas e seu desgaste no tempo e por
I isso convidaa cria ção elitransformação do estilo. Ã retórica é o lugar de
tipos de argumentos fundamentais: a tática, domínio da forma, da inter-
origem da questã o do estilo, da estilística.
pretação, de seu estilo, que associamos à retórica; a estratégia, domínio do
diagnóstico e da transferência, cujo modus operandi é a dialética como mo-
tor; finalmente, a pol í tica, que traduz o tema dos princípios envolvidos no Lacan e a retórica ^
tratamento, sua axiomática. Neste capítulo examinaremos apenas a apro-
ximação entre retórica e interpretação, entendida na sua dimensão tática. As referências diretas de Lacan à retórica não podem ser desconsi-
A valorização dos argumentos dialéticos e apodíticos e, portanto, da deradas. Tomemos para tanto o texto "A metáfora do Sujeito" (1961), que
estratégia e da política, se d á em função de sua capacidade de ultrapassar representa a síntese de um debate entre Lacan e um dos responsáveis
36 37
pelo renascimento dos estudos retóricos na década de 1950, Perelman. se vê então forçado a localizar a retórica do lado da persuasão subjetiva,
A obra de Perelman é marcada tanto pela preocupação em formalizar incluindo-a, desta maneira, num compartimento da psicossociologia. No
e classificar as figuras retóricas, quanto por procurar um debate aberto entanto, há em Kant um terceiro termo além da convicção e da persua-
com a filosofia, visando mostrar o aspecto retórico de algumas de suas são, que é a Uberlistung (logro, engano). Podemos entender esse logro, ou
questões cruciais. sugestionabilidade, como a sugestão, no sentido da técnica da sugestão
O impacto causado pela filosofia da linguagem anglo-saxônica já se hipnótica. A desqualificação que Kant promove da persuasão se justifica
fizera sentir nessa época. De fato, se a crítica da metaf ísica levada a cabo por sua ligação ocasional com a sugestão. Em resumo: toda sugestão im-
por esta linhagem filosófica foi acolhida no ambiente francês, um de seus plica convicção subjetiva, mas nem toda convicção decorre da sugestão.
efeitos constitui a transformação dos "grandes problemas filosóficos" em Portanto, a ideia de que a persuasão permite uma argumenta çã o subjeti-
questões de índole retórica, em poesia, como diria Camap. Neste contex- va investida de racionalidade mantém-se de pé se conseguirmos separá-
to, um resgate da filosofia se faria possível pela cientificização das prá ti- la da sugestão. Este será o caminho tomado por Lacan em sua crítica a
cas de persuasão e dos fenômenos subjetivos da linguagem. Perelman.
Nessa mesma época, mas no contexto da filosofia germânica, en- O formalismo algébrico de Lacan é, a rigor, uma recusa dos pressu-
5 contramos em um autor como Heidegger a afirmação de que a retórica postos semânticos envolvidos nos processos retóricos. Desta forma, não
está muito melhor ajustada à concepção de linguagem procurada por seu seria necessária uma teoria do significado, literal ou estrito, para pensar a
pensamento, especialmente na analítica da existência, do que a própria metáfora. O significado do signo a ser substituído é considerado a partir
I "filosofia da linguagem" (Kush, 1989). No cenário alemão o resgate da da notação "x", isto é, uma variá vel de valor indeterminado. Lacan chega
filosofia se d á pela valorização das dimensões históricas e poética que as a comparar esse "x" ao apeiron de Anaximandro. Para o pré-socrático este
prá ticas retóricas contêm. termo parece corresponder à ideia de um originá rio ilimitado e ao mesmo
A posição de Lacan, no debate em questão, é parcialmente conver- tempo indefinido. Peters (1974) afirma que de acordo com a tradição inter- o
gente com a de Perelman e segue, grosso modo, a solução francesa. Os pretativa inaugurada por Aristóteles o que definitivamente: "... está inclu-
$
<
efeitos de significação obtidos pela articulação significante _sãa.angxados ído na ideia de apeiron é a duração no tempo, um fornecimento infinito de
. substâncias básicas para que a geração e destruição não faltem" (p.32). I
i
£
por Lacan ao nível dos processos retóricos Desta forma, a condensação e
o deslocamento são compreendidos, por exemplo, a partir de sua estrutu-
ra respectiva de metáfora e metonimia. Se a concordância com Perelman
se dá ao nível do fundamento retórico da significação, as diferenças sur-
Para demonstrar esta tese antianalógica, Lacan recorre ao caso do
"Homem dos Ratos" ê, mais específicamente, a uma cena de inf ância em
que este dirige impropérios ao pai ("Seu guardanapo! Sua lâmpada!").
15
5

Jl2
girão em tomo do próprio estatuto da metáfora.
Lacan argumenta, tomando partido de um modelo algébrico, que a
metáfora é irredutível à analogia. A perspectiva psicossociológica de Pe-
relman postula, ao contrário, que existe mna espécie de "contato de men-
Lacan argumenta que o que menos importa nesta metaforização do pai
é o significado dos signos envolvidos ("guardanapo", "lâmpada"). O es-
sencial é a presença da relação de substituiçã o envolvida na metáfora, que
permite nomear o pai pelo que ele não é.
tes" que asseguraria a meta da persuasão e ao mesmo tempo explicaria Contudo, esta indeterminação do significado não pode ser confun-
como a comparação, ou transporte de significação, em jogo na metáfora, dida com a abolição do plano do significado. Ela implica uma flutua çã o
extrai seus efeitos. Esse contato entre mentes se ajusta à ideia de que a me- e uma indeterminação do significado em relação ao significante. A inter-
táfora parte de um significado compartilhado e permite sua apreensão a pretação, pelo menos de acordo com a concepção em vigor à altura do
partir de quatro lugares (dois significantes e dois significados) como uma texto "Função e campo da palavra e da linguagem" (1953), visa: "jogar
analogia entre dois significados. com o poder do símbolo evocando-o de uma maneira calculada nas res-
sonâncias semânticas de sua expressão".
O subsídio teórico da concepção de metáfora ao qual se alinha o re-
tórico francês decorre de uma leitura parcial de Kant (Plebe, 1992), nota- Ora, isso nos faria procurar em Lacan uma concepção mínima do
damente da distinção entre convicção (Uberseízung) e persuasão (Uberre- significado que tome compatível a tese da primazia do significante com a
dung ). A convicção, para Kant, é o resultado de uma argumentação ob- ideia de "ressonância semântica" da interpretação. Essa concepção deve-
ria ancorar-se em alguma referência ao tempo ou à duração, se nos atemos
jetiva, enquanto a persuasão é fruto de um convencimento subjetivo. O
ao termo apeiron, antes examinado. Nossa hipótese é que tais ressonâncias
exemplo desta última modalidade é o discurso de tribunal onde muitas
(os equívocos significantes) respondem a uma racionalidade subjetiva in-
vezes a persuasão pode impor-se aos argumentos objetivos, notadamente
li confundível com a sugestão. Tal é a racionalidade retórica.
38
quando está em jogo o júri. Esta oposição é recolhida por Perelman, que 39
«I r

Interpretação e retórica vez que se caracteriza pelo processo secund ário e pelo estabelecimento
da identidade de palavra.
No entanto, mesmo este sujeito, criticado por Freud quanto a sua
Uma pergunta frequente entre os que iniciam a prática da psicanálise soberania, vem sofrendo abalos sérios no quadro da filosofia contempo-
é a seguinte: por que o estilo das interpretações de Freud não parece pro- rânea. A crítica literária, por exemplo, cada vez leva menos em conta as
duzir efeito algum na clínica contempor ânea? Se entendermos a interpre- intenções do autor na análise das determina ções de sua obra . O estrutura-
tação como revela ção de uma verdade fundada em proposições metapsi- lismo e o pós-estruturalismo francês realizaram uma espécie de cruzada
cológicas e se estas proposições são de caráter universal e atemporal, caso contra a consistência e as pretensões deste sujeito. Mesmo o pragmatismo
contrário não seriam metapsicológicas, não há como explicar seu desgas- e a filosofia analítica anglo-saxônica não cessam, ao seu modo, de celebrar
te pela passagem do tempo ou pelas variações histórico-sociológicas que o funeral do sujeito. No interior deste movimento, a própria noção de in-
esta passagem produz. terpretação, fundamento metodológico geral das ciências humanas, vê-se
Nossa hipótese é que o desgaste da retórica freudiana é diretamente revirada. Interpretar torna-se sinónimo de usar, como lembra Eco (1993).
proporcional à absorção desta retórica pela cultura. Neste ponto deve- É nesse contexto que uma afirma ção de Lacan, salientada pelo co-
mos explicitar nossa concepção de retórica como tributária de uma esté- mentá rio de Soller (1994), torna-se problemá tica. Referimo-nos ao enun-
3
tica, própria de um tipo de sociedade. Desta forma, o estudo da retórica ciado de "L'É tourdit" que diz: "a interpretação visa o apof ântico". Ora,
deve levar em conta tanto o plano ideológico quanto o linguístico (Delas apof ântico é um termo do vocabulário aristotélico que significa um enun-
I e Fillolet, 1975). Oponho-me aqui àqueles que pensam a retórica como ciado do qual se pode decidir seu valor de verdade. Fainos (radical conti-
I um inventá rio descritivo dos possíveis da linguagem ou como a chave do em "apof ântico") é um termo seriamente comprometido com a noção ã
transcendental de seu funcionamento. de olhar, que domina a concepção grega do conhecimento. Apof â ntico é
a
O estilo das interpretações freudianas se mostra hoje ineficaz unica- o que faz aparecer, o que faz mostrar ao olhar da alma as essências ou o

3
mente porque a retórica que as impregna se degradou no tempo, como
toda dimensão retórica dos discursos. A antiga tese de que o retórico deve
nous.
Levando em consideração esta afirmação e juntando-a com a equivo-
i
encontrar o estilo absolutamente particular de seu interlocutor subsume cidade da interpretação chegamos à ideia de que a interpreta ção mostra
¡
que ele se acomode às varia ções temporais que modificam este interlocu- o verdadeiro contido no equívoco. O problema, diante desta derrocada
2 tor, do início do século aos nossos dias e mesmo no interior de um percur- da interpreta ção cl ássica, é saber se é necessário e possível reunir o tema £
£
so analítico. Isto não significa que devamos abandonar o estilo freudiano da interpretação ao da verdade. O que fazer com a ideia de verdade num
S3 u
I em função da apologia do progresso e da atualidade das novas formas universo comandado pelo valor aferido pelo uso ( caso pragmatista) ou
2 retóricas, mas, pelo contrário, retornar aos fundamentos de sua retórica num mundo regido pela sobredetermina çã o estrutural? A associação en-
u tre a interpretação e o plano apof â nico, pleiteada por Lacan, é incompatí-
o se quisermos reinventar o estilo.
H Colette Soler, uma comentadora especialmente interessada no tema vel com esses dois modos de considerar a interpreta ção; assim, qual seria
da interpreta ção, partindo de "L'É tourdit" (1973), postula a presença do sua procedência?
u
equívoco de linguagem como ponto unificador da interpretação. Equí- A tradição pragmatista, em geral, e Austin em particular, mostra-
voco de diferentes incidências, quer o tomemos no nível gramático, ho- ram que o discurso apof ânico não faz sentido quando a fala de que se
mof ônico ou lógico. Lacan chega a afirmar, no "Seminário XXIII", que trata não é representacional, mas desiderativa, isto é, quando a fala faz e
a única coisa de que dispomos para enfrentar o sintoma é o equívoco. efetua e não apenas descreve ou representa. Por exemplo, num performa-
Ora, um equívoco só se constitui a partir da ruptura entre certa raciona- tivo como: "passe ao divã" não há sentido em perguntar o que ela revela
lidade intencional e algo que se impõe a ela segundo uma lógica alheia em termos de uma representação ou descrição falsa ou verdadeira de um
ao sujeito da intenção. Freud falava deste sujeito da intenção a partir da estado de coisas do mundo. É interessante como esta perspectiva se co-
ideia de desejo pré-consciente e nunca deixou de supô-lo como parte in- liga com a tradição retórica. Isocrates, no século IV a.C., já considerava o
tegrante e necessária na constituição das formações do inconsciente como discurso um tipo de a ção e não apenas um meio para referir-se a objetos
(Prates e Silva, 1973). A apreensão da interpretação como apof ântica só
o sintoma, o chiste, o lapso e o sonho. No entanto, o desejo (inconsciente)
é paradoxal numa perspectiva axiomá tica e não retórica, como propus.
não se reduz a uma intencionalidade latente, uma espécie de vontade não
A interpretação como apof ântica só pode preservar-se, a meu ver, se se
admitida. Esta só aparece como uma das partes do compromisso. Não
é exagerado dizer que este sujeito é a expressão da racionalidade, uma tratar de uma apof ântica retórica, que vise a verossimilhança e não a ver-
40 41
dade (no sentido clássico), ao preço de fazer ressuscitar o sujeito das in- a tese de Mahony, vemos que o modelo comunicacional se vê revertido
tenções. a uma situação em que o emissor coincide com o receptor e isto pela pri -
A interpretação se mede por seus efeitos, pela modificação que intro- mazia dada ao próprio movimento dos signos e à ambiguidade de sua
duz na posição do sujeito, do seu discurso ou de seu sintoma. Ela deve ser escuta. Assim, os discursos retórico, expressivo e estético se veem reuni-
surpresa, concisa e cair no tempo exato. Tais características constituem dos pela e na própria interpretação. Resta da classificação proposta por
efeitos procurados desde sempre pela retórica. No entanto, o convenci- Mahony uma distinção entre o retórico e o dialético, este último fundado
mento agonístico, antípoda da cooperação dialética, coloca problemas no referente e na verdade. Mas que referente? - o trauma, a fantasia, a
quando temos em vista o cená rio analítico. Como destituir o analista da realidade, a sexualidade? Veremos nos próximos ensaios a dificuldade
temerária sugestão, de sua intencionalidade e do potencial de convenci- em considerar a noção de referente na psicanálise.
mento agonístico com que a suposição de saber transferencial o investe? O que obtemos quando confrontamos um autor como Mahony, li-
É interessante que o tema da sugestão, originariamente vinculado à gado à tradição anglo-saxônica, com O. Mannoni, ligado à tradição fran -
fala do analista (veja-se a crítica de Freud ao mé todo catártico), tenha se cesa, parece-nos elucidativo. Mahony dilui saber em verdade ao pensar a
deslocado para a fala do analisante. Assim, é no nível da própria associa- interpretação como uma comunicação. Mannoni, pelo contr ário, ressalta
3 ção livre (que excluiria o analista) que a retórica e a persuasão vêm sendo que a interpretação reside no não saber . Num caso a legitimidade da in-
-
tratadas, especialmente na psicanálise de extração anglo saxônica. terpretação pende para o analista; no outro, para o analisante. Num caso
S Mahony (1987), por exemplo, examinando a associação livre, propõe toma-se premente uma teoria da verdade; no outro, uma teoria do sujeito.
Numa terceira perspectiva, ou seja, do ponto de vista da retórica, o tema
s que ela seja considerada a partir das oscilações entre quatro diferentes
da verdade se resolve pela verossimilhança e o tema do sujeito, pela per-
OH
tipos de discurso: o discurso retórico (ênfase no receptor ), o discurso dia-
suasão. z
lé tico (ênfase no referente), o discurso expressivo (ênfase no emissor ) e
D
o discurso esté tico (ênfase nos próprios signos). Segundo Mahony, estes O cuidado com os perigos da retórica fica patente, por exemplo, no
diferentes discursos se substituiriam ao longo do desenvolvimento da caso do "Homem dos Ratos", em que Freud exige que o paciente reco-


análise, na sequência acima apresentada. Assim, o início da an á lise seria
marcado pelo predomínio do discurso retórico, por meio do qual o pa-
ciente tenta convencer o analista, e termina num momento em que predo-
nheça que chegou à ligação entre o sintoma e a sexualidade infantil por
si mesmo, não tendo sido, por assim dizer, sugestionado por Freud . Em
"Dora", o reconhecimento da ligação com o Sr. K. segue uma estratégia
I
semelhante. Nos doií casos há um inevitável efeito imaginá rio da inter-
i mina o discurso estético. Este movimento corresponderia a um atraves-
samento da transferência, uma vez que esta "implica, em alto grau, um pretação que se encontra do lado da persuasão, ou da sugestão. É nesse
u
paciente tentando persuadir uma audiência que ele mesmo criou" ( p.80). sentido que Lacan postula que a resistência é resistência do analista. A
3 Nota-se uma aproximação entre o discurso retórico e a transferência na análise caminha no sentido de uma dupla dissolu ção da perspectiva do
u
sua vertente de resistência. Quando esta audiência se desfaz, restaria uma convencimento: do lado do analista, pela elaboração do desejo de ana-
3 lista, um desejo sem sujeito, logo, sem persuasão possível; do lado do
valorização do meio pelo qual se efetuava esta pseudocomunicação - as
3 analisante, pela dissolução da alienação que o toma apto e mesmo de-
o palavras -, daí o predomínio do discurso estético. Ultrapassar as resistên-
cias significa, nesses termos, suspender a inflexão retórica do discurso. mandante de ser persuadido.
A argumentação de Mahony, apesar de descritivamente interessan- A interpretação é uma fala que escuta o dito, que faz dito sem dis-
te, incorre na ingenuidade que fixa a interpretação como um evento co- solvê-lo completamente num saber. É uma fala guiada não integralmente
municacional. Daí o emparelhamento do discurso retórico à resistência. pela intenção. A interpretação confia, assim, numa certa racionalidade do
Em função deste modelo comunicacional, a retórica será reduzida a uma discurso ou do "texto", supõe que ele possa dar suas próprias razões.
intenção persuasiva do discurso. A fragilidade da perspectiva assumida Ainda sem tocar no problema da diferença entre o escrito e o falado, dirí-
por Mahony decorre do fato de que nela a interpreta ção se transforma amos que a interpreta ção em psicanálise concorda com a teoria proposta
num ato de comunicação e não num apontar para o ruído, ou para a equi- por Eco (1993) acerca do texto, isto é, de que além da intenção do autor e
vocidade desta comunicação. da intenção do leitor existe algo como uma intenção da obra, que se move
Mannoni (1991) ao falar da perspectiva geral da interpreta ção com-
na independência do autor e do leitor. Por isso, numa análise, o dito é
para-a ao dito de Sancho Pança dirigido a D. Quixote: "Olhe Vossa Mercê soberano: uma vez realizado, deve impor-se à situação clínica a partir de
o que diz o Senhor". O grau zero da interpretação pertence à dimensão sua lógica intema.
deste dito: "Escuta bem o que disse". Se lermos a partir desta perspectiva Lacan, no pref ácio à edição alemã dos Écrits , fala da interpretação a
42 43
r

partir da Midrash. A Midrash é um método judaico de interpretação da As ressonâncias seriam absorvidas por outros pontos do discurso abrindo
Torá que se pauta exatamente por esta suposição de soberania do texto. novas séries associativas.
Detalhe sugestivo é que em raras ocasiões o rabino está autorizado a fazer Outra maneira de entender as "ressonâncias da palavra" é a que en-
interpolações no texto, uma delas, de acordo com Ischmael, é denomi- contramos num comentador como Miller (1994). Seu ponto de partida
nada de m étodo de Ceres ou método da castraçã o. Tal procedimento se não é a teoria da interpretação dada na Midrash ou na patrística, mas a
autoriza quando ou a irracionalidade do texto é patente (por contradição retórica indiana. Para tanto, Miller se apoia nos escritos de um dissidente
entre duas passagens) ou quando há uma contradição forte entre a lei do surrealismo, R. Dumal, que em 1938 publica um texto sobre a poética
escrita e a tradição oral de certa época. Uma característica comum entre indiana, onde se acentua o papel das ressonâncias da palavra. Dumal di-
o surgimento da Midrash entre os fariseus e da filosofia entre os gregos é vide os sentidos possíveis da poética indiana em três:
uma tensão, historicamente atestada, entre tradição oral e tradição escrita. 1. o sentido literal (que se obtém, por exemplo, num dicionário);
Os retóricos estão do lado da tradição oral; os filósofos da escrita . 2. o sentido figurado ou metaf órico (a conota ção);
A tensão entre fala e escrita é o que torna possível a suspeita que 3. o sentido sugerido.
recai sobre o sentido do escrito. Ela se altera historicamente porque a rede
de significação é histórica e não transcendental. Assim como o mé todo de As duás primeiras categorias mantêm uma relativa proximidade
Ceres visava conciliar esta tensão no terreno da hermenêutica judaica, em com a hermenêutica de Orígenes. No caso do sentido sugerido, explica
solo cristão isto está no núcleo da hermenêutica patrística. A estratégia Miller, trata-se de algo irredutível ao código, "... é algo que depende das
cristã para conter as variações de sentido a que um texto está sujeito foi circunstâncias. Ocorre em lugar e momento específico". No caso do senti-
basicamente a de dividi-lo em camadas de sentido e de limitar o acesso a do sugerido, ocorre o que Dumal chama de plus de sentido, um "a mais de
estas camadas segundo uma hierarquia religiosa. Assim, pode-se dividir sentido", que os indianos chamam de duhani. Esse "a mais de sentido", se l
os diferentes sentidos de um texto, segundo a hermenêutica cristã, encon- o
ele se distingue das categorias anteriores é porque não está presente em
trada em Orígenes, em: nenhum dicioná rio ou enciclopédia. À luz de nossas reflexões acerca da
• literal: o texto é soberano, logo, não contraditório e imune ao tensão entre o escrito e o falado diríamos que o duhani possui uma tempo-
tempo e à transformação da tradição na qual se inclui o leitor; ralidade diferente da do escrito. i
• psí quico ou moral: o texto é tributário de algo que lhe é exterior, A clínica mostra como o nível de interpreta ção midrá shico-estrutural
mas igualmente contraditório, dada a unidade moral ou psíqui- permite ao sujeito circular com mais desenvoltura no que em nossa me-
ca desta exterioridade. Ele resiste ao tempo porque o "Bem" re- táfora corresponde à cidade por sua histórias, as filiações que ela implica, 3
u
siste ao tempo; etc.; no entanto, este nível é insuficiente se tivermos em vista a presença
• místico ou espiritual: o texto extrai seu sentido a partir de uma > de um resíduo não completamente assimilável pela interpretação.
exterioridade, a "mente divina" que é impenetrável aos não ini- A pulsão de modo geral e o tema do gozo em Lacan são uma boa
ciados ou não partícipes de uma comunhão direta com a mente e ilustração do que seria este resíduo n ã o completamente assimilável às in-
o desejo divinos. Veja-se a teoria da ilumina çã o em Santo Agosti- terconexões da história do sujeito. E encontramos, desta forma, em tomo
nho e de modo geral a ideia de participação entre os medievais. da ideia de interpretação como "ressonância da palavra" uma vertente
teologal, midráshica e estruturalista, calcada na autoridade do texto e,
Lacan ao situar a interpreta ção ao lado da Midrash nos leva a crer por outro lado indicações de sua insuficiência: o método da Castração, o
que seu cará ter deve ser eminentemente literal. O discurso do paciente e duhani e o peso da tradição oral.
suas associa ções possuem soberania na determinação do sentido. Caberia No entanto, o pressuposto subentendido ao método teologal, confor-
ao analista reenviar os diversos fragmentos a si próprio para que a inter- me a designação de Eco (1991), é que o sujeito do texto é um sujeito sem
pretação se efetive. Contudo, isto representaria a aplicação de princípios falta, e mais, um sujeito que aplica sua intenção na criação do escrito. O
de análise de textos à análise de discursos. A primeira versão de Lacan ponto de colisão com a psicanálise é justamente a tese de que o sujeito
acerca do simbólico como uma estrutura formal de oposições e de redes em questão se dá na falta. Teorizar o estatuto do sujeito numa verten-
significantes se ajusta ao mé todo teologal que supõe o fechamento do sen- te estritamente midráshica-estruturalista toma-se impossível. Conceber

L
tido no texto. o sujeito, em psicanálise, e ao mesmo tempo uma primazia do código,
Esta seria uma maneira de entender o uso interpretativo das "resso- implica dizer que o código está em algum momento exposto a um colap-
nâncias da palavra" proposto em "Função e campo da palavra" (1953). so, a uma contradição que destrói seu próprio estatuto de código. Neste 45
f

sentido, o Outro não pode ser reduzido a uma forma de código geral de veis), isto é, o tempo, sua particularidade histórica e desejante e
onde emergem as mensagens do inconsciente. Assim, salientamos o mé- ao mesmo tempo reconhecer a pertinencia do nivel da letra.
todo de Ceres, uma vez que sua existencia mostra historicamente que de
alguma forma as remissões são insuficientes e que a identificaçã o entre Ora, esta conex ão poderia ser realizada justamente no plano retórico,
o simbólico e o puramente semiótico não nos fornece todos os subsidios desde que este se desligasse do interesse persuasivo, ou que esta inten-
necessários para pensar a interpretação. Como afirma Eco (1994): ção se substituísse por outra forma de desejo. Esta outra forma de desejo
toma-se então o centro do problema. Afirmá-lo como desejo de analista
No nivel teórico, no lacanismo, o simbólico se identifica ao semióti- parece ter sido a solução encontrada por Lacan.
co, e este ao linguístico; parece que a prá tica do lacanismo reintroduz
O tema é bastante vasto e remete a muitas outras articulações (com a
modalidades interpretativas que se estaria mais propenso a definir em
termos de modo simbólico, ( p.203)
,
ética por exemplo). No que toca o ámbito deste capítulo pensamos que é
possível falar deste desejo a partir do estilo retórico de cada analista, isto
é, da forma como incide a tentação persuasiva e de como ele se auctoriza.
De fato, a dificuldade em pensar a clínica da interpretação a partir da É neste estilo e na tática que ele implica que podemos falar da liberdade
redução do simbólico ao semiótico decorre da dificuldade de apreensão e da inventio na clínica. O analista está mais livre em sua tática, isto é, em
3
que o semiótico traz com relação ao problema do sujeito. Eco parece des- seu estilo, do que em sua estratégia e em sua política. Reencontramos
conhecer a alteração da noção de Outro que se opera na obra lacaniana
aqui a tese de Lacan.
no período posterior a 1966. De fato, o que esta filiação estruturalista, que
S procede uma diluição do simbólico ao semiótico (ao modo, por exemplo,
PH
de Lévi-Strauss), ignora é a auctoritas da interpretação. No caso do mito, Sintoma e interpretação ¡
parece pertinente ignorar a questão da autoria, mas e no caso da psicaná- D

lise? Quanto mais estrutural é uma interpretação menos autoria ela pos- Examinemos o estatuto do sintoma e suas relações com a interpre-
sui. É justamente a hipervalorização da auctoritas no âmbito da psicanáli- taçã . O que se pode chamar de sintoma analítico, o único propriamen-
o I
HJ
í te interpretá vel, não aparece imediatamente na análise. Há um sintoma, s
3 se anglo-saxônica o que Lacan parece condenar no modelo interpretativo £
t calcado na sugestão e no imaginário transferencial. enquanto forma de sofrimento subjetivo, que existe antes e fora do dis-
£
s.
A oposição entre letra e espírito, que contempla os termos da opo-
sição que estamos tratando, traduziu-se no final da Idade Média numa
positivo analítico. Chamemo-lo sintoma-letra, que demanda um sistema
referencial discursivo que o inclua e pede, de fato, uma explica ção que o
paciente não poupa esforços para obter. O discurso de mestre e o discur-
\
£

Il3
concorrência entre a autoria e a autoridade da interpretação, portanto,
uma oscilação do fundamento em quem interpreta ou no código (o que
interpreta) e sua autonomia. O problema da interpretação pode ser colo-
cado, ao final deste percurso histórico, nos seguintes termos:
so universitário são respostas a este tipo de sintoma. Entendemos aqui o
sintoma-letra como sendo pré-analítico e não como sint( h )omme.
No texto "Variantes da cura tipo" (1955), no contexto de crítica à aná-
lise orientada pelo ego do analista, Lacan valoriza um autor cujas ideias
u

1. Uma posição estritamente literal, midráshica e estruturalista: sua con-


u aparentemente estão bastante distantes da psicanálise lacaniana: Wilhelm
sistência se ancora no ponto de vista epistemológico de um sujei-
Reich. Esta surpreendente retomada se apoia nas pesquisas de Reich acer-
to purificado que esta vertente acentua como condição da inter- ca da análise do caráter. Lacan afirma que Reich fora o primeiro a levar
pretação. Seu problema maior é considerar o desejo do analista, em conta a ideia freudiana de que o ego possui uma estrutura equivalente
uma vez que suas premissas tomam esta reflexão estritamente à do sintoma. Os sintomas ao nível do caráter se diferenciam clínicamente
impossível. dos sintomas propriamente ditos (ideias obsessivas, conversões, etc.) por
2. A posição psiquista e espiritualista, que seria a alternativa imediata, não se traduzirem na forma de uma queixa. São sintomas, deste ponto de
é a rigor insustentável do ponto de vista epistemológico e peri- vista, silenciosos. Eles acusam, em termos freudianos, a prevalência da
gosa do ponto de vista ético. O interpretador apela a uma com- defesa sobre o desejo (Laplanche, 1986). Caberia então perguntar se em
petência ética que o deixa livre para exercer a persuasão e seu relação à interpretação esse sintoma-letra não requer alguma especificida-
derivado alienante. de. Lacan afirma, no texto anteriormente citado, que o eu é "o que se barra
3. Uma terceira solução, que leva em conta a retórica, mostra-se ne- para dar lugar ao ponto sujeito da interpretação" (p.328). Esse "ponto-su-
cessária: ela nos faz levar em conta as vicissitudes do ser falante jeito" da interpretação se endereçaria à estrutura metaf órica do sintoma.
(para o qual as leis da língua não são inteiramente transportá- Mas seria o sintoma-letra estruturado como uma metáfora? Nossa hipóte- 47
46
f

se é que seria mais apropriado falar, no caso do sintoma-letra, de um tipo O sintoma-letra é um sintoma que não vacila, que se integra de tal
especial de metáfora: aquilo que os retóricos chamam de alegoria. forma ao ego que nenhuma questão dele emerge. Pensamos que isso se
A chamada "envoltura formal" do sintoma, isto é, quando a queixa ajusta à tese de Lacan de que o ego possui uma disposição intrinsecamen-
se formaliza no campo do Outro (Miller, 1989), é o exato contrário do te paranoica. Lemos esta disposição paranoica não apenas em sua hipe-
"sintoma-letra", uma vez que este é a própria formalização do campo do rinterpretação própria da alegoria, mas também nas resistências que dele
Outro, como um campo sem falta. É por não estar formalizado no campo emana a que simplesmente algo perca sentido. Um universo paranoico é
do Outro, por não possuir uma "envoltura formal" que o "sintoma-letra" essencialmente isso: um universo onde tudo possui sentido.
é de dif ícil acesso à interpretação. Um sintoma-metáfora é o único pro- Dizemos que um sintoma-letra se estrutura como uma alegoria, pois
priamente reativo à interpretação, uma vez que porta uma demanda de funciona pela assimila ção das "irracionalidades" próprias ao inconscien-
equivocidade e é também uma formação desejante. Propusemos que o te fomecendo-lhes explicações e consistência subjetiva.
sintoma-letra funcione como a estrutura do que os retóricos chamam de s- A crítica de Lacan à psicanálise do ego e também à escola inglesa
alegoria. coloca-o, em termos de história da interpreta ção, ao lado da Midrash e
A alegoria está no centro de um método de interpretação desenvolvi- contra o alegorismo. Quando um sintoma pode ser escutado apenas como
do por Filo, de Alexandria. Essencialmente, este método visava extirpar, a uma metáfora, ele se dissolve. No entanto, responder por metaforiza ção,
I partir de um saber exterior ao texto, seus elementos percebidos como irra-
cionais. Duas grandes aplica ções históricas deste método são conhecidas:
em intervenções do tipo "é como se...", nada mais faz do que alimentar
a alegoria e o excesso de sentido que lhe é próprio. A interpretação pela
ã
aos textos épicos de Homero e Hesíodo, injetando-lhes filosofia platónico- / nomeação retórica do equívoco introduz ao mesmo tempo um ganho e
aristotélica, e à cristologia, que fixou o sentido do texto bíblico, forçando / uma perda de sentido, daí a expressão "inter-perda-ção" sugerida por s
o Antigo Testamento de forma a fazê-lo confessar um tom prof ético que Lacan. Do lado da perda encontra-se a castra ção como perda de gozo; do
este não possuía. lado do ganho encontra-se o gozo f álico possível a partir da parcializa ção D

Uma alegoria é uma metáfora indutora, uma metáfora "enlouqueci- do sentido. A análise procederia, portanto, do sintoma-letra ao sintoma w
HJ
da", capaz de gerar uma série metaforizante interminável. A alegoria é o metáfora.
it que se obtém, ao nosso entender, quando se considera a metáfora como A rigor, o ganho ou a perda de sentido deriva de duas formas dife-
analogia, como quer Perelman. A alegoria parte de um signo em que seu rentes de compreender a interpretação. Isolamos estas formas em termos
S
£
significado não é indeterminado, mas determinado e unido a uma signi-
ficação atemporal.
A teoria nasal-cósmica de Fliess é um exemplo de interpretação
teóricos a partir da retórica patrística e da retórica indiana. Talvez estas
duas vertentes se aproximem da separação que Freud (1907) fazia entre
interpretação histórica e interpreta ção simbólica.
i
K

o alegórica. Fliess, que para alguns fora o analista de Freud, parte em sua A interpretação histórica é aquela que recupera o sentido de tuna
teorização de dois significados matriciais: as "substâncias" masculina e formação do inconsciente a partir de elementos ou conexões entre estes
lS feminina, a partir das quais o universo se vê alegorizado. O lugar origi- na esfera da biografia discursiva do sujeito. Mas que interpreta ção não
nário dessas duas substâncias pode ser captado numa parte do corpo: o teria isso por horizonte? Poderíamos pensar na interpretação simbólica
nariz. Desta forma, os sangramentos nasais representam a menstruação; como apoiada em algo trans-histórico, uma espécie de código transcen-
a congestão nasal, a gravidez; as duas narinas referem-se a cada um dos dental que seria o responsável por certas equivalências. Assim, Freud d á
sexos, e assim por diante. Essa associação entre a menstruação e o nariz exemplos, na Interpretação dos sonhos (1900), desse tipo de interpretaçã o
(associaçã o alegórica) será a base para a hiperinterpretação, cuja carac- ao sugerir uma ligação quase "natural" entre "pênis" e "guarda-chuva" •
terística maior é não poder ser desmentida (daí o tom delirante). Como ou entre "escadas" e "relação sexual". No entanto, esta espécie de signb
afirma André (1987): ficação universal de determinados signos ficaria completamente excluída
no quadro da teoria de Lacan. O que fazer entã o com a ideia freudiana de
De tudo o que é menstrual é periódico ele chega a "tudo o que é pe- interpretação simbólica ? Parece-nos que um hom caminho para pensá -
lar
riódico é menstrual". Atinge-se então a concepção grandiosa de um depois de Lacan, é considerá-la à luz da crítica da ideia de simbolismo
universo regulado pela menstruação (...) se o dia do parto é regulado universal. Se nãojiá simbolismo universal, trata-sede dar lugar a algo,

48
por estes períodos, o dia da morte também deve sê-lo, bem como o rit-
mo do desenvolvimento dos tecidos e das funções (inclusive da fala ), a
ocorrência de moléstias etc. (p.35)
^^
fue mesmo após ajntérpreta çãor-permã nece pai ah fiTrdestituidode
â
sénfidõTATdgiãTreudiana de "umra cIÕlõr icíA o Imutê do interpreta-
^
vel, seria contemplada se aderíssemos a este raciocínio. Voltamos então à
49
f

tese da perda de sentido como efeito da interpretação. Isto é, não só perda associação livre que lhe segue traduz a história das conjugações que d ão
e substituição de um sentido por outro, mas abertura ao que permane- ao significante sua feição singular.
ce por dizer. Exemplifiquemos isto num fragmento clínico analisado por A ideia de etimologias retóricas foi localizada por Plebe (1992) em
Freud (1927). O Glanz auf die Nase, brilho do nariz que regia as escolhas certos procedimentos heideggerianos. Trata-se de traduzir, notadamente
amorosas do paciente de Freud, resolve-se pela nomeação do equívoco do grego, certos termos impregnando-os de uma significação que origi-
Glanz (brilho em alemão) - Glance (olhar em inglês). Não há propriamente nalmente estes não poderiam ter. É o caso do dito de Anaximandro, em
uma explicação ou demonstração, como exigiria Aristóteles, mas Bindung , que Heidegger introduz termos como "cura existencial" ou "estada na
ligação entre os elementos do equívoco. O equívoco, ao ser nomeado, se- terra", que são estranhos ao mundo grego e ao seu universo de discurso.
para o gozo do olhar da significa ção ligada ao brilho. A significação de Trata-se de manipulação, justificada pelo conceito de Unterschiebung
"brilho" integra-se à história do sujeito cuja língua materna era o inglês. (troca). Em outras palavras, atribuição ilegítima de uma ideia ou propósito.
No entanto, não se reduz a esta na medida em que evoca um elemento Mais importante que a fidelidade ao texto é a "tendência efetiva da proble-
pulsional (o olhar erotizado) que, enquanto tal, resiste à plena inscrição mática" ( Die sachliche Tendenz der Problematic ). A questão orienta e legitima
na linguagem. Pensamos que a "exegese" do sentido de Glanz correspon- a troca ou "forçagem" do sentido. Os jogos de palavras, trocadilhos e de-
3< de a uma espécie de etimologia retórica. O limite desta etimologia é o mais distorções, que num primeiro momento caracterizavam e até popula-
elemento pulsional e seu correlato subjetivo. rizaram o lacanismo no Brasil, correspondem ao que a retórica chama de
Tomemos o caso da interpretação histórica: qual poderia ser sua li- dissociação semântica, da qual a Unterschiebung é uma variante.
l gação com a retórica? Atentemos para a dimensão significante desta his- Se o problema da interpretação pode ser resumido a como encontrar
° tória e ao fato de que a interpretação deva captar o ponto de encontro o termo significativo do discurso, como afirma o texto da "Função e cam- 5
entre a diacronia e a sincronía, isto é, o cruzamento da simultaneidade po da palavra" (Lacan, 1987, p.242) ou o ponto em que o sujeito chega ao
da ressonância e da sucessão de significações. Uma forma de pensar es- limite do que o momento permite a seu discurso efetuar a palavra, como D
tes processos em termos retóricos seria pensar de um lado na etimologia
(como sucessão de significados historicamente variá veis); e de outro, em
se d á no texto "Instância da letra" (Idem, p. 358), podemos supor que a j
í localiza ção da questão do sujeito precede a etimologia retórica e que esta
algo que refletisse o paradoxo de um sujeito causado pela concorrência de

! significações simultâneas e contraditórias.


Freud (1912) partilhava da tese de que o significado primitivo das
palavras seria antitético em rela ção ao seu significado contemporâneo,
só se autoriza se levar em conta álgo além da homofonia pertinente. Se a
poesia é o campo de estreitamento da diferença entre o som e o sentido
(Filolet, 1975), não é, entretanto, a qualquer momento que se trata de in-
troduzir a dissociação semântica que cause tal estreitamento. £

1 isto é, haveria uma espécie de inversão histórica operando ao nível do


sentido. A tese freudiana (retirada de Abel), à luz da filologia moderna,
mostra-se incorreta. No entanto, se assumirmos sua dimensão retórica,
Por exemplo, uma determinada paciente encontra-se às voltas com
um contexto sintomático que é nomeado pelo significante "distraída".
Por outro lado, traz também uma questão relativa ao exercício de sua
U

i ela se mostrará verossímil e capaz de acolher a contradição de significa-


ções que a interpretação deve procurar.
Interpretações que trabalham o equívoco a partir de uma referência
ao que Freud chamava de "infantil" mereceriam ser consideradas como
fidelidade. A intervenção do analista faz escandir o termo "distraída" em
"diz-traída", de modo a ligar o sintoma ao desejo em questão em tomo da
fidelidade. O que este analista realizou em termos retóricos corresponde
à dissocia ção semântica de "distraída", no entanto, ela não poderia ser
se examina um processo etimológico. Para contemplar tal etimologia, sem realizada antes que o discurso do sujeito o permitisse. Antes do ponto em
nos projetarmos na fixação dos significados primordiais (uma simbólica, que o princípio de Sancho Pança pudesse ser aplicado.
por exemplo, como faz Jung), será necessário recorrer à ideia de uma eti- Procedimento semelhante encontra-se em Freud (1900) quando este
mologia que do ponto de vista filológico seria no mínimo duvidosa. se detém sobre o sonho de Alexandre o Grande. O general macedônio si-
Lacan, assim como Heidegger, utiliza em vá rios momentos a eficácia tiava a cidade de Tiro e hesitava entre atacá-la ou não. Naquele momento
de uma etimologia que podemos dominar de retórica. Por exemplo, ao sonha com um sá tiro dançando sobre um escudo. A interpretação dada
derivar perversion de père-version (versão do pai), Lacan faz equivaler o pelos adivinhos realiza-se pela dissociação semântica de "Sá tiro" em "Sá-
radical latino per ao francês père, o que lingüísticamente é injustificável, Tiro" (a cidade de Tiro é sua). O significado de Sá tiro, ser mitológico,
mas que se apoia numa "ressonância" cujo efeito é de verossimilhança. A metade homem metade bode, vê-se trocado, substituído não apenas por
interpretação como pontuação pode funcionar como um convite à fabri- outro significado, mas por um desejo expresso na substituição. No entan-
cação de uma etimologia não semântica, mas homof ônica. Deste modo, a to, o "novo" significado não está imune à dissociação. Isso nos permitiria j
S0 / 51
r

uma definição provisória do significado como a fixação temporal de um bre o sintoma. No segundo caso, o sujeito se localiza no ponto de torção
significante. A historia das conjuga ções do significante possui autonomia ou corte da banda de Moebius, o que permite defini-la como uma super-
e primazia em relaçã o à história das conjuga ções do significado, como f ície sem avesso e sem direito ou onde o avesso e o direito se intercomu-
mostrou Lacan; entretanto, quanto à tá tica da interpreta ção, trata-se de nicam. Tanto com relação ao sujeito como resíduo da metáfora quanto
encontrar o momento em que as duas temporalidades se cruzam. como lugar de torção, o estatuto do sujeito é equivalente ao do paradoxo.
O que a interpretação alegórica visa contornar é justamente esta tem- Isto é, efeito-sujeito se associa à ruptura da significação aparentemente
poralidade: suas pretensões são sempre as de fixar um código semântico totalizável. Por outro lado, o efeito-sujeito remete ao "a mais de sentido"
atemporal. No caso da interpretação psicanalítica, a atenção ao tempo da da retórica indiana.
interpretação e o momento de sua entrada são cruciais, justamente por- O problema representado pelo conceito de sujeito pode ser breve-
que o que a comanda não é a atemporalidade. Quando o instante de uma mente resumido da seguinte forma: se pensamos o sujeito como um lugar
intervenção é perdido, é possível confiar, pela equivalência entre discurso interno à estrutura, no sentido de um sujeito inconsciente, ele responderia
e estrutura, na repetição da questão. Porém, nesta repetição será proposto ao quesito freudiano da sobredetermina ção; isso, porém, comprometeria
novamente um instante temporal para a interpreta ção. o projeto clínico da psicanálise, uma vez que não faria sentido, nesses
Em "Função e campo da palavra...", Lacan fala da interpretação como termos, falar em alteração da posição do sujeito em rela ção ao sintoma ou
uma forma de reviravolta formal do discurso; ele se refere a tomar: em relação ao Outro. Pensá-lo assim é teoricamente sustentável, mas ope-
raciónalmente problemá tico. Instalado em seu lugar estrutural, o sujeito
I • uma história cotidiana por um apólogo;
se fixa, se imuniza a qualquer altera çã o.
I • uma larga prosopopeia por uma interjeição direta; Por outro lado, afirmar como uma exterioridade em rela ção à estru-
• um simples lapso por uma declaração completa;
- tura, um sujeito desde o inconsciente, é retomar ao velho problema do
I
• o suspiro de um silêncio por um desenvolvimento lírico (Lacan, %
fantasma na máquina, uma vez que não se poderia precisar sua liga ção Q
1987, p.342).
com a estrutura. Se ele é um efeito da estrutura, onde se poderia conceber
tal efeito? Em algo fora da estrutura? Fora da linguagem? Se optarmos I
!
5
Em todos os casos a reviravolta traduz a ruptura da temporalidade
da significa ção. Em todos os casos ou se trata de dizer mais com menos
palavras ou de dizer menos com mais palavras. Esta espécie de dinâmica
pela primeira leitura, localizaremos o sujeito no simbólico, se optarmos
pela segunda, ele está no real. Estamos mais propensos a admitir uma
I
I£ temporal das significações constituiu desde sempreoobjeto da retórica
Para os retóricos gregos tratava-se de encontrar o instante em
,
solução que se aproxime da segunda alternativa. Já que este não é o tema
imediato deste artigo, retenhamos apenas que nas duas alternativas o su< £
que a palavra extraía o máximo de efeito. Q kayrós pertence a uma tempo- jeito se manifesta como um paradoxo. Sua ligação com a estrutura é, por| u
%
o
O
ralidade que não é nem a da sucessão nem a da simultaneidade, mas a do
acontecimento. A busca desse acontecimento de linguagem é o que per-
témpcr(qtieTrã<rpõssu ^ ^
umTadÕTtnTgbística íInref êitõ eTingíããgemJ Tpõr utroTTocilízãdálno
^ ^^ ^
Põ porttcráe-vista estrutural o lempo érrtmTntnfTlp Tãrã rlnvnt; paradn-
J
pelo mértõsmo sentido linguístico)
^
w

U
meia a tática de interpreta ção. Nesta, estão envolvidos, portanto, a disso-
cia çã o semântica, a etimologia retórica e o tempo. Essas três dimensões
,

xõsestgs que f êpresentemrTrã parecifflsntTfdosujeito.


^
^
No nível dãlufiãrdufirrtérpreta çã o este paradoxo pode ser entendido
respondem pela criação, historicização e temporaliza ção da significa ção e
são dimensões interpretativas pouco consideradas no quadro da interpre- como ruptura da verossimilhança e não como ruptura em rela ção à ver-
tação midráshico-estruturalista. dade. É a diferença entre o paradoxo lógico e o paradoxo semântico. Este
último pertence, por excelência, à retórica, como mostra um pequeno apó-
Falta aind â um quarto elemento que nos permita fazer com que a
logo das origens desta disciplina. Nele, Tísias viaja ao sul da Itália para
aproximação entre a interpretação psicanalítica e a retórica responda pela ter aulas de retórica com Cárpax. Depois de algum tempo, este, conside-
evocação subjetiva que se deve esperar de uma intervenção analítica. Isto
rando o ensinamento concluído, pede a Tísias um pagamento, ao que ele
é, se o paciente não se "re-escutar" além do que "queria dizer", simples-
responde: "Se de fato me tomei um retórico, sou capaz de convencê-lo de
mente não podemos falar em interpretação. Para atender a esta exigência,
que nã o devo pagar; se, no entanto, não conseguir persuadi-lo, isso mos-
devemos supor que a estrutura da interpretação seja isomorfa à estrutura
tra que não sou um bom retórico e, portanto, não devo pagá-lo". Onde o
do sujeito. Ora, Lacan fala desta estrutura a partir de dois modelos: a
axiomá tico procura a solução para um problema, o retórico se contenta
metáfora paterna e a banda de Moebius. No primeiro caso, o sujeito se com o efeito de linguagem e sua proliferação. No apólogo em questão,
define como um resíduo da metáfora. Assim como ele será o resíduo do

o sintoma após a interpretação, isto é, uma questão e não apenas saber so-
a conclusão do ensinamento e o pagamento são simultaneamente nega-
f

dos e afirmados. Se Tísias pagasse pelo ensinamento recebido, ele negaria cia do agente da resistência: ego, id, superego. A análise se transforma
tê-lo concluído. No entanto, a única forma de concluí-lo é provar que ele então no problema da solução das resistências, o que permanece como
não deve ser pago. Trata-se de um paradoxo semântico porque sua chave problema clínico crucial, especialmente no cená rio pós-freudiano.
é a significação que faz do retórico "aquele capaz de persuadir o outro". O conceito de resistência se dilui e toma-se perigosamente próximo
A figura retórica que resume a ideia de paradoxo semântico é o oxí- do tema da conversão (no sentido de persuasão ou doutrinamento). Ele
moro. Chama-se oxímoro uma oposição entre um termo e a qualificação pode nos colocar, em termos da recepção da interpretação, numa situação
¡I que lhe é dada, ou entre duas qualidades atribuídas a um mesmo termo, do tipo: cara, eu ganho; coroa, você perde. O que legitimaria a validade
ou entre a simultânea negação e asserção de um mesmo fato ou conceito da interpreta ção seria uma "inquestionável" capacidade do analista de
(Plebe, 1992). O tó oxí moron do grego refere-se literalmente ao "aguda- perceber a realidade tal qual ela é, limpa e expurgada das ilusões e deva-
mente louco". O oxímoro é a essência da contradição semântica, cujas neios neuróticos.
variantes são o paradoxo (no sentido de figura retórica) e a antítese. Ele Ora, pensar que a validade da interpretação se dá pela verdade que
é a realização semântica da coincidência entre os opostos, que a dialética ela expressa sobre a realidade psíquica é situar o problema absolutamente
realiza no nível conceituai, a simultânea negação e afirmação. fora do âmbito retórico da verossimilhança, é confundir, desprevenida-
3 Um aspecto do caso do "Homem dos Ratos" se presta à demonstra- mente, retórica e filosofia. Por outro lado, é fazer pender excessivamente
ção de como o efeito da interpretação é tributá rio da figura do oxímoro. a legitimidade para o lado do analista. Ao conduzir o problema desta
I Trata-se de uma f órmula protetora à qual o paciente recorria para livrar- forma, pretende-se extrair da psicanálise uma teoria do conhecimento.
se de certos pensamentos libidinosos que lhe ocorriam em relação a deter- Gellner (1985) apontou que esta teoria nada mais é do que uma forma
S
minada dama. Para impedir-se de pensá-los, ele proferia para si mesmo a de realismo ingénuo e incondicional. Simanke (1994), trabalhando sobre
3
palavra glejisamen, neologismo que construíra da seguinte forma: outro ponto de vista (o tema das psicoses), mostrou que tal realismo, mes-
mo que assimilado à posição epistemológica de Freud, merece um refina- D

"gl" - glucklich (feliz) mento de que a teoria da resistência não nos provê, ao reunir a realidade s
2 psíquica à totalidade do mundo subjetivo. O caminho tomado por Lacan 2
3
"e"
é outro e pode ser resumido em dois pontos: s2
t "j" - jetzt und immer (agora e para sempre)
1. a resistência é efeito da intromissão imaginária que tende a in-
5 "is"
cluir o analista como um objeto (i(a)), recíproco e simétrico ao
2

ss=
S. "amen" - amen (que assim seja)
analisante. Analisar a resistência seria, portanto, escutar a emer-

j A f órmula protetora remetia também ao próprio nome da dama (Gi-


sela). A significação do conjunto seria então: "Gisela, feliz agora e para
gência do simbólico que atravessa essa posição alienante;
2. a resistência é fundamentalmente resistência do analista quan-
do este se entrega à reciprocidade proposta pelo analisante. Se
u

l3 sempre, amém". É nesse ponto que a interpretação proposta por Freud o paciente não acede à palavra é porque o lugar ocupado pelo
subverte o sentido da frase ao escutar em glejisamen a termina ção samen, analista veda, obtura a possibilidade do dito.
literalmente "sêmen". A f órmula protetora reunia justamente o que visa-
va evitar: a união de Gisela e sêmen pelo ato masturbatorio. Se examinar-
Pensamos que uma parte das resistências do analista se refere ao
mos agora o estatuto retórico da f órmula protetora, podemos afirmar que modo como este faz introduzir a vertente retórica de suas intervenções.
ele passa de uma antítese a um oxímoro. A interpretação muda o estatuto As próprias metáforas que cercam o termo como: "vencer a resistência",
retórico do termo: a Unterschiebung da significação obedece e é extraída "a luta contra a resistência" etc. expressam o tom agonístico, ó
da problemática sexual, a partir da qual emergira.
pr prio da
retórica. Se assumirmos esta perspectiva, devemos estar aptos a respon-
O que aconteceria se o Homem dos Ratos recusasse esse transporte da der não apenas porque o âmbito da resistência implica retórica ou esti-
significação? Isso não seria surpreendente, uma vez que Freud desenvol- l ística do analista, mas também como a concepção não retórica extrai sua
ve extensas reflexões para explicar esse fenômeno: a resistência. Durante eficácia.
boa parte da trajetória clínico-teórica de Freud o tema da resistência ocu- De fato, a perspectiva que pretende passar da ilusão à realidade a
pou um lugar de destaque. Vencer as resistências seria uma das maiores partir da translucidez do analista não deixa ela própria de ser uma estra-
J1 dificuldades técnicas de uma análise. À medida que este ponto ganha em tégia retórica. A nosso ver, esta estratégia é sofrível, pois se apoia num
importância, multiplicam-se no texto freudiano os lugares de proveniên- único tipo de argumento: o argumento de autoridade. Esse argumento
M r 55
consciente o la razón desde Freud" (1957); "A direção da cura e os principios
não pode ser absolutamente descartado e há situações extremas onde ele
de seu poder" (1958); "La metáfora del sujeito" (1961). In: Escritos . México:
parece ser o único recurso possível. Fundar, contudo, toda a questão a
Siglo XXI, 1987.
partir daí é descartar de vez a racionalidade e nos entregarmos à Uberlis-
tung (sugestão), confundindo psicanálise com psicoterapia. "L'Étourdit". Scilicet , n.4. Paris: Seuil, 1973.
Outro problema grave que daí surge é a preservação da ideia que as-
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, B. Vocabul ário de Psicanálise. São Paulo: Mar-
simila o dispositivo analítico a uma situa ção em que se trata de convencer
tins Fontes, 1986.
alguém de algo. A retórica na psicanálise encontra-se ao lado da convic-
çã o e da emergência da certeza que caracteriza o momento de concluir e MAHONY, P. O Lugar do Tratamento Psicanalítico na História do Discurso.
não ao lado da crença numa certa explicação sobre o inconsciente e suas In: Psicanálise e Discurso. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
consequências. Desta forma, se uma interpretação não vigora como tal, no
MANNONI, O. O Divã de Procusto. In: McDOUGALL, J. (org.). O Divã de
efeito que a caracteriza, é porque de fato ela não é uma interpretação.
Procusto. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
Concluindo, o reconhecimento de certas dificuldades derivadas do
modo estrutural de conceber a interpreta ção levara-nos a pleitear um uso MILLER, J. A. La Envoltura Formal del Sintoma. Buenos Aires: Manantial,
5 alternativo da retórica. A possibilidade de discutir temas clínicos como 1989.
o sintoma, a resistência e a interpreta ção à luz desta proposta não nos . Seminário sobre a Interpretação: Buenos Aires: E = UWK, 1994.
li privou de estabelecer um diálogo com a metapsicologia. Entendemos que
se trata de uma aproximação preliminar e que depende de um esclareci- PETERS, F. E. Termos Filosóficos Gregos - Um Léxico Histórico. Lisboa: Ca-
i: mento de suas implicações éticas, bem como da elucidação da questão da louste Goulbekian, 1990. s
verdade em psicanálise para que em seu conjunto a proposta se sustente. PLEBE, A. Breve História da Retórica Antiga. São Paulo: EPU/EDUSP, 1978. Q

3 Referências . Manual da Retórica. São Paulo: EDU/EPUSP, 1992. ¡I


PRATES E SILVA, R. Isocrates e a Filosofia. Dissertação de mestrado. Arara- S
ANDRÉ, S. O que Quer uma Mulher ? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. quara: FFCL, 1973.
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LACAN, J. "Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise"
56
(1953); "Variantes de la cura tipo" (1955); "La instancia de la letra en el in - 57
A Etica da Interpretação

/Considerar o tema da interpretação a partir da sua dimensão ética não


-
V ^significa apenas ter em vista o valor judicativo que pode permear
certas intervenções, mas nos exige uma explicitação da própria ética que
compõe o cenário discursivo onde esta interpretação é possível. Uma po-
sição bastante consolidada no espaço psicanalítico contemporáneo é a de
que a psicanálise possui uma ética específica e irredutível à da medici-
na, da ciência ou da religião. Esta tese da especificidade ética vem sendo
utilizada até mesmo para situar a diversidade das correntes psicológicas
(Figueiredo, 1995) ou para a crítica social da psicanálise (Gellner, 1985). É
interessante notar que até mesmo uma ciência como a economia pode ser
repensada a partir da tese da ética distintiva e do seu papel na produção
(Fonseca, 1994).
Nosso objetivo aqui é examinar os pressupostos básicos desta éti-
ca no caso da psicanálise, e em seguida mostrar como estes pressupos-
tos interferem na atividade interpretativa. O autor que se dedicou mais
sistematicamente à configuração de uma ética da psicanálise foi Lacan.
Circunstâncias institucionais precisas, que envolviam a questão da for-
mação de analistas na década de 1950 bem como a necessidade teórica de
precisar a ação do analista, certamente concorreram para a emergência
do tema da ética.
Dois aspectos fundamentais da clínica exigem mais diretamente uma
reflexão ética: a transferência e o sofrimento psíquico. A transferência,
pois ela é o vetor fundamental para entender como uma fala é acolhida
no interior do tratamento. O sofrimento psíquico, pois, apesar de a psi-
canáfise não se resumir a uma terapêutica , é a partir do remnhprimento
do estatuto particular do sofrimento npurótico ou psicótico que se pode /
I avaliar boa parte de suas pretensões clínicas.
r

Na obra de Lacan, os temas da ética, da transferência e da angústia discursivo da psicanálise concorre e se alia a outros. Nosso interesse pa-
formam um feixe de reflexões que se concentra entre 1959 e 1964. Este norâ mico é mais um convite à avalia ção das categorias propostas e dos
período contém ainda um tema subsidiá rio recorrente: o desejo do analis- termos nelas incluídos do que a exaustão do assunto, o que transcenderia
ta. A preocupação teórica que se desenvolve em tomo destes temas visa os limites deste trabalho. Neste sentido, podemos isolar cinco concepções (
constituir a psicanálise para além de uma terapêutica, além de respon- fundamentais sobre a ética no pensamento contemporâneo:
der à dif ícil situação do quadro institucional relativa ao problema da for- 1. dTma ética Uvada a uma práxis negãtmã?como se pode extrair do
mação de analistas. As indicações de Lacan procuram sempre destacar a - pensamento da Escola de Frankfurt e de seus continuadores, mas
psicanálise de uma visã o de mundo (como, aliás, já o fizera Freud ), mas que também transparece no cultivo sartreano das aporias éticas
igualmente se nota um certo desconforto em acomod á-la como uma va- e no pensamento de Cioran e Rosset. Conciliar raz ão subjetiva e
riante das ciências aplicadas, como a medicina. A solução que se insinua razãq_gbietiva ou se transforma no e:
é postular que a psicanálise não apenas possua uma ética, mas seja uma níi conduz à admissão de um insolúvel. Para esta perspectiva,
ética, uma ética cujo campo é a linguagem. Uma ética do bem dizer, como trata-se de criticar qualquer ideal de totálizacão ou universaliza-
se formula no Seminário VII . ção harmonizante pelo exame dos seus nú cleos de equivalência:
5 É próprio de nosso século traduzir as questões clássicas da filosofia o capital, a lógica formal e o inconscienteTcTsofrimento indivi-
IJ
% em termos da âncora metaf ísica que nos domina, qual seja, a linguagem. dual é considerado à luz da ligação intrínseca entre cultura e bar-
Assim, os antigos problemas éticos que giravam em tomo da forma como bá rie. Pôr em ato, teoricamente (a práxis negativa, por exemplo),
ã ou experimentar essa contradição (a náusea, por exemplo) são os
realizamos nossas escolhas e as orientamos a partir da distância entre o
s que é e o que deveria ser ou entre o que ocorre e o que gostaríamos que horizontes possíveis. A atividade interpretativa preserva o nú-
ocorresse se transformam à luz da consideração de que o ato humano por cleo duro do objeto como perspectiva. Interpretar se assimila à ã .

excelência é o ato na linguagem ou com a linguagem. noção de crítica, como tal, seu objetivo é a contínua desobstrução Q

Um linguista como Mainguenau (1990) observou que os contextos das categorias reificantes. No entanto, o sentido desta atividade
HJ
tem seu fim em si mesmo; ela é o espa ço que resta à liberdade
i
<
discursivos são figuras notadamente éticas. Recuperando o uso do termos
ethos (comportamento, há bito), esse autor mostrou como em Aristóteles num mundo comandado pela técnica e pela escolha forçada. A
ó
z

í
£
(retórica) ethos se refere à inspiração fundamental de um discurso. Aris-
tóteles fala em três ethos : o da sofrosine (sabedoria), o da aretê (virtude) e sivamente teorético. ___
crítica imediata a esta perspectiva passa pelo seu cará ter exces-

3 o da enoia (sedução). Cada ethos discursivo traria consigo uma forma de 2. grrixêréticãTigada a uma práxis pñsitwfc. como se apresenta no dis- £
CJ
encarar as relações com o outro, um estilo e uma teoria de como devemos curso marxiniano de interlocução psicológica, que vai de Reich
agir e considerar nossas ações. Participar de um ethos discursivo é par- e Politzer a Marcuse. Essa perspectiva assume o compromisso
o
tilhar uma forma de vida e as suposições e obrigações que ela implica. direto como a ideia de “ transforma ção social" conectando o so-
s Processos fundamentais da cultura contempor ânea como a propaganda, frimento individual às contradições orgânicas da sociedade. Sua
S a assimila ção de tecnologia, a religiosidade e mesmo a forma de conside- proposta, de índole modernista, aposta no ideal de totalização
u
rar o sofrimento psíquico se traduzem em geral pela concorrência de di- como solução efetiva para a contradição entre o público (Estado)
versos ethos discursivos. Estabelecer os termos em que uma questão será e o privado (sociedade civil). O horizonte possível passa pela
discutida é, em geral, vencer a discussão. Estabelecer o ethos da questão crítica da ideologia, encarada como desmascaramento, e o acesso
é incluí-la na forma de linguagem em que a questão será tratada. Se todo à consciência exemplar, motor da transformação desejada. Nela
problema encerra sua própria solução, o que toma possível a emergência a interpretação se organiza a partir de categorias consideradas
de uma rede de problemas não é outra coisa que não o ethos discursivo. como determinantes do momento de contradição de um proces-
A nosso ver, Lacan participa deste movimento propondo a tradu ção so. Interpretar é conduzir os signos desta contradição à sua ex-
de uma questão clássica: Como agir? Como julgar nossas ações? em termos plicitação e resolução. Está em jogo uma perspectiva objetivante
equivalentes a: Como agir na linguagem dada a hipótese do inconsciente? ou onde a interpretaçã o pode ser avahada como verdadeira ou falsa
Como julgar nossos atos linguí sticos na situação de análise? Comparemos, a partir de seu cará ter crítico ou ideológico. A interpretação visa
portanto, as principais posições contemporâneas quanto à forma de tra- não apenas desobstruir as categorias reificantes e alienantes, mas
dução da ética em termos de linguagem com o objetivo de mostrar o ní- atingir o próprio núcleo da realidade histórica. A crítica de praxe
vel distintivo em que se encontra a psicanálise e em que medida o ethos se dirige a seu excessivo economicismo.
60 61
r
SpiTéficg transcende al-univjezsaUàtai talvez a mais(pelo
clássica das -
verdade da interpretação. Interpretar é deixar se falar por certo
3.
^que aqui
transce ndenta l
^
apresentamos , pois remonta a Platão aspecto
) e a Aristóteles ( pelo caráter universal
de que o acesso a um
da razão
ambiente de linguagem e eventualmente produzir eventos, efei-
tos, agenciamentos semióticos cuja medida é estética. A cr ítica
imediata à esta vertente se remete ao "despotismo" ou à tirania
humana). Seu postulado fundamental é que ela sutilmente introduz.
ação "virtuosa".
determinado saber se liga logicamente a uma questão é uma
.
É a ética moderna por excelência O sujeito
em 5. Uma ética pragmática: que se poderia associar aos projetos de Ha-
ência da consciência bermas e Rorty, mas também aos herdeiros do segundo Witt-
entidade epistêmico-transcendental, ess genstein, como Davidson. Seu postulado geral é a primazia do
- falta deste saber ou
autónoma. O sofrimento toma se então a
sua aparição. A so- contrato imanente à situação de comunicação. A linguagem é
falta das condições de possibilidade para
da conduta ética. questão de convenção, de contrato, portanto. O sujeito em jogo
lução passa pela injeção deste saber produtor
ógico ao psicana- é o sujeito dos interesses, orientado pela economia do prazer e
De Piaget a Skinner, do discurso psicopedag da utilidade. A sociedade do Bem-Estar é seu corolário funda-
lismo (eventualmente combinados), de
Bordieu à empreitada
écie de herdeira mental. Sua apreensão da linguagem, em geral, combina a fe-
neopragmática de Apel, essa vertente é uma esp
e desenvolvimen- nomenología com a tradição analítica (especialmente Searle e a
otimista do ideário das iluministas. Progresso
3 a autonomia da ra- teoria dos atos de fala ). Ricoeur, nesse sentido é um exemplo
3 to dominam a perspectiva que visa garantir
a explicar, isto é, paradigmático. Seu encaminhamento ético busca as condições
zão. Interpretar, para esta vertente, é reduzido
i a interpretação de possibilidade de um debate viável e "razoável", o que não
remeter um fenômeno à sua causalidade. Aqui ,
busca não apenas um sentido, mas o sentido
-, isto é a adequação quer dizer "racional". O relativismo constitui-se, portanto, como 3
i ou correspondência representacional entre
o intelecto e a coisa. uma espécie de condição da ética pragmática. O sofrimento é ê
o ideal de unificação entendido aqui ou como exclusão do ambiente discursivo, o Le
A verdade da interpretação traz consigo
e a coincidência do bensWelt, ou como efeito da falta de entendimento e compreen- j
entre o aspecto lógico, relativo à conexidade são intersubjetivos. Interpretar aqui é fundamentalmente fazer
ontológico,
pensamento ou do juízo consigo mesmo e o aspecto

Ii como ele é, na héte- construir runa nova forma de vida, um novo jogo de linguagem
relativo à fenomenalização do mundo tal
o busca se sustentar, Este fazer interpretativo desqualifica a possibilidade de critérios
ronomia que lhe é própria. A interpretaçã
-
lógico, metaf ísico ou mesmo teológico. A
seu intelectualismo.
crítica que
de tipo bio-
portanto, em categorias trans históricas e positivas se coloca é
transcendentais de verdade. Tais critérios são substituídos pela
convenção e pela força e "felicidade" do ato de falar (para usar
um termo de Austin) ou pelo contexto em que uma redescrição
j
;rnu< e se poderia associar aos pós-niet- se realiza. Desta forma, criam-se comunidades de falantes ao
4. qual cabe legitimar os jogos de fala possíveis. Há, portanto, uma
a Derrida e uma
zschianos e pós-heideggerianos de Foucault autoregulação da interpretação no interior dessa comunidade,
", Deleuze, Guatarri,
parte do discurso da "Pós-Modemidade
! .
mas também Gadamer Tem como projeto
f ísicas objetivistas, subjetívlstãs, humanistas
Tíualmplantação nas formas de uso e
apreens
a crítica das meta-
, etc., a partir de
ão da linguagem.
estetização da ética
regras para a conduta hermenêutica, que são definidas por uma
concorrência de descrições. A premissa comunicativa se vê pre-
servada e como tal o ideal de entendimento intersubjetivo. A crí-
tica imediata a esta perspectiva se refere à ingenuidade com que
Herdeira do romantismo, nela se nota uma considera a figura do interlocutor.
: sujeito/objeto,
como forma de superar as dicotomias clássicas
, etc. Sua gestação se dá
capital/trabalho, significante/significado . O sofrimento
no interior da chamada perspectiva pós-modema stia gerada
Do ponto de vista epistemológico, a discussão com as posições acima
e da ang ú representadas possui sua própria história. Pretendemos examinar aqui a
ganha aqui o aspecto do aprisionamento -
as falocentris
(o situação do ponto de vista da ética, e de suas consequências para a inter-
pela sedimentação de certas práticas discursiv
pela valorização pretação.
mo, por exemplo). O horizonte possível passa
do fundo ambiente da linguagem, pela inven
ção de novos "jogos Façamos um esclarecimento. A hipótese que perpassa esta introdu-
de fala". Interpretar é dar prosseguimento
ao discurso, remetêdq - ção é que quando a psicanálise justifica sua prá tica a partir e no interior de
.
à sua teia de intêrtextualidades Não há
um objeto intensional uma certa concepção de linguagem esta justificativa não implica apenas
os critérios de a escolha da mais adequada versão sobre o que seja "a linguagem". A
compartilhado capaz de exteriormente legitimar 63
62
^^
.
escolha não é meramente epistemológica. Quando o linguista ou o filó- forma paradoxal como não seu, como estrangeiro a si mesmo. A hipótese
sofo procuram entender a linguagem, sua posição diante do problema do inconsciente pressupõe, no nível ético, um modo de nos
relacionar-
visa alcançar um modelo geral ou particular para o funcionamento desta. mos com nossas próprias sombras, com o que rejeitamos e configuramos
O problema é equivalente, por exemplo, a determinar se as órbitas dos como fundamentalmente dejeto não incluído. Interpretar, neste sentido, é
planetas são elípticas ou circulares. No caso da psicanálise, a discussão radicalizar a relação ética do homem com sua palavra e com um aspecto
sobre a linguagem está impregnada pela dimensão ética. Isto porque a
clínica, seu interrogante fundamental, é um espaço onde não apenas cabe
_subversivo desta: o desejo. Interpretar é reconhecer este deseio, bem dizê
lo sem no, entanto, todo dizê-lo. O termo "bem" expn
-
saber como os acontecimentos se dão (no caso acontecimentos de fala), supõe por um lado o campo ético: por outro, uma forma á
j subentendida
mas como eles deveriam se dar ou o que nos é possível esperar a partir da de dizê-lo mal É o que ocorre, notadamente, no sofrimento psí
^ , quico ge-
concepção de linguagem utilizada. rado pelo sintoma pela inibição e pela angústia. Um autor como Badiou
Em que medida a psicanálise, e mais precisamente o pensamento de (1994), no quadro de reflexão, que busca uma nova teoria do sujeito,
che-
Lacan, responde e argumenta com as posições apresentadas tendo em vis- ga a postular que uma ética do mal seria justamente uma ética do todo
ta a referência tomada em relação à linguagem? Em que termos se pode dizer, uma ética que nao admitisse e reconhecesse o estatuto próprio e
falar de uma ética própria à experiência analítica? Esta perspectiva teria irredutível do dejeto e do excluído.
3
como horizonte a inclusã o do inconsciente e do desejo como seus prin- EnquantoTlSrprojeto atentrTà s vjrissihides d » falante singularizado
cípios fundamentais. A sublimação, por um lado, e a invenção de uma a ética da psicanálise t íh-uriiversalisíà e <à nh-normativa/A verdade

I
I "nova" relação com a fala, por outro, são duas vertentes localizáveis. Seu
modo de considerar o sujeito pensa-o como duplamente dividido: entre
^ ^
interpreta ção se mostracoffiD êfStoda inadeqtraçãtTentre o sujeito e o
"

desejo. yA verdade é menos uma representação verdadeira sobre um


da

' jg
o falar e o dizer e entre o prazer e o gozo. O sofrimento decorre direta- terminado estado de coisas subjetivo (no mundo interior por exemplodeyg )e j z
mente desta divisão, não sendo, portanto, integralmente eliminável. Sua mats uma experiencia, um encontro com o dizer.
/
estratégia é reduzir o a-mais de sofrimento produzido, especialmente nos Procurando as raízes díética discursiva em Lacan, não podemos dei-
|

I
modos neurótico e psicótico de relação com o inconsciente. Encontramos xar de assinalar as ligações que este autor mantém com o Surrealismo
.
por trás desta ética, que se pretende trágica, a promessa de um novo tipo Tanto do ponto de vista biográfico (Raudinesco, 1992, 1994) quanto do
de laço social, de uma nova "erótica" e uma nova forma de relação com ponto de vista teórico ( Das Concepções Paranoicas do Estilo, 1933), a presen
-

i
a lei. A crítica que a ela se pode endereçar diz respeito ao seu caráter re-
lativista-particularizador que torna incomensuráveis, por exemplo, ética
(privada) e política (pública). Até o momento suas pretensões se referem
às de uma ética regional. Interpretar, nesta perspectiva, justifica-se a par-
tir de uma categoria problemática: o inconsciente. Certamente, as cinco
ça do Surrealismo é atestaba. A ideia de que o conhecimento possui uma
dimensão paranoica, que se preserva ainda à altura do Seminário I (1953),
provavelmente remonta a uma sugestão de Salvador Dali. No entanto,
mais do que intuições promissoras, o que o Surrealismo fornece
desligamento entre ética e moral capaz de organizar a ação discursiva
é um
J
! dimensões precedentes poderiam absorver este conceito à sua maneira,
'
-
transformando o, respectivamente, em :
1. determinação e num determinante da cultura
2. categoria histórico-antropológica
i
descolando-a da antiga questão sobre os valores e sua fundamentação.
O hiato entre o que se é e o que se deveria ser é preenchido pelo re
conhecimento do absurdo dos termos em que se coloca a questão. O Sur
realismo, de acordo com a interpretação sugerida por Figueiredo (1991)
-
-
3. ente metaf ísico-ontológico e uma estética eticisfarpropõe além de uma nova con reprâ n HP arte uma
4. categoria estética espécie de estilo de vida. Segundo uma das numerosas definições forne-
5. condição de possibilidade do consenso social cidas por Breton (1985), o Surrealismo é: "um automatismo psíquico que

A especificidade da interpretação psicanalítica decorre portanto, da moral." Trata-se de uma forma de antídoto para os problemas da vida -
so
forma de absor ção do conceito de inconsciente. Apesar das versões exa- cial e moral. Isto combina com a associação com o partido comunista
por
mmadas constituírem ao seu modo uma ética ligada à forma de conceber parte de vários dos integrantes do movimento, como Aragon, Prevet, .
etc
crde estar na linguagem, nenhuma delas pensa o estatuto do inconsciente O surrealismo contém uma pesquisa sobre um certo formato do di
álogo.
como ele mesmo de ordem ética. É o caso da psicanálise. Isto significa Um diálogo que dispensaria os interlocutores da polidez e escrupulosi-
dizer que estamos às voltas com a responsbilidade possível que um de- dade reflexiva. O bom diálogo é aquele em que se fala o que se quer, e
terminado sujeito poderia manter com relação a algo que lhe aparece de -
escuta se o que não se quer; ao contrário dos diálogos tradicionais em que ;
64

9
( i
firmar contratos. Todos estes ideais seriam tributários de uma certa cultura da culpa
se fala para dar e receber prazer ou informação ou para e são exteriores e anteriores à psicanálise. Todos eles se sustentam numa
da não disciplina
É como se estivéssemos às voltas com uma disciplina
perspectiva aristotélico kantiana, onde o fundamento ético remonta a um
verbal. Bern Supremo e à conduta adequada; e conforme a este ou acrescentemos
a associação
Breton logo percebeu as semelhanças de tal diálogo com ao reconhecimento do Mal Supremo (Hobbes) e à conduta adequada e
com Freud e
livre e com a experiência analítica em geral. Procura contatos conforme para evitá-lo. O problema maior para pensar a ética da psica-
época esboça
Jung, mas os encontros não são frutíferos. Lacan, que nessa nálise nesses termos é que as ideias de princípio do prazer por um lado e
á à s voltas com algo
sua aproximação com o hegelianismo de Kojéve, est princípio de realidade por outro são inconciliáveis com o universalismo
capaz depro-
muito parecido, uma forma de diálogo e um tipo de fala implícito na noção de Bern supremo, tendo em vista textos como Mal-
o dos sintomas
duzir efeitos de transformação tanto ao nível da remoçã Estar na Civilização, Por que a Guerra?, O Futuro de uma Ilusão, nos quais
a moralidade privada (Moralitat)
quanto de reunir em termos hegelianos transparece o pessimismo freudiano ante a possibilidade de resolução
tempo uni-
e a ética pública ( Sittlichkeit). A linguagem, por ser ao mesmo desta oposição. Ora, bem antes da psicanálise o utilitarismo de Bentham
versal (língua) e particular (fala), oferece-se como o campo privilegiado, e a teoria política de Maquiavel já haviam percebido o tom artificial dos
do coletivo
-; para realizar tal empreendimento. O esboço de uma lógica ideais agregadores e a ingenuidade que implicam o trato da coisa ética.
sobre o
l tal qual aparece no texto sobre o tempo lógico (1945) e no ensaio
mito individual do neurótico (1953), não deixa de ter como
horizonte a Lacan salientará, em resposta à dialética do prazer-realidade, o papel
Jj da pulsão de morte, destacando-se assim da posição utilitarista. Além dos
invenção de um ethos discursivo.
l No Seminário Vil o projeto de uma ética da psicanálise muda
de con- objetos parciais da satisfação pulsional e da sua eventual indisponibilida-
de, o problema é que a ação não pode ser avaliada em termos de um puro
I tornos. Uma ética puramente discursiva teria de incorporar
uma parte
ção: a teoria cálculo de custos e benef ícios, porque nem sempre o prazer se reduz ao
__ _

\z
da teoria freudiana por natureza mais refratária à esta absor benef ício e os custos à realidade. A crítica de Lacan ao utilitarismo é que tf jD
da satisfa çã o pulsional em
das pulsões. Como introduzir as vicissitudes
m
j relação a uma ética sem ao mesmo tempo perder
sexualidade? Como posteriormente alertará Foucault
o car á
(
ter
1985
subversivo
), muitas '
da
ve -
este desconhece a distin ção entre prazer, satisfação e gozo. Nem sempre o
que nos dá prazer nos traz satisfação e vice-versa. assim como nem sem- ^ j g

H : "
n ã o é jpre a dor nos traz insatisfaçãoeclesprazer.
2: zes falar sobre a sexualidade, libertá-la dos seus meandros privados
mais aprisionante . A tese de Lacan é que para além da dialética entre princípio do pra-
mais que submetê-la a um novo jugo discursivo tão ou

i
2j pulsões não se refere zer e princípio da realidade haveria o fundo que a toma possível, este
S i De fato, o modelo ético suposto a partir da teoria das
fundo é designado pela Coisa ( Das Ding ) . A Coisa se define em vários
^ à dicotomia ocultamente revelação.
ética sentidos: como o Outro absoluto, como o fora do significado e como_ o_
3z : z
Seria maisapropriado falar numa espécie de ética parasita, uma núcleo mesmo da repetição (Wiederzufinden). Trata-se de uma unidade ve-
ticas discursivas,
cujo fundamento é mostrar as fraquezas dos ideais das é
Jo|
i
cimcorrentes em termos da forma como devemos lidar com
a sexualida-
'
lada e pertencente ao regime do Real. É justamente a Coisa o que traduz
o Bem Supremo na psicanálise. A Coisa é a Mãe, o Objeto perdido e na
sexualidade singularizada . No
de Não há discurso autorizado sobre a
Sfj
o: ^
entanto, para que isto seja possível é necessário antes singularizar a
Semin
sexu
ário
- condição de perdido, a partir do qual se tecerá uma rede significante de
ocultamente. A Coisa figura, assim, como uma espécie de negatividade
alidade, historicizando-a, por exemplo. É nesse sentido que
o
os ideais fundamental que o prazer e a realidade virão a encocobrir. O que o fantas-
sobre a ética se abre com uma investida furiosa de Lacan contra ma na neurose realiza é a ocupação deste vazio com um objeto, o objeto a
os pilares da é tica da psica-
adaptacionistas dizendo o que não comporia tomado em sua identificação narcísica ao eu.
nálise, a saber:
Esta separação entre o objeto e a Coisa de fato imuniza Lacan contra
• a resignação diante da perda ou da falta do objeto (nos
termos
o argumento utilitarista, contudo, traz consigo um outro decalcamento.
de uma ética estoica) Esta separação se aproxima do que Kant propunha na Crí tica da Razão
é de
• a perspectiva do amor concluído (como postulam as ticas Prática em termos de uma separação entre o wohl (bem, no sentido do
extração romântica) que nos trazem os objetos fenoménicos de usofruto) e o Gute (Bem, no
ética
• o ideal de não dependência e autonomia (como quer a sentido de um imperativo transcendental de preservação da razão e do
transcendental-universalista de inspiração liberal ) dever (sollen, que ele implica). O perigo da posição tomada por Lacan
• o ideal do caráter adequado (como pretende uma ética disci- aqui é que ela aproxima o Gute da Coisa e o wohl do objeto a . A diferença
plinar) residiria unicamente no fato de que no caso de Kant estamos diante de j. 67
r
lização da libido. Contudo, libido não sexual simplesmente não é libido,
que no caso de Lacan se trataria de
uma positividade formal; enquanto , seria entre uma teologia positiva ou então estaríamos diante de uma contradição bastante séria em termos
uma negatividade. A diferença, a rigor trata simplesmente de negati- teóricos. Uma solução seria pleitear que a dessexualização da libido seria
, não se
e uma. teologia negativa. Portanto
var o !Bem e mostrar a pervers ão , constit utivado objeto substitutivo, mas uma passagem desta ao domínio da pulsão de morte, isto é, à condição da
relação entre objeto (prazer) e Coisa energia própria a esta pulsão: a separação ou fragmentação. Isto se choca-
de pensar justamente uma ética da ria frontalmente com as indicações iniciais da sublimação como ligada aos
ao fragmento de otimismo da teoria

_(gozo). Para fazê-lo, Lacan recorre


freudiana: a sublimação.
A sublimação se refere em termos
sexual, onde esta é derivada para um
freudianos à utilizaçã o da pulsão
novo alvo n ã o sexual e que se liga
e a inves-
objetos de interesse social e ao próprio otimismo que cerca o conceito.
É em face deste quadro de incerteza conceituai que Lacan introduzi-
rá um conceito que responda às exigências teóricas de uma "libido desse-
xualizada". Trata-se do conceito (seria mais apropriado falar em noção)
, como a atividade artística
a instâncias socialmente valorizadas a satisfação, quer no de gozo. O gozo seria uma parte da pulsão de morte que não se libidiniza,
. O alvo ( Ziel) da pulsão é sempre
o, o que está em jogo na subli-
: tigac ã o intelec tual isto é, que não se conjuga à dialética do princípio do prazer e do princí-
seu modo ativo quer no passivo. Portant outras montagens .
pio da realidade. O gozo é a energia psíquica correspondente à pulsão
ção de tipo diferente em relação a
: ma çã o é uma satisfa ao alvo, a ideali- de morte, à destrutividade desde que associada a um tipo paradoxal de
como a formação reativa, a inibi o quanto
çã
i pulsion ais.
5 o alternativa à neurose se encontra satisfação (como no masoquismo). O gozo representa, portanto, a porção
j; zação e o recalcamento. Esta satisfaçã , por Freud. Sabe-se que um .
do Real irredutível à cadeia significante: " .. o que do real padece do sig-
ó
pouco definida, em termos metapsicol gicos o conjunto de textos metap- nificante" ( Seminário VII ).
1 manuscrito relativo ao tema e que integra
ria
Clínicamente, o gozo corresponde ao que Freud chamava de ganho
£ sicológicos de 1915-1917 foi perdid o . 3
Como tomar compatível a teoria
da libido e a possibilidade da su- primário do sintoma; ganho que reponde sempre a um imperativo supe- \g
, a sublimação corresponde a um regoico. Podemos distinguir três modalidades de realização pulsional: o j°
^ blimação? Em relação à primeira tópica
desvio da libido em relação ao objeto
tomado interditado. Como distin- prazer, aquilo que se obtém ao nível da zona erógena; a satisfação, o que :£
m i ático? Simplesmente pelo tipo de se obtém pela passagem do gozo à cadeia significante e o gozo, aquilo que j0
£ : guir tal desvio do reinvestimento sintom ? Mas justamente o sintoma não
se se obtém na posição de objeto. Desta maneira, toma-se conceitualmente
2j objeto quanto à sua pertinência social na instrum en - viável falar em libido dessexualizada. Libido dessexualizada supõe a pas-
ências sociais, como
*; ajustaria perfeitamente a certas pertin contempor âneo? sagem do gozo à cadeia significante (leia-se ao nível próprio ao desejo) e
taliza ção obsessiva do trabalho no mundo
5j
fala da sublimação referindo- daí seu reenvio a uma dimensão que possua a "dignidade" da Coisa. É // yi g
No quadro da segunda tópica, Freud u
¡2 : "libido dessexualizada", perten- definição que Lacan dá da sublimação: "elevar o objeto à dignidade
se ao fato de que nela se utilizaria uma da Coisa" . Sublimar , neste sentido, é produzir, criar, reinventar mesmo -
z es sobre o assunto conduzem
cente à esfera do Ego. Ora, as duas posiçõ
satisfação pulsional em relação a a falta e a negatividade do objeto. Três exemplos são oferecidos desses
a:
a um franco paradoxo. Falar de uma
ç
da primeira teoria da libido, é referir-
oi se processos: o amor, o processo de criação e a relação com a morte.
Sf i ,um alvo n ão sexual , no quadro
é o interesse e não a libido).
_
O primeirq g££g\glo é extraído por Lacan de uma formação literá-
o; às pulsões de autoconservação (cuja energia de contraface da teoria do ria precisa: o(ãmõrcortpk As cantigas do trovadorismo português, espe-
Desta forma, a sublimação seria uma
espécie
sexual se apoiar (Anlehnung) nas pulsões cialmente as de amor e de amigo são formas acessíveis do que está em
apoio, isto é, em vez da pulsão ao questão no exemplo. Nelas, a dama é louvada à condição de sua ausên-
desta e pela sublimação retomaria
de autoconservação, ela se separaria , uma
uma alternativa à neurose cia fenoménica. O epistolário amoroso entre Abelardo e Heloísa pode ser
seu emparelhamento original. Isto seria
a pulsão de autoconservação e a situado como um precedente medieval importante desse discurso, cujo
vez que o conflito que a gera se dá entre centro é a eleva ção da dama à condição de Dama.
pulsão sexual.
de 1914 com a introdução do No caso da criação, o exemplo é tomado de Heidegger e da forma
No entanto, esta tese se altera a partir
fundamental para a esfera inte- como esse autor a concebe. No artesanato grego arcaico, por exemplo, a
narcisismo e o deslocamento do conflito
libido do eu e libido do objeto. Fi- -
| modelagem de uma ânfora supõe uma espécie de contorno do vazio cen
rior às próprias pulsões sexuais, entre ,
a ser situado entre algo sexual tral. O fundamento do vaso está justamente não naquilo que o compõe,
nalmente, a partir de 1920 o conflito volta
a pulsão de vida (que reúne a antiga
pulsão sexual e a de autoconserva- mas no que ele cerca, envolve. É a criação de um espaço de utilização cuja
ão de morte. É justamente a este condição é o seu não preenchimento. Criar, toma-se assim, em termos
ção) e algo de ordem extrassexual, a puls
ação implicaria dessexua- lacanianos, rodear A Coisa de significantes.
A ; momento que pertence a tese de que a sublim 69
V

O caso da relação com a morte, que aproxima sublimaçã


o e luto, tam- cuja serventia é meramente operatória e didática. Lacan, ao formalizar a
, e em especial a estrutura da fala, introduz a ideia de Outro como lugar simbólico de onde
bém é extraído do cenário grego.Seu modelo é a tragé
dia
é empob rece- a mensagem ganha um sentido (invertido) para o sujeito. O conceito é
de Antígona de Sófocles. De fato, a interpretação de Lacan
óficos . Con - complexo e varia de acepção ao longo da obra de Lacan; ora se aproxima
dora se tomada em termos estéticos literários e mesmo filos
o Estado da ideia de lei ora da de tesouro dos significantes, ora remete ao pró-
trariando a tradição, que localiza nesta tragédia o conflito entre
, valoriza a posi çã o heroica prio estatuto do inconsciente. Gostaríamos de propor a noção de contexto
(Creonte) e a sociedade civil (Antígona ) Lacan
de Antígona e seu desejo de celebrar os ritos f ú nebres do irm ã o Polinice . como uma determinada posição temporal e singular sob a qual o campo
princ í pio do do Outro se configura para um sujeito. Pensamos que um contexto pode
Ao enfrentar as leis da pólis, Antígona se coloca mais além do
prazer-realidade e do serviço dos bens que por ele se implicam. ser entendido como o conjunto de possíveis de uma determinada situa-
ção. Portanto, a essência de um contexto está em algo fora dele mesmo,
Arendt (1983), comentante o ideal grego de imortalidade, no qual se em algo que ele mantém irrealizado.
,
msere a gravidade do ato de Antígona se deixasse seu irmão insepulto
mostra como esse ideal é imanente à presença do espaço p ú blico , lugar Por outro lado, a noção de acontecimento se refere a um evento, a
da liberdade e da diferença entre iguais. Antígona comete a ultrapassa-
uma escolha significante efetivada pelo sujeito falante, que neste momen-
ós) to mesmo aparece como dividido (em fading ). O acontecimento traduz a
gem, o excesso (hybris) trágico, pois faz as leis do espaço familiar (oik
é
3 prevalecer sobre as do espaço público {pólis). Seria, portanto, uma tica ideia, veiculada por Lacan de palavra plena, uma palavra redescoberta
encontrar íamos na psican áli- como um fragmento perdido e equívoco da história do sujeito. O instante
do espaço privado, do estilo de vida o que
1 se? A morte, o amor e a criação se opõem aos contextos clá ssicos da ética : de concluir, assim como o ato analítico e a ideia de tichê compõem o cená-
I a imortalidade, a diferença-liberdade e o espaço público Igualmente
. os
,o
rio semântico do que chamaremos acontecimento. A explicitação rigorosa
3
contextos modernos em que se coloca a questão ética, a saber, o prazer destas noções perverteriam o sentido deste trabalho; seu uso operacional
2
serviço dos bens e o bem estar, não são os termos finais do problema
para se limitará, portanto, à dimensão ética da interpretação, uma vez que esta
é sempre uma forma de lidar e provocar mesmo uma relação entre con-
a ética da psicanálise. 5
o texto e acontecimento.
Nesses termos, o projeto de fundar um programa de transformaçã

I social a partir da psicanálise e da expansão de sua ética seria francamente


contraditório. A psicanálise possuiria uma ética regional. No entanto
justamente por este aspecto de experimenta çã o local de ordem
os psicanalistas se encontram num lugar privilegiado para exercer a
é tica

que
crí-
Se o contexto é o que ainda não aconteceu, mas que cerca e toma
possível um determinado acontecimento, podemos dizer que um contex-
to é sempre uma virtualidade. A versão mais simples para compreender
a transferência é pensá-la como a reatualização de um contexto; isto é,
2
2
s
i tica social de outras formações éticas. É claro que quando o
fazem como analistas, mas no máximo como analisantes.
fazem

O contexto local que toma possível e necessária a ética da psicanálise


, n ã oo como repetição de protótipos infantis tomando o analista como objeto
de investimento dos desejos a eles associados. Assim como o paciente
sofre essencialmente pela repetição que introduz na sigificação dada a
sua história e os seus acontecimentos cruciais, a transferência poderia

!
o dos
é a transferência. Esse contexto é organizado para além do serviç
utiliza ção ser entendida como uma significação repetidora deste sofrer. Ocorre que
bens e da regra tácita que ele impõe em termos da forma de
o e seus nestes termos a repetição não é propriamente a repetição de um aconte-
da linguagem, isto é: falar é dar e receber prazer ou informaçã
da comunica çã o. No entanto , se o cimento, mas a repetição de uma interpretação. É, portanto, em relação a
equivalentes a partir da maximizaçã o
uma interpretação recorrente que se articulam transferência e sofrimento
contexto fixar o campo da ética da psicaná lise , é preciso especificar em
ultrapassar uma psíquico. Sabe-se que é no momento em que esta interpreta ção vacila que
que termos a interpretação a ele se vincula se quisermos em geral se procura uma análise e se a inicia pelo pedido de uma nova
definição meramente negativa da ética da psicanálise.
interpretação; é o que Lacan chama de suposição de saber inerente e cons-
titutiva do contexto transferencial.
Acontecimento e contexto Uma primeira forma de considerar a transferência como contexto é
atentar para seu poder antecipatório. Todo contexto engendra uma ante-
O contexto transferencial é a condição da interpretação. Tal afirma- cipação e, portanto, uma sugestão. A forma narrativa do suspense e do
ção parece ser consenso na bibliografia analítica sobre o assunto. Os pro- romance na literatura e no cinema são exemplos de como se pode ma-
e
blemas começam quando se quer precisar os conceitos de transferência nipular esta antecipa ção de forma a obter certos efeitos precisos como a
de interpretação. Com o intuito de simplificar o tratamento do problema surpresa ou a decepção. Um comentador como Juranville (1987) chega a
70
ético envolvido na interpretação, gostaríamos de introduzir duas noções 71 |
r
notar que o que caracteriza o inconsciente é justamente um conjunto de relevantes. Uma vasta tradição psicanalítica se
orienta pela ideia de que
fenômenos e efeitos não antecipáveis. De fato, a vertente de antecipação a transferência é algo a ser interpretado
e que todas as falas do paciente,
da transferência é a vertente imaginária. A génese do conceito de imagi- por estarem endereçadas de alguma forma ao analista,
possuem sua sig-
nário em Lacan mostra como este surge da leitura de certas pesquisas da nificação pré-fixada pelo tipo de transferência
em andamento.
etologia alemã e da psicologia de Wallon, que permitem destacar o valor Assim, um incidente cotidiano infeliz se transforma
numa declaração
de certas imagens-traço na produção do comportamento. A constituição -
de ódio ao analista. Interpreta se, por
exemplo, que na verdade ele gos-
do ego é postulada por Lacan como a antecipação de uma unidade cor- taria de dizer isso, mas as vicissitudes do
inconsciente não o. permitiram.
poral a partir da imagem do semelhante. A mesma antecipação marcar á A crítica que Lacan desenvolve a essa tradiçã ,
o principalmente inglesa
a atividade da consciência como unificadora do signo, isto é, da relação e americana de psicanálise, tem como eixo
uma estrita separação entre
entre o significante e o significado. As éticas que procuram a consistência acontecimento e contexto no trato da questão transferencial
e de um de
subjetiva (como a transcendental-universalista e a de práxis positiva) se- seus temas subsidiários mais discutidos: a resist
ência. O contexto trans-
riam, portanto, éticas da antecipação, pois entendem a linguagem como ferência!é o que autoriza a interpretação, mas
esta recai sempre sobre o
~| um meio de antecipar, de forma coletivamente concordante, as relações acontecimento, daí a máxima enfatizada por
comentadores como Miller
2I -
entre significante e significado. No entanto, a eficácia, inclusive explicati (1985) de que se trata de interpretação na
transferência e não da transfe-
J j va, da primazia do contexto se vê contestada quando o que está em ques- rência. O segundo atributo da interpreta ,
ção portanto, é a sua atençã o ao
tão é o não antecipável. acontecimento significante, isto é, sua dimensão
1 O primeiro atributo que se pode esperar da interpretação, tendo em Tal acontecimento é justamente o ponto de
propriamente simbólica.
subversão de um contexto e
I vista o poder antecipatório do contexto, é justamente que ela não se con - sua abertura a um novo horizonte de significaçõ
es onde se modifica inclu-
forme a atualizar as possibilidades pré-fixadas por este. Os três exemplos sive a posição interpretante. 3
i z
*\ tratados por Lacan no seminário sobre a ética falam justamente de três Por exemplo, Freud, no contexto da interpretaçã
- o do sonho de Dora jD
situações onde a antecipação, isto é, a introdu ção de um saber antecipató com a caixinha de joias, intervém da seguinte
rio, ganha uma dimensão sintomática: a morte, o amor e a criação.Trata - forma:
j
se de realizar uma travessia ou um atravessamento do contexto transfe - "Quiçá você não saiba
que "caixinha de joias" é uma designação profe
-
rencial e não apenas de se acomodar a ele e aos possíveis que ele gera a rida para o mesmo que você aludiu, não faz
muito tempo, com a bolsi-
-, j cada momento. nha de mão: os geftitais femininos."
2
« ; Por exemplo, pensemos naquele paciente altamente psicologizado e Ao que Dora responde: "Sabia que você diria isso.
" 5
“i que inicia sua fala remetendo se ao seu "complexo de Édipo", à sua "de-
- Ao que Freud retruca: "Quer dizer que você sabia... 3
« i presão orgânica" etc. Esta fala antecipa um contexto imaginário que se sonho se toma mais claro." (p.63)
Agora o sentido do
o; propõe a ser compartilhado com o analista. Nesses termos, o manejo da
o .; transferência poderia apontar para a incompreensão dos termos utiliza- Podemos pensar que a interpretação está do lado
dos. Uma recusa à inclusão no contexto da tradução pro-
posta por Freud: caixinha de joias = genitais
u
A segunda forma de entender transferência como contexto é no-
femeninos. No entanto, a res-
posta de Dora acusa que esta equivalência é
tar que um contexto, a rigor, não é interpretável. Isto se dá uma vez completamente antecipável
no contexto transferencial. Como tal, seu
efeito é mínimo. No entanto, a
que quando interpretamos um contexto elei se torna um acontecimento
'

efetiva interpreta ção capta o ponto de contradição


induído num novo contexto. Não se pode interpretar um contexto sim - deste contexto. O acon-
tedmento ignorado até então, de que Dora sabia
plesmente porque estamos incluídos nele quando o fazemos. É o que os nha uma nova posição. Ela sabia porque
que Freud diria isso, ga-
havia pensado nisso, e se havia
fenomenólogos chamam de círculo hermenêutico. Por exemplo, quando pensado nisso antes de Freud dizê-lo, o
desejo
interpretamos a obra de Freud, nossa versão é incluída no que chamamos agora a própria Dora. É quando o contexto se suposto a Freud pertencia
propriamente de a obra de Freud.
fazia nomear: no dito "Sa-
bia que você diria isso." que Freud consegue
realocar esta fala como um
Essa descoberta é plenamente reconhedda no espaço do que chama- acontecimento que dissolve o contexto.
mos de ética desconstrutivista, que mantém no seu fulcro uma descon- A terceira forma de considerar a transferência
fiança radical com relação à ideia de um sentido original e imanente ao fere à dimensão de realidade que ela como contexto se re-
introduz. Poderíamos considerar,
texto ou à fala. Ora, essa prevenção contra a totalização do contexto, numa a partir de uma posição ontoló
gica despretensiosa,
interpretação que o abarque completamente, tem consequêndas dínicas fundamentalmente contexto compartilhado. Nisto nosque a realidade é
aproximamos da
73
tf
r
é antes de tudo urna inconsciente. Mas além do desejo, a ética em questão deve haver-se com
perspectiva da ética pragmática, onde a realidade ência de descrições. outro componente fundamental da realidade psíquica, a pulsão. Desejo
palavra cuja significação está sujeita a uma
concorr
poder como o mostram e pulsão são os dois componentes do contexto transferencial. A realida-
Concorrência que não escapa às vicissitudes do de da transferência se traduz, assim, pela consistência interna deste con-
os críticos da ideologia. texto.
integralmente
Ora, a realidade da transferência não é uma realidade
verbal, apesar de ser puramente significante . Se assim o fosse -
, seria possí Se a análise é finita, devemos supor que este contexto possa ser es-
telefone. Pelo menos vaziado quanto a sua consistência. Este esvaziamento é justamente dado
vel fazer uma análise com um computador ou pelo supor que ela é um no trabalho de interpretação. Chegamos, assim, ao terceiro atributo da
no sentido em que uma análise é terminável
, deve- se
contexto capaz de se dissolver ou que ela, no seu conjunto, possa ser to - interpretação, nas suas ligações com a transferência. Ela deve ser capaz
transferência se resolve de desconstruir o contexto que a tomou possível. Aqui aparecem as liga-
* mada como um acontecimento. A realidade da ções entre a ética da psicanálise e as éticas que chamamos de descontruti-
nos termos do real que a funda. vistas.
ência é a realidade do
No Seminário XI, Lacan afirma que "a transfer
ências desta formula-
~i inconsciente posta em ato". Há inú meras consequ As vicissitudes do contexto
ção. Uma das mais interessantes nos parece
ser a inclusão do analista na
5j lugar e função, faz
; própria ideia de inconsciente. O analista, enquanto
do discurso analítico é o
J
Vimos que a interpretação só se relaciona indiretamente com o tema
E« parte do inconsciente, e é por isso que o agente
deste objeto quer como lu- da transferência. Seria mais apropriado falar então em manejo da trans-
objeto a ( Seminário XVII ). Quer como semblante
i
Lacan é que a realidade . ferência, como procedimento que visa tomar a interpreta ção possí vel
^; gar onde se enreda a suposição de saber, a tese de análise. Tal dissolu- e eficaz, do que falar em interpretação da transferência. É interessante
s
da transferência pode ser dissolvida ao final de
uma %
j
do fantasma , o encontro daquilo que , como essa separação entre interpreta ção e transferência se encontra num
ção teria como condição a travessia dos mais antigos textos de Lacan. Em Mais Além do Princí pio da Realidade
N

do real suporta a realidade da transferência


. \J
fundamental entre (1936) ele afirma que o analista: "opera em dois registros: o da elucidação
l O fantasma pode ser definido como o articulador
<
.
determinada análise.
gozo e desejo para um determinado sujeito, numa ência permite que
intelectual, pela interpretação, e o da manobra afetiva, pela transferência"
( p.78). A oposição intelectual-afetivo será abandonada, mas o tratamento
i
da transfer
A queda do analista deste ponto geratriz
<
5I
«i
°i
«;
j
não se precise mais da situação de análise para
acontecimento e contexto na chamada análise
vado à dignidade da Coisa nos parece uma formula
designar esta perspectiva. Quando falamos
prosseguir a dialética do
intermin
çã
á vel. O objeto ele
o apropriada para
dessa dimensão própria ao
-
diferencial à interpretação e à transferência não.
O que orienta o manejo, ou a manobra da transferência, é a estratégia
de fazer acontecer análise e não apenas de garantir a manutenção e con-
sistência do contexto analítico. Durante muito tempo a bibliografia sobre
i
da perspectiva pragmática a técnica da psicanálise enfatizou, a nosso ver exageradamente, o"setting"
real, e não apenas à realidade, nos afastamos
, sob os auspícios do real, ou enquadre como condição princeps da análise. Como se a manutenção
! Q ;
e abrimos uma perigosa porta para a entrada
do velho inef ável, indizível, transcendental que justamente
teologias negativas, e em relação à qual cabe
esperar da
o
caracteriza as
psican
real a
álise um
partir da
do contrato, do número de sessões por semana, pagamento, tempo etc.
fossem garantia da realização de uma análise. Pensamos que ao propor
que o termo "técnica da psicanálise" fosse substituído pelo de "ética da
distanciamento. A estratégia de Lacan ao sistematizar . Contudo, esta psicanálise", Lacan acentua justamente que as questões de manejo da
eficaz
lógica parece ter sido uma alternativa relativamente é a da ética.
assumida transferência não poderiam prescindir de uma ética que pusesse o desejo
estratégia é de pouca valia quando a perspectiva de analista como condutor fundamental do tratamento.
de Lacan no Seminário
Retomemos deste ponto de vista à afirmação
XI: "a transferência é a realidade do inconsciente posta
em ato". No mes - Esse tipo de manejo é estritamente contextuai, pois corta, isola e pro-
direta, postula que o duz um determinado conjunto de possíveis de fala sem propriamente re-
mo seminário Lacan, respondendo a uma pergunta
. Portanto, a realidade
estatuto do inconsciente não é ontológico, mas ético ética. Isto quer di-
tificar a posição subjetiva do paciente. A única coisa que pode fazê-lo é
realidade um acontecimento interpretativo e nunca um puro contexto.
de que se trata em ato na transferência é uma
se constituir. Freud já
zer uma realidade que leva em conta o desejo para Aliás, a pura substituição de um contexto por outro, onde no fim eles
psíquica. O desejo assim acabam se reduzindo ao mesmo, é uma estratégia neurótica frequente.
se referia a isto através do conceito de realidade , no entanto, com A estratégia de simplesmente subsituir o contexto atual do paciente por
como a realidade psíquica freudiana não se confundemnesta pertence ao
a totalidade da subjetividade, mas se referem
ao que seu contexto infantil não fica atrás disso. A procura da solução para as
74
vicissitudes do sofrimento pela substituição
de contexto é o que se mostra
r entã o as patroas, cortam seus membros, arrancam seus olhos, dispõem os
corpos sobre a cama que é cuidadosamente arrumada e poderiam con-
", vou mudar de namorada" ou
em discursos do tipo: "farei uma viagem " f sico modificasse cluir: Agora está tudo limpo! O acontecimento significante, a acusação das
"devo fazer ginástica" como se a alteraçã
o do ambiente í
contextos sem interpretação é patroas é escutado como uma espécie de imperativo de gozo que desar-
o contexto. O fato é que a transposição de vora o contexto até que este seja reintroduzido pela resposta delirante .
o contexto se reinstala
ineficaz. O trágico é que depois de algum tempo
é a repetição da mesma A passagem ao ato e o acting out são os limites da transferência. A
iniciando uma série de substituições cuja marca cada momento da análise em que se coloca em jogo um atravessamento
posição subjetiva. da transferência corre-se o risco ético de incorrer numa vicissitude con-
de duas formas: o acting
As vicissitudes do contexto são basicamente textuai. A recomendação freudiana de que o momento da interpretação
discursivo, isto, é a in-
out e a passagem ao ato. Nelas, o acontecimento transferencial. O ma- deve aguardar o desenvolvimento da transferência não se refere apenas à
terpretação, entra em descompasso com o contexto .
eficácia interpretativa, mas também às suas consequências éticas Eventu-
, além da manutenção da posição
nejo da transferência implica, portanto -
dialética. Quando isto se almente, uma análise pode estacionar se em função do acomodamento do
interpretativa, a preservação da sua estrutura campo do Outro ou de analista à sua posição transferencial. O limite entre recusar esta posição
ao
i rompe, trata-se ou de uma absorção do sujeito a acentuar sua divisão. (o que inviabiliza o tratamento) e acomodar-se a ela (o que o infinitiza)
ao significan te de forma
3j uma absorção do sujeito depende do desejo de analisar e é por isso que este desejo é uma questão
e gozo, que vimos constituir o
J; Rompe-se com isso a dialética entre desejo ética e não apenas técnica.
eixo central da ética da psicanálise.
1 O acting out se define pela encenação do
acontecimento em vez de A interpretação no interior da transferência fica sujeita ao modo dia-
I por sua recordação. Ele é uma resposta dada
ao hiperfechamento do con-
da transferência: o seu
lético de apreensão. É o que Lacan acentua no texto de 1951 ( Intervenção
sobre a Transferência ). Pensar a transferência como uma dialética é supor
jL
;*
s
: texto; isto é, pelo acirramento dos três aspectos que em algum lugar deste contexto é possível isolar sua contradição estru-
interpretação e o avivamento jD
^ poder antecipatório, a impossibilidade de de Glover, comentado turante. O "engano" transferencial deve ser desconstruído internamente i„
da realidade que ele institui. É o caso do paciente
ção da Cura (1958). Após ser e não pelo apelo a uma exterioridade. Essa perspectiva aproxima a psica- :0
por Lacan no Seminário I e no Texto da Dire
w
j nálise de uma ética desconstrutivista. Uma desconstrução da suposição
um plagiário como pensava,
H

; informado por seu analista de que não era


conferir a originalidade do de saber que teria como programa revelar o fundamento de engano da
%\ uma vez que seu analista fora a uma biblioteca transferência. Aniquilar-se-ia, assim, a metafísica do sujeito suposto em
3i
M:
gj
"

de Glover faz contradizer o desejo do paciente


ão se dirige a um restaurante
que o paciente havia escrito, este sai da sess "edos outros). A intervenção
para comer miolos frescos (comer as ideias , dito no seu sintoma, com
prol da assunção do puro jogo de inter-remissões significantes. Não há
mais lugar para a interpretação, uma vez que ela se faz em toda parte, em
j
interpreta fora do contex- toda repetição (iteração seria o termo mais apropriado).
2j a realidade no sentido do senso comum. Glover Pode-se argumentar contra esta perspectiva na medida em que ela
segue estritamente o
; to dado pela transferência. A resposta do paciente ão há por que sofrer!, e assume tacitamente que a análise se desenvolveria inteiramente apesar
novo contexto oferecido: a realidade. Glover diz se expressa um desejo e
0
:N
5j
o:
- ao dizê-lo ignora que no sofrimento do paciente do analista. Caberia a este simplesmente elaborar teoricamente, isto é,
ignorar do desejo, "come fora da sessão, como o discurso do paciente ao final fala sobre nada e
uma modalidade de gozo. O paciente acata esse solução de gozo que ele apesar disso se ajusta às suas complexas divagações. É o que se poderia
ém a
a ideia" de Glover e, ao mesmo tempo, mant chamar de clínica do mutismo, onde a significação que o analista dá ao
expressa. seu próprio silêncio é á única intervenção possível diante das desespera-
- o contexto oferecido pelo
No caso do acting out , trata se de acolher das tentativas do paciente de fazer-se sujeito em sua própria fala.
ao acontecim ento. Em face da
Outro, acompanhando sua surdez quanto um novo
passagem ao ato, a situa ção é inversa, trata se- de fazer vigorar
psicose,
A alternativa imediata à clínica do mutismo faz supor que além das
inter-remissões significantes faça parte do jogo analítico uma hipótese so-
.É o caso da
contexto a partir de um acontecimento desenraizante (Calliga- bre a possibilidade de transformar o sujeito suposto da transferência num
ção significante
em que a partir deste acontecimento, desta injun
um mundo habit ável. Trata-se de um sujeito exposto; isto é, num acontecimento de desejo e de gozo que repre-
ris, 1989), o sujeito se põe a construir -
poderia servir de ante sente quem fala e não apenas de onde fala (o tipo de discurso envolvido,
acontecimento tão radical que nenhum contexto por exemplo). Uma vez que este acontecimento é simplesmente um even-
(1932 ), pode-se atestar tal
-
mão para significá lo. No caso das irmãs Papin
(as patroas) chegam a casa to, como tal, atado à sua efemeridade, trata-se de ajustar o tempo da in-

L
configuração de forma resumida. Mãe e filha terpretação ao tempo da significação do sujeito. Este ponto é justamente o
: Isto está sujo! As duas empregadas
(as irmãs Papin) matam
e apontam 77
76
V

Dora, por exemplo, 1. a arte: que fixa uma organização estética que envolve o vazio a
lugar onde se torna possível a interpretação. No caso
interpretações, partir da beleza de suas imediações;
Freud se acomoda à posição paterna, que é de onde suas
o ao Sr. K., ex- 2. a religião: que procura evitar e desmentir o próprio vazio, ne-
no sentido de fazer reconhecer em Dora o desejo em relaçã
traem seus efeitos. No entanto, é por garantir demais tal contexto
e atem- -
gando lhe existência;
poralidade que ele traz consigo, que ele deixa de fazer entrar na
análise o 3. a ciência: que procura ocupar este vazio com o saber.
ção da
desejo de Dora em relação a Sra. K. Este desejo é o ponto de nega
da transfer ên- A psicanálise seria uma quarta forma de lidar com o acontecimento
posição que Freud ocupa e fornece o acesso a outra vers ã o
ao e com a negatividade que ele implica. A única a reconhecer nesta nega-
cia. Neste ponto, seria necessário que o desejo de analisar impusesse
se ,

desejo de Pai, que faz do lado de Freud resistência à análise O


. acting out tividade simultaneamente a causa do desejo e do gozo. A interpretação,
é uma forma có mica de manter por um lado, e a transferência, por outro, são formas éticas de abordar
que perpassa a interrupção do tratamento
o contexto transferencial oferecido por Freud . Dora despede -o como se esta negatividade. O sofrimento psíquico ao qual elas se ajustam, seja o
se passa ap ós ura do sintoma (simbólico), da inibição (imaginário) ou da angústia (real), é
despede uma govemanta. É importante notar que isto
áveis. encarado não apenas como um problema, mas é como se, ao contrário
~j período em que as intervenções de Freud se tomam quase antecip
eles expressassem uma solução. A negatividade do Real não é traduzida
3< como uma falha biológica, cognitiva, social ou existencial, mas como uma
0 mal-estar na linguagem pergunta sobre o acontecimento. Um sintoma, por exemplo, realiza um
i desejo, não apenas no sentido em que o satisfaz, mas também no sentido
i A dialética entre acontecimento e contexto é um modo de
conside - em que ele se encena, se representa, se diz numa questão. Mas que ou-
a
rar o meio ambiente no qual se desenvolve uma an álise. Obtivemos -
as tra relação com o inconsciente se poderia esperar além desta? Se a ética jg
uma esp é cie de da psicanálise se dirige à produ ção de uma subjetividade expurgada do
4 ; sim uma representação da análise onde ela aparece como ;Q
expressivas, inconsciente, límpida, adequada e transparente a si mesma, como preten-
jogo, de exercício de invenção não apenas de novas formas j*
mas de uma relação com a palavra onde o sujeito se encontra
sucessiva- de uma ética da práxis positiva se tratar simplesmente da erradicação do !
i5 i
mente com o excluído que o produziu. Esta produ
do que estava excluído, caracteriza o sujeito psicológico
çã o subjetiva
em quest
, a partir
ão como
mal-estar na linguagem, o que nos tomaria normais com certeza, mas que
nos destituiria do poder indagativo imanente a este mal-estar.
:%
^

um ser marcado radicalmente pelo acontecimento. Acontecimento


para Se olhamos na dfreção oposta e pensamos o analista como o agente <

5
o qual ele parece sempre insuficientemente capaz de absorv
contextualizá-lo com o uso da linguagem. A angústia talvez seja a melhor
-
ê lo ou de de um saber transcendental-universalisante, do qual ele se faz funcioná-
rio, diríamos que se trata de tradução do acontecimento. Estaríamos dian-
=
5
j .
forma de falar deste acontecimento em estado puro.
Isto que pede significantização ou que do Real padece do significan-
simbólico
te da tradução de um contexto atual, intencional e de temá tica variada,
fornecido pela associação livre, para um outro contexto, infantil, sexual e
te, expõe a psicanálise aos riscos da teologia negativa e ao modo desejante. Contudo, uma tradução de contexto a contexto perde de vista
0
ts i , é, a prolifera çã o indefinida de a dimensão do acontecimento. Podemos argumentar que contra a tese da
gj (Eco, 1991) que a esta pode se conjugar isto
uj uma nova significação que estará sempre mais além da esperada . Eco , de- traduçã o pesa o fato de que ela aposta na ideia de que a solução do sofri-
fine modo simbólico como uma forma interpretativa onde: os í
" s mbolos mento psíquico é uma questão de acesso ao saber, quando justamente é
( semeia) o excesso de saber o que o caracteriza, especialmente no caso do sintoma
não podem ser completamente interpretados nem como signos
nem como alegoria. São símbolos autênticos porque são plurí
vocos, car- e da inibição.
regados de alusões, inexauríveis".(p. 219). Neste sentido, o Real
enquanto O saber infantil, desejante e sexual, poderia assim realizar uma es-
de se incluir completamente no pécie de contexto definitivo capaz de absorver a totalidade dos aconte-
negatividade de sentido ou o impossível
campo da significação não deve confundir-se com o inef á vel. O centro cimentos. À ética pragmá tica podemos dirigir o mesmo argumento, pro-
e nas
da ética não está nessa negatividade, mas no que lhe dá contorno duzir uma descrição eficaz, consensualmente estabelecida e socialmente
encontra o
fornas de abord á-lo. Isto que Lacan chamou de Real, onde se aprovada do acontecimento não é mais do que introduzir um contexto de
campo da Coisa, do trauma, do estranho (unheimlich), responde por uma saber capaz de amparar o sujeito contra o acontecimento.
parte significativa do que diz respeito à ética da psicanálise.
Lacan fala A dimensão ética da interpretação não se d á pelo saber que ela
em três formas de dar contorno a esta negatividade produzida pelo puro eventualmente produz, mas pelo encontro que ela provoca. Encontro

78
acontecimento: que se pode localizar na reviravolta introduzida pelo acontecimento em
wm
I

temporalidade infinita do con- que uma análise começa (como o mostra o materna da transferência); no
relação ao contexto. Pela substituição da entanto, o que caracteriza esta inclusão como uma análise é justamente o
texto, pela efemeridade do acontecimento -
. Pode se dizer que a ética da
aspecto problemá tico com que se realiza.
ória do contexto, reduzir
psicanálise visa reduzir a velocidade antecipat ele se toma previsível Supomos que a angústia revela a primazia do acontecimento e que
a previsibilidade do outro. Se é como objeto
que
causa da questã o e do desejo que o sintoma aponta para a primazia do contexto. Nossa hipótese quanto à
e gozável, é como Coisa que ele se faz inibição é que ela faz opor, e não contradizer, acontecimento e contexto.
ela implica. Uma inibição como a que faz deter a histérica diante do olhar do outro ou
como a fixação de
Um sintoma, neste sentido, pode ser entendido da criança diante da escolarização pode ser entendida como uma forma
vel pulsional e de um possível
um certo possível desejante, de outro possí de garantir um acontecimento. A fobia, quadro clínico bastante associado
que encontramos em
identificatório. Isto se liga às formas fundamentais à inibição, caracteriza-se por um desejo prevenido. Um desejo constituído
isso entre desejo
Freud quanto a sua definição; isto é, como um comprom e como a rea- na estrita separação entre acontecimento e contexto. É por isso que o obje-
e defesa, como a regressão a um ponto de fixa
ção pulsional
ao objeto . Um sintoma é sempre a to f óbico parece imune às variações contextuais. Entre a posição subjetiva i
lizaçã o de uma identificação narc ísica
áveis nestes termos. É por e o contexto se interpõe um eu reduzido à condição de objeto. O corpo
-l;
.
fixação de um contexto cujas arestas são delimit
_ aptidão contextuai que o sintoma é sempre
sua
coletiviza
ligada
dor. Ele é o ethos
. Ao contrá rio
como objeto e não como Coisa é o que falta ao Outro para constituí-lo
como um contexto fechado. A interpretação entra neste ponto como uma
discursivo ao qual a vida de um sujeito se encontra
j i
do fantasma que se caracteriza sempre pelo solipsism
o silencioso -
, o sinto separação entre o acontecimento como uma redução ao corpo e o aconte -
I ma coordena a abordagem e a relação com outros
ethos discursivos. cimento como um fato puramente significante.
que atendemos Um ajuste de contas ético entre a condição do sofrimento e o estatuto
l É o que pudemos presenciar com relação a um caso
durante o estágio de um curso de psicologia
que padecia há mais de trinta anos de uma dor
. Tratava - se de uma seríhora
de dente inexplicável
,
. dente que doía havia
da interpretação que lhe é endereçada suporá, em todos os casos, inibição,
sintoma ou angústia a invenção de um novo contexto e a valorização da
irredutibilidade do acontecimento a este contexto. É só no intervalo desta
1l
„; do ponto de vista odontológico e neurológico O , separação que se poderá prosseguir a dialética de que se trata manter. Isto „
ção quando a paciente ;
í | sido extraído na ocasião de sua primeira menstrua parte do corpo, um significa reconhecer o mal-estar na linguagem como a condição básica da
tinha treze anos. Na verdade, a dor se referia a uma
^ :
dente, que simplesmente não existia mais. Ele n
ão podia doer simples - ética psicanalítica.
<
3 por isso vinha diante de
5 ; mente porque não estava lá. Mas doía, e movida a crer numa conversão. I
um psicólogo a exigir uma solução. Tudo levava Referências 5
mais do que uma for-
No entanto, esse sintoma rapidamente se mostrou
j ma de padecimento a ser erradicada pelo exercício
de um saber.
Esta paciente fazia a totalidade de suas relaçõ girar ,
es em tomo desse ARENT, H. A Condição Humana. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
l deste tema vinculava-
. contexto sintomático. Abordava pessoas a partir ção por insti- BRETON, A. Manifestos do Surrealismo. São Paulo: Brasiliense,1985.
se a uma religião em função dele, mantinha uma peregrina
H

o:
ógica onde a falta de CALLIGARIS, C. Introdução a uma Clí nica Diferencial das Psicoses. 2.ed. São
tuições médicas, odontológicas e finalmente psicol
saber sobre a causa desse sofrimento era um verdadeir
o estilo de sociali- Paulo: Zagodoni, 2013.
fundame ntal para
zação. Tratava-se de um ethos discursivo, um pretexto ECO, U. Semiótica e Filosofia da Linguagem.São Paulo: Ática, 1991.
falar e uma rede de interpretações para assuntos
dos mais variados, como
. Um sintoma é tão
a profissão, as relações amorosas, a vida e a morte FOUCAULT, M. História da Sexualidade. A Vontade de Saber (vol. 1). Rio de
ção quanto maior
mais problemá tico do ponto de vista de sua desconstru Janeiro: Graal, 1985.
desnecess ário quando um
a sua capacidade contextuai. Ele só se toma FREUD, S. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: Sigmund Freud. Obra Com-
usufruir da linguagem
ethos alternativo está disponível e quando se pode pleta. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
de modo a situar o acontecimento em outra parte
. O grande prejuízo ético
num significante
introduzido por discursos que enraizam o sofrimento , (1905). Fragmentos da Análise de um Caso de Histeria - O Caso
reforçam o contex-
como: alcólatra, drogadito, homosexual, etc. é que eles Dora. In: Sigmund Freud. Obra Completa. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
às suas determinações
to sintomático, mantendo o acontecimento atado
contextuais. É pela inclusão de um significante ao contexto sintomático GELLNER, E. O Movimento Psicanalítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1985. 81

"
80
LACAN, J. O Seminário, livros:
. VII - A Ética da Psicanálise.
A Lógica da Interpretação
. XI - Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise.
. O Problema do Estilo e a Concepção Psiquiátrica das Formas Pa-
ranoicas da Experiência (1933).
, Motivos do Crime Paranoico: o Crime das Irmãs Papin (1933).
. In: Da Psicose Paranoica e suas Relações com a Personalidade. Rio de
* Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
. O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza Antecipada (1944).
Intervenção sobre a Transferência (1951).
<
< Mais Além do Princípio da Realidade (1936).
% . In: Escritos. Barcelona: Siglo XXI, 1988.
g
PH . O Mito Individual do Neurótico (1953). O uponhamos que considerar a interpretação a partir da lógica implique
. In: Jacques Lacan - Intervenciones e Textos. Buenos Aires: Manan- C/ uma tomada de posição acerca do que vem a ser um tratamento analí-
fiai, 1985. -
tico. Signifique pensá lo como envolvendo uma espécie de demonstração.
Assim, cada interpreta ção se reenviaria de alguma forma ao que a teoria
MAINGUENAU, D. Pragmatique pour te Discours Littéraire. Paris: Dunod,
l
t
1990.
prescreve para a generalidade da estrutura clínica. Num outro nível, cada
interpreta ção se articularia à premissa que a torna possível, e o conjunto
dessas premissas se articularia num axioma que a an álise visaria cons-
5 MILLER, J.A. Percurso de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
truir na forma singular junto a um sujeito específico. Admite-se, ainda,
£ ROUDINESCO, E. História da Psicanálise na França. Rio de Janeiro: Jorge que tal demonstraçã o possua efeitos terapêuticos. Seguindo adiante nesta
1 Zahar, 1992. suposição, veríamos que cada interpreta ção apareceria justificada como
um teorema que pode ser provado à luz desse axioma particular.
í
CJ . Jacques Lacan - Esboço de uma Vida, História de um Sistema de Pensa-
o mento . São Paulo: Companhia das Letras, 1994. Nosso objetivo é constatar a pertinência em se considerar a inter-
w :
pretação à luz de uma teoria da prova e de que forma ela se ajusta ou se
distancia do esquema hipotético proposto. Iremos nos manter no campo
U
da lógica aristotélica até mesmo para verificar a necessidade da utilização
de lógicas não clássicas na teorizaçã o da interpretação.
Algumas diferenças se colocam quando o sistema referencial discur-
sivo, no qual a demonstração se realiza, é o discurso analítico. Em pri-
meiro lugar, as condições tradicionais em que se considera uma teoria da
prova não se ajustam, isto é, os critérios de verdade, a ontologia e a teoria
dos raciocínios ou juízos envolvidos não parecem corresponder às exigi-
das pela psicanálise. Em segundo lugar, o agente desta demonstração não
é o analista, que teria neste caso a posição de mestre. Por outro lado, seria
artificial atribuir este lugar ao analisante. Dizemos com isso que o agente
da interpreta ção em psicanálise não é nem o sujeito universal e necessário
da ciência e da filosofia nem o sujeito psicológico. A apreensão em termos
lógicos do papel que a interpreta ção exerce no tratamento implica con-
82
r

siderar qual o lugar que a ontologia, a verdade


e a teoria dos raciocínios
a solução dos problemas em questão. Resumindo: ou assumimos critica -
mente um compromisso ontológico (mesmo que seja com a linguagem
ocupam no espaço do discurso analítico. como realidade) ou nos tomamos estudiosos da lógica sem podermos
da prova .de que se
Essas categorias estruturam a mais antiga teoria mais retomar à sua eventual relação com a psicanálise. Neste último caso,
eficácia da teoria da prova
tem notícia: a de Aristó teles. Aconfirmação da o papel da lógica seria o de formalizar numa linguagem menos ambígua
aristotélica foi mostrada pela sua capacidade
de explicar a consistência e mais purificada o que de alguma forma já sabemos.
interna da geometria de Euclides. Atrav
és dela realizou-se pela primei-
ática, que se preservou O que sempre caracterizou a tradição ocidental quanto à lógica, e
ra vez uma associação entre a lógica e a matem que explica boa parte do fascínio que ela exerce, é a possibilidade que ela
forma , até nossos dias. A
no pensamento moderno e perdura, de certa
diretamente à ca- nos oferece de nos elevar à esfera do necessá rio. O conhecimento logi-
perfeição e consistência de um modelo lógico responde do campo da arit- camente justificado responde às exigências que os gregos faziam para o
pacidade que este modelo possui de absorver impasses tipo de conhecimento visado nos primórdios da filosofia: a epistemê; isto j
, é formalizar logicamente
mética e da geometria. Uma coisa, no entanto é, um conhecimento eterno, universal, absoluto, não contraditório, mas
sua coerência interna, outra
uma rede de conceitos de forma a demonstrar fundamentalmente regido pela necessidade interna com que se impunha.
referência) um ajuste à co-
-
<j
: bem diferente é requerer da realidade (ou da
erência expressada teoricamente. Assim, podemos
compreender porque
tico se vê obrigado a revisar
Tal conhecimento se toma possível no quadro de uma sociedade que se
organiza política e juridicamente a partir de um principio, o que os gre-
ji Lacan ao pensar a lógica do tratamento analí gos do século IV a.C. chamavam de logon didonai; isto é, a suficiência e
tempo introduzir
categorias clássicas da teoria da prova e ao mesmo
1 uma geometria que pudesse lhe servir como suporte
: a topologia . a necessidade da razão para prestar contas dos atos humanos. O prin-
cípio justificador surge, no entanto, absorvendo a tradição jurídica que j „
I Pode-se argumentar que a lógica moderna se
desligou de qualquer
lhe antecedia. A ideia de necessidade é um exemplo disso. Uma de suas jz
3
cenário filosófico que lhe deu
I compromisso ontológico, destacando-se do conotações mais importantes encontramos na palavra anankê. Supõe-se jQ
formal (a linguagem
^ origem para se constituir em discurso puramente que originalmente a anankê pertencia ao vocabulário jurídico e se referia ja I
e coerência que inde-
„I artificial) com suas próprias regras de consistência à necessidade, no sentido de obrigação legal, de receber uma herança, de
íj
il :i
pendem de qualquer relação com a realidade
sarnento posterior ao neopositivismo, como o que
ou com a intuição. No pern-
podemos reconhecer
independência da lógica
não recusá-la. Assim, a necessidade se liga a algo que foi, deve ser e será
e, que de certa forma independe do sujeito. O conhecimento, logicamente
^
\
!%

5 em Granger (1966). Costumamos encontrar esta


como um ponto de honra; garantia de um conhecim
impasses da "linguagem natural" e
ento purificado dos justificado, toma-se assim uma forma de contornar o tempo.
O que se formaliza logicamente é o não temporal, o que resiste ao !
j «
ência" e "mundos pos- -
devir e à transformação e em função disso pode explicá la. Neste sentido, ;u

! o j
.
Fala-se então em "seres de linguagem", exist
síveis", sem que em nenhum caso tais figuras
templem uma relação com o Ser ou uma hipótese
"
lógico-matemáticas con-
sobre ele. Confunde se-
diz-se, no interior da teoria dos silogismos, por exemplo, que dadas deter-
minadas premissas, a conclusão (se o raciocínio é conclusivo) é necessá-
ria. O problema é que se o raciocínio não for conclusivo, ou se ele conduz
ontologia com um vago empirismo ou uma
ultrapassada relação entre
- a uma contradição, ele nã o é propriamente um raciocínio, ele não é pen-
I palavras e coisas ou ainda se toma o tema da
com algum tipo de idealismo que ainda não compreen
ontologia confundindo o
deu o poder cons-
ntal. A pretexto de
samento, ele é não Ser. É por isso, como afirma Lacan, que a lógica nunca
deixou de evoluir a partir de um núcleo de paradoxos. O ideal logicista
titutivo da linguagem e sua autorreferência fundame tem por horizonte mostrar que o paradoxo nasce apenas da insuficiência
descarte das considerações éticas ou estéticas o
logicismo reconhece com
identifica Ser e lingua- do sujeito em se apropiar da racionalidade.
dificuldade sua implanta ção numa ontologia que Ora, é justamente na expressão do paradoxo que se constitui algo
a explicitação de tal
gem. Nossa posição, em função disso, é de buscar de propriamente fundamental para a psicanálise. O paradoxo, nos seus
ções para a lógica.
ontologia, no caso da psicanálise, e de suas implica diversos sentidos, isto é, como absurdo, como não senso ou como contra -
entre realismo ou
Não pretendemos com isso retomar à oposição dição, exprime a condição a que está submetido o ser falante a partir da
ção da linguagem à sua
nominalismo, mas apenas salientar que a redu hipótese do inconsciente. Os atributos que Freud postula para descrever
da semântica (ou de uma
sintaxe lógica, com o franco desconhecimento o inconsciente, em relação ao sujeito por ele afetado (e não em sua con-
ã o de certas questões da
teoria da consciência ), toma impossível a apreens sistência teórica), são a ausência de contradição, de negação e de tempo-
problemas de um e outro
psicanálise a não ser pela analogia entre certos ralidade. Tais atributos, a princípio, inviabilizariam a apreensão lógica
a psicanálise e qual-
campo. Ora, analogias podem ser encontradas entre de tal hipótese. No entanto, a descoberta de alguns entes matemáticos
qualquer avanço para
1 quer outro campo teórico sem que com isso se logre 85
f

ão euclidianas, todas as mulheres. Lacan assume o paradoxo da antropologia ficcional


e geométricos, no início de nosso século (as geometrias n de Freud que exige que a lei para se constituir precise da própria lei e dá
modelos lógicos mais
por exemplo), deu impulso ao desenvolvimento de , interessa-se contornos lógicos a este paradoxo.
tolerantes à assimilação de paradoxos. Lacan, ao seu modo
que no
por esta possibilidade aberta na esfera lógica. Nossa hipótese é Na posição feminina há uma contradição constitutiva de outra or-
centro dos desenvolvimentos lógicos de Lacan se encontra uma substitui
, pelo
- dem. De um lado, temos a proposição de que não há nenhuma mulher
que escape à castração, o que se justifica freudianamente pelo apelo ao
ção do axioma da necessidade, derivado da ontologia parmenidiana
axioma do impossível. nível anatômico. A proposição que toma a primeira um paradoxo é que
Seguindo uma trilha semelhante, Gueller (1995) realizou um exame a mulher, por não se constituir em relação à figura mítica do incastrado,
de certos aspectos da teoria psicanalítica (o tempo, a escolha da neuro- estaria Não Toda submetida à função fálica da castração. O que se obtém
se, a pulsão) mostrando que há a necessidade de uma espécie de revi- ao final é uma incomensurabilidade entre a posi ção masculina e a posição
são ontológica da psicanálise de modo a que esta incorpore a noção
de feminina, o que leva ao aforismo de que não há relação sexual .
contingência ou de acaso radical. Apoiada em certos desenvolvimentos A rigor, o conjunto de quatro proposições que compõe as fórmulas
da
contemporâneos da f ísica, na filosofia trágica de Rosset e na leitura da sexuação é o produto de um longo embate de Lacan com a lógica aris-
5i -
pulsão de morte sugerida por Garcia Roza, a autora convida-nos a re- totélica. Tal referência aparece desde o Seminá rio sobre a identificação e
ência calcada no axioma da necessidade . A se reveza com as demonstrações topológicas até os últimos momentos de
j | considerar a ontologia da ci
S; forma exemplar deste axioma seria encontrada em Laplace e corresponde seu ensino. A referência à Aristóteles de que estamos falando aqui passa
i à ideia de que se pudermos descrever com absoluta precisão o passado por uma simplificação das premissas da lógica realizada por Apuleio no
2i
( de um sistema, poderemos deduzir com igual precisão e necessariamente século III d .C. Esta simplificação representa os tipos e modos de juízos
§
o estado deste sistema no presente e no futuro. Argumentando simulta
- possíveis.
*i neamente no plano da filosofia e no da teoria da ciência, ela mostra que s
çã o
há certos sistemas (da mecânica quântica por um lado, e a determina J
da neurose por outro) onde este ideal deve se submeter à presen ç a de
i: g
umà contingência originária. Se a contingência se mostra uma alternativa A E
Z\ Contrariedade 5
veio
. no terreno da teoria freudiana, pensamos que é a impossibilidade o Universal afirmativa Universal negativa
central mais apropriado para pensar a revisão em questão no quadro da
<
~\
i teoria de Lacan.
Se o inconsciente e a pulsão são impossíveis de serem pensados, se
S u
§
<
«: são exteriores ao pensamento, como abordar este impossível? Nossa
hi -
;
,
pótese é que Lacan o faz a partir de três níveis distintos: o sexo o sentido
0
Particular afirmativa
5.; e a significação. Subcontrariedade
Particular negativa
I O

A sexuação Figura 1. Quadrado das oposições. Fonte: Drago (2008).

O impossível quanto ao sexo foi elaborado por Lacan a partir do


Seminário XX através das chamadas f órmulas quânticas da sexuação. O
problema em questão é a releitura da incidência diferencial da castração
Nas diagonais deste quadrado encontramos as relações de contra
dição; nas colunas, proposições subalternas e nas linhas, relações entre
-
no homem e na mulher, problema para o qual as teses freudianas não nos
levam de fato a uma conclusão. A posição masculina se funda logicamen-
contrários (linha superior) e subcontrários (linha inferior). O quadrado
da de Apuleio na verdade expressa uma junção entre a lógica de predica-
te na seguinte contradição: para todo homem vigora a função f álica
" se constitua dos, que trata da universalidade e da existência (particular) com a lógica
castração. Ao mesmo tempo, para que este campo homens
"
é necessário um elemento que pertença a este conjunto de forma parado- modal, que aborda as proposições a partir de sua necessidade, sua possi-
xal, pois é o "ao menos um" que escapa à função f álica da castração. Este bilidade, contingência e impossibilidade. O quadrado é utilizado para de-
"ao menos um" pode ser representado pela figura freudiana, postulada
signar sucessivamente as relações entre o pensamento e a existência (Se-
minário XIV ), entre saber e verdade ( Seminário XV ), entre a transferência e
86 em Totem e Tabu, do Urvater, o pai da horda primitiva, que teria acesso a 87
r
na abor
a repetição ( Seminário XVT) e aparece de uma forma simplificada direita para a esquerda, assumindo o semblante de gênero "mulher", -
ve
dagem do problema da sexuação. A questã o em todos os casos remonta remos que a relação entre a castração [S (A)] e o gozo feminino da mulher
e a sua
a uma certa incoordenação entre o aspecto universal da castração que não existe [ La ] , o gozo suplementar, o gozo infinito, interpõe-
se na
existência num sujeito particular. Ora, o tratamento dado por Aristóteles relação com o falo. O homem é uma devastação para a mulher.
associa o nível ontológico à esfera da necessidade: o Ser necessariamente Lacan abordou este problema da disparidade entre infinitos, no -
in
é. No caso dos aspectos considerados pela psicanálise, o Ser justamente se terior da sexualidade, recorrendo a duas teorias diferentes. O
gozo fálico,
associa ao impossível, O Real é o que não cessa de não se inscrever, o Real comum a homens e mulheres, estaria organizado ao modo de uma é
s rie,
não é, ou ele é impossível de ser. no interior da qual se procura um elemento comum. Uma sé
rie quer di-
Situemos agora o quadrado de Apuleio acrescentando a ele os enun- zer que conhecemos sua regra de formação, e pensamos o
infinito pela
ciados de Lacan quanto à sexuação, aplicando os quantificadores de Frege: indeterminação de seu ultimo termo, por exemplo, a série dos números
naturais N = {1,2,3... n) . O gozo feminino, ou gozo Outro, não se
organiza
desta maneira, mas ao modo de uma "lista" com elementos que podem
.
Vx ® x 3x . ®x ser escolhidos aqui e ali, mas cuja regra de formação deverá
ser estabe-
O que se diz: "Todo homem" O que se diz ... "Não existe uma" lecida depois, se é que ele pode ser descrito. Isso pode ser ilustrado
3 O que se esquece: O universal negado O que se esquece: "A mulher não conjunto dos números Reais, que englobam não só os números
pelo
pela existência existe"
e os fracionários, positivos e negativos, mas também todos
inteiros
i -
O que se entende: "Para todo- O que se entende: "Nenhuma os números
irracionais, por exemplo, R {0, 0.333.., 0.7,1, Pi... n}. Os números Reais n
homem" mulher" ão
possuem uma regra de formação, mas intercalam elementos
i Proposição: Universal Afirmativa
Modalidade: Necessário
Proposiçã o: Universal Negativa
Modalidade: Impossível priedades não se reduzem às de outros conjuntos. Tipicamente,
cujas pro- i *
o proble- i*
Escrita: não cessa de se escrever Escrita: não cessa de não se escrever ma do gozo f álico é que ele é formado por uma intersecção, por
exemplo, iQ
entre conjuntos abertos, produzindo o que se chama de infinito
.
3 x <Dx Vx . Ox ou infinito enumerável, desde que se introduza no próprio
contável j g
Oque se diz: "Existe ao menos um ho- O que se diz: "Não-toda mulher" conjunto os jJ

I O que se esquece: "N ão há relação seus pontos limites (teorema de Bolzano-Weierstrass). O gozo
mem"
não se faz por interseção, nras pela reunião de familias de
feminino °
O que se esquece: "Exceção de um" sexual" conjuntos aber-
O que se entende: "Existe algum ho- O que se entende: "Uma parte da tos, com o qual se aborda finitamente a infinitude. Neste caso n
mem" mulher" cluem os pontos limites na série. Com uma lista finita pode-se recobrir -
ão, se in
o Is
i
Proposição: Particular Afirmativa Proposição: Particular Negativa infinito. Esta reunião de abertos em estrutura de lista corresponde a
Modalidade: Possível Modalidade: Contigente um
segundo tipo de infinito (teorema de Heine-Borel-Lesbegue).
Escrita: cessa de se escrever Escrita: cessa de não se escrever
Ocorre que as mulheres possuiriam, de modo contingente, dois
zos: o fálico (como o dos homens) e o específicamente feminino go-
i Outro). O inconveniente, segundo Lacan é que este segundo
(gozo
i0 .
Finalmente, incorporemos a teoria da fantasia e das estruturas pa- infinito só
pode exprimir-se, em termos de linguagem, constrangendo-se às
u ; reando-as com os semblantes de gênero: "lado homem" e com o "lado regras
impostas pela lógica da série. Isso levou Geneviève Morel - uma
mulher". sa da teoria lacaniana da sexuação - a afirmar que os homens
estudio -
dependem
de uma fantasia para gozar, ao passo que na sexualidade
Lado Mulher
feminina, a fan-
Lado Homem tasia é sempre um tanto incompleta, inacabada ou manca. As
mulheres,
que não podem formar um conjunto unitário, pelos motivos
8- * antes exami-
nados, encontram sua modalidade preferencial de inscrição discursiva
da
<- sexualidade no mito. Narrativas como a de Don Juan são compreensíveis
<D LA
^ S (A ) como um mito, ou seja, uma articulação lógica entre inúmeras fantasias
Entre gozo fálico (enumerável) e gozo feminino (não enumerável) nã .
o
Onde se lê que nos colocando como semblante ou dêixico de homem, há continuidade, mas ausência de relação previsível.
Por exemplo, se en-
colocamo-nos como sujeito para uma mulher que nos é tomada no fantas- contrarmos o número "3" podemos tomá-lo como elemento da série dos
ma. Ela será então um sintoma para o homem, pois será tomada a partir Números Naturais ou elemento da lista dos Reais. É apenas
uma contin-
do gozo fálico, o gozo parcial, o gozo de órgão. Contudo, se lermos da gência que ele pertença a ambos .
88 89
r
Três aspectos da filosofia de Aristóteles são destacad os: a
0 sentido causas (inclusive a Tiche e Automaton), a teoria do sujeito como teoria das
non e a lógica. Se aceitarmos esta hipótese de que o dizer como hipokeime-
se dá na or-
O segundo nível de tratamento dado à impossibilidade
conceito em
camada Lacan procede de uma interlocução com Aristóteles e
como uma levarmos em conta
dem do sentido. O sentido ( sense ) pode ser definido sua importancia para a própria definição de verdade, é justo
. O dizer é o que supor que o
da linguagem onde se dá o que Lacan chama de dizer dizer diz respeito à reformulação da teoria da verdade a
reveza- que Lacan deve
funciona no nível do discurso e não da fala. O dizer aparece
no
sentido se submeter se pretende rever a teoria da prova e da
mento ou na tradução de um discurso a outro. O inconsciente
, no
dizer se relaciona, nestes termos, ao tema da verdade
demonstrabilidade. O
forma çõ es discursivas propostas enquanto não totali-
da antropologia estruturalista ou das zável. Mas o que teria runa análise a demonstrar sobre isso?
com aquele no qual Lacan A afirmação de
por Foucault, pertence a um nível parecido Lacan é clara: há uma impossibilidade de dizer o verdadeiro
de Kant acerca sobre o .
, postula o dizer. Assim, por exemplo, quando o discurso
, conexão realizada Encontramos novamente o tema do impossível. O Ser não tem sentidoreal que
da ética é traduzido ou conectado ao discurso de Sade possa ser traduzido integralmente em termos de verdade
e Adorno, ontológica.
não apenas por Lacan, mas também por autores como Foucault A análise demonstraria esta impossibilidade sendo
ção que se
: há um efeito de sentido que apaga e transforma toda a significa como uma espécie de queda de sentido, ou queda de discurso considerada
2
5: realizava antes desta tradução. .
uma análise, o sujeito está às voltas não com a impossibilidade Antes de
letra perma- , mas com
No entanto, o dizer de Kant permanece o mesmo; sua
<
a impotência de dizê-lo. Quando uma comentadora
o de signifi- como Soller (1994)
! nece guardando o sentido do dizer até que uma nova extraçã
cação produza, sob um novo giro discursivo, um novo conjunto
de ditos. -
afirma que o significado do dizer é a ex sistência, sua preocupa
trar a disjunção entre o nível da verdade e do sujeito com -
ção é mos i^
I Em termos de teoria da interpretação, esta possibilidade
infinita de tra-
do dizer e da ex-sistência. Disjunção tomada por Lacan
relação ao nível j g

dução implica que se considere a inexistência de uma esp


écie de "sentido para especificar o : g
final de uma análise como momento de disjunção entre
*: o
original"; o texto permanece aberto à extração de significaçã justamente
saber e verdade. jD
. Trata-se de O impossível a demonstrar quanto ao dizer toca clí
porque ele não possui um sentido, mas simplesmente sentido , e quan- da demanda. A demanda é um conceito que em
nicamente o nível ig
2 uma espécie de balança, quanto mais significação menos sentido Lacan traduz uma parte ;0
=
t to menos significação mais sentido. Desta maneira
como o impossível de ser reduzido à significa çã o.
, o sentido se define
da teoria freudiana das pulsões. A demanda é re
-petição (um pedido que j z
se repete) de um signo dg amor (Juranvile, 1984). Esta
demanda é o que !z
2 faz suplência, isto é, não o que complementa mas o
da revisão da que vem a mais, em
£ O nível do dizer corresponde a uma parte importante relação à impossibilidade da relação sexual. A disparidade i£
ção consi- entre o mas-
noção de demonstração empreendida por Lacan. A demonstra culino e o feminino de que tratamos acima é acrescida ou
j*

!I <:
«;
derada como o exercício de certo número de regras a partir

demonstrado com a realidade, seja ela tomada em qualquer


de axiomas,

acep
que permite separar a verdade no sentido lógico, como legitimidadeção,
á sendo
postulados e teoremas não se interessa pela relação do que est ção. É o
da
num arremedo que é a dimensão amorosa. Quanto a este
salienta seu pessimismo em relação à conclusão do drama
minário VII ) e o impasse que isto pode representar
( Seminário VIII ). A novidade da "virada" l
suplementada
aspecto, Lacan
amoroso (Se-
para a transferência
iu

, como adequa ógica é pensar a demanda como


cj i forma de raciocínio, da verdade no sentido ontológico estruturada a partir da lógica modal e a função fálica, na qual se
correspondência ou pragmática entre o mundo e o que se está dizendo inclui o
verdade reú-
desejo, como estruturada a partir da lógica proposicional.
aristoté lica de
pela demonstração. Por exemplo, a definiçã o
A demanda na neurose, por exemplo, faz
ne estes dois aspectos: emparceirar o impossível
ao contingente e o possível ao necessário (L'Etourdit .
) Desta forma, La-
, que é, e do que não é que não é, isto é a verdade. can transforma os dois aspectos que tomam o
"Dizer do que é incesto impossível, e não
é o erro."
apenas proibido, em uma ficção. O primeiro aspecto do
Dizer do que é, que não é, e do que não é, que é, isto emparceiramento
da demanda transforma a impossibilidade da exist
ência do objeto numa
com contingência; isto é, o desencontro em relação ao objeto é
Suponhamos que o termo dizer da definição acima se relaciona fruto de um acaso infeliz. A fantasia de castração, por
recebido como
arbitr á ria se
o conceito lacaniano de dizer. A suposição não é totalmente que o objeto não é constitutiva e essencialmente faltante exemplo , revela
Lacan nesse mas foi toma-
observarmos que Aristóteles é um autor de referência para do indisponível por uma contingência. O efeito de
linguístico pelo frustração
período que costuma marcar a substituiçã o do paradigma
nos anos de que atravessa a depressão, por exemplo, é fruto desta dilui imaginária,
ser datado ção da impos-
paradigma lógico. Período cujo epicentro pode sibilidade à contingência.
m 1969-1970.
r
O segundo aspecto deste emparceiramento transforma o gozo pos- Expliquemo-nos. Os gregos diferenciavam dois
sível, pela limitação paterna, num gozo necessá rio, que não cessa de se prova: a apodeixis, que é aquela apoiada num sistema grandes tipos de
vo que permite a plena dedução, e a deixis, referencial discursi-
escrever. Em outras palavras, o efeito da função paterna é tomar o "gozo que não prova pela dedução a
interditado a quem fala" ( Subversão do Sujeito, 1960). No entanto, é por partir do axioma, mas por mostrar ao interlocuto
r a evidência do que se
meio desta interdição que se tomará possível um gozo parcial, cuja carac- está afirmando em relação a um fato
incontestável mas não incluído num
ística é seu aspecto substitutivo e simbólico. O termo "objeto" é pro-
ter sistema referencial discursivo específico ou
explicitado enquanto tal. A
blemático, neste contexto. A substituição simbólica (intermediada pela deixis mantém suposto o que a apodeixis põe às
claras.
-
função paterna) veicula se a partir daí pelo significante. O que o empar- ca é um exemplo de deixis, assim como a geometria A dialética platóni-
contida nos Elementos
ceiramento da demanda realiza é a transformação deste possível (signifi - de Euclides é um paradigma da apodeixis .O exemplo dado por Lacan para
cante) em necessário. ilustrar a ordem do dizer é a topologia. Lacan,
em L' Etourdit, a define da
Essa ideia do gozo como obrigação e necessidade imposta pelo supe - seguinte forma:
rego remonta ao texto de Kant com Sade (1963). A incidência da função • ela não é uma teoria (não é, portanto, um sistema referencial
-
<
I
i
-
paterna tem nesse texto um duplo papel. Podemos exemplificá lo a partir
do seguinte exemplo: suponhamos que o imperativo superegoico se enun - •
cursivo)
ela não é uma substância (pois vimos que o Real
é sinónimo do
dis-

: cie numa sentença do tipo: "Não toque nisso!". No plano do significante, impossível, e não há metalinguagem )
I -
esta sentença limita a interdição a "isto" e fica sujeito à derivação metoní • ela é um discurso sem consciência (pois não há sujeito do dizer)
mica e metafórica habilitando, desta maneira, o desejo. No plano do em - • ela é um puro dizer (pois não diz sobre nada e muito
I parceiramento da demanda, este imperativo pode ser tomado como uma plicita suas premissas) menos ex-
obrigação insensata ou de manter-se tocando no objeto ou de nunca poder 3
*: substituí-lo. Resumindo o esquema do empareceiramento das demandas: O uso da topologia é puro exercício de sentido
forma numa chave metaf órica, ele ganha em
. Quando se o trans
significação o que perde em
- iD
sentido. A topologia responde, assim, à exigê ; g

I!
ncia de algo que esteja no :
Impossível -> <- Contingente limite entre o que se pode demonstrar e o que se ^
pode apenas mostrar. |
j
Nossa hipótese é que a topologia em Lacan
corresponde não apenas a um
Possível -> -
C Necessá rio veículo de formalização dã psicanálise, e
ciência, mas também a uma forma de
neste sentido de aproximá-la da :
áH
mostar o que nela nã o é formali
zável. Percorrer a topologia, neste sentido, - ; £
Joyce. Deixar-se tomar pelo puro dizer e pelos limites-
equipara se a ler um texto de ju
o Este esquema escreve a articulação entre dois toros, tal como o mode- da significaçã o.
lo trazido por Lacan à altura do Seminário sobre a Identificação.
M : A forma modal da demanda tem como efeito fundamental fornecer A significação
°i consistência subjetiva. Se há emparceiramento da demanda é porque de
algum modo se preserva o objeto (aquilo que Freud chama de identifi- O terceiro nível em que podemos comparar a
teoria da interpretação
cação narcísica). Esta preservação do objeto numa espécie de entificação a uma teoria da prova é o da significa
ção ( bedeutung ). Nele, trata-se de
reificante é justamente o que a análise visa atravessar. situar a teoria dos raciocínios. Se para Aristóteles
a pergunta que regia o
Diante deste quadro, como entender a concorrência, ao lado de um tema era: o que toma um conjunto de proposi
ções um silogismo válido?,
discurso matemático topológico de uma espécie de ontologia negativa? para Lacan talvez o problema seja: o que toma um
ato de fala significativo
Se a existência só pode ser pensada como ex-sistência, isto é, como exte- ou analiticamente interessante para um sujeito
? Em termos preliminares,
rioridade em relação ao pensamento, o que nos autorizaria a falar sobre a fala significativa buscada pela interpreta
ção, a fala plena do Seminário
ela? Lacan leu o primeiro Wittgenstein, como se atesta pelo Seminário XVII , IeJ do Discurso de Roma (Lacan, 1953),
T

implica sempre a transformação


e ao que parece está atento à impossibilidade de sair da linguagem para da temporalidade. O tempo é justamente
um fator ausente na teoria dos
falar dela. No entanto, como abordar temas da psicanálise que parecem se raciocínios clássica. Nela, trata-se sempre de um
eterno presente. Para a
referir a algo que ultrapassa a linguagem? A teoria do dizer é uma forma psicanálise, ao contrário, todo o problema se
dá ao nível das relações de
de tocar neste problema. No dizer está em jogo não uma demonstração, construção, desconstrução, escamoteamento e reduçã
o do desejo como fio
mas uma "mostração". que entrelaça passado, presente e futuro (Freud,
1909). No caso do sonho, :

^ tilj
podemos simplificar tal movimento falando de um movimento que parte que pretende produzir, cabe perguntar: o que causa a significação?
A res-
do presente (reminiscências diurnas), vai ao passado (desejos infantis) e posta de Lacan a este problema é tripla. De um lado, é a falta
considerada
aponta para o futuro (figuração do desejo como realizado). no registro simbólico significante, isto é, a raiz quadrada de 1. Por
-
tro, é a falta tomada no registro imaginário, isto é, o -1. Se tomamos -
ou
A significação pode ser definida como efeito temporal do ato de fala. um
momento posterior da obra de Lacan, vamos encontrar formulação
Já no texto da Subversão do Sujeito (1960), Lacan ancora a significação ao perti-
ponto de inversão e ressignificação significante (o ponto de basta). En- nentes a isso, por exemplo, no Seminário XXII RSI e no Seminário XXIIIO
quanto temporal, será sempre um semi-dito; isto é, um dito que não diz Sinthoma Lacan localizará a significação entre o imaginá rio e o simbólico
.
tudo e preserva a possibilidade futura de ser redito. É no nível da signi- Tudo se passa como se no conjunto de todas as escolhas lingüística
-
ficação e do dito que Lacan tem por horizonte o inconsciente. A signifi- mente possíveis, no conjunto organizado e estruturado que é a
linguagem
cação é o momento em que a fala se faz ato, instituindo um antes e um uma caseia, uma possibilidade permanecesse vaga. Falar, e produzir
sig-
: depois irreversível. O poder performativo da linguagem, assinalado por nificação, é preencher esta caseia com uma das duas alternativas
apre-
filósofos da linguagem como Austin e Searle, responde bem à noção la- sentadas. O efeito deste preenchimento é o sujeito que no seu
apareci-
~; caniana de significação (como o mostrou Forrester, 1984). A significação mento traz consigo a abertura de uma nova caseia. Efeito cujo estatuto
5 corresponde ao momento em que a fala faz alguma coisa além de descre- metapiscológico se situa no Real. Isto permite a Lacan argumentar que a
i ver um estado de coisas. divisão ( Spaltung ) do sujeito é dupla, pois se dá ao nível do
j
significante
A teoria dos raciocí nios em pauta na demonstração psicanalítica toca (significação) e ao nível do objeto a (sentido). O lugar em
ã que se realiza
ao poder do dito. É porque o dito revela um ato de fala feliz que se pode esta falta é o Outro, que se vê assim submetido a duas acepções: o
Outro
I considerá-lo legítimo. A manutenção do nível da significa çã o absorve ao como discurso do inconsciente, tesouro dos significantes, lugar
originário
j período lógico da obra de Lacan os avanços do período linguístico. O do desejo, e o Outro como corpo fantasmático, sede da 3
demanda e do 2
texto sobre a Subversão do Sujeito é uma boa síntese dessa hibridização dos imperativo de gozo.
m i
paradigmas linguístico e lógico. No que toca ao projeto clínico de pôr em Como considerar, depois desta incursão pela noção de significação, j2
íí marcha a demonstração do impossível envolvido na interpreta ção, pode- o impossível que lhe caracteriza? Se retomarmos a Aristó
teles e aos pro- :0
J ; se destacar deste texto a definição algébrica que nele aparece do conceito jetos clássicos em termos de teoria da prova podemos observar
que uma I
%| de significação. Ela é definida como a raiz quadrada de -1 [V j. Isto quer
^ prova só é perfeita se ela não porta nenhuma contradição formal
ou onto-
dizer que o que organiza e orienta a cadeia significante é este impossível lógica e ao mesmo terfipo nos permite alcançar a verdade

J
j; ; ou a falsidade.
„; tomado no nível matemá tico para representar a falta. Impossível tem aqui A crítica da dimensão ontológica foi efetuada por Lacan através
do tema
!
o
a conotação de irracional ou de incomensurável.
As formações do inconsciente como o sonho, o sintoma, o ato falho,
etc. correspondem a um tipo de articulação significante que Lacan cha-
da sexuação, a da noção de verdade se efetuou no tema do sentido. Quan
to ao aspecto formal, este será posto em pauta no nível da
do dito.
significação e
-

t
£:
ma de metáfora. O desejo e o sujeito a ele suposto correspondem a outra
forma de articulação: a metonimia. Ocorre, e isto parece lingüísticamente
confirmado, que toda metáfora é redutível a uma metonimia. É isto que
Se o pensamento é considerado como uma exterioridade
ao inconsciente ( Seminários XI e X/V), e Freud já afirmava o
como não submetido à lógica, ao tempo e à nega ção (três atributos
em relação
inconsciente
que
toma possível interpretar uma formação do inconsciente, isto é, trans- vimos estarem intrinsecamente ligados), então a conexidade ou
a gramá-
formar a metáfora do sintoma na metonimia do desejo pela explicitação tica que articula a significação não é completamente redut
ível a um saber
do sujeito. O que permite compreender a oposição entre realização de de contornos lógicos. Diante de um significante enigmático,
assemântico
desejo e reconhecimento de desejo, presente, por exemplo, no texto da ( UEtourdit) ou enlouquecido, como é o chamado Sl, pode-se
sempre arti-
Direção da Cura, 1958. O reconhecimento do desejo só se obtém por um cular um saber inconsciente (S2) e com isso engendrar uma nova
signifi-
ato subjetivo. cação e um novo efeito sujeito.
Apropriar-se de uma significação, desta forma, é o contrá rio de rea- Isto é um jeito assaz complexo de afirmar algo práticamente banal
:
lizar uma significação. No caso das formações do inconsciente, o sujeito nunca se poderá dizer tudo. O senso comum, especialmente aquele orien
-
aparece como um efeito da significação e não como sua causa ou motivo, tado pelo discurso histérico, sabe disso sem que um psicanalista
tenha de
como pensa a filosofia da linguagem intencionalista. Se a causa da signifi- afirmá-lo. Pois bem, a demonstração de que a significação se
comporta
caçã o não é a vontade ou a intenção de realizá-la, muito menos é o sujeito como um conjunto aberto, que sempre se poderá "saber" mais sobre as

mm clássico, que como um fantasma na máquina escolheria as significações determina ções inconscientes (tornar consciente o inconsciente na expres
- l
são de Freud), coloca um problema sério quando
perguntamos o que uma nível do fantasma é a relação do sujeito com o tempo (...) o obsessivo

psicanálise poderia fazer quando justamente o problema


é um "excesso" procrastina porque antecipa sempre demasiado tarde, enquanto a his
térica repete sempre o que há de inicial no seu trauma, isto é, um certo
-
significação é causa
de significação. Quando este reenvio interminável da demasiado cedo, uma imaturação fundamental, (p.80)
de sofrimento, e sempre o é em alguma medida, tratar -
-se ia de produzir
um basta a este saber. É por fixar as relações temporais do sujeito que o fantasma é, por
Ao nível da significação imaginá ria, este basta é a própria
interpreta - assim dizer, imune a interpretação, uma vez que esta operaria no interior
ção como reendereçamento entre SI e S2. Ao nível da significa çã o simbó -
lica, trata-se de mostrar a impossiblidade de reduzir
o dizer ao dito , ou o da temporalidade fixada pelo fantasma. Em fun ção disso, o fantasma (es
trutura fundamental das diversas versões das fantasias) requer o conceito
-
sentido à significação. clínico de construção, que não abordaremos nos limites deste livro.
uma leitura
Esta impossibilidade será pensada por Lacan a partir de os Não se pode localizar na frase fantasmática o sujeito, ele é por as-
é o que organiza
logicista da função fálica. Vimos que a função fálica ) e A sim dizer indeterminado (Bate-se...), de modo que a própria forma lógica
(1969
reendereçamentos da significação. Em textos como UEtourdit á - da proposição (e da função fálica) é posta em colapso. Lacan afirma que
a fun çã o f
~: Terceira (1970), o tratamento dado a esta fun ção faz coincidir , um quando o fantasma toca o Real ele perde sua significação, e é nesse sen-
se deve à leitura
5j lica com a função preposicional. Provavelmente isto tido que a partir da hipótese do fantasma é possível pensar o ponto de
Frege. Frege
*

tanto parcial, aliás, de um lógico alem o ã chamado Gottlob


;
função mã- conexão entre os ditos e o dizer. É pelo dizer que se toca no "Bate-se numa
afirmava que toda proposição lógica é a rigor redutível a uma
I temática. Ora, a forma lógica de uma proposição é sempre
gramatical : Su- criança." que a significação encontra seu impossível.
os i
proposta por Russel Recapitulemos nosso percurso. Postulamos a existência de três do- ; g
j jeito, Verbo e Predicado. Mesmo a lógica das relações minios: a sexuação, o sentido e a significação, que se mostram mutua-
absorvido ao predicado a cópula, como \£
i e Whitehead não deixa de manter mente limitados e articulados a partir da ideia de impossível. Do lado da jo
^ afirma Simpson: significa ção, a formalização de Lacan apela para a noçã o de estrutura. Do ; z
com um ou lado do sentido, a formalização apela para a noção de discurso. A sexua- iJ
Um predicado será qualquer expressão que combinada
mais nomes de objeto, de acordo com as regras sintáticas
, permite obter ção, como monstrou Bruno (1989), parece ser uma ponte entre a estrutura i§
uma proposição. (1976, p.40)
e o discurso. Em termos da metapsicologia lacaniana podemos supor que j ã
a significação se encontra entre o imaginário e o simbólico; o sentido entre i ~
ção. A o simbólico e o real e a sexuação entre o real e o imaginá rio.
£ A corrupção deste formato impede-nos de falar em proposi ; 3
da infinitude da j <3
resolução que uma análise pode oferecer ao problema Apenas a título de justificação mínima tomemos o caso da psicose
I uI
significação passa da redução dos conjuntos de significa
posição fundamental. É a forma "gramatical" do fantasma
çã o
que
a uma
Freud
pro

do problema
ex
-
-
onde, gr modo, o simbólico separa-se dos outros registros. Notamos
a primazia do problema da sexuação (o empuxo à mulher, a invenção de
l3^ piora em textos como Uma Criança é Espancada e no exame uma sexuação fantástica, etc.). Num segundo plano temos a ilimitação da
. As reviravoltas de certos enunciados significação pelo sentido (delírio, alterações de código e mensagem). Fi-
i das psicoses, no Caso Schreber (1911)
enunciado como : " Eu o amo" nalmente, num terceiro aspecto ocorre a aparição maciça do sentido des-
uj fundamentais produzidas a partir de um
( Ele me ama ), a tituído de significação (a compactação significante e o idioleto).
explicariam as formações delirantes como aerotomania
perseguição ( Ele me odeia ) e a megalomania ( Eu o odeio). Em
todos os casos
, do verbo, do
se trata de negação de um aspecto da proposição: do sujeito A clí nica da interpretação
objeto e até mesmo no conjunto da sentença (esquizofrenia
). A frase fan -
tasmática, no caso da neurose, é, no entanto , um paradoxo . Por um lado
cifra a temporalidade da significação e o gozo a ela atinente ; por outro, é Uma parte significativa do discurso do analisante se apresenta atra -
ele mesmo resistente à temporalização, pois seu tempo
verbal correspon - vés de uma forma narrativa assimilável a uma demonstração. Especial-

de à forma reflexiva (segundo Lacan, a voz média do


grego o ariosto).
- mente no início de uma análise, o paciente parece falar de modo a justi
ficar sua posição subjetiva e de como esta se determina apesar dele e de
-
Como afirma Lacan no Seminário VI : todos os seus esforços. O discurso, apesar de tudo, é demonstrativo, pois
. Suspende uma busca justificar, segundo uma racionalidade própria, as determinações de
O fantasma na perversão é apelável. Situa-se no espaço
. Na neurose seu sofrimento. Essas determinações muitas vezes se ligam às vicissitu-
relação essencial. N ão é atemporal, mas fora do tempo
com o objeto ao des de sua história, às contingências de sua vida amorosa, profissional e,
pelo contr á rio a própria base das relações do sujeito 97
96
r que a significação se toma paradoxal, pois se refere a coisas contrárias e
(enquanto semelhante) e com o
enfim, à forma como se está com o outro
es da linguagem). Algo tônico impossíveis de serem significadas em conjunto a não ser pelas artimanhas
Outro (enquanto campo das determinaçõ da linguagem.
modo a isenção do sujeito,
nesta narrativa é que ela parece visar de algum
excesso de implicação. Uma O sujeito está igualmente dividido, pois se numa série há enuncia-
seja pela retirada de sua implicação seja pelo
,
toma em relação a este discur- ção, na outra há enunciado, e vice-versa. Lacan, no Seminário XI , recorre
forma de considerar o lugar que o analista
ção concorrente, suposta- ao paradoxo de Epimênides para explicar esse desacordo de significações
so é pensar que ele oferecerá uma demonstra como o lugar do sujeito. Se para a filosofia o sujeito aparece sempre no
em relação à que se produz
mente adequada e científicamente autorizada lugar daquilo que diz a verdade e a necessidade (lógica), para a psicaná-
, um tipo de explicação ou de
no discurso do analisante. Trata-se, assim de lise o sujeito aparece sempre dizendo a mentira e o impossível. Quando
do discurso do paciente.
tradução que em nada modifica a estrutura Epimênides diz; "Todos os cretenses são mentirosos" (sendo ele mesmo
nte pelo relevo
No entanto, a escuta analítica se caracteriza justame um cretense), a verdade de seu dito só aparece porque ele diz simulta-
o. Pela escuta dos paradoxos
que dá à impossibilidade desta demonstraçã neamente a verdade e a mentira. A verdade, no plano da enunciação, a
analisante. Seja ao nível da
que se constituem na prova empreendida pelo
a move, seja ao nível da se- mentira, no plano do enunciado. Os paradoxos visuais de Escher, onde
~; transferência, pela escuta da contradição que se representam, por exemplo, homens que andam simultaneamente para
visará a desconstrução dos
<I xuação, do sentido ou da significação a análise cimae para baixo, os cânones de Bach que apresentam escalas crescentes
vel do analisante; a saber: sua
! aspectos que guiam esta teoria da prova ao ní com um efeito f ónico decrescente, a literatura de Lewis Carrol, a prova
verdade (o que é dizer?), e
si ontologia (o que é ser e não ser?), sua teoria da lógica de Godel são alguns exemplos que podem ilustrar o que está em
falar?). Essas três esferas são
i sua teoria dos juízos ou proposições (o que é jogo, em termos do sujeito, nos paradoxos da significação. ; ;
ai
2; pertinentes aos três modos fundamentais
de pensar a interpretação.
Hofstadter (1989) mostrou como a construção de certas fugas de
3
tipo de paradoxo dife-
(
j*
Em cada caso a interpretação implicaria um Bach (especialmente os cânones contidos em Musical Offerig ) possui uma |°
se trata de um paradoxo de
rente. No caso da significação, pensamos que interessante propriedade que pode ser resumida da seguinte forma: no %
do sentido, trata-se de j
simultaneidade, cujo efeito é o absurdo. No caso ou des senso) e em se
um paradoxo de autoria, cujo efeito é o não
senso ( - interior de um sistema musical hierárquico nos movemos para cima ou i 0

Ii nsurabilidade. Nos próxi- para baixo até o ponto em que estranhamente retomamos ao ponto de j z
tratando de sexuação, o paradoxo é de income partida. Por exemplo, no Canon per Tono a voz superior segue uma va-
distinções implicam
mos parágrafos procuraremos mostrar como estas
<
e interpretação.
à riante do tema real, as tluas outras vozes provêm de uma harmonização
diferentes procedimento clínicos quanto à escuta s
canónica baseada num segundo tema. A mais alta está em C menor e
a mais baixa segue um intervalo de quinta. O que toma esse canon ab- s
0 dito solutamente paradoxal é que quando ele termina, ele não está mais na
chave C menor, mas em D menor. De alguma forma Bach trocou a chave

s Lacan fala da interpretação, em Uetourdit (


um tipo de intervenção sujeita a três contingê
gramática e a da lógica.
A vertente homof ônica é a que melhor traduz
cação. Nela o analista joga com o equívoco fazendo
de significação latente, um segundo sentido
1972), situando-a como
ncias: a da homofonia, a da

a dimensão da signifi-
aparecer uma espécie
. Segundo o comentário de
fazendo-a regredir quando o efeito para o ouvinte é de ascenção. Depois
de seis modulações retomamos à chave original em C menor com todas
as vozes uma oitava acima. A partitura executa, assim, um movimento
contrário ao da escuta. É uma ilusão acústica.
No caso dos desenhos do holandês Escher, comparado por Hofsta-
dter à música de Bach, um paradoxo similar se realiza. A água que simul-
Soller (1994), no equívoco se trata de revelar
as remissões que fazem li - taneamente cai e sobe (Waterfall, 1961), os homens da torre que simultane-
a outro. Por exemplo, o
gar sincrónica e diacronicamente um significante se liga à falta de apoio amente sobem e descem as escadas, o retrato do retrato que se contém a
seu pai
apoio que Elizabeth Von R. não recebeu de si mesmo são alguns exemplos de como certas simultaneidades induzem
abasia). A paciente, comen-
que a impedia de andar (o sintoma da astasia- a um infinito aparentemente impossível.
a não ser "Coca-Cola" até
tada por Miller (1994), não bebia outra coisa O teorema de Godel, no entender de Hofstadter, é o reconhecimento
com sua irmã, apelidada
que a análise revelasse as ligações desse sintoma exemplos como esse, deste aspecto no campo da lógica. De acordo com tal teorema: "Todas as
de
"Coco" . Enfim, a literatura analítica está repleta formula ções axiomá ticas consistentes da teoria dos números incluem uma
signific ante e da significação com
mostrando a pertinência equívoca do proposição indecidível". As consequências desse teorema representaram
series de significação que

9g
as formações do inconsciente. Entre as duas
o equívoco significante reúne está o lugar
do sujeito; isto é, no lugar em
um duro golpe às pretensões de formalização não equívoca de sistemas
wm
r
axiomáticos. Derivar implicações disso para
as ciências humanas parece isqueiro, que teima em não funcionar, produzindo o som "Tzz, Tzz...".
atraente (apesar das recomendações em contrário de
Nagel, 1973). No en- Este isqueiro, fucionara, para mim, naquele momento, como analista . Evi-
tanto, não nos aprofundaremos nisso uma vez que
nosso objetivo é ape- dentemente, tive que rever minha fala sobre o sexo dos anjos e introduzir
de simultane idade. uma nova série associativa. Este exemplo se presta a mostar como uma
nas exemplificar o que entendemos por paradoxos
é um caso de si- interpretação pode se produzir apesar das intenções de analista e anali-
O caso do duplo sentido aferido pela interpretação sante; a interpretação se faz, neste caso, a partir de algo que poder íamos
tempo figuras
multaneidade. Não que a percepção apreenda ao mesmo ível), mas denominar de "analisando", o texto mesmo e suas rupturas.
opostas (o que os teóricos da percepção mostraram ser imposs
algo que depende do nível simbólico permite reunir significa esfera do
çõ -
es contra- V í Outra maneira de explorar a polissemia da significação é provocar
ditórias no mesmo enunciado. Em psicanálise isso se aplica
significante, que simultaneamente pode ligar -se a mais
significações. É por isso que o significante pode ser definido
de uma
à
série de
como aquilo Q
^ o equívoco, isto é, escutar contracomunicativamente, furtar-se ao enten-
-
dimento para apostar no "mal entendido", criando assim uma espécie
de ato falho artificial. O que se obtém, tanto pelo equívoco quanto pela
que é diferente de si mesmo.
homofôni-
-
To3" pontuação, é um a-mais de significação. O percursode uma análise, deste
ponto de vista, corresponde à redução dos significantes, que passam a
~i A técnica empregada na interpretação, do ponto de vista ser condensados por séries, e ao mesmo tempo um aumento da signifi-
, a ambigui- ¡u
co, faz privilegiar a escuta da polissemia embutida na palavra cação neles contida. Cada vez se diz mais com menos. Isto permite dizer
^ ij
J dade presente a cada "giro significante". A pontuação por
çã o
,
pela
exemplo, é um g
introdução de o que cada significante representa um sujeito para um número crescente
tipo de interpretação que altera e decide a significa de outros significantes. Há, portanto, em cada momento, um significante \
de escutar o que foi ^
uma contra-significação; isto é, uma segunda forma que nomeia a série nele contida. Por exemplo, o significante "ratos", no
Õ
dito não completamente estranha ao dito original e
nem completamente < 1
o é como ela altera ¿ caso do Homem dos Ratos, contém a série: pênis (pequeno como um rato),
redutível a este. Um aspecto interessante da pontuaçã jogo (o pai fora um "rato de jogo" - Spielrate ), mordidas (ele mordera
, dispersando-a, 2 jD
a velocidade da significação, concentrando-a num ponto
da significa- S como um rato na cena infantil), ânus (ratos entram pelo ânus na cena da ; z
apressando sua conclusão e assim por diante. A velocidade e.
03 tortura), crianças (como no conto literário), dívida (prestação - Rate) etc. j“
do significant
ção atesta a forma singular da divisão do sujeito ao ní
vel
2 Q , "Ratos" é uma autêntica geratriz de significação e de ressignificação que |
;
insiste na fala do
Outro aspecto da pontuação é sua atenção ao que
!,.
S;
paciente, seja ao nível f ónico, semântico, gramatical
rativo. Fica claro por isso que o significante, no sentido
seja ao de estilo nar- § j
lacaniano, não é > ¡
>
vai sendo extraída pela polissemia da interpreta ção. O que está em jogo
na relação entre a série e seu nomeante é que os ditos estão em exteriori-
dade com rela ção a eles mesmos. !
da insistência, a yj j ;

propriamente uma palavra . A pontuação isola, a partir ,


*
micro-histórias É da estrutura mesma do paradoxo da significação incluir nela algo
«> ; iu
i fala como um dito. E do dito que se engendram histórias -
que deveria ser exterior, isto é, incluir na fala o sujeito que fala. O parado
z
ências.
I e inter-histórias que nos levam a uma nova rede de insist
Portanto, o que legitima uma interpretação não é o assentimen
do "
to do
texto "
xo de Russel é um bom exemplo do que estamos falando. Portanto, para
que haja interpretação é necessário que a palavra interpretante não seja
analisante, nem o cálculo do analista, mas o prosseguimento
u.
f nele mesmo. Uma interpretação se mede pelos seus efeitos
consequências nos destinos da associaçã o livre , n ã o pelo
, pelas
estado
suas
psicoló-
também da ordem do dito, caso em que se incluiria como um dito a mais.
Segundo Lacan, o nível a que pertence este interpretante é o do dizer. Do
lado do analista a interpretação depende de que seu dizer ultrapasse seu
gico do sujeito, por sua crença ou indiferenç psicol
a ó gicas . Muitas vezes,
dito, que o sentido ultrapasse a significação.
o , isto é , no mundo
a crença no poder representational da interpretaçã Vimos que do ponto de vista formal, atinente ao campo da significa -
. Por outro lado,
descrito e proposto por ela, é fonte mesma da resistência ção, trata-se da função fálico-proposicional. A entrada do dizer no campo
eventualmente uma intervenção completamente ém
desacordo com a
o analisante da significa çã o, o que caracteriza a interpretação, pode ser descrita como
questão tratada se transforma numa interpretação quando produzindo os seguintes efeitos na gramática da significação:
, pois ..." , e traz uma versão
diz: " Não, de forma alguma pode ser isso • quanto ao tempo verbal - do passado ou futuro ao presente;
.
significante nova numa posição subjetiva diferente • quanto à voz - da voz passiva à voz ativa;
, discorria pro-
Um exemplo. Certa vez, no interior de minha análise
• quanto ao modo - do subjuntivo e imperativo ao indicativo;

1
fessoralmente sobre o sexo dos anjos quando escuto algo
como um "Tzz,
Tzz...". Tomado de raiva pelo desdém e desaprovação
demonstrados -
• quanto ao sujeito da condição de oculto ou indeterminado à de
um "ajuste de determinado paradoxalmente;
pelo meu analista, viro-me no divã, disposto a promover
contas" transferencial e, para minha surpresa, contemplo em
sua mão um • quanto ao tipo de juízo - do modal ao apof ântico. 101
100
Examinando de perto as transformações gramaticais realizadas pela monstração, mas antes no que rodeia este ato, no uso da linguagem."
abso- (O Livro Castanho, p.13) '
incidência do dizer sobre o dito, chegamos a um tipo de enunciado
à
lutamente clássico, isto é, aquele que permite a passagem do universal A alusão, como afirma Wittgenstein (e a posição de Lacan pa rece
ao
existência. Neste ponto saímos do âmbito da significação e passamos
ência concordar com isto), joga com o uso nã o demonstrativo mas "mostrati-
do sentido. É nele que Lacan postula a tese de que o domínio da exist
nã o está submetido à vo" da linguagem. Mas como o discurso poderia realizar esta ação de
é heterogéneo ao da universalidade (existe Um que
função universal e unlversalizante do falo). Portanto , h á algo que ultra - apontamento? Na fala do analisante este uso se mostra nos termos que
e que designam o sujeito sem nomeá-lo, como: "aqui", "ali", "lá", "isto", "ago-
passa a significação fálica, representa uma dimensão da linguagem ra", "depois" etc. são alusivos, pois falam de uma ambiguidade ao nível
.
ao incidir sobre a significação de modo específico altera o seu formato
do dizer. O silêncio do analista, quando ganha uma função interpretativa,
Isto é o que Lacan chama de dizer. é um silêncio alusivo. Um paradoxal silêncio que diz algo. Na psicose,
onde a função f álico-proposicional se desorganiza, temos um bom exem-
0 dizer plo da inflação do aspecto alusivo da linguagem. Figuras como "eles" e
"aquilo", desconectadas da significação, acabam por introduzir o psicó-
l< As formas da interpretação ligadas mais diretamente ao dizer são o
' tico frontalemente no
puro dizer. Trata-se de uma alusividade radical. A
resposta ao sentido, que como tal é sempre devastador, é o delírio, uma
corte, a alusão e a citação. Nestes três casos, encontramos um tipo espe
-
1, cífico de paradoxo, que chamaremos de paradoxo de autoria. Paradoxos
espécie de rede de significa ção que serve de anteparo ao dizer.
ja
,
£j de autoria são aqueles em que o sentido se mostra, ou, como dizia Lacan A terceira forma de intervenção que se associa ao dizer, segundo i M

ocorre um "efeito de sentido Real". Toda a teoria do ato analí


o
tico
real
( Semi
pode
- nossa hipótese, é a citação. Colocar entre aspas ou parênteses um frag
mento do discurso do analisante desenraiza os laços entre enunciação e
- j z
*i nário XV ) é uma tentativa de explicitar essa dimensão em que iD
apaarecer na linguagem. Daí a definição de Lacan de que o ato "é por sua enunciado, garantidos pela significação. Ao perguntar "Quem diz isso?", i £
própria dimensão um dizer" ( Seminário XV ). coloca-se em suspensão, momentaneamente, a ligação entre o falante e o j 1 -1
I! Quanto à interpretação, seguimos aqui a classificação proposta por
produto de seu ato de fala. O trabalho do analisante pode eventualmente
localizar, histórico-genealogicamente a procedência deste dizer. No en-
Soller (1995) e também por Pommier (1989). A ligação destes com o plano

_
do sentido corre por nossa conta.
O corte se refere a uma interrupção da série associativa, com ou sem
interrupção da sessão. Seu efeito é a detenção dos laços de significaçã
(SI - S2). Em termos imaginários, o corte é sempre apreendido com de-
o

.
tanto, antes de fazê-lo, st questão da autoria permanece. Se atentarmos
para a radicalidade da pergunta, vemos que ela não admite uma resposta
conclusiva. De fato: Quem fala? só admite resposta se partirmos de uma
concepção intencionalista da linguagem onde os indivíduos falam pela
linguagem e não são falados por ela, como postula Lacan. O aforisma la-
J
; sagrado uma vez que implica a interrupção do exercício da função f álica caniano de que "isto fala" (Ça parle ) pode ser lido tanto como uma forma

!
0
O corte, se de fato tem efeito de corte corresponde
, a uma estraté gia para
de atestar a presença das pulsões na linguagem (o "isto" como Id ) como
fazer aparecer o Real na linguagem. um modo de fazer referência à sobredeterminação do sujeito pela lingua-
A relação entre o dizer e a alusão é similar à existente entre o dito e gem na qual ele está inserido. Isto é, não a linguagem, como um sistema
o equívoco. Nos dois casos se trata de dar inconsistência ao produto do abstrato, objeto de estudo da linguística, mas a linguagem como marcada
ato de fala. No caso do dito, essa inconsistência aparece em função da por um dizer, como tal histórica e temporal.
,
polissemia; no caso do dizer, trata-se do gesto de apontar com palavras Um autor como Figueiredo (1994), que procura aproximar o pen-
designanado algo sem nomeá-lo. samento de Heidegger da clínica psicanalítica, valoriza justamente este
Wittgenstein nos parece um autor especialmente útil para abordar os aspecto da relação do homem com a linguagem. Nesses termos, a ideia
paradoxos do dizer. Numa época marcada pela revisão do logidsmo do de uma fala "acontecimental", como momento em que a fala fala, em
,
Tractatus Logico Philosophicus, Wittgenstein, retomando Santo Agostinho que a fala constitui um dizer que ultrapassa o sujeito corresponde bem
investiga o seguinte problema: à ideia lacaniana de dizer. O mérito da aproximação com Heidegger se-
ria a possibilidade de acesso a um aparato conceituai capaz de pensar a
Mas suponham que eu apontasse com minha mão para uma camisola historicidade do dizer. O aspecto temporal do dizer se encontra apenas
azul. Como se poderá distinguir o apontar para a cor do apontar para aludido por Lacan, e pensamos que este é um bom espaço de interlocu ção
a forma? (...) A diferença, poderia dizer-se, não reside no ato de de-
102 103
(p.130) de que
com a filosofia heideggeriana. A afirmação de Figueiredo ele ressoe é
' A entrada em cena de um primeiro enigma (uma primeira questão
para que como se diz no ambiente lacaniano) determina o início de uma análise
a interpretação seria o circundar de silêncio, o dito e inclusive sua eventual realização. Mas se o analisante constitui por si
do dizer , talvez não à teoria
especialmente pertinente à teoria lacaniana só seus próprios enigmas, o que viria a crescentar um enigma do lado
da significa ção . do analista? De fato, a manutenção ou reatualização do enigma tem por
É interessante notar que um pensamento extensamente
perpassado
, traga reflexões ino- objetivo preservar o paradoxo da sexualidade como um paradoxo. Dize-
pelo heideggerianismo, como é o caso do de Derrida mos que se trata de ontologia, pois a afirmação do caráter paradoxal da
dos atos de fala,
vadoras sobre o estatuto da citação. Ao criticar a teoria condição humana tem aqui sentido de afirmação sobre a condição do Ser
que não
tal como fora apreendida por Searle, Derrida (1990) argumenta sexuado. O tipo de paradoxo empregado para o tratamento do problema
, exemplo ) de uma fala
há como separar a citação (o discurso teatral por é relativo à incomensurabilidade entre a posição feminina e a masculina.
,
"séria". Se o fizermos, admitiremos, implicitamente que podemos
con -
controlar a Um exemplo deste tipo de paradoxo é o paradoxo de Zenão sobre o
trolar a propriedade da fala. E se admitiimos que podemos movimento (Aquiles e a Tartaruga ) e que é utilizado para falar do objeto a
hipótese
propriedade da fala, desconhecemos o sujeito da enunciação e a como número de ouro ( Seminário XIV ).O paradoxo de Aquiles e a Tartaru-
-I
«
j:
do inconsciente. Ocorre que a autenticidade e a legitimidade
priedade acaba desconhecendo o aspecto crativo da linguagem
á rio" da
desta pro-
. A iteração
fala , é sem-
ga pode ser resumido da seguinte forma. Suponhamos uma corrida entre
Aquiles, veloz corredor, e uma tartaruga. Dada a morosidade do referido
(repetição diferenciante), mesmo feita pelo propriet
"
i , quelônio, concedamos à tartaruga uma vantagem, digamos de dez me-
pre uma modificação não correspondente à fala original . Assim a citação
"I ível. tros. A partir desta vantagem Zenão mostra que é impossível que Aquiles
como modalidade interpretativa se demonstra um convite ao imposs
Tanto no corte como na alusão e na citação encontramos
sua
a autoria
autoria . La-
ultrapasse a tartaruga. Isso porque para Aquiles alcançar a posição inicial
da tartaruga (So + 10) ele deve percorrer infinitos pontos que o separam :g
s
; como um paradoxo. Isto é, nos três casos o ato subverte desta posição. Ora, é impossível percorrer num tempo finito um espaço iD
, ídio
can dizia que o único ato bem-sucedido é o suicídio. De fato
no suic
o sujeito não pode se aprorpiar de seu ato. Justamente nisso
ele é bem- infinito e não há dúvida de que podemos encontrar infinitos pontos inter
mediá rios entre dois pontos numa reta. Portanto, se fizermos equiparar o
- j g5
sucedido. Há um agente, mas não há autoria, a não ser a que
diz respeito
3 interpretativas antes de- problema do objeto a aos paradoxos da incomensurabilidade é porque em
a outros sujeitos. O mesmo aparece nas formas

l signadas: o ato aparece sem sujeito. Um desejo sem sujeito


Lacan se refere ao desejo de analista. Talvez em nenhuma outra
são da interpretação ele seja tão necessário.
; é assim
diomen
que
-
ambos os casos um resto irredutível preside a abordagem da questão.
A estratégia neufiitica para lidar com este paradoxo é contabilizar o
gozo envolvido a cada movimento. A todo gozo a menos se suporá um
;
j
1
H

i Enigma e citação
gozo a mais que lhe será entregue adiante. Soller (1995) faz um exame
muito interessante do tema do sacrif ício a partir desta economia do gozo.
O sacrif ício condicional (regido pelo Ideal de Eu), a crença, as escolhas
amorosas e boa parte dos sintomas neuróticos são regidos por esta lógica.

i Finalmente, quanto ao nível da sexuação, o impossível se


interpretação cujo fundamento não é nem a homofonia
nem a gramá tica do sentido, mas a lógica. Vimos que tal
demonstra teoricamente a partir das f órmulas quânticas da
da
mostra na
significa
imposs
sexuaçã
ível
o.
ção
se
Cli-
Isto fica mais claro se pensamos que o sintoma é algo que se interpõe en-
tre a posição masculina e a posição feminina produzindo uma espécie de
relação sexual artificial, um complemento. Freud já dizia que os sintomas
são a prática sexual (simbólica) dos neuróticos. De fato, quando um sinto-
melhor se ajusta a esta vertente é o
nicamente, o tipo interpretativo que ma é decifrado, quando sua dimensão de significação e sua dimensão de
o do analista até
enigma. O enigma pode fazer-se desde uma interjeiçã sentido são atravessadas, resta o "núcleo gozante" do sintoma. O destino
uma formulação explícita. O enigma se refere à revis ão ontol ógica promo - deste resto é relativamente incerto ao longo de uma análise. Uma parte
basicamente à
vida por Lacan em termos de teoria da prova. Ele se refere é claramente transformada em satisfação ou em prazer (conforme a dis-
sempre
condição enigmática dos seres sexuados. De fato, a sexualidade tinção proposta por Leguil, 1994). Outra, no entanto, permanece no que
pe-
esteve associada a um tipo especial de paradoxo; aquele expressado Soller (1995) chama de "sintoma reduzido", a partir do qual se poderá en-
las teorias sexuais infantis descritas por Freud (1907 ) é um bom exemplo tender a afirmação de Lacan sobre o final da análise como "identificação
com a origem
disso. O núcleo desse paradoxo é a castração e sua ligação ao sint(h)oma".
sexos , e a origem da
da vida e seu término, a origem da diferença entre os Portanto, a enigmatização, que aparece ostensivamente no enigma e
, mas
satisfação. O enigma, nesses termos, não se reduz a uma pergunta lateralmente nas perguntas de cunho interpretativo, visa alterar a lógica
104 expressa a partir dela. Ele se reduz ao puro "?". 105
T
em que um gozo a menos corresponde à promessa de um gozo a mais. JURANVILLE, A. Lacan e a Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1984.
A enigmatização não se d á pela introdução de um saber a mais sobre
LACAN, J. O Seminário,livros:
a sexualidade, mas pela constatação de que nela há sempre um saber a
menos.
Do ponto de vista do sofrimento impingido no quadro das rela ções _. VI - 0 Desejo e sua Interpretação ( 1 ).
-
VII A Ética da Psicanálise.
entre demanda e desejo, o enigma é especialmente frutífero. O gozo, como
_ . VIII - A Transferência.
uma espécie de saber excessivo (na neurose obsessiva) ou faltante (na his-
teria) sobre o aspecto da sexualidade é posto em suspensão pelo enigma. _. XI - Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise.
A demanda, como vimos, produz um objeto (e um signo de amor ) fazen-
do consistência do Ser, da sua universalidade à sua existência. O enigma _. XIV - A Lógica do Fantasma1.
dissolve esta consistência. A direção da análise, nesse sentido, é dada pela
direção do enigma. No momento em que o enigma não precisa mais ser
_. XVI - De um outro ao Outro2.
drenado para uma pergunta, para uma demanda portanto, o analisante
pode continuar sua análise por si só. A análise termina onde começa: no
-
XVII O Avesso da Psicanálise.
d XX - ...Mais, ainda.
< enigma.
s .. XXII - RSP.
o
Referências , XXIII - O Sinthoma2.
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§
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s
<

í
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£
s2
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Desejo,
ã
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3 Clí nica Psicanalí tica. São Paulo: Escuta/EDUC, 1994. 3
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10« Exemplar mimeografado.
107
Alienação e Separação nos Processos
Interpretativos em Psicanálise 2

Linguística e lógica da interpretação


T7 ntre 1964 e 1968 encontramos no ensino de Lacan o uso sistemático
1 / dos conceitos de alienação e separa ção com o objetivo de especificar
as relações possíveis entre o Sujeito e o campo do Outro. Trata-se de um
momento crucial na trajetória deste pensador, pois conjuga transforma-
ções políticas internas e externas às instituições psicanalíticas, produzin-
do mudança de referência na formalização de conceitos. Até então Lacan
trabalhara com um paradigma linguístico-estruturalista combinando as-
pectos da teoria hegeliana para extrair deste paradigma o que ele em pri-
meira instância não poderia oferecer, ou seja, uma teoria do sujeito.
Até o Seminário XI (1964), o problema era contornado por Lacan com
o uso de hipóteses que tomavam isomórfica a posiçã o do sujeito ao efei-
to de certas produções linguísticas. Assim, em Inst ância da Letra (Lacan,
1957, p.519) o lugar do sujeito é confundido provisoriamente com a condição
de passagem do significante ao significado na metonimia e na metáfora.
Em Subversão do Sujeito (Lacan, 1960, p.814) afirma que o sujeito: "não é
nada além do shifter ou indicativo que, no sujeito do enunciado, designa
o sujeito enquanto ele fala naquele momento". Ao tomar o sujeito co-
mensurável com a linguagem, seja no modo da fala, do discurso, ou da
escrita, seja segundo as estruturas do signo, da metáfora, da holófrase
ou do código/mensagem, Lacan propicia diretrizes bastante claras sobre
o processo interpretativo. Ocorre que este ganho em termos de clareza
técnica se apoia numa teoria insatisfatória do sujeito. O sujeito dividido

2
Capítulo escrito em coautoria com Tatiana Carvalho Assadi.
, entendido víduo procurando fazê-lo aceder ao sentido latehte, segundo as regras de-
pela linguagem, em posição intervalar na cadeia significante alienado terminadas pela direção e evolução do tratamento" (Laplanche, 1986, p.
como efeito do inconsciente, é em última instância um sujeito 319). Acompanhamos Lacan na ideia de que uma interpretação se mede
( Fink, 1998, p.68). por seus efeitos; logo, se uma interpretação não tem efeitos não pode ser
Lacan parece
A partir de 1964, todavia, do uso da linguística por legítimamente considerada como tal, independentemente da exatidão de
de reflex ão. O su-
ceder lugar à lógica e à topologia como instrumentos seu conteúdo ou da intencionalidade de quem a expressa.
tempo capaz de
jeito é pensado como um conjunto vazio, mas ao mesmo Freud parece reservar a expressão interpretação ao trabalho de res-
lacaniano
subjetivar sua causa. Estranhamente, causa e efeito, no ensino
recíprocos: o sujeito é um efeito do signi- significação pontual, como, via de regra, observa-se em relação aos so-
desse período, não são conceitos nhos, pequenos esquecimentos, atos falhos e chistes. O emprego do termo
ó significante , mas o objeto a.
ficante; entretanto, sua causa não é o pr prio em relação a sintomas, fantasias e manifestações transferenciais é mais
Esta dualidade de apreensões do sujeito tem levado alguns comentadores
ínica do real raro e geralmente subentende a combinação de elementos originados do
a falar em uma clínica do significante em oposição a uma cl trabalho interpretativo do primeiro tipo. No entanto, em ambos os ca-
centrada nos desenvolvimentos posteriores sobre o objeto a .
, emer- sos os efeitos clínicos da interpretação podem ser agrupados em duas
A noção de separação, sucedida pela de travessia do fantasma dimensões:
logicamente a re-
1 ge no período em questão como forma de representar . Em 1. Modifica ções no teor do discurso associativo: aparição de lem-
lação entre o sujeito, o objeto que lhe dá causa e a cadeia significante
de aliena ção branças, evocação de outras formações inconscientes, interrup-
ã 1968, no Seminário sobre o Ato Analítico (1968), as categorias
do ções da fala ou desvios temáticos, que de modo geral ponderam
e separa ção, que exprimem em última instância a releitura lacaniana
i cogito de Descartes, encontram sua consolida ção final , e sua presen ç a em o eventual sentido comprobatorio da intervenção. Incluem se -
aqui o efeito de ressignificação produzido pela análise no âmbito
textos posteriores é bastante esparsa. da história do sujeito a partir da reapropriação de seus signifi-
aci-
Se, no entanto, a modificação na noção de sujeito, apresentada cantes fundamentais.
ma, é substancial, presume-se que ela traga consequências para a
teoria
5 deste cap ítulo. 2. Modifica ções nos processos de causa ção do sujeito: como se
3
da interpretação. Verificar tal possibilidade é o objetivo g
à compatibilidad e pode inferir ocasionalmente da desaparição, deslocamento ou ir-
O problema que procuramos aprofundar diz respeito 2
â das rupção de sintomas, alterações no plano da angústia, emergência

I
no mbito
entre a noção de interpretação no período anterior a 1964 e

S
transformações teóricas regidas pela introdução dos conceitos de aliena
ção e separação. Trabalharemos com a dimensão retórica para
em que termos é possível encontrar disparidades e converg ências
verificar
com o
- de acting out e *de modo geral efeitos que indicam a relação anti-
nómica entre desejo e gozo. Conjugam-se neste caso os processos
de alienação e separação do sujeito em face ao objeto a.
j
I modelo lógico de causação do sujeito no interior de processos
tativos. A escolha da retórica, como guia metodológico justifica-
,
ela é um campo de estudos sobre a linguagem que congrega a análise
interpre
se , pois
das
-
Nos dois ângulos de consideração dos efeitos da interpretação a es-
cuta analítica orienta-se respectivamente para a articulação significante e
I
u
condições de produção do sentido (Jacobson, 1995; Todorov 1996
,
á
)
para
com
a
para a causação do sujeito. No primeiro caso, este é compreendido como
a tematização do aspecto performativo ou pragm á tico necess rio uma atividade de tradução ou retradução do sentido, permitindo a conti-
abordagem do sujeito (Maingeneau, 1995) nuidade de seu deslizamento. Não é, entretanto, o produto desta tradução
o que importa ao processo, mas a articulação significante necessária para
sua efetuação. Nesses termos, a interpretação introduz algo que repen-
Processos interpretativos tinamente toma a tradução possível (Lacan, 1956). Em outras palavras,
- trata-se de limitar a significação ao introduzi-la numa série sincrónica,
Por processo interpretativo entendemos o conjunto de transforma quando se exploram as ressonâncias homof ônicas de um significante,
ções enunciativas que envolvem a posi çã o do sujeito, a estrutura do dis-
um segmento de aná lise . por exemplo, ou ainda de captá-la numa série diacrônica, como no caso
curso ou o teor da significação no interior de da pontuação da insistência de um significante no discurso. No segundo
clínica
Trata-se de uma definição pragmá tica orientada para perspectiva
a
caso, a interpretação refere-se à modificação do lugar de onde emerge
ção é
e assumidamente não exaustiva. Outra característica de nossa defini o sentido e se acompanha de uma fratura da significação. Tal perda de
que ela evita localizar, necessariamente, a interpretação com um pronun
-
Laplanche significação se deve à incidênria .da interpretação sobre a causa do desejo
ciamento do analista. Distanciamo- nos, assim , da defini ção de
(Lacan, 1972). Obtém-se como efeito um sujeito separado do campo do
e Pontalis em que a interpretação seria: "uma comunicação feita ao indi
- 111
110
encontra-se útil para compreender operações de dedframento em tomo do chamado
Outro. Por exemplo, no caso Dora (Freud, 1905), a paciente rébus de transferência. O rébus é urna forma de funcionamento da lin-
çã o que lhe parece
alienada em uma trama amorosa onde a única posi
: (a) a guagem em que as palavras se representam por desenhos ou imagens
possível é de reivindicação e denúncia. Freud alude sucessivamente
implicação de Dora na trama, (b) o desejo pelo Sr. K e (c) a
fantasia fela de - gráficas. Ocorre que no rébus de transferência é possível falar seguindo
ao mesmo regras desse sistema de escrita. Por exemplo, uma paciente, mencionada
ção. Neste movimento, o objeto se destaca do campo do Outro por Allouch (1995, p.171), observando o colarinho feito de celuloide ( Ce-
Outro . O produto é a modifica ção
tempo em que o sujeito se separa deste luloid ) de um enfermeiro, conclui que o jogo de damas que usava lhe foi
, é consequ ê ncias para
da posição subjetiva da paciente, no caso com s rias
enviado por Lulu (a filha de seu patrão) por meio de um navio (Loyd ).
a transferência. A interpretação de Celuloid para C'est Lulu Loyd (É Lulu Loyd), apesar
com a
Nossas categorias poderiam se ramificar se as combinarmos
ção a par- de baseada na homofonia, tem como princípio a suposição de diferentes
distinção proposta por Allouch (1995), que aborda a interpreta sistemas de escrita.
de dedframento , ou seja,
tir das múltiplas operações contidas na ideia
, a tradu çã o opera A ideia de que na psicanálise também se deve levar em conta o modo
i transcrição, tradução e transliteração. Para esse autor
-
3
i na perspectiva de preservação do sentido entre línguas
caso da psicanálise, isto se exemplificaria na ideia de traduzir
diferentes . No
o material
interpretativo
de escuta transliterativo recebe forte apoio na seguinte observação de
Freud:
manifesto recuperando o sentido latente . É este esquema
Ji (Freud,
Se pensarmos que os meios de representação nos sonhos são principal-
gj que permitiu a Freud, no caso conheddo como Homem dos Ratos mente imagens visuais e não palavras, veremos que é ainda mais apro-
i 1909), explorar a polissemia do significante Ratten , que , no desenrolar do
priado comparar os sonhos a um sistema de escrita do que a uma lin-
* , mas tamb é m d í-
£j
i tratamento foi traduzido por ratos (no sintoma f óbico ) guagem. Na realidade, a interpretação dos sonhos é totalmente análoga 3
çã o com a
vida (na relação ao pai), e secundariamente por filhos (na
rela ao dedframento de uma antiga escrita pictográfica, como os hieróglifos
*] Dama) e por excrementos (na língua da pulsão anal). egípcios. Em ambos os casos há certos elementos que não se destinam a
j A transcrição supõe variações na produção do sentido, levando-
condi çõ
se
es
ser interpretados (ou lidos, segundo for o caso), mas têm por intenção
servir de "determinativos", ou seja, estabelecer o significado de algum
j
m
í: em conta diferentes modos expressivos de uma língua ou suas
i de figurabilidade, notadamente da língua falada para a escrita
.A inter - outro elemento. (Freud, 1913, p.180)

5j preta ção de heterogeneidades temporais e dialetais que habitam uma lín -


s
„;
gua também é objeto do trabalho de transcri çã o. Freud
transcrição para referir-se às diferentes formas de associação
.
utiliza o termo
e dissocia-
, no
A expressão decifmmento, contida na passagem, sugere que pelo me-
nos dois processos que indicamos adma são necessários para compor a
interpretação. Isso porque tanto a transcrição quanto a trasliteração im-
j
! o ;
ção entre representação-palavra e representação coisa
-
artigo O Inconsciente (1915) discute se a incidência diferencial
são Augenverdrehen (literalmente, virador de olhos, no sentido metaf
Por exemplo
da expres
órico,
ção
- plicam ciframento, o que não ocorre na tradu ção.
Admitindo-se as variações que delimitamos quanto ao processo in-

!
terpretativo e conjugando-as aos modos de escuta posteriormente discu-
sedutor), supondo-se formas distintas de transcrição desta representa
sensa çã o sub - tidos, concluímos que de fato a abordagem linguística e retórica de Lacan,
^
no caso da histeria (conversão ocular) e no caso
jetiva de reviramento nos olhos). A "linguagem de rg
da psicose
ó
caso para outro, pois se tratam de modos diversos de transcrição da
ã o
(
" varia de —
um
mes-
anterior a 1964, é insuficiente para captar uma série de pontos cruciais.
Isto porque o aspecto semântico, elaborado e contornado habilmente na
esfera da primeira doutrina do significante, é insuficiente para lidar com
ma moção pulsional.
de as propriedades sintá ticas, morfológicas e narrativas da linguagem, pro-
A translitera ção, por sua vez, refere-se aos diferentes sistemas priedades estas que são necessárias para o trabalho de transcrição e trans-
escrita possíveis na linguagem. Sabe-se que a maioria das línguas glos -
sográficas, isto é, baseadas na representação da fala, podem admitir )-,
va litera ção.
riações conforme o princípio associativo, seja o morfema (
caso do chinês
nguas sem íticas ) ou a sílaba (caso A forma retórica da interpretação
seja um segmento da fala (como nas í l
do Linear B) ou ainda o fonema (caso da maioria das l ínguas ocidentais).
), que
Estes exemplos servem para mostrar, como apontou Sampson (1996 A compreensão dos processos interpretativos como mera produção
, com
não se deve confundir o grafema, derivado de um sistema de escrita ou tradução de sentido surge então como uma abordagem bastante par-
o significante, derivado de um sistema composto por fala e língua
. No dal da questão. O método psicanalítico possui inúmeras proximidades
caso da psicanálise, a transliteração é um modo de escuta particularmen te com a atividade de leitura ou interpretação de um texto, mas estas não 113
112
J
esgotam o problema. Isso porque a intenção deste método não é apenas chiste, mostramos como ao lado da metáfora e da metonimia é preciso
produzir um saber sobre o desejo, derivado de uma exegese do sentido, considerar a sinédoque como uma forma retórica importante nas inter-
mas transformar os modos de produção do sujeito a partir de suas alteri- pretações psicanalíticas (Dunker, 1999). Igualmente, tais figuras de pa-
dades (Birman, 1991). lavra não subsumem todas as possibilidades de constituição do chiste,
Desta maneira, convivem na prática psicanalítica da interpretação logo de estruturação das formações do inconsciente. Há formas retóricas
hermenêutica criptologia e análise estrutural por um lado, mas também, baseadas em processos sintáticos, como a silepse, a antanáclase e a elipse
retórica, pragmática e análise funcional da linguagem, por outro. A co- que são cruciais para a interpretação de certos tipos de chiste e que não
dependência entre interpretação e transferência no tratamento analítico, se conformam à estrutura geral do dualismo metáfora e metonimia, ex-
largamente tematizada pelos pesquisadores, é um exemplo do aspecto presso em Lacan. Há também formas retóricas baseadas em processos
híbrido deste método. A tensão entre a produção do sentido e a produção morfológicos, como o neologismo, a aliteração e a síncope que são irre-
do sujeito é um aspecto específico do mesmo problema. dutíveis sob o mesmo argumento. Finalmente, o último ponto fraco da
Se as formações do inconsciente possuem estrutura equivalente à de formalização linguística de Lacan anterior a 1964 é a exclusão que ela im-
certas figuras retóricas, como a metáfora e a metonimia, é razoável supor plica das chamadas formas retóricas de pensamento, que servem de base
~j a um extenso grupo de chistes analisados por Freud. A ironia, a antítese
2j que a interpretação seria o processo de desconstrução do sentido veicu- '
e o oxímoro são exemplos de jogos de palavras baseados no pensamento
ÍJ i lado por essas figuras. Tratar-se-ia, assim, de escutar "ao pé da letra" até
extrair o sentido literal expresso em linguagem metapsicológica, que em que perderam sua dignidade em face da supremacia dos dois grandes
S tropos organizadores da linguagem, que Lacan retoma da teoria de Ja-
última instância seria não ambígua. Não pensamos desta maneira. A ideia
I de que haveria tal ponto como o sentido literal é uma contradição com as cobson (1995). Neste sentido, o abandono da linguística por Lacan pode
representar uma insuficiência no desenvolvimento de suas categorias e 3
j premissas da teoria da linguagem em Lacan. Igualmente, é preciso recu-
sar a ideia de que a interpretação seria um processo de prolongamento da
não uma ruptura irredutível.
metáfora, na qual se expressam certas formações do inconsciente; ideia 5
ii esta defendida por Spence (1992). Isso porque tal prolongamento não é A forma retórica da alienação e da separação NJ

jj i '
suficiente para abordar as transformações subjetivas esperadas de uma
3 análise. Que as formações do inconsciente admitam estrutura similar à de
s Nossa hipótese é de que a marcação linguística dessas transforma- formas retóricas, isso não é suficiente para estabelecer uma teoria da in-
^
2
w I ções subjetivas, da alienação à separação, é expressa pela modificação
da forma retórica dominante no discurso. Isso não quer dizer que toda
terpretação. Esta precisa contar ainda com as regras de transformação a
que esta forma retórica está sujeita na situação analítica. Vimos que estas

Z
transformação deste tipo implique modificação do sujeito, mas que toda transformações podem ser distribuídas em função do teor do discurso e
o \ modificação do sujeito seria acusada por este indicador. A desconstrução da posição do sujeito e que elas se combinam aos modos de escuta tradu-
u" ; da metáfora não é sua redução ao sentido literal, mas sua transformação tivo, transcritivo e transliterativo. Vamos agora mostrar como a conjuga-
u
S em outra forma retórica. ção é possível a partir da análise de um sonho relatado pelo Homem dos
Em outro momento (Dunker, 1996) exploramos este problema con- Lobos (Freud, 1918):
frontando o que chamamos de interpreta ção fundada na metáfora à in-
Sonhei que um homem arranca as asas de uma "Espe". "Espe"?, não
terpretação fundada na alegoria, mostrando como cada uma derivava de pude deixar de perguntar; o que você quer dizer? "Um inseto de ventre
concepções diferentes do que é um sintoma. Hoje, percebemos como a listrado de amarelo, capaz de picar. Deve ser uma alusão à Grusha,
crítica da interpretação alegórica não é suficiente para justificar a unidade a pera pintada de amarelo". "Vespa (Wespe), você quer dizer" corri-
da interpretação baseada na desconstrução da metáfora. De fato, a forma gi. "Se chama Wespe? Realmente acreditei que se chamava Espe". (...)
retórica da interpretação admite inúmeras variações, mas se considerada "Mas Espe, esse sou eu, S.P." (as iniciais de seu nome). A "Espe" é
do ponto de vista pragmático, o critério mais claro para abordá-la baseia- naturalmente, uma Wespe mutilada.O sonho o diz claramente: ele se
se na suposição de que o efeito da interpretação é uma transformação da vinga de Grusha por sua ameaça de castração. (Freud, 1918, p.86-87)
forma retórica original. Ora, a forma retórica da metáfora implica a subs-
tituição de um significante por outro com a elisão do primeiro. Mas há O primeiro movimento da interpretação é claramente tradutivo; Ser-
inúmeros exemplos de interpretação que não se baseiam nesta estrutura. guei Pankieff substitui a vespa pela sua antiga babá, Grusha, cujo nome
Ao analisar as formas retóricas contidas no livro de Freud sobre o em russo quer dizer pera. Figura-se, assim, a ameaça de castração sofrida
114 115
, a interpretação dução se completa, mas deixa em aberto a causa do desejo. Afinal o que
na inf ância através da mutilação do inseto. Neste sentido deseja o Homem dos Lobos nesta insistência? Isso é apenas parcialmente
à descons-
que o Homem dos Lobos dá a seu próprio sonho corresponde entre os respondido pela desconstrução da metonimia.
trução de uma metonimia, pois conjuga associa ções
contíguas
significantes envolvidos, transportando o mesmo significado por meio de Voltemos ao sonho. O segundo movimento compreende uma pontua-
ção de Freud, que chama a atenção para o rigor do dito Espe, deixando de
um novo arranjo significante. Sua interpreta çã o entende o acontecimento
na série associa- lado a unidade do sentido que se preservara pela continuidade do discur-
significante contido no sonho como um elemento a mais so e tomando por irrelevante o fato de o paciente ter o russo por língua
tiva desenvolvida até então.
que materna e apresentar naturais dificuldades ao expressar-se em alemão.
Vale a pena notar que no início da análise o paciente recordara
ância ele fora tomado pelo Aqui a escuta privilegia o modo transcritivo, pois aponta a incompatibili-
durante o período de angústia vivido na inf
medo quando caçava uma borboleta listrada de amarelo. Meses
mais tarde dade ou equivocidade entre o dizer e o dito. Neste sentido, Freud se apoia
com uma na deformação morfológica da palavra, mais precisamente na presença
o paciente associou o abrir e fechar das asas de uma borboleta
" " , na es-
V de uma síncope; ou seja, figura retórica que opera pela supressão de um
mulher abrindo e fechando suas pernas em forma de "V". O
~; crita latina, liga-se ao horário em que culminam suas depress
ões diárias, e .
fragmento fonético da palavra Note-se que ao alterar o modo de escuta,
,o se Freud recusa a contiguidade da interpretação metonímica e reintroduz a
< j supostamente indicaria a hora em que se passara a cena primária que
J ; poderia inferir por uma interpretação transliterativa . Num per íodo pos - posiçã o enigmá tica de SI ( Espé), que agora não está mais indicado por lis-
, que apreciava tras amarelas ou por Grusha. Em outras palavras, esta intervenção convida
terior, o paciente recorda-se das peras listradas de amarelo
I
«. na juventude e que aparecem no discurso em contiguidade com
Nanya, a a associação a prosseguir sob outro modo de inserção subjetivo, marcado
£j -
babá que antecedeu Grusha. Assim, o sonho insere se no processo
inter- aqui por outra forma retórica.
S
mica. Propomos, A sequência revela, no paciente, a aparição de um terceiro modo de
pretativo evocando significantes em associação metoní j g
como forma retórica da metonimia, a adjunção de dois conjuntos
que con- escuta, o transliterativo: "Espe, este sou eu". Tomam-se duas expressões
*:
foneticamente semelhantes e se as diferencia pelo modo de escrita: "Espe"
\ °
N

têm em si diferentes séries associativas: i £


-
e "S.P." em alemão, pronunciam-se da mesma forma -, o que permi-

1 Borboleta listras amarelas <- vespa


-> pera <- Gruscha
te diferenciá-las é justamente a presença de determinativos, ou seja, os
pontos escritos que marcam a abreviatura. A escuta de Freud enfatizou,
: 0
; z

I Nanya

A relação entre os dois conjuntos é de reunião; as propriedades


do
portanto, a dimensãc? de escritura e não apenas a dimensão fonemá tica
da fala. :g
;u
S

1
Os determinativos, mencionados por Freud no trecho que citamos
primeiro conjunto se transportam ao segundo. A reunião
contém dentro acima, são empregados na escrita hieroglífica e serviram a Champollion
de si a interseção das propriedades comuns . O significado permanece es- .
de modo decisivo para a decifração da Pedra Roseta No caso do egiptó-
tável e não há ruptura da barra de resistência à significa çã o. Observe-se logo, foram os chamados cartuchos, que circundavam nomes próprios

! que esta metonimia é composta pela adjunção de duas sin

Nanya e pera por Grusha]. Na sinédoque observa-se a relação


o ou particulariza çã o
é

.
doques [listra
amarela pela borboleta e lista amarela pela vespa.] ou ainda pera
A
[

sin
por
entre dois
édoque é
como Ptolomeu e Cleó patra, o que permitiu isolar o valor dos grafemas da
escrita egípcia . No caso do Homem dos Lobos, encontramos pontos (S.P ),
-
mas poderiam tratar se de aspas ou de um sinal equivalente. Sinais que
.
significantes baseada na generalizaçã a
funcionam como embreantes (shifter) na passagem de um modo de escuta
um caso particular da metonimia, único caso que realiza perfeitamente ou de leitura a outro.
maneira , a com -
f órmula "parte pelo todo" (reunião). Formalizado dessa , Do ponto vista retórico, não se pode dizer que a relação entre "Espe"
a seguir
patibilidade com o diagrama da alienação, que esquematizamos e "S.P." está baseada na metáfora, na metonimia ou na sinédoque. A
aparece facilmente: atribuição do efeito da interpretação à homofonia significante, apesar
de correta, é ampla em demasia, pois a homofonia está presente tanto
Sujeito SI 4- S2 na dimensão morfológica quanto na sintática e na semântica. O mesmo
argumento se aplica à equivocidade; outro critério da interpretação as-
ao ser sinalado por Lacan (1973). No entanto, se combinarmos a análise lógica
SI indica o significante enigmá tico, carregado de não senso
o saber efe- com a transformação retórica, podemos especificar a direção do processo
realizado no sonho; ponto que pede associação. S2 representa
tra- interpretativo.
tivado pela ligação com SI a partir da alienação do sujeito. Assim
, a
117
I 116
" . ." faz com que o sujeito obra, isto corresponde à ideia de que: "(...) é entre o significante do nome
O efeito produzido pela emergência de S P próprio de um homem e aquele que o abole metaforicamente que se pro-
". Neste movimento, todo o
se apreenda em sua causa: "Mas S.P. sou eu
conjunto de pulsões que coordenavam as
associações são realocados. Não duz a centelha poética" (Lacan, 1957, p. 511).
ção do Outro, nem de se A metáfora não é pensada, neste caso, em acordo com a tradição aris-
se trata apenas de olhar sádicamente a mutila sobreposição das fal- totélica da conjugação de semelhanças, mas no recobrimento de diferen-
uma
identificar à sua castração imaginária, mas de
o. Em termos lógicos, trata-se ças, daí a posição vazia na interseção. Assim, pode-se escrever a forma
tas que põe o sujeito em posição de separaçã
. e notar que esta retórica do processo interpretativo:
da operação de interseção e não de reunião É important interpretativo
separa ção só pode ser apreendida no contexto do processo
que propiciou no primeiro momento a alienação
. Espe -> inseto de listras amarelas (alienação)
dos predicados
Outro movimento importante é a passagem do plano Espe -> ? A Wespe (pontuação)
inovação trazida pelos
ao plano do ser. Segundo Soller (1997), esta é uma
diagramas da separação/alienação; isto é a possibilid
ade de responder à -
Espe A Wespe mutilada < Gruscha, cena da castração (alienação)
questão do desejo com a do ser. Espe <- S.P. Sou eu... (separação)
numa outra
3
„ Poderíamos imaginar a contingência desta passagem
.
, .88) e Obholzer (1993,
continuidade do discurso. Segundo Mahony (1992 p " P."também à fi-
- Ij

|i p.107), o próprio Serguei Pankieff associara


as iniciais S.
-
-
Note se que se não houvesse a passagem do modo de escuta tradu
tivo ao transcritivo, o que se acompanhou de uma passagem da forma
-
gura de um famoso ator homossexual de Odessa - sua cidade natal que
os i
^; certa vez se aproximara dele com intenções sedutoras
deu
. Igualmente a letra
margem a comen-
retórica semântica para a morfológica, não se poderia distinguir a dupla
função de "S.P.". De modo inverso, se não contássemos com a locali- ; z
s
i "W", elidida pelo ato falho, é bastante sugestiva e zação da série significante obtida no primeiro movimento do processo jD
ao caso clínico em
^ tá rios bizarros entre alguns autores que se dedicaram interpretativo não se poderia fixar a cadeia associativa posterior organi- I„
ção do "V", hora 3
questão, por exemplo: o "W" é composto pela duplica zada metonimicamente. Isso concorda com a tese defendida por alguns i
"V" invertido toma-se
suposta da cena primá ria (cinco horas da tarde); o ^1
Isi
*j
">", ou seja "menor que" mas também o perfil grá
devorador; "W" se pronuncia "Weh", que em
no dialeto austríaco "desgosto" (Mahony,1992 p 86
seguissem estes caminhos, provavelmente não
alem
fico da boca do lobo
ão significa "dor" e
, . ). Se as associações
se teria alterado a posição
linguistas de que a metáfora é composta pela relação entre duas metoni-
mias. Freudianamente, isso equivale a dizer que a condensação é com-
posta pela adjunção de dois deslocamentos. A forma retórica sugerida
acima replica a formalização lógica proposta por Lacan para expressar a
separação, a saber:
.
:
j
2

~
5
considerado sob outro
j subjetiva, e o processo interpretativo deveria ser
ângulo.
Freud encerra seu comentário afirmando que o sentido
do sonho é Sujeito <- a -> -
S1 S2
entanto, a ideia de que

^
f .
claro; a Espe é uma Wespe mutilada (sem o W). No
isso permitiria retomar ao conjunto do sonho
vingança quanto à ameaça de castração sofrida pela
, sob a égide do desejo de
babá, levanta pro-
ocupa na narrativa
O campo do Outro (conjunto da direita) está ocupado pela cadeia
significante (SI - S2), mas algo deste campo se destacou (o objeto a) tor-
nando o campo do Outro incompleto. Como isto que se destacou não é
blemas. Ela é compreensível pelo lugar que o sonho ção. Mas um elemento do Outro (um significante) mas uma parte dele, mais pre-
ameaç a de castra
do caso, funcionando como peça probatória da
da associaçã o. O cisamente a parte dotada de gozo, a interseção pode ser lida como vazia.
metainterpretação contradiz diretamente os fatos
" não apenas "A vespa Inversamente, o campo do sujeito (conjunto da esquerda) está agora ocu-
que o paciente diz é "A vespa mutilada sou eu e no
primeiro movi- pado por um sujeito cuja falta se inscreve na letra e não no significante.
mutilada representa Grusha" - o que afinal se obteve Essa relação entre o sujeito e o objeto a (fantasma) é de disjunção, ou seja,
insuficien te.
mento interpretativo e que foi percebido como perda de gozo. Assim, ele se encontra duplamente dividido: pela cadeia
a forma me-
Nesse plano metainterpretativo é possível reencontrar significante e pelo gozo.
tafórica ou contrametafórica do processo. Propomos
representar a forma
, onde sua interse- A análise do "vel" lógico, feita por Lacan para especificar as opera-
retórica desta metáfora pela adjunção de dois conjuntos ções de alienação e separação que expressam a causação do sujeito, é em
ção não contém nenhum elemento significante
, mas justamente o que lhe
barrado são conceitos última instância a análise das funções lógicas possíveis do conectivo "ou-
está em exterioridade. A letra, o objeto a e o S de A ou". Ora, o "ou" inclusivo (alienação), exclusivo (separação) e o "ou" da
linguística de sua
que Lacan propõe para designar este campo. Na fase 119
escolha for çada (um tipo especial de alienação), não podem ser apreendi- Referências
dos fora de um processo interpretativo. Isso combina com a tematização
inicial destes conceitos no artigo Posição do Inconsciente (Lacan, 1964) em
termos da temporalidade. ALLOUCH, }. Letra a Letra - Transcrever, traduzir, transliterar. Rio de
Companhia de Freud, 1995. Janeiro:

Considerações finais BIRMAN, J. Freud e a Interpretação Psicanalítica. Rio de


mará, 1981. Janeiro: Relume Du-
A ideia de que os conceitos de metáfora e da metonimia foram subs- DUNKER, C.I.L. Lacan e a Clí nica da Interpretação.São Paulo: Hacker
tituídos pelos de alienação e separação, no período de 1964 a 1968 da 1996. /Cespuc,
obra de Lacan, já foi apontada por alguns comentadores (Laurent, 1997,
. Processos Retóricos na Teoria Freudiana do Chiste (
p.31; Fink, 1998, p.81). A tendência era compreender esta substituição separata), 1999.
como uma ruptura que separava claramente o Lacan linguístico do Lacan FINK, B. O Sujeito Lacaniano - Entre Linguagem e Gozo. Rio
de Janeiro: Jorge
e lógico, mormente acrescida de uma desvaloriza çã o do primeiro. Nosso
estudo procurou mostrar que tal ruptura deixa em aberto uma rica pers-
Zahar, 1998.
FREUD, S. Fragmento da Análise de um Caso de Histeria (1905).
s pectiva de releitura do primeiro Lacan através da conjugação da análise
retórica com a análise lógica. O dualismo, certamente herdado da pers- . A Propósito de um Caso de Neurose Obsessiva (1909).
pectiva estrutural, poderia assim ser redimensionado naquilo que tem de . O Interesse pela Psicanálise (1913).
redutor, para além das vantagens metodológicas que ele inegavelmente
carrega. . O Inconsciente (1915). s
Ê
D
Dois pontos permanecem ainda obscuros após este percurso. O pri- . Da História de uma Neurose Infantil (1918).
i meiro diz respeito à apreensão clínica do sujeito no caso da separação S
3 realizada na operação de travessia do fantasma. O que o distinguiria da JACOBSON, R. Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1995.
£ primeira separação do sujeito, analisada do ponto de vista retórico? A res-
s
s posta talvez resida na amplia çã o da pesquisa para o campo da chamada
LACAN, J. O Seminário - Livro XI. Os Conceitos Fundamentais da
(1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Psicanálise
2
\i
retórica dos argumentos, campo este capaz de fornecer uma nova base de S
g consideração do Outro em termos psicanalíticos. O Seminário, Livro XV. O Ato Analítico (1968) (separata
).
2 5
u O segundo ponto problemá tico diz respeito à relação entre os dife- Instância da Letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud
(1957).
rentes tipos de efeitos da interpretação e os modos de escuta possíveis
Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (
do discurso. Vimos no fragmento de análise examinado que a passagem 1956).
u pelo modo transcritivo foi fundamental para a separação entre letra e Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente Freudiano
significante e para a emergência do sujeito em separa çã o, mas não teria (1960).
sido isso uma contingência ? Seria, de fato, necessá ria esta passagem? O
. Posição do Inconsciente (1964). In: Escritos. Rio de
problema ganha em amplitude se o notarmos em um exemplo clássi- Zahar, 1998. Janeiro: Jorge
co da clínica lacaniana. No caso apresentado por Laplanche e Leclaire
(1961) em tomo do sonho do Licorne ( unicórnio) as mesmas operações de . L'Etourdit (1972). In: Scilicet, n. 4. Paris: Seuil, 1973.
transforma ção linguístico-retóricas podem ser constatadas. A solu ção do LAPLANCHE, J.; LECLAIRE, S. O Inconsciente um estudo psicanaliti
problema traria consequências importantes para o entendimento de te- co (1961). In: J. Laplanche. O Inconsciente e o Id. São -
mas clínicos como a travessia do fantasma e a destitui ção subjetiva, que 1992.
Paulo: Martins Fontes,
são francamente inabord áveis se nos mantemos na esfera do sujeito da
aliena çã o e das opera ções de desalienação baseadas no reconhecimento LAPLANCHE, J. & PONTALIS, B. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo:
Martins Fontes, 1986.
do desejo.
LAURENT, E. Alienação e SeparaçãoI. In: FELDSTEIN, R. et al. (orgs.).
Ler o Seminário 11 de Lacan Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Para
120 1997.
121
, 1992.
MAHONY, P. O Grito do Homem dos Lobos. Rio de Janeiro: Imago
MAINGUENEAU, D. O Contexto da Obra Literaria. São Paulo: Martins
Fon-
Interpretação na Psicose
tes, 1995.
. São Paulo:
SAMPSON, G. Sistemas de Escrita, Tipología, Historia e Psicologia
Ática, 1996.
, 1992.
SPENCE, D. P. A Metáfora Freudiana. Rio de Janeiro: Imago
. (orgs.). Para Ler o
R. et al
SOLLER, C. O Sujeito e o Outro II. In: Feldstein,, 19W.
Seminário 11 de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
: Jorge
OBHOLZER, K. Conversas com o Homem dos Lobos . Rio de Janeiro
Zahar, 1993.
3 TODOROV, T. Teorías do Símbolo.Campinas: Papirus, 1996.
'i

O
Perda de realidade e delirio
ÇU

y'Vois tópicos deixados pela apreensão freudiana - a perda da realidade


\~J e a construção delirante - ainda são a chave para a compreensão das
psicoses. Há em Lacan um extenso trabalho crítico em tomo da noção de

i perda da realidade. Curiosamente, estes dois termos encontram sistemá-


ticamente uma definição tautológica. A prova da perda da realidade é a
5 existencia do delirio e, inversamente, o delirio se define pela corrupção da
£ realidade. Por exemplo, no DSM-IV-R encontramos a seguinte definição
normativa para o delirio:
1z
Urna falsa crença baseada em uma inferência incorreta acerca da rea-
lidade extema, firmemente mantida, apesar do que quase todas as ou-
tras pessoas acreditam e apesar de provas ou evidências incontestes em
so contrário (p.721)
,

Depois desta definição precá ria, o que vemos são tentativas de cor-
reção. A crença não deve ser aceita pela cultura a que o sujeito perten-
ce. A intensidade da convicção delirante pode variar de acordo com um
contínuo que leva à dificuldade em distinguir a crença delirante de uma
ideia supervalorizada. Segue-se uma classificação dos delírios por seu
conteúdo.
Destaco, nesta definição, um termo-chave que passou algo desperce-
bido na psicanálise: crença. Trata-se de uma "falsa crença" em desacordo
com a "realidade externa". Mas o que é uma crença? Seria ela uma forma
de certeza, uma significação da significação (Lacan, 1958). Não me parece
necessário fazer esta aproximação, pois sabemos que nem sempre o su-
jeito psicótico tem certeza de sua crença, que não obstante continua lá.
122
diz respeito a este trabalho com o delirio, este atravessamento do delírio
Mais ainda, como se pode ver no filme Urna
Mente Brilhante (Ron Howard,
(Freud, 1911), em seus de-
que, como sabemos, não se consegue obter em todos os casos de psicose.
2001) e no próprio caso do Presidente Schreber de uma crença Levar um paciente até este momento residual do delirio exige uma teoria
senvolvimentos finais, é muito comum o estabelecimento . Ou seja, crença e que explique não apenas o desencadeamento da psicose - como é o caso
que o sujeito sabe ser falsa, mas que continua presente da teoria da foraclusão do Nome-do-Pai - mas que mostre como a função
saber são dois aspectos distintos do delirio. do nome participa da articulação do delírio. Além disso, precisamos de
" óneas" que podemos
E por que diante da infinidade de crenças err uma teor ía que dê conta da articulação do saber na psicose fora do mo-
no que caracteriza o
imaginar, afinal, são tão poucas as que verificamos mento de crise. É só pela articulação destes dois aspectos que poderemos
outro, pois somos alguém
delírio? Crença de que somos controlados pelo deduzir uma concepção sobre a psicose não desencadeada.
, autorreferência, in-
mais importante do que de fato somos (megalomania A hipótese que quero desenvolver aqui é de que para entender a
, ou de que não somos
fluência)? Crença de que somos amados pelo outro lógica da crença precisamos entender a função do nome ou da nomina-
(erotomaníaco, ciúmes, melancolia)? Crença
de que somos percebidos,
ção. Para entendemos a lógica do saber precisamos retomar o tema da
em nosso corpo, como algo diferente do que nó
s mesmos percebemos
experiência psicótica. fantasia na psicose.
-
<i
; (somático)? Isso responde a um fato elementar
,
Um psicótico sabe que um delirio é um delirio que
da
uma alucinação é urna
de acreditar nisso. A A significação do delírio: o Nome- do- Pai
i alucinação, ocorre que ele não consegue se impedir
j
delirio se altera
5i relação entre crença no delirio e saber produzido pelo
que delimitam a
! substancialmente se consideramos os quatro tempos Minha tese é que a lógica da significação no delírio deve ser distin-
u
OH experiência psicótica, a saber: guida da lógica da significação do delírio. Em outras palavras, as regras 1
1. a pré-psicose ou psicose não desencadeada que coordenam a construção delirante diferem das regras que regulam a j ®

constituição do delírio. Isso permite levantar um problema sobre a con-


2. o desencadeamento psicótico ou surto j
cepção de Lacan acerca da foraclusão do Nome-do-Pai.
3. o per íodo de construção delirante
i
!Iz
Ji
:
4. a fase teminal ou residual

O desencadeamento se caracteriza pela emerg


cie de crença sem saber; é por isso que aqui
dos fenômenos elementares e do automatismo mental
acontecimentos que possuem a dimensã o de
uma
ência de uma espé-
Lacan valorizava a presença
; ou seja, pequenos
revela ção, ou de uma
ência de crença va-
epifania (Joyce). Neles, o sujeito passa por uma experi ,
apelo invocação, inter-
É pela falta do Nome-do-Pai neste lugar, pelo buraco que abre no
significado, que se inicia a cascata dos retoques significantes de onde
procede o desastfe crescente do imaginá rio, até que alcance o nível em
que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante. (La-
can, 1958)

Para Lacan, o delírio se instala no lugar de uma significação suspen-


j
zia, não há conteúdo, não há significação, apenas dida irrealizada, ou melhor dizendo, não acreditada (Unglauben). O de-
,

1 pelação do Outro.
No período de construção delirante esboça-se uma
tar de sentidos, articula-se uma narrativa que pode
mais reduzida, mais fragmentá ria ou mais coerente
rede suplemen-
ser mais extensa ou
. Aqui, saber e crença
lírio vem a ocupar a função de uma metáfora irrealizada na ordem da
constituição do sujeito. Isso nos leva a uma teoria muito simples sobre a
significação do delírio, ou seja, de que ela deve cumprir a função da me-
táfora paterna, ou seja:
a mais aguda an- • articular a relação simbólica de filiação
vivem uma espécie de disputa: o sujeito experimenta
ê, ou de uma crença da • estabilizar o drama identificatório do sujeito
gústia produzida por um saber no qual não se cr
qual não se sabe. • estabelecer um modo preferencial de gozo na fantasia
uma espécie de es-
Finalmente, o momento terminal é marcado por Mas que a significação do delírio sempre remeta a um destes termos,
vaziamento da crença com a permanência de
um saber. É justamente a
Aimé que chama a aten- e preferencialmente aos três, isso não nos ilumina em nada a forma es-
precipitação deste momento terminal no caso pecífica como isso será feito. Por exemplo, o delírio do Presidente Schre-
a atriz Hugette Duflos,
ção de Lacan. Logo após a tentativa de assassinar ber se articula em torno de quatro arestas ou problemas que jamais se
Aimé pacifica sua forma ção delirante, movimento
que Lacan (1932) cha-
fecham:
ma de "cura". 1. o gozo transsexualista da cópula com Deus (i)
o melhor ser-
Faço esta consideração introdutória, pois entendo que 2. o futuro da criatura na nova ra ça ( m )
viço que o método psicanalítico pode prestar ao
tratamento das psicoses 125
3. ser deixado cair ( liegen lassen ) por Deus (M) enunciados e enunciações, lugar onde se inscreve o sujeito. É o que Freud
chamava de uso das representações-palavra ao modo de enlaçamento das
4. a investigação sobre o que sustenta Deus (I)
-
representações coisa. Encontramos aí a regra para a formação das signi-
ficações no delírio.
Esses quatro subtemas delirantes se referem à solução das ques - Mas não devemos confundir tais enunciados com o valor que este
:
tões antes colocadas: filiação, identificação e sexuação. Sinteticamente conjunto de significação tem para aquilo que o determina, ou seja, seu
transformar-se em uma mulher (emasculação), copular com Deus ter
, seu
sentido. A relação entre um universo de significação e seu sentido é uma
corpo deixado de lado e dar origem a uma nova raça". São estas quatro relação de designação, não de significação ou de descrição. Assim como
arestas, que se aproximam assintoticamente, sem se fechar, que definem um nome próprio, o sentido designa algo ou alguém, mas não o descreve
a realidade no delírio, como o mostra o esquema I. Realidade cuja defini- ou significa.
de
ção, aqui, é interna, sugere coerência ou fechamento de um universo
coleção Serge Leclaire (Leclaire, 1998) narra um processo de desencadeamen-
significação e não a apreensão do mundo entendido como uma to da psicose em que esta distinção entre sentido do nome, que é objeto
de objetos: de uma crença, e significação gerada pela fantasia podem ser exemplifica-
í (...) Podemos apreender como o aprisionamento homológico da signi - dos. Trata-se de dois amigos que passam a noite na "gandaia" parisiense.
< -
ficação do Sujeito S sob o significante do falo pode repercutir na sus De tanto beber nã o conseguem encontrar o caminho do hotel e encon-
tentação do campo da realidade, delimitado pelo quadrilátero MimI
. tram neste momento dois "andorinhas", que é a gíria francesa para dois
i (Lacan, 1958, p, 559) policiais, que fazem a ronda noturna de bicicleta. No dia seguinte, um
i deles não se lembra de nada. Volta então para os Estados Unidos, onde
i
O delírio se prolonga indefinidamente, pois a significação do delírio mora, e depois de alguns meses desenvolve um delírio em que acredita ;*
é o desenrolar aberto destas perguntas. Mas isso não nos ajuda a enten- ser uma águia, escuta m úsicas com sons de passarinho e desenvolve uma
°
j
der a diferença clínica crucial entre um delírio organizado, funcional ou
pacificador e um delírio disruptivo, precá rio ou fragmentário. Isso não
obsessão ornitológica. "Andorinhas" entra como um nome que induz à
I
1i
precipitação do delírio e a fantasia com pássaros.
nos permite entender por que este paciente, diferentemente daquele ou - I
tro, consegue manter-se em uma articulação de saber ou de escrita que 0 sentido no delí rio; a fantasia
o protege da alucinação, da angústia e da passagem ao ato. Isso só pode
ser pensado quando se considera a própria significação engendrada no
=s
£
Aqui, adianto minha segunda tese. Se a significação do delírio é
delírio. Quando a significa ção dentro do delírio encontra problemas para garantida pelo Nome-do-Pai, a significação no delírio é garantida pela
se manter. fantasia. Para simplificar. Se perguntarmos, afinal, qual é a natureza da
Poderíamos recorrer aqui à distinção entre significação ( Bedeutung ) e
- significação envolvida nestas quatro pontas que não se amarram, e que
! sentido (Sinn). Na lógica modal é comum a distinção entre diferentes uni
versos. Um universo é um conjunto definido por uma série de proprie
dades, por uma determinada gramática que confere valores de verdade
- formam a totalidade do delírio de Schreber, a resposta é: algo semelhante
-
ao Nome-do Pai, o que é geralmente lido clínicamente pela dispersão dos
temas edipianos.
aos enunciados produzidos. Cada universo, assim definido, possui regras Mas se perguntamos por que Schreber arma um delírio tão conse-
semânticas próprias para a geração de enunciados, ou seja, possui uma quente e estruturado, ao passo que outros o fazem de modo tão pobre e
lógica que define sua significação. Podemos também considerar relações
entre universos diferentes, com regras de significação diferentes. Pode - precário, a resposta não pode ser "porque falta o Nome-do-Pai". A res-
posta tem de ser algo na natureza da fantasia. Algo relativo à forma como
,
mos agrupá-los em famílias, verificar regiões de sobreposição, etc. Ora ela articula esta janela de onde o psicótico também vê a realidade, o lugar
estas relações entre os universos podem estabelecer o sentido das relações
de onde ele também encara sua verdade em estrutura de ficção.
entre os universos. Espero que assim fique mais clara a relação que quero
propor entre a significação no delírio e o sentido do delírio. Para justificar este ponto, chamo Freud em meu apoio. A distinção
metapsicológica mais nítida que Freud faz entre neurose e psicose não é
Podemos nos preocupar, então, com certos enunciados que não são de que uma é edipiana e outra pré-edipiana, nem mesmo que na neurose
nem verdadeiros nem falsos, mas apenas mal construídos, como por o conflito é entre ego e id e na psicose entre ego e realidade, mas que na
exemplo "casa o", "Chinesentum", etc. Expressões que corrompem as re- neurose, diante da castração, o sujeito regride, desinveste a realidade, in-
J gras usuais para formação de enunciados, bem como para a relação entre
127
troverte a libido no eu e investe um objeto de sua fantasia
. Na psicose te - delira mais é o paciente ou o analista. Afinal, é Bion quem acredita que
um pedacinho de pele do rosto é equivalente de run pênis. Perguntem por
o marcada tipicamente pela
mos os mesmos passos, regressão, introversã (
aí, em nossa cultura, e chequem o nível de convicção que isso poderia ter
.
hipocondria), mas falta um investimento do objeto na fantasia e verão que não é um exagero. Bion pode estar certo quanto à significa-
do delírio,
Isso ilumina, adicionalmente, a diferença entre a estrutura írio, que ção no delírio, mas está completamente equivocado quanto ao manejo do
-
que é uma versão fracassada do Nome do-Pai e fun
, a ção do del
motivo que podemos sentido do delírio. O paciente está tomando a expressão "pênis" por um
é fazer um investimento na fantasia. É só por este nome, não por um significante. Não é um significante aprisionado em seu
do delírio na neuro-
encontrar, e efetivamente encontramos, a presença uso imaginário - o que define uma fantasia neurótica para Lacan -, mas
. O que acontece
i se. Delírio que tem um papel funcional e não estrutural com a re- um nome.
quando a fantasia do Homem dos Ratos sofre um reviramento Ora, o que o paciente diz corresponde a uma inferência causal en-
e do encontro com a
alidade, nas circunstâncias das manobras militares
Nome-do-Pai, mas tre pedacinho de pele e sentimento de vazio, errónea poderíamos dizer.
narrativa da tortura? Não ocorre uma foraclusão do Além disso, há esta afirmação muito curiosa: "Não entendo... pênis... só
uma formação deli-
uma extensão de sua fantasia realizada por obra de Tenente A ou sílabas". Se a significação do delírio está na castração, a significação no
ao
~I rante: ir ou não à agência postal em Z, pagar o dinheiro delírio constitui um caso clássico de confusão entre uso e menção (a pa-
B, etc. Que se trata de um delírio, isso é textual em Freud
.
3 as diferen ças clínicas entre a lavra "cachorro" não late). É um ótimo exemplo do que Lacan chama de
Nosso problema se desloca, então, para uma irrupção do código na mensagem. Na clínica da significa ção no de-
do delírio. Notem
I -
incidência do Nome do-Pai e da fantasia na express ã o
; ou seja, a tentativa lírio este ponto é fundamental, pois ele é o ponto de abertura para a in-
que esta distinção é um tema recorrente em Lacan flação imaginária e o ponto de desestabilização do delírio. Este momento
fantasia paterna, da
de demonstrar que a função paterna é diferente da
.
preciso do discurso em que aparecem fenômenos de dois tipos: 3
figura paterna ou da identificação patema.O Nome-
do-Pai garante se há i »
i 1. Um código constituído de mensagens sobre o código. Ou seja,
á esta significação. jQ
^ significação ou não, a fantasia é quem dita qual ser é a substituição da função referencial da linguagem por uma
Como condição de possibilidade de toda significa ção possível, o Nome- \£
„; função metalinguística. No presidente Schreber é o ponto de
isso ele é um nome
do-Pai não pode, ele mesmo, ser uma significação. Por
j o
ia2 j e não apenas um significante. É a fantasia que dá o
estatuto fálico à sig- aparição dos neologismos (Entmannung), da língua fundamental
i ( Grundsprache), que é ela mesma um neologismo que versa sobre
£I nificação. a produção de neologismos. Há uma confusão relativa ao desig- :
; £
nador rígido do código. Cada vez que a função da nominação é j «

|i A intervenção na fantasia convocada para o sujeito psicótico seu delírio se desorganiza . É Iu


por isso que um dos critérios clínicos mais sólidos em situação
l
U Comecemos com um exemplo de um paciente esquizofr
énico aten- de desencadeamento é a aparição de neologismos. Mas nestes
°i dido por Bion: neologismos seria preciso distinguir aqueles que têm valor de
significante e aqueles que têm função de nominação.
l "P - Arranquei um pedacinho de pele do rosto e
vazio.
me sinto muito 2. Uma mensagem reduzida ao que no código indica a mensagem.
Ou seja, é a função do shifter ou indexador, aquilo que na mensa-
A - O pedacinho de pele é o pênis que você arrancou
, e todos os seus gem indica quem, onde e quando se localiza o sujeito da enuncia-
órgãos saíram junto. ção. Há uma imagem para descrever este aspecto da experiência
P - Não entendo... pênis... apenas sílabas. psicótica. Imaginemos alguém perdido em uma ilha deserta que
sentido.
A - Você cortou a palavra "pênis" em sílabas e ficou sem de repente recebe uma mensagem que chega do mar dentro de
: "se não posso uma garrafa. A mensagem diz: "Encontre-me, amanhã, no lugar
P - Não entendo o sentido, mas sinto vontade de dizer
de sempre, de acordo com o que combinamos". Notem que para
soletrar, não posso pensar". (Bion, 1955)
interpretar a mensagem é necessá ria a função de substituição
O exemplo mostra como Bion está às voltas com a significa
ção espe - dos elementos dêixicos: onde é lá? quando é amanhã? quem é nós?
rada para o delírio, no caso, a resolução da castração do
nível do corpo, Estes indexadores são eficazes na neurose porque há fantasia; na
e, por isso, sua intervenção segue este rumo, o rumo
da fantasia paterna. psicose eles precisam ser construídos pelo delírio. Em Schereber,
se quem corresponde ao momento de interrupção da mensagem no pon-
Voltando à definição de delírio, não podemos dizer realmente 129
128
". podemos é quando ele encontra um nome: homossexual. Um nome que o define e
to em que se decidir á "de onde o sujeito fala Aqui , tem este poder de centralizar sua queixa reivindicatoría nos termos de
localizar uma série de fenômenos de intrus ã o do pensamento
do destinatário. outra significação que não ela mesma.
de influência e de indeterminação do emissor e
Por exemplo: "Agora vou... ir ao banheiro
". H á uma confusão Voltemos à hipótese da significação (Bedeutung) no delírio (fantasia),
relativa ao indexador da mensagem. separada do sentido ( Sinn ) do delírio, entendida como foraclusão do No
- -
me do Pai. Se a função paterna é suficiente para nos dar a significação do
-
delirante, é saber delírio, penso que é o nome que nos dá a pista para o sentido no delírio.
A questão fundamental, para a clínica da metáfora
ótico, como apon- Nomes, e nomes próprios em particular, são justamente uma função da
como se organiza o saber fora do desencadeamento psic circunstâncias
nestas
taram Calligaris (1989) e Dor (1991). Sabemos que -
linguagem definida pela designação sem significação. Perguntar pela sig-
por seu delírio. Sabemos cam‘~
nificação de um nome é o mesmo que perguntar pelo sentido de uma pa-
nem tudo o que o paciente diz está tomado código ou
da que há a presença deste momento em que os fenô menos de lavra para alguém que não conhece a língua. Vejam bem, não confundir a
, portanto, na escuta função do nome, a nominação, com palavras que usualmente entendemos
de mensagem se apresentam. Toda a diferença reside
, às vezes quase por nomes próprios. Os nomes próprios têm uma significação, por exem-
j e no destino a ser dado para estes pequenos movimentos
plo, Mathias é "presente de Deus", Cecília quer dizer "cega", Vanessa é
imperceptíveis, no nível da nominação.
S
<
"borboleta" e assim por diante. Mas quando usamos os nomes desse
jeito
não estamos na função dos nomes próprios. O nome próprio não é um
S A intervenção do nome conceito, nem uma relação, nem mesmo um sinal. Como apontou Frege:
I Lembremos, agora, o caso relatado por Ferenczi (1991
) de um pacien-
estabilidade A conexão regular entre o sinal, seu sentido e sua referência é de tal
te que ele acompanhou durante 14 anos e que encontrara
uma
modo que o sinal corresponde a um sentido determinado e ao sentido,
todas pequenas
as
relativa de sua paranoia. Ele anotava cuidadosamente por sua vez, corresponde uma referência determinada, enquanto que ¡
afrontas, gestos indelicados e intenções desagradáveis
que percebia em a uma referência (a um objeto) não deve pertencer apenas um sinal.
tempo, ele acabava
2 cada um de seus colegas de trabalho. Depois de algum e espe-
(Frege, 1978) S
por formular um relatório minucioso denunciando ocorridosem uma
os 2
z
redundava
S rando justiça por parte de seu chefe. É claro que isso
Esta formulação, no geral, é compatível com a estrutura da lingua-
» : migração periódica de emprego. Mas isso, junto
com uma f értil atividade gem em Lacan. Basta substituir a expressão sinal por significante e sen- E
um funcionamento
literária e idas infrequentes a Ferenczi, permitiram tido por significação e temos o esquema lacaniano de um significante se
S
que chega o tempo em que ele aca- u
social e subjetivo suportável. Ocorre
!
a ba tendo que ser aposentado, o que o deixa um pouco
, come
confuso, mas não
ça a se interessar
articulando com outro significante determinando uma posição temporal
da significação. O conjunto do deslocamento significante aponta para a
o: desencadeia maiores problemas. Neste ponto ele referência f álica, como representante da falta de objeto. Inversamente, a
de Ferenczi onde
Sfj por textos psicanalíticos, chegando a ler alguns livros . Depois de referência f álica não aponta para apenas um significante, mas para o con-
oI encontra a hipótese da significação homossexual da paranoia junto dos efeitos de significação.
iluminação". Ele
resistir a este ideia, ele a admite como uma "maravilhosa
- válida para si. Ocorre que temos duas exceções neste esquema, que justamente se
passa a acreditar vivamente nesta ideia e a admiti la como sobrepõem aos dois fenômenos característicos da psicose: código e men-
ções, delírios
Isso é o início do agravamento do quadro. Surgem alucina
e uma completa desorganização de sua vida que termina
em apatia cata- sagem. As duas exceções são a presença do indexador, ou seja, o shifter
que indica na mensagem como ela deve ser interpretada. O indexador
tônica. responde, na cena enunciativa, à pergunta: "Quem fala ?", mas ele res-
que
O caso nos mostra bem esta organização de um saber paranoico li ponde a esta pergunta no nível da mensagem. No nível do código, ares-
não necessariamente evolui para um desencadeamento
. A fun ção da - posta a esta pergunta é o nome, o nome próprio. Se há um sujeito, tem de
deslocamento,
teratura e as periódicas mudanças de emprego - cura por haver um nome e um indexador. O nome sempre designa a mesma coisa,
se estabilizasse.
segundo Ferenczi - permitiam que a metáfora delirante simbólico re- por isso é chamado também de designador rígido. Sua função é desqua-
O que deu errado, então? A perda do seu pequeno casulo lificar o sujeito, ou seja, tomá-lo para além de um feixe de descrições. Se
presentado pela situação de trabalho, onde ele podia fazer
por si mesmo,
no indexador temos a presença do sujeito da enunciação, no nome temos
o de sua demanda?
e tendo Ferenczi por testemunha, a função de escrivã a sua ausência (Schneiderman, 1988),
da história que
j
; Não penso que isso seja suficiente. Há o momento crucial 131
O anelamento entre estas duas funções de
inscrição do sujeito na lin-
T internação, onde a rotina, rigorosamente controlada oferece uma espécie
é preciso não apenas saber, de suporte imaginário para a indexação do sujeito.
guagem fica claro se tomarmos situações onde a situação de casamento,
ou ter certeza, mas também acreditar. Tome
-se Mas a outra parte do drama que o psicótico vive depende de sua re-
ê... etc.". Por que é preci
por exemplo, se diz: "Eu, Christian aceito voc " o designador í
- lação com uma nomeação na qual ele pode realmente acreditar. A função
so dizer "eu", um indexador, e depois Christian especialmente neste
" rgido? da fantasia, na neurose, permite ao sujeito manter-se em um estado de
Por que sem esta conjunção poderia perguntar- -
se e incerteza ou de esperança desacreditada com relação ao nome. Aqui devo
frase?" . Vejam que é a atrapalhação destacar a importância de sistemas simbólicos disponíveis na cultura, ge-
momento - "mas quem eu nesta ' '
sou eu para fazer isso?
neurótica básica que está em jogo aqui: "quem ralmente sistemas relativamente fechados, como a religião, a política e a
Quem sou eu para desejar aquilo"? Fica claro
então que a função de no- televisão. Na psicose, o sujeito sofre com este excesso de nomeação, cuja
, ainda, que ela não se forma típica e muito angustiante são as vozes. Vozes que costumeiramen -
minação não é uma função de descrição. Insisto
o caso mais conspícuo. te xingam, execram e rebaixam o sujeito. Mas o que são xingamentos se -
limita aos nomes próprios, se bem que estes sejam
Hoje se diz tão frequentemente "Sou o Júlio
da Motorola" ou "Eu sou não nomeações? Xingar é o mesmo que dizer " nomes feios".
de revista, padre, médico
j alguém na vida: funcionário da prefeitura, capa Quero finalizar deixando uma questão preliminar a todo tratamento
^
efeito de encantamento,
'
<; ou policial". Esse tipo de designação, que tem um possível do delírio. Seria preciso pensar uma clínica que respondesse de
alienação imaginária ao
: similar ao da tatuagem, não depende apenas da forma precisa e alternada a esta dupla exigência: produzir uma estabiliza-
fantasia), ele joga também
« ! significante de um ideal narcísico (vertente da ção dos indexadores e ao mesmo tempo um deslocamento da nomeação.
com a função do nome próprio (vertente do Nome-
do-Pai).
°;
, ou da classe ordi-
<2 j Então, tudo o que é da ordem do título, da insígnia Referências 3
, n ão apenas no quadro
nária da nomeação afeta profundamente o sujeito
crises psicóticas se apre-
de sua identificação imaginária. Por que tantas : casamento, nas-
sentam nestes momentos de transição ou de passagem BION, W. (1955). A Linguagem do Esquizofrénico. In: Psicanálise e Lingua- \g
cimento de filhos, inscrição na ordem jur ídica, profissional ou amorosa? gem.São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. = §-

Is
a atenção para isso. As
O caso do Presidente Schreber devia nos chamar CALLIGARIS, C. (1989). Introdução a uma Clínica Diferencial das Psicoses. 2.ed.
coisas começam a ir realmente mal quando
ele é nomeado juiz da corte de São Paulo: Zagodoni, 2013. 5
apelação da Saxônia.
Foi isso que parece ter acontecido também
com o paciente de Feren- DOR, J. Estruturas e Perversões. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
czi, que repentinamente se viu nomeado por
uma ordem de discurso, no
FERENCZI, S. (1991). Algumas Observações Clínicas de Pacientes Paranoicos e
s
contada por Lacan:
caso a psicanalítica. Lembrem-se também da anedota acredita que é rei. Parafrênicos. In: Obras Completas.São Paulo: Martins Fontes, 1992.
o rei que
u o Bufão que acredita que é rei está tão louco quanto
que encontramos no senso FREUD, S. (1911). Observações Psicanalíticas sobre um Caso de Paranoia
! „ .
Seria ainda a forma mais próxima e caricata
que é, ou, como se
comum para definir a loucura. Alguém que acreditaacha que é Napoleão
diz em nossos dias alguém que se acha. Alguém
que
(Dementia Praecox) Autobiográficamente Descrito. In: Sigmund Freud. Obras
Completas. Vol. X. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
ou o atual Rei da França, tanto faz. FREGE, G. (1892). Sobre Sentido e Referência. In: Lógica e Filosofia da Lingua-
gem.São Paulo: Cultrix, 1978.
Indexador e designador r
ígido LACAN, J. (1932). Da Psicose Paranoica em suas Relações com a Personalidade.
Rio de Janeiro: Forense, 1988.
durante o tratamento
A significação no delírio psicótico e seu manejo - . (1958). Questão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psico-
: a força que o em
analítico dependem então de uma atenção constante se. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
e também ao trabalho de
puxo à nomeação pode exercer para o paciente - LECLÀIRE, S. Em Busca dos Princípios de uma Psicoterapia das Psicoses. In:
, lugares, os tempos e as pes
sedimentação de sua posição de indexação os - Escritos Clínicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
estabilidade. Por aqui en
soas nos quais o sujeito pode encontrar relativa
à ruptura do cotidiano
contramos toda uma série de perturbações ligadas ^ HNEÍDERMAN, S. Sobre a Subversão do Sujeito. In: Capítulos de Psicaná-
eficácia de certas formas de
do paciente, e também devemos reconhecer a lise.São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira, 1988.
132
»
O Dever de Dizer e
o Dever de Calar

ê
^
A noção (áe ro r)igar seem Frond a de superego. É odevsPquejgrigi
- -
i l n a o caráter msensato e insaciável de nossa exigência moral, de nossa
aptidão para a idealização, do circuito de empobrecimento da experiência
gerado pela obediência ao superei). Mas se (fsupereq) trabalha ao modo
de um puro dever, como o imperativo categórico, será que todo dever pre-
sa ser rt
Retomo aqui a antiga questão técnica legada por Strachey sobre o
superego do psicanalista, cuja tradução lacaniana seria o gozo do analista.
No artigo The Nature of the Therapeutic Action of Psychoanalysis (Strachey,
1934), esse autor introduz a noção de interpretação mutativa, que origina
uma torrente de concepções sobre as relações entre supereu e interpre
tação. A interpretação mutativa envolve uma separação entre fantasia
-
e objeto; ela não é só mutativa porque muda o paciente, mas porque é
uma ruptura no dizer do analista. Na esteira dos desenvolvimentos de
Ferenczi sobre a espontaneidade e a sinceridade que se deveria esperar
da relação analítica, os pós-freudianos enfatizaram que o supereu seria
o conceito metapsicológico fundamental para entender a interpret ção.
a
É neste contexto que se pode entender a emergência de modelos clínicos
baseados em "experiências emocionais corretivas", a economia das inter
venções baseada na oposição entre "frustração e gratificação" e os efeitos
-
avaliados em termos de "regressão e agressão". É preciso lembrar como
Rudolph Lowenstein, analista de Lacan, desenvolvera uma teoria da in
terpretação fundada na passagem da superf ície para a profundidade; ou
-
seja, uma concepção que aparentemente procurava mitigar o impacto su-
peregoico da interpretação. Uma parte deste problema é resolvida por
Lacan por meio de uma retomada dos problemas relativos ao significante
e ao sentido e de uma releitura dos processos hermenêuticos presente no
s
, entre-
sonho, no chiste e na psicopatologia da vida cotidiana. Menos claro condições de possibilidade e condições de necessidade, ainda sim esta
tanto, é como a crítica lacaniana da interpretação de estrutura superegoi
- seria manca do ponto de vista da liberdade do analista. Vejamos como
ca lidará com o problema da decisão interpretativa . De fato, h á inú meras este movimento aparece em três incidências cruciais no entendimento la-
. entanto,
indicações que ligam a prática da interpretação com o tempo No caniano da interpretação.
ções
quando o problema é a forma, a quantidade e a extensão das interven É nesta direçã o que Lacan insiste que a interpretação deve ser pensa-
Lacan, sempre insistira na liberdade e no tato do analista. É neste
plano da como restituição da verdade, estrutura de ficção, transformação da arti-
o de dever envolvido na econo -
que se coloca nosso problema: sobre tipo culação metaf órica ou metonímica, no contexto da crítica da interpreta ção
mia de fala e silêncio em meio a qual a interpretação se desenvolve
. Nã o como reconstrução da realidade factual da lembrança.
da interpreta ção.
podemos confundir o dever da interpretação com o poder
Ou seja, há certas condições que nos informam quando uma interpretação Sejamos categóricos: não se trata na anamnese psicanalítica, de reali-
o, de-
é possível, mas nem sempre que podemos arriscar uma interpretaçã dade, mas de verdade, porque o efeito de uma fala plena é reordenar
vemos fazê-lo. Consideramos esta afirmação de Freud sobre os momentos as contingências passadas dando-lhes o sentido das necessidades por
e as condições sobre as quais a interpretação é possível: vir, tais como as constitui a escassa liberdade pela qual o sujeito as faz
presentes. (Lacan, 1953, p. 257)
5
< Se comunicamos a um paciente uma representação que ele recalcou
em seu próprio tempo e conseguimos recuperar, isso, em princ pio
í ,
Aqui Lacan é hegeliano, no sentido de que liberdade e necessidade,
1 .
nada modifica seu estado psíquico. (. .) Não se conseguirá mais
que
ética é lógica procedem de uma mesma substância comum, a saber, o tem-
uma nova desautoriza ção ( Ablehnung ) da representa çã o recalcada . Mas
l agora o paciente tem a mesma representação numa dupla forma
, em po. O tempo é este conceito no interior do qual a dimensão ontológica da 3
recorda - realidade se bascula em dimensão antropológica da verdade, invertendo 2
lugares diferentes de seu aparelho psíquico; primeiro possui a
, assim a relação tradicional e intuitiva do passado como campo do ne-
ção consciente do traço auditivo da representação que comunicamos
em segundo lugar, como com certeza sabemos, leva em seu interior a cessá rio e o futuro como campo do contingente. A oposição lógica entre j
recordação inconsciente do vivenciado. Só quando esta última se toma
! consciente se alcança êxito. (Freud, 1915, p.171-172)
realidade e verdade se redobra na oposição entre contingência e necessi-
dade. Ora, a verdade de corte ontológico realista não pode abrigar o fu-
turo, limitada que está pela estrutura judicativa da inferência. É com este
í
Ou seja, a representação comunicada envolve um tempo e um traba- conceito ético antropológico de verdade que Lacan consegue reverter o
I lho de reconstrução ou recuperação. Em seguida, há o trabalho de passar realismo "anamnésico" da teoria da interpretação convencional. Ou seja, s
iz . da recordação do traço auditivo à vivência ou experiência ( ducharbeiten a verdade assim considerada "cria suas próprias condições de efetiva-
se
a; É só no terceiro tempo da interpretação que ela alcança seu êxito ao ção", condições que não estão dadas. É como efeito ético da interpretação
"tomar disponível para a consciência". Ou seja, a interpretaçã o envolve que se recupera a escassa liberdade do sujeito no presente.
° ,

! o poder de lembrar, mas também o poder esquecer. O dever de dizer


mas também o dever de calar. E esta liberdade faz parte do processo
contraste com aquilo que devemos lembrar e o que
Se o campo das condições de possibilidade da interpreta
devemos
ção inspira
em
esquecer
uma
da
.
Um segundo momento da estratégia ético-lógica de Lacan para esta
matéria é a consideração da interpretação exata ou inexata, no contexto da
discussão com Glover. Aqui encontramos o caso clínico de Lacan, que se
vale da interpretação formulada pelo sonho da esposa de seu paciente
lógica da intervenção psicanalítica, o campo das condições de dever (Lacan, 1958, p. 626-637). Diante do convite para que ela trouxesse outro
O fato -
interpretação nos convida à consideração ética do problema.
, tal
homem para um encontro sexual a três, a esposa sonha com uma mulher
duas condi ções n ã o se somam nem se
vez mais interessante, é que estas dotada de pênis. Lacan considera que ao contar este sonho ao seu amante,
completam: elas produzem algum tens ã o entre si, como pretendemo s
ela teria sido a agente da interpretação. Novamente, é pela estrutura de
mostrar neste capítulo. ficção, representada pela hipótese da tríade e pela resposta na forma do
sonho da esposa, que se dá a transformação da articulação metaf órica
Ética e lógica da interpretação em Lacan do sintoma-demanda em articulação metonímica do desejo. Remanesce
que a interpretação final de uma análise não tenha sido feita pelo próprio
Nossa tese pode ser, então, enunciada da seguinte maneira: se a lógi- analista, mas pela esposa do paciente, quiçá em posição de analista. Óti-
ca da interpretação sem ética é vazia, a é tica da interpretação sem l gica
ó mo exemplo, e raro por referir-se. à prá tica do próprio Lacan, do dever de
136 .
é cega Mas mesmo se lógica e ética da interpreta ção se reunissem, como -
calar se e de pagar, com suas palavras, com seu corpo e com o juízo mais 137
íntimo de seu ser (kern unseres wesens ) . Aqui Lacan é heideggeriano, no mina e se organiza em sistema. Mas examinando o delírio de interpreta-
sentido de que a escuta precede a decisão. ção, Lacan acaba por concluir que todo delírio é apenas isso: interpretação.
O terceiro exemplo da abordagem ético-lógica da interpretação vem O que levanta o problema inverso: qual interpretação estaria imune ao
da polêmica em torno da ideia de que a interpretação seria aberta a todos os delírio? Há então três aspectos que estão na origem lacaniana do proble-
sentidos , no contexto do debate com Laplanche. A interpretação isola um ma de uma possível lógica da interpretação psicanalítica: a sensação real,
kern, um coração de non-sense, mas não é ela mesma nonsensical e aberta, a incorrigibilidade simbólica e o espírito imaginário de sistema. Síntese
ou flutuante, para todos os sentidos. Ora, por que não? Porque ela não é do real, corrigibilidade simbólica e unificação imaginá ria definem as per-
apenas lógica, mas também ética. guntas fundamentais que uma lógica da interpretação deve responder.
O que funda, com efeito, no senso e no não senso radical do sujeito, Neste caso, interromper a interpretatividade do inconsciente só pode ser
a função da liberdade é propriamente esse significante que mata todos os feito pela disjun ção entre os registros. Podemos reconhecer aqui como
sentidos (Lacan, 1963, p. 238). a função superegoica, como voz e observação, como obrigação ao gozo
Ou seja, a interpretação toca ou alude ao objeto a em sua estrutura e parceria egoica ao masoquismo, é este elemento que mantém unido o
de corte. Ela extrai um efeito ético de liberdade a partir de um "signifi- imaginário do sentido, a consistência da significação e a ex-sistência da
§
cante que mata todos os sentidos". Aqui Lacan é decisionista, como Cari falta de senso (nonsensical ). A nomeação e o silêncio, em sua dimensão
$ Schmitt. É com a suspensão da lei, como lei de linguagem e de sentido, superegoica, tornam-se, assim, o equivalente do quarto nó, o equivalente
da suplência, no caso da interpretação. O dever de calar só se coloca como
s que ética e liberdade reaparecem.
um verdadeiro dizer separador se esta dimensão superegoica puder ser
O problema que remanesce nestas três incidências temá ticas da in-
I terpretação é o da sua infinitude; ou seja, se a interpretação abriga em
suspendida. O dever de calar é então, principalmente, o dever de calar a
enunciação superegoica que parasita a interpretação.
seu interior o não senso, pode ser efetivada por qualquer um em função
de analista e condiciona-se em uma verdade que representa a liberdade Voltemos ao problema. Como pensar a interpretação sem que ela seja á
futura, qual é a terminabilidade do processo interpretativo? um prolongamento irradiador e disseminador de um sistema delirante -
do analisante ou do analista? Como interpretar sem confirmar uma signi-
s ficação isolada, sancionando uma fantasia ao modo de um fetiche? Como
g
i A interpretação como corte 2
interpretar sem expandir indefinidamente o cará ter corrigível, modulável
5 e enigmático de toda significação ( Bedeutung ) baseada na promessa unifi-
£ cadora, representada pelo sintoma, como sentido f álico (Sinn)? É certo que s
Depois que temos as condições pelas quais a interpretação se inicia e
se mantém, o problema é: como fazemos ela parar ? E mesmo que ela se efe- Lacan pensou este problema como a hipótese da dupla volta da interpre- 5
S tive como silêncio, como fazer para extrair deste silêncio uma função não tação, ou o oito interior da interpretação, desenvolvido em L' Etourdit (La-
u can, 1973), mas ao modelo lógico ali presumido não possui correlato ético
interpretativa, mas separadora? É aqui que precisamos examinar melhor
como a interpretação possui uma estrutura de corte. O corte, contudo, evidente. Significa dizer que as categorias como desejo do analista, ética da
á sempre pode ser reabsorvido como uma nova interpretação. É preciso psicanálise e ato psicanalítico são suficientes para apresentar a contrapar-
u tida que observamos nos três momentos anteriores da questão?
lembrar que este é o início do tema da interpretação em Lacan. Desde a
tese de 1932 ele está às voltas com um fenômeno clínico chamado del írio O dizer e o calar têm que ver com a topologia que escolhemos para
de interpretação. Descrito por Serieux e Capgras em: articular a ética e a lógica da interpretação. O dizer, no entanto, aparece
mais como um desenvolvimento da teoria da letra no interior da teoria
(...) um raciocínio falso que tem como ponto de partida uma sensação dos discursos do que propriamente uma renovação conceituai do pro-
real, um fato exato, o qual em virtude de associações de ideias ligadas blema. Mas é preciso que o dizer inclua dentro de si o próprio calar para
às tendências e à afetividade e através de induções ou deduções erra- podermos postular um dever, que vai além da lei analítica da livre asso-
das, acaba por adquirir para o doente uma significação pessoal, pela ciação e da atenção flutuante. Associa ção ligada, como no quantificador
qual tudo se coloca invensivelmente a ele relacionado. (Sérieux e Cap- (universal ou existencial), que transforma variável livre em variável liga-
gras, 2004, p.77-83) da e atenção fixa, seriam então as características do dever de dizer.
A interpretação delirante distingue-se do mero erro de interpretação Mesmo que a categoria de dizer em Lacan seja uma espécie de equi-
ou entendimento em dois aspectos: ela não pode ser corrigida ou retifica- valente linguístico-discursivo do que o espaço é para a matemá tica-topoló-
da, e ela não é uma significação isolada, mas algo que se irradia, se disse- gica, seria preciso articular o dizer com a problemá tica histórica da imis-
138 139
são do supereu na teoria psicanalítica da interpretação. O dizer é o espa
ço regras disposicionais; ou seja, elas fixam a intenção de suspender o juízo,
ditos, a antecipação do sentido ou a ocultação de pensamentos. É justo que nós
no qual os ditos acontecem, o espaço que delimita a curvatura dos
a reta contígua da metonimia, a elipse metaf órica, a assintota delirante
. percebamos certos casos como violação de uma regra: o silêncio e a repe-
, tição em sua conotação de resistência, por exemplo. Conhecemos muitas
Mas onde está a liberdade do dizer? Como tantas vezes insistiu Lacan
ao analisante ( só o superego situações nas quais a fala do paciente nã o funciona mais livremente. De
nada nos obriga a dizer, nem ao analista nem
o (aten- acordo com a tese de Lacan, tal movimento equivale à resistência como
obriga ). A regra fundamental chama-se associação livre e associaçã
dizer ou calar. resistência do discurso e função intr ínseca do analista . Mas por que não
ção) flutuante, não associaçã o justa, segundo o que se deve
o, haveria situações nas quais o desejo do psicanalista se vê tomado pelo
Mas, e aqui está o ponto que quero trazer para o âmbito da interpretaçã
sob algumas circunstâncias não muito comuns, até mesmo raras, o
dizer dever, pelo puro dever de dizer ou de calar ?
e o calar tornam-se um dever. Há dois bons exemplos deste tipo de interpretação no caso de Marga-
O tema da interpretação pode ser pensado a partir das condições reth Little, que Lacan examina no Seminário sobre a Angú stia:
necessárias que limitam ou facultam sua incidência. Há certas condições -
1. A analista, munindo se da coragem, em nome da ideologia, da
nas quais a interpretação é possível ou não. São os limites do que pode ser vida, do real, de tudo o que vocês quiserem, faz, afinal a mais
interpretado, sejam eles limites mais genéricos, como os que se impõ
em singular intervenção em relação à perspectiva que chamarei de
pelo diagnóstico; sejam limites móveis, como aqueles que s ã o dados pela sentimental. Um belo dia quando o sujeito repisa todas suas
J
transferência; limites materiais, dados pela associação livre e pelo discur- complica ções de dinheiro com a mãe, a analista lhe diz em ter-
ã so do analista a cada sessão; ou ainda os limites metapsicológicos rela - mos claros: Olhe, pare com isso, porque literalmente, eu não aguento
I tivos à interpretabilidade de uma formação do inconsciente. Resumida - mais ouvir, você está me dando sono (Lacan, 1963, p. 159). s
mente, a associação livre de um lado e o umbigo dos sonhos do outro sã
o 2. Na segunda vez são as pequenas modificações feitas pela analis- 2
o
as fronteiras ( die Grenze ) da interpretaçã o. ta no que ela chama de decora ção do consultório (...) Margareth
5
Além das condições de possibilidade, há as condições suficientes da Little já fora apoquentada o dia inteiro pelos comentários de seus
interpretação: o desejo do psicanalista e o tempo da transferência S
. ã o as pacientes: está bonito, está feio, este marrom é horrível, este verde
S , porque ela se arti- é admirá vel (...) A analista lhe diz textualmente: Escute, estou pouco
condições nas quais uma interpretação desej é á vel seja


cula com a tática ou com a estratégia do tratamento seja porque
a política própria que define a psicanálise. Ora, este desejo sempreé
contingência. É por isso que a tática das intervenções frequentemente traz
ela efetua
uma
me importando para o que você possa achar (Lacan, 1963, p. 160).

Com estas duas intervenções ela coloca a paciente em trabalho do


!
Õ
gram á ticas de aposta, de cálculo, de risco. Propor uma interpreta ção é
, luto, antes jamais abordado com rela çã o à sua mãe. Notem a série invo-
íl neste contexto, algo análogo a contar um chiste : surpresa , desconcerto
e iluminaçã o, uso do tempo, avaliação de qual é a "par óquia transferen-
cial", a escolha morfológica e sintá tica dos significantes, as interpretações
cada pelo exemplo: em nome da ideologia, da vida, do real, de tudo o que vocês
quiserem. Notem como o exemplo contraria quase tudo o que podemos
conceber vagamente como uma deontologia psicanalítica: acolhimento,
3 baseadas na palavra e as interpretações baseadas nos pensamentos, e as- paciência, benevolência, a pessoa do analista, as convenções, etc. Mas por
sim por diante. Nunca sabemos de antemão se vai dar certo. Chistes e sua
U
algum motivo e de algum lugar ela tirou este "dever dizer". Desconfio
Relação com o Inconsciente (Freud, 1901) é o grande tratado psicanalítico que é do mesmo lugar com o qual se extrai o "dever de calar" com o
sobre a interpretação. Ou seja, a interpretação é um conceito pragmático qual aguentamos em silêncio atrocidades e desgraças que ninguém mais
que deve ser pensado em relação a seus fins, seus meios, sua eficácia. suportaria ouvir. O lugar de onde extra ímos um efeito discursivo, que a
língua comum chama de calar fundo. Do latim calare, baixar a voz, prove-
niente de calis, fazer baixar, deixar cair, e cálamo, caneta, pena de escrever.
Considerações finais De onde procede também a palavra calamidade, desgraça, prejuí zo ou dano
e a palavra calado - parte baixa do navio, que fica submersa e em contato
Mas além das condições necessá rias, nas quais a interpretação é lo- com a á gua. Se isso for correto, abre-se uma pista para pensar a aparição
gicamente possível ou não, e das condições suficientes, nas quais a
inter- do tema do ato psicanalítico em Lacan como conceito forjado para ocupar
pretação é eticamente desejável ou nã o, há certas interpretaçõ es que se a zona limite de indecidibilidade entre o que a interpretação pode e o que
colocam como uma espécie de violação das regras psicanalí ticas . Tanto a interpretação deve fazer.
as regras da associação livre quanto sua recíproca escuta equitativa são Com isso reúno alguns argumentos para postular a existência de 141
140
freudia-
uma espécie de contrapartida do lado do analista do imperativo
no do Wo es war soli Ich werden. O verbo sollen quer dizer dever
. Mas assim A Teoria Lacaniana do Sujeito:
no portugu ê s, ser e estar, o
como o verbo ser ( war ) se desdobra em dois Uma Apresentaçã o Comparativa
o moral , tomando o dito
verbo sollen (dever) remete à ética e à obriga3çã
freudiano e imergindo-o no dizer brasileiro . Por outro lado , o alem ão
tem duas palavras onde nós só temos uma: konnen e durfen
. Ambas que -
rem dizer poder, mas o durfen exprime um poder-dever, enquanto
o konnen
sollen ), mas um
exprime um poder-intransitivo. Ambos se opõ em ao dever (
. é isso que ocorre no lado
é superegoico ( konnen ), o outro não ( durfen ) E
, a saber , Wo Ich
B do Wo es war soil Ich werden; ou seja, o lado do analista
como "Isso"
war, soli es werden . Tradução: onde estava como Eu, devo agir O inconsciente é um conceito forjado no rastro daquilo
(objeto a ). Considere-se o deve ( sollen ) no sentido inverso ao poder
-dever.
que opera para constituir o sujeito.
Considere-se o Es como contingência de "Isso fala" ( ça parle ). Considere
-
Lacan
sem palavras ).
5 se o sujeito em seu advir como dizer (discurso

ã Referências
I . Bue- 0 sujeito como questão
FREUD, S. (1915). O Inconsciente. Sigmund Freud . Obra Completa V-XIV
nos Aires: Amorrortu, 1988 . nascimento das primeiras universidades, ao final da Idade Média,

l
. (1901). Chistes e suas Relações com o Inconsciente. Sigmund Freud .
Obra Completa V-XIV. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
^
/''
V/ fez-se acompanhar da aparição de um novo gênero literá rio conhe-
cido como quaestio. Impunha-se tal gênero como uma espécie de exercí-
Psicanálise. cio pedagógico, ou método de aprendizagem, baseado na alternância das
LACAN, J. (1953). Função e Campo da Fala e da Linguagem em
In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. objeções, das exposições e das refutações. Além disso, a quaestio permitia,
l de forma inédita, que uma multiplicidade de bacharéis e mestres par-
£ . (1958). Direção da Cura e os Princípios de seu Poder. In: Escritos. ticipasse, ao mesmo tempo, das disputas verbais que caracterizaran! a
i Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 626-637, 1998. construção do saber medieval (Libera, 1993, p. 26). O procedimento da
í Seminário - Livro XI - Os Quatro Conceitos Fundamentais da
. (1963) . O quaestio presume tuna exposição partilhada e ao mesmo tempo um tra-
o
Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. , balho pessoal. A ordem e a forma assumida pela exposição combinam-se
em um discurso que ao final permite passar ao momento das sentenças ou
3 . (1963). O Seminário - Livro X - A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge das sumas. Daí a quaestio ser ao mesmo tempo uma espécie de preparação
Zahar, 2002. para o saber e sua realização em ato.
.
(1973). O Aturdito. In: Outros Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar
, Questio vem do verbo latino quarere, ou seja, querer, procurar, bus-
2003. car. Talvez esta conotação se preserve no sentido lógico do termo questão.
de In- Uma questão é um ato linguístico que consiste em enunciar algo denotan-
SÉRIEUX, P.; CAPGRAS, J. As Loucuras Raciocinantes - O Delírio do, quer pela entonação, quer pela forma gramatical quer pela pontuação,
O, P .; SONENR EICH , C;
terpretação: Introdução. In: DALGALARROND . que se pede a alguém que a enuncia ção seja completada (Lalande, 1997),
de Grandes Autores
ODA, A. M. R. História da Psicopatologia : Textos Originais
Uma questão não é uma pergunta, mas uma passagem ou transmissão da
São Paulo: Lemos, 2004.
palavra. Uma incitação ao dizer que convida o outro a tomar posição, ou
. In-
STRACHEY, J. The Nature of the Therapeutic Action of Psycho-analysis -
seja, manifestar se como sujeito.
ternational journal of Psycho- Analysis , 15, 127-159 , 1934 .
Depois do século XV, o termo questão se dissemina passando a de-
signar tanto o assunto, tema ou ponto em discussão quanto o fato de esse
assunto não estar ainda resolvido. Expressa, portanto, a situação em que
, Angela Vorcaro e
3
Conforme discussão com Ricardo Goldenberg, Dominique Fingermann os que pelo tema se interessam não encontram consenso ou conciliação
142 Leda Bernardino.
de teses. Daí os termos subject em inglês e sujet em francês significarem, mal me reconheço na penumbra deste vazio. Sou ent
ão efeito de uma
ambiguamente, tanto assunto quanto alguém que fala de um assunto. In- formação que me escapa? -
versamente, diz-se assuntar,em português, no sentido de convocar alguém A questão do sujeito é, portanto, descobrir, a cada
a falar, incitar a dizer. momento, quem é
o sujeito da questão.
Na acepção de assunto, tema ou objeto, questão remete ao antigo ter-
mo grego hypokeí menon, ou seja, a substância, o substrato ou ainda o sujei- 0 sujeito moderno
to. Sobre o sujeito se erigem os adjetivos ou qualidades em uma proposi-
ção. Em Aristóteles, o termo remete tanto ao contexto linguístico quanto
ao lógico e metaf ísico. O sujeito é o que permanece na transformação. É O assim chamado sujeito moderno encontra-se
nesta circulação fe-
o que subjaz, o que fica suposto em uma operação linguística ou em uma chada sobre sua questão. O sujeito é o impossível
que esta questão ten-
inferência lógica. ta articular, o indizível que ela não cessa de não dizer
. Esta questão foi
aberta pelo reconhecimento de que Eu nada tenho a
Esta peculiar propriedade do termo questão em designar ao mesmo dizer de mim sólida,
~| simples e inteiramente, sem confusão e sem mistura, como
tempo o agente, o processo e o produto de um percurso de fala e de pen- afirmou Montaigne
(Montaigne, 1973). É esta questão, aberta, reconhecid
2i sarnento é congruente com a própria noçã o de sujeito. Sujeito indica ao a e tematizada no
pensamento ético e na experiência estética, que precede
JI mesmo tempo o agente do ato; um conjunto de ações que subjazem4, e o e toma possível
um empreendimento como o de Descartes5. O sujeito como
I efeito destas ações. Ser sujeito é também estar sujeito a, estar submetido questão será
de certa forma ocultado, esquecido, expurgado
a uma interpelação. pela modernidade. É esta
I Resulta que a questão do sujeito implica a coordenação de uma tripla
questão que retomará, diferida, com a reversão da
quadro da descoberta do inconsciente, do desejo, do
questão do sujeito no
indagação: O que sou? Como sou? Quem sou? da loucura, enfim de tudo o que caracterizará temá
corpo, da inf ância, ã
No primeiro caso, enfatizo o sujeito como mesmidade (Ricoeur, 1997), ticamente boa parte da 5
psicologia... mas não toda.
o fato de que sou um ao longo do tempo, em continuidade ininterrupta e

IS
Como tal, o sujeito moderno é o sujeito baseado e fundado j
permanente. Sou uma conjunção de predicados que me objetivam e nos na repre -
quais me alieno por comparação. Quando não me perguntam eu sei, mas
quando me perguntam já não sei mais o que sou.Sou o conjunto de minhas
-
sentação. Nesta medida, trata se de um principio epistemol
be o conhecimento como realização perfeita da
ser conhecido, por intermédio de um método que,
ógico que conce-
representa ção do objeto a i
identificações. Sou então a construção aberta de uma obra indefinida?
No segundo caso - como sou?, a resposta me envia à relação que
sustento com a palavra que empenho, o cuidado de si, a reunião hetero-
como runa espécie de espelho translúcido, cuja função é
por sua vez, pode ser
exerddo por qualquer um, mas não por todos6. O intelecto
funcionaria
refletir, e que tão
!a
u
melhor imagem produzirá quanto menor for a intercorr
u; gênea daquilo que me faz como questão: descrever, relatar, prescrever. ência de tudo o
que tóma tal espelho opaco, impuro, pessoal. A figura
Sou a intriga formada pela história de minha vida e as peças que não se do cientista é um
l w : acomodam nesta narrativa. Aqui não há nenhum tratamento possível da
bom exemplo deste aspecto do sujeito moderno. Ou
designar aquele que fala por si entre todos e passa a
seja, sujeito deixa de
designar
3j
( questão sem o reconhecimento que só apreendo quem sou quando fora um que fala por todos à custa da exclusão de si. Nisso exclui- qualquer
de onde estou. Para haver questão, o ser deve ter dois nomes: vazio e penumbra se tudo o que
faz do sujeito este sujeito nessa experiência que o constitui
(Badiou, 2002, p. 128). Sou onde não penso, penso onde não sou. Quando tem de próprio e singular. Mais precisamente, a
. Aquilo que ele
sei o que desejo não sei quem sou, quando sei quem sou já não sei mais o posição de onde ele se
põe em questão. Ou seja, o sujeito moderno não é um
que desejo. Sou então efeito de uma constituição que me escapa? sujeito psicológico,
tal como o concebemos7.
Isso leva à terceira pergunta: quem sou ? Aqui ponho em questão mi-
nha ipseidade, ou seja, aquilo que me faz próprio, essa mistura única entre
identidade e diferença. Aqui falo em minha descontinuidade na experiên- 5
Ver sobre isso o admirável trabalho Santi, P. A
cia, na escansão do tempo, na enunciação instantânea e fugaz do sujeito, Critica do Eu na Modernidade - de Montaigne
no seu desaparecimento no ato e nos atos de sua palavra. Sou então ali
-
a Freud, Tese de Doutorado, PUC SP, 2001.
6
Veja-se a exclusão da loucura e do sonho como contraexempl
onde não me encontro, sou apenas ali onde o outro me convoca e onde os do sujeito em Descartes, R.
.
Discurso do M étodo. Coleção Os Pensadores São Paulo:
Abril Cultural, 1973.
4
Conforme o latim subjectum, aquilo que se lan ça por baixo { sub ) em um determinado
7
-
Veja se a crítica de Politzer para saber da
condenação a que a psicologia se submete ao
desconhecer tal fato. Politzer, G. Crítica dos Fundamentos da Psicologia,
144 movimento . 1998. Piracicaba: Unimep,
145
a um princí pio sua experiência subjetiva. Herói cujo atributo maior é a astúcia da razão,
Mas, ainda na modernidade, sujeito corresponde
do sujeito burguês a estratégia e a tomada de riscos tal qual o homem burguês. Por mais que
ético- polí tico. Geralmente, convoca-se o personagem
íduo, isto é, mais e me- a experiência do tempo e do espaço o toque, ele não se reconhece nesta
para analisar este aspecto da questão. Um indiv a vontade coletiva deve transformação. Quando volta, Ulisses, no fundo, é exatamente o mesmo
nos que um espelho do outro. Por tal princ pio
í ,
, por intermédio de um que deixara ítaca duas décadas antes (Auerbach, 1979). Ulisses é acossado
ser representada no Estado, pela Sociedade Civil
sujeito político, ou seja, pelas sereias: as tentações de que ele goza enquanto os marinheiros-ope-
dispositivo que possa ser exercido por qualquer , em sua conotação éti- rários de ouvidos ensurdecidos trabalham pelo seu gozo. Gozo do qual
por qualquer cidadão. . . mas não todos. O sujeitosenhor e artífice de seu ele não pode usufruir, pois é um herói amarrado pela sua própria vonta-
ca, interioriza a ideia do soberano. Ele é agora
, seu destino não é mais de a uma disciplina da paixão. O exercício sistemático dá uma perda ou
próprio destino e de seu próprio desejo. Ou seja Assim como a história renúncia de si mesmo, única forma de se conservar9.
comum, na medida em que o sujeito se supõe livre contendas contra o
.

do sujeito moderno do conhecimento , é a hist ória das Em todos estes aspectos o sujeito moderno é indissociável de consciên-
; a histó ria do sujeito ético é a história da cia racional ou de uma razão desprendida (Taylor, 1997). Desprendida da
ceticismo e contra o relativismo
dominação do desejo
-: luta contra a contradição que o divide, história da autoridade da tradição, da comunidade de destino, do corpo, do desejo e
indivíduo e os valores da experiência psicológica de si mesmo. A razão serve como fundamento
<j pela consciência . Contradição entre a vontade do
em relação a si mes- de um sujeito universal, transcendente (intemporal e inespacial). Sujeito
j da sociedade; contradição da vontade do indivíduo
entre as exigências e as livre, capaz de identidade: de si a si e de si ao outro. Eis o sujeito, cartesia-
mo; contradição interna à vontade fragmentada
I faculdades do espaço público e do espaço privado.
no ou kantiano, aspirando a um não lugar. Nesta aspiração está reduzida
í pio esté tico (Wol- toda a sua questão.
£ Deve-se lembrar que o sujeito é também um princ 3
sens í veis mudanças na
fin, 1989). Podemos tomar como exemplo as s
transição da estética clássica (séc. XVI) para o
estilo Barroco (séc. XVII). Condições do sujeito: tempo, linguagem e negatividade
Enfatiza-se como nesse período, em que o sujeito
moderno se consolida
revelam um conjun-
íi como princípio, há uma série de transformações que Sínteses como esta serão encontradas, certamente com melhor qualida-
:J
evocada para tal |
j
3i to de propriedades constantes. Uma obra usualmente de e extensão, em muitos textos de introdução à psicologia10. A psicologia é
)8 Comparando -a com as
demonstração é As Meninas, de Velásquez (1659
.
5; , vemos uma evolu ção do quase sempre apresentaddcomo um saber filho da modernidade, eventual- S
- :j características mais salientes do gênero clássico . Há mente sintoma de seu estertor. Não parece, portanto, grande novidade afir-
. H
ção do sujeito j-
linear ao pictórico, que reflete o processo de interioriza
^t
Q
i
j
uma evolução do plano à profundidade que nos
vez mais posicionai e perspectivo. Ou seja , um
fala de um sujeito
sujeito que se reconhece
cada mar que três temas interrogam a psicologia interna e constitutivamente:
1. a questão do sujeito tomada como descentramento, divisão ou
j5

forma fechada dá lugar à contradição constitutiva,


j como dependente de seu ponto de vista. A
3
forma aberta. Não é mais o objeto a garantia
da estabilidade da repre- 2. o problema da mediação, dos discursos, das racionalidades ou
5. i se de um progresso da dos instrumentos simbólicos formadores do sujeito,
gi sentação, mas a reflexividade do sujeito . Trata-
com a exigência de 3. a interrogação sobre a construção do real envolvido na expe-
uI pluralidade para a unidade temá tica em consonância
um jogo entre a clareza riênda subjetiva.
individualização. Finalmente, pode-se ressaltar em sua relação
absoluta e relativa do objeto, jogo que tematiza sujeito o
O sujeito pode agora ser concebido como um nó que articula estas
com a certeza. três linhas de investigação, distintas, mas solidárias.
o sujeito moderno é o
Um último aspecto que queero lembrar sobre Se o sujeito moderno podia ser definido a partir de uma geometria
. Neste sentido, Ulisses, o
fato de que ele constitui um princí pio histórico própria, com leis homogéneas de representação e reflexão, o sujeito enfim
em sua rela-
personagem da Odisseia é uma metáfora do sujeito moderno ói melanc ólico, di-
é um her
ção com a história (Horkheimer, 1993). Ulisses
mas unidimensional em
vidido, múltiplo em sua experiência de viajante, 9

!scTotiCnmenr U liSfST"dfer
'
nin9uém- É P r dizer seu
° que Ulisses consegue

.
8 Veja- se para análise desta tela Foucault, M. Las
Meninas. In:As Palavras e as Coisas. Sao Paulo
, , ,0 Ver
J As Meninas. In: Palavra çã o. Revista de Ps canal se . particularmente: Figueiredo, L.C. À Invenção do Psicolóqico - quatro séculos de
Martins Fontes, 1987. També m Lacan ,
subjetivação. São Paulo: Escuta/Educa, 1992.
.
146 Biblioteca Freudiana de Curitiba, Ano III, n 3, novembro 1998
decorre dos próprios Mas o que é isto que é essencial no sujeito senão o que o nega como
questionado revela uma topologia heterogénea. Isso
moderno e decidem, por- tal? Ou seja, ao afirmar o sujeito como isto, ele não é mais sujeito, mas
termos que envolvem a apresentação do sujeito apenas um objeto ou atributo sobre o qual pode estabelecer-se perfis de
tanto, o sentido possível da sua ressignificação
psicológica.
dimensão articulada, personalidade, mapas cognitivos ou qualquer outro discurso que afirme
Ressalto a importância de manter esta tripla o conhecimento sobre o sujeito contribuindo para a sua reificação.
se concentra a contradição
pois é na articulação entre estes temas que
originária da psicologia. Pelo menos daquela
que se interroga como fenô- Uma segunda estratégia para contornar a problemática do sujeito é
o reconhecimento desta o que se poderia chamar de contextualismo. Aqui o risco que se coloca é
meno histórico. Toda questão parte e pressupõe Foucault: incorrer em uma espécie de hipertrofia da linguagem como representação
contradição que nos liga à modernidade, como afirmou que combina ecletismo epistemológico, em geral de aspiração humanista,
, levar a sério estas con
O futuro da psicologia não estaria, doravante no
- com um relativismo ético, em geral de aspiração pragmática. Sujeito e
tradições, cuja experiência, justamente, fez nascer
a psicologia? Por con - realidade se dissolvem na primazia genérica das media ções12. É como se
ível senão pela aná lise
seguinte, não haveria desde então psicologia poss houvesse um reconhecimento dos termos, mas não da contradição en-
das condições de existência do homem e pela
retomada do que há de mais tre eles. O biológico, o psíquico e o social formam uma espécie de todo
, 1999, p. 139)
humano no homem, quer dizer sua história. (Foucault harmónico, retratos distintos do Mesmo. Dialetos imperfeitos da mesma
3< Língua fundamental. Disso se deduz, por um lado, uma metodologia hí-
ória do sujeito nã o
O reconhecimento da textura histórica e contradit brida; por outro, uma primazia utilitária da linguagem. Identidades mo-
I psicológico hege
é unânime em psicologia. Há certa tradição do discurso tal: psicologia
- dulares, como quer Giddens; pragmatismo solidário, como quer Rorty;
ão como
I mónico que se constitui pela exclusão desta quest ênda. Podemos di - complexidade unificadora, como quer Morin. O que vemos nas psicolo-
3
sem história, psicologia sem sujeito; técnica ou tecnod gias que caminham por tais paragens é, em geral, a afirmação da trans- ; g
, programas de pesquisa,
; zer que aqui se projetam problemas, perguntas disdplinaridade, a celebração da união dos saberes, apenas a pretexto da iQ
mas nenhuma questão, propriamente dita. manutenção das territorialidades extrateóricas: sejam elas institucionais,
j
não está na
Mas passemos a uma posição segunda, onde o problema em terceira políticas ou meramente estéticas.
3i
2i
£;
recusa da subjetividade, nem na forma ção de uma
ontologia
pessoa, científica, antropológica ou teológica. O problema
, neste caso, re-
formam a problemá-
Um terceiro modo de funcionamento teórico, que tem feito a mi-
séria da psicologia, para o qual quero chamar a atenção, caracteriza-se 1
side na derrogação da articulação entre os termos que
o;
£j
» i
fica do sujeito. Em outras palavras, reconhece
importância da mediação e a indagação do real
-
se a questão do sujeito, a
, mas estas questões não se
pela combinação entre um relativismo de circunstância com um realismo
ingénuo. O que se está a recusar aqui frontalmente é a importância da
interrogação sobre o real envolvido na experiência subjetiva. Tal estraté-
;

ju
1
-
e independentes,
5j articulam, formando planos de investigação separados assim uma ques- gia começa usualmente por exportar a questão da verdade para fora da
seria psicologia. Faço notar; questão da verdade. Depois disso, o tema da verda-
o| A divisão de trabalho ou separação de disciplinas
psicoló gicas? Podemos localizar alguns de acaba vagamente associado à tradição científica empirista, ou então a
S: tão externa às teorias e práticas
" destes interro-
sintomas teóricos e aporias derivadas do esquecimento
" praticantes insensatos e militantes de alguma visão de mundo "fechada".
3j
u: gantes em sua articulação fundamental. Ora, é preciso lembrar que a ciência moderna se caracteriza pela exclusão
a noção de su-
Por exemplo, há formas de psicologia que admitem da verdade como questão13. Curiosamente, é corroborando esta exclu-
íntima, idêntica a si mesma são que muitos pretendem fazer oposição ao "sujeito cartesiano". Não se
jeito, mas o apreendem como uma essência
ência transcendental,
ao longo do tempo e da história. Como uma consci deve confundir a alegre e liberal convivência entre visões de mundo com
águas da experiência que ontologia. O resultado geralmente é o retomo do dogmatismo sob forma
o espectro do sujeito paira, neste caso, sobre as
metaf ísico que afir- de compreensão normativa da ética.
o refletem. São formas de essencialismo e objetivismo
de restauração ou
mam a indivisão do sujeito. Nutrem-se de programas e não intrínseca
á ria
autoconciliação que supõe a contradição como secund o projeto do su-
e constitutiva. No fundo, tais programas tentam reinstalar
e constitutiva .
11
jeito moderno sem admitir sua crise como historicament
,3 Nisso
concordam tanto a tradição hermenêutica de Heidegger, quanto historiadores do
ver: Latour, B. Jamais Fomos Modernos. pensamento moderno como Koyré e Foucault, bem como as apreciações da teoria crítica
11 Sobre a irrealização do ideário moderno do sujeito sobre o estatuto do conhecimento na modernidade. Ver também Lacan, J. Ciência e Verdade
São Paulo: Editora 34, 2000 e também Bauman
, Z. Modernidade e Ambivalência. Rio de
(1966). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
148 Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 149
que ela Finalmente, deve-se dizer que a questão sobre o sujeito não pode ser
Levar adiante a questão do sujeito e sustentar a topologia possí
implica deveria seguir, de alguma maneira, o itinerario
que tomou - apreendida fora do universo do risco, da aposta ou mesmo da incerteza.
envolve três regiões No caso da psicologia, esta zona de experiência, na qual o sujeito é apre-
vel a situação que hoje nos colocamos. Tal percurso
entre: endido como questão, foi historicamente articulada por essa experiência
heterogéneas, definidas por um corte separador
um suposto in- que é a clínica. Clínica entendida aqui como trajetória de escuta, desocul-
1. práticas objetivadoras, que pensam o sujeito como
tamento, destinação e crítica da subjetividade. Atenção, não confundir
divíduo normalizável;
um produtor clínica com a mera experiência liberal ou institucional que a localiza como
2. práticas discursivas, que pensam o sujeito como prática disciplinar. Tal argumento é tipicamente normativo e territorialis-
epistêmico;
: 3. práticas subjetivadoras, espaço onde o sujeito pode
pensar se en- - ta, confunde o discurso com o personagem social que nele se forma.
Até aqui apresentamos um breve mapa de posições que entende-
14.
quanto sujeito mos substanciais para uma interrogação sobre o sujeito hoje. As posições
, historicamen- teóricas indicadas, apesar de referidas à psicologia, são
Segundo Badiou (Badiou, 1996), esse itinerário passa assumidamente
não indexadas. Apresentei desta forma, pois interessa mostrar como nem
. Crítica, aqui,
~| te, pela tomada da crítica como engajamento e atividade , 1998): sempre a ordem das questões corresponde à ordem das matérias ou das
5:
S nos dois sentidos tão bem distinguidos por Habermas (Habermas disciplinas. A interrogação sobre o sujeito tem por efeito transformar o
nossa época;
1. ultrapassagem da metaf ísica e o diagnóstico de discurso onde ela se realiza. Daí, por um lado, a precariedade das formas
e da historici-
I 2. exame das condições de possibilidade da ciência metódicas de circunscrevê-lo, daí todo o interesse em localizar e
dade transcendental do sujeito. posicio-
è ática como se
nar os seus modos de questionamento. A geometria é condição do terri-
tório. s
j Em outras palavras, é preciso resistir à soberania da pr ; ®g
^ capaz de pensar a si mes- Para tanto, convido o leitor a um exame comparativo da questão do
dela houvesse geração espontânea de um saber j
o ao pragma- sujeito, tomando como horizonte três perspectivas de seu entendimento:
en i mo ou como se ela refletisse o real. Isso redunda em oposi
çã
da técnica . a construção, a constituição e a formação. O caráter assistemático j
£ : tismo do pensar e em recusa da primazia do universo desta
do horizon- comparação se justifica parcialmente pela tentativa de estabelecer bases f
1¿
ò.
A questão do sujeito implica, quero crer,
te epistêmico fora da grade naturalista ou positivista
razão coerente, da argumentação consequente e de media
retomada
. O desejo
çõ es
de uma
eficazes
para um debate, mais do que contribuir para a solução do mesmo, como
^
o espírito da c¡uaestio exige . O objetivo é assinalar proximidades, tensões 5

! .
|
tem-se colocado insidiosamente ao lado de uma í
cabe lembrar a importância intersubjetiva da retórica
da literatura e a força inelutável da poesia . N ã o h
crtica da razão. Aqui
á
, o poder prescritivo
teoria do sujeito que
e afinidades que a tradicional divisão disciplinar, metodológica e
métrica da psicologia costuma esconder, mesmo que na penumbra dos
-
paradigmas. Trata se, neste sentido, de um exercício para reverter o ra
geo-

-
1
0 , desta dupla exi- ciocínio orientado por escolas, linhas teóricas e disciplinas formativas,
oi contemple sua experiência sem dar conta, rigorosamente em
ã o da verda- um raciocínio guiado pela ordem das questões. Certamente, concessões
M i gência. Nela o que está em jogo é apenas a retomada da quest quanto ao rigor e ao contexto serão necessárias. Reparos, complementos
® i de, obscurecida na penumbra do saber e no vazio dos
nomes.
e objeções são bem-vindos.
Isso nos leva ao reconhecimento da import ância pol ítica do tema da
, como valor
universalidade. Trata-se de opor-se ao cultivo do particular
em si mesmo e à ideologia da migração descompromissada
entre univer- Construção
sos simbólicos relativos, autorregulados e incomensuráveis
. Não h crítica
á
ças discursivas
possível do individualismo sem tal movimento. Duas for como zona A ideia de construção genericamente remete à produção de obje-
significativas opõem-se ao reconhecimento da singularidade tos a partir da combinação ou articulação entre elementos. Aquilo que é
de experiência e de condição subjetiva: de um lado a ê
, nfase pós modema - construído opõe-se classicamente a tudo aquilo que é dado, natural, inato
,a globali-
do particular como valor autolegitimado; de outro primazia se de ou espontâneo. Na noção de construção acentua-se a dimensão de con
-
zante da totalidade como falso universal. Em outras palavras
, trata- tinuidade e de homogeneidade que se subentende de um processo. Tal
totalidade.
desconstruir o fechamento ideológico do particular na continuidade pode manifestar-se, privilegiadamente, por meio da síntese
entre meios e fins, elementos e relações, partes e o todo. Diz se, por exem-
-
plo, de uma construção jurídica que ela condensa dentro de uma fórmula
14
Ver Araújo, I.L. Foucault e a crítica do Sujeito. Curitiba
.
: UFPR„ 2000 toda uma doutrina ou jurisprudência.
150
de causalidade. Em outras palavras, a apreensão dos objetos, a objetificação
Outro campo onde a construção mostra sua afinidade com a ideia do real, pela mediação dos conceitos e de seus esquemas, seriam condi-
étri-
continuidade como coerência é a construção lógica ou a construção geom, ções para a emergência da intersubjetividade e da consciência social.
çã o que envolvem por
ca. Aqui deve entender-se operações de demonstra - Esse problema é mais elementar do que as oposições que dele decor-
exemplo, passagem, não irregular, de premissas a conclus õ es. Isso é con
, por exemplo , rem, tais como as que se levantam entre pensamento e desejo, desenvolvi-
soante com a acepçã o filosófica de construção desenvolvida mento ou constituição ou ainda afeto e cognição15. Dizer que tal sujeito se
de ligar
em Kant, onde termo indica a atividade da representação capaz apresenta em um corte epistêmico é correto, pois de fato há uma primazia
, 1997).
ou conectar harmónicamente as intuições aos conceitos (Lalande do pensamento na sua orientação para a construção do conhecimento.
, maior a
Quanto mais radical a forma de construtivismo assumida Mais exato seria dizer que se trata de uma compreensão específica quanto
dado , ou ao
oposição ou distância em relação ao ponto definido como à epistemología, qual seja, a kantiana.
, início
corte que constitui um processo. Sempre há um ponto de partida
ou princípio que será lógica ou discursivamente necessário para a
cons- Se para Piaget o pensamento, e logo o sujeito, caminha do indivi-
dual para o social, segundo Vigotski se passa o exato contrário. Daí poder
trução. chamar-se tal perspectiva de construtivismo social ou de sócio-construti-
A questão elementar e a problemática iminente de todo construti- vismo. É claro que nisso já vai uma apresentação de Vigotski, que parte
, , do agente
5< vismo será, portanto, dar conta da origem do sujeito ou seja de sua crítica a Piaget. Todavia, tal movimento não significou um aban-
, que torna
da construção. Será ele uma espécie de ponto de origem cego dono da primazia da consciência, mas um alargamento de sua acepção. A
possível toda construção, ou será ele também constru ído ?
1 Correlativamente se enfrentará o problema da arbitrariedade
do consciência se estrutura como linguagem16.
realidade. A objeção de Vigotski a Piaget se apoia em diversas frentes. Primei-
ponto de partida assumido para entender a construção da ramente, há a constatação empírica de que aproximadamente metade das
e justificar
Diante da primazia da continuidade, como entender, explicar falas de uma criança com sete anos são de tipo egocêntrico. O discur-
a própria transformação?
Neste sentido, um ponto de partida teórico insidioso na psicologia
so egocêntrico declina nã o pela aquisição de um conceito mais claro de
alteridade, mas pela entrada da criança em grupos cada vez mais com-
j
à consci-
construtivista é aquele que considera o sujeito como redutível plexos. S
por ela centralizado e re- 2
ência, ou ao conjunto das funções psicológicas A socializa ção, e, portanto, o uso social da linguagem, comandaria £

3 presentado. a formação da intersubjetividade. Não é a construção autónoma de con- P


Esse é o caso do construtivismo piagetiano, que concebe a consci
-
S
I
ência primitiva como fechada em si mesma e exterior
lamento de uma consciência à outra surgiria como um fato secund
ao outro . O -
ane
ário.
ceitos que constrói o real, mas o real-social que constrói os conceitos e a
consciência que lhe são necessários. Isso é reforçado pelo fato de que, a
esta altura, a diferença estrutural e gramatical entre fala social e fala ego-
J
Para Piaget (Piaget, 1970), o estado inicial da consciê ncia corresponderia
5 íntimo e
cêntrica é nula. Portanto, não é nem o desenvolvimento do pensamento
o a uma espécie de autismo, onde o sujeito equivaleria a um nú cleo nem o desenvolvimento do discurso que, em si, propiciam a intersubjeti-
do" de toda
f solipsista. Este estado seria uma espécie de núcleo "inconstruí vidade, mas certa realização simbólica do outro como tal.
c construção posterior. A questão residual neste debate é: o que devemos entender por ou-
Tal configuração, ainda segundo a concepção de Piaget, seria sucedi
-
ça per- tro? Aproximativamente poderia-se inferir que o outro é apenas uma
da pelo egocentrismo, momento em que o mundo se alarga, a crian parte da consciência que a própria consciência ainda não apreende como
cebe o outro, mas onde o eu é ainda o centro . O outro é um complementar
- tal. O outro é o que o sujeito apreende do outro. No fundo, entre Piaget
do sujeito, daí a ideia de interação. No terceiro momento adviria aquisi
a
e Vigotski o problema emana do estatuto que se quer dar ao outro: outra
ção cognitiva e operatória da relação de reciprocidade . Os pontos de vista
consciência?; parceiro de interações cognitivas?; apenas mais um objeto?
co-
opostos ou distintos agora podem ser ponderados sob uma medida Para Vigotski, o discurso egocêntrico torna-se discurso interno por meio
mum. Finalmente, por volta dos sete anos de idade a criança seria capaz
e comutação
de um processo crescente de complexifica ção. Conjuga-se, neste processo,
de pensar a partir de um pluralismo de pessoas: intercâmbio
entre os lugares onde está o sujeito. V -
ê se, por tais teses , que a intersubje-
ê de uma mentalida- 15
Uma ótima análise dessa contradição encontra-se em Lajonquière, L. De Piaget a Freud - a
tividade, para Piaget, tem por condição a emerg ncia
(psico )pedagogia entre o conhecimento e o saber. Petró polis: Vozes, 1996.
conceitos .
de teórica diretamente dependente de certa constru çã o
A universalidade e a igualdade seriam horizontes de constru
ção do 16
Para a discussão que estamos apresentando ver: Goldrub, F. A M áquina do fantasma -
espa ço e aquisição de linguagem & constituição do sujeito. Piracicaba: Unimep, 2001.
conceito, como tais, dependentes dê noções como as de tempo 153
152
efeito da ação des- era membro da Sociedade Suíça de Psicanálise, participou ativamente dos
a consciência das regras das operações mentais, com o congressos psicanalíticos de 1922 a 1933 e estava em análise pessoal. A
dade interna
tas regras sobre o próprio sujeito. Trata-se de uma reflexivi
e represen ta uma descoberta do método clínico utilizado em A representação do Mundo pela
à linguagem. Por exemplo, pensar em voz alta replica voz Criança, de 1926, estava claramente impregnada por este substrato psi-
operação mental, ao mesmo tempo em que a realiza
. Mas a pr ópria
canalítico (Chiland, 1993). Ao que tudo indica, o rompimento de Piaget
quando escutada toma-se outra voz? -
com a psicanálise, em 1933, deve se ao fato de que faltaria à psicanálise
entre a ação
O discurso egocêntrico funciona como um intermediário uma boa teoria da consciência e que dificilmente se pode pensar o sujeito
de reflexão, de au-
: e o pensamento, uma ajuda extema, um instrumento epistêmico sem considerar a consciência como um de seus atributos cen-
como prolonga-
toapreensão (Burman, 1998). Mas o instrumento usado trais. Pode-se dizer que é justamente por se interessar radicalmente por
elementar é a
mento do corpo toma este corpo um outro corpo? O fato uma teoria do sujeito que Piaget se afasta da psicanálise. Veremos mais
reflexão, a realização social e a linguística da alteridade
. Mas este fato
alteridad e. adiante os motivos desta dificuldade.
elementar n ão especifica do que se trata nesta Estamos, portanto, no fatídico ano de 1933, data provável da redação
de comunicação
O ponto de partida de Vigotski é a ilusão primária do famoso e testamentário A Construção do Pensamento e da Linguagem (Vi-
entre o sujeito e o outro. A ilusão reconhecida como ilusã
o toma-se a partir
~í , toma -se um signo uti- gotski, 2001), onde se insere a crítica de Vigotski a Piaget. É o ano em que
: daí um instrumento simbólico. Mais precisamente a Sociedade Psicanalítica de Kazan, na qual Luria e Vigotski tiveram pa-
fizado para o controle interno do indivíduo. A ilus ã o de compre ensão não é
J ;
lmente pel fundador, é oficialmente desintegrada. Já em 1930, a primeira pré-es-
simples epifenómeno do discurso egocêntrico, antes, encontrase
funciona
ã cola no mundo inspirada na psicanálise, fundada em 1921, tem suas por-
correlacionado a este (Vigotski, 2001). tas fechadas pelo governo soviético O debate Reich - Sapir em tomo do
I Ora, tal afirmação de Vigotski bem poderia estar apoiada
nas teses
freudo-marxismo - chegara ao fim. Depois da florescência dos anos 1920,
ã
psicanalíticas sobre o narcisismo, especialmente se levarmos em conta sua s
: funciona l se a psicanálise fora enfim julgada e condenada (Van der veer, 1999, p. 109).
incidência linguística, tal como propõe Lacan. Ela é bastante
4
ão e seu papel Nos termos, por exemplo, formulados por Bakhtin, tratar-se-ia de uma j
pensamos na importância conferida por Winnicott à ilus teoria que possui uma concepção biológica da vida humana, concebendo

Ij
extremamente
na formação do objeto subjetivo . Seria preciso uma
crucial da
leitura
alteridad e na consti- o homem como uma unidade orgânica isolada (individualismo). Nela se I
parcial da psicanálise para isolar o papel subestimaria a consciência e o papel da cultura . Uma teoria tendente a
tuição do sujeito.
Mas, surpreendentemente, é pela associação com a psican
álise que substituir fatores socioeconómicos por fatores psicológicos, biológicos ou
subjetivos (Bakhtin, 2001). Quanto ao inconsciente, parece que basta to-
§
S
Vigotski explica a origem do erro de Piaget. mar a linguagem como referência para prescindir deste conceito. Estamos CJ

muito longe da possibilidade de pensar o inconsciente estruturado como


apoia-se no
O quadro de trabalho fundamental da teoria de Piaget uma linguagem, é certo, mas a história das ciências da linguagem mostra
duas formas opostas
pressuposto de que há uma sequência genética de como alguma noção de inconsciente acaba sistematicamente rondando

! como duas formas que


de intelecção, que a teoria psicanalítica descreve a área, e um verdadeiro atraso para a disciplina vem decorrendo de seu
realidade. ( Vigotski,
se encontram a serviço do prazer e a serviç o da
excessivo consciencialismo objetivista17.
2001)
Ora, nitidamente se confunde na crítica de Bakhtin a Freud, bem
, assim como na de Vigotski a Piaget, o subjetivo com o individual, a sexualida-
Desta forma, a fala autística se ligaria ao princípio do prazer
as ao bio- de pulsional com o instinto biológico. O que é mais espantoso é que não
como a fala social, ao princípio de realidade. Ambas submetid
estamos falando de autores desinformados. Em 1924, Vigotski e Luria es-
lógico como determinação. Mas por que, no contexto da cr
ítica marxista,
idealista, individu alista e crevem o prefácio à edição russa de Mais Além do princí pio do prazer, obra
ao sujeito kantiano, tido como ideologicamente
transcendental, se deveria evocar a psicanálise? Por que nesta cr
í tica não onde o biologismo de Freud é no mínimo heterodoxo.
do pomo Pode-se argumentar que assim como na psicanálise parecem convi-
é a hipótese do inconsciente que é chamada a ocupar o lugar
lise no meio de tal ver dois modelos epistêmicos, o hermenêutico e o fisicalista-mecanicista,
de discórdia? E, aliás, o que estaria fazendo a psicaná
debate?
, de-
ítica de Vigotski soa um pouco estranha hoje; contudo
Ora, a cr ,7
Uma excelente referência para a questão encontra-se em Lemos, M.T.G. A Língua que me
, em 1920 ,
vemos lembrar de que o primeiro artigo publicado por Piaget Falta - uma análise dos estudos em aquisição de linguagem . Campinas: Mercado das Letras,
chamava-se A psicanálise e suas relações com a psicologia da
criança. Piaget 2002. 155
154
há também dois modelos de subjetividade: o modelo do quimismo men- marxismo (Monteiro, 1995; Freitag, 2001, p. 229 ). A ausência de uma efeti-
tal e o modelo da subjetividade compartilhada, segundo denominação de va teoria do sujeito traz consigo inúmeras dificuldades ao marxismo, por
Gabbi Jr (Gabbi Jr., 1998), ou um modelo de subjetividade fechada e outro exemplo: desvalorização do trabalho teórico-crítico e sobrevalorização da
de subjetividade aberta, segundo denominação de Silva Jr (Silva Jr., 1998). práxis; recusa dos direitos humanos, tidos como direitos da burguesia,
No primeiro caso enfatiza-se a metapsicologia do aparelho psíquico como recusa da figura social do capitalista, intransigência à crítica (interna ou
uma combinatória de representa ções e um jogo de forças intrapsíquico e externa), recusa da filosofia, idealização da classe trabalhadora e assim
interpsíquico suscetível de uma relação tensa com os objetos. No fundo, por diante.
é um modelo próximo do interacionismo, baseado na comunicação e no Submerso pela ascensão do stalinismo, o construtivismo social russo
trânsito entre esferas independentes. retoma à cena do pensamento social apenas na década de 1970. Curio-
No modelo da subjetividade aberta, ou da subjetividade comparti- samente, uma submersão semelhante será vivida pelo construtivismo
lhada, enfatiza-se a ideia de que a intersubjetividade é o fato constitutivo. piagetiano. Por exemplo, em março de 1990 a prestimosa revista The
Parte-se das relações para os elementos, não dos elementos para as rela- Psychologist, principal publica ção da British Psychology Association, dedi-
ções. A transferência, a identificação, a projeção e principalmente o narci- ca um número especial às Linhas de Investigação em Psicologia do De-
sismo são os conceitos que ganham maior peso nesta vertente18. senvolvimento. Nela não se encontra nenhuma referência a Piaget (Bur-
3
A crítica de Vigotski à psicanálise e ao modelo piagetiano, longe de man, 1998).
afastar o construtivismo da psicanálise, lança-o em um caminho homólo- Este retomo construtivista será, portanto, bastante difuso e genea-
I go trilhado por inú meros autores pós-freudianos, particularmente Lacan. lógicamente vago. O biologismo, criticado na psicanálise dos anos 1930,
s O inimigo comum, a biologia determinista, é muito mais inofensivo do é agora saudado pela via da proximidade com a psicobiologia. A ação
dialeticamente transformadora ressurge agora edulcorada pelas teorias
s
que a proximidade assumida pelo reconhecimento da temá tica intersub-
jetiva da linguagem. sistémicas e pelo cognitivismo. Combina-se a ideia de construção com D
inúmeras e diversas teorias de linguagem. Essa incorporação difusa de
3
Aqui, nosso problema muda de figura. O que Vigotski não parece
perceber é que falta ao marxismo, de onde ele procede, uma verdadeira concepções pragmá ticas, estruturalistas, cognitivistas e até hermenêuti- J
í teoria do sujeito. O projeto de extrair esta teoria da subjetividade de uma cas pode ser entendida a partir do uso estratégico da noção de construção I
antropologia ou de uma psicologia do desenvolvimento acabará por rein- como uma espécie de antídoto ao realismo essencialista, dominante na
5 psicologia acadêmica ou cientificista.
£
S
troduzir, cedo ou tarde, o cará ter incontornável da dialética intersubjetiva
em sua forma heré ticamente idealista (Hegel), ou então em sua condena- Ou seja, neste aspecto, este novo construtivismo pode oferecer uma
alternativa potencialmente crítica para a própria psicologia. O nú mero
=
5
da e não reconhecida versão realista (Freud ).
5 virtualmente infinito de alternativas de construção de identidades, sub-
O
Curiosamente, este ponto nevrálgico está localizado no epicentro da
crise do marxismo, que por sua vez é o solo originá rio do que se pode cha- jetividades, corporeidades é de fato um ótimo instrumento de resistência
l3 mar de psicologia social crítica. Lukáks, por exemplo, tentará contornar contra a reificação e naturaliza ção do sujeito. Há uma impregna ção ge-
o problema fazendo apelo a uma solução estética. Mantendo a literatura neralizada da ideia de que o sujeito é, de fato, um agente da linguagem,
como campo de preservação da contradição interna ao indivíduo, interna seja por meio de narrativas, de textos ou de discursos (Burr, 1998), seja ao
ao social e entre o social e o individual, ele afastará o risco de confundir a modo de ideologias, formas simbólicas ou estilos de vida. Teoricamente,
consciência de classe com consciência psicológica. O preço a pagar é o re- a manobra é muito ardilosa, pois transforma uma dificuldade inicial, a
conhecimento de que a consciência psicológica não é um fenômeno ideo- ausência de uma teoria do sujeito, em uma vantagem estratégica. Ganha-
logicamente secundá rio. Não há, para o teórico húngaro, dialética entre se um instrumento útil para o programa crítico de desconstrução do su-
consciência histórica e consciência psicológica. jeito.
Weber, por meio de uma análise sociológica, Paretto, pela via de uma Ou seja, uma boa teoria de linguagem pode contornar o obstáculo da
crítica da teoria do valor e a Escola de Frankfurt, pelo caminho dê uma carência de uma teoria do sujeito. O inconveniente nesta manobra é que
reflexão sobre a cultura, em que pese suas grandes diferenças quanto à as condições de aplicação do argumento o submetem a uma posição reati-
solução do problema mantêm em comum diagnóstico semelhante ao do va. Como recusa de uma subjetividade essencializada em termos de etnia,
sexo, condição social ou como crítica de modelos psicopatologizantes e
objetificadores, o argumento construtivista é muito funcional. Fora deste
18
Uma boa introdução a esta questão está em Elliot, A. Teoria Psicanalítica - introdução. São escopo, o socioconstrutivismo facilmente se volta contra si mesmo redun-
156 Paulo: Loyola, 1994. 157
dando em uma posição inócua: eticamente cínica, politicamente liberal e mundo da vida ( Lebenswelt ). E por este movimento o mesmo Zizek de-
epistemológicamente improdutiva. Lembremos que o relativismo moral nunciará um Habermas pós-modemo (Zizek, 1999).
pode ser usado como um terrível instrumento de opressão e manutenção Tanto em num caso como no outro, a posição crítica de Zizek se
de injustiça social. Inversamente, o relativismo epistêmico pode simples- apoia na psicanálise e mais específicamente no conceito de fantasia.
mente legitimar a retórica ideológica e com ela reduzir o potencial trans- Curiosamente, desenvolvimentos fundamentais desta noção em Freud
formador da teoria que se desejaria obter. No conjunto, é uma posição prendem-se ao conceito psicanalítico de construção (Konstruction), jamais
que tende a preservar a acumulação de capital simbólico nas instâncias mencionado quer pela herança construtivista russa quer pela herança do
de poder que já o possuem19. construtivismo genético.
Admitir o cará ter histórico dos fenômenos psicossociais, supor que Freud postula que nem tudo pode ser recordado na análise (Freud,
o conhecimento produzido pela ciência não é neutro, nem corresponde a 1937); há um fragmento de verdade histórico-vivencial que deve ser cons-
uma verdade universal - pois a realidade é uma construção coletiva coti- truído pela análise. Nisso se está a pressupor uma realidade que não cor-
diana -, procurar perspectivas alternativas e minoritá rias, privilegiando responde nem ao relativismo intencionalista nem ao realismo material,
o conflito como fonte possível de transformação, é uma posiçã o política ingénuo ou advertido. A esta forma de realidade, imprevisível, imper-
3 defensável (Monteiro, 1996). Supor que o realismo pode ser considerado feitamente representável e por definição obscena (no sentido de fora de
apenas mais uma retórica, que a questão da verdade pode ser simples- cena, ou fora do lugar prescrito pelo eu), Lacan chamou de real.
mente elidida, ou convencionada em jogos de linguagem específicos, e
que, a rigor, a questão do sujeito deve ser abandonada como herança me- Constituição
£ taf ísica, como quer Potter (Potter, 1998), é expressão maior da ideologia
de nossa época. O movimento ideológico contemporâneo simplesmente I
exige identidades flexíveis, universos virtuais, mundos simbólicos des- Ao contrá rio da noçã o de construção, que se associa à de continui- N

cartáveis, construções autónomas do sujeito (Senett, 2001). Nesta via, aca- dade, o conceito de constituição nos remete genericamente à ideia de
bamos por descobrir que o chamado neoliberalismo contém, dentro de si, descontinuidade. Etimológicamente, o termo procede do ato de fundar,
!
t
necessariamente, uma forma de construtivismo... sócio-histórico.
Aqui podemos mobilizar o argumento crítico, na figura do que Zizek
instituir, criar. Mais raramente constituir implica ordenar algo dado; nes-
te caso, tal ordenação conterá algo de original, novo ou inaugural. Daí a
s
2
<
a chamou de antinomia da razão crítico ideológica: afinidade entre a noção de constituição e a de corte, ruptura ou hetero-
£ geneidade. Em Kant, por exemplo, as categorias, do entendimento ou da È

J A ideologia não é tudo, é possível assumir um lugar que nos permita sensibilidade, são constitutivas, ou seja, são condições para a formação u
manter distância em relação a ela, mas este lugar de onde se pode de- de fenômenos e construção de conceitos. Como condições, tais categorias
nunciar a ideologia tem que permanecer vazio, não pode ser ocupado não são em si nem conceitos nem fenômenos. Espaço, tempo e causalida-
% por nenhuma realidade positivamente determinada; no momento em de, por exemplo, são condições constitutivas dos fenômenos, dos objetos
£ que cedemos à tentação voltamos à ideologia. (Zizek, 1996, p. 22-23) representados e dos conceitos (Ferrater Mora, 1982).
o
u Quando lido a partir das teses construtivistas, ou então combinado
Mas não é só o veio russo que ressurge, também o veio genebrino do com estas, a noção de constituição geralmente nos remete à ideia de géne-
construtivismo terá seus herdeiros. Referimo-nos naturalmente a Haber- se ou criação. A posição inversa - que advoga a separa ção irredutível en-
mas e ao uso que este autor faz das concepções de Kohlberg para legiti- tre construção e constituição - costuma trazer consigo forte implantação
mar certos pressupostos de sua teoria da ação comunicativa. Ora, a tese metaf ísica, como no pós-kantismo. Constitutivo, opõe-se nesta medida a
dos invariantes da formação do juízo moral e das formas da consciência regulador, convencional, arbitrário ou negociado. Pode-se dizer que as
moral é uma forma de equilibrar o peso de aspectos formais do sujeito teorias da constituição se preocupam com as regras que criam num dado
com o peso de instâncias mediadoras: a razão comunicativa. universo de discurso, as chamadas regras constitutivas de um jogo de
Mas o preço a pagar por este acerto é a positivação do real na expe- linguagem. As teorias construtivistas tendem, por sua vez, a enfatizar o
riência subjetiva, que reaparece no resgate da ideia fenomenológica de estudo das regras que regulam um universo de discurso.
Assim como o construtivismo se alinha a certa prevalência do no-
19 Ver o antigo, mas ainda atual, Rouanet, S.P. - O novo irracionalismo brasileiro. In: As Razões minalismo e do relativismo, pode-se dizer que a posição que enfatiza a
do lluminismo. São Paulo: Companhia das Letras. No mais os estudos de Bordieu servem de constituição acusa uma ênfase inversa no realismo e no materialismo.
endosso genérico ao argumento. 159
Note-se que, em relação a esta problemática, oposições tradicionais, tais É talvez em funçã o desta posição constitutivista que Freud encon-
como entre inato ou aprendido, natural ou artificial, tomam-se um pro- trou dificuldades em definir o estatuto, bem como o processo de surgi-
blema secundário. Trata-se de saber que tipo de realismo está envolvi- mento do sujeito. Encontramos na obra de Freud inúmeras acepções de
do em cada noção de constituição: realismo crítico, ingénuo, naturalista, eu, muitas delas simplesmente diversas, outras incompatíveis entre si.
metaf ísico, e assim por diante. Inversamente, no caso do construtivismo Por exemplo: o eu pode ser concebido como uma unidade identificató-
trata-se de saber que tipo de nominalismo está subentendido: qual forma ria e como uma interioridade libidinalmente investida; neste caso, como
de relativismo, que concepção de discurso ou ainda em qual estratégia explicar a origem desta unidade? O eu pode ser pensado como uma mas-
crítica cada construtivismo se insere. sa de representações de si mesmo, mas também como uma instância de
Temos então duas posições quanto ao estatuto do sujeito: a cons- moderação. Do ponto de vista psicológico, o eu deve ser concebido como
trução e a constituição. Ambas são compatíveis com a noção de inter- um sistema de funções, primariamente consciência e percepçã o, ou ain-
subjetividade. No caso da tese da construção, supõe-se uma espécie de da como a integra ção ou a síntese destas funções? Finalmente, é preciso
autorregulação "espontânea", que toma dif ícil discernir uma alteridade explicar a experiência de continuidade do eu tendo em vista a heteroge-
separadora, crítica e simbólica de uma alteridade alienante, ideológica e neidade do sujeito.
< imaginária. Desde que o processo seja de fato baseado na constru ção, seu A teoria do narcisismo teoricamente deveria nos oferecer um guia
destino, ou seu télos, estará garantido. Os meios são as garantias para os para entender esta variação e sucessão de problemas. Todavia, certas pe-
fins. A autonomia da consciência tende a decorrer da força dos sistemas culiaridades desta concepção, seu lugar na obra de Freud e seus desen-
ã simbólicos. volvimentos posteriores, como a formulação do Ego como uma instância
g
No caso da tese da constituição, supõe-se runa espécie de heteror- reguladora (Freud, 1921), tomam impraticável a extração, não controver-
3
regulação. As possibilidades de controle do processo são muito mais sa, de uma teoria psicanalítica da intersubjetividade. Em outras palavras,
precárias. A autonomia do simbólico é afirmada com anterioridade à da a interveniência do inconsciente nos leva a um problema similar ao que
consciência individual. examinamos na controvérsia Piaget x Vigotski, ou seja, qual a natureza
Do ponto de vista da questão do sujeito, a posição constitutivista en-
da alteridade que, neste caso, é constitutiva do sujeito? Se o inconsciente
fatizará a heterogeneidade entre o sujeito e as instâncias de mediação.
se representa ou se inscreve em media ções heterogéneas ao sujeito e se o
A noção de constituição envolve, por exemplo, aquilo que não se pode sujeito, mesmo assim, é efeito ou suposto a estas mediações, como expli-
antecipar no ato, mas que, retrospectivamente determina seu sentido. O
car que ao mesmo tempo o eu seja unidade e dispersão, continuidade e
sujeito não está no lugar de causa, demiurgo ou construtor, mas no lugar
evanescênda, interioridade e exterioridade?
£
de efeito, de crise ou de lacuna em relação às instâncias de mediação. Não basta dizer que o sujeito é constituído pelas relações, é preciso
¡ Pode-se dizer que o paradigma representado pelo modelo da consti- mostrar como isso acontece e por que tal constituição torna dissimétri-
u i: ca as formas de apreensão subjetiva do outro das formas de sobredeter-
o tuição recebeu um novo impulso a partir da psicanálise. Isso porque ela
minação do sujeito pelo Outro. Em outras palavras, aquilo que o sujeito
w postula, de forma axial, o descentramento e a heterogeneidade entre o
sujeito e suas instâncias de mediação (Foucault, 1987). Aqui o tópico do apreende intersubjetivamente simplesmente não coindde com a estrutu-
inconsciente se torna incontomável. Isso implicará pôr sob suspeita per-
U ra que o determina e localiza, mas ambos os aspedos compõem o campo
do que se pode chamar alteridade. Isso pode ser investigado com a noçã o
manente a noção de realidade ou de referente. Isso trar á consigo um re-
de constituição, uma vez que ela traz consigo o reconhecimento de uma
tomo ao sujeito como questão, ou seja: qual sujeito para o inconsciente?
disparidade nas relações do sujeito com as instândas de mediação, seja
O inconsciente é, neste sentido, um conceito constitutivo. A noçã o
ela o desejo, o pensamento inconsdente, a sexualidade ou a configuração
de pulsão, por sua vez, afiniza-se melhor com a ideia de construção. To- edípica.
memos como exemplo um problema metapsicológico corrente. A inscri-
ção da pulsão na esfera psíquica se dá por intermédio do que Freud cha- Neste quadro é curioso notar que tanto o pensamento social quanto o
mou de representante da representação (Vorstellungsreprãsentanz) (Freud, construtivismo mantiveram, historicamente, uma relação de desconheci-
1915). O representante da representação não é, por sua vez, necessaria- mento em relação à problemática crítica do sujeito em psicanálise. Talvez
mente uma representação. Entre representante e representação há, por- apenas a teoria crítica, com Horkheimer e Adorno, tenha percebido que
a psicanálise apresenta a questão do sujeito, isto é, uma problemá tica, não
tanto, heterogeneidade. Esta heterogeneidade se desdobra nas inú meras
vertentes da relação do sujeito com o inconsciente: as formas de defesa, os uma teoria psicológica sobre sua natureza e desenvolvimento. Procuran-
do na psicanálise a teoria do sujeito que deveria caber no que faltava ao
modos de negação, os tipos de resistência, e assim por diante.
160
marxismo, o freudo-marxismo de Fedem a Fromm, passando por Reich
, mas sua objeção se baseia em outro tipo de argumento. Na origem está
e at é dada a precariedade e a dependência do bebê humano. Suas reações são
simplesmente elidiu o potencial crítico contido na teoria do sujeito
mesmo na psicopatologia psicanalítica. completadas, interpretadas ou compensadas pelo outro. Para tanto, é pre-
ciso contar com um realismo crítico quanto à natureza do sujeito. O que
Do lado do construtivismo há também uma história marcada pela
há nele de biológico é a falta e a indeterminação. A "associação fisiológi-
demanda de "completamente por somatória". A fenda percebida, neste
ca é em breve dobrada por uma outra que a faz passar para o plano da
caso, dizia respeito a uma suposta teoria das emoções ou dos afetos que
expressão, da compreensão, das relações individuais". Como amálgama
a psicanálise poderia acrescentar ao estudo do desenvolvimento focado
desta transição, temos a emoção. O exemplo maior de sua atividade não
primariamente no par consciência - pensamento. são os afetos intrassubjetivados, mas os impulsos coletivos, a fusão das
Essa dupla demanda, associada aos esforços de integração aos meios consciências individuais, o mito da alma comum e confusa.
-
culturais e acadêmicos do pós guerra, forçou também, do lado da teoria
psicanalítica, uma versão mais consistente do eu. Aparar as arestas para Pode-se comparar o primeiro estado da consciência a uma nebulosa
responder à demanda social. Nesta medida, vemos surgirem modelos onde se difundiram sem delimitação própria ações sensitivo-motoras
~j de sujeito cada vez mais próximos da individualidade fechada tendente de origem endógena e exógena. Na sua massa acabaria por se desenhar
à adaptação, como na psicologia do ego, ou na psicanálise interpessoal
,
5i um núcleo de condensação, o eu, mas também um satélite, o sub-eu ou
j ; Neste sentido, a crítica de Vigotski foi preditiva. o outro. Entre os dois, a repartição da matéria psíquica não é necessa-
I Mas além desta solução conciliatória, que na verdade dissolve a ideia riamente constante.
de constituição em um construtivismo de tipo desenvolvimentista e es-
I sencializante, o reconhecimento da ambiguidade da teoria freudiana do Wallon corresponde a uma terceira via, entre Piaget e Vigotski. Em i£
4
eu bem como a demanda teórica por um refinamento deste conceito leva- outras palavras, nem autismo nem de egocentrismo, mas indivisão entre í¿
ram, na época da diáspora psicanalítica, à aparição de vários sú plementos aquilo que deriva da situação exterior e o que deriva do próprio sujeito, j gN
à teoria freudiana da intersubjetividade. Três novos conceitos se desta- mistura entre atos, pessoas e seu objeto exterior, confusão entre eu e ou-
-
i
I
cam neste quadro: a criança, o selfe o sujeito. Tais contribuições seguem tro. Este momento precede o período de alternância, ou de transitivismo, iS
a trilha do método freudiano, baseado na clínica, mas agora acrescido onde não é necessário supor consciência de si, mas ação complementar,
de novos elementos teóricos: a psicologia do desenvolvimento, a filosofia ou melhor, especular. "O período de alternância acaba, contudo, por tor- <
\ dialética e a psiquiatria dinâmica. Isso deriva da ampliação do quadro ^ ção em relação ao outro." Isso se
nar possível ao eu tomar posi concentrará
inicial do tratamento de modo a incluir crescentemente a psicanálise com na chamada crise dos três anos, quando vemos a desaparição dos jogos de j ¿j

! crianças e a clínica com psicóticos.


Vimos na 9eção anterior como, do lado do construtivismo, a psicaná-
lise funcionava como um duplo antimodelo: individualista e determinis-
alternância e dos diálogos consigo mesmo. A criança é, alternadamente,
ambos os interlocutores "... sublinhando com tanto ardor o tom próprio
de cada um que muitas vezes só o tom subsiste, e o conteúdo das pala vras

t ta, para Vigotski; carente de uma teoria da relação consciência-realidade,


segundo Piaget. Mas, além da comum objeção à psicanálise, esses dois
marcos do construtivismo mantêm uma distância atenta e crítica em rela-
ção a outro autor: Hegel.
toma-se um autêntico alanzoado". É a fala autista de Piaget, ou o diálogo
intemo de Vigotski, mas agora reconhecidamente acusando a realização
do outro como uma posição discursiva e especular: linguística, mas não
consciencialista. A crise dos três anos é marcada pela superação de certa
Ora, a temá tica da constituição encontrou ampla expressão justa- relação ao espelho. "Em vez de ser alternadamente duas personagens. A
mente nesse autor. O termo constituição é um termo consagrado pela tra- criança já fala sob a forma pessoal, abusa da fórmula: eu - mim mas sobre-
dição dialética, correspondendo, por exemplo, no texto da Fenomenología tudo afirma-se opondo-se." O eu e o outro continuam complementares,
do Espírito, a esta força inescapável de determinação histórica das figuras mas há "fixação obstinada de um dos termos em presença". Com a toma-
da consciência. da de posição, entra em cena a necessidade de partilha, o protesto contra
Ora, há um autor que justamente parte de Hegel para pensar a cons- a partilha e aqui se revela o cará ter insensato e determinante do desejo:
tituição do sujeito: Wallon. Assim como em Vigotski, para Wallon a sub-
20

jetividade não deve ser entendida como um sistema individual e fechado, A criança não procura a utilização, mas a propriedade por si só, a pro-
priedade de coisas de que espontaneamente não teria qualquer desejo.
(...) Trata-se de apropriar-se daquilo que é reconhecido como perten-
cente a outrem.
162
20 .
Wallon, H. 0 papel do outro na consciência do eu, separata, s /d 163
A situação de pacificação decorre da instalação da lógica do reco- primida. Retomo agressivo e paranoico onde o outro se antecipa e desti-
nhecimento do qual a tendencia do individuo afirmar-se como um todo tui o sujeito de sua responsabilidade. Seu pensamento é tomado por uma
fechado, seria um efeito. "Simples limite ideal cuja realidade psicológi- espécie de automatismo de repetição, onde por fim até as partes do cor-
ca difere sensivelmente". Wallon nos permite ver o individuo como um po terminam por se emancipar em uma espécie de linguagem de órgão. O
ideal instituinte, a autonomia como urna das suas principais ideias regu- sujeito é invadido por aquilo que ele rejeitou. Lutar contra o estranho é
ladoras, mas não constituintes. Cntão um modo de restabelecer o sentimento de unidade.
Trata-se de uma ilusão regulatória, que a qualquer momento mostra- Ora, a teoria da intersubjetividade em Wallon é relida por Lacan
rá sua instabilidade. Isso se mostra nos momentos de crise e de incerteza como uma boa alternativa para os impasses da concepção freudiana de
caracterizados pela incitação à tomada de posição, momentos em que o narcisismo. Essa releitura permitirá uma separação entre a dimensão
sujeito se sente novamente desapossados de sua consciência pelo outro. imaginária e a simbólica, nas mediações constitutivas e construtivas do
São momentos em que se acirra a tensão entre autoridade e submissão. sujeito. Imaginário e simbólico menos que realidades autónomas corres-
Neles reaparece: pondem a sistemas de relações, formas de uso dos signos ou, mais preci-
samente, dimensões distintas da alteridade. O que sincroniza a constitui-
5 O íntimo essencial que é outro. Mas esta mesma relação parece ter por ção do sujeito com a constituição da realidade é justamente esta costura
3 intermédio o fantasma do outro que cada um traz em si. São as varia- conhecida como simbólico (Prado, 1991).
ções de intensidade que este fantasma sofre que regulam o nível de Em Lacan, um avanço na concepção de intersubjetividade em psi-
nossas relações com o outro. canálise será feito pela ideia de que o estudo da constituição do sujeito
O
é o estudo da discordância e da oposição que separa sujeito e realidade.
Uma frase que poderia ser de Freud. A identidade expulsa a si mes- Ambos mantêm uma relação intrinsecamente negativa entre si (Simanke,
ma para se conservar: o recalcado, o infantil e o sexual. Daí nos parecer 2002; Olgivie, 1988). Daí a constituição do sujeito ocorrer por uma auto-
m
i imprecisa a caracterização de Wallon como um construtivista. Sua posi- afecção, ou seja, uma alteridade interna e negativa, ao contrário da cons-
H i ção se afiniza mais com a de um "constitutivista", isto é, o sujeito não se ciência puramente reflexiva em que a alteridade é externa e positiva .
J
i constrói apenas, ele também se constitui ao reconhecer em si aquilo que o No fundo, a perspectiva da constituição implica a análise desta ex- S
: nega como tal. A linguagem pode ser uma instância reflexiva... mas não periência entendida como processo de socialização da instância linguísti-
- : toda. Daí ser a linguagem a condição do inconsciente, e não o inconscien-
te a condição da linguagem. O falso reconhecimento e o reconhecimento
ca que diz Eu (Arantes, 1992) em associação com o processo de realização £
Zl ; (= tomar real) das instâncias simbólicas da alteridade (cultura, sociedade, S
|: do falso se combinam na problemá tica da constituição uma autoafecção lei, morte). Isso se ilustra muito bem na seguinte afirmação de Wallon: 5
u i descontínua.
o
o. Basta considerar para tanto o si mesmo como um efeito de efração Para unificar seu eu no espaço, a criança tem que obedecer a uma ne-
5- ; e desvio, imagem alienada, reflexivamente distorcida. O que o sujeito cessidade dupla. Em primeiro lugar é preciso que admita a existência
o ; apreende do sistema (linguístico, cultural ou social) jamais se identifica de imagens que tem apenas uma aparência de realidade; sem seguida,
ao próprio sistema, simplesmente porque o sistema determina o lugar deve afirmar a realidade de uma existência que escapa à percepção.
(...) de um lado encontra imagens sensíveis, mas não reais e, do outro,
de onde o sujeito apreende o sistema. Assim, fica claro como a noção de
imagens reais, mas subtraídas do conhecimento sensível. Para aceitar
constituição é o que melhor se aproxima, em uma versão dialética, da o fato de sua existência espaço-temporal, a criança tem que subordinar
:
• ideia de estrutura. Como tal, a estrutura possui uma anterioridade lógica progressivamente os dados da experiência imediata à representação
em relaçã o ao sujeito, não é a sua história apenas, mas as condições que pura. (...) através dela forma-se a noção de corpo próprio, que conduz
localizam e instalam o sujeito como tal: fundamentalmente a linguagem à unidade do eu. (Roudinesco, 1993)
e o desejo.
A proximidade com a psicanálise se vê confirmada ainda pelo argu- A operação de constituição do sujeito passa, portanto, pelo reconhe-
mento psicopatológico que Wallon usa para reforçar sua . concepção de cimento nesta irrealidade própria do eu, de seu caráter puramente simbó-
intersubjetividade. "a emancipação como que automática e material deste lico. O espelho é um bom exemplo. O espelho é um instrumento simbólico
outro que cada um traz em si, de onde resultam as ideias de influência, de produção de objetos imaginários: as diversas versões especulares do
que com o nome de automatismo mental o Dr. Clérambault descreveu eu. Veja-se que tal espelho, como função, é uma figura da alteridade cons-
com grande rigor clínico". Trata-se do retomo da desconfiança social su- titutiva do sujeito: a mãe, a figura cuidadora, o próximo (Nebenmensch).
164 165
Mas a imagem que surge nesse espelho é um "falso outro", ou seja, ape- O transitivismo infantil, a agressividade, a dialética do ser e do ter
nas uma imagem. Mas, então, qual é o estatuto desta falsa imagem se ela (em tomo da posse do desejo do outro pela via dos objetos que o repre-
é enquanto imagem real? E se a imagem me oferece um falso outro, onde sentam), a passagem do eu ( moi) especular para o eu ( je ) social, a aquisição
está o verdadeiro? de linguagem são temas psicológicos que atravessam a leitura de Lacan.
Note-se como a noção de constituição pode ser usada como uma no-
Mesmo a questão sobre a estrutura da consciência encontra-se incluída
neste itinerá rio. O problema, portanto, não reside na alternativa, muitas
ção crítica, desde que não identifiquemos nenhuma positividade como
agente desta constituição. Assim como a falta de realidade define a cons-
vezes afirmada genericamente, entre desenvolvimento ou estrutura, ou
entre lógica e cronologia, mas no modo como se faz os temas se compor-
tituição da realidade para o sujeito, a realização da falta no sujeito define
- tarem segundo uma lógica da constituição ou uma lógica da construção.
a realidade do Outro. Desta maneira, evita se o risco do constitutivismo
Em outro nível, como se articulam sujeito, mediação e real.
clássico, a saber, postular uma essência metaf ísica como agente da cons-
tituição. A personalidade, o caráter, o si mesmo, a identidade podem ser Se Lacan passa pelos temas do desenvolvimento impondo lhes uma -
apreendidos apenas como formas de preenchimento desta falta a ser. A lógica própria, o destino desta reflexão desembocará em uma reflexão so-
: imagem que se forma é algo diferente do espelho que a constitui Isso
. bre a socialização. Aqui, o Hegel que falará mais forte é o que se concentra
< j permite pensar a identidade sem esssencializá-la. na dialética do senhor e do escravo (Hegel, 1992), segundo a apresentação
feita por Kojève (Kojève, 2002). Portanto, é a perspectiva da domina ção e
A história do sujeito desenvolve-se numa série mais ou menos típica do conflito intersubjetivo que dominar á o entendimento da socializa ção
ã de identificações ideais que representam os mais puros dentre os fenô- e não a pressuposição de adequação e autonomia: "... no movimento que
g menos psíquicos por eles revelarem essencialmente a função da imago. leva o homem a uma consciência cada vez mais adequada de si mesmo,
PH
E não concebemos o Eu senão como um sistema central dessas forma-
ções, sistema que é preciso compreender, à semelhança delas, na estru-
sua liberdade confunde-se com o desenvolvimento de sua escravidão"
(Lacan, 1946, p.183).
I
D
tura imaginária e em seu valor libidinal. (Lacan, 1946, p. 179) Cabe aqui uma breve comparação com uma fonte inspiradora do
pensamento social, que também tem em Hegel uma de suas fontes. Esta- 1
1
< i
Não haveria, neste sentido, substrato biológico senão como represen-
.
tante da falta de substrato A alienação a uma imagem primordial (Urbild )
pode perfeitamente ser admitida, pois não há nenhuma essência corre-
mos pensando nas teses de G.H. Mead, que aparentemente seriam facil-
mente comparáveis com às de Lacan.
I
a Lembremos que o Interacionismo simbólico de Mead, geralmente I£
PH lativa da originariedade. A condição biológica da realidade do eu é sua combinado com uma teoria da intersubjetividade, tal como a teoria dos
£: prematuração (fetalização). Não há unidade, mas, ao contrário, a imagem papéis, tem sido uma importante referência para o pensamento social u
de um corpo despedaçado. As formações do eu correspondem apenas
s
u ao engodo da identificação espacial. Fica assim o eu como efeito de uma
contemporâneo. Seu uso, entretanto, oscila facilmente do crítico ao ideo-
lógico. Berger e Luckman (Berger, 1986, p. 173), por exemplo, atribuem
o geometria que não pode localizar em nenhum lugar o próprio sujeito. sua concepção de socialização primá ria a Mead. Em linhas gerais, isso
w A unidade interiorizada individual é vista como um fenômeno pre- significa entender que se tomar membro de uma sociedade é realizar a
U cário, instável de assunção jubilatória da imagem de si, captada reflexi- construção da identidade, da sociedade e da realidade. Isso implicará
vamente a partir do semelhante. Novamente, o que é constitutivo nesta uma dialética subjetiva baseada na exteriorização, objetivação e a interio-
operação é o que a imagem não revela, é o que o representante não repre- rização da realidade social. Trata-se de momentos lógicos de constituição
senta. Leitura semelhante se encontrará nos desenvolvimentos de Lacan da sociedade, da identidade e da realidade. No entanto, a teoria da me-
sobre a lógica do tempo (Lacan, 1945), da causalidade (Lacan, 1946) e da diação empregada não procede da psicanálise, mas de Sartre.
alienação (Lacan, 1964). Ora, Sartre é justamente o autor contra quem Lacan mobilizará sua
Temos assim um eu concebido como instância de desconhecimento e teoria da constituição. Isso redundará em uma paridade entre objetivi-
negação, meio ou instrumento pelo qual o sujeito coloca sua questão. Daí dade e subjetividade que nos diferencia de Lacan. Trata-se não de uma
o fato de que o eu não seja considerado uma instância sem contradições, disparidade ou de uma discordância, mas de uma relação simétrica entre
ou síntese mas: realidade subjetiva e realidade objetiva:
(...) designa aí o lugar mesmo da Vemeinung, ou seja, o fenômeno pelo O que é real fora corresponde ao que é real dentro (...) mas "há sem-
qual o sujeito revela um de seus movimentos pela própria denegaçã
o
faz. (Lacan , 1946, p. 180) pre mais realidade objetiva "disponível" do que efetivamente inte-
que faz deles, e no momento mesmo em que a
167
166
riorizada em qualquer consciência individual, simplesmente porque sente em Lacan e problemática em Freud, encontra-se reconhecida aqui
o conteúdo da socialização é determinado pela distribuição social do em Mead. O problema desta concepção é que partindo da perspectiva da
conhecimento.21 constituição ela acaba por reintroduzir o construtivismo. Perde-se, assim,
a discord ância entre a realidade subjetivável e o real; o produto dissolve-
Encontramos então a importância do outro significativo, o papel pri- se em uma mediação universal. Se a realidade é uma realidade negociá-
maz da linguagem, como principal mediação, a personalidade como en- vel, não há mais constituição. Resta a mera regulação onde aqueles que
tidade reflexa, a identidade como posição (geometral) no mundo, a força dispõem dos meios e do capital simbólico para negociar em melhor posi-
do reconhecimento e até mesmo a identificação (no sentido psicanalítico) ção tendem a reproduzir, e agora legitimados por uma teoria psicológica,
como ponto estratégico deste processo. substancializar o estado de aliena çã o e de dominação. A autonomia do
sujeito impõe-se à autonomia do simbólico, mas o quanto isso realmente
A socialização prim á ria termina quando o conceito do outro generali- põe em questão a transformação social?
zado (e tudo o quanto o acompanha) foi estabelecido na consciência do
indivíduo.22
Formação
3. Ora, o outro generalizado, conceito de Mead, corresponde a uma
^j abstração progressiva dos papéis praticados nas intera ções sociais. Aqui Em meio à nossa comparação entre as posições construtivista e
^ a . reconhecemos, apesar das inúmeras convergências temáticas, o fio que
separa a construção da constituição. A abstra ção progressiva, ou simboli-
constitutivista introduziu-se um conceito novo e historicamente ligado à
questão do sujeito, qual seja, o conceito de formação. O termo formação
2
(
zação, é tomada como homóloga à construção de um conceito. É o mode- ( Bildung ) designa genericamente o trabalho de apropriação da cultura e 3
«i lo piagetiano de intersubjetividade que reencontramos neste ponto. Com do cultivo de si. Bildung contém dentro de si o radical Bild, literalmente
ele, a prevalência da cognição sobre o desejo. A apreensão do real não imagem. Supõe-se que isso deriva do contexto de aparição do termo na
D

manifesta discord ância, mas meramente reflete a construção do sujeito: mística medieval e da ideia cristã do homem como imagem e semelhança I
"O mundo da infância é maciça e indubitavelmente real" .
23
de Deus. Já no romantismo alemão, e no contexto político de formação
-
Mas isso não deve atribuir se diretamente a Berger e Luckman, mas do estado nacional, o termo ganha a conotaçã o de um processo onde sua
à sua fonte declarada: Mead. Para esse autor americano da virada do sé-
2
finalidade está incorporada aos seus meios. Fala-se em formação de um
5

5

culo, leitor de Hegel e, assim como Vigotski, engajado na construção de


uma nova nação, a realidade é aquela construída pela consciência e, in-
povo pela via de uma língua comum, mas, sobretudo, coloca-se em ques-
tão a definição de cultura e de educação, em oposição à de civiliza ção
i
3
u
versamente, a consciência é aquela construída pela realidade. Isso é muito (Elias, 1990). Fala-se em formação nos chamados Romances de Formação
compatível com a ideia de que a sociedade não existe enquanto forma ( Bildunsgsroman ), tais como Wilhem Meinster, de Goethe, e o Sobrinho Ra-
o
substantivada, dada ou natural. Mas isso levou Mead a recusar também meau, de Diderot. Neles, narra-se as aventuras e as experiências que fize-

I a noção de estrutura social, ou de constituição. A realidade social é uma


"realidade negociada". Aqui a tese soa estranhamente liberal. Aqui nos
lembramos que além de leitor de Hegel nosso autor foi leitor Tocque-
vile. A "moeda" pela qual esta negociação é feita é a linguagem. Ora, a
ram a aprendizagem de um herói no aperfeiçoamento de si, que afinal fez
com que ele se tornasse o que ele é. Cumpre notar que a própria narrativa
faz parte desta experiência, como que a fechando logicamente.
A formação não é uma meta a ser atingida, mas um percurso, um
linguagem é entendida como um sistema de significado compartilhado. caminho, uma experiência a ser realizada. Neste percurso, o que o sujeito
O significado, por sua vez, está necessariamente ligado e regulado pelos toma real é justamente o próprio cará ter da mediação (Gadamer, 1997, p.
atos e genericamente pela intera ção. "O pensamento é simplesmente a ar- 51). O termo Bildung assume definitivamente o estatuto de conceito no já
gumentação do indivíduo, uma conversação entre o que tenho chamado citado texto da Fenomenología do Espí rito de Hegel. Forma ção é o título de
de eu (self ) e mim" (Mead, 1982, p.343). um momento histórico preciso da trajetória de constituiçã o do espírito.
A divisão das instâncias ou, da questão do sujeito, que vimos pre- Trata-se do momento em que a consciência realiza o fato de que a cultura
que está diante de si simultaneamente a aliena. Momento de confronto
entre razão e f é, que o período iluminista (séc. XVIII) representa na histó-
2
' Op. c/ f., p. 179.
ria do homem. Mas, também, alegóricamente, época adolescente em que
22
Op. c/f., p. 184. cada homem engaja-se em um trabalho de cultivo de si e onde ele coloca
23
Op dtp. 182.
em questão sua própria educação. Neste trajeto, a consciência advém a
168 169
si mesma ao se reconhecer nisto que lhe era inicialmente estranho. Ela se Ou seja, o ideal freudiano estaria mais próximo do despojamento e
descobre na cultura. da renúncia do que da soma enriquecedora de experiências edificantes.
Para Hegel (Hegel, 2001), nasce aqui uma aspiração da consciência Sempre se poderá alegar que a renúncia que Hans faz é o fundamento da
à universalidade, ao senso de comunidade (Gesellshaft ) e de coletivida- sua própria experiência e que esta é inevitavelmente potencial fonte de
de, posto que a cultura é esta espécie de linguagem universal e herança incremento narcísico. Afinal, aquele que faz a experiência da formação
comum. Mas ao se engajar na formação, o sujeito toma para si a tarefa o que se torna: alguém formado? Como supor um horizonte de conclu-
de reconciliar a sua aspiração teórica, efeito do estranhamento, com sua são desta apropria ção sem ao mesmo tempo engendrar um horizonte
exigência de dominação sensível. Aqui fica claro como no modelo da for- de conclusão do eu? Em todo caso, pode-se destacar aqui várias inves-
mação o sujeito se engaja consentidamente na tarefa de autodomínio pelo tigações que tomam a noção de formação, enfatizando a formação do
domínio das mediações que o alienam aos objetos. É uma luta pela liber- analista, as condições culturais em que Freud e outros desenvolveram
dade, não pela vida, como era o caso da luta entre o senhor e o escravo. suas obras, etc.
A formação, neste sentido, não corresponde apenas a um trajeto de cres- Talvez a questão possa ser revisitada de um ponto de vista metapsi-
cimento contínuo por acumulação de repertório e domínio técnico, mas a cológico. Esta relação formativa do ego em relação aos objetos da cultura
3 um autodilaceramento, um esforço por tomar seu o que se herdou, para pode servir como um bom modelo para demonstrar a lógica de funciona-
j ; reconhecer-se como formado e formante da cultura e também por se fazer mento imaginá rio do eu e a diacronia simbólica de sua alteridade. Poder-
reconhecer através dela. se-ia, nesta medida, dividir o estudo da questão do sujeito em um traçado
S horizontal onde se examinaria as diferentes formações históricas do su-
O cará ter admiravelmente dialético da noção de formação, sua im-
I plantação histórica e sua extensão simbólica reúnem dentro de si uma to- jeito: paradigmas estéticos, condições sociológicas e psicológicas de sua
emergência, transformações discursivas e epistêmicas que lhe são neces- 3
talidade virtualmente complexa, contemplando a ideia de agente, proces-
^ so e produto, sem dúvida é atraente para uma teoria do sujeito. Boa parte sá rias, etc. Por outro lado, poderíamos isolar um eixo vertical que exami-
„i do seu ideário continua ativa na psicologia construtivista. Na psicologia naria a formação de um ponto de vista metapsicológico e psicopatológico, j *
1; social crítica, a noção de formação inspirou um tipo de crítica metódica abordando, por exemplo, a semiótica e a lógica interna do processo26. i
Redobrando-se em seus objetos, ele pode reencontrar-se na imagem ^
2 : fundamental, por exemplo, se atentarmos para as teses sobre a indústria ; z
t cultural e a noção de pseudoformação na teoria crítica. refletida que estes lhe devolvem. Afinal, Lacan fala em formação da função ;z
3 do eu; vale dizer que/como função, o eu responde a uma lógica forma-
S . O destino desta questão na psicanálise é curiosamente incerto. Freud j H

textualmente desacreditava do ideal de formação incluindo-o entre as ilu- tiva, não constitutiva. Separando a formação, como processo educativo i «

J sões humanas. Enfatizava, contrariamente, os limites da educabilidade e


do autodomínio. Neste sentido, as considerações de Loureiro (Loureiro,
particular do espírito, da formação, no sentido de uma espécie de lógica
da alteridade, centrada na identificação, poderíamos recontextualizar o
;u

s 2002, p.327) parecem muito persuasivas; em oposição à figura cordata,


erudita e experiencialmente enriquecida, que vemos no sujeito engajado
na formação, podemos associar a forma ção freudiana com a do pequeno
herói do conto dos Irmãos Grimm: Hans o Feliz2i, cujo enredo é sintetica-
mente o seguinte:
problema.
Freud opõe a experiência da psicanálise à experiência da forma ção,
no sentido da Bildung como prática cultural educativa. No entanto, o ter-
mo sobrevive em inúmeros conceitos psicanalíticos: formação de sinto-
mas ( Symptombildung ), formação reativa (Reactionsbildung), formação de
compromisso ( Kompromissbildung), formação substitutiva ( Ersatzbildung ).
Ao final de seu período como aprendiz, o personagem (Hans) recebe A coincidência não é apenas terminológica, de fato, todos estes conceitos
do mestre um torrão de ouro com o peso de sua cabeça; porém, ao remetem a formas específicas de concilia ção entre defesa e desejo, entre o
longo do caminho, vai fazendo sucessivas trocas (financeiramente des- eu e aquilo que retoma a assediá-lo depois de ser negado, expulso ou re-
vantajosas), que o vão aliviando do peso e do desconforto da viagem; pelido. O eu replica assim a estrutura dos objetos que o formaram, como
-
restam lhe, por fim duas pedras, as quais atira num poço antes de che- instância de inibição, desconhecimento e alienação. Reencontramos aqui
gar a casa, de mãos vazias, mas feliz.25 a lógica hegeliana da formação.
Esta lógica não é em absoluto estranha ao construtivismo, desde que
o consideremos também como um movimento cultural. Cabe lembrar que
24
Gluck pode-se traduzir tanto por sorte quanto por felicidade, como, por exemplo, na ideia
de fortuna.

170
25
.
Opcit . p.327
26
A ideia foi desenvolvida oralmente por Daniel Delouya.
171
enquanto um movimento estético, o construtivismo tinha um projeto de sar forma ções discursivas, pondo em cheque a neutralidade da noção de
intervenção sobre a dimensão social das práticas artísticas. Seu objetivo mediação. Vimos na seção anterior a problemática da mediação confron-
era virtualmente abolir a camada social do "intelectual artista". O artista tando-a ao eixo realismo - relativismo. Vejamos agora como a noção de
deve toma-se um produtor de objetos, não mais de ideias ou representa- mediação se comporta quando a analisamos do ponto de vista da forma-
ções, deve deixar de pintar o mundo para dedicar-se a mudá-lo, de prefe - ção de signos.
rência através de uma reconstrução da vida cotidiana. Tanto a poesia de Esse é um problema para a teoria, a mediação em Vigotski27 e es-
Maikowsky quanto o cinema de Eisenstein terão em comum esta preocu - pecíficamente para o seu entendimento da noção de signo. Signos são
pação com o real (Albera, 2002). Um real que só pode ser alcançado pela reversíveis, funcionam ao mesmo tempo como estímulo e resposta, ser-
descontinuidade, não pela reflexão pontual dos elementos do mundo. O vem para o controle de si e para o controle do outro. Daí a analogia fun-
real não é uma coleção de objetos. Aqui estética construtivista e psicanáli- damental entre signos e instrumentos. Ambos servem para resolver pro-
se podem manter um programa comum em torno de um realismo crítico, blemas, mas não têm funções fixas e definidas. Instrumentos são usados
ponto no qual encontramos convergências ainda com o surrealismo. Tra- externamente para modificar objetos, enquanto signos "não mudam nada
ta-se de mostrar ao espectador os procedimentos e métodos da produção, na operação psicológica”. Há, portanto, uma dupla exterioridade entre o sig-
5 assim como na psicanálise. Sem a realização deste efeito de discordância, no e a subjetividade (consciência) e entre o signo e a realidade (material).
3 a arte distancia-se de seu papel formativo. Esse dualismo decorre da dupla função da linguagem: comunicativa e
No fundo, a lógica reflexiva que impregna a noção de formação põe representativa. Vejamos como Vigotski, com estas premissas, analisa a
s em questão o estatuto mesmo da ideia de mediação. Há mediações ima- formação do gesto de apontamento.
I ginárias (narcísicas) e mediações simbólicas (que realizam a alteridade), Imagine-se uma criança que tenta alcançar um objeto, mas seu gesto
Ig
mas como distingui-las se o conceito mesmo de mediação, no contexto da fica parado no ar. A mãe olha isso e interpreta que este gesto indica algu-
formação, não carrega consigo nenhuma orientação? Ou seja, a mediação ma coisa. Isso muda a situação, o gesto se toma um gesto para o outro. Con- o
em si mesma não adquire valor algum até que ela incorpore de alguma sequentemente, o sentido (meaning) do gesto inicial é estabelecido pelo j
Ê forma o desejo. outro. Isso permite à criança, retrospectivamente, realizar seu ato como
Uma solu ção possível seria pensar a noção de formação como forma- uma indicação, o que, gradualmente, transforma seu movimento dirigido 1
ção de signos. Signos que, tais como as forma ções sintomáticas, seriam a um objeto em um movimento dirigido a outra pessoa. O comportamento
3 de pegar tornou-se o ¿esto de apontar: A partir disso, o movimento pode i
verdadeiros precipitados de sentido. Sedimentação ideológica que ligaria
£ certos representantes (significantes) a certas representações (significa- tornar-se menos complexo (do ponto de vista f ísico) e mais complexo do =
} dos). Signos de alguma forma degradados de sua condição desejante. Sig-
nos destituídos de sua histórica. Tal solução, ou desdobramento da ideia
de formação, encontra-se disseminada em conceitos como o de formação
ponto de vista da significação (um lance em um leilão, por exemplo).
Comparemos agora esta análise com o exame de uma situa ção bas-
tante similar, estudada por Winnicott. Uma criança no colo de sua mãe
(J

1 discursiva, de Foucault (Foucault, 1988), nas análises de Michel Certeau


(Certeau, 1987) sobre o cotidiano e, de modo mais genérico, em uma cor-
rente de investigação conhecida como Cultural Studies (Johnson, 2000).
O trabalho crítico, ou analítico, no plano da cultura teria então este
durante uma consulta médica. Sobre a mesa repousa uma espátula bri-
lhante e atrativa. A criança sente-se atraída péla espá tula, põe a mão na
espá tula, mas se afasta. Hesita, olha para Winnicott, olha para a mãe.
Eventualmente se retrai sob o corpo da mãe para logo em seguida rei-
sentido de interpretação ou de desconstrução daquilo que a cultura tende niciar sua incursão exploratória. Finalmente, a criança toma a espá tula e
a manter e reproduzir desmemoriadamente. Algo análogo ao que Ciam- deixa seus sentimentos se desenvolverem. A situa ção muda rapidamente
pa (Ciampa, 1986) chamou de trabalho de reposição da identidade, só que de figura: “a criança aceita a realidade de seu desejo pela espátula" . A boca
pensada do ponto de vista da estabilidade dos signos culturais que man- saliva. A criança põe a espátula na boca, morde, chupa, manipula. Bate-a
tém a mesmidade identitá ria. Menos do que o conteúdo, o sentido oculto sobre a mesa, oferece-a para os adultos terminando por jogá-la ao chão.
na formação social do signo, seria preciso pensar a lógica de sua forma. Inicia-se o jogo do jogar a espátula e ver a mãe apanhá-la no chão.
Isso poderia sincronizar a análise da forma em Marx com a análise O objeto é tomado e apropriado intersubjetivamente. A criança in-
das formações do inconsciente em Freud. É exatamente por este caminho
que Zizek postula a noção de sintoma social e de fantasia ideológica (Zi-
zek, 1999). A noção de formação poderia ser recuperada desta maneira
27
Nos amparamos aqui no artigo: Leiman, M. The concept of sign in the work of Vigotski,
Winnicott and Bakhtin: further integration of object relations theory and activity theory.
em sentido metapsicológico e crítico para mapear, diagnosticar e anali- British Journal of Medical Psychology (1992), 65, 209- 221.
172 173
terpreta o olhar da mãe que interpreta o movimento da criança - se vê concepção que sofreu influência do catolicismo ortodoxo e dos padres
sendo vista com. Ao mesmo tempo a mãe interpreta o olhar de Winnicott, gregos do século IV, Gregorio, Athanássius, inspirados pelo neoplatonis-
que interpreta a sua interpretação do olhar da criança. Ao instante da mo. Tais pensadores interpretavam, na forma de um materialismo radical,
significação intersubjetiva do signo segue-se o tempo do uso do signo, que o rito de compartilhamento sagrado. Por exemplo, Máximus, O Confessor,
termina com o momento do uso intersubjetivo do signo ( jogo). O objeto é afirmava que: "O símbolo é a melhor realidade do que ele representa"
transformado e recolocado em circulação intersubjetiva a partir de um * Esse realismo simbólico fica evidente na aplicação, por Máximo, do termo
espaço transitional. Este espaço cria uma nova realidade. "símbolo" ao corpo e sangue de Cristo. Não há oposição entre simbólico
Ao contrário do signo neutro de Vigotski, o signo winnicottiano é e real, tal oposição seria uma perfeita heresia. Coincidentemente, em seu
por excelência transitionalizado pelo outro. É o ponto de encontro entre artigo sobre os objetos transicionais Winnicott faz referência explícita ao
o subjetivamente criado e o objetivamente dado, chamado também de cristianismo patrístico
terceira área da existência, conceito importante para explicar aspectos cria- O signo não é apenas um espelho, mas um "portador verídico da
tivos da cultura. realidade que ele representa", ele não é um instrumento anodino, mas o
veículo de desejo ou runa aspiração de poder. Mas mesmo para Bakhtin
[...] O símbolo da união entre criança e mãe (ou uma parte da mãe). há uma divisão importante entre signos neutros e verdadeiros signos
3
Este símbolo pode ser localizado. Ele está no lugar e no espaço e tem- simbólicos, ou seja, aquejes que têm seu valor preso ao contexto de uso. A
po onde e quando a mãe está na transição entre ser ( being ) misturada palavra é tão mais simbólica quanto mais universal for seu contexto. Re-
s com a criança e alternativamente sendo experimentada como um ob- encontramos aqui o princípio hegeliano da formação. A palavra se situa
I jeto para ser percebida e não conceitualizada ( conceived ). O uso como "entre" os indivíduos, assumindo suas qualidades nesse "espa ço intersti-
objeto simboliza a união de agora duas coisas separadas, no ponto do cial", daí ela ser, sempre, o mediador entre duas realidades e a consciên- s
espa ço e tempo de iniciação de seu estado de separação ( separeteness ).
cia ser um fato interindividual. s
o
(Winnicott, 1986, p.114)
J

II
Há uma formação do signo que remonta à diferenciação entre o "ob- Referências
jeto objetivamente existente" e o "objeto percebido" ( conceived ). O final 1
deste processo é também a separação do signo em relação a seu referente. ALBERA, F. Eisenstein e o Çonstrutivismo Russo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
O jogo, a arte e a religião são exemplos de sobrevivência desta terceira
i
»

á rea da experiência. O signo é sinal da união no processo de separação e ARANTES, P. Hegel no Espelho do Dr. Lacan. Revista Ide, 22:64-67, 1992.
3
u
inversamente é sinal de separação na união. Daí a paradoxal propriedade ARAÚJO, I.L. Foucault e a Cr
í tica do Sujeito. Curitiba: UFPR, 2000.
do signo de ser simultaneamente criado e descoberto.
A mediação em Vigotski trabalha com a oposição intemo-extemo / AUERBACH, E. Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1979.

I individual-social mas não considera o sentido desta transição como um


fator determinante. A teoria de Winnicott pode libertar a concepção ex-
cessivamente linguística de mediação e de signo em Vigotski. Ao mesmo
tempo permite questionar a neutralidade da ontologia social suposta pelo
BADIOU, A. Para uma Nova Teoria do Sujeito. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
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de Inestética. São Paulo: Esta ção Liberdade, 2002.
psicólogo russo a partir do marxismo.
Mas se poderia acrescentar uma terceira posição se em vez de consi- BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem.São Paulo: Hudtec, 1997.
derar a partição do sujeito considerarmos a unidade do signo e a diversi-
. O Freudismo. São Paulo: Perspectiva, 2001.
dade da realidade. E esta, aproximadamente, a posição de Bakhtin. Para
ele, o signo é um mediador entre duas realidades, mas esta mediação é BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
parte de uma realidade e algo fora dela. O signo traz a realidade que ele
BERGER, P.L.; LUCKMAN, T. A Construção Social da Realidade. A Sociedade
representa para dentro da situação no qual é usado. "Todo signo ideoló- como Realidade Subjetiva: A Interiorização da Realidade. São Paulo: Brasiliense,
gico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas é também 1986: 173.
uma parte material desta realidade" (Bakhtin, 1997). Podemos chamar
esta posição de realismo simbólico. Assim como a imagem pode adquirir BURMAN, E. La Desconstrucción de la Psicologia Evolutiva. Madrid: Visor,
174 um valor simbólico, o simbólico pode constituir o real. Trata-se de uma 1998.
175
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que
VJinstitui a sexualidade como tema fundador da teoria psicanalítica.
í ; VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. Vigotski - Uma S íntese. São Paulo: Loyola,
3j 1999.
-
Trata se naturalmente dos Três Ensaios para uma Teoria da Sexualidade
(Freud, 1905). Como o próprio título sugere a pretensão
colocada é a de
VIGOTSKI, L.S. Pensamento e Linguagem (1934). In: A Construção do Pensa- formular uma teoria da sexualidade, ou seja, uma concepção que
unifique
mento e da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. e apresente as premissas mais genéricas, e não obstante mais

I
universais,
da sexualidade humana. Lembremos que a orientação freudiana
_. A Construção do Pensamento e da Linguagem (1934). São Paulo: Mar- inicial
sobre o tema da sexualidade responde a uma exigência muito
tins Fontes , 2001. precisa no
plano da estrutura da cl ínica ou seja, trata-se de resolver o problema
da
.
,

WINNICOTT, D.W. O Brincar e a Realidade Rio de Janeiro: Imago, 1986. etiologia da neurose,.Yomo atesta explícitamente, por exemplo,

1 WOLFIN, H. Conceitos Fundamentais da História da Arte (1915). São Paulo:


Martins Fontes, 1989.
ZIZEK, S. Como Marx Inventou o Sintoma. In: Zizek, S. (org.). Um Mapa da
se, portanto, de causalidade. Causalidade que deve incorporar, em
lógica, o deslocamenta_decorrente-da4ntfodu ção da noção
o artigo
A Sexualidade na Etiologia das Neuroses (1998) e os textos adjacentes.
Trata-
sua
de sobrede-
terminação (Überdeterminierung). Ressaltemos este ponto, a noção de
Ideologia, Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. _
salidade empregada no quadra d£-Uma certa hermenêutica não deve ser
cau-

. O Espectro da Ideologia. In: Zizek,S. (org.). Um Mapa da Ideologia. absorvida-sem jeservas á nocão de idadftémpregad uadnxda
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. avras,Tfestrutura da faliTjnão é a mesma
que a estrutura da neurose pois empregamos a noção de estrutura em
,

. The Obscene Object of Ideology. In: WRIGHT, E .; WRIGHT, E. sentido ligeiramente distinto nos dois casos. Freire Costa (1986), no
qua-
(orgs.). The Zizek Reader. Oxford: Blackwell, 1999. dro da conceitografiaqyngm á tica, chamou a atenção para este
ponto ao

^
distinguir'causas e razões )
~~
Seria, delato, a, lógica implicada na causalidade sexual exatamente
a mesma requerida pela noçã o de causalidade inconsciente ?
Haveria en-
tão uma, e somente uma, teoria d à sexualidade em
psicanálise? Todavia
178 essa pretensão de unidade já é matizada pelo próprio í ttulo do artigo de
Freud, que menciona três ensaios e também pela preposição para, que indi- dos. O impacto dos estudos de Foucault (1985), Deleuze & Guattari (
1976)
ca o tom programático e em formação da teoria a que se pretende chegar. e mais recéñtemente de Derrida (1997) faz crer em certas
implica ções críti -
As inúmeras revisões, notas de rodapé e complementos introduzidos nas cas de umatéoria psicanálíticá unificada da sexualidade. No entanto,
tais
sucessivas reedições dos Três Ensaios deveriam nos alertar para o caráter objeções guardam certa extemalidade em face da própria lógica evolutiva
problemático de Uma teoria da sexualidade. do tema, e dos conceitos ligados à sexualidade, no interior da
própria
Na verdade, sob a égide desta teoria unificada da sexualidade o que teoria psicanalítica. Ou seja, vista de fora tal teoria sempre
parecerá mais
I vemos surgir, tanto em Freud como em seus continuadores, é uma mul- homogénea e unitária dõ que se optãrmõi pela angulação de sua constru
-
"

tiplicidade de concepções que incluem uma teoria metapsicológica das


/ ffy pulsões/umã téoniU fonnãçãojx èxha
'

^ £ partir do narcisismo, uma teoria ^ çáo, em que certas heterogeneidades podem vir à luz. Isso permite
der a estrategia defensivista, corrente nas respostas a tais obje
enten-
ções, onde
sistematicamente se acusa, na posição dos críticos, uma confusão entre a
psicológica davldiTãmorõSa e uma teoria sobre a construção do erotismo,
uma teoria de gênero, ou sexualidade como prática, como discurso ou como hipótese hermenêutica
i [ Para alguns poderia se extrair ainda deste texto
i 1 seja, uma concepção mais ou menos universal capaz de ligar as noções sobre a subjetividade. Tal estratégia, menos do que resolver a
questão,
aponta para uma flutuação mesma do estatuto da sexualidade na
~ i \ psicanalíticas de masculinidade e feminilidade com formas específicas e
históricas de laço social e de prática sexual. psicanalítica.
teoria
5<
Em outras palavras, falar sobre uma teoria da sexualidade nos leva Neste quadro difuso no qual sexualidade se confunde com a pró
pria
a falar da psicanálise no seu conjunto. Não há conceito ou tema que não matriz de constituição do sujeito, e com o desejo em última
I possa ser remetido direta ou indiretamente à sexualidade. Mas, com esse via de entrada privilegiada por Lacan diz respeito à sexualidade
instância, a
tomada
I movimento, o que se verifica é uma expansão da conotação de sexuali- em posição de causa, mais próxima, portanto, da vertente etiol
ógica do
s
; , dáde. Sexualidade falada, sexua1i dad e- Símbólpj, sexualidade f àntãsiâdi que da vertente hermenêutica. Em vez de subjetividade se trata de
'

sexualidade rememorada, sexualidadeHésejada, enfim, essa teoria gèraí ^ tivação, assim como em vez de sexualidade se falará em sexuaçã .
forma, a 'sexualidade deixa de ser um atributo substantivado do ,
subje-
o Dessa
:
:
z

°
da sexualidade pãréce estar por toda parte e ao mesmo tempo em nenhu- ser e~ ; *

!
passaaser pensada como... u m percurso,
ma, de modo claramente isolável. Aquilo que não se reduz à sexualidade^ - ou como sugere Butler @003) \^
ção e"apulsão de mortè em Freud ou cfReaQ
¿9 ' como uma
por exemplo,autoconserva ^
em Lacan, é pensável sempre a partir da "coisa sexual", como se se tra-
gontingên cíâ>Em outras palavras, a sexualidade é uma cons-
trução que possui uma ligação arbitrá ria com a natureza anatô
\S
mica do
tasse de umajedu ção internaje sua própria não totalidade. Veja-se, por corpo e uma ligação re jlircõm a discursividade social que lhe dá forma.

I
exemplo, a fedefinição de pulsac&presente em Mais Além doJErinápio do ^
Por outro lado, essa mesma exualidáde incide ainda como
^ constituição a
partir de sua dependência nãõ arbitrária para com a escolH fantasmática
^ | «5
i

2:
2i
Prazer (Freud, 1920) ou o desenvolvimento da noção dú objetoaji partir
da angústia, no Lacan do Seminário X (Lacan, 1962).
O objetivo deste capítulo é estabelecer marcos teóricos para avaliar
^
Uma consequência dessa mudança de perspectiva, trazida pela tradição
lacaniana, é a possibilidade de descartar, criticamente, certos modelos
^ ;<> -

1 se uma eventual teoria unificada da sexualidade em psicanálise poderia


ser encontrada na obra de Lacan. Para tanto faremos uma breve compa-
ração entre momentos distintivos de incidência deste tema na obra do
psicanalista francês tomando como foco a prevalência alternada das hipó-
normativos sobre a sexualidade, a saber:
1. o modelo da adequação da sexualidade ao gênero social, que tor
na sinónimo, por exemplo, o tipo viril à masculinidade;
2. o modelo da correspondência entre sexualidade e corporeidade
-

teses freudianas da universalidade do falo e da bissexualidade. Tomamos biológica, que induz a equiparar, por exemplo, o pênis ao falo;
ainda, como referência aproximativa, a ideia de que a ambição freudiana 3. o modelo da correlação entre prá tica de gozo e estrutura
clíni-
de estabelecer uma teoria geral da sexualidade, teoria da qual se poderia ca, que permite associar, por exemplo, homossexualidade e per-
inferir a totalidade dos casos particulares, inscreve-senoimbito moderno versão;
de consideração da subjetividade e que tal ambição poderia ser oposta, 4. o modelo da heterosexualidade genital compulsória e
do amor
Umctífqúé genericamente, a uma posição dita pós-moderna, caracterizada concluído, que se associa historicamente aos três modelos ante
pela renúncia a qualquer pretensão de universalidade e unificação (Ea- riores.
-
gleton, 2001).
De fato, o destino dajgrande narrativa.freudiana sobre a sexualidade A teoria lacaniana da sexualidade é, simultaneamente, uma
teoria do
pode ser caracterizado históricamente como a trajetória de sucessivas re- discurso e uma teoria da prá tica de gozo, que se estabelece como prefe-
lativizações de seus aspectos essencialistas, unlversalizantes e falocentra- rencial para um determinado sujeito. Apesar disso, não se pode inferir da
180 181
T 7~°~

prática de gozo, seja o discurso, seja a estrutura. Há certas dificuldades, falo para o Outro. A angústia masculina da castraçã
que veremos adiante, para passarmos da teoria do discurso, na qual o
'
reünem-se assim em tomo do mesmo termo, o fal
gozo faz parte do laço social, para a teoria do fantasma ou da constituição distintas. O preço a pagar em tal concepção é a renúj
do sujeito, onde o gozo não faz parte do laço social. Desta forma ficariam maisantjgag~ê insistentesdtrFreud sobre asexualid
cortadas as amarras para uma eventual teoria psicanalítica de gênero? tese da bissexualidade.
Ou, então, teríamos de definir gênero sem assodá-lo a uma prática de Deve-se observar: aqui
a que a solução de Lacan
gozo? Nesse caso, gênero designaria, ao final, apenas uma formação iden- xima da modernidad/o fajp é ainda concebido c
titária como qualquer outra. .
universal As formas aà~sexualidade seriam ded útí
comum/ jacques André (2001) observou, acertadarm
A sexualidade f á lica movimentqLãcãivtoma aquilo que é uma contingêi
xualidade infantil, uma teoria sexual infantil - a prem
seres são dotados de falo -, uma exigência teórica m
Se imaginamos que a sexualidade se constrói em um processo que sária. Além disso, há ainda a rela ção sexual concebic
z j tem por finalidade a conclusão da organização genital, que conteria den- entre este que se ocupa de ter e aquela que sê ocupa e
<
J ; tro de si as outras formas de organização ditas pré-genitais - o que aliás é ma trazido por essa forma de entendimento é a difici
perfeitamente freudiano - amparamos o desenvolvimento da sexualidade
^j
ãi
Õj
em uma teleologia: a submissão da satisfação individual às exigências da
reprodução. Esse é o modelo a partir do qual as outras formas assumidas
a sexualidade feminina da histeria. Afinal, essa aprôj
fera do ser , pelafalicização do corpo é a estratégia b
,

cia. Note-se que o problema reside naindissociaçãoi


pela sexualidade podem ser comparadas e avaliadas segundo a hipótese ,

gozo específica, exêrcídã no quadro da feminilidade, i


+; freudiana do apoio ( AnlehnunvV Isso noslêva ainda a suposição de uma- podé ser definidã tanto põrsuã forma de la ço desej;
distribuição complementar entre a posição feminina e a posição mascu- por sua discursividade ou por sua relação à castraçãc
lina, que uma vez assumidas, em todas as suas vicissitudes, permitiria o
Em linguagem metaf ísica, podemos dizer que
2 pleno acesso a genitalidade em conjunção com a plena realização amorosa mento da teorização lacaniana da sexualidade perma
e em concilia ção com a disposição natural. Essa conciliação entre cultura da solução de Espinoza para o problema da substân
e natureza, entre a realidade e sua representação, caracteriza a concepção
substância, o falo, e dois modos, o feminino e o m;
freudiana da sexualidade como uma concepção essencialmente moderna.
^
,
relacionar.
£i Faz parte dessa perspectiva a afirmação da primazia e universalidade da
sexualidade humana, deduzida da posição masculina.
1 A apreensão lacaniana da sexualidade parte da crítica a este modelo. A sexualidade fantasmática
Em primeiro lugar porque entre a realidade dos órgãos sexuais e o ideal
da organização genital Lacan enfatizará a tese de que o organizador cen- O pressentimento da precariedade desscpsoluçãi
tral da sexualidade e do desejo é ofalp. C falo) como aquilo que repre-
^
senta a falta, não é nem uma fantasia, nem um objeto, muito menos um
órgão.(OfaljP é inicialmente descrito como um significante, do desejcpe
I
no quadro do desenvolviniffltqde suã~teqr ÍFda fanta
^
Aqui nos vemos diante da ideia de que á vida
sexual r
zada e comandada pela fantasia inconscientéTlñas qu
jdo gozo,(Lacan, 1958). Por outro lado,qJã)o pode ser considerado como mesma, uma certa prática que contém uma forma espi
sim-
(o resto inconcluso de uma imagem.(D falpmão é ênis^ mas o valor
p Há7põrtanto, unCreap2m jogo na relação sexual que
bólico atribuído a ele e, por extensã aerotizacão do corphrCHafo como a própria dialética do desejo (Lacan,~1963). Vemos, n
representante da falta, reú ne sob ^
si o tema da castra çã o , quer como
,
perda
.

desenvolvimento da noção de Real em Lacan está inl


procura de umásõlu çao para o problema da teoria u,
de amor, quer como angústia.
Isso permite articular algumas dificuldades deixadas pelo texto freu- dãdeTSurge assim a ideia de que no encontro sexual, c
diano, particularmente no qiuTse refere ao problema da sexualidade fe- cie de paradigma para as relações intersubjetivas em ¡
minina (Lacan, 1960). No caso ckfhomeifí, a solução prevalente para a

I
_
i castração passa pela dialética do terTréTou não ter o falo, essa é aques-,
tão sob a qual se erige o desejo masculino (Lacan, 1958). Diversamente
cie de equívoco sistemático ou de desencontro irredu
-
que podemos trazer para ilustrar isso é a que Lévi Str
acerca das relações entre dois grupos da tribo Winnil
norte do Canadá. Adaptemos o exemplo para nossos
na mulher, a questão desenvolve-se no plano do ser. Ser ou não ser o

l>^ /Mvo O**


H0 /
o
^1
guintes termos. Suponha-se urrf - tribo na qual se registra, desde tempos problemá tica. Não há, por exemplo, um fantas
I imemoriais, uma perene desavença entre dois grupos rivais. Entrever
o a um fantasmaíemininorPorextênsãó;õ prol
que não levou ao desgarramento de um dos grupos mas a , uma rivalida- em psicanálise se vê lançado para um questii
de empedernida e mutuamente sustentada. Interessado na origem dessa de gênero. Temos então, nesta fase do pensa
contenda, o etnólogo pede que cada grupo faça uma representação de sua -
baurçãe do paradigma da- biSséxuaíid àde ao
localização territorial de modo a incluir o grupo oponente e situar o obje
- potencial estruturante do falõ. Çffalq)estrutur<
to da contenda. O resultado é surpreendente . O primeiro grupo desenha '
mas apenas parcialmente a fantasia. Nela ha
uma figura correspondente a dois círculos concêntricos, os centrais e os racterísticã bissexual ou, até mesmo, pré-sexui
perif éricos, por assim dizer. Mas o segundo grupo desenha uma figura dade e passividade não recobre exatqmente-a
radicalmente distinta, algo próximo de uma folha divida por um traço no feminilidade. A oposi| ç ocãsfmjo ounãocastraj
meio, os da direita e o da esquerda, ou ainda os que estão em cima e os pelo fantasma. Abre-se ehtãoum espaço arã
que estão em baixo.
nero e à gramática fálica.
^
mesmo tempo de natureza sexual, logo, não n
A gucrrá entre os dois~grupos desenvolvia-se, portanto, segundo
2 mapas diferentes e nenhum ãcõrdo seria possível posto que não havia Em linguagem metaf ísica estamos aqui di
j : rrenhunTênf èndteñenf íXsequéf sobre os termos em que se colocava o pro
- próxima de Descartes. Existem duas substânci
'
blema. se reúnem ao preço de uma curiosa e ainda pro
% de partida é, porFanfoTumã teoria do dualismo
A fantasia neurótica ocupa exatamente essa fun ção de mapa que de
-
I senha as coordenadas simbólicas das ações desdantes do sujeito e tam
-
bém d ã construção do gozo suposto ao Ó utro, que sempre ser á tido como A teoria da sexuação
superior em qualidade e espécie. A relação sexual, praticada no mapa
'
da fantasia, é como o confronto ilustrado por nosso exemplo. Confronto Uma grande novidade, em termos de conc
que não deixa de ser men(5sreal por se basear apenas em um equívoco com a admissão de que a sexualidade feminina
3; jí e posições. funcionam não apenas a partir de gramáticas d
^ mapas fantasmáticçs distintos, mas a partir de
¿* de um encontro faltoso, pode-se compreender a aparição de uma espécie (Lacan, 1970).

$ *
y

fiyj
/ ^
* ;

“:
de suplemento quese poderia introduzir na situação de modo a amenizar
a contenda. Esse suplemente-é-aamor. Para Lacan, desse período, 0 (ámor
é uma espécie de_ metáfora que tenta reunir na mesma imagem a impossi-
A lógica da sóviialidade m mlina por ex
^ alidade:
contradição entre exceção e univers
J ii bili dadejlaimagem. Em outras palavras, há algo na sexualidade que é de
• Existe um homem que não está subme
o
a. Há algo, portanto, no fundamento do arcisisrpo i
• Todos os homens estão submetidos à (
£; |natureza não reflexiv
CqueAmã ongrdsico. Ao mesmo tempo essa negatividade não é puramente
^ ^ Trata-se, portanto^-dejun mito formative
i transcendental. Essa negatividade faz parte irredutível da sexualidade, ideia de que há pelo menos um)que escapa à cast
_
ou até mesmo, a éxúãíídã e vem . recobrir esse (f êãLqueaí se entende,
^ ^ ^
deve ser concebido %pmo impossível de se inscrever
,
.
plenipotência representada pelo pai da horda ]
a todas as mulheres. Essa exceção consfiturtadc
TJra /dnú cleo narcísibo do fantasma corresponde justamente ao pon- limitados em seu acesso ao gozo. Aqnasculinii
to crítico de fixação dã bissexualidade. O fãntasm ã /assim como a fantasia da incompletude e da tentativa de reãbsorçacT
fundamental freudiana, inclui a passividãdrerraf ívidade em uma monta- perdido segundo a lei f álica. A exceção não ap
gemoriginária, em tese prevalentemente masoquista. Encontramos aqui TÍTúia regra. O conjunto dos homens é assim
'

o tema da sexualidade perversa no coração da neurose (Lacan, 1964), mas Daí se depreende um gradiente psicopatológic
também o tema do desamparo (Hilflosigkeit). quando a figura dessa exceçã
oJoma-se excess
Em consequênjda do,caráter-fantãsm ãtico da sexualidade, o que te-
mos então é uma fragmentação e dispersão dos modos de gozo que esta-
rão sujeitos à contingência de cada um. A sobreposição entre essas pos-
^^ dónjuanismó) quando a figura dessa exce ção eni
oçuale desejante para o sujeito. Trata-se então da

«lis 184
sibilidades de gozo e a posição masculina ou feminina permanece ainda
,
incontornável na expressão da sexualidade, ma:
incompletude e parcialidade da experiência sex
Nefhísãêriã jjhde, como se sabe, há uma idenfificaçãoJálica_domi-. O modelo para essa outra forma de gozo, o
riência m ística. Experiência para a qual faltam ¿
nante, vemosfessa funçãode exçeção aparecer de modo bastante saliente
Cõm isso pode se dizer que a histeria) em que pese sua maior apresgnia-
o modelo para o gozo f álico é aexperiência da s
; "
- .
ção em mulheres, responderia a uma 1ógica da masculinidade.^ nnrrbom exemplo. Ocorre quê Don Juarfe Sant
ualidade feminina não está baseada na incompletude, fonnãnãm um casal. Tal casaí hipotético estaria 1
A lomead
mas na nconsistênoc). Isso porque, ao contrá rio da masculinidade que
lie um idial, seja ele o Ideal de homem, de mulh<
^
propicia a formação de um conjunto, o conjunto dos homens, a sexuali
dade feminina só pode ser apreciada pela radical diferenç a jingulari
^
-
-
o
uma unidade sexual reintegradora não se mostra
incompletude, masdéjnconsistência, ParãJfonji
mulher que diga não, mas não-toda diz que sim.
dade. O conjimto formado pela mulher é um conjunto inconsistente7ji ã
uma, mas não as possui todas de Uma vez. De fon
um conjunto ihcompletajssõ porque a forma de gozo em questão nã se
o
falo. Há , na sexualidade fe- trica, Santa Teresa D'Ávila estaria às voltas com i
limita ao gozo comandado e organizado pelo dita infinita, cuja característica principal é sua nã
minina, um gozo suplementar, ou seja, um gozo que n ão completa aquilo "

, contável. Ora, esse desencontro entre a mística <


~; que estava faltando, segundo a lógica masculfna/ mas que vem a mais pouco 3 tom trá gico da sexualidade pensada no q
vem como suplemento. Isso ocorre porque a sexualidade feminina
' est á
:; na da fantasia sem ao mesmo tempo afastar a to
j -
não toda submetida ao falo.
sexualidade em Lacan.
I • Não-toda mulher está submetida à castração. No fundo, a ideia é de que não há proporeio
• Não existe mulher que não esteja submetida à castração.
I nidade e feminilidade, os dois somados não fazen

_ _
Vemos aqui a radical diferença dessa concepção diante das teses
anteriores de Lacan acerca da sexualidade. CÍ falo,nãq é mais o único
platónico do andrógino, não é uma novidade na te
e o desent
organizador da prática de gozo, das escolhasjieAbjeto e da ecori õMi | íT
_ .
críticajda g enitalidade, quer pelaAda.da crítica do
«
- iI
i _
Tdèntificatória. A sexualidade feminina, repito, é nã -
" o toda f álica
correspondÍ!ii uinaradicaliza ção da teoria da bissexualidade, mas sem
" . Isso da A originalidade e ¡ problemática que decori
^
lacaniano para uma teoria da sexualidade reside
\ que tal bigsexualidadê_seja_ apreendida como complementar, nos termos nível teórico -que_d£venu)s apreender a teorij
z
u i _
Ide oposições corr\o passivo-ativc)>.oúf álico-castrado.
-
uma parte da teoria dã constituição do sujeito, de
^; Se com a tese da sexualidade masculina aprendemos que o univer inscrito no lado feminino ou no lado masculino
í sal se constitui pela exceção, agora verificamos que este universal nã o
.
trutura? Ou, ao contrário, seriam as jxísições da
é sinónimo de totalidade. Em outras palavras, derruba-se,a concepçã
o de discurso, sujeito a rotações e combinações decc
í
uj universalista da sexualidade. Por outro lado, não há falocentrismo o ; n ã gozo ? Ou, ainda, seria a teoria da sexuação decoi
S; _
porque o falo não esteja presente, mas porque ele não está mais no centro tasma, concernindo o sujeito a uma dada posição ¡
3i _
e nem funciona como operador para pensãFtodã a sexualídãdiTNã h
o á transformações limitadas por seu escopo? Note » -
a sexualidade, mascas séxualidãd è
^^ qui a ideia parece retomar , com
'

ui á , próprio estatuto teórico da hipótese da sexuação d


_
modificações, o germe da noção de bissexualidade . Nesse sentido , Lacan teria algo a contribuir para uma teoria dos gênei
parece se aproximar das concepções de diversos autores que procuram ela contribuiria fortemente para própria destruiç
pensar a sexualidade no quadro da pós-modemidade, tais como Butler disso, qualquer que seja a escolha tomada ela deve
(2003), Kaplan (1993) e Eagleton (2001). Ponto em comum com tais
au- teoria da sexuação é uma teoria da corporização d
tores parece ser a noção de que não há prática sexual que em si remeta a como salientou Zizek (2003), ela se coloca na mati
uma identidade de gênero. Não há a sexualidade porque nem toda sexu- antagonismo constitutivo da sexualidade e não ap
alidade é fálica, mas também porque a formação de gênero não precisa hermenêutica de significações.
ser pensada em função de uma prática sexual específica. No que pese o
fato de que o falo seja uma condição, ele é uma condição necessária mas
,
, surge a impres - Considerações finais
não suficiente para a sexualidade feminina. Em síntese
são que no lado masculino vigora com maior intensidade hip a ó tese da
universalidade do falo ao passo que no lado feminino fala mais alto a tese As consequências dessa concepção de sexuali
da bissexualidade. tismo, no plano da vida amorosa e mesmo para
-
pulsões são bastante relevantes erotismo çjtesliga se do referencial uni-
quadro da pós-modemidade. Crítica da força do un

^ ^
versalista, falocêntrico e genitaLEfe~torf ía se submetido
r
¡ _
à dimensão da
ória de
ção da contingência e uma concepçã o de intersubjet
do dualismo, matéria-forma, corpo-mente, ato-poti
^ ^
conHHgenaã Tcõô não é ma is amatriz de uma fornia compuls
^
'

exercício da sexualidade, mas lugar de experimenta çã o aberto à imprevi - tiram na formação da metafísica da sexualidade oci
, ao Um que há uma leitura possível nessa direção, tendo em o
sibilidade. A vida amorosa desliga-se da referência à Unidade
“~rêal izaría a relação sexual desdobrada no plano intersubjetivo. "A relação conclusivos, há, por outro lado, objeções pendent
sexualTrãomnste"P umã afirmação que se pode aplicar, com propriedade que as produz. David Menard (1998), por exempl
neste contexto. Finalmente seria necessário pensar uma nova forma de para o percurso extremamente moderno do métod
__
concebeUaTpulspes^de modo a incorporar essa disparidade na própria pecto de sua teoria seleção de uma antropologia c
^
ejado mulher), privilégio de certos aspectps.da se
constituição da sexualidade humana . - - .

(falo), reelaboração da questão da incondidonalidad


Uma analogia possível aqui pode ser recolhida da f ísica. Na f ísica,
formalização universal (Frege). Em suma, estamos
encontramos duas teorias extremamente fortes sobre a matéria. A primei-
Urna teonajdas-sexu alid ades, em qua pesa o fato de c
ra é a teoria da relatividade restrita, desenvolvida por Einstein, que mos- do seu objeto para uma pluralidade original de mar
|; tra com grande precisão o comportamento da matéria quando consictera-
j j mos grandes magnitudes, como o-movimento dos planetas. Á segunda
g: teoria, desenvolvida por Schrõdinger, é conhecida como mecânica quân- Referências
tica, e versa sobre universos muito pequenos, como á tomos e elétrons.
5Px Ocorre que ambas teorias tem fortes argumentos para se sustentar como ANDR É, J. As Origens Femininas da Sexualidade. Rio d»
verdadeiras e, no entanto, elas são contraditórias. Ambas não podem ser 2001.
verdadeiras simultaneamente. Durante muito tempo, e até hoje, buscou-
se sem sucesso encontrar uma teoria do campo unificado que reuniria a BUTLER, J. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Civili
5: mecânica quântica e a teoria da relatividade. Note-se que o que está em DAVID-M ÉNARD, M. As Construções do Universal. R
H; '

questão é a cõmposição mesma do universo e uma disparidade aparente


^
nhia de Freud, 1998.
entre o universo quando considerado em diferentes extensões, infinita-
I mente grande ou infinitamente pequena.
Na psicanálise encontramos uima concorrência desse tipo. De um
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Rio de
DERRIDA, J. Resistências del Psicoanálisis. Buenos Ain

P- — lado temos a teoria daruniversalidade do falõpdaqual se pode extrair uma


psicopatologia baseadanâgestrutu ras cliraCasTumaxoriCep aUde ti ésejo e
^
de narcisismo. De outro lado temos a teoria da íssexu alidad
^ ^^
ud ' Ñpódé extrair runa psicopatologia baseada no conflito, uma concepção de
a quaJ sé
EAGLETON, T. As Ilusões da Pós-modemidade. Rio de
2001.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade - a vontade d
js í ?/ pul são e de erotismo. Diante da relatividade, representadã pêlâ Hpof êse ro: Graal, 1985.
da bissexualidade, e da cosmologia, representada em nossa alegoria pela FREIRE COSTA, J. Pragmática e Processo Analítico -
hipótese do falo, há uma contradição que a história da teoria psicanalítica Davidson, Rorty. In: Redescrições da Psicanálise. Rio de
i da sexualidade vem tentando ~
resolver de várias maneiras. mará, 1994.
A teoria lacaniana da sexuãçãp tentaJncorporar-taí-contradicão es-
vaziando o cará ter universal dofalo (universal com exceção) e ao mesmo FREUD, S. (1898). A Sexualidade na Etiologia das N
y; Freud . Obra Completa. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
tempo reduzindo o caráter existencial da bissexualidade (existenciahnão
iodo). Se A mulher não existe, e se A relação sexual não existe, como con- , (1905). Três Ensaios para uma Teoria da Sexx
|j i fiar em Uma teoria da sexualidade ? O resultado é a redu çã o dapretensã o Freud. Obra Completa. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
em estabelecer uma teoria geral da sexualidade e o encaminhamento para
. (1920). Mais Além do Princípio do Prazer. In:
I! tima teoria'resttifadas sexualidade ' SeXtèoria lacaniana óbtém de fato
'

^
os resultados que postula, essa é ainda uma questão em debate.
Completa. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
KAPLAN, E. Pós-Modernismo -Teorias e Práticas. Rio de
De tõda formã/ tais consequências tomam a teoria das sexualidades
de Lacan compatível com algumas exigências críticas que percebemos no 1993.
.

P 188

1
LACAN, J. (1960). Diretrizes para um Congresso sobre Sexualidade Femini-
na. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
, (1958). A Significação do Falo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge 0 Que São Estrut
Zahar, 2000.
(1963). Kant com Sade. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000 .
(1962-1963). A Angústia. Redfe: Centro de Estudos Freudianos do
Redfe, 1998.
. O Seminário - Livro XI - Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psica-
nálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
. (1970). O Seminário - Livro XX -... Mais Ainda.Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1986.
3 LÉVI -STRAUSS, C. Antropologia Estrutural.Rio de Janeiro: Forense Univer-
s sitária, 1988.
I -
ZIZEK, S. Nada de Sexo, por Favor, Somos Pós Humanos. Clique - Revis- A etiologia da neurose
ta dos Institutos Brasileiros de Psicanálise do Campo Freudiano, n. 2, 37:43, ago.
2003.
T Tma premissa que organiza o desenvolvimento d,
diana, desde o texto sobre as Psiconeuroses de De
\1
as neuroses não se definem pelo conjunto de signos
logia , mas por aquilo que a toma possível, pela ç
af
sintomas^Tal "aptid ão” ervira às pretensões de um
^
apeñas "sintomática", como o hipnotismo, mas que a
_
S sua causalTdad éT Â procura desta çausalidade-se ig
3 basicamente ao destino doCafeto ou soma de excitaçâ -
2 teria, representação substitutiva na neurose obsessiv
u ,

3 No entanto, a ideilfde uma determinação única <


£ sente em Freud. De fato, a descrição dos agenciamçn
o
U e pulsionais que movem a produção de sintomas a
termos tópicos, dinâmicos e económicos é insufidei
questão: por cjue se contrai uma neurose? A hipótese
a uma espécie de somação causal, como se apresenta r
dutórias (1915-1917), sobre a etilogia das neuroses, coi
na figura 1 (pág. 192).
Explicitemos os componentes da figura 1:

m
• A Constituição Sexual: Freud participava de i
átrico, onde o componente hereditário das c
um ponto pacífico. Ao final do século XIX, d
'

hereditariedade, especialmente no cená rio
J
e alemão, a partir de uma relativa confusão
190
darwinismo. Este último, de recente implar
dfl Diferença Anatômica entre os Sexos (1925
(1) Constituição Sexual (2) Acontedmento Infantil O acontecimente infantil é fundamentals
(Fantasias Originárias) (Complexo de Édipo) três úcónfécímentos, que nem sempre se

I

de acordo com a mesma ordenação; á ame


gústia e a constatação da castração.
(3) Fixação da Libido
(Fantasia )
(4) Neurose Infantil
(Trauma)
• A Fixação: A conjugação das duas causalid .
belecem o que Freud chamou cfe ponto de

í
(5) Acontecimento Acidental
1 (6) Neurose de Transferência
da sobre a formação de sintomas (I9f 6T7 e
do como um modo de sati sfaçãg ajjulagj;
^
micTsmmdá rio prógryxdasjiüároses: Quaj
pr
(Causa Precipitante) (Defesa )
^^ õ rntõmarcõafo' ática sexual do neurc
continha o elemento perverso intrínseco à ¡
Figura 1 tuia dei) na posição de objeto, numa ident

"
^
sintomática Tal leitura faz com queoTon
gue ao de regfessãn. Gponto deiíxa çã p tra
puIsíÓnal Ho sujeitoe por isso se èncontra a¡
à-repetição-(1920). Como-resultante dos pr
por Freud, de acordo com Ritvo (1990), de forjna a preservar a riores poderíamos falar aqui de uma fantasi
transmissão de certas "vontades" hereditariamente. O que com- confronta ção entre o universal da protofanl
^
poria este extrato herdado e pré-histórico varia ao longo da obra da experiência infantil produz uma resnoí
de Freud; inicialmente seria a disposição à dissociação da cons- de fixaçãaé assirnum estilo singular da íjiui
ciência (Charcot), depois a "aptidão" para a conversão (Breuer ), mesmojempo única e universal ao problei
em seguida as protofantasias e as experiências fundamentais da tamente pórlssó o ponto deJfixação ( Fixien
"aurora" da civilização. Ainda num dos manuscrito da metapsi- simultaneamente a castração.
cologia, reencontrado em 1986 (Monzani, 1990), aparece a hipó- • O Acontecimento Acidental: Trata-se da caus
tese de que a "era glacial" teria imposto certas experiências que
sencadeadora do quadro neurótico. Um ai
se transmitiriam por intermédio de um inconsciente arcaico ou ^

liga ao ponto de fixação tornãndo-o eficaz. F


de uma fantasia filogenética. Tal "experiência arcaica" explica-
tenondSãéJnachí mgltcMêity, algo cronologi
ria indiretamente certas vicissitudes da transferência neurótica.
liga a um traço mnêmieamfantil tomando-
Argumento semelhante aparecerá em textos como Aquisição e
do sintoma. O aeçntecimgmo desencadeanfi
Controle do Fogo (1932), Sobre o Sentido Antitético das Palavras Pri-
posta à castraçaõ7ãfiJaTiza-a e por isso é nece
mitivas (1910) e sobretudo em Totem e Tabu (1912).
de desejo, um retomo a de terminad õslrãços
• O Acontecimento Infantil: Aqui Freud se refere às vicissitudes
com isso que o acgnto deve_ser posto na idêii
da história infantil capazes de pôr em ação uma espéde de re-
n ão na de acidentalidade. O que gere o reto
-
despertar da fantasia herdada. Trata se de um encontro entre o
um sentido sobre a castração, e daí a forma
universal da fantasia com-o particular daquele ser falante. Por _
^
exemplo, a premissajuniversal do faloTuma das teorias sextrafs edéíinido por Freud como a “Versagung" dc
edição brasileira, aparece traduzido como "1
infantis) é confrontada contra experiência singular que atesta a
'

castração, o efeítodeste encontro se situa em termos dcLxeçà lcã


1 relativa ao objeto. Na ediçã o espanhola, o ,
menfif é da angústia. Freud asúrala que a ãmeaça de castrãÇãojJÓ ora "frustración" ora "denegación". A étimo
~
eréálrñérife gfíicáFquando se agrega aesteencúntro. EiirtermólT
'
'
entanto, remete-nos ao sufixo sagen, literaln
freudianos, este encontro se dá de forma empírica, pela constata- Propomos, assim, que se trate na causa des
• ção da ausência de pênis na mulher, como atestam os textos sobre redizer ou eventualmente de um desdizer a
o Declí nio do Complexo de Édipo (1924), As Consequências Psíquicas que ela faz supor.
A estrutura como sobredeterminação umji histeria ssun mmu ou .OLj (transtorno ob¡
^
abuTimijMselíssoda à estrtutura da neurose obsess
eiff ñossa clínica em pacientes diagnosticados ps
A noção de estrutura clínica, em Lacan, surge no quadro do difu-
so estruturalismo francês do pós-guerra. Numa definição negativa, tal
forma. No entanto, a relação entre fenomenología
trico) u éstrutura (diagnóstico psicanalíticò) estar
pensamento se dirige à contestação do ideário humanista e historicisan- ivltrrtasvgzês ~um 'diagnostico
á
te representado pelo existencialismo sartriano. No plano institucional, Jenom en õTógico d*
por redundaFniima estrutura histéricà. Pela estrita
o estruturalismo caminha ao largo dos grandes centros universitários e
co psicanalíticò com a situãção dêTransferência
este aspecto marginal permitiu aos seus expoentes uma autonomia tanto
^
es
apenas como uma indicação da diferença e da espec
na formulação das ideias quanto na sua transmissão. Pode-se detectar aí
clínica no sentido da psicanálise.
uma motivação exterior ao formalismo e à busca de rigor que lhe subjaz.
A(estrutura)não se define, portanto, pelo que

zi -
^
No que toca à ideia d causalid adefefema perspectiva estrutural
centrará força na substitu ição ritrimperialífanu jristoriograficopqr.um
sobredetérmiríisrrp totalizante. Assim, a clássica ideia de que o pagsa^.
-
avaliaçãcTdo seu comportamento, mas por

^
etiológica freudiana que examinamos
como_e
transferência. Como ondHarja imobilidade estruh
do deterihina ó pTesente' e este determinad futuro, a partir de leis que
1
íj antenoemer
características desta concepção são o sed historicisi^
; ícabe à ciência desrifraryd á lugar à ideia de que oacontecimento já está
^

^
aj
oi
/ -
pré-figurado pêla estrutura em que sê inclui. estrutura tyatemporalida-
^ ¿
jjjesobredeterminante e como tal não possui tüstaf ía7 ela transdüstórica
;
gências de uma ficção sobre o processo
dviEzatórk
capaz de assimilar constituições pulsionais precisas
lidade. Lacan, como se sabe, por unyl lado
nela domina aabsoluta riécessídjjdfUógica. desbiol
outro, proporá um novo modo de conceber o seu h
A complexidaderio terrpoestrutujanão será avaliada aqui nos seus ,

algumas vertentes deste trajeto, do ponto de vista


pormenores. Bastaria dizer qtie existem diversãs noções de estrutura em q
ma da etiologia das neuroses à ideia de estrutura clú
jogo na obra de Lacan. A estrutura do inconsciente, formalizada a partir A causa predisponente da neurose será
í de um modelo linguístico, cujo produto é a "ló gica do significante", é conside;
3
sem d úvida a mais conhecida, mas poder íamos nos referir a estrutura
discurso onde uma criança é recebida, onde seu luga
5 dcTã to de Tala, a pãffir do esquema "L", à estrutura do discurso, objeto
mesmo do seu nascimento, a partir da mitologia fam
parentesco daquela cultifra e do desejo especí
£; do Seminário XVII e a estrutura toj:»lógica das relações entre demanda e drOútrc), identificado ao campd simbòlico, comofico qu<
desejo (o toro), da-fantasia (o cross-cap ), do sujeito (a banda de Mõébius)
"
se
S decadario 1950, é portanto um dos componentes da i
*; e~dãTrãn§f£réneia (a garrafa de Klein). Cóm o tempo, ao que tudo indica,
tido, como observouPrãcTo (1994), ela se aproxima
arfiocão dê estruhjrà) é absorvida pela de materna, de modo que o para-
^

u; do
ética do sigrn- menológica alemã chama de Lebenswelt, o
° : 'digma linguístico é substituído pelõlógico. A operação po mundo do
No caso do Homem dos Ratos,este lugar prescreve
ficante d á lugar ao cálculo do sujeito na medida

em que as pretensões de uma
paterno entre o casamento pordinheiro ou pelo
U formalização aumentam. Neste sentido, fazendo referenda a Eco (1980), amor
noção de estruturã aproxima Lacan de Lévy-
-
a eátrutujà deixa de ser um contructo metodoló gico ejse aproxima de Strauss a
formas possíveis de escolha dado um certo ambiente i
umáriridagação sobre a pr ópriã realidade. Á ideia de estrutura clínica, no
~

entanto, gravita pm.tnmn dp paradigma linguístico. O acontecimentiÇacidentalMa inf ância,


segunde
Nesses termos, a(estrutym não é um estado cuja fenomenología pos-
freudiana, será considerado à luz das redes de sobi
acgrca da forma como o sujeito se en- nificãnte. Aqfe1Í<rque~é súpostarnentgacidenta] se tr,
fp. sa ser descrita, mas uma nipómtese
'

. estrutura é dedutivel pela escuta, naõ


"
^
- uma necessidade de estrutura, como se houvesse un
gendra em relação à linguage A
pelo olhar, é uma construção que deve compreender todos os possíveis
" antemão e onde o significante particular é capturad
de uma semiologia particular.
pequeno Hans desenvolve uma fobia a cavalos, "c<
como significante porque há um lugar na estrutura,
Desta formãTã proliferação de descrições clínicas, produzidas a partir sustenta sua eficácia. O que epróprio da neurosdé JJ
da eficáda de certos medicamentos e de intensões mercadológicas, como sição em relação a este lugar.
at
-
se observa na psiquiatria contemporânea (Lantéri Laura, 1986), contrasta
conULgjdgência de um raciocínio propriamente estrutural. A ( jjmdromtT
dtvpañT rpóT xérnpiq em se demonstrando, em termos estruturais.
^ ^ ^
consequentemente, dâ fantãsja'. O primeiro passo será transformar
o ca da tortura com ratos, aparentemente pro
e, 1

num acontecimento
acontecimento empírico, a feita de pênis na mulher formações reativas e f órmulas protetoras qu
,

simbólico>a f ltadnstituída pelo falo, isto é, por um significante


. A cas - em neurose do ponto de vista da estrutura,
*

^_
^ tração é definida como a falt imboUca (fálica) de um objeto
^ çã
rio (imagem do pênis). A compulsãcua repeti o desta
imagin á
falta é o próprio
) dos significantes. No _
- fenomenología. O que seria, portanto, o des
sofrimento?
movimentodQ dqsejo no agenciamento metonimia A Versagung do objeto, como vimos acii
) , comcf ãxioma da pulsão, Iiga-sêfe
õTêmã dã demanda
*

êófarito7 Tixa çá c|
^ à jcondição de um fato essencial e não merai
'

e só indiretamente ao do desejo. A demanda (S v D ) é fundamentalmente X objetpdmanente à pulsão, e esta é _ condição


, ão apenas em ji
demanda dé àmórVjcle-signo de amor (Juranville, 1987) e (n ‘ possa ser tomado põreTa. Isto constitui impor
"

e de significante. O sigryo se compõe de um significante


parte acústica! "
ao instinto. Mas se nãõhá objeto, como ele pod
' e um significado (parte ideacional), a estabilidade m
ítica entre os dois momento? Pelo que expusemos acerca do fante
do objeto, a resposta só pode concernir ao frac;
à regres-
~: No entanto, a demanda, e por isso Lacan (1958) a assoda gem deste fantasma.
a fracassada
« i são, é um retomo aos significantes, onde o fantasma opera Freud (1919e) ao falar do fantasma: "Bate-:
est á perdido , se observarmos
j : tentativa de reunificar o signo. Ora , o que como este se faz em versões, em conjugações,
envolvido
Si o esquema da metáfora paterna (Lacan, 1958), é o significado (1973), lê como possuindo três dimensões. Uma
de Freud nos Três Erl -
«i neste signo. Isto levará.Lacan a radicalizar a frase nos permite falar numa espécie dede gramática
ele será
s’ : satos, de que o objeto da pulsar é um objeto
perdido. Para Lacan , flexjya ). Uma vertende Imaginá ria a semântica
, radicalmente perdido, sua restituição pelo falo imaginário
estar conde-
á ^
"traumáticas" e o afeto de vergonha que sempre ;
Num terceiro nível encontramos uma
nada àõiresoluçãp , que, vertenteyx
A fixação5 toma-se, assim, a própria construção deste objeto pecto inominável e repetitivo do objeto.
Soller (1994), é inbmmàvel7impronunciável. No fantasma , Isto que chamamos de montagem pulsional, d
comoLO observa
o
destacando -a
termo que especifica a fantasia inconsciente fundamental ser entendido ainda como uma forma de ordenar >
çã o a este objeto , propriamente prazer efgõzõifproposto por LeguilJJ224) ri3o ponfi
do devaneio, trata-se de uma identifica
"inventado" por um determinado sujeito. Por isso, o
fantasma varia de f ãfisf ãçãoqe
paciente para paciente, caracterizando um estilo pulsionaLerao
.
mesmo
No caso
^ encontraria entr< o simbóljçà e oima,
o simbólico e o real e 0|gõzó\entre o imaginário e'o '

clí nicas
°\ tempo possupalgo de genérico no_ queJoca às estruturas fantãsmática desencadèantéae uma neurose e uma
dõTígmem dos LoboS) (1918) este ponto de fixação aponta para
a íáaiida -
2j
0 :
^

deTéonformFsêTíota no plano dós smtomasá, mas tambénvcõmo observa


dos seis lobos nos
^ apenas fracassada, aliás como todas, mas que é inca
separar o sujeito da invasão do gozo e, por outro, ofe
o; -; t~ísão esc j
Lacan (Seminário XI ), para a(ó ópic No sonho desejantes viáveis. No caso Dora (1905e), este convite
para o paciente que acor-
o galhos da nogueira, um deles õiha fixamente se dá pela ruptura do lugar que sustentava simultar.
é o pr óprio homem
da sob efeito da angústia. Lacan nota que este olhar ficação e sua moção homosexual em relação à Sra. K
caminha no
dos Lobos tomado erruseu fantasma. A construção de Freud objeto para o pai.
^
sentido de que Çcena prim á riapolhar a relacãq sexiialldõs
pãis ( ad é fgo )
^

l
Uma vez apresentada a releitura de Lacan, en
, rabo
significa a eastracão.comQ_perda do pênis ou por deslocamento do 1 etiológica freudiana, poderíamos nos encontrar
com
na cenaTetendo posia ÇãçTimediatamente ah
dqjoba O paciente se inclui . O caso se presta
a lei tura estruturalistà n ã o trairia a
inten ção freudiai
terior à constatação dã Cãsfrãçãõ, isfo é, a satisfaçã
' ~ o anal método que fosse capaz de curar a neurose, de
tocar a
a distinguir a fixação (anal) do fantasma (escópico). (Freud7l89?j? Isso não ficaria
inviabilizado pela própi
O quarto termo da etiologia freudiana é o acontecimento
acidental, tura como algo que não se transforma? De fato, o que s
da vida do adulto, que dá origem ao quadro integral da
neurose. Geral- clínica psicanalítica diz respeito apenas aos
do seu efeitos da e;
mente é este o elemento que o paciente traz ao localizar origem como
a mente com rela ção ao sujeito Fnunca em relação
a ela
sofrimento. Todas as condições da neurose estão dadas e
, inclusive , nesse sentido, passagem da neurose apsícose otpda ~p§
observa Freud a propósito do Homem dos Ratos, às vezes
uma neurose
tcheco, acer -
assim por diante. Neste sentido, a ideia
de uma _"cura"j
completa, bem antes disso. O relato feito pelo cruel capit ã o de forma algumaa passagem a alguma
espécie decond
sobredetermina ções estruturais. ^
dade psíquica, jnas a (mvençã de novas alternativas para responderas ¿fomenta dopes

6
tendem a enfatizar ora uma vertent
podemosnotar na propria obra de Lacan.

^ ^
à estmtura clínica Jle acordo com a formulação de Lacan (1955), é
a estrutura de uma questão. Uma questão não se reduz à pergunta, mas
é mesmo sua condição de possibilidade. Podemos compreender o trata-
Assim, um comentador corpo Cabas)(1980) m
bem a definição da estrutura tendo ém vista os an
~ çao de
^
um suieito específico. As referência fundam
mento psicanalítico como a condução desta questão ao seu limite estrutu- can acentuarão os textos que vão do artigo sobre os
ral. Neste sentido, a questão se aproxima do que Foucault (1987) chama de (1949) ao Seminário TV H 956L Trabalhando sobre a
0
epistemê, a/ ratrí z ^dc um conjunto de perguntas possíveis numa época, Cabas distingue fíèjpsicoses de presènçã quando o
(SUj um horízoñi dg^íslbiirdaae. Lacan partiduláfiy.á as estruturas clínicas a
^
'
ginário se encontrajnst í ^
o na paranoia e
partir da presença de uma questão fundamental: a mulher na histeria, a depressiva), é psicoses deausêncuj, onde a pró pri
morte na neurose obsessiva. O qugtoma possível a questão? Pelo exame imaginário, e do ego, portanto, está comprometida
das concepções etiológicas dameurose vimos que o que toma possível tal quizofrenia e do autismo). A pesquisa empreendic
questão é simultaneamente: ~ " junto à família em que a criança se encontra,
_
segue i
51
j:
"
*

1. A presenca de um conjunto deacon figurações que precedem e aco-


pectiva que enfatiza as condições de precedencia da
Tomando por refgrênda os textos posteriores
ajnstalação de uma sUjgito específico, ajsabeçjaestrutura da
S; | lherrç comentador corrpo ju ranvillé (1987) nns apresentará
.

gj linguagem, a estrutura de parentesco e as condições veiculadas pelo trutura centrada nal ñefafora
ia met á tomparterna, no circuito c
L Outro materno. posiçã o do objeto.. jssirq, ã jhisteriake caracterizaría
óbieto sé encontra o Pai Real, no li
onde no lugar do fihietasb
dafaijaem relação ao circifito de identificações e ao lugar ^

H
j 2. A presend
dr> ^
nhjeto. Em outras palavras, o desenlace obtidoaomy
rafpáfema-no-que toca;
^ametafo-
e no lugar do sujeito (e do desejo) se localizaria Q Pa
da neurose obsessiva, o lugar do Outro é ocupado
no caso da fobia, é no lugar do objeto que se instai;
j

3 mesmo raciocínio é empregado para a psicose, pan


; • às condições dffdésejcL variantes. A linha tomada por Juranville, que podemi

1 • _
jigjriodQ duljdar com axastraçãcT(ao nível da linguagem). Dor (1987), confere nítidh primazia à estrutura defi
pela metáfora paterna e, portanto, ao sujeito definidc
I 3. A presença doffantasma
)como: de identifica
lentificações e daiafia ao nível do objeto.
í
u • lugar de certeza quanto à consistênda doj utrq LSUa demanda
^ ^ ^
f
No caso d( CalligarUT1983), a ênfase da noção t
organização do fantasma. Tem se ém mente
• articuladordas relações entre pírazeij(safisfaçãõ e gozo) - aqui a
l • posição de reteneão-naxcisicã a identificação ao objeto.
dos Seminários VIII a XIV , bem como ao texto Kant com
X

u
^ a estrutura da perversão é apresentada a partir do fi
vontade de gozo). Dessa fomu GaHigaris apresenta
4. A presença dAfaltaao nivel dflTOutrcj e a resposta dada a esta falta ao
|
^
comQjgyalQ£a-a_demanda doyutro (D) e) a posição
B frado)-se-eiTCorttra ara recebêJ.a.-Noeasoda
• do seu cqnq áí ènfp (o sintoma e a transferência)
epi ^ ^
perve
falo imaginário (fi) para a falta imaginária do Outro (-
• do seu suplementero amor) rose obsessiva, ele se faz falta imaginária (- fi) para a
• da posição em rela ção à sexuaçãò, (a resposta a não existência da que emerge desde o falo simbólico (Fi). Na histeria, a s

(jfi
¿pf
i

r' ls ' As
—-—
relação sexual).

quatro condições ou vertentes que compõem a noção de es-


Au trutuiacl ínica são redutíveis umas às outras. Bastaria dizerque-a^estru-
na psicose a própria posição do sujeito é assumida pe
Finalmente, se tomarmos a perspectiva repre:
(1995), notaremos uma nítida primazia da
noção de
tendo em vista os textos de Lacan posteriores ao Semi
tur clínicenada mais é do que um modo lèlidar com a vàstraçfKjre
^ ^
( iòTTíVêrda linguagem [A], ao mvel da metá tora paterna, ao nível do
tura se define pelo que o sujeito coloca no lugar da c
sexual, isto é, por como ele realiza uma espécie de rela
fantasma [g ç> a], ao nível da falta no Outro [S (A )]. Parece-nos que os sa. As fórmulas da sexuação, a teoria dos discursos, e
estatuto do Real, do Simbólico e do Imaginário marcam este período da novo "Pai da horda" seria evidentemente morto. A
obra de Lacan. Ser á, portanto, pensar a estrutura a partir da disparidade lugar do Pai uín totejrí (animal ou vegetal), cuja fur
da posição feminina e da masculina. A histeria e a neurose obsessiva se- c^jeiq5e simultanpamentejmpedia o acesso a todas
rão examinadas, por exemplo, a partir da sua incidência diferencial em acesso parcial Ide acordo com uma fórmula de t
homens e mulheres. A afirmação de Lacan de que a "mulher é um sinto- ^
Assim um tabu, uma interdição de-acrai
ma para o homem" e de que o homem representaria uma "devastação" interrompida apenas na ocasião do banquete totêrr
para a mulher parece levar Soller a propor uma caracterização diferencial o pacto de irmandade pela reexecução do crime, i
das estruturas clínicas em rela ção aos sexos, em função da diferença ao sentante paterno.
nível de recepção da falta no Outro. Transpondo as figuras do mito para os atribu
As estruturas cl í nicas apartir de Totem e Tabu
3 mos a seguinte relação:
% 1 . O Pai da Horda Primitiva: trata-se do que Lacar
uma posição onde não há limita ção de gozo e
Até aqui fizemos referência às estruturas clínicas pautando-nos ape- 3

engendrãm tora 3o simbólico (pela torça ) e poi
5
i nas pelo esquema-freudiano das neuroses e sua eventuaLreinterpreta-
çao lacaniana. No entanto, as estruturas clínicas permitem uma apreen-
são mais detalhada se tivermos em mente as diferenças entre a neurosfe) p
^ ó
se o quisermos, no nível anatômico (entre o Rei
2. VPÕiMortojtrata-se do que Lacan chamou de
%
I ^
(histeria, neurose obsessiva e fobia ), ffisicõsg (esquizofrenia, paranoia e o
riormente de Nome-do-Pai), que opera a part
isto e/lirmfaogõzO oterece um lugar para a id
^
i

psicose maníaco-depressiva) e p pérversoes (fetichismo, sadismo e maso- u A'eü jfieudiano) tomando possível a relação ntrs
quismo). Ajisimpâtolagia pBlmhiralbarte destes quadros, admitindo sua_ < res ^
simplicidade e generalidade. Tentaremos nos aprofundar na diversidade pode pensar em:
2
intraestrutural a partir de uma pequena ilustração. k -
* Semblante d(f "hom« ": trata se de um lt
De modo a demonstrar as diferenças estruturais envolvidas nos qua- ~ gralmente a funçãoTálica (Lacan, 1973).
3 dros em questão, propomos a utilização do mito descrito por Freud em < u -
%
=-
e ;«
Totem e Tabu (1912). Totem e Tabu é um reédiçaó do mito de Édipo, a
^ ^
encruzilhadaegtaturante da subjetitividade fiumlma . Como tal
'
, ele é um

3
^ ^
• Semblante de mulher : trata se de um li
cialmente a função fálica (não há nenhum
conjunto, como uma espécie de "Mãe da 1
dos poucps mitos, de fato, que nossa é poca soube produzir:’A hipótese de ce i
1
ofundeelhe dê consistência); trata-se, por
gi
¡
"
.

< \ } Freud é de que.a historia do individuo repella .hist


ória dabjjjmmidade. <n ^qb¿etqa (qye como vimos é inconsistente)
ui
§
SO
^ I
Compreeñden do b -firigem do estado de civiliza o se teria a resposta
-
~

para a pergunta centraLsobre^ origem da interdi


,
çã
ção, dáJeiT, porf ãríto,
do motor do recalcamento. Dizemos que em Totem e Tabu se tratãdcruirr
' '
t ência. ^
itarxísic derfixãção, o fantasma que lhe d

3. Sujeito: lugar vazio, efeito de linguagem, ele si


mito, apesar da justificação dada por Freud, a partir da antropologia de mentos de alienação e separação em que cada r
Frazer e do darwinismo de Atkinson, porque a presença da lei, que deve- corresponde a um conjunto de possibilidades <
ria ser explicada, é condição da explicação, como observou Costa (1989). O sujgitQjK) mito de Totem e Tabu é o próprio I
Enquantujrnitjr, portanto, se prestará à metáfora das diferenças entre as constituiçãqjie algo que o antecedeu logicam
estruturas clínicas, pois faz referência e é uma tentativa de exptieaçãor-

^
civilização e as figuras do Outro que ojEundamj
-jgsfãmenttTdmrelaçao entregos-atributos-a qugjshegaqioíganteriormente
< Sda do objeto) a ã.o patem / a articuláção cTa^;
acerca da estrutura : | fund

1

posição sexual ap gozcTe a resposta do sujeito


^ A neurose
FrêucTpõstuIã que primordialmente os homens se agrupavam na for-
ma de horda, onde o mais forte expulsava os filhos e tinha acesso a todas
A neurose, enquanto estrutura /Caracteriza sf
como lida com falta do objèFõTjEla recalca (Verdm
-
as mulheres. Os filhos tinham como alternativa a privação sexual ou a
homossexualidade. Em certo momento, estes se organizam e matam o
pai, seguindo-se o impasse: qualquer dentre eles que se propusesse como
^
cfcTpai. Nada quer saber da falta do objeto, e jgu d
-
tuaüzando o ato fundamental. O rgcalqfieAneste s
uma falta determinada. Uma negaçao deste tipo se
200

i
_chamou de denegação, ppis produz como resultado uma formação que
negae afirma simultaneamente algo. São as formações do inconsciente o
chiste, o sonho, o ato falho, o sintoma, etc., que são paradõxãlmenteTea-
Lacan como um desqo de desejo insatisfeito. No en
pãrao outro lado da banda, encontra-se a tragédia
inconciliável com a manutenção dQjlesejo, como i
~
liza ções de desejo sem reconhecimento do desejo. São simultaneamente plo, no filme de Bunuejf Á Bela da Tarde
uma articulação dà questão estrutural e sua resposta. A neurose obsessiva, pòr sua vez, manterá o

j Af dial ticaTpois eseç


•a. ~ '

o ^ ^
A tese de Lacanj de que estas-formações possuem, naj roscytirna
metáfora uma substituição significante
quêloi negado numa negação determi-
sujeito no lugar "Homens". Por isso o ser talan ti
urna alternativa: ou se identifica ao Pai morto e s
é
P nada. Uque fornegado ^ Va (
é
aufhebt
. um
)
objeto imagináridTõ f ãíõlmãginano - a ima-
~

i ,0Rem do pênis), nõ entanto, a formadê nega Iò é simbólica, ele


^ se preserva
morte ao Pai ou se constrange à exclusão da posit
olha, por intermédio da fantasia ojai.Real, gozai
,

acordo com a primazia da fantasia da cena primái


'
presenca
J
isin ( /~simbólicamente no significante que é assim definido. como
‘ u5íã jiusêndat)ou comõ algõ que é diferente de si mesmo. Desfímarreira,
) de desejo é a de que, nesta situação, ele se torna impos
transformar-se emfcíernandaJe esta, mantida a qi
o que e-neganoimaginárioritõrnano sjmbeliee^A. castração assim ne- posição que ele escumdo Outro sua questão: o que
<! [ ã^
gad attra-rõmo reguladora da relacaoWbeiu -‘gozoj/0 p que se pode ver A fobia, terceira variante da estrutura neuró ti
ji no funcionamento social da neurose onde se constata : quanto mais éãlg£) Lacan como urna especie de placa giratoria, cujo de

« i O
^
S ; jnenos èsejo; e qiiãntolnãí dês
sujeito comparece ^ ^^no retorno
h1
^^^ gn
do
7 Q

recalque, no seu fracasso , daí a


neurose obsesssiva ou urna histeria. De um lado, <
com a presença de um Pai Real que se presentifica r
°* : ~afirmaç-ao de Lacan de que recalcado e mretorno do recalçadcLsão a
o trata apenas de um significante fálico (face histéric
: mesmã cmsãTEsiãõ unidos pelo compromisso ou denegação firmados demanda (face obsessiva), más de um ímágemjiqu
de um lado temos( gõz > e de outro o (jêsèjõ ^
pela metáfora. Portanto, se ~
^ ^
a interface entre os dois é osujeito (o que vai deéncontro a jua gtrutura
^ ^ tos. ^ nto deTnchísão do suieitcTéstá entre o lug
„;
íi na banda de Moebius). Chegasse, então, à ideia de que ná jieurõsglosu-
jeito aparece como um corte, dividido, e isto pode escutar-se na cl ínica ^
"mulheres Conão este não é de fato um lugar es
porque de sua provável evolução para um ou ou

£
t como:
• Uma separação entre o mundadPg a enunciaçãb, entre o que _ lI um lugar entre a masculinidade e a feminilidade.
pjobicòjj a de um desejo prevenido, antecipado, ant
se fala e o que se diz. A significado; a mensagem, na neurose, é j

5
5
recebida de uma forma invertida a partir do Outro (conforme o
esquemrarb).
^
^
recímento ele é paralisado na constru ção f óbica. —

A psicose
• Uma separação entre o lugar do "eu penso" (ou do "eu não pen-
l so"), o desejo inconsciente e o lugar do "eu sou" (ou do "eu não
sou"), o gozo. Ao contrário da neurose, que realiza uma fc
u
• Como determinado por um lugar entre SI e S2. negação, a psicose se caracteriza por uma negaçã
lida com a falta do objeto por intermédio da forac
situação que se obtém então corresponde à prime
histeria. a um<
.
^

ío se refere à cõnsHiuíçãõ .
Totem e Tabu O Pai Real priva o ser falante do goz
como se sabe , mas ao lugar de onde se
onde a solução passa pela via homosexual) ou toe
anatômica; há histeria em homens ,
_ de gozo (posição "mulheres", como se nota na ema
^
faz o desejo. 0 drama que faz vacilar o pai possui tuas dimensões, uma
que coloca o s&r~f alante como'obietupara o pai real (comostTcõHsfata
pela primazia da cena de sedução); outra que produz uma identificação
sidente Schreber deve submeter-se). Como não se ti
que negue e afirme simultaneamente, a psicose esta
negação maciça (o negativismo psicótico) ou com 1
-
ao falo (fazer se passar por ele para sair da posição "mulheres"). Desta
mente maciça (a alucinação), do Pai Real. O delíri
forma, enquanto degèjacjjrynmo un í~alo como um significante fálico, a
^
^ ^
posição "mulheres" jica vazia e de lá èmerge sua questão fundamental:
Coque queFumãunuíherF ntende-se desta maneira, qu& ã"hIsteTiadêve
uma tentativa de inclusão do sujeito, quer na posi
Real (megalomania), quer na posição "homens" (]
^
manter o desejo em a ção a qualquer^preço, e por isso ele é definido por
posição "mulheres" (emasculação ou delírio erotorr
casos não há preservação do negado. O que não é acolhido no simbólico
retoma no real. A perversão
Em termos do Totem e Tabu, isto corresponde à obrigação de erigir
para si mesmo uma civilização em que possa habitar. A psicose encontra- A perversão nem recalca nem foraclui o assí
se estabilizada quando o ser falante se encontra, por intermédio de iden- cuta um terceiro tipo de negação: a da falta do (
tificações imaginárias, num circuito em que nenhuma questão o obriga a nou por renegação (Verleugnung ). A renegação é
responder de algum dos lugares estruturais. As causas precipitantes do perceptiva, uma alucinação negativa. Seu produ
surto são sempre circunstâncias onde estes lugares se colocam como de- fetiche o que foi negado. O que é negado no ime
cisivos; fenomenologicamente podemos citar algumas das mais comuns: ginário. Há, portanto, uma lei em funcionament
casamento, morte, paternidade, imigração, etc. rigorosa. No entanto, esta lei não se organiza pel;
mas por uma dialética com a demanda. Desta fc
Na paranoia, o ponto de inclusão do sujeito se dá na posição "ho-
o desejo na perversão equivale à vontade de goz;
mens", daí sua proximidade estrutural com a neurose obsessiva. Tanto to não está dividido pelo significante, entre emn
como perseguido quanto como perseguidor, o que está em jogo é o objeto entre SI e S2, mas unicamente pelo objeto. O per
e sua sobra imaginária: o Eu (moí). Sua demanda por ele é intransitiva; inclusão o Pai Real, de lá este faz aparecer a divisi
é dessa intransitividade que se extrai a certeza, marca maior de seu dis- objeto de gozo. É, no texto do Marquês de Sade, o
curso. No entanto, a aproximação com relação a este objeto é assintótica
(como mostra o esquema R), de modo que ele enfrenta de uma forma
-
ne, a vítima, divide se pela angústia que precede
so retém sempre este instante que precede a cash
mais radical do que qualquer o outro o desafio de pôr em palavras o ino- Freud (1921) acerca do fetichismo.
minável. O "eles", sujeito delirante do "sistema", do "plano" ou de qual- No fetichismo, o objeto que imaginaria mentt
quer outra forma de totalização do Outro, que caracteriza a paranoia, é o do na mulher é condição necessá ria e suficiente d
sujeito impossível do código. Impossível porque corresponderia ao Outro cortador de tranças é paradigmático, ao cortá-las,
do Outro. Para separar-se da absorção a este código, a paranoia investe na ção do outro; no entanto, ao retê-las como objeto
produção de um neocódigo, de um idioleto, como a Grundspache (língua eficácia simbólica.
fundamental) de Schreber. O ponto onde se trataria de um reconhecimen- No caso do sadisjno, o objeto se encontra d(
to do desejo (do sujeito) se encontra fraturado, o efeito disso são os fenô- masoquismo, do lado "mulheres". Isto significa, t
menos ao nível da mensagem, como a interrupção da frase, as repetições tem e Tabu como referência, que num caso, a castre
e cortes no discurso. passagem de um desmentido da posição "homen:
A esquizofrenia, por sua vez, tem seu ponto de inclusão na posição ção mulheres. Isso combina com a análise de Delei
"mulheres". De fato, a dificuldade em se furtar à condição de objeto para ta no masoquismo, uma denegação da m ãe ao lac
o gozo do Outro explica o caráter fragmentário do delírio, e a predomi- do pai. No sadismo, a situação se inverte, haveria
nância das alucinações visuais, como observou Calligaris (1983). A busca uma denegação do pai. O problema em falar na es(
assintótica do objeto ganha, na esquizofrenia, o sentido da despersonali- é que esta representa rarissimamente um fato
clí
zação e do esfacelamento da imagem corporal. O eu se reduz à fragmen- motivos estruturais, supõe-se dificilmente demar
tariedade própria do objeto da pulsão. por isso que boa parte da bibliografia a respeito ¿
A psicose maníaco-depressiva, investigada por Freud a partir da obras literárias, notadamente as de Sade e Maso<
melancolia, tem seu ponto de inclusão numa região entre a posição "ho- artigo de Deleuze).
mens" e a posição "mulheres". Assim, o pai Real mostra-se insuficiente; A Vénus das Peles de Sacher Masoch (1982) é r<
a posição do eu vai então de um complemento a este Pai - pela suple- mulher que mostra sua castração imaginária na f úr
-
mentação da significação que lhe falta (mania) à identificação do objeto
perdido, a identificação que preserva e positiva o objeto (depressão). As
da sobre o masoquista. Ao mesmo tempo, ela é
peles de animais) que d ão a ela o semblante de um
po
variações do afeto são variações da economia pulsional; o regime signi- a f úria da Vénus não traduz qualquer desejo
de exi
ficante não sofre alterações ao nível do código ou da mensagem, mas no constrangida a isto por um contrato meticulosame
nível da falta ou excesso da significação fálica. passa como se o contrato firmado permitisse a relai
mulheres" sem a interveniência do Pai morto.
No caso da Filosofia da Alcova (1988), obra do marquês de Sade anali- (1909). A Propósito de um Caso de Neurosi
sada por Lacan (1958), a relação não é contratual, mas institucional (como dos Ratos.
observa Deleuze); o afeto que o marca é a apatia e não a frieza. O sádico
, (1905e). Fragmentos da Análise de uma Caso
institui-se como pai que impõe sua regra de gozo a mulheres e homens
sob absoluta indiferença quanto ao desejo destes. Tudo se passa como se a .
. (1912). Totem e Tabu In: Sigmund Freud.
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fizesse de cada um pai de si mesmo.
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(1918). História de uma Neurose Infantil - O Homem dos Lobos. 28


206 Exemplar mimeografado.
w A
III
Discurso e Narrati\
em Estruti

1 '

A s relações entre análise de discurso e psicanáli


xVdas, em um primeiro momento, pela semántica e
cedido ao conteúdo. Surge da í o uso da psicanálise o
I hermenéutica capaz de nos informar sobre o verdad
subjaz um discurso, uma manifesta ção da cultura ou
remete, nesta tradição, ao encontro de uma intencior
fantil que moveria tanto © processo produtivo quant
discursivo analisado. Tal uso cedo mostrou suas lii
contribui para a formulação ou reformula ção de pn
lógicos relevantes e redunda, em última instância, en
trativa ou did á tica do que a própria teoria psicanalít
anterioridade.
Isso não quer dizer que a análise da forma discui
xada de lado por Freud. Se tomarmos por referência 1
pretação dos Sonhos (Freud, 1900) e principalmente Chit
o Inconsciente (Freud, 1905) encontraremos uma preoci
se dos processos formais de construção linguística es
ao inconsciente. É importante lembrar que tais textos,
que eles indicam em termos metodológicos, passaram
ra submersã o diante da primazia da análise do texto
suas camadas de sentido, tendo por objetivo o desve
espécie de subtexto psicanalítico. Esta tendência enco
análise clássica da ideologia, de inspira ção marxista,
lha com a superposição entre infra e superestrutura d(
No quadro da educa çã o, a ênfase na hermeneutic
duziu dois descaminhos importantes. Por um lado um
a narrativa do conhecimento, cognitivamente gerida e epi
1
I
timada, e a narrativa dos afetos, que supostamente representaria a verdade entanto, a experiência com a fala de pacientes (
,
encoberta e parasitada pela primeira. Conhecemos os híbridos inférteis postular um uso mais restrito da noção de narr<
produtos desta dissociação, bem como as tentativas nefandas de reduzir histórias, relatos do cotidiano que geralmente t
seus efeitos por uma soma de encargos ou distribuição de tarefas. O se- sessão analítica e que marcam sua abertura. Tar
gundo descaminho, produto desta anexação conteudista da psicanálise noção de narrativa quando pensamos nas lembr
e
pela educação, está concretamente representado pelas inúmeras formas de histórias, e no trabalho de rememoração que ;
incidências do projeto de construção de uma educação sexual . Tal projeto assim que as narrativas fazem parte do discursi
parece ter culminado na reabsorção da matéria ao âmbito da razão repro - e que o próprio tratamento psicanalítico, em ser
ão de sado como a construção ou desconstrução de un
dutivista, para a qual educação sexual se confunde com a transmiss
uma narrativa sobre a reprodução humana . Há versões mais brandas que quando diluímos a noção de narrativa na noçãi
se inspiram na indução da sexualidade como um tema " especial " e pri - uma especificidade importante.
vilegiado, em franco desconhecimento da estratégia repressiva , descrita Barthes (Barthes, 1976) dividia a narrativa
por Foucault (Foucault, 1999) na forma do "obrigar a dizer", e da ideolo - composta pela sintaxe dos personagens e sua ac
gia contempor ânea da erotização da inf ância. posto pelos tempos, modos e aspectos da narra
Mas não é na forma de um conjunto de validações sobre a na- do programa crítico lacaniano implicou reduzir
1tureza "sexual" da aprendizagem, nem na forma de uma teoria
sobre a história, substituindo-o pela importância do disc
verdade do sujeito infantil, nem mesmo na semântica dos mecanismos de tinência da história lembrada, o realismo da leir
defesa - que nos dariam, supostamente, a razão inconsciente do fracasso si só jogasse um papel decisivo na cura, foi afasl
escolar - como, então, poderia pensar alguma utilidade da psicaná - uma versão menos essencialista de subjetividad »
lise para o processo de ensino e aprendizagem? O caminho que quero aberta do passado. Tanto para Lacan quanto para
apresentar, como o leitor já deve ter intuído, aponta para a afinidade interessa porque permite justificar o presente, m
contingencial da noção de discurso e, consequentemente, de narrativa, sujeito é a diferença e a contingência que surge c<
envolvida na experiência de aprendizagem e tematizada pela psicanáli- Isso não justifica abrir mão da narrativa, ir
se. Como tenho defendido em trabalhos anteriores (Dunker, 2002),não se por uma via discursiva. Esta lacuna já foi apontac
pode pensar uma teoria psicanalítica da constituição do sujeito sem uma 1977), e mais atualmente por Major (Major, 2002
teoria da construção do discurso. O estudo da formação de narrativas análise do texto da Carta Roubada. Para esses aul
coloca se, nesta medida, como problema estratégico para esta pesquisa
.
- rido em uma exclusão neutralizante do narrado
para os lugares que os personagens ocupam na ti
Vejamos por que.
Coube a Lacan, mas antes dele a Jacobson e Benveniste, mostrar que do de lado a rela ção entre personagens e narrado;
se poderia extrair da psicanálise uma teoria da análise de discurso que sensível redução na leitura.
privilegiasse aspectos formais e não apenas figuras de conteúdo. No en - Com isso quero chamar a atenção para a poss
tanto, o encaminhamento epistemológico tomado por Lacan acabou por mos, a partir da psicanálise lacaniana, níveis intei
dirigir sua pesquisa em tomo da noção de discurso sem uma preocupa- como e o caso, por exemplo, da narrativa. Tal pi
ção com distinções quanto aos seus possíveis gêneros. Não encontramos conta as extensas reflexões de Lacan sobre a ficci
em Lacan análises que levem em conta, por exemplo, se o texto é ficcional
, referência e sobre a própria história. Por outro ladi
referencial ou histórico (Todorov, 1980). Mesmo quando o g ê nero tr á gico patível a teoria geral dos discursos com uma poss
é tematizado, no quadro de reflexão sobre a ética da psicanálise, o que sem perder as propriedades específicas da narra
encontramos é justamente uma abordagem inusualmente não formal. Ge- verificar, ainda, como tal abordagem pode incluir
nericamente falando, poderia dizer-se que encontramos em Lacan de
, um teriores da análise estrutural e do pós-estruturali;
lado, microanálises de discurso, como por exemplo , a leitura estrutural tais fontes que Lacan partiu.
do chiste, do sonho e do sintoma. Por outro lado, há também macroan -
á O objetivo geral desta comunicação é indicar
lises de discurso, quando o assunto é o discurso em sua estrutura mais uma teoria da análise de narrativas inspirada no
geral. É claro que se estendermos a noção de narrativa de forma que esta Pretendo mostrar, específicamente, que tal aproxii
inclua toda forma de relato expressivo, o problema deixa de existir. No elementos importantes tanto para a reflexão clinic
T
certas formas exame de manifestações literárias, da análise dos s
problema da autoridade e da geração e da transmissão de gia da vida cotidiana e até mesmo a chamada an
do saber no contexto da educaçã o formal e informal. se sempre a narrativas. O drama da vida das pes¡
pelas próprias pessoas, é disso que a psicanálise
Narrativas freudianas Politzer (Politzer, 1998), na tradição marxista, e Lor
na tradição hermenêutica, trata-se, na psicanálise, ¡
Costuma-se definir a narrativa como um texto referencial com
tempo- primeira pessoa. Em outras palavras, trata-se da f
ralidade representada (Todorov, 1972). Admite-se que uma narrativa
exige de ficção insustentá vel, porque marcada por uma ]
quais há
uma sequência de pelo menos três proposições, no curso das autor, narrador e sujeito.
. estudio-
pelo menos uma transformação dos atributos de seu agente Os Fica estabelecido, portanto, que tomamos ana
sos da narrativa têm-se deparado com inú meras dificuldades em isolar
um pouco mais restrito, conservando como elemen
seus tipos fundamentais. Isso deriva da dificuldade de encontrar prin - de gênero e a análise da forma. É em relação à narr .
narrativo do discurso ,o
cípios realmente formais que organizem o nível situar esta heterogeneidade do agente de um disc
é liter árias
zi que acaba deslocando o problema para as antigas controv rsias
sim, duas formas narrativas que Freud explorou 1
acaba
u : em tomo da noção de gênero. Desta maneira, a análise da narrativa sexuais infantis e o romance familiar do neurotic
: por se concentrar em estratégias de argumentação ou de exposiçã (
o enca - exemplos se comportam à luz da teoria lacaniana c
ção da
ãi deamento, entrelaçamento, encaixamento) e estratégias de constru servirá para mostrar certas convergências com ca
,
intriga, baseada no destino (ação, tragédia apolog é tica ), no personagem
%; ção, revela-
narrativas e ao mesmo tempo explicitar a própria n
(maturação, recuperação, prova), ou no pensamento (educa curso, tal como se encontra desenvolvida no semir
ção, afetiva). Logo se vê que a análise da narrativa converte-
se no campo
4 : Psicanálise (Lacan, 1998).
, ló
quase ilimitado das possibilidades de construção de histórias da gica
da construção de heróis e vilões, como nos mostrou, por exemplo
, o tra - 0 lugar do agente ou semblante
balho de Bakhtin (Bakhtin, 2000). Mas ao contr á rio do que sugere boa
, seu objetivo nã o
parte do comentário contemporâneo sobre esse autor
O discurso deve ser considerado basicamente
uma
u . era produzir uma classificação dos gêneros, muito menos inspirar
circulação e repetição. Isso significa que das in fin:
¿: técnica pedagógica da sua reprodução, mas demonstrar como
os gêneros
órica, que expressão e criação, oferecidas pela linguagem, p
são formas sociais que condensam certo tipo de contradição hist

!I
necessários para delimitar sua estrutura. Temos ei
o crítico teria por finalidade atravessar e não reificar. discurso é composto por lugares que se relacionam ]
Muitas abordagens de narrativas acabam por se confundir com
uma
e mentos que ocupam posições dentro destes lugares
espécie de análise sintática ampliada, que permite redescrever a forma discurso se levarmos em conta a mútua dependena
a estratégia do texto. Isso certamente contribui para o aprofundamento
*

2: ção Ora, essa dependência implica rela ções entre os lug


da compreensão e interpretação de textos, ú til, sobretudo na educa
,
oi pragm á ticas, existirá agente de um discurso se houver um destín
e na transmissão da língua. Infelizmente, as perspectivas endereça; só existirá destinatário se houver algo qut
ou combinadas ao pragmatismo, não conseguiram nos desprender ple-
, esta pers - tinatário, um efeito de discurso.
namente da perspectiva da redescrição do téxto. No entanto Comecemos pelo lugar do agente. A escolha ni
pectiva é bastante parcial e insuficiente se considerarmos que o
interesse
intencionado pela transforma ção justamente esta a primeira pergunta que costumam»
da análise narrativa pode exigir ou ser discurso: quem fala? Era assim que Benveniste defin
an á lise de
do narrador. Este é o caso específico da cl nica
í , bem como da
a língua assumida pelo homem que fala, ou ainda:
discurso criticamente inspirada e também do educador . Trata -se aqui de
estudar a narrativa para intervir sobre ela, eventualmente mudar seu cur -
A língua é um sistema comum a todos; o discu:
so ou alterar a posição do narrador ou do narratário. portador de uma mensagem e instrumento da a
Voltemos, desta forma, aos breves esboços que podemos encontrar nomia no sujeito entre o discurso e a língua. (Be
nar-
em Freud sobre a formação de narrativas. É claro que se tomarmos
rativa no sentido mais genérico e ampliado, toda a obra de
Freud de- se Ressaltemos que a definição remete ao ato de as:
nicos ao si ou de se apropriar da língua. Ora, este ato, daí ani
2i2 dicou à análise de narrativas: do Édipo aos sonhos, dos casos clí
ser feito de diferentes maneiras, principalmente se observarmos que o ho- Zizek (1992) mostrou como, neste nível,
mem fala antes que este homem fale e venha a assumir seu lugar como assemelha à célula a inve
agente. Ou seja, os discursos, como rede sociossimbólica, preexistem em elementar do romance policial,
o quê?). Além dessa
relação aos seres que dele se apropriam. A língua também se coloca em propriedade interrogativa, as
tjs tê m em comum com o romance policial
relação de anterioridade diante do sujeito, mas em outro sentido, como ambas são inauguradas pela outra £
sistema, não como uso. Não se pode propriamente assumir um discurso descoberta
características, a aparição das teorias
de um co:
sem ocupar o lugar de agente. Althusser (Althusser, 1986) viu como esta da criança em relação ao sexuais infant
assunção reserva um lugar prescrito, run lugar determinado. Ao assu- saber o que os adultos lht
sexualidade. Surge uma atitude de recusa ou
mir tal lugar, o sujeito encontra-se, portanto, assujeitado por uma dada por estabelecer a sua própria de i
ideologia de produção de sujeitos. Inversamente ser sujeito é o mesmo versão sobre os fato:
conhecimento de que, especialmente em relação à :
que ser capaz de reproduzir e assujeitar-se a um discurso. Observe-se que tos mentem, ou pelo menos
neste nível de apreensão do sujeito, sua posição de autor ou seu potencial contam apenas uma p
exemplo, diante do esclarecimento
manejo narrativo são indiferentes à sua condição constitutiva que é de pela cegonha, a criança se adulto de que as
alienação. a cegonha..., mas a garça.
insurgir á na objeção de q
3
Greimas (Rector, 1979) notou que o lugar de agente pode ser assumi- Esta é uma condição narrativa
do ao modo de um papel, mas também ao modo de um ator ou ao modo que o senso con
1 de um actante, quando se considera especificamente a narrativa. Pode-se
muita dificuldade em assimilar,
ou seja, de que pan
investigação a criança precisa supor e
£ sempre perguntar, diante de um discurso, se no lugar de agente encontra- os adultos mentem. O sustentar est
mos um personagem, um ator ou um autor. Tais posições correspondem sintoma pedagógico da edu
aqui claramente a dificuldade em
a níveis distintos de apropriação do discurso. criança não é saber como "um absorver este pon
É justamente esta formação da função de autoria que verificamos ser abstrato fecunda c
terceiro", mas qual é a determinação
outras palavras, o enigma radical dodesejante que su
<
nesta empreitada investigativa, que Freud chamou de teorias sexuais in-
3 fantis (Freud, 1908). Entenda-se por isso uma narrativa, encontrada habi- por aquele. O que jamais se desejo, da orij
2 tualmente nas crianças entre 4 e 6 anos de idade, que procura responder resolve, como a criança
mente lembrar ao adulto, por uma
2 e integrar questões como: De onde vêm as crianças? Qual a natureza da generalização in
£ reconhecer que em geral sabemos muito
diferença entre os sexos? Como as crianças vão parar na barriga da mãe? própria escolha amorosa, mas pouco sob

j Como elas saem de lá? Qual a participação do pai neste acontecimento?


Dizemos que esta investigação da sexualidade é uma narrativa, pois ela
responde a três condições linguísticas que a definem, a saber (Perroni,
-
falta de-saber ao tentarmos
dona o desejo humano" para a
fazemos um semblan
transmitir ,representación
criança.
Freud já assinalara o caráter refratário
I
o
1992, p.20):
1. A narrativa procura estabelecer dependências temporais entre
los adultos. Ou seja, os
esdaredmentos
adultos simplesmente se integram e
das explic
, mal ou ber
u
um elemento e outro. Nos exemplos de Freud, a criança ao ouvir da criança. Como se ela predsasse se submetem à
barulho no quarto dos pais liga tais ruídos à aparição posterior nos termos em que ela mesma encontrar a verd
coloca. Isso assinala
de uma nova criança. discursiva. A criança não é apenas
2. A narrativa se caracteriza pela predominância de verbos de ação. ocupá lo como um personagem, nemagente deste disc
-
Por exemplo, ao teorizar sobre a natureza da diferença entre os como autor. Para tanto, ela precisa como ator, mas
sexos, a criança se vê obrigada a introduzir uma operação que alguém que não é simplesmente duvidar do Outro,
uma figura
justifique tal diferença; a ação de castração, segundo a hipótese transmitir saber. Ou seja, esta experiência caridosa
dor" permite uma descoberta primária c
freudiana. crucial: há saberes ve
falsos, saber e verdade estão separados.
3. A narrativa se caracteriza pelo emprego do tempo perfeito. O os saberes são incompletos, pardais Isso não dect
exemplo freudiano para este caso é o de certas crianças que ima- e relativos, comi
comum pós-nietzschiano, mas da descoberta,
ginam que os pais se encontram sexualmente apenas uma vez, é uma relação marcada pelo pela cria
ill sendo gerados todos os filhos nessa ocasião. antagonismo e pela dom
214
ironicamente já assinalara o próprio autor da Gaia Ciê

H
"com" mesma narrativa deve ser repetida, sem alteraçõ
saber, é construída, neste sentido, "contra" o outro e não apenas gem possui uma única valência intencional.
seu solidário e proximal apoio. Voltando aos exemplos de Freud, ao escut
in-
Como exemplo disso, Freud apresenta a primeira teoria sexual vida, pois o homem coloca um ovo dentro dela,
falo .
fantil, qual seja, a de que todos os seres possuem indistintamente polissemicamente, ovo por testículo. O homem d
causa da
Falo aqui pode ser lido como o "isso" que o adulto esconde, a barriga da mãe. Coloca-se em seguida o problem;
mentira, mas também a animação verdadeira que dota as coisas e as pes-
é todo redutivo : primei- dos testículos. Problema que pode ser resolvidc
soas de desejo. A criança caminha aqui por um m
(que se tornam de uma paráfrase de runa história infantil. Comi
ro as coisas, depois os animais, em seguida os estranhos aeompanhamos, após algum tempo de exposiçãc
fam ília,
fonte de fascínio e temor neste momento) e finalmente a pr pria ó
educação sexual: Depois que o pênis sente cócegas ele
terminando pela própria mãe, são destituídos desta substância m ágica
que representa a verdade do desejo. É no fundo uma narrativa da decep
- .
cem outros ovos, óvulos,ovários .. aquela coisa... esper
sob a rubrica da onipot ê ncia coisas que vão nascendo vão virando nenéns.
ção e da consolação o que vimos reificado Assim a criança, que antes se relacionava
~; egocêntrica da criança. Nada mais falso se pensarmos que a chave da identificação com seus personagens ou se fazia
de seu
2í solução está, o tempo todo, no interesse pelo Outro e no estatuto petindo a versão dos adultos, torna-se agora aut
,
Ji falso saber. Diante da própria constatação perceptiva do corpo feminino
ficção, que não é menos ficcional por parasitar
vai
a resposta da criança será algo como: o dela ainda é pequeno, mais
tarde
S: sã o objeto de científicos. Destaquemos, portanto, esta dupla i
I crescer. Diante de uma asserção quede de fato as mulheres
« entre saber e verdade, que nos d á o que Lacan cb
ça pode ser algo como : mas
uma privação do pênis, a resposta da crian trutura de ficçã o". Subindo para a posição repreí
elas um dia tiveram o seu, e este lhes foi tirado. O que prova mais
uma vez
a ou pelo agente, proponho desdobrá-la na funçã i
que o falo não é o pênis, mas esta suposição de verdade sobre desejo o
criticada por Derrida em seu comentário do textc
ele atribuída. ta Roubada (de Edgar Allan Poe). No lugar subse
í Ou seja, a criança confronta o discurso do adulto em uma investiga
-
yantemos a peculiaridade de que no discurso o C
advers á rio . Ali ás ,
: ção própria, onde suas cartas não serão mostradas ao permanecer anónimo em seu desejo (como os p;
ça o
< I é um signo importante da infantilização do adulto diante da crian
este Outro nã o anônifno proponho chamarmos c
desconhecimento sistemático deste fato. Uma investigação da qual ela
se
“ i dice destinatário da carta de sofrimento ( lettre em
Outro . Da í a estreita liga çã o entre
« j faz agente justamente pela exclusão do
no andar de baixo dos discursos seria preciso qus
® j a aparição das teorias sexuais infantis e a criação de narrativas pela
pró-
da fala dos adultos . no discurso do mestre é da do a-mais-de-gozar, i
M i pria criança, que inicialmente as reproduz a partir cujo gozo é determinado (gozo f álico) de outro
Os contos de fada e narrativas congéneres são, portanto, parasitados pela
I Lacan ainda não havia teorizado quando propi
_
0
3I
S.
> criança. Eles se transformam vivamente na medida em que a
_ser na posição de agente do discurso, tanto autor como narrador, e não
criança pode
discursos; ou seja, o gozo feminino enquanto inc
ser perfilado ao lado de casos mistos nos quai;
meramente seu reprodutor, pela via da identificação. Ou seja, a hist ria
ó
, que a conta , o autor , indeterminação, como por exemplo: o estranha
que ela conta deve ocultar para além do narrador despersonalização, a devastação ( ravage ), a anon
que acredita ou duvida da própria história. Mais uma vez comparece aqui
pe- angústia, conforme o esquema da página seguint
a inépcia do educador que não sabe reconhecer na paixão despertada
mau, etc.)
los personagens malvados dos contos infantis (a bruxa, o lobo
a sua própria posição de Outro enganador.
0 lugar do Outro
Dois recursos são usados ostensivamente nesta apropriaçã
o identifi-
catória da narrativa proposta pelo adulto: a paráfrase e a polissemia
. Pela Podemos ler neste movimento um gesto de au
são
paráfrase a criança reconhece entre as diferentes narrativas que lhe isso se vê contrabalançado pelo fato de que só há
apresentadas um fio comum, uma mesma hist ó ria que est á sendo recon - Só há narrador se houver narratário. De certa form
a extens ã o dos perso - determina o que pode ser dito na posição de agent
tada continuamente. Pela polissemia ela percebe
de inten çõ es e na como algo deve ser dito para que se reconheça n
nagens e demais signos da narrativa em sua ambiguidade
onde a sição de narrador. Lyotard (Lyotard, 1997, p.37-38)
contradição de motivos. Este movimento sucede o tempo anterior
216
parental e por favorecer, de forma calculada, esta cii
Narrador Outrem mas do discurso.
Autor Destinatá rio Supor é antecipar, conjecturar, prefigurar a pró
dobrada fora de si, em um lugar que é como o meu
Agente, semblante Trabalho, Outro entanto, é diametralmente diferente (paratopia). Aqu
paralelo com o romance familiar do neurótico, que
Verdade Produção tensão das teorias sexuais infantis (Freud, 1908). No
criança imagina que ela é um filho adotivo, que seus
Estrutura de Ficção Determinação
"verdadeiros", que ela na verdade foi achada em
alg
Não há metalinguagem Indeterminação este fato permanece como um segredo. Um segredo
mais uma vez, que o Outro é potencialmente enganad
a criança suponha que seus pais verdadeiros, alguma;
são pessoas muito importantes, de alta classe ou nobr
s primeira da narrativa é conferir legitimidade às instituições sociais, e isso narrativa projeta seu autor como um herói, alguém c
decorre da utiliza ção de regras que fixam sua pragmática. os impostores e descobrir a verdade. Esta intriga se de
Temos então a posição do Outro. Ela é decisiva para que passemos do discurso polêmico, o discurso onde o Outro é um
1 o que, aliás, bem se verifica pela significação da exp
do nível do enunciado, no qual a criança pode repetir, como agente-nar-
I rador, as histórias que escuta, para a posição de enunciação, onde ela é vezes há uma fonte concreta para isso na figura de ui
reconhecida como agente-autor. O Outro, diz Lacan, é o lugar de onde o que inocula o germe da dúvida na forma de uma acus.
mais novo não é um filho legítimo. Ou seja, é a reve
sujeito recebe sua própria mensagem de forma invertida. Outra maneira
de entender este lugar é pensá-lo como narratário, aquele que suposta- qiie permite engendrar o romance em tomo da orige
í mente acompanha e adere à posição prescrita pelo narrador. Assim como juga o fato da suposição de adoção com o desejo de qi
o lugar do agente é indissociável do ato de assumir, o lugar do Outro é tais sejam afinal mais importantes e poderosas do qi
indissociável do ato de supor. corrigir, dialeticamente, a suposição anterior de imp
3 começa em uma falsa isotopia - na qual se supõe ui
£ A narração começa com a possibilidade desta suposição. Aliás, supo-
sição ou hipótese remete à palavra latina fictio, de onde vem ficção. Só há -
os membros da família e esta suposição progride p

í propriamente narração quando suponho que posso mentir ao outro, pos-


so enganá-lo. Isso é uma apropriação, uma assunção invertida da desco-
berta de que o Outro engana. A aparição das teorias sexuais infantis tem
na qual o estranho é representado no interior do fami
acompanhar Maingueneau (Maingueneau, 1995) na id
pia indica algo que está fora do lugar: heróis, outros pa

i por precedente a descoberta, pela criança, que os adultos podem mentir,


e que, portanto, ela mesma pode usar a linguagem para se separar do
outro, criando intimidade e segredo. A análise de discurso, inspirada nos
trabalhos de Pecheau (Orlandi, 1999), reconhece três relações possíveis do
outros laços sociais.
Quando a narrativa sexual infantil se expande nes
ca um efeito de modificação do estatuto do Outro. O C
tópico, e neste ponto podemos ver como o motivo da
agente com o outro: o discurso autoritário (polissemia contida), o discurso filiação é o caminho para articular a filiação verdad;
polêmico (polissemia controlada) e o discurso lúdico (polissemia aberta). Desde que o Outro é descentrado, tirado de seu lugar,
Podemos localizar o desenvolvimento das teorias sexuais infantis como tamente retirado de sua posição isotópica, ele também
um discurso polêmico, baseado em conjecturas e refutações que se situam Assim, pode-se postular um princípio narrativo que o]
entre a ludicidade da fantasia e a autoridade do esclarecimento sexual. série complementar: quando o lugar do agente está er
posto em questão está em paratopia; inversamente, <
Ao descartar os pais e adultos em geral, como encarnação da auto-
ridade legítima sobre a sexualidade, a criança abre-se para o campo de
desalojado de sua própria identidade (narrador-autor)
uma alteridade anónima. Ela coloca a questão do reconhecimento de seu demanda ao Outro posição de isotopia. Este dualismo
apresenta na experiência do educador através de sua d:
saber para além da invectiva da autoridade pessoal e eleva seu interlocu-
e cuidar. Principalmente nos primeiros anos da escolar
tor à condição de uma espécie de oráculo. Aqui a posição do professor é
essencial justamente por não se reduzir ao deslocamento da autoridade
mo pode ser aniquilado por uma atitude excessivame
218
que visa aprofundar a paratopia discursiva, mas que recorrentemente vê convergente com a tese de Lacan de que os dis
emergir em seu interior as formas mais arcaicas da isotopia familiar. Dis- gozo.
cursivamente, é da circulaçã o entre as duas posições que a narrativa da Chegamos então à ideia de que o progresso
criança depende em sua inscrição nõ Outro, por mais que isso induza produz o encontro com possibilidades inesperad
‘ dor.
uma crise sistemá tica sobre afinal qual é "o papel" do educador neste mo- Possibilidades de gozo que podem alterar c
mento. Por esta linha de investigação, seríamos forçados a dizer que seu da narrativa ao ponto de estancá-la. Há tambéir
papel é antes de tudo suportar e manter sua própria divisão, antes que se tais descobertas alterem o estatuto do narrador
alienar ele também em um tópos discursivo supostamente bem definido. (Reuter, 2002), podemos considerar o narrador £
tica, quando ele aparece como onisciente, contr
o tempo e os acontecimentos da narrativa. Inve
Narrador Outrem • Isotopia narrador é homodiegético quando ele se identifi
um personagem ou de um grupo de personagens
Autor Paratopia
Imaginemos agora uma criança cuja teoria se
filhos são concebidos quando os pais mostram s
s Agente, Semblante Trabalho, Outro outro, tal como no exemplo mencionado por Frei
Produção tiva poderá implicar dificuldades na hora do bani
l Verdade
em ver as nádegas dos outros. Suponhamos que a
í tempo em que ela colide com a impossibilidade d
diferença entre os sexos, posto que eles são razoa
0 lugar da produção: mais - de-gozar ou angústia ponto de vista das nádegas. Isso terá por efeito c
posta na cena da mútua exposição. Mas isso desl
A relação entre agente e outro só se sustenta e se transforma pelo que da posição heterodiegética, onde seu acesso ao m

1
£
se produz como efeito da circulação do discurso. Isto compõe um terceiro
lugar, o lugar da produção ou do efeito de sentido. Para Lacan, este lugar
encontra-se sob uma barra. Isso nos diz que a localização daquilo que
um discurso produz nem sempre é evidente. Se no lugar do Outro o que
irrestrito, para a posição homodiegética, onde se
acerca do gozo do outro nada mais é do que a efe
do sujeito. Ou seja, a impessoalização do saber, q
no universo formal da escolarização, faz-se acom]

JI temos é sempre um trabalho, o trabalho de interpretaçã o, por exemplo,


no lugar da produção temos o que se pode chamar de valor deste tra-
balho. No caso do discurso capitalista, este lugar é ocupado pela mer -
cadoria. No caso do discurso da universidade, e o da escola por extensão,
sa de satisfa ção cada vez menos determinada.
A reversão da posição do narrador deve acoí
no lugar do narratário, como vimos anteriormenh
criança que antes recusava o saber do adulto e coi
É o que é produzido adicionalmente pelo discurso (e que de certa forma ele encarnada, desloca-se agora para uma suposiçãc
u
não pode reconhecer) é um sujeito. No discurso de mestre, o que se pro- sobre uma forma de satisfação que é cada vez mai;
duz são objetos; assim como no discurso histérico se produz saber. assim, do narrador onisciente para o narratá rio <
No caso da investigação sexual infantil, o seu produto é muito es- corresponde ao que Lacan chamou de sujeito se
pecificamente uma forma de gozo. Assim como um chiste se define por que habilita a formação de transferências e o ingi
seu produto, representado pela eficácia do riso, cada passo da narrativa verso mais formal da cultura e da sociedade atra1
infantil organiza, delimita e prescreve modificações na forma de gozo da narrativas disponíveis. É um passo decisivo e coi
ção, principalmente em seus primeiros momentos
criança. Por exemplo, uma criança convicta de que os bebés nascem em
decorrência de algo que a mãe come, e são expelidos ao modo de excre- Fica claro que a formação da narrativa sexu ;
mentos, rapidamente se orientará para tais objetos extraindo deles uma uma atividade orientada por uma espécie de desal
nova forma de satisfação. Inversamente, isso pode se associar a certas for- termos da mítica pulsão de saber (Wissentrieb). C
mas comuns de anorexia infantil, em que comer toma-se perigosamente tra ção envolve o risco e a produção de uma forr
fonte de erotização. Como observou Maingueneau (Maingueneau, 1995), instável. Neste sentido, há uma relativa oposição i
tiva da sexualidade, como modelo da investiga çãi
ií 220
todo discurso tem um corpo que define seu ethos próprio, o que é muito
r

do entretenimento, que tem animado projetos pedagógicos contempo - realizar o ato. Chamo a atenção para o que o
râneos. A produção de um modo específico de satisfação com o saber, pensamento, por medo de,e quando negamos o í
como meio de gozo, é muito mais uma contingência, efeito do trabalho voco; neste ponto, emerge a forma ontológica da
elaborativo do sujeito, do que uma tendência espontânea na qual se po - a dimensã o do objeto, o ato nega este objeto. Ni
deria confiar. Todo saber induz uma forma de gozo, mas nem toda forma encontramos o início de uma longa discussão
de gozo produz um saber; pelo contrário, o entretenimento, a distração com a tradição inaugurada por Melanie Klein e
ou a ocupação que tem caracterizado certo modo de criação contemporâ- simbolização da fantasia, quanto com Winnicol
neo traz como inconveniente sistemático certo deslocamento do sujeito ciais acerca da imaginarização da realidade. PE
em relação à própria situação em que ele se encontra, como se vê, por agir de modo a facultar a conclusão temporal d
exemplo, no filme A Vida é Bela, de Roberto Beninni. Ou seja, uma espécie sessões e do conjunto do tratamento. É neste f
de suplemento constantemente introduzido às situações, inclusive à da ontológica da angú stia possui efeitos de travessia
construção do saber pela criança, que marca toda situação com um sinal a angustia, ela mesma, em todas as suas form;
cínico, que diz "não é exatamente isto que está se produzindo". A apa- buscada ou evitada ao longo da cura, mas que t
tia diante do saber, testemunhada por muitos educadores não deve ser
liI pensada apenas como efeito de uma "concorrência desleal", mas como
efeito discursivo de deslocamento da promessa de satisfação para fora da
o tratamento, daí a insistência de que ela é um a
A segunda concepção lacaniana da angús
caso Dick, e de uma observação clínica trazida
situação de ensino-aprendizagem ela mesma ou então pela sua diluição de seu relato (Klein, 1930). Dick não mostra inte
I em uma experiência necessariamente prazerosa. quedos, não há agressividade manifesta e, logo,
O tema da angústia é particularmente feliz para explicitar as relações seu comentário, Lacan destaca três incidência!
entre Lacan e a psicanálise anglo-saxônica do pós-guerra, quando se con- Primeiro, a angústia que surge (arising ) na criaçã
sidera o desenvolvimento dos conceitos de simbólico, imaginário e real, angústia que interrompe a fixação da realidade c
is como originados em uma reflexão sobre as escolhas que o analista deve ro, a angústia que surge do que ele chama de rei
tomar durante o tratamento. Há uma relação íntima em Lacan entre sua

I!i
marcada pela vertigem, pela desorientação e pel<
teoria da angústia e sua concepção de ato psicanalítico. Isso já aparece em to. Estas três formas da angústia ligam-se aos ti
seu conhecido texto de 1945 sobre O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza realidade: as idas e vindas do objeto produzem
Antecipada, que subsidia a prá tica das sessões analíticas de tempo variável. de moldura do real, depois vem a fase da simbc
2;
Além do sujeito da experiência empírica imediata, associado à instanta- seguida o momento em que novamente a angúst
o
neidade do olhar e do sujeito indefinido recíproco associado à experiência
intersubjetiva da d ú vida e da compreensão, haveria esta terceira forma
-
realidade foi fixada (Lacan, 1953, p. 84 85). Reencc
como um percurso pelo qual se injeta o simbólico
O

s temporal do sujeito que é o "momento de concluir". Ora, a conclusão, no rio. Esta introjeção simbólica não é sem angústia,
sentido freudiano da convicção (Ubersetzung), que deveríamos esperar de necer kleiniano, Lacan deve aceitar que a angúst
II 5 uma interpretação, deveria efetuar-se por uma espécie de curto-circuito identificações pré-edípicas e pré-narcísicas, cuja t
entre o pensamento e a ação. Para Lacan, esta conclusão é uma espécie de no eu, como qualificação de afeto, mas na raiz i
antecipação ou precipitação marcada por um primeiro movimento que mentos. Assim, entende-se porque a angústia n <
apreende o desejo do Outro, e por um segundo movimento simultâneo de Lacan, e sua origem é também um tipo de estad
separar-se dele reconhecendo seu equívoco e sua pressa: valor constitutivo para o sujeito, que é o estádio i
p. 207). A esquize masoquista narcísica do eu, exj
(...) A conjunção aqui manifesta se vincula a uma motivação da conclu- da da unidade do corpo, delimitada pela imagen
são, "para que não haja" (demora que gere o erro), onde parece aflorar Outro. Esta angústia imaginá ria aparece como ex
a forma ontológica da angústia, curiosamente refletida na expressão gra- ção e seus traços distintivos são a agressividade (
matical equivalente, "por medo de". (Lacan, 1945, p. 207)
Podemos dizer que esta teoria, que liga a z
simbolização, é essencialmente uma forma de ei
Por medo de estar atrasado me adianto, e quando me adianto per-
visão do sujeito, seja pela fragmentação da ima
cebo angustiado meu erro. Concluir é reparar; concluir é ir adiante as-
suporte, seja pelos efeitos da determinação signif
222 similando esta inexatid ão como parte necessária do processo; concluir é

I i
T
Em 1956, Lacan (Lacan, 1955-1956) introduz uma primeira torção em angústia, ou seja, pelo que Lacan chama de um fi
seu kleinianismo. Em vez de pensar a relação de objeto, com suas media- out continuado. E o acting out continuado precisa <
ções fundamentais como a identificação, identificação projetiva e intro- nova experiência, para se tomar transferência.
jeção, ou seja, em vez de pensar os modos de relação inerentes ao objeto De Phylis Greenacre (Greenacre, 1950) vem a
da fantasia, ele postula que as relações de objeto se dão em face da falta e um apelo para que algo seja incluído na transfi
de objeto, em seus modos e frustração imaginária, castração simbólica e "realização" na transferência, que precede a simbi
privação real. Vê-se assim que Simbólico, Imaginário e Real são reinter- é a angústia percebida no lado do analista. Já em
preta ções baseadas na negatividade do ser do objeto, ou o antes chamado Ella Sharpe sobre os sonhos, Lacan (Lacan, 1958
estatuto ontológico do objeto. Cada uma destas incidências nos remeteria este problema que é a abstração do analista da p
a um quadro clínico diferencial, segundo a diagnóstica freudiana: a neuro- inconsciente, ao mencionar os sonhos feitos para <
se atual remete à angústia no imaginário (Pânico), a neurose de transferência de Winnicott que vem a formulação de um objeto
nos fala da angústia no simbólico ( Angst ) e a neurose traumática testemu- imaginário, nem no que ele chama neste moment
nha a angústia no real (Schreck ). *
5.
0
Com a revisão de sua teoria da identificação, que culmina no Semi- Há uma tradução deste objeto transicional
ji nário A Angústia, de 1963, surge uma segunda concepção de angústia, isso, se alguém quiser fazê-lo entenderá tudo
gi agora baseada no objeto. Ela não abandona a ideia de que a angústia é que é este objeto a. Ele não está nem no interii
í um rastro ou farol de simbolização, mas acrescenta a descoberta de que real nem ilusório. (Lacan, 1965)
-
*
o : há incidências do objeto que são resistentes à imaginarizaçã o e, portan-
to, afixação da realidade. Pela concepção precedente, sem imaginarização É preciso ter isso em mente para entender pc
*: não há inclusão na fantasia, e sem inclusão na fantasia não há simboli- no Seminário sobre a Angústia, tuna nova torçã o s
: zação. Chegamos assim a um impasse análogo ao que encontramos em ideia de que a angústia não é sem objeto30. Ela não
m
íi Winnicott, mas também em outros autores, que começam a questionar a mesmo que dizer que ela tem um objeto. Há um de
2| soberania exclusiva da interpretação no tratamento psicanalítico. Autores caracteriza o objeto f álico31, para o ser, que caract
^i tão distantes como Ferenczi e Alexander têm em comum a ideia de que o ontológica da angústia. O Real, o Simbólico e o Im<
- ;i tratamento não apenas repete e simboliza experiências retidas, mas que
uma psicanálise cria determinadas experiências, inéditas, que possuem valor
ontológicas, que se coçibinam, em Lacan com as t
cas derivadas do significante. A angústia tem esse
^g j decisivo e insubstituível para a cura. Para Lacan e até onde posso perce-
ber também para Winnicott, esta deveria ser uma experiência produtiva de
mas não sem objeto, (...) o objeto, se posso dizer, mais p
a coisa32. É certo que a economia da angústia se ir
2|
u indeterminação. do sujeito: a certeza, a d úvida, a crença, o desespei
% O seminário sobre A Angústia é o momento mais intenso da discus- são declinações subjetivas, como o embaraço, a ei
3o são lacaniana com os autores da escola inglesa, o momento em que ele passagem ao ato que são declinações afetivas da ai
também proporá a sua versão do tipo de experiência que a psicanálise A segunda reviravolta do conceito de angúsl
acrescenta a um sujeito. De Margareth Little29 ele tira a ideia de que a res- winnicottiana, envolve a consideração de um pr
posta total do analista, que envolve autenticidade e angústia do lado do possível a negação da falta, a negação de algo que j.
analista, é fundamental para que certos pacientes descubram que a "trans- da negatividade? Por isso, o objeto da angústia s
ferência pode se tomar uma realidade". Retenhamos aqui uma nova ver- esta nega ção da negação, esta passagem de [a] a [-
são do problema de como uma realidade se fixa,neste caso, a realidade da
transferência. Pacientes borderlines, como o caso de cleptomania descrito 30
Vocês podem tomar como certo, pelo meu discurso, que o que <
por Margareth Little, não respondem a um diagnóstico estrutural, porque acho, concernente à angústia - não extraído do discurso de Fret
seu modo de relação ao outro baseia-se em uma economia específica de discursos, que a angústia seja sem objeto - é propriamente o q
objeto".In: Lacan,J. (1962-1963) O Seminário Livro X, A Angústia
2005 (p.95).

29
Little, M. (1956). La réponse totale de I'analyste aux besoins de son patient (La respuesta
31
...
( ) não há castração porque, no lugar onde ela se
produz, nc
necessário que o falo estivesse lá. Ora, ele só está lá para que não
total del analista a las necesidades de su paciente), de Mayo- Agosto de 1957, parte lll-IV del
volumen 38 del International Journal of Psychoanalysis. 32
Idem, p. 354.

A
T
uma positividade, um objeto, mas uma espécie de rastro, uma forma de 1. a angústia sinal, que representa o
ser-não-sendo que só pode ser apreendida indiretamente em uma repeti- forma a iniciar um movimento;
pei

ção33, em uma subtração ou na deformação de um processo. O objeto da 2. a angústia neurótica, que é o desem
angústia tem a matriz do corte, do sulco, do traço unário,do “ê isso"34.0 corté
35
gústia quer como causa (teoria posted
e o vazio36 são as duas figuras fundamentais que exprimem esta negativi- do recalcamento (teoria dos anos 189(
dade. Lembremos que o objeto a possui uma propriedade elementar que 3. a angústia realística (Realangst ),
é a de não ser especularizável, ou seja, ele não "entra" na imagem. Temos causi
qual deve corresponder um ato real.
então o corte e o vazio que exprimem a negatividade do lado do Outro e
do mundo e a falta ou a perda que exprimem a negatividade do lado do Existe, portanto, umi programa clínico pei
sujeito. Daí a fórmula não sem objeto exprimir um percurso, uma travessia, uma determinada experiência da angústia,
que desta vez se dá pelo Real37. ins
chedo da castração, constitui uma espécie de
Disso se depreende um programa clínico lacaniano que consiste em é congruente com a sua crítica da estraté
separar das formas ônticas da angústia a sua forma ontológica. As formas gia i
~j Freud, baseada na análise das defesas contra
< \ ônticas são aquelas nas quais o objeto a aparece encoberto, fundido ou preciso antes analisar o desejo e depois a
misturado com os objetos pulsionais, vestido por uma imagem e inves- defes;
Ji angústia é sempre uma forma reversível de des
£I tido em uma gramática simbólica de falta e perda. São formas ônticas e Retomemos agora a chave freudiana do p
«: simbólicas da angústia, a "separtição"38 (condensação entre separação e pode ser considerada como efeito ou como caus,
partição) do objeto oral, a demanda do Outro no objeto anal , a possibili-
39
£: casso do recalque, da ruptura narcísica, da
dade do não poder fálico40, a fantasmática escópica41 e a voz superegoica. tra
masoquismo pode ser tratada indiretamente
*\ São também formas ônticas da angústia, não derivadas da pulsão, mas da p
tação, da recordação e da integração simbó
génese imaginária do eu, o desamparo ( Hilflosichkeit ) e o estranhamento lica
tratamento tem um sentido inverso ao do ato, el
í ( Unheimlich). Ora, todas estas são formas impuras da angústia. Para La- sujeito a substituiçã o do fazer, seja ele ato sintom
can, o tratamento deveria extrair destas formas impuras a angústia que ou passagem ao ato pelo falar, pelo recordar
ou
5 não se pode contornar, aquela cujo referente não é mais simbólico ou ima-
ginário, mas Real.
A angústia considerada como causa
exige c
| Se a angústia não é sem objeto,o tratamento não
é
Encontramos, aqui, redivivas, as três incidências freudianas da an- tivo para os efeitos de angústia, é preciso
1 gústia: da angústia, ou seja, fazer algo com a sua
pensar
i causa.
o de Lacan no Seminário da Angústia: o tratamento
tido progressivo em relação ao ato, ele não deve
l 33 "Uma repetição marcada pela diferença . Uma falta para o qual o símbolo não faz suplência.
(Whitaker, 2002, p 92). In: Pânico e Psicanálise: a angústia em Freud e Lacan. Campinas:Cabral.
. favorecê-lo, tal como Lacan tentará defender n
<
u Psicanalítico. Reencontramos, assim, a afinidade
34 Idem,p. 83. mente entre a angústia e o tempo de conclusão.
35
"O corte é uma operação que não tem como função sublinhar uma definiçã o, masprovocar Mas se esta tese é pertinente, deveria ser pc
lações entre angústia e ato uma trilha que
fantasia". (Idem, p. 79.) permit
nicamente o ato que dispersa, engana ou transfoi
36
"(...) a, o objeto do desejo, para o homem não tem sentido senão quando foi revertido para ato que a atravessa, que isola ou separa
o vazio da castra ção primordial". (Idem, p. 244.) o objeti
causa de desejo. Em outras palavras, é preciso
dis
37
“ Nada falta que não seja da ordem do simbólico. Mas a privação, esta é uma coisa de real". dispersão neurótica da angústia, própria do Imag
(Idem, p. 144.) economia de circulação da falta e seus objetos,
o
38
Idem, p. 276. campo Simbólico e da angústia do vazio, em sua
elusiva e não sem objeto que marca a angústia no
39
Idem, p. 344.
fazer esta tripla travessia.
40
Idem, p. 230. Essa tese se apoia numa observa ção clínica
4
' Idem, p. 351.

1 que quero colocar à prova com vocês. À


medida
1,
ii
ça, a angústia distribuída, impercebida e extensiva vai gradualmente se
concentrando, purificando-se, como se ela novamente se reduzisse a este
T decorre do fato de que a verdade 'jamais se comu
o lugar do Outro. Ela, enquanto lugar, apresenta
sujeito e um segundo vetor dirigido ao Outro. Se
instante cristalino, este sinal de angústia pré-desenvolvida. A angústia uma narrativa pudesse ser reduzido ao lugar da ve
não desaparece ao longo do tratamento, mas ela se toma cada vez mais seria mais uma narrativa.
discernida em tomo da fantasia. Ela se alterna qualitativa e quantitativa-
Um bom exemplo disso é a própria teoria sex
mente. Variações rápidas, oscilações de uma angústia terrificante com pe-
como premissa a existência universal do falo. Ao su
ríodos mais extensos de "calmaria" são uma espécie de indicador clínico
possuem falo, a criança não distingue inicialment
colateral do trabalho de construção da fantasia. Mas tal como a terceira
nível imaginário. Posteriormente, a narrativa da c
margem do rio, a travessia completa só se completa quando a angústia
colide com a sua ausência imaginária no corpo fem
Real se toma nossa companheira de viagem.
nega a universalidade do falo é a castração. Mas obs
ção enquanto ficção estruturante é ao mesmo tempe
0 lugar da verdade e negação do falo particular imaginarizado pela cri;
Como observou o crítico literá rio Wolfgang I:
1 l< Mas se todo discurso tem um lugar para aquilo que ele produz, a imaginário a assumir forma, ao mesmo tempo em que se
novidade da teoria lacaniana dos discursos é supor que o produto do dis-
,

i nifestação deste (Iser, 2002). Ou seja, a verdade em


ãj curso não equivale à sua verdade. Assim como a verdade da mercadoria indissociável do imaginário dotado de forma. A naj
está em outro lugar, na mais valia extraída pelo trabalho do outro. Aqui
I Lacan introduz um elemento semântico em sua concepção. Elemento que
é o melhor exemplo do exercício desta ficcionalidac

4 costuma ficar de fora nas teorias linguísticas da narrativa. Isso ocorre por-
que o conceito de verdade costuma ser associado ao problema do refe- Mestre, sujeito, saber e objeto
rente; ou seja, aquilo ao qual as palavras, as proposições e os discursos se
referem em uma relação de adequação ou correspondência. Lacan tomará Voltemos agora ao lugar primeiramente exam

u .
outra vertente. Para ele, a verdade de um discurso corresponde ao ponto
de incompletude do discurso em relação a ele mesmo. Ou seja, a verdade
mos que ele pode ser assumido narrativamente pel .
gem, ator ou autor. Vimòs ainda que a criança ao se :
f i de um discurso é o impossível que ele não consegue dominar; não é um sexuais infantis autoriza-se na função de narrador. L
conteúdo, mas um lugar por definição vazio. de impotência inicial diante do Outro, culminando r
!o:
°\
Essa ideia vem da análise do mito, tal qual proposta por Lévi-Strauss
(Lévi-Strauss, 1988). Para esse autor, o mito deve ser entendido como uma
espécie de máquina lógica que procura integrar perguntas distintas, que
impossibilidade de reunir o produto da narrativa à
ou ficcional.
Para finalizar este capítulo, poderíamos men
^ admitem respostas contraditórias, mas todas verdadeiras. do trajeto narrativo vários elementos vêm ocupar <
l É pelo recurso à verdade como porção não integrável ao discurso,
como representação, que podemos entender o progresso da investigação
discurso. Inicialmente há a transferência da autoric
criança. Momento em que ela assume o discurso n
infantil. Por exemplo, ao produzir uma corporeidade ficcional a criança Ela se descobre senhora da língua na medida em qu
produz e dá .forma a modos de gozo específicos, decorrentes de articula- zir como agente de discurso um significante insensa
ções específicas com o Outro. Mas a cada passo desta narrativa ela toma de uma premissa em termos lógicos, ou seja, uma ai
possível um tipo de transgressão, gerado em uma forma particular de assumida como verdadeira para o desenvolvimento
intriga. Intriga de ação, no caso da fantasia da cena primá ria, intriga de da demonstração.
personagem, como é o caso da fantasia de sedução e intriga de pensamen- O segundo passo na constituição da dimensão :
to, como é o caso da fantasia de castração. Ora, o que a intriga faz é tomar sexuais infantis ocorre quando a a ção de tal sign!
possível e representável um acontecimento logicamente impossível. O in- questionada pelos efeitos de gozo que ele mesmo p
cesto, em psicanálise, deve ser assim considerado. Ele é o produto de um recer na posição de agente não mais uma premissa
mito ou de uma narrativa: um gozo completo suposto no outro pela sua melhor ilustra ção disso é a fase das perguntas que
absorção ao sujeito. A verdade tem estrutura de ficção. Tal afirmação de partir de então. Perguntas que põem em marcha a ii
228 Lacan só pode ser compreendida à luz de sua teoria dos discursos. Isso
meios e os fins da sexualidade, até então estabilizada pelo significante _. 1962-1963 . O Seminário
( ) - Livro X - A
mestre. Podemos dizer que o discurso da criança passa por uma histe- Jorge Zahar, 2005.
ricização.
Finalmente, o terceiro momento lógico corresponderia à descoberta . (1938). O Estádio do Espelho como Foi
tal como nos Revela a Experiência Psicanalítica
de que o saber construído ao longo desta investigação possui um orde- . In:
Jorge Zahar, 1998.
namento próprio, que se impõe ao sujeito. O saber é o próprio agente
da ficcionalidade; saber no lugar de agente que permite a socialização .. (1945). O Tempo Lógico e a Asserção da
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5
5
g /"Atema da angústia é particularmente feliz p
PH Vientre Lacan e a psicanálise anglo-saxônica (
considera o desenvolvimento dos conceitos de í
como originados em uma reflexão sobre as escc
tomar durante o tratamento. Há uma relação in
teoria da angústia e sua concepção de ato psican,
seu conhecido texto de 1945 “ O Tempo Lógico e a
cipada" , que subsidiá a prática das sessões anab
Além do sujeito da experiencia empírica imedia
neidade do olhar e do sujeito indefinido recíproi
da intersubjetiva da d ú vida e da compreensão ha
temporal do sujeito que é o "momento de concli
sentido freudiano da convicção (Ü berseizung ), qu
uma interpretação, deveria se efetuar por uma t
entre o pensamento e a ação. Para Lacan, essa cor
antedpação ou precipita ção marcada por um p
apreende o desejo do Outro, e por um segundo m
separar-se dele reconhecendo seu equívoco e sua
(...) a conjunção aqui manifesta se vincula a i
são, "para que não haja" (demora que gere o
a forma ontológica da ang ústia, curiosamente r
matical equivalente, "por medo de". (Lacan,

Por medo de estar atrasado me adianto, e q


cebo angustiado meu erro. Concluir é reparar, c
similando esta inexatid ão como parte necessária
realizar o ato. Chamo a atenção para o que oco
232
pensamento, por medo de,e quando negamos o ato, por reconhecê-lo equí- são do sujeito, seja pela fragmentação da
imagem
voco; neste ponto emerge a forma ontológica da angústia.Se o medo coloca te, seja pelos efeitos da determinação significante
a dimensão do objeto, o ato nega este objeto. Nesse problema, quero crer, Em 1956, Lacan (1955-1956) introduz uma
encontramos o início de uma longa discussão cruzada de Lacan tanto com kleinianismo. Em vez de pensar a relação de objt
a tradição inaugurada por Melanie Klein e a problemática central da sim- fundamentais como a identificação, identifica çãc
bolização da fantasia, quanto com Winnicott e suas proposições cruciais ou seja, em vez de pensar os modos de relação ira
acerca da imaginarização da realidade. Para Lacan, o analista deve agir de tasia, ele postula que as rela ções de objeto se d ão í
modo a facultar a conclusão temporal da sessão, de um grupo de sessões to, em seus modos e frustração imaginária, castra
ç
e do conjunto do tratamento. É nesse sentido que a experiência ontológica real. Vê-se, assim, que Simbólico, Imaginário e Re
da angústia possui efeitos de travessia. Isso não quer dizer que a angústia baseadas na negatividade, do ser do objeto, ou o í
ela mesma, em todas as suas formas e variedades, deva ser buscada ou ontológico do objeto. Cada uma dessas inddênd
evitada ao longo da cura, mas que ela é um sinal que orienta o tratamento, quadro clínico diferencial segundo a diagnóstica f
daí a insistência de que ela é um afeto que não engana. al remete à angústia no imaginário (pânico), a
neu
! A segunda concepção lacaniana da angústia emerge da leitura do fala da angústia no simbólico ( Angst ) e a neurose ti
j i caso Dick, e de uma observação clínica trazida por Klein logo no inído angústia no real ( Schreck).
£i de seu relato (Klein, 1930). Dick não mostra interesse por objetos ou brin- Com a revisão de sua teoria da identificação c
Bi i quedos, não há agressividade manifesta e logo ausênda de angústia. No rio A Angústia, de 1963, surge uma segunda
concej
£i comentário de Lacan, ele destaca três inddêndas diferentes da angústia: baseada no objeto. Ela não abandona a ideia de que
i . Primeiro a angústia que surge (arising) na criação dos objetos; ou farol de simbolização, mas acrescenta a descobi
2. Segundo a angústia que interrompe a fixação da realidade em cias do objeto resistentes à imaginarização e,
pori
uma imagem; e dade. Pela concepção precedente, sem imaginarizai

i
3. Terceiro a angústia que surge do que ele chama de reidentificação, fantasia, e sem inclusão na fantasia não há simbol
sim, a um impasse análogo ao que encontramos
clínicamente marcada pela vertigem, pela desorientação e pelo er
bém em outros autores que começam a questionar
apelo de reconhedmento.
da interpretação no tratamento psicanalítico.
Auto
Ferenczi e Alexander têm em comum a ideia de que
s Essas três formas da angústia ligam-se aos três tempos da fixação nas repete e simboliza experiências retidas, mas
* i da realidade: as idas e vindas do objeto produzem a imagem como espécie determinadas experiências, inéditas, que possuem va
qu
oi de moldura do real, depois vem a fase da simbolização das fantasias e em tituível para a cura. Para Lacan, e até onde
%j seguida o momento em que novamente a angústia sinaliza que runa nova posso j
Winnicott, esta deveria ser uma experiência produtiva
“i realidade foi fixada (Lacan, 1953, p. 84-85). Reencontramos aqui a angústia
O seminário sobre A Angústia é o momento mai
<3 i como um percurso pelo qual se injeta o simbólico entre o real e o ima- lacaniana com os autores da escola inglesa, o mom
ginário. Essa introjeção simbólica não é sem angústia. Ocorre que para bém proporá a sua versão do tipo de experiência
permanecer kleiniano, Lacan deve aceitar que a angústia precede o eu, centa a um sujeito. De Margareth Little (Little, (19,
qi
-
e que há identificações pré-edípicas e pré narcísicas, cuja exteriorização
que a resposta total do analista, que envolve autent
não ocorre no eu, como qualificação de afeto, mas na raiz motora dos atos
lado do analista, é fundamental para que certos pad
e movimentos. Assim se entende por que a angústia narrisica é secundá-
a "transferência pode se tomar uma realidade".
ria em Lacan, e sua origem é também um tipo de estado esquizoide, dota- R
nova versão do problema de como uma realidade
do de valor constitutivo para o sujeito, que é o estádio do espelho (Lacan,
realidade da transferênda. Parientes borderlines, co
1938, p. 207). A esquize masoquista narrisica do eu exprime a angústia
mania descrito por Margareth Little, não responde
da perda da unidade do corpo, delimitada pela imagem de si recebida a
estrutural porque seu modo de relação ao outro base
partir do Outro. Essa angústia imaginária aparece como experiência de mia específica de angústia, ou seja, pelo que
fragmentação e seus traços distintivos são a agressividade e o fascínio. Lacan <
namento em "acting out continuado" . E o "acting out o
Podemos dizer que essa teoria que liga a angústia ao processo de
III 234 simbolização é essendalmente uma forma de entendê-la a partir da divi-
algo a mais, de urna nova experiência, para se tomai
i
De Phylis Greenacre (Greenacre, 1950) vem a ideia de que o acting
T uma subtração ou na deformação de um processo
out é um apelo para que algo seja incluído na transferência, uma espécie tem a matriz "do corte, do sulco, do traço unário, do '
de "realização" na transferência, que precede a simbolização. Este algo vazio48 são as duas figuras fundamentais que expri
novo é a angústia percebida no lado do analista. Já em sua leitura do de. Lembremos que o objeto a possui uma proprit
livro de Ella Sharpe sobre os sonhos, Lacan (1958-1959) havia localizado a de não ser especularizável, ou seja, ele não "entr
esse problema que é a abstração do analista da posição de causa para o então o corte e o vazio que exprimem a negatividai
inconsciente, ao mencionar os sonhos feitos para o analista. Finalmente, é do mundo e a falta ou a da perda que exprimem a
de Winnicott que vem a formulação de um objeto que não estaria nem no do sujeito. Daí a fórmula não-sem objeto, exprimir t
imaginário, nem no qué ele chama neste momento de real: vessia, que desta vez se dá pelo Real49.

Há uma tradução deste objeto transitional de Winnicott. (...) Leiam Disso se depreende um programa clínico lacai
isso, se alguém quiser fazê-lo entenderá tudo aquilo apenas para dizer
separar das formas ônticas da angústia a sua forma
que é este objeto a não está nem no interior nem no exterior, nem é real, ônticas são aquelas nas quais o objeto a aparece e:
nem ilusório. (Lacan, 1965) misturado com os objetos pulsionais, vestido por t
l< É preciso ter isso em mente para entender por que, sete anos depois,
tido em uma gramá tica simbólica de falta e perda.
simbólicas da angústia a "separtição"50 do objeto or
no seminário sobre a Angústia, uma nova torção será introduzida com tro no objeto anal51, a possibilidade do não poder f;
l a ideia de que a angústia não é sem objeto* . Ela não é sem objeto não é o
2
escópica53 e a voz superegoica. São também formai
£ .
mesmo que dizer que ela tem um objeto Há um deslocamento do " ter" , que não derivadas da pulsão, mas da génese imaginári;
caracteriza o objeto f álico43, para o "ser", que caracteriza e retoma a forma ( Hilflosichkeit ) e o estranhamento (Unheimlich). Ora, t
ontológica da angústia. O Real, o Simbólico e o Imaginário são estruturas . impuras da angústia. Para Lacan, o tratamento deve
ontológicas, que se combinam, em Lacan, com as estruturas antropológi- mas impuras a angústia que não se pode contornar,
-
3
2:
. cas derivadas do significante. A angústia " tem esse caráter de ser sem causa,
mas não sem objeto, ( ...) o objeto, se posso dizer, mais profundo, o objeto último,
nã o é mais simbólico ou imaginário, mas Real.
Encontramos aqui, redivivas, as três incidênci
*j a coisa" 44. É certo que a economia da angústia se infletirá em disposições gústia:
5; do sujeito: a certeza, a dúvida, a crença, o desespero ou o tédio, mas estes 1. a angústia sinal, que representa o perigo nc
» í são declinações subjetivas, como o embaraço, a emoção, o acting out e a forma a iniciar um movimento;
S; passagem ao ato que são declinações afetivas da angústia. 2. a angústia neurótica, que é o desenvolvim
£
3. . A segunda reviravolta do conceito de angústia em Lacan, a torçã o gústia quer como causa (teoria posterior a 1'
o; winnicottiana, envolve a consideração de um problema novo: como é do recalcamento (teoria dos anos 1890), e
g:
o
-i possível a negação da falta, a negação de algo que já é por si uma negação
da negatividade? Por isso o objeto da angústia se escreve. Ocorre que essa
negação da negação, passagem de [a] a [-a] não cria nem define uma po- 46
Idem:83.
: sitividade, um objeto, mas uma espécie de rastro, uma forma de ser45-não- 47
“O corte é uma operação que não tem como função sublinhar
sendo, que só pode ser apreendida indiretamente em uma repetição , em uma transformação que é formalizada o tanto quanto poss
urr
ível: t
.
fantasia” Idem: 79.

47 " Vocês podem tomar como certo, pelo meu discurso, que o que é comumente transmitido
, eu 48
...
"( ) a, o objeto do desejo, para o homem não tem
sentido senão q
acho, concernente à angústia - não extraído do discurso de Freud, mas de uma parte de seus .
vazio da castração primordial " Idem: 244.
discursos, que a angústia seja sem objeto - é propriamente o que eu retifico,'ela n o
ã é sem 44
objeto" . (Lacan,1962 1963, p.95).
- Idem: 144. .
“ Nada falta que não seja da ordem do simbólico Mas a privaçã
o

43 ...
"( ) não há castração porque, no lugar onde ela se produz, não há objeto a castrar
. Seria
stia. Idem: 310. 50
Idem: 276.
necessário que o falo estivesse lá. Ora,ele só está lá para que não haja angú "
51
Idem: 344.
44
Idem: 354.
suplência."
52
Idem: 230.
45 .
" Uma repetição marcada pela diferença Uma falta para o qual o símbolo não faz
236 (Whitaker, 2002, p.92. 53
Idem: 351.
T
Variações rápidas, oscilações de uma angústia te
3. a angústia realística (Realangst), causada por um perigo real, ao
mais extensos de "calmaria" são uma espécie de
qual deve corresponder um ato real.
ral do trabalho de construção da fantasia. Mas, t
gem do rio, a travessia completa só se completa >
Existe, portanto, um programa clínico pelo qual Lacan postula que se toma nossa companheira de viagem.
uma determinada experiência da angústia, inspirada na imagem do ro-
chedo da castração, constitui uma espécie de cura para a neurose. Isso
é congruente com a sua cr ítica da estratégia clínica, inspirada em Ana Referências
Freud, baseada na análise das defesas contra a angústia. Para Lacan, é
preciso antes analisar o desejo e depois a defesa, levando em conta que a GREENACRE, P. General Problems of Acting Oul
angústia é sempre uma forma reversível de desejo. n. IV, v. 19, 1950.
Retomemos agora a chave freudiana do problema . Nela a angústia KLEIN, M. (1930). The Importance of Symbol -Formati
pode ser considerada como efeito ou como causa. A angústia efeito do fra- Ego. In: Contributions to Psycho-Analysis (1921-1945).
i casso do recalque, da ruptura narcísica, da transformação da libido, do
masoquismo, pode ser tratada indiretamente pelo trabalho da interpre-
2
u : LACAN, J. (1938) . O Estádio do Espelho como Foi
i tação, da recordação e da integração sijnbólica do desejo. Nesse caso, o tal como nos Revela a Experiência Psicanalítica. In:
I tratamento tem um sentido inverso ao do ato, ele "protege" ou faculta ao Jorge Zahar, 1998 .
sujeito a substituição do fazer, seja ele ato sintomático, ato falho, acting out
I ou passagem ao ato, pelo falar, pelo recordar ou pelo rememorar.
• (1945) . O Tempo Lógico e a Asserção da Cert
tos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
4 A angústia considerada como causa exige outro tipo de tratamento .
Se “ a angústia não é sem objeto" o tratamento não é apenas indireto ou pa- . (1953). O Seminário - Livro I - Os Escritos ü
« : liativo para os efeitos de angústia, é preciso pensar algo como uma tra- Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
£i vessia da angústia, ou seja, fazer algo com a sua causa. É exatamente essa a . (1955-1956 ) . O Seminário - Livro IV - AR
Í j tese de Lacan no seminário A Angústia: o tratamento deveria admitir um Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
<; sentido progressivo em relação ao ato, ele não deve apenas evitar o ato,
¿I mas favorecê-lo, tal como Lacan tentará defender no Seminário sobre o (1958-1959) . O Seminário - Livro VI - O D
Recife: Centro Freudiano de Redfe, 1998.
Ato Psicanalí tico . Reencontramos assim a afinidade que apresentei inicial
-
* ?

I mente entre a angústia e o tempo de conclusão.


Mas se essa tese é pertinente deveria ser possível encontrar nas rela-
ções entre angústia e ato uma trilha que permita distinguir cr ítica e clíni-
(1962-1963). O Seminário - Livro X
Jorge Zahar, 2005 .
- A A\

í camente o ato que dispersa, engana ou transforma a angústia-efeito, do


ato que a atravessa, que isola ou separa o objeto da angústia do objeto
causa de desejo. Em outras palavras, é preciso distinguir o movimento
de dispersão neurótica da angústia, própria do Imaginário, o movimento
. (1965) . O Seminário - Livro XV - O Ato do I
tro Freudiano do Recife, 2001.
LITTLE, M. (1956). La Réponse Totale de 1'Analyí
Patient (La Respuesta Total del Analista a las Necesi
da economia de circulação da falta e seus objetos, correlato da angústia International Journal of Psychoanalysis . Partes III-IV, v .
no campo Simbólico e a angústia do vazio, em sua forma ontológica, con- WHIT AKER, C. Pânico e Psicanálise: A Angústia em F¡
clusiva e não sem objeto que marca a angústia no Real. Uma análise deve Cabral, 2002.
fazer essa tripla travessia.
Essa tese se apoia numa observação clínica um tanto genérica, mas
que quero colocar à prova aqui. À medida que o tratamento avança, a
angústia distribuída, não percebida e extensiva vai gradualmente se con-
centrando, se purificando, como se ela novamente se reduzisse a este ins-
tante cristalino, este sinal de angústia pré-desenvolvida. A angústia nã
o
desaparece ao longo do tratamento , mas ela se toma cada vez mais discer -
i 238 nida em tomo da fantasia. Ela se alterna qualitativa e quantita tivamen te.
Gê ne
do Cor

A génese do Real

T)ara entender as origens do conceito de Real em


J- deixar de reconhecer que a psicanálise teve i
tardio na França. Isso se deve, em parte, a debilic
seus pioneiros, como Rene Laforge e a princesa Bor
ao fato de que, na psicologia e na psiquiatria, a F
Freud, e ele se chamava Pierre Janet. A França já tir
e seu nome era subconsciente. Ao longo de toda su
na escola de Paris, tanto na descendência clínica de
estudou, quanto na herança terapêutica de Pinei, s
rentes.
Pierre Janet, aluno de Charcot, propôs uma psi
começa pelos fenômenos de automatismo menta
hipótese etiológica supunha que na psicastênia e
perturba ção da função do real ( fonction du reél ). Es
ocorre como na psicose, onde o real é reconstituídc
cinações, mas incide sobre a pró pria capacidade d <
conhecer, unificar e fazer frente à realidade, tanto d
sua representa ção quanto da ação sobre ela. Apes;
rado, o tema está em Freud quando ele observa qui
nos quais há uma fuga da realidade para a fantasia, j
signos de sexualidade. Contudo há o caso oposto:
para a realidade, como forma de evitar a fantasia. Se o
é um bom exemplo da primeira atitude, o neurastc
exemplo da segunda. Para Janet, a função do real e:
superior que incluía dentro de si todas as outras (atividade, imagina-
T realista é algo que se produz em uma relação
. mundo e não algo que se descreve de um por
ção, memória, emoções e movimento) Sua definição pode ser reduzida
produção depende de certa atitude de linguager
a "estar completamente no momento presente", contrariando e domi-
é o paradigma e a escrita, o caminho fundament
nando as tendências que levam a mente ao passado (memória ) e ao
futuro (imaginação):
depende de uma duplicação da realidade, dupli
próprio eu e que se prolonga em estrategias de «
O real presente para nós é um ato de certa complexidade que agarra e desdobramento da imagem. Tais principios foi
um simples estado de consciência, a despeito de sua duração real, que ta do romance Nadja, de Breton, no qual acomp,
pode ser mais ou menos extensa. A presentifkação consiste em manter encontros do narrador com uma misteriosa mull
presente o estado mental e um grupo de fenômenos. (Janet, 1903, p. qual progressivamente começamos a duvidar de
491) seu destino final como interna de um hospício. O
mentais, como fotos de amigos, e as descrições dt
Janet foi professor de André Breton, psiquiatra, amigo de Lacan- embaralham ficção e documentário. O surrealisn
e criador do movimento surrealista. Lacan também partia do proble sobre outro mundo, sobrenatural, mágico ou mai
l
<
ma do automatismo, mas o pensava de maneira inteiramente oposta, romantismo, mas uma tentativa de demonstrar
segundo as teses de seu mestre em psiquiatria, Clerambáult. Se para outro mundo estão sobre esta realidade e particip
I Janet a função do real estava no topo da pirâmide, como uma espécie produção. Sabe-se que Nadja foi composta a pa
de instância de integração e subordinação das experiências do sujeito, Breton com uma paciente, o que, de certa forma
I para o supervisor de Lacan o automatismo mental mostrava-se em pe- em sua tese de doutorado, a construir o caso de P
quenos fenômenos elementares, cuja característica clínica fundamental
é a de serem, pelo menos inicialmente, destituídos de sentido. Ecos de Porque a produção de imagens no sonho de]
pensamento, estribilhos verbais, repetições de signos, pequenos ruídos, nos desse duplo jogo de espelhos, nela encoí

Ij
são exemplos desses automatismos que aparecem como algo estranho e papel muito especial, sem dúvida eminentem
alto grau "supradeterminante", no sentido foi
enigmático, exercendo um papel muito importante no desencadeamen-
to das psicoses.
impressões muito fortes são chamadas a deser
náveis pela mordlidade, verdadeiramente perc
.
Principalmente em seu primeiro momento, chamado intuitivo, do mal no sonho e, em seguida, no que lhes opc
o surrealismo emprega métodos análogos aos da psicanálise, como a o nome de realidade. (Breton, 1928, p. 125)
escrita automá tica, a narração de sonhos e a alteração da consciência
(convulsão, sonho, transe, sonambulismo). Breton visita Freud e ten- Neste fragmento do romance vemos a incidê
ta mostrar, aparentemente sem sucesso, como a psicanálise lhe parecia

i
canalítico de sobredeterminação, o tema do espelh
precursora de suas próprias ideias. O projeto surrealista pretende ul- texto no qual o real será produzido em oposição c
trapassar a oposição entre mundo desejado e mundo real, propondo presente aqui a ideia de que o Real não é nem esté
uma nova relação do sujeito com a realidade: a de transformação. A porque ele seja imoral, mas porque ele está para
surrealidade supõe um mundo no qual "sonhamos de olhos abertos" juízo de gosto. Salvador Dali acrescentará a essa s
(Grossi dos Santos, 2002). Descrito por Walter Benjamin como a busca real só pode ser objeto de conhecimento do ponto
de uma "iluminação profana", o surrealismo tentava fazer a síntese en- que ele propõe, ou seja, a paranoia crítica, método
tre duas vertentes de investigação do automatismo: a tradição ocultista, na conhecida tese de que o conhecimento é ele m
espirita e religiosa e a concepção científica do hipnotismo, da psicologia paranoico.
e da psicanálise de Freud. Para Breton, o surrealismo não era apenas O surrealismo acontece, sobretudo, nas artes
uma vanguarda estética, mas uma espécie de disciplina ou forma de \
mas ele não pode ser pensado sem a emergência de
vida, talvez uma ética, no sentido que Lacan encontrará para esse ter- o cinema. Diz-se que o cinema começou com
mo, anos depois, quando definirá a psicanálise como uma ética do real os irn
filmando, como um documentário, a realidade dos
-
(Lacan, 1959 1960). uma f ábrica. Mas o cinema começa também com G»
Há vários elementos decisivos na passagem surrealista que vão usando truques de montagem, para criar a ficção d
242 se aderir ao conceito lacaniano de real. Em primeiro lugar, o real sur-
T
Lua. Temos aqui as duas faces do Real, melhor dizendo, duas verdades teleología da ação de estrutura dramática. A v¡
das quais podemos extraí-lo, enquanto estrutura de ficção. O surrealista todologico da clínica e a crítica da metafísica p
Luis Buñuel de O Cão Andaluz (1928) e a Idade do Outro (1930) foi um sua metapsicologia, são os pilares desta recusa
dos primeiros a perceber que as duas tendências deveriam ser referi
-
to do idealismo, que juntos determinam a fon
das a um mesmo e novo conceito de real. De certa maneira, esta ser á a alienação fundamental. Fazer ciência, no senti<
quest ão que reúne e divide as vanguardas dos anos 1930 entre aqueles não pode se separar da desconstrução dos
disc
que percebem a perda da realidade do ponto de vista da invenção de ção da realidade:
novas formas - como o construtivismo, o cubismo e o plasticismo - e
aqueles que se dedicam a pensar o real como tensão entre a forma e sua Para a psicologia introspeccionista clássica,
expressividade social - como o surrealismo, o suprematismo e o futu- realismo, o fato psicológico é um dado simpl
rismo. Usando a teoria freudiana do trauma em dois tempos e a con- lidade perceptiva chamada psíquico. O próp
cepção lacaniana do tempo lógico, Hal Foster (2014) mostrou a íntima é dado pela participação nesta realidade qu
conexão entre as vanguardas dos anos 1930 e a sua retomada nos anos uma vida no mesmo sentido que a natureza, i
2
1960 como uma espécie de "retomo do real". As neovanguardas pop re- opostas. (Politzer, 1936)
tomam a temá tica da ilusão de realidade, enquanto as neovanguardas
O

3 Outro autor que procede da epistemología


formalistas retomam o problema da realidade da ilusão.
ã um sentido oposto ao de Politzer, influenciando
Lacan atravessou esses dois momentos (1932 e 1966) das vanguar- trução do conceito de Real em Lacan, é George
das e das neovanguardas, sem deixar que uma problemática do Real
O

fosse substituída pela outra. Está aqui a origem da sua oposição indis- -
de estudos hegelianos e ex marido da segunda
taille pensa o Real, sobretudo, como o elementc
sociável entre materna e poema. Daí se entende que o Real de Lacan tema, seja ele dialético, económico ou social. Sua
esteja ao mesmo tempo conectado com a crítica social do surrealismo ção antropológica entre discurso literário e cienti
í nascente e com a sua variante matemática, representada, por exemplo, surrealistas como o acaso e o corpo, o erotismo
por Raymond Queneau (1947) e pelo grupo Oulipo. Queneau frequentava
! os círculos matemá ticos ligados ao grupo de Bourbaki e acompanhou
a reorganização da matemática francesa após a I Guerra Mundial. Foi
e a loucura. Todavia, aborda-os segundo a ópti
sociais, pensando o Real como parte que precisa
<

£ a realidade se apresente una e coerente, no univi


por meio dele que a teoria dos grupos e a topologia combinatória foram estabilidade do valor de troca.
S usadas na reinterpretação formalista do legado de Mallarmé, Pound e
Se o surrealismo e a epistemología marxis
3 Apollinaire. Percebe-se assim como se formou o estilo de Lacan, como uma crítica e subversão da psicologia e psiquiatr
o relação sistemática, mas não unitária com o problema do Real. Com- é o caso francês e Freud, particularmente em sua i
iI ! binar uma exposição estilística barroca, plena de polissemia, humor e
autoironia com esforços de matematização e formaliza ção de conceitos
alemão, a terceira entrada para o conceito de Re
õ mostra-se uma espécie de efeito surrealista permanente em Lacan.
buscada na situação da psiquiatria diante a ciêr
contrário de outras disciplinas médicas, que gra<
Janet, Breton e Lacan eram psiquiatras que conviviam com as van- vam sua autonomia na medida em que respondia
guardas estéticas, mas também políticas de sua época. Nesse sentido nova episteme baseada no método anatomopatol
não se deve desprezar a importância do marxismo no interior da evo- nard, e no conceito de vida, derivado de Bichat,
lução das ideias surrealistas. Menos do que a crítica da economia polí- seguia apresentar as provas que remeteriam a di;
tica, Lacan trará do marxismo a sua epistemología. De Georges Politzer tomas à etiologia baseada na patologia dos tecid
: ele absorve a necessidade da crítica sistemática da psicologia, de seus 2012). O adiamento da fundamentação neurologic'
processos abstratos e funções mentais esquematizáveis, que represen- me contornos dramáticos com o progresso contínu
tam um entrave para a fundamentação da psiquiatria, como clínica e partir das funções mentais e não de seus substrato
como ciência (Simanke, 2002). Essa antipsicologia, que virá a ser a psi- é um transtorno do pensamento, mas completami
canálise de Lacan é, na verdade, a realização do programa que Politzer se observa nas demências. A alucinação é uma pe
chamava de psicologia concreta, ou seja, uma perspectiva em primeira ção, mas não como o daltonismo. As altera
pessoa, baseada no alcance metodológico da narratividade e em uma ções psi
tomam-se cada vez mais distantes dos transtorne
244
ções da consciência histérica são irredutíveis às convulsões epiléticas e A supressão do tempo reduz a diferença
seus espasmos não tem uma relação verdadeira com as coreias. Portan- presentado, por isso quando o tempo "retoma
to, a psiquiatria começa a viver uma crise quanto à sua cientificidade emergência de irracionalidade e negação de sei
e uma dispersão de seus fundamentos divididos entre uma psicologia que há elementos da experiência que resister
das faculdades mentais e uma neuropatologia. resíduos desse tempo suprimido. Para o autor,
É nesse contexto que Lacan toma como tarefa repensar os funda- do real deve se ocupar de considerar e reintro
L
mentos científicos da psiquiatria, propondo um conceito crítico e cientí- ais no conjunto de sua operação. Se a razão n
fico de personalidade (Lacan, 1932), uma redefinição completa da ideia sem reduzi-lo a outra coisa qualquer, diferent
de que na psicose há uma perda da realidade, o que leva a uma re- recuar nossas pretensões epistemológicas. A cr
configuração da noção de real que a psiquiatria toma por pressuposto. crítica dupla, não só da identificação entre o (
E neste ponto que Lacan encontra a obra do químico e epistemólogo tação ou escrita, mas da identificação entre a
polonês Emilè Meyerson, como uma espécie de encruzilhada entre a de determinação do pensamento, e a causalid .
í crítica da concepção de tempo, representada pelo positivismo de Ja- de ordenamento e classificação ontológico. C
... . net, a cr ítica da identidade entre realidade e representação, presente por que, para Lacan: "O real é sem lei. O real
3 no surrealismo e a cr ítica da causalidade, que pressentia necessária no
j: é ex-sistência" (Lacan, 1975-1976, p. 78). Há, p<
ambiente psiquiátrico. Lacan leu a sua publicação de 1908 - Identidade e fundamentais para a ciência do real: o resto d í
I Realidade (Meyerson, 1908) -, na qual Meyerson advoga que a estrutu- tecedente e consequente e a "estrutura da inte
I ra da razão impõe que a natureza seja entendida como expectativa de
regularidade: "a natureza é aquilo que volta sempre ao mesmo lugar",
mental do cientista", que intromete interesses i
Com isso, a operação de conhecimento deform
I expressão, que será parafraseada por Lacan com a tese de que "o Real ção antropomórfica.
volta sempre ao mesmo lugar" (Lacan, 1955-1956, p. 151). Esta expec-
A ciência do concreto, proposta por Politzi
< i tativa de retomo e de reencontro é o princípio da lei (lazvfullness), por taille, o surrealismo de Breton e a cr
~; meio da qual pensar é identificar, ou seja, há uma tendência a priori ítica marxist
convergir admiravelmente para o projeto de Mi
i para identificar e esta tendência pode ser chamada de pensamento. Há, do real:
o: portanto, uma identificação entre o antecedente e o consequente que
£
QH |
: explica o fen
CApllta .
\J 1V iivni w.v observado. A isso Meyerson chama de princ pio
. ômeno í da
oimnlpcmpntp Se um Meyerson pode demonstrá-la [a ciênci
causalidade. No entanto, a causal”idade real não pode ser simplesmente
* 1
1 om *
«:
seus processos, à forma da identificação meni
*: reduzida à sucessão regular e indutiva. É preciso que o nexo lógico se do conhecimento humano que ele a reenconl
u| sobreponha ao nexo empírico. Assim, a expectativa de retomo envolve nhos comuns do pensamento (...) esses pon
°\ uma segunda identificação, postulada como unidade da matéria, subse- quais a f ísica se liga ao homem, mas que sâ
3i quente redução ao espaço e homogeneidade do tempo. Ora, o principal quais ela gira, porventura não mostram a nu
u; erro da
Ud ci ência év. identificar a realidade que ela investiga, metodologi - com os eixos que confere ao conhecimento h
eiTU UJLCI
1 1
A

camente construída, com a realidade tal qual ela é~. XTrtoo


1
- operaçãáon de
Nessa inorar
i HP flexiva sem recurso à experiência? (Lacan, 19!
redução metodológica do mundo há um fato decisivo que é escam -
otea
do: o tempo. O que esta crítica da identificação traz de novo, em termos O segundo trabalho de Meyerson, que exen
de teoria do conhecimento, é apontar a instabilidade da determinação se da noção de Real em Lacan, é A Dedução Relati
dos conceitos pelas categorias. A categoria imobiliza o conceito fora de vém a oposição entre a psicologia e sua função d
seu tempo, impedindo sua transformação. Tal passagem, que deveria
<
e a sua função de Real. Nesse livro Meyerson esi
ser puramente lógica, não é feita sem a intercessão do tempo, do tempo do pela física da relatividade e pelas descobertas
real. Essa lição será apreendida por Lacan em sua crítica da identidade. por volta de 1920, a teoria da relatividade restrita
Se na identificação há uma supressão indevida do tempo o Real será do Real para além da tradicional oposição entre
caracterizado pelo retomo desse elemento suprimido: "O real é ou a real constatado. Ora, a cr ítica de Meyerson é anh
totalidade ou o instante esvanecido. Na experiência analítica, para o su- tificação entre a f ísica e a matemática, entre a ciêr
jeito, é sempre o choque com alguma coisa, com o silêncio do analista" mundo e a ciência das correlações sem mundo
(Lacan, 1953-1954, p. 45).
,

246
ficação reaparece no Lacan de 1936 na tese de q
T
perfeita alguma entre o campo do conhecimento 'humano' e a ciência se apreende como tempo e, portanto, como rete
do real, chamativamente designada por 'inumana' (Lacan, 1936, p. 92). coberta do que em primeiro momento é autoi
os surrealistas. Ao contrário do conhecimento,
..
( .) o real da teoria da relatividade é, com segurança, um absoluto onto- como uma relação permanente entre objeto e s
-
lógico, um verdadeiro ser-em si, mais absoluto e ontológico que as coisas coisa, entre juízos sintéticos e analíticos, o recoí
do sentido comum e da física pré-einsteiniana. (Meyerson, 1925, p. 76) tura de relações dotada de historicidade, comc
marxista. Depois de passar pelo problema do
Historicamente a ontologia divide-se em duas perspectivas quanto identidade, Lacan encontra na teoria hegelian
à apreensão do Real. Na perspectiva positiva, o real deve ser entendido seu ponto de convergência: a negatividade.
como contraposto ao ser aparente, o ser potencial ou o ser possível. O
real é uma essência ou substância que permanece no tempo e que se Segundo o conceito de reconhecimento [ An,
apresenta ou se mostra de várias formas, tal qual nos propõe a tradi- vel se ele realiza para o outro (assim como
ção de Parmênides, Platão e Aristóteles. A segunda perspectiva quanto -
citada abstração pura do ser-para si; cada i
ao Real implica pensá-lo como negatividade. Neste caso, o Real é uma um lado, por sua própria atividade e, do outi
efetividade atual abordável por meio de conceitos como ser, existência (Kojéve, 1933-1939, p. 17)
e ato. A primeira abordagem pensa o ser como substantivo (realidade)
e a segunda como predicado (real). Pré-Socráticos como Herá clito, filó- Está dada a chave para pensar o Real con
sofos como Pascal e Heidegger, místicos como Ângelo Silésio e Jacob sagem entre tempos de negação. Para tanto é
Boheme inscrevem-se nessa linhagem. Lacan percebe que a crítica da tamente o Real como a ação ou ato de realizar,
psicologia das faculdades mentais, bem como a crítica da arte realista realidade e o seu agente produtor, o movimente
ou impressionista e ainda a crítica da ciência positiva têm um elemen- ca do reconhecimento permite entender a alien;
to em comum, todas atacam a ontologia positiva e sua expressão mais retomo da consciência a si (estranhamento), ma;
vigorosa, até então manifesta pelo pensamento de Kant. Para ele, que çã o exteriorizada ou expressiva desta mesma o
separou definitivamente ciência e metaf ísica, conhecer requer que um A teoria hegeliana do reconhecimento não é só i
objeto concorde com a percepção real, segundo as analogias da experi- imaginário ou sobre as alienações narcísicas do t
ência que entrelaçam o real com a experiência possível. Ora, para La- completa sobre a rela ção entre simbólico, imagir
can e para a tradição na qual ele havia se formado até então, tratava-se foi empregada para descrever a experiência psii
justamente de pensar o real como discordância da experiência, o real como uma experiência dialética e mais adiante c
da falta de analogia com a percepção real. É nesse ponto que Lacan real pelo simbólico" (Lacan, 1957, p. 537-590).
encontrará a quarta e última determinante embrionária do conceito de ...duplo movimento pelo qual a imagem a pr:
Real: a filosofia de Hegel. tada é regressivamente assimilada ao real , pa
Tendo frequentado os seminários de Alexander Kojéve entre 1934 desassimilada do real, isto é, restaurada em sua
e 1936, Lacan é apresentado a um Hegel que vem a dialogar com seus 1936, p. 89)
propósitos tanto em termos dos problemas legados pela tese quanto
da sua entrada na psicanálise. Agora o real será pensado segundo uma O conceito não é a representação desse proce
lógica bastante específica, não a do conhecimento, nem a da tomada de experiência de produção ou de realização no teir
consciência, mas a do reconhecimento. Centrando-se no capítulo 4 da se dá. Isso concorda admiravelmente tanto con
Fenomenología do Espírito do comentá rio de Kojéve, Lacan introduzia-se cas do surrealismo quanto com as exigências poli
a um Hegel com fortes doses de antropologia marxista. Ele partia da marxista. Por exemplo, o conceito de uma obra d
ideia de que a consciência é atividade de negação e que a negação se fala ou as intenções do artista, mas o seu ato c
exprime em atos fundamentais: a linguagem, o desejo e o trabalho. Isso no real. Nesse sentido, a obra, em sua ocorrência t
ocorre porque o sujeito, dividido em sua experiência entre o para-si ( fiir Se Hegel afirmou que "o conceito é o tempo da c
sich ) e o em-si (an sich ) só pode reencontrar na realidade exterior a ideia figura do real, Lacan claramente joga com essa i
íntima de si, como dizia Meyerson, porém ele pode se separar dessa transferência é o conceito da análise e por isso o i
imagem na medida em que a reconhece como imagem. Ou seja, o real -
cia é o manejo do tempo. Vê se aqui claramenh

A
T
real, que primeiro se aliena e depois se separa da imagem para final- como se d á que esses sonhos, e muitas outras
mente produzir uma realidade própria. Em 1953, o mesmo movimento sujeito constitui seus símbolos, carreguem a n
é redefinido pela imagem de uma espiral que tende a aproximar assin- do analista, ou seja, a pessoa do analista tal c
toticamente dois pontos rumo ao núcleo patógeno (Lacan, 1953); real ser? (Lacan, 1953, p. 47)
se produz entre o tempo da interpretação e o tempo da transferência.
Está explicado por que o "inconsciente do eu do sujeito", o trauma e A estrutura do conceito de Real
genericamente a parte desconhecida (ignorada) do eu e de sua historia,
só lhe pode ser restituida pela fala em primeira pessoa. É o movimen-
to hegeliano de reconhecimento das ilusões formativas da consciência Frequentemente a originalidade do ensino
pela própria consciência. com a noção de Real. Apesar de ele mesmo ter d
O real é uma unidade sem identidade, ou com uma falsa identida- tribuição inédita à psicanálise é o objeto a, a not
de, que requer sua realização simbólica, no sentido da verdade como cada vez mais como um aspecto decisivo da obra
efetividade. Realizar, passar ao real, tomar efetivo aquilo que é ideal Em parte, essa pressuposição se apoia no relativo
equivale ao que Lacan chama de "completamento do imaginário" (La- origens desse conceito e na pressuposição de que
2 só aparece ao final da obra fazendo a função de
can, 1953, p. 89). Este completamento é um engano, mas um engano
inevitável, um obstáculo necessário. Por isso a análise é esta progressão de sua constru ção. Para muitos, Hegel e o surreal
I rumo ao reconhecimento do desejo expresso nessa realização, com a para trás e substituídos por formalizações logic
prescindem do conceito. Esse etapismo desenv<
I consequente separação simbólica dos suportes que o tomaram neces-
sário. O real é o tempo do conceito, por isso a psicanálise, para Lacan, é aplicado ao conjunto da obra de Lacan, deixa de
uma clínica do real, desde o seu início. Real em sua estrutura. Ele dissocia as teses dos mc
Assim como a imagem especular completa-se na transferência com ram causa, ou seja, viola a própria intuição funda:
o psicanalista, este localiza para o sujeito sua verdade fora de si, na ima- do conceito ao tempo, como vimos na génese do n

IS gem formada para o outro. Vemos aqui a génese da dialética entre saber equívoco está constantemente alimentado por um
e verdade, no interior do trabalho psicanalítico. Quando o analisante demissão sumá ria daquilo que constitui o plano ó
se aproxima rápido demais da conclusão a transferência se intensifica, do conceito de real, ou,seja, a ontologia. Neste po
surgem os fenômenos de resistência; particularmente o silêncio. Aqui o Freud e Lacan não se reduz apenas à introdução c
analista deve separar-se de sua imagem, deslocando-se para que a fala sujeito, às hipóteses sobre a linguagem ou a refon
seja retomada quer como saber, quer como verdade. ceito de objeto, mas de uma "guinada ontológica'
É essa basicamente a cr ítica de Lacan à Freud na condução do caso sua metapsicologia (Safatle, 2005, p. 319).
Dora (Lacan, 1951) e na apreciação do caso do Homem dos Lobos (La- Quando se aborda o imaginá rio temos uma g

I can, 1952). Ele teria ido rá pido demais na interpretação, deixando de


se desinstalar da imagem em que se colocava para Dora; com isso, re-
alizou para ela a realidade sabida de sua relação com o pai, em vez de
mas bem definida. Trata-se das dificuldades que Lí
a Tese de 1932, na teoria do narcisismo freudiana, i
ato psíquico, entre o autoerotismo e o amor de objí
dialetizá-la na transferência, remetendo à verdade de seu interesse pela gem do eu a uma espécie de transmissão de expect;
Sra. K. Esse movimento duplo de realização do imaginá rio e simboliza- pais, ao descrever as transformações do eu no estai
ção do real se desdobrará, ainda nos anos 1950 em uma combinatória na paixão amorosa e ao ligar tais fenômenos com
de movimentos pelos quais o real é tomado como agente (o lugar do Freud apresenta uma série de condições e evidênd;
agente), como ação (realizar) e também como resto ou resíduo do pro- nã o explica como o eu aparece (Freud, 1914, p. 65-9«
cesso. O melhor exemplo disso encontra-se na resposta de Lacan a uma corre à etologia, aos estudos de Kõhler e Koffka e p
indaga ção direta sobre o que é o Real. Em vez de uma definição, tal cologia do desenvolvimento de Henry Wallon para
como o real é o impossível, o evanescente ou o que não pode ser simbo- surge a partir de deslocamentos na relação da crian
lizado ele responde com um problema processual: Primeiro a criança, como os primatas superior
míferos, percebe a imagem de si no espelho como u
Na análise [os sonhos] servem de linguagem. Um sonho no meio ou confunde-se com a imagem em uma relação de in
!|í] 250
no fim da análise é uma parte do diálogo com o analista. Pois bem,
agente e paciente da ação, chamada de transitivisr
T

mento a criança separa-se da imagem e consegue reconhecê-la como gundo o princípio de realidade, a causalidade f
um símbolo. Ou seja, o eu é uma imagem que se realiza simbolicamen- Nesse primeiro momento não se trata em absoli
te. O simbólico é uma espécie de costura entre o real e o imaginá rio. O do imaginário, mas de introduzir na psicanálise
real está representado pelo corpo neotênico, incompleto do ponto de do sujeito, resolvendo os problemas relativos a
vista neuroanatômico, insuficiente do ponto de vista de sua potência cepção de eu em psicanálise. O imaginário é um
comunicacional e impotente diante da necessidade, que não pode ser medida em que ele permite discutir o plano ontc
atendida sem o Outro e sua oferta prestativa e antecipatória. Ou seja, as experiências de alienação, desconhecimento, il
o estádio do espelho (Lacan, 1949, p. 93-103) é uma estrutura de reco- pomórfica que o caracterizam.
nhecimento e nele se pode discernir um Real, Simbólico e Imaginário. Portanto, o simbólico propriamente dito poc
Temos então o imaginá rio como um campo, uma ordem ou um registro se na descoberta, no início dos 1950, dos trabalho
que possui uma experiência referenciada, uma narrativa que a particu- a partir da linguística de Saussure delineia o mé
lariza e um conceito freudiano que a antecede. abordagem da cultura e da sociedade em termos
Encontramos algo semelhante quando se trata do Simbólico. In- então o inconsciente pode ser introduzido no p
fluenciado pelas leituras da epistemología crítica dos anos 1930, Lacan uma vez que ele se forma a partir de um complex
abordou com certa cautela a noção freudiana de inconsciente. Ela não envolvendo operações intersubjetivas de reconhec
aparece com frequência nos primeiros anos de seu ensino. Em vez disso, temporalidade que responde a uma lógica do col
encontramos inirialmente o emprego das teorias sociais de Lévi-Bruhl não a representação mental, como plano material
e Durkheim, que depois deram origem ao programa de construção de Ora, não há nenhuma relação similar ao qi
uma lógica do coletivo, quer pela via da formalização lógica de rela ções etologia e imaginá rio e linguística e simbólico, qi
de reconhecimento (Lacan, 1945, p. 91-105), quer pela via da reflexão Isso teria levado alguns autores a pensar que si
sobre a comunidade de psicanalistas como uma comunidade de van- na obra de Lacan e que ela estaria, necessarian
guarda (Lacan, 1947, p. 106-126). Na confluência entre esses dois temas descoberta da Conceitografia da Aritmética, de Fr
está a origem da associação entre o real e a lógica social da segregação 1964-1965). Esse raciocínio ignora que o uso da n
(Lacan, 1967, p. 248-264). A tensão entre ideais sociais e sua realiza- não é uma avanço tarcjio em Lacan, mas estava p
ção individual, a exigência de pensar a vida ou a personalidade como do método estrutural, seja nos desenvolvimentos
uma biografia sem hiatos, bem como as noções de intencionalidade e Weil ao Lévi-Strauss de Estruturas Elementares do
responsabilidade pareciam contornar a densidade metapsicológica e do problema do sistema Murgin de leis de cas;
os incómodos compromissos epistemológicos do conceito freudiano de seja na f órmula canónica do mito, demonstram
inconsciente. narrativa de Édipo (Lévi-Strauss, 1951). O graf
Uma segunda tentativa de contornar o inconsciente foi procurada o semigrupo de Klein, no segundo, sã o referê n
na valorização da noção junguiana de complexo (Lacan, 1938). O com- a obra de Lacan de forma persistente e sem grar
plexo descreve certas tendências associativas que podem ser verificadas, evolução da formalização algébrica do significa
traduz certas experiências infantis, como o desmame, a intrusão decor- conjuntos, com o seu corol á rio que é a topologi
rente da chegada de irmãos, a inclusão edipiana no sistema da família, Plano Projetivo e Garrafa de Klein já se encont
a passagem da família aos sistemas simbólicos que lhe seriam homó- não é uma invenção de Lacan. Há, sem d úvida, ui
logos. Complexos traduzem também certos impulsos que Freud teria método estrutural, mas o incremento de referênci;
descrito com o conceito de pulsão, explicando assim a sua economia de muda, necessariamente, o teor das teses e a estrut
satisfa ção e prazer. Ao contrário do registro do imaginá rio que ai
Os principais textos de Lacan entre a fase psiquiátrica (1926-1932) com o problema do narcisismo, dando origem a
e o retomo a Freud (1953-1960) denunciam fortemente essa tentativa de de sujeito, ou do registro do simbólico que reabi
redesenhar os aspectos metaf ísicos que ligavam o inconsciente a uma consciente, o registro do Real jamais se confundir;
psicologia das representações mentais. Em vez de uma atemporalidade freudiana da realidade e da perda da realidade, i
do inconsciente, Lacan proporá o termo lógico (Lacan, 1945), em vez levado à aproxima ção entre o real e a angústia, e i
do associacionismo da função (Lacan, 1936), em vez da causalidade se- que o objeto no real seja o objeto a, não se trata de i

A
r
i vas sobre o real não ajuda a entender sua utilid
voltório, mas de uma mutação no conceito de Real, que ocorre por volta
de 1960 e que representa um radicalização e não um recuo com relação a sua função como conceito. Dizer, por exemple
ao hegelianismo de Lacan. Em seus últimos momentos, Lacan compa- sível, que volta sempre ao mesmo lugar, que é
i
rava seu nó borromeano do R.S.I. (sua heresia, héresie ) com o que Freud não é a realidade não traem o texto de Lacan, rr
teria chamado de realidade psíquica. Ou seja, a realidade psíquica é o de definição, meramente axiomáticas.
real, mas é também o imaginário e o simbólico. Porge (2000), por exemplo, argumenta que
1. O Real é o "ser de todos os fenômenos" (Lacan, 1953-1954), trutura, um real do sujeito e outro real do obje
"ele retorna sempre ao mesmo lugar" (Lacan, 1954-1955). nem pouco organizativo, mas apenas correspon
2. O Real é independente do eu e da consciência, "impossível de perspectivas a que todo conceito está sujeito no
ser representado". Por que tal partição seria melhor do que propõe
que há três modalidades de Real? O Real real d
3. O Real é "a garantia da Coisa" (Lacan, 1960); ele está "sepa-
Real simbólico, como consistência lógica do signil
rado do princípio do prazer por sua dessexualização" (Lacan,
ausência de sentido, como nas f órmulas lógicas
1964), mas "o sujeito está para ser reencontrado aí onde estava
tica, e o Real imaginário, a dimensão misteriosa e
o real" (Lacan, 1964, p. 47).
objeto agalma. Assim como o Real pode ser um st
4. "O pai real nada mais é do que um efeito da linguagem" (La - também como adjetivo. Logo, temos o Imaginário
can, 1969-1970, p. 120), "o significante está no simbólico a letra ocupando o lugar do real como um cenário e o Sii
está no real" (Lacan, 1968-1969). modos do que não para de não se escrever. O que
5. O Real é racional, matematizável e tratável logicamente, ele gos combinatórios que encontramos no próprio L
"só se poderia inscrever por um impasse de formalização". 1953) e do fim (Lacan, 1975, p.178-203). A estraté j
6. O "impossível é o real" (Lacan, 1970, p. 431), aquilo que "não real com conceitos freudianos como a pulsão (Va
cessa de não se escrever" (Lacan, 1973, p. 81) e o "verdadeiro (Kaufman, 1993) e objeto (Stevens, 2008), ou clin
real implica a ausência da lei" (Lacan, 1976, p. 133); o "real é trauma, alucinação ou passagem ao ato, igualmei
o impossível de formalizar da relação sexual" (Lacan, 1973, p. rigor, uma vez que apenas qualifica o já sabido rei
448-497). nem sempre elucidando sua natureza. É o que ac
7. O Real é invariante, uma coesão unitária ( Il' y a de l'Un); ele é grande potência clínica, mas de baixa densidade
representado pela "reta infinita e pelo círculo não fechado que os discursos contornam o real, o real como fogo fri
ela supõe" (Lacan, 1980), mas ele não possui "universalidade Esse é também o problema com o uso de expressõc
sem uma existência que o negue" (Lacan, 1973, p. 448-497). o real do ato, o real do nome-do- pai (Sinatra, 2007), o
O segundo nível de dificuldade concerne ac
Esse ordenamento diacrônico das incidências do termo Real per - abordagem ou de condicionalidade, que está pres
mite destacar quatro acepções de Real substancialmente diferentes. As real. É aqui que se encontrará as maiores confus
acepções (1) e (7) são proposições positivas e ontológicas. As definições como "o real só se apreende em impasse de form
(2) e (6) são definições negativas, que presumem algo que está a ser ne - uma "consistência lógica" ou que ele derroga, abol
gado, a linguagem, a representação, o simbólico ou o pensamento para quer apreensão conceituai. Ora, o problema é jusi
que o Real se tome apreensível. As formulações (3) e (5) correspondem o conceito de conceito que é requerido pelo Real. (
a abordagens linguísticas, antropológicas ou históricas do real. Para
elas, o Real aparece como uma ordem, um registro ou um efeito. Final - -
necessário para apreendê lo e a conotação de escri
emprego. Mas esse problema permanecerá insoló
mente, colocações como as do grupo (4) são de natureza metodológica, distingue o uso qualificativo do Real incidindo d
pois estabelecem condições e limites de abordagem para esse conceito. dores conceituais como o pai, a transferência, o fa
I
-
Portanto, para entender o Real torna se crucial levar em conta sua estrutura do conceito de Real.
origem e seu lugar no método lacaniano. A inflação de reflexões e ila - Nisso recai um estranho desinteresse sobre a n
ções sobre esse conceito, em grande parte se alimenta de um esqueci - tro ou dimensão que antecede e qualifica a noção de
mento de suas bases e, portanto, dos compromissos e inconveniências memos a noção de registro em seu sentido mais sin
que ela traz consigo. Por outro lado, o mero empilhamento de asserti-
algo no tempo, tal qual Freud insistia que sua metapsicologia não é
neo de memória, aquilo que usamos para reter
a imagem do bloco mágico, tomada por Freud
-
(1925, p. 239 248) para está continuamente aberta à contrariedade da
ceitos são tão somente construções auxiliares pa
relação ao pré-consciente
descrever o funcionamento da consciência em e deveriam dobrar-se tão somente a esta experií
, definível como uma mo-
e ao inconsciente. O imaginário é um registro exemplo, duração, freudianos (Freud, 1915) foram desenhados ex
dalidade de experiência no tempo, envolvendo épor
,
m é definido por uma defendermos desse tipo de pensamento ou corn
antecipação, pressa ou atraso. O simbólico tamb , o corte. Con- si mesma e imune à experiência. Quando dizem »
modalidade de registro temporal: a sincronía, a diacronia
ele faria registro? Seria
1
e Imaginá rio se definem por relações internas e
tudo, o real, caso se recuse a se inscrever, como
agora na noção de or- vel mais típico das definições metaf ísicas. Se par
ele o registro do fracasso do registro? Pensemos um elemento "externo" ao seu sistema, a Qn (qi
meros e uma característica
dem. Ela remete naturalmente à teoria dos nú
deles é sua regra de composição. Os números
naturais possuem uma, a realidade externa, as outras ciências nas quais ¡
i , os números reais o mesmo não se dá em relação a Lacan. Afinal, o <
os inteiros outra e os racionais uma terceira. Contudo números inteiros, R.S.I.? Muito se ganhou com a crítica lacaniana d
só os
j têm uma definição curiosa, pois englobam não ta, que rondava a teoria freudiana do corpo, da
, e tamb ém todos os números
< : mas os fracionários, positivos e negativos representar uma vista económico dos conceitos. Contudo, não es
j irracionais. Os números reais são números usados para
^I -
quantidade contínua. Pode se pensar um número
real como
decimal possivelmente infinita, como 3,141592... . A ção, portanto, é
uma fração
característica deste
retomando a problemas que Freud havia localize
modo mais advertido?
composi Uma solução elegante para essa objeção pod
i número é que não se pode saber sua regra de
ã de ser é opaco , cuja disposição ou siderarmos que o sistema dos registros contemj
uma ordem cujo princípio ou raz o
ternas, buracos ou ex-sistências que seriam, afina
assim à ideia de que
4
i ordem em uma reta é indeterminada. Chegamos
subverte o conceito tidade do conceito com relação a si mesmo. Nes
se o Real é uma ordem, esta seria uma ordem que agora a noção de característica sistemáticas que definem o Real, at
2í de ordem. Lembremos que o Real é sem lei. Tomemos
dimensão proveniente da geometria. O simbólico
apresenta dimensões, Lacan como:
5I ógicas, o Imaginário
zj que podem ser descritas por propriedades topol Uma dupla lógica de formação e deformação,
dimensões. Contudo, o
se confunde com o espaço euclidiano de três vel entre a materialidade do significante manife:
~j dimensão geométri-
Real não pode ser pensado exatamente como uma isolamento", em uma teoria que postula, no co
^3 3:
I
ca como os outros porque ele inclui o tempo.
Frequentemente encontramos a afirmação de que
um registro só
canálise, um irrevogável e constitutivo antagoni
fusão da necessidade com a contingência. (Eyer
* devem sempre ser
: pode ser definido em função de outro e que todos ção um pouco
o considera
pensados conjuntamente. Esta parece ser uma o real no quadro do Ou seja, o Real é uma noção forjada para de
í.:
í mais advertida quanto a importância de pensar contradição e a contradição do conceito, seja ela p»
o a condição de exclu- linguagem, da lógica ou da ontologia. Ele não é um
ui método de Lacan. Contudo, se levarmos a sério e exclusivamente
sividade contida nesta asserção, ou seja, de somente e defini-los
ou representação. Segundo este princípio, o real n
a si mesmos ção de método, um predicado apenso de outros
podermos pensar os registros como remetidos sério em
recursivamente estamos diante de um problema relativamente fechamento cir-

proposição ontológica. Por exemplo, já se observ»
termos de epistemología psicanalítica. Ainda que
esse 1 Lacan, não é nem o objeto perdido, nem o objeto i
ínio estrutural que lempo, o intervalo, a hiância entre eles (Juranville, 1
cular seja muito importante para a clínica e o racioc confundir isso
do conceito n ão se deve experiência e a experiência de sua perda.
ela exige em termos de prática
, quando se diz que
com um princípio epistemológico. Da mesma forma Isso nos permite reordenar o problema das d
exatamente isso quer
a clínica psicanalítica se orienta para o real, o que ência de sentido? A tanto as que tentam alcançar o conceito por meio d<
dizer? Para o trauma, para a angústia, para a
aus tos, quanto das estratégias que tentam relacioná-lo
o Real a uma espécie
ideia pode fazer algum sentido prático, mas reduz tos, seja por tradução ou combina ção, seja por cor
de ideia reguladora de feitio kantiano, que est
á fixa no horizonte, que Portanto, dissociar realidade e real imaginando qi
não pode ser conhecida apesar de poder ser pensada
. um pela purificação ou exclusão do outro é um séri»
lógico. Equívoco que abandona a epistemología freudiana e nos torna constelação de movimentos, para aprender a n
perigosamente indiferentes à fenomenología da experiencia. Ela se obtém ao final de um processo,
Se nos deixamos levar apenas pela topologia, produzimos um en- seu início. Enquanto conceito ele deve
ainda que
tendimento espacializado do Real, que deixa de fora o seu primeiro respond
pensamento, a linguagem e o ser. Entre
e quiçá mais importante atributo: o tempo. A lógica das contradições, pensan
siciona-se o problema da verdade. Entre pensarr
seja ela dialética ou alética, nã o existiria sem o tempo. Segundo o orde- posiciona-se a questão da existência.
A
namento de Parmenides, identidade, unidade e verdade estão reunidas gem, desde Frege (1874), reconhece essa filosofi
em logos . O ser é, e o não ser não é, porque as duas coisas não podem ser tos como Sim (sentido, sens ) e
distinçã
verdade "ao mesmo tempo". Essa ideia de um " mesmo tempo", como Bedeutung (signii
semiologia francesa (Barthes, 1985) distinguirá r
fundamento do que há, ser á recusada por Lacan, assim como o foi por guagem, como as que operam no interior do sigr
Herá clito e por Heidegger, e, principalmente, para Hegel. O erro de tais significado, e as relações da linguagem
abordagens de categorias do Real é pensa-lo com um conjunto de duas e com o mundo (significação). A com ela
ou três relações, enquanto as abordagens mais qualificadas para pen- semiótica de P»
rá relações internas aos signos das
relações e
3 sar contradições envolvem pelo menos quatro relações, por exemplo: com sua referência. Lacan não escapará de tal que
uma dupla negação determinada, uma negação (interna) da identidade suas inúmeras montagens, importando e flor
do conjunto assim formado e uma imersã o (externa ) deste conjunto no reconfig
l tempo. E esse elemento externo, que se dobra sobre o interno, é histori-
conforme seus problemas. Contudo, o seu ponto
exclusão da realidade, a derrogação da referê
I camente associado com o tempo. Se essa observa ção é correta, a origem que referência e referente são negativos.
Por
ncií
exen
do conceito de Real em Lacan não está na lógica, nem na topologia, mas é a representação de uma ausência
em uma filosofia baseada na cr ítica da identidade. Vejamos um exem- não significa
ausente. Dizer que a castração é uma perda não s
plo disso na seguinte defini o de real: "Aquilo que, para um sujeito, é
çã ção não existe. Dizer que o vazio
3 expulso da realidade pela intervenção do simbólico" (Chemama, 1995, constitui o objet
o objeto não seja Real. Dizer que a
relação sexual

I
p. 182). mulher não existe, não quer dizer que a
A definição deveria ser completada por "... e retorna" . Ou seja, o ! ou a relação sexual. Toda a questão está em mulher n
real é para um sujeito, seja ele um sujeito singular, referido à diferença do sentido que Parmênides, Platão ou diferir
absoluta de cada um, seja ele um sujeito particular, como nas estruturas Aristóteles
estratégia lacaniana para pensar o Real é que
clínicas ou ainda o sujeito universal, como o sujeito da ciência. Para
j cada sujeito, o Real é um efeito de negação da realidade e há várias mo-
dalidades particulares de exclusão na rela ção entre o real e a realidade:
do ser não equivale a uma impossibilidade imp
que este não replica uma impossibilidade
não distinguirmos entre lógica, no
a
no nfv
piar
a separação, a expulsão ( Austossung), a foraclusã o (Verwerfung), a divi-
’ ontologia e lingua

! são ( Spaltung ), a duplicação ( Entzweiung ). Temos então uma primeira


relação do sujeito ao real e depois uma segunda relação entre o real e
a realidade. Após isso, há uma terceira relação: a "intervenção do sim-
entender a estrutura do conceito de Real em Lacan
Aqui nos deparamos com outro equí
mentadores de Lacan, que é o descarte ou evitaç
voco, fre
.

raciocínio é mais ou menos o seguinte: se a


bólico". Quem fala em intervenção fala em ação e quem fala em ação lingua
inconsciente e se partimos do significante, sendo o
pressupõe um agente. Temos aqui, então, uma ação de negação, que ca- efeitos, nada há além da linguagem, nem
racteriza a estrutura do desejo, mas também a estrutura do significante, possível. Geralmente esse argumento é mesmo
ou a palavra como morte da Coisa. Essa intervenção, sobre um grupo ração de método sobre a aplicação da guarnecidc
de rela ções, deixa um resto e este resto retoma. Chegamos assim ao teoria psican
po clínico que é a experiência do
quarto tipo de relação. É o tempo de retomo, que derroga a identidade tratament
ingénuo. Ele quer indicar, ainda que de
o. O arg
entre o Real, indiscemível da realidade no primeiro tempo, e aquilo que a psicanálise não participa de uma modo um
é retornado em uma nova posição, um novo encontro, do sujeito. Pen- positivo, realista, que reduz o real à
determina da or
sar o real é contar até quatro. Esta é uma das indica ções mais preciosas realidade , e qu
empiricamente por meio de estratégias de
que Lacan faz sobre sua própria maneira de pensar. lização referidas a algum conceito, ainda represen
A estrutura do conceito de Real em Lacan requer, portanto, uma Isso geralmente serve de pretexto para queque sea
nã o er
258
T
compromissos com outra modalidade de ontologia, quiçá mais
crítica corre?sponde ao mesmo tipo de fracasso do :ser _
ou advertida de sua redução à metaf ísica. E é por esse caminho que o antes" ou que“os pássaros falantes me disseram qi
emprego da noção de Real se toma o pior tipo de metafísica, aquela minha alma para dar a luz a uma nova raça" . Todas
que se desconhece como tal, personificando conceitos, hipostasiando
a sobre o real de lalíngua e sobre o efeito de sentic
o de conceit o que se mais simples. É a incidência do Real como princ
linguagem e confundindo aleatoriamente o conceit
emprega em cada caso. temporalidade e negatividade no âmbito da fras
Desde Kant entende-se por metaf ísica esse domínio, para além da curso e até mesmo do signo.
ciência, no qual se investigam as ideias de Deus, de alma e de mundo
. Passemos, então, ao plano das relações entn
Desde o início da modernidade, e de forma mais contun dente a partir Aqui também Lacan se servirá de toda tradição
do século XVIII, essas três ideias passam por um processo gradual de mentação da lógica e da matemática, como Ca
deslocamento e substituição, que originará discursos específicos. Deus mostrar como o pensamento não precisa se subo
se torna sucedâneo da figura antropológica da alteridade. A alma se
se separar (David-Ménard, 2011). A
ontologia
objetiva em conceitos psicológicos como sujeito, ego, personalidade qual Lacan procura tomar distância, depende da
e
da realida de , seja ela a lógica da necessidade. Lembremos que na
si mesmo. O mundo se converte no problema tradfi
realidade social dos construtivistas, seja ela a realida de objetiv a, dos na, a contingência é deduzida da idade ,
necess
é o ponto que reúne lógica e ontologia: o ser
realistas. nec
que em gêneros diversos. Lacan reconheceu esse
Desde Heiddeger, entende-se por metafísica esse discurso ociden
-
çõ es, de seus predica - psicanaliticamente as categorias da lógica modal
tal que tomou o ser sinónimo de suas objetiva de uma escanção da noção da palavra
import ado o
dos, de suas modalidades de presença. Lacan parece ter necessidad
rio) como aquilo que ne (não) cesse (cessa).
,
diagnóstico de Heidegger sobre a distinção entre ontologia e metafísica O verb
que implica negação, pois só pode cessar o movir
sem, contudo, partilhar de sua terapêutica. Quando ele afirma prefe-
que já está em curso. Por meio de uma dupla ne¡
rir uma ontê-logie (Lacan, 1973) ( hontê, vergonha), trata-se justamente
. caráter quase afirmativo da necessidade: não cesse,
de uma ontologia envergonhada, não de uma ausência de ontologia
Também quando ele diz que o inconsciente não é ontol ógico , mas ético , Esperamos, assim, ter demonstrad o que a g
e pode ser apreendido em estruturas temporais, ele parece estar pres
- Real em Lacan é encial para entender a estrul
supondo em seu interlocutor um entendimento convencional de onto - mento. O Real antes de ser uma garantia recursh
da prática da psicanálise, um habeas corpus para ní
logia. Ora, a ideia de que o inconsciente é ético e produzido por uma
hiância temporal, como vimos, é a expressão mais pura da ontologia nem teóricas nem práticas, de nossa ação, baseac
rico da recusa ao sentido e da inanidade do
hegeliana. Finalmente, quando ele afirma que o gozo é a única subs
-
enter
tância ou essência que se pode admitir em psicanálise ele joga com um noção originariamente crítica, nascida em um aml
dos termos mais clássicos da metaf ísica ocidental, a ousia, para falar de
à doxa psicológica e filosófica. O Real não
deveria
sua ontologia. lificativo puro, adjetivo ou diagnóstico para o qu
ou investigar, trocando assim nossa douta ignor
Visto como a noção de real se comporta no plano de consideração
ignorância, senão desconhecimento. Por outro lad
do ser e da existência, passemos agora às relações entre ser e lingua-
compromisso, com um certo conjunto de premissa;
gem. Uma das decorrências mais interessantes dessa crítica da metafísi
-
ciplina de emprego conceituai, que envolve o temp
ca teleológica do ser é que o Real será pensado por Lacan como negação
de sentido. Para tanto, Lacan se valerá insidiosamente da tradição da causalidade que lhe concernem.
sof ística, da retórica, eventualmente dos estoicos e de todos os que pen-
saram a linguagem sem subordiná-la ao ser (Cassin, 2012). Ou seja, ele Referências
não se mostra ali onde o mundo se apresenta como coerência organiza-
da, em boa forma e segundo leis estáveis de identificação e identidade
entre o Real e o racional. Mas há muitas maneiras de negar o sentido
,e BARTHES, R. (1985). A Aventura Semiológica. São P
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mente " n ã o
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acques-Marie-Émile Lacan nasce em Paris em
Breve numa família católica tradicional. Estuda no Colé
Biografia -s conhecido pela sua ênfase em letras e matemá
Magdeleine-Marie, e um irmão mais novo, Marc-Ma
de tomará monge beneditino na Abadia de Hautecoml
Jacques depois psiquiatria, com ênfase em neurologia.
Começa sua formação clínica no hospital Sainte
Lacan Doenças Mentais e Encefalites para mulheres, dirq
de, seu futuro orientador de tese. Um ano depois tn
Especial, no serviço de Clérambault, de onde vem í
ploma de psiquiatria forense. Nessa época, vincula-:
lução Psiquiá trica" tomando-se membro de três st
Neurológica, Psiquiátrica e Clínica de Medicina Mer
Em 1932, defende sua tese sobre A Psicose Parai
com a Personalidade; traduz o texto de Freud sobre "C
róticos do Ciú me na Paranoia e na Homossexualii
análise com Rudolph Lowenstein. Terminada a tese, >

lhida entre os surrealistas do que entre os psiquiatra


sua candidatura a professor universitário (agrégation
letras e filosofia. Coloca-se contrário tanto à teoria d <
tal de Clérambault quanto à concepção de psicogên
psicanálise aparece a Lacan como uma forma de intr
ção crítica de personalidade na psiquiatria (a teoria
sismo), uma maneira de distandar-se da psicologia a
uma forma de fazer uma crítica consistente do conh<
(Salvador Dali) e de produzir uma dência do real (M
Entre 1934 e 1938, casa-se com Marie-Louise Blor
três filhos (Caroline, Thibaut, Sybille) e frequenta os c
ii à leitura de Hegel, de Kojève na Ecole Pratique des F
meado doutor de asilos (alienista), contexto no qual
Freud lhe teria confidendado, quando chegaram pan
Boston, em 1905: eles não sabem, mas lhes trazemos a pest
da Sodedade Psicanalítica de Paris (SPP) e eml936 a
versão do Estádio do Espelho como Formador da Funçãi
revela a Experiência Psicanalítica - uma reinterpretação
diana de nardsismo (publicado em 1949) -, bem comi
cí pio de Realidade, uma releitura do tratamento psica

.
experiência dialética. Em 1938, aparece o texto sobre os Complexos Familia- rios, bem como seu projeto de fazer da psicanáli
res, sob forte influência de Durkheim: as pulsões puras aparecem em estados gem habitada pelo sujeito ou de reintroduzir o Noi
de horror inseparáveis da beatitude passiva. Em 1941, divorcia-se e muda-se científica teriam tornado sua posição como analií
para o consultório na Rua Lille, número 5, onde praticará a psicanálise Ademais, boa parte de seus discípulos é convida
até o final de sua vida. 1944: convive com Sartre, Camus, Merleau Ponty, Lacan e seguir um destino incerto ou refiliar-se
Salvador Dali e Picasso, de quern se torna médico pessoal e analista de tura prática como psicanalista. A maior parte es
sua amante Dora Maar. aos 62 anos se vê obrigado a recomeçar, tendo ao
Entre 1945 e 1946, publica O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza Ante- psiquiatras como Leclaire, Melman e Safuan e un
cipada, fundamento teórico de sua prática de sessões com tempo variável , tudantes de filosofia, marcada pelo estruturalism
e Formulações sobre a Causalidade Psíquica, uma concepção crítica sobre a Em 1964, o Seminário deixa o Hospital de S
determinação da doença mental. Torna-se o chefe da comissão da Socie- seguirá fazendo apresentações de pacientes, e d
dade Psicanalítica de Paris, encarregada de estipular normas para a for- giada Escola Normal Superior. Com isso, desloa
mação de psicanalistas, rejeitando tanto a medicina, contra Sacha Nacht, debates da psicopatologia e da definição da prátic;
5< quanto a psicologia, contra Daniel Lagache, como condição formativa. de noções e a formalização de conceitos (Quatro
Em 1953, Lacan casa-se com Sylvia Maklès, com quem tem a filha Judith. da Psicanálise, Problemas Cruciais da Psicanálise, Ob
Toma-se presidente da SPP, atribuindo grande liberdade aos candida- losofia da linguagem de Frege, a lógica dos conjr
1 tos na frequência dos quatro tipos de seminá rios: comentá rios de textos superf ícies tomam-se as razões do método lacanie
I (Freud em particular), supervisões, crítica clínica e fenomenológica, além A agora chamada Escola Freudiana de Paris o
da psicanálise de crianças. Aproxima-se da antropologia estrutural de Lé- entre os intelectuais e artistas, e não apenas inte
vi-Strauss e da epistemologia histó rica de Alexander Koyrè. Isso desperta psicanalistas. Em 1967, são propostas as bases pa
indignação do grupo mais conservador, liderado pela Princesa Bonapar- tamente novo para a formação e psicanalistas. A E
2 te, e culminando na saída de Lacan, Lagache, Dolto, e Favez-Boutonier, agrupamento livre de 4+1 pessoas, seu órgão de 1
2 que fundam a Sociedade Francesa de Psicanálise. Neste mesmo ano, ini- concluem suas análises é facultado o dispositivo
cia seu seminário no Hospital de Saint-Arme, dedicando seu primeiro ano qual relatam sua experiência a dois passadores que

1 ¡S
aos Escritos Técnicos de Freud .
Entre 1953 e 1958, momento conhecido como "retomo a Freud, Lacan
publica textos sobre a dialética (diálogo com Jean Hippolite), sobre a lin-
do júri que nomeia ou não o candidato. Com isso,
cracia é mitigada por um deslocamento da autorid
les que podem falar em primeira pessoa sobre a
5 guagem (Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise, A Instância -
tomam se os porta-vozes dos problemas e efeitos
da Letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud ), sobre a estrutura da neuro-
O propostas causam resistências que d ã o origem às t
o
se (Mito Individual do Neurótico ) ou sobre psicose (De lima Questão Prelimi- do movimento lacaniano.
2 nar a Todo Tratamento Possí vel da Psicose ), sobre os registros da experiência Entre 1966 e 1969 Lacan retoma o interesse p >
u
psicanalítica ( Simbólico, o Imaginário e o Real ) e sobre a praxis da psicanálise seminários seguidos ao problema do final do tratan
{ Direção da Cura e os Princí pios de seu Poder ). A partir de seu encontro com tasma ), aos procedimentos estruturais da psicanáli
Heidegger, inicia a investigação cmzada entre a lógica do significante, a e à sua teoria dos quatro discursos { Avesso
da Psi
dialética do desejo e a constituição do sujeito. pelos acontecimentos de maio de 1968 e pela alta c
Os anos 1959-1963 caracterizam uma virada no ensino de Lacan. A atravessava seus alunos e analisantes, Lacan desenv
formula ção de uma ética para a psicanálise ( Seminário VII ) , tendo o desejo ço-social, distribuído entre os fazeres impossíveis, g
do psicanalista como conceito fundamental e o conceito de objeto a, causa desejar e analisar, cada qual conferindo uma econoi
de desejo, como grande descoberta, modificam o rumo da investigação ao Mal-Estar que caracteriza a civilização, respectiv
lacaniana. A psicanálise não apenas possui mas é em si mesma uma ética, mestre, da universidade, da histérica e do psicana ’

baseada na expansão trágica do universo da falta. O ano de 1963 marca a e público da Escola de Lacan fica atestado pelas trê
exclusão definitiva de Lacan e de Dolto dos quadros da Associação Psi- composta: a seção depsicanálise pura (formação e” ela
canalítica Internacional. Suas sessões de tempo variável, suas críticas ao ção de psicanálise aplicada (para a qual os terapeutas <

268
modelo hegemónico de transmissã o, sua política de abertura dos seminá - não médicos eram bem-vindos) è a seção de inventá
(dirigida à crítica da literatura psicanalítica e suas relações com as ciências
afiliadas). Além disso, as reformas pleiteadas pelos jovens culminaram na
abertura do primeiro departamento universitário exclusivamente psica-
nalítico, o Departamento de Psicanálise de Vincennes, fundado e dirigido
pelos alemos de Lacan.
Entre 1970 e 1975, Lacan concebe uma releitura do problema freu-
diano da feminilidade e da bissexualidade com a sua teoria da sexuação
( :Seminário XX ...mais ainda ), uma crítica do binarismo linguístico-antro-
pológico de sua primeira fase à luz do conceito de gozo, agora dividido
entre gozo f álico e gozo do Outro. De importantes consequências para
a teoria de gêneros, a sexuação é uma das partes mais complexas e dis-
cutidas da psicanálise de Lacan. Desde a publicação de seus Escritos, em
1966 - o único livro propriamente publicado por Lacan -, seu trabalho
começa a ser ainda mais reconhecido fora da França. Inicia-se um período
de tradu ções, de intervenções em televisão e rádio, além de viagens, por
exemplo, ao Japão aos Estados Unidos (onde fala em Yale, no M.I.T. e em
Baltimore).
A partir de 1975, Lacan começa uma intensa tematização da relação
entre os três registros, do Real, do Simbólico e do Imaginá rio, com au-
xílio de um ramo da topologia conhecido como teoria dos nós. Ao lado
disso, há uma espécie de retomo à literatura, por meio de James Joyce,
Marguerite Duras, com a invenção de um conjunto relativamente extenso
de neoconceitos, ou redescrições neológicas de antigas noções lacanianas:
da língua para a língua { Mangue ), da histeria para a língua (liguisteria),
do sentido para o contrassenso ( ab-sense ) e do contrassenso para a falta
de senso ( sense-blanc). O analista deve se tomar poema; e os próprios tí-
tulos dos seminários tomam-se enigmá ticos ou intraduzíveis, como, por
exemplo: L' insu que sait de l' une bévue s’aile à mourre { Seminário XXIV ) - o
insucesso do inconsciente é o amor {? ). Em 1980, em meio a lutas pelo poder
entre as diferentes gerações de sua Escola, resignado diante dos proble-
mas causados pelo seu experimento baseado no passe, e já doente, com
câncer de intestino e com algum tipo de demência neurológica, Lacan
dissolve sua Escola e funda a Escola da Causa Freudiana. Seu anúncio,
publicado no Jornal Le Monde, acrescido da nota que convidava os que
se interessassem a seguir com ele, recebeu mais de uma centena de cartas
de apoio em resposta, em menos de uma semana.
Lacan morre em 9 de setembro de 1981, depois de ter realizado seu
último seminário em Caracas, Venezuela, e tendo lá declarado: "Cabe a
vocês ser lacanianos, eu continuo a ser freudiano".

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