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LACAN ,
Christian Ingo Lenz Dunker
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COORDENAçãO
S Daniel Kupermann
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(b JZAGODONI
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^L CONSELHO EDITORIAL
<J L « Leopoldo Fulgencio ( Universidade de São Paulo )
Maíra Bonaf é Sei ( Universidade Estadual de Londrina ) Sum á rio
Jorge Luís Ferreira Abrão ( Unesp- Assis )
Isabel Cristina Gomes ( Universidade de São Paulo )
. Paulo Amarante ( Fiocruz-RJ )
o DANIEL KUPERMANN
(b Professor Doutor do Departamento de Psicologia Cl ínica do
Instituto de Psicologia da Universidade de S ão Paulo ( USP )
Introdução.
Por que Lacan ?
g
PH
e até mesmo de filosofia analítica. Tratei de levar a sério a indicação de
Lacan de que o fulcro prá tico da teoria da interpretação em psicanálise
está no livro pouco lido de Freud chamado Os Chistes e sua Relação com
^
que é a polí tica, tentei pensá-los com referência ao que se pode chamar de
lógica da interpreta ção; ou seja, seu lugar no horizonte de conclusão de
o Inconsciente. Um dia, enchi-me de coragem e já lá pelos três-quartos da uma análise, seja ele pensado pela sexuação ou pelo real.
tese apresentei-me a meu orientador com um calhama ço de textos e uma Estes estudos sobre a interpreta ção eram complementados por dois O
sob supervisão de Ian Parker e Erica Burman, em Manchester entre 2001 ços de apreensão do Real se deyama topologia e a lógica, esta intui çã o
e 2003. Seu propósito mais genérico é introduzir a noção de narrativa em é originariamente uma. reflex㣠sobre ojempo e a história nunra nm es-
3
-
, ,
quematismo classificatório
psicanálise de orienta çã o lacaniana, examinando a fundo a tese de que a
Nos capítulos inéditos sobre A Travessia da Angústia pelo Real , Simbó-
I ficante, quando e por que podemos dizer que um sujeito é capaz de criar lico e Imaginário, apresehtado no histórico evento de 2013 "Lacan na IPA"
3 e Génese e Estrutura do Conceito de Real , tento mostrar como o Real é tanto
PH
ficções? Seriam as teorias sexuais infantis, os mitos individuais dos neuró-
o impossível quanto contingente. Ele é tanto o que nos orienta na clínica 5
ticos, os romances familiares, sem falar na mitologia pessoal das pulsões
gêneros psicanalíticos de ficção? Novamente tentei reconectar Freud e La- quanto o pior. O tempo, a negatividade e linguagem são as condições O
can sem que o segundo fosse apenas a verdade "revelada" do primeiro. pelas quais Lacan efetivou à sua maneira uma ciência do Real. g
I Tentei mostrar, sem trair o método estrutural, quais seriam as condições Por que Lacan ? Porque ele nos fornece as ferramentas para nos imuni- -
J
i lógicas para que a criança pudesse entrar nos discursos. Era uma época zarmos contra a própria degradação de seu estilo, de sua teoria e de sua
em que se discutia ardorosamente o problema da entrada na linguagem clínica.
3
e suas relações com a decisão da estrutura clínica. Ou seja, se a maneira Este é urrrlivro que tenta responder a pergunta mais simples e mais
£
como a criança se apropria da linguagem é também a maneira como ela essendalVgjjue fazemos quando fazemos psicanálise t Nos vinte cinco anos
L.
DUNKER, C.I.L. O Cálculo Neurótico do Gozo.São Paulo: Escuta, 2002.
DUNKER, C.I.L. Truth structured like fiction: sexual theories of children
viewed as narrative. Journal for Lacanian Studies 2, 2:183-197, 2004a.
0 Estilo de Lacan
DUNKER, C.I.L.; ASSADI, T.C. Alienação e Separa ção nos Processos Inter-
pretativos. Psicanálise. Psyche (São Paulo), 1 v.13, p.85-100, 2004b.
DUNKER, C.I.L. O dever de dizer e o dever de calar . Stylus. Rio de Janeiro,
V 24, p. 93-102, junho 2012a.
DUNKER, C.I.L. Estrutura e Constituição da Clí nica Psicanal í tica. São Paulo:
Annablume, 2012b.
DUNKER, C.I.L. A Psicose na Criança. Sã o Paulo: Zagodoni, 2013.
DUNKER, C.I.L. Mal- Estar, Sofrimento e Sintoma. São Paulo: Boitempo, 2015.
2
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I
I Ta abertura do Escritos, o único livro propriamente publicado por La-
1\l can, encontra-se uma afirmação clássica que diz: o estilo é o hnmem .
Estilo é uma noção dif ícil de definir, apesar de sabermos empregá-la com
facilidade. Diz-se que alguém tem estilo, às vezes, como sinónimo do que
I a psicologia popular chama de personalidadept í clqsse. S ão noções que su-
gerem que alguém tem algo de muito próprio que toma esse alguéín...
alguém. Mais precisamente isso significa que podemos reconhecer esse
5
s
alguém; mas o curioso é que não sabemos, como e por que o facemos.
Quando reconhecemos um estilo, há a impressão de que existe uma es-
sência perceptível naquela pessoa, uma essência que a faz diferente, úni-
ca e idêntica a si mesma. Há outra propriedade importante da noção de
estilo. O estilo é algo que se deseja possuir ou que se deseja encontrar em
Ii alguém. Algu ém sem estilo é algu ém mmum . no sentido HP vulgar, or-
triado.
u a signos, modos
de ser, falar, vestir e consumir inautênticos. É aquela pessoa cujo estilo de
vida nos parece inautêntico ou postiço.
Ora, esta maneira de entender o que é um estilo é completamente
oposta à de Lacan. Se seguirmos a referência completa, encontramos que
a frase usada por Lacan, na contracapa de seu Escritos, vem de Buffon e
não diz apenas que "o estilo é o homem", mas que "o estilo é o homem a
guem nos dirigimos" . Por esta afirmação se depreende que meu estilo não é
urna coisa que está em mim, que eu possuo e que corresponderia à essên-
cia mais íntima de meu ser. Por exemplo, agora, enquanto escrevo, meu
estilo (se eu tivesse um) estaria em vocês não em mim. Afinal, é a vocês
que eu estou me dirigindo. É a vocês que estou me endereçando. Mas
aqui vale a pena examinar melhor este a quem nos dirigimos. O que signifi-
ca me dirigir a vocês? O leitor já deve ter tido aquela desagrad á vel sensa-
I! 16
ção de que aquele com quem falamos não está falando realmente conosco.
Pensem no telemarketing , nas secretá rias eletrónicas ou nos "costumes dis- _
o paciente chega à análise, ele fala de si, mas não fala com o analista: em
seguida ele fala com o analista, mas não fala de si:_ quando o analisante
^
cursivos" que somos obrigados a seguir em instituições, corporações ou falã dê si com o analista a análise termina.
situações mais ou menos regradas. Às vezes temos uma intuição de que As duas funções complementares do imaginário nos informam so-
a pessoa está falando com seus próprios preconceitos, com suas próprias bre o estatuto de desconhecimento de si, próprio do ego, e o estatuto de
ilusões e comete toda sorte de antecipações que pode fazer acerca do ou- conhecimento do outro, como objeto, reduzido a uma projeção duplicada
tro a quem se dirige. Na desavença cotidiana entre casais isso se revela em do próprio eu. Chamo a atenção para esta dupla de termos: mnher.imp.ntn
expressões do tipo: "parece que eu estou falando com a parede" ou por do outro comoobjeto e desconhedmento de si como sujeito. Lacan formula o
uma interminável sucessão de correções como: "você não entendeu, não conceito de imãginário_a partir de três referências principais:
foi isso que eu quis dizer". 1. Estudando ¿ paranoia Xaçan-perçebe que esta pode ser entendi-
O exame do tema do estilo nos leva, assim, a duas constata ções com- %
. da como uma espécie de roertrofiXda função do conhecimento.
plementares: N\ Q paranoico-sente-se perseguidtrcomo se fossp um objeto de rn-
%
1. nossas relações intersubjetivas comportam uma espécie de ilusão - mhecimento. Ele interessaao outro, mas nãt) sahe n que ele possui
^
U permanente de que estamos falando com um outro que pensa- para ser objeto deste interesse. O paranoico, assim como aquele
HJ mos conhecer, como conhecemos os objetos do mundo, e assim que acredita demais em seu "eu", possui atributos essenciais que
% podemos prever e intervir sobre seu funcionamento; lhe conferem um estilo, leva-se a sério demais, acredita que ele
O
2. nossas relações intersubjetivas comportam ainda uma outra é a imagem da função que exerce. Ele é capaz de punir-se para
PH
ilusão insidiosa, a saber: a de que somos os senhores de nossa satisfazer a este insondá vel desejo do Outro. Esta ideia de que a
própria fala, e que esta é apenas a expressão de nossa intencio- paranoia tpm uma vocação ao conhecimento já aparecia em Sal-
nalidade interior. vador Dali. Lacan extrapola e inverte esta tese. Não só a paranoia Q
pria fala. No fundo, Eco acaba realmente devolvendo, em escala inverti- posição de ondesè fala quando nos dirigimos a alguém. Contu-
da, o que Narciso quer dizer, mas a questão aí é: quer dizer para quem ? do, também nos alienamos quando conhecemos demais aquele
.
Há uma síntese lapidar feita por Lacan acerca do processo psicanalí- a quem nos dirigimos, tomando-o um ohjpto de conhpcimpntn
tico que envolve este tema do descompasso entre a fala e o outro. Quando A alienação traz para a teoria do imaginá rio um elemento novo
18 19
em rela ção ao puro domínio da imagem, a saber, o ideal. Um tava simplesmente estimulando-o. A teoria dos conteúdos mentais, in-
'
Ideal
resume a função da imagem prescindindo cíela . Não de- teriorizados e essencializados, caía como uma luva para exemplificar o
bemos, portanto, confundir o ideal com a imagem. O ideal g_a empreendimento imaginário de auto-objetivação. A teoria das relações
posicã oa partir da qual a imagem se fon se mantém . Com de objeto admitia nominalmente aquilo que se deveria evitar, a saber, a
isso Lacan pode postular uma dialética entre o ideal e a imagem; objetaliza ção do outro. A mestria, ao qual o analista se dedicava em sua
entre eu ideal (que é umà( únagem)"e Ideal de eu (que é uma
'
prática, era agora percebida como o exato oposto do que se deveria espe-
fun çãõ).- jO funcionamento desía dialética explicaria o progresso rar do tratamento analítico.
clã alienação. Quando me alieno em uma imagem é porque não É importante mencionar que o lacanismo não chegou a um solo
reconheço o ideal que ela veicula, e quando me alieno em um ausente de resistências a esse tipo de clínica. O que havia de mais com-
Ideal é porque desconheço a imagem que ele forma. Outra for- bativo, especialmente nas universidades, era representado pela fenome-
mula ção deste problema encontra-se nas relações entre o sujeito nología interpessoal, de tipo rogeriano, por exemplo, e pela psicologia
e seu desejo: "quando sei demais quem sou, não sei mais o que científica de contornos behavioristas. Lacan surgiu como uma teoria que
quero"; inversamente, "quando sei dentais o que quero, não sei respondia e continuava, com vantagens, os argumentos já introduzidos
mais quem sou". por essas duas vertentes. Sentia-se em Lacan um forte desejo de justifica-
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i
ção da prática clínica e de seus fundamentos, bem como um diálogo aber-
& A cr
í tica do imaginá rio to com a ciência, principalmente na sua dimensão epistemológica. Além
g disso, abria-se uma discussão direta sobre a ética da psicanálise e sobre
o problema do poder no interior do tratamento psicanalítico. O principal 2
A teoria lacaniana do imaginá rio representou uma verdadeira revo-
e efetivamente mais lido texto de Lacan sobre a clínica chama-se Direção
lu ção no circuito psicanalítico brasileiro dos anos 1980. Até então a psi-
da Cura e os Princí pios de seu Poder (1958). O próprio título desse trabalho D
canálise em vigor no país era principalmente de extração anglo-saxônica.
representava um programa de resistência à psicanálise hegemónica no
Melanie Klein e Bion, que fez diversas viagens ao Brasil durante os anos
I 1960 e 1970, eram referências importantes. O pensamento de Lacan chega
Brasil dos anos 1980. Direção da cura, não direção do paciente, princí pios de
seu poder, ou seia ^ efria rn pol í tica e não técnica. s
ao Brasil em um momento de virada político-cultural. Vivia-se os últimos 2
anos da ditadura militar e o país esboçava um processo de redemocrati- Mas há outra via pela qual Lacan se tornou palatável rapidamente no
5 Brasil. As teses sobre*o imaginário permitiam tematizar criticamente um
£ zação. A psicanálise, presente nas universidades e também nos hospitais
psiquiátricos desde a sua origem identificava-se assim com certa estratifi- aspecto importante da cultura brasileira, a saber, seu apego ao espetá culo
cação social: patriarcalista, aristocrática e conservadora. e à exibição ostensiva como práticas imanentes ao poder . Portanto, um U
nhecimento paranoico e desconhecimento sistemá tico. É da estrutura da falo passa a ser pensado como o representante da falta e-aJalta-eomcio
3 consciência umá pregnante alienação no outro que nos faz ver nele um articulador centrai do desejo.
recíproco, simétrico de mim mesmo. Ou seja, o outro imaginário nãn p Também em relação ao drama edípico a negatividade se fará presen-
verdadeiro outro, portanto,, se me dirijo a ele só posso esperar tapeacão e te. O pai não se identificará mais com o genitor, o que, como vimos, é um
trabalho do imaginá rio (sobrepor objeto e função ). Ü paí~ém ~ j55cãnálise
- J^
engano, oscilação entre paixão e agressividade, reversão perpétuaentre
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^
J amõr e ódio. A solução. pornn <T da -por LacSTTpafa este impasse não re-
/'side nem noi nb&omentn npm n í) desconhecimento, mas no reconheci-
será definido justamente como agente de certo tipo de negação, assim
a
^
i
^
mento. O estilo é o homem a quem me dirijo, porque e somente quando ao me
como á m ã e o será també m, mas em outro sentido.
Finalmente, a teoria da libido será relida sob essa ótica da negativida- D
dirigir ao outro eu o introduzo em uma dialética do reconhecimento. O de representada pelo falo. Agora, não se trata mais da relação de objeto, I
I 'põrítõ aquí ãtúralmente, é saber o que é então este ato de reconhecimen-
' to alémTndo falso reconhecimento nardsico. A distinção crucial reside
para
interno ou externo, mas da relaçã o com a falta. É importante salientar
que na esfera da mediação representada pelo desejo há uma dialética en-
hJ
i:
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no fato de que o reconhecimento verdadeiro não toma por conteúdo qual-
quer atributo, traço ou signo do outro ou do sujeito. O reconhecimento
tre simbólico e imaginário, portanto um desdobramento da negatividade
intema ao simbólico,‘em uma dialética na qual simbólico e imaginá rio
verdadeiro é uma questão de forma, é o reconhecimento das mediações se negam de forma recíproca e determinada. Um belo exemplo disso é a
que tomam possível que um se dirija ao outro. Estas mediações são de tese da disparidade entre o eu e seu desejo. Ah onde o sujeito sabe o que
diversos tipos e o conjunto delas recebeu, em Lacan, o nome de simbólico, quer, ele não sabe quem é; e ali onde ele sabe quem é, ele não sabe mais
ou de ordem simbólica. o que quer.
Num primeiro momento Lacan considerou que esta mediação pode- É o que ilustra a trajetória de Goethe no romance de formação O Mes-
ria ser o trabalho ou a luta por fazer reconhecer e por reconhecer-se nos tre Wilhelm. Trata-se da história de um jovem bem-sucedido que, tendo
Ideais do Eu. Esta media ção seria exemplificada pela passagem do sujeito um brilhante futuro à sua frente, sente-se inesperadamente vazio, apático
da família à sociedade. Logo, Lacan substitui esta ideia pela tese dtgquç o e desorientado. Após uma educação sólida que lhe faz se apropriar de seu
mediador principal a ser reconhecido ria relaçãoifitersu bjetiva é jpdesejg. lugar, social ele não consegue mais se empenhar com relação ao desejo.
O desejo é desejo de reconhecimento, é desejo de ter seu desejo reconhe- Ele sabe demais quem é, daí não sabe mais o que quer. Neste ponto, ele
cido, e por isso ele é desejo de desejo do Outro. Aqui começa a surgir um decide fantasiar-se de pobre monge e passa a morar em um vilarejo afas-
dos principais atributos do simbólico em Lacan, a saber, a negatividade. tado. Nesta condição, onde sua identidade supostamente real não pode
É pelo trabalho da negatividade que o desejo progride. A positivação do ser mais reconhecida, ele é arrebatado pela paixão por uma bela jovem.
desejo em um objeto corresponde à sua alienação nesse objeto. A paixão é tão violenta e decidida que ele está prestes a abandonar tudo
Aqui a demonstra ção de Lacan é minuciosa. Ele mostra como as es- por ela. Mas o romance se toma dif ícil porque ela não o reconhece como
truturas clínicas se definem por seu modo próprio de introduzir o traba- potencial amante. Neste ponto ele mesmo comeca a duvidar de si: se é o
lho negativo do desejo. Por exemplo, a neurose caracteriza-se por uma ne- bem-sucedido estudante ou o monge no qual se disfarça. Sabe bem o que
gação simbólica da castração, por isso ela se apresenta, clínicamente, pelo quer, mas o preço é a incerteza sobre quem ele é.
11 '
retomo no simbólico daquilo que foi negado (recalcado) no simbólico, Temos então a primeira , mediação, que é o trabalho, e á segunda me-
23
V.
diâção, que é o desejo. A terceira media ção, que representar á um verda- principalmente, realizou uma espécie de divisã o do sujeito. Este instante
deiro salto e expansã o na noçã o de simbólico, é a mediação da linguagem. de divisão, e esvaziamento do sentido inicial, será no tempo seguinte reo-
Aqui reencontramos a negatividade, mas em uma acepção mais fina. E a cupado com uma significação. Afinal, por que eu me via assim reprovado
negatividade contida na noção de significante. A forte influência do es- e por quem? A quem afinal eu estava me dirigindo? Se nã o era isso que
truturalismo de Lévy-Strauss, de Jakobson e de Saussure (nesta ordem) ele queria ouvir, o que seria então?
faz Lacan elevar a noçã o de simbólico de sua dialética com o imaginá rio Espero que o exemplo sirva para introduzir alguns elementos pró-
ao estatuto de uma ordem. Uma ordem que supera e sobredetermina os prios ao conceito de simbólico e, principalmente, como Lacan chega a este
efeitos imaginários. conceito a partir de uma reflexão crítica sobre o que é o outro. Normal-
Voltando ao nosso tema do estilo. O estilo é o homem a quem nos mente, apresenta-se este conceito de forma unificada, .mas para nossos
„
dirigimos. Retirada a projeçã o imaginá ria, pela qual o outro a quem nos
dirigimos se reduz a um objeto de nossa consciência, e restringido o pro-
cesso de identifica çã o com o desejo do outro, para quem me fa ço de ob-
jeto, seria possível, ainda sim, conceber que nos dirigimos ao outro? O
^ ^
interesses aqui quero sugerir que este conceito c Outrò um conceito
bastante heterogéneo em Lacan. Isso decorre, querocrefTde certas difi-
culdades em absorver a noção estruturalista de ordem simbólica e inte-
grá-las a uma acepção dialética do Outro.
3 Outro mesmo, o Outro real, como situá-lo? 1. Na origem, a noção de ordem simbólica contém uma premissa
Lembro-me aqui de um fragmento de minha pr ópria análise. Estava cara à racionalidade sistémica, ou seja, o sistema simbólico fun-
eu discorrendo sobre o sexo dos anjos em uma fala que me parecia de fato ciona às expensas da representa ção que os indivíduos podem
s muito vazia, mas eu a mantinha mesmo assim, pois achava que isso esta- fazer sobre ele. Isso interessou Lacan na medida em que permi-
va de acordo com o que meu analista esperava. É bem isso que se passa tia entender o inconsciente como este sistema simbólico e ainda s
no imaginário: eu falo o que suponho que meu destinatá rio quer ouvir explicar a noção freudiana de sobredeterminação psíquica. A
e recebo minha pró pria mensagem invertida, mas sem saber que ela é o noção de sistema simbólico privilegia os lugares e as posições
retomo de minha própria mpnsagerm Ocorre que dentro desse espaço que são definidos por suas relações internas e não pelos conteú- j
!5
em que eu acreditava obedecer fielmente à regra que o definia, ou seja, a
associação livre, escuto de repente um estranho ruído. Como se fosse um
"fczz", "fczz", que em português é uma interjeição para exprimir contra-
dos que ocupam estes lugares ou posições. Lacan demonstrou a
compatibilidade entre essesjugares e essas rela ções com a teoria
freudiana dóLÉdipojz da çastra çaò. Mas se este Gutro a quem
O
.
V
! O estilo no real
outro não faz estilo. Compreendemos ainda que a mera possibilidade de
se endereçar ao Outro e receber dele a própria mensagem de forma in-
s
£
£
<2
_
Neste cená rio confuso e marcado por controvérsias foi se formando
uma espécie de estratégia baseada naÇfuga para àjrenje. Já na virada do
.
vertida não faz, ou não nos d á, o estilo de como isso é feito. O estilo seria »
então um efeito não dfi identificaçã o, mas da contraidentificacão, de sepa- f I
ração em rela n à iHpntHfirarã o spja pia gjfpfiAlira mi imagin á ria .
*
J =
século começa a ganhar impulso outra categoria teórica, que será imedia-
tamente traduzida em termos clínicos, políticos e institucionais. A obra
^
Para sustentar isso, teoricamente Lacan foi levado a se perguntar pe-
las condições de possibilidade do significante. Como surge para o sujeito
S
u
o
de Lacan posterior ao período 1966-1968, data da publicação do Escritos o significante, na medida em que o significante é o que representa um
l3 e do Seminário XI , havia sido muito pouco traduzida. Havia o seminá rio sujeito para outro significante. É a teoria do traço uná rio. O tra ço é o que
O XX, mas a maior parte dos textos circulava de forma "pirata", sem grande Freud chamava de inscrição, marca psíquica de um acontecimento. Um
apoio de comentadores e o menor consenso interpretativo. Isso pode ser exemplo:
atribuído à crescente dificuldade estilística e conceituai que parece do- No livro de Daniel Defoe Robinson Crusoé, o protagonista - de mes-
minar os textos de Lacan da década de 1970. Sabia-se, sim, que nesse pe- mo nome - encontra-se perdido e solitário em uma ilha. Certo dia ele
ríodo Lacan havia reformulado sua teoria radicalizando e formalizando encontra uma pegada na areia e se pergunta: "Seria isso realmente uma
a categoria de Real. O real passava entã o a ser uma espécie de aposta da pegada? Não poderia ser apenas um efeito contingente do bater das on-
qual encontraríamos as respostas para as insuficiências teóricas deixadas das sobre a praia?" Ou seja, a pergunta de Robinson Crusoé é se há um
pelo imaginá rio e o simbólico. outro que a ele se dirige naquele sinal.
Particularmente devo dizer que discordo frontalmente desse modo Se Robinson Crusoé respondesse de modo psicótico, ele poderia ter
de apresentar as coisas. A noção de real em Lacan é primitiva, deriva de olhado para aoiialapegada e a entendido imediatamente como uma men-
sua leitura de Hegel, está presente muito antes dos anosl970, e mesmo sagem, algo assim como uma garrafa com uma mensagem dentro envia-
sua mistura com a categoria de realidade foi, em geral, pouco analisada dã~sabe-s_g lá de onda sabe-se l á por quem. Ele a tomaruTcõmo uma men-
pêlos que se engajaram nesta empreitada. De toda formaTfoi através da sagem específicamente enviada para ele, uma mensagem que poderia ser
noção de real que alguns gostariam de reencontrar o criticismo perdi- recebida como uma espécie de convite ou de ordem nos seguintes termos: 29
28
l.
"Encontre-me lá, amanhã, conforme havíamos combinado anteriormen- se passa seja realmente real. Mas, importante, o real sempre se
te". Onde é lá? Quando é amanhã? E com quem eu combinei o tal en- depreende de coordenadas simbólicas, no interior das quais ele
- -
contro? Ou seja, quero dizer com isso que na psicose há um problema na pode ser parcialmente reconhecido, logo, simbolizado. Isso leva
ter^ jquejppmitejxíconhecer a uma definição curiosa do real. Se ele é o que resta ser sim-
função do endereçamento, na fun çãojio
^
~ ^ ^
rjfj pí rnHadrTã s sn ã s mndRffigirdeení nTr-ia çã n Os shifters , como eu, tu ele
( shifters de pessoa), ontem, amanhã, daqui a pouco ( shifters de tempo) e
bolizado ou imaginarizado, ele não pode ser representado nem
fixado em uma imagem. O real é o impossível. O Real não é urna
lá, aqui, já ( shifters de lugar ), são os termos de linguagem que nos indicam categoria primitiva, pré-representacional,~ pré-linguística ou pre-
a posição do sujeito, que articulam enunciado e enunciação. Permitem, reflixiva. o Real é sémpre deduzido do simbq!icÕ~êl5õlniãgi7~
ñafio, A têõriã dõ tra ço uná rio mostra-se assim uma forma de
^
^
portanto, que exista consistentemente um Outro ao qual nos dirigimos e
de onde a ordem simbólica nos interpela. conjugar a projeção narcísica, a introjeção simbólica, com uma
a marca. Ao proceder desta maneira ele transforma o estatuto da marca \ tre séries causais simbólicas nã o contingentes. Lomo diz Tomás
da pegada, de marca ela vira um traço. É por poder ser apagável ou rasu- \ de Aquino, vou até a feira porque há uma causalidade que me
rá vel, se quisermos, que um traço é um traço. Ao ser apagada e manter-se leva até ela. A feira acontece e está lá porque há uma outra rede
mesmo assim, como uma inscrição para Crusoé, é que ela pode ser inde- J de causalidades (unindo ato e potência). Mas quando vou até a
finidamente repetida. Estou usando este exemplo de Robinson Crusoé I feira e percebo que estou sem dinheiro e nesta mesma hora en-
porque ele contém as características que Lacan atribui ao Real. I contro meu amigo que me deve algum, esta é a noção de feliz en-
(Q O Real não são os objetos, mas o tempo que demora até eme o f contro. Há também a versão do mau encontro, que é aquela que
I apresenta ao sujeito algo que lhe é insuportável. A sexualidade
“
oEjetO-apareça '
desapareça. E exatamente isso que está em
jogo em nossa passagem. O tempo entre a pegada e Sexta-Feira, 1 para Freud encontrava sempre o sujeito nesta situação. Antes da
é nesse tempo que o Real se mostra como negação. Note-se que ^ hora, depois da hora, excessiva, inconveniente,
o real não corresponde à realidade da pegada, o real aparece jus- p. Finalmente, o conceito
J de Real se mostra em nosso apólogo mui-
« tamente ali onde nos perguntamos se é possível que aquilo que to atim a ideia dê~ãtórAfrrtãljTpl6Tfieíõ do afo de apagamento
31
que a marca se toma traço e como tra ço pode sustentar o signi- gerais, além dos psiquiá tricos, mas também em escolas, empresas e no
ficante. Encontramos aqui não uma solução, senão um encami- sistema judiciá rio. Diante das contingências e variedades de problemas
nhamento para o problema da hiperdeterminação simbólica. O colocados por estas novas circunstâncias, o lacanismo se viu exposto tan-
ato é uma espécie de retomo da noção de liberdade recalcada no to a um novo movimento crítico quanto a uma nova forma de absorção
interior do sistema teórico de Lacan. A radicaliza ção, desta tese ideológica.
levará Lacan a pensar o ato sexual e verificar que ele é sempre O que teria sobrado então do estilo de Lacan?
uma impossibilidade lógica. Não o ato sexual no sentido do coi-
to, mas a plena harmonia e completamente entre os sexos. Daí
vem as conhecidas, e repetidas ad nausean, afirmações como a de
que a rela ção sexual não existe, de que a mulher não existe.
l
can, os Nomes-do-Pai. O fenômeno psiquiá trico da cria ção industrial e
midiática de novos grupos clínicos (pânicos, fobias sociais, anorexias, de-
pressõés, síndromes de Munchausen) começa a ser incorporado ao pro-
grama clínico do lacanismo. Simultaneamente, a teoria do real pareceu
compatível com um alargamento e um experimentalismo do setting clíni-
co tradicional. No Brasil isso se mostrou compatível com o crescimento
1
ser entendida como uma área perigosa, principalmente quando desligada
A extração retórica de certos procedimentos interpretativos vem a doxa (opinião) e estabelecer um conhecimento matemata, isto é, suficien-
constituindo um campo de pesquisa acerca das relações entre psicanálise temente formal para ser transmitido ou ensinado. A crítica filosófica da
e outras disciplinas, como a literatura, a poesia ou a filosofia da lingua- retórica passa pela crítica da singularização do discurso a que ela está
gem (Forrester) e até mesmo a gramática (Mahony). Este é o veio de apro- sujeita. O bom retórico deve aiustar sua fala a. seu destinatário. No limite,
ximação mais tradicional quando se pensa em estética da interpretaçã o, isso levaria à produção de um discurso que seria apropriado para um
isto é, no quadro do diálogo interdisciplinar. Não o escolhemos tanto pela único interlocutor, o que se opõe às pretensões unlversalizantes de Aris-
amplitude desta empreitada mas por partilharmos da tese de que a condi- tóteles e da filosofia em geral. Mesmo em Platão a ambiguidade com que
ção preliminar da poesia e da literatura é retóncc). se trata a palavra ( pharmakon ) expressa o perigo que a retórica representa
Retórica e filosofia
^ \\ i
para a filosofia. A palavra é pharmakon porque como meio da dialética é
_
função da cura e do conhecimento. mas como veículo da retórica, enve-
nena e mata.
Consideremos a retórica como um /modo de lidar com a palavra ori- Os perigos da retórica são claramente atestados pela tradição filosó-
ginado na MagnaCrécja do século VTajp.) De acordo com Zenão, ela se fica que procura a identidade das essências e sua tradução num discurso
definTcomolg iticia do bem dizí TT Getoricamente a retórica possui que as espelhe. A palavra singular e a verdade parcial que ela traz consi-
<
^ ^^
uma dupla vi nculaçã o: dg umJad o à mediciruy onde se manifesta como
^
go respondem, no entanto, exatamente às pretensões da psicanálise. Mais
O
^
um método de<rurcTpiIa palavra especiãtmente desenvolvido na Escola
de Epidauro. Tal método, chamado psicagogia, refere-se à condução ou
recentemente, autores como Erie Laurent, Alain Badiou e Barbara Cassin,
inspirados em Lacan, mas também nieizschianos e heideggerianos, vêm
pondo à prova os limites do discurso universalizante, abrindo espaço,
direção da alma segundo o desejo de quem fala, e se encontra na raiz da
ideia de psicoterapia. dessa maneira, para o ressurgimento da antiga questão retórica. O com-
promisso da retórica não é com a verdade, mas com a verossimilhança; o
Por outro lado, a retórica vincula-se à política e à ética, por sua pre- ~
sença no discurso sofístico. É o caso das escolas retóricas de Górgias e não é com o universal e necessário , mas com o particiiiãre õ còritmginfê. 2
Isócrates. Isto levará um comentador como Zizek (1993) a afirmar que "a retórica
representa, na filosofia, o que não pode ser pensado de outra maneira S
A retórica compunha assim o cená rio em que nascia a filosofia pla-
t senão na linguagem". Se a diálética filosófica é cooperativa e conduz à
3 tónico-aristotélica. Tal filosofia caracteriza-se pela tentativa de superação
ascese rumo à verdade, a retórica é narrativa e agonística.
£ d ÉÇcbxàf da opinião, não sujeita à demonstração, que compunha assim um
tipo menor de conhecimento, variável, relativo, não universal. A retórica X
transmissão nã o poderia ser integral Há um elemento idiossincrá tico em U
3 se vê, assim, questionada, uma vez que visa apenas constituir opiniões
sua assimilação. Esse elemento foi historicamente eliminado, transfor-
5 e não propriamente conhecimento. As primeiras reflexões sobre o que é
uma demonstração emergem no quadro simultâneo de crítica sistemática mando-se a retórica num simples conjunto de técnicas para ornamentar a
I à retórica e de solução para a crise das matemáticas pitagóricas. Procuran- fala e a escrita, estas sim de f ácil transmissão. A história da filosofia pode
:5er considerada, nesta perspectiva, como a história da exclusão da retóri-
u do sistematizar os procedimentos envolvidos nas demonstrações, e tendo
três tipos de argumen- ca pela dialética e pela axiomá tica.
em vistaa tradição aristotélica, podemosj,
r
tos: o éó )
tricc cujo figL
, ¿ rsuas ã o; o cK(alétiçei
, que tem por objetivo a *
f
O que não pode senqjerfeitamente ensinado consiste na arte de in-
¿ sistema referen- I ventar ideias e de dispô-las de modo a provocar certos efpitos, a inventio ,
prnva inHiret- a
^
; e O Odítico
ciai discursivo que vai
, ue funciona
axiomas aos
a partir
teoremas .
de um
Jl2
girão em tomo do próprio estatuto da metáfora.
Lacan argumenta, tomando partido de um modelo algébrico, que a
metáfora é irredutível à analogia. A perspectiva psicossociológica de Pe-
relman postula, ao contrário, que existe mna espécie de "contato de men-
Lacan argumenta que o que menos importa nesta metaforização do pai
é o significado dos signos envolvidos ("guardanapo", "lâmpada"). O es-
sencial é a presença da relação de substituiçã o envolvida na metáfora, que
permite nomear o pai pelo que ele não é.
tes" que asseguraria a meta da persuasão e ao mesmo tempo explicaria Contudo, esta indeterminação do significado não pode ser confun-
como a comparação, ou transporte de significação, em jogo na metáfora, dida com a abolição do plano do significado. Ela implica uma flutua çã o
extrai seus efeitos. Esse contato entre mentes se ajusta à ideia de que a me- e uma indeterminação do significado em relação ao significante. A inter-
táfora parte de um significado compartilhado e permite sua apreensão a pretação, pelo menos de acordo com a concepção em vigor à altura do
partir de quatro lugares (dois significantes e dois significados) como uma texto "Função e campo da palavra e da linguagem" (1953), visa: "jogar
analogia entre dois significados. com o poder do símbolo evocando-o de uma maneira calculada nas res-
sonâncias semânticas de sua expressão".
O subsídio teórico da concepção de metáfora ao qual se alinha o re-
tórico francês decorre de uma leitura parcial de Kant (Plebe, 1992), nota- Ora, isso nos faria procurar em Lacan uma concepção mínima do
damente da distinção entre convicção (Uberseízung) e persuasão (Uberre- significado que tome compatível a tese da primazia do significante com a
dung ). A convicção, para Kant, é o resultado de uma argumentação ob- ideia de "ressonância semântica" da interpretação. Essa concepção deve-
ria ancorar-se em alguma referência ao tempo ou à duração, se nos atemos
jetiva, enquanto a persuasão é fruto de um convencimento subjetivo. O
ao termo apeiron, antes examinado. Nossa hipótese é que tais ressonâncias
exemplo desta última modalidade é o discurso de tribunal onde muitas
(os equívocos significantes) respondem a uma racionalidade subjetiva in-
vezes a persuasão pode impor-se aos argumentos objetivos, notadamente
li confundível com a sugestão. Tal é a racionalidade retórica.
38
quando está em jogo o júri. Esta oposição é recolhida por Perelman, que 39
«I r
Interpretação e retórica vez que se caracteriza pelo processo secund ário e pelo estabelecimento
da identidade de palavra.
No entanto, mesmo este sujeito, criticado por Freud quanto a sua
Uma pergunta frequente entre os que iniciam a prática da psicanálise soberania, vem sofrendo abalos sérios no quadro da filosofia contempo-
é a seguinte: por que o estilo das interpretações de Freud não parece pro- rânea. A crítica literária, por exemplo, cada vez leva menos em conta as
duzir efeito algum na clínica contempor ânea? Se entendermos a interpre- intenções do autor na análise das determina ções de sua obra . O estrutura-
tação como revela ção de uma verdade fundada em proposições metapsi- lismo e o pós-estruturalismo francês realizaram uma espécie de cruzada
cológicas e se estas proposições são de caráter universal e atemporal, caso contra a consistência e as pretensões deste sujeito. Mesmo o pragmatismo
contrário não seriam metapsicológicas, não há como explicar seu desgas- e a filosofia analítica anglo-saxônica não cessam, ao seu modo, de celebrar
te pela passagem do tempo ou pelas variações histórico-sociológicas que o funeral do sujeito. No interior deste movimento, a própria noção de in-
esta passagem produz. terpretação, fundamento metodológico geral das ciências humanas, vê-se
Nossa hipótese é que o desgaste da retórica freudiana é diretamente revirada. Interpretar torna-se sinónimo de usar, como lembra Eco (1993).
proporcional à absorção desta retórica pela cultura. Neste ponto deve- É nesse contexto que uma afirma ção de Lacan, salientada pelo co-
mos explicitar nossa concepção de retórica como tributária de uma esté- mentá rio de Soller (1994), torna-se problemá tica. Referimo-nos ao enun-
3
tica, própria de um tipo de sociedade. Desta forma, o estudo da retórica ciado de "L'É tourdit" que diz: "a interpretação visa o apof ântico". Ora,
deve levar em conta tanto o plano ideológico quanto o linguístico (Delas apof ântico é um termo do vocabulário aristotélico que significa um enun-
I e Fillolet, 1975). Oponho-me aqui àqueles que pensam a retórica como ciado do qual se pode decidir seu valor de verdade. Fainos (radical conti-
I um inventá rio descritivo dos possíveis da linguagem ou como a chave do em "apof ântico") é um termo seriamente comprometido com a noção ã
transcendental de seu funcionamento. de olhar, que domina a concepção grega do conhecimento. Apof â ntico é
a
O estilo das interpretações freudianas se mostra hoje ineficaz unica- o que faz aparecer, o que faz mostrar ao olhar da alma as essências ou o
3
mente porque a retórica que as impregna se degradou no tempo, como
toda dimensão retórica dos discursos. A antiga tese de que o retórico deve
nous.
Levando em consideração esta afirmação e juntando-a com a equivo-
i
encontrar o estilo absolutamente particular de seu interlocutor subsume cidade da interpretação chegamos à ideia de que a interpreta ção mostra
¡
que ele se acomode às varia ções temporais que modificam este interlocu- o verdadeiro contido no equívoco. O problema, diante desta derrocada
2 tor, do início do século aos nossos dias e mesmo no interior de um percur- da interpreta ção cl ássica, é saber se é necessário e possível reunir o tema £
£
so analítico. Isto não significa que devamos abandonar o estilo freudiano da interpretação ao da verdade. O que fazer com a ideia de verdade num
S3 u
I em função da apologia do progresso e da atualidade das novas formas universo comandado pelo valor aferido pelo uso ( caso pragmatista) ou
2 retóricas, mas, pelo contrário, retornar aos fundamentos de sua retórica num mundo regido pela sobredetermina çã o estrutural? A associação en-
u tre a interpretação e o plano apof â nico, pleiteada por Lacan, é incompatí-
o se quisermos reinventar o estilo.
H Colette Soler, uma comentadora especialmente interessada no tema vel com esses dois modos de considerar a interpreta ção; assim, qual seria
da interpreta ção, partindo de "L'É tourdit" (1973), postula a presença do sua procedência?
u
equívoco de linguagem como ponto unificador da interpretação. Equí- A tradição pragmatista, em geral, e Austin em particular, mostra-
voco de diferentes incidências, quer o tomemos no nível gramático, ho- ram que o discurso apof ânico não faz sentido quando a fala de que se
mof ônico ou lógico. Lacan chega a afirmar, no "Seminário XXIII", que trata não é representacional, mas desiderativa, isto é, quando a fala faz e
a única coisa de que dispomos para enfrentar o sintoma é o equívoco. efetua e não apenas descreve ou representa. Por exemplo, num performa-
Ora, um equívoco só se constitui a partir da ruptura entre certa raciona- tivo como: "passe ao divã" não há sentido em perguntar o que ela revela
lidade intencional e algo que se impõe a ela segundo uma lógica alheia em termos de uma representação ou descrição falsa ou verdadeira de um
ao sujeito da intenção. Freud falava deste sujeito da intenção a partir da estado de coisas do mundo. É interessante como esta perspectiva se co-
ideia de desejo pré-consciente e nunca deixou de supô-lo como parte in- liga com a tradição retórica. Isocrates, no século IV a.C., já considerava o
tegrante e necessária na constituição das formações do inconsciente como discurso um tipo de a ção e não apenas um meio para referir-se a objetos
(Prates e Silva, 1973). A apreensão da interpretação como apof ântica só
o sintoma, o chiste, o lapso e o sonho. No entanto, o desejo (inconsciente)
é paradoxal numa perspectiva axiomá tica e não retórica, como propus.
não se reduz a uma intencionalidade latente, uma espécie de vontade não
A interpretação como apof ântica só pode preservar-se, a meu ver, se se
admitida. Esta só aparece como uma das partes do compromisso. Não
é exagerado dizer que este sujeito é a expressão da racionalidade, uma tratar de uma apof ântica retórica, que vise a verossimilhança e não a ver-
40 41
dade (no sentido clássico), ao preço de fazer ressuscitar o sujeito das in- a tese de Mahony, vemos que o modelo comunicacional se vê revertido
tenções. a uma situação em que o emissor coincide com o receptor e isto pela pri -
A interpretação se mede por seus efeitos, pela modificação que intro- mazia dada ao próprio movimento dos signos e à ambiguidade de sua
duz na posição do sujeito, do seu discurso ou de seu sintoma. Ela deve ser escuta. Assim, os discursos retórico, expressivo e estético se veem reuni-
surpresa, concisa e cair no tempo exato. Tais características constituem dos pela e na própria interpretação. Resta da classificação proposta por
efeitos procurados desde sempre pela retórica. No entanto, o convenci- Mahony uma distinção entre o retórico e o dialético, este último fundado
mento agonístico, antípoda da cooperação dialética, coloca problemas no referente e na verdade. Mas que referente? - o trauma, a fantasia, a
quando temos em vista o cená rio analítico. Como destituir o analista da realidade, a sexualidade? Veremos nos próximos ensaios a dificuldade
temerária sugestão, de sua intencionalidade e do potencial de convenci- em considerar a noção de referente na psicanálise.
mento agonístico com que a suposição de saber transferencial o investe? O que obtemos quando confrontamos um autor como Mahony, li-
É interessante que o tema da sugestão, originariamente vinculado à gado à tradição anglo-saxônica, com O. Mannoni, ligado à tradição fran -
fala do analista (veja-se a crítica de Freud ao mé todo catártico), tenha se cesa, parece-nos elucidativo. Mahony dilui saber em verdade ao pensar a
deslocado para a fala do analisante. Assim, é no nível da própria associa- interpretação como uma comunicação. Mannoni, pelo contr ário, ressalta
3 ção livre (que excluiria o analista) que a retórica e a persuasão vêm sendo que a interpretação reside no não saber . Num caso a legitimidade da in-
-
tratadas, especialmente na psicanálise de extração anglo saxônica. terpretação pende para o analista; no outro, para o analisante. Num caso
S Mahony (1987), por exemplo, examinando a associação livre, propõe toma-se premente uma teoria da verdade; no outro, uma teoria do sujeito.
Numa terceira perspectiva, ou seja, do ponto de vista da retórica, o tema
s que ela seja considerada a partir das oscilações entre quatro diferentes
da verdade se resolve pela verossimilhança e o tema do sujeito, pela per-
OH
tipos de discurso: o discurso retórico (ênfase no receptor ), o discurso dia-
suasão. z
lé tico (ênfase no referente), o discurso expressivo (ênfase no emissor ) e
D
o discurso esté tico (ênfase nos próprios signos). Segundo Mahony, estes O cuidado com os perigos da retórica fica patente, por exemplo, no
diferentes discursos se substituiriam ao longo do desenvolvimento da caso do "Homem dos Ratos", em que Freud exige que o paciente reco-
!í
análise, na sequência acima apresentada. Assim, o início da an á lise seria
marcado pelo predomínio do discurso retórico, por meio do qual o pa-
ciente tenta convencer o analista, e termina num momento em que predo-
nheça que chegou à ligação entre o sintoma e a sexualidade infantil por
si mesmo, não tendo sido, por assim dizer, sugestionado por Freud . Em
"Dora", o reconhecimento da ligação com o Sr. K. segue uma estratégia
I
semelhante. Nos doií casos há um inevitável efeito imaginá rio da inter-
i mina o discurso estético. Este movimento corresponderia a um atraves-
samento da transferência, uma vez que esta "implica, em alto grau, um pretação que se encontra do lado da persuasão, ou da sugestão. É nesse
u
paciente tentando persuadir uma audiência que ele mesmo criou" ( p.80). sentido que Lacan postula que a resistência é resistência do analista. A
3 Nota-se uma aproximação entre o discurso retórico e a transferência na análise caminha no sentido de uma dupla dissolu ção da perspectiva do
u
sua vertente de resistência. Quando esta audiência se desfaz, restaria uma convencimento: do lado do analista, pela elaboração do desejo de ana-
3 lista, um desejo sem sujeito, logo, sem persuasão possível; do lado do
valorização do meio pelo qual se efetuava esta pseudocomunicação - as
3 analisante, pela dissolução da alienação que o toma apto e mesmo de-
o palavras -, daí o predomínio do discurso estético. Ultrapassar as resistên-
cias significa, nesses termos, suspender a inflexão retórica do discurso. mandante de ser persuadido.
A argumentação de Mahony, apesar de descritivamente interessan- A interpretação é uma fala que escuta o dito, que faz dito sem dis-
te, incorre na ingenuidade que fixa a interpretação como um evento co- solvê-lo completamente num saber. É uma fala guiada não integralmente
municacional. Daí o emparelhamento do discurso retórico à resistência. pela intenção. A interpretação confia, assim, numa certa racionalidade do
Em função deste modelo comunicacional, a retórica será reduzida a uma discurso ou do "texto", supõe que ele possa dar suas próprias razões.
intenção persuasiva do discurso. A fragilidade da perspectiva assumida Ainda sem tocar no problema da diferença entre o escrito e o falado, dirí-
por Mahony decorre do fato de que nela a interpreta ção se transforma amos que a interpreta ção em psicanálise concorda com a teoria proposta
num ato de comunicação e não num apontar para o ruído, ou para a equi- por Eco (1993) acerca do texto, isto é, de que além da intenção do autor e
vocidade desta comunicação. da intenção do leitor existe algo como uma intenção da obra, que se move
Mannoni (1991) ao falar da perspectiva geral da interpreta ção com-
na independência do autor e do leitor. Por isso, numa análise, o dito é
para-a ao dito de Sancho Pança dirigido a D. Quixote: "Olhe Vossa Mercê soberano: uma vez realizado, deve impor-se à situação clínica a partir de
o que diz o Senhor". O grau zero da interpretação pertence à dimensão sua lógica intema.
deste dito: "Escuta bem o que disse". Se lermos a partir desta perspectiva Lacan, no pref ácio à edição alemã dos Écrits , fala da interpretação a
42 43
r
partir da Midrash. A Midrash é um método judaico de interpretação da As ressonâncias seriam absorvidas por outros pontos do discurso abrindo
Torá que se pauta exatamente por esta suposição de soberania do texto. novas séries associativas.
Detalhe sugestivo é que em raras ocasiões o rabino está autorizado a fazer Outra maneira de entender as "ressonâncias da palavra" é a que en-
interpolações no texto, uma delas, de acordo com Ischmael, é denomi- contramos num comentador como Miller (1994). Seu ponto de partida
nada de m étodo de Ceres ou método da castraçã o. Tal procedimento se não é a teoria da interpretação dada na Midrash ou na patrística, mas a
autoriza quando ou a irracionalidade do texto é patente (por contradição retórica indiana. Para tanto, Miller se apoia nos escritos de um dissidente
entre duas passagens) ou quando há uma contradição forte entre a lei do surrealismo, R. Dumal, que em 1938 publica um texto sobre a poética
escrita e a tradição oral de certa época. Uma característica comum entre indiana, onde se acentua o papel das ressonâncias da palavra. Dumal di-
o surgimento da Midrash entre os fariseus e da filosofia entre os gregos é vide os sentidos possíveis da poética indiana em três:
uma tensão, historicamente atestada, entre tradição oral e tradição escrita. 1. o sentido literal (que se obtém, por exemplo, num dicionário);
Os retóricos estão do lado da tradição oral; os filósofos da escrita . 2. o sentido figurado ou metaf órico (a conota ção);
A tensão entre fala e escrita é o que torna possível a suspeita que 3. o sentido sugerido.
recai sobre o sentido do escrito. Ela se altera historicamente porque a rede
de significação é histórica e não transcendental. Assim como o mé todo de As duás primeiras categorias mantêm uma relativa proximidade
Ceres visava conciliar esta tensão no terreno da hermenêutica judaica, em com a hermenêutica de Orígenes. No caso do sentido sugerido, explica
solo cristão isto está no núcleo da hermenêutica patrística. A estratégia Miller, trata-se de algo irredutível ao código, "... é algo que depende das
cristã para conter as variações de sentido a que um texto está sujeito foi circunstâncias. Ocorre em lugar e momento específico". No caso do senti-
basicamente a de dividi-lo em camadas de sentido e de limitar o acesso a do sugerido, ocorre o que Dumal chama de plus de sentido, um "a mais de
estas camadas segundo uma hierarquia religiosa. Assim, pode-se dividir sentido", que os indianos chamam de duhani. Esse "a mais de sentido", se l
os diferentes sentidos de um texto, segundo a hermenêutica cristã, encon- o
ele se distingue das categorias anteriores é porque não está presente em
trada em Orígenes, em: nenhum dicioná rio ou enciclopédia. À luz de nossas reflexões acerca da
• literal: o texto é soberano, logo, não contraditório e imune ao tensão entre o escrito e o falado diríamos que o duhani possui uma tempo-
tempo e à transformação da tradição na qual se inclui o leitor; ralidade diferente da do escrito. i
• psí quico ou moral: o texto é tributário de algo que lhe é exterior, A clínica mostra como o nível de interpreta ção midrá shico-estrutural
mas igualmente contraditório, dada a unidade moral ou psíqui- permite ao sujeito circular com mais desenvoltura no que em nossa me-
ca desta exterioridade. Ele resiste ao tempo porque o "Bem" re- táfora corresponde à cidade por sua histórias, as filiações que ela implica, 3
u
siste ao tempo; etc.; no entanto, este nível é insuficiente se tivermos em vista a presença
• místico ou espiritual: o texto extrai seu sentido a partir de uma > de um resíduo não completamente assimilável pela interpretação.
exterioridade, a "mente divina" que é impenetrável aos não ini- A pulsão de modo geral e o tema do gozo em Lacan são uma boa
ciados ou não partícipes de uma comunhão direta com a mente e ilustração do que seria este resíduo n ã o completamente assimilável às in-
o desejo divinos. Veja-se a teoria da ilumina çã o em Santo Agosti- terconexões da história do sujeito. E encontramos, desta forma, em tomo
nho e de modo geral a ideia de participação entre os medievais. da ideia de interpretação como "ressonância da palavra" uma vertente
teologal, midráshica e estruturalista, calcada na autoridade do texto e,
Lacan ao situar a interpreta ção ao lado da Midrash nos leva a crer por outro lado indicações de sua insuficiência: o método da Castração, o
que seu cará ter deve ser eminentemente literal. O discurso do paciente e duhani e o peso da tradição oral.
suas associa ções possuem soberania na determinação do sentido. Caberia No entanto, o pressuposto subentendido ao método teologal, confor-
ao analista reenviar os diversos fragmentos a si próprio para que a inter- me a designação de Eco (1991), é que o sujeito do texto é um sujeito sem
pretação se efetive. Contudo, isto representaria a aplicação de princípios falta, e mais, um sujeito que aplica sua intenção na criação do escrito. O
de análise de textos à análise de discursos. A primeira versão de Lacan ponto de colisão com a psicanálise é justamente a tese de que o sujeito
acerca do simbólico como uma estrutura formal de oposições e de redes em questão se dá na falta. Teorizar o estatuto do sujeito numa verten-
significantes se ajusta ao mé todo teologal que supõe o fechamento do sen- te estritamente midráshica-estruturalista toma-se impossível. Conceber
L
tido no texto. o sujeito, em psicanálise, e ao mesmo tempo uma primazia do código,
Esta seria uma maneira de entender o uso interpretativo das "resso- implica dizer que o código está em algum momento exposto a um colap-
nâncias da palavra" proposto em "Função e campo da palavra" (1953). so, a uma contradição que destrói seu próprio estatuto de código. Neste 45
f
sentido, o Outro não pode ser reduzido a uma forma de código geral de veis), isto é, o tempo, sua particularidade histórica e desejante e
onde emergem as mensagens do inconsciente. Assim, salientamos o mé- ao mesmo tempo reconhecer a pertinencia do nivel da letra.
todo de Ceres, uma vez que sua existencia mostra historicamente que de
alguma forma as remissões são insuficientes e que a identificaçã o entre Ora, esta conex ão poderia ser realizada justamente no plano retórico,
o simbólico e o puramente semiótico não nos fornece todos os subsidios desde que este se desligasse do interesse persuasivo, ou que esta inten-
necessários para pensar a interpretação. Como afirma Eco (1994): ção se substituísse por outra forma de desejo. Esta outra forma de desejo
toma-se então o centro do problema. Afirmá-lo como desejo de analista
No nivel teórico, no lacanismo, o simbólico se identifica ao semióti- parece ter sido a solução encontrada por Lacan.
co, e este ao linguístico; parece que a prá tica do lacanismo reintroduz
O tema é bastante vasto e remete a muitas outras articulações (com a
modalidades interpretativas que se estaria mais propenso a definir em
termos de modo simbólico, ( p.203)
,
ética por exemplo). No que toca o ámbito deste capítulo pensamos que é
possível falar deste desejo a partir do estilo retórico de cada analista, isto
é, da forma como incide a tentação persuasiva e de como ele se auctoriza.
De fato, a dificuldade em pensar a clínica da interpretação a partir da É neste estilo e na tática que ele implica que podemos falar da liberdade
redução do simbólico ao semiótico decorre da dificuldade de apreensão e da inventio na clínica. O analista está mais livre em sua tática, isto é, em
3
que o semiótico traz com relação ao problema do sujeito. Eco parece des- seu estilo, do que em sua estratégia e em sua política. Reencontramos
conhecer a alteração da noção de Outro que se opera na obra lacaniana
aqui a tese de Lacan.
no período posterior a 1966. De fato, o que esta filiação estruturalista, que
S procede uma diluição do simbólico ao semiótico (ao modo, por exemplo,
PH
de Lévi-Strauss), ignora é a auctoritas da interpretação. No caso do mito, Sintoma e interpretação ¡
parece pertinente ignorar a questão da autoria, mas e no caso da psicaná- D
lise? Quanto mais estrutural é uma interpretação menos autoria ela pos- Examinemos o estatuto do sintoma e suas relações com a interpre-
sui. É justamente a hipervalorização da auctoritas no âmbito da psicanáli- taçã . O que se pode chamar de sintoma analítico, o único propriamen-
o I
HJ
í te interpretá vel, não aparece imediatamente na análise. Há um sintoma, s
3 se anglo-saxônica o que Lacan parece condenar no modelo interpretativo £
t calcado na sugestão e no imaginário transferencial. enquanto forma de sofrimento subjetivo, que existe antes e fora do dis-
£
s.
A oposição entre letra e espírito, que contempla os termos da opo-
sição que estamos tratando, traduziu-se no final da Idade Média numa
positivo analítico. Chamemo-lo sintoma-letra, que demanda um sistema
referencial discursivo que o inclua e pede, de fato, uma explica ção que o
paciente não poupa esforços para obter. O discurso de mestre e o discur-
\
£
Il3
concorrência entre a autoria e a autoridade da interpretação, portanto,
uma oscilação do fundamento em quem interpreta ou no código (o que
interpreta) e sua autonomia. O problema da interpretação pode ser colo-
cado, ao final deste percurso histórico, nos seguintes termos:
so universitário são respostas a este tipo de sintoma. Entendemos aqui o
sintoma-letra como sendo pré-analítico e não como sint( h )omme.
No texto "Variantes da cura tipo" (1955), no contexto de crítica à aná-
lise orientada pelo ego do analista, Lacan valoriza um autor cujas ideias
u
se é que seria mais apropriado falar, no caso do sintoma-letra, de um tipo O sintoma-letra é um sintoma que não vacila, que se integra de tal
especial de metáfora: aquilo que os retóricos chamam de alegoria. forma ao ego que nenhuma questão dele emerge. Pensamos que isso se
A chamada "envoltura formal" do sintoma, isto é, quando a queixa ajusta à tese de Lacan de que o ego possui uma disposição intrinsecamen-
se formaliza no campo do Outro (Miller, 1989), é o exato contrário do te paranoica. Lemos esta disposição paranoica não apenas em sua hipe-
"sintoma-letra", uma vez que este é a própria formalização do campo do rinterpretação própria da alegoria, mas também nas resistências que dele
Outro, como um campo sem falta. É por não estar formalizado no campo emana a que simplesmente algo perca sentido. Um universo paranoico é
do Outro, por não possuir uma "envoltura formal" que o "sintoma-letra" essencialmente isso: um universo onde tudo possui sentido.
é de dif ícil acesso à interpretação. Um sintoma-metáfora é o único pro- Dizemos que um sintoma-letra se estrutura como uma alegoria, pois
priamente reativo à interpretação, uma vez que porta uma demanda de funciona pela assimila ção das "irracionalidades" próprias ao inconscien-
equivocidade e é também uma formação desejante. Propusemos que o te fomecendo-lhes explicações e consistência subjetiva.
sintoma-letra funcione como a estrutura do que os retóricos chamam de s- A crítica de Lacan à psicanálise do ego e também à escola inglesa
alegoria. coloca-o, em termos de história da interpreta ção, ao lado da Midrash e
A alegoria está no centro de um método de interpretação desenvolvi- contra o alegorismo. Quando um sintoma pode ser escutado apenas como
do por Filo, de Alexandria. Essencialmente, este método visava extirpar, a uma metáfora, ele se dissolve. No entanto, responder por metaforiza ção,
I partir de um saber exterior ao texto, seus elementos percebidos como irra-
cionais. Duas grandes aplica ções históricas deste método são conhecidas:
em intervenções do tipo "é como se...", nada mais faz do que alimentar
a alegoria e o excesso de sentido que lhe é próprio. A interpretação pela
ã
aos textos épicos de Homero e Hesíodo, injetando-lhes filosofia platónico- / nomeação retórica do equívoco introduz ao mesmo tempo um ganho e
aristotélica, e à cristologia, que fixou o sentido do texto bíblico, forçando / uma perda de sentido, daí a expressão "inter-perda-ção" sugerida por s
o Antigo Testamento de forma a fazê-lo confessar um tom prof ético que Lacan. Do lado da perda encontra-se a castra ção como perda de gozo; do
este não possuía. lado do ganho encontra-se o gozo f álico possível a partir da parcializa ção D
Uma alegoria é uma metáfora indutora, uma metáfora "enlouqueci- do sentido. A análise procederia, portanto, do sintoma-letra ao sintoma w
HJ
da", capaz de gerar uma série metaforizante interminável. A alegoria é o metáfora.
it que se obtém, ao nosso entender, quando se considera a metáfora como A rigor, o ganho ou a perda de sentido deriva de duas formas dife-
analogia, como quer Perelman. A alegoria parte de um signo em que seu rentes de compreender a interpretação. Isolamos estas formas em termos
S
£
significado não é indeterminado, mas determinado e unido a uma signi-
ficação atemporal.
A teoria nasal-cósmica de Fliess é um exemplo de interpretação
teóricos a partir da retórica patrística e da retórica indiana. Talvez estas
duas vertentes se aproximem da separação que Freud (1907) fazia entre
interpretação histórica e interpreta ção simbólica.
i
K
o alegórica. Fliess, que para alguns fora o analista de Freud, parte em sua A interpretação histórica é aquela que recupera o sentido de tuna
teorização de dois significados matriciais: as "substâncias" masculina e formação do inconsciente a partir de elementos ou conexões entre estes
lS feminina, a partir das quais o universo se vê alegorizado. O lugar origi- na esfera da biografia discursiva do sujeito. Mas que interpreta ção não
nário dessas duas substâncias pode ser captado numa parte do corpo: o teria isso por horizonte? Poderíamos pensar na interpretação simbólica
nariz. Desta forma, os sangramentos nasais representam a menstruação; como apoiada em algo trans-histórico, uma espécie de código transcen-
a congestão nasal, a gravidez; as duas narinas referem-se a cada um dos dental que seria o responsável por certas equivalências. Assim, Freud d á
sexos, e assim por diante. Essa associação entre a menstruação e o nariz exemplos, na Interpretação dos sonhos (1900), desse tipo de interpretaçã o
(associaçã o alegórica) será a base para a hiperinterpretação, cuja carac- ao sugerir uma ligação quase "natural" entre "pênis" e "guarda-chuva" •
terística maior é não poder ser desmentida (daí o tom delirante). Como ou entre "escadas" e "relação sexual". No entanto, esta espécie de signb
afirma André (1987): ficação universal de determinados signos ficaria completamente excluída
no quadro da teoria de Lacan. O que fazer entã o com a ideia freudiana de
De tudo o que é menstrual é periódico ele chega a "tudo o que é pe- interpretação simbólica ? Parece-nos que um hom caminho para pensá -
lar
riódico é menstrual". Atinge-se então a concepção grandiosa de um depois de Lacan, é considerá-la à luz da crítica da ideia de simbolismo
universo regulado pela menstruação (...) se o dia do parto é regulado universal. Se nãojiá simbolismo universal, trata-sede dar lugar a algo,
48
por estes períodos, o dia da morte também deve sê-lo, bem como o rit-
mo do desenvolvimento dos tecidos e das funções (inclusive da fala ), a
ocorrência de moléstias etc. (p.35)
^^
fue mesmo após ajntérpreta çãor-permã nece pai ah fiTrdestituidode
â
sénfidõTATdgiãTreudiana de "umra cIÕlõr icíA o Imutê do interpreta-
^
vel, seria contemplada se aderíssemos a este raciocínio. Voltamos então à
49
f
tese da perda de sentido como efeito da interpretação. Isto é, não só perda associação livre que lhe segue traduz a história das conjugações que d ão
e substituição de um sentido por outro, mas abertura ao que permane- ao significante sua feição singular.
ce por dizer. Exemplifiquemos isto num fragmento clínico analisado por A ideia de etimologias retóricas foi localizada por Plebe (1992) em
Freud (1927). O Glanz auf die Nase, brilho do nariz que regia as escolhas certos procedimentos heideggerianos. Trata-se de traduzir, notadamente
amorosas do paciente de Freud, resolve-se pela nomeação do equívoco do grego, certos termos impregnando-os de uma significação que origi-
Glanz (brilho em alemão) - Glance (olhar em inglês). Não há propriamente nalmente estes não poderiam ter. É o caso do dito de Anaximandro, em
uma explicação ou demonstração, como exigiria Aristóteles, mas Bindung , que Heidegger introduz termos como "cura existencial" ou "estada na
ligação entre os elementos do equívoco. O equívoco, ao ser nomeado, se- terra", que são estranhos ao mundo grego e ao seu universo de discurso.
para o gozo do olhar da significa ção ligada ao brilho. A significação de Trata-se de manipulação, justificada pelo conceito de Unterschiebung
"brilho" integra-se à história do sujeito cuja língua materna era o inglês. (troca). Em outras palavras, atribuição ilegítima de uma ideia ou propósito.
No entanto, não se reduz a esta na medida em que evoca um elemento Mais importante que a fidelidade ao texto é a "tendência efetiva da proble-
pulsional (o olhar erotizado) que, enquanto tal, resiste à plena inscrição mática" ( Die sachliche Tendenz der Problematic ). A questão orienta e legitima
na linguagem. Pensamos que a "exegese" do sentido de Glanz correspon- a troca ou "forçagem" do sentido. Os jogos de palavras, trocadilhos e de-
3< de a uma espécie de etimologia retórica. O limite desta etimologia é o mais distorções, que num primeiro momento caracterizavam e até popula-
elemento pulsional e seu correlato subjetivo. rizaram o lacanismo no Brasil, correspondem ao que a retórica chama de
Tomemos o caso da interpretação histórica: qual poderia ser sua li- dissociação semântica, da qual a Unterschiebung é uma variante.
l gação com a retórica? Atentemos para a dimensão significante desta his- Se o problema da interpretação pode ser resumido a como encontrar
° tória e ao fato de que a interpretação deva captar o ponto de encontro o termo significativo do discurso, como afirma o texto da "Função e cam- 5
entre a diacronia e a sincronía, isto é, o cruzamento da simultaneidade po da palavra" (Lacan, 1987, p.242) ou o ponto em que o sujeito chega ao
da ressonância e da sucessão de significações. Uma forma de pensar es- limite do que o momento permite a seu discurso efetuar a palavra, como D
tes processos em termos retóricos seria pensar de um lado na etimologia
(como sucessão de significados historicamente variá veis); e de outro, em
se d á no texto "Instância da letra" (Idem, p. 358), podemos supor que a j
í localiza ção da questão do sujeito precede a etimologia retórica e que esta
algo que refletisse o paradoxo de um sujeito causado pela concorrência de
uma definição provisória do significado como a fixação temporal de um bre o sintoma. No segundo caso, o sujeito se localiza no ponto de torção
significante. A historia das conjuga ções do significante possui autonomia ou corte da banda de Moebius, o que permite defini-la como uma super-
e primazia em relaçã o à história das conjuga ções do significado, como f ície sem avesso e sem direito ou onde o avesso e o direito se intercomu-
mostrou Lacan; entretanto, quanto à tá tica da interpreta ção, trata-se de nicam. Tanto com relação ao sujeito como resíduo da metáfora quanto
encontrar o momento em que as duas temporalidades se cruzam. como lugar de torção, o estatuto do sujeito é equivalente ao do paradoxo.
O que a interpretação alegórica visa contornar é justamente esta tem- Isto é, efeito-sujeito se associa à ruptura da significação aparentemente
poralidade: suas pretensões são sempre as de fixar um código semântico totalizável. Por outro lado, o efeito-sujeito remete ao "a mais de sentido"
atemporal. No caso da interpretação psicanalítica, a atenção ao tempo da da retórica indiana.
interpretação e o momento de sua entrada são cruciais, justamente por- O problema representado pelo conceito de sujeito pode ser breve-
que o que a comanda não é a atemporalidade. Quando o instante de uma mente resumido da seguinte forma: se pensamos o sujeito como um lugar
intervenção é perdido, é possível confiar, pela equivalência entre discurso interno à estrutura, no sentido de um sujeito inconsciente, ele responderia
e estrutura, na repetição da questão. Porém, nesta repetição será proposto ao quesito freudiano da sobredetermina ção; isso, porém, comprometeria
novamente um instante temporal para a interpreta ção. o projeto clínico da psicanálise, uma vez que não faria sentido, nesses
Em "Função e campo da palavra...", Lacan fala da interpretação como termos, falar em alteração da posição do sujeito em rela ção ao sintoma ou
uma forma de reviravolta formal do discurso; ele se refere a tomar: em relação ao Outro. Pensá-lo assim é teoricamente sustentável, mas ope-
raciónalmente problemá tico. Instalado em seu lugar estrutural, o sujeito
I • uma história cotidiana por um apólogo;
se fixa, se imuniza a qualquer altera çã o.
I • uma larga prosopopeia por uma interjeição direta; Por outro lado, afirmar como uma exterioridade em rela ção à estru-
• um simples lapso por uma declaração completa;
- tura, um sujeito desde o inconsciente, é retomar ao velho problema do
I
• o suspiro de um silêncio por um desenvolvimento lírico (Lacan, %
fantasma na máquina, uma vez que não se poderia precisar sua liga ção Q
1987, p.342).
com a estrutura. Se ele é um efeito da estrutura, onde se poderia conceber
tal efeito? Em algo fora da estrutura? Fora da linguagem? Se optarmos I
!
5
Em todos os casos a reviravolta traduz a ruptura da temporalidade
da significa ção. Em todos os casos ou se trata de dizer mais com menos
palavras ou de dizer menos com mais palavras. Esta espécie de dinâmica
pela primeira leitura, localizaremos o sujeito no simbólico, se optarmos
pela segunda, ele está no real. Estamos mais propensos a admitir uma
I
I£ temporal das significações constituiu desde sempreoobjeto da retórica
Para os retóricos gregos tratava-se de encontrar o instante em
,
solução que se aproxime da segunda alternativa. Já que este não é o tema
imediato deste artigo, retenhamos apenas que nas duas alternativas o su< £
que a palavra extraía o máximo de efeito. Q kayrós pertence a uma tempo- jeito se manifesta como um paradoxo. Sua ligação com a estrutura é, por| u
%
o
O
ralidade que não é nem a da sucessão nem a da simultaneidade, mas a do
acontecimento. A busca desse acontecimento de linguagem é o que per-
témpcr(qtieTrã<rpõssu ^ ^
umTadÕTtnTgbística íInref êitõ eTingíããgemJ Tpõr utroTTocilízãdálno
^ ^^ ^
Põ porttcráe-vista estrutural o lempo érrtmTntnfTlp Tãrã rlnvnt; paradn-
J
pelo mértõsmo sentido linguístico)
^
w
U
meia a tática de interpreta ção. Nesta, estão envolvidos, portanto, a disso-
cia çã o semântica, a etimologia retórica e o tempo. Essas três dimensões
,
o sintoma após a interpretação, isto é, uma questão e não apenas saber so-
a conclusão do ensinamento e o pagamento são simultaneamente nega-
f
dos e afirmados. Se Tísias pagasse pelo ensinamento recebido, ele negaria cia do agente da resistência: ego, id, superego. A análise se transforma
tê-lo concluído. No entanto, a única forma de concluí-lo é provar que ele então no problema da solução das resistências, o que permanece como
não deve ser pago. Trata-se de um paradoxo semântico porque sua chave problema clínico crucial, especialmente no cená rio pós-freudiano.
é a significação que faz do retórico "aquele capaz de persuadir o outro". O conceito de resistência se dilui e toma-se perigosamente próximo
A figura retórica que resume a ideia de paradoxo semântico é o oxí- do tema da conversão (no sentido de persuasão ou doutrinamento). Ele
moro. Chama-se oxímoro uma oposição entre um termo e a qualificação pode nos colocar, em termos da recepção da interpretação, numa situação
¡I que lhe é dada, ou entre duas qualidades atribuídas a um mesmo termo, do tipo: cara, eu ganho; coroa, você perde. O que legitimaria a validade
ou entre a simultânea negação e asserção de um mesmo fato ou conceito da interpreta ção seria uma "inquestionável" capacidade do analista de
(Plebe, 1992). O tó oxí moron do grego refere-se literalmente ao "aguda- perceber a realidade tal qual ela é, limpa e expurgada das ilusões e deva-
mente louco". O oxímoro é a essência da contradição semântica, cujas neios neuróticos.
variantes são o paradoxo (no sentido de figura retórica) e a antítese. Ele Ora, pensar que a validade da interpretação se dá pela verdade que
é a realização semântica da coincidência entre os opostos, que a dialética ela expressa sobre a realidade psíquica é situar o problema absolutamente
realiza no nível conceituai, a simultânea negação e afirmação. fora do âmbito retórico da verossimilhança, é confundir, desprevenida-
3 Um aspecto do caso do "Homem dos Ratos" se presta à demonstra- mente, retórica e filosofia. Por outro lado, é fazer pender excessivamente
ção de como o efeito da interpretação é tributá rio da figura do oxímoro. a legitimidade para o lado do analista. Ao conduzir o problema desta
I Trata-se de uma f órmula protetora à qual o paciente recorria para livrar- forma, pretende-se extrair da psicanálise uma teoria do conhecimento.
se de certos pensamentos libidinosos que lhe ocorriam em relação a deter- Gellner (1985) apontou que esta teoria nada mais é do que uma forma
S
minada dama. Para impedir-se de pensá-los, ele proferia para si mesmo a de realismo ingénuo e incondicional. Simanke (1994), trabalhando sobre
3
palavra glejisamen, neologismo que construíra da seguinte forma: outro ponto de vista (o tema das psicoses), mostrou que tal realismo, mes-
mo que assimilado à posição epistemológica de Freud, merece um refina- D
"gl" - glucklich (feliz) mento de que a teoria da resistência não nos provê, ao reunir a realidade s
2 psíquica à totalidade do mundo subjetivo. O caminho tomado por Lacan 2
3
"e"
é outro e pode ser resumido em dois pontos: s2
t "j" - jetzt und immer (agora e para sempre)
1. a resistência é efeito da intromissão imaginária que tende a in-
5 "is"
cluir o analista como um objeto (i(a)), recíproco e simétrico ao
2
ss=
S. "amen" - amen (que assim seja)
analisante. Analisar a resistência seria, portanto, escutar a emer-
l3 sempre, amém". É nesse ponto que a interpretação proposta por Freud o paciente não acede à palavra é porque o lugar ocupado pelo
subverte o sentido da frase ao escutar em glejisamen a termina ção samen, analista veda, obtura a possibilidade do dito.
literalmente "sêmen". A f órmula protetora reunia justamente o que visa-
va evitar: a união de Gisela e sêmen pelo ato masturbatorio. Se examinar-
Pensamos que uma parte das resistências do analista se refere ao
mos agora o estatuto retórico da f órmula protetora, podemos afirmar que modo como este faz introduzir a vertente retórica de suas intervenções.
ele passa de uma antítese a um oxímoro. A interpretação muda o estatuto As próprias metáforas que cercam o termo como: "vencer a resistência",
retórico do termo: a Unterschiebung da significação obedece e é extraída "a luta contra a resistência" etc. expressam o tom agonístico, ó
da problemática sexual, a partir da qual emergira.
pr prio da
retórica. Se assumirmos esta perspectiva, devemos estar aptos a respon-
O que aconteceria se o Homem dos Ratos recusasse esse transporte da der não apenas porque o âmbito da resistência implica retórica ou esti-
significação? Isso não seria surpreendente, uma vez que Freud desenvol- l ística do analista, mas também como a concepção não retórica extrai sua
ve extensas reflexões para explicar esse fenômeno: a resistência. Durante eficácia.
boa parte da trajetória clínico-teórica de Freud o tema da resistência ocu- De fato, a perspectiva que pretende passar da ilusão à realidade a
pou um lugar de destaque. Vencer as resistências seria uma das maiores partir da translucidez do analista não deixa ela própria de ser uma estra-
J1 dificuldades técnicas de uma análise. À medida que este ponto ganha em tégia retórica. A nosso ver, esta estratégia é sofrível, pois se apoia num
importância, multiplicam-se no texto freudiano os lugares de proveniên- único tipo de argumento: o argumento de autoridade. Esse argumento
M r 55
consciente o la razón desde Freud" (1957); "A direção da cura e os principios
não pode ser absolutamente descartado e há situações extremas onde ele
de seu poder" (1958); "La metáfora del sujeito" (1961). In: Escritos . México:
parece ser o único recurso possível. Fundar, contudo, toda a questão a
Siglo XXI, 1987.
partir daí é descartar de vez a racionalidade e nos entregarmos à Uberlis-
tung (sugestão), confundindo psicanálise com psicoterapia. "L'Étourdit". Scilicet , n.4. Paris: Seuil, 1973.
Outro problema grave que daí surge é a preservação da ideia que as-
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, B. Vocabul ário de Psicanálise. São Paulo: Mar-
simila o dispositivo analítico a uma situa ção em que se trata de convencer
tins Fontes, 1986.
alguém de algo. A retórica na psicanálise encontra-se ao lado da convic-
çã o e da emergência da certeza que caracteriza o momento de concluir e MAHONY, P. O Lugar do Tratamento Psicanalítico na História do Discurso.
não ao lado da crença numa certa explicação sobre o inconsciente e suas In: Psicanálise e Discurso. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
consequências. Desta forma, se uma interpretação não vigora como tal, no
MANNONI, O. O Divã de Procusto. In: McDOUGALL, J. (org.). O Divã de
efeito que a caracteriza, é porque de fato ela não é uma interpretação.
Procusto. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
Concluindo, o reconhecimento de certas dificuldades derivadas do
modo estrutural de conceber a interpreta ção levara-nos a pleitear um uso MILLER, J. A. La Envoltura Formal del Sintoma. Buenos Aires: Manantial,
5 alternativo da retórica. A possibilidade de discutir temas clínicos como 1989.
o sintoma, a resistência e a interpreta ção à luz desta proposta não nos . Seminário sobre a Interpretação: Buenos Aires: E = UWK, 1994.
li privou de estabelecer um diálogo com a metapsicologia. Entendemos que
se trata de uma aproximação preliminar e que depende de um esclareci- PETERS, F. E. Termos Filosóficos Gregos - Um Léxico Histórico. Lisboa: Ca-
i: mento de suas implicações éticas, bem como da elucidação da questão da louste Goulbekian, 1990. s
verdade em psicanálise para que em seu conjunto a proposta se sustente. PLEBE, A. Breve História da Retórica Antiga. São Paulo: EPU/EDUSP, 1978. Q
Na obra de Lacan, os temas da ética, da transferência e da angústia discursivo da psicanálise concorre e se alia a outros. Nosso interesse pa-
formam um feixe de reflexões que se concentra entre 1959 e 1964. Este norâ mico é mais um convite à avalia ção das categorias propostas e dos
período contém ainda um tema subsidiá rio recorrente: o desejo do analis- termos nelas incluídos do que a exaustão do assunto, o que transcenderia
ta. A preocupação teórica que se desenvolve em tomo destes temas visa os limites deste trabalho. Neste sentido, podemos isolar cinco concepções (
constituir a psicanálise para além de uma terapêutica, além de respon- fundamentais sobre a ética no pensamento contemporâneo:
der à dif ícil situação do quadro institucional relativa ao problema da for- 1. dTma ética Uvada a uma práxis negãtmã?como se pode extrair do
mação de analistas. As indicações de Lacan procuram sempre destacar a - pensamento da Escola de Frankfurt e de seus continuadores, mas
psicanálise de uma visã o de mundo (como, aliás, já o fizera Freud ), mas que também transparece no cultivo sartreano das aporias éticas
igualmente se nota um certo desconforto em acomod á-la como uma va- e no pensamento de Cioran e Rosset. Conciliar raz ão subjetiva e
riante das ciências aplicadas, como a medicina. A solução que se insinua razãq_gbietiva ou se transforma no e:
é postular que a psicanálise não apenas possua uma ética, mas seja uma níi conduz à admissão de um insolúvel. Para esta perspectiva,
ética, uma ética cujo campo é a linguagem. Uma ética do bem dizer, como trata-se de criticar qualquer ideal de totálizacão ou universaliza-
se formula no Seminário VII . ção harmonizante pelo exame dos seus nú cleos de equivalência:
5 É próprio de nosso século traduzir as questões clássicas da filosofia o capital, a lógica formal e o inconscienteTcTsofrimento indivi-
IJ
% em termos da âncora metaf ísica que nos domina, qual seja, a linguagem. dual é considerado à luz da ligação intrínseca entre cultura e bar-
Assim, os antigos problemas éticos que giravam em tomo da forma como bá rie. Pôr em ato, teoricamente (a práxis negativa, por exemplo),
ã ou experimentar essa contradição (a náusea, por exemplo) são os
realizamos nossas escolhas e as orientamos a partir da distância entre o
s que é e o que deveria ser ou entre o que ocorre e o que gostaríamos que horizontes possíveis. A atividade interpretativa preserva o nú-
ocorresse se transformam à luz da consideração de que o ato humano por cleo duro do objeto como perspectiva. Interpretar se assimila à ã .
excelência é o ato na linguagem ou com a linguagem. noção de crítica, como tal, seu objetivo é a contínua desobstrução Q
Um linguista como Mainguenau (1990) observou que os contextos das categorias reificantes. No entanto, o sentido desta atividade
HJ
tem seu fim em si mesmo; ela é o espa ço que resta à liberdade
i
<
discursivos são figuras notadamente éticas. Recuperando o uso do termos
ethos (comportamento, há bito), esse autor mostrou como em Aristóteles num mundo comandado pela técnica e pela escolha forçada. A
ó
z
í
£
(retórica) ethos se refere à inspiração fundamental de um discurso. Aris-
tóteles fala em três ethos : o da sofrosine (sabedoria), o da aretê (virtude) e sivamente teorético. ___
crítica imediata a esta perspectiva passa pelo seu cará ter exces-
3 o da enoia (sedução). Cada ethos discursivo traria consigo uma forma de 2. grrixêréticãTigada a uma práxis pñsitwfc. como se apresenta no dis- £
CJ
encarar as relações com o outro, um estilo e uma teoria de como devemos curso marxiniano de interlocução psicológica, que vai de Reich
agir e considerar nossas ações. Participar de um ethos discursivo é par- e Politzer a Marcuse. Essa perspectiva assume o compromisso
o
tilhar uma forma de vida e as suposições e obrigações que ela implica. direto como a ideia de “ transforma ção social" conectando o so-
s Processos fundamentais da cultura contempor ânea como a propaganda, frimento individual às contradições orgânicas da sociedade. Sua
S a assimila ção de tecnologia, a religiosidade e mesmo a forma de conside- proposta, de índole modernista, aposta no ideal de totalização
u
rar o sofrimento psíquico se traduzem em geral pela concorrência de di- como solução efetiva para a contradição entre o público (Estado)
versos ethos discursivos. Estabelecer os termos em que uma questão será e o privado (sociedade civil). O horizonte possível passa pela
discutida é, em geral, vencer a discussão. Estabelecer o ethos da questão crítica da ideologia, encarada como desmascaramento, e o acesso
é incluí-la na forma de linguagem em que a questão será tratada. Se todo à consciência exemplar, motor da transformação desejada. Nela
problema encerra sua própria solução, o que toma possível a emergência a interpretação se organiza a partir de categorias consideradas
de uma rede de problemas não é outra coisa que não o ethos discursivo. como determinantes do momento de contradição de um proces-
A nosso ver, Lacan participa deste movimento propondo a tradu ção so. Interpretar é conduzir os signos desta contradição à sua ex-
de uma questão clássica: Como agir? Como julgar nossas ações? em termos plicitação e resolução. Está em jogo uma perspectiva objetivante
equivalentes a: Como agir na linguagem dada a hipótese do inconsciente? ou onde a interpretaçã o pode ser avahada como verdadeira ou falsa
Como julgar nossos atos linguí sticos na situação de análise? Comparemos, a partir de seu cará ter crítico ou ideológico. A interpretação visa
portanto, as principais posições contemporâneas quanto à forma de tra- não apenas desobstruir as categorias reificantes e alienantes, mas
dução da ética em termos de linguagem com o objetivo de mostrar o ní- atingir o próprio núcleo da realidade histórica. A crítica de praxe
vel distintivo em que se encontra a psicanálise e em que medida o ethos se dirige a seu excessivo economicismo.
60 61
r
SpiTéficg transcende al-univjezsaUàtai talvez a mais(pelo
clássica das -
verdade da interpretação. Interpretar é deixar se falar por certo
3.
^que aqui
transce ndenta l
^
apresentamos , pois remonta a Platão aspecto
) e a Aristóteles ( pelo caráter universal
de que o acesso a um
da razão
ambiente de linguagem e eventualmente produzir eventos, efei-
tos, agenciamentos semióticos cuja medida é estética. A cr ítica
imediata à esta vertente se remete ao "despotismo" ou à tirania
humana). Seu postulado fundamental é que ela sutilmente introduz.
ação "virtuosa".
determinado saber se liga logicamente a uma questão é uma
.
É a ética moderna por excelência O sujeito
em 5. Uma ética pragmática: que se poderia associar aos projetos de Ha-
ência da consciência bermas e Rorty, mas também aos herdeiros do segundo Witt-
entidade epistêmico-transcendental, ess genstein, como Davidson. Seu postulado geral é a primazia do
- falta deste saber ou
autónoma. O sofrimento toma se então a
sua aparição. A so- contrato imanente à situação de comunicação. A linguagem é
falta das condições de possibilidade para
da conduta ética. questão de convenção, de contrato, portanto. O sujeito em jogo
lução passa pela injeção deste saber produtor
ógico ao psicana- é o sujeito dos interesses, orientado pela economia do prazer e
De Piaget a Skinner, do discurso psicopedag da utilidade. A sociedade do Bem-Estar é seu corolário funda-
lismo (eventualmente combinados), de
Bordieu à empreitada
écie de herdeira mental. Sua apreensão da linguagem, em geral, combina a fe-
neopragmática de Apel, essa vertente é uma esp
e desenvolvimen- nomenología com a tradição analítica (especialmente Searle e a
otimista do ideário das iluministas. Progresso
3 a autonomia da ra- teoria dos atos de fala ). Ricoeur, nesse sentido é um exemplo
3 to dominam a perspectiva que visa garantir
a explicar, isto é, paradigmático. Seu encaminhamento ético busca as condições
zão. Interpretar, para esta vertente, é reduzido
i a interpretação de possibilidade de um debate viável e "razoável", o que não
remeter um fenômeno à sua causalidade. Aqui ,
busca não apenas um sentido, mas o sentido
-, isto é a adequação quer dizer "racional". O relativismo constitui-se, portanto, como 3
i ou correspondência representacional entre
o intelecto e a coisa. uma espécie de condição da ética pragmática. O sofrimento é ê
o ideal de unificação entendido aqui ou como exclusão do ambiente discursivo, o Le
A verdade da interpretação traz consigo
e a coincidência do bensWelt, ou como efeito da falta de entendimento e compreen- j
entre o aspecto lógico, relativo à conexidade são intersubjetivos. Interpretar aqui é fundamentalmente fazer
ontológico,
pensamento ou do juízo consigo mesmo e o aspecto
Ii como ele é, na héte- construir runa nova forma de vida, um novo jogo de linguagem
relativo à fenomenalização do mundo tal
o busca se sustentar, Este fazer interpretativo desqualifica a possibilidade de critérios
ronomia que lhe é própria. A interpretaçã
-
lógico, metaf ísico ou mesmo teológico. A
seu intelectualismo.
crítica que
de tipo bio-
portanto, em categorias trans históricas e positivas se coloca é
transcendentais de verdade. Tais critérios são substituídos pela
convenção e pela força e "felicidade" do ato de falar (para usar
um termo de Austin) ou pelo contexto em que uma redescrição
j
;rnu< e se poderia associar aos pós-niet- se realiza. Desta forma, criam-se comunidades de falantes ao
4. qual cabe legitimar os jogos de fala possíveis. Há, portanto, uma
a Derrida e uma
zschianos e pós-heideggerianos de Foucault autoregulação da interpretação no interior dessa comunidade,
", Deleuze, Guatarri,
parte do discurso da "Pós-Modemidade
! .
mas também Gadamer Tem como projeto
f ísicas objetivistas, subjetívlstãs, humanistas
Tíualmplantação nas formas de uso e
apreens
a crítica das meta-
, etc., a partir de
ão da linguagem.
estetização da ética
regras para a conduta hermenêutica, que são definidas por uma
concorrência de descrições. A premissa comunicativa se vê pre-
servada e como tal o ideal de entendimento intersubjetivo. A crí-
tica imediata a esta perspectiva se refere à ingenuidade com que
Herdeira do romantismo, nela se nota uma considera a figura do interlocutor.
: sujeito/objeto,
como forma de superar as dicotomias clássicas
, etc. Sua gestação se dá
capital/trabalho, significante/significado . O sofrimento
no interior da chamada perspectiva pós-modema stia gerada
Do ponto de vista epistemológico, a discussão com as posições acima
e da ang ú representadas possui sua própria história. Pretendemos examinar aqui a
ganha aqui o aspecto do aprisionamento -
as falocentris
(o situação do ponto de vista da ética, e de suas consequências para a inter-
pela sedimentação de certas práticas discursiv
pela valorização pretação.
mo, por exemplo). O horizonte possível passa
do fundo ambiente da linguagem, pela inven
ção de novos "jogos Façamos um esclarecimento. A hipótese que perpassa esta introdu-
de fala". Interpretar é dar prosseguimento
ao discurso, remetêdq - ção é que quando a psicanálise justifica sua prá tica a partir e no interior de
.
à sua teia de intêrtextualidades Não há
um objeto intensional uma certa concepção de linguagem esta justificativa não implica apenas
os critérios de a escolha da mais adequada versão sobre o que seja "a linguagem". A
compartilhado capaz de exteriormente legitimar 63
62
^^
.
escolha não é meramente epistemológica. Quando o linguista ou o filó- forma paradoxal como não seu, como estrangeiro a si mesmo. A hipótese
sofo procuram entender a linguagem, sua posição diante do problema do inconsciente pressupõe, no nível ético, um modo de nos
relacionar-
visa alcançar um modelo geral ou particular para o funcionamento desta. mos com nossas próprias sombras, com o que rejeitamos e configuramos
O problema é equivalente, por exemplo, a determinar se as órbitas dos como fundamentalmente dejeto não incluído. Interpretar, neste sentido, é
planetas são elípticas ou circulares. No caso da psicanálise, a discussão radicalizar a relação ética do homem com sua palavra e com um aspecto
sobre a linguagem está impregnada pela dimensão ética. Isto porque a
clínica, seu interrogante fundamental, é um espaço onde não apenas cabe
_subversivo desta: o desejo. Interpretar é reconhecer este deseio, bem dizê
lo sem no, entanto, todo dizê-lo. O termo "bem" expn
-
saber como os acontecimentos se dão (no caso acontecimentos de fala), supõe por um lado o campo ético: por outro, uma forma á
j subentendida
mas como eles deveriam se dar ou o que nos é possível esperar a partir da de dizê-lo mal É o que ocorre, notadamente, no sofrimento psí
^ , quico ge-
concepção de linguagem utilizada. rado pelo sintoma pela inibição e pela angústia. Um autor como Badiou
Em que medida a psicanálise, e mais precisamente o pensamento de (1994), no quadro de reflexão, que busca uma nova teoria do sujeito,
che-
Lacan, responde e argumenta com as posições apresentadas tendo em vis- ga a postular que uma ética do mal seria justamente uma ética do todo
ta a referência tomada em relação à linguagem? Em que termos se pode dizer, uma ética que nao admitisse e reconhecesse o estatuto próprio e
falar de uma ética própria à experiência analítica? Esta perspectiva teria irredutível do dejeto e do excluído.
3
como horizonte a inclusã o do inconsciente e do desejo como seus prin- EnquantoTlSrprojeto atentrTà s vjrissihides d » falante singularizado
cípios fundamentais. A sublimação, por um lado, e a invenção de uma a ética da psicanálise t íh-uriiversalisíà e <à nh-normativa/A verdade
I
I "nova" relação com a fala, por outro, são duas vertentes localizáveis. Seu
modo de considerar o sujeito pensa-o como duplamente dividido: entre
^ ^
interpreta ção se mostracoffiD êfStoda inadeqtraçãtTentre o sujeito e o
"
' jg
o falar e o dizer e entre o prazer e o gozo. O sofrimento decorre direta- terminado estado de coisas subjetivo (no mundo interior por exemplodeyg )e j z
mente desta divisão, não sendo, portanto, integralmente eliminável. Sua mats uma experiencia, um encontro com o dizer.
/
estratégia é reduzir o a-mais de sofrimento produzido, especialmente nos Procurando as raízes díética discursiva em Lacan, não podemos dei-
|
I
modos neurótico e psicótico de relação com o inconsciente. Encontramos xar de assinalar as ligações que este autor mantém com o Surrealismo
.
por trás desta ética, que se pretende trágica, a promessa de um novo tipo Tanto do ponto de vista biográfico (Raudinesco, 1992, 1994) quanto do
de laço social, de uma nova "erótica" e uma nova forma de relação com ponto de vista teórico ( Das Concepções Paranoicas do Estilo, 1933), a presen
-
i
a lei. A crítica que a ela se pode endereçar diz respeito ao seu caráter re-
lativista-particularizador que torna incomensuráveis, por exemplo, ética
(privada) e política (pública). Até o momento suas pretensões se referem
às de uma ética regional. Interpretar, nesta perspectiva, justifica-se a par-
tir de uma categoria problemática: o inconsciente. Certamente, as cinco
ça do Surrealismo é atestaba. A ideia de que o conhecimento possui uma
dimensão paranoica, que se preserva ainda à altura do Seminário I (1953),
provavelmente remonta a uma sugestão de Salvador Dali. No entanto,
mais do que intuições promissoras, o que o Surrealismo fornece
desligamento entre ética e moral capaz de organizar a ação discursiva
é um
J
! dimensões precedentes poderiam absorver este conceito à sua maneira,
'
-
transformando o, respectivamente, em :
1. determinação e num determinante da cultura
2. categoria histórico-antropológica
i
descolando-a da antiga questão sobre os valores e sua fundamentação.
O hiato entre o que se é e o que se deveria ser é preenchido pelo re
conhecimento do absurdo dos termos em que se coloca a questão. O Sur
realismo, de acordo com a interpretação sugerida por Figueiredo (1991)
-
-
3. ente metaf ísico-ontológico e uma estética eticisfarpropõe além de uma nova con reprâ n HP arte uma
4. categoria estética espécie de estilo de vida. Segundo uma das numerosas definições forne-
5. condição de possibilidade do consenso social cidas por Breton (1985), o Surrealismo é: "um automatismo psíquico que
A especificidade da interpretação psicanalítica decorre portanto, da moral." Trata-se de uma forma de antídoto para os problemas da vida -
so
forma de absor ção do conceito de inconsciente. Apesar das versões exa- cial e moral. Isto combina com a associação com o partido comunista
por
mmadas constituírem ao seu modo uma ética ligada à forma de conceber parte de vários dos integrantes do movimento, como Aragon, Prevet, .
etc
crde estar na linguagem, nenhuma delas pensa o estatuto do inconsciente O surrealismo contém uma pesquisa sobre um certo formato do di
álogo.
como ele mesmo de ordem ética. É o caso da psicanálise. Isto significa Um diálogo que dispensaria os interlocutores da polidez e escrupulosi-
dizer que estamos às voltas com a responsbilidade possível que um de- dade reflexiva. O bom diálogo é aquele em que se fala o que se quer, e
terminado sujeito poderia manter com relação a algo que lhe aparece de -
escuta se o que não se quer; ao contrário dos diálogos tradicionais em que ;
64
9
( i
firmar contratos. Todos estes ideais seriam tributários de uma certa cultura da culpa
se fala para dar e receber prazer ou informação ou para e são exteriores e anteriores à psicanálise. Todos eles se sustentam numa
da não disciplina
É como se estivéssemos às voltas com uma disciplina
perspectiva aristotélico kantiana, onde o fundamento ético remonta a um
verbal. Bern Supremo e à conduta adequada; e conforme a este ou acrescentemos
a associação
Breton logo percebeu as semelhanças de tal diálogo com ao reconhecimento do Mal Supremo (Hobbes) e à conduta adequada e
com Freud e
livre e com a experiência analítica em geral. Procura contatos conforme para evitá-lo. O problema maior para pensar a ética da psica-
época esboça
Jung, mas os encontros não são frutíferos. Lacan, que nessa nálise nesses termos é que as ideias de princípio do prazer por um lado e
á à s voltas com algo
sua aproximação com o hegelianismo de Kojéve, est princípio de realidade por outro são inconciliáveis com o universalismo
capaz depro-
muito parecido, uma forma de diálogo e um tipo de fala implícito na noção de Bern supremo, tendo em vista textos como Mal-
o dos sintomas
duzir efeitos de transformação tanto ao nível da remoçã Estar na Civilização, Por que a Guerra?, O Futuro de uma Ilusão, nos quais
a moralidade privada (Moralitat)
quanto de reunir em termos hegelianos transparece o pessimismo freudiano ante a possibilidade de resolução
tempo uni-
e a ética pública ( Sittlichkeit). A linguagem, por ser ao mesmo desta oposição. Ora, bem antes da psicanálise o utilitarismo de Bentham
versal (língua) e particular (fala), oferece-se como o campo privilegiado, e a teoria política de Maquiavel já haviam percebido o tom artificial dos
do coletivo
-; para realizar tal empreendimento. O esboço de uma lógica ideais agregadores e a ingenuidade que implicam o trato da coisa ética.
sobre o
l tal qual aparece no texto sobre o tempo lógico (1945) e no ensaio
mito individual do neurótico (1953), não deixa de ter como
horizonte a Lacan salientará, em resposta à dialética do prazer-realidade, o papel
Jj da pulsão de morte, destacando-se assim da posição utilitarista. Além dos
invenção de um ethos discursivo.
l No Seminário Vil o projeto de uma ética da psicanálise muda
de con- objetos parciais da satisfação pulsional e da sua eventual indisponibilida-
de, o problema é que a ação não pode ser avaliada em termos de um puro
I tornos. Uma ética puramente discursiva teria de incorporar
uma parte
ção: a teoria cálculo de custos e benef ícios, porque nem sempre o prazer se reduz ao
__ _
\z
da teoria freudiana por natureza mais refratária à esta absor benef ício e os custos à realidade. A crítica de Lacan ao utilitarismo é que tf jD
da satisfa çã o pulsional em
das pulsões. Como introduzir as vicissitudes
m
j relação a uma ética sem ao mesmo tempo perder
sexualidade? Como posteriormente alertará Foucault
o car á
(
ter
1985
subversivo
), muitas '
da
ve -
este desconhece a distin ção entre prazer, satisfação e gozo. Nem sempre o
que nos dá prazer nos traz satisfação e vice-versa. assim como nem sem- ^ j g
H : "
n ã o é jpre a dor nos traz insatisfaçãoeclesprazer.
2: zes falar sobre a sexualidade, libertá-la dos seus meandros privados
mais aprisionante . A tese de Lacan é que para além da dialética entre princípio do pra-
mais que submetê-la a um novo jugo discursivo tão ou
i
2j pulsões não se refere zer e princípio da realidade haveria o fundo que a toma possível, este
S i De fato, o modelo ético suposto a partir da teoria das
fundo é designado pela Coisa ( Das Ding ) . A Coisa se define em vários
^ à dicotomia ocultamente revelação.
ética sentidos: como o Outro absoluto, como o fora do significado e como_ o_
3z : z
Seria maisapropriado falar numa espécie de ética parasita, uma núcleo mesmo da repetição (Wiederzufinden). Trata-se de uma unidade ve-
ticas discursivas,
cujo fundamento é mostrar as fraquezas dos ideais das é
Jo|
i
cimcorrentes em termos da forma como devemos lidar com
a sexualida-
'
lada e pertencente ao regime do Real. É justamente a Coisa o que traduz
o Bem Supremo na psicanálise. A Coisa é a Mãe, o Objeto perdido e na
sexualidade singularizada . No
de Não há discurso autorizado sobre a
Sfj
o: ^
entanto, para que isto seja possível é necessário antes singularizar a
Semin
sexu
ário
- condição de perdido, a partir do qual se tecerá uma rede significante de
ocultamente. A Coisa figura, assim, como uma espécie de negatividade
alidade, historicizando-a, por exemplo. É nesse sentido que
o
os ideais fundamental que o prazer e a realidade virão a encocobrir. O que o fantas-
sobre a ética se abre com uma investida furiosa de Lacan contra ma na neurose realiza é a ocupação deste vazio com um objeto, o objeto a
os pilares da é tica da psica-
adaptacionistas dizendo o que não comporia tomado em sua identificação narcísica ao eu.
nálise, a saber:
Esta separação entre o objeto e a Coisa de fato imuniza Lacan contra
• a resignação diante da perda ou da falta do objeto (nos
termos
o argumento utilitarista, contudo, traz consigo um outro decalcamento.
de uma ética estoica) Esta separação se aproxima do que Kant propunha na Crí tica da Razão
é de
• a perspectiva do amor concluído (como postulam as ticas Prática em termos de uma separação entre o wohl (bem, no sentido do
extração romântica) que nos trazem os objetos fenoménicos de usofruto) e o Gute (Bem, no
ética
• o ideal de não dependência e autonomia (como quer a sentido de um imperativo transcendental de preservação da razão e do
transcendental-universalista de inspiração liberal ) dever (sollen, que ele implica). O perigo da posição tomada por Lacan
• o ideal do caráter adequado (como pretende uma ética disci- aqui é que ela aproxima o Gute da Coisa e o wohl do objeto a . A diferença
plinar) residiria unicamente no fato de que no caso de Kant estamos diante de j. 67
r
lização da libido. Contudo, libido não sexual simplesmente não é libido,
que no caso de Lacan se trataria de
uma positividade formal; enquanto , seria entre uma teologia positiva ou então estaríamos diante de uma contradição bastante séria em termos
uma negatividade. A diferença, a rigor trata simplesmente de negati- teóricos. Uma solução seria pleitear que a dessexualização da libido seria
, não se
e uma. teologia negativa. Portanto
var o !Bem e mostrar a pervers ão , constit utivado objeto substitutivo, mas uma passagem desta ao domínio da pulsão de morte, isto é, à condição da
relação entre objeto (prazer) e Coisa energia própria a esta pulsão: a separação ou fragmentação. Isto se choca-
de pensar justamente uma ética da ria frontalmente com as indicações iniciais da sublimação como ligada aos
ao fragmento de otimismo da teoria
!
o dos
é a transferência. Esse contexto é organizado para além do serviç
utiliza ção ser entendida como uma significação repetidora deste sofrer. Ocorre que
bens e da regra tácita que ele impõe em termos da forma de
o e seus nestes termos a repetição não é propriamente a repetição de um aconte-
da linguagem, isto é: falar é dar e receber prazer ou informaçã
da comunica çã o. No entanto , se o cimento, mas a repetição de uma interpretação. É, portanto, em relação a
equivalentes a partir da maximizaçã o
uma interpretação recorrente que se articulam transferência e sofrimento
contexto fixar o campo da ética da psicaná lise , é preciso especificar em
ultrapassar uma psíquico. Sabe-se que é no momento em que esta interpreta ção vacila que
que termos a interpretação a ele se vincula se quisermos em geral se procura uma análise e se a inicia pelo pedido de uma nova
definição meramente negativa da ética da psicanálise.
interpretação; é o que Lacan chama de suposição de saber inerente e cons-
titutiva do contexto transferencial.
Acontecimento e contexto Uma primeira forma de considerar a transferência como contexto é
atentar para seu poder antecipatório. Todo contexto engendra uma ante-
O contexto transferencial é a condição da interpretação. Tal afirma- cipação e, portanto, uma sugestão. A forma narrativa do suspense e do
ção parece ser consenso na bibliografia analítica sobre o assunto. Os pro- romance na literatura e no cinema são exemplos de como se pode ma-
e
blemas começam quando se quer precisar os conceitos de transferência nipular esta antecipa ção de forma a obter certos efeitos precisos como a
de interpretação. Com o intuito de simplificar o tratamento do problema surpresa ou a decepção. Um comentador como Juranville (1987) chega a
70
ético envolvido na interpretação, gostaríamos de introduzir duas noções 71 |
r
notar que o que caracteriza o inconsciente é justamente um conjunto de relevantes. Uma vasta tradição psicanalítica se
orienta pela ideia de que
fenômenos e efeitos não antecipáveis. De fato, a vertente de antecipação a transferência é algo a ser interpretado
e que todas as falas do paciente,
da transferência é a vertente imaginária. A génese do conceito de imagi- por estarem endereçadas de alguma forma ao analista,
possuem sua sig-
nário em Lacan mostra como este surge da leitura de certas pesquisas da nificação pré-fixada pelo tipo de transferência
em andamento.
etologia alemã e da psicologia de Wallon, que permitem destacar o valor Assim, um incidente cotidiano infeliz se transforma
numa declaração
de certas imagens-traço na produção do comportamento. A constituição -
de ódio ao analista. Interpreta se, por
exemplo, que na verdade ele gos-
do ego é postulada por Lacan como a antecipação de uma unidade cor- taria de dizer isso, mas as vicissitudes do
inconsciente não o. permitiram.
poral a partir da imagem do semelhante. A mesma antecipação marcar á A crítica que Lacan desenvolve a essa tradiçã ,
o principalmente inglesa
a atividade da consciência como unificadora do signo, isto é, da relação e americana de psicanálise, tem como eixo
uma estrita separação entre
entre o significante e o significado. As éticas que procuram a consistência acontecimento e contexto no trato da questão transferencial
e de um de
subjetiva (como a transcendental-universalista e a de práxis positiva) se- seus temas subsidiários mais discutidos: a resist
ência. O contexto trans-
riam, portanto, éticas da antecipação, pois entendem a linguagem como ferência!é o que autoriza a interpretação, mas
esta recai sempre sobre o
~| um meio de antecipar, de forma coletivamente concordante, as relações acontecimento, daí a máxima enfatizada por
comentadores como Miller
2I -
entre significante e significado. No entanto, a eficácia, inclusive explicati (1985) de que se trata de interpretação na
transferência e não da transfe-
J j va, da primazia do contexto se vê contestada quando o que está em ques- rência. O segundo atributo da interpreta ,
ção portanto, é a sua atençã o ao
tão é o não antecipável. acontecimento significante, isto é, sua dimensão
1 O primeiro atributo que se pode esperar da interpretação, tendo em Tal acontecimento é justamente o ponto de
propriamente simbólica.
subversão de um contexto e
I vista o poder antecipatório do contexto, é justamente que ela não se con - sua abertura a um novo horizonte de significaçõ
es onde se modifica inclu-
forme a atualizar as possibilidades pré-fixadas por este. Os três exemplos sive a posição interpretante. 3
i z
*\ tratados por Lacan no seminário sobre a ética falam justamente de três Por exemplo, Freud, no contexto da interpretaçã
- o do sonho de Dora jD
situações onde a antecipação, isto é, a introdu ção de um saber antecipató com a caixinha de joias, intervém da seguinte
rio, ganha uma dimensão sintomática: a morte, o amor e a criação.Trata - forma:
j
se de realizar uma travessia ou um atravessamento do contexto transfe - "Quiçá você não saiba
que "caixinha de joias" é uma designação profe
-
rencial e não apenas de se acomodar a ele e aos possíveis que ele gera a rida para o mesmo que você aludiu, não faz
muito tempo, com a bolsi-
-, j cada momento. nha de mão: os geftitais femininos."
2
« ; Por exemplo, pensemos naquele paciente altamente psicologizado e Ao que Dora responde: "Sabia que você diria isso.
" 5
“i que inicia sua fala remetendo se ao seu "complexo de Édipo", à sua "de-
- Ao que Freud retruca: "Quer dizer que você sabia... 3
« i presão orgânica" etc. Esta fala antecipa um contexto imaginário que se sonho se toma mais claro." (p.63)
Agora o sentido do
o; propõe a ser compartilhado com o analista. Nesses termos, o manejo da
o .; transferência poderia apontar para a incompreensão dos termos utiliza- Podemos pensar que a interpretação está do lado
dos. Uma recusa à inclusão no contexto da tradução pro-
posta por Freud: caixinha de joias = genitais
u
A segunda forma de entender transferência como contexto é no-
femeninos. No entanto, a res-
posta de Dora acusa que esta equivalência é
tar que um contexto, a rigor, não é interpretável. Isto se dá uma vez completamente antecipável
no contexto transferencial. Como tal, seu
efeito é mínimo. No entanto, a
que quando interpretamos um contexto elei se torna um acontecimento
'
L
configuração de forma resumida. Mãe e filha terpretação ao tempo da significação do sujeito. Este ponto é justamente o
: Isto está sujo! As duas empregadas
(as irmãs Papin) matam
e apontam 77
76
V
Dora, por exemplo, 1. a arte: que fixa uma organização estética que envolve o vazio a
lugar onde se torna possível a interpretação. No caso
interpretações, partir da beleza de suas imediações;
Freud se acomoda à posição paterna, que é de onde suas
o ao Sr. K., ex- 2. a religião: que procura evitar e desmentir o próprio vazio, ne-
no sentido de fazer reconhecer em Dora o desejo em relaçã
traem seus efeitos. No entanto, é por garantir demais tal contexto
e atem- -
gando lhe existência;
poralidade que ele traz consigo, que ele deixa de fazer entrar na
análise o 3. a ciência: que procura ocupar este vazio com o saber.
ção da
desejo de Dora em relação a Sra. K. Este desejo é o ponto de nega
da transfer ên- A psicanálise seria uma quarta forma de lidar com o acontecimento
posição que Freud ocupa e fornece o acesso a outra vers ã o
ao e com a negatividade que ele implica. A única a reconhecer nesta nega-
cia. Neste ponto, seria necessário que o desejo de analisar impusesse
se ,
5
o qual ele parece sempre insuficientemente capaz de absorv
contextualizá-lo com o uso da linguagem. A angústia talvez seja a melhor
-
ê lo ou de de um saber transcendental-universalisante, do qual ele se faz funcioná-
rio, diríamos que se trata de tradução do acontecimento. Estaríamos dian-
=
5
j .
forma de falar deste acontecimento em estado puro.
Isto que pede significantização ou que do Real padece do significan-
simbólico
te da tradução de um contexto atual, intencional e de temá tica variada,
fornecido pela associação livre, para um outro contexto, infantil, sexual e
te, expõe a psicanálise aos riscos da teologia negativa e ao modo desejante. Contudo, uma tradução de contexto a contexto perde de vista
0
ts i , é, a prolifera çã o indefinida de a dimensão do acontecimento. Podemos argumentar que contra a tese da
gj (Eco, 1991) que a esta pode se conjugar isto
uj uma nova significação que estará sempre mais além da esperada . Eco , de- traduçã o pesa o fato de que ela aposta na ideia de que a solução do sofri-
fine modo simbólico como uma forma interpretativa onde: os í
" s mbolos mento psíquico é uma questão de acesso ao saber, quando justamente é
( semeia) o excesso de saber o que o caracteriza, especialmente no caso do sintoma
não podem ser completamente interpretados nem como signos
nem como alegoria. São símbolos autênticos porque são plurí
vocos, car- e da inibição.
regados de alusões, inexauríveis".(p. 219). Neste sentido, o Real
enquanto O saber infantil, desejante e sexual, poderia assim realizar uma es-
de se incluir completamente no pécie de contexto definitivo capaz de absorver a totalidade dos aconte-
negatividade de sentido ou o impossível
campo da significação não deve confundir-se com o inef á vel. O centro cimentos. À ética pragmá tica podemos dirigir o mesmo argumento, pro-
e nas
da ética não está nessa negatividade, mas no que lhe dá contorno duzir uma descrição eficaz, consensualmente estabelecida e socialmente
encontra o
fornas de abord á-lo. Isto que Lacan chamou de Real, onde se aprovada do acontecimento não é mais do que introduzir um contexto de
campo da Coisa, do trauma, do estranho (unheimlich), responde por uma saber capaz de amparar o sujeito contra o acontecimento.
parte significativa do que diz respeito à ética da psicanálise.
Lacan fala A dimensão ética da interpretação não se d á pelo saber que ela
em três formas de dar contorno a esta negatividade produzida pelo puro eventualmente produz, mas pelo encontro que ela provoca. Encontro
78
acontecimento: que se pode localizar na reviravolta introduzida pelo acontecimento em
wm
I
temporalidade infinita do con- que uma análise começa (como o mostra o materna da transferência); no
relação ao contexto. Pela substituição da entanto, o que caracteriza esta inclusão como uma análise é justamente o
texto, pela efemeridade do acontecimento -
. Pode se dizer que a ética da
aspecto problemá tico com que se realiza.
ória do contexto, reduzir
psicanálise visa reduzir a velocidade antecipat ele se toma previsível Supomos que a angústia revela a primazia do acontecimento e que
a previsibilidade do outro. Se é como objeto
que
causa da questã o e do desejo que o sintoma aponta para a primazia do contexto. Nossa hipótese quanto à
e gozável, é como Coisa que ele se faz inibição é que ela faz opor, e não contradizer, acontecimento e contexto.
ela implica. Uma inibição como a que faz deter a histérica diante do olhar do outro ou
como a fixação de
Um sintoma, neste sentido, pode ser entendido da criança diante da escolarização pode ser entendida como uma forma
vel pulsional e de um possível
um certo possível desejante, de outro possí de garantir um acontecimento. A fobia, quadro clínico bastante associado
que encontramos em
identificatório. Isto se liga às formas fundamentais à inibição, caracteriza-se por um desejo prevenido. Um desejo constituído
isso entre desejo
Freud quanto a sua definição; isto é, como um comprom e como a rea- na estrita separação entre acontecimento e contexto. É por isso que o obje-
e defesa, como a regressão a um ponto de fixa
ção pulsional
ao objeto . Um sintoma é sempre a to f óbico parece imune às variações contextuais. Entre a posição subjetiva i
lizaçã o de uma identificação narc ísica
áveis nestes termos. É por e o contexto se interpõe um eu reduzido à condição de objeto. O corpo
-l;
.
fixação de um contexto cujas arestas são delimit
_ aptidão contextuai que o sintoma é sempre
sua
coletiviza
ligada
dor. Ele é o ethos
. Ao contrá rio
como objeto e não como Coisa é o que falta ao Outro para constituí-lo
como um contexto fechado. A interpretação entra neste ponto como uma
discursivo ao qual a vida de um sujeito se encontra
j i
do fantasma que se caracteriza sempre pelo solipsism
o silencioso -
, o sinto separação entre o acontecimento como uma redução ao corpo e o aconte -
I ma coordena a abordagem e a relação com outros
ethos discursivos. cimento como um fato puramente significante.
que atendemos Um ajuste de contas ético entre a condição do sofrimento e o estatuto
l É o que pudemos presenciar com relação a um caso
durante o estágio de um curso de psicologia
que padecia há mais de trinta anos de uma dor
. Tratava - se de uma seríhora
de dente inexplicável
,
. dente que doía havia
da interpretação que lhe é endereçada suporá, em todos os casos, inibição,
sintoma ou angústia a invenção de um novo contexto e a valorização da
irredutibilidade do acontecimento a este contexto. É só no intervalo desta
1l
„; do ponto de vista odontológico e neurológico O , separação que se poderá prosseguir a dialética de que se trata manter. Isto „
ção quando a paciente ;
í | sido extraído na ocasião de sua primeira menstrua parte do corpo, um significa reconhecer o mal-estar na linguagem como a condição básica da
tinha treze anos. Na verdade, a dor se referia a uma
^ :
dente, que simplesmente não existia mais. Ele n
ão podia doer simples - ética psicanalítica.
<
3 por isso vinha diante de
5 ; mente porque não estava lá. Mas doía, e movida a crer numa conversão. I
um psicólogo a exigir uma solução. Tudo levava Referências 5
mais do que uma for-
No entanto, esse sintoma rapidamente se mostrou
j ma de padecimento a ser erradicada pelo exercício
de um saber.
Esta paciente fazia a totalidade de suas relaçõ girar ,
es em tomo desse ARENT, H. A Condição Humana. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
l deste tema vinculava-
. contexto sintomático. Abordava pessoas a partir ção por insti- BRETON, A. Manifestos do Surrealismo. São Paulo: Brasiliense,1985.
se a uma religião em função dele, mantinha uma peregrina
H
o:
ógica onde a falta de CALLIGARIS, C. Introdução a uma Clí nica Diferencial das Psicoses. 2.ed. São
tuições médicas, odontológicas e finalmente psicol
saber sobre a causa desse sofrimento era um verdadeir
o estilo de sociali- Paulo: Zagodoni, 2013.
fundame ntal para
zação. Tratava-se de um ethos discursivo, um pretexto ECO, U. Semiótica e Filosofia da Linguagem.São Paulo: Ática, 1991.
falar e uma rede de interpretações para assuntos
dos mais variados, como
. Um sintoma é tão
a profissão, as relações amorosas, a vida e a morte FOUCAULT, M. História da Sexualidade. A Vontade de Saber (vol. 1). Rio de
ção quanto maior
mais problemá tico do ponto de vista de sua desconstru Janeiro: Graal, 1985.
desnecess ário quando um
a sua capacidade contextuai. Ele só se toma FREUD, S. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: Sigmund Freud. Obra Com-
usufruir da linguagem
ethos alternativo está disponível e quando se pode pleta. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
de modo a situar o acontecimento em outra parte
. O grande prejuízo ético
num significante
introduzido por discursos que enraizam o sofrimento , (1905). Fragmentos da Análise de um Caso de Histeria - O Caso
reforçam o contex-
como: alcólatra, drogadito, homosexual, etc. é que eles Dora. In: Sigmund Freud. Obra Completa. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
às suas determinações
to sintomático, mantendo o acontecimento atado
contextuais. É pela inclusão de um significante ao contexto sintomático GELLNER, E. O Movimento Psicanalítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1985. 81
"
80
LACAN, J. O Seminário, livros:
. VII - A Ética da Psicanálise.
A Lógica da Interpretação
. XI - Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise.
. O Problema do Estilo e a Concepção Psiquiátrica das Formas Pa-
ranoicas da Experiência (1933).
, Motivos do Crime Paranoico: o Crime das Irmãs Papin (1933).
. In: Da Psicose Paranoica e suas Relações com a Personalidade. Rio de
* Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
. O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza Antecipada (1944).
Intervenção sobre a Transferência (1951).
<
< Mais Além do Princípio da Realidade (1936).
% . In: Escritos. Barcelona: Siglo XXI, 1988.
g
PH . O Mito Individual do Neurótico (1953). O uponhamos que considerar a interpretação a partir da lógica implique
. In: Jacques Lacan - Intervenciones e Textos. Buenos Aires: Manan- C/ uma tomada de posição acerca do que vem a ser um tratamento analí-
fiai, 1985. -
tico. Signifique pensá lo como envolvendo uma espécie de demonstração.
Assim, cada interpreta ção se reenviaria de alguma forma ao que a teoria
MAINGUENAU, D. Pragmatique pour te Discours Littéraire. Paris: Dunod,
l
t
1990.
prescreve para a generalidade da estrutura clínica. Num outro nível, cada
interpreta ção se articularia à premissa que a torna possível, e o conjunto
dessas premissas se articularia num axioma que a an álise visaria cons-
5 MILLER, J.A. Percurso de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
truir na forma singular junto a um sujeito específico. Admite-se, ainda,
£ ROUDINESCO, E. História da Psicanálise na França. Rio de Janeiro: Jorge que tal demonstraçã o possua efeitos terapêuticos. Seguindo adiante nesta
1 Zahar, 1992. suposição, veríamos que cada interpreta ção apareceria justificada como
um teorema que pode ser provado à luz desse axioma particular.
í
CJ . Jacques Lacan - Esboço de uma Vida, História de um Sistema de Pensa-
o mento . São Paulo: Companhia das Letras, 1994. Nosso objetivo é constatar a pertinência em se considerar a inter-
w :
pretação à luz de uma teoria da prova e de que forma ela se ajusta ou se
distancia do esquema hipotético proposto. Iremos nos manter no campo
U
da lógica aristotélica até mesmo para verificar a necessidade da utilização
de lógicas não clássicas na teorizaçã o da interpretação.
Algumas diferenças se colocam quando o sistema referencial discur-
sivo, no qual a demonstração se realiza, é o discurso analítico. Em pri-
meiro lugar, as condições tradicionais em que se considera uma teoria da
prova não se ajustam, isto é, os critérios de verdade, a ontologia e a teoria
dos raciocínios ou juízos envolvidos não parecem corresponder às exigi-
das pela psicanálise. Em segundo lugar, o agente desta demonstração não
é o analista, que teria neste caso a posição de mestre. Por outro lado, seria
artificial atribuir este lugar ao analisante. Dizemos com isso que o agente
da interpreta ção em psicanálise não é nem o sujeito universal e necessário
da ciência e da filosofia nem o sujeito psicológico. A apreensão em termos
lógicos do papel que a interpreta ção exerce no tratamento implica con-
82
r
! o j
.
Fala-se então em "seres de linguagem", exist
síveis", sem que em nenhum caso tais figuras
templem uma relação com o Ser ou uma hipótese
"
lógico-matemáticas con-
sobre ele. Confunde se-
diz-se, no interior da teoria dos silogismos, por exemplo, que dadas deter-
minadas premissas, a conclusão (se o raciocínio é conclusivo) é necessá-
ria. O problema é que se o raciocínio não for conclusivo, ou se ele conduz
ontologia com um vago empirismo ou uma
ultrapassada relação entre
- a uma contradição, ele nã o é propriamente um raciocínio, ele não é pen-
I palavras e coisas ou ainda se toma o tema da
com algum tipo de idealismo que ainda não compreen
ontologia confundindo o
deu o poder cons-
ntal. A pretexto de
samento, ele é não Ser. É por isso, como afirma Lacan, que a lógica nunca
deixou de evoluir a partir de um núcleo de paradoxos. O ideal logicista
titutivo da linguagem e sua autorreferência fundame tem por horizonte mostrar que o paradoxo nasce apenas da insuficiência
descarte das considerações éticas ou estéticas o
logicismo reconhece com
identifica Ser e lingua- do sujeito em se apropiar da racionalidade.
dificuldade sua implanta ção numa ontologia que Ora, é justamente na expressão do paradoxo que se constitui algo
a explicitação de tal
gem. Nossa posição, em função disso, é de buscar de propriamente fundamental para a psicanálise. O paradoxo, nos seus
ções para a lógica.
ontologia, no caso da psicanálise, e de suas implica diversos sentidos, isto é, como absurdo, como não senso ou como contra -
entre realismo ou
Não pretendemos com isso retomar à oposição dição, exprime a condição a que está submetido o ser falante a partir da
ção da linguagem à sua
nominalismo, mas apenas salientar que a redu hipótese do inconsciente. Os atributos que Freud postula para descrever
da semântica (ou de uma
sintaxe lógica, com o franco desconhecimento o inconsciente, em relação ao sujeito por ele afetado (e não em sua con-
ã o de certas questões da
teoria da consciência ), toma impossível a apreens sistência teórica), são a ausência de contradição, de negação e de tempo-
problemas de um e outro
psicanálise a não ser pela analogia entre certos ralidade. Tais atributos, a princípio, inviabilizariam a apreensão lógica
a psicanálise e qual-
campo. Ora, analogias podem ser encontradas entre de tal hipótese. No entanto, a descoberta de alguns entes matemáticos
qualquer avanço para
1 quer outro campo teórico sem que com isso se logre 85
f
I O que se esquece: "N ão há relação seus pontos limites (teorema de Bolzano-Weierstrass). O gozo
mem"
não se faz por interseção, nras pela reunião de familias de
feminino °
O que se esquece: "Exceção de um" sexual" conjuntos aber-
O que se entende: "Existe algum ho- O que se entende: "Uma parte da tos, com o qual se aborda finitamente a infinitude. Neste caso n
mem" mulher" cluem os pontos limites na série. Com uma lista finita pode-se recobrir -
ão, se in
o Is
i
Proposição: Particular Afirmativa Proposição: Particular Negativa infinito. Esta reunião de abertos em estrutura de lista corresponde a
Modalidade: Possível Modalidade: Contigente um
segundo tipo de infinito (teorema de Heine-Borel-Lesbegue).
Escrita: cessa de se escrever Escrita: cessa de não se escrever
Ocorre que as mulheres possuiriam, de modo contingente, dois
zos: o fálico (como o dos homens) e o específicamente feminino go-
i Outro). O inconveniente, segundo Lacan é que este segundo
(gozo
i0 .
Finalmente, incorporemos a teoria da fantasia e das estruturas pa- infinito só
pode exprimir-se, em termos de linguagem, constrangendo-se às
u ; reando-as com os semblantes de gênero: "lado homem" e com o "lado regras
impostas pela lógica da série. Isso levou Geneviève Morel - uma
mulher". sa da teoria lacaniana da sexuação - a afirmar que os homens
estudio -
dependem
de uma fantasia para gozar, ao passo que na sexualidade
Lado Mulher
feminina, a fan-
Lado Homem tasia é sempre um tanto incompleta, inacabada ou manca. As
mulheres,
que não podem formar um conjunto unitário, pelos motivos
8- * antes exami-
nados, encontram sua modalidade preferencial de inscrição discursiva
da
<- sexualidade no mito. Narrativas como a de Don Juan são compreensíveis
<D LA
^ S (A ) como um mito, ou seja, uma articulação lógica entre inúmeras fantasias
Entre gozo fálico (enumerável) e gozo feminino (não enumerável) nã .
o
Onde se lê que nos colocando como semblante ou dêixico de homem, há continuidade, mas ausência de relação previsível.
Por exemplo, se en-
colocamo-nos como sujeito para uma mulher que nos é tomada no fantas- contrarmos o número "3" podemos tomá-lo como elemento da série dos
ma. Ela será então um sintoma para o homem, pois será tomada a partir Números Naturais ou elemento da lista dos Reais. É apenas
uma contin-
do gozo fálico, o gozo parcial, o gozo de órgão. Contudo, se lermos da gência que ele pertença a ambos .
88 89
r
Três aspectos da filosofia de Aristóteles são destacad os: a
0 sentido causas (inclusive a Tiche e Automaton), a teoria do sujeito como teoria das
non e a lógica. Se aceitarmos esta hipótese de que o dizer como hipokeime-
se dá na or-
O segundo nível de tratamento dado à impossibilidade
conceito em
camada Lacan procede de uma interlocução com Aristóteles e
como uma levarmos em conta
dem do sentido. O sentido ( sense ) pode ser definido sua importancia para a própria definição de verdade, é justo
. O dizer é o que supor que o
da linguagem onde se dá o que Lacan chama de dizer dizer diz respeito à reformulação da teoria da verdade a
reveza- que Lacan deve
funciona no nível do discurso e não da fala. O dizer aparece
no
sentido se submeter se pretende rever a teoria da prova e da
mento ou na tradução de um discurso a outro. O inconsciente
, no
dizer se relaciona, nestes termos, ao tema da verdade
demonstrabilidade. O
forma çõ es discursivas propostas enquanto não totali-
da antropologia estruturalista ou das zável. Mas o que teria runa análise a demonstrar sobre isso?
com aquele no qual Lacan A afirmação de
por Foucault, pertence a um nível parecido Lacan é clara: há uma impossibilidade de dizer o verdadeiro
de Kant acerca sobre o .
, postula o dizer. Assim, por exemplo, quando o discurso
, conexão realizada Encontramos novamente o tema do impossível. O Ser não tem sentidoreal que
da ética é traduzido ou conectado ao discurso de Sade possa ser traduzido integralmente em termos de verdade
e Adorno, ontológica.
não apenas por Lacan, mas também por autores como Foucault A análise demonstraria esta impossibilidade sendo
ção que se
: há um efeito de sentido que apaga e transforma toda a significa como uma espécie de queda de sentido, ou queda de discurso considerada
2
5: realizava antes desta tradução. .
uma análise, o sujeito está às voltas não com a impossibilidade Antes de
letra perma- , mas com
No entanto, o dizer de Kant permanece o mesmo; sua
<
a impotência de dizê-lo. Quando uma comentadora
o de signifi- como Soller (1994)
! nece guardando o sentido do dizer até que uma nova extraçã
cação produza, sob um novo giro discursivo, um novo conjunto
de ditos. -
afirma que o significado do dizer é a ex sistência, sua preocupa
trar a disjunção entre o nível da verdade e do sujeito com -
ção é mos i^
I Em termos de teoria da interpretação, esta possibilidade
infinita de tra-
do dizer e da ex-sistência. Disjunção tomada por Lacan
relação ao nível j g
!I <:
«;
derada como o exercício de certo número de regras a partir
acep
que permite separar a verdade no sentido lógico, como legitimidadeção,
á sendo
postulados e teoremas não se interessa pela relação do que est ção. É o
da
num arremedo que é a dimensão amorosa. Quanto a este
salienta seu pessimismo em relação à conclusão do drama
minário VII ) e o impasse que isto pode representar
( Seminário VIII ). A novidade da "virada" l
suplementada
aspecto, Lacan
amoroso (Se-
para a transferência
iu
: cie numa sentença do tipo: "Não toque nisso!". No plano do significante, impossível, e não há metalinguagem )
I -
esta sentença limita a interdição a "isto" e fica sujeito à derivação metoní • ela é um discurso sem consciência (pois não há sujeito do dizer)
mica e metafórica habilitando, desta maneira, o desejo. No plano do em - • ela é um puro dizer (pois não diz sobre nada e muito
I parceiramento da demanda, este imperativo pode ser tomado como uma plicita suas premissas) menos ex-
obrigação insensata ou de manter-se tocando no objeto ou de nunca poder 3
*: substituí-lo. Resumindo o esquema do empareceiramento das demandas: O uso da topologia é puro exercício de sentido
forma numa chave metaf órica, ele ganha em
. Quando se o trans
significação o que perde em
- iD
sentido. A topologia responde, assim, à exigê ; g
I!
ncia de algo que esteja no :
Impossível -> <- Contingente limite entre o que se pode demonstrar e o que se ^
pode apenas mostrar. |
j
Nossa hipótese é que a topologia em Lacan
corresponde não apenas a um
Possível -> -
C Necessá rio veículo de formalização dã psicanálise, e
ciência, mas também a uma forma de
neste sentido de aproximá-la da :
áH
mostar o que nela nã o é formali
zável. Percorrer a topologia, neste sentido, - ; £
Joyce. Deixar-se tomar pelo puro dizer e pelos limites-
equipara se a ler um texto de ju
o Este esquema escreve a articulação entre dois toros, tal como o mode- da significaçã o.
lo trazido por Lacan à altura do Seminário sobre a Identificação.
M : A forma modal da demanda tem como efeito fundamental fornecer A significação
°i consistência subjetiva. Se há emparceiramento da demanda é porque de
algum modo se preserva o objeto (aquilo que Freud chama de identifi- O terceiro nível em que podemos comparar a
teoria da interpretação
cação narcísica). Esta preservação do objeto numa espécie de entificação a uma teoria da prova é o da significa
ção ( bedeutung ). Nele, trata-se de
reificante é justamente o que a análise visa atravessar. situar a teoria dos raciocínios. Se para Aristóteles
a pergunta que regia o
Diante deste quadro, como entender a concorrência, ao lado de um tema era: o que toma um conjunto de proposi
ções um silogismo válido?,
discurso matemático topológico de uma espécie de ontologia negativa? para Lacan talvez o problema seja: o que toma um
ato de fala significativo
Se a existência só pode ser pensada como ex-sistência, isto é, como exte- ou analiticamente interessante para um sujeito
? Em termos preliminares,
rioridade em relação ao pensamento, o que nos autorizaria a falar sobre a fala significativa buscada pela interpreta
ção, a fala plena do Seminário
ela? Lacan leu o primeiro Wittgenstein, como se atesta pelo Seminário XVII , IeJ do Discurso de Roma (Lacan, 1953),
T
^ tilj
podemos simplificar tal movimento falando de um movimento que parte que pretende produzir, cabe perguntar: o que causa a significação?
A res-
do presente (reminiscências diurnas), vai ao passado (desejos infantis) e posta de Lacan a este problema é tripla. De um lado, é a falta
considerada
aponta para o futuro (figuração do desejo como realizado). no registro simbólico significante, isto é, a raiz quadrada de 1. Por
-
tro, é a falta tomada no registro imaginário, isto é, o -1. Se tomamos -
ou
A significação pode ser definida como efeito temporal do ato de fala. um
momento posterior da obra de Lacan, vamos encontrar formulação
Já no texto da Subversão do Sujeito (1960), Lacan ancora a significação ao perti-
ponto de inversão e ressignificação significante (o ponto de basta). En- nentes a isso, por exemplo, no Seminário XXII RSI e no Seminário XXIIIO
quanto temporal, será sempre um semi-dito; isto é, um dito que não diz Sinthoma Lacan localizará a significação entre o imaginá rio e o simbólico
.
tudo e preserva a possibilidade futura de ser redito. É no nível da signi- Tudo se passa como se no conjunto de todas as escolhas lingüística
-
ficação e do dito que Lacan tem por horizonte o inconsciente. A signifi- mente possíveis, no conjunto organizado e estruturado que é a
linguagem
cação é o momento em que a fala se faz ato, instituindo um antes e um uma caseia, uma possibilidade permanecesse vaga. Falar, e produzir
sig-
: depois irreversível. O poder performativo da linguagem, assinalado por nificação, é preencher esta caseia com uma das duas alternativas
apre-
filósofos da linguagem como Austin e Searle, responde bem à noção la- sentadas. O efeito deste preenchimento é o sujeito que no seu
apareci-
~; caniana de significação (como o mostrou Forrester, 1984). A significação mento traz consigo a abertura de uma nova caseia. Efeito cujo estatuto
5 corresponde ao momento em que a fala faz alguma coisa além de descre- metapiscológico se situa no Real. Isto permite a Lacan argumentar que a
i ver um estado de coisas. divisão ( Spaltung ) do sujeito é dupla, pois se dá ao nível do
j
significante
A teoria dos raciocí nios em pauta na demonstração psicanalítica toca (significação) e ao nível do objeto a (sentido). O lugar em
ã que se realiza
ao poder do dito. É porque o dito revela um ato de fala feliz que se pode esta falta é o Outro, que se vê assim submetido a duas acepções: o
Outro
I considerá-lo legítimo. A manutenção do nível da significa çã o absorve ao como discurso do inconsciente, tesouro dos significantes, lugar
originário
j período lógico da obra de Lacan os avanços do período linguístico. O do desejo, e o Outro como corpo fantasmático, sede da 3
demanda e do 2
texto sobre a Subversão do Sujeito é uma boa síntese dessa hibridização dos imperativo de gozo.
m i
paradigmas linguístico e lógico. No que toca ao projeto clínico de pôr em Como considerar, depois desta incursão pela noção de significação, j2
íí marcha a demonstração do impossível envolvido na interpreta ção, pode- o impossível que lhe caracteriza? Se retomarmos a Aristó
teles e aos pro- :0
J ; se destacar deste texto a definição algébrica que nele aparece do conceito jetos clássicos em termos de teoria da prova podemos observar
que uma I
%| de significação. Ela é definida como a raiz quadrada de -1 [V j. Isto quer
^ prova só é perfeita se ela não porta nenhuma contradição formal
ou onto-
dizer que o que organiza e orienta a cadeia significante é este impossível lógica e ao mesmo terfipo nos permite alcançar a verdade
J
j; ; ou a falsidade.
„; tomado no nível matemá tico para representar a falta. Impossível tem aqui A crítica da dimensão ontológica foi efetuada por Lacan através
do tema
!
o
a conotação de irracional ou de incomensurável.
As formações do inconsciente como o sonho, o sintoma, o ato falho,
etc. correspondem a um tipo de articulação significante que Lacan cha-
da sexuação, a da noção de verdade se efetuou no tema do sentido. Quan
to ao aspecto formal, este será posto em pauta no nível da
do dito.
significação e
-
t
£:
ma de metáfora. O desejo e o sujeito a ele suposto correspondem a outra
forma de articulação: a metonimia. Ocorre, e isto parece lingüísticamente
confirmado, que toda metáfora é redutível a uma metonimia. É isto que
Se o pensamento é considerado como uma exterioridade
ao inconsciente ( Seminários XI e X/V), e Freud já afirmava o
como não submetido à lógica, ao tempo e à nega ção (três atributos
em relação
inconsciente
que
toma possível interpretar uma formação do inconsciente, isto é, trans- vimos estarem intrinsecamente ligados), então a conexidade ou
a gramá-
formar a metáfora do sintoma na metonimia do desejo pela explicitação tica que articula a significação não é completamente redut
ível a um saber
do sujeito. O que permite compreender a oposição entre realização de de contornos lógicos. Diante de um significante enigmático,
assemântico
desejo e reconhecimento de desejo, presente, por exemplo, no texto da ( UEtourdit) ou enlouquecido, como é o chamado Sl, pode-se
sempre arti-
Direção da Cura, 1958. O reconhecimento do desejo só se obtém por um cular um saber inconsciente (S2) e com isso engendrar uma nova
signifi-
ato subjetivo. cação e um novo efeito sujeito.
Apropriar-se de uma significação, desta forma, é o contrá rio de rea- Isto é um jeito assaz complexo de afirmar algo práticamente banal
:
lizar uma significação. No caso das formações do inconsciente, o sujeito nunca se poderá dizer tudo. O senso comum, especialmente aquele orien
-
aparece como um efeito da significação e não como sua causa ou motivo, tado pelo discurso histérico, sabe disso sem que um psicanalista
tenha de
como pensa a filosofia da linguagem intencionalista. Se a causa da signifi- afirmá-lo. Pois bem, a demonstração de que a significação se
comporta
caçã o não é a vontade ou a intenção de realizá-la, muito menos é o sujeito como um conjunto aberto, que sempre se poderá "saber" mais sobre as
mm clássico, que como um fantasma na máquina escolheria as significações determina ções inconscientes (tornar consciente o inconsciente na expres
- l
são de Freud), coloca um problema sério quando
perguntamos o que uma nível do fantasma é a relação do sujeito com o tempo (...) o obsessivo
do problema
ex
-
-
onde, gr modo, o simbólico separa-se dos outros registros. Notamos
a primazia do problema da sexuação (o empuxo à mulher, a invenção de
l3^ piora em textos como Uma Criança é Espancada e no exame uma sexuação fantástica, etc.). Num segundo plano temos a ilimitação da
. As reviravoltas de certos enunciados significação pelo sentido (delírio, alterações de código e mensagem). Fi-
i das psicoses, no Caso Schreber (1911)
enunciado como : " Eu o amo" nalmente, num terceiro aspecto ocorre a aparição maciça do sentido des-
uj fundamentais produzidas a partir de um
( Ele me ama ), a tituído de significação (a compactação significante e o idioleto).
explicariam as formações delirantes como aerotomania
perseguição ( Ele me odeia ) e a megalomania ( Eu o odeio). Em
todos os casos
, do verbo, do
se trata de negação de um aspecto da proposição: do sujeito A clí nica da interpretação
objeto e até mesmo no conjunto da sentença (esquizofrenia
). A frase fan -
tasmática, no caso da neurose, é, no entanto , um paradoxo . Por um lado
cifra a temporalidade da significação e o gozo a ela atinente ; por outro, é Uma parte significativa do discurso do analisante se apresenta atra -
ele mesmo resistente à temporalização, pois seu tempo
verbal correspon - vés de uma forma narrativa assimilável a uma demonstração. Especial-
Ii nsurabilidade. Nos próxi- para baixo até o ponto em que estranhamente retomamos ao ponto de j z
tratando de sexuação, o paradoxo é de income partida. Por exemplo, no Canon per Tono a voz superior segue uma va-
distinções implicam
mos parágrafos procuraremos mostrar como estas
<
e interpretação.
à riante do tema real, as tluas outras vozes provêm de uma harmonização
diferentes procedimento clínicos quanto à escuta s
canónica baseada num segundo tema. A mais alta está em C menor e
a mais baixa segue um intervalo de quinta. O que toma esse canon ab- s
0 dito solutamente paradoxal é que quando ele termina, ele não está mais na
chave C menor, mas em D menor. De alguma forma Bach trocou a chave
a dimensão da signifi-
aparecer uma espécie
. Segundo o comentário de
fazendo-a regredir quando o efeito para o ouvinte é de ascenção. Depois
de seis modulações retomamos à chave original em C menor com todas
as vozes uma oitava acima. A partitura executa, assim, um movimento
contrário ao da escuta. É uma ilusão acústica.
No caso dos desenhos do holandês Escher, comparado por Hofsta-
dter à música de Bach, um paradoxo similar se realiza. A água que simul-
Soller (1994), no equívoco se trata de revelar
as remissões que fazem li - taneamente cai e sobe (Waterfall, 1961), os homens da torre que simultane-
a outro. Por exemplo, o
gar sincrónica e diacronicamente um significante se liga à falta de apoio amente sobem e descem as escadas, o retrato do retrato que se contém a
seu pai
apoio que Elizabeth Von R. não recebeu de si mesmo são alguns exemplos de como certas simultaneidades induzem
abasia). A paciente, comen-
que a impedia de andar (o sintoma da astasia- a um infinito aparentemente impossível.
a não ser "Coca-Cola" até
tada por Miller (1994), não bebia outra coisa O teorema de Godel, no entender de Hofstadter, é o reconhecimento
com sua irmã, apelidada
que a análise revelasse as ligações desse sintoma exemplos como esse, deste aspecto no campo da lógica. De acordo com tal teorema: "Todas as
de
"Coco" . Enfim, a literatura analítica está repleta formula ções axiomá ticas consistentes da teoria dos números incluem uma
signific ante e da significação com
mostrando a pertinência equívoca do proposição indecidível". As consequências desse teorema representaram
series de significação que
9g
as formações do inconsciente. Entre as duas
o equívoco significante reúne está o lugar
do sujeito; isto é, no lugar em
um duro golpe às pretensões de formalização não equívoca de sistemas
wm
r
axiomáticos. Derivar implicações disso para
as ciências humanas parece isqueiro, que teima em não funcionar, produzindo o som "Tzz, Tzz...".
atraente (apesar das recomendações em contrário de
Nagel, 1973). No en- Este isqueiro, fucionara, para mim, naquele momento, como analista . Evi-
tanto, não nos aprofundaremos nisso uma vez que
nosso objetivo é ape- dentemente, tive que rever minha fala sobre o sexo dos anjos e introduzir
de simultane idade. uma nova série associativa. Este exemplo se presta a mostar como uma
nas exemplificar o que entendemos por paradoxos
é um caso de si- interpretação pode se produzir apesar das intenções de analista e anali-
O caso do duplo sentido aferido pela interpretação sante; a interpretação se faz, neste caso, a partir de algo que poder íamos
tempo figuras
multaneidade. Não que a percepção apreenda ao mesmo ível), mas denominar de "analisando", o texto mesmo e suas rupturas.
opostas (o que os teóricos da percepção mostraram ser imposs
algo que depende do nível simbólico permite reunir significa esfera do
çõ -
es contra- V í Outra maneira de explorar a polissemia da significação é provocar
ditórias no mesmo enunciado. Em psicanálise isso se aplica
significante, que simultaneamente pode ligar -se a mais
significações. É por isso que o significante pode ser definido
de uma
à
série de
como aquilo Q
^ o equívoco, isto é, escutar contracomunicativamente, furtar-se ao enten-
-
dimento para apostar no "mal entendido", criando assim uma espécie
de ato falho artificial. O que se obtém, tanto pelo equívoco quanto pela
que é diferente de si mesmo.
homofôni-
-
To3" pontuação, é um a-mais de significação. O percursode uma análise, deste
ponto de vista, corresponde à redução dos significantes, que passam a
~i A técnica empregada na interpretação, do ponto de vista ser condensados por séries, e ao mesmo tempo um aumento da signifi-
, a ambigui- ¡u
co, faz privilegiar a escuta da polissemia embutida na palavra cação neles contida. Cada vez se diz mais com menos. Isto permite dizer
^ ij
J dade presente a cada "giro significante". A pontuação por
çã o
,
pela
exemplo, é um g
introdução de o que cada significante representa um sujeito para um número crescente
tipo de interpretação que altera e decide a significa de outros significantes. Há, portanto, em cada momento, um significante \
de escutar o que foi ^
uma contra-significação; isto é, uma segunda forma que nomeia a série nele contida. Por exemplo, o significante "ratos", no
Õ
dito não completamente estranha ao dito original e
nem completamente < 1
o é como ela altera ¿ caso do Homem dos Ratos, contém a série: pênis (pequeno como um rato),
redutível a este. Um aspecto interessante da pontuaçã jogo (o pai fora um "rato de jogo" - Spielrate ), mordidas (ele mordera
, dispersando-a, 2 jD
a velocidade da significação, concentrando-a num ponto
da significa- S como um rato na cena infantil), ânus (ratos entram pelo ânus na cena da ; z
apressando sua conclusão e assim por diante. A velocidade e.
03 tortura), crianças (como no conto literário), dívida (prestação - Rate) etc. j“
do significant
ção atesta a forma singular da divisão do sujeito ao ní
vel
2 Q , "Ratos" é uma autêntica geratriz de significação e de ressignificação que |
;
insiste na fala do
Outro aspecto da pontuação é sua atenção ao que
!,.
S;
paciente, seja ao nível f ónico, semântico, gramatical
rativo. Fica claro por isso que o significante, no sentido
seja ao de estilo nar- § j
lacaniano, não é > ¡
>
vai sendo extraída pela polissemia da interpreta ção. O que está em jogo
na relação entre a série e seu nomeante é que os ditos estão em exteriori-
dade com rela ção a eles mesmos. !
da insistência, a yj j ;
1
fessoralmente sobre o sexo dos anjos quando escuto algo
como um "Tzz,
Tzz...". Tomado de raiva pelo desdém e desaprovação
demonstrados -
• quanto ao sujeito da condição de oculto ou indeterminado à de
um "ajuste de determinado paradoxalmente;
pelo meu analista, viro-me no divã, disposto a promover
contas" transferencial e, para minha surpresa, contemplo em
sua mão um • quanto ao tipo de juízo - do modal ao apof ântico. 101
100
Examinando de perto as transformações gramaticais realizadas pela monstração, mas antes no que rodeia este ato, no uso da linguagem."
abso- (O Livro Castanho, p.13) '
incidência do dizer sobre o dito, chegamos a um tipo de enunciado
à
lutamente clássico, isto é, aquele que permite a passagem do universal A alusão, como afirma Wittgenstein (e a posição de Lacan pa rece
ao
existência. Neste ponto saímos do âmbito da significação e passamos
ência concordar com isto), joga com o uso nã o demonstrativo mas "mostrati-
do sentido. É nele que Lacan postula a tese de que o domínio da exist
nã o está submetido à vo" da linguagem. Mas como o discurso poderia realizar esta ação de
é heterogéneo ao da universalidade (existe Um que
função universal e unlversalizante do falo). Portanto , h á algo que ultra - apontamento? Na fala do analisante este uso se mostra nos termos que
e que designam o sujeito sem nomeá-lo, como: "aqui", "ali", "lá", "isto", "ago-
passa a significação fálica, representa uma dimensão da linguagem ra", "depois" etc. são alusivos, pois falam de uma ambiguidade ao nível
.
ao incidir sobre a significação de modo específico altera o seu formato
do dizer. O silêncio do analista, quando ganha uma função interpretativa,
Isto é o que Lacan chama de dizer. é um silêncio alusivo. Um paradoxal silêncio que diz algo. Na psicose,
onde a função f álico-proposicional se desorganiza, temos um bom exem-
0 dizer plo da inflação do aspecto alusivo da linguagem. Figuras como "eles" e
"aquilo", desconectadas da significação, acabam por introduzir o psicó-
l< As formas da interpretação ligadas mais diretamente ao dizer são o
' tico frontalemente no
puro dizer. Trata-se de uma alusividade radical. A
resposta ao sentido, que como tal é sempre devastador, é o delírio, uma
corte, a alusão e a citação. Nestes três casos, encontramos um tipo espe
-
1, cífico de paradoxo, que chamaremos de paradoxo de autoria. Paradoxos
espécie de rede de significa ção que serve de anteparo ao dizer.
ja
,
£j de autoria são aqueles em que o sentido se mostra, ou, como dizia Lacan A terceira forma de intervenção que se associa ao dizer, segundo i M
_
do sentido corre por nossa conta.
O corte se refere a uma interrupção da série associativa, com ou sem
interrupção da sessão. Seu efeito é a detenção dos laços de significaçã
(SI - S2). Em termos imaginários, o corte é sempre apreendido com de-
o
.
tanto, antes de fazê-lo, st questão da autoria permanece. Se atentarmos
para a radicalidade da pergunta, vemos que ela não admite uma resposta
conclusiva. De fato: Quem fala? só admite resposta se partirmos de uma
concepção intencionalista da linguagem onde os indivíduos falam pela
linguagem e não são falados por ela, como postula Lacan. O aforisma la-
J
; sagrado uma vez que implica a interrupção do exercício da função f álica caniano de que "isto fala" (Ça parle ) pode ser lido tanto como uma forma
!
0
O corte, se de fato tem efeito de corte corresponde
, a uma estraté gia para
de atestar a presença das pulsões na linguagem (o "isto" como Id ) como
fazer aparecer o Real na linguagem. um modo de fazer referência à sobredeterminação do sujeito pela lingua-
A relação entre o dizer e a alusão é similar à existente entre o dito e gem na qual ele está inserido. Isto é, não a linguagem, como um sistema
o equívoco. Nos dois casos se trata de dar inconsistência ao produto do abstrato, objeto de estudo da linguística, mas a linguagem como marcada
ato de fala. No caso do dito, essa inconsistência aparece em função da por um dizer, como tal histórica e temporal.
,
polissemia; no caso do dizer, trata-se do gesto de apontar com palavras Um autor como Figueiredo (1994), que procura aproximar o pen-
designanado algo sem nomeá-lo. samento de Heidegger da clínica psicanalítica, valoriza justamente este
Wittgenstein nos parece um autor especialmente útil para abordar os aspecto da relação do homem com a linguagem. Nesses termos, a ideia
paradoxos do dizer. Numa época marcada pela revisão do logidsmo do de uma fala "acontecimental", como momento em que a fala fala, em
,
Tractatus Logico Philosophicus, Wittgenstein, retomando Santo Agostinho que a fala constitui um dizer que ultrapassa o sujeito corresponde bem
investiga o seguinte problema: à ideia lacaniana de dizer. O mérito da aproximação com Heidegger se-
ria a possibilidade de acesso a um aparato conceituai capaz de pensar a
Mas suponham que eu apontasse com minha mão para uma camisola historicidade do dizer. O aspecto temporal do dizer se encontra apenas
azul. Como se poderá distinguir o apontar para a cor do apontar para aludido por Lacan, e pensamos que este é um bom espaço de interlocu ção
a forma? (...) A diferença, poderia dizer-se, não reside no ato de de-
102 103
(p.130) de que
com a filosofia heideggeriana. A afirmação de Figueiredo ele ressoe é
' A entrada em cena de um primeiro enigma (uma primeira questão
para que como se diz no ambiente lacaniano) determina o início de uma análise
a interpretação seria o circundar de silêncio, o dito e inclusive sua eventual realização. Mas se o analisante constitui por si
do dizer , talvez não à teoria
especialmente pertinente à teoria lacaniana só seus próprios enigmas, o que viria a crescentar um enigma do lado
da significa ção . do analista? De fato, a manutenção ou reatualização do enigma tem por
É interessante notar que um pensamento extensamente
perpassado
, traga reflexões ino- objetivo preservar o paradoxo da sexualidade como um paradoxo. Dize-
pelo heideggerianismo, como é o caso do de Derrida mos que se trata de ontologia, pois a afirmação do caráter paradoxal da
dos atos de fala,
vadoras sobre o estatuto da citação. Ao criticar a teoria condição humana tem aqui sentido de afirmação sobre a condição do Ser
que não
tal como fora apreendida por Searle, Derrida (1990) argumenta sexuado. O tipo de paradoxo empregado para o tratamento do problema
, exemplo ) de uma fala
há como separar a citação (o discurso teatral por é relativo à incomensurabilidade entre a posição feminina e a masculina.
,
"séria". Se o fizermos, admitiremos, implicitamente que podemos
con -
controlar a Um exemplo deste tipo de paradoxo é o paradoxo de Zenão sobre o
trolar a propriedade da fala. E se admitiimos que podemos movimento (Aquiles e a Tartaruga ) e que é utilizado para falar do objeto a
hipótese
propriedade da fala, desconhecemos o sujeito da enunciação e a como número de ouro ( Seminário XIV ).O paradoxo de Aquiles e a Tartaru-
-I
«
j:
do inconsciente. Ocorre que a autenticidade e a legitimidade
priedade acaba desconhecendo o aspecto crativo da linguagem
á rio" da
desta pro-
. A iteração
fala , é sem-
ga pode ser resumido da seguinte forma. Suponhamos uma corrida entre
Aquiles, veloz corredor, e uma tartaruga. Dada a morosidade do referido
(repetição diferenciante), mesmo feita pelo propriet
"
i , quelônio, concedamos à tartaruga uma vantagem, digamos de dez me-
pre uma modificação não correspondente à fala original . Assim a citação
"I ível. tros. A partir desta vantagem Zenão mostra que é impossível que Aquiles
como modalidade interpretativa se demonstra um convite ao imposs
Tanto no corte como na alusão e na citação encontramos
sua
a autoria
autoria . La-
ultrapasse a tartaruga. Isso porque para Aquiles alcançar a posição inicial
da tartaruga (So + 10) ele deve percorrer infinitos pontos que o separam :g
s
; como um paradoxo. Isto é, nos três casos o ato subverte desta posição. Ora, é impossível percorrer num tempo finito um espaço iD
, ídio
can dizia que o único ato bem-sucedido é o suicídio. De fato
no suic
o sujeito não pode se aprorpiar de seu ato. Justamente nisso
ele é bem- infinito e não há dúvida de que podemos encontrar infinitos pontos inter
mediá rios entre dois pontos numa reta. Portanto, se fizermos equiparar o
- j g5
sucedido. Há um agente, mas não há autoria, a não ser a que
diz respeito
3 interpretativas antes de- problema do objeto a aos paradoxos da incomensurabilidade é porque em
a outros sujeitos. O mesmo aparece nas formas
i Enigma e citação
gozo a mais que lhe será entregue adiante. Soller (1995) faz um exame
muito interessante do tema do sacrif ício a partir desta economia do gozo.
O sacrif ício condicional (regido pelo Ideal de Eu), a crença, as escolhas
amorosas e boa parte dos sintomas neuróticos são regidos por esta lógica.
s
<
í
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BRUNO, P. Satisfação e Gozo. Belo Horizonte: Tahl, 1989.
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£
s2
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ã
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10« Exemplar mimeografado.
107
Alienação e Separação nos Processos
Interpretativos em Psicanálise 2
—
T7 ntre 1964 e 1968 encontramos no ensino de Lacan o uso sistemático
1 / dos conceitos de alienação e separa ção com o objetivo de especificar
as relações possíveis entre o Sujeito e o campo do Outro. Trata-se de um
momento crucial na trajetória deste pensador, pois conjuga transforma-
ções políticas internas e externas às instituições psicanalíticas, produzin-
do mudança de referência na formalização de conceitos. Até então Lacan
trabalhara com um paradigma linguístico-estruturalista combinando as-
pectos da teoria hegeliana para extrair deste paradigma o que ele em pri-
meira instância não poderia oferecer, ou seja, uma teoria do sujeito.
Até o Seminário XI (1964), o problema era contornado por Lacan com
o uso de hipóteses que tomavam isomórfica a posiçã o do sujeito ao efei-
to de certas produções linguísticas. Assim, em Inst ância da Letra (Lacan,
1957, p.519) o lugar do sujeito é confundido provisoriamente com a condição
de passagem do significante ao significado na metonimia e na metáfora.
Em Subversão do Sujeito (Lacan, 1960, p.814) afirma que o sujeito: "não é
nada além do shifter ou indicativo que, no sujeito do enunciado, designa
o sujeito enquanto ele fala naquele momento". Ao tomar o sujeito co-
mensurável com a linguagem, seja no modo da fala, do discurso, ou da
escrita, seja segundo as estruturas do signo, da metáfora, da holófrase
ou do código/mensagem, Lacan propicia diretrizes bastante claras sobre
o processo interpretativo. Ocorre que este ganho em termos de clareza
técnica se apoia numa teoria insatisfatória do sujeito. O sujeito dividido
2
Capítulo escrito em coautoria com Tatiana Carvalho Assadi.
, entendido víduo procurando fazê-lo aceder ao sentido latehte, segundo as regras de-
pela linguagem, em posição intervalar na cadeia significante alienado terminadas pela direção e evolução do tratamento" (Laplanche, 1986, p.
como efeito do inconsciente, é em última instância um sujeito 319). Acompanhamos Lacan na ideia de que uma interpretação se mede
( Fink, 1998, p.68). por seus efeitos; logo, se uma interpretação não tem efeitos não pode ser
Lacan parece
A partir de 1964, todavia, do uso da linguística por legítimamente considerada como tal, independentemente da exatidão de
de reflex ão. O su-
ceder lugar à lógica e à topologia como instrumentos seu conteúdo ou da intencionalidade de quem a expressa.
tempo capaz de
jeito é pensado como um conjunto vazio, mas ao mesmo Freud parece reservar a expressão interpretação ao trabalho de res-
lacaniano
subjetivar sua causa. Estranhamente, causa e efeito, no ensino
recíprocos: o sujeito é um efeito do signi- significação pontual, como, via de regra, observa-se em relação aos so-
desse período, não são conceitos nhos, pequenos esquecimentos, atos falhos e chistes. O emprego do termo
ó significante , mas o objeto a.
ficante; entretanto, sua causa não é o pr prio em relação a sintomas, fantasias e manifestações transferenciais é mais
Esta dualidade de apreensões do sujeito tem levado alguns comentadores
ínica do real raro e geralmente subentende a combinação de elementos originados do
a falar em uma clínica do significante em oposição a uma cl trabalho interpretativo do primeiro tipo. No entanto, em ambos os ca-
centrada nos desenvolvimentos posteriores sobre o objeto a .
, emer- sos os efeitos clínicos da interpretação podem ser agrupados em duas
A noção de separação, sucedida pela de travessia do fantasma dimensões:
logicamente a re-
1 ge no período em questão como forma de representar . Em 1. Modifica ções no teor do discurso associativo: aparição de lem-
lação entre o sujeito, o objeto que lhe dá causa e a cadeia significante
de aliena ção branças, evocação de outras formações inconscientes, interrup-
ã 1968, no Seminário sobre o Ato Analítico (1968), as categorias
do ções da fala ou desvios temáticos, que de modo geral ponderam
e separa ção, que exprimem em última instância a releitura lacaniana
i cogito de Descartes, encontram sua consolida ção final , e sua presen ç a em o eventual sentido comprobatorio da intervenção. Incluem se -
aqui o efeito de ressignificação produzido pela análise no âmbito
textos posteriores é bastante esparsa. da história do sujeito a partir da reapropriação de seus signifi-
aci-
Se, no entanto, a modificação na noção de sujeito, apresentada cantes fundamentais.
ma, é substancial, presume-se que ela traga consequências para a
teoria
5 deste cap ítulo. 2. Modifica ções nos processos de causa ção do sujeito: como se
3
da interpretação. Verificar tal possibilidade é o objetivo g
à compatibilidad e pode inferir ocasionalmente da desaparição, deslocamento ou ir-
O problema que procuramos aprofundar diz respeito 2
â das rupção de sintomas, alterações no plano da angústia, emergência
I
no mbito
entre a noção de interpretação no período anterior a 1964 e
S
transformações teóricas regidas pela introdução dos conceitos de aliena
ção e separação. Trabalharemos com a dimensão retórica para
em que termos é possível encontrar disparidades e converg ências
verificar
com o
- de acting out e *de modo geral efeitos que indicam a relação anti-
nómica entre desejo e gozo. Conjugam-se neste caso os processos
de alienação e separação do sujeito em face ao objeto a.
j
I modelo lógico de causação do sujeito no interior de processos
tativos. A escolha da retórica, como guia metodológico justifica-
,
ela é um campo de estudos sobre a linguagem que congrega a análise
interpre
se , pois
das
-
Nos dois ângulos de consideração dos efeitos da interpretação a es-
cuta analítica orienta-se respectivamente para a articulação significante e
I
u
condições de produção do sentido (Jacobson, 1995; Todorov 1996
,
á
)
para
com
a
para a causação do sujeito. No primeiro caso, este é compreendido como
a tematização do aspecto performativo ou pragm á tico necess rio uma atividade de tradução ou retradução do sentido, permitindo a conti-
abordagem do sujeito (Maingeneau, 1995) nuidade de seu deslizamento. Não é, entretanto, o produto desta tradução
o que importa ao processo, mas a articulação significante necessária para
sua efetuação. Nesses termos, a interpretação introduz algo que repen-
Processos interpretativos tinamente toma a tradução possível (Lacan, 1956). Em outras palavras,
- trata-se de limitar a significação ao introduzi-la numa série sincrónica,
Por processo interpretativo entendemos o conjunto de transforma quando se exploram as ressonâncias homof ônicas de um significante,
ções enunciativas que envolvem a posi çã o do sujeito, a estrutura do dis-
um segmento de aná lise . por exemplo, ou ainda de captá-la numa série diacrônica, como no caso
curso ou o teor da significação no interior de da pontuação da insistência de um significante no discurso. No segundo
clínica
Trata-se de uma definição pragmá tica orientada para perspectiva
a
caso, a interpretação refere-se à modificação do lugar de onde emerge
ção é
e assumidamente não exaustiva. Outra característica de nossa defini o sentido e se acompanha de uma fratura da significação. Tal perda de
que ela evita localizar, necessariamente, a interpretação com um pronun
-
Laplanche significação se deve à incidênria .da interpretação sobre a causa do desejo
ciamento do analista. Distanciamo- nos, assim , da defini ção de
(Lacan, 1972). Obtém-se como efeito um sujeito separado do campo do
e Pontalis em que a interpretação seria: "uma comunicação feita ao indi
- 111
110
encontra-se útil para compreender operações de dedframento em tomo do chamado
Outro. Por exemplo, no caso Dora (Freud, 1905), a paciente rébus de transferência. O rébus é urna forma de funcionamento da lin-
çã o que lhe parece
alienada em uma trama amorosa onde a única posi
: (a) a guagem em que as palavras se representam por desenhos ou imagens
possível é de reivindicação e denúncia. Freud alude sucessivamente
implicação de Dora na trama, (b) o desejo pelo Sr. K e (c) a
fantasia fela de - gráficas. Ocorre que no rébus de transferência é possível falar seguindo
ao mesmo regras desse sistema de escrita. Por exemplo, uma paciente, mencionada
ção. Neste movimento, o objeto se destaca do campo do Outro por Allouch (1995, p.171), observando o colarinho feito de celuloide ( Ce-
Outro . O produto é a modifica ção
tempo em que o sujeito se separa deste luloid ) de um enfermeiro, conclui que o jogo de damas que usava lhe foi
, é consequ ê ncias para
da posição subjetiva da paciente, no caso com s rias
enviado por Lulu (a filha de seu patrão) por meio de um navio (Loyd ).
a transferência. A interpretação de Celuloid para C'est Lulu Loyd (É Lulu Loyd), apesar
com a
Nossas categorias poderiam se ramificar se as combinarmos
ção a par- de baseada na homofonia, tem como princípio a suposição de diferentes
distinção proposta por Allouch (1995), que aborda a interpreta sistemas de escrita.
de dedframento , ou seja,
tir das múltiplas operações contidas na ideia
, a tradu çã o opera A ideia de que na psicanálise também se deve levar em conta o modo
i transcrição, tradução e transliteração. Para esse autor
-
3
i na perspectiva de preservação do sentido entre línguas
caso da psicanálise, isto se exemplificaria na ideia de traduzir
diferentes . No
o material
interpretativo
de escuta transliterativo recebe forte apoio na seguinte observação de
Freud:
manifesto recuperando o sentido latente . É este esquema
Ji (Freud,
Se pensarmos que os meios de representação nos sonhos são principal-
gj que permitiu a Freud, no caso conheddo como Homem dos Ratos mente imagens visuais e não palavras, veremos que é ainda mais apro-
i 1909), explorar a polissemia do significante Ratten , que , no desenrolar do
priado comparar os sonhos a um sistema de escrita do que a uma lin-
* , mas tamb é m d í-
£j
i tratamento foi traduzido por ratos (no sintoma f óbico ) guagem. Na realidade, a interpretação dos sonhos é totalmente análoga 3
çã o com a
vida (na relação ao pai), e secundariamente por filhos (na
rela ao dedframento de uma antiga escrita pictográfica, como os hieróglifos
*] Dama) e por excrementos (na língua da pulsão anal). egípcios. Em ambos os casos há certos elementos que não se destinam a
j A transcrição supõe variações na produção do sentido, levando-
condi çõ
se
es
ser interpretados (ou lidos, segundo for o caso), mas têm por intenção
servir de "determinativos", ou seja, estabelecer o significado de algum
j
m
í: em conta diferentes modos expressivos de uma língua ou suas
i de figurabilidade, notadamente da língua falada para a escrita
.A inter - outro elemento. (Freud, 1913, p.180)
!
terpretativo e conjugando-as aos modos de escuta posteriormente discu-
sedutor), supondo-se formas distintas de transcrição desta representa
sensa çã o sub - tidos, concluímos que de fato a abordagem linguística e retórica de Lacan,
^
no caso da histeria (conversão ocular) e no caso
jetiva de reviramento nos olhos). A "linguagem de rg
da psicose
ó
caso para outro, pois se tratam de modos diversos de transcrição da
ã o
(
" varia de —
um
mes-
anterior a 1964, é insuficiente para captar uma série de pontos cruciais.
Isto porque o aspecto semântico, elaborado e contornado habilmente na
esfera da primeira doutrina do significante, é insuficiente para lidar com
ma moção pulsional.
de as propriedades sintá ticas, morfológicas e narrativas da linguagem, pro-
A translitera ção, por sua vez, refere-se aos diferentes sistemas priedades estas que são necessárias para o trabalho de transcrição e trans-
escrita possíveis na linguagem. Sabe-se que a maioria das línguas glos -
sográficas, isto é, baseadas na representação da fala, podem admitir )-,
va litera ção.
riações conforme o princípio associativo, seja o morfema (
caso do chinês
nguas sem íticas ) ou a sílaba (caso A forma retórica da interpretação
seja um segmento da fala (como nas í l
do Linear B) ou ainda o fonema (caso da maioria das l ínguas ocidentais).
), que
Estes exemplos servem para mostrar, como apontou Sampson (1996 A compreensão dos processos interpretativos como mera produção
, com
não se deve confundir o grafema, derivado de um sistema de escrita ou tradução de sentido surge então como uma abordagem bastante par-
o significante, derivado de um sistema composto por fala e língua
. No dal da questão. O método psicanalítico possui inúmeras proximidades
caso da psicanálise, a transliteração é um modo de escuta particularmen te com a atividade de leitura ou interpretação de um texto, mas estas não 113
112
J
esgotam o problema. Isso porque a intenção deste método não é apenas chiste, mostramos como ao lado da metáfora e da metonimia é preciso
produzir um saber sobre o desejo, derivado de uma exegese do sentido, considerar a sinédoque como uma forma retórica importante nas inter-
mas transformar os modos de produção do sujeito a partir de suas alteri- pretações psicanalíticas (Dunker, 1999). Igualmente, tais figuras de pa-
dades (Birman, 1991). lavra não subsumem todas as possibilidades de constituição do chiste,
Desta maneira, convivem na prática psicanalítica da interpretação logo de estruturação das formações do inconsciente. Há formas retóricas
hermenêutica criptologia e análise estrutural por um lado, mas também, baseadas em processos sintáticos, como a silepse, a antanáclase e a elipse
retórica, pragmática e análise funcional da linguagem, por outro. A co- que são cruciais para a interpretação de certos tipos de chiste e que não
dependência entre interpretação e transferência no tratamento analítico, se conformam à estrutura geral do dualismo metáfora e metonimia, ex-
largamente tematizada pelos pesquisadores, é um exemplo do aspecto presso em Lacan. Há também formas retóricas baseadas em processos
híbrido deste método. A tensão entre a produção do sentido e a produção morfológicos, como o neologismo, a aliteração e a síncope que são irre-
do sujeito é um aspecto específico do mesmo problema. dutíveis sob o mesmo argumento. Finalmente, o último ponto fraco da
Se as formações do inconsciente possuem estrutura equivalente à de formalização linguística de Lacan anterior a 1964 é a exclusão que ela im-
certas figuras retóricas, como a metáfora e a metonimia, é razoável supor plica das chamadas formas retóricas de pensamento, que servem de base
~j a um extenso grupo de chistes analisados por Freud. A ironia, a antítese
2j que a interpretação seria o processo de desconstrução do sentido veicu- '
e o oxímoro são exemplos de jogos de palavras baseados no pensamento
ÍJ i lado por essas figuras. Tratar-se-ia, assim, de escutar "ao pé da letra" até
extrair o sentido literal expresso em linguagem metapsicológica, que em que perderam sua dignidade em face da supremacia dos dois grandes
S tropos organizadores da linguagem, que Lacan retoma da teoria de Ja-
última instância seria não ambígua. Não pensamos desta maneira. A ideia
I de que haveria tal ponto como o sentido literal é uma contradição com as cobson (1995). Neste sentido, o abandono da linguística por Lacan pode
representar uma insuficiência no desenvolvimento de suas categorias e 3
j premissas da teoria da linguagem em Lacan. Igualmente, é preciso recu-
sar a ideia de que a interpretação seria um processo de prolongamento da
não uma ruptura irredutível.
metáfora, na qual se expressam certas formações do inconsciente; ideia 5
ii esta defendida por Spence (1992). Isso porque tal prolongamento não é A forma retórica da alienação e da separação NJ
jj i '
suficiente para abordar as transformações subjetivas esperadas de uma
3 análise. Que as formações do inconsciente admitam estrutura similar à de
s Nossa hipótese é de que a marcação linguística dessas transforma- formas retóricas, isso não é suficiente para estabelecer uma teoria da in-
^
2
w I ções subjetivas, da alienação à separação, é expressa pela modificação
da forma retórica dominante no discurso. Isso não quer dizer que toda
terpretação. Esta precisa contar ainda com as regras de transformação a
que esta forma retórica está sujeita na situação analítica. Vimos que estas
=£
Z
transformação deste tipo implique modificação do sujeito, mas que toda transformações podem ser distribuídas em função do teor do discurso e
o \ modificação do sujeito seria acusada por este indicador. A desconstrução da posição do sujeito e que elas se combinam aos modos de escuta tradu-
u" ; da metáfora não é sua redução ao sentido literal, mas sua transformação tivo, transcritivo e transliterativo. Vamos agora mostrar como a conjuga-
u
S em outra forma retórica. ção é possível a partir da análise de um sonho relatado pelo Homem dos
Em outro momento (Dunker, 1996) exploramos este problema con- Lobos (Freud, 1918):
frontando o que chamamos de interpreta ção fundada na metáfora à in-
Sonhei que um homem arranca as asas de uma "Espe". "Espe"?, não
terpretação fundada na alegoria, mostrando como cada uma derivava de pude deixar de perguntar; o que você quer dizer? "Um inseto de ventre
concepções diferentes do que é um sintoma. Hoje, percebemos como a listrado de amarelo, capaz de picar. Deve ser uma alusão à Grusha,
crítica da interpretação alegórica não é suficiente para justificar a unidade a pera pintada de amarelo". "Vespa (Wespe), você quer dizer" corri-
da interpretação baseada na desconstrução da metáfora. De fato, a forma gi. "Se chama Wespe? Realmente acreditei que se chamava Espe". (...)
retórica da interpretação admite inúmeras variações, mas se considerada "Mas Espe, esse sou eu, S.P." (as iniciais de seu nome). A "Espe" é
do ponto de vista pragmático, o critério mais claro para abordá-la baseia- naturalmente, uma Wespe mutilada.O sonho o diz claramente: ele se
se na suposição de que o efeito da interpretação é uma transformação da vinga de Grusha por sua ameaça de castração. (Freud, 1918, p.86-87)
forma retórica original. Ora, a forma retórica da metáfora implica a subs-
tituição de um significante por outro com a elisão do primeiro. Mas há O primeiro movimento da interpretação é claramente tradutivo; Ser-
inúmeros exemplos de interpretação que não se baseiam nesta estrutura. guei Pankieff substitui a vespa pela sua antiga babá, Grusha, cujo nome
Ao analisar as formas retóricas contidas no livro de Freud sobre o em russo quer dizer pera. Figura-se, assim, a ameaça de castração sofrida
114 115
, a interpretação dução se completa, mas deixa em aberto a causa do desejo. Afinal o que
na inf ância através da mutilação do inseto. Neste sentido deseja o Homem dos Lobos nesta insistência? Isso é apenas parcialmente
à descons-
que o Homem dos Lobos dá a seu próprio sonho corresponde entre os respondido pela desconstrução da metonimia.
trução de uma metonimia, pois conjuga associa ções
contíguas
significantes envolvidos, transportando o mesmo significado por meio de Voltemos ao sonho. O segundo movimento compreende uma pontua-
ção de Freud, que chama a atenção para o rigor do dito Espe, deixando de
um novo arranjo significante. Sua interpreta çã o entende o acontecimento
na série associa- lado a unidade do sentido que se preservara pela continuidade do discur-
significante contido no sonho como um elemento a mais so e tomando por irrelevante o fato de o paciente ter o russo por língua
tiva desenvolvida até então.
que materna e apresentar naturais dificuldades ao expressar-se em alemão.
Vale a pena notar que no início da análise o paciente recordara
ância ele fora tomado pelo Aqui a escuta privilegia o modo transcritivo, pois aponta a incompatibili-
durante o período de angústia vivido na inf
medo quando caçava uma borboleta listrada de amarelo. Meses
mais tarde dade ou equivocidade entre o dizer e o dito. Neste sentido, Freud se apoia
com uma na deformação morfológica da palavra, mais precisamente na presença
o paciente associou o abrir e fechar das asas de uma borboleta
" " , na es-
V de uma síncope; ou seja, figura retórica que opera pela supressão de um
mulher abrindo e fechando suas pernas em forma de "V". O
~; crita latina, liga-se ao horário em que culminam suas depress
ões diárias, e .
fragmento fonético da palavra Note-se que ao alterar o modo de escuta,
,o se Freud recusa a contiguidade da interpretação metonímica e reintroduz a
< j supostamente indicaria a hora em que se passara a cena primária que
J ; poderia inferir por uma interpretação transliterativa . Num per íodo pos - posiçã o enigmá tica de SI ( Espé), que agora não está mais indicado por lis-
, que apreciava tras amarelas ou por Grusha. Em outras palavras, esta intervenção convida
terior, o paciente recorda-se das peras listradas de amarelo
I
«. na juventude e que aparecem no discurso em contiguidade com
Nanya, a a associação a prosseguir sob outro modo de inserção subjetivo, marcado
£j -
babá que antecedeu Grusha. Assim, o sonho insere se no processo
inter- aqui por outra forma retórica.
S
mica. Propomos, A sequência revela, no paciente, a aparição de um terceiro modo de
pretativo evocando significantes em associação metoní j g
como forma retórica da metonimia, a adjunção de dois conjuntos
que con- escuta, o transliterativo: "Espe, este sou eu". Tomam-se duas expressões
*:
foneticamente semelhantes e se as diferencia pelo modo de escrita: "Espe"
\ °
N
I Nanya
1
Os determinativos, mencionados por Freud no trecho que citamos
primeiro conjunto se transportam ao segundo. A reunião
contém dentro acima, são empregados na escrita hieroglífica e serviram a Champollion
de si a interseção das propriedades comuns . O significado permanece es- .
de modo decisivo para a decifração da Pedra Roseta No caso do egiptó-
tável e não há ruptura da barra de resistência à significa çã o. Observe-se logo, foram os chamados cartuchos, que circundavam nomes próprios
.
doques [listra
amarela pela borboleta e lista amarela pela vespa.] ou ainda pera
A
[
sin
por
entre dois
édoque é
como Ptolomeu e Cleó patra, o que permitiu isolar o valor dos grafemas da
escrita egípcia . No caso do Homem dos Lobos, encontramos pontos (S.P ),
-
mas poderiam tratar se de aspas ou de um sinal equivalente. Sinais que
.
significantes baseada na generalizaçã a
funcionam como embreantes (shifter) na passagem de um modo de escuta
um caso particular da metonimia, único caso que realiza perfeitamente ou de leitura a outro.
maneira , a com -
f órmula "parte pelo todo" (reunião). Formalizado dessa , Do ponto vista retórico, não se pode dizer que a relação entre "Espe"
a seguir
patibilidade com o diagrama da alienação, que esquematizamos e "S.P." está baseada na metáfora, na metonimia ou na sinédoque. A
aparece facilmente: atribuição do efeito da interpretação à homofonia significante, apesar
de correta, é ampla em demasia, pois a homofonia está presente tanto
Sujeito SI 4- S2 na dimensão morfológica quanto na sintática e na semântica. O mesmo
argumento se aplica à equivocidade; outro critério da interpretação as-
ao ser sinalado por Lacan (1973). No entanto, se combinarmos a análise lógica
SI indica o significante enigmá tico, carregado de não senso
o saber efe- com a transformação retórica, podemos especificar a direção do processo
realizado no sonho; ponto que pede associação. S2 representa
tra- interpretativo.
tivado pela ligação com SI a partir da alienação do sujeito. Assim
, a
117
I 116
" . ." faz com que o sujeito obra, isto corresponde à ideia de que: "(...) é entre o significante do nome
O efeito produzido pela emergência de S P próprio de um homem e aquele que o abole metaforicamente que se pro-
". Neste movimento, todo o
se apreenda em sua causa: "Mas S.P. sou eu
conjunto de pulsões que coordenavam as
associações são realocados. Não duz a centelha poética" (Lacan, 1957, p. 511).
ção do Outro, nem de se A metáfora não é pensada, neste caso, em acordo com a tradição aris-
se trata apenas de olhar sádicamente a mutila sobreposição das fal- totélica da conjugação de semelhanças, mas no recobrimento de diferen-
uma
identificar à sua castração imaginária, mas de
o. Em termos lógicos, trata-se ças, daí a posição vazia na interseção. Assim, pode-se escrever a forma
tas que põe o sujeito em posição de separaçã
. e notar que esta retórica do processo interpretativo:
da operação de interseção e não de reunião É important interpretativo
separa ção só pode ser apreendida no contexto do processo
que propiciou no primeiro momento a alienação
. Espe -> inseto de listras amarelas (alienação)
dos predicados
Outro movimento importante é a passagem do plano Espe -> ? A Wespe (pontuação)
inovação trazida pelos
ao plano do ser. Segundo Soller (1997), esta é uma
diagramas da separação/alienação; isto é a possibilid
ade de responder à -
Espe A Wespe mutilada < Gruscha, cena da castração (alienação)
questão do desejo com a do ser. Espe <- S.P. Sou eu... (separação)
numa outra
3
„ Poderíamos imaginar a contingência desta passagem
.
, .88) e Obholzer (1993,
continuidade do discurso. Segundo Mahony (1992 p " P."também à fi-
- Ij
~
5
considerado sob outro
j subjetiva, e o processo interpretativo deveria ser
ângulo.
Freud encerra seu comentário afirmando que o sentido
do sonho é Sujeito <- a -> -
S1 S2
entanto, a ideia de que
^
f .
claro; a Espe é uma Wespe mutilada (sem o W). No
isso permitiria retomar ao conjunto do sonho
vingança quanto à ameaça de castração sofrida pela
, sob a égide do desejo de
babá, levanta pro-
ocupa na narrativa
O campo do Outro (conjunto da direita) está ocupado pela cadeia
significante (SI - S2), mas algo deste campo se destacou (o objeto a) tor-
nando o campo do Outro incompleto. Como isto que se destacou não é
blemas. Ela é compreensível pelo lugar que o sonho ção. Mas um elemento do Outro (um significante) mas uma parte dele, mais pre-
ameaç a de castra
do caso, funcionando como peça probatória da
da associaçã o. O cisamente a parte dotada de gozo, a interseção pode ser lida como vazia.
metainterpretação contradiz diretamente os fatos
" não apenas "A vespa Inversamente, o campo do sujeito (conjunto da esquerda) está agora ocu-
que o paciente diz é "A vespa mutilada sou eu e no
primeiro movi- pado por um sujeito cuja falta se inscreve na letra e não no significante.
mutilada representa Grusha" - o que afinal se obteve Essa relação entre o sujeito e o objeto a (fantasma) é de disjunção, ou seja,
insuficien te.
mento interpretativo e que foi percebido como perda de gozo. Assim, ele se encontra duplamente dividido: pela cadeia
a forma me-
Nesse plano metainterpretativo é possível reencontrar significante e pelo gozo.
tafórica ou contrametafórica do processo. Propomos
representar a forma
, onde sua interse- A análise do "vel" lógico, feita por Lacan para especificar as opera-
retórica desta metáfora pela adjunção de dois conjuntos ções de alienação e separação que expressam a causação do sujeito, é em
ção não contém nenhum elemento significante
, mas justamente o que lhe
barrado são conceitos última instância a análise das funções lógicas possíveis do conectivo "ou-
está em exterioridade. A letra, o objeto a e o S de A ou". Ora, o "ou" inclusivo (alienação), exclusivo (separação) e o "ou" da
linguística de sua
que Lacan propõe para designar este campo. Na fase 119
escolha for çada (um tipo especial de alienação), não podem ser apreendi- Referências
dos fora de um processo interpretativo. Isso combina com a tematização
inicial destes conceitos no artigo Posição do Inconsciente (Lacan, 1964) em
termos da temporalidade. ALLOUCH, }. Letra a Letra - Transcrever, traduzir, transliterar. Rio de
Companhia de Freud, 1995. Janeiro:
O
Perda de realidade e delirio
ÇU
Depois desta definição precá ria, o que vemos são tentativas de cor-
reção. A crença não deve ser aceita pela cultura a que o sujeito perten-
ce. A intensidade da convicção delirante pode variar de acordo com um
contínuo que leva à dificuldade em distinguir a crença delirante de uma
ideia supervalorizada. Segue-se uma classificação dos delírios por seu
conteúdo.
Destaco, nesta definição, um termo-chave que passou algo desperce-
bido na psicanálise: crença. Trata-se de uma "falsa crença" em desacordo
com a "realidade externa". Mas o que é uma crença? Seria ela uma forma
de certeza, uma significação da significação (Lacan, 1958). Não me parece
necessário fazer esta aproximação, pois sabemos que nem sempre o su-
jeito psicótico tem certeza de sua crença, que não obstante continua lá.
122
diz respeito a este trabalho com o delirio, este atravessamento do delírio
Mais ainda, como se pode ver no filme Urna
Mente Brilhante (Ron Howard,
(Freud, 1911), em seus de-
que, como sabemos, não se consegue obter em todos os casos de psicose.
2001) e no próprio caso do Presidente Schreber de uma crença Levar um paciente até este momento residual do delirio exige uma teoria
senvolvimentos finais, é muito comum o estabelecimento . Ou seja, crença e que explique não apenas o desencadeamento da psicose - como é o caso
que o sujeito sabe ser falsa, mas que continua presente da teoria da foraclusão do Nome-do-Pai - mas que mostre como a função
saber são dois aspectos distintos do delirio. do nome participa da articulação do delírio. Além disso, precisamos de
" óneas" que podemos
E por que diante da infinidade de crenças err uma teor ía que dê conta da articulação do saber na psicose fora do mo-
no que caracteriza o
imaginar, afinal, são tão poucas as que verificamos mento de crise. É só pela articulação destes dois aspectos que poderemos
outro, pois somos alguém
delírio? Crença de que somos controlados pelo deduzir uma concepção sobre a psicose não desencadeada.
, autorreferência, in-
mais importante do que de fato somos (megalomania A hipótese que quero desenvolver aqui é de que para entender a
, ou de que não somos
fluência)? Crença de que somos amados pelo outro lógica da crença precisamos entender a função do nome ou da nomina-
(erotomaníaco, ciúmes, melancolia)? Crença
de que somos percebidos,
ção. Para entendemos a lógica do saber precisamos retomar o tema da
em nosso corpo, como algo diferente do que nó
s mesmos percebemos
experiência psicótica. fantasia na psicose.
-
<i
; (somático)? Isso responde a um fato elementar
,
Um psicótico sabe que um delirio é um delirio que
da
uma alucinação é urna
de acreditar nisso. A A significação do delírio: o Nome- do- Pai
i alucinação, ocorre que ele não consegue se impedir
j
delirio se altera
5i relação entre crença no delirio e saber produzido pelo
que delimitam a
! substancialmente se consideramos os quatro tempos Minha tese é que a lógica da significação no delírio deve ser distin-
u
OH experiência psicótica, a saber: guida da lógica da significação do delírio. Em outras palavras, as regras 1
1. a pré-psicose ou psicose não desencadeada que coordenam a construção delirante diferem das regras que regulam a j ®
1 pelação do Outro.
No período de construção delirante esboça-se uma
tar de sentidos, articula-se uma narrativa que pode
mais reduzida, mais fragmentá ria ou mais coerente
rede suplemen-
ser mais extensa ou
. Aqui, saber e crença
lírio vem a ocupar a função de uma metáfora irrealizada na ordem da
constituição do sujeito. Isso nos leva a uma teoria muito simples sobre a
significação do delírio, ou seja, de que ela deve cumprir a função da me-
táfora paterna, ou seja:
a mais aguda an- • articular a relação simbólica de filiação
vivem uma espécie de disputa: o sujeito experimenta
ê, ou de uma crença da • estabilizar o drama identificatório do sujeito
gústia produzida por um saber no qual não se cr
qual não se sabe. • estabelecer um modo preferencial de gozo na fantasia
uma espécie de es-
Finalmente, o momento terminal é marcado por Mas que a significação do delírio sempre remeta a um destes termos,
vaziamento da crença com a permanência de
um saber. É justamente a
Aimé que chama a aten- e preferencialmente aos três, isso não nos ilumina em nada a forma es-
precipitação deste momento terminal no caso pecífica como isso será feito. Por exemplo, o delírio do Presidente Schre-
a atriz Hugette Duflos,
ção de Lacan. Logo após a tentativa de assassinar ber se articula em torno de quatro arestas ou problemas que jamais se
Aimé pacifica sua forma ção delirante, movimento
que Lacan (1932) cha-
fecham:
ma de "cura". 1. o gozo transsexualista da cópula com Deus (i)
o melhor ser-
Faço esta consideração introdutória, pois entendo que 2. o futuro da criatura na nova ra ça ( m )
viço que o método psicanalítico pode prestar ao
tratamento das psicoses 125
3. ser deixado cair ( liegen lassen ) por Deus (M) enunciados e enunciações, lugar onde se inscreve o sujeito. É o que Freud
chamava de uso das representações-palavra ao modo de enlaçamento das
4. a investigação sobre o que sustenta Deus (I)
-
representações coisa. Encontramos aí a regra para a formação das signi-
ficações no delírio.
Esses quatro subtemas delirantes se referem à solução das ques - Mas não devemos confundir tais enunciados com o valor que este
:
tões antes colocadas: filiação, identificação e sexuação. Sinteticamente conjunto de significação tem para aquilo que o determina, ou seja, seu
transformar-se em uma mulher (emasculação), copular com Deus ter
, seu
sentido. A relação entre um universo de significação e seu sentido é uma
corpo deixado de lado e dar origem a uma nova raça". São estas quatro relação de designação, não de significação ou de descrição. Assim como
arestas, que se aproximam assintoticamente, sem se fechar, que definem um nome próprio, o sentido designa algo ou alguém, mas não o descreve
a realidade no delírio, como o mostra o esquema I. Realidade cuja defini- ou significa.
de
ção, aqui, é interna, sugere coerência ou fechamento de um universo
coleção Serge Leclaire (Leclaire, 1998) narra um processo de desencadeamen-
significação e não a apreensão do mundo entendido como uma to da psicose em que esta distinção entre sentido do nome, que é objeto
de objetos: de uma crença, e significação gerada pela fantasia podem ser exemplifica-
í (...) Podemos apreender como o aprisionamento homológico da signi - dos. Trata-se de dois amigos que passam a noite na "gandaia" parisiense.
< -
ficação do Sujeito S sob o significante do falo pode repercutir na sus De tanto beber nã o conseguem encontrar o caminho do hotel e encon-
tentação do campo da realidade, delimitado pelo quadrilátero MimI
. tram neste momento dois "andorinhas", que é a gíria francesa para dois
i (Lacan, 1958, p, 559) policiais, que fazem a ronda noturna de bicicleta. No dia seguinte, um
i deles não se lembra de nada. Volta então para os Estados Unidos, onde
i
O delírio se prolonga indefinidamente, pois a significação do delírio mora, e depois de alguns meses desenvolve um delírio em que acredita ;*
é o desenrolar aberto destas perguntas. Mas isso não nos ajuda a enten- ser uma águia, escuta m úsicas com sons de passarinho e desenvolve uma
°
j
der a diferença clínica crucial entre um delírio organizado, funcional ou
pacificador e um delírio disruptivo, precá rio ou fragmentário. Isso não
obsessão ornitológica. "Andorinhas" entra como um nome que induz à
I
1i
precipitação do delírio e a fantasia com pássaros.
nos permite entender por que este paciente, diferentemente daquele ou - I
tro, consegue manter-se em uma articulação de saber ou de escrita que 0 sentido no delí rio; a fantasia
o protege da alucinação, da angústia e da passagem ao ato. Isso só pode
ser pensado quando se considera a própria significação engendrada no
=s
£
Aqui, adianto minha segunda tese. Se a significação do delírio é
delírio. Quando a significa ção dentro do delírio encontra problemas para garantida pelo Nome-do-Pai, a significação no delírio é garantida pela
se manter. fantasia. Para simplificar. Se perguntarmos, afinal, qual é a natureza da
Poderíamos recorrer aqui à distinção entre significação ( Bedeutung ) e
- significação envolvida nestas quatro pontas que não se amarram, e que
! sentido (Sinn). Na lógica modal é comum a distinção entre diferentes uni
versos. Um universo é um conjunto definido por uma série de proprie
dades, por uma determinada gramática que confere valores de verdade
- formam a totalidade do delírio de Schreber, a resposta é: algo semelhante
-
ao Nome-do Pai, o que é geralmente lido clínicamente pela dispersão dos
temas edipianos.
aos enunciados produzidos. Cada universo, assim definido, possui regras Mas se perguntamos por que Schreber arma um delírio tão conse-
semânticas próprias para a geração de enunciados, ou seja, possui uma quente e estruturado, ao passo que outros o fazem de modo tão pobre e
lógica que define sua significação. Podemos também considerar relações
entre universos diferentes, com regras de significação diferentes. Pode - precário, a resposta não pode ser "porque falta o Nome-do-Pai". A res-
posta tem de ser algo na natureza da fantasia. Algo relativo à forma como
,
mos agrupá-los em famílias, verificar regiões de sobreposição, etc. Ora ela articula esta janela de onde o psicótico também vê a realidade, o lugar
estas relações entre os universos podem estabelecer o sentido das relações
de onde ele também encara sua verdade em estrutura de ficção.
entre os universos. Espero que assim fique mais clara a relação que quero
propor entre a significação no delírio e o sentido do delírio. Para justificar este ponto, chamo Freud em meu apoio. A distinção
metapsicológica mais nítida que Freud faz entre neurose e psicose não é
Podemos nos preocupar, então, com certos enunciados que não são de que uma é edipiana e outra pré-edipiana, nem mesmo que na neurose
nem verdadeiros nem falsos, mas apenas mal construídos, como por o conflito é entre ego e id e na psicose entre ego e realidade, mas que na
exemplo "casa o", "Chinesentum", etc. Expressões que corrompem as re- neurose, diante da castração, o sujeito regride, desinveste a realidade, in-
J gras usuais para formação de enunciados, bem como para a relação entre
127
troverte a libido no eu e investe um objeto de sua fantasia
. Na psicose te - delira mais é o paciente ou o analista. Afinal, é Bion quem acredita que
um pedacinho de pele do rosto é equivalente de run pênis. Perguntem por
o marcada tipicamente pela
mos os mesmos passos, regressão, introversã (
aí, em nossa cultura, e chequem o nível de convicção que isso poderia ter
.
hipocondria), mas falta um investimento do objeto na fantasia e verão que não é um exagero. Bion pode estar certo quanto à significa-
do delírio,
Isso ilumina, adicionalmente, a diferença entre a estrutura írio, que ção no delírio, mas está completamente equivocado quanto ao manejo do
-
que é uma versão fracassada do Nome do-Pai e fun
, a ção do del
motivo que podemos sentido do delírio. O paciente está tomando a expressão "pênis" por um
é fazer um investimento na fantasia. É só por este nome, não por um significante. Não é um significante aprisionado em seu
do delírio na neuro-
encontrar, e efetivamente encontramos, a presença uso imaginário - o que define uma fantasia neurótica para Lacan -, mas
. O que acontece
i se. Delírio que tem um papel funcional e não estrutural com a re- um nome.
quando a fantasia do Homem dos Ratos sofre um reviramento Ora, o que o paciente diz corresponde a uma inferência causal en-
e do encontro com a
alidade, nas circunstâncias das manobras militares
Nome-do-Pai, mas tre pedacinho de pele e sentimento de vazio, errónea poderíamos dizer.
narrativa da tortura? Não ocorre uma foraclusão do Além disso, há esta afirmação muito curiosa: "Não entendo... pênis... só
uma formação deli-
uma extensão de sua fantasia realizada por obra de Tenente A ou sílabas". Se a significação do delírio está na castração, a significação no
ao
~I rante: ir ou não à agência postal em Z, pagar o dinheiro delírio constitui um caso clássico de confusão entre uso e menção (a pa-
B, etc. Que se trata de um delírio, isso é textual em Freud
.
3 as diferen ças clínicas entre a lavra "cachorro" não late). É um ótimo exemplo do que Lacan chama de
Nosso problema se desloca, então, para uma irrupção do código na mensagem. Na clínica da significa ção no de-
do delírio. Notem
I -
incidência do Nome do-Pai e da fantasia na express ã o
; ou seja, a tentativa lírio este ponto é fundamental, pois ele é o ponto de abertura para a in-
que esta distinção é um tema recorrente em Lacan flação imaginária e o ponto de desestabilização do delírio. Este momento
fantasia paterna, da
de demonstrar que a função paterna é diferente da
.
preciso do discurso em que aparecem fenômenos de dois tipos: 3
figura paterna ou da identificação patema.O Nome-
do-Pai garante se há i »
i 1. Um código constituído de mensagens sobre o código. Ou seja,
á esta significação. jQ
^ significação ou não, a fantasia é quem dita qual ser é a substituição da função referencial da linguagem por uma
Como condição de possibilidade de toda significa ção possível, o Nome- \£
„; função metalinguística. No presidente Schreber é o ponto de
isso ele é um nome
do-Pai não pode, ele mesmo, ser uma significação. Por
j o
ia2 j e não apenas um significante. É a fantasia que dá o
estatuto fálico à sig- aparição dos neologismos (Entmannung), da língua fundamental
i ( Grundsprache), que é ela mesma um neologismo que versa sobre
£I nificação. a produção de neologismos. Há uma confusão relativa ao desig- :
; £
nador rígido do código. Cada vez que a função da nominação é j «
Is
a atenção para isso. As
O caso do Presidente Schreber devia nos chamar CALLIGARIS, C. (1989). Introdução a uma Clínica Diferencial das Psicoses. 2.ed.
coisas começam a ir realmente mal quando
ele é nomeado juiz da corte de São Paulo: Zagodoni, 2013. 5
apelação da Saxônia.
Foi isso que parece ter acontecido também
com o paciente de Feren- DOR, J. Estruturas e Perversões. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
czi, que repentinamente se viu nomeado por
uma ordem de discurso, no
FERENCZI, S. (1991). Algumas Observações Clínicas de Pacientes Paranoicos e
s
contada por Lacan:
caso a psicanalítica. Lembrem-se também da anedota acredita que é rei. Parafrênicos. In: Obras Completas.São Paulo: Martins Fontes, 1992.
o rei que
u o Bufão que acredita que é rei está tão louco quanto
que encontramos no senso FREUD, S. (1911). Observações Psicanalíticas sobre um Caso de Paranoia
! „ .
Seria ainda a forma mais próxima e caricata
que é, ou, como se
comum para definir a loucura. Alguém que acreditaacha que é Napoleão
diz em nossos dias alguém que se acha. Alguém
que
(Dementia Praecox) Autobiográficamente Descrito. In: Sigmund Freud. Obras
Completas. Vol. X. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
ou o atual Rei da França, tanto faz. FREGE, G. (1892). Sobre Sentido e Referência. In: Lógica e Filosofia da Lingua-
gem.São Paulo: Cultrix, 1978.
Indexador e designador r
ígido LACAN, J. (1932). Da Psicose Paranoica em suas Relações com a Personalidade.
Rio de Janeiro: Forense, 1988.
durante o tratamento
A significação no delírio psicótico e seu manejo - . (1958). Questão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psico-
: a força que o em
analítico dependem então de uma atenção constante se. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
e também ao trabalho de
puxo à nomeação pode exercer para o paciente - LECLÀIRE, S. Em Busca dos Princípios de uma Psicoterapia das Psicoses. In:
, lugares, os tempos e as pes
sedimentação de sua posição de indexação os - Escritos Clínicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
estabilidade. Por aqui en
soas nos quais o sujeito pode encontrar relativa
à ruptura do cotidiano
contramos toda uma série de perturbações ligadas ^ HNEÍDERMAN, S. Sobre a Subversão do Sujeito. In: Capítulos de Psicaná-
eficácia de certas formas de
do paciente, e também devemos reconhecer a lise.São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira, 1988.
132
»
O Dever de Dizer e
o Dever de Calar
ê
^
A noção (áe ro r)igar seem Frond a de superego. É odevsPquejgrigi
- -
i l n a o caráter msensato e insaciável de nossa exigência moral, de nossa
aptidão para a idealização, do circuito de empobrecimento da experiência
gerado pela obediência ao superei). Mas se (fsupereq) trabalha ao modo
de um puro dever, como o imperativo categórico, será que todo dever pre-
sa ser rt
Retomo aqui a antiga questão técnica legada por Strachey sobre o
superego do psicanalista, cuja tradução lacaniana seria o gozo do analista.
No artigo The Nature of the Therapeutic Action of Psychoanalysis (Strachey,
1934), esse autor introduz a noção de interpretação mutativa, que origina
uma torrente de concepções sobre as relações entre supereu e interpre
tação. A interpretação mutativa envolve uma separação entre fantasia
-
e objeto; ela não é só mutativa porque muda o paciente, mas porque é
uma ruptura no dizer do analista. Na esteira dos desenvolvimentos de
Ferenczi sobre a espontaneidade e a sinceridade que se deveria esperar
da relação analítica, os pós-freudianos enfatizaram que o supereu seria
o conceito metapsicológico fundamental para entender a interpret ção.
a
É neste contexto que se pode entender a emergência de modelos clínicos
baseados em "experiências emocionais corretivas", a economia das inter
venções baseada na oposição entre "frustração e gratificação" e os efeitos
-
avaliados em termos de "regressão e agressão". É preciso lembrar como
Rudolph Lowenstein, analista de Lacan, desenvolvera uma teoria da in
terpretação fundada na passagem da superf ície para a profundidade; ou
-
seja, uma concepção que aparentemente procurava mitigar o impacto su-
peregoico da interpretação. Uma parte deste problema é resolvida por
Lacan por meio de uma retomada dos problemas relativos ao significante
e ao sentido e de uma releitura dos processos hermenêuticos presente no
s
, entre-
sonho, no chiste e na psicopatologia da vida cotidiana. Menos claro condições de possibilidade e condições de necessidade, ainda sim esta
tanto, é como a crítica lacaniana da interpretação de estrutura superegoi
- seria manca do ponto de vista da liberdade do analista. Vejamos como
ca lidará com o problema da decisão interpretativa . De fato, h á inú meras este movimento aparece em três incidências cruciais no entendimento la-
. entanto,
indicações que ligam a prática da interpretação com o tempo No caniano da interpretação.
ções
quando o problema é a forma, a quantidade e a extensão das interven É nesta direçã o que Lacan insiste que a interpretação deve ser pensa-
Lacan, sempre insistira na liberdade e no tato do analista. É neste
plano da como restituição da verdade, estrutura de ficção, transformação da arti-
o de dever envolvido na econo -
que se coloca nosso problema: sobre tipo culação metaf órica ou metonímica, no contexto da crítica da interpreta ção
mia de fala e silêncio em meio a qual a interpretação se desenvolve
. Nã o como reconstrução da realidade factual da lembrança.
da interpreta ção.
podemos confundir o dever da interpretação com o poder
Ou seja, há certas condições que nos informam quando uma interpretação Sejamos categóricos: não se trata na anamnese psicanalítica, de reali-
o, de-
é possível, mas nem sempre que podemos arriscar uma interpretaçã dade, mas de verdade, porque o efeito de uma fala plena é reordenar
vemos fazê-lo. Consideramos esta afirmação de Freud sobre os momentos as contingências passadas dando-lhes o sentido das necessidades por
e as condições sobre as quais a interpretação é possível: vir, tais como as constitui a escassa liberdade pela qual o sujeito as faz
presentes. (Lacan, 1953, p. 257)
5
< Se comunicamos a um paciente uma representação que ele recalcou
em seu próprio tempo e conseguimos recuperar, isso, em princ pio
í ,
Aqui Lacan é hegeliano, no sentido de que liberdade e necessidade,
1 .
nada modifica seu estado psíquico. (. .) Não se conseguirá mais
que
ética é lógica procedem de uma mesma substância comum, a saber, o tem-
uma nova desautoriza ção ( Ablehnung ) da representa çã o recalcada . Mas
l agora o paciente tem a mesma representação numa dupla forma
, em po. O tempo é este conceito no interior do qual a dimensão ontológica da 3
recorda - realidade se bascula em dimensão antropológica da verdade, invertendo 2
lugares diferentes de seu aparelho psíquico; primeiro possui a
, assim a relação tradicional e intuitiva do passado como campo do ne-
ção consciente do traço auditivo da representação que comunicamos
em segundo lugar, como com certeza sabemos, leva em seu interior a cessá rio e o futuro como campo do contingente. A oposição lógica entre j
recordação inconsciente do vivenciado. Só quando esta última se toma
! consciente se alcança êxito. (Freud, 1915, p.171-172)
realidade e verdade se redobra na oposição entre contingência e necessi-
dade. Ora, a verdade de corte ontológico realista não pode abrigar o fu-
turo, limitada que está pela estrutura judicativa da inferência. É com este
í
Ou seja, a representação comunicada envolve um tempo e um traba- conceito ético antropológico de verdade que Lacan consegue reverter o
I lho de reconstrução ou recuperação. Em seguida, há o trabalho de passar realismo "anamnésico" da teoria da interpretação convencional. Ou seja, s
iz . da recordação do traço auditivo à vivência ou experiência ( ducharbeiten a verdade assim considerada "cria suas próprias condições de efetiva-
se
a; É só no terceiro tempo da interpretação que ela alcança seu êxito ao ção", condições que não estão dadas. É como efeito ético da interpretação
"tomar disponível para a consciência". Ou seja, a interpretaçã o envolve que se recupera a escassa liberdade do sujeito no presente.
° ,
!£
cula com a tática ou com a estratégia do tratamento seja porque
a política própria que define a psicanálise. Ora, este desejo sempreé
contingência. É por isso que a tática das intervenções frequentemente traz
ela efetua
uma
me importando para o que você possa achar (Lacan, 1963, p. 160).
ã Referências
I . Bue- 0 sujeito como questão
FREUD, S. (1915). O Inconsciente. Sigmund Freud . Obra Completa V-XIV
nos Aires: Amorrortu, 1988 . nascimento das primeiras universidades, ao final da Idade Média,
l
. (1901). Chistes e suas Relações com o Inconsciente. Sigmund Freud .
Obra Completa V-XIV. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
^
/''
V/ fez-se acompanhar da aparição de um novo gênero literá rio conhe-
cido como quaestio. Impunha-se tal gênero como uma espécie de exercí-
Psicanálise. cio pedagógico, ou método de aprendizagem, baseado na alternância das
LACAN, J. (1953). Função e Campo da Fala e da Linguagem em
In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. objeções, das exposições e das refutações. Além disso, a quaestio permitia,
l de forma inédita, que uma multiplicidade de bacharéis e mestres par-
£ . (1958). Direção da Cura e os Princípios de seu Poder. In: Escritos. ticipasse, ao mesmo tempo, das disputas verbais que caracterizaran! a
i Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 626-637, 1998. construção do saber medieval (Libera, 1993, p. 26). O procedimento da
í Seminário - Livro XI - Os Quatro Conceitos Fundamentais da
. (1963) . O quaestio presume tuna exposição partilhada e ao mesmo tempo um tra-
o
Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. , balho pessoal. A ordem e a forma assumida pela exposição combinam-se
em um discurso que ao final permite passar ao momento das sentenças ou
3 . (1963). O Seminário - Livro X - A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge das sumas. Daí a quaestio ser ao mesmo tempo uma espécie de preparação
Zahar, 2002. para o saber e sua realização em ato.
.
(1973). O Aturdito. In: Outros Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar
, Questio vem do verbo latino quarere, ou seja, querer, procurar, bus-
2003. car. Talvez esta conotação se preserve no sentido lógico do termo questão.
de In- Uma questão é um ato linguístico que consiste em enunciar algo denotan-
SÉRIEUX, P.; CAPGRAS, J. As Loucuras Raciocinantes - O Delírio do, quer pela entonação, quer pela forma gramatical quer pela pontuação,
O, P .; SONENR EICH , C;
terpretação: Introdução. In: DALGALARROND . que se pede a alguém que a enuncia ção seja completada (Lalande, 1997),
de Grandes Autores
ODA, A. M. R. História da Psicopatologia : Textos Originais
Uma questão não é uma pergunta, mas uma passagem ou transmissão da
São Paulo: Lemos, 2004.
palavra. Uma incitação ao dizer que convida o outro a tomar posição, ou
. In-
STRACHEY, J. The Nature of the Therapeutic Action of Psycho-analysis -
seja, manifestar se como sujeito.
ternational journal of Psycho- Analysis , 15, 127-159 , 1934 .
Depois do século XV, o termo questão se dissemina passando a de-
signar tanto o assunto, tema ou ponto em discussão quanto o fato de esse
assunto não estar ainda resolvido. Expressa, portanto, a situação em que
, Angela Vorcaro e
3
Conforme discussão com Ricardo Goldenberg, Dominique Fingermann os que pelo tema se interessam não encontram consenso ou conciliação
142 Leda Bernardino.
de teses. Daí os termos subject em inglês e sujet em francês significarem, mal me reconheço na penumbra deste vazio. Sou ent
ão efeito de uma
ambiguamente, tanto assunto quanto alguém que fala de um assunto. In- formação que me escapa? -
versamente, diz-se assuntar,em português, no sentido de convocar alguém A questão do sujeito é, portanto, descobrir, a cada
a falar, incitar a dizer. momento, quem é
o sujeito da questão.
Na acepção de assunto, tema ou objeto, questão remete ao antigo ter-
mo grego hypokeí menon, ou seja, a substância, o substrato ou ainda o sujei- 0 sujeito moderno
to. Sobre o sujeito se erigem os adjetivos ou qualidades em uma proposi-
ção. Em Aristóteles, o termo remete tanto ao contexto linguístico quanto
ao lógico e metaf ísico. O sujeito é o que permanece na transformação. É O assim chamado sujeito moderno encontra-se
nesta circulação fe-
o que subjaz, o que fica suposto em uma operação linguística ou em uma chada sobre sua questão. O sujeito é o impossível
que esta questão ten-
inferência lógica. ta articular, o indizível que ela não cessa de não dizer
. Esta questão foi
aberta pelo reconhecimento de que Eu nada tenho a
Esta peculiar propriedade do termo questão em designar ao mesmo dizer de mim sólida,
~| simples e inteiramente, sem confusão e sem mistura, como
tempo o agente, o processo e o produto de um percurso de fala e de pen- afirmou Montaigne
(Montaigne, 1973). É esta questão, aberta, reconhecid
2i sarnento é congruente com a própria noçã o de sujeito. Sujeito indica ao a e tematizada no
pensamento ético e na experiência estética, que precede
JI mesmo tempo o agente do ato; um conjunto de ações que subjazem4, e o e toma possível
um empreendimento como o de Descartes5. O sujeito como
I efeito destas ações. Ser sujeito é também estar sujeito a, estar submetido questão será
de certa forma ocultado, esquecido, expurgado
a uma interpelação. pela modernidade. É esta
I Resulta que a questão do sujeito implica a coordenação de uma tripla
questão que retomará, diferida, com a reversão da
quadro da descoberta do inconsciente, do desejo, do
questão do sujeito no
indagação: O que sou? Como sou? Quem sou? da loucura, enfim de tudo o que caracterizará temá
corpo, da inf ância, ã
No primeiro caso, enfatizo o sujeito como mesmidade (Ricoeur, 1997), ticamente boa parte da 5
psicologia... mas não toda.
o fato de que sou um ao longo do tempo, em continuidade ininterrupta e
IS
Como tal, o sujeito moderno é o sujeito baseado e fundado j
permanente. Sou uma conjunção de predicados que me objetivam e nos na repre -
quais me alieno por comparação. Quando não me perguntam eu sei, mas
quando me perguntam já não sei mais o que sou.Sou o conjunto de minhas
-
sentação. Nesta medida, trata se de um principio epistemol
be o conhecimento como realização perfeita da
ser conhecido, por intermédio de um método que,
ógico que conce-
representa ção do objeto a i
identificações. Sou então a construção aberta de uma obra indefinida?
No segundo caso - como sou?, a resposta me envia à relação que
sustento com a palavra que empenho, o cuidado de si, a reunião hetero-
como runa espécie de espelho translúcido, cuja função é
por sua vez, pode ser
exerddo por qualquer um, mas não por todos6. O intelecto
funcionaria
refletir, e que tão
!a
u
melhor imagem produzirá quanto menor for a intercorr
u; gênea daquilo que me faz como questão: descrever, relatar, prescrever. ência de tudo o
que tóma tal espelho opaco, impuro, pessoal. A figura
Sou a intriga formada pela história de minha vida e as peças que não se do cientista é um
l w : acomodam nesta narrativa. Aqui não há nenhum tratamento possível da
bom exemplo deste aspecto do sujeito moderno. Ou
designar aquele que fala por si entre todos e passa a
seja, sujeito deixa de
designar
3j
( questão sem o reconhecimento que só apreendo quem sou quando fora um que fala por todos à custa da exclusão de si. Nisso exclui- qualquer
de onde estou. Para haver questão, o ser deve ter dois nomes: vazio e penumbra se tudo o que
faz do sujeito este sujeito nessa experiência que o constitui
(Badiou, 2002, p. 128). Sou onde não penso, penso onde não sou. Quando tem de próprio e singular. Mais precisamente, a
. Aquilo que ele
sei o que desejo não sei quem sou, quando sei quem sou já não sei mais o posição de onde ele se
põe em questão. Ou seja, o sujeito moderno não é um
que desejo. Sou então efeito de uma constituição que me escapa? sujeito psicológico,
tal como o concebemos7.
Isso leva à terceira pergunta: quem sou ? Aqui ponho em questão mi-
nha ipseidade, ou seja, aquilo que me faz próprio, essa mistura única entre
identidade e diferença. Aqui falo em minha descontinuidade na experiên- 5
Ver sobre isso o admirável trabalho Santi, P. A
cia, na escansão do tempo, na enunciação instantânea e fugaz do sujeito, Critica do Eu na Modernidade - de Montaigne
no seu desaparecimento no ato e nos atos de sua palavra. Sou então ali
-
a Freud, Tese de Doutorado, PUC SP, 2001.
6
Veja-se a exclusão da loucura e do sonho como contraexempl
onde não me encontro, sou apenas ali onde o outro me convoca e onde os do sujeito em Descartes, R.
.
Discurso do M étodo. Coleção Os Pensadores São Paulo:
Abril Cultural, 1973.
4
Conforme o latim subjectum, aquilo que se lan ça por baixo { sub ) em um determinado
7
-
Veja se a crítica de Politzer para saber da
condenação a que a psicologia se submete ao
desconhecer tal fato. Politzer, G. Crítica dos Fundamentos da Psicologia,
144 movimento . 1998. Piracicaba: Unimep,
145
a um princí pio sua experiência subjetiva. Herói cujo atributo maior é a astúcia da razão,
Mas, ainda na modernidade, sujeito corresponde
do sujeito burguês a estratégia e a tomada de riscos tal qual o homem burguês. Por mais que
ético- polí tico. Geralmente, convoca-se o personagem
íduo, isto é, mais e me- a experiência do tempo e do espaço o toque, ele não se reconhece nesta
para analisar este aspecto da questão. Um indiv a vontade coletiva deve transformação. Quando volta, Ulisses, no fundo, é exatamente o mesmo
nos que um espelho do outro. Por tal princ pio
í ,
, por intermédio de um que deixara ítaca duas décadas antes (Auerbach, 1979). Ulisses é acossado
ser representada no Estado, pela Sociedade Civil
sujeito político, ou seja, pelas sereias: as tentações de que ele goza enquanto os marinheiros-ope-
dispositivo que possa ser exercido por qualquer , em sua conotação éti- rários de ouvidos ensurdecidos trabalham pelo seu gozo. Gozo do qual
por qualquer cidadão. . . mas não todos. O sujeitosenhor e artífice de seu ele não pode usufruir, pois é um herói amarrado pela sua própria vonta-
ca, interioriza a ideia do soberano. Ele é agora
, seu destino não é mais de a uma disciplina da paixão. O exercício sistemático dá uma perda ou
próprio destino e de seu próprio desejo. Ou seja Assim como a história renúncia de si mesmo, única forma de se conservar9.
comum, na medida em que o sujeito se supõe livre contendas contra o
.
do sujeito moderno do conhecimento , é a hist ória das Em todos estes aspectos o sujeito moderno é indissociável de consciên-
; a histó ria do sujeito ético é a história da cia racional ou de uma razão desprendida (Taylor, 1997). Desprendida da
ceticismo e contra o relativismo
dominação do desejo
-: luta contra a contradição que o divide, história da autoridade da tradição, da comunidade de destino, do corpo, do desejo e
indivíduo e os valores da experiência psicológica de si mesmo. A razão serve como fundamento
<j pela consciência . Contradição entre a vontade do
em relação a si mes- de um sujeito universal, transcendente (intemporal e inespacial). Sujeito
j da sociedade; contradição da vontade do indivíduo
entre as exigências e as livre, capaz de identidade: de si a si e de si ao outro. Eis o sujeito, cartesia-
mo; contradição interna à vontade fragmentada
I faculdades do espaço público e do espaço privado.
no ou kantiano, aspirando a um não lugar. Nesta aspiração está reduzida
í pio esté tico (Wol- toda a sua questão.
£ Deve-se lembrar que o sujeito é também um princ 3
sens í veis mudanças na
fin, 1989). Podemos tomar como exemplo as s
transição da estética clássica (séc. XVI) para o
estilo Barroco (séc. XVII). Condições do sujeito: tempo, linguagem e negatividade
Enfatiza-se como nesse período, em que o sujeito
moderno se consolida
revelam um conjun-
íi como princípio, há uma série de transformações que Sínteses como esta serão encontradas, certamente com melhor qualida-
:J
evocada para tal |
j
3i to de propriedades constantes. Uma obra usualmente de e extensão, em muitos textos de introdução à psicologia10. A psicologia é
)8 Comparando -a com as
demonstração é As Meninas, de Velásquez (1659
.
5; , vemos uma evolu ção do quase sempre apresentaddcomo um saber filho da modernidade, eventual- S
- :j características mais salientes do gênero clássico . Há mente sintoma de seu estertor. Não parece, portanto, grande novidade afir-
. H
ção do sujeito j-
linear ao pictórico, que reflete o processo de interioriza
^t
Q
i
j
uma evolução do plano à profundidade que nos
vez mais posicionai e perspectivo. Ou seja , um
fala de um sujeito
sujeito que se reconhece
cada mar que três temas interrogam a psicologia interna e constitutivamente:
1. a questão do sujeito tomada como descentramento, divisão ou
j5
!scTotiCnmenr U liSfST"dfer
'
nin9uém- É P r dizer seu
° que Ulisses consegue
.
8 Veja- se para análise desta tela Foucault, M. Las
Meninas. In:As Palavras e as Coisas. Sao Paulo
, , ,0 Ver
J As Meninas. In: Palavra çã o. Revista de Ps canal se . particularmente: Figueiredo, L.C. À Invenção do Psicolóqico - quatro séculos de
Martins Fontes, 1987. També m Lacan ,
subjetivação. São Paulo: Escuta/Educa, 1992.
.
146 Biblioteca Freudiana de Curitiba, Ano III, n 3, novembro 1998
decorre dos próprios Mas o que é isto que é essencial no sujeito senão o que o nega como
questionado revela uma topologia heterogénea. Isso
moderno e decidem, por- tal? Ou seja, ao afirmar o sujeito como isto, ele não é mais sujeito, mas
termos que envolvem a apresentação do sujeito apenas um objeto ou atributo sobre o qual pode estabelecer-se perfis de
tanto, o sentido possível da sua ressignificação
psicológica.
dimensão articulada, personalidade, mapas cognitivos ou qualquer outro discurso que afirme
Ressalto a importância de manter esta tripla o conhecimento sobre o sujeito contribuindo para a sua reificação.
se concentra a contradição
pois é na articulação entre estes temas que
originária da psicologia. Pelo menos daquela
que se interroga como fenô- Uma segunda estratégia para contornar a problemática do sujeito é
o reconhecimento desta o que se poderia chamar de contextualismo. Aqui o risco que se coloca é
meno histórico. Toda questão parte e pressupõe Foucault: incorrer em uma espécie de hipertrofia da linguagem como representação
contradição que nos liga à modernidade, como afirmou que combina ecletismo epistemológico, em geral de aspiração humanista,
, levar a sério estas con
O futuro da psicologia não estaria, doravante no
- com um relativismo ético, em geral de aspiração pragmática. Sujeito e
tradições, cuja experiência, justamente, fez nascer
a psicologia? Por con - realidade se dissolvem na primazia genérica das media ções12. É como se
ível senão pela aná lise
seguinte, não haveria desde então psicologia poss houvesse um reconhecimento dos termos, mas não da contradição en-
das condições de existência do homem e pela
retomada do que há de mais tre eles. O biológico, o psíquico e o social formam uma espécie de todo
, 1999, p. 139)
humano no homem, quer dizer sua história. (Foucault harmónico, retratos distintos do Mesmo. Dialetos imperfeitos da mesma
3< Língua fundamental. Disso se deduz, por um lado, uma metodologia hí-
ória do sujeito nã o
O reconhecimento da textura histórica e contradit brida; por outro, uma primazia utilitária da linguagem. Identidades mo-
I psicológico hege
é unânime em psicologia. Há certa tradição do discurso tal: psicologia
- dulares, como quer Giddens; pragmatismo solidário, como quer Rorty;
ão como
I mónico que se constitui pela exclusão desta quest ênda. Podemos di - complexidade unificadora, como quer Morin. O que vemos nas psicolo-
3
sem história, psicologia sem sujeito; técnica ou tecnod gias que caminham por tais paragens é, em geral, a afirmação da trans- ; g
, programas de pesquisa,
; zer que aqui se projetam problemas, perguntas disdplinaridade, a celebração da união dos saberes, apenas a pretexto da iQ
mas nenhuma questão, propriamente dita. manutenção das territorialidades extrateóricas: sejam elas institucionais,
j
não está na
Mas passemos a uma posição segunda, onde o problema em terceira políticas ou meramente estéticas.
3i
2i
£;
recusa da subjetividade, nem na forma ção de uma
ontologia
pessoa, científica, antropológica ou teológica. O problema
, neste caso, re-
formam a problemá-
Um terceiro modo de funcionamento teórico, que tem feito a mi-
séria da psicologia, para o qual quero chamar a atenção, caracteriza-se 1
side na derrogação da articulação entre os termos que
o;
£j
» i
fica do sujeito. Em outras palavras, reconhece
importância da mediação e a indagação do real
-
se a questão do sujeito, a
, mas estas questões não se
pela combinação entre um relativismo de circunstância com um realismo
ingénuo. O que se está a recusar aqui frontalmente é a importância da
interrogação sobre o real envolvido na experiência subjetiva. Tal estraté-
;
ju
1
-
e independentes,
5j articulam, formando planos de investigação separados assim uma ques- gia começa usualmente por exportar a questão da verdade para fora da
seria psicologia. Faço notar; questão da verdade. Depois disso, o tema da verda-
o| A divisão de trabalho ou separação de disciplinas
psicoló gicas? Podemos localizar alguns de acaba vagamente associado à tradição científica empirista, ou então a
S: tão externa às teorias e práticas
" destes interro-
sintomas teóricos e aporias derivadas do esquecimento
" praticantes insensatos e militantes de alguma visão de mundo "fechada".
3j
u: gantes em sua articulação fundamental. Ora, é preciso lembrar que a ciência moderna se caracteriza pela exclusão
a noção de su-
Por exemplo, há formas de psicologia que admitem da verdade como questão13. Curiosamente, é corroborando esta exclu-
íntima, idêntica a si mesma são que muitos pretendem fazer oposição ao "sujeito cartesiano". Não se
jeito, mas o apreendem como uma essência
ência transcendental,
ao longo do tempo e da história. Como uma consci deve confundir a alegre e liberal convivência entre visões de mundo com
águas da experiência que ontologia. O resultado geralmente é o retomo do dogmatismo sob forma
o espectro do sujeito paira, neste caso, sobre as
metaf ísico que afir- de compreensão normativa da ética.
o refletem. São formas de essencialismo e objetivismo
de restauração ou
mam a indivisão do sujeito. Nutrem-se de programas e não intrínseca
á ria
autoconciliação que supõe a contradição como secund o projeto do su-
e constitutiva. No fundo, tais programas tentam reinstalar
e constitutiva .
11
jeito moderno sem admitir sua crise como historicament
,3 Nisso
concordam tanto a tradição hermenêutica de Heidegger, quanto historiadores do
ver: Latour, B. Jamais Fomos Modernos. pensamento moderno como Koyré e Foucault, bem como as apreciações da teoria crítica
11 Sobre a irrealização do ideário moderno do sujeito sobre o estatuto do conhecimento na modernidade. Ver também Lacan, J. Ciência e Verdade
São Paulo: Editora 34, 2000 e também Bauman
, Z. Modernidade e Ambivalência. Rio de
(1966). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
148 Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 149
que ela Finalmente, deve-se dizer que a questão sobre o sujeito não pode ser
Levar adiante a questão do sujeito e sustentar a topologia possí
implica deveria seguir, de alguma maneira, o itinerario
que tomou - apreendida fora do universo do risco, da aposta ou mesmo da incerteza.
envolve três regiões No caso da psicologia, esta zona de experiência, na qual o sujeito é apre-
vel a situação que hoje nos colocamos. Tal percurso
entre: endido como questão, foi historicamente articulada por essa experiência
heterogéneas, definidas por um corte separador
um suposto in- que é a clínica. Clínica entendida aqui como trajetória de escuta, desocul-
1. práticas objetivadoras, que pensam o sujeito como
tamento, destinação e crítica da subjetividade. Atenção, não confundir
divíduo normalizável;
um produtor clínica com a mera experiência liberal ou institucional que a localiza como
2. práticas discursivas, que pensam o sujeito como prática disciplinar. Tal argumento é tipicamente normativo e territorialis-
epistêmico;
: 3. práticas subjetivadoras, espaço onde o sujeito pode
pensar se en- - ta, confunde o discurso com o personagem social que nele se forma.
Até aqui apresentamos um breve mapa de posições que entende-
14.
quanto sujeito mos substanciais para uma interrogação sobre o sujeito hoje. As posições
, historicamen- teóricas indicadas, apesar de referidas à psicologia, são
Segundo Badiou (Badiou, 1996), esse itinerário passa assumidamente
não indexadas. Apresentei desta forma, pois interessa mostrar como nem
. Crítica, aqui,
~| te, pela tomada da crítica como engajamento e atividade , 1998): sempre a ordem das questões corresponde à ordem das matérias ou das
5:
S nos dois sentidos tão bem distinguidos por Habermas (Habermas disciplinas. A interrogação sobre o sujeito tem por efeito transformar o
nossa época;
1. ultrapassagem da metaf ísica e o diagnóstico de discurso onde ela se realiza. Daí, por um lado, a precariedade das formas
e da historici-
I 2. exame das condições de possibilidade da ciência metódicas de circunscrevê-lo, daí todo o interesse em localizar e
dade transcendental do sujeito. posicio-
è ática como se
nar os seus modos de questionamento. A geometria é condição do terri-
tório. s
j Em outras palavras, é preciso resistir à soberania da pr ; ®g
^ capaz de pensar a si mes- Para tanto, convido o leitor a um exame comparativo da questão do
dela houvesse geração espontânea de um saber j
o ao pragma- sujeito, tomando como horizonte três perspectivas de seu entendimento:
en i mo ou como se ela refletisse o real. Isso redunda em oposi
çã
da técnica . a construção, a constituição e a formação. O caráter assistemático j
£ : tismo do pensar e em recusa da primazia do universo desta
do horizon- comparação se justifica parcialmente pela tentativa de estabelecer bases f
1¿
ò.
A questão do sujeito implica, quero crer,
te epistêmico fora da grade naturalista ou positivista
razão coerente, da argumentação consequente e de media
retomada
. O desejo
çõ es
de uma
eficazes
para um debate, mais do que contribuir para a solução do mesmo, como
^
o espírito da c¡uaestio exige . O objetivo é assinalar proximidades, tensões 5
! .
|
tem-se colocado insidiosamente ao lado de uma í
cabe lembrar a importância intersubjetiva da retórica
da literatura e a força inelutável da poesia . N ã o h
crtica da razão. Aqui
á
, o poder prescritivo
teoria do sujeito que
e afinidades que a tradicional divisão disciplinar, metodológica e
métrica da psicologia costuma esconder, mesmo que na penumbra dos
-
paradigmas. Trata se, neste sentido, de um exercício para reverter o ra
geo-
-
1
0 , desta dupla exi- ciocínio orientado por escolas, linhas teóricas e disciplinas formativas,
oi contemple sua experiência sem dar conta, rigorosamente em
ã o da verda- um raciocínio guiado pela ordem das questões. Certamente, concessões
M i gência. Nela o que está em jogo é apenas a retomada da quest quanto ao rigor e ao contexto serão necessárias. Reparos, complementos
® i de, obscurecida na penumbra do saber e no vazio dos
nomes.
e objeções são bem-vindos.
Isso nos leva ao reconhecimento da import ância pol ítica do tema da
, como valor
universalidade. Trata-se de opor-se ao cultivo do particular
em si mesmo e à ideologia da migração descompromissada
entre univer- Construção
sos simbólicos relativos, autorregulados e incomensuráveis
. Não h crítica
á
ças discursivas
possível do individualismo sem tal movimento. Duas for como zona A ideia de construção genericamente remete à produção de obje-
significativas opõem-se ao reconhecimento da singularidade tos a partir da combinação ou articulação entre elementos. Aquilo que é
de experiência e de condição subjetiva: de um lado a ê
, nfase pós modema - construído opõe-se classicamente a tudo aquilo que é dado, natural, inato
,a globali-
do particular como valor autolegitimado; de outro primazia se de ou espontâneo. Na noção de construção acentua-se a dimensão de con
-
zante da totalidade como falso universal. Em outras palavras
, trata- tinuidade e de homogeneidade que se subentende de um processo. Tal
totalidade.
desconstruir o fechamento ideológico do particular na continuidade pode manifestar-se, privilegiadamente, por meio da síntese
entre meios e fins, elementos e relações, partes e o todo. Diz se, por exem-
-
plo, de uma construção jurídica que ela condensa dentro de uma fórmula
14
Ver Araújo, I.L. Foucault e a crítica do Sujeito. Curitiba
.
: UFPR„ 2000 toda uma doutrina ou jurisprudência.
150
de causalidade. Em outras palavras, a apreensão dos objetos, a objetificação
Outro campo onde a construção mostra sua afinidade com a ideia do real, pela mediação dos conceitos e de seus esquemas, seriam condi-
étri-
continuidade como coerência é a construção lógica ou a construção geom, ções para a emergência da intersubjetividade e da consciência social.
çã o que envolvem por
ca. Aqui deve entender-se operações de demonstra - Esse problema é mais elementar do que as oposições que dele decor-
exemplo, passagem, não irregular, de premissas a conclus õ es. Isso é con
, por exemplo , rem, tais como as que se levantam entre pensamento e desejo, desenvolvi-
soante com a acepçã o filosófica de construção desenvolvida mento ou constituição ou ainda afeto e cognição15. Dizer que tal sujeito se
de ligar
em Kant, onde termo indica a atividade da representação capaz apresenta em um corte epistêmico é correto, pois de fato há uma primazia
, 1997).
ou conectar harmónicamente as intuições aos conceitos (Lalande do pensamento na sua orientação para a construção do conhecimento.
, maior a
Quanto mais radical a forma de construtivismo assumida Mais exato seria dizer que se trata de uma compreensão específica quanto
dado , ou ao
oposição ou distância em relação ao ponto definido como à epistemología, qual seja, a kantiana.
, início
corte que constitui um processo. Sempre há um ponto de partida
ou princípio que será lógica ou discursivamente necessário para a
cons- Se para Piaget o pensamento, e logo o sujeito, caminha do indivi-
dual para o social, segundo Vigotski se passa o exato contrário. Daí poder
trução. chamar-se tal perspectiva de construtivismo social ou de sócio-construti-
A questão elementar e a problemática iminente de todo construti- vismo. É claro que nisso já vai uma apresentação de Vigotski, que parte
, , do agente
5< vismo será, portanto, dar conta da origem do sujeito ou seja de sua crítica a Piaget. Todavia, tal movimento não significou um aban-
, que torna
da construção. Será ele uma espécie de ponto de origem cego dono da primazia da consciência, mas um alargamento de sua acepção. A
possível toda construção, ou será ele também constru ído ?
1 Correlativamente se enfrentará o problema da arbitrariedade
do consciência se estrutura como linguagem16.
realidade. A objeção de Vigotski a Piaget se apoia em diversas frentes. Primei-
ponto de partida assumido para entender a construção da ramente, há a constatação empírica de que aproximadamente metade das
e justificar
Diante da primazia da continuidade, como entender, explicar falas de uma criança com sete anos são de tipo egocêntrico. O discur-
a própria transformação?
Neste sentido, um ponto de partida teórico insidioso na psicologia
so egocêntrico declina nã o pela aquisição de um conceito mais claro de
alteridade, mas pela entrada da criança em grupos cada vez mais com-
j
à consci-
construtivista é aquele que considera o sujeito como redutível plexos. S
por ela centralizado e re- 2
ência, ou ao conjunto das funções psicológicas A socializa ção, e, portanto, o uso social da linguagem, comandaria £
Ij
extremamente
na formação do objeto subjetivo . Seria preciso uma
crucial da
leitura
alteridad e na consti- o homem como uma unidade orgânica isolada (individualismo). Nela se I
parcial da psicanálise para isolar o papel subestimaria a consciência e o papel da cultura . Uma teoria tendente a
tuição do sujeito.
Mas, surpreendentemente, é pela associação com a psican
álise que substituir fatores socioeconómicos por fatores psicológicos, biológicos ou
subjetivos (Bakhtin, 2001). Quanto ao inconsciente, parece que basta to-
§
S
Vigotski explica a origem do erro de Piaget. mar a linguagem como referência para prescindir deste conceito. Estamos CJ
cartáveis, construções autónomas do sujeito (Senett, 2001). Nesta via, aca- dade, o conceito de constituição nos remete genericamente à ideia de
bamos por descobrir que o chamado neoliberalismo contém, dentro de si, descontinuidade. Etimológicamente, o termo procede do ato de fundar,
!
t
necessariamente, uma forma de construtivismo... sócio-histórico.
Aqui podemos mobilizar o argumento crítico, na figura do que Zizek
instituir, criar. Mais raramente constituir implica ordenar algo dado; nes-
te caso, tal ordenação conterá algo de original, novo ou inaugural. Daí a
s
2
<
a chamou de antinomia da razão crítico ideológica: afinidade entre a noção de constituição e a de corte, ruptura ou hetero-
£ geneidade. Em Kant, por exemplo, as categorias, do entendimento ou da È
J A ideologia não é tudo, é possível assumir um lugar que nos permita sensibilidade, são constitutivas, ou seja, são condições para a formação u
manter distância em relação a ela, mas este lugar de onde se pode de- de fenômenos e construção de conceitos. Como condições, tais categorias
nunciar a ideologia tem que permanecer vazio, não pode ser ocupado não são em si nem conceitos nem fenômenos. Espaço, tempo e causalida-
% por nenhuma realidade positivamente determinada; no momento em de, por exemplo, são condições constitutivas dos fenômenos, dos objetos
£ que cedemos à tentação voltamos à ideologia. (Zizek, 1996, p. 22-23) representados e dos conceitos (Ferrater Mora, 1982).
o
u Quando lido a partir das teses construtivistas, ou então combinado
Mas não é só o veio russo que ressurge, também o veio genebrino do com estas, a noção de constituição geralmente nos remete à ideia de géne-
construtivismo terá seus herdeiros. Referimo-nos naturalmente a Haber- se ou criação. A posição inversa - que advoga a separa ção irredutível en-
mas e ao uso que este autor faz das concepções de Kohlberg para legiti- tre construção e constituição - costuma trazer consigo forte implantação
mar certos pressupostos de sua teoria da ação comunicativa. Ora, a tese metaf ísica, como no pós-kantismo. Constitutivo, opõe-se nesta medida a
dos invariantes da formação do juízo moral e das formas da consciência regulador, convencional, arbitrário ou negociado. Pode-se dizer que as
moral é uma forma de equilibrar o peso de aspectos formais do sujeito teorias da constituição se preocupam com as regras que criam num dado
com o peso de instâncias mediadoras: a razão comunicativa. universo de discurso, as chamadas regras constitutivas de um jogo de
Mas o preço a pagar por este acerto é a positivação do real na expe- linguagem. As teorias construtivistas tendem, por sua vez, a enfatizar o
riência subjetiva, que reaparece no resgate da ideia fenomenológica de estudo das regras que regulam um universo de discurso.
Assim como o construtivismo se alinha a certa prevalência do no-
19 Ver o antigo, mas ainda atual, Rouanet, S.P. - O novo irracionalismo brasileiro. In: As Razões minalismo e do relativismo, pode-se dizer que a posição que enfatiza a
do lluminismo. São Paulo: Companhia das Letras. No mais os estudos de Bordieu servem de constituição acusa uma ênfase inversa no realismo e no materialismo.
endosso genérico ao argumento. 159
Note-se que, em relação a esta problemática, oposições tradicionais, tais É talvez em funçã o desta posição constitutivista que Freud encon-
como entre inato ou aprendido, natural ou artificial, tomam-se um pro- trou dificuldades em definir o estatuto, bem como o processo de surgi-
blema secundário. Trata-se de saber que tipo de realismo está envolvi- mento do sujeito. Encontramos na obra de Freud inúmeras acepções de
do em cada noção de constituição: realismo crítico, ingénuo, naturalista, eu, muitas delas simplesmente diversas, outras incompatíveis entre si.
metaf ísico, e assim por diante. Inversamente, no caso do construtivismo Por exemplo: o eu pode ser concebido como uma unidade identificató-
trata-se de saber que tipo de nominalismo está subentendido: qual forma ria e como uma interioridade libidinalmente investida; neste caso, como
de relativismo, que concepção de discurso ou ainda em qual estratégia explicar a origem desta unidade? O eu pode ser pensado como uma mas-
crítica cada construtivismo se insere. sa de representações de si mesmo, mas também como uma instância de
Temos então duas posições quanto ao estatuto do sujeito: a cons- moderação. Do ponto de vista psicológico, o eu deve ser concebido como
trução e a constituição. Ambas são compatíveis com a noção de inter- um sistema de funções, primariamente consciência e percepçã o, ou ain-
subjetividade. No caso da tese da construção, supõe-se uma espécie de da como a integra ção ou a síntese destas funções? Finalmente, é preciso
autorregulação "espontânea", que toma dif ícil discernir uma alteridade explicar a experiência de continuidade do eu tendo em vista a heteroge-
separadora, crítica e simbólica de uma alteridade alienante, ideológica e neidade do sujeito.
< imaginária. Desde que o processo seja de fato baseado na constru ção, seu A teoria do narcisismo teoricamente deveria nos oferecer um guia
destino, ou seu télos, estará garantido. Os meios são as garantias para os para entender esta variação e sucessão de problemas. Todavia, certas pe-
fins. A autonomia da consciência tende a decorrer da força dos sistemas culiaridades desta concepção, seu lugar na obra de Freud e seus desen-
ã simbólicos. volvimentos posteriores, como a formulação do Ego como uma instância
g
No caso da tese da constituição, supõe-se runa espécie de heteror- reguladora (Freud, 1921), tomam impraticável a extração, não controver-
3
regulação. As possibilidades de controle do processo são muito mais sa, de uma teoria psicanalítica da intersubjetividade. Em outras palavras,
precárias. A autonomia do simbólico é afirmada com anterioridade à da a interveniência do inconsciente nos leva a um problema similar ao que
consciência individual. examinamos na controvérsia Piaget x Vigotski, ou seja, qual a natureza
Do ponto de vista da questão do sujeito, a posição constitutivista en-
da alteridade que, neste caso, é constitutiva do sujeito? Se o inconsciente
fatizará a heterogeneidade entre o sujeito e as instâncias de mediação.
se representa ou se inscreve em media ções heterogéneas ao sujeito e se o
A noção de constituição envolve, por exemplo, aquilo que não se pode sujeito, mesmo assim, é efeito ou suposto a estas mediações, como expli-
antecipar no ato, mas que, retrospectivamente determina seu sentido. O
car que ao mesmo tempo o eu seja unidade e dispersão, continuidade e
sujeito não está no lugar de causa, demiurgo ou construtor, mas no lugar
evanescênda, interioridade e exterioridade?
£
de efeito, de crise ou de lacuna em relação às instâncias de mediação. Não basta dizer que o sujeito é constituído pelas relações, é preciso
¡ Pode-se dizer que o paradigma representado pelo modelo da consti- mostrar como isso acontece e por que tal constituição torna dissimétri-
u i: ca as formas de apreensão subjetiva do outro das formas de sobredeter-
o tuição recebeu um novo impulso a partir da psicanálise. Isso porque ela
minação do sujeito pelo Outro. Em outras palavras, aquilo que o sujeito
w postula, de forma axial, o descentramento e a heterogeneidade entre o
sujeito e suas instâncias de mediação (Foucault, 1987). Aqui o tópico do apreende intersubjetivamente simplesmente não coindde com a estrutu-
inconsciente se torna incontomável. Isso implicará pôr sob suspeita per-
U ra que o determina e localiza, mas ambos os aspedos compõem o campo
do que se pode chamar alteridade. Isso pode ser investigado com a noçã o
manente a noção de realidade ou de referente. Isso trar á consigo um re-
de constituição, uma vez que ela traz consigo o reconhecimento de uma
tomo ao sujeito como questão, ou seja: qual sujeito para o inconsciente?
disparidade nas relações do sujeito com as instândas de mediação, seja
O inconsciente é, neste sentido, um conceito constitutivo. A noçã o
ela o desejo, o pensamento inconsdente, a sexualidade ou a configuração
de pulsão, por sua vez, afiniza-se melhor com a ideia de construção. To- edípica.
memos como exemplo um problema metapsicológico corrente. A inscri-
ção da pulsão na esfera psíquica se dá por intermédio do que Freud cha- Neste quadro é curioso notar que tanto o pensamento social quanto o
mou de representante da representação (Vorstellungsreprãsentanz) (Freud, construtivismo mantiveram, historicamente, uma relação de desconheci-
1915). O representante da representação não é, por sua vez, necessaria- mento em relação à problemática crítica do sujeito em psicanálise. Talvez
mente uma representação. Entre representante e representação há, por- apenas a teoria crítica, com Horkheimer e Adorno, tenha percebido que
a psicanálise apresenta a questão do sujeito, isto é, uma problemá tica, não
tanto, heterogeneidade. Esta heterogeneidade se desdobra nas inú meras
vertentes da relação do sujeito com o inconsciente: as formas de defesa, os uma teoria psicológica sobre sua natureza e desenvolvimento. Procuran-
do na psicanálise a teoria do sujeito que deveria caber no que faltava ao
modos de negação, os tipos de resistência, e assim por diante.
160
marxismo, o freudo-marxismo de Fedem a Fromm, passando por Reich
, mas sua objeção se baseia em outro tipo de argumento. Na origem está
e at é dada a precariedade e a dependência do bebê humano. Suas reações são
simplesmente elidiu o potencial crítico contido na teoria do sujeito
mesmo na psicopatologia psicanalítica. completadas, interpretadas ou compensadas pelo outro. Para tanto, é pre-
ciso contar com um realismo crítico quanto à natureza do sujeito. O que
Do lado do construtivismo há também uma história marcada pela
há nele de biológico é a falta e a indeterminação. A "associação fisiológi-
demanda de "completamente por somatória". A fenda percebida, neste
ca é em breve dobrada por uma outra que a faz passar para o plano da
caso, dizia respeito a uma suposta teoria das emoções ou dos afetos que
expressão, da compreensão, das relações individuais". Como amálgama
a psicanálise poderia acrescentar ao estudo do desenvolvimento focado
desta transição, temos a emoção. O exemplo maior de sua atividade não
primariamente no par consciência - pensamento. são os afetos intrassubjetivados, mas os impulsos coletivos, a fusão das
Essa dupla demanda, associada aos esforços de integração aos meios consciências individuais, o mito da alma comum e confusa.
-
culturais e acadêmicos do pós guerra, forçou também, do lado da teoria
psicanalítica, uma versão mais consistente do eu. Aparar as arestas para Pode-se comparar o primeiro estado da consciência a uma nebulosa
responder à demanda social. Nesta medida, vemos surgirem modelos onde se difundiram sem delimitação própria ações sensitivo-motoras
~j de sujeito cada vez mais próximos da individualidade fechada tendente de origem endógena e exógena. Na sua massa acabaria por se desenhar
à adaptação, como na psicologia do ego, ou na psicanálise interpessoal
,
5i um núcleo de condensação, o eu, mas também um satélite, o sub-eu ou
j ; Neste sentido, a crítica de Vigotski foi preditiva. o outro. Entre os dois, a repartição da matéria psíquica não é necessa-
I Mas além desta solução conciliatória, que na verdade dissolve a ideia riamente constante.
de constituição em um construtivismo de tipo desenvolvimentista e es-
I sencializante, o reconhecimento da ambiguidade da teoria freudiana do Wallon corresponde a uma terceira via, entre Piaget e Vigotski. Em i£
4
eu bem como a demanda teórica por um refinamento deste conceito leva- outras palavras, nem autismo nem de egocentrismo, mas indivisão entre í¿
ram, na época da diáspora psicanalítica, à aparição de vários sú plementos aquilo que deriva da situação exterior e o que deriva do próprio sujeito, j gN
à teoria freudiana da intersubjetividade. Três novos conceitos se desta- mistura entre atos, pessoas e seu objeto exterior, confusão entre eu e ou-
-
i
I
cam neste quadro: a criança, o selfe o sujeito. Tais contribuições seguem tro. Este momento precede o período de alternância, ou de transitivismo, iS
a trilha do método freudiano, baseado na clínica, mas agora acrescido onde não é necessário supor consciência de si, mas ação complementar,
de novos elementos teóricos: a psicologia do desenvolvimento, a filosofia ou melhor, especular. "O período de alternância acaba, contudo, por tor- <
\ dialética e a psiquiatria dinâmica. Isso deriva da ampliação do quadro ^ ção em relação ao outro." Isso se
nar possível ao eu tomar posi concentrará
inicial do tratamento de modo a incluir crescentemente a psicanálise com na chamada crise dos três anos, quando vemos a desaparição dos jogos de j ¿j
jetividade não deve ser entendida como um sistema individual e fechado, A criança não procura a utilização, mas a propriedade por si só, a pro-
priedade de coisas de que espontaneamente não teria qualquer desejo.
(...) Trata-se de apropriar-se daquilo que é reconhecido como perten-
cente a outrem.
162
20 .
Wallon, H. 0 papel do outro na consciência do eu, separata, s /d 163
A situação de pacificação decorre da instalação da lógica do reco- primida. Retomo agressivo e paranoico onde o outro se antecipa e desti-
nhecimento do qual a tendencia do individuo afirmar-se como um todo tui o sujeito de sua responsabilidade. Seu pensamento é tomado por uma
fechado, seria um efeito. "Simples limite ideal cuja realidade psicológi- espécie de automatismo de repetição, onde por fim até as partes do cor-
ca difere sensivelmente". Wallon nos permite ver o individuo como um po terminam por se emancipar em uma espécie de linguagem de órgão. O
ideal instituinte, a autonomia como urna das suas principais ideias regu- sujeito é invadido por aquilo que ele rejeitou. Lutar contra o estranho é
ladoras, mas não constituintes. Cntão um modo de restabelecer o sentimento de unidade.
Trata-se de uma ilusão regulatória, que a qualquer momento mostra- Ora, a teoria da intersubjetividade em Wallon é relida por Lacan
rá sua instabilidade. Isso se mostra nos momentos de crise e de incerteza como uma boa alternativa para os impasses da concepção freudiana de
caracterizados pela incitação à tomada de posição, momentos em que o narcisismo. Essa releitura permitirá uma separação entre a dimensão
sujeito se sente novamente desapossados de sua consciência pelo outro. imaginária e a simbólica, nas mediações constitutivas e construtivas do
São momentos em que se acirra a tensão entre autoridade e submissão. sujeito. Imaginário e simbólico menos que realidades autónomas corres-
Neles reaparece: pondem a sistemas de relações, formas de uso dos signos ou, mais preci-
samente, dimensões distintas da alteridade. O que sincroniza a constitui-
5 O íntimo essencial que é outro. Mas esta mesma relação parece ter por ção do sujeito com a constituição da realidade é justamente esta costura
3 intermédio o fantasma do outro que cada um traz em si. São as varia- conhecida como simbólico (Prado, 1991).
ções de intensidade que este fantasma sofre que regulam o nível de Em Lacan, um avanço na concepção de intersubjetividade em psi-
nossas relações com o outro. canálise será feito pela ideia de que o estudo da constituição do sujeito
O
é o estudo da discordância e da oposição que separa sujeito e realidade.
Uma frase que poderia ser de Freud. A identidade expulsa a si mes- Ambos mantêm uma relação intrinsecamente negativa entre si (Simanke,
ma para se conservar: o recalcado, o infantil e o sexual. Daí nos parecer 2002; Olgivie, 1988). Daí a constituição do sujeito ocorrer por uma auto-
m
i imprecisa a caracterização de Wallon como um construtivista. Sua posi- afecção, ou seja, uma alteridade interna e negativa, ao contrário da cons-
H i ção se afiniza mais com a de um "constitutivista", isto é, o sujeito não se ciência puramente reflexiva em que a alteridade é externa e positiva .
J
i constrói apenas, ele também se constitui ao reconhecer em si aquilo que o No fundo, a perspectiva da constituição implica a análise desta ex- S
: nega como tal. A linguagem pode ser uma instância reflexiva... mas não periência entendida como processo de socialização da instância linguísti-
- : toda. Daí ser a linguagem a condição do inconsciente, e não o inconscien-
te a condição da linguagem. O falso reconhecimento e o reconhecimento
ca que diz Eu (Arantes, 1992) em associação com o processo de realização £
Zl ; (= tomar real) das instâncias simbólicas da alteridade (cultura, sociedade, S
|: do falso se combinam na problemá tica da constituição uma autoafecção lei, morte). Isso se ilustra muito bem na seguinte afirmação de Wallon: 5
u i descontínua.
o
o. Basta considerar para tanto o si mesmo como um efeito de efração Para unificar seu eu no espaço, a criança tem que obedecer a uma ne-
5- ; e desvio, imagem alienada, reflexivamente distorcida. O que o sujeito cessidade dupla. Em primeiro lugar é preciso que admita a existência
o ; apreende do sistema (linguístico, cultural ou social) jamais se identifica de imagens que tem apenas uma aparência de realidade; sem seguida,
ao próprio sistema, simplesmente porque o sistema determina o lugar deve afirmar a realidade de uma existência que escapa à percepção.
(...) de um lado encontra imagens sensíveis, mas não reais e, do outro,
de onde o sujeito apreende o sistema. Assim, fica claro como a noção de
imagens reais, mas subtraídas do conhecimento sensível. Para aceitar
constituição é o que melhor se aproxima, em uma versão dialética, da o fato de sua existência espaço-temporal, a criança tem que subordinar
:
• ideia de estrutura. Como tal, a estrutura possui uma anterioridade lógica progressivamente os dados da experiência imediata à representação
em relaçã o ao sujeito, não é a sua história apenas, mas as condições que pura. (...) através dela forma-se a noção de corpo próprio, que conduz
localizam e instalam o sujeito como tal: fundamentalmente a linguagem à unidade do eu. (Roudinesco, 1993)
e o desejo.
A proximidade com a psicanálise se vê confirmada ainda pelo argu- A operação de constituição do sujeito passa, portanto, pelo reconhe-
mento psicopatológico que Wallon usa para reforçar sua . concepção de cimento nesta irrealidade própria do eu, de seu caráter puramente simbó-
intersubjetividade. "a emancipação como que automática e material deste lico. O espelho é um bom exemplo. O espelho é um instrumento simbólico
outro que cada um traz em si, de onde resultam as ideias de influência, de produção de objetos imaginários: as diversas versões especulares do
que com o nome de automatismo mental o Dr. Clérambault descreveu eu. Veja-se que tal espelho, como função, é uma figura da alteridade cons-
com grande rigor clínico". Trata-se do retomo da desconfiança social su- titutiva do sujeito: a mãe, a figura cuidadora, o próximo (Nebenmensch).
164 165
Mas a imagem que surge nesse espelho é um "falso outro", ou seja, ape- O transitivismo infantil, a agressividade, a dialética do ser e do ter
nas uma imagem. Mas, então, qual é o estatuto desta falsa imagem se ela (em tomo da posse do desejo do outro pela via dos objetos que o repre-
é enquanto imagem real? E se a imagem me oferece um falso outro, onde sentam), a passagem do eu ( moi) especular para o eu ( je ) social, a aquisição
está o verdadeiro? de linguagem são temas psicológicos que atravessam a leitura de Lacan.
Note-se como a noção de constituição pode ser usada como uma no-
Mesmo a questão sobre a estrutura da consciência encontra-se incluída
neste itinerá rio. O problema, portanto, não reside na alternativa, muitas
ção crítica, desde que não identifiquemos nenhuma positividade como
agente desta constituição. Assim como a falta de realidade define a cons-
vezes afirmada genericamente, entre desenvolvimento ou estrutura, ou
entre lógica e cronologia, mas no modo como se faz os temas se compor-
tituição da realidade para o sujeito, a realização da falta no sujeito define
- tarem segundo uma lógica da constituição ou uma lógica da construção.
a realidade do Outro. Desta maneira, evita se o risco do constitutivismo
Em outro nível, como se articulam sujeito, mediação e real.
clássico, a saber, postular uma essência metaf ísica como agente da cons-
tituição. A personalidade, o caráter, o si mesmo, a identidade podem ser Se Lacan passa pelos temas do desenvolvimento impondo lhes uma -
apreendidos apenas como formas de preenchimento desta falta a ser. A lógica própria, o destino desta reflexão desembocará em uma reflexão so-
: imagem que se forma é algo diferente do espelho que a constitui Isso
. bre a socialização. Aqui, o Hegel que falará mais forte é o que se concentra
< j permite pensar a identidade sem esssencializá-la. na dialética do senhor e do escravo (Hegel, 1992), segundo a apresentação
feita por Kojève (Kojève, 2002). Portanto, é a perspectiva da domina ção e
A história do sujeito desenvolve-se numa série mais ou menos típica do conflito intersubjetivo que dominar á o entendimento da socializa ção
ã de identificações ideais que representam os mais puros dentre os fenô- e não a pressuposição de adequação e autonomia: "... no movimento que
g menos psíquicos por eles revelarem essencialmente a função da imago. leva o homem a uma consciência cada vez mais adequada de si mesmo,
PH
E não concebemos o Eu senão como um sistema central dessas forma-
ções, sistema que é preciso compreender, à semelhança delas, na estru-
sua liberdade confunde-se com o desenvolvimento de sua escravidão"
(Lacan, 1946, p.183).
I
D
tura imaginária e em seu valor libidinal. (Lacan, 1946, p. 179) Cabe aqui uma breve comparação com uma fonte inspiradora do
pensamento social, que também tem em Hegel uma de suas fontes. Esta- 1
1
< i
Não haveria, neste sentido, substrato biológico senão como represen-
.
tante da falta de substrato A alienação a uma imagem primordial (Urbild )
pode perfeitamente ser admitida, pois não há nenhuma essência corre-
mos pensando nas teses de G.H. Mead, que aparentemente seriam facil-
mente comparáveis com às de Lacan.
I
a Lembremos que o Interacionismo simbólico de Mead, geralmente I£
PH lativa da originariedade. A condição biológica da realidade do eu é sua combinado com uma teoria da intersubjetividade, tal como a teoria dos
£: prematuração (fetalização). Não há unidade, mas, ao contrário, a imagem papéis, tem sido uma importante referência para o pensamento social u
de um corpo despedaçado. As formações do eu correspondem apenas
s
u ao engodo da identificação espacial. Fica assim o eu como efeito de uma
contemporâneo. Seu uso, entretanto, oscila facilmente do crítico ao ideo-
lógico. Berger e Luckman (Berger, 1986, p. 173), por exemplo, atribuem
o geometria que não pode localizar em nenhum lugar o próprio sujeito. sua concepção de socialização primá ria a Mead. Em linhas gerais, isso
w A unidade interiorizada individual é vista como um fenômeno pre- significa entender que se tomar membro de uma sociedade é realizar a
U cário, instável de assunção jubilatória da imagem de si, captada reflexi- construção da identidade, da sociedade e da realidade. Isso implicará
vamente a partir do semelhante. Novamente, o que é constitutivo nesta uma dialética subjetiva baseada na exteriorização, objetivação e a interio-
operação é o que a imagem não revela, é o que o representante não repre- rização da realidade social. Trata-se de momentos lógicos de constituição
senta. Leitura semelhante se encontrará nos desenvolvimentos de Lacan da sociedade, da identidade e da realidade. No entanto, a teoria da me-
sobre a lógica do tempo (Lacan, 1945), da causalidade (Lacan, 1946) e da diação empregada não procede da psicanálise, mas de Sartre.
alienação (Lacan, 1964). Ora, Sartre é justamente o autor contra quem Lacan mobilizará sua
Temos assim um eu concebido como instância de desconhecimento e teoria da constituição. Isso redundará em uma paridade entre objetivi-
negação, meio ou instrumento pelo qual o sujeito coloca sua questão. Daí dade e subjetividade que nos diferencia de Lacan. Trata-se não de uma
o fato de que o eu não seja considerado uma instância sem contradições, disparidade ou de uma discordância, mas de uma relação simétrica entre
ou síntese mas: realidade subjetiva e realidade objetiva:
(...) designa aí o lugar mesmo da Vemeinung, ou seja, o fenômeno pelo O que é real fora corresponde ao que é real dentro (...) mas "há sem-
qual o sujeito revela um de seus movimentos pela própria denegaçã
o
faz. (Lacan , 1946, p. 180) pre mais realidade objetiva "disponível" do que efetivamente inte-
que faz deles, e no momento mesmo em que a
167
166
riorizada em qualquer consciência individual, simplesmente porque sente em Lacan e problemática em Freud, encontra-se reconhecida aqui
o conteúdo da socialização é determinado pela distribuição social do em Mead. O problema desta concepção é que partindo da perspectiva da
conhecimento.21 constituição ela acaba por reintroduzir o construtivismo. Perde-se, assim,
a discord ância entre a realidade subjetivável e o real; o produto dissolve-
Encontramos então a importância do outro significativo, o papel pri- se em uma mediação universal. Se a realidade é uma realidade negociá-
maz da linguagem, como principal mediação, a personalidade como en- vel, não há mais constituição. Resta a mera regulação onde aqueles que
tidade reflexa, a identidade como posição (geometral) no mundo, a força dispõem dos meios e do capital simbólico para negociar em melhor posi-
do reconhecimento e até mesmo a identificação (no sentido psicanalítico) ção tendem a reproduzir, e agora legitimados por uma teoria psicológica,
como ponto estratégico deste processo. substancializar o estado de aliena çã o e de dominação. A autonomia do
sujeito impõe-se à autonomia do simbólico, mas o quanto isso realmente
A socialização prim á ria termina quando o conceito do outro generali- põe em questão a transformação social?
zado (e tudo o quanto o acompanha) foi estabelecido na consciência do
indivíduo.22
Formação
3. Ora, o outro generalizado, conceito de Mead, corresponde a uma
^j abstração progressiva dos papéis praticados nas intera ções sociais. Aqui Em meio à nossa comparação entre as posições construtivista e
^ a . reconhecemos, apesar das inúmeras convergências temáticas, o fio que
separa a construção da constituição. A abstra ção progressiva, ou simboli-
constitutivista introduziu-se um conceito novo e historicamente ligado à
questão do sujeito, qual seja, o conceito de formação. O termo formação
2
(
zação, é tomada como homóloga à construção de um conceito. É o mode- ( Bildung ) designa genericamente o trabalho de apropriação da cultura e 3
«i lo piagetiano de intersubjetividade que reencontramos neste ponto. Com do cultivo de si. Bildung contém dentro de si o radical Bild, literalmente
ele, a prevalência da cognição sobre o desejo. A apreensão do real não imagem. Supõe-se que isso deriva do contexto de aparição do termo na
D
manifesta discord ância, mas meramente reflete a construção do sujeito: mística medieval e da ideia cristã do homem como imagem e semelhança I
"O mundo da infância é maciça e indubitavelmente real" .
23
de Deus. Já no romantismo alemão, e no contexto político de formação
-
Mas isso não deve atribuir se diretamente a Berger e Luckman, mas do estado nacional, o termo ganha a conotaçã o de um processo onde sua
à sua fonte declarada: Mead. Para esse autor americano da virada do sé-
2
finalidade está incorporada aos seus meios. Fala-se em formação de um
5
5
•
textualmente desacreditava do ideal de formação incluindo-o entre as ilu- tiva, não constitutiva. Separando a formação, como processo educativo i «
170
25
.
Opcit . p.327
26
A ideia foi desenvolvida oralmente por Daniel Delouya.
171
enquanto um movimento estético, o construtivismo tinha um projeto de sar forma ções discursivas, pondo em cheque a neutralidade da noção de
intervenção sobre a dimensão social das práticas artísticas. Seu objetivo mediação. Vimos na seção anterior a problemática da mediação confron-
era virtualmente abolir a camada social do "intelectual artista". O artista tando-a ao eixo realismo - relativismo. Vejamos agora como a noção de
deve toma-se um produtor de objetos, não mais de ideias ou representa- mediação se comporta quando a analisamos do ponto de vista da forma-
ções, deve deixar de pintar o mundo para dedicar-se a mudá-lo, de prefe - ção de signos.
rência através de uma reconstrução da vida cotidiana. Tanto a poesia de Esse é um problema para a teoria, a mediação em Vigotski27 e es-
Maikowsky quanto o cinema de Eisenstein terão em comum esta preocu - pecíficamente para o seu entendimento da noção de signo. Signos são
pação com o real (Albera, 2002). Um real que só pode ser alcançado pela reversíveis, funcionam ao mesmo tempo como estímulo e resposta, ser-
descontinuidade, não pela reflexão pontual dos elementos do mundo. O vem para o controle de si e para o controle do outro. Daí a analogia fun-
real não é uma coleção de objetos. Aqui estética construtivista e psicanáli- damental entre signos e instrumentos. Ambos servem para resolver pro-
se podem manter um programa comum em torno de um realismo crítico, blemas, mas não têm funções fixas e definidas. Instrumentos são usados
ponto no qual encontramos convergências ainda com o surrealismo. Tra- externamente para modificar objetos, enquanto signos "não mudam nada
ta-se de mostrar ao espectador os procedimentos e métodos da produção, na operação psicológica”. Há, portanto, uma dupla exterioridade entre o sig-
5 assim como na psicanálise. Sem a realização deste efeito de discordância, no e a subjetividade (consciência) e entre o signo e a realidade (material).
3 a arte distancia-se de seu papel formativo. Esse dualismo decorre da dupla função da linguagem: comunicativa e
No fundo, a lógica reflexiva que impregna a noção de formação põe representativa. Vejamos como Vigotski, com estas premissas, analisa a
s em questão o estatuto mesmo da ideia de mediação. Há mediações ima- formação do gesto de apontamento.
I ginárias (narcísicas) e mediações simbólicas (que realizam a alteridade), Imagine-se uma criança que tenta alcançar um objeto, mas seu gesto
Ig
mas como distingui-las se o conceito mesmo de mediação, no contexto da fica parado no ar. A mãe olha isso e interpreta que este gesto indica algu-
formação, não carrega consigo nenhuma orientação? Ou seja, a mediação ma coisa. Isso muda a situação, o gesto se toma um gesto para o outro. Con- o
em si mesma não adquire valor algum até que ela incorpore de alguma sequentemente, o sentido (meaning) do gesto inicial é estabelecido pelo j
Ê forma o desejo. outro. Isso permite à criança, retrospectivamente, realizar seu ato como
Uma solu ção possível seria pensar a noção de formação como forma- uma indicação, o que, gradualmente, transforma seu movimento dirigido 1
ção de signos. Signos que, tais como as forma ções sintomáticas, seriam a um objeto em um movimento dirigido a outra pessoa. O comportamento
3 de pegar tornou-se o ¿esto de apontar: A partir disso, o movimento pode i
verdadeiros precipitados de sentido. Sedimentação ideológica que ligaria
£ certos representantes (significantes) a certas representações (significa- tornar-se menos complexo (do ponto de vista f ísico) e mais complexo do =
} dos). Signos de alguma forma degradados de sua condição desejante. Sig-
nos destituídos de sua histórica. Tal solução, ou desdobramento da ideia
de formação, encontra-se disseminada em conceitos como o de formação
ponto de vista da significação (um lance em um leilão, por exemplo).
Comparemos agora esta análise com o exame de uma situa ção bas-
tante similar, estudada por Winnicott. Uma criança no colo de sua mãe
(J
II
Há uma formação do signo que remonta à diferenciação entre o "ob- Referências
jeto objetivamente existente" e o "objeto percebido" ( conceived ). O final 1
deste processo é também a separação do signo em relação a seu referente. ALBERA, F. Eisenstein e o Çonstrutivismo Russo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
O jogo, a arte e a religião são exemplos de sobrevivência desta terceira
i
»
á rea da experiência. O signo é sinal da união no processo de separação e ARANTES, P. Hegel no Espelho do Dr. Lacan. Revista Ide, 22:64-67, 1992.
3
u
inversamente é sinal de separação na união. Daí a paradoxal propriedade ARAÚJO, I.L. Foucault e a Cr
í tica do Sujeito. Curitiba: UFPR, 2000.
do signo de ser simultaneamente criado e descoberto.
A mediação em Vigotski trabalha com a oposição intemo-extemo / AUERBACH, E. Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1979.
!
LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Lisboa: Rés, 1997. S
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$
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; .
TAYLOR, C As Fontes do Self - A Construção da Identidade Moderna. São Paulo:
Loyola, 1997. ostaria de começar este capítulo lembrando o título do trabalho
que
VJinstitui a sexualidade como tema fundador da teoria psicanalítica.
í ; VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. Vigotski - Uma S íntese. São Paulo: Loyola,
3j 1999.
-
Trata se naturalmente dos Três Ensaios para uma Teoria da Sexualidade
(Freud, 1905). Como o próprio título sugere a pretensão
colocada é a de
VIGOTSKI, L.S. Pensamento e Linguagem (1934). In: A Construção do Pensa- formular uma teoria da sexualidade, ou seja, uma concepção que
unifique
mento e da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. e apresente as premissas mais genéricas, e não obstante mais
I
universais,
da sexualidade humana. Lembremos que a orientação freudiana
_. A Construção do Pensamento e da Linguagem (1934). São Paulo: Mar- inicial
sobre o tema da sexualidade responde a uma exigência muito
tins Fontes , 2001. precisa no
plano da estrutura da cl ínica ou seja, trata-se de resolver o problema
da
.
,
WINNICOTT, D.W. O Brincar e a Realidade Rio de Janeiro: Imago, 1986. etiologia da neurose,.Yomo atesta explícitamente, por exemplo,
. O Espectro da Ideologia. In: Zizek,S. (org.). Um Mapa da Ideologia. absorvida-sem jeservas á nocão de idadftémpregad uadnxda
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. avras,Tfestrutura da faliTjnão é a mesma
que a estrutura da neurose pois empregamos a noção de estrutura em
,
. The Obscene Object of Ideology. In: WRIGHT, E .; WRIGHT, E. sentido ligeiramente distinto nos dois casos. Freire Costa (1986), no
qua-
(orgs.). The Zizek Reader. Oxford: Blackwell, 1999. dro da conceitografiaqyngm á tica, chamou a atenção para este
ponto ao
^
distinguir'causas e razões )
~~
Seria, delato, a, lógica implicada na causalidade sexual exatamente
a mesma requerida pela noçã o de causalidade inconsciente ?
Haveria en-
tão uma, e somente uma, teoria d à sexualidade em
psicanálise? Todavia
178 essa pretensão de unidade já é matizada pelo próprio í ttulo do artigo de
Freud, que menciona três ensaios e também pela preposição para, que indi- dos. O impacto dos estudos de Foucault (1985), Deleuze & Guattari (
1976)
ca o tom programático e em formação da teoria a que se pretende chegar. e mais recéñtemente de Derrida (1997) faz crer em certas
implica ções críti -
As inúmeras revisões, notas de rodapé e complementos introduzidos nas cas de umatéoria psicanálíticá unificada da sexualidade. No entanto,
tais
sucessivas reedições dos Três Ensaios deveriam nos alertar para o caráter objeções guardam certa extemalidade em face da própria lógica evolutiva
problemático de Uma teoria da sexualidade. do tema, e dos conceitos ligados à sexualidade, no interior da
própria
Na verdade, sob a égide desta teoria unificada da sexualidade o que teoria psicanalítica. Ou seja, vista de fora tal teoria sempre
parecerá mais
I vemos surgir, tanto em Freud como em seus continuadores, é uma mul- homogénea e unitária dõ que se optãrmõi pela angulação de sua constru
-
"
^ £ partir do narcisismo, uma teoria ^ çáo, em que certas heterogeneidades podem vir à luz. Isso permite
der a estrategia defensivista, corrente nas respostas a tais obje
enten-
ções, onde
sistematicamente se acusa, na posição dos críticos, uma confusão entre a
psicológica davldiTãmorõSa e uma teoria sobre a construção do erotismo,
uma teoria de gênero, ou sexualidade como prática, como discurso ou como hipótese hermenêutica
i [ Para alguns poderia se extrair ainda deste texto
i 1 seja, uma concepção mais ou menos universal capaz de ligar as noções sobre a subjetividade. Tal estratégia, menos do que resolver a
questão,
aponta para uma flutuação mesma do estatuto da sexualidade na
~ i \ psicanalíticas de masculinidade e feminilidade com formas específicas e
históricas de laço social e de prática sexual. psicanalítica.
teoria
5<
Em outras palavras, falar sobre uma teoria da sexualidade nos leva Neste quadro difuso no qual sexualidade se confunde com a pró
pria
a falar da psicanálise no seu conjunto. Não há conceito ou tema que não matriz de constituição do sujeito, e com o desejo em última
I possa ser remetido direta ou indiretamente à sexualidade. Mas, com esse via de entrada privilegiada por Lacan diz respeito à sexualidade
instância, a
tomada
I movimento, o que se verifica é uma expansão da conotação de sexuali- em posição de causa, mais próxima, portanto, da vertente etiol
ógica do
s
; , dáde. Sexualidade falada, sexua1i dad e- Símbólpj, sexualidade f àntãsiâdi que da vertente hermenêutica. Em vez de subjetividade se trata de
'
sexualidade rememorada, sexualidadeHésejada, enfim, essa teoria gèraí ^ tivação, assim como em vez de sexualidade se falará em sexuaçã .
forma, a 'sexualidade deixa de ser um atributo substantivado do ,
subje-
o Dessa
:
:
z
°
da sexualidade pãréce estar por toda parte e ao mesmo tempo em nenhu- ser e~ ; *
!
passaaser pensada como... u m percurso,
ma, de modo claramente isolável. Aquilo que não se reduz à sexualidade^ - ou como sugere Butler @003) \^
ção e"apulsão de mortè em Freud ou cfReaQ
¿9 ' como uma
por exemplo,autoconserva ^
em Lacan, é pensável sempre a partir da "coisa sexual", como se se tra-
gontingên cíâ>Em outras palavras, a sexualidade é uma cons-
trução que possui uma ligação arbitrá ria com a natureza anatô
\S
mica do
tasse de umajedu ção internaje sua própria não totalidade. Veja-se, por corpo e uma ligação re jlircõm a discursividade social que lhe dá forma.
I
exemplo, a fedefinição de pulsac&presente em Mais Além doJErinápio do ^
Por outro lado, essa mesma exualidáde incide ainda como
^ constituição a
partir de sua dependência nãõ arbitrária para com a escolH fantasmática
^ | «5
i
2:
2i
Prazer (Freud, 1920) ou o desenvolvimento da noção dú objetoaji partir
da angústia, no Lacan do Seminário X (Lacan, 1962).
O objetivo deste capítulo é estabelecer marcos teóricos para avaliar
^
Uma consequência dessa mudança de perspectiva, trazida pela tradição
lacaniana, é a possibilidade de descartar, criticamente, certos modelos
^ ;<> -
teses freudianas da universalidade do falo e da bissexualidade. Tomamos biológica, que induz a equiparar, por exemplo, o pênis ao falo;
ainda, como referência aproximativa, a ideia de que a ambição freudiana 3. o modelo da correlação entre prá tica de gozo e estrutura
clíni-
de estabelecer uma teoria geral da sexualidade, teoria da qual se poderia ca, que permite associar, por exemplo, homossexualidade e per-
inferir a totalidade dos casos particulares, inscreve-senoimbito moderno versão;
de consideração da subjetividade e que tal ambição poderia ser oposta, 4. o modelo da heterosexualidade genital compulsória e
do amor
Umctífqúé genericamente, a uma posição dita pós-moderna, caracterizada concluído, que se associa historicamente aos três modelos ante
pela renúncia a qualquer pretensão de universalidade e unificação (Ea- riores.
-
gleton, 2001).
De fato, o destino dajgrande narrativa.freudiana sobre a sexualidade A teoria lacaniana da sexualidade é, simultaneamente, uma
teoria do
pode ser caracterizado históricamente como a trajetória de sucessivas re- discurso e uma teoria da prá tica de gozo, que se estabelece como prefe-
lativizações de seus aspectos essencialistas, unlversalizantes e falocentra- rencial para um determinado sujeito. Apesar disso, não se pode inferir da
180 181
T 7~°~
prática de gozo, seja o discurso, seja a estrutura. Há certas dificuldades, falo para o Outro. A angústia masculina da castraçã
que veremos adiante, para passarmos da teoria do discurso, na qual o
'
reünem-se assim em tomo do mesmo termo, o fal
gozo faz parte do laço social, para a teoria do fantasma ou da constituição distintas. O preço a pagar em tal concepção é a renúj
do sujeito, onde o gozo não faz parte do laço social. Desta forma ficariam maisantjgag~ê insistentesdtrFreud sobre asexualid
cortadas as amarras para uma eventual teoria psicanalítica de gênero? tese da bissexualidade.
Ou, então, teríamos de definir gênero sem assodá-lo a uma prática de Deve-se observar: aqui
a que a solução de Lacan
gozo? Nesse caso, gênero designaria, ao final, apenas uma formação iden- xima da modernidad/o fajp é ainda concebido c
titária como qualquer outra. .
universal As formas aà~sexualidade seriam ded útí
comum/ jacques André (2001) observou, acertadarm
A sexualidade f á lica movimentqLãcãivtoma aquilo que é uma contingêi
xualidade infantil, uma teoria sexual infantil - a prem
seres são dotados de falo -, uma exigência teórica m
Se imaginamos que a sexualidade se constrói em um processo que sária. Além disso, há ainda a rela ção sexual concebic
z j tem por finalidade a conclusão da organização genital, que conteria den- entre este que se ocupa de ter e aquela que sê ocupa e
<
J ; tro de si as outras formas de organização ditas pré-genitais - o que aliás é ma trazido por essa forma de entendimento é a difici
perfeitamente freudiano - amparamos o desenvolvimento da sexualidade
^j
ãi
Õj
em uma teleologia: a submissão da satisfação individual às exigências da
reprodução. Esse é o modelo a partir do qual as outras formas assumidas
a sexualidade feminina da histeria. Afinal, essa aprôj
fera do ser , pelafalicização do corpo é a estratégia b
,
I
_
i castração passa pela dialética do terTréTou não ter o falo, essa é aques-,
tão sob a qual se erige o desejo masculino (Lacan, 1958). Diversamente
cie de equívoco sistemático ou de desencontro irredu
-
que podemos trazer para ilustrar isso é a que Lévi Str
acerca das relações entre dois grupos da tribo Winnil
norte do Canadá. Adaptemos o exemplo para nossos
na mulher, a questão desenvolve-se no plano do ser. Ser ou não ser o
fiyj
/ ^
* ;
“:
de suplemento quese poderia introduzir na situação de modo a amenizar
a contenda. Esse suplemente-é-aamor. Para Lacan, desse período, 0 (ámor
é uma espécie de_ metáfora que tenta reunir na mesma imagem a impossi-
A lógica da sóviialidade m mlina por ex
^ alidade:
contradição entre exceção e univers
J ii bili dadejlaimagem. Em outras palavras, há algo na sexualidade que é de
• Existe um homem que não está subme
o
a. Há algo, portanto, no fundamento do arcisisrpo i
• Todos os homens estão submetidos à (
£; |natureza não reflexiv
CqueAmã ongrdsico. Ao mesmo tempo essa negatividade não é puramente
^ ^ Trata-se, portanto^-dejun mito formative
i transcendental. Essa negatividade faz parte irredutível da sexualidade, ideia de que há pelo menos um)que escapa à cast
_
ou até mesmo, a éxúãíídã e vem . recobrir esse (f êãLqueaí se entende,
^ ^ ^
deve ser concebido %pmo impossível de se inscrever
,
.
plenipotência representada pelo pai da horda ]
a todas as mulheres. Essa exceção consfiturtadc
TJra /dnú cleo narcísibo do fantasma corresponde justamente ao pon- limitados em seu acesso ao gozo. Aqnasculinii
to crítico de fixação dã bissexualidade. O fãntasm ã /assim como a fantasia da incompletude e da tentativa de reãbsorçacT
fundamental freudiana, inclui a passividãdrerraf ívidade em uma monta- perdido segundo a lei f álica. A exceção não ap
gemoriginária, em tese prevalentemente masoquista. Encontramos aqui TÍTúia regra. O conjunto dos homens é assim
'
o tema da sexualidade perversa no coração da neurose (Lacan, 1964), mas Daí se depreende um gradiente psicopatológic
também o tema do desamparo (Hilflosigkeit). quando a figura dessa exceçã
oJoma-se excess
Em consequênjda do,caráter-fantãsm ãtico da sexualidade, o que te-
mos então é uma fragmentação e dispersão dos modos de gozo que esta-
rão sujeitos à contingência de cada um. A sobreposição entre essas pos-
^^ dónjuanismó) quando a figura dessa exce ção eni
oçuale desejante para o sujeito. Trata-se então da
«lis 184
sibilidades de gozo e a posição masculina ou feminina permanece ainda
,
incontornável na expressão da sexualidade, ma:
incompletude e parcialidade da experiência sex
Nefhísãêriã jjhde, como se sabe, há uma idenfificaçãoJálica_domi-. O modelo para essa outra forma de gozo, o
riência m ística. Experiência para a qual faltam ¿
nante, vemosfessa funçãode exçeção aparecer de modo bastante saliente
Cõm isso pode se dizer que a histeria) em que pese sua maior apresgnia-
o modelo para o gozo f álico é aexperiência da s
; "
- .
ção em mulheres, responderia a uma 1ógica da masculinidade.^ nnrrbom exemplo. Ocorre quê Don Juarfe Sant
ualidade feminina não está baseada na incompletude, fonnãnãm um casal. Tal casaí hipotético estaria 1
A lomead
mas na nconsistênoc). Isso porque, ao contrá rio da masculinidade que
lie um idial, seja ele o Ideal de homem, de mulh<
^
propicia a formação de um conjunto, o conjunto dos homens, a sexuali
dade feminina só pode ser apreciada pela radical diferenç a jingulari
^
-
-
o
uma unidade sexual reintegradora não se mostra
incompletude, masdéjnconsistência, ParãJfonji
mulher que diga não, mas não-toda diz que sim.
dade. O conjimto formado pela mulher é um conjunto inconsistente7ji ã
uma, mas não as possui todas de Uma vez. De fon
um conjunto ihcompletajssõ porque a forma de gozo em questão nã se
o
falo. Há , na sexualidade fe- trica, Santa Teresa D'Ávila estaria às voltas com i
limita ao gozo comandado e organizado pelo dita infinita, cuja característica principal é sua nã
minina, um gozo suplementar, ou seja, um gozo que n ão completa aquilo "
_ _
Vemos aqui a radical diferença dessa concepção diante das teses
anteriores de Lacan acerca da sexualidade. CÍ falo,nãq é mais o único
platónico do andrógino, não é uma novidade na te
e o desent
organizador da prática de gozo, das escolhasjieAbjeto e da ecori õMi | íT
_ .
críticajda g enitalidade, quer pelaAda.da crítica do
«
- iI
i _
Tdèntificatória. A sexualidade feminina, repito, é nã -
" o toda f álica
correspondÍ!ii uinaradicaliza ção da teoria da bissexualidade, mas sem
" . Isso da A originalidade e ¡ problemática que decori
^
lacaniano para uma teoria da sexualidade reside
\ que tal bigsexualidadê_seja_ apreendida como complementar, nos termos nível teórico -que_d£venu)s apreender a teorij
z
u i _
Ide oposições corr\o passivo-ativc)>.oúf álico-castrado.
-
uma parte da teoria dã constituição do sujeito, de
^; Se com a tese da sexualidade masculina aprendemos que o univer inscrito no lado feminino ou no lado masculino
í sal se constitui pela exceção, agora verificamos que este universal nã o
.
trutura? Ou, ao contrário, seriam as jxísições da
é sinónimo de totalidade. Em outras palavras, derruba-se,a concepçã
o de discurso, sujeito a rotações e combinações decc
í
uj universalista da sexualidade. Por outro lado, não há falocentrismo o ; n ã gozo ? Ou, ainda, seria a teoria da sexuação decoi
S; _
porque o falo não esteja presente, mas porque ele não está mais no centro tasma, concernindo o sujeito a uma dada posição ¡
3i _
e nem funciona como operador para pensãFtodã a sexualídãdiTNã h
o á transformações limitadas por seu escopo? Note » -
a sexualidade, mascas séxualidãd è
^^ qui a ideia parece retomar , com
'
^ ^
versalista, falocêntrico e genitaLEfe~torf ía se submetido
r
¡ _
à dimensão da
ória de
ção da contingência e uma concepçã o de intersubjet
do dualismo, matéria-forma, corpo-mente, ato-poti
^ ^
conHHgenaã Tcõô não é ma is amatriz de uma fornia compuls
^
'
exercício da sexualidade, mas lugar de experimenta çã o aberto à imprevi - tiram na formação da metafísica da sexualidade oci
, ao Um que há uma leitura possível nessa direção, tendo em o
sibilidade. A vida amorosa desliga-se da referência à Unidade
“~rêal izaría a relação sexual desdobrada no plano intersubjetivo. "A relação conclusivos, há, por outro lado, objeções pendent
sexualTrãomnste"P umã afirmação que se pode aplicar, com propriedade que as produz. David Menard (1998), por exempl
neste contexto. Finalmente seria necessário pensar uma nova forma de para o percurso extremamente moderno do métod
__
concebeUaTpulspes^de modo a incorporar essa disparidade na própria pecto de sua teoria seleção de uma antropologia c
^
ejado mulher), privilégio de certos aspectps.da se
constituição da sexualidade humana . - - .
^
os resultados que postula, essa é ainda uma questão em debate.
Completa. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
KAPLAN, E. Pós-Modernismo -Teorias e Práticas. Rio de
De tõda formã/ tais consequências tomam a teoria das sexualidades
de Lacan compatível com algumas exigências críticas que percebemos no 1993.
.
P 188
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(1963). Kant com Sade. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
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Redfe, 1998.
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Zahar, 1986.
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s sitária, 1988.
I -
ZIZEK, S. Nada de Sexo, por Favor, Somos Pós Humanos. Clique - Revis- A etiologia da neurose
ta dos Institutos Brasileiros de Psicanálise do Campo Freudiano, n. 2, 37:43, ago.
2003.
T Tma premissa que organiza o desenvolvimento d,
diana, desde o texto sobre as Psiconeuroses de De
\1
as neuroses não se definem pelo conjunto de signos
logia , mas por aquilo que a toma possível, pela ç
af
sintomas^Tal "aptid ão” ervira às pretensões de um
^
apeñas "sintomática", como o hipnotismo, mas que a
_
S sua causalTdad éT Â procura desta çausalidade-se ig
3 basicamente ao destino doCafeto ou soma de excitaçâ -
2 teria, representação substitutiva na neurose obsessiv
u ,
m
• A Constituição Sexual: Freud participava de i
átrico, onde o componente hereditário das c
um ponto pacífico. Ao final do século XIX, d
'
“
hereditariedade, especialmente no cená rio
J
e alemão, a partir de uma relativa confusão
190
darwinismo. Este último, de recente implar
dfl Diferença Anatômica entre os Sexos (1925
(1) Constituição Sexual (2) Acontedmento Infantil O acontecimente infantil é fundamentals
(Fantasias Originárias) (Complexo de Édipo) três úcónfécímentos, que nem sempre se
I
„
í
(5) Acontecimento Acidental
1 (6) Neurose de Transferência
da sobre a formação de sintomas (I9f 6T7 e
do como um modo de sati sfaçãg ajjulagj;
^
micTsmmdá rio prógryxdasjiüároses: Quaj
pr
(Causa Precipitante) (Defesa )
^^ õ rntõmarcõafo' ática sexual do neurc
continha o elemento perverso intrínseco à ¡
Figura 1 tuia dei) na posição de objeto, numa ident
"
^
sintomática Tal leitura faz com queoTon
gue ao de regfessãn. Gponto deiíxa çã p tra
puIsíÓnal Ho sujeitoe por isso se èncontra a¡
à-repetição-(1920). Como-resultante dos pr
por Freud, de acordo com Ritvo (1990), de forjna a preservar a riores poderíamos falar aqui de uma fantasi
transmissão de certas "vontades" hereditariamente. O que com- confronta ção entre o universal da protofanl
^
poria este extrato herdado e pré-histórico varia ao longo da obra da experiência infantil produz uma resnoí
de Freud; inicialmente seria a disposição à dissociação da cons- de fixaçãaé assirnum estilo singular da íjiui
ciência (Charcot), depois a "aptidão" para a conversão (Breuer ), mesmojempo única e universal ao problei
em seguida as protofantasias e as experiências fundamentais da tamente pórlssó o ponto deJfixação ( Fixien
"aurora" da civilização. Ainda num dos manuscrito da metapsi- simultaneamente a castração.
cologia, reencontrado em 1986 (Monzani, 1990), aparece a hipó- • O Acontecimento Acidental: Trata-se da caus
tese de que a "era glacial" teria imposto certas experiências que
sencadeadora do quadro neurótico. Um ai
se transmitiriam por intermédio de um inconsciente arcaico ou ^
zi -
^
No que toca à ideia d causalid adefefema perspectiva estrutural
centrará força na substitu ição ritrimperialífanu jristoriograficopqr.um
sobredetérmiríisrrp totalizante. Assim, a clássica ideia de que o pagsa^.
-
avaliaçãcTdo seu comportamento, mas por
^
etiológica freudiana que examinamos
como_e
transferência. Como ondHarja imobilidade estruh
do deterihina ó pTesente' e este determinad futuro, a partir de leis que
1
íj antenoemer
características desta concepção são o sed historicisi^
; ícabe à ciência desrifraryd á lugar à ideia de que oacontecimento já está
^
^
aj
oi
/ -
pré-figurado pêla estrutura em que sê inclui. estrutura tyatemporalida-
^ ¿
jjjesobredeterminante e como tal não possui tüstaf ía7 ela transdüstórica
;
gências de uma ficção sobre o processo
dviEzatórk
capaz de assimilar constituições pulsionais precisas
lidade. Lacan, como se sabe, por unyl lado
nela domina aabsoluta riécessídjjdfUógica. desbiol
outro, proporá um novo modo de conceber o seu h
A complexidaderio terrpoestrutujanão será avaliada aqui nos seus ,
u; do
ética do sigrn- menológica alemã chama de Lebenswelt, o
° : 'digma linguístico é substituído pelõlógico. A operação po mundo do
No caso do Homem dos Ratos,este lugar prescreve
ficante d á lugar ao cálculo do sujeito na medida
“
em que as pretensões de uma
paterno entre o casamento pordinheiro ou pelo
U formalização aumentam. Neste sentido, fazendo referenda a Eco (1980), amor
noção de estruturã aproxima Lacan de Lévy-
-
a eátrutujà deixa de ser um contructo metodoló gico ejse aproxima de Strauss a
formas possíveis de escolha dado um certo ambiente i
umáriridagação sobre a pr ópriã realidade. Á ideia de estrutura clínica, no
~
num acontecimento
acontecimento empírico, a feita de pênis na mulher formações reativas e f órmulas protetoras qu
,
^_
^ tração é definida como a falt imboUca (fálica) de um objeto
^ çã
rio (imagem do pênis). A compulsãcua repeti o desta
imagin á
falta é o próprio
) dos significantes. No _
- fenomenología. O que seria, portanto, o des
sofrimento?
movimentodQ dqsejo no agenciamento metonimia A Versagung do objeto, como vimos acii
) , comcf ãxioma da pulsão, Iiga-sêfe
õTêmã dã demanda
*
êófarito7 Tixa çá c|
^ à jcondição de um fato essencial e não merai
'
clí nicas
°\ tempo possupalgo de genérico no_ queJoca às estruturas fantãsmática desencadèantéae uma neurose e uma
dõTígmem dos LoboS) (1918) este ponto de fixação aponta para
a íáaiida -
2j
0 :
^
l
Uma vez apresentada a releitura de Lacan, en
, rabo
significa a eastracão.comQ_perda do pênis ou por deslocamento do 1 etiológica freudiana, poderíamos nos encontrar
com
na cenaTetendo posia ÇãçTimediatamente ah
dqjoba O paciente se inclui . O caso se presta
a lei tura estruturalistà n ã o trairia a
inten ção freudiai
terior à constatação dã Cãsfrãçãõ, isfo é, a satisfaçã
' ~ o anal método que fosse capaz de curar a neurose, de
tocar a
a distinguir a fixação (anal) do fantasma (escópico). (Freud7l89?j? Isso não ficaria
inviabilizado pela própi
O quarto termo da etiologia freudiana é o acontecimento
acidental, tura como algo que não se transforma? De fato, o que s
da vida do adulto, que dá origem ao quadro integral da
neurose. Geral- clínica psicanalítica diz respeito apenas aos
do seu efeitos da e;
mente é este o elemento que o paciente traz ao localizar origem como
a mente com rela ção ao sujeito Fnunca em relação
a ela
sofrimento. Todas as condições da neurose estão dadas e
, inclusive , nesse sentido, passagem da neurose apsícose otpda ~p§
observa Freud a propósito do Homem dos Ratos, às vezes
uma neurose
tcheco, acer -
assim por diante. Neste sentido, a ideia
de uma _"cura"j
completa, bem antes disso. O relato feito pelo cruel capit ã o de forma algumaa passagem a alguma
espécie decond
sobredetermina ções estruturais. ^
dade psíquica, jnas a (mvençã de novas alternativas para responderas ¿fomenta dopes
6
tendem a enfatizar ora uma vertent
podemosnotar na propria obra de Lacan.
^ ^
à estmtura clínica Jle acordo com a formulação de Lacan (1955), é
a estrutura de uma questão. Uma questão não se reduz à pergunta, mas
é mesmo sua condição de possibilidade. Podemos compreender o trata-
Assim, um comentador corpo Cabas)(1980) m
bem a definição da estrutura tendo ém vista os an
~ çao de
^
um suieito específico. As referência fundam
mento psicanalítico como a condução desta questão ao seu limite estrutu- can acentuarão os textos que vão do artigo sobre os
ral. Neste sentido, a questão se aproxima do que Foucault (1987) chama de (1949) ao Seminário TV H 956L Trabalhando sobre a
0
epistemê, a/ ratrí z ^dc um conjunto de perguntas possíveis numa época, Cabas distingue fíèjpsicoses de presènçã quando o
(SUj um horízoñi dg^íslbiirdaae. Lacan partiduláfiy.á as estruturas clínicas a
^
'
ginário se encontrajnst í ^
o na paranoia e
partir da presença de uma questão fundamental: a mulher na histeria, a depressiva), é psicoses deausêncuj, onde a pró pri
morte na neurose obsessiva. O qugtoma possível a questão? Pelo exame imaginário, e do ego, portanto, está comprometida
das concepções etiológicas dameurose vimos que o que toma possível tal quizofrenia e do autismo). A pesquisa empreendic
questão é simultaneamente: ~ " junto à família em que a criança se encontra,
_
segue i
51
j:
"
*
gj linguagem, a estrutura de parentesco e as condições veiculadas pelo trutura centrada nal ñefafora
ia met á tomparterna, no circuito c
L Outro materno. posiçã o do objeto.. jssirq, ã jhisteriake caracterizaría
óbieto sé encontra o Pai Real, no li
onde no lugar do fihietasb
dafaijaem relação ao circifito de identificações e ao lugar ^
H
j 2. A presend
dr> ^
nhjeto. Em outras palavras, o desenlace obtidoaomy
rafpáfema-no-que toca;
^ametafo-
e no lugar do sujeito (e do desejo) se localizaria Q Pa
da neurose obsessiva, o lugar do Outro é ocupado
no caso da fobia, é no lugar do objeto que se instai;
j
1 • _
jigjriodQ duljdar com axastraçãcT(ao nível da linguagem). Dor (1987), confere nítidh primazia à estrutura defi
pela metáfora paterna e, portanto, ao sujeito definidc
I 3. A presença doffantasma
)como: de identifica
lentificações e daiafia ao nível do objeto.
í
u • lugar de certeza quanto à consistênda doj utrq LSUa demanda
^ ^ ^
f
No caso d( CalligarUT1983), a ênfase da noção t
organização do fantasma. Tem se ém mente
• articuladordas relações entre pírazeij(safisfaçãõ e gozo) - aqui a
l • posição de reteneão-naxcisicã a identificação ao objeto.
dos Seminários VIII a XIV , bem como ao texto Kant com
X
u
^ a estrutura da perversão é apresentada a partir do fi
vontade de gozo). Dessa fomu GaHigaris apresenta
4. A presença dAfaltaao nivel dflTOutrcj e a resposta dada a esta falta ao
|
^
comQjgyalQ£a-a_demanda doyutro (D) e) a posição
B frado)-se-eiTCorttra ara recebêJ.a.-Noeasoda
• do seu cqnq áí ènfp (o sintoma e a transferência)
epi ^ ^
perve
falo imaginário (fi) para a falta imaginária do Outro (-
• do seu suplementero amor) rose obsessiva, ele se faz falta imaginária (- fi) para a
• da posição em rela ção à sexuaçãò, (a resposta a não existência da que emerge desde o falo simbólico (Fi). Na histeria, a s
(jfi
¿pf
i
r' ls ' As
—-—
relação sexual).
psicose maníaco-depressiva) e p pérversoes (fetichismo, sadismo e maso- u A'eü jfieudiano) tomando possível a relação ntrs
quismo). Ajisimpâtolagia pBlmhiralbarte destes quadros, admitindo sua_ < res ^
simplicidade e generalidade. Tentaremos nos aprofundar na diversidade pode pensar em:
2
intraestrutural a partir de uma pequena ilustração. k -
* Semblante d(f "hom« ": trata se de um lt
De modo a demonstrar as diferenças estruturais envolvidas nos qua- ~ gralmente a funçãoTálica (Lacan, 1973).
3 dros em questão, propomos a utilização do mito descrito por Freud em < u -
%
=-
e ;«
Totem e Tabu (1912). Totem e Tabu é um reédiçaó do mito de Édipo, a
^ ^
encruzilhadaegtaturante da subjetitividade fiumlma . Como tal
'
, ele é um
“
3
^ ^
• Semblante de mulher : trata se de um li
cialmente a função fálica (não há nenhum
conjunto, como uma espécie de "Mãe da 1
dos poucps mitos, de fato, que nossa é poca soube produzir:’A hipótese de ce i
1
ofundeelhe dê consistência); trata-se, por
gi
¡
"
.
^
civilização e as figuras do Outro que ojEundamj
-jgsfãmenttTdmrelaçao entregos-atributos-a qugjshegaqioíganteriormente
< Sda do objeto) a ã.o patem / a articuláção cTa^;
acerca da estrutura : | fund
—
1
i
_chamou de denegação, ppis produz como resultado uma formação que
negae afirma simultaneamente algo. São as formações do inconsciente o
chiste, o sonho, o ato falho, o sintoma, etc., que são paradõxãlmenteTea-
Lacan como um desqo de desejo insatisfeito. No en
pãrao outro lado da banda, encontra-se a tragédia
inconciliável com a manutenção dQjlesejo, como i
~
liza ções de desejo sem reconhecimento do desejo. São simultaneamente plo, no filme de Bunuejf Á Bela da Tarde
uma articulação dà questão estrutural e sua resposta. A neurose obsessiva, pòr sua vez, manterá o
o ^ ^
A tese de Lacanj de que estas-formações possuem, naj roscytirna
metáfora uma substituição significante
quêloi negado numa negação determi-
sujeito no lugar "Homens". Por isso o ser talan ti
urna alternativa: ou se identifica ao Pai morto e s
é
P nada. Uque fornegado ^ Va (
é
aufhebt
. um
)
objeto imagináridTõ f ãíõlmãginano - a ima-
~
« i O
^
S ; jnenos èsejo; e qiiãntolnãí dês
sujeito comparece ^ ^^no retorno
h1
^^^ gn
do
7 Q
£
t como:
• Uma separação entre o mundadPg a enunciaçãb, entre o que _ lI um lugar entre a masculinidade e a feminilidade.
pjobicòjj a de um desejo prevenido, antecipado, ant
se fala e o que se diz. A significado; a mensagem, na neurose, é j
5
5
recebida de uma forma invertida a partir do Outro (conforme o
esquemrarb).
^
^
recímento ele é paralisado na constru ção f óbica. —
A psicose
• Uma separação entre o lugar do "eu penso" (ou do "eu não pen-
l so"), o desejo inconsciente e o lugar do "eu sou" (ou do "eu não
sou"), o gozo. Ao contrário da neurose, que realiza uma fc
u
• Como determinado por um lugar entre SI e S2. negação, a psicose se caracteriza por uma negaçã
lida com a falta do objeto por intermédio da forac
situação que se obtém então corresponde à prime
histeria. a um<
.
^
ío se refere à cõnsHiuíçãõ .
Totem e Tabu O Pai Real priva o ser falante do goz
como se sabe , mas ao lugar de onde se
onde a solução passa pela via homosexual) ou toe
anatômica; há histeria em homens ,
_ de gozo (posição "mulheres", como se nota na ema
^
faz o desejo. 0 drama que faz vacilar o pai possui tuas dimensões, uma
que coloca o s&r~f alante como'obietupara o pai real (comostTcõHsfata
pela primazia da cena de sedução); outra que produz uma identificação
sidente Schreber deve submeter-se). Como não se ti
que negue e afirme simultaneamente, a psicose esta
negação maciça (o negativismo psicótico) ou com 1
-
ao falo (fazer se passar por ele para sair da posição "mulheres"). Desta
mente maciça (a alucinação), do Pai Real. O delíri
forma, enquanto degèjacjjrynmo un í~alo como um significante fálico, a
^
^ ^
posição "mulheres" jica vazia e de lá èmerge sua questão fundamental:
Coque queFumãunuíherF ntende-se desta maneira, qu& ã"hIsteTiadêve
uma tentativa de inclusão do sujeito, quer na posi
Real (megalomania), quer na posição "homens" (]
^
manter o desejo em a ção a qualquer^preço, e por isso ele é definido por
posição "mulheres" (emasculação ou delírio erotorr
casos não há preservação do negado. O que não é acolhido no simbólico
retoma no real. A perversão
Em termos do Totem e Tabu, isto corresponde à obrigação de erigir
para si mesmo uma civilização em que possa habitar. A psicose encontra- A perversão nem recalca nem foraclui o assí
se estabilizada quando o ser falante se encontra, por intermédio de iden- cuta um terceiro tipo de negação: a da falta do (
tificações imaginárias, num circuito em que nenhuma questão o obriga a nou por renegação (Verleugnung ). A renegação é
responder de algum dos lugares estruturais. As causas precipitantes do perceptiva, uma alucinação negativa. Seu produ
surto são sempre circunstâncias onde estes lugares se colocam como de- fetiche o que foi negado. O que é negado no ime
cisivos; fenomenologicamente podemos citar algumas das mais comuns: ginário. Há, portanto, uma lei em funcionament
casamento, morte, paternidade, imigração, etc. rigorosa. No entanto, esta lei não se organiza pel;
mas por uma dialética com a demanda. Desta fc
Na paranoia, o ponto de inclusão do sujeito se dá na posição "ho-
o desejo na perversão equivale à vontade de goz;
mens", daí sua proximidade estrutural com a neurose obsessiva. Tanto to não está dividido pelo significante, entre emn
como perseguido quanto como perseguidor, o que está em jogo é o objeto entre SI e S2, mas unicamente pelo objeto. O per
e sua sobra imaginária: o Eu (moí). Sua demanda por ele é intransitiva; inclusão o Pai Real, de lá este faz aparecer a divisi
é dessa intransitividade que se extrai a certeza, marca maior de seu dis- objeto de gozo. É, no texto do Marquês de Sade, o
curso. No entanto, a aproximação com relação a este objeto é assintótica
(como mostra o esquema R), de modo que ele enfrenta de uma forma
-
ne, a vítima, divide se pela angústia que precede
so retém sempre este instante que precede a cash
mais radical do que qualquer o outro o desafio de pôr em palavras o ino- Freud (1921) acerca do fetichismo.
minável. O "eles", sujeito delirante do "sistema", do "plano" ou de qual- No fetichismo, o objeto que imaginaria mentt
quer outra forma de totalização do Outro, que caracteriza a paranoia, é o do na mulher é condição necessá ria e suficiente d
sujeito impossível do código. Impossível porque corresponderia ao Outro cortador de tranças é paradigmático, ao cortá-las,
do Outro. Para separar-se da absorção a este código, a paranoia investe na ção do outro; no entanto, ao retê-las como objeto
produção de um neocódigo, de um idioleto, como a Grundspache (língua eficácia simbólica.
fundamental) de Schreber. O ponto onde se trataria de um reconhecimen- No caso do sadisjno, o objeto se encontra d(
to do desejo (do sujeito) se encontra fraturado, o efeito disso são os fenô- masoquismo, do lado "mulheres". Isto significa, t
menos ao nível da mensagem, como a interrupção da frase, as repetições tem e Tabu como referência, que num caso, a castre
e cortes no discurso. passagem de um desmentido da posição "homen:
A esquizofrenia, por sua vez, tem seu ponto de inclusão na posição ção mulheres. Isso combina com a análise de Delei
"mulheres". De fato, a dificuldade em se furtar à condição de objeto para ta no masoquismo, uma denegação da m ãe ao lac
o gozo do Outro explica o caráter fragmentário do delírio, e a predomi- do pai. No sadismo, a situação se inverte, haveria
nância das alucinações visuais, como observou Calligaris (1983). A busca uma denegação do pai. O problema em falar na es(
assintótica do objeto ganha, na esquizofrenia, o sentido da despersonali- é que esta representa rarissimamente um fato
clí
zação e do esfacelamento da imagem corporal. O eu se reduz à fragmen- motivos estruturais, supõe-se dificilmente demar
tariedade própria do objeto da pulsão. por isso que boa parte da bibliografia a respeito ¿
A psicose maníaco-depressiva, investigada por Freud a partir da obras literárias, notadamente as de Sade e Maso<
melancolia, tem seu ponto de inclusão numa região entre a posição "ho- artigo de Deleuze).
mens" e a posição "mulheres". Assim, o pai Real mostra-se insuficiente; A Vénus das Peles de Sacher Masoch (1982) é r<
a posição do eu vai então de um complemento a este Pai - pela suple- mulher que mostra sua castração imaginária na f úr
-
mentação da significação que lhe falta (mania) à identificação do objeto
perdido, a identificação que preserva e positiva o objeto (depressão). As
da sobre o masoquista. Ao mesmo tempo, ela é
peles de animais) que d ão a ela o semblante de um
po
variações do afeto são variações da economia pulsional; o regime signi- a f úria da Vénus não traduz qualquer desejo
de exi
ficante não sofre alterações ao nível do código ou da mensagem, mas no constrangida a isto por um contrato meticulosame
nível da falta ou excesso da significação fálica. passa como se o contrato firmado permitisse a relai
mulheres" sem a interveniência do Pai morto.
No caso da Filosofia da Alcova (1988), obra do marquês de Sade anali- (1909). A Propósito de um Caso de Neurosi
sada por Lacan (1958), a relação não é contratual, mas institucional (como dos Ratos.
observa Deleuze); o afeto que o marca é a apatia e não a frieza. O sádico
, (1905e). Fragmentos da Análise de uma Caso
institui-se como pai que impõe sua regra de gozo a mulheres e homens
sob absoluta indiferença quanto ao desejo destes. Tudo se passa como se a .
. (1912). Totem e Tabu In: Sigmund Freud.
instituição (a República dós Libertinos, a Associação dos Criminosos, etc.) Aires: Amorrortu, 1985.
fizesse de cada um pai de si mesmo.
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1 '
!I
necessários para delimitar sua estrutura. Temos ei
o crítico teria por finalidade atravessar e não reificar. discurso é composto por lugares que se relacionam ]
Muitas abordagens de narrativas acabam por se confundir com
uma
e mentos que ocupam posições dentro destes lugares
espécie de análise sintática ampliada, que permite redescrever a forma discurso se levarmos em conta a mútua dependena
a estratégia do texto. Isso certamente contribui para o aprofundamento
*
H
"com" mesma narrativa deve ser repetida, sem alteraçõ
saber, é construída, neste sentido, "contra" o outro e não apenas gem possui uma única valência intencional.
seu solidário e proximal apoio. Voltando aos exemplos de Freud, ao escut
in-
Como exemplo disso, Freud apresenta a primeira teoria sexual vida, pois o homem coloca um ovo dentro dela,
falo .
fantil, qual seja, a de que todos os seres possuem indistintamente polissemicamente, ovo por testículo. O homem d
causa da
Falo aqui pode ser lido como o "isso" que o adulto esconde, a barriga da mãe. Coloca-se em seguida o problem;
mentira, mas também a animação verdadeira que dota as coisas e as pes-
é todo redutivo : primei- dos testículos. Problema que pode ser resolvidc
soas de desejo. A criança caminha aqui por um m
(que se tornam de uma paráfrase de runa história infantil. Comi
ro as coisas, depois os animais, em seguida os estranhos aeompanhamos, após algum tempo de exposiçãc
fam ília,
fonte de fascínio e temor neste momento) e finalmente a pr pria ó
educação sexual: Depois que o pênis sente cócegas ele
terminando pela própria mãe, são destituídos desta substância m ágica
que representa a verdade do desejo. É no fundo uma narrativa da decep
- .
cem outros ovos, óvulos,ovários .. aquela coisa... esper
sob a rubrica da onipot ê ncia coisas que vão nascendo vão virando nenéns.
ção e da consolação o que vimos reificado Assim a criança, que antes se relacionava
~; egocêntrica da criança. Nada mais falso se pensarmos que a chave da identificação com seus personagens ou se fazia
de seu
2í solução está, o tempo todo, no interesse pelo Outro e no estatuto petindo a versão dos adultos, torna-se agora aut
,
Ji falso saber. Diante da própria constatação perceptiva do corpo feminino
ficção, que não é menos ficcional por parasitar
vai
a resposta da criança será algo como: o dela ainda é pequeno, mais
tarde
S: sã o objeto de científicos. Destaquemos, portanto, esta dupla i
I crescer. Diante de uma asserção quede de fato as mulheres
« entre saber e verdade, que nos d á o que Lacan cb
ça pode ser algo como : mas
uma privação do pênis, a resposta da crian trutura de ficçã o". Subindo para a posição repreí
elas um dia tiveram o seu, e este lhes foi tirado. O que prova mais
uma vez
a ou pelo agente, proponho desdobrá-la na funçã i
que o falo não é o pênis, mas esta suposição de verdade sobre desejo o
criticada por Derrida em seu comentário do textc
ele atribuída. ta Roubada (de Edgar Allan Poe). No lugar subse
í Ou seja, a criança confronta o discurso do adulto em uma investiga
-
yantemos a peculiaridade de que no discurso o C
advers á rio . Ali ás ,
: ção própria, onde suas cartas não serão mostradas ao permanecer anónimo em seu desejo (como os p;
ça o
< I é um signo importante da infantilização do adulto diante da crian
este Outro nã o anônifno proponho chamarmos c
desconhecimento sistemático deste fato. Uma investigação da qual ela
se
“ i dice destinatário da carta de sofrimento ( lettre em
Outro . Da í a estreita liga çã o entre
« j faz agente justamente pela exclusão do
no andar de baixo dos discursos seria preciso qus
® j a aparição das teorias sexuais infantis e a criação de narrativas pela
pró-
da fala dos adultos . no discurso do mestre é da do a-mais-de-gozar, i
M i pria criança, que inicialmente as reproduz a partir cujo gozo é determinado (gozo f álico) de outro
Os contos de fada e narrativas congéneres são, portanto, parasitados pela
I Lacan ainda não havia teorizado quando propi
_
0
3I
S.
> criança. Eles se transformam vivamente na medida em que a
_ser na posição de agente do discurso, tanto autor como narrador, e não
criança pode
discursos; ou seja, o gozo feminino enquanto inc
ser perfilado ao lado de casos mistos nos quai;
meramente seu reprodutor, pela via da identificação. Ou seja, a hist ria
ó
, que a conta , o autor , indeterminação, como por exemplo: o estranha
que ela conta deve ocultar para além do narrador despersonalização, a devastação ( ravage ), a anon
que acredita ou duvida da própria história. Mais uma vez comparece aqui
pe- angústia, conforme o esquema da página seguint
a inépcia do educador que não sabe reconhecer na paixão despertada
mau, etc.)
los personagens malvados dos contos infantis (a bruxa, o lobo
a sua própria posição de Outro enganador.
0 lugar do Outro
Dois recursos são usados ostensivamente nesta apropriaçã
o identifi-
catória da narrativa proposta pelo adulto: a paráfrase e a polissemia
. Pela Podemos ler neste movimento um gesto de au
são
paráfrase a criança reconhece entre as diferentes narrativas que lhe isso se vê contrabalançado pelo fato de que só há
apresentadas um fio comum, uma mesma hist ó ria que est á sendo recon - Só há narrador se houver narratário. De certa form
a extens ã o dos perso - determina o que pode ser dito na posição de agent
tada continuamente. Pela polissemia ela percebe
de inten çõ es e na como algo deve ser dito para que se reconheça n
nagens e demais signos da narrativa em sua ambiguidade
onde a sição de narrador. Lyotard (Lyotard, 1997, p.37-38)
contradição de motivos. Este movimento sucede o tempo anterior
216
parental e por favorecer, de forma calculada, esta cii
Narrador Outrem mas do discurso.
Autor Destinatá rio Supor é antecipar, conjecturar, prefigurar a pró
dobrada fora de si, em um lugar que é como o meu
Agente, semblante Trabalho, Outro entanto, é diametralmente diferente (paratopia). Aqu
paralelo com o romance familiar do neurótico, que
Verdade Produção tensão das teorias sexuais infantis (Freud, 1908). No
criança imagina que ela é um filho adotivo, que seus
Estrutura de Ficção Determinação
"verdadeiros", que ela na verdade foi achada em
alg
Não há metalinguagem Indeterminação este fato permanece como um segredo. Um segredo
mais uma vez, que o Outro é potencialmente enganad
a criança suponha que seus pais verdadeiros, alguma;
são pessoas muito importantes, de alta classe ou nobr
s primeira da narrativa é conferir legitimidade às instituições sociais, e isso narrativa projeta seu autor como um herói, alguém c
decorre da utiliza ção de regras que fixam sua pragmática. os impostores e descobrir a verdade. Esta intriga se de
Temos então a posição do Outro. Ela é decisiva para que passemos do discurso polêmico, o discurso onde o Outro é um
1 o que, aliás, bem se verifica pela significação da exp
do nível do enunciado, no qual a criança pode repetir, como agente-nar-
I rador, as histórias que escuta, para a posição de enunciação, onde ela é vezes há uma fonte concreta para isso na figura de ui
reconhecida como agente-autor. O Outro, diz Lacan, é o lugar de onde o que inocula o germe da dúvida na forma de uma acus.
mais novo não é um filho legítimo. Ou seja, é a reve
sujeito recebe sua própria mensagem de forma invertida. Outra maneira
de entender este lugar é pensá-lo como narratário, aquele que suposta- qiie permite engendrar o romance em tomo da orige
í mente acompanha e adere à posição prescrita pelo narrador. Assim como juga o fato da suposição de adoção com o desejo de qi
o lugar do agente é indissociável do ato de assumir, o lugar do Outro é tais sejam afinal mais importantes e poderosas do qi
indissociável do ato de supor. corrigir, dialeticamente, a suposição anterior de imp
3 começa em uma falsa isotopia - na qual se supõe ui
£ A narração começa com a possibilidade desta suposição. Aliás, supo-
sição ou hipótese remete à palavra latina fictio, de onde vem ficção. Só há -
os membros da família e esta suposição progride p
1
£
se produz como efeito da circulação do discurso. Isto compõe um terceiro
lugar, o lugar da produção ou do efeito de sentido. Para Lacan, este lugar
encontra-se sob uma barra. Isso nos diz que a localização daquilo que
um discurso produz nem sempre é evidente. Se no lugar do Outro o que
irrestrito, para a posição homodiegética, onde se
acerca do gozo do outro nada mais é do que a efe
do sujeito. Ou seja, a impessoalização do saber, q
no universo formal da escolarização, faz-se acom]
do entretenimento, que tem animado projetos pedagógicos contempo - realizar o ato. Chamo a atenção para o que o
râneos. A produção de um modo específico de satisfação com o saber, pensamento, por medo de,e quando negamos o í
como meio de gozo, é muito mais uma contingência, efeito do trabalho voco; neste ponto, emerge a forma ontológica da
elaborativo do sujeito, do que uma tendência espontânea na qual se po - a dimensã o do objeto, o ato nega este objeto. Ni
deria confiar. Todo saber induz uma forma de gozo, mas nem toda forma encontramos o início de uma longa discussão
de gozo produz um saber; pelo contrário, o entretenimento, a distração com a tradição inaugurada por Melanie Klein e
ou a ocupação que tem caracterizado certo modo de criação contemporâ- simbolização da fantasia, quanto com Winnicol
neo traz como inconveniente sistemático certo deslocamento do sujeito ciais acerca da imaginarização da realidade. PE
em relação à própria situação em que ele se encontra, como se vê, por agir de modo a facultar a conclusão temporal d
exemplo, no filme A Vida é Bela, de Roberto Beninni. Ou seja, uma espécie sessões e do conjunto do tratamento. É neste f
de suplemento constantemente introduzido às situações, inclusive à da ontológica da angú stia possui efeitos de travessia
construção do saber pela criança, que marca toda situação com um sinal a angustia, ela mesma, em todas as suas form;
cínico, que diz "não é exatamente isto que está se produzindo". A apa- buscada ou evitada ao longo da cura, mas que t
tia diante do saber, testemunhada por muitos educadores não deve ser
liI pensada apenas como efeito de uma "concorrência desleal", mas como
efeito discursivo de deslocamento da promessa de satisfação para fora da
o tratamento, daí a insistência de que ela é um a
A segunda concepção lacaniana da angús
caso Dick, e de uma observação clínica trazida
situação de ensino-aprendizagem ela mesma ou então pela sua diluição de seu relato (Klein, 1930). Dick não mostra inte
I em uma experiência necessariamente prazerosa. quedos, não há agressividade manifesta e, logo,
O tema da angústia é particularmente feliz para explicitar as relações seu comentário, Lacan destaca três incidência!
entre Lacan e a psicanálise anglo-saxônica do pós-guerra, quando se con- Primeiro, a angústia que surge (arising ) na criaçã
sidera o desenvolvimento dos conceitos de simbólico, imaginário e real, angústia que interrompe a fixação da realidade c
is como originados em uma reflexão sobre as escolhas que o analista deve ro, a angústia que surge do que ele chama de rei
tomar durante o tratamento. Há uma relação íntima em Lacan entre sua
I!i
marcada pela vertigem, pela desorientação e pel<
teoria da angústia e sua concepção de ato psicanalítico. Isso já aparece em to. Estas três formas da angústia ligam-se aos ti
seu conhecido texto de 1945 sobre O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza realidade: as idas e vindas do objeto produzem
Antecipada, que subsidia a prá tica das sessões analíticas de tempo variável. de moldura do real, depois vem a fase da simbc
2;
Além do sujeito da experiência empírica imediata, associado à instanta- seguida o momento em que novamente a angúst
o
neidade do olhar e do sujeito indefinido recíproco associado à experiência
intersubjetiva da d ú vida e da compreensão, haveria esta terceira forma
-
realidade foi fixada (Lacan, 1953, p. 84 85). Reencc
como um percurso pelo qual se injeta o simbólico
O
s temporal do sujeito que é o "momento de concluir". Ora, a conclusão, no rio. Esta introjeção simbólica não é sem angústia,
sentido freudiano da convicção (Ubersetzung), que deveríamos esperar de necer kleiniano, Lacan deve aceitar que a angúst
II 5 uma interpretação, deveria efetuar-se por uma espécie de curto-circuito identificações pré-edípicas e pré-narcísicas, cuja t
entre o pensamento e a ação. Para Lacan, esta conclusão é uma espécie de no eu, como qualificação de afeto, mas na raiz i
antecipação ou precipitação marcada por um primeiro movimento que mentos. Assim, entende-se porque a angústia n <
apreende o desejo do Outro, e por um segundo movimento simultâneo de Lacan, e sua origem é também um tipo de estad
separar-se dele reconhecendo seu equívoco e sua pressa: valor constitutivo para o sujeito, que é o estádio i
p. 207). A esquize masoquista narcísica do eu, exj
(...) A conjunção aqui manifesta se vincula a uma motivação da conclu- da da unidade do corpo, delimitada pela imagen
são, "para que não haja" (demora que gere o erro), onde parece aflorar Outro. Esta angústia imaginá ria aparece como ex
a forma ontológica da angústia, curiosamente refletida na expressão gra- ção e seus traços distintivos são a agressividade (
matical equivalente, "por medo de". (Lacan, 1945, p. 207)
Podemos dizer que esta teoria, que liga a z
simbolização, é essencialmente uma forma de ei
Por medo de estar atrasado me adianto, e quando me adianto per-
visão do sujeito, seja pela fragmentação da ima
cebo angustiado meu erro. Concluir é reparar; concluir é ir adiante as-
suporte, seja pelos efeitos da determinação signif
222 similando esta inexatid ão como parte necessária do processo; concluir é
I i
T
Em 1956, Lacan (Lacan, 1955-1956) introduz uma primeira torção em angústia, ou seja, pelo que Lacan chama de um fi
seu kleinianismo. Em vez de pensar a relação de objeto, com suas media- out continuado. E o acting out continuado precisa <
ções fundamentais como a identificação, identificação projetiva e intro- nova experiência, para se tomar transferência.
jeção, ou seja, em vez de pensar os modos de relação inerentes ao objeto De Phylis Greenacre (Greenacre, 1950) vem a
da fantasia, ele postula que as relações de objeto se dão em face da falta e um apelo para que algo seja incluído na transfi
de objeto, em seus modos e frustração imaginária, castração simbólica e "realização" na transferência, que precede a simbi
privação real. Vê-se assim que Simbólico, Imaginário e Real são reinter- é a angústia percebida no lado do analista. Já em
preta ções baseadas na negatividade do ser do objeto, ou o antes chamado Ella Sharpe sobre os sonhos, Lacan (Lacan, 1958
estatuto ontológico do objeto. Cada uma destas incidências nos remeteria este problema que é a abstração do analista da p
a um quadro clínico diferencial, segundo a diagnóstica freudiana: a neuro- inconsciente, ao mencionar os sonhos feitos para <
se atual remete à angústia no imaginário (Pânico), a neurose de transferência de Winnicott que vem a formulação de um objeto
nos fala da angústia no simbólico ( Angst ) e a neurose traumática testemu- imaginário, nem no que ele chama neste moment
nha a angústia no real (Schreck ). *
5.
0
Com a revisão de sua teoria da identificação, que culmina no Semi- Há uma tradução deste objeto transicional
ji nário A Angústia, de 1963, surge uma segunda concepção de angústia, isso, se alguém quiser fazê-lo entenderá tudo
gi agora baseada no objeto. Ela não abandona a ideia de que a angústia é que é este objeto a. Ele não está nem no interii
í um rastro ou farol de simbolização, mas acrescenta a descoberta de que real nem ilusório. (Lacan, 1965)
-
*
o : há incidências do objeto que são resistentes à imaginarizaçã o e, portan-
to, afixação da realidade. Pela concepção precedente, sem imaginarização É preciso ter isso em mente para entender pc
*: não há inclusão na fantasia, e sem inclusão na fantasia não há simboli- no Seminário sobre a Angústia, tuna nova torçã o s
: zação. Chegamos assim a um impasse análogo ao que encontramos em ideia de que a angústia não é sem objeto30. Ela não
m
íi Winnicott, mas também em outros autores, que começam a questionar a mesmo que dizer que ela tem um objeto. Há um de
2| soberania exclusiva da interpretação no tratamento psicanalítico. Autores caracteriza o objeto f álico31, para o ser, que caract
^i tão distantes como Ferenczi e Alexander têm em comum a ideia de que o ontológica da angústia. O Real, o Simbólico e o Im<
- ;i tratamento não apenas repete e simboliza experiências retidas, mas que
uma psicanálise cria determinadas experiências, inéditas, que possuem valor
ontológicas, que se coçibinam, em Lacan com as t
cas derivadas do significante. A angústia tem esse
^g j decisivo e insubstituível para a cura. Para Lacan e até onde posso perce-
ber também para Winnicott, esta deveria ser uma experiência produtiva de
mas não sem objeto, (...) o objeto, se posso dizer, mais p
a coisa32. É certo que a economia da angústia se ir
2|
u indeterminação. do sujeito: a certeza, a d úvida, a crença, o desespei
% O seminário sobre A Angústia é o momento mais intenso da discus- são declinações subjetivas, como o embaraço, a ei
3o são lacaniana com os autores da escola inglesa, o momento em que ele passagem ao ato que são declinações afetivas da ai
também proporá a sua versão do tipo de experiência que a psicanálise A segunda reviravolta do conceito de angúsl
acrescenta a um sujeito. De Margareth Little29 ele tira a ideia de que a res- winnicottiana, envolve a consideração de um pr
posta total do analista, que envolve autenticidade e angústia do lado do possível a negação da falta, a negação de algo que j.
analista, é fundamental para que certos pacientes descubram que a "trans- da negatividade? Por isso, o objeto da angústia s
ferência pode se tomar uma realidade". Retenhamos aqui uma nova ver- esta nega ção da negação, esta passagem de [a] a [-
são do problema de como uma realidade se fixa,neste caso, a realidade da
transferência. Pacientes borderlines, como o caso de cleptomania descrito 30
Vocês podem tomar como certo, pelo meu discurso, que o que <
por Margareth Little, não respondem a um diagnóstico estrutural, porque acho, concernente à angústia - não extraído do discurso de Fret
seu modo de relação ao outro baseia-se em uma economia específica de discursos, que a angústia seja sem objeto - é propriamente o q
objeto".In: Lacan,J. (1962-1963) O Seminário Livro X, A Angústia
2005 (p.95).
29
Little, M. (1956). La réponse totale de I'analyste aux besoins de son patient (La respuesta
31
...
( ) não há castração porque, no lugar onde ela se
produz, nc
necessário que o falo estivesse lá. Ora, ele só está lá para que não
total del analista a las necesidades de su paciente), de Mayo- Agosto de 1957, parte lll-IV del
volumen 38 del International Journal of Psychoanalysis. 32
Idem, p. 354.
A
T
uma positividade, um objeto, mas uma espécie de rastro, uma forma de 1. a angústia sinal, que representa o
ser-não-sendo que só pode ser apreendida indiretamente em uma repeti- forma a iniciar um movimento;
pei
ção33, em uma subtração ou na deformação de um processo. O objeto da 2. a angústia neurótica, que é o desem
angústia tem a matriz do corte, do sulco, do traço unário,do “ê isso"34.0 corté
35
gústia quer como causa (teoria posted
e o vazio36 são as duas figuras fundamentais que exprimem esta negativi- do recalcamento (teoria dos anos 189(
dade. Lembremos que o objeto a possui uma propriedade elementar que 3. a angústia realística (Realangst ),
é a de não ser especularizável, ou seja, ele não "entra" na imagem. Temos causi
qual deve corresponder um ato real.
então o corte e o vazio que exprimem a negatividade do lado do Outro e
do mundo e a falta ou a perda que exprimem a negatividade do lado do Existe, portanto, umi programa clínico pei
sujeito. Daí a fórmula não sem objeto exprimir um percurso, uma travessia, uma determinada experiência da angústia,
que desta vez se dá pelo Real37. ins
chedo da castração, constitui uma espécie de
Disso se depreende um programa clínico lacaniano que consiste em é congruente com a sua crítica da estraté
separar das formas ônticas da angústia a sua forma ontológica. As formas gia i
~j Freud, baseada na análise das defesas contra
< \ ônticas são aquelas nas quais o objeto a aparece encoberto, fundido ou preciso antes analisar o desejo e depois a
misturado com os objetos pulsionais, vestido por uma imagem e inves- defes;
Ji angústia é sempre uma forma reversível de des
£I tido em uma gramática simbólica de falta e perda. São formas ônticas e Retomemos agora a chave freudiana do p
«: simbólicas da angústia, a "separtição"38 (condensação entre separação e pode ser considerada como efeito ou como caus,
partição) do objeto oral, a demanda do Outro no objeto anal , a possibili-
39
£: casso do recalque, da ruptura narcísica, da
dade do não poder fálico40, a fantasmática escópica41 e a voz superegoica. tra
masoquismo pode ser tratada indiretamente
*\ São também formas ônticas da angústia, não derivadas da pulsão, mas da p
tação, da recordação e da integração simbó
génese imaginária do eu, o desamparo ( Hilflosichkeit ) e o estranhamento lica
tratamento tem um sentido inverso ao do ato, el
í ( Unheimlich). Ora, todas estas são formas impuras da angústia. Para La- sujeito a substituiçã o do fazer, seja ele ato sintom
can, o tratamento deveria extrair destas formas impuras a angústia que ou passagem ao ato pelo falar, pelo recordar
ou
5 não se pode contornar, aquela cujo referente não é mais simbólico ou ima-
ginário, mas Real.
A angústia considerada como causa
exige c
| Se a angústia não é sem objeto,o tratamento não
é
Encontramos, aqui, redivivas, as três incidências freudianas da an- tivo para os efeitos de angústia, é preciso
1 gústia: da angústia, ou seja, fazer algo com a sua
pensar
i causa.
o de Lacan no Seminário da Angústia: o tratamento
tido progressivo em relação ao ato, ele não deve
l 33 "Uma repetição marcada pela diferença . Uma falta para o qual o símbolo não faz suplência.
(Whitaker, 2002, p 92). In: Pânico e Psicanálise: a angústia em Freud e Lacan. Campinas:Cabral.
. favorecê-lo, tal como Lacan tentará defender n
<
u Psicanalítico. Reencontramos, assim, a afinidade
34 Idem,p. 83. mente entre a angústia e o tempo de conclusão.
35
"O corte é uma operação que não tem como função sublinhar uma definiçã o, masprovocar Mas se esta tese é pertinente, deveria ser pc
lações entre angústia e ato uma trilha que
fantasia". (Idem, p. 79.) permit
nicamente o ato que dispersa, engana ou transfoi
36
"(...) a, o objeto do desejo, para o homem não tem sentido senão quando foi revertido para ato que a atravessa, que isola ou separa
o vazio da castra ção primordial". (Idem, p. 244.) o objeti
causa de desejo. Em outras palavras, é preciso
dis
37
“ Nada falta que não seja da ordem do simbólico. Mas a privação, esta é uma coisa de real". dispersão neurótica da angústia, própria do Imag
(Idem, p. 144.) economia de circulação da falta e seus objetos,
o
38
Idem, p. 276. campo Simbólico e da angústia do vazio, em sua
elusiva e não sem objeto que marca a angústia no
39
Idem, p. 344.
fazer esta tripla travessia.
40
Idem, p. 230. Essa tese se apoia numa observa ção clínica
4
' Idem, p. 351.
4 costuma ficar de fora nas teorias linguísticas da narrativa. Isso ocorre por-
que o conceito de verdade costuma ser associado ao problema do refe- Mestre, sujeito, saber e objeto
rente; ou seja, aquilo ao qual as palavras, as proposições e os discursos se
referem em uma relação de adequação ou correspondência. Lacan tomará Voltemos agora ao lugar primeiramente exam
u .
outra vertente. Para ele, a verdade de um discurso corresponde ao ponto
de incompletude do discurso em relação a ele mesmo. Ou seja, a verdade
mos que ele pode ser assumido narrativamente pel .
gem, ator ou autor. Vimòs ainda que a criança ao se :
f i de um discurso é o impossível que ele não consegue dominar; não é um sexuais infantis autoriza-se na função de narrador. L
conteúdo, mas um lugar por definição vazio. de impotência inicial diante do Outro, culminando r
!o:
°\
Essa ideia vem da análise do mito, tal qual proposta por Lévi-Strauss
(Lévi-Strauss, 1988). Para esse autor, o mito deve ser entendido como uma
espécie de máquina lógica que procura integrar perguntas distintas, que
impossibilidade de reunir o produto da narrativa à
ou ficcional.
Para finalizar este capítulo, poderíamos men
^ admitem respostas contraditórias, mas todas verdadeiras. do trajeto narrativo vários elementos vêm ocupar <
l É pelo recurso à verdade como porção não integrável ao discurso,
como representação, que podemos entender o progresso da investigação
discurso. Inicialmente há a transferência da autoric
criança. Momento em que ela assume o discurso n
infantil. Por exemplo, ao produzir uma corporeidade ficcional a criança Ela se descobre senhora da língua na medida em qu
produz e dá .forma a modos de gozo específicos, decorrentes de articula- zir como agente de discurso um significante insensa
ções específicas com o Outro. Mas a cada passo desta narrativa ela toma de uma premissa em termos lógicos, ou seja, uma ai
possível um tipo de transgressão, gerado em uma forma particular de assumida como verdadeira para o desenvolvimento
intriga. Intriga de ação, no caso da fantasia da cena primá ria, intriga de da demonstração.
personagem, como é o caso da fantasia de sedução e intriga de pensamen- O segundo passo na constituição da dimensão :
to, como é o caso da fantasia de castração. Ora, o que a intriga faz é tomar sexuais infantis ocorre quando a a ção de tal sign!
possível e representável um acontecimento logicamente impossível. O in- questionada pelos efeitos de gozo que ele mesmo p
cesto, em psicanálise, deve ser assim considerado. Ele é o produto de um recer na posição de agente não mais uma premissa
mito ou de uma narrativa: um gozo completo suposto no outro pela sua melhor ilustra ção disso é a fase das perguntas que
absorção ao sujeito. A verdade tem estrutura de ficção. Tal afirmação de partir de então. Perguntas que põem em marcha a ii
228 Lacan só pode ser compreendida à luz de sua teoria dos discursos. Isso
meios e os fins da sexualidade, até então estabilizada pelo significante _. 1962-1963 . O Seminário
( ) - Livro X - A
mestre. Podemos dizer que o discurso da criança passa por uma histe- Jorge Zahar, 2005.
ricização.
Finalmente, o terceiro momento lógico corresponderia à descoberta . (1938). O Estádio do Espelho como Foi
tal como nos Revela a Experiência Psicanalítica
de que o saber construído ao longo desta investigação possui um orde- . In:
Jorge Zahar, 1998.
namento próprio, que se impõe ao sujeito. O saber é o próprio agente
da ficcionalidade; saber no lugar de agente que permite a socialização .. (1945). O Tempo Lógico e a Asserção da
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5
5
g /"Atema da angústia é particularmente feliz p
PH Vientre Lacan e a psicanálise anglo-saxônica (
considera o desenvolvimento dos conceitos de í
como originados em uma reflexão sobre as escc
tomar durante o tratamento. Há uma relação in
teoria da angústia e sua concepção de ato psican,
seu conhecido texto de 1945 “ O Tempo Lógico e a
cipada" , que subsidiá a prática das sessões anab
Além do sujeito da experiencia empírica imedia
neidade do olhar e do sujeito indefinido recíproi
da intersubjetiva da d ú vida e da compreensão ha
temporal do sujeito que é o "momento de concli
sentido freudiano da convicção (Ü berseizung ), qu
uma interpretação, deveria se efetuar por uma t
entre o pensamento e a ação. Para Lacan, essa cor
antedpação ou precipita ção marcada por um p
apreende o desejo do Outro, e por um segundo m
separar-se dele reconhecendo seu equívoco e sua
(...) a conjunção aqui manifesta se vincula a i
são, "para que não haja" (demora que gere o
a forma ontológica da ang ústia, curiosamente r
matical equivalente, "por medo de". (Lacan,
i
3. Terceiro a angústia que surge do que ele chama de reidentificação, fantasia, e sem inclusão na fantasia não há simbol
sim, a um impasse análogo ao que encontramos
clínicamente marcada pela vertigem, pela desorientação e pelo er
bém em outros autores que começam a questionar
apelo de reconhedmento.
da interpretação no tratamento psicanalítico.
Auto
Ferenczi e Alexander têm em comum a ideia de que
s Essas três formas da angústia ligam-se aos três tempos da fixação nas repete e simboliza experiências retidas, mas
* i da realidade: as idas e vindas do objeto produzem a imagem como espécie determinadas experiências, inéditas, que possuem va
qu
oi de moldura do real, depois vem a fase da simbolização das fantasias e em tituível para a cura. Para Lacan, e até onde
%j seguida o momento em que novamente a angústia sinaliza que runa nova posso j
Winnicott, esta deveria ser uma experiência produtiva
“i realidade foi fixada (Lacan, 1953, p. 84-85). Reencontramos aqui a angústia
O seminário sobre A Angústia é o momento mai
<3 i como um percurso pelo qual se injeta o simbólico entre o real e o ima- lacaniana com os autores da escola inglesa, o mom
ginário. Essa introjeção simbólica não é sem angústia. Ocorre que para bém proporá a sua versão do tipo de experiência
permanecer kleiniano, Lacan deve aceitar que a angústia precede o eu, centa a um sujeito. De Margareth Little (Little, (19,
qi
-
e que há identificações pré-edípicas e pré narcísicas, cuja exteriorização
que a resposta total do analista, que envolve autent
não ocorre no eu, como qualificação de afeto, mas na raiz motora dos atos
lado do analista, é fundamental para que certos pad
e movimentos. Assim se entende por que a angústia narrisica é secundá-
a "transferência pode se tomar uma realidade".
ria em Lacan, e sua origem é também um tipo de estado esquizoide, dota- R
nova versão do problema de como uma realidade
do de valor constitutivo para o sujeito, que é o estádio do espelho (Lacan,
realidade da transferênda. Parientes borderlines, co
1938, p. 207). A esquize masoquista narrisica do eu exprime a angústia
mania descrito por Margareth Little, não responde
da perda da unidade do corpo, delimitada pela imagem de si recebida a
estrutural porque seu modo de relação ao outro base
partir do Outro. Essa angústia imaginária aparece como experiência de mia específica de angústia, ou seja, pelo que
fragmentação e seus traços distintivos são a agressividade e o fascínio. Lacan <
namento em "acting out continuado" . E o "acting out o
Podemos dizer que essa teoria que liga a angústia ao processo de
III 234 simbolização é essendalmente uma forma de entendê-la a partir da divi-
algo a mais, de urna nova experiência, para se tomai
i
De Phylis Greenacre (Greenacre, 1950) vem a ideia de que o acting
T uma subtração ou na deformação de um processo
out é um apelo para que algo seja incluído na transferência, uma espécie tem a matriz "do corte, do sulco, do traço unário, do '
de "realização" na transferência, que precede a simbolização. Este algo vazio48 são as duas figuras fundamentais que expri
novo é a angústia percebida no lado do analista. Já em sua leitura do de. Lembremos que o objeto a possui uma proprit
livro de Ella Sharpe sobre os sonhos, Lacan (1958-1959) havia localizado a de não ser especularizável, ou seja, ele não "entr
esse problema que é a abstração do analista da posição de causa para o então o corte e o vazio que exprimem a negatividai
inconsciente, ao mencionar os sonhos feitos para o analista. Finalmente, é do mundo e a falta ou a da perda que exprimem a
de Winnicott que vem a formulação de um objeto que não estaria nem no do sujeito. Daí a fórmula não-sem objeto, exprimir t
imaginário, nem no qué ele chama neste momento de real: vessia, que desta vez se dá pelo Real49.
Há uma tradução deste objeto transitional de Winnicott. (...) Leiam Disso se depreende um programa clínico lacai
isso, se alguém quiser fazê-lo entenderá tudo aquilo apenas para dizer
separar das formas ônticas da angústia a sua forma
que é este objeto a não está nem no interior nem no exterior, nem é real, ônticas são aquelas nas quais o objeto a aparece e:
nem ilusório. (Lacan, 1965) misturado com os objetos pulsionais, vestido por t
l< É preciso ter isso em mente para entender por que, sete anos depois,
tido em uma gramá tica simbólica de falta e perda.
simbólicas da angústia a "separtição"50 do objeto or
no seminário sobre a Angústia, uma nova torção será introduzida com tro no objeto anal51, a possibilidade do não poder f;
l a ideia de que a angústia não é sem objeto* . Ela não é sem objeto não é o
2
escópica53 e a voz superegoica. São também formai
£ .
mesmo que dizer que ela tem um objeto Há um deslocamento do " ter" , que não derivadas da pulsão, mas da génese imaginári;
caracteriza o objeto f álico43, para o "ser", que caracteriza e retoma a forma ( Hilflosichkeit ) e o estranhamento (Unheimlich). Ora, t
ontológica da angústia. O Real, o Simbólico e o Imaginário são estruturas . impuras da angústia. Para Lacan, o tratamento deve
ontológicas, que se combinam, em Lacan, com as estruturas antropológi- mas impuras a angústia que não se pode contornar,
-
3
2:
. cas derivadas do significante. A angústia " tem esse caráter de ser sem causa,
mas não sem objeto, ( ...) o objeto, se posso dizer, mais profundo, o objeto último,
nã o é mais simbólico ou imaginário, mas Real.
Encontramos aqui, redivivas, as três incidênci
*j a coisa" 44. É certo que a economia da angústia se infletirá em disposições gústia:
5; do sujeito: a certeza, a dúvida, a crença, o desespero ou o tédio, mas estes 1. a angústia sinal, que representa o perigo nc
» í são declinações subjetivas, como o embaraço, a emoção, o acting out e a forma a iniciar um movimento;
S; passagem ao ato que são declinações afetivas da angústia. 2. a angústia neurótica, que é o desenvolvim
£
3. . A segunda reviravolta do conceito de angústia em Lacan, a torçã o gústia quer como causa (teoria posterior a 1'
o; winnicottiana, envolve a consideração de um problema novo: como é do recalcamento (teoria dos anos 1890), e
g:
o
-i possível a negação da falta, a negação de algo que já é por si uma negação
da negatividade? Por isso o objeto da angústia se escreve. Ocorre que essa
negação da negação, passagem de [a] a [-a] não cria nem define uma po- 46
Idem:83.
: sitividade, um objeto, mas uma espécie de rastro, uma forma de ser45-não- 47
“O corte é uma operação que não tem como função sublinhar
sendo, que só pode ser apreendida indiretamente em uma repetição , em uma transformação que é formalizada o tanto quanto poss
urr
ível: t
.
fantasia” Idem: 79.
47 " Vocês podem tomar como certo, pelo meu discurso, que o que é comumente transmitido
, eu 48
...
"( ) a, o objeto do desejo, para o homem não tem
sentido senão q
acho, concernente à angústia - não extraído do discurso de Freud, mas de uma parte de seus .
vazio da castração primordial " Idem: 244.
discursos, que a angústia seja sem objeto - é propriamente o que eu retifico,'ela n o
ã é sem 44
objeto" . (Lacan,1962 1963, p.95).
- Idem: 144. .
“ Nada falta que não seja da ordem do simbólico Mas a privaçã
o
43 ...
"( ) não há castração porque, no lugar onde ela se produz, não há objeto a castrar
. Seria
stia. Idem: 310. 50
Idem: 276.
necessário que o falo estivesse lá. Ora,ele só está lá para que não haja angú "
51
Idem: 344.
44
Idem: 354.
suplência."
52
Idem: 230.
45 .
" Uma repetição marcada pela diferença Uma falta para o qual o símbolo não faz
236 (Whitaker, 2002, p.92. 53
Idem: 351.
T
Variações rápidas, oscilações de uma angústia te
3. a angústia realística (Realangst), causada por um perigo real, ao
mais extensos de "calmaria" são uma espécie de
qual deve corresponder um ato real.
ral do trabalho de construção da fantasia. Mas, t
gem do rio, a travessia completa só se completa >
Existe, portanto, um programa clínico pelo qual Lacan postula que se toma nossa companheira de viagem.
uma determinada experiência da angústia, inspirada na imagem do ro-
chedo da castração, constitui uma espécie de cura para a neurose. Isso
é congruente com a sua cr ítica da estratégia clínica, inspirada em Ana Referências
Freud, baseada na análise das defesas contra a angústia. Para Lacan, é
preciso antes analisar o desejo e depois a defesa, levando em conta que a GREENACRE, P. General Problems of Acting Oul
angústia é sempre uma forma reversível de desejo. n. IV, v. 19, 1950.
Retomemos agora a chave freudiana do problema . Nela a angústia KLEIN, M. (1930). The Importance of Symbol -Formati
pode ser considerada como efeito ou como causa. A angústia efeito do fra- Ego. In: Contributions to Psycho-Analysis (1921-1945).
i casso do recalque, da ruptura narcísica, da transformação da libido, do
masoquismo, pode ser tratada indiretamente pelo trabalho da interpre-
2
u : LACAN, J. (1938) . O Estádio do Espelho como Foi
i tação, da recordação e da integração sijnbólica do desejo. Nesse caso, o tal como nos Revela a Experiência Psicanalítica. In:
I tratamento tem um sentido inverso ao do ato, ele "protege" ou faculta ao Jorge Zahar, 1998 .
sujeito a substituição do fazer, seja ele ato sintomático, ato falho, acting out
I ou passagem ao ato, pelo falar, pelo recordar ou pelo rememorar.
• (1945) . O Tempo Lógico e a Asserção da Cert
tos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
4 A angústia considerada como causa exige outro tipo de tratamento .
Se “ a angústia não é sem objeto" o tratamento não é apenas indireto ou pa- . (1953). O Seminário - Livro I - Os Escritos ü
« : liativo para os efeitos de angústia, é preciso pensar algo como uma tra- Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
£i vessia da angústia, ou seja, fazer algo com a sua causa. É exatamente essa a . (1955-1956 ) . O Seminário - Livro IV - AR
Í j tese de Lacan no seminário A Angústia: o tratamento deveria admitir um Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
<; sentido progressivo em relação ao ato, ele não deve apenas evitar o ato,
¿I mas favorecê-lo, tal como Lacan tentará defender no Seminário sobre o (1958-1959) . O Seminário - Livro VI - O D
Recife: Centro Freudiano de Redfe, 1998.
Ato Psicanalí tico . Reencontramos assim a afinidade que apresentei inicial
-
* ?
A génese do Real
Ij
são exemplos desses automatismos que aparecem como algo estranho e papel muito especial, sem dúvida eminentem
alto grau "supradeterminante", no sentido foi
enigmático, exercendo um papel muito importante no desencadeamen-
to das psicoses.
impressões muito fortes são chamadas a deser
náveis pela mordlidade, verdadeiramente perc
.
Principalmente em seu primeiro momento, chamado intuitivo, do mal no sonho e, em seguida, no que lhes opc
o surrealismo emprega métodos análogos aos da psicanálise, como a o nome de realidade. (Breton, 1928, p. 125)
escrita automá tica, a narração de sonhos e a alteração da consciência
(convulsão, sonho, transe, sonambulismo). Breton visita Freud e ten- Neste fragmento do romance vemos a incidê
ta mostrar, aparentemente sem sucesso, como a psicanálise lhe parecia
i
canalítico de sobredeterminação, o tema do espelh
precursora de suas próprias ideias. O projeto surrealista pretende ul- texto no qual o real será produzido em oposição c
trapassar a oposição entre mundo desejado e mundo real, propondo presente aqui a ideia de que o Real não é nem esté
uma nova relação do sujeito com a realidade: a de transformação. A porque ele seja imoral, mas porque ele está para
surrealidade supõe um mundo no qual "sonhamos de olhos abertos" juízo de gosto. Salvador Dali acrescentará a essa s
(Grossi dos Santos, 2002). Descrito por Walter Benjamin como a busca real só pode ser objeto de conhecimento do ponto
de uma "iluminação profana", o surrealismo tentava fazer a síntese en- que ele propõe, ou seja, a paranoia crítica, método
tre duas vertentes de investigação do automatismo: a tradição ocultista, na conhecida tese de que o conhecimento é ele m
espirita e religiosa e a concepção científica do hipnotismo, da psicologia paranoico.
e da psicanálise de Freud. Para Breton, o surrealismo não era apenas O surrealismo acontece, sobretudo, nas artes
uma vanguarda estética, mas uma espécie de disciplina ou forma de \
mas ele não pode ser pensado sem a emergência de
vida, talvez uma ética, no sentido que Lacan encontrará para esse ter- o cinema. Diz-se que o cinema começou com
mo, anos depois, quando definirá a psicanálise como uma ética do real os irn
filmando, como um documentário, a realidade dos
-
(Lacan, 1959 1960). uma f ábrica. Mas o cinema começa também com G»
Há vários elementos decisivos na passagem surrealista que vão usando truques de montagem, para criar a ficção d
242 se aderir ao conceito lacaniano de real. Em primeiro lugar, o real sur-
T
Lua. Temos aqui as duas faces do Real, melhor dizendo, duas verdades teleología da ação de estrutura dramática. A v¡
das quais podemos extraí-lo, enquanto estrutura de ficção. O surrealista todologico da clínica e a crítica da metafísica p
Luis Buñuel de O Cão Andaluz (1928) e a Idade do Outro (1930) foi um sua metapsicologia, são os pilares desta recusa
dos primeiros a perceber que as duas tendências deveriam ser referi
-
to do idealismo, que juntos determinam a fon
das a um mesmo e novo conceito de real. De certa maneira, esta ser á a alienação fundamental. Fazer ciência, no senti<
quest ão que reúne e divide as vanguardas dos anos 1930 entre aqueles não pode se separar da desconstrução dos
disc
que percebem a perda da realidade do ponto de vista da invenção de ção da realidade:
novas formas - como o construtivismo, o cubismo e o plasticismo - e
aqueles que se dedicam a pensar o real como tensão entre a forma e sua Para a psicologia introspeccionista clássica,
expressividade social - como o surrealismo, o suprematismo e o futu- realismo, o fato psicológico é um dado simpl
rismo. Usando a teoria freudiana do trauma em dois tempos e a con- lidade perceptiva chamada psíquico. O próp
cepção lacaniana do tempo lógico, Hal Foster (2014) mostrou a íntima é dado pela participação nesta realidade qu
conexão entre as vanguardas dos anos 1930 e a sua retomada nos anos uma vida no mesmo sentido que a natureza, i
2
1960 como uma espécie de "retomo do real". As neovanguardas pop re- opostas. (Politzer, 1936)
tomam a temá tica da ilusão de realidade, enquanto as neovanguardas
O
fosse substituída pela outra. Está aqui a origem da sua oposição indis- -
de estudos hegelianos e ex marido da segunda
taille pensa o Real, sobretudo, como o elementc
sociável entre materna e poema. Daí se entende que o Real de Lacan tema, seja ele dialético, económico ou social. Sua
esteja ao mesmo tempo conectado com a crítica social do surrealismo ção antropológica entre discurso literário e cienti
í nascente e com a sua variante matemática, representada, por exemplo, surrealistas como o acaso e o corpo, o erotismo
por Raymond Queneau (1947) e pelo grupo Oulipo. Queneau frequentava
! os círculos matemá ticos ligados ao grupo de Bourbaki e acompanhou
a reorganização da matemática francesa após a I Guerra Mundial. Foi
e a loucura. Todavia, aborda-os segundo a ópti
sociais, pensando o Real como parte que precisa
<
246
ficação reaparece no Lacan de 1936 na tese de q
T
perfeita alguma entre o campo do conhecimento 'humano' e a ciência se apreende como tempo e, portanto, como rete
do real, chamativamente designada por 'inumana' (Lacan, 1936, p. 92). coberta do que em primeiro momento é autoi
os surrealistas. Ao contrário do conhecimento,
..
( .) o real da teoria da relatividade é, com segurança, um absoluto onto- como uma relação permanente entre objeto e s
-
lógico, um verdadeiro ser-em si, mais absoluto e ontológico que as coisas coisa, entre juízos sintéticos e analíticos, o recoí
do sentido comum e da física pré-einsteiniana. (Meyerson, 1925, p. 76) tura de relações dotada de historicidade, comc
marxista. Depois de passar pelo problema do
Historicamente a ontologia divide-se em duas perspectivas quanto identidade, Lacan encontra na teoria hegelian
à apreensão do Real. Na perspectiva positiva, o real deve ser entendido seu ponto de convergência: a negatividade.
como contraposto ao ser aparente, o ser potencial ou o ser possível. O
real é uma essência ou substância que permanece no tempo e que se Segundo o conceito de reconhecimento [ An,
apresenta ou se mostra de várias formas, tal qual nos propõe a tradi- vel se ele realiza para o outro (assim como
ção de Parmênides, Platão e Aristóteles. A segunda perspectiva quanto -
citada abstração pura do ser-para si; cada i
ao Real implica pensá-lo como negatividade. Neste caso, o Real é uma um lado, por sua própria atividade e, do outi
efetividade atual abordável por meio de conceitos como ser, existência (Kojéve, 1933-1939, p. 17)
e ato. A primeira abordagem pensa o ser como substantivo (realidade)
e a segunda como predicado (real). Pré-Socráticos como Herá clito, filó- Está dada a chave para pensar o Real con
sofos como Pascal e Heidegger, místicos como Ângelo Silésio e Jacob sagem entre tempos de negação. Para tanto é
Boheme inscrevem-se nessa linhagem. Lacan percebe que a crítica da tamente o Real como a ação ou ato de realizar,
psicologia das faculdades mentais, bem como a crítica da arte realista realidade e o seu agente produtor, o movimente
ou impressionista e ainda a crítica da ciência positiva têm um elemen- ca do reconhecimento permite entender a alien;
to em comum, todas atacam a ontologia positiva e sua expressão mais retomo da consciência a si (estranhamento), ma;
vigorosa, até então manifesta pelo pensamento de Kant. Para ele, que çã o exteriorizada ou expressiva desta mesma o
separou definitivamente ciência e metaf ísica, conhecer requer que um A teoria hegeliana do reconhecimento não é só i
objeto concorde com a percepção real, segundo as analogias da experi- imaginário ou sobre as alienações narcísicas do t
ência que entrelaçam o real com a experiência possível. Ora, para La- completa sobre a rela ção entre simbólico, imagir
can e para a tradição na qual ele havia se formado até então, tratava-se foi empregada para descrever a experiência psii
justamente de pensar o real como discordância da experiência, o real como uma experiência dialética e mais adiante c
da falta de analogia com a percepção real. É nesse ponto que Lacan real pelo simbólico" (Lacan, 1957, p. 537-590).
encontrará a quarta e última determinante embrionária do conceito de ...duplo movimento pelo qual a imagem a pr:
Real: a filosofia de Hegel. tada é regressivamente assimilada ao real , pa
Tendo frequentado os seminários de Alexander Kojéve entre 1934 desassimilada do real, isto é, restaurada em sua
e 1936, Lacan é apresentado a um Hegel que vem a dialogar com seus 1936, p. 89)
propósitos tanto em termos dos problemas legados pela tese quanto
da sua entrada na psicanálise. Agora o real será pensado segundo uma O conceito não é a representação desse proce
lógica bastante específica, não a do conhecimento, nem a da tomada de experiência de produção ou de realização no teir
consciência, mas a do reconhecimento. Centrando-se no capítulo 4 da se dá. Isso concorda admiravelmente tanto con
Fenomenología do Espírito do comentá rio de Kojéve, Lacan introduzia-se cas do surrealismo quanto com as exigências poli
a um Hegel com fortes doses de antropologia marxista. Ele partia da marxista. Por exemplo, o conceito de uma obra d
ideia de que a consciência é atividade de negação e que a negação se fala ou as intenções do artista, mas o seu ato c
exprime em atos fundamentais: a linguagem, o desejo e o trabalho. Isso no real. Nesse sentido, a obra, em sua ocorrência t
ocorre porque o sujeito, dividido em sua experiência entre o para-si ( fiir Se Hegel afirmou que "o conceito é o tempo da c
sich ) e o em-si (an sich ) só pode reencontrar na realidade exterior a ideia figura do real, Lacan claramente joga com essa i
íntima de si, como dizia Meyerson, porém ele pode se separar dessa transferência é o conceito da análise e por isso o i
imagem na medida em que a reconhece como imagem. Ou seja, o real -
cia é o manejo do tempo. Vê se aqui claramenh
A
T
real, que primeiro se aliena e depois se separa da imagem para final- como se d á que esses sonhos, e muitas outras
mente produzir uma realidade própria. Em 1953, o mesmo movimento sujeito constitui seus símbolos, carreguem a n
é redefinido pela imagem de uma espiral que tende a aproximar assin- do analista, ou seja, a pessoa do analista tal c
toticamente dois pontos rumo ao núcleo patógeno (Lacan, 1953); real ser? (Lacan, 1953, p. 47)
se produz entre o tempo da interpretação e o tempo da transferência.
Está explicado por que o "inconsciente do eu do sujeito", o trauma e A estrutura do conceito de Real
genericamente a parte desconhecida (ignorada) do eu e de sua historia,
só lhe pode ser restituida pela fala em primeira pessoa. É o movimen-
to hegeliano de reconhecimento das ilusões formativas da consciência Frequentemente a originalidade do ensino
pela própria consciência. com a noção de Real. Apesar de ele mesmo ter d
O real é uma unidade sem identidade, ou com uma falsa identida- tribuição inédita à psicanálise é o objeto a, a not
de, que requer sua realização simbólica, no sentido da verdade como cada vez mais como um aspecto decisivo da obra
efetividade. Realizar, passar ao real, tomar efetivo aquilo que é ideal Em parte, essa pressuposição se apoia no relativo
equivale ao que Lacan chama de "completamento do imaginário" (La- origens desse conceito e na pressuposição de que
2 só aparece ao final da obra fazendo a função de
can, 1953, p. 89). Este completamento é um engano, mas um engano
inevitável, um obstáculo necessário. Por isso a análise é esta progressão de sua constru ção. Para muitos, Hegel e o surreal
I rumo ao reconhecimento do desejo expresso nessa realização, com a para trás e substituídos por formalizações logic
prescindem do conceito. Esse etapismo desenv<
I consequente separação simbólica dos suportes que o tomaram neces-
sário. O real é o tempo do conceito, por isso a psicanálise, para Lacan, é aplicado ao conjunto da obra de Lacan, deixa de
uma clínica do real, desde o seu início. Real em sua estrutura. Ele dissocia as teses dos mc
Assim como a imagem especular completa-se na transferência com ram causa, ou seja, viola a própria intuição funda:
o psicanalista, este localiza para o sujeito sua verdade fora de si, na ima- do conceito ao tempo, como vimos na génese do n
IS gem formada para o outro. Vemos aqui a génese da dialética entre saber equívoco está constantemente alimentado por um
e verdade, no interior do trabalho psicanalítico. Quando o analisante demissão sumá ria daquilo que constitui o plano ó
se aproxima rápido demais da conclusão a transferência se intensifica, do conceito de real, ou,seja, a ontologia. Neste po
surgem os fenômenos de resistência; particularmente o silêncio. Aqui o Freud e Lacan não se reduz apenas à introdução c
analista deve separar-se de sua imagem, deslocando-se para que a fala sujeito, às hipóteses sobre a linguagem ou a refon
seja retomada quer como saber, quer como verdade. ceito de objeto, mas de uma "guinada ontológica'
É essa basicamente a cr ítica de Lacan à Freud na condução do caso sua metapsicologia (Safatle, 2005, p. 319).
Dora (Lacan, 1951) e na apreciação do caso do Homem dos Lobos (La- Quando se aborda o imaginá rio temos uma g
mento a criança separa-se da imagem e consegue reconhecê-la como gundo o princípio de realidade, a causalidade f
um símbolo. Ou seja, o eu é uma imagem que se realiza simbolicamen- Nesse primeiro momento não se trata em absoli
te. O simbólico é uma espécie de costura entre o real e o imaginá rio. O do imaginário, mas de introduzir na psicanálise
real está representado pelo corpo neotênico, incompleto do ponto de do sujeito, resolvendo os problemas relativos a
vista neuroanatômico, insuficiente do ponto de vista de sua potência cepção de eu em psicanálise. O imaginário é um
comunicacional e impotente diante da necessidade, que não pode ser medida em que ele permite discutir o plano ontc
atendida sem o Outro e sua oferta prestativa e antecipatória. Ou seja, as experiências de alienação, desconhecimento, il
o estádio do espelho (Lacan, 1949, p. 93-103) é uma estrutura de reco- pomórfica que o caracterizam.
nhecimento e nele se pode discernir um Real, Simbólico e Imaginário. Portanto, o simbólico propriamente dito poc
Temos então o imaginá rio como um campo, uma ordem ou um registro se na descoberta, no início dos 1950, dos trabalho
que possui uma experiência referenciada, uma narrativa que a particu- a partir da linguística de Saussure delineia o mé
lariza e um conceito freudiano que a antecede. abordagem da cultura e da sociedade em termos
Encontramos algo semelhante quando se trata do Simbólico. In- então o inconsciente pode ser introduzido no p
fluenciado pelas leituras da epistemología crítica dos anos 1930, Lacan uma vez que ele se forma a partir de um complex
abordou com certa cautela a noção freudiana de inconsciente. Ela não envolvendo operações intersubjetivas de reconhec
aparece com frequência nos primeiros anos de seu ensino. Em vez disso, temporalidade que responde a uma lógica do col
encontramos inirialmente o emprego das teorias sociais de Lévi-Bruhl não a representação mental, como plano material
e Durkheim, que depois deram origem ao programa de construção de Ora, não há nenhuma relação similar ao qi
uma lógica do coletivo, quer pela via da formalização lógica de rela ções etologia e imaginá rio e linguística e simbólico, qi
de reconhecimento (Lacan, 1945, p. 91-105), quer pela via da reflexão Isso teria levado alguns autores a pensar que si
sobre a comunidade de psicanalistas como uma comunidade de van- na obra de Lacan e que ela estaria, necessarian
guarda (Lacan, 1947, p. 106-126). Na confluência entre esses dois temas descoberta da Conceitografia da Aritmética, de Fr
está a origem da associação entre o real e a lógica social da segregação 1964-1965). Esse raciocínio ignora que o uso da n
(Lacan, 1967, p. 248-264). A tensão entre ideais sociais e sua realiza- não é uma avanço tarcjio em Lacan, mas estava p
ção individual, a exigência de pensar a vida ou a personalidade como do método estrutural, seja nos desenvolvimentos
uma biografia sem hiatos, bem como as noções de intencionalidade e Weil ao Lévi-Strauss de Estruturas Elementares do
responsabilidade pareciam contornar a densidade metapsicológica e do problema do sistema Murgin de leis de cas;
os incómodos compromissos epistemológicos do conceito freudiano de seja na f órmula canónica do mito, demonstram
inconsciente. narrativa de Édipo (Lévi-Strauss, 1951). O graf
Uma segunda tentativa de contornar o inconsciente foi procurada o semigrupo de Klein, no segundo, sã o referê n
na valorização da noção junguiana de complexo (Lacan, 1938). O com- a obra de Lacan de forma persistente e sem grar
plexo descreve certas tendências associativas que podem ser verificadas, evolução da formalização algébrica do significa
traduz certas experiências infantis, como o desmame, a intrusão decor- conjuntos, com o seu corol á rio que é a topologi
rente da chegada de irmãos, a inclusão edipiana no sistema da família, Plano Projetivo e Garrafa de Klein já se encont
a passagem da família aos sistemas simbólicos que lhe seriam homó- não é uma invenção de Lacan. Há, sem d úvida, ui
logos. Complexos traduzem também certos impulsos que Freud teria método estrutural, mas o incremento de referênci;
descrito com o conceito de pulsão, explicando assim a sua economia de muda, necessariamente, o teor das teses e a estrut
satisfa ção e prazer. Ao contrário do registro do imaginá rio que ai
Os principais textos de Lacan entre a fase psiquiátrica (1926-1932) com o problema do narcisismo, dando origem a
e o retomo a Freud (1953-1960) denunciam fortemente essa tentativa de de sujeito, ou do registro do simbólico que reabi
redesenhar os aspectos metaf ísicos que ligavam o inconsciente a uma consciente, o registro do Real jamais se confundir;
psicologia das representações mentais. Em vez de uma atemporalidade freudiana da realidade e da perda da realidade, i
do inconsciente, Lacan proporá o termo lógico (Lacan, 1945), em vez levado à aproxima ção entre o real e a angústia, e i
do associacionismo da função (Lacan, 1936), em vez da causalidade se- que o objeto no real seja o objeto a, não se trata de i
A
r
i vas sobre o real não ajuda a entender sua utilid
voltório, mas de uma mutação no conceito de Real, que ocorre por volta
de 1960 e que representa um radicalização e não um recuo com relação a sua função como conceito. Dizer, por exemple
ao hegelianismo de Lacan. Em seus últimos momentos, Lacan compa- sível, que volta sempre ao mesmo lugar, que é
i
rava seu nó borromeano do R.S.I. (sua heresia, héresie ) com o que Freud não é a realidade não traem o texto de Lacan, rr
teria chamado de realidade psíquica. Ou seja, a realidade psíquica é o de definição, meramente axiomáticas.
real, mas é também o imaginário e o simbólico. Porge (2000), por exemplo, argumenta que
1. O Real é o "ser de todos os fenômenos" (Lacan, 1953-1954), trutura, um real do sujeito e outro real do obje
"ele retorna sempre ao mesmo lugar" (Lacan, 1954-1955). nem pouco organizativo, mas apenas correspon
2. O Real é independente do eu e da consciência, "impossível de perspectivas a que todo conceito está sujeito no
ser representado". Por que tal partição seria melhor do que propõe
que há três modalidades de Real? O Real real d
3. O Real é "a garantia da Coisa" (Lacan, 1960); ele está "sepa-
Real simbólico, como consistência lógica do signil
rado do princípio do prazer por sua dessexualização" (Lacan,
ausência de sentido, como nas f órmulas lógicas
1964), mas "o sujeito está para ser reencontrado aí onde estava
tica, e o Real imaginário, a dimensão misteriosa e
o real" (Lacan, 1964, p. 47).
objeto agalma. Assim como o Real pode ser um st
4. "O pai real nada mais é do que um efeito da linguagem" (La - também como adjetivo. Logo, temos o Imaginário
can, 1969-1970, p. 120), "o significante está no simbólico a letra ocupando o lugar do real como um cenário e o Sii
está no real" (Lacan, 1968-1969). modos do que não para de não se escrever. O que
5. O Real é racional, matematizável e tratável logicamente, ele gos combinatórios que encontramos no próprio L
"só se poderia inscrever por um impasse de formalização". 1953) e do fim (Lacan, 1975, p.178-203). A estraté j
6. O "impossível é o real" (Lacan, 1970, p. 431), aquilo que "não real com conceitos freudianos como a pulsão (Va
cessa de não se escrever" (Lacan, 1973, p. 81) e o "verdadeiro (Kaufman, 1993) e objeto (Stevens, 2008), ou clin
real implica a ausência da lei" (Lacan, 1976, p. 133); o "real é trauma, alucinação ou passagem ao ato, igualmei
o impossível de formalizar da relação sexual" (Lacan, 1973, p. rigor, uma vez que apenas qualifica o já sabido rei
448-497). nem sempre elucidando sua natureza. É o que ac
7. O Real é invariante, uma coesão unitária ( Il' y a de l'Un); ele é grande potência clínica, mas de baixa densidade
representado pela "reta infinita e pelo círculo não fechado que os discursos contornam o real, o real como fogo fri
ela supõe" (Lacan, 1980), mas ele não possui "universalidade Esse é também o problema com o uso de expressõc
sem uma existência que o negue" (Lacan, 1973, p. 448-497). o real do ato, o real do nome-do- pai (Sinatra, 2007), o
O segundo nível de dificuldade concerne ac
Esse ordenamento diacrônico das incidências do termo Real per - abordagem ou de condicionalidade, que está pres
mite destacar quatro acepções de Real substancialmente diferentes. As real. É aqui que se encontrará as maiores confus
acepções (1) e (7) são proposições positivas e ontológicas. As definições como "o real só se apreende em impasse de form
(2) e (6) são definições negativas, que presumem algo que está a ser ne - uma "consistência lógica" ou que ele derroga, abol
gado, a linguagem, a representação, o simbólico ou o pensamento para quer apreensão conceituai. Ora, o problema é jusi
que o Real se tome apreensível. As formulações (3) e (5) correspondem o conceito de conceito que é requerido pelo Real. (
a abordagens linguísticas, antropológicas ou históricas do real. Para
elas, o Real aparece como uma ordem, um registro ou um efeito. Final - -
necessário para apreendê lo e a conotação de escri
emprego. Mas esse problema permanecerá insoló
mente, colocações como as do grupo (4) são de natureza metodológica, distingue o uso qualificativo do Real incidindo d
pois estabelecem condições e limites de abordagem para esse conceito. dores conceituais como o pai, a transferência, o fa
I
-
Portanto, para entender o Real torna se crucial levar em conta sua estrutura do conceito de Real.
origem e seu lugar no método lacaniano. A inflação de reflexões e ila - Nisso recai um estranho desinteresse sobre a n
ções sobre esse conceito, em grande parte se alimenta de um esqueci - tro ou dimensão que antecede e qualifica a noção de
mento de suas bases e, portanto, dos compromissos e inconveniências memos a noção de registro em seu sentido mais sin
que ela traz consigo. Por outro lado, o mero empilhamento de asserti-
algo no tempo, tal qual Freud insistia que sua metapsicologia não é
neo de memória, aquilo que usamos para reter
a imagem do bloco mágico, tomada por Freud
-
(1925, p. 239 248) para está continuamente aberta à contrariedade da
ceitos são tão somente construções auxiliares pa
relação ao pré-consciente
descrever o funcionamento da consciência em e deveriam dobrar-se tão somente a esta experií
, definível como uma mo-
e ao inconsciente. O imaginário é um registro exemplo, duração, freudianos (Freud, 1915) foram desenhados ex
dalidade de experiência no tempo, envolvendo épor
,
m é definido por uma defendermos desse tipo de pensamento ou corn
antecipação, pressa ou atraso. O simbólico tamb , o corte. Con- si mesma e imune à experiência. Quando dizem »
modalidade de registro temporal: a sincronía, a diacronia
ele faria registro? Seria
1
e Imaginá rio se definem por relações internas e
tudo, o real, caso se recuse a se inscrever, como
agora na noção de or- vel mais típico das definições metaf ísicas. Se par
ele o registro do fracasso do registro? Pensemos um elemento "externo" ao seu sistema, a Qn (qi
meros e uma característica
dem. Ela remete naturalmente à teoria dos nú
deles é sua regra de composição. Os números
naturais possuem uma, a realidade externa, as outras ciências nas quais ¡
i , os números reais o mesmo não se dá em relação a Lacan. Afinal, o <
os inteiros outra e os racionais uma terceira. Contudo números inteiros, R.S.I.? Muito se ganhou com a crítica lacaniana d
só os
j têm uma definição curiosa, pois englobam não ta, que rondava a teoria freudiana do corpo, da
, e tamb ém todos os números
< : mas os fracionários, positivos e negativos representar uma vista económico dos conceitos. Contudo, não es
j irracionais. Os números reais são números usados para
^I -
quantidade contínua. Pode se pensar um número
real como
decimal possivelmente infinita, como 3,141592... . A ção, portanto, é
uma fração
característica deste
retomando a problemas que Freud havia localize
modo mais advertido?
composi Uma solução elegante para essa objeção pod
i número é que não se pode saber sua regra de
ã de ser é opaco , cuja disposição ou siderarmos que o sistema dos registros contemj
uma ordem cujo princípio ou raz o
ternas, buracos ou ex-sistências que seriam, afina
assim à ideia de que
4
i ordem em uma reta é indeterminada. Chegamos
subverte o conceito tidade do conceito com relação a si mesmo. Nes
se o Real é uma ordem, esta seria uma ordem que agora a noção de característica sistemáticas que definem o Real, at
2í de ordem. Lembremos que o Real é sem lei. Tomemos
dimensão proveniente da geometria. O simbólico
apresenta dimensões, Lacan como:
5I ógicas, o Imaginário
zj que podem ser descritas por propriedades topol Uma dupla lógica de formação e deformação,
dimensões. Contudo, o
se confunde com o espaço euclidiano de três vel entre a materialidade do significante manife:
~j dimensão geométri-
Real não pode ser pensado exatamente como uma isolamento", em uma teoria que postula, no co
^3 3:
I
ca como os outros porque ele inclui o tempo.
Frequentemente encontramos a afirmação de que
um registro só
canálise, um irrevogável e constitutivo antagoni
fusão da necessidade com a contingência. (Eyer
* devem sempre ser
: pode ser definido em função de outro e que todos ção um pouco
o considera
pensados conjuntamente. Esta parece ser uma o real no quadro do Ou seja, o Real é uma noção forjada para de
í.:
í mais advertida quanto a importância de pensar contradição e a contradição do conceito, seja ela p»
o a condição de exclu- linguagem, da lógica ou da ontologia. Ele não é um
ui método de Lacan. Contudo, se levarmos a sério e exclusivamente
sividade contida nesta asserção, ou seja, de somente e defini-los
ou representação. Segundo este princípio, o real n
a si mesmos ção de método, um predicado apenso de outros
podermos pensar os registros como remetidos sério em
recursivamente estamos diante de um problema relativamente fechamento cir-
’
proposição ontológica. Por exemplo, já se observ»
termos de epistemología psicanalítica. Ainda que
esse 1 Lacan, não é nem o objeto perdido, nem o objeto i
ínio estrutural que lempo, o intervalo, a hiância entre eles (Juranville, 1
cular seja muito importante para a clínica e o racioc confundir isso
do conceito n ão se deve experiência e a experiência de sua perda.
ela exige em termos de prática
, quando se diz que
com um princípio epistemológico. Da mesma forma Isso nos permite reordenar o problema das d
exatamente isso quer
a clínica psicanalítica se orienta para o real, o que ência de sentido? A tanto as que tentam alcançar o conceito por meio d<
dizer? Para o trauma, para a angústia, para a
aus tos, quanto das estratégias que tentam relacioná-lo
o Real a uma espécie
ideia pode fazer algum sentido prático, mas reduz tos, seja por tradução ou combina ção, seja por cor
de ideia reguladora de feitio kantiano, que est
á fixa no horizonte, que Portanto, dissociar realidade e real imaginando qi
não pode ser conhecida apesar de poder ser pensada
. um pela purificação ou exclusão do outro é um séri»
lógico. Equívoco que abandona a epistemología freudiana e nos torna constelação de movimentos, para aprender a n
perigosamente indiferentes à fenomenología da experiencia. Ela se obtém ao final de um processo,
Se nos deixamos levar apenas pela topologia, produzimos um en- seu início. Enquanto conceito ele deve
ainda que
tendimento espacializado do Real, que deixa de fora o seu primeiro respond
pensamento, a linguagem e o ser. Entre
e quiçá mais importante atributo: o tempo. A lógica das contradições, pensan
siciona-se o problema da verdade. Entre pensarr
seja ela dialética ou alética, nã o existiria sem o tempo. Segundo o orde- posiciona-se a questão da existência.
A
namento de Parmenides, identidade, unidade e verdade estão reunidas gem, desde Frege (1874), reconhece essa filosofi
em logos . O ser é, e o não ser não é, porque as duas coisas não podem ser tos como Sim (sentido, sens ) e
distinçã
verdade "ao mesmo tempo". Essa ideia de um " mesmo tempo", como Bedeutung (signii
semiologia francesa (Barthes, 1985) distinguirá r
fundamento do que há, ser á recusada por Lacan, assim como o foi por guagem, como as que operam no interior do sigr
Herá clito e por Heidegger, e, principalmente, para Hegel. O erro de tais significado, e as relações da linguagem
abordagens de categorias do Real é pensa-lo com um conjunto de duas e com o mundo (significação). A com ela
ou três relações, enquanto as abordagens mais qualificadas para pen- semiótica de P»
rá relações internas aos signos das
relações e
3 sar contradições envolvem pelo menos quatro relações, por exemplo: com sua referência. Lacan não escapará de tal que
uma dupla negação determinada, uma negação (interna) da identidade suas inúmeras montagens, importando e flor
do conjunto assim formado e uma imersã o (externa ) deste conjunto no reconfig
l tempo. E esse elemento externo, que se dobra sobre o interno, é histori-
conforme seus problemas. Contudo, o seu ponto
exclusão da realidade, a derrogação da referê
I camente associado com o tempo. Se essa observa ção é correta, a origem que referência e referente são negativos.
Por
ncií
exen
do conceito de Real em Lacan não está na lógica, nem na topologia, mas é a representação de uma ausência
em uma filosofia baseada na cr ítica da identidade. Vejamos um exem- não significa
ausente. Dizer que a castração é uma perda não s
plo disso na seguinte defini o de real: "Aquilo que, para um sujeito, é
çã ção não existe. Dizer que o vazio
3 expulso da realidade pela intervenção do simbólico" (Chemama, 1995, constitui o objet
o objeto não seja Real. Dizer que a
relação sexual
I
p. 182). mulher não existe, não quer dizer que a
A definição deveria ser completada por "... e retorna" . Ou seja, o ! ou a relação sexual. Toda a questão está em mulher n
real é para um sujeito, seja ele um sujeito singular, referido à diferença do sentido que Parmênides, Platão ou diferir
absoluta de cada um, seja ele um sujeito particular, como nas estruturas Aristóteles
estratégia lacaniana para pensar o Real é que
clínicas ou ainda o sujeito universal, como o sujeito da ciência. Para
j cada sujeito, o Real é um efeito de negação da realidade e há várias mo-
dalidades particulares de exclusão na rela ção entre o real e a realidade:
do ser não equivale a uma impossibilidade imp
que este não replica uma impossibilidade
não distinguirmos entre lógica, no
a
no nfv
piar
a separação, a expulsão ( Austossung), a foraclusã o (Verwerfung), a divi-
’ ontologia e lingua
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acques-Marie-Émile Lacan nasce em Paris em
Breve numa família católica tradicional. Estuda no Colé
Biografia -s conhecido pela sua ênfase em letras e matemá
Magdeleine-Marie, e um irmão mais novo, Marc-Ma
de tomará monge beneditino na Abadia de Hautecoml
Jacques depois psiquiatria, com ênfase em neurologia.
Começa sua formação clínica no hospital Sainte
Lacan Doenças Mentais e Encefalites para mulheres, dirq
de, seu futuro orientador de tese. Um ano depois tn
Especial, no serviço de Clérambault, de onde vem í
ploma de psiquiatria forense. Nessa época, vincula-:
lução Psiquiá trica" tomando-se membro de três st
Neurológica, Psiquiátrica e Clínica de Medicina Mer
Em 1932, defende sua tese sobre A Psicose Parai
com a Personalidade; traduz o texto de Freud sobre "C
róticos do Ciú me na Paranoia e na Homossexualii
análise com Rudolph Lowenstein. Terminada a tese, >
.
experiência dialética. Em 1938, aparece o texto sobre os Complexos Familia- rios, bem como seu projeto de fazer da psicanáli
res, sob forte influência de Durkheim: as pulsões puras aparecem em estados gem habitada pelo sujeito ou de reintroduzir o Noi
de horror inseparáveis da beatitude passiva. Em 1941, divorcia-se e muda-se científica teriam tornado sua posição como analií
para o consultório na Rua Lille, número 5, onde praticará a psicanálise Ademais, boa parte de seus discípulos é convida
até o final de sua vida. 1944: convive com Sartre, Camus, Merleau Ponty, Lacan e seguir um destino incerto ou refiliar-se
Salvador Dali e Picasso, de quern se torna médico pessoal e analista de tura prática como psicanalista. A maior parte es
sua amante Dora Maar. aos 62 anos se vê obrigado a recomeçar, tendo ao
Entre 1945 e 1946, publica O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza Ante- psiquiatras como Leclaire, Melman e Safuan e un
cipada, fundamento teórico de sua prática de sessões com tempo variável , tudantes de filosofia, marcada pelo estruturalism
e Formulações sobre a Causalidade Psíquica, uma concepção crítica sobre a Em 1964, o Seminário deixa o Hospital de S
determinação da doença mental. Torna-se o chefe da comissão da Socie- seguirá fazendo apresentações de pacientes, e d
dade Psicanalítica de Paris, encarregada de estipular normas para a for- giada Escola Normal Superior. Com isso, desloa
mação de psicanalistas, rejeitando tanto a medicina, contra Sacha Nacht, debates da psicopatologia e da definição da prátic;
5< quanto a psicologia, contra Daniel Lagache, como condição formativa. de noções e a formalização de conceitos (Quatro
Em 1953, Lacan casa-se com Sylvia Maklès, com quem tem a filha Judith. da Psicanálise, Problemas Cruciais da Psicanálise, Ob
Toma-se presidente da SPP, atribuindo grande liberdade aos candida- losofia da linguagem de Frege, a lógica dos conjr
1 tos na frequência dos quatro tipos de seminá rios: comentá rios de textos superf ícies tomam-se as razões do método lacanie
I (Freud em particular), supervisões, crítica clínica e fenomenológica, além A agora chamada Escola Freudiana de Paris o
da psicanálise de crianças. Aproxima-se da antropologia estrutural de Lé- entre os intelectuais e artistas, e não apenas inte
vi-Strauss e da epistemologia histó rica de Alexander Koyrè. Isso desperta psicanalistas. Em 1967, são propostas as bases pa
indignação do grupo mais conservador, liderado pela Princesa Bonapar- tamente novo para a formação e psicanalistas. A E
2 te, e culminando na saída de Lacan, Lagache, Dolto, e Favez-Boutonier, agrupamento livre de 4+1 pessoas, seu órgão de 1
2 que fundam a Sociedade Francesa de Psicanálise. Neste mesmo ano, ini- concluem suas análises é facultado o dispositivo
cia seu seminário no Hospital de Saint-Arme, dedicando seu primeiro ano qual relatam sua experiência a dois passadores que
1 ¡S
aos Escritos Técnicos de Freud .
Entre 1953 e 1958, momento conhecido como "retomo a Freud, Lacan
publica textos sobre a dialética (diálogo com Jean Hippolite), sobre a lin-
do júri que nomeia ou não o candidato. Com isso,
cracia é mitigada por um deslocamento da autorid
les que podem falar em primeira pessoa sobre a
5 guagem (Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise, A Instância -
tomam se os porta-vozes dos problemas e efeitos
da Letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud ), sobre a estrutura da neuro-
O propostas causam resistências que d ã o origem às t
o
se (Mito Individual do Neurótico ) ou sobre psicose (De lima Questão Prelimi- do movimento lacaniano.
2 nar a Todo Tratamento Possí vel da Psicose ), sobre os registros da experiência Entre 1966 e 1969 Lacan retoma o interesse p >
u
psicanalítica ( Simbólico, o Imaginário e o Real ) e sobre a praxis da psicanálise seminários seguidos ao problema do final do tratan
{ Direção da Cura e os Princí pios de seu Poder ). A partir de seu encontro com tasma ), aos procedimentos estruturais da psicanáli
Heidegger, inicia a investigação cmzada entre a lógica do significante, a e à sua teoria dos quatro discursos { Avesso
da Psi
dialética do desejo e a constituição do sujeito. pelos acontecimentos de maio de 1968 e pela alta c
Os anos 1959-1963 caracterizam uma virada no ensino de Lacan. A atravessava seus alunos e analisantes, Lacan desenv
formula ção de uma ética para a psicanálise ( Seminário VII ) , tendo o desejo ço-social, distribuído entre os fazeres impossíveis, g
do psicanalista como conceito fundamental e o conceito de objeto a, causa desejar e analisar, cada qual conferindo uma econoi
de desejo, como grande descoberta, modificam o rumo da investigação ao Mal-Estar que caracteriza a civilização, respectiv
lacaniana. A psicanálise não apenas possui mas é em si mesma uma ética, mestre, da universidade, da histérica e do psicana ’
baseada na expansão trágica do universo da falta. O ano de 1963 marca a e público da Escola de Lacan fica atestado pelas trê
exclusão definitiva de Lacan e de Dolto dos quadros da Associação Psi- composta: a seção depsicanálise pura (formação e” ela
canalítica Internacional. Suas sessões de tempo variável, suas críticas ao ção de psicanálise aplicada (para a qual os terapeutas <
268
modelo hegemónico de transmissã o, sua política de abertura dos seminá - não médicos eram bem-vindos) è a seção de inventá
(dirigida à crítica da literatura psicanalítica e suas relações com as ciências
afiliadas). Além disso, as reformas pleiteadas pelos jovens culminaram na
abertura do primeiro departamento universitário exclusivamente psica-
nalítico, o Departamento de Psicanálise de Vincennes, fundado e dirigido
pelos alemos de Lacan.
Entre 1970 e 1975, Lacan concebe uma releitura do problema freu-
diano da feminilidade e da bissexualidade com a sua teoria da sexuação
( :Seminário XX ...mais ainda ), uma crítica do binarismo linguístico-antro-
pológico de sua primeira fase à luz do conceito de gozo, agora dividido
entre gozo f álico e gozo do Outro. De importantes consequências para
a teoria de gêneros, a sexuação é uma das partes mais complexas e dis-
cutidas da psicanálise de Lacan. Desde a publicação de seus Escritos, em
1966 - o único livro propriamente publicado por Lacan -, seu trabalho
começa a ser ainda mais reconhecido fora da França. Inicia-se um período
de tradu ções, de intervenções em televisão e rádio, além de viagens, por
exemplo, ao Japão aos Estados Unidos (onde fala em Yale, no M.I.T. e em
Baltimore).
A partir de 1975, Lacan começa uma intensa tematização da relação
entre os três registros, do Real, do Simbólico e do Imaginá rio, com au-
xílio de um ramo da topologia conhecido como teoria dos nós. Ao lado
disso, há uma espécie de retomo à literatura, por meio de James Joyce,
Marguerite Duras, com a invenção de um conjunto relativamente extenso
de neoconceitos, ou redescrições neológicas de antigas noções lacanianas:
da língua para a língua { Mangue ), da histeria para a língua (liguisteria),
do sentido para o contrassenso ( ab-sense ) e do contrassenso para a falta
de senso ( sense-blanc). O analista deve se tomar poema; e os próprios tí-
tulos dos seminários tomam-se enigmá ticos ou intraduzíveis, como, por
exemplo: L' insu que sait de l' une bévue s’aile à mourre { Seminário XXIV ) - o
insucesso do inconsciente é o amor {? ). Em 1980, em meio a lutas pelo poder
entre as diferentes gerações de sua Escola, resignado diante dos proble-
mas causados pelo seu experimento baseado no passe, e já doente, com
câncer de intestino e com algum tipo de demência neurológica, Lacan
dissolve sua Escola e funda a Escola da Causa Freudiana. Seu anúncio,
publicado no Jornal Le Monde, acrescido da nota que convidava os que
se interessassem a seguir com ele, recebeu mais de uma centena de cartas
de apoio em resposta, em menos de uma semana.
Lacan morre em 9 de setembro de 1981, depois de ter realizado seu
último seminário em Caracas, Venezuela, e tendo lá declarado: "Cabe a
vocês ser lacanianos, eu continuo a ser freudiano".
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