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CONSTRUINDO LIBERDADE:
Guarulhos
2023
SUZI APARECIDA PEREIRA ALVES
CONSTRUINDO LIBERDADE:
Orientador(a):
Guarulhos
2023
ALVES, Suzi Aparecida Pereira
104f.
CONSTRUINDO LIBERDADE:
______________________________________________
______________________________________________
Umtrabalhoacadêmiconãoéfeitoapenaspelosdiretamenteenvolvidosnapesquisa.
Comoseressociaisquesomos,participatambémpessoasvalorosasquedepertooudelonge
fazemcomqueaconclusãodotrabalhosejapossível,sejapelosafetoscompartilhados,pela
escuta nos momentos pedregosos do processo, no auxílio profissional ofertado e no apoio
cedido,sobretudonummomentotãoparticulareespinhosodetodoandamentodestetrabalho,
que foi a pandemia de Covid-19. Os anos de pandemia percorreu toda minha permanẽnia
nesteprogramadepósgraduaçãoeporisso,mesmocomtodasasdificuldadesenfrentadasas
pessoasenvolvidasforamdesumarelevânciaesemelasafinalizaçãodestetrabalhonãoseria
possível.
Em primeiro lugar, registro meu profundo agradecimento ao querido professor Dr.
Clifford Andrew Welch, orientador desta pesquisa. A ele agradeço sua orientação,
disponibilidade e contribuições neste processo e por ter me proporcionado o privilégio de
desenvolver este trabalho e poder falar sobre os trabalhadores.
Agradeço profundamenteaprofessoraRosangelaFerreiraLeite,quefoicomelaque
obtiveasprimeirasconversasacercadessapesquisa,quandoaindaeraumaideiavaga,tendo
grande importância nos passos iniciais deste trabalho. Agradeço também as professoras
EdileneTeresinhaToledoeCristianaCostadaRocha,componentesdabanca,quecommuita
propriedade examinaram esta pesquisa fazendo as criteriosas críticas e observações,
propondo caminhos e soluções para a conclusão deste trabalho.
AoprofessorJanesJorge,queprontamenteaceitouoconvitedesubstituiçãodabanca
de defesa, que com suas avaliações e críticas, trouxe valiosas reflexões acerca do trabalho
final e para possíveis desdobramentos.
Registro meu agradecimento aos docentes da Universidade Federal de São Paulo,
pelos conhecimentos adquiridoseexperiênciascompartilhadas.Emespecialaosprofessores
do Programa de Pós Graduação emHistória,quemuitocontribuiramparaasreflexõesaqui
elaboradas. A gratidão se extende aos servidores desta universidade, que direta ou
indiretamente colaboraram com a solução de burocracias e entraves que se apresentaram.
AgradeçoaoArquivoEdgardLeuenroth(AEL),CentrodePesquisaeDocumentação
SocialquemantémaguardadosarquivosdoMinistérioPúblicodoTrabalhoda15ªRegião,
adquiridaspelaUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp),emparceriacomaFundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Agradeço nominalmente ao
coordenador do acervo Humberto Celeste Innarelli, a Secretária Márcia Simone Vicente e
Sandra Aparecida Pereira da Seção de Tratamento da Informação e Apoio à Pesquisa, que
gentilmentemereceberamnoarquivo ecommuitagenerosidademeauxiliaramefacilitaram
na obtenção dos documentos. A eles meu profundo agradecimento.
Aos queridos colegas da pós-graduação que muito compartilharam comigo as
experiências,anseioseangústiasnesteprocesso,ondenosapoiamosedividimosdificuldades
mesmo à distância, sendo de suma relevância no decurso deste mestrado.
Aos velhos amigos da Unifesp, que diretamente colaboraram nesta etapa, na qual
tenho uma imensa gratidão por fazerem parte da minha vida ainda nos dias atuais: aos
amados Vera Lucia, Elson Luis, Thomaz Barbeiro, Juliana Casagrande, André Teixeira ea
sempre querida Cinthia Mayumi.
As irmãs de vida e de afeto, Amanda Mattos Badu, na qual conheço de tempos
imemoriais, emquedividitantasexperiênciasdevidaequeestásemprepresenteeprontaa
incentivar, ouvir, brindar e compartilhar alegrias e tristezas. À Vanessa Nadotti, que
permanece uma presença forte e potente em minha vida, sempre disposta a ouvir,
compartilhar e brindar, incluindo todo o seu apoio no decurso deste mestrado, sempre
oferecendo sua escuta e amizade.
À Marina Cruz, parceiradomundodotrabalho,quesempreofereceusuadisposição
em apoiar a execução desta pesquisa e contribuir para um cotidiano laboral mais ameno,
empático e amigável.
AgradeçoaosmeuspaisGenecieHelena,quecomsuassimplicidadesemesmofalta
de escolaridade apoiaram que seus filhos pudessem acessar conhecimento e assim poder
desfrutarmelhoresdiasdosqueosmesmosamargaramnocotidianodomundodotrabalho.À
minha mãe, não apenas pelo amor dedicado, mas pelo grande incentivo e confiança
depositada ao longo da vida de estudante, trabalhadora e pesquisadora, mesmo sem ter a
compreensão exata do que seja uma pesquisa acadẽmica, mas em sua simplicidade
compreende o significado dela, numa família que apenas recentemente me assistiu, como
primeiro membro da família a ingressar numa universidade pública.
Obrigada aos meus irmãos, na qual compartilhei tantas agradáveis e profundas
experiências e lembranças. Aos amados sobrinhos que fazem minha vidamaisleve,felize
alegre, revelando o melhorquepossooferecer.Àminhafamília,quesempretoleraminhas
inquietações e perdoam minhas ausências, dedico meu profundo afeto.
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a atuação dos trabalhadores diante dos
instrumentos de fiscalização e controle do Estado, por meio de ações fiscalizatórias do
MinistériodoTrabalhoeEmprego(MTE)edoMinistérioPúblicodoTrabalhoda15ªregião
(MPT-15), no combate ao trabalho escravo entre os anos de 1995 até 2010. Pretendeu-se
analisarqualopapeldasfiscalizaçõesnocumprimentodasleisnasrelaçõestrabalhistasentre
o período de 1995 até 2010, assim como a atuação dos sindicatos, órgãos e instituições
defensoras dos Direitos Humanos e dos trabalhadores.
Oanode1995éoanoquemarcouoiníciodoGrupoEspecialdeFiscalizaçãoMóvel
(GEFM)criadopeloMinistériodoTrabalho,comoobjetivodesedeslocaratéosespaçosa
seremfiscalizadoscomointuitoderesgatartrabalhadoressubmetidosacondiçõesanálogasà
de escravo. Este evento marcou o efetivo reconhecimento do Estado brasileiro de tais
práticas, assim como sua responsabilização na solução do problema.
O ano de encerramento deste recorte temporal é o ano de 2010, fim do segundo
mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A escolha por este recorte se deu por
verificarmos que no período de 2003 até 2010, as fiscalizações deram umimportantesalto
numérico,emrelaçãoaoperíodoanterior,1995até2022.Destamaneira,usandocomofontes
documentais os dados do MTE, atrelados aos procedimentos processuais do MPT-15, em
cotejo com a legislação e fontes pertinentes à época, buscamos compreender o papel das
fiscalizaçõeseabuscaporliberdadeejustiçaconstruídaeimpetradapelostrabalhadorespor
meio das denúncias.
This research aims to analyze the performance of workers in the face of the
instrumentsofinspectionandcontroloftheState,throughinspectionactionsoftheMinistry
of Labor and Employment (MTE) and the Public Ministry of Labor of the 15th region
(MPT-15),inthefightagainstslavelaborbetweentheyears1995to2010.Itwasintendedto
analyzetheroleofinspectionsincompliancewithlawsinlaborrelationsbetweentheperiod
1995 to 2010, as well as the performance of unions, bodies and institutions that defend
Human Rights and workers.
Theyear1995istheyearthatmarkedthebeginningoftheSpecialGroupforMobile
Inspection (GEFM) created by the Ministry of Labor, with the objective of moving to the
spaces to beinspectedinordertorescueworkerssubjectedtoconditionssimilartothoseof
slave.ThiseventmarkedtheeffectiverecognitionofsuchpracticesbytheBrazilianState,as
well as its responsibility for solving the problem.
The closing year of this time frame is 2010, the end of Luiz Inácio LuladaSilva's
second term. This selection was chosen because we found that in the period from 2003 to
2010,inspectionsmadeanimportantnumericalleapinrelationtothepreviousperiod,1995
to 2022. In this way, using MTE data as documentary sources, linked to procedures
procedures of the MPT-15, in comparison with the legislation and relevant sources at the
time, we seek to understand the role of inspections and the search for freedom andjustice
built and filed by workers through complaints.
Tabelas:
Gráficos:
Gráfico I - Totais de fiscalizaçĩes do MTE por estado de 1995 até 2010………….P. 61
Gráfico II - Totais de fiscalizações do MTE em percentual de 1995 até 2010…….P. 62
Gráfico III - Totais de fiscalizações do MTE por região de 1995 até 2010………..P. 63
Gráfico IV - Totais de fiscalizações do MTE por estado no período
de 1995 até 2002……………………………………………………...P. 63
Gráfico V - Totais de fiscalizações do MTE por estado no período
de 2003 até 2010……………………………………………………...P. 64
Gráfico VI - Distribuição dos municípios do MPT-15 por trabalho escravo
de 1995-2010 em percentual…………………………………………P. 68
Gráfico VII - Distribuição por atividade econômica no MPT-15 em percentual….P. 70
Gráfico VIII - Distribuição por atividade econômica no MPT-15:
agricultura e outras atividades……………………………………..P. 71
Gráfico IX - Procedimentos administrativos do MTP-15 (1991-2010)...................P. 72
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………P. 14
CONCLUSÃO……………………………………………………………………..……P. 96
INTRODUÇÃO
ApráticadaescravidãonoBrasilnãoénovidadenavidadostrabalhadores.Entreos
séculosXVIaoXIX,aescravidãocolonialperdurouoficialmentenopaís,obrigandomilhares
de pessoas oriundas da África e os que aqui residiam, a integrarem massivamente o
contingentedetrabalhadoresparaostrabalhosnaslavouraseemáreasurbanas,fazendoparte
da economia do país até o crepúsculo do Império.
Aaboliçãooficialdaescravidãonoanode1888eaausênciadeamparosocial,nãoa
extinguiudefato,perpertuandopráticasdeexploraçãodotrabalhosobnovasroupagens,mas
igualmente perversas, se tornando o que passou a ser denominada de Trabalho Análogo à
Escravidão. Terminologia que possui relação com práticas seculares de exploração e ao
mesmo tempo, possui singularidades próprias no contexto recente.
O laço que a designação se estabelece comopassado,comamemóriaeahistória
nacional, remete a um passado secular de utilização de mão de obra escrava combatida e
denunciadanofinaldoséculoXIX,nãosócomosinônimodeatrasoeconômico,mastambém
como atraso moral e civilizacional.
Portanto, para entendermos este fenômeno na atualidade, visitamos nossa História
Colonial para traçar paralelos. Não para dizer que éamesmacoisa,poisnãooé,maspara
tentar classificar e entendê-lo, pois não estamos falando apenas de violações aos direitos
trabalhistasouinfraçõesadministrativas.Trabalhoescravocontemporâneoserefereàsgraves
violaçõesdadignidadedapessoahumana,aofimdedireitodecidadania,atingindodemorte
os Direitos Humanos2.
Para tratar o tema e perscrutar as questões que o envolve, desenvolvemos esta
pesquisa fazendo o recorte temporal do período que percorre osanosde1995atéoanode
2010. O ano de 1995, marca o ano de criação do Grupo Especial deFiscalizaçãoMóvel–
1
Itamar Vieira Junior,Torto Arado,2019, p. 99
2
Ver Angela de Castro Gomes e Regina Beatriz Guimarães Neto,Trabalho escravo contemporâneo:
Tempo presente e usos do passado, 2002.
14
GEFM, que é um grupo de trabalhodoMinistériodoTrabalho,comintuitodefiscalizaras
condiçõesanálogasàdeescravos,pormeiodeumaequipeformadaporAuditoresFiscaisdo
Trabalho, além de representantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia
Militar, Polícia Civil ou outra autoridade policial, Ministério Público do Trabalho e/ou
Ministério Público Federal. A participação desses representantes podevariaradependerda
denúncia ou da expectativa do risco3.
Estes órgãos atuam em conjunto ou isoladamente, pois esta prática abrange a
legislaçãopenal,trabalhista,constitucional,deDireitosHumanosecidadania,atingindotodo
oterritórionacional,sendonecessáriodistribuirasatribuiçõesecompetênciasdentrenossos
diversos órgãos e instituições, a quem for de direito. Cada qual atuando em sua área de
atuação, com seus respectivos instrumentos jurídicos.
Noquecompeteàsinspeçõeslaborais,essassãodecompetênciadaUnião,emqueé
responsávelpor“organizar,mantereexecutarainspeçãodotrabalho”4 sendooMinistériodo
Trabalho por meio dos Auditores Fiscais do Trabalho a atuação administrativa, fazendo
vistorias, verificando a documentação e as irregularidades, lavrando autos de infração,
calculando as verbas devidas e impondo penalidades administrativas.
Assim,nomêsdejunhodoanode1995,pormeiodaPortarianº549doMinistériodo
Trabalho é criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, para atender a necessidade de
umafiscalizaçãomaiseficienteàsNormasdeProteçãoaoTrabalho,sobretudocomointuito
de coibir a prática de trabalho escravo, forçado e infantil.
A criação do GEFM é um importante marco na política de repressão ao trabalho
escravo do tempo presente, porque além de ser um reconhecimento do Estado acerca do
problema,atendeàsdemandasdasociedadeciviledeorganismosnacionaiseinternacionais,
pormedidasefetivasparaseucombate,taiscomoaCPT(ComissãoPastoraldaTerra),aOIT
(Organização Internacional do Trabalho), os sindicatos laborais, a Central Única de
Trabalhadores e Organizações não Governamentais.
O ano de encerramento deste recorte temporal é o ano de 2010. Escolhemos este
recorte porque verificamos que ao longo dosanos,onúmerodefiscalizaçõesfoicrescendo
paulatinamente, onde deu um vertiginoso salto numérico entre os anos de 2003à2010em
comparaçãoaoperíodoanterior(1995à2002).Fizemosessadivisãoemdoisperíodosporque
cadaumrepresentaumperíododegovernofederaldistinto,emqueosanosde1995até2002
3
Cf.Manual de combate ao Trabalho em condições análogasàs de escravo. Brasília: MTE, 2011, p.
44
4
Constituição Federal de 1988, Art. 21, IncisoXXIV
15
foram os anos dosdoismandatosdeFernandoHenriqueCardosoede2003até2010foram
dos dois primeiros mandatos do governo deLuisInácioLuladaSilva,porissofinalizamos
nossa análise no ano de 2010.
Essadivisãoemdoisperíodosrepresentaperíodosdistintosnalegislação,naspolíticas
públicas no tratamento do tema, no aprendizado dos envolvidos nas fiscalizações e
consequentementenoaumentononúmerodeestabelecimentosfiscalizados.Esseaumentode
fiscalizaçõesnoBrasilvemnobojodeumapolíticainternacionalmaisintensivanarepressão
a este delito.
Assim, das fiscalizações do Ministério do Trabalho,sónoanode2003onúmerode
estabelecimentosfiscalizadosfoisuperioraosoitoanosdemandatodogovernoantecessor,o
de Fernando Henrique Cardoso (FHC)5. No ano de 2003 os estabelecimentos fiscalizados
foram do montante de 136, com 5.223 trabalhadores resgatados.
E entre os anos de 1995 e 2002 o número deestabelecimentosinspecionadosfoide
129nototal,comoresgatede5.893trabalhadoresemcomparaçãoaoperíodoentreosanos
seguintes, de 2003 à 2010, que foi do montante de 1.154 estabelecimentos, com 33.203
trabalhadores libertos.
Estes registros do Ministério do Trabalho não são por acaso, ele vem no bojo da
criaçãodeinstrumentosjurídicosepolíticaspúblicasimpetradaspeloperíodopós2003.Nos
anospós2003,oBrasilassistiuaumasériedeavançossociais,quedesembocaramemuma
maior pressão social por mudanças e isso facilitou o caminho para que a repressão ao
trabalho escravo entrasse na ordem do dia.
Ademais, ressaltamos que o crescente aumento das fiscalizações a partir de 1995
denota,alémdoacirramentonasfiscalizações,demonstraumaprendizadodosenvolvidosno
entendimento do problema, concomitante a criação de instrumentos que permitiam o
enquadramento legal e as formasdereconheceroquedefatodeveriaserenquadradocomo
trabalho escravo.
Sublinhamosqueemborahouvesseumcrescimentononúmerodasfiscalizações,elas
ainda estavam aquém do necessário, poissegundodadosdaOITde2016,existiammaisde
369milpessoasaindanessascondiçõesnoBrasil.Umdadoalarmantequerevelaasmazelas
denossaestruturaeconômica,querecorreamãodeobrasubjugadaparaobtençãodemaiores
somasdelucro,comademandapelobarateamentodosprodutoseaconsequentecorridapara
níveis mais baixos dos custos de produção entre países dentro do neoliberalismo.
5
FHC também cumpriu dois mandatos como Presidente da República pelo Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB). O primeiro de 1995-2008 e o segundo de 2009-2012.
16
Destamaneira,paraodesenvolvimentodestapesquisa,fizemosusodocotejamentode
fontes documentais que consistem nos registros dos autos de infração do Ministério do
Trabalho comandados pelos auditores fiscais do trabalho, assim como fizemos uso dos
procedimentos do Ministério Público do Trabalho, disponibilizados pelo Arquivo Edgard
Leuenroth (IFCH/Unicamp)6, que possui um acervo digital de 24.029 procedimentos
administrativos, abarcando 598 municípios do estado de São Paulo, conduzidos pelos
procuradoresdoMinistérioPúblicodoTrabalhoda15ªregião,emCampinas.Oacervoconta
com documentos entre o período de 1991à2010ealémdedocumentosacercadotrabalho
escravo,háosregistrosdeoutrasinvestigaçõesdeinfraçõestrabalhistastaiscomo:jornadade
trabalho,salários,contribuições,meioambientedotrabalho,trabalhodemenores,indígenas,
encarcerados, portadores de deficiência, dentre outras violações aos direitos trabalhistas
regidos pela CLT.
Este acervo contou comapoiodaFundaçãodeAmparoàPesquisadoEstadodeSão
Paulo, por iniciativa das professoras Silvia Hunold Lara da Universidade Estadual de
CampinaseRebeccaScottdaUniversityofMichigan,comapoiodaentãoprocuradora-chefe
doMPT-15,CatarinavonZuben.cujotítuloédenominado“EntreaEscravidãoeofardoda
liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho escravo em perspectiva
histórica”7
Esteconjuntodocumentaléumdosmaisimportantesacervosacessíveis,catalogados
e organizados para a pesquisa acadêmica. Pois os TribunaisdeJustiçacarecemdefornecer
um tratamento arquivístico a seu acervo documental e possuem uma riqueza defontesque
muitotemanosrevelarsobreosmundosdotrabalhonoBrasil.Documentosestesqueestãoà
espera do escrutínio de historiadores do trabalho.
Nesta pesquisa - dentro do recorte temporal - analisamos o montante de 150
procedimentos,queversamsomentesobreotema,identificadoscomo“trabalhoescravo”ou
“escravidão”, na classificação feita pela organização do acervo.
De todo o acervo catalogado, em todo o período a proporção das investigações do
Ministério Público do Trabalho da 15ª região estão assim distribuídos:
6
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Centro de
Pesquisa e Documentação Social Arquivo Edgard Leuenroth <https://ael.ifch.unicamp.br/>
7
Cf.SilviaHunoldLaraeNauberGavskiSilva,OTrabalhoEscravonoAcervodoMinistérioPúblico
do Trabalho - 15ª região, 2020, p. 250
17
Tabela I – Presença do trabalho escravo nas investigações do MPT-158
8
Ibidem,p. 250
18
Usamos também Registros das fiscalizações, disponibilizadas no sítio eletrônico da
SecretariadeInspeçãodoTrabalho<https://sit.trabalho.gov.br/radar/>,assimcomonositeda
ONGRepórterBrasil<https://reporterbrasil.org.br/>.Estesdadosforamsumarizadosporesta
pesquisadora e dispostos em planilha, que usamos para sintetizar e esmiuçar nas páginas
seguintes.
Além disso, fizemos uso de Leis, Instruções Normativas, Portarias, Decretos,
Programas de governo, dados, informações do MTE e demais documentos legislativos
vigentes à época, que podem nos ajudar a compreender os avanços e retrocessos
institucionais deste evento social.
Fizemos uso também de fontes de imprensa, comojornaiserevistas,quenosderam
elementosparacompreenderoquevinhasendodivulgado,debatidoeocultadopelamídiano
período.
Ressaltamos que as fiscalizações são umimportanteinstrumentoparaarepressãoao
trabalho escravo. ElassãooreconhecimentodoproblemapeloEstadobrasileiroeatendeas
demandassociaiseinternacionaisporaçõesefetivasnasoluçãodoproblema.Todavia,muito
embora as fiscalizações libertem trabalhadores, elas não resolvem definitivamente o
problema, pois a quantidade de auditores é muito aquém do necessário para a extensãodo
territóriobrasileiroeparaonúmerodetrabalhadoresativos,entãonota-sequeamanutenção
deumaestruturadefiscalizaçãorespondemaisaostratadoseinteressesinternacionaisdoque
efetivamente a resolução do problema pela raíz.
Salientamos também que para as denúncias chegarem aos órgãos de fiscalização, é
necessário a participação de muitos sujeitos, tendo centralidade os próprios trabalhadores.
Sãoelesqueaosedepararemcomascondiçõesdegradantesfornecidasemesmosobameaça,
buscam ajuda, seja das autoridades locais, de sindicatos ou de instituições de apoio e
atendimento aos trabalhadores.Portanto,elesnãoassistemcomomerossujeitospassivosde
suas histórias, são vítimas das condições sociais precárias, mas também entendem e
conhecem os limites dessas mesmas condições.
São os próprios trabalhadores que narram suas histórias e detalham ascondiçõesna
qualsãosubmetidos,semessasinformaçõesnãoteríamosadimensãodoproblema,portanto,
diferente do que se tenta propagar,estestrabalhadoresconhecemseusdireitosedoslimites
sociais legais das condições humanas. Elementos que a escola normativa muitasvezesnão
forneceeestesaprendemnoempirismodavidacotidiana.Porisso,nomeamosotítulodesta
pesquisa de “Construindo Liberdade” pois a liberdade dos trabalhadores vem sendo
19
construídadefatoededireito,porelesmesmospormeiodasdenúnciasenabuscaporjustiça
e trabalho decente.
O que se tenta propagar é que diante dafaltadeescolaridadedessestrabalhadorese
pela extrema pobrezasãopessoasdesprovidasdeconhecimentoeportanto,nãosãocapazes
derefletireentenderarealidadeconcretadasrelaçõestrabalhistas.Umanarrativapropagada
pelas classes dominantes como uma tentativa de subjugarosmaispobresefazê-losdóceis.
Ou,comonaépocaclássicadaescravidão,ondeasrelaçõesdepoderfaziaumjogodeculpa
peranteasvitimas,sugeririndoqueopatrãoofereciaoportunidadesparaquemnãoteriajeito
semsuaassistência,dentrodeumaestruturacriadaparaestefim.Demonstraremos,portanto,
de que maneira estestrabalhadoresmobilizaramaestruturajurídicaparafazeremvalerseus
direitos e terem seus direitos fundamentais de cidadania atendidos.
Assim,avaliamosquecomesterecortetemporalsejapossívelinvestigar,oiníciodas
fiscalizações e seu desenvolvimento ao longo dos anos, tendo sobretudo o território de
Campinas e região no centro de análise, devido ao acervo documental majoritariamente
compulsado, mas também em diálogo com a questão a nível nacional,poiséumproblema
queatingetodososestadosdafederação,commenoroumaiorgraudependendodocontexto
sócio-econômico de cada região.
ValeressaltarqueesteproblemanãocompreendesóoBrasil.Éumaquestãodenível
internacional, que participa países do Norte e Sul global, que devido a sua amplitude e
complexidadefaz-senecessárioaçõesconjuntas,comamplaparticipaçãodeentidadescivise
governamentais,alémdaatuaçãoostensivadasociedadecivil,queéamaisafetadacomeste
problema.
Paraaconfecçãodestetrabalho,começaremoscomocapítulo“AConjunturaPolítica
eSocial”quevisaabordarocontextohistóricoesocial,quepermitiuquenofinaldoséculo
XXpercorrendooXXIaindaexistamcondiçõesparaamanutençãodotrabalhoemcondições
análogas a escravidão. Abordaremos o arcabouço jurídico, assim como as práticas, as
omissões e as particularidades do contexto para que fossem implementadas medidas de
combate ao trabalho escravo. Dialogaremos ainda com a temática racial, pois dados nos
mostram que os escravizados contemporâneos sãodemaiorianegra,portantonãoéassunto
que podemos nos abster. No capítulo seguinte,intitulado“NaesteiradaJustiça”trataremos
da criação do GEFM da alteração do Código Penal e abordaremos também o caso
emblemático da Fazenda Brasil Verde e o longo trajeto até seu desfecho final.
No Capítulo 3 intitulado “Por dentro das fiscalizações” abordaremos asanálisesdas
fontes documentais, em que essa mazela social se apresenta na prática por meio dos atos
20
procedimentais, falaremos também da auditora Marinalva Dantas, a mulher que libertou
2.354trabalhadoresescravizadosnoBrasil.Falaremosdela,porrepresentar umaimportante
figuranasfiscalizaçõesdoMTEesuahistóriadevidatambémsecoadunacomaorigemde
muitos trabalhadores pobres e nordestinos do país, porém com destinos distintos. Tais
questões, elementos e debates que serão tratadas com maior rigor nas linhas a seguir.
21
CAPÍTULO 1 - A CONJUNTURA POLÍTICA E SOCIAL
As mesmas elites coloniais enriquecidas sob o sangue e o suordepessoaspobrese
carentes de assistência social, seguiram com as mesmas práticas nos anos pós-abolição,
apenas se reinventando e aprofundando as mazelas sociais.
Sãoanosdeomissãoedescasoquefizeramcomqueaindanotempopresente,temos
de maneira ainda expressiva formas detrabalhosobcondiçõesanálogasàdeoutrora,aodo
período colonial.
Alguns autores dentro das ciências humanas nos ajudam a entender estes fatos,
trazendo luz ao debate, como nos elucida o sociólogo brasileiro JosédeSouzaMartins,na
obra O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta, em que argumenta que a
sociedadebrasileirasefundamentanumacontínuaesperadoprogresso-deumprogressoque
nunca chega - e isso é um importante instrumento de poder político e social que barra
qualquer avanço que provoque uma ruptura no sistema político vigente9.
Assim,segundoMartins,comonossasociedadeestádominadapeloEstadoeatuando
sobsualógica,aspressõesdasociedadecivilsediluemeseesgotamnareproduçãodeuma
máquina incivilizadora de poder.10 E assim,asdemandasdasociedadecivilficamlimitadas
por essas relações. Elas são operadas e direcionadas pelas estruturas de poder vigentes
herdadas do passado e portanto, são elas que ditam o ritmo das transformações sociais,
conforme Martins,
s oligarquias políticas no Brasil colocaram a seu serviço as instituições da
A
modernadominaçãopolítica,submetendoaseucontroletodooaparelhodoEstado.
Emconsequência,nenhumgrupooupartidopolíticotemhojecondiçõesdegovernar
o Brasil senão através de alianças com esses grupos tradicionais11
Assim, as relações patrimonialistas do passado se fazem atuantes nas relações
políticasdaHistóriadoTempoPresente.Carregamosolegadodeumpaísescravocrataainda
calcadonalógicadasuperexploraçãodamãodeobra.Todavia,estenãoéumfenômenoque
participa apenas o Brasil, ele está dentro de um fenômeno transnacional da globalização
capitalista fortemente operante.
Martinstambémnosajudaacompreenderasrelaçõesquepermitemapermanênciado
trabalho cativo. Este autor se debruça sobre as temáticas das desigualdades sociais, o
9
Jose de Souza Martins,O poder do atraso: Ensaiosde Sociologia da História Lenta, 1994
10
Cf. Ibidem,p. 13-14
11
Ibidem, p. 20
22
pensamento social brasileiro e suas estruturas de poder. No que tange ao trabalho escravo,
Martins nos sintetiza:
E continua,
( ...) a ralé brasileira, formado por negros recém libertos (negros, mulatos, e
mestiços) que nao conseguiam competir com os imigrantes estrangeiros
(notadamente os italianos)ecomosbrancos,dequemanovacondiçãodelibertos
eram outra forma de degradação. A submersão na lavoura de subsistência, ou a
formaçãodefavelasnasgrandescidadespassamaserodestinoreservadopeloseu
abandono13
Emsuaobra,Souzanosfalasobreaperpetuaçãodasdesigualdadessociaisnãocomo
uma herança de Portugal, mas como umabandonodeclassequeseoperousobreosnegros
recémlibertos.Segundoele,achegadadafamíliarealportuguesaaoBrasilem1808vinhano
bojo da ordem burguesa e capitalista ocidental à época e criou uma série de elementos de
distinçãoeprivilégiosentreaselitesdominanteseostrabalhadoresnegros,resignificandoos
paradigmas de poder. Os filhos das elites coloniais europeizadas passaram a integrar esse
processo de modernização por meio de cargos e funções que não poderiam ser exercidos
pelos negros. E de outra maneira, aos filhos de escravos foram reservados os trabalhos
inferiorizados, com nenhuma ou baixa remuneração.
Portanto,ahistóriarecentedopaísnosrevelaqueaselitessimilaresàsescravocratas
deoutrorainsistememnãoabriremmãodeseusprivilégios,usurpadosdasmãosdemilhares
de trabalhadores e trabalhadoras pobres, relegando aos seus descendentes um destino
próximo.Aosfilhosdosricosherdam-sepropriedades,podereoutrasriquezaseaosfilhosda
classe trabalhadora é reservado o desamparo social. Por isso, continuamos comasmesmas
práticaslaborais, enfrentadas pelos trabalhadoresem suas labutas diárias.
Comisso,nãoestamosdizendoqueháumalinhadiretaecontínuaentreaescravidão
do passado e aescravidãocontemporânea,masqueháelementosquenospermitemafirmar
que as práticas de mando e de poder persistiram e se reinventaram no pós-abolição, sob
12
Ibidem, p. 79-80
13
Ibidem, p. 82
23
aspectos similares e localizada em uma sociedade de trabalhadores livres, em que pessoas
subjugados em sua força de trabalho não deveria ser mais tolerada.
Existem outras formas de nomear este fato social, que podemaparecerdasdiversas
maneiras ao longo do texto, quais sejam: trabalho escravo contemporâneo, trabalho em
condições análogas à de escravo, trabalho degradante, semi escravo (muito utilizado nas
fontesprocessuais) ouanomenclaturautilizadapelaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho:
trabalho forçado ou compulsório. Todas elas se referem a mesmacondutadesubmissãode
pessoas ao trabalho involuntário ou em condições degradantes, ferindo os Direitos Humanos.
Aterminologiasobreescravidãocontemporâneaéumtermoaindaemdisputa.Como
noselucidaNorbertoFerreras,historiadorderelevonosestudossobreotema,anomenclatura
sobretrabalhoescravoeraignoradanaAméricaLatina.OBrasileraumcasoparadigmático,
pois depois da abolição, o termo foi apagado do Código Penal e Civil. Portanto, para fins
legais, a escravidão não existia como não existia uma figura jurídica relacionada com o
cativeiro por dívida14. Segundo Ferreras,
escravidão precisou ser redefinida, com o estabelecimento do complexo de
A
instituições Internacionais criadas depois do fim da Grande Guerra, mas as
respostas eram tardias ounãodefiniamclaramenteasituaçãodotrabalhoescravo
ou forçado.15
No cenário Internacional, após a abolição legal da escravidão, o trabalho forçado
ainda era uma realidade e seu debate já era corrente antes do Tratado de Versalles16. Não
entraremos nos debates e desdobramentos acerca deste Tratado, mas no que aqui nos
interessa,apartirdesteTratadofoicriadaaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho,destinado
aserumórgãoquevisavazelaremelhorarascondiçẽoslaboraisdostrabalhadoreseagirno
cumprimento das normas trabalhistas.
Como nos conta Ferreras, nos anos de 1922e1923aSociedadedasNaçõesiniciou
uma rodada de conversas sobre a escravidão e o trabalho indígena nos países membros e
diante da inérciadestespaísesemsolucionaroproblema,levouacriaçãodeumacomissão,
incluindoummembrodaOITparatratardaeliminaçãodaescravidão.Estacomissãoadotou
um caráter informativo e não colocou os países atingidos pela colonização no centro do
debate, mas segundo o autor foi importante por colocar essa temática na ordem do dia.
14
Cf. Norberto Ferreras, A Conexão OIT: Problemas regionais do trabalho em perspectiva
transnacional,2018, p. 59
15
Ibidem,p. 59
16
Convenção de Saint-Germain-en-layue, de 28 de junhode 1919
24
Assim, em 1926 foi sancionadaumaConvençãodaSociedadedasNaçõessobreotemaeé
considerado um marco na legislação internacional sobre trabalho escravo.17
Portanto - segundo Ferreras - a es cravidão precisou ser redefinida, com o
estabelecimento de importantes organismos internacionais, no pósPrimeiraGrandeGuerra,
masasrespostasvieramtardeounãodefiniamclaramenteasituaçãodetrabalhoescravoou
forçado no mundo, diante das múltiplas realidades.
Estes debates do pós Primeira Guerra - embora tardios - estabeleceram marcos
importantes no cenário mundial no que compete ao reconhecimento do problema por uma
instituiçãointernacionalcomdebatesquechegaramtambémnoBrasil,poisoproblemaaqui
também existia de maneira expressiva.
No Brasil datamos este fato social em torno da década de 1940, muito emboranão
sejapossíveldatarcomprecisãoexata,masfoinessadécadaqueiniciouamigraçãomassiva
interna com projetos financiados pelo governo, em que
( ...) partiram as primeiras levas de migrantes para a exploraçãodosseringaisna
Amazônia,asmigraçõesdadécadade1940incentivadaspeloprogramadoGoverno
Vargas para a colonização daquela região e na década de 70, em resposta à
necessidade de ‘exploração’ da aŕea sob financiamento do governo18
Foi com Getúlio Vargas na década de 1930, que o processo de industrialização das
áreas urbanas se acelerou expressivamente e nas áreas rurais, nadécadaseguinte, também
implementou empreendimentos nas áreas rurais, como foi o caso do que passou a ser
denominado “Marcha para o Oeste” que levava nordestinos para o interior deGoiás,Mato
Grosso, se estendendo para a Amazônia, numa tentativa de “colonizar” a região, fixando
famílias inteiras nessas localidades.19
anode1942tambémfoimarcadopelaseca,criandoumaconjunturafavorávelao
O
recrutamento de trabalhadores aos seringais da Amazônia. Em 1942 foram
assinados acordos com Washington, comprometendo o governo Vargas a produzir
borrachaaosaliados,comolema“maisborrachaemmenostempo”.Masparaisso
precisava-se de um recrutamento maciço de trabalhadores dispostosadeixarseus
lares de um dia para o outro.20
17
Idem,p. 60
18
Cristiana Rocha,A vida da Lei, a Lei da Vida: Conflitospela terra, família e trabalho escravo no
tempo presente, 2015,p. 16
19
As informações aqui elaboradas acerca da “Marcha para o Oeste” foram extraídas de: María
Verónica Secreto, Soldados da borracha: Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo
Vargas, 2007.
20
Ibidem, p. 57
25
Os“soldadosdaborracha”comoestestrabalhadoresforamchamados,partiamcoma
promessa de bons ganhoseboascondiçõesdetrabalho.Apartidadostrabalhadoresrecebia
subsídio do Estado até os seringais e ao chegaremnaslocalidadesdedestino,ascondições
laborais ficavam a cargo dosdonosdessesseringaiseoqueaconteceudepoisfoiodescaso
do Estado, diante das séries de dificuldades encontradas por estes agricultores e seus
familiares.
A demanda por borracha atendia a indústria bélica no mercado internacional, no
contexto daSegundaGuerraMundialemobilizoucercade50milpessoasaonortedopaís,
para o atendimento dos anseios econômicos da economia global.
As dificuldades encontradas pelos trabalhadores foram inúmeras, a começar pela
forma de contratação, emqueoscontratosdeterminavamoamparoàsfamíliasalocadasem
Núcleos temporários, enquanto os homens labutavam nos seringais.Eoresultadofoiquea
assistêncianãochegavaeassim,asmulheresdenunciavampormeiodecartasaseusesposos
e ao presidente Getúlio Vargas suas condições de miséria e desamparo. Havia ainda
denúncias que elas eram submetidasatrabalhospesadosnestesnúcleos,trabalhosestesque
nãoerampreviamenteacordadosporestasmulhereseasmesmasficavamimpossibilitadasde
sair,poisdemandariaoretornocomseusfilhosaseuslocaisdeorigemouiremembuscade
seus companheiros na Amazônia, ambas opções inviáveis.
Mais tarde, entre os meses de julho e setembro de 1946, foi criada uma Comissão
Parlamentar de Inquérito pela Assembléia Constituinte, para apurar estes fatos, juntando
documentos e depoimentos, apurou-se o desastre social desta campanha, sendo constatado
que os trabalhadores que labutavam nos seringais eram maltratados, ameaçados pelos
capangas, mal alimentados, lhes eram negados remédios quando doentes, ainda que as
condições de transporte eram péssimas, além de que se produzia pouca borracha, mas as
estatísticas eram adulteradas para superestimar a produção.
O relatório da CPI concluiu que fosse restituída de imediato a assistência social
prometidaaossoldadosefamiliaresdaborrachaeaconselhou-setambémnorelatóriofinal,a
elaboração de um plano geral de assistência social e econômica.21
Assim, como se viu, este empreendimento trouxe à tona a realidade das mazelas
sociais do campo, onde trabalhadores desprestigiados pelacondiçãofinanceira,residentesà
épocaemregiõesseminvestimentopúblico,foramusadoscomocobaiasdeumaempreitada
21
Cf.María Verónica Secreto,Soldados da borracha:Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no
governo Vargas, 2007, p. 118-119
26
malsucedida,envoltaemumasériedeirregularidades,relegandomilharesdepessoasafome,
desamparo e ao trabalho sob condições precárias.
Éevidentequetaiscondiçõesnãoforaminauguradasem1940,tampoucocessoucom
aaboliçãodaescravidãoem1888,masfoiondeoEstadoseenvolveudeformasignificativa,
ocorrendo uma grande mobilização por denúncias e a consequente reinvindicação massiva
pormedidasdesaneamentodetaiscondições.Éimportanteressaltarqueasmulherestiveram
centralidade nessas denúncias, pois foram elas que reportaram aos maridos que se
encontravam nos seringais a falta da assistência prometida, além de escreverem cartas ao
presidente Vargas, fazendo ecoar suas vozes. E elas, por sua vez, recebiam notícias das
condições relatadas por seus respectivos companheiros.
Aquiéimportantetrazerpontosimportantesacercadareorganizaçãodavidaruralno
Brasil no período do governo de Getúlio Vargas (1930-1945). O historiador e professorde
História do Brasil Contemporâneo no departamento de História da UNIFESP e importante
referência nos estudos de História rural e dos Movimentos Sociais no Campo, Clifford
Andrew Welch nostrazessadiscussão22.Pormeiodefontesdehistóriaoral,compesquisas
iniciadas na décadade1980,nabibliotecadaDukeUniversity,sedeparandocomacoleção
completadosdiscursosdeVargas,alémdediárioerevisãodaliteraturaacercadotema,este
autorressaltaqueapesardascontrovérsiasdogovernoVargas,elelançoubasessignificativas
para a reorganização do trabalho rural.
Essas fontes revelaram as frequentes menções nos discursos de Vargas acerca ao
homem do campo, a necessidade de mudar a vida dos agricultores, de aumentar a
produtividade do setor, evitar o êxodo rural e ainda de tornar os residentes e operários do
campoconsumidoresdaindústriaurbanaquesedesenvolvia.23 Ideiasportanto,contrapostasa
tese básica de que Vargas se omitiria diante das questões agrárias.
Segundo Welch, o autor original que lançou as bases para essaideiadeomissãode
VargasaocampoéosociólogoFernandoAntonioAzevedo,emquedefendeuumaespéciede
paz agrária entreoEstadoeosgrandesproprietáriosdeterra,ressaltadopelafaltaoupouca
regulamentação das leis de amparo social e trabalhista rural no período de sua gestão,
argumentos que passaram a ser revistos, especialmente pelas teses de Marcus Dezemone,
segundo Welch.
Dezemone defende a herança de Vargas na produção da legislação voltada para o
mundorural,apropagaçãodeumdiscursodevalorizaçãodetodosostrabalhadores,sejado
22
lifford Andrew Welch,Vargas e a organização davida rural no Brasil (1930-1945), 2016.
C
23
Cf. Ibidem, p. 82
27
campooudacidadeearecepçãoeapropriaçãodessasmesmasmedidasediscursosporparte
dos trabalhadores da terra.
O que Welch nos apresenta é que não obstante a construção de uma narrativa de
valorizaçãodooperariadorural,desindicalizaçãodessestrabalhadoresedareivindicaçãode
uma legislação específica, havia grande resistência dos proprietários de terras, que por seu
turno,defendiamqueproletáriosurbanoseruraisnãodeveriamterdireitosequivalentescom
argumentos de que não havia desigualdades entre fazendeiros e trabalhadores. Estes
proprietáriosdeterradefendiamquehaviaumaespéciedecapitalismohíbrido,umavezque
o trabalho rural seria apenas uma etapa para aquisição de terras, o que não ocorria na prática.
Assim, o empresariado rural era contrário que os trabalhadores do campo fossem
incorporados à Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada em 1943 e empreenderam
uma campanha contra essa medida. No entanto, a versão final da CLT incorporou os
trabalhadores rurais, embora não em todos os dispositivos da lei, mas eles estavam lá,
representando uma derrota aos fazendeiros.
Welch conclui que ao buscar organizar as questões laborais dos trabalhadores do
campo,Vargasnãopretendeufazerumarevoluçãoouemanciparestestrabalhadores,masque
de outra maneira, não deixou estes no esquecimento e deixou um legado quanto a colocar
estes trabalhadores nos debates einseridosnalegislação,mesmoquenãotenhaocorridona
totalidade dos direitos sociais.
Assim, vemos que este período é envolto de uma série de debates na formação da
legislaçãotrabalhistanocampoenacidade,pormeiodaspressõessociaiseasconsequências
foramsentidasecorroboradaspelostrabalhadoresnabuscapordireitostrabalhistasequese
seguiram nos anos seguintes, diante dos avanços e retrocessos no empirismo da vida dos
trabalhadores.
Assim, uma outra data representativa da temática do trabalho escravo no Brasil do
tempo presente é a década de 1970, com outro empreendimento nacional participando
tambémoEstadobrasileiro,comapolíticadeexpansãodasfronteirasagrícolaspromovidas
pelos governos ditatoriais, em prol da segurança nacional24. Este movimento provocou o
deslocamento de uma parcela de trabalhadores para as regiões norte e centro-oestedopaís
para trabalharem nos projetos econômicos de desenvolvimento rural.
Adécadade1970inaugurounoBrasiloqueÂngeladeCastroGomeschamoudefato
novo da história social do trabalho, que segundo esta autora, tem relação com práticas
24
Cf.ÂngeladeCastroGomes,Justiçadotrabalhoesuahistória:Osdireitosdostrabalhadoresno
Brasil, 2013, p. 491
28
seculares de exploração e,aomesmotempo,possuisingularidadesprópriasnocontextodas
últimas quatro décadas de sua disseminação25.
Portanto,trabalhoescravocontemporâneoserefereasituaçõesqueferemadignidade
da pessoa humana. Não se trata apenas de graves violações à legislação trabalhista. Para
Castro Gomes,
s características desse novo contingente de trabalhadores são de pessoas
A
deslocadas de suas regiões de origem, com baixa ou nenhuma qualificação
profissionaleinstrução,vivendoemcondiçõesmiseráveiseporissodispostasase
“aventurarem” em busca de uma nova oportunidade de trabalho, considerado
inexistente onde se encontram26
Empresas e empreitadas econômicas se aproveitam da falta de oportunidades de
trabalhoemregiõespobresdopaís,encontrandoofertademãodeobrabarataporpessoasem
buscademelhoriasdevidaedetrabalho.Estestrabalhadores,porsuavez,vendemsuaforça
de trabalho com promessasdesaláriosebenefíciosesedeparamcomempregadoresávidos
por explorá-los sem pagar por seu trabalho ou pagando valores muito aquém do acordado.
Assim,adécadade1970éreveladoradestanovarealidadesocial,poisfoiumperíodo
emquesurgiramasprimeirasdenúncias,provenientesdemembrosdaComissãoPastoralda
Terra - CPT.
s regiões queiniciaramesseprocessoforamasregiõesNorteeCentro-oeste.As
A
primeiras denúncias, partiram de autoridades da igreja ligadas a CPT, que
acusavam desde 1970 e intensificando em 1980, mesmoemmeioaameaças.Foi
por essa via que as primeiras notícias chegaram aos jornais27.
AComissãoPastoraldaTerrafoiestabelecidaemjunhode1975,duranteoEncontro
de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), realizado em Goiânia (GO). Foi fundada em plena ditadura militar, como
resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseirosepeões,sobretudona
25
Cf.Ângela de Castro Gomes,A justiça do trabalho e sua história: Os direitos dos trabalhadores no
Brasil, 2013, p. 492
26
Ibid.,p. 494
27
Cf. Ângela de Castro Gomes, A justiça do trabalho e sua história, p. 491; Cf. Elio Gaspari, A
ditaduraencurralada,2013,p.49(vol.4).Gasparipassaporestetemaaofalardagestãodogeneral
Ernesto Geisel (1974-1979), que tinha como argumento “reter no campo a população da zona do
cerrado”. E para isso criou o programa Polocentro (Decreto 75.320 de 29 de janeiro de 1975)
oferecendo dois bilhões de cruzeiros por meio de crédito rural a quem quisesse “promover o
desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias no Centro-Oeste e no Oeste do
Estado de MinasGerais,medianteaocupaçãoracionaldeáreasselecionadas,comcaracterísticas
de cerrado”. Seu governo foi marcado, no plano econômico, porinflaçãoaltaeaumentodadívida
externa. Sobre os conflitos sociais no campo e projetos governamentais que afetaram a região
amazônica, ver: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (org), Conflitos sociais no complexo da
madeira.Manaus:UEAEdições,2009;SCHMINK,Marianne;WOOD,CharlesH.Conflitossocaisea
formação da amazônia. Belém: ed.ufpa, 2012. Sobre ocupação e expansão das fronteiras ver
MARTINS, José de Souza.Otempodafronteira:retornoacontrovérsiasobreotempohistóricoda
frente de expansão e da frente pioneira.São Paulo:Revista sociologia USP, 1996, p. 25-70
29
Amazônia explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas à de escravos e
expulsos das terras que ocupavam2 8.
A CPT se tornou um importante instrumento deacolhimentoaostrabalhadoresede
recepção das denúncias frente às autoridades governamentais no queconcerneàsviolações
dos direitos trabalhistas, da dignidade da pessoa humana e de cidadania. Ela é grande
conhecida dos trabalhadores e atuou ativamente em diversos casos na qual se envolveu,
sobretudo no que concerne ao trabalho cativo no campo.
Assim, a escravidão contemporânea é caracterizada sob aspectos diferentes da
escravidãocolonial,estaqueeratotalmentelegitimadapelasautoridadesecostumesàépoca.
Nãomaisintegravaaeconomiadopaís,nãomaisseoperavanalegalidade.Nãohánenhum
instrumento jurídico, social e econômico que a sustente. No entanto, ela ainda persiste em
números alarmantes. Segundo dados do relatório Índice Global de Escravidão de 2018,
publicadopelafundaçãoWalkFree–haviacercade40,3milhõesdepessoasnoanode2016
nessascondiçõesnomundo,dentreasquais,369milencontravam-senoBrasil,colocandoo
paísnaliderançaemnúmerosabsolutosnaAméricaLatina,representandoumataxade1,8de
pessoas nessas condições. Em números absolutos o Brasil apenas perde para os Estados
Unidos, com 403 mil pessoas afetadas, representando uma taxa de 1,3 para mil habitantes.29
Valefrisarqueestesnúmerossãosubnotificados,pelasubalternidadeeilegalidadeda
prática, por serem operados àmargemdosnúmerosoficiaisemuitasvezessãoencontrados
em lugares ermos, de pouca visibilidade e dificuldade de acesso.
Em 1930, a OIT já tinha adotado a nomenclatura de “Trabalho Forçado ou
Obrigatório”eassimodefineemsuaconvençãonº29:“Art.2–1.Paraosfinsdapresente
convenção,aexpressão‘trabalhoforçadoouobrigatório’designarátodotrabalhoouserviço
exigidodeumindivíduosobameaçadequalquerpenalidadeeparaoqualelenãoseofereceu
de espontânea vontade.”30
28
Extraído de: Comissão Pastoral da Terra. Disponível em:
<h ttps://www.cptnacional.org.br/sobre-nos/historico>.
29
Brasil tem quase 2 escravos modernos a cada mil habitantes,diz ONG. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 19 de jul. de 2018. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/07/brasil-tem-quase-2-escravos-modernos-a-cada-mil-h
abitantes-diz-ong.shtml; Escravidão moderna atingemais de 40 milhões no mundo. Globo G1, 20 de
jul de 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/07/20/escravidao-moderna-atinge-mais-de-40-milhoes-no-
mundo.ghtml>
30
Convenção nº 29 da OIT aprovada em 1930emGenebra.OBrasilaprovouestaconvençãoem
29/05/1956 pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 24, de 29/05/1956; Ratificou em
25/04/1957; Promulgou em 25/06/1957pormeiodoDecretonº41.721,tendovigêncianacionalem
25deabrilde1958.Eem14dejulhode1966pormeiodoDecreto58.822/1966oEstadobrasileiro
torna-se signatário da Convenção nº 105 da OIT sobre a Abolição do Trabalho Forçado.
30
Eemoutropontoelucida“Otrabalhoforçadoserefereasituaçõesemqueaspessoas
sãocoagidasatrabalharatravésdousodeviolênciaouintimidação,ouatémesmopormeios
maissutis,comoaservidãopordívida,aretençãodedocumentosdeidentidadeouameaças
de denúncia às autoridades de imigração”31
Assim, o Estado brasileiro no ano de 1957 ratificou a Convenção 29 da OIT,
produzindoefeitosapartirde1958,secomprometendo–aomenosoficialmente–acombater
o trabalho escravo contemporâneo. Posteriormente e conforme o avanço das denúnciaseo
entendimento do problema pelos legisladores e operadores de Direito, este delito passou a
integraroordenamentojurídicobrasileiro.EsteavançopermitiuqueoMinistériodoTrabalho
criasse no ano de 1995 o Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM, com intuito de
erradicar as condições análogas à de escravo. Ou seja, 38 anos após o Brasil ratificar e se
comprometer com as recomendações da OIT.
A garantia do trabalho decente deve abarcar condições laborais adequadas, com
espaços adequados e equipamentos de segurança, quando necessário, afim de garantir a
integridade física dos trabalhadores e é assim definido pela Organização Internacional do
Trabalho,
ormalizado pela OIT em 1999, o conceito de trabalho decente sintetiza a sua
F
missãohistóricadepromoveroportunidadesparaquehomensemulheresobtenham
um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade,
segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental paraa
superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da
governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.32
Destamaneira,aopermitirapersistênciadeformasdegradantesdetrabalho,oEstado
brasileiro viola sua constituição Federal de 1988, em que diz no seu primeiro artigo,
elencandoosprincípiosfundamentaisdaRepública: I-asoberania;II-acidadania;III-a
dignidadedapessoahumana;IV-osvaloressociaisdotrabalhoedalivreiniciativa;V-
o pluralismo político33
Alémdisso,oBrasilésignatáriodoPactodeSanJosédaCostaRica34 emquedesde
1992secomprometeuagarantirosdireitoseliberdadesessenciaisdapessoahumana.Como
sabemos, a depender dos agentes políticos vigentes, a manutenção dos Direitos Humanos,
31
Organização Internacional do Trabalho. Disponível em:
<h ttps://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS_393058/lang--pt/index.htm>
32
Organização Internacional do Trabalho. Disponível em:
<https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm>
33
Constituição Federal de 1988, artigo 1º, grifos nossos
34
Convenção Americana de Direitos Humanos, 1969. Adotadae aberta à assinatura na Conferência
Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22/11/1969 e
ratificada pelo Brasil em 25/09/1992. Disponível em
<h
ttp://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>
31
Trabalhistas e Sociais, podem sofrer avanços ou retrocessos, adependerdadisputapolítica
em jogo.
Na décadade1970,comoanteriormenteassinalado,aComissãoPastoraldaTerra,já
faziadenúnciasdasgravesviolaçõesdedireitosdostrabalhadoresdocampoenessaépocajá
haviaumaparatolegislativoparaassegurarosdireitosdostrabalhadores.Noanode1943,no
governo de Getúlio Vargas, oBrasiljácontavacomaConsolidaçãodasLeisdoTrabalho.35
Esta legislação consolidou e reuniu uma série de direitos trabalhistas, então reivindicados
pelos trabalhadores.
O Ministério do Trabalho foi criado também no governo de Getúlio Vargas, sob a
denominaçãodeMinistériodoTrabalho,IndústriaeComércio.O‘ministériodaRevolução’
como foi chamado, deveria simbolizar o projeto “verdadeiramente inovador” do governo,
comapresençadoEstadoregulamentandoefiscalizandoasrelaçõesentrecapitaletrabalho
no país.36
OMinistériodoTrabalhoaolongodesuatrajetóriafoiimportantealiadonaspolíticas
defiscalizaçãolaboral,alémdetercompetênciaparaaimplantaçãodepolíticasdeemprego,
renda, salário, saúde do trabalhador e políticas de geração de emprego.
Assim,oanodeiníciodestemarcotemporal,oanode1995,primeiroanodoprimeiro
mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso é também onde tem início as
fiscalizações oficiais do governo federal com a criação dos GEFM pelo Ministério do
Trabalho. No mesmo ano é também criado o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho
Forçado (GERTRAF), com a finalidade de coordenar e implementar as providências
necessárias à repressão ao trabalho forçado37.
Muito embora FHC tenha estabelecido política de combate ao trabalho escravo,sua
gestão foi marcada por sucessivas tentativas de flexibilização da legislação trabalhista. Ele
era defensor das negociações coletivas de trabalho, ou seja, do trabalhador e empregador
decidirem mutuamente suas relações de trabalho. Era partidário da “modernização da
legislação trabalhista” defendendo que os direitos trabalhistas garantidos pela constituição
federal deveriam ser itens de negociação.38
35
onsolidação das Leis do Trabalho. Decreto 5.452 de 1º de maio de 1943
C
36
Ângela de Castro Gomes,Cidadania e direito do trabalho,2002, p. 23
37
Decreto 1.538 de 27 de junho de 1995, art. 1º.
38
FHC tenta a “flexibilização” desde o 1º mandato.Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 de nov. 2001.
Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2911200114.htm.
32
Cardoso também foi responsável pelo corte nos gastos sociais, como educação,
saneamento básico, cultura, assistência e previdência social, incidindo diretamente na vida
dos trabalhadores que careciam destes serviços.39
Seu sucessor, Luiz Inácio LuladaSilva,emseusdoismandatosdegovernoinstituiu
políticas para geração de emprego e renda dos trabalhadores. Lula encontrou o país com
12,2% de desemprego e ao final, deixou com 5,7%40. Em seu governo houve também a
políticadevalorizaçãodosalário-mínimoeaimplantaçãoeexpansãodeprogramassociais.41
Logo no início do mandato, no ano de 2003 lançou o Plano Nacional para Erradicaçãodo
Trabalho Escravo, em que enuncia:
onscientedequeaeliminaçãodotrabalhoescravoconstituicondiçãobásicapara
C
oEstadoDemocráticodeDireito,onovoGovernoelegecomoumadasprincipais
prioridades aerradicaçãodetodasasformascontemporâneasdeescravidão.Eo
enfrentamento desse desafio exige vontade política, articulação, planejamentode
ações e definição de metas objetivas.42
OplanoatualizaasmedidasanteriormenteempreendidasedestacaaatuaçãodoGrupo
Especial de Fiscalização Móvel. Assim, o governo federal toma medidas imediatas para o
enfrentamentodoproblema.Destaca-sequeesteplanonãomaisserefereatrabalhoforçado,
como no governo antecessor, mas adota o termo trabalho escravo e não adota o termo
repressãoe simerradicação.
RicardoRezendediscuteasvariaçõesnotocanteaoenfrentamentodotrabalhoescravo
pelosgovernosdeFernandoHenriqueCardoso(FHC)edeLuizInácioLuladaSilva(Lula).
AssinalandoqueemboratenhasidonagestãodeFHCacriaçãodosGEFM,jáhavianaépoca
uma pressão para alteração do artigo 149 do código penal, o que não foi atendido. Além
disso, FHC criou o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, portanto fazendo
usodeumtermomaisgenérico.Apartirde2003,nogovernoLulaissofoialterado.Alémde
promover a alteração do artigo 149 do código penal, foi apresentado em março de 2003 o
39
No social, FHC gasta menos que Itamar. Folha de S. Paulo, Folha de S. Paulo, 26 de set. de 1998.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj26099811.htm.
40
EraLulachegaaofimcomempregorecordeeriscoinflacionário,BBCNewsBrasil,27dedez.De
2010.Disponívelem:<h ttps://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/12/101227_eralula_economia>
Acessoem26/08/2019;Opaísdoplenoemprego,IstoéDinheiro,05dejan.de2011.Disponívelem:
<h ttps://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20110105/pais-pleno-emprego/3872.shtml>
41
Com Lula, assistência social iguala educação em gastosfederais, diz IPEA, UOL, 04 de set. 2012.
Disponível em:
<h ttps://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/09/04/com-lula-assistencia-social-iguala-edu
cacao-em-gastos-federais-diz-ipea.htm> Acesso em 26/08/2019;Lula ganha prêmio internacional por
combate a fome, BBC News Brasil, 21 de jun. de 2011
<h ttps://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/06/110621_lula_premio_eua_ac>
42
Plano Nacional para combate ao trabalho escravo. Disponível no site da ONG Repórter Brasil
<h
ttps://reporterbrasil.org.br/documentos/plano_nacional.pdf>.
33
ProgramaNacionaldeCombateaoTrabalhoEscravo.Emsuapublicaçãosobreaescravidão
por dívida no Brasil43 este antropólogo relata sua experiência como membro da Comissão
Pastoral da TerranasáreasurbanaseruraisdosestadosdePiauí,MatoGrossoePará,entre
julho de 2000 e agosto de 2002. Neste aspecto o autor conclui:
ssim,porforçadaconstruçãosocial,manifestanaspressõesdegruposespecíficos
A
enoseuusocadavez maisfrequentepeloconjuntodasorganizaçõesoficiaisenão
oficiais, a modalidade de trabalho forçado sobre o qual escrevo tem sido
reconhecidacomonãoapenasparecidacomaescrava,masdefatoescrava.Osque
empregam a categoria consideram que suautilizaçãonãoobscureceouconfunde
seu significado, mas o torna visível44.
Rezende faz um percurso de discutir os vários conceitos de escravidão em vários
momentos da História por vários autores,alémdediscutircomoesteconceitoéapreendido
pelo próprios trabalhadores, que muitas vezes não tem consciência do tipo de exploração
sofrida.Sãoemgeral,trabalhadoresquevivenciaramformasdetrabalhoprecarizado,sejadas
suas próprias experiências pessoais, seja de familiares e pessoas de seu convívio social, o
autor explica:
trabalhoinvoluntário,frutodacoerção,sobpretextodadívida,emfazendasda
O
Amazônia,temsidoidentificadopordefensoresdedireitoshumanos,sindicalistas,
jornalistas e mesmo porfuncionáriosdoestadocomo“escravo”.Amesmaforma
de trabalho é reconhecida por alguns recrutados paraasfazendasdosudestedo
Pará ou por seus parentes, como “trabalhador humilhado” ou “cativo” (que se
contrapõe ao livre) e, mais esporadicamente, como “escravo”. A utilização da
categoriaescravoporpartedas“vitimas”emgeralapareceapósaaçãodoGEFM
ounocontextodasentrevistasquandoelaspercebemqueoentrevistadorautiliza.
Mesmo nesses casos é possível que elas incluam a expressão humilhados.45
Com isso é possível visualizar a importância dessas fiscalizações na vida desses
trabalhadores. E não raro há relatos de trabalhadores resgatados de uma localidade, que
futuramentesãoencontradoseresgatadosemoutra,comaperspectivadequeasfiscalizações
podem acontecer e assim eles serem ressarcidos financeiramente pelos serviços prestados.
Emquepeseacriaçãoeampliaçãodasmedidasdeenfrentamentoaotrabalhoescravo
contemporâneonoBrasil,elasaindasãomuitoinsuficienteseaquémdonecessário.Enfrentar
porvezesaviolênciapromovidapeloslatifundiárioséumdosdesafiosqueestesauditoresse
deparam em seus ofícios. As fiscalizações colocam em xeque toda a estrutura de poder e
desafiamosempregadoresescravocrataseportanto,geramconflitosedesafetostambémpara
com estes trabalhadores fiscais.
43
icardo Rezende,Pisando fora da própria sombra:A escravidão por dívida no Brasil, 2004.
R
44
Ibidem, p. 48
45
Ibidem, p. 34
34
As fontes analisadas nesta pesquisa acadêmica informam o número reduzido de
auditores fiscais do trabalho, um Ofício remetido pela SFTSST - Seção deFiscalizaçãodo
Trabalho, Saúde e Segurança do Trabalhador da Subdelegacia Regional do Trabalho em
Sorocaba, pormeiodeumProcedimentoInvestigatóriodatadode1998,informaquedevido
ao volume de diligências pendentes nesta Subdelegacia e devido ao reduzido número de
Auditores Fiscais, a fiscalização requerida na empresa Hercules do Brasil e outros, será
priorizadanomêsdeagostop.f.,etãologotenhamosoresultadodafiscalização,orelatório
será encaminhado a esse órgão46.
Este procedimento investigou mais de uma localidade e nesta empresa específicase
“postergou” a inquirição, em virtude da deficiência do número de auditores. Assim,
sobrecarregando os auditores ativos e tornando a política de fiscalização vulnerável, que
mesmodiantededenúncias,algumaslocalidadesnãorecebemfiscalizaçãoouasrecebemsob
atraso.
A política de fiscalização dos trabalhadores escravizados se depara também com a
violência no campo, que não atinge apenas os trabalhadores e seus familiares, podendo
atingir de maneira igualmente violenta também estes fiscais.
Nodia28dejaneirode2004,trêsauditoresfiscaisdotrabalho:NélsonJosédaSilva,
João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves e o motorista que os
acompanhava, Aílton Pereira de Oliveira, foram assassinados a tiros numa emboscada que
ficou conhecida como Chacina de Unaí.
OsirmãosAntérioeNorbertoMânicaforamacusadospeloMinistérioPúblicoFederal
de serem os mandantes do crime, ambos são produtores rurais da região. Norberto foi
condenadoa100anosdeprisãoem2015.Osintermediários-segundoaacusação-eramos
empresários do agronegócio, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Os dois
confessaram o crime e foram condenados a 100 anos de prisão. Os executores foram
condenadosem2013.Elesjáestavampresospreventivamente:RogérioAlanpegou94anos;
Erinaldo Silva, 76 e William Gomes, 56.
Inicialmente,oprocessotinhanoveacusados,masFranciscoElderPinheiro,apontado
como responsável por ter contratado os matadores, morreu. Humberto Ribeiro dos Santos,
segundo a defesa, teve o crimeprescritoenãofoiajúri.Nadatade27demaiode2022,o
ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica foi condenado a 64 anos de prisão.47
46
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento 1427.1998.15.000-4, p 103, grifos nossos
A
47
Chacina de Unaí: ex-prefeito Antério Mânica é condenadoa 64 anos de prisão.G1 Globo, 27 de
ai de 2022.Disponível em:
m
35
Estecrimepassou18anossemumdesfechofinal48 commuitasidasevindasjudiciais,
marcadas por morosidade nos processos e sucessivos recursos eatéaescritadestetrabalho
todos os mandantes seguiram soltos e responderam em liberdade49.
A violência, o medo e o desamparo, portanto, é lugar comum aos viventes e
trabalhadoresnocampoeoscriminososescravocratasseutilizamdetodasortedeagressões
físicas e morais, na tentativa de submetê-los, silenciá-los, com afinalidadedeperpetuarem
seus privilégios.
Noentanto,oBrasilmuitoemboratenhaempreendidoaçõesnocombateatalprática,
as ações aindasãoinsuficientes,desproporcionaisenãoatendeatodaademandasocialpor
justiça e reparação.
Oslegisladoresaomudaremoartigo149doCódigoPenalem2003incluíramnotexto
da lei, além dos empregadores, também estes outros envolvidos. Neste aspecto define:
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de
transporteporpartedotrabalhador,comofimderetê-lonolocaldetrabalho; II–
mantémvigilânciaostensivanolocaldetrabalhoouseapoderadedocumentosou
objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.50
Portanto, muito embora pouco aplicado, ressaltamos a importância da alteração do
artigo 149, porque além de alargar o conceito deste delito, incluiu os outrosenvolvidosde
maneira equivalente e com responsabilidadesolidária,poissemapermanênciadessaredee
dessa estrutura de captação e sujeição dos trabalhadores, não seria possível a permanência
dessa prática.
As libertações perpetradaspelasfiscalizaçõesdoEstado,visamalémdelibertá-los,a
restituiçãofinanceirapormeiodoscálculosrescisórios,oquepermiteumasoluçãoimediata
importanteelhespermitequevoltemàssuascasascomumpoucodedignidadeeumpouco
maisdesegurançasocialealimentarporumperíododetempo.Alémdisso,desde2002,foi
ttps://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/05/27/chacina-de-unai-ex-prefeito-anterio-manica-
h
e-condenado-a-64-anos-de-prisao.ghtml
48
Após 18 anos, acusado de ordenar Chacina de Unaíé julgado pela 2ª vez. Agência Brasil EBC, 24
de mai de 2022. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/audio/2022-05/apos-18-anos-acusado
-de-ordenar-chacina-de-unai-e-julgado-pela-2a-vez>
49
Chacina de Unaí: 17 anos depois, executores e mandantesestão soltos. Rede Brasil Atual, 28 de
jan. de 2021. Disponível em:
https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/01/chacina-de-unai-17-anos-depois-executores-e-
mandantes-estao-soltos/;Chacina de Unaí: como transformar400 anos de pena em 18 de
impunidade, Estado de Minas Gerais, 29 de maio de2022. Disponível em:
<https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2022/05/29/interna_gerais,1369710/chacina-de-unai-como
-transformar-400-anos-de-pena-em-18-de-impunidade.shtml>.
50
Código Penal de 1940, decreto lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940
36
instituído o seguro desemprego aos trabalhadores resgatados, com a percepção de três
parcelas no valor do salário mínimo vigente. Esta lei determina:
Em que pese a necessidade dessa restituição pecuniária e da assistência social
imediata,estasaçõesaindasãoinsuficientesnomédioelongoprazo.Faz-senecessárioqueo
Estado empreenda ações estruturantes de assistênciasocial,empregoerendaparaqueestes
trabalhadores não precisem retornar ao trabalho indigno por desconhecimento, falta de
oportunidades, miséria e desespero.
A penalidade a que estes empregadores recebem é a inclusão do nome da Pessoa
FísicaouJurídicana“listasuja”dotrabalhoescravodesde200352 nomandatodopresidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Seus nomes ficam incluídos por dois anos. Com a inclusão do
cadastronestalista,asempresaseinstituiçõescomprometidascomaerradicaçãodotrabalho
escravo, ficam impedidas defazeremnegócioscomtaisempresas,alémdoimpedimentode
contratar com empresas e bancos públicos, tais como Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal, BNDES e afins. Isso afeta diretamente a economia da empresa, um instrumento
importante que pode caminhar paralelo a outras medidas.
Além disso, a lista suja, divulgada e publicizada pelo Ministério do Trabalho trás
transparênciaasociedadeciviledemaisempresasinteressadasecompromissadascomofim
da escravidão contemporânea.
Atítulodeexemplo,relatamosoutrosmecanismosimportantesforadaesferaFederal,
quevisaempreendermedidaseconômicasparaatingirasempresasautuadasemtalprática.O
EstadodeSãoPaulo,estabeleceunoanode2013acassaçãodocadastrodeICMS(Imposto
sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e IntermunicipaledeComunicação),paraempresasquefaçamuso
direto ou indireto de trabalhoescravoouemcondiçõesanálogas53.Esteinstrumentoatinge
diretamente as finanças das respectivas empresas, atingindo não só o estabelecimento que
fabrica, mas também a cadeia produtiva, o estabelecimento que comercializa, pois estabelece
51
Lei 10.608, de 20 de dezembro de 2020, art. 1º inciso I
52
riada pela Portaria nº 1.234, DE 17 de Novembrode 2003 e melhor definida pela Portaria nº 540
C
de 15/10/2014/MTE
53
Lei nº 14.946, de 28 de Janeiro de 2013
37
rtigo1º-Alémdaspenasprevistasnalegislaçãoprópria,serácassadaaeficácia
A
da inscrição no cadastro de contribuintesdoimpostosobreoperaçõesrelativasà
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual intermunicipal e de comunicação(ICMS)dosestabelecimentosque
comercializaremprodutosemcujafabricaçãotenhahavido,emqualquerdesuas
etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a
condição análoga à de escravo.54
Assim, mesmo com um arcabouço jurídico criado por meio da pressão social da
sociedade civil, OIT, sindicato e ONGs e mesmo com a criação de uma estrutura de
fiscalização federal, osempregadoresemsuamaioria,nãosãopunidosproporcionalmentee
não são atingidos financeiramente, se tornando uma prática lucrativa, revelando que tais
medidas servem mais para uma resposta a essas pressões, do que a solução efetiva do
problema.
ConformeveremosnocapítuloaseguircomacriaçãoeatuaçãodoGrupoEspecialde
Fiscalização Móvel e o caso da Fazenda Brasil Verde. Um caso exemplar na negligência
penalefiscalizatóriadasdenúnciasdetrabalhoescravonoBrasilcontemporâneo,masantes
trataremos de uma questão muitopertinenteaotrabalhoescravonotempopresente,queéa
cor dos escravizados conforme trataremos a seguir.
54
Lei nº 19.946, art. 1º, grifos nossos
38
1.1 - A cor da escravidão contemporânea
Entendemos que o trabalho do historiador pode contribuir para uma sociedade mais
justa e democrática, onde todos tenham espaço, também na historiografia. Portanto, as
questõesdegênero,raçaesexualidadetambémfazempartedosmundosdotrabalhoeassim
nãopodemosnosfurtaraodebate-sobretudoquandoeleseapresenta-nocompromissode
contribuir para uma sociedade mais justa e democrática, onde todos tenham vez e voz,
também na historiografia55.
Neste sentido, Emília Viotti da Costa no artigo “Estruturas versus experiência” nos
apresentaumdebatedosanosde1980acercadaNovaHistoriografiaeosestudosdotrabalho
na América Latina, momento de crescimento dos estudos sobre a classetrabalhadora.Essa
novatendênciadeixavadeladoasanálisesestruturalistastradicionais,parasevoltarempara
as experiências desses trabalhadores, dando ênfase ao protagonismo de suas lutas.
Essas novas abordagens abriu mão dos dadospuramenteeconômicos,dasestruturas
de sindicatos, greves, da história das lideranças e passaram a privilegiar estudos que
priorizassem as experiências destes trabalhadores, fazendo uso massivo das fontes orais, o
que permitiu mergulhar nas várias camadas de subjetividade e complexidade destes
trabalhadores.Comisso,foipossíveldescortinarasestratégiasderesistênciaesobrevivência
desses trabalhadores, não como meros sujeitos passivos e vítimas dasmazelassociais,mas
como agentes autônomos de seus próprios destinos.
Para Viottieparaanovahistoriografianascente,estruturaeexperiêncianãoexistem
emseparado,poisnãoépossívelentenderclasse,sementenderocapitalismointernacional,o
papel das elites, com suas estruturas de poder.
Neste sentido,comanovaperspectivadeabordagemdosestudosdeHistóriaSocial,
abriu-se espaço para estudos de gênero, raça e sexualidade, agentes sociais até então
invisibilizados.OtrabalhodeViottiéimportanteporcolocarempráticaoscaminhosdanova
história e assim, unindo macro e micro-história narrar as formas de resistência e luta por
emancipação destes trabalhadores.
Assim, reconhecendo o papel do historiador e a necessidade de enfrentarmos a
narrativa da história única e branca é nos esforçarmos por entender e incorporarmos em
nossas pesquisas abordagens teórico-metodológicas de temáticassobrenegros,escravidãoe
55
Como apontamos, asrelaçõesdegênerotambémseapresentamnestapesquisa,peloperfildos
ossos trabalhadores serem de maioria masculina. Contudo, pelos limites dessa pesquisa, não
n
aprofundaremos essa questão.
39
racismo, quando elas se apresentam. Desta maneira, a questão racial na temáticaacercada
escravidão contemporânea se faz presente de maneira significativa,nãosendoumaquestão
secundária.Éestruturaleapontaparaofatodequeasquestõesraciaisestãointrinsecamente
relacionadas a desigualdade social no Brasil, porque o Estado brasileiro nãopagouaconta
com seu passado escravocrata e continuou permitindocondiçõesdegradanteseinsalubresa
seus trabalhadores negros e negras, por isso, temos o dever social de abordar o tema.
Desta maneira, na obra A Abolição56 publicado em 1982porEmíliaViottidaCosta,
nossa importante historiadora, que além de discutir historiografia, aborda também estudos
sobre escravidao colonial, incluindo sua existência, impacto, contradições, debates e seus
desdobramentos. Nessa obra, essa autora faz uma síntese das diversas fasesdaaboliçãoda
escravidão, pontuando que ela era legitimada, aceitaefomentadapelasclassesdominantes,
com algumas exceções que questionavam a escravidão e debatiam o tema.
Viotti ressalta que a escravidão era preponderantemente questionada pelos próprios
escravizados,queprotagonizavamrevoltasefugasesuaaboliçãonãofoifrutodacessãoou
dádivadaPrincesaIsabeledaclassedominanteesimfoifrutodeacaloradosdebateselutas
encabeçadas por milhares de heróis anônimos da nossa história.57
Os debates sobre escravidão sofreram ecos das teorias liberais do século XVIII, em
que a burguesia europeia questionava a ordem de privilégios da nobreza, proclamando a
soberania dos povos, exigindo alterações na ordem política vigente, em que a vontade de
Deusdavalugaravontadedoshomens,portantoaescravidãonãoeramaisumfatonaturale
inconteste dos desígnios celestes e então permanecia porque os homens assim a queriam.58
Aaboliçãoportanto,passoupelosdebatesacercadacontinuidadeounãodessaprática,
debatidapelaCoroaPortuguesa,pelanobreza,pelaburguesiaeporindivíduosquetraziame
fomentavam os debates liberais então em voga na Europa.
Segundo Viotti, o total da população brasileira no período da Independência era de
poucomaisde3,5milhõesdehabitantesedestes,cercade1,5milhãoeramescravos,coma
ressalva dos dados imprecisos e precários. Os escravos se concentravam nas zonas
açucareirasdoNordeste(54%) enasantigasáreasdemineração(20%).NoRiodeJaneiro,
capitaldopaísàépocatambémhaviagrandecontingentedeescravoseessastrêsáreasjuntas
contabilizavam cerca de 85% de escravizados.
56
mília Viotti da Costa,A Abolição, 2010.
E
57
Ibidem, Cf.p. 129-130
58
Ibidem, Cf.p. 14
40
Segundo Viotti e por meio dos relatos dos viajantes, sabemos que até os mais
humildes dos homens, quando dispunham da quantia necessária, compravam escravos e
passavamaviverdamãodeobradeleseesteeraumidealdegrandepartedapopulaçãolivre
no Brasil, que segundo a autora não é de se estranhar que mesmo em meio às pressões
Inglesas para que o Brasil cessasse o tráfico de gente, ele seguia a pleno vapor.59
O 13 de maio de 1988 foi precedido de calorosos debates contrários e favoráveis a
aboliçãoetrouxeconsigoalémdaeuforiadapopulaçãoqueseembrenhounessaluta,trouxe
tambémainsatisfaçãodosfazendeiroscommenosrecursosfinanceiros,quenãopuderamou
tiveram poucos recursos para custearem a transição da mão de obra escrava para a
assalariada. Além disso, a maioria dos abolicionistas pertencentes a elite agrária, como
Joaquim Nabuco -umdosprincipaisexpoentesemfavordaabolição-secontentarammais
com a assinatura da lei áurea do que com a sorte dos recém-libertos60.
Um relato trazido por Emília Viotti na obra em pauta nos revela a mentalidade dos
fazendeiros à época no período imediatamente pós abolição, que não difere em nada dos
escravocratas do tempo presente. Resguardadas as devidas proporções e sem aintençãode
incorrer em anacronismos, o relato nos é revelador.
Orelatopartedeumacartaescritaporumilustrefazendeiropaulistadirecionadoaum
amigoabolicionista,CesarZama.Elerelataquedesdeoprimeirodiadaproibiçãodotrabalho
cativonãopossuíanenhumescravotrabalhandoemsuasfazendas.Elediziaqueestabeleceu
comostrabalhadoresrecémlibertosumcontratosimilaraodoscolonosestrangeiros.Coma
mãodeobraabundante,ostrabalhadorespermaneciamnaterratrabalhandoparaofazendeiro
e este descobriu que não precisava mais vestir, nem alimentar seus empregados e poderia
inclusivelhesvendersuprimentosbásicos.Concluiaindaqueosmesmos“viviamnasantigas
senzalas onde a única mudança era a ausẽncia de um cadeado.”61
Aabundânciademãodeobradosrecémlibertos,detrabalhadoresquejáeramlivrese
de colonos estrangeiros permitia que o patronato pagasse salários baixos e inventassem
formas novas de exploração.
Com isso, depois da abolição não houve qualquer tentativa de inserção dos
ex-escravoscomocidadãospassíveisdedireitosedecondiçõesdignasdevidaedetrabalho
decente e os que não puderam sair das fazendas, permaneciam nelas, ganhando o direito
59
Ibidem, Cf.p. 23 e 23
60
Ibidem, Cf.p. 134
61
Ibidem,p. 135
41
apenasdemigrardeumafazendaaoutra,semcontudo,desembocarnecessariamenteemuma
melhora de condição social ou das relações de trabalho.
Assim, muito embora haja lacunanaspesquisasacadêmicassobreaassociaçãoentre
escravidãocontemporâneoeraçaalgunsdadosnosinformamolugarsignificativodaetniana
captação da mão de obra precarizada.
Essalacunaestápresentetambémnasfontesdocumentais.Háumsilenciamentodeste
elementonosdocumentospesquisados.Nasfontescompulsadasnãoháessainformação,com
rarasexceções,ondeestãoas“FichasdeRegistrodeEmpregado”anexasaosprocedimentos
doMPT-15.Noentanto,nosprocessosemqueestasfichasestãopresentes,hápouquíssimos
registros da informação referente a “cor de pele”, logo, não é possível compor essa
informação no conjunto dos documentos pesquisados.
Nãoobstante,asestatísticasnosmostramqueoperfildostrabalhadoressobcondições
análogas à escravizadão ainda no século XXI são de maioria negra. Segundo dados do
Laboratório de Análises Econômicas,Históricas,SociaiseEstatísticasdasRelaçõesRaciais
(Laeser), vinculado ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(IE/UFRJ), conectando os dados do trabalho escravocomabasededadosdoCadÚnicodo
Governo Federal, onde conclui que no ano de 2009, dos 38.572 beneficiados pelo Bolsa
Famíliaeramlibertosdotrabalhoescravo.Desses,91,3%eramnordestinos,61%doSudeste
e 2,7% oriundosdasdemaisregiões(Norte,SuleCentro-Oeste).Quantoacor,73,5%eram
negros e pardos.62
Assim,temosquecomoantesdaaboliçãodaescravidão,operfilracialdamaioriados
escravizados de outrora, também oénoTempoPresente.Comisso,nãoestamosafirmando
queháumalinhacontínuaentreumperíodoeoutro,masdenunciaqueemboraapopulação
cresceu e se reconfigurou criando novas relações laborais e de existência, ainda guarda
significativaherançacomopassadodaescravidãocolonialeaindaestáfortementeatuanteno
tempo presente.
Desta maneira, em outro trabalho publicado em 2011, com pesquisa realizada pela
OIT por meio de trabalho de campo de integrantes da Móvel do GEFM do MTE, com
colaboração doGPTEC/UFRJ,atravésdeentrevistasatrabalhadores,gatoseempregadores,
também nos revelam o fator racial de forma significativa no perfil dos trabalhadores
62
Leonardo Sakamoto, Escravidão Contemporânea, 2010, p. 181-182; Ver também: PAIXÂO,
arcelo; ROSSETO, Irene; CARVALHO,LuizM;MONTOVANELE,Fabiana(orgs.).RelatórioAnual
M
das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010: Constituição Cidadã, seguridade social e seus
efeitos sobre as assimetrias de cor ou raça. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em:
https://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2011/09/desigualdades_raciais_2009-2010.pdf, p.
151
42
escravizados. O estudo não pretendeu formar uma base estatística e sim qualitativa,
entrevistando121trabalhadorese7gatos,em10fazendas,nosestadoscommaiorincidência
de trabalho escravo, Pará, Mato Grosso, Bahia, Tocantins,MaranhãoeincluindoGoiáspor
apresentar um importante crescimento no ano de 2007. Maranhão e Tocantins ficaram de
fora, com a justificativa de não haver disponibilidade de pesquisadores no período
abrangido63.Apesquisaseguiuumroteirocomperguntasabertasefechadas,comointuitode
captarnãoapenasdadossobreraça,massobreaspráticas,concepções,valoreseexpectativas
dosdiversosatores,queemboracompapéisdiferentesseimbricamnasrelaçõesdetrabalho.
A pesquisa pontuou que 81% dos trabalhadores entrevistados eram compostos por não
brancos e destes 18,2% se autodenominavam pretos, 62% pardos e 0,8% indígena.64
Assim, mesmo quandonãohádadosapenasestatísticos,ainformaçãosobreacorde
negrosepardossesobrepõeaosbrancosnasrelaçõesdetrabalhosobcondiçõesanálogaade
escravo em contraposição a cor de pele dos empregadores, que eram brancos.65 Revelando
assim, a distinção de cor nas relações sociais do trabalho.
Umoutrolevantamento,mascomdadosestatísticoscolhidosentreosanosde2016e
2018 sintetizados pela ONG Repórter Brasil, com informações obtidos da Secretaria de
InspeçãodoTrabalhopormeiodaLeideAcessoàInformação,dãocontaquedosdadosdo
SeguroDesempregodostrabalhadoresquereceberamestebenefícioapósoresgate,amaioria
eram pretos e pardos. Desse modo, entre os trabalhadores resgatados sob trabalho em
situaçãoanálogaàescravidão,2.043erampretosepardos(82%),91%eramhomens,jovens
de15a29anosrepresentavam40%dototale46%representavamosnascidosnosestadosdo
nordeste. Os dados coletados também revelaram que 56% não concluíram o ensino
fundamentaledatotalidadedouniversopesquisado14%eramanalfabetos.Portanto,operfil
dos trabalhadores escravizados ainda no século XXI é de maioria negra, jovens, homens,
nordestinos, com pouca ou sem escolaridade.66 Os dados foram sintetizados pela ONG no
quadro abaixo:
63
Ibidem,p. 21
64
Ibidem,p. 57
65
Ibidem,quadro resumo, p. 167
66
Negros são 82% dos resgatados do trabalho escravono Brasil.Repórter Brasil, São Paulo, 20 de
nov. de 2019. Disponível em:
<https://reporterbrasil.org.br/2019/11/negros-sao-82-dos-resgatados-do-trabalho-escravo-no-brasil/>
43
Estes dados, apesar de extrapolarem o marcotemporaldestapesquisarevelamquea
escravidão contemporânea tem cor e dialoga com as desigualdades socioeconomicas que
atinge a população negra deste pais.
A ONG Repórter Brasil foi fundada em 2011 e se apresenta com a missão de
identificar e tornar públicas situações que ferem direitos trabalhistas e causam danos
socioambientais no Brasil na construção de uma sociedade de respeito aos direitos
humanos.67
Portanto,estecenárioqueaindarevelaumBrasilarcaico,exploradoreescravistaque
teima em existir, está plenamente operante, mesmo com as medidas adotadas pelo Estado
brasileiro e por pressões advindas deONG’s,sociedadecivilepelosprópriostrabalhadores
que denunciam e buscam por justiça.
Este retrato está presente na obra ficcional de Itamar Vieira Junior, intitulada Torto
Arado68.Famíliasquenãoconheceramoutrarealidadesenãoadeexploraçãodoseuúnicoe
mais valioso bem - a força de trabalho - são submetidas aos mais variados desmandos e
67
AONGtemcomopresidẽnciaojornalistaLeonardoSakamoto,premiadojornalistabrasileiro,que
r etratouecobriuconflitosemeventosesituaçõesqueversamsobreosproblemassociaisdoBrasile
domundoequeferemosDireitosHumanos.ServiucomotestemunhatambémnocasodaFazenda
BrasilVerde,expostoerelatadonestetrabalho.AsinformaçõessobreaONGseencontramemseu
sítio eletrônico <https://reporterbrasil.org.br>.
68
ItamarVieiraJunior.TortoArado,2019. EssaobrarecebeuoprêmioLeyaemPortugal(2019),que
permitiu sua primeira publicação em Portugal, o Prêmio Jabuti de Romance Literário (2020) e o
Prêmio Oceanos (2020).
44
violências dos que possuem a titularidade da terra. Além disso, estes trabalhadores
despossuídos da terra, sofrem toda sorte de privações e negação de direitos.
Ele narraatrajetóriadeumafamíliadetrabalhadoresrurais,negros,descendentesde
escravizados que tem na terra sua morada, sustento, refúgio,afetosedesafetos.Oromance
Torto Arado nos apresenta um Brasil profundo, de trabalhadores rurais, de comunidades
Quilombolas da Chapada Diamantina.
A terra retratada por Vieira Junior tem uma relação muito íntima com estes
trabalhadores,nãoésógarantiadeobtençãodealimentos,masquasesemisturandoaela.Por
meio da trajetória da família dedonaSalustianaeZecaChapéuGrande,filhodeDonana,a
relaçãoeointeressepelaterraficamuitoevidente,comonareferênciaàBetonísia,umadas
protagonistasenarradoradatrama.“Aterraeraseutesouro,partedoseucorpo,algomuito
íntimo.”69 AterraemTortoAradocumpreumafunçãosocialdeproversustento,deutilização
racional e adequada dos recursos naturais e preservaçãodomeioambiente,bemcomoreza
nossa Constituição Federal de 1988.70
As famílias quilombolas retratadas no romance recebem morada nas terras de
fazendeiros herdeiros de sesmarias. O proprietário da terra não era um fazendeiro simples,
como uma quantidade de terras limitadas e produtivas. Tratava-se de um latifundiário que
vivia da mão de obra explorada desses trabalhadores, e que não morava próximo às
residências dos agricultores que labutavam e cuidavam da terra.
Os trabalhadores de Torto AradoresidentesnafazendaÁguaNegratinhamdireitoa
construíremsuasfrágeiseprecáriascasasdebarro,sendoproibidaasconstruçõesportijolos,
podendofazerseusroçadosnoentornodessasmoradias.Oquerecebiamemtrocaeramhoras
exaustivas de trabalho nas lavouras dos fazendeiros, ausência de pagamento de salários, a
cessãodepartedeseusroçadosparaseuspatrões,ocompletodesamparoeomedo.Medode
serem despejados, das estiagens, da violência, dos castigos, de não terem outro lugar de
morada, o medo os perseguia, mas não era um medo solitário e individual. As relações
comunitárias permitiam que as agruras da vida fossem amenizadas pelos laços de
solidariedade e afinidades compartilhadas.
O romance Torto Arado é fruto datesedeDoutoradodeItamarVieiraJunior,sobo
título “Trabalhar é tá na luta: vida, morada e movimento entre o povo da luna,situadaem
Lençóis,ChapadaDiamantina,nosertãodaBahia”71 naáreadeEstudosÉtnicoseAfricanos
69
Ibidem, p. 246
70
Constituição Federal de 1988, artigo. 18.
71
ItamarVieira Junior,Trabalhar é tá na luta": vida,morada e movimento entre o povo da Iuna,
Chapada Diamantina, 2017.
45
pelaUniversidadeFederaldaBahianoanode2017.Suaexperiênciadeconvivênciaeescuta
pormeiodeentrevistasoraiscomopovodaIuna,permitiuadentrarnasdiversascamadasque
cercam essa população. Para Vieira Junior:
hegaraolugaresentarcomaspessoasparaouvirsuasaspiraçõesfoioprimeiro
C
passo para tentar narrar suas histórias e compreender sua organização, seu
trabalho, suas vidas e a luta pela terra. A terra pela qualopovodaIunalutae
resisteéomundoondehabitaumateiadetramasondesedesenvolvesuasvidase
os eventos a elas relacionados. São vivências nascidas de suas relações com a
terra, com vínculos que remontam a um passado que mesmoparecendodistante,
torna-se necessário e presente.72
O trabalho de Vieira Junior percorre o processo de regularização do territóriodesta
comunidade quilombola. Ele desenvolveu este trabalho enquanto servidor público do
INCRA, estando in loco, onde esta população vive, trabalha e reside, entrevistando-as e
participando de seu cotidiano, enquanto servidor e pesquisador.
Osmoradoresdesteterritórioaolongodosanos,reivindicaramodomíniojurídicodas
terras onde os próprios nasceram, viveram, trabalharam e existiram, sem que tenham sua
propriedade legal documentada em cartório.
processo da comunidade de Iuna foi aberto em 2010 e apresentava, em sua
O
solicitação, uma comunidade formada por trabalhadores rurais que começaram a
chegar à área após a seca de 1932. Era a solicitação de mais uma comunidade
quilombola com ascendência negra e experiências vinculadas a um passado
escravista.73
Segundo Vieira Junior, os primeiros que habitaram Iuna foram trabalhadores quejá
tiveramfilhos,netos,bisnetosetataranetosequecontinuamcrescendoeresidindonomesmo
lugar continuamente, mantendo as mesmas relações de vida e de trabalho de geração em
geração.
Oquecontribuiusignificativamenteparaodesenvolvimentodaregiãofoiaatividade
garimpeiraemmeadosdoséculoXIX,atraindotrabalhadoreslivreseescravizadosdeoutras
regiões, incluindo estrangeiros.
mãodeobraquemigrouparaessetipodetrabalhotemumagrandeparticipação
A
de afrodescendentes, que saíram das atividades auríferas de Minas Gerais que se
encontravam em declínio, e das “plantations” do Recôncavo. A maior parte da
populaçãoescravizadadaChapadaeradenascidosnoBrasil,emborahouvesseem
menor número africanos trazidos através do tráfico de pessoas.7 4
72
Ibidem, p. 20
73
Ibidem,p. 29
74
Ibidem, p. 77
46
Adiante completa,
ão há dúvidas de que essa marcante presença de afrodescendentes na região é
N
antiga e documentada. Essa história de perseguição e resistência, aliada à
exploraçãododiamante,quenecessitavadeumagrandequantidadedemãodeobra,
contribuiu para que a Chapada Diamantina se tornasse, nos diasatuais,aregião
com maior concentração de comunidades quilombolas no estado da Bahia75
AimportânciadetrazerapesquisadeVieiraJuniornestetrabalhosedápararetratara
luta pela terra. As terras que de fato são trabalhadas, vividas e onde são criados laços de
sociabilidade,existênciaeresistênciadegeraçõesemgerações,nãopertencemaosmesmose
são objeto de constantes disputas para aquisição da posse e o respectivo registro legal.
Através dacomunidadequilomboladeIunaedosignificativotrabalhodepesquisae
escuta feita peloautorcomestestrabalhadores,éreveladooBrasilsertanejo,sobrefamílias
que convivem desde sempre com as desigualdades sociais, raciais e de gênero no campo,
carregam a necessidade da organização coletiva e a religiosidade ancestral nas práticas
cotidianas de existência, resistência e trabalho.
75
Ibidem, p. 79
47
CAPÍTULO 2 - NA ESTEIRA DA JUSTIÇA
Mesmo em meio às turbulências e transições que este órgão viveu ao longo de sua
existência,oGrupoEspecialdeFiscalizaçãoMóvel–GEFMcontinuouexistindo,commaior
ou menor atuação a depender dos jogos políticos.
Em 1995, o GEFM foi criado com o objetivo de se deslocar aos espaços a serem
fiscalizados com o intuito de resgatar trabalhadores submetidos a condições análogas à de
escravo.AinstituiçãodoGEFMveionobojodereivindicaçõesporpartedasociedadecivil,
de movimentossociaisedepressõesinternacionais,nomeadamenteaOITparaqueoBrasil
se comprometesse ao combate a tal prática.
Além de executar a paralisação das atividades – nas ações em que é constatado tal
prática - este grupoéoresponsávelpeloscálculosdasverbasrescisórias,pelaautuaçãodos
empregadores,pelacaracterizaçãodotipodetrabalhoaqueostrabalhadoressãosubmetidos
e pela produção de relatórios e autos de infração.
As denúncias são recebidas pela SIT – Secretaria de Inspeção do Trabalho,
SIT ou a chefia da fiscalização das unidades descentralizadas solicitará a
A
participação na equipe do Grupo Móvel ou da unidade descentralizada,
respectivamente, de representantesdaPolíciaFederal,PolíciaRodoviáriaFederal,
Polícia Militar, Polícia Civil ou outra autoridade policial, Ministério Público do
Trabalho e Ministério Público Federal, além de quaisquer outros órgãospúblicos
cuja atuação seja considerada necessária.76
A SIT é uma secretaria do poder executivo federal, que tem por chefia dessas
operações sempre um Auditor Fiscal do Trabalho, que poderá solicitar a participação de
representantesdeoutrosórgãos,assimcomodeautoridadespoliciais,dependendodotipode
denúncia e da expectativa do risco.
As atuações são sempre nas dependências dos empregadores denunciados com total
sigilo e sem aviso prévio. Nas autuações são feitas inquirições dos empregados por
amostragem, com a participação dos outros membros do grupo. Esta inquirição tenta
descobrir e/ou corroborar as condições de trabalho: jornada de trabalho, periodicidade de
pagamentodesalário,condiçõesdemoradia,qualidadedaáguaconsumida,setrabalhamsob
coação,seháarmasnolocal,seotrabalhadorpodesairlivremente,sehátransportepúblico
ou fornecido pelo empregador para livre locomoção. No campo, se há agrotóxicos, as
entrevistas tentavam descobrirsehouvetreinamentonomanuseiodestesprodutoseseestes
76
Manual de combate ao Trabalho em condições análogasàs de escravo. Brasília: MTE, 2011, p. 08
48
produtos eram armazenados em lugares próprios. Tenta-se descobrir também se há
empregados doentes e em quais condições77.
Além das possíveis situações acima que podem ajudar a caracterizar o trabalho
análogo à de escravo, essas atuações também tentam descobrir se há algum custo na
contratação, sejadetransporte,dealimentação,deadiantamentodesaláriooudecomprade
materiais de trabalho. Ainda, se há lugar próprio, específicoedeterminadoparacomprade
alimentosedemaisitensde necessidadesbásicas.Esteselementosajudamacompreenderse
o trabalhador está submetido a chamada escravidão por dívida.
A partir dessas investigações, que podem durar dias e se for constatada condições
análogas à de escravo, os auditores fiscais dotrabalhoabremumprocessoadministrativoe
expedem um auto de infração, junto desses autos de infração também são produzidos
relatórios constando todos os depoimentos colhidos, além de fotografias das condições
encontradas, vídeos - se for o caso – anotações, cálculos, cadernetas e demaisdocumentos
encontrados.
Essas investigações também pretendem indicar e nomearoempregador,assimcomo
identificar o chamado “gato” que são as pessoas que intermedeiam a captação dos
empregados,quegeralmentesedáemlugaresdistantesdeseuslocaisdeorigem,dificultando
a comunicação com familiares ou autoridades.
As ações de fiscalização78 por parte do Ministério do Trabalho são procedimentos
administrativos, no entanto, as informações e documentação produzidas e colhidas dão
elementosfactuaisparaaberturadeprocedimentosnaesferapenalouparaaçõesimpetradas
pelo MPT,quandoferedireitoscoletivosedifusos.Porissoésolicitadooacompanhamento
de outras autoridades,comooMinistérioPúblicoFederal,MinistérioPúblicodoTrabalhoe
autoridades policiais, para que tomem outras providências, se for o caso.
NaesferapenalesoboprimeiroanodegestãodogovernodeLula,ummarcomuito
importante na penalização dos infratores que submetem pessoas ao trabalho escravo foi a
alteração do código penal no ano de 2003, no artigo 149, em que trata da “Redução a
condição análoga à de escravo” no capítulo que trata “Dos crimes contra a Liberdade
Individual”.
Oartigo149trouxeaampliaçãodadefiniçãodotermo,alémdoaumentodapena.O
texto original em 1940 dizia:
77
As informações acerca das operações foram colhidas do;Manual de combate ao Trabalho em
condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011
78
As regras de Inspeção do Trabalho estão contidas na CLT, Decreto 5.452 de 1º de maio de 1943,
Consolidação das Leis do Trabalho, arts. 626 ao 630
49
Art.149-Reduziralguémacondiçãoanálogaàdeescravo; Pena-reclusão,de2
“
(dois) a 8 (oito) anos.79
Como se vê, o ano de 2003, trouxe uma significativa ampliação do termo, além do
aumento da pena proporcional a violência.IssofoiumrelevantereconhecimentodoEstado
brasileiro de que os trabalhadores submetidos a trabalhos degradantes não só lhes são
infringidos direitos trabalhistas, mas também pode haver o cerceamento da liberdade,
violências físicas, coação, tráfico de pessoas, dentre outros.
A pressão por implementação de políticas maisincisivasnacoaçãoaestedelitonão
surgiuem1995,tampoucoem2003.UmaAtadaComissãodeTrabalho,deAdministraçãoe
ServiçoPúblico,daCâmaradosDeputadosdodia25demaiodoanode199481 noselucida
alguns pontos importantes do imediato antecedente de início de nosso recorte temporal.
EstaataaprovouoRelatóriofinaldaSubcomissãodeTrabalhoEscravoeAcidentes
deTrabalhotendocomopresidentedestacomissãooDeputadoJoséCicote82.Orelatóriotraz
osdesdobramentosdedenúnciasemlocalidadesflagradasemtrabalhoescravoemcarvoarias
e Usinas de álcool em fazendas do Mato Grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Trás também os ecos dos debates do Seminário
sobretrabalhoescravoeacidentesdetrabalhorealizadosnosdias12e13demaiode1993
com participação de 10 parlamentares e mais participação de membros da OAB, CPT
Nacional, CONTAG, MTE, PGR e CUT Nacional. Este relatório concluiu a omissão do
79
ódigo Penal de 1940, decreto lei nº 2.848 de 7 dedezembro de 1940
C
80
CódigoPenalde1940,alteradoem11/12/2003pelaLeinº10.803no1ºmandatodopresidentede
Luiz Inácio Lula da Silva
81
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento117.1996.15.000-0
82
Foi um operário, sindicalista, na ocasião filiado ao Partido dos Trabalhadores,exercendovárias
funçõespúblicasemsuatrajetória,incluindoodeviceprefeitodeSantoAndréentreosanosde1988
a 1991, exercendo Mandato como Deputado Federal de 1991-1995, SP, PT.
50
Governo Federal em relação ao cumprimento das convenções internacionais da OIT e o
descaso do Poder Judiciário, do Ministério do Trabalho e da Polícia Federal em investigar
trabalho escravo.
Orelatóriorelataoparecerpormeiodaconclusãodaconvenção29daOIT- emque
asautoridadesbrasileirasomitiramarealidadedotrabalhoescravonoBrasil,afirmandoqueo
país reconhecia o problema e efetuava todos os esforços necessários para solucioná-lo.
OqueaComissãodaOITapresentoufoiumquadroradicalmentediferente,relatadoe
denunciado por sindicatos, ONG’s, igrejas e por meio de investigações jornalísticas.
DemonstrandoqueasestatísticasdaAssociaçãodeInspeçãodoTrabalhoapontouquehavia
cerca de 8.886 casos nacionais entre 1980 e 199183. Reforçando a OIT que este é um
problema de relevo no Brasil e que não devesernegligenciado,recomendandoesforçosde
nossas autoridades.
NobojodeaçõesnãoefetivaserealizadasnointuitodeaquietarosprotestosdaOIT,o
relatórionosapresentaaprimeiraaçãodoGovernoFederal,partindodoministrodoTrabalho
em 1992, João Mellão, que instituiu o Programa de erradicação do trabalhoforçadoedo
aliciamento de trabalhadores (PERFOR),quesegundoorelatóriofoifeitacomointuitode
aplacar as constantes denúncias da OIT contra o Brasil. O PERFOR tinha como objetivo
erradicar em todo território nacional:84
I -qualquertipodetrabalhoquepossaserconsideradotrabalhoforçado,comotal
entendido aquele em que o trabalhador seja constrangido a realizá-lo mediante
violência ou grave ameaça, ou em que seja reduzido à condição análoga à de
escravo;
II-oaliciamentodetrabalhador,comofimdelevá-lodeumaparaoutralocalidade
do território nacional.
Orelatórioressaltaaindaoproblemadaatribuiçãodecompetẽnciasparainvestigara
matéria, a caracterização do que seria trabalho escravo e quais os elementos que o
caracterizariam.
Dentro das conclusões da Comissão, é apontado as dificuldades de constatar ofato,
por falta de uma estratégia conjunta, pelas diferenças de caracterização do delito pelas
entidades governamentais e não governamentais, sendo necessário, portanto, uma maior
clarezanaconceituaçãodofatoepropõeaindaumprojetodeleiintroduzidanoCódigoPenal
Brasileiro, propostas e apresentadas pelaCONTAGeCPT,apreciadaspelaSubcomissãode
51
Trabalho Escravo e Acidentes de Trabalho da Comissão de Trabalho, Administração e
Serviço Público da Câmara dos Deputados.
Portanto, como vemos, já havia um debate acercadoproblemaedocomportamento
do governo brasileiro diante do mesmo e que a omissão não era uma escolha, respondia a
clamores de organismos internacionaisdaqualoBrasilerapartícipe.Estedocumentorelata
que tamanha era a preocupação do governo brasileiro em mostrar serviço aos organismos
internacionais,mesmoquandonãosefazianaprática,queoMinistériodoTrabalhoremeteu
a comissão 20 cartas de ONG’s e pessoas estrangeiras elogiando as ações deste órgão85.
Elogiosestes-quediantedorelatório-claramentenãoeramexpressãodaverdade,umavez
queoBrasilerareiteradamenterepreendidoporomissãoedescasoaotemaenãoempreendia
nenhumaaçãoefetiva.VideocasodaFazendaBrasilVerde,ondeseguiu-seanosafiodesde
a primeira denúncia, passandopordiversasfiscalizaçõeseórgãosdejustiçaatédesembocar
na condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2016.
AFazendaBrasilVerde,entrounobojodaspressõesinternacionaisaolongodosanos.
Este caso retrata uma série de entraves jurídicos, diante da situação de trabalhadores
flagrados sob condições análogas à de escravo nesta fazenda localizada no município de
Sapucaia,noSuldoPará.Adenúnciadatadedezembrode1988ejaneirode1989efoifeita
internacionalmenteperanteaComissãoInteramericanadeDireitosHumanosenacionalmente
inicialmente junto a Polícia Federal, partindo da Comissão Pastoral da Terra e da Diocese
Conceição do Araguaia. A denúncia foi motivada pela prática de Trabalho escravo e pelo
desaparecimento de dois jovens, Iron Canuto e Luis Ferreira da Cruz86
Segundoadenúncia,nomêsdeagostode1988,ostrabalhadoresforamrecrutadospor
um aliciador de mão de obra (gato) para trabalharem nesta fazenda por um período de 60
(sessentadias).Asdenúnciasrevelavamqueostrabalhadoresaochegaremcomsuasfamílias
na Fazenda Brasil Verde, encontraram instalações precárias, com barracos encharcados.Os
remédios eramvendidosnaprópriafazendaapreçosabusivos,assimcomotodoorestodos
itensdeconsumo.Aosaíremouterminaremotrabalhoestestrabalhadoresnãorecebiamnada
eaindarecebiamanotíciadequehaviamcontraídomuitasdívidasnaFazenda.Dívidasessas
que eram impossíveis de serem pagas, dada a pobreza destes agricultores, os forçando a
venderem inclusive seus parcos itens pessoais e assim, ficarem completamente à mínguae
sem recursos para custearem a volta aos seus locais de origem.
85
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento117.1996.15.000-0,p. 10
A
86
As informações aqui colhidas sobre este caso partem da Corte Interamericana de Direitos
Humanos: Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil,Sentençade20deoutubrode
2016, p. 32
52
ACPTlevouocasotambémaoConselhodeDefesadosDireitosdaPessoaHumana
(CDDPH)emBrasília.OqueculminoucomumafiscalizaçãopelaPolíciaFederalem20de
fevereirode1989,queconcluiuquenãohaviatrabalhoescravonolocal,encontrandoapenas
irregularidades trabalhistas, que os agricultores apenas se queixavam dos salários baixos e
das dívidas contraídas, mas que tinham liberdade. Sobre os trabalhadores desaparecidos,
concluiu-se que estes haviam fugido, como alguns o faziam.
Essas informações já levantavam muitos questionamentos, pois o endividamento, a
fugaeossaláriosmuitobaixossãoindicadoresdetrabalhoescravo,masestesagentesdaPF
talvez munidos de outra percepção do que seria este delito, não observaram tal fato ou
fizeram vista grossa.
Em18demarçode1992,aCPTinsistiueenviouumOfícioàProcuradoriaGeralda
República,apresentandoamesmadenúnciafeitaàPFeaoCDDPH,emqueaPGRabriuum
ProcessoAdministrativo,noquerecebeuparecerdaPFreiterandonãoterconstatadotrabalho
escravo.
Em agosto de 1993, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do estado do Pará
informou a PGR que havia feito visita a fazenda e que havia encontrado apenas
irregularidades trabalhistas tais como, trabalhadores sem registro na Carteira de Trabalho
(CTPS), além de contratação irregular, com trabalhadores desejosos por retornarem a seus
locais de origem, o que foi determinado pela DRT.
Noanode1994,oSubprocuradorGeraldaRepúblicaenvioucartaàCPT,informando
queasdiligênciasfeitaspelaPFeraminsuficientes,poisnãohaviaregistradoosdepoimentos
dos trabalhadores, tampouco fez-se uma lista dos que estavam ativos, não havendo
investigação adequada sobreoscontratosdetrabalho,sobreasformasdecontratação,sobre
as fugas e não houve abertura de inquérito para investigar o desaparecimento dos dois
jovens.87
No ano de 1996, já com o GEFM do MTE em funcionamento, os auditores
fiscalizaramafazendaeconstaramtãosomentecondiçõescontráriasàlegislaçãotrabalhista,
sendo expedido 34 Carteiras de Trabalho.
No ano de 1997, a sagadostrabalhadorespelacriminalizaçãodeseusempregadores
sofreu uma virada, portanto 9 (nove) anos após a primeira denúncia e após as diversas
peregrinações pelos distintos órgãos narrados anteriormente.
87
Ibidem,p. 34
53
É neste ano que doistrabalhadoresprestaramdepoimentonodepartamentodaPFno
Pará, relatando terem fugido da Fazenda Brasil Verde. Os mesmos declararam que já
chegaram na fazenda em dívida, acrescentando queeramforçadosaseesconderemquando
apareciam fiscalizadores e que eram ameaçados de morte caso denunciassem outentassem
fugir. Baseados nessa denúncia, a Móvel realizou nova inquirição nos dias 23, 28 e 29 de
abril de 1997 e constatou:
Diante disso e com a produção do relatório do MTE, o Ministério Público Federal
apresentoudenúnciacontraoaliciador(gato)eogerentedaFazenda,pelosdelitosprevistos
no artigo 149 do Código Penal que versa sobre reduzir alguém à condição análoga à de
escravo,queatingetambémosaliciadores,oscapangasemaissujeitosqueatuamativamente
napráticadodelito.Foiatingidotambémpeloartigo197domesmoC.P.quedefiniapenapor
“Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta”.
O proprietário da Fazenda foi enquadrado apenas no artigo 203 do Código Penal,
“Frustrar, mediantefraudeouviolência,direitoasseguradopelalegislaçãodotrabalho”,que
imputa pena de “detenção de um a dois anos, e multa, além da pena correspondente à
violência”, uma pena menor, portanto, da imposta pelo artigo 149 do C.P, tendo como
desfecho,
m julho de 1997, o juiz federal expediu uma citação para os senhores Alves da
E
RochaeAlvesVieira.Em17desetembrode1997,ojuizfederalordenouacitação
dosenhorQuagliatoNetoecondicionouasuspensãodeseuprocessoàaceitaçãoe
cumprimento de uma série de medidas.89.
Em 17 de junho de 1998, o MPT solicitou informações sobre a “situação atual” da
FazendaeoDelegadoRegionaldeucontadequehaviasidorealizadanovafiscalizaçãoeque
havia constatado um “considerável progresso”90.
88
Ibidem,menção ao Relatório da visita à Fazenda BrasilVerde, Grupo Móvel de Trabalho, 23, 28 e
29 de abril de 1997 (expediente de prova, folha 4629 a 4638), p. 35
89
Ibidem,Decisão do Juiz Federal Titular de Marabáde 17 de setembro de 1997 (expediente de
prova, folha 4719), p. 36
90
Ibidem,Ofício nº 2.357/2001 (expediente de prova,folha 7526), p. 37
54
Em setembro de 1999, o proprietário optouporaceitaraspenasimpostaspeloMP
em troca da suspensão de seu processo. A penalidade imposta foi a doação de seis cestas
básicas a uma entidade beneficente da cidade de Ourinhos, estado de São Paulo, e seu
processo teria suspensão por dois anos91.Seiscestasbásicas!Foiessaapenalidadeimposta
paraumproprietáriodeterrasquecompletavadezanosdedenúnciasporsubmeterpessoasa
condições degradantes.
Uma penalidade muito leve diante da gravidade dos fatos. Tornando muito mais
vantajoso financeiramente no imaginário dosescravocratasdotempopresenteemdeixarde
proverdireitosfundamentaisetrabalhistasmínimos,seapenaimpostaémuitoaquémdoque
desembolsariam se cumprissem toda a legislação vigente, portanto uma empreitada lucrativa.
O gerente da Fazenda, juntamente com o gato foram absolvidos pelo Ministério
Público do estado do Pará, “em virtude da falta de indícios de sua autoria” em 21 de
novembro de 2003.92
O juiz declarando a ação extinta, extinguiu o processo contra eles em virtude da
prescrição da punibilidade e assim, passando ilesos de qualquer responsabilização.
Noano2000foifeitaumanovafiscalizaçãodoMTEemcompanhiadaPFnaFazenda
Brasil Verde e as violações aos Direitos Trabalhistas e da Dignidade da Pessoa Humana
persistiam com a mesma gravidade. Diante disso, o MPT com base no relatório do MTE
concluiu que,
( ...) o Ministério Público do Trabalho concluiu que João Luiz Quagliato devia
“cessar o trabalho escravo, interrompendo os trabalhos forçados e o regime de
cárcere privadoejamaispraticarnovamenteotrabalhoescravo,porseconfigurar
crime e atentado contra a liberdade do trabalho93
Em20dejulhode2000,foirealizadaaudiênciadeConciliação,naqualosenhorJoão
Luiz Quagliato, proprietário da Fazenda, se comprometeu a:
ãoadmitirenempermitirotrabalhodeempregadosemregimedeescravidão,sob
N
pena de multade10.000UFIRportrabalhadorencontradonessasituação,branco
ounegro;fornecimentodemoradia,instalaçãosanitária,águapotável,alojamentos
condignosaoserhumano[...]sobpenademultade500UFIRpelodescumprimento
[...] não colher assinaturas em branco dos empregados, em qualquer tipo de
documento, sob pena de multa de 100 UFIR por documento encontrado nessas
condições.94
91
Ibidem,DecisãodoJuizFederalsubstitutodeMarabáde23desetembrode1999(expedientede
prova, folha 4768), p. 37
92
Ibidem,Alegações finais do Ministério Público doPará (expediente de prova, folha 5544 a 5547).
93
Ibidem,Ação Civil Pública de 30 de maio de 2000(expediente de prova, folha 1053), p. 45
94
Ibidem,Termo de Audiência de 20 de julho de 2000(expediente de prova, folha 5794), p. 45
55
Conforme narramos, a prática de escravidão por este empregador era corriqueira e
reincidente, persistindo por anos a fio e sob conhecimento das autoridades dos diversos
órgãosdaesferapenaletrabalhistadesde1988,semquefosseproporcionalmentepunidoou
responsabilzado.
Emnovembrode2011,aCorteInteramericanadeDireitosHumanosadmitiuapetição
e concluiu que o Estado brasileiro era responsável pelasviolaçõesatinentesàdignidadeda
pessoa humana violando a “Declaração Americana dos Direitos eDeveresdoHomem”ea
“ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos”,o“PactodeSãoJosédaCostaRica”,que
assina o Brasil desde 1969. A responsabilidade do Brasil se extendia ao desaparecimento
forçado dos dois jovens que ainda estava sem um desfecho95.
A Comissão recomendou ao Estado reparar adequadamente as violações de direitos
humanostantonoaspectomaterialcomomoral,devendoassegurarquesejamressarcidosàs
vítimasossaláriosdevidospelotrabalhorealizado,bemcomoosvaloresilegalmentenegados
esubtraídos.Recomendouaindaquecasonecessário,aindenizaçãofosseretiradadosganhos
ilegais dos proprietários da Fazenda.
Além disso, o Estado brasileiro deveria investigar as denúncias de maneira eficaz e
parcial dentro de um prazorazoável.DevendooEstadobrasileiroinvestigaraindaosfatos
relacionadoscomodesaparecimentodeIronCanutodaSilvaeLuisFerreiradaCruz,como
objetivo deapurarosacontecimentos,identificandoepunindoosresponsáveis.AComissão
apontou ainda, que o Brasil deveria puniradministrativaoupenalmenteaspráticasomissas
dos servidores que contribuíram para as violações da justiça e pela impunidade dos casos.
Além de fortalecer medidas para erradicar o trabalho escravo, a discriminação racial,
promovendo campanhas de conscientização da população e aos servidores públicos
envolvidos nas fiscalização e punição ao delito96.
Diante a omissão do Estado brasileiro e por não adotar medidas efetivas,noanode
2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por
unanimidade, determinando que o Brasil devesse reiniciar as investigações processuais penais
constatadas em fiscalização do MTE no ano 2000, processando epunindoosresponsáveis,
garantindo que não atinja a prescrição temporal.
95
Ibidem, Cf.p. 04 e 05
96
Ibidem, Cf.p. 05 e 06
56
O Estado deveria ainda, dentro do prazo de um ano da notificação da Sentença,
entregar a Comissão um relatório constando as medidas adotadas no cumprimento das
medidas. Além de pagar os montantes fixados na Sentença, a título de indenizações.97
As indenizações versavam sobre danos materiais às vítimas - Salários e demais
proventos trabalhistas de direito; verbas rescisórias, restituição de valores ilegalmente
subtraídos. Quanto aos danos imateriais, foisolicitadoaindenizaçãodosdanosimateriaise
morais sofridos por todas as vítimas identificadas para cada um dos trabalhadores
encontrados na Fazenda Brasil Verde durante as fiscalizações dos anos de 1996, 1997 e
2000.98
Essacondenaçãofoimuitosignificativaedegranderepercussãoportratarotrabalho
escravo de maneira ampliada, atingindo e condenando o Estado brasileiro pela omissão,
falhas e ausência de justiça no caso da Fazenda Brasil Verde.
Destamaneira,destacamosqueacriaçãodoGEFM,assimcomoaalteraçãodoartigo
149 do código penal brasilero em 2003,vinhanobojodessasdiscussõesemqueparticipou
ativamente organismos não governamentais, membros da sociedade civil, além da
participação importante da OIT como um relevante instrumento de pressão.
Portanto,nocapítuloaseguiranalisaremosasinvestigaçõesdoMinistérioPúblicodo
Trabalho da 15ª região, trazendo as discussões, elementos e demais agentes e instituições
envolvidas nos casos, apontando as considerações, acertos e falhas na prática de outras
empresas e pessoas flagradas ou denunciadas por trabalho escravo, onde vemos presente a
atuação dos agentes desta esfera de poder na prática circunscrito a cidade de Campinas e
região.
97
Ibidem,Pontos Resolutivos,Cf.p. 121-124
98
Ibidem, Cf.p. 118-119
57
CAPÍTULO 3 - POR DENTRO DAS FISCALIZAÇÕES
Neste capítulo abordaremos a análise dos documentos pertinentes às fiscalizações,
seja do Ministério do Trabalho, seja do Ministério Público do Trabalho da 15ª região,
verificaremos os registros dos autos de infração e dos procedimentos processuais destes
órgãos.
Antes de iniciarmos é importante pontuar as atribuições do MTE edoMPTnoque
concerne a suas atribuições nas fiscalizações do trabalho e pontuar as semelhanças e
diferenças entre elas.
Segundo o artigo 127 da Carta Magna, o Ministério Público daUniãoéinstituição
permanente, essencial à função jurisdicional doEstado,incumbindo-lheadefesadaordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Ministério Público possui autonomia funcional e administrativa, com proposta
orçamentária própria e não é subordinada a nenhum dos Poderes daRepública(Executivo,
Legislativo e Judiciário). Dentro da estrutura doMinistérioPúblico,compreendetambémo
Ministério PúblicodoTrabalho,comafunçãodezelarpelosinteressessociaiseindividuais
no âmbito trabalhista. Trata-se deinstituiçãoquetemaatribuiçãodepromoçãodosdireitos
fundamentais dos trabalhadores e de defesa da ordem jurídico-democrática, no âmbito das
relações laborais.
Comfunçõesadministrativas,aatuaçãodoórgãoéextrajudicial.OMPTinvestigaas
irregularidadesepodeencaminharasaçõesparaaJustiçadoTrabalhooubuscarumacordo
extrajudicial, por meio de conciliações e Termos de Ajuste de Conduta (TAC), que são
acordos que pretendem obrigar os empregadores a cumpriremdeterminadasações,alémda
determinaçãodesançõesemultas,seforocaso. Enocasodedescumprimentopodeaplicar
multas e acionar os Tribunais de Justiça para seu cumprimento.
Antes da Constituição Federal de 1988, o Ministério PúblicodoTrabalhocumpriaa
função de parecerista em processos da Justiça do Trabalho. No início da década de 1990
passou a cumprir a função de investigação de irregularidades trabalhistas referente ao
interesse público.99
Já o Ministério do Trabalho faz parte do Poder Executivo e faz parte da
AdministraçãoPúblicaDireta,possuindofunçõestotalmenteadministrativanasfiscalizações,
99
Silvia Hunold Lara e Lauber Gavski da Silva,O trabalhoescravo contemporâneo no acervo do
Ministério Público do Trabalho - 15ª região, 2020,p. 246
58
com competência para fiscalizar as relações individuais de trabalho, entre trabalhadores e
empresa, diferente do MPT, que atende aos interesses coletivos da sociedade.
O MTE fiscaliza além do trabalho escravo e infantil, fiscalizam também as
irregularidades trabalhistas, tais como falta de pagamento dos tributos trabalhistas, não
pagamentodeférias,horasextras,13ºsalárioedemaisdireitosresguardadospelalegislação
vigente.NãoapenasdosdireitosdecidadaniaedeDignidadedaPessoaHumana.Esteórgão
atua por meio de Autos de Infração, notificações e podem estipular multas administrativas
também aos infratores.
Ambos órgãos podem atuar colaborativamente. O MPT pode acionar os auditores
fiscaisdotrabalhodoMTEparaasfiscalizaçõeseadocumentaçãocolhidaeproduzidapode
servir de base para o ajuizamento de ações civis do MPT.
Desta maneira, começaremos pelas ações de fiscalização porpartedoMinistériodo
Trabalhoesuasinformaçõesedocumentaçõesproduzidasnosdãoelementosparaavaliaras
condições dos trabalhadores, as instalações físicas dos locais, as formas de contratação, as
pessoas envolvidas, com suas respectivas participações e demais elementos que serão
apresentados ao longo deste capítulo.
Salientamos a relevância dessas ações combinadas como importantes meios de
repressão ao trabalho escravo, que precisam ser cada vez mais eficazes e cada vez mais
incisivos, coibindotambémasempresasqueterceirizamasetapasdacadeiaprodutivas,que
muitas vezes não resvalam no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) das empresas
contratantes principais.
Nocenárionacional,dentrodoperíododeanálise-de1995até2010-foram39.096
trabalhadores resgatados pelas ações do Grupo Móvel de Fiscalização, em 1.283
estabelecimentos,distribuídosemtodasasregiõesdoBrasildenorteasul.Osestadosemque
não há registros das fiscalizações são Amazonas, Sergipe e Distrito Federal. O estado
campeãodefiscalizaçãofoioParácom467estabelecimentosfiscalizados,seguidode Mato
Grosso com 156, Maranhão conta com 127 estabelecimentos. Os dados serão sintetizados
abaixo.ObtivemosestesdadospormeiodosítioeletrônicodaONGRepórterBrasil100,com
dados colhidos pelo Ministério do Trabalho. A partir deste dados, sumarizamos e
100
ONG Repórter Brasil <https://reporterbrasil.org.br/>.Os dados da tabela em tela foram
sintetizados por meio desta pesquisa.
59
sintetizamos por meio de planilhas e gráficos para melhor visualização e para facilitar a
análise. Apresentamos abaixo os totais por estado:
60
SC Santa Catarina 30
TOTAL 1.283
Abaixo apresentamos a divisão em percentual distribuído em todos os estados
brasileiros.Estaimagemnospermitevisualizarmosasproporçõeseasdiscrepâncias,emque
Amazonas na região norte representa apenas 0,9%, seguida de Espírito Santo com 1,1%.
61
Gráfico II - Totais de fiscalizações do MTE em percentual:
Abaixo encontra-se a distribuição por região do país, onde é possível observar a
predominâncianaregiãonorte, abrangendoametadedasfiscalizações,seguidopelasregiões
Norte, Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul. É importante salientar, que o quadro de
auditores fiscais do trabalho é bastante reduzido enãoésuficienteparaatenderopaíscom
nossa extensa dimensão geográfica e com tantas disparidades sociais. A escolha por uma
regiãoemdetrimentodeoutravaiaoencontrotambémdessarealidadeemquenemtodasas
localidades podem ser fiscalizadas de maneira homogênea.
No entanto, sabendo que as regiões norte e centro-oeste são onde se concentram
grandes extensões de terras nas mãos do latifúndio explorador e muitas vezes de difícil
acesso, longe da vigilância de autoridades ou da dificuldade de fuga de trabalhadores
escravizados é sintomático e revela a perpetuação da miséria de trabalhadores que muitas
vezes não conhecem outra realidade, senão, a exploração do campo.
62
Gráfico III - Totais de fiscalizações do MTE por região:
63
Gráfico V - Totais de fiscalizações do MTE por estado no período de 2003 até
2010:
Aqui analisaremos as fontes do Ministério Público do Trabalho, que também
participam os auditores fiscais do trabalho de forma colaborativa, quando são solicitados,
para que possamos ouvir os trabalhadores por meio dosautoseentenderascomplexidades
das relações de exploração na qual estão expostos.
A atuação do MPT nas ações fiscalizatórias é exercida por meio de notificações,
Procedimento Investigatório (P.I), Procedimento Preparatório (P.P), Inquérito Civil Público
(I.C.P), Procedimento de Acompanhamento (P.A), Representação (Rep.), Expediente
Administrativo (Exp. Adm.).
64
Procedimentos Nº
P.I. 74
I.C.P. 35
P.P. 24
Exp.Adm. 1
Rep. 2
P.A. 13
S/Info 1
Total 150
Tabela III - Número de autuações do MPT-15
Vamos elencar cada um deles abaixo, com suas respectivas descrições, já nos
antecipandodoalongadodamenção,contudoessasinformaçõesimportamparaentendermos
o teor dos documentos em análise.
65
d ) Mediação (Med.)
Procedimentoinstauradocomopropósitodemediarconflitosentreempregadorese
a categoria profissional. Nesses casos, uma das partes envolvidas devesolicitara
mediaçãoeestaapenasocorreráseaoutraparteaceitar.Écomumqueacondução
de uma Mediação ocorra em momentos de negociações coletivas e greves.
g ) Representação (Rep.)
Procedimentoinstauradoapartirdeumadenúncia,feitaporpessoa(identificadaou
anônima) ou por membros de outras instituições, que pode ser arquivada ou dar
origem a um Inquérito Civil Público.101
101
Acervo MPT15. Disponível em:
<h
ttps://www.cecult.ifch.unicamp.br/bases-dados/ampt/sobre-documentacao>grifos nossos
66
procedimentais. Apontamos ainda 4 (quatro) procedimentos que apareciam duas cidades
conjuntamente.
Iaras,Itatiba,Orindiúva,Boituva,SantaBárbaraD'Oeste,SãoJoaquim
da Barra, Guareí, Presidente Prudente, Sertãozinho, Elias Fausto,
Ibiúna, Indaiatuba, Aguaí, Ipuã, General Salgado, Bento de Abreu,
Barbosa, Penápolis, Tietê, Juquitiba, Tambaú, Santo Antônio do
Aracanguá, Valparaíso, Araçatuba, Presidente Venceslau, Jaboticabal,
Bebedouro, Potirendaba, Alambari, Severínia, Ubatuba, Pindorama,
Nova Granada, Paraibuna, Taubaté, Paulínia, Itapetininga, Botucatu,
Taquarivaí, Limeira, Cafelândia, Arealva, Marília, Avaí, Torrinha,
Ocauçu, Matão, Capivari, Agudos, Atibaia, Piracicaba, Itapira, Sales
Oliveira,MogiMirim,MonteMor,NazaréPaulista,PalmaresPaulista,
Pirassununga,Itajobi,SãoJosédosCampos,SantaCruzdasPalmeiras,
Sebastianópolis do Sul, São José do Rio Preto, Bananal, Lagoinha,
Guaracaí, Pratânia, Catanduva, Estancia turística de batatais. 1
Canas,RibeirãoBranco,SantaRitadoPassaQuatro,SantoAntôniodo
Aracanguá, Igarapava, Rio das Pedras, Nova Odessa,Guaíra,
Perdeneiras, Garça 2
Campinas 6
Ourinhos 8
Piracicaba 11
Barretos 24
67
A distribuição poderá ficar melhor visualizada no gráfico abaixo:
Gráfico VI - Distribuição dos municípios do MPT-15 por trabalho escravo de 1995-2010 em
percentual
Extrativismo 5
Agricultura 56
Indústria 16
68
Agricultura; Construção civil; Indústria 1
Comércio 3
Transporte 20
Serviços 9
Finanças 1
Total 150
Tabela V - Distribuição por atividade econômica no MPT-15
Proporcionalmente ficou distribuído conforme o gráfico abaixo sendo a fatia mais
significativa a atividade isolada de agricultura, representando 37,6%, que assim visualizamos:
69
Gráfico VII - Distribuição por atividade econômica no MPT-15 em percentual
70
Gráfico VIII - Distribuição por atividade econômica no MPT-15: agricultura e
outras atividades:
Dentre os denunciantes são inúmeros: São de denúncias partindo do próprio
Ministério Público da 15ª região, também da Procuradoria da República em Campinas,
ProcuradoriaGeraldoTrabalho,Sindicatos,VarasdoTrabalho,ÓrgãosdeImprensa,pessoas
físicas nominadas, pessoas físicas anônimas, Delegacias da Polícia Federal, INCRA,
Conselho Tutelar, MPT-22.
De todos os procedimentos, verificamos um aumento progressivo do número de
investigações. Segundo Silvia Lara e Nauber Gaviski102,
lém do constante aumento no número absoluto de procedimentos, vemos que a
A
instituição levou mais de umadécadaparaadquirirumritmoágilderesoluçãode
casosenvolvendoodescumprimentodaleitrabalhista.Foisomenteduranteosanos
2000 que o MPT-15 ganhou maior capilaridade, instalando procuradorias em
municípios-chave que garantiram a descentralização das ações institucionais
(Bauru, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, São José do Rio Preto,
Presidente Prudente, Araçatuba e Araraquara).
71
Gráfico IX - Procedimentos administrativos do MTP-15 (1991-2010):
104
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento 270.1995.15.000-5
72
1995, tendo como denunciada a empresa Relilaym que tinha como atividade econômica a
extração, comércio e exportação de resinas.
Areferidareportagemdácontaquenumablitzfeitaemcincofazendasdaregião,os
fiscais do MinistériodoTrabalhoemBaurudescobriramquecercade4milpessoasviviam
num regime que a reportagem nomeou de semi-escravidão. Em outros pontos do processo
estetermotambémapareceeemoutros,surgeotermo“escravidão”.Issoindicaadificuldade
dosenvolvidosemnominarclaramenteofato,porqueaodizerqueésemiescravidão,indicae
traz a luz o problema, mas não o revela claramente. É sem o ser. A questão semântica de
fundo nos revela que nos primórdios das fiscalizações efetivas, em 1995, ainda havia uma
certa timidez em nominar o problema e optou-se por amenizá-lo. De outra maneira, pode
indicar que tal classificação feita neste documento ainda estava começando a se desenhar.
Seja como for, ainda hoje ainda é um termo em disputa.
No procedimento analisado, em uma reportagem anexa, explicita que nas fazendas
fiscalizadas, localizadas às margens da rodovia Castello Branco, que ligaacapitalao“rico
oeste paulista” que segundo a reportagem,
Parasealcançaressemontante,osresineiroseramobrigadosacarregarcomomaterial
de trabalho uma bisnaga de ácido sulfúrico, substância altamente corrosiva diluída num
mingau de farelo de arroz. Ao salpicar o ácido nas árvores de pinus, os trabalhadores
conseguiam acelerar a saída da resina do caule. Sem equipamento de segurança, eles
recebiam R$ 5.50 por dia trabalhado. Se cumprissem a cota diária, recebiam por mês R$
150,00.Muitosresineirossãomenoresde14anosesequerrecebiamosalário-mínimo,queà
época era no valor de R$ 100,00.
A reportagem traz também a denúncia do endividamento dos trabalhadores ou a
chamada escravidão por dívida, que força muitos anãopararemdetrabalharparaquitarem
suas dívidas acumuladas nas mercearias das fazendas, onde são obrigados a comprar os
alimentos, equipamentos de trabalho e demais suprimentos.
Os fiscais foram a campo depois de receberem denúncia do Movimento dos
TrabalhadoresSemTerraedaComissãoPastoraldaTerra,daIgrejaCatólica.Entidadesque
105
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento 270.1995.15.000-5, p. 04. Reportagem
anexa: Blitz descobre escravidão em São Paulo. O Globo, 06 de dez. de 1995.
73
acompanham a vida dos trabalhadores do campo e que muitas vezes os acolhem e os
orientam,cumprindoumpapelquedeveriaserreservadoaoEstado.Assim,salientamosque
tais entidades são de sumaimportâncianestasdenúncias,poiselassãoporvezeslugaresde
acolhimentoeconfiançadostrabalhadores,comojáapontadoanteriormente.Sãopormuitas
vezes, o lugar de entrada dos trabalhadores submetidos a escravidão, por conhecidamente
acolherem estes trabalhadores. Reconhecimento este que parte tanto dos trabalhadores,
quanto das autoridades.
ComonosérelatadonaobraAescravidãonaAmazônia106 emquetrazosrelatosde
quatro décadas de depoimentos de fugitivos, libertos, familiares e demais envolvidos nas
denunciações.Nestaobraforamcolhidos839depoimentosde1.262pessoas,entreosanosde
1970 até 2010.
Os depoimentos foram colhidos por membros da CPT nas regiões de Marabá e
Xinguara, no Pará eemAraguaínanoTocantinsedoCDVDHdeAçailândianoMaranhão.
Estas organizações foram escolhidas porque já atuavam significativamente na coleta de
depoimentos e atendem, apóiam e recebemostrabalhadores.Estaobraéimportanteporque
aotrazerosrelatosdostrabalhadoreseasestratégiasdeagentesdeentidadesdeamparoaos
trabalhadoresnoscolocaluzaotemaenosrevelaosavançoseretrocessosaolongodosanos
nas estratégias legais de repressão ao crime. E os depoimentos nos revelam asagrurasdos
trabalhadores e também suas estratégias.
No que a obra nos interessa aqui e em paralelo ao procedimentoadministrativoem
análise é que por vezes as autoridades da PF ou da SRTE, quando nãosabiamoquefazer
quando apareciam denúncias, eles encaminhavam para a CPT, ao invés de encaminharem
para o MTE, MPT ou de empreenderem alguma ação de investigação. A CPT não apenas
fornecia o suporte a estes trabalhadores como também pressionava a SIT por solução.107
Então funcionava como uma entidade também de fiscalização da aplicação das normas e
participava nas diversas partes da trajetória dos trabalhadores desde a denunciação.
Assim - neste procedimento - a CPT e o MST além de serem os denunciantes,
tambémacompanharamasfiscalizações,apoiandoosfiscaisdoMinistériodoTrabalho.Além
disso,oMSTencaminhoudenúnciaformalaopresidentedaComissãodeDireitosHumanos
da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado estadual do Partido dos Trabalhadores.
106
Ricardo Rezende Figueira: Adonia AntunesPrado;RafaelPalmeira,AescravidãonaAmazônia,
2021.
107
Ibidem, Cf.p. 36-38
74
Amatériainformaqueoproblemafoirelatadodemaneirainformal,duranteencontro
reservadocomdiversasentidadescivisdedireitoshumanosemSãoPaulo,ressaltandoqueo
MSTreivindicaáreaondehátrabalhoescravoparaareformaagrária.Alémdisso,segundoa
reportagem anexa,
ssas terras pertenciam ao Serviço de Proteção da União e passaram a ser
E
administradaspelaSecretariaestadualdeMeioAmbienteeestãosendousadaspor
grileiros indevidamente afirmou Miguel Serpa, outro coordenador regional do
MST108
É importante sublinhar que a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 243,
determina que,
spropriedadesruraiseurbanasdequalquerregiãodoPaísondeforemlocalizadas
A
culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração detrabalhoescravona
forma da lei serão expropriadas e destinadasàreformaagráriaeaprogramasde
habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
arágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
P
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de
trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação
específica, na forma da lei." (NR)
Muitoembora aConstituiçãodetermineaexpropriaçãodeterrasparafinsdereforma
agrária, desde que ela não atenda sua função social ela não é aplicada na prática, muito
embora haja pressão de organizações como o MST para aplicação da norma. Ademais, a
EmendaConstitucionalnº 81de2014vinculouanormaàelaboraçãodeumaleiespecífica,
que dentro do recorte de análise não avançou.
Comoindicadonoartigo243supramencionado,esteartigoestáemconsonânciacom
o artigo 5º da mesma Constituição, dos “D
os Direitos e Garantias Fundamentais” emseu
Inciso XXIII, em que reza queapropriedadedeveatenderasuafunçãosocial.Ouseja,ela
deve atender aos interesses e anseios sociais e não ser palco de ilegalidades e de trabalho
indigno. E mais adiante no artigo 186 da mesma constituição define,
rt. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
A
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos emlei,aos
seguintes requisitos:
108
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento 270.1995.15.000-5, p. 2
A
109
Emenda Constitucional nº 81 de 5 de junho de 2014
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc81.htm#art1>
<
75
I I - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
Assim, o artigo 186 reitera o uso racional da terra, alinhado aos princípios
fundamentaisdedignidadedapessoahumanaeosvaloressociaisdotrabalho,portanto,não
obstante um arcabouço legal favorável a punição einibiçãoaocrimedetrabalhoanálogoa
escravidão, ela não se cumpre na prática.
OproblemadaconcentraçãodeterraséumarealidadenoBrasilqueremontademuito
tempo. Podemos datar seus primórdios no BrasilcolôniacomaimplantaçãodasCapitanias
hereditárias,quefoiumadivisãoadministrativaexecutadapelametrópoleportuguesanoano
de 1534. As terras foram divididas em 15 faixas e entregues a 14 denominados capitães
donatários.Afunçãodessadoaçãoeraqueestessenhorespertencentesanobrezaportuguesa
ou a burguesia comercial, investisseefinanciasseaocupaçãodasregiõesemposse,tirando
assim, o ônus da coroa.
Estes donatários tinham a prerrogativa de cederem pedaços de terras a outros
colonizadores pela política que passou a ser chamada de sesmarias, com o objetivo de
exploração e produção agrícola destinadas ao mercado europeu. Com o decorrer do tempo
estes sesmeiros se tornaram os grandes proprietários de terras no país.
Estapolíticafoiaprimeiraleiqueincentivavaaconcentraçãodeterrasaumapequena
elite endinheirada, perdurando do períodode1534à1536equeditouoestabelecimentoda
estrutura fundiária ao longo dos anos.
Ao longo dos anos, esta política foi reiterada e reafirmada diversas vezes. Vale
destacar o ano de 1850, ano em que foi publicada a Lei de Terras. A Lei de Terras110
regulamentava a propriedade fundiária no Brasil, incluindo as adquiridas por meio das
sesmarias.Nelaficavainstituídoaaquisiçãodaterraapenaspormeiooneroso,ouseja,pela
compra e venda, não sendo mais permitida cessão por posse. Ademais, as terras dos
sesmeiros já residentes, produtivos ouemprincípiosdecultivosforamrevalidados,ouseja,
sua posse foi regulamentada, sem que tivessem que pagar por elas.
ALeideTerrascontribuiuparaaperpetualizaçãodolatifúndioepeloagravamentoda
pobreza no campo. O proprietário da terra não era um fazendeiro simples, como uma
quantidadedeterraslimitadaseprodutivas.Tratava-sedeumlatifundiárioqueviviadamão
110
Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
76
de obra escrava,equenãomoravapróximodaregião.Construía-senaregiãoapenasacasa
do capataz e a mercearia (os barracões), na qual vendia produtos a preços abusivos. A
residênciadosdonosdafazenda-acasagrande-eradistantedasmoradiasdostrabalhadores,
tamanhoaextensãodasterras.ALeideTerras,portanto,promoveuainstitucionalizaçãodo
latifúndio no Brasil, fruto de um pacto entre as elites e os proprietários de terra.
Outroaspectosintomáticodesteperíodoéquenomesmomêseanodepublicaçãoda
LeideTerras,foipublicadaaLeiEusébiodeQueiroz111,leiquecoibiaotráficodeescravos
africanos. Ésintomáticoporqueaoinstituirapossedaterraapenasporcompraevenda,tirou
dos negros e negras, qualquer possibilidade de obtenção do título de terras.
Assim,nãoénovidadeaassociaçãodopoderpúblicocomospoderesprivados,uma
relação que se perpetua e que transforma agricultores e os filhos da terra em vassalos das
próprias terras que cultivam e trabalham.
Destamaneira,noprocedimentodaempresaRelilaym,emanálise,umdosprincipais
responsáveis pelos crimes narrados é Fernando Camões. conhecido como Fernando
Português.Eleéapontadocomooprincipalagenciadordemão-de-obra,alémdisso,arrenda
para terceiros áreas da União que são administrados pela Secretaria estadual de Meio
Ambiente.
Essasterras,numtotalde30milhectares,foramdestinadasem1910aumfracassado
projetodecolonizaçãodeimigranteseuropeuseacabaramocupadasporgrileiros.Moradores
da cidade informaram que ele exporta a resina jámanufaturadaparaPortugal,ficandocom
75% da renda auferida com a intermediaçãodamatéria-prima.Aresinaseriamanufaturada
numa refinaria em São Berto, na região. De lá seria transportada até oportodeSantosem
caminhões-tanque.
Alémdetodasirregularidadesnarradas,haviatambémtrabalhodemenores,oquenão
é raro no meio rural. A fiscalização encontrou adolescentes trabalhando, dentre os quais
colheu-se depoimento de um adolescente resgatado de14anos,emqueomesmonarraque
nuncafrequentouescolaequepreferiaestudaratrabalhar.Seupai,de58anosécegodeum
olhoporcontadosrespingosdeácidosulfúricousadonosangramentodopinusparaextração
da resina.
Umaoutramenor,de17anos,tambémnuncafrequentouaescola.Ajovem trabalha
desde os 7 anos, com o pai e o irmão. O pai gostaria que eles estudassem, mas não pôde
dispensar o ganha pão e a ajuda financeira das crianças.
111
Lei nº 581, de 04 de setembro de 1850.
77
É uma prática recorrente nos processos analisados o Trabalho infantil, atrelado ao
trabalho escravo. Esta prática sedáporquenãoraro,famíliasinteirastrabalhamnasroçase
com isso acompanham as crianças, bebês e esposas. Todos compondo a renda familiar.
Este pai sai em defesa do patrão e critica quem nomeia seu empregador de impor
trabalhosemiescravo.Segundoele,“Sairdaquiparapassarfomeeunãovou.Vocêsquerem
que a gente viva como as pessoas no Nordeste, que nem trabalho têm?”112
EstafaladizmuitosobreascondiçõesdetrabalhoemalgumascidadesdoBrasil,em
que muitos trabalhadores encontram piores condições de trabalho e tendem a migrar. Um
outro trabalhador, Francisco Leme de 28 anos, trabalha com sua esposa, levando seus 4
filhos, o mais velhode9anosjáajudavanaextraçãodaresina,sangrandoemtornode200
árvores por dia. As crianças viviam em meio às árvores de pinus, em meio a bichos
peçonhentos e sem nenhuma condição humana
Assim, como se vê as crianças desde cedo acompanhavam seus pais em situações
degradantesemseussofrimentosdiários.Vidaetrabalhoseconfundemnaexistênciadessas
pessoas.AempresatrouxeváriostrabalhadoresdoestadodeMinasGeraisparaointeriorde
São Paulo, com promessas de ótima remuneração e boas condições de permanência e
trabalho, para trabalharem no corte da cana-de-açúcar.
A cana-de-açucar é uma cultura agrícoladegrandeimportâncianomundodianteda
necessidade ambiental desubstituiçãodealternativasaoscombustíveisfósseis,porcontada
produção de etanol, derivado da cana e o estado de São Paulo é grande produtor desta cultura.
asafra2007/08,asusinasbrasileirasprocessaram493,4milhõesdetoneladasde
N
cana-de-açúcar, produzindo 22,5 bilhões de litros de etanol e 30,8 milhões de
toneladas de açúcar. O Estado de São Paulo é o principal produtor de
cana-de-açúcar no Brasil. Na safra 2007/08, este Estado foi responsável pela
produçãode296,3milhõesdetoneladasdecana-de-açúcar,oquerepresentou60,1%
da produção total do Brasil e 68,7% da produção da região Centro-Sul (UNICA,
2008).113
Neste procedimento - segundo o relato da CUT - por meio de ofício endereçado à
ProcuradoriaRegionaldoTrabalho,ostrabalhadoresforamalojadossobpéssimascondições
de vida e de higiene, onde bem próximo ao refeitório havia uma criação de porcos. A
empresa não fornecia EPls, além de cobrarem por estes e pelos instrumentos de trabalho,
112
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento 270.1995.15.000-5, p. 09. Reportagem
nexa: MST denuncia problema a comissão da OEA. O Globo, 06 de dez. de 1995, página 8,
a
caderno A.
113
Expansão da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo:safras 2003/2004 a 2008/2009. Disponível
em <http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2008/11.17.18.21/doc/9-16.pdf>p. 09 - grifos
nossos
78
como botas por exemplo, essenciais para a proteção no corte da cana. As roupas de cama
também eram cobradas, assim como haviam cobranças pelas marmitas que serviam aos
trabalhadores.
Adenúnciadavacontaainda,queaempresanãoremuneravaosdiasnãotrabalhados
e que a empresa não providenciava o retomo dos trabalhadores dispensados aos locais de
origem, ou seja, a suas cidades natais em Minas Gerais de onde foram retirados.
As irregularidades continuam. Segundo os relatos,
( ...)-Osprimeirossocorrosemcasodeacidenteséprestadoporumfiscalquenão
possui qualificação profissional para tal, e as pessoas precisam retomar
imediatamente ao trabalho; - Existe uma farmácia na empresa que utiliza
medicamentos jáemuso,emmuitoscasosemfrascossemqualqueridentificação,
além de não estarem acompanhados de bulas, prazo de validade, etc114
Há ainda punição aos trabalhadores que reclamavam destas condições, em que,
medidaqueháreclamaçõesaspessoassãodemitidasesaemdevendoàempresa,
À
inclusivesemagarantiadetransportepararetornoàcidadedeorigem.Diantedesta
denúncia, tivemos a ousadia de acionar esta Procuradoria, para queemconjunto
com representantes desta Central, possa tomar asprovidênciascabíveis,buscando
inibirestasrepetidaspráticasdeabusocontraavida.Paratanto,noscolocamosa
inteira disposição desta Procuradoria para o deslocamento até o local, onde
possamos aferirareferidadenúnciaetomarasprovidênciaspossíveis!Solicitamos
ainda,sepossível,emcaráterdeurgênciadadoasituaçãodegravidadeaqueestão
Submetidosestestrabalhadores,queinclusiveinterromperamotrabalhoapartirdo
dia de hoje, tal o grau de descontentamento115
Apartirdoexcertoacimaealémdadenúnciarelatadaacimadedemissõessumáriase
sem amparo aos trabalhadores reclamantes, vemos como as entidades de proteção aos
trabalhadores, como a CUT, são importantes. A Central Única dos Trabalhadores, uma
organização sindicaleautônomadedefesadosinteressesdaclassetrabalhadorafoifundada
em1983,nacidadedeSãoBernardodoCampo,noestadodeSãoPaulo,dentrodochamado
Novo Sindicalismo. A CUT foi criada em meio a importantes transformações políticas,
econômicas e sociais no Brasil e em meio a reestruturação das relações trabalhistas,
reivindicadas pelos trabalhadores, mesmo em meio aos anos de repressão de direitos
impetrados pela Ditadura Militar no Brasil (1964-1985).
Ademais, diante das reiteradas irregularidades que culminaram com a atitude dos
trabalhadoresremanescentesemsedemitiremmesmosempromessaderecebimentosdeseus
proventos rescisórios, atrelado a denúncia perante a CUT, resultando na interrupção das
atividades diante do tamanho grau de descontentamento, denotava acapacidadedeagência
114
EL (Arquivo
A dgard Leuenroth), nº do procedimento599.1997.15.000-7, p. 223
E
115
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento599.1997.15.000-7, p. 221
79
desses trabalhadores, quenãosecalarameencontrarammaneirasdereivindicaremporseus
direitos, mesmo submetidos a condições degradantes.
Portanto, por essas ações podemos aferir que estes trabalhadores rurais conheciam
seusdireitosesabiamaquemdenunciarparaobteremasoluçãodeseusconflitosfinanceiros
elegais.Ainterrupçãodasatividadesindicaoníveldeorganizaçãoedemobilizaçãodesses
agricultores, queprimeiroaoteremsuasexpectativasfrustradasemrelaçãoàspromessasde
trabalho,reclamaramaosseussuperioresesemsucesso,recorreramaumamedidaqueatinge
diretamente as finanças da empresa e suas estruturas de mando e de poder. Assim, quem
decidiuepautouasnegociaçõesforamestestrabalhadoresrurais,quecompoucaounenhuma
escolaridade,usaramdeseussabereseconhecimentosempíricos,graduadosnaslutaselidas
diárias para que estes empregadores cumprissem as leis, na busca de condições dignas de
trabalho e de existência..
A denúncia foi acatada e a empresa autuada por trabalho escravo e várias
irregularidadestrabalhistas.OSindicatodosTrabalhadoresRuraisdePortoFelizintermediou
as negociações a pedido do MPT. Neste sentido, o Procurador do Trabalho oficiante
dirigiu-seàsededaempresainvestigadaefoiexpedidoo“TermodeAudiênciaeAdequação
de Conduta” estando presentes o presidente do Sindicato, Leonardo de Almeida, um dos
proprietários daempresaeseuadvogado,oengenheiroagrônomodaempresa,oProcurador
Regional do Trabalho e um dos trabalhadores.116
Este trabalhador conta que foi convidado a ir para a Usina, por meio de um
“turmeiro”,umnomedadoaoschamadosarregimentadoresdostrabalhadores,osgatos.Eles
são os intermediários entre os patrõeseosempregados.Elesquesedeslocamaoslocaisde
origem dos trabalhadoresparaseduzirostrabalhadoreseconsequentementeconduzi-losaos
postosdetrabalho.Conhecemasregiõeseporvezesusamdeestratégiasdeconvencimento,
comopromessasdeganhossubstanciais,promessadequeterãosuasdespesaspagas,queseus
familiares serão protegidos e seriam também beneficiados.
O trabalhador relata no procedimento Investigatório que foram arregimentadas três
turmas compostas por cinquenta trabalhadores cada uma, todos residentes nos municípios
vizinhos a Minas Novas. Conta ainda queaochegarementregaramascarteirasdetrabalho,
que lhes foram oferecidos vários equipamentos de proteção individual, tais como: luvas,
polainas, facão e que não houve reposição do material, devendo cada qual adquirir
individualmente, o material necessárioparaareposição.Foramoferecidosaindacobertores,
116
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento599.1997.15.000-7, p. 225
80
lençóis, travesseiros e fronhas e que para estasroupasdecamaeramcobradasparcelasdos
trabalhadores, em que que o total cobrado deste depoente R$ 29,00 (vinte e nove reais),
descontadosemduasparcelas.ValelembrarqueosaláriomínimomensalàépocaeradeR$
120,00, ou seja, representando 25% (vinte e cinco porcento) deste valor.
Sobre os alojamentos, eles acomodavam quatro ou cinco pessoas por quarto, que
media3x3m2, queorefeitório-segundorelatodestetrabalhador-ficavasituadopróximode
umapocilgaedeumafossa,cujavazãosefaziaaocéuabertoemuitopróximadorefeitório,
o que provocava mal cheiro, que se acentuava com o calor do sol.
Sobre as condições de trabalho, elas desagradavam os trabalhadores, os quais
paralisaram a atividade e solicitaram a imediata rescisão contratual e no mesmo dia o
SindicatolocalfoiàEmpresaeformalizouumacordo,mediantearealizaçãodeAssembléia,
implicando no imediato pagamento das verbas rescisórias, com a restituição do desconto
efetuadoparaopagamentodasroupasdecama,opagamentodeumferiadotrabalhado,como
previsto em Lei, além do fornecimento do transporte gratuito para o retomo aos locais de
origem.
Segundo o relato, foi cobrado dos trabalhadores a quantia de R$ 50,00 (cinquenta
reais), para o transporte de ida até a fazenda e que ainda o valor recebido pelo trabalho
realizado foi inferior ao costumeiramente recebido em outros locais.
Além disso, este agricultor ressalta que ele e os demais, necessitavam partir para
outras cidades,comoSãoPaulo,poisemseuslocaisdenascimentocareciadetrabalhopara
todos, portantoestesindivíduosnafaltadeempregoepelavulnerabilidadesocioeconômica,
se apegavam as promessas de melhores condições de vida, parca ou inexistente onde
residiam.
No Termo de ajuste de conduta a empresa se comprometeu a não mais contratar
trabalhadoresemoutrosEstadosdaFederação,adesativarosalojamentosourepará-los,caso
fossem utilizados novamente, e a cumprir rigorosamente o acordo verbal firmado com o
sindicato, ou seja, providenciar o pagamento das verbas rescisórias dos trabalhadores e
transportá-los aos seus locais de origem.
Segundo o sindicato, a empresa investigada pagou as verbas rescisórios dos 91
(noventaeum)empregadosqueaindaestavamnafazendaequeopagamentosedeunasede
dosindicato,queassistiuostrabalhadores,homologandoosrespectivostermosderescisãode
contrato de trabalho, e queostrabalhadoresretornaramaoseuEstadoemônibusdesignado
pela empresa.
81
O MPT instruiu ainda o Sindicato a encontrar os cerca de sessenta funcionários,
previamente demitidos e que já haviam retornado à Minas Gerais sempagamentosdesuas
remunerações rescisórias, a retornarem a São Paulo ou indicarem procuradores para
receberem suas respectivas verbas.
Assinou a diligência também um auditor Fiscal do Trabalho, que atendendo a
convocação da Procuradoria Regional do Trabalho, procedeu às vistorias de praxe e foi
juntada as cópias das notificações por ele lavradas. Demonstrando o reconhecimento da
competência do MTE em fiscalizar e a cooperação dos órgãos de fiscalização.
Em um outro Inquérito Civil Público, tendo por denunciante o Ministério do
Trabalho,pormeiodaSecretariadeFiscalizaçãodoTrabalho(SEFIT),pormeiodoGrupode
Fiscalização Móvel, acompanhado de um relatório da ação da Móvel para que o MPT
tomasseasprovidênciascabíveis“naagriculturadetomateeextraçãoderesina,nesteestado,
em abril de 1997.”117
SegundoorelatóriodaFiscalizaçãodaMóvelnoestadodeSãoPaulo,noperíodode
08/04/1996 até 13/04/1996118, em uma açãoplanejadaemvirtudedoperíododecolheitada
safra de tomate, nas cidades de Itapeva e cidades vizinha, que apresentou denúncias de
trabalho infantil, trabalho degradante e trabalhoforçado.Ostrabalhadoresforamrecrutados
com suas famílias
Segundo o relatório, apesar da colheita de laranja e do corte de cana de açúcar
também apresentarem as mesmas denúncias, porém o início da safra de ambos apenas se
dariaapartirdasegundaquinzenademaio,períodopelaqualpretendiamrealizarnovaação
de fiscalização, já que tinham informações dos focos de denúncia.
Também colocaram como prioridade a fiscalização nas empresas de extração de
resina de pínus, onde detectaram denúncias, principalmente na região de laras, de Buri,de
Itapeva,verificados"inloco",masdevidoadificuldadesporcontadasgrandesextensõesnas
áreas de floresta de pinus, atrelado ao fato de que a presença dos fiscais já não era mais
surpresanaregião,optarampordeslocarasfiscalizaçõesaslavourasdetomate,comapoiodo
Sindicato dos trabalhadores rurais de Itapeva/SP, que através dos seus diretores, os
encaminharam aos locais de trabalho.
Este relatório nos permite algumas considerações. Primeiro a necessidade do
elemento surpresa nas fiscalizações, ou seja, é importante que os empregadores não
conheçam da presença dos fiscais para quenãotentemmascararosfatosequenãotenham
117
EL (Arquivo
A Edgard Leuenroth), nº do procedimento148.1997.15.000-1, de 1997, p. 06
118
Idem,p. 08
82
tempohábildeaçãoantecipada.Éimportantequeasatividadessejamflagradasnaprática,no
ato das ações.
A colaboração do Sindicato rural mais uma vezsefezpresenteefoiimprescindível
porqueconhecemaregiãoeomodusoperandidaculturalocal.Osauditoresconcluem,após
diligênciacomostrabalhadoresqueestesnãoconhecemoutraatividadesenãootrabalhonas
lavourasdetomate.Nãomigramderegião,tampoucodeatividade.Naentressafraficamnas
periferiasdascidades,sobretudonosmunicípiosdeItapevaeRibeirãoBrancoenãobuscam
outras ocupações em outras culturas agrícolas.
Seus pais já vieram deste cultivo, passando como herança os ensinamentos da
profissão de “trabalhador do tomate”. Estes trabalhadores analfabetos ou semianalfabetos,
não frequentaram escolas e carregam consigo também seus filhos para atuarem na mesma
função, mantendo a mesma herança de vida e trabalho.
Seguindoorelatodosfiscais,elesnosinformamquequantoaremuneração,emtodas
aslavourasdetomateeoutrosprodutoshortigranjeiros,foiconstatadoqueoacertoéfeitono
final da safra, em que é descontado todas as despesas de mantimentos e qualquer outro
produtofornecidoexclusivamentepeloempregador.Orelatóriochamaaatençãoparaofato
de que como os empregados são analfabetos ou possuem pouca escolaridade, não sabem
controlar suas própriascompraseopreçodosprodutos,portanto,ficamàmercêdospreços
fornecidos pelo empregador. Outro elemento a salientar é que não há uma combinação de
preçofixopelaproduçãonoiníciodasafra,poissomenteaofinaloempregadorfixaovalor
ao seu critério, de acordo com o volume produzido. Os trabalhadores não recebem nada
durante a safra e ao final quando é calculado o valor dos serviços subtraindo as despesas
contraídas, eles saem com saldo negativo e ficam devendo. Portanto, podemos observar o
emaranhado de artifícios empregados a fim de prejudicar os trabalhadores.
Orelatórioexpõequeascondiçõesdetrabalhosão degradantes.Inexistindoqualquer
preocupação quanto à segurança esaúdedotrabalhador.Suasmoradiassãoprecárias,feitas
de papelão com umafacealuminizada,queservedeenrijecimento,nolugardoquedeveria
ser estruturas adequadas de paredes e telhados. Este papelão é o mesmo vendido
comercialmenteparaembalagemdeleitelongavida.Nãoháinstalaçõessanitárias,aliásisso
écomumemoutrosestabelecimentosfiscalizados.Nãoháfornecimentodeáguapotável.Não
existe critério para aplicação e manuseio de produtos químicos, verificadoassim,situações
em que havia aplicação deagrotóxicosconjuntamentecomacolheita,naqualparticipavam
crianças e mulheres grávidas.
83
Foiperguntadoaostrabalhadoressobreopreçodevendadeumacaixadetomatee
foi respondido o seguinte:
Portanto, como visto e sublinhado pela fiscalização, os trabalhadores que são os
responsáveisportodaaprodução,poissemeles,nãoháoqueservendido,sãoosquemenos
recebemeosmaisdesassistidoseparacompletaroquadrodesolador,aomenos,10%damão
deobrautilizadasãodecriançasmenoresde14anos.Valeressaltarqueéproibidaqualquer
tipo detrabalhoaosmenoresde14anos,segundoasConsolidaçõesdasLeisdoTrabalho,a
Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente120. Contudo, como
demonstramos,setaisempregadoresnãorespeitamosdireitosfundamentaisdedignidadeda
pessoa humana, tampouco, respeitarão a idade mínima para o trabalho.
Além disso, os pais e mães desses menores, por conta de seus parcos rendimentos
necessitamdapoucareceitaqueestascriançasproduzem,jáqueoqueestesadultosrecebem
são muito aquém do mínimo necessário para sobrevivência da família, portanto, por
imposição da realidade, das condições materiais de existência, todos entes familiares
precisam participar da economia familiar.
Com relação a extração de pinus no conjunto de fazendas visitadas,comrelaçãoàs
condições de segurança e conforto, a fiscalização encontrou alojamentos com paredes de
madeira,pisoscimentadosecoberturadetelhadefibrocimento.Conformeconstatado,estas
fazendasjáforamalvodefiscalizaçõesporpartedoMinistériodoTrabalhoedaPromotoria
doEstadodeSãoPaulo.Oproblemamaiornestasproduçõesestánafaltadeequipamentosde
proteção individual - EPIs no manuseio dos produtos químicos. Como já relatamos, os
trabalhadores se deparam com o contato direto com produtos químicos, portanto ficam
119
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento148.1997.15.000-1, de 1997, p. 09
A
120
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990;Decreto Lei nº 5.452/1943 (CLT)
arts. 402-441
84
sujeitos às queimaduras sofridas pelos ácido sulfúrico e pelas feridas causadas pelas
ferramentas utilizadas. Além disso,
predominante a ausência de registro de todos os trabalhadores envolvidos
É
diretamentena extraçãoderesina,sendoqueosrarosempregadosregistradossão
aqueles que atuam como prepostos, intermediários ou administradores dos
proprietários nas frentes de trabalho; ou são aqueles poucos empregados que
efetivam o recrutamento de mão-de-obra e tratam da administração dos recursos
envolvidos diretamente na atividade, tais como produtos químicos, maquinário e
equipamento e, principalmente, recursos humanos — contratação, manutenção e
pagamento.121
Sacos antigos de resina de pinus, apontando que nesta fazenda também se fazia tal
atividade, com os mesmos elementos de produção que relatamos anteriormente,contudo,a
safra de pinus ocorre nos meses de Outubro a Dezembro, portanto, sendo recomendado a
fiscalizaçãodestaatividadenessesmeses,porserademelhorpreçonomercadoeademaior
facilidade na extração da resina, por conta da maior temperatura.
Portanto,osfiscaisprecisamtambémterumconhecimentodosperíodosdesafrapara
queencontremostrabalhadoresemaçãonoslocais,poissãonessesperíodosemqueocorrem
a transferência massiva de agricultores nas lavouras e assim, os fiscais podem constataras
irregularidades no ato dos seus acontecimentos.
Assim, um outro Procedimento Investigatório do ano de 1997122 nos chamou a
atenção e diz respeito à denúncia de tráfico de pessoas. O procedimento diz respeitoaum
encaminhamentofeitopelaPRTda22ªregião,estadodoPiauíemquesolicitaqueaPRTda
15ªregiãoapureosfatos.RevelandoacomunicaçãoeinteraçãonasdiferentesProcuradorias
dos MPT’s, mesmo quando possuem competências regionais distintas.
AdenúnciapartiudaFETAG-FederaçãodosTrabalhadoresnaAgriculturadoestado
doPiauí,divulgadopelaimprensalocalemquenoticiaquetrabalhadoresdesempregadosdo
PiauíforamsupostamentevendidosaR$15,00porcabeçaafazendeirosdosEstadosdeSão
Paulo,ParáeMaranhão. AFetagrecebeuadenúnciapormeiodetrabalhadoresfugidosdas
fazendasdecanadeaçúcar.Segundoadenúncia,aochegaremaoscanaviaiselesrecebiama
remuneração irrisória de R$ 0,04 por metro de cana cortada e suas carteiras de trabalho
ficaram apreendidas.
As irregularidades passavam também por burlar a forma de contratação quando
contratadosformalmente,emqueascontrataçõeseramfeitasatravésdo“ContratodeSafra”
com sucessivas recontratações. Essa é uma prática executada na tentativa de mascarar a
121
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento148.1997.15.000-1, p. 10
A
122
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento612.1997.15.000-2
85
contratação por prazo indeterminado, em que os empregadores não ficariam sujeitos ao
pagamento da multa rescisória de FGTS e ao pagamento do Aviso Prévio, segundo a
legislação vigente no período, ficando o trabalhador, portanto prejudicado nas rescisões de
contrato de trabalho. Além disso, as reportagens narravam a falta de Equipamentos de
Proteção Individual aos trabalhadores, além do fato de suas moradias serem precárias.
A acusação dizia que seus traficantes intermediários ganhavam em torno de R$
3.000,00(trêsmilreais)porgrupode300(trezentos)trabalhadoreseasempresasdeônibus,
que faziam o transporte destes trabalhadores, recebiam comissão de R$ 800,00 (oitocentos
reais) por lotação.
Adenúnciatraziamuitosdetalheserevelavaqueomodusoperandidosaliciamentos
éopadrão,promessademelhoresganhoseboascondiçõesdetrabalhoepromessadecarteira
detrabalhoassinada.Aosedepararemcomarealidade,osquediscordavampassavamfomee
eram deixadas em outros locais. Sem dinheiro, eram impedidos de retornarem às suas
cidades.
O suposto comércio de gente partia da microrregiãodeValença,principalmentenas
cidadesdeNovoOriente,Aroazes,Pimenteiras,LagoadoSítio,ElesbãoVelosoeSãoMiguel
do Tapuio. Os nomes dos traficantes também eram conhecidos e foram nominados pela
imprensa local e segundo relato da Fetag/PI as notícias dessa prática não eram novidade.
A Ofício da Fetag/PI esclarece que as denúncias eram baseadas em informações
obtidas pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Valença - PI, junto aos trabalhadores e
essas pessoas que eram levadas para o Estado de São Paulo, eram direcionadas
majoritariamente para os municípios de Morro Agudo, São Joaquim da Barra, Ituverava,
Batatais, Sales, São José da Bela Vista, Ipuã e Orlândia.
Diante das supostas irregularidades, a Procuradoria Regional de Campinas e região
informou as prefeituras dos respectivos municípios e nos respectivos cartórios para
verificarem os nomes das fazendas e seus proprietários, informando ainda a Delegacia de
Polícia Militar da região e o respectivo Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Reiterando,
portanto, a colaboração dos vaŕios órgãos envolvidos e com poder de colaborar com as
investigações.
No total foram 9 autos procedimentais, sendo 5 Procedimentos Investigatórios e 4
Inquéritos Civis Públicos123 nas diversas localidades denunciadas. Após as respectivas
123
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº dos procedimentos634.1997.15.000-0; 612.1997.15.000-2;
51.1997.15.000-2; 279.1997.15.000-8; 64.1998.15.000-7; 618.1997.15.000-0; 636.1997.15.000-2;
2
219.1997.15.000-4; 617.1997.15.000-4
86
diligências,ocasofoiarquivadopelaProcuradoriaRegionaldoTrabalhopornãoconstatarem
trabalho escravo. Todas as localidades visitadas estavam com a documentação regular eas
instalações adequadas, segundo os registros.
Estes dados nos chamam a atenção porque pelos relatos reproduzidos nas matérias
anexas aos processos havia toda uma rede de aliciamento e produçãodestetipodemãode
obra, inclusive constando osnomesdosgatosaliciadores,detalhamentodevalores,quenão
se confirmou em nenhuma das fazendas visitadas.
O que nos faz pensar que talvez existisse essa práticaemalgummomento,quenão
maissefaziapresenteouofluxonarradonuncaexistiunarotadenunciada,masofatoéque,
nem todas as denúncias, por mais detalhadas que fossem, não se confirmavam na prática.
Contudo, se faz necessário a verificação e a inquirição para que se ateste ou não os fatos
denunciados. Ademais, essa inquirição atesta também a complexidade de mapear a
escravidão contemporânea, por se tratar de um ato criminoso, que pode atingir o
funcionamento das atividades econômicas.
Um outro Procedimento Investigatório124 nos chamou a atenção pelo fato da
intermediáriadamãodeobraserumamulher.Hajavistoqueopadrãosermassivamentedo
sexo masculino. O que nos atraiu neste procedimento também foi em terdesembocadoem
prisão, o que não ocorre corriqueiramente. Os empregadores geralmente assinam o TAC -
Termo de Ajuste de Conduta e são orientados a corrigirem os problemas,ficandosujeitoa
multa caso não cumpram.
O caso repercutiu na imprensa com matérias anexas ao processo.125 O lavrador
denunciantenarrouquefoiconvidadoparatrabalharnafazendalocalizadapróximaaMarília,
pela intermediária Marlene Pereira e os trabalhadores foram colocados em barracões com
lona e ao chegarem, ele recebeu a notícia de que os que chegavam não conseguiam mais
fugir,alémdeencontraremitensdeconsumoextremamentecaroseficavamsempredevendo,
então ele fugiu e efetuou a denúncia junto à polícia local.
A acusação foi por trabalho escravo na lavoura de café e por cárcere privado. Na
fiscalizaçãodaPolícia(2ºD.PdeMarília)edoMTE,osenvolvidos:Marleneaintermediária,
seufilhode15anosedoissegurançasforampresospelaacusaçãodemanterempessoasem
cárcere privado.
124
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento1092.1998.15.000-2
A
125
As matérias anexas são daFolha de S. Paulo, datadode 13/08/1998 eO Estado de S. Paulode
13/08/1998, anexos p. 06 e 09
87
Os trabalhadores relataram que recebiam trẽs reais por dia - abaixo do piso da
categoria, que à época era de R$ 156,57 - sendo que o mesmo salário já havia
comprometimento pela dívida imposta. Além disso, sofriam maus tratos e ameaças, sendo
impedidos de deixarem a fazenda, sem a quitação das dívidas.
Foi encontrado dezenove trabalhadores no total, dentre os quais, cinco mulheres e
duas adolescentes e diante disso edasoutrasirregularidades,oempregadorfoinotificadoa
registrar os trabalhadores, assim como pagar as diferenças salariais e as verbasrescisórias,
além de depositar o FGTS dos mesmos. O empregador ficou impossibilitado também de
continuar a prestação de serviços pelo prazo de 48 (quarenta e oito) horas. As duas
adolescentes encontradas foram encaminhadaspeloConselhoTutelareConselhoMunicipal
de Marília às suas residências.126 Foi aberto processo também junto a justiça estadual, o
Tribunal de Justiça Regional do Trabalho da 15ª Região (TJT-15), portanto houve
envolvimento do MPT-15, do MTE, do TJT-15 e da delegacia de Polícia do 2º D.P de
Marília, reforçando os diversos órgãos envolvidos dentro da estrutura jurídica, a partir da
ingerência dos trabalhadores em efetuarem as denunciações.
Destemodo,umprocessodoanode1998nosinformatambémsobreasestratégiasde
mobilização dos trabalhadores. Um grupo de65trabalhadoresvindosdeMinasGeraispara
trabalharem na safra de cana de açúcar na cidade de Elias Fausto viviam em condições
degradantes,comalojamentosprecários,faltadehigiene,segurançaealimentos.Agricultores
que adoeciam com as vidas precárias, sendo forçados a trabalharem doentes com jornadas
exaustivas de 10 horas diária no serviço pesado de sol a sol.
As condições foram denunciadas pela imprensa e estão anexas ao Procedimento
Investigatório. A matéria do Correio Popular127 informa que os cortadores de cana
interromperamasatividadesreclamandodaspéssimascondiçõesedenunciandooserrosnos
cálculos dosvaloresdevidos.AdenúnciachegouàCUTdeCampinasedeSãoPaulopelos
próprios trabalhadores, depois que os mesmos também haviam procurado o Sindicato dos
TrabalhadoresRuraisdeCampinas.Assim,tantoaCentralÚnicadosTrabalhadores,quanto
o Sindicato dos Trabalhadores Rurais acompanharam a fiscalização dando suporte aos
cortadores de cana.128
Como desfecho, a empresa foi autuada a pagarasrescisõesdecontrato,alémdeter
assinado um Termo de Compromisso se comprometendo que em 30(trinta)diassanariaos
126
EL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento1092.1998.15.000-2, p. 18
A
127
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento1099.1998.15.000-0,Corte da cana está
suspenso,Correio Popular, 15/08/1998,p. 05
128
Ibidem,Delegacia de Piracicaba inicia investigação,Correio Popular, 15 de ago de 1998, p. 06.
88
problemas, tais como: excesso de cama para desobstruir saídas de ar nos alojamentos,
providenciar medidas contra incêndio, providenciar bebedouros,isolarofogãoagásquese
encontrava junto às camas, fornecer botas de couro, providenciar horas In Itinere129 e
enquanto os alojamentos não fossem devidamente reformados, deveria permanecer
desativados.130 Notermodeconclusãofoiinformadoquenemtodasasquestõeshaviamsido
resolvidas,masqueaempresanãotinhamaisempregadosativos,portantonãoameaçavama
vida de outrem.
Conforme observado e já mencionado anteriormente, a maioria das diligências se
deramemterritórioruralcomatividadesrelacionadasàagricultura.Noentanto,constatamos
este fato em outras atividades também, como na atividade comercial.
OInquéritoCivilPúblicoquerelatamosaseguirdizrespeitoaumaEditoradelivros,
EmpresaProgam-EditoradeProgramadeAtualizaçãoMundial,denunciadoporumdeseus
vendedores. O vendedor protocolou denúncia na Procuradoria RegionaldoTrabalhoda15ª
região na Coordenadoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos - Codin.131
Comumacartaescritadeprópriopunho,estecomerciantede19anosrelatouquefoi
aliciado junto com outros trabalhadores no interior do estado de Minas Gerais, com a
promessa de atuarem na cidade de Belo Horizonte na venda de livros. Contudo, para a
surpresa dos mesmos, eles foram levados à cidade de Campinas, para morarem numa
residência com mais 15 pessoas, incluindo menores.
Ajornadadetrabalhoeradas12hàs22h,ondeeramdeixadosembairrosparavender
os livros sem nenhum dinheiro ou qualquer tipo de alimentação durante a jornada. Ao
retornarem ao alojamento, eram obrigados a lavarem os banheiros e arrumarem os quartos
antesdedormirem,casocontrário,estariamsujeitosamultadeR$60,00(sessentareais).Se
não aceitassem a multa, a cobrançaseriadobradaenãopoderiamsairdecasaouconversar
com qualquer pessoa que também seriam multados.
Cadaumtinhadireitoaumpratodecomidaeodenunciantetrabalhavahádoismeses
sem nenhuma remuneração. Munidos dessa denúncia, o Procurador do MPT-15 Cristiano
Corrêa, montou uma equipe formada por outro procurador do MPT-15, dois servidores da
mesmaProcuradoria,alémdesolicitarforçapolicial,pormeiodaPolíciaMilitar,edecidiram
visitarin locoas circunstâncias narradas.
129
HorasInItineredeacordocomalegislaçãoàépocaeraotempodespendidopeloempregadono
eslocamentodaresidênciaatéolocaldetrabalho,diantedelocaldedifícilacessonãoservidopor
d
transportepúblicoregular.Noprocessoemanáliseficouestabelecidonarazãodeapenas30minutos
diários até o final da safra.
130
Ibidem, Cf.p. 40 e 41
131
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento179.1998.15.000-2
89
Na blitz foi constatado os fatos peticionados pelo denunciante, adicionando que os
trabalhadores eram aliciados de outros lugares além do estado de MG, vinham tambémda
cidade de Teixeira de Freitas-BA e apenas 3 vieram de SãoPaulo.Comrarasexceções,os
trabalhadoresnãorecebiamremuneração,sobrevivendoapenaspelacomidarestritaofertada.
Nãoencontrarammenoresde14anosnolocal,porémencontrarammenoresde18anos,que
pela idade não havia impedimento ao trabalho por não caracterizar natureza de ocupação
perigosa ou insalubre, que seria vedada aos menores de 18 anos.
Averiguou-se também, que condições idênticas se encontravam em outros estados
comoutrosgruposdevendedores.Muitoemborahouvesseaconstataçãodosfatosnarradose
das condições desumanas na qual os trabalhadores eram submetidos, os procuradores não
caracterizaram como trabalho escravo pela ausência de cárcere privado, pois os mesmos
passavam o dia inteiro pelas ruas.
Aqui vale sublinhar que a configuração do delito, não precisa necessariamente vir
acompanhadadecárcereprivado,poisdiferentedaescravidãocolonial,nãonecessariamente
precisa haver a figura do acorrentamentos ou o aprisionamento efetivo, mas também de
outroselementosquepodemtornarumimpeditivoaodireitodeirevir. Portanto,conforme
constatado, os mesmos não recebiam salários, não recebiam alimentação nos locais de
trabalho,podendosuporqueosmesmosapesardeteremacessosàsruas,sualocomoçãoera
limitada pela falta de condições financeiras para fuga ou partida do local. Além disso e
conforme narrado pelo denunciante, os mesmos eram ameaçados de multa caso se
encontrassem em conversas com terceiros, portanto, suas liberdades de locomoção e de
expressão não eram atingidos. O próprio Procurador Corrêa conclui que
amanhaéasubordinação,quehaviaindíciosdelesãoaoprópriodireitodeirevir
T
dos trabalhadores aqui alojados, dentre os quais o denunciante. Por outro lado,
parece que a prática de tal empresa seria prometer uma série de vantagens aos
humildes jovens que vêm sendo aliciados especialmente no interior do Estado de
Minas Gerais, e, após, não cumprir sequer com a obrigação primeira do
empregador, que é o pagamento de salário.132
O Procurador determinou que no caso do vendedor denunciante, lhe fosse pago os
valores devidos, a passagem de volta a sua cidade de origem e uma quantia mínima
necessária aos custos de viagem e este foi o único que optou por voltar a sua cidade natal.
Estecasoéimportantepornoscolocaremcontatocomasdivergênciasconceituaisna
caracterizaçãododelitoequerevelatambémadebilidadedascondiçõesdotrabalholegalno
132
AEL (Arquivo Edgard Leuenroth), nº do procedimento179.1998.15.000-2, p. 27
90
Brasil, onde a extrema precariedade das condições de trabalho não causam estranheza,
mesmo quando ferem direitos fundamentais mínimos. Por fim, sendo constatado pela blitz
apenas como irregularidades trabalhistas, não se tratando de interessesdifusosoucoletivos
que seriadecompetênciadoMPT,abuscareparatóriadosdireitostrabalhistasdeveriamser
buscadas na esfera própria e de competência.
Assim, podemos constatar pelosprocedimentosadministrativosemtela,queembora
hajaaconstataçãoefetivaemváriasfiscalizações,nemsempredesembocamemconfiguração
por trabalho escravo emenosaindaresultamemprisão.Oquetornaestapráticalucrativae
muitas vezes alheias às punições civis, trabalhistas e penais, muito embora haja todo um
arcabouço legal e várias autoridades policiais e jurídicas que podem se envolver, com
competência em punir, autuar, multar e interromper as atividades encontradas com tais
ilegalidades, como tentamos demonstrar neste capítulo.
Com isso, de modo diverso, os trabalhadores ficam mais vulneráveis epassíveisde
serem sujeitos a condições degradantes de trabalho e sem nenhum amparo, os resta
continuaremdenunciandoebuscandonajustiça,nasentidadesdedefesadostrabalhadorese
na sociedade civil, a busca por direitos e reparação pecuniária. Portanto, a busca por
liberdade se torna uma prática constante, impulsionada constantemente pelos próprios
trabalhadores.
AseguirvamosrelatarahistóriadaauditorafiscaldotrabalhoMarinalvaDantas,que
foi uma figura emblemática nas fiscalizações do Ministério do Trabalho. Ela, junto com
outrosagentesdefiscalizaçãoejustiça,setornouumaaliadaimportantedostrabalhadoresna
busca por reparação e trabalho decente.
91
3.3 - Marinalva Dantas, a dama da Liberdade
Neste ponto, retratamos um pouco da trajetória de Marinalva Cardoso Dantas, uma
auditora fiscal do trabalho que teve papel importante nas fiscalizações do Ministério do
Trabalho.
Sua história desembocou num livro biográfico, narrado pelo jornalista recifense
Klester Cavalcanti, no livro “A
dama da Liberdade: A História de Marinalva Dantas, a
mulher que libertou 2.354 trabalhadores escravos no Brasil, em pleno século 21.” Klester
Cavalcanti iniciou a pesquisa sobre a auditora em 2007 e concluiu passados cinco anos,
entrevistando amigos, familiares, outros auditores, agentes da polícia federal que
participaram de suas atividades, ativistas de Direitos Humanos, jornalistas que
acompanharam as missões da auditora, aliciadores de trabalhadores, contando com
aproximadamente setenta pessoas, além de entrevista com a própria Marinalva.
Cavalcanti também fez uso,alémdosrelatosorais,deváriosdocumentos,taiscomo
relatórios do Ministério do Trabalho, inquéritos e processos, cerca de 200 fotografias e 30
horas de vídeos de operações chefiadas pela auditora.133
O livro traz um relato minucioso da vida de Marinalva Dantas, contando dados
pormenorizados de sua vida pessoal desde sua infância, passando pela sua trajetória
profissional. Sintetizamos o que aqui nos interessa, no que se coaduna com sua trajetória
como auditora fiscal do trabalho.
Marinalvanasceunumafamíliapobre,filhadeummotoristaeumadonadecasaque
contava com 19 anos e 2 filhos quando de seu nascimento. Nasceu em Campina Grande,
interior da Paraíba, em 26 de maio de 1954.
Suaprimeirainfânciaseassemelhamuitocomavidademilharesdebrasileiros,pois
sua família vivia na extrema pobreza, sem água encanada, nem luz elétricaousaneamento
básico. A água para consumo chegava em latões por sua mãe. Aos três anos de idade,
Marinalvacontraiuumproblemadesaúdemuitocomumentrecriançascujavidaéausentede
saneamento básico. Elafoiacometidaporumcasomuitogravedelombrigas.Opaidecidiu
mandar a menina aos cuidados de sua irmã mais velha, que possuía melhores condições
financeiras para fornecer assistência médica à menina, em Caicó, no Rio Grande do Norte.
Com melhores condições de vida, bem cuidada ecomacessoàsaúde,Marinalvase
recuperou bem e o pai aobuscá-laconstatouquenãoconseguiriadaramesmacondiçãode
133
Klester Cavalcanti,A dama da Liberdade, 2015, p.20
92
vidaeadeixoucomatia.Eapartirdeentão,passouamorarcomumaoutratiaaindamais
privilegiada financeiramente, passando a ter acesso a escola e médicos particulares e uma
condição financeira e de vidamuitomelhorquesuafamíliabiológica.Comotempo,elase
graduou em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e em 1984 foi
aprovada no concurso para Auditora Fiscal do Trabalho.
Assim,MarinalvapassouacomporoGrupoEspecialdeFiscalizaçãoMóvellogono
seuinício,em27denovembrode1995,eteriacomoalvoumconjuntodeusinasdecanade
açúcar em Alagoas. A viagem paraestaprimeiraoperação,segundorelatodeCavalcantise
deuinicialmenteporRecife.OmotivoseriaporqueapolíciadeAlagoasestavasobsuspeita
de agir em prol dos usineiros que mantinham os trabalhadores sob regime servil. A
preocupação era tanta que nem os oito policiais federais que acompanhavam a operação
sabiam o destino da fiscalização.134
A equipe contava com 25 pessoas entre policiais federais, outros auditores e
motoristas. A auditora Ruth Vilela era chefe de operação dessa missão. Outros auditores
acompanharam a missão por motivos de aprendizagem para capacitação e instrução de
fiscalizações futuras.
Ao todo foram fiscalizadas 8 usinas, denunciadas pelo MinistérioPúblicoFederale
pela Comissão Pastoral da Terra. Ao chegaram na primeira fazenda, Usina Cansanção do
Sinimbu, localizada no município de São Miguel dos Campos, pertencente ao Grupo
Coutinho, haviam10policiaisarmadosnolocal,fazendoavigíliaparticularaoscortadores
de cana, para os intimidar e evitar fugas.135Além disso, havia uma subdelegacia da Polícia
Militarquefuncionavadentrodasededafazenda,tamanhaeraaconivênciadaforçapolicial
com os usineiros.
Esta fiscalização desembocou no Relatório intitulado “Ação Fiscal em usinas,
destilarias e fazendas produtoras de cana de açucar. Municípios de Rio Largo,SãoJoséda
Lage, São Luis do Quitunde, São Miguel dos Campos e União dos PalmaresdoEstadode
Alagoas”136 no período de 27/11/1995 até 09/12/1995.
A metodologia empregada,segundoorelatório,seriaadentrarnocampoparaflagrar
os trabalhadores em efetivo serviço, a verificação das condições coletivas e individuais no
134
lester Cavalcanti,A dama da Liberdade, 2015,p.139
K
135
Ibidemp. 142
136
Esterelatório,juntamentecomosautosdeinfração,foramfornecidospormeiodeumpedidofeito
ao MTE - Ministério do Trabalho e Previdência pela Lei de Acesso à informação, respondida em
25/11/2022, Cód. 46201, nº proc. 004048, Ano: 1995.
93
campo e nas usinas pertinentes a saúde e segurança, além de verificaçãodostrabalhadores
urbanos e rurais, a fim de autuação e/ou orientação.
Ao todo, na usina Cansanção foram alcançados 4.168 trabalhadores, sendo 2.143
irregulares,semregistroemcarteiradetrabalho.Asdenúnciasrecebidasforamvárias,quais
sejam: trabalho degradante, frustração da legislação do trabalho, exploração dotrabalhode
criança e adolescente, além de infrações no que tange a segurança e saúde do trabalho,
irregularidades quanto a jornada, salário, descanso semanal, pagamento de FGTS e usos e
meios para desvirtuar ou impedir a aplicação da legislação.
Muitoembora,aequipetenhaconfirmadoumasériedeirregularidadesgraves,nãofoi
configurado trabalho escravo, o que podemos supor por algumas condições descritas no
relatório, que não havia retençãodesalárioparapagamentodedívidas,nãohaviaarmazéns
oubarracõesinstaladosnolocaldetrabalhoeostrabalhadoreseramlivresparacomprarem
outros armazéns.
Não obstante,outrasirregularidadesgravesforamconstatadas,maselasisoladasnão
caracterizaram trabalho cativo e foram encontradas concomitantes aos elementos descritos
acima.
As irregularidades graves constatadas foram a ausência de água potável. Consta do
relatórioqueaáguaerafornecidaemcarrospipassemnenhumacondiçãodehigiene.Além
disso, os trabalhadores eram transportados em caminhões baú em quantidades superiores à
capacidadedosmesmos,ouseja,maisde100pessoas.Osalojamentosnãoeramapropriados,
oquantitativodetrabalhadoresporalojamentoeradonúmerode12,depisodechãobatidoe
sem ventilação. Não havia instalações sanitárias de nenhuma espécie, nenhum espaço
contendo lavatórios, mictórios, chuveiros e vasos sanitários.
NãohaviaexamesmédicosperiódicosenenhumEquipamentodeProteçãoIndividual
- EPI. Ademais, foram apontados o uso de dois produtos químicos para o cultivo da
cana-de-açucar (endossulfan e gramoxone). Ambos sem armazenamento adequado, suas
embalagens não eram enterradas ou destruídas, o que poderia acarretar perigo aos
trabalhadores e não eram transportadas de maneira adequada. Como no estabelecimento
inexistia EPI, supomos que estes trabalhadores manuseavam estes produtos químicos sem
nenhum preparo ou segurança à saúde.
Foram observados pelos auditores que,
( ...)ostrabalhadoresruraisdaregião,sãodesconfiadosedificilmentelevantavamde
forma espontânea, diante da fiscalização questões em forma de denúncia.
Limitavam-searesponderàsperguntasdafiscalização.Apenasnasegundasemana
94
d e operação, quando as notícias já haviamcirculadoentreostrabalhadores,estes
posicionaram-se enquanto grupo e manifestaram-se coletivamente.137
Dentreasobservaçõesdodocumentooraanalisado,foirelatadoquehouveumaação
dedesarmamentonassedesdasusinascomopartedoesquemadesegurançaperpetradopelos
policiais federais que acompanharam as fiscalizações. Esquema estequesedeudemaneira
tranquilaeeficienteeaofinalasarmas-queficaramguardadasnasdependênciasdaempresa
- foram liberadas.
Dasoitousinasfiscalizadasnestaaçãofiscal,foram23.776trabalhadoresalcançados,
destes 2.808 em situação irregular, com 123 Autos de Infração lavrados.
Como se vê, as fiscalizações são envoltas de uma série de dificuldades e riscos e
podemdemorardias.Cabeaosfiscalizadoresinvestigarascondiçõesecolheradequadamente
os depoimentos dos trabalhadores, tentando colher tanto o que saltaaosolhos,comooque
nãoestáexplícito,sobretudoquandoelesestãonasdependênciasdosempregadoresemuitas
vezes sob coação e ameaças por armasdefogo.Evalelembrar,queoMTEnãopodeabrir
procedimentociviloupenal,tendocompetênciaapenasdeautuaçãoadministrativanaesfera
trabalhista.
137
Item “Violência” da conclusão do citado relatório
95
CONCLUSÃO
Trabalho análogoàescravidãoéumarealidadequedizmuitosobreanossaestrutura
social de desigualdades, sobre o domínio e perpetuação das mazelas sociais pela classe
dominante. Revela nossa elite do atraso, que perpetua a prática da escravidão já abolida
institucionalmente, mas ainda fortemente atuante e de maneira não tão velada como
poderíamos supor, para uma prática que fereosDireitosHumanos,infringealei,dentrode
uma sociedade de trabalhadores livres.
Diante do exposto neste trabalho, vemos o quanto a prática da escravidão é uma
realidadenoBrasilcontemporâneo.AassinaturadaLeiÁureanãofoiseguidapornenhuma
políticaestataldeassistênciaeamparoaostrabalhadoresrecémlibertosenemnosanosque
seseguiram,marcandoassimaestruturasocialbrasileiraqueofertamparaapopulaçãomais
pobre e periférica, condições laborais degradantes.
Conforme acompanhamos, quando ocorrem as fiscalizações, raramentedesembocam
em punição dos empregadores e quando estes raramente são punidos é por meio de forte
pressãosocialemidiática,talcomonocasodaFazendaBrasilVerde,ondeparasechegarna
justiça participou vários atores nacionais e internacionais, durante vários anos, pois as
injustiças presentes no cotidiano laboral, reverberam também no campo da justiça
institucionalizada.
Outro ponto a salientar e como tentamos demonstrar é que para submeter
trabalhadores ao trabalho escravo faz-se necessário uma estrutura em rede que envolve
diversoselementos,comdiversaspessoasemdistintastarefas.Nacentralidadedessarelação
desigual estão os empregadores, que ávidos por aquisição de mais lucros, com custos
reduzidos, contratam pessoas em troca de parcos ou nenhum rendimento, oferecendo
condiçõesinsalubres-conformenarramosaolongodestetrabalho-contandocomumarede
que participa funcionários em diversas atividades, além de agenciadores que buscam
trabalhadoresemsuasregiõesdeorigemcompromessasfalsasdeganhoseoportunidadesde
trabalho, inexistentes ou insuficientes onde residem.
Não raro, as autoridades das regiões têm conhecimento do que acontece nessas
localidades e fazem vista grossa diante dos fatos, por conivência e cumplicidade com os
poderes políticos e econômicos locais. Perpetua-se práticas de mando e de poder nunca
rompidas na conjunturahistóricadopaís,mesmocomumaparatolegislativoconstituídono
pós abolição e sob a vigilância da sociedade civil de trabalhadores livres.
96
Vale ressaltar que esta é uma prática que não atinge apenas o Brasil, mas afeta
trabalhadores do mundo todo em maior oumenorescala,ondeoneoliberalismoimperaem
busca de maiores lucros, com o consequente barateamento dos custos de produção,
recorrendoacaptaçãodemãodeobrasubjugadaparaatingirestefim,portanto,quemacaba
pagandoacontadocapitalismodesenfreadosãoostrabalhadores,apontamenosprivilegiada
dessa fatura desigual.
Lembramos e conforme tentou-se demonstrar ao longo deste trabalho, que o Brasil
construiu um arcabouço jurídico para a coação deste delito, com sanções que passam por
penalidades administrativas e penais, incluindo pena de reclusão, multas pecuniárias e
indenizatórias, além da possibilidade de terem suas atividades econômicas interrompidas e
suas terras desapropriadas, atingindo tantoaspessoasfísicasquesãocúmplicesepartícipes
de tais práticas, quanto as empresas e a cadeia de produção.
Portanto, o Estado brasileiro criou uma estrutura de fiscalização e criminalização,
impondo uma série de sanções dentro das várias esferas de poder inserido na estrutura
administrativa e judiciária aos empregadores flagrados na prática de escravidão moderna.
Alémdisso,oBrasilésignatáriodetratadosinternacionaisqueversamsobreaDignidadeda
Pessoa Humana e pela coação ao Trabalho Forçado, o que demonstra seu compromisso
perante o mundo.
Diante disso, o Brasil pode ser considerado um país que possui um conjunto de
normas avançadas no combate ao trabalho escravo, com medidas que percorrem desde a
denúncia até a criminalização penal. Medidasconstruídaseamplamentedebatidasaolongo
dos anos e conforme o entendimento do problema pelos envolvidos. Contudo, vemos que
essas medidas não são aplicadas na prática e servem mais paraaplacarosclamoressociais
nacionais e internacionais, do que efetivamente acabar com o problema.
Desta maneira, como oEstadobrasileiroénegligente,trabalhadores,sociedadecivil,
sindicatos e instituições de amparo, justiça e assistência aostrabalhadoresexercempressão
pela criação e aplicação das normas, que desembocaram nas diversas medidas de justiça e
controle que foram criadaspeloEstadoeaindacontinuampressionandoparaquesetornem
efetivamente eficazes na prática.
Asmedidasestãopostas,comodemonstramos,oquefaltaévontadepolíticaparasua
aplicação, mas isso requer colocar em xeque toda a estrutura fundiária, toda estrutura
econômica, fortemente amparada no agronegócio e por grandes empresas que buscam
rendimentos milionários, em detrimento do bem estar social.
97
Um trabalhador escravizado não é apenas privado da venda de seu único bem-sua
forçadetrabalho-bemestequeéoúnicoresponsávelporsuprirseusmeiosdesubsistência,
mastambémlhessãoprivadossuadignidade,integridadefísicaeseusdireitoscivisbásicos.
Édesumaimportâncialibertarestestrabalhadoresafimderestituirseusdireitoselementares
de cidadania. Cabe ao Estado oferecer condições para que os mesmos não retornem aos
mesmos lugares de sujeição e que consigam enfim retomarem suas vidas com trabalho
decente.
Definimos o título deste trabalho como “Construindo Liberdade” porque diante da
pesquisarealizada,temosqueaemancipaçãototaldostrabalhadoresetrabalhadoras,abusca
por trabalho decente está em constante construção. Tendo como protagonistas a classe
trabalhadora agindoindividualecoletivamenteemsuaslutasdiáriasnospostosdetrabalho,
nas estratégias de permanência e resistência no materialismo dialético das relações sociais.
Estestrabalhadoresqueaquiseapresentarammuitoembora,vistoscomoignorantese
muitas vezes sem nenhum acesso ao ensino regular, nos dão lição do tanto que são
conhecedoresdeseusdireitosesabemaquemrecorrernabuscaporjustiçaetrabalhodigno,
porissorecorremaossindicatos,aentidadesreligiosascomo aComissãoPastoraldaTerrae
aos grupos de amparo, justiça e assistência na busca por liberdade.
Liberdade aqui entendida não necessariamente como o inverso do acorrentamento
perpetradopelaescravidãocolonial,tampoucoàmaneiradoscárceresprivadosporcorrentes,
muros e algemas,poiscomovimos,nemsempreosescravizadoscontemporâneos,temseus
corpos aprisionados.
Uma pessoa livre dentro de uma democracia é um cidadão detentor de Direitos e
Deveres, que têm sua integridadefísicaemoralasseguradaspelasinstituiçõesestabelecidas
pelo Estado Democrático de Direito. Um cidadão livre é um sujeito desimpedido,
desembaraçado, que não possui nenhum laço visível ou invisível que o amarre a qualquer
situação de sujeição e subordinação.
Portanto, temos que construir liberdade, se refere a ir ao encontro de libertar estes
trabalhadores dos vínculos de sujeição que as amarras do neoliberalismo, da busca
exacerbadaporlucroimpostopelocapitalismoesuasformasdesuperexploraçãodamãode
obra impõe aos trabalhadores e trabalhadoras deste país.
Assim, tolerar a escravidão num país detrabalhadoreslivressófazsentidoporquea
elite empresarial possui raízes profundas noatrasoenaperpetuaçãodasdiversasformasde
violência física, moral e social contra os mais pobres. No Brasil, essa elite está
profundamenteenraizadanoservilismo,naperpetuaçãodeprivilégiosenoatrasosocial,por
98
issoalutaporliberdadedeveserconstanteerotineira,construídadiariamentepressionandoe
construindo medidas eficazes e fazendo usodosrecursosdisponíveiseabrindoespaçopara
que enfim, esta liberdade seja atingida.
99
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