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Inspectores na Primeira República: a pessoa para além da fiscalização

Resumo
O cargo de inspector de ensino foi criado ainda no Período Imperial, com vistas a
fiscalizar o funcionamento das escolas e os procedimentos de seus respectivos gestores.
A proclamação da República . O presente artigo teve por objetivo apresentar outras
facetas dos inspectores de ensino por meio do desenvolvimento de uma breve
prosopografia indicando em meio ao histórico dos inspectores de ensino aspectos para
além de suas atividades supervisoras. Para o cumprimento de tal intento serão utilizadas
fontes jornalísticas como O Estado de São Paulo, disponível no acervo digital do
Estadão, e Correio Paulistano, disponível no acervo digital da Biblioteca Nacional,
registros no Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo, disponíveis no acervo digital
do Arquivo Público do Estado de São Paulo, e obras referentes aos inspectores de
ensino. As categorias de análise que alicerçaram este estudo foram classe, segundo o
olhar de Thompson (2011), em que as relações de identidade são formadas
historicamente pelos elementos compartilhados no cotidiano e biografia segundo a
perspectiva de Bourdieu, para o qual a biografia incorre na identificação do sujeito no
ambiente histórico.

Palavras-chave: Inspetores. Biografia. Ensino. São Paulo.


Introdução

Demartini e Antunes (2013) discorreram em artigo intitulado Magistério:


profissão feminina, carreira masculina acerca das relações entre gênero e ascensão na
área educacional. Ainda no sentido das diferenças de gênero e sua relação com os
processos de ascensão na carreira, ressaltaram a respeito dos homens que compunham o
efetivo da instrução pública paulista, que:
Analisando mais atentamente, podemos notar que para quase todos a
permanência como professor primário dentro da sala de aula representou um
curto período de suas trajetórias profissionais: logo depois que iniciaram suas
atividades foram promovidos a diretores, ou convidados para assumirem
cargos técnicos no próprio sistema educacional (DEMARTINI; ANTUNES,
2013, p. 09)

Assim, as autoras identificavam privilégios oriundos das condições propiciadas


pelo gênero do agente histórico. No caso deste artigo em específico, as questões ligadas
aos espaços ocupados por cada gênero no campo educacional, foi analisado dentro do
período conhecido como República Velha ou Primeira República (1890-1930).
Vale lembrar que com a proclamação da República, as transformações urbanas
foram aceleradas em prol da construção de uma imagem de superioridade e
modernidade republicanas em contraposição à construção de uma imagem de atraso do
governo imperial. Em São Paulo, mais exatamente, as riquezas oriundas da plantio e
venda do café, produto que à época era sinônimo de riqueza e poder, foram
fundamentais para a transformação e ampliação rápida das cidades, principalmente a
capital paulista. Assim, o predomínio econômico e político de São Paulo se estabeleceu
ao longo da Primeira República e os desdobramentos se fizeram sentir na configuração
urbana, na presença maciça de imigrantes, destacadamente italianos, mas também
portugueses, japoneses, alemães, árabes, gregos (FAUSTO, ????) e migrantes. Ao final
do século XIX e início do século XX, a cidade de São Paulo quase quadruplicou o seu
contingente populacional apresentando 64.934 habitantes em 1890 e em 1900 já
registrava 240 mil moradores.
É nesse contexto de modernização e ampliação de São Paulo que foram
implantadas reformas que visavam a disseminação do ensino básico aos cidadãos
paulistanos. A Directoria de Instrucção Publica foi, então, organizada com vistas a
atender não apenas as crianças e adultos, mas também aos anseios de modernidade e
civilidade propagados pela cidade – anseios estes que não destoavam dos anseios do
governo federal em um aspecto fundamental: promover a formação de novas gerações
de brasileiros patrióticos e úteis à nação republicana que se instaurava. Assim, nos
meandros do mecanismo educacional, foram ocupados os cargos de inspetores de
ensino, via de regra, para os professores homens oriundos da Escola Normal.
A atuação destes inspetores foi marcadamente fiscalizadora como indicam os
relatórios escritos por eles e, muito provavelmente, despertavam receios e cuidados
relativos à sua presença na unidade escolar, posto que seus apontamentos e registros
poderiam representar benefícios e reconhecimento ou prejuízos à administração e ao
professorado.
Conhecer suas trajetórias nos permitiu apreender um pouco mais sobre as
relações políticas, econômicas sociais que permeavam a existência dos sujeitos
históricos que compunham o ambiente do aparelho escolar paulista na Primeira
República em suas dinâmicas estruturais e conjunturais. Assim, foram elencados doze
inspetores, que não representam nem mesmo a maioria deles, sem, contudo, intentar
privilegiar os olhares destes profissionais em detrimento dos olhares de outros atores,
mas tão somente delimitar a pesquisa a um conjunto de agentes que compartilhavam
ambientes específicos de trabalho e sociais contribuindo para o entendimento das
dinâmicas que coordenavam os espaços a serem ocupados pelos diferentes grupos
sociais.

Inspetores de ensino: caminhos para educação na Primeira República

As biografias a serem exploradas estão circunscritas, principalmente, aos


registros de cargos ocupados pelos professores (as) e podem ser iniciadas com o célebre
inspetor de ensino que, quando à frente da Directoria de Instrucção Publica foi um dos
idealizadores dos Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo, cujos volumes compõe,
inegavelmente, um dos documentos mais ricos e relevantes nos estudos históricos sobre
a educação paulista e além. Comecemos, então, por Lourenço Rodrigues.
Nascido a 1869, em Tatuí, interior de São Paulo, João Lourenço Rodrigues (O
Estado de São Paulo, 1954, p.08) nasceu pouco antes da proclamação da República e
devia contar com 20 anos de idade quando da mudança de regime governamental. Ainda
tendo como parâmetro a proclamação da República, no ano anterior o então jovem João
Lourenço Rodrigues prestava os exames do primeiro ano da Escola Normal de São
Paulo (O Estado de São Paulo, 1888, p. 01), cuja formatura foi realizada no ano de 1892
e em 1901, já atuava como profissional, assumindo cargo de diretor escolar em
Piracicaba, na Escola Modelo Prudente de Moraes (O Estado de São Paulo, 1901, p.
04).
Quanto à carreira como professor, atuou em grupos escolares nas cidades de
Amparo, Campinas, assumindo inclusive aulas na Escola Complementar de Campinas
em 1910 (O Estado de São Paulo, 1910, p. 01) e em São Carlos. Não bastasse a sua
atuação em localidades distintas, ocupou-se de aulas na Escola Normal da Capital
durante um período que se estendeu de 1912 até 1920. Esteve, ainda, entre 1907 e 1909,
à frente da Inspectoria Geral de Instrucção Publica e foi responsável pela edição dos
primeiros Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo, que mais que um conjunto de
registros visava contribuir com o trato de temáticas diversas de interesse da educação
popular (SÃO PAULO, 1908). Neste período também organizou o calendário escolar,
incluindo datas comemorativas e estabelecendo uma organização do tempo escolar com
horários de saída e entrada (LEGRIS, 2012). Faleceu em 1954, em Campinas,
reconhecido e respeitado por seus pares devido à sua carreira atuante na educação
(Fallecimentos, 1954, p. 08).

Figura 34: João Lourenço Rodrigues


Fonte: IECC MEMÓRIAS: escorço biográfico do professor Gabriel Prestes

João Chrysóstomo Bueno dos Reis, nasceu a 28 de dezembro de 1872, na cidade


de Espírito Santo do Pinhal-SP. Foi aluno do renomado colégio Culto à Ciência em
1887 e, em 1889, ingressou na Escola Normal de São Paulo e, assim sendo, não tardou a
ocupar, assim como muitos dos que cursaram esta importante instituição de ensino
dedicada à formação de professores, diversos cargos na instrução pública, começando
sua trajetória em 1892 numa escola isolada em Mogi Mirim, mas sendo pouco tempo
depois nomeado para a 2ª cadeira da cidade, onde permaneceu até 1896, chegando a
ocupar o cargo de inspetor distrital. Entretanto, extinto o cargo de inspetor distrital em
18971, retornou à docência na 2ª escola isolada de Mogi Mirim até 1900, quando foi
nomeado para lecionar como professor adjunto no Grupo Escolar Coronel Venâncio em
que permaneceu apenas até 1901, pois retornou nesse ano à capital assumindo aulas na
2ª Escola Modelo de São Paulo.
Em 1902, entrou para o curso de Ciências Jurídicas e Sociais do Largo São
Francisco e se manteve como professor no magistério público, exercendo o ofício em
escolas isoladas e grupos escolares ocupando, entre 1904 e 1911, o cargo de inspetor
escolar, afastando-se do cargo para assumir a função de Diretor Geral da Instrução
Pública Paulista até 1917. (WARDE; PAULO, 2019).
Os registros encontrados indicam que o inspetor Domingos de Paula e Silva
pediu, em 1885, dispensa de idade para poder se matricular na Escola Normal de São
Paulo (O Estado de São Paulo, 1885, p. 01). O pedido em questão pode ser o indicador
de que o mesmo adentrou tardiamente no curso. Diplomado, entretanto, os documentos
demarcam sua atuação como inspetor literário, já em 1899 (O Estado de São Paulo,
1899, p. 01). Tal feita possibilita mesmo o entendimento de que traçou relações
importantes rapidamente, ou que já tinha estas relações, faltando-lhe apenas a formação
adequada. Não foram encontrados até o final deste levantamento, informações sobre o
seu exercício docente. De 1900 em diante atua como inspetor (O Estado de São Paulo,
1900, p. 01), já que em 1902, os registros ainda são de sua atuação enquanto inspetor de
ensino (O Estado de São Paulo, 1902, p. 02), e a alteração encontrada entre as
informações data de 1908, em que Domingos de Paula e Silva figura como inspetor

1
O cargo extinto mencionado provavelmente foi, em específico, o cargo ocupado por João Chrysóstomo
Bueno dos Reis, uma vez que ainda há menção ao cargo e responsabilidades referentes ao mesmo no
Decreto n. 4101, de 14 de setembro de 1926.
geral (O Estado de São Paulo, 1908, p. 03). Não foram encontradas informações sobre a
sua aposentadoria.
Arnaldo O. Barreto nasceu a 12 de setembro de 1869, em Campinas, e
frequentou, como seus irmãos, com destaque o Colégio Internacional de Campinas,
fundado pelo pastor presbiteriano Nash Morton, em que lecionaram professores como
Rangel Pestana. Entretanto, com o falecimento do pai, em 1876, Arnaldo deixou os
estudos em 1877 e foi exercer atividades nas oficinas do Diário de Campinas,
exercendo atividades tipográficas (MAZIERO, 2015). A experiência de trabalho se
mostrou útil ainda, quando aos 15 anos, foi morar no Rio de Janeiro com seu irmão
Armando O. Barreto que se formaria como engenheiro em 1884, mas que, infelizmente,
morreria afogado em 1887, três anos depois de seu regresso ao lar como engenheiro
formado e contratado pela Companhia Mogyana (Idem).
Este evento, trouxe novo abalo financeiro e emocional à família Barreto, pois
Armando formado e contratado, se tornara o alicerce fundamental da família, como
antes o era o pai. Com o seu falecimento de forma trágica, os familiares tiveram que
lidar com a perca do ente familiar e, consequentemente, dos recursos advindos do
trabalho do jovem engenheiro (Ibidem).

Figura 36: Arnaldo de Oliveira Barreto


Fonte: IECC MEMÓRIAS: diretores (1894-1929)

Matriculou-se na Escola Normal em 1889, para seguir carreira no magistério


público, concluindo o curso em 1891 e saindo da cidade de São Paulo para lecionar na
cidade de Batatais-SP. Entretanto, não perdurou sua estadia em Batatais, pois em 1893
já se instalava na cidade de Campinas para assumir ali a 4ª cadeira, não permanecendo
também por mais de um ano, já que no ano seguinte, em 1894, foi convidado por Miss
Brown a voltar a São Paulo para assumir aulas em uma classe na Escola Modelo do
Carmo como professor adjunto, juntamente com Ramon Roca Dordal e outros cinco
novos professores (Ibidem).
Em sua incessante atividade foi nomeado diretor do grupo escolar de Lorena em
1896, para em 1897, após retomar as atividades docentes, passar a acumular os cargos
de inspetor das Escolas Anexas e de auxiliar de diretor da Escola Normal. Além das
atividades na carreira docente e na administração escolar, Arnaldo O. Barreto foi
responsável pela confecção de material didático, Grammatica Escolar, em conjunto
com Oscar Thompson, Benedicto M. Tolosa e Ramon Roca Dordal. A Cartilha das
Mães também constitui exemplo importante de sua produção didática aprovada pelo
Conselho Superior em 1895. No entanto, cabe destacar que no magistério ainda exerceu
função de diretor do Gymnasio de Campinas em 1906 e foi colaborador na elaboração
de um novo regulamento para a escola de aprendizes da Marinha (Ibidem).
Figura 37: Professor René Barreto – S/D
Fonte: IECC MEMÓRIAS: Alguns professores do Curso Normal da ENC, futuro I.E.
Caetano de Campos; de 1894 até 1950.

O irmão de Arnaldo O. Barreto, René Barreto, Figura 37 acima, também seguiu


carreira como professor e inspetor de ensino.
Nasceu em 1872, em Campinas (O Estado de São Paulo, 1913, p. 06), René
Barreto consta como aluno aprovado com distinção no curso de música nos exames do
1º ano da Escola Normal em 1891 (O Estado de São Paulo, 1891, p. 02) e as
informações indicam que em 1896 era professor do 2º ano da escola complementar (O
Estado de São Paulo, 1896, p. 01). Em 1899, o governador baiano Luiz Vianna visita
São Paulo. Em sua passagem pela cidade, conheceu as instituições escolares paulistas,
dentre as quais a Escola Normal, onde se encontravam à sua espera o diretor e o vice-
diretor da Escola Normal, sr. Alberto Salles e o sr. Sá e Benevides respectivamente,
acompanhados pelo professor René Barreto (O Estado de São Paulo, 1899, p. 01).
Em 1902, exerce a função de professor substituto de Astronomia na Escola
Normal. René Barreto também fazia parte da Associação Beneficente do Professorado
Publico do Estado como membro efetivo do quadro social da instituição (O Estado de
São Paulo, 1902, p.02). Em sua trajetória cabe destacar a elaboração e publicação dos
manuais pedagógicos “Serie Graduada de Mathematica Elementar”, volume I e II,
respectivamente, de 1912 e 1915, que foram adotados pelas escolas do estado
(MACIEL, 2016).
O tracejar das vivências dos inspetores apresentados demonstram aproximações
e distanciamentos que extrapolam o mero exercício de suas funções. Estes inspetores
confeccionaram obras didáticas, produções voltadas à aprendizagem de música,
escreveram e publicaram versos, acertaram, cometeram erros, se aperceberam de
oportunidades, em alguns momentos foram acusadores de forma quase inquisitorial, em
outros foram réus. Foram, enfim, pessoas com as tipificações que caracterizam a vida
humana e com todas as possibilidades e limitações que as pessoas costumam tem em
seu ambiente social.
Conhecer um pouco mais sobre os inspetores e sua trajetória, nos permite
elencar e apreender características comuns à maioria deles e que podem contribuir para
com o entendimento de suas perspectivas, comentários, críticas e sugestões envolvendo
as condições de funcionamento, o papel e o lugar das escolas isoladas. Assim sendo,
podemos iniciar elencando alguns elementos fundamentais como o fato de todos serem
homens, normalistas, isto é, formados na Escola Normal de São Paulo, com rápida ou
nenhuma atividade em escolas isoladas, ocupando cargos que variavam entre a direção
em grupos escolares ou mesmo a docência na Escola Normal como titulares ou
adjuntos.
Dentro destas prerrogativas, nos é possível entender ou ao menos imaginar que
estes elementos em grande medida contribuíram para a formação de uma visão sobre
como deveriam ser e operar as escolas, sejam grupos, particulares, reunidas ou isoladas.
Em outras palavras, seguindo os critérios de sua própria formação estes inspetores,
muito provavelmente, estabeleceram um padrão mínimo a ser atendido e ao qual,
evidenciado pelos comentários, as escolas não correspondiam, em especial as escolas
isoladas. A formação e exercício da função professoral, entretanto, termina por
contrabalançar os critérios de julgamento discernindo entre responsabilidade dos
professores e os limites impostos à atuação destes devido à falta de recursos materiais e
pecuniários.
Sobre as biografias enquanto objeto de pesquisa, vale ressaltar que para
Bourdieu (2002), embora as narrativas biográficas procurem tecer um sentido linear
centralizado na instituição de um nome próprio e suas derivações como o batismo, o
registro em cartório, entre outras, estas são ilusões biográficas, pois a trajetória de um
indivíduo é composta por seus deslocamentos sociais. Amaral (2017) afirma que a
proposição de Bourdieu (2002) estimulou historiadores a discutirem a validade da
biografia enquanto documento histórico e que estes sentindo-se desafiados, refletiram e
argumentaram sobre a biografia, definindo-a como campo rico em possibilidades de
análise e apreensão do social.
As biografias apresentam características não apenas do biografado, mas também
do mundo em que este se insere, bem como a percepção do mundo através dos olhos de
uma personagem. O que estes olhos teriam visto? O que estes ouvidos teriam ouvido?
As biografias nos concedem um pouco destes elementos. Del Priori (2009) aponta para
características fundamentais sob as quais a escrita biográfica se apresenta a depender do
período, indicando que as próprias tendências biográficas se alteram em seu papel ao
longo do tempo, e se na Grécia antiga a biografia estava ligada à trajetória do herói, na
Idade Média a história dos santos, na idade moderna traz à tona os princípios do
individualismo burguês e, finalmente no XIX e inícios do século XX, são resguardados
os heróis nacionais. Retomada nos anos 60, com a história social, a história biográfica
adquiriu outras nuanças. Nos parece que a própria noção de herói tenha sofrido
alterações no decorrer do tempo e as grandes ações tenham sido consideradas em outros
aspectos, permitindo inclusive o tracejar de perfis que não correspondem exatamente ao
delinear heroico, haja visto o segmento historiográfico denominado História do
Fracasso, o qual conta com autores como Pallares-Burke que em sua obra O Triunfo do
Fracasso: Rüdiger Bilden, o amigo esquecido de Gilberto Freyre analisa a trajetória do
pesquisador Rüdiger Bilden em seus vários desapontamentos.
A pesquisa sobre os inspetores de ensino foi respaldada, principalmente por
documentos jornalísticos. Os jornais, enquanto fontes históricas são capazes de
demonstrar muitos dos fatos e muito da visão sobre estes fatos no período em que
ocorreram. Certamente, a análise realizada, não apenas deste, mas de qualquer
documento, estará atrelada às concepções de mundo do historiador, que por sua vez,
estará condicionado às perspectivas de seu próprio tempo. Os jornais, entretanto,
apresentam uma peculiaridade. Diferente de documentos oficiais, que atendem aos
interesses daqueles que estão no exercício do poder conferido pelo Estado, por exemplo,
os interesses que o jornal atende são seus, mas os seus interesses estão diretamente
subordinados aos interesses de seu público leitor e do público noticiado. Ou seja, o
jornal atende a interesses múltiplos com vistas à sua manutenção e expansão enquanto
parte da indústria midiática. Neste sentido, cabe salientar que todo jornal atende a um
mercado. Nas palavras de Bourdieu:
Sendo uma relação de comunicação entre um emissor e um receptor, fundada
no ciframento e no deciframento [...] a troca linguística é também uma troca
econômica que se estabelece em meio a uma determinada relação de força
simbólica entre um produtor, provido de um dado capital linguístico, e um
consumidor (ou um mercado), capaz de propiciar um certo lucro material ou
simbólico. Em outros termos, os discursos não são apenas (a não ser
excepcionalmente) signos destinados a serem compreendidos, decifrados; são
também signos de riqueza a serem avaliados, apreciados, e signos de
autoridade a serem obedecidos (BOUDIER, p. 53, 2008).

Amaral (2008), atenta para a relevância de se romper com o entendimento de


uma existência dicotômica entre uma imprensa que atende a uma elite como um padrão
superior e a imprensa que atende populares como um padrão inferior, argumentando que
o próprio sentido da palavra sensacionalismo adquire nuanças diferenciadas a depender
do tempo e circunstância em que esta é utilizada e que não são exclusividade dos jornais
populares e nem todos os sensacionalismos são pautados por notícias que envolvam
sexo e violência. Há de se ressaltar, ainda, que Abramo (2003) afirma que a
manipulação da imprensa não ocorre por meio da publicação de notícias inventadas,
mas antes nas formas de apresentar as verdades.
Luca (2001) tece considerações sobre a imprensa enquanto material e objeto
dotado de historicidade e potencialidade documental, nos elucidando acerca do fato de
que os jornais e revistas, assim como as biografias, e outras fontes históricas, foram,
justamente por suas características comerciais e ideológicas, consideradas fontes
inadequadas aos estudos históricos que se pretendiam sérios. No entanto, a autora
esclarece que as fontes derivadas das publicações da imprensa dependem mais dos
critérios analíticos que embasam a utilização da fonte pelo historiador e menos de suas
intenções ao serem publicadas.
No caso da prosopografia realizada, o foco fundamental foi constituído pelo
mais pelo interesse informacional, que pela análise da existência e do universo social e
econômico dos biografados, mesmo que em alguns momentos tais ponderações tenham
ocorrido. O levantamento realizado, entretanto, nos permite vislumbrar os inspetores em
suas trajetórias profissionais, em suas dedicações e preocupações, em seus devaneios e
interações, em seus aspectos humanos enfim, permeados por erros e acertos.
São pessoas como estas, que atuaram neste momento histórico, e através do
resgate de suas considerações sobre as escolas isoladas, que as teremos como nossas
principais interlocutoras. Seus apontamentos serão observados e analisados, no sentido
de entendermos um pouco mais sobre como as escolas isoladas eram vistas, mas
também como eram consideradas pelos sujeitos históricos à época.
Professoras: aptas ao magistério, mas inaptas para a administração do aparelho
escolar

Botyra Camorin foi professora primária em São Paulo, atuando em escolas rurais
durante grande parte da sua carreira. Esta professora diplomou-se pela Escola Normal
do Brás em 1928, mas iniciou sua carreira em 1930, já casada desde o ano anterior. Em
seu percurso profissional atuou na escola isolada de
Juventina M. Dordal foi professora de escola isolada localizada no Largo do
Cambuci

DEMARTINI, Z. de B. F.; ANTUNES, F. F. Magistério primário: profissão feminina, carreira masculina. Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, n. 86, p. 5–14, 1993. Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/934. Acesso em: 9
nov. 2023.

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