É estranho como certas frases ou eventos se alojam em nossa
mente e oferecem orientação ou conforto contínuos. Décadas atrás, atendi uma paciente com câncer de mama que, durante toda a adolescência, tinha ficado presa numa longa e amarga luta com seu pai repressor. Desejando ardentemente alguma forma de conciliação, um novo e diferente começo para o relacionamento entre eles, ela aguardava ansiosamente pela ocasião em que o pai a levaria de carro até a faculdade — uma ocasião em que ela ficaria sozinha com ele por várias horas. Mas a viagem há tanto tempo esperada se revelou um desastre: o pai se comportou exatamente segundo o figurino, reclamando longamente do riacho feio entulhado de lixo às margens da estrada. Ela, por outro lado, não viu absolutamente nenhum entulho no belo e rústico córrego, que conservava a sua beleza natural. Não conseguiu descobrir nenhuma maneira de responder e, acabando por cair em silêncio, eles passaram o restante da viagem desviando o olhar um do outro. Mais tarde, ela fez a mesma viagem sozinha e ficou surpresa ao notar que havia dois c órregos — um em cada lado da estrada. "Desta vez, eu era a motorista" disse ela com tristeza, "e o córrego que tinha visto da minha janela no lado do motorista era tão feio e poluído quanto meu pai o tinha descrito." Mas na ocasião em que ela tinha aprendido a olhar pela janela do pai, era tarde demais — o pai estava morto e enterrado. Esse relato me acompanha até hoje e, em muitas ocasiões, lembro a mim mesmo e aos meus alunos: "Olhem pela janela do outro. Tentem ver o mundo da forma como o seu paciente o vê." A mulher que me contou esta história morreu pouco tempo depois de câncer de mama, e lamento não ter podido contar a ela o quanto seu relato tem sido útil ao longo dos anos, para mim, para meus alunos e muitos pacientes. Cinqüenta anos atrás, Carl Rogers apontou a "empatia precisa" como uma das três características essenciais do terapeuta eficiente (ao lado da "consideração positiva incondicional" e da "sinceridade") e lançou o campo da pesquisa em psico-terapia, que acabou levando a evidências importantes que confirmam a eficácia da empatia. A terapia será mais eficaz se o terapeuta entrar com precisão no mundo do paciente. Os pacientes lucram muito pela simples experiência de serem vistos em toda a sua plenitude e de serem inteiramente compreendidos. Portanto, é importante que apreciemos como o nosso paciente experimenta o passado, o presente e o futuro. Acho essencial e faço questão de verificar repetidas vezes os meus pressupostos. Por exemplo:
Bob, quando penso no seu relacionamento com a Mary, o que entendo é o
seguinte. Você diz que está convencido de que você e ela são incompatíveis, que quer muito se separar dela, que se sente entediado na companhia dela e evita passar noites inteiras com ela. Mas, agora, quando Mary agiu da forma que você queria e se afastou, você volta novamente a ansiar por ela. Acho que o ouço dizendo que não quer estar com ela e, no entanto, não consegue suportar a idéia de ela não estar disponível se, porventura, você precisar dela. Estou certo até aqui?
Empatia precisa é mais importante no domínio do presente
imediato — isto é, no aqui-e-agora da hora da terapia. Tenha sempre em mente que os pacientes enxergam as horas de terapia de maneira bem uitas e muitas vezes, os terapeutas, mesmo diferente dos terapeutas. M aqueles com uma enorme experiência, ficam extremamente surpresos ao redescobrirem este fenômeno. Não é raro acontecer de um de meus pacientes começar uma sessão com a descrição de uma intensa reação emocional a algo que ocorreu durante a sessão anterior, e sinto-me desconcertado e não consigo imaginar, mesmo que minha própria vida possa depender disso, o que teria acontecido naquela sessão para provocar uma resposta tão poderosa. Tais pontos de vista divergentes entre paciente e terapeuta chamaram minha atenção pela primeira vez anos atrás, quando estava realizando uma pesquisa sobre a experiência de participantes de grupos, tanto em grupos de terapia quanto em grupos de encontros. Pedi a um grande número de participantes de grupos que respondessem a um questionário no qual eles identificavam incidentes cruciais de cada reunião. Os ricos e variados incidentes descritos diferiram muito das avaliações dos principais incidentes de cada reunião feitas pelos respectivos líderes de grupo, e houve uma diferença semelhante, entre os membros e os líderes, na seleção dos incidentes mais cruciais para o conjunto todo da experiência do grupo. Meu contato seguinte com diferenças nas perspectivas de paciente e terapeuta ocorreu num experimento informal, no qual uma paciente e eu escrevemos, cada um, resumos de cada hora de terapia. O experimento tem uma história interessante. A paciente, Ginny, era uma escritora talentosa e criativa que passava não apenas por um grave bloqueio para escrever, mas por um bloqueio em todas as formas de expressão. A participação de um ano no meu grupo de terapia foi relativamente improdutiva: ela revelou pouco de si mesma, deu pouco de si aos outros membros e me idealizou com tal intensidade que não havia possibilidade de nenhum encontro genuíno. Assim, quando Ginny teve de deixar o grupo por causa de pressões financeiras, propus um experimento incomum. Ofereci atendê-la numa terapia individual com a condição de que, em lugar do pagamento, ela escrevesse um resumo livre, fluente e sem censuras de cada hora de terapia, expressando todos os sentimentos e pensamentos que não tivesse verbalizado durante nossa sessão. Eu, de minha parte, propus fazer exatamente o mesmo e sugeri que cada um de nós entregasse nossos relatórios semanais à minha secretária e que, a intervalos de poucos meses, cada um de nós lesse as anotações do outro. Minha proposta tinha mais de uma finalidade. Eu esperava que a tarefa de escrever pudesse não apenas libertar o ato de escrever de minha paciente, mas a incentivasse a se expressar mais livremente na terapia. Talvez, eu esperava, o ato de ela ler as minhas anotações pudesse melhorar nosso relacionamento. Eu pretendia escrever anotações sem censura, revelando minhas próprias experiências durante a hora: meus prazeres, frustrações, distrações. Era possível que Ginny, se conseguisse me ver mais realisticamente, conseguisse começar a me desidealizar e a se relacionar comigo em bases mais humanas. (Como um aparte, não pertinente a essa discussão sobre empatia, eu acrescentaria que essa experiência ocorreu numa época em que eu estava tentando desenvolver minha voz como escritor, e que a minha oferta de escrever em paralelo com minha paciente também teve a finalidade de servir a mim mesmo: proporcionou-me um raro exercício de redação e uma oportunidade de romper meus grilhões profissionais, para libertar minha voz por meio do ato de escrever tudo que viesse à minha mente imediatamente após cada sessão.) Em um intervalo de poucos meses, a troca de anotações proporcionou uma experiência ao estilo Rashomon: embora tivéssemos compartilhado a hora, vivenciamos e lembrávamos dela idiossincraticamente. De um lado, valorizamos partes bem diferentes da sessão. Minhas interpretações elegantes e brilhantes? elo contrário, ela deu valor aos pequenos Ela sequer tinha as ouvido. P atos pessoais que eu mal percebia: meus elogios à sua roupa, aparência ou texto, meus desajeitados pedidos de desculpas por chegar alguns minutos atrasado, meus risos francos ante as sátiras dela, minhas implicâncias com ela quando encenávamos uma situação.31 Todas estas experiências me ensinaram a não pressupor que o paciente e eu temos a mesma experiência durante a hora. Quando os pacientes discutem os sentimentos que tiveram na sessão anterior, acho essencial indagar sobre a experiência deles e quase sempre aprendo alguma coisa nova e inesperada. Ser empático é uma parte 3 1 Mais tarde, usei os resumos de sessão para dar aulas de psicoterapia e fiquei impressionado com o seu valor pedagógico. Os alunos relataram que nossas anotações conjuntas assumiram as características de um romance epistolar, e finalmente, em 1974, a paciente Ginny Elkin (um pseudônimo) e eu as publicamos sob o título Every Day Gets a Little Closer, V inte anos depois, o livro foi publicado em brochura e começou uma nova vida. Em retrospecto, o subtítulo, A Twice-Told Therapy, teria sido adequado, mas Ginny adorava a velha canção de Buddy Holly e queria estar sintonizada com ela. tão considerável da fala cotidiana — os cantores populares cantarolam chavões sobre estar na pele do outro, andar com os sapatos do outro — que tendemos a esquecer a complexidade do processo. É extraordinariamente difícil saber O que o outro realmente sente; é demasiadamente freqüente projetarmos nossos próprios sentimentos no outro. Quando dava aulas sobre empatia para os alunos, Erich Fromm freqüentemente citava a declaração de Terêncio de dois mil anos atrás — "Sou humano, e nada que é humano me é estranho" — e insistia que fôssemos abertos àquela parte de nós mesmos que corresponde a qualquer feito ou fantasia oferecido pelos pacientes, não importa quão hediondo, violento, lascivo, masoquista ou sádico. Se não o fizéssemos, ele sugeria que investigássemos por que decidimos fechar essa parte de nós mesmos.
Obviamente, um conhecimento do passado do paciente
aumenta a capacidade de ver o mundo com os olhos do paciente. Se, por exemplo, os pacientes tiverem sofrido uma longa série de perdas, eles enxergarão o mundo através dos óculos da perda. Eles podem não ser propensos, por exemplo, a permitir que você se importe ou que chegue muito perto por causa do medo de sofrer mais uma perda. Portanto, a investigação do passado pode ser importante não em prol da construção de canais causais, mas porque nos permite ser empáticos com mais precisão.