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Romanos

DALE MOODY

Introdução Roma, e Áqüila e Priscila se encontra­


ram com Paulo em Corinto, quando es­
Muitos fatores desta introdução são tavam fugindo (At. 18:2). Mais tarde,
tratados mais detalhadamente em vários ele esteve em Êfeso, mas não é certo por
lugares do comentário do texto. Em tais quanto tempo permaneceu ali, depois do
casos, as referências a essas passagens tumulto que se levantou, e por quanto
devem ser consultadas, como suporte da tempo permaneceu em Filipos, depois de
declaração sumária que aqui se faz. sua partida (At. 20:1,2). A data de 55
satisfaz a maioria dos problemas com
I. Situação Histórica uma solução razoável, e é a única adota­
A autoria da Epístola aos Romanos da aqui. 2
está acima de qualquer disputa séria. Há mais concordância geral de Corinto
Todos os eruditos competentes concor­ ser o lugar de origem da epístola, mas
dam que foi ditada a um escriba a serviço alguns eruditos sugerem Filipos, pouco
do apóstolo Paulo, ou composta por aque­ depois que Paulo saiu de Corinto. No fim
le, durante a terceira viagem missionária de 56 d.C., Paulo chegou a Corinto, para
deste. Desta forma, ela é a conclusão do uma última estada de três meses, e partiu
seu trabalho missionário na bacia orien­ antes da Festa dos Pães Asmos, isto é, na
tal do Mediterrâneo e a introdução aos primavera de 57 (At. 20:3-6). Se o Gaic
seus planos futuros no Ocidente, bem que era seu hospedeiro e que enviou
como a discussão mais detalhada do seu saudações (Rom. 16:23) é o Gaio que ele
evangelho. batizou em Corinto (I Cor. 1:14), então o
A data desta epístola é menos certa. problema está praticamente resolvido.
John L. McKenzie fala do começo de A presença de Febe, diaconisa da igreja
58 d.C. como a data em que há con­ em Cencréia, porto oriental que servia a
cordância universal, mas isto dificilmen­ Corinto, aumenta essa evidência. Tudo
te é a verdade. 1 Knox data esta epístola isto depende da autenticidade do capítu­
em 53, e Dodd, em 59. Estas variações lo 16, o que será defendido mais tarde.
são devidas a vários detalhes incertos, Paulo parece escrever pouco antes de se
a despeito de umas poucas datas fixas, preparar para deixar a cidade de Corinto
em que a cronologia é baseada. O prin­ (Rom. 15:25; At. 20:3).
cipal acontecimento que serve de ponto Corinto foi o lugar de origem de duas
de referência para a datação é o apare­ cartas aos Tessalonicenses, a destinatária
cimento de Gálio, que foi procônsul da de quatro cartas, provindas de Êfeso; de
Acaia da primavera de 51 até a primave­ forma que a Epístola aos Romanos, in­
ra de 52 (At. 18:12). Em 49, o Impera­ cluindo a curta carta a Febe (veja o
dor Cláudio expulsou os judeus de comentário sobre 16:1-24), seria a sétima

1 Dictionary of the Bible (Milwauke: Bruce Publishing 2 G. B. Caird, IDB (Nashville: Abingdon, 1962), I, 607.
co., 1965), p. 745.
e última obra literária, do apóstolo, asso­ romana de Christus (Cristo), visto que e e
ciada com esta fervilhante cidade do i tinham o mesmo som. Leenhardt estima
istmo de Corinto, que ligava o comércio a comunidade judaica naquela época em
dos mares Egeu e Adriático, e da Ãsia Roma como de quarenta mil almas. Até
com a Europa. esse ponto a comunidade cristã era, sem
Roma, a capital e maior cidade do dúvida, predominantemente judaica,
Império Romano, era a destinatária da mas ao tempo de Nero (54-68) os cris­
carta. É importante notar que a igreja tãos gentios se haviam tornado maioria.
em Roma era uma comunidade que fala­ Este era o problema ao tempo em que
va grego, firmemente estabelecida quan­ Paulo escreveu a sua carta, e isto explica
do Paulo escreveu. Uma tradição pos­ a longa seção (caps. 9-11) e outras refe­
terior tentou estabelecer uma origem rências, em sua exortação acerca do pro­
apostólica para a igreja. Um autor anô­ blema da unidade. A tradição romana
nimo, chamado, por Erasmo, de Ambro- conservadora, de que Pedro havia chega­
siaster, escreveu, no quarto século, um do a Roma por volta de 42 d.C. e estava
comentário às cartas de Paulo. No prefá­ entre os que haviam sido expulsos, como
cio ao seu comentário a Romanos, ele já foi dito, não é mais aceita por alguns
disse que os romanos haviam “abraçado dos mais famosos eruditos estudiosos ca­
a fé em Cristo, embora de acordo com o tólicos romanos (Fitzmeyer, JBC, 53:7).
rito judaico, sem qualquer sinal de obras Tácito (c. 60-C.120), outro historiador
poderosas nem qualquer dos apóstolos” romano, fala acerca do julgamento de
(PL 17:47,48). Eusébio (260 - C. 348) e Pomponia Graecina, no mesmo ano de
Jerônimo (342-420) afirmaram que Pedro 57 d.C. Ela “foi acusada de superstições
esteve em Roma no começo do reinado de estrangeiras e levada a julgamento pelo
Cláudio (41-54 d.C.), e este é o ponto de seu marido” (Annais,, X III.32). A “su­
vista conservador da Igreja Católica.3 perstição estrangeira” era, provavelmen­
Os estudiosos da Bíblia católico-romanos te, o cristianismo, e isto é confirmado
mais recentes concordam com a opinião pelas inscrições cristãs do terceiro século,
generalizada do protestantismo, de que comemorando pessoas que eram mem­
essa tradição é duvidosa (Joseph A. Fitz- bros do gens Pomponia. Os detalhes da
meyer, JBC, 53:7). O consenso crescente perseguição movida por Nero são dados
dos eruditos, tanto protestantes como por esse mesmo Tácito, e ele fala de
católicos romanos, é que os convertidos cristãos em Roma como uma “multidão
judeus helenistas, provindos da Palestina imensa” , por volta de 64 d.C.
e Síria, levaram o evangelho a Roma em A opinião de que tanto Pedro como
data bem antiga, possivelmente por volta Paulo por fim chegaram a Roma e pere­
de 30 d.C. (cf. At. 2:10). ceram na perseguição de Nero não é
Suetônio(c. 75-160) escreveu uma bio­ negada pelos estudiosos cuidadosos, tan­
grafia de Cláudio, em que diz: “Visto to protestantes quanto católicos. No ano
que os judeus estavam constantemente 95 d.C. Clemente de Roma escreveu uma
provocando distúrbios, por instigação de carta aos coríntios, em que disse: “Apro­
‘Chrestus’, ele (Cláudio) os expulsou de ximemo-nos dos heróis mais próximos do
Roma” (XXV.4). Isto foi em cerca de nosso tempo... Coloquemos diante dos
49 d.C., e é mencionado em Atos 18:2, nossos olhos os bons apóstolos: Pedro,
onde Ãqüila e Priscila parecem ser cris­ que por causa de inveja indevida supor­
tãos judeus de fé madura (cf. At. 18:26). tou não um ou dois, mas muitos labo­
Chrestus é considerado como redação res, e desta forma tendo dado o seu tes­
temunho, se foi para o seu devido lugar
3 James Lees-Milne, Saint Peter’s (London: Hamish Ha­ de glória. Paulo, que, por causa de inveja
milton, 1967), p. 18. e disputa, foi indicado para o prêmio da
perseverança... Quando ele havia pre­ exposição, serão feitas referências a três
gado no Oriente e no Ocidente, recebeu o prováveis localizações da doxologia que
nobre renome de sua fé. Tendo ensinado está no fim do texto da IBB, e ao fre­
a justiça a todo o mundo, chegando até qüente uso de bênçãos (15:5,6, 13, 33;
os limites do Ocidente, e tendo dado 16:20).
testemunho diante dos governantes, ele Esta carta era usualmente chamada
deixou o mundo e se dirigiu para o san­ de epístola até a descoberta e publicação
tuário, tomando-se o maior padrão de dos antigos papiros do Egito. O mais
perseverança” (V). antigo manuscrito de Romanos é P 46,
Não é certo o que significa “os limites datado de cerca de 200 d.C., agora na
do Ocidente” , mas provavelmente isso Universidade de Michigan, Ann Arbor,
inclui a Espanha. Na época em que nos Estados Unidos; mas há muitos ou­
Paulo escreveu Romanos, a sua ambição tros valores nessa descoberta. Agora con-
era fazer uma visita de passagem a corda-se, nada menos do que universal­
Roma, depois de ter levantado uma ofer­ mente, que as cartas de Paulo, inclusive
ta nas igrejas gentias, para os santos a longa Epístola aos Romanos, seguiram
pobres de Jerusalém (15:22-29). É bem o padrão de outras cartas do primeiro
possível, dadas as circunstâncias que século. Havia sempre uma saudação se­
Paulo não previa totalmente, que ele não guida de oração, ação de graças e o
apenas chegou a Roma, mas também conteúdo especial, com saudações espe­
pregou na Gália e na Espanha. Na sua ciais e saudações pessoais no final (cf.
volta a Roma, ele, juntamente com Pe­ 1:1,7,8,16; 15:33; 16:1-23). Um secre­
dro, pereceu em algum tempo durante a tário especial, chamado Tércio, foi colo­
perseguição de 64-68 d.C. 4 cado à disposição de Paulo, mas prova­
velmente ele contribuiu com nada mais
II. Forma Literária do que as saudações feitas por si mesmo
Vários fatores, de natureza literária, e por seu irmão, no fim da nota especial
são importantes para interpretação. O para Febe (16:22,23). Alguns secretários,
texto da IBB é uma tradução dos textos na verdade, compuseram as cartas, a
gregos padrão, mas compará-lo com The partir de diretrizes gerais estabelecidas
Greek New Testament (editado pelas So­ pelo remetente, mas dificilmente alguém
ciedades Bíblicas Unidas) tem sido o mé­ ousaria dizer que a teologia de Romanos
todo seguido, ao estudarmos a Epístola é de Tércio! 5
aos Romanos, e este deve ser consultado Demétrio também cita declaração feita
pelo leitor crítico, que desejar se apro­ por Artemom, editor das cartas de Aris­
fundar na matéria. A maior parte dos tóteles, que disse que as cartas deviam
problemas textuais de conseqüência es­ ser escritas à moda de diálogo, de forma
pecial está no começo e no fim da epís­ que ambos os lados pudessem ser enten­
tola. Tanto Orígenes como Ambrosias- didos (On Style, 233). Os diálogos de
ter conheciam manuscritos que não men­ Platão são o modelo clássico, como os
cionavam “em Roma” em 1:7. O Codex Evangelhos do Novo Testamento são os
Greco-Latino G omitiu a referência a melhores exemplos bíblicos de diálogo.
Roma tanto em 1:7 como em 1:15, e esses No entanto, as cartas de Paulo não são
fatos freqüentemente são importantes em diálogos. São cartas que muitas vezes
discussão acerca de uma possível circula­ requerem uma difícil reconstrução do
ção desta epístola, feita até pelo próprio outro lado da conversa. A coisa mais
Paulo, pelo menos em Êfeso. No fim da próxima a um diálogo, em Romanos, é o
5 Cf. Gordon J. Bahr, “The Subscriptions in the Pauline
4 J. Toynbee e J. W. Perkins, The Shrine of St. Peter Letters” , Journal of Biblical literature, LXXXVIII
(London: Longmans, Green and Co., 1955). (March, 1968), 27-41.
uso repetido do método da diatribe es­ característica de hinos, e o reconheci­
tóica, que foi observada freqüentemente mento dessas e de outras passagens como
no valioso comentário de Barrett. Ele hinos lança uma nova luz sobre o papel
diz: “Muitas vezes torna-se mais fácil, das melodias como meios de comunica­
seguir os argumentos de Paulo, se o leitor ção na adoração da igreja primitiva. A
imaginar o apóstolo face a face com um aceitação deste método, na igreja moder­
inquiridor, que emite inteijeições e faz na, transformará as reuniões prosaicas
perguntas e recebe respostas que algu­ das chamadas igrejas não-litúrgicas, que
mas vezes são arrazadoras e bruscas. muitas vezes reduzem a oração e o louvor
De forma alguma é impossível que al­ a “preliminares” . Ê muito mais do que
guns dos argumentos de Romanos te­ uma preocupação e fascinação com o
nham tomado forma desta maneira, no método da história da forma, que deu a
curso de debates nas sinagogas ou nas isto um lugar de proeminência no co­
praças públicas.” 6 Indícios do estilo de mentário que segue, e o leitor cético é
diatribe podem certamente ser detecta­ instado veementemente a considerar se­
dos em Romanos (cf. 2:1,17,21; 6:1,11, riamente estas breves palavras de expli­
15; 7:1,7; 8:31-35; 9:19-24; 10:14-21; cação.
11:1,7,11,15). É uma história emocionante de pes­
O uso de um grande credo paulino é quisa histórica, que trouxe os hinos do
central em Romanos. Muitos cristãos Novo Testamento ao primeiro plano, e
que são contra credos preferem falar de alguns deles são estudados aqui. Duas
confissões, mas esta expressão não é exa­ descobertas extrabíblicas estimularam o
ta. Confissão é a aceitação de um credo estudo das Escrituras, tanto do Antigo
(cf. 10:9, onde Paulo cita o credo bá­ como do Novo Testamento. As Odes de
sico do cristianismo: “ Senhor Jesus”). Salomão (The Odes of Salomon), desco­
O credo é aquilo que é confessado. O Ku- bertas em 1908, por J. Rendei Harris,
rios Iêsous (Senhor Jesus) é plenamente revelaram o uso de hinos na igreja Síria
aceito por Paulo, da mesma forma como ou Palestina, no fim do primeiro século
por todos os escritores do Novo Testa­ ou no segundo século d.C. 7 Trata-se de
mento (cf. I Cor. 12:3; Fil. 2:11), mas uma coleção de quarenta e dois hinos,
há um credo, bem distinto em Romanos, que se pensa eram usados na preparação
que aparece na mais antiga carta de final dos catecúmenos para o batismo
Paulo e continua em cartas posteriores. cristão. Depois da descoberta de um
Declarado simplesmente, ele é: “Jesus grande tesouro de rolos em Qumran, em
morreu e ressurgiu” (I Tess. 4:14). De­ 1947, uma coleção de hinos anteriores ao
clarado mais explicitamente, é: “Cristo Novo Testamento acrescentou uma se­
morreu por nossos pecados... foi sepul­ gunda fonte de luz extrabíblica. O Livro
tado... foi ressuscitado ao terceiro dia” de Hinos (Book oi Hymns), em dezoito
(I Cor. 15:3,4). Ele aparece pela primei­ colunas, é, talvez, apenas uma parte do
ra vez em Romanos 4:25 (“o qual foi todo, mas esses salmos (ou hinos) de
entregue por causa das nossas transgres­ ação de graças são suficientes, para con­
sões, e ressuscitado para a nossa justi­ clusões gerais. O Manual de Disciplina
ficação”), mas não está longe da super­ (Manual of Discipline) contém outro
fície em muitos lugares (cf. 5:10; 6:5-10; hino importante, que foi anexado, e, por
8:34; 10:9,10; 14:8,9). causa do seu conteúdo, se tomou conhe­
Pelo menos três das grandes passa­ cido como “O Hino dos Iniciantes” . 8
gens que apresentam esse credo têm a
7 H ie Odes of Solomon, reeditados com Alphonse Min-
6 Confira Rudolf Bultmann, Der Stilder paulinischen gana (Manchester: University Press, 1916).
Predigt und dJe kynischstoische Diatribe (Gõttingen: 8 Theodor Gaster, The Dead Sea Scriptures (Garden
Vandenhoek und Ruprecht, 1910), p. 43. City, New York: Doubleday, 1956), p. 111-225.
O método de história da forma, apli­ Martin, acerca de Filipenses 2:6-10, e
cado tanto ao Velho Testamento como ao Hans Gabathuler acerca de Colossenses
Novo Testamento, tem feito com que seja 1:15-20, estabelecem um elevado padrão
impossível falar dos livros poéticos do para a futura pesquisa acerca dos hinos
Velho Testamento como sendo apenas o em Romanos e outras passagens neotes-
grupo de Jó a Cântico dos Cânticos. tamentárias, prontas para a colheita. 9
Grande parte da profecia do Antigo Tes­ Estudos compreensivos têm sido feitos
tamento é poética, como o são também por Gottfried Schille, em seu Early Chris­
muitas passagens dos livros de lei e his­ tian Hymns, e por Reinhard Deichgra-
tória. Os resultados desse método têm ber, em Hymns of God and Hymns of
sido geralmente incorporados em o Velho Christ in Early Christianity, e essas obras
Testamento da versão da IBB, como têm sido freqüentemente consultadas,
demonstrará amplamente uma vista embora os arranjos propostos nem sem­
d’olhos em um livro como Isaías ou pre tenham sido seguidos.10 Certos as­
Amõs; mas o Novo Testamento da versão suntos estilísticos, no texto grego, aju­
da RSV (Revised Standard Version) é dam a reconhecer essas passagens poé­
estranhamente conservador a este respei­ ticas como hinos, mas o fator mais im­
to, o mesmo não acontecendo com a tra­ portante é o equilibrado paralelismo, en­
dução da IBB. Já em 1901, um erudito contrado tão abundantemente em o Ve­
tão conservador como Arthur S. Way não lho Testamento. Romanos 3:10-18 é cha­
hesitou em usar este método em sua mado de modelo, visto que é um arranjo
tradução das cartas paulinas (The Pauli- de paralelos poéticos do Velho Testa­
ne Letters). Foi a monumental tradução mento, mas outras passagens também
do Novo Testamento feita por James são exemplos de hinos (algumas apare­
Moffatt, em 1913, que empregou este cendo como poéticas neste comentário;
método, com impressionantes resulta­ veja 2:28,29; 3:21-26; 5:6-11, 12-21; 6:5-
dos, mas muitas pessoas parecem ainda 10; 8:5,6, 29-39; 10:14,15; 11:16,30-32;
não ter notado por que tantas passagens 11:33-36; 12:9-16; 13:11-14; 14:6-8).
são impressas como poemas. O número Mesmo que essas propostas poéticas se­
de hinos anotados por Moffatt, em I Co- jam rejeitadas, o paralelismo ajudará a
ríntios, é impressionante, mas ele tam­ entender o seu pensamento. A idéia de
bém encontrou muitos em Romanos (2: hinos não deve ser rejeitada a priori,
12, 28,29; 3:10-18; 8:5,6; 11:16, 30-32; como se alguma questão doutrinária esti­
14:6-8). Helen Barrett Montgomery, em vesse envolvida. Não há sugestão de que
sua Centenary Translation of the New Paulo não seja o autor desses hinos, mas
Testament (1924), identificou Romanos a opinião seguida neste comentário aju­
8:5-8, 31-39; 13:11-14 como hinos. A da a localizar os “hinos e cânticos espi­
New English Bible (1961) faz um bom rituais” , bem como os salmos com que os
início, anotando o hino-modelo de Ro­ cristãos primitivos entoavam louvores a
manos 3:10-18, mas deixa de prosseguir Deus e a Jesus Cristo (cf. Col. 3:16;
no processo em outras passagens. A Bí­ Ef. 5:19). A interpretação “prosaica”
blia de Jerusalém, tanto em francês
(1955) como nas edições em inglês (1966) 9 Ralph P. Martin, Carmen Christi» Philippian* 2:5-11
in Recent Interpretation and in the Setting of Early
e português (1976), também notou várias Christian Wor»hip(Cambridge: University Press, 1967);
passagens em Romanos como hinos (3: Hans Jakob Gabathuler, Jesus Christus: Haupt der
Kirche — Haupt der Welt (Zürich/Stuttgart: Zwingli
10-18; 8:31-39; 11:33-36). Verlag, 1965).
Romanos é campo fértil para um es­ 10 Gottfried Schille, Frühchristliche Hymnen (Berlin:
tudo mais aprofundado acerca da histó­ Evangelische Verlagsanstalt, 1965); Reinhard Deich-
gräber, Gotteshymnus und Christushymnus ln der
ria da forma dos hinos. As impressio­ frü h « Christenheit (Göttingen: Vandenhoeck & Ru­
nantes monografias, escritas por Ralph precht, 1967).
destas passagens é apresentada insisten­ de Deus focaliza o ser moral de Deus
temente, para explicar as instruções de (1:10; 9:18; 12:2), assim também o Es­
Paulo e o costume da adoração cristã pírito de Deus é o princípio primário nos
naquela época (cf. IC or. 14:26). modos pessoais de ser de Deus (8:26,27).
Ãs bênçãos (15:5,6, 13, 33; 16:20), já A criação não é apenas uma manifes­
mencionadas em relação ao texto, devem tação do poder e da divindade de Deus
ser adicionadas algumas doxologias es­ (1 :20); ela se envolve na futilidade ou
parsas no corpo da epístola (1:25; 9:5; vaidade de uma criação decaída, que
11:36). A tipologia é usada em dois lu­ necessita de libertação da escravidão da
gares. Só a forma tipológica é usada em corrupção (8:19-21). A coroa da criação
relação a Abraão (4:23b,24a), mas a pa­ é o próprio homem, único entre as cria­
lavra “tipo” é usada em relação a Adão turas de Deus que foi feito à imagem de
(5:14). Em alguns lugares Paulo parece Deus (cf. 1:23). Como carne, ele é afim
estar usando uma coleção de Testimonia a toda a humanidade (cf. 1:3; 2:28; 4:1;
reunidos do Antigo Testamento (9:33; 9:3), mas, como espírito humano, ele
10:19; 11:9). Todas essas formas literá­ pode elevar-se, para ter comunhão com o
rias são importantes para que se entenda Santo Espírito de Deus (8:16). A men­
o conteúdo em seu ambiente histórico. te do homem pode ser réproba (1:28),
É quase impossível conhecer o que signi­ ou renovada (12 : 2); e a sua consciên­
fica uma passagem hoje em dia, enquan­ cia, embora necessite do testemunho
to não for reconstruído o seu significado do Espírito de Deus para funcionar ple­
para ontem. namente (9:1), pode discernir a lei moral
de Deus à parte da lei de Moisés (2:15).
III. Conteúdo Teológico A reconciliação do homem com Deus é
a sua profunda necessidade. Estando su­
Dentre todas as cartas de Paulo, Ro­ jeito à ira de Deus (5:9), ele está em
manos é a que mais se aproxima de um servidão do pecado (6:23), da lei (7:1)
tratado teológico. O âmbito do pensa­ e da morte (8:13). O seu pecado é tanto
mento é tão vasto que é possível construir incredulidade em relação a Deus quanto
um sumário de sua teologia nos pontos injustiça com relação ao homem (1:18),
mais cruciais. A respeito do conhecimen­ mas é mais do que relacionamentos erra­
to de Deus por parte do homem, pode dos. É o pecado, uma forma de escravi­
ser dito que Paulo cria que há uma re­ dão aos poderes demoníacos, dos quais
velação geral de Deus na ordem da cria­ só Deus, mediante o seu ato justo, em
ção e na consciência humana (1:19,20; Cristo, tem poder para libertar (8:1-4).
2:14,15), bem como um a revelação pre­ Nesta conexão, a carne é usada fre­
paratória especial no Velho Testamento, qüentemente no sentido mais psicológico
que encontra seu cumprimento em o do que físico (7:5; 8:9). Cristo é, antes de
Novo Testamento (3:21; cf. 16:26). tudo, Redentor, mas é também o exem­
Deus é revelado em justiça e ira, por plo que os homens redimidos devem se­
um lado (1:17,18; 2:5; 3:21), e em bon­ guir (15:3). A sua redenção é conseguida
dade e amor e misericórdia por outro (2:4; pela sua morte vicária. Deve notar-se que
5:5; 8:39; 9:23; 11:32; 12:1). O seu forte a palavra “vicária” é usada para dar a
monoteísmo (3:30) não exclui um “bini- idéia da preposição grega huper, que
tarianismo” , que proclama uma relação significa “para o benefício de” . É a
peculiar entre o Pai e o Filho (3:25; 8:3; preposição mais importante de Roma­
9:5; 15:6) e que flui com facilidade na nos. Isto não é o mesmo que a morte
direção de um padrão trinitário, que substitutiva de Cristo na cruz. Morte
inclui o Espírito Santo (5:1-5; 15:15, substitutiva é morte em lugar de outrem,
16,30). Da mesma forma como a vontade e a preposição grega que descreve esse
ato é a n ti . Este conceito é encontrado em época em que Paulo escreveu, o corpo de
Marcos 10:45 e I Timóteo 2:6, mas não Cristo e uma irmandade sem “o bene­
aparece em Romanos. Uma compreen­ fício do clero” , tanto quanto as evidên­
são adequada, de como Paulo cria que a cias o revelam.
morte de Cristo beneficia o homem, pre­ Estas observações não têm a preten
cisa traçar um grande círculo vicário, do são de propugnar o anticlericalismo, mas
qual a idéia de substituição é apenas um o tipo de clericalismo que imagina que
pequeno segmento. Isto deve ser levado tem o monopólio do Espírito precisa pon­
em conta enquanto as várias passagens a derar acerca deste fato. Dentre todas as
respeito da morte de Cristo forem dis­ irmandades cristãs, a de Roma vicejou
cutidas neste comentário. sem clérigos por quase trinta anos. No-
Morte e ressurreição constituem o pon­ tar-se-á que a palavra igreja foi evitada,
to focal da cristologia de Paulo, mas ele pois ela aparece pela primeira vez na
avança da obra de Cristo para a pessoa carta a Febe (cap. 16). As relações do
de Cristo. Uma chamada cristologia bai­ cristão para com o Estado, no entanto,
xa, que não vai além da vida, morte e não são negligenciadas (13:1-7).
ressurreição de Cristo, pode ser vista em A consumação da vida cristã e da his­
alguns lugares (1:3,4); porém, não há tória da salvação também está presente
dúvida de que Paulo abraçou plenamente (13:11). A redenção do corpo, juntamen­
a cristologia alta ou elevada, que inclui te com a ordem criada não estavam
a preexistência do Filho de Deus (8:3; presentes nem em I Coríntios 15, mas são
cf. Gál. 4:4,5). corolários de Romanos 8:18-25. A ple­
A vida cristã, da humanidade remida, nitude da história da salvação, em Israel
começa com a justificação (5:1), o ato e entre os gentios, ocupa três capítulos
justo de Deus em Cristo, mas continua (9-11). Nessa seção, o conceito de pre­
como salvação e santificação. Tanto a destinação é interpretado de maneira que
salvação como a santificação são um pro­ evita os extremos geralmente associados
cesso de transformação que se completa com este termo. Atenção especial deve
apenas por ocasião da ressurreição. No- ser dada a esta crítica do calvinismo, e
tar-se-á repetidamente, no comentário, isto, sem dúvida, será feito!
que a salvação é um conceito dinâmico
que olha sempre para o futuro (13:11). IV. Significado Espiritual
Santificação é uma vida de santidade,
que produz fruto para Deus. O breve sumário feito acima pretende
A vida cristã é vivida na comunidade sugerir a relevância da Epístola aos Ro­
de amor, em que todos os homens cris­ manos em relação a muitos problemas
tãos são irmãos (1:13; 7:1,4; 8:12; 10:1; contemporâneos, pois esta repetidamen­
12:1). Por vezes Paulo usará o conceito te tem sido o instrumento usado por
coletivo de santos, talvez para incluir as Deus para a renovação do seu povo. So­
mulheres (1:7; cf. 16:14,15). O conceito mente algumas poucas dessas renovações
do corpo de Cristo, tão importante em podem ser examinadas. Na própria Ro­
I Coríntios 12, é mencionado apenas uma ma, o comentário histórico e prático do
vez(Rom. 12:5), mas a unidade dos cris­ chamado Ambrosiaster, já mencionado,
tãos em Cristo por vezes assoma com oferecia grandes promessas; mas a con­
grande força (14:1-15:13). O batismo é a trovérsia de Pelágio lançou esse comentá­
base para os ensinos mais extensos a rio na obscuridade. O próprio Agostinho
respeito da santificação (6:1-23), mas a seconverteu depois de ler Romanos 13:13.
Ceia do Senhor jamais é mencionada. De maneira comovente, ele disse: “Eu
Outra omissão interessante é acerca do não precisava continuar lendo; não pre­
clero! Os cristãos romanos eram, na cisava de mais nada; repentinamente, no
fim dessa sentença, uma luz clara inun­ abrasado, em 24 de maio de 1738, quan­
dou o meu coração, e todas as trevas da do ouviu a leitura do prefácio do comen­
dúvida se desvaneceram” (Confissões, tário de Lutero, mas isso não penetrou
VIII.29). Não obstante, a sua controvér­ ainda o suficiente no protestantismo
sia posterior, com Pelágio, a respeito do atual.
pecado original, levou Agostinho a uma Na teologia recente, Romanos tem sido
interpretação e tradução falsas de eph a base para vários comentários signifi­
hõi (porque) como in quo (em que), em cativos, e três deles causaram um grande
Romanos 5:12, e isto teve conseqüências impacto sobre a teologia e a vida da
desastrosas até o dia de hoje. Um grande Igreja. A Epístola aos Romanos, de Karl
erudito jesuíta foi suspenso das suas ati­ Barth, publicada pela primeira vez na
vidades didáticas, por ninguém mais do Alemanha em 1919, caiu, como disse o
que o Papa João XXIII, por expor essa teólogo católico romano Karl Adam,
exegese impossível! 11 “como uma bomba no ‘play-ground’ dos
Romanos propiciou renovação outra teólogos” . O próprio Barth disse: “O lei­
vez na época da Reforma. Lutero, que tor descobrirá por si mesmo que esta
era monge agostiniano, começou a sua obra foi escrita com uma sensação ale­
exposição de Romanos em novembro de gre de descoberta. A poderosa voz de
1515, e, por volta de setembro do ano Paulo se fez nova para mim; e, se o foi
seguinte, o tema de um Deus justo havia para mim, sem dúvida, também para
produzido uma renovação. Ele testificou: muitas outras pessoas. E, assim mesmo,
“Logo depois, eu me senti renascido, e agora que a minha obra está terminada,
transportado ao paraíso, através de suas percebo que ainda resta muita coisa que
portas abertas.” 12 João Calvino escreveu não ouvi.” 14 Barth continuou prestando
o seu comentário a Romanos em 1539, en­ atenção à “poderosa voz” de Paulo, e
quanto estava no exílio em Estrasburgo, publicou um comentário mais curto,
mas ele o coloriu, devido à sua inclina­ acerca de Romanos, trinta e sete anos
ção contra os anabatistas, que conclama­ mais tarde (1956).15 O primeiro é mais a
vam a uma rejeição do batismo infantil, voz do Barth existencial do que de Paulo,
que se baseava na falsa doutrina agos- mas o segundo está mais próximo da
tiniana da culpa infantil. O ensino a res­ exegese histórica da epístola.
peito das crianças, de acordo com a teo­ Um extraordinário Comentário a Ro­
logia da aliança, estranhamente baseada manos, escrito pelo teólogo sueco lutera­
em Romanos 4:11 e passagens correlatas, no Anders Nygren, foi publicado em
provocou uma mudança radical, em 1944, e ele também causou grande im­
alguns conceitos, mas a idéia da depra­ pacto sobre a teologia cristã. Ele con­
vação natural das crianças foi retida.13 siderou a seção a respeito de Adão e
Ao mesmo tempo, Calvino escreveu o Cristo, em 5:12-21, o próprio cerne da
Livro IV. 16 das Institutos, a declaração carta, e ao redor desse cerne central, ele
clássica em favor do batismo de crian­ edificou a sua interpretação das duas
ças, na tradição reformada. João Wesley eras: a atual, má, e a vindoura, de gló­
perpetuou o melhor de Lutero, devido à ria. Isto, até certo ponto, força Paulo a
experiência em que sentiu o coração entrar no molde da doutrina de Lutero
acerca dos dois reinos. A sua tradução de
11 Stanislaus Lyonnet, De Pecato Original! (Roma: Pon- 1:17, adotada pela IBB, e a sua inter-
tificium Institutum Biblicum, 1960).
12 Lectures on Romans, tradução e edição em inglês de
Wilhelm Pauck (Philadelphia: Westminter, 1969), 14 E.C. Hoskyns, traduzido para o inglês (Oxford: Uni­
WA, LIV, 186. versity Press, 1932), p. 167.
13 The Epistles of Paul the Apostle to the Romans and 15 A Short Commentary on Romans, traduzido para o
to the Thessalonians, trad, para o inglês de Ross Mac­ inglês por D. H. van Daalen (Richmond: John Knox
kenzie (Grand Rapids: Eerdmans, 1961), p. 89 e s. Press, 1959).
pretação do capítulo 7 e alguns outros dúvida, a “poderosa voz” de Deus, bem
pontos, são rejeitadas, neste comentário, como a de Paulo. Há grande perigo em
mas há várias maneiras penetrantes de perguntar o que Paulo diz hoje, antes de
compreender o amor de Deus, que é o perguntar o que ele disse no contexto
ponto mais forte de Nygren. A sua avalia­ histórico de ontem, e, com esse objetivo,
ção geral da carta pode ser plenamente Leenhardt(1957), Barrett (1957) e Bruce
aceita, quando ele diz: “A história da (1963) são mais úteis do que Barth,
igreja cristã é, conseqüentemente, teste­ Nygren e Dodd. Nunca haverá um co­
munha do fato de que a Epístola aos mentário definitivo a Romanos, pois o
Romanos tem sido, de maneira peculiar, poço é profundo demais para secar-se;
capaz de suprir o impulso para a reno­ por isso, todos podem ainda chegar-se a
vação do cristianismo. Quando o homem esta fonte, para renovar a sua fé.
se desviou do evangelho, um profundo
estudo de Romanos muitas vezes foi o
veículo pelo qual os perdidos foram re­ Esboço de Romanos
cuperados” (p. 3). Introdução (1:1-17)
Cerca de dez anos antes do comentá­ 1. Saudação (1:1-7)
rio de Nygren, um teólogo congregacio- 2. Ação de Graças (1:8-15)
nal inglês, C. H. Dodd, escreveu outro 3. O tema (1:16,17)
comentário acerca de Romanos, que teve
enorme influência. Os esforços de Dodd I. Justificação (1:18-4:25)
para demonstrar a natureza impessoal da 1. A Necessidade de Justificação:
ira de Deus e para sustentar a tendência A Ira de Deus (1:18-3:20)
britânica na direção do universalismo 1) A Ira de Deus Contra os Gen­
devem ser rejeitados, mas há muitos re­ tios (1:18-32)
(1) Impiedade (1:18-25)
lances de luz que iluminam o pensamen­ a. Ignorância (1:18-23)
to de Paulo. O seu parágrafo introdutó­ b. Idolatria (1:24,25)
rio prepara o leitor para a apreciação (2) Injustiça (1:26-32)
desta carta. Diz ele: “A Epístola aos a. A Contaminação do
Romanos é a primeira grande obra da Corpo Humano (1:26,
teologia cristã. Desde o tempo de Agos­ 27)
tinho, ela tem tido enorme influência no b. A Contaminação do Es­
pensamento do Ocidente, não apenas em pírito Humano (1:28-
termos de teologia, mas também de filo­ 32)
sofia, e até de política, através de toda a 2) A Ira de Deus Contra os Ju­
deus (2:1-3:20)
Idade Média. Por ocasião da Reforma, (1) Os Judeus e o Juízo
os seus ensinamentos propiciaram a prin­ (2:1-16)
cipal expressão intelectual para o novo a. Os Judeus Comparados
espírito de que a religião se imbuiu. Para com os Gregos em Par­
nós, homens da cristandade ocidental, ticular (2:1 -1 1 )
provavelmente não há outra obra literá­ b. Os Judeus Comparados
ria tão fundamental para a nossa heran­ com os Gentios em Ge­
ça intelectual” (p. xiii). ral (2:12-16)
Muitos outros, que meditaram nas pá­ (2) Os Judeus e a Lei (2:17-29)
ginas desta carta de Paulo, também po­ a. Os Judeus e a Lei em
Geral (2:17-24)
deriam testificar. Cada um deles obvia­ b. Os Judeus e a Circunci­
mente ouviu a voz de Paulo com os seus são em Particular
próprios ouvidos, como demonstram as (2:25-29)
diferenças entre Barth, Nygren, Dodd e (3) Os Judeus e as Escrituras
outros; mas há muita coisa que é, sem (3:1-20)
a. Discutidas as Objeções ( 2 )0 Salário da Escravidão:
dos Judeus (3:1-8) Duas Liberdades (6:20-23)
b. Conclusão da Primeira 3. Salvação Como Libertação
Seção (3:9-20) (7:1-25)
2. Os Meios de Justificação: A Jus­ 1) A Lei e a Liberdade: Analo­
tiça de Deus (3:21-4:25) gia do Segundo Casamento
1) A Justiça de Deus Demonstra­ (7:1-6)
da (3:21-31) 2) A Lei e o Pecado: Analogia
(1) Conceito da Justiça de de Adão no Paraíso (7:7-12)
Deus (3:21-26) 3) A Lei e a Morte: Analogia
(2) Corolários da Justiça de de um Mercado de Escravos
Deus (3:27-31) (7:13-20)
2) A Justiça de Deus Ilustrada 4) A Grande Conclusão: A Lei
(4:1-25) das Duas Leis (7:21-25)
(1) Abraão Foi Justificado 4. Salvação Como Filiação (8:1-39)
Pela Fé (4:1-8) 1) O Espírito de Deus (8:1-27)
(2) Abraão Foi Justificado Pe­ (1)A Lei e a Mente do Espí­
la Fé Antes da Circuncisão rito (8:1 -8)
(4:9-12) (2) A Habitação do Espírito
(3) Abraão Recebeu a Pro­ (8:9-11)
messa Antes de Ser Dada (3) A Vida, Direção e Teste­
a Lei (4:13-15) munho do Espírito
(4) Abraão É o Verdadeiro Ti­ (8:12-17)
po dos Justificados Pela Fé (4) As Primícias do Espírito
(4:16-25) (8:18-25)
(5) A Intercessão do Espírito
II. Salvação (5:1-8:39) (8:26,27)
1. Salvação Como Reconciliação 2) O Amor de Deus (8:28-39)
(5:1-21) (1) O Propósito do Amor de
1) O Reino da Graça (5:1-11) Deus (8:28-30)
(1) A Natureza da Graça (2) O Poder do Amor de Deus
(5:1-5) (8:31-39)
(2) A Necessidade da Graça
(5:6-11) III. Predestinação(9:l-ll:36)
2) O Reinado da Graça (5:12-21) 1. A Eleição de Israel Feita por
(1) Adão Como Tipo (5:12-14) Deus (9:1-29)
(2) Cristo Como Antítipo 1) Introdução: A Incredulidade
(5:15-17) de Israel (9:1-5)
(3) Resumo (5:18-21) 2) Eleição e Promessa de Deus
(9:6-13)
2. Salvação Como Santificação 3) Eleição e Justiça de Deus
(6:1-23) (9:14-18)
1) Santificação e Pecado: Dois 4) Eleição e Liberdade de Deus
Domínios (6:1-14) (9:19-26)
(1) Apelo ao Batismo Cristão 5) Eleição e o Remanescente de
(6:1-4) Deus (9:27-29)
(2) Apelo ao Evento de Cristo 2. O Fracasso de Israel Diante de
(6:5-11) Deus (9:30-10:21)
(3) Apelo à Dedicação Cristã 1) A justiça de Deus (9:30-10:13)
(6:12-14) (1) Cristo Como Pedra de Tro­
2) Santificação e Escravidão: peço (9:30-33)
Dois Destinos (6:15-23) (2) Cristo Como o Fim da Lei
(l)A s Obras da Escravidão: (10:1-4)
Duas Escravidões (3) Cristo Como Senhor
(6:15-19) (10:5-13)
2) Â Responsabilidade de Israel 1) Os Que Têm Escrúpulos
(10:14-21) (14:1-19)
(1) O Evangelho a Israel (1 )0 Problema das Leis de
(10:14-17) Dieta(14:l-4)
(2 )0 Evangelho aos Gentios (2) O Problema de Dias e
(10:18-21) Épocas Especiais (14:5-9)
3. A Restauração de Israel Operada (3) O Trono do Juízo de Deus
por Deus (11:1-36) (14:10-12)
1) O Remanescente de Israel 2) Os Que Causam Tropeços
( 11: 1- 10) (14:13-23)
(1) Remanescente Escolhido 3) Os que São Verdadeiramente
Pela Graça (11:1-6) Fortes (15:1-13)
(2) A Dureza do Remanescen­ (1) O Caminho de Cristo
te (11:7-10) (15:1-6)
2) A Salvação dos Gentios (2) As Boas-vindas a Cristo
(11:11-24) (15:7-13)
(1) A Pergunta Repetida
(11:11,12) Epílogo (15:14-33)
(2) A Inveja de Israel 1. O Ministério Gentílico de Paulo
(11:13-16) (15:14-21)
(3) A Alegoria da Oliveira 2. Visita de Paulo de Passagem a
(11:17-24) Roma (15:22-29)
3) A Salvação de Israel 3. Apelo de Paulo por Oração
(11:25-36) (15:30-33)
(1) O Mistério de Israel Uma Carta a Febe (16:1-23)
(11:25-32) 1. Recomendação de Febe (16:1-2)
(2) A Sabedoria de Deus 2. Saudações de Paulo (16:3-16)
(11:33-36) 3. Uma Súbita Advertência
(16:17-20)
4. Saudações dos Companheiros de
IV. Exortação (12:1-15:33) Paulo (16:21-23)
1. Amor Como uma Vida de Sacri­ Doxologia Final (16:25-27)
fício (12 :1 -2 1)
1) Introdução: O Sacrifício Vivo
( 12:1, 2)
2) A Comunidade Cristã Como Bibliografia Selecionada
um Corpo: A Vocação Para
Andar em Cristo (12:3-8) Muitos livros e artigos são menciona­
3) A Comunidade Cristã Como dos no Comentário, mas os seguintes são
uma Irmandade: A Vocação freqüentemente usados com referência
Para Andar em Amor apenas ao nome do seu autor ao longo do
(12:9-21) texto.
(1) Para com os de Dentro
(12:9-13)
(2) Para com os de Fora BARCLAY, WILLIAM. The Letter to
(12:14-21) the Romans. Philadelphia: The
2. Amor Como uma Vida de Sub­ Westminster Press, 1955, 1957.
missão (13:1-14)
1) Lealdade ao Estado (13:1-7) BARRETT, C. K. The Epistle to the
2) Amor ao Próximo (13:8-10) Romans. New York: Harper & Bro­
3) Vivendo Neste Tempo Cru­ thers, 1957.
cial: Hino do Dia de Cristo
(13:11-14) BEST, ERNEST. The Letter of Paul to
3. Amor Como uma Vida de Serviço the Romans. Cambridge: University
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Comentário Sobre o Texto


Introdução (1:1-17)
A introdução tem três partes: sauda­ c ritu ra s , 3 a c e r c a de se u F ilh o , q u e n a sc e u
ção (1:1-7), ação de graças (1:8-15) e o d a d e sc e n d ê n c ia d e D av i seg u n d o a c a rn e ,
tema (1:16,17). 4 e que c o m p o d e r foi d e c la ra d o F ilh o d e
D eu s seg u n d o o e s p írito d e s a n tid a d e , p e la
1. Saudação (1:1-7) re s s u rre iç ã o d e n tre os m o rto s — J e s u s
C risto n o sso S en h o r, 5 p elo q u a l re c e b e m o s
1 P a u lo , se rv o d e J e s u s C risto , c h a m a d o a g r a ç a e o a p o sto la d o , p o r a m o r do se u
p a r a s e r ap ó sto lo s e p a ra d o p a r a o e v a n g e ­ n om e, p a r a a o b e d iê n c ia d a fé e n tr e todos
lho d e D eu s, 2 q u e e le a n te s h a v ia p ro ­ os g en tio s, 6 e n tr e os q u a is so is ta m b é m
m etid o p elo s se u s p ro fe ta s n a s s a n ta s E s ­ vós c h a m a d o s p a r a s e r d e s d e J e s u s C ris to ;
7 a to d o s os q u e e s ta is e m R o m a , a m a d o s precedente no shaliach, palavra hebraica
d e D eu s, c h a m a d o s p a r a s e rd e s s a n to s; que significa “mensageiro” , que deriva­
G ra ç a a vós, e p a z d a p a r t e d e D eu s nosso
P a i, e do S en h o r J e s u s C risto . va a sua autoridade da pessoa que o
enviara; no caso de Paulo, Jesus Cristo.
A sua mensagem era o evangelho de
As cartas gregas geralmente começa­ Deus. Deus é a fonte dessas boas-novas
vam com um cabeçalho, que fazia refe­ (euaggelion), termo que Paulo usa ses­
rência ao remetente ou remetentes, ao senta vezes. Este termo, que é uma idéia
destinatário ou destinatários, e uma sau­ hebraica, encontra-se pela primeira vez,
dação. Milhares dessas cartas podem ser na Septuaginta, em Isaías 40:9; 52:7;
vistas nos papiros gregos, mas há alguns 60:6; 61:1. A frase de Paulo separado
bons exemplos em o Novo Testamento para o evangelho pode ter alguma refe­
(At. 15:23; 23:26; Tiago 1:1). Todas as rência à sua separação anterior para a
cartas paulinas, com significativas modi­ lei, como fariseu (Fil. 3:5), palavra que
ficações e elaborações, começam dessa talvez signifique separado ou apartado.
forma. As mais longas estão em Gálatas Paulo cria que fora separado para o
1:1-4 e Romanos 1:1-7, e as expansões evangelho antes de ter nascido (Gál.
são de grande significado. 1:15), tipo de consciência encontrado em
O remetente, em Romanos, contém Jeremias, cuja vocação fora também
importantes detalhes a respeito do men­ “para as nações” (Jer. 1:5).
sageiro (1:1), de sua mensagem (1:2-4) Esta mensagem incluía tanto promes­
e de sua missão (1:4 e s.). O mensa­ sa, arraigada no Velho Testamento,
geiro é tanto servo como apóstolo. O con­ como cumprimento, encontrado em o
ceito de servo está profundamente arrai­ Novo Testamento. Qualquer sugestão de
gado no Velho Testamento, e encontra- que Paulo negligenciou o Velho Testa­
se, em outra parte, apenas em Tito 1:1 mento é refutada pela forma como ele
onde o servo e apóstolo estão associados apela a ele, em favor do seu evangelho
(mas veja Gál. 1:1,10; cf. II Ped. 1:1). (cf. At. 13:32). O credo acerca da morte
Só uma vez (Fil. 1:1) servo é usado sozi­ e ressurreição de Jesus, em I Coríntios
nho. Paulo não é servo do homem, mas 15:3 e s ., torna explicito o que está como
de Jesus Cristo. Paulo usou ambos os pano de fundo de todo o seu evangelho
termos: “Jesus Cristo” e “Cristo Jesus” (Gál. 3:8,22; Rom. 3:21; 4:3; 10:21;
(cf. I Cor. 1:1-9), mas o segundo tem o 11:2).16 Todo o Antigo Testamento era,
apoio dos melhores manuscritos origi­ para ele, Escritura sagrada (15:4; 16:26),
nais, aqui. “Cristo” se tornou um título e todos os que proclamaram a promessa
pessoal, e significa o mesmo que o Mes­ eram profetas. Para Paulo, como para
sias hebraico. Lutero, mais tarde, o Velho Testamento
Da mesma forma como o papel de foi o berço em que Cristo se fez presente
servo indicava humildade, também o ter­ desde o princípio.
mo apóstolo indica autoridade. Quando O cumprimento, de que o Velho Tes­
essa autoridade apostólica é desafiada, tamento era promessa e preparação, ha­
Paulo pode trovejar em sua defesa (I Cor. via sido formulado em um credo que os
9:1; II Cor. 12:11-13; Gál. 1:1, 15-17). cristãos romanos certamente já conhe­
Da mesma forma como os profetas pos­
suíam uma consciência profética, e Je­ 16 Veja, na Introdução, o comentário acerca de credo e
confissão. Um credo é mais do que uma confissão,
sus, uma consciência messiânica, Paulo sendo o primeiro uma crença fundamental, sobre a
tinha uma intensa consciência apostóli­ qual a comunidade é edificada, enquanto a última é
ca, expressa na sua vocação e separação a expressão do indivíduo, quando ele entra na comu­
nidade (cf. Rom. 10:9,10) ou declara a sua dedicação
para o evangelho (cf. At. 9:14). Apóstolo à fé. Credo é usado neste sentido durante todo este
também é um conceito hebraico, com estudo da Epístola aos Romanos.
ciam (II Tim. 2:18). Pelo menos três 1:3 e s. é pré-paulino. A cristologia mais
passos podem ser distinguidos, em sua completa é o Quarto Evangelho, em que o
transmissão deste credo, como o arranjo Jesus histórico, bem como o Senhor res-
seguinte procura tornar claro: surrecto são interpretados em termos de
que nasceu da descendência de Davi sua preexistência e encarnação.
segundo a carne Muitos têm argumentado em favor de
que foi declarado Filho de Deus (com um adopcionismo primitivo, baseando-
poder) se nesta fórmula, mas Reginald H. Fuller
segundo o Espírito (de santidade) relacionou-a com a tradição primitiva,
pela ressurreição dentre os mortos. em que Jesus é indicado não para tornar-
As três linhas principais, segundo se se o Filho de Deus, mas para ser o “juiz
pensa, são uma fórmula palestina da escatológico, na Parousia”! 17 (cf. At.
cristologia de dois estágios do cristianis­ 3:20; 10:42; 17:31.)
mo judaico (cf. At. 2:36; I Cor. 15:3 e s.). Este ponto de vista, em relação à cris­
As frases em itálico foram, talvez, acres­ tologia, é também sustentado pela forma
centadas pelo cristianismo judaico hele- plural de os mortos (nekrõn). Muitas
nista, e as frases em parênteses são os explicações têm sido sugeridas para es­
esclarecimentos posteriores de Paulo. clarecer este plural, mas ele parece uma
A expressão com poder (en dunamai, que continuação da idéia de Cristo como
aparece em Marcos 9:1), chama a aten­ primícias de uma colheita completa por
ção para a nova situação, resultante da ocasião de sua Parousia, quando os que
ressurreição. A outra expressão, de san­ estiverem em Cristo serão ressuscitados
tidade, toma claro que é do Espírito (I Cor. 15:20 es.).
Santo, não do espírito humano de Jesus, A primitiva cristologia em dois está­
que se está falando, pois esta é uma tra­ gios, em Romanos 1:4, indica uma cris­
dução literal da expressão hebraica en­ tologia completa do futuro, mas a cris­
contrada em Isaías 63:10 e Salmos 51:11. tologia de Paulo em três estágios, que
0 contraste entre a carne humana e o está em desenvolvimento, vai além, com­
espírito humano é, talvez, encontrado em pletando o conceito cristológico com a
1 Timóteo 3:16 (cf. I Ped. 3:18), mas não preexistência e a encarnação. O evange­
aqui. lho de Paulo é um evangelho acerca de
Esta é uma cristologia em dois está­ seu Filho. Filho de Deus faz referência à
gios, e não uma cristologia de duas natu­ relação peculiar entre Jesus e Deus, uma
rezas, como em muitos outros comentá­ peculiaridade trazida à luz, marcada
rios. Mesmo a tradução inglesa da Bíblia pela ressurreição, lançando luz no futuro
The English Bible ainda segue esta idéia. e no passado.
Uma cristologia em dois estágios se edifi­ O credo primitivo é seguido por uma
ca sobre a morte e ressurreição de Cristo, confissão primitiva: Jesus Cristo nosso
e, quando ela é plenamente desenvolvi­ Senhor (cf. I Cor. 8:6). Esta confissão
da, torna-se humilhação e exaltação, era, a princípio, constituída de duas pa­
como em Filipenses 2:6-11. Isto pode lavras apenas (Senhor Jesus) — no grego
levar a uma cristologia de duas naturezas, — como em I Coríntios 12:3 e em Ro­
e, na história da Igreja, isto aconteceu, manos 10:9, onde é chamada de confis­
mas a ênfase, aqui, é em acontecimentos, são. Ela tomou-se a última linha de um
e não em naturezas. A cristologia de grande hino acerca do servo, em Filipen­
Paulo era uma cristologia em três está­ ses 2:6-1 1 . 18
gios, que se remontava à preexistência e
à encarnação, como em Gálatas 4:4-6; 17 The Foundations of New Testament Christology (New
Romanos 8:3; Filipenses 2:6-11; Colos- York: Scribner’s 1965), p. 166 e s.
senses 1:15-20; mas o credo de Romanos 18 R. P. Martin, op. cit.
A missão de Paulo era tanto um dom Mas é interessante que ekklêsia aparece
de Deus quanto a salvação (cf. I Cor. em Romanos apenas em referência à
15:10; Ef. 2:8). Este apostolado (apos­ igreja domiciliar na casa de Prisca e
tole) era tanto universal como particular. Ãqüila (16:5). Como será discutido mais
A sua universalidade era para a obediên­ tarde, não é certo que esse capítulo 16
cia da fé entre todos os gentios. As tra­ fizesse parte da carta à igreja em Roma.
duções antigas falam em “obediência à Não há dúvida quanto ao destino dos
fé” , mas a nossa tradução é mais literal e capítulos 1 a 15, embora uns poucos
mais correta. O conceito de “fé” como manuscritos omitam a referência a
corpo objetivo de ensinamentos encon­ Roma. Isto talvez era devido ao fato de
tra-se abundantemente nas cartas pasto­ que esta carta circulou entre outras igre­
rais (v.g., I Tim. 4:1), mas a obediência jas, como a adição do capítulo 16 tam­
se origina da fé como dedicação pessoal, bém indica.
em Romanos (cf. 15:18; 16:26). A saudação, terceira parte do cumpri­
O apostolado entre todos os gentios mento, está na forma de oração.19 Os
não exclui os judeus, mas Paulo pensa gregos se saudavam com chaire (alegria
primordialmente nos gentios, como seu para você), da mesma forma como os
campo missionário (Gál. 1:16; 2:7-9; cf. hebreus diziam shalom (paz). Algumas
At. 26:17 e s.). Em Romanos, os gentios vezes a saudação grega foi cristianizada
se colocam sempre em contraste com os por Paulo (Fil. 3:1; 4:4; cf. At. 15:23),
judeus (2:14,24; 3:29; 9:24,30; 11:11,25; mas aqui ele a substitui pela caracterís­
15:9-12,16, 27). Importância demasiada tica saudação cristã “graça” (charis).
tem sido atribuída à única referência à Esta unidade de graça e paz é encontra­
Igreja como “o Israel de Deus (Gál. da até em o Velho Testamento (Núm.
6:16). Israel, em Romanos, significa os 6:25 e s.), e esta berakah aarônica é
judeus, e não os gentios; e os gentios não talvez a maior fonte para as bênçãos que
incluem os judeus. Paulo é o apóstolo aos Paulo usa em todos os cumprimentos que
gentios, como Pedro é o apóstolo aos faz.
judeus (Gál. 2:7-9). Tudo isto tem o Graça e paz, significando favor e or­
objetivo de tom ar o nome de Cristo dem, são unidos ao nosso Pai, Deus, e
conhecido entre as nações, por amor do nosso Senhor Jesus Cristo. Deus como
seu nome. Abba (Pai) era a maneira característica
Os romanos são incluídos nesta mis­ pela qual Jesus falava de Deus, e esta
são, por um motivo especial, pois Paulo relação íntima foi o primeiro passo na
planeja usar Roma como nova base para direção da doutrina da Trindade. Este
a sua missão mundial (15:22-29). Esta primeiro passo, algumas vezes chamado
missão está associada com a vocação. de “binitarianismo” , é evidente no credo
Paulo fora chamado para ser apóstolo, de I Coríntios 12:4-6 e Efésios 1:3,4
e os cristãos romanos são chamados para (cf. Ef.2:18; 3:14-19; 4:4-6).20 Porém,
serdes de Jesus Cristo e chamados para note-se com maior cuidado Romanos 15:
serdes santos. Um chamado para a sal­ 16,30.
vação é um chamado para o serviço.
Os cristãos romanos, como destinatá­ 2. Ação de Graças (1:8-15)
rios desta carta, são descritos como per­ 8 P rim e ira m e n te dou g ra ç a s a o m e u
tencentes a Jesus Cristo, tornando-se D eus, m e d ia n te J e s u s C risto , p o r todos
amados de Deus, e como santos. O ter­ vós, p o rq u e e m to d o o m u n d o é a n u n c ia d a
mo “amados” oculta o lugar usual da
palavra igreja, nas cartas de Paulo. Isto 19 Donald Coggin, The Prayers of the New Testament
(London: Hodder and Stoughton, 1967), p. 95 e s.
não significa que não havia igreja (ekklè- 20 Dale Moody, Christ and the Church (Grand Rapids:
sia) em Roma antes de o apóstolo chegar. Eerdmans, 1963), p. 92.
povos se encontram, faz com que a decla­
a v o ssa fé. 9 P o is D eu s, a q u e m sirv o em
m eu e sp írito , no ev an g elh o d e se u F ilh o ,
ração todo o mundo seja mais do que
m e é te s te m u n h a d e co m o in c e s s a n te m e n ­
uma hipérbole. As notícias corriam de
te faço m e n ç ã o d e v ó s, 10 p ed in d o se m p re ,
Roma até os confins do Império, e era
e m m in h a s o ra ç õ e s, q u e , a fin a l, p e la v o n ­
por isso que Paulo queria pregar ali.
ta d e d e D eu s, se m e o fe re ç a b o a o ca siã o
p a r a i r t e r convosco. 11 P o rq u e d e se jo m u i­
A ação de graças se transforma ime­
to v er-v o s, p a r a vos c o m u n ic a r a lg u m d o m
diatamente em intercessão. O termo sir­
e sp iritu a l, a fim de qu e s e ja is fo rta le c id o s;
vo (latreuõ) descreve as orações de Paulo
12 isto é , p a r a q u e ju n ta m e n te convosco eu
como um serviço sacerdotal (cf. Heb.
s e ja consolado e m vós p e la fé m ú tu a , v o ssa
e m in h a . 13 E n ã o q u e ro q u e ig n o re is,
9:9; 10:2), conceito este encontrado tam­
irm ã o s, q ue m u ita s v e ze s p ro p u s v is ita r-
bém no fim da carta (15:16). Ação de
vos (m a s a té a g o r a te n h o sido im p e d id o ),
graças e intercessão, juntamente com
p a r a co n se g u ir a lg u m fru to e n tr e vós,
súplicas e orações, são as quatro grandes
com o ta m b é m e n tr e os d e m a is g en tio s.
formas de devoção (I Tim. 2:1). Le-
14 E u sou d e v e d o r, ta n to a g re g o s com o a
b á rb a r o s , ta n to a sá b io s com o a ig n o ra n ­
enhardt e Murray chamam a atenção
te s. 15 D e m odo q u e, q u a n to e s tá e m m im ,
para a importância da invocação do juízo
esto u p ro n to p a r a a n u n c ia r o e v a n g e lh o
divino, na adoração hebraica, e Murray
ta m b é m a vós q u e e s ta is e m R o m a .
insiste que jurar não é errado, ao con­
As saudações das cartas gregas, como trário dos Quakers! Leenhardt também
se pode verificar nos papiros, muitas aponta para o significado hebraico da
vezes eram seguidas por um agradeci­ referência ao espírito humano como cen­
mento aos deuses. Com a notável exceção tro da personalidade humana e o ponto
de Gálatas, todas as cartas paulinas to­ de contato com Deus.
mam esta forma. Paulo enumera a lista Muito tem sido dito a respeito das
que fornece depois do primeiramente, expressões em 1:2-4 — “evangelho de
em Romanos 1:8-15, mas ele acrescenta Deus” , “acerca de seu Filho” e “Filho de
quatro outras expressões piedosas além Deus” — relacionadas à cristologia acei­
do agradecimento: intercessão (v. 9 e s.), ta e desenvolvida por Paulo; elas são
razão (v. 11 e s.), objetivo (v. 13) e dever unidas e repetidas em o evangelho de seu
(v. 14 e s.). Filho. Barrett tenta corrigir a tautologia
O agradecimento é a Deus, mediante de incessantemente e sempre, na maioria
Jesus Cristo, por todos os crentes de das traduções, com esta pontuação:
Roma. Mais uma vez, as primeiras duas “ ...como incessantemente faço menção
frases refletem o primeiro passo em dire­ de vós, pedindo sempre em minhas ora­
ção ao trinitarianismo e a mediação de ções para que eu possa ter o sucesso, por
Cristo entre Deus e o homem. F.F. Bru- fim (se for da vontade de Deus), de ir ter
ce disse, com bastante propriedade: “As­ convosco.” A intercessão é, desta forma,
sim como é através de Cristo que a graça por eles e por ele. O significado literal do
de Deus é expressa ao homem (v. 5), grego seria “jornada próspera” (cf. euo-
também é através de Cristo que a gra­ dõtai, em I Cor. 16:2).
tidão dos homens é expressa a Deus. Os anseios que estão por detrás desta
A mediação de Cristo é exercida tanto em oração de intercessão trazem à tona a
direção a Deus como em direção ao ho­ razão para a sua viagem a Roma: Paulo
mem.” anseia por fortalecer e encorajar os cren­
Ao agradecer aos tessalonicenses, o tes romanos. Ele os fortaleceria, ao co­
seu exemplo na Macedônia e na Acaia é municar-lhes algum dom espiritual. Mais
especialmente grato a Paulo (I Tess. 1:8), adiante, nesta carta ( 12 :6-8), sete dons
mas a proclamação universal da fé dos espirituais (charismata) são relaciona­
romanos é ainda maior. A centralidade dos, mas essas manifestações do Espírito
de Roma, como o lugar onde todos os são mais brandas e menos místicas do
que os nove dons de I Coríntios 12:7-11. parece de bárbaro, quando não há inter­
Seria esta a razão pela qual Paulo dese­ pretação (I Cor. 14:11, KJV — King
java fortalecê-los ou estabelecê-los (cf. II James Version). Os gregos eram, sem
Cor. 1:21 e s.)? Corinto necessitava de dúvida, os sábios, e os bárbaros ignoran­
ordem (I Cor. 14:40), mas Roma preci­ tes. A Espanha era, provavelmente, bár­
sava de um dom espiritual (cf. Rom. bara. Esse anseio de pregar o evangelho
12:11, “fervorosos no Espírito” ). É difí­ em Roma é anunciado por Lucas durante
cil achar o equilíbrio. o grande ministério em Éfeso (At. 19:21),
Paulo examina a si mesmo, para que e agora ele é anunciado por Paulo, no
não soe demasiadamente auto-suficiente, começo e no fim de sua carta a Roma
para reconhecer que os romanos têm algo (v. 15; 15:24).
a lhe dar. Esse encorajamento mútuo é
uma fé compartilhada, e muito mais do 3. O Tema (1:16,17)
que um recuo ou polidez. Uma igreja 16 P o rq u e n ã o m e en v e rg o n h o d o e v a n ­
nova como a de Tessalônica tinha pouco gelho, p o is é o p o d e r d e D eu s p a r a sa lv a ç ã o
a oferecer a Timóteo quando Paulo o de todo a q u e le q u e c r ê ; p rim e iro do ju d e u ,
enviou para estabelecê-la (I Tess. 3:6), e ta m b é m do g re g o . 17 P o rq u e no e v a n g e ­
lho é re v e la d a , d e íé e m fé, a ju s tiç a d e
mas Roma não era uma igreja nova. AH, D eu s, c o m o e s t á e s c r ito : Alas o ju s to v iv e ­
Paulo vai edificar sobre o fundamento de r á d a fé .
outrem (cf. Rom. 15:20).
O objetivo da visita precisa ser escla­ A prontidão e ansiedade de Paulo para
recido. A expressão não quero... que pregar o evangelho em Roma é explicada
ignoreis é típica de Paulo quando fala de no tema da carta, que também é uma
assuntos importantes (cf. I Tess. 4:13; prévia do conteúdo que se segue. O uso
I Cor. 12:1; II Cor. 1:8; Rom. 11:25). tríplice de porque (gar, da segunda vez
O empecilho que retardara a viagem de traduzido como pois) indica três passos:
Paulo a Roma não se sabe qual foi. Pode (1) ele estava ansioso porque não se en­
ter sido Satanás (I Tess. 2:18) ou a vergonhava do evangelho; (2) ele não se
missão ao Oriente (Rom. 15:19-22), tal­ envergonhava do evangelho porque é o
vez a segunda (cf. At. 16:6 e s.); mas poder de Deus; (3) o evangelho é o poder
agora parece que o empecilho estava fora de Deus porque a justiça de Deus é reve­
do caminho, e a ceifa em Roma e no lada nele.
Ocidente podia começar (Rom. 15:23- O evangelho já foi descrito (cf. 1:1-4),
29). Este conceito de uma colheita espi­ e por isso é a palavra que aqui serve de
ritual era central para Paulo (I Cor. 3:6- elo. F. F. Bruce chama a declaração
9; 9:10-12; II Tim. 2:6). negativa não me envergonho de litotes,
O dever de Paulo é uma dívida, uma uma declaração que pretende aumentar
obrigação, que se origina no dom da o efeito; isto é, essa figura de linguagem
graça dado a ele (cf. I Cor. 9:16). Como significa que Paulo se gloriava no evan­
apóstolo aos gentios, ele precisava pre­ gelho. Isto se torna evidente em I Corín­
gar a gregos e a bárbaros: instruídos tios 1-4, uma “ midrash” cristã a respeito
e sem instrução. Os romanos eram gre­ de Jeremias 9:23 e s.: “O que se gloriar,
gos por linguagem e por cultura. Dodd glorie-se no Senhor.” Tanto I Coríntios
diz: “Antes do terceiro século, se tem como Romanos foram escritos na época
notícia de um epitáfio apenas, de um da Páscoa, mas o texto foi associado com
bispo romano.” Os bárbaros são os gen­ o Dia da Expiação.
tios que não conhecem a língua grega! Este tema é, provavelmente, baseado
Eles fazem um som como de bar-bar, nos paralelismos hebraicos entre salva­
quando falam. Paulo descreve os que ção e justiça, constantes do Velho Testa­
falam em línguas como pessoas cuja voz mento (Is. 45:21; 51:5-8; 56:1; 61:10 e s.;
Sal. 24:5; 31:1). Um bom exemplo é é, em particular, o grego, e, de modo
Isaías 56:1: geral, os gentios. Os judeus e gregos são
“A minha salvação está prestes a vir discutidos em 2:1 -1 1 , e os judeus e gen­
e a minha justiça a manifestar-se.” tios em 2:12-16. Não há aqui nenhuma
Ainda mais aproximado de Romanos exclusão dos bárbaros, quando ele fala
1:16 e s. está Salmos 98:2: apenas dos gregos. O evangelho é para
“O Senhor fez notória a sua salvação, todos, e não existem mais as velhas dis­
manifestou a sua justiça perante os tinções na verdadeira Igreja (Gál. 3:28;
olhos das nações.” Col. 3:11; Ef. 2:11-23).
A RSV (Revised Standard Version) tra­ A justiça de Deus é explicada em
duz “vitória” e “vindicação” , em lugar 3:21-4:25, mas esta seção, que aborda o
de “salvação” e “justiça” , o que muito se tema, a resume. Ela é (1) revelada, mas
aproxima do seu significado original. precisa também ser (2) recebida pela fé,
A salvação, mencionada pela primeira para que possa ser uma força salvadora.
vez em Romanos 1:16, é, antes de tudo, C. H. Dodd argumentou fortemente que,
dinâmica, a própria dunamis de Deus para Paulo, a justiça é antes uma ativi­
que leva à salvação. A salvação, aqui, dade do que um atributo. Como corre­
não é um conceito estático. Tem uma tivo para a velha ortodoxia estática, isto
orientação futura, como a reconciliação é importante, mas os atributos de Deus e
tem uma orientação passada: “Porque se as suas ações são inseparáveis no Deus
nós, quando éramos inimigos, fomos re­ vivo da fé bíblica. Na verdade, Dodd se
conciliados com Deus pela morte de seu resguarda neste ponto, quando diz: “Po­
Filho, muito mais, estando já reconcilia­ rém ‘justiça’ é sempre não primariamen­
dos, seremos salvos pela sua vida” (5:10). te um atributo de Deus ou do seu povo,
É por isso que o hino de 13:11-14 diz: mas uma atividade pela qual o direito é
“A nossa salvação está agora mais perto reafirmado na libertação, do homem, do
de nós do que quando nos tornamos poder do m al.”
crentes” (13:11). A salvação é mencio­
nada em Romanos como experiência pas­ A recepção da salvação pela fé foi
sada, porém mesmo assim o futuro é apresentada no verso 16, mas o de fé em
focalizado plenamente: “Porque na es­ fé (ek pisteõs eis pistin) e a citação de
perança fomos salvos... se esperamos o Habacuque 2:4 levantam mais interroga­
que não vemos, com paciência o aguar­ ções quanto à opinião de Paulo acerca da
damos” (8:24 e s.). A salvação é também fé.
descrita como um processo presente (Fil. A expressão ek pisteõs eis pistin tem
2:12) e um ato perfeito, que abrange o sido interpretada de diversas maneiras.
passado, o presente e o futuro (Ef. 2:8); A opinião dominante é que ela significa
mas, em todos esses tempos, a salvação é fé o tempo todo, fé “ do começo ao fim” ,
muito mais dinâmica do que uma salva­ como diz Dodd. A tradução NEB (New
ção estática, formalista. English Bible) seguiu a sua orientação,
Esta salvação é também universal, com “um caminho que começa em fé e
para os que crêem. É para todo aquele termina em fé” . Uma segunda opinião, a
que crê: primeiro do judeu, e também do deT. F. Torrance, interpreta a expressão
grego. O primeiro lugar do judeu é posto com o significado de “da fidelidade de
em discussão em 2:9 e s.; 3:1 e s:; 9:1-5. Deus à fé do homem” , porém Murray
Ê a preocupação central dos capítulos 9 a reduziu-a à improbabilidade, mediante
11. Quando Paulo fala do ponto de vista um minucioso estudo da terminologia de
dos gregos, quem está de fora é o bár­ Paulo. A expressão ek pisteõs é favorita
baro (1:14); mas do ponto de vista do de Paulo, mas nem sempre é possível
judeu, a principal pessoa que está de fora substituí-la por “da fidelidade de Deus”
(1:17; 3:30; 4:16; 5:1; 9:30,32; 10:6; Hebreus 10:38, torna isso impossível.
14:23; Gál. 3:7,24; 5:5). Emunah (heb.) significa fidelidade à
Uma terceira opinião é emitida pelo aliança, muito próximo de hesed (amor
próprio Murray. Depois da analogia de inabalável), em Habacuque 2:4; e esta
3:22 (“pela fé em Jesus Cristo para todos maneira de entender fé tem sentido aqui.
os que crêem”), ele diz que esta repeti­ Não é de se admirar, Knox recorrer a
ção da palavra fé é feita “para acentuar “cinco significados” de fé em o Novo
o fato de que a justiça de Deus não Testamento! Se ek pisteõs eis pistin signi­
apenas se manifesta a nós de maneira fica fé “do começo ao fim” , então é mais
salvadora pela fé, mas ela também se coerente dizer-se que a pessoa justifi­
manifesta de maneira salvadora para to­ cada, o justo, continuará a viver pela fé.
dos os que crêem” . Isto está muito pró­ Ã medida que ele continuar na fé, conti­
ximo da tradução da NEB (marg.): “Ê nuará a viver (cf. 8:12 e s.; 14:13-23).
baseada na fé e se dirige para a fé.” Isto é A justiça de Deus é revelada, recebida e
possível, mas não provável, especialmen­ retida ek pisteõs eis pistin, fé do começo
te quando unido à declaração calvinista ao fim. Este é o significado de fideüdade,
de que a regeneração vem antes da fé, de acordo com a opinião deste escritor.
ponto de vista que Murray esposa. Com a apresentação do tema princi­
A questão a respeito da tradução feita pal da carta em termos de salvação (so-
por Paulo, de Habacuque 2:4, e o signi­ teria) e justiça ou justificação (dikaiosu-
ficado que está por detrás dela, também nê), Paulo está, agora, ao inverso, pronto
produziu debate. A maior parte dos co­ para expor a justificação em 1:18-4:25 e
mentários, mediante o apelo à gramática a salvação em 5:1-8:39. Nygren observou
e concordando com J. B. Lightfoot, diz: que as referências à fé aparecem 25 vezes
“O justo viverá pela fé.” Isto significa nos capítulos 1-4, e só duas vezes em 5-8,
que ek pisteõs está relacionado mais in­ enquanto as referências à vida aparecem
timamente com zésetai (viverá). A RSV 25 vezes nos capítulos 5-8 e, não con­
colocou isto na margem, e uma opinião tando o tema, apenas duas vezes em 1-4!
geralmente associada com Nygren foi I. Justificação (1:18-4:25)
adotada para o texto regular: “Aquele
que mediante a fé é justo, viverá.” Isto 1. A Necessidade de Justificação:
relaciona ek pisteõs mais intimamente AIra de Deus (1:18-3:20)
com ho dikaios (aquele que é justo). F. F. 1) A Ira de Deus Contra os Gentios
Bruce apóia isto com materiais provindos (1:18-32)
do comentário de Qumran. Mas as cita­ (1) Impiedade (1:18-25)
ções e o apelo ao aramaico hayyè, que
significa tanto “vida” como “salvação” , a. Ignorância (1:18-23)
parece sustentar o significado original de 18 P o is do c é u é re v e la d a a i r a d e D eu s
Habacuque 2:4 e o significado gramati­ c o n tra to d a a im p ie d a d e e in ju s tiç a dos h o ­
cal da tradução de Paulo: “O justo viverá m e n s q u e d e tê m a v e rd a d e e m in ju s tiç a .
pela fé.” 19 P o rq u a n to , o q u e d e D eu s se p o d e c o n h e­
O número de comentários que concor­ c e r, n e le s se m a n ife s ta , p o rq u e D eu s lho
m a n ife sto u . 20 P o is oS se u s a trib u to s in v is í­
dam com Knox, de que Paulo usa fé v e is, o se u e te rn o p o d e r e d iv in d ad e , são
“em outro sentido” , faz com que o estu­ c la ra m e n te v is to s d e sd e a c ria ç ã o do m u n ­
dante hesite, mas um estudo compara­ do, sen d o p e rc e b id o s m e d ia n te a s c o isa s
tivo das citações de Habacuque 2:4, em o c ria d a s , d e m o d o q u e e le s sã o in e s c u s á v e is ;
21 p o rq u a n to , te n d o co nhecido a D eu s, co n ­
Novo Testamento (Gál. 3:11; Rom. 1:17; tudo, n ã o o g lo rific a ra m com o D e u s, n e m
Heb. 10:38), em seu contexto, não sus­ lh e d e ra m g ra ç a s , a n te s , n a s s u a s e s p e c u la ­
tenta esse ponto de vista. A tradução ções, se d e s v a n e c e ra m , e o se u c o ra ç ã o
“o meu justo” (ho dikaios mou), em in se n sa to se o b sc u re c e u . 22 D izendo-se s á ­
bios, to rn a ra m -s e e stu lto s, 23 e m u d a r a m infidelidade do homem para com a alian­
a g ló ria do D eu s in c o rru p tív e l e m s e m e lh a n ­ ça (Is. 2:3), mas aqui a ignorância é
ç a d a im a g e m do h o m e m c o rru p tív e l, e d e
a v e s, e de q u a d rú p e d e s , e d e ré p te is . resultado da rejeição, feita pelo homem,
do conhecimento de Deus, possibilitado
Antes que a justiça de Deus seja resu- na ordem criada. A tradução da IBB
midá em detalhes (3:21-4:25), a ira de verte to gnoston como o que... se pode
Deus, que explica a necessidade do ato conhecer, mas talvez seja melhor dizer
de justiça de Deus, é descrita tanto no “o que é conhecido” . Esta conclusão é
mundo gentílico em geral (1:18-32) como fortalecida pela declaração de que este
no mundo judaico em particular (2:1 - conhecimento é óbvio para eles, porque
3:20). É muito significativo que Paulo diz Deus lho manifestou. Esta é uma possi­
que tanto a justiça de Deus (1:17) como a bilidade tão velha como a criação, pois a
ira de Deus são reveladas (cf. Col. 3:6; natureza invisível de Deus é revelada
Ef. 5:6). A relação entre as duas é o santo através da natureza visível, mas não de
amor de Deus. A maior parte dos co­ maneira a excluir a adoração da ordem
mentadores rejeita os esforços de Dodd natural das coisas (cf. At. 14:15). A reve­
para relaxar esta tensão, com a sua inter­ lação não é um poder vago, impessoal.
pretação de justiça como um ato pessoal É poder que tem um propósito, poder
em contraposição à ira como processo pessoal, a saber, o seu eterno poder e
impessoal de pecado e retribuição. Ira é, divindade. Esta não é a chamada teolo­
geralmente, um ato escatológico do fu­ gia natural da era da razão, quando
turo (2:5,8,16; I Tess. 1:10), mas o verso as evidências de uma divindade ausente
18 está no presente e é melhor traduzido eram pressupostas na ordem da nature­
como “a ira de Deus está sendo reve­ za. O Deus de Paulo é uma Presença em
lada agora” . Esta ira é revelada tanto na operação na ordem criada, agora. Ele é a
ordem criada do mundo natural (v. 18), Pessoa no processo, e não o Deus das
quando ela é rompida, como na ordem lacunas. O barthianismo primitivo ne­
social (13:5), quando há desordem. Ela gligenciava e mesmo negava esta revela­
se relaciona tanto com a condenação ção de Deus na criação. Agora, até Emil
(2:5,8) como com a salvação (5:9). Veja o Brunner viu valor positivo nesta revela­
comentário a 9:22. ção. Esta revelação na criação, fora do
Esta ira é contra toda impiedade (ase- homem, é suplementada por uma revela­
beia) e iqjustiça (adikia). As duas pala­ ção na consciência, dentro do homem
vras correspondem às duas tábuas da lei (2:14-16).
moral, e, a despeito de isso ser negado A possibilidade desta percepção de
por muitos, o resto do capítulo é uma Deus na criação tem antecedentes gregos
elaboração dessas duas idéias. A verdade e hebraicos. A ênfase do Velho Testa­
de Deus — a revelação de Deus acerca de mento consta na revelação de Deus na
si mesmo ao homem, na ordem criada, história, mas a revelação de Deus na
aqui e agora — é impedida ou seu im­ criação não é ignorada, especialmente
pacto atenuado pela injustiça. Murray depois do desenvolvimento da doutrina
faz uma grande distinção entre impedi­ da criação (v.g.; Is. 40-45; Sal. 19, 104).
mento e supressão, mais do que a maioria O pecado distorce, mas não destrói a
dos comentaristas, mas impedimento pa­ possibilidade da percepção. A mente de
rece estar um pouco mais próximo ao fato pode tornar-se réproba (1:28), mas
grego. A impiedade do homem é mani­ também pode ser renovada (12:2). A
festa tanto na ignorância religiosa (v. 18- mente toma possível a percepção.
23) como na idolatria (1:24 e s.). Os gentios outrora conheciam a Deus,
A ignorância religiosa, no Velho Tes­ evidência adicional de que to gnoston
tamento, é muitas vezes o resultado da deve ser traduzido como “ o que é conhe-
eido” e não como “ o que pode ser conhe­ opinião dos judeus piedosos em relação à
cido” , mas eles não o glorificaram como ignorância religiosa dos gentios, mas veja
Deus, nem lhe deram graças, antes, nas Romanos 2:14-16, onde se faz uma abor­
suas especulações, se desvaneceram, e o dagem mais positiva. As raízes deste
seu coração insensato se obscureceu. O parágrafo remontam a Gênesis 1-3, como
seu processo mental se tomou dialogis- demonstrou M. D. Hooker.21
mos, especulação sem percepção, racio­
cínio vazio. A palavra grega traduzida b. Idolatria (1:24,25)
como insensato, em nossa versão, signi­
24 P o r isso D eu s os e n tre g o u , n a s con-
fica falta de entendimento. A palavra cu p isc ê n c ia s d e se u s c o ra ç õ e s, à im u n d íc ia ,
traduzida corretamente como coração é p a r a se r e m os se u s c o rp o s d e so n ra d o s e n tr e
kardia, palavra grega com conteúdo he­ s i; 25 p o is tr o c a r a m a v e rd a d e d e D e u s p e la
braico. O coração pode ser “continua­ m e n tira , e a d o r a r a m e s e r v ira m à c r ia tu r a
a n te s q u e a o C ria d o r, q u e é b e n d ito e te r n a ­
mente mau” (Gên. 6:5), mas ele tem m e n te . A m ém .
muitas outras funções (2:5, 15,29; 5:5;
6:17; 8:27; 9:2; 10:6). Em 1:21 o coração A idolatria apresentada em 1:23 é in­
é maligno, sem suas funções benignas, e terpretada mais a fundo em 1:24,25. O
esta é a causa das trevas (cf. Ef. 4:17-19). fato de desonrar a Deus levou à deson­
Deus se tomou uma sombra vaga, um ra do corpo. A contaminação do coração
grande borrão! é indicada pela contaminação do corpo.
A especulação que não reconhece Deus Estas se tomam as idéias principais em
leva à idolatria. Ela o desonra e não lhe 1:26-32. A ira de Deus, neste ponto,
dá graças. As pessoas que assim pro­ é descrita triplicemente: Deus os entrega
cedem não são atéias; são ingratas. a ceder à idolatria (v. 1:23), imoralidade
A glória de Deus, que é o propósito para (1:26) e animosidade (1:30) (Leenhardt).
o homem, é trocada pela glória do ho­ Note que 1:26 e ss. e 1:28-32 falam não
mem. O homem mortal desalojou o Deus apenas que Deus os entregou a princípio,
imortal de seus pensamentos (cf. Sabe­ mas da penalidade no fim. Esta é a sua
doria de Salomão 2:23; 3:4). O pecado atual condição e castigo. O desejo, como
marca o homem como mortal, sujeito à a mente, pode ter uma função que seja
morte (7:9; 8:11), e só Deus é imortal por boa ou má, conforme o caso, mas aqui
natureza (I Tim. 1:17). Em Cristo, o refere-se à concupiscência sexual, que
espírito humano receberá imortalidade, domina a vida (cf. 7:7). A imoralidade
por ocasião da morte (II Cor. 5:4) e o sexual é o sinal da “grande mentira.”
corpo humano, por ocasião da ressurrei­
ção (I Cor. 15:53). (2) Iqjustiça (1:26-32)
O pecado transformou uma grande
oportunidade em uma grande perversão. a. A Contaminação do Corpo Humano
Salmos 106:20, falando do bezerro de (1:26,27)
ouro, diz: “Assim trocaram a sua glória
(de Deus) pela figura de um boi que 26 P e lo que D eu s os e n tre g o u a p a ix õ es
in fa m e s. P o rq u e a té a s s u a s m u lh e re s m u ­
come erva.” Enoque 99:8 e s. elabora d a r a m o uso n a tu r a l n o q u e é c o n trá rio à
este pensamento: “E eles se tomarão n a tu r e z a ; 21 se m e lh a n te m e n te , ta m b é m os
ímpios por causa da insensatez do seu v a rõ e s , d eix a n d o o u so n a tu r a l d a m u lh e r,
coração, e os olhos serão cegados por se in f la m a ra m e m s u a se n s u a lid a d e u n s
p a r a co m os o u tro s, v a r ã o co m v a rã o , co ­
causa do temor de seus corações, e atra­ m eten d o to rp e z a e rec e b e n d o e m si m e sm o s
vés destes se tornarão ímpios e medrosos, a d e v id a re c o m p e n s a do se u e rro .
porque fazem todas as suas obras em
mentira, e adoram uma pedra” (veja 21 “Adam in Romans 1” , New Testament Studies, VI,
também Sabed. de Sal. 12-14). Esta era a 297 e ss.
A classificação moral de pecado em corruptível que torna a alma pecadora,
duas classes, sensual e social, é usada mas a alma pecadora que toma a carne
agora (cf. I Cor. 5:10 e s.; Gál. 5:19-21; corruptível” (ibid., XIV.3).
Rom. 13:13; Col. 3:5,8; Ef. 5:3-5; I Tim.
1:9 e s.). Os termos usados por Paulo b. A Contaminação do Espirito Humano
são a contaminação do corpo humano e a (1:28-32)
contaminação do espírito humano (II
28 E a s s im com o e le s r e je ita r a m o c o ­
Cor. 7:1). A contaminação do corpo hu­ n h ec im e n to d e D eu s, D e u s, p o r s u a v ez, os
mano é claramente manifestada no ho­ e n tre g o u a u m se n tim e n to d e p ra v a d o , p a r a
mossexualismo, pois ele é obviamente fa z e re m c o isa s q u e n ão c o n v é m ; 29 e s ta n ­
antinatural, contrário à natureza sexual, do ch eio s d e to d a a in ju s tiç a , m a líc ia , co ­
b iç a , m a ld a d e ; ch eio s d e in v e ja ; h o m icíd io ,
para phusin, na frase de Paulo, em gre­ c o n te n d a , dolo, m a lig n id a d e ; 30 sen d o m u r-
go. Ele é declarado antinatural, com m u ra d o re s , d e tr a to r e s , a b o rre c e d o re s d e
base no ponto de vista do Antigo Testa­ D eus, in ju ria d o re s , so b e rb o s, p re su n ç o so s,
mento, da relação entre o homem e in v e n to re s d e m a le s , d e so b e d ie n tes a o s
mulher. O sexo, bem como a mente, p a is ; 31 n ésc io s, in fiéis n o s c o n tra to s, s e m
a fe iç ão n a tu r a l, se m m is e ric ó rd ia ; 32 os
pode ser bom ou mau. Ele é bom se se q u ais, co n hecen d o b e m o d e c re to d e D eu s,
realiza entre um homem e uma mulher q ue d e c la ra d ig n o s d e m o rte os q u e ta is
inteiramente dedicados um ao outro no c o isas p r a tic a m , n ão so m e n te a s fa z e m ,
casamento. Ê esta unidade que é simbo­ m a s ta m b é m a p ro v a m o s q u e a s p ra tic a m .
lizada pelo ato sexual (Gên. 2:18-25).
Isto é confirmado pelos fatos da expe­ Este terceiro ribombo de trovão a res­
riência. peito da ira de Deus, o fato de ele aban­
O homossexualismo não é uma forma donar os pecadores em seus pecados, faz
nova de comportamento sexual. As duas um uso fascinante da linguagem grega.
formas de perversão (mulher com mu­ O uso de paronomásia, ou jogo de pala­
lher, homem com homem) são duas das vras mediante o seu som, pode indicar
dez formas de iniqüidade mencionadas tanto catechesis (passagem usada para
em I Coríntios 6:9 e s. Isso era prática instruir os convertidos) como paranèsis
comum no mundo pagão. A maior parte (exortações éticas).
dos primeiros Césares era homossexual. Barrett procura representar um jogo
Suetônio disse acerca de Júlio César: de palavras, com a seguinte tradução do
“Ele era o homem de toda mulher e a verso 28: “E quando eles não acharam
mulher de todo homem.” As Sátiras de conveniente tomar conhecimento de
Juvenal também revelam o erotismo po­ Deus, Deus os entregou a uma mente
dre da sociedade romana. inconveniente.” As palavras “convenien­
Completamente desgostoso com a mo­ te...inconveniente” são, em grego, edo-
ral pagã, Paulo volta-se para Deus, com kimasan... adokimon. O adjetivo adoki-
o louvor de uma doxologia que pode mos já fora usado em I Coríntios 9:27 e
indicar uso litúrgico, mas os escritos em II Coríntios 13:5-7, onde ele é tradu­
rabínicos abundam em louvores, como zido como “reprovado” . Significa que a
“o Santo (bendito seja ele)” (cf. Rom. mente já não executa a função adequada
9:5). Isto é continuado mesmo na teo­ de percepção de Deus. Ao se tomarem
logia latina, e as Confissões de Agosti­ estranhos a Deus, pelo uso inadequado
nho são exemplo clássico. O livro Cidade de sua mente, a especulação excluiu a
de Deus, de Agostinho (XIV.2) adota a percepção. O termo estóico ta mê kathè-
teologia de Paulo à linguagem latina, konta (o que é inconveniente para o
dividindo os pecados em camalidades e homem) tom a o significado mais claro.
animosidades. A sua perspectiva paulina Veja 2:15, onde Paulo usa outra palavra
é clara quando ele diz: “Não é a carne estóica: consciência. Embora Paulo pen­
se no homem em relação a Deus tanto Paulo, sem referência à lei é uma dis­
quanto à sociedade, no ensino estóico, torção.
o pecado é contra Deus, porque ele é O fracasso gentio quanto a viver de
anti-social. acordo com a lei, para phusis, em vez de
O chamado catálogo de vícios, nos kata phusin, justifica a ira de Deus ma­
melhores manuscritos, relaciona vinte e nifesta contra eles (cf. 1:26). A referên­
uma coisas contra as quais a ira de Deus cia ao conhecimento da lei moral de Deus
é manifesta, e elas são agrupadas em de fato prevê a seção seguinte, a respeito
pelo menos três, talvez quatro combina­ da ira de Deus contra os judeus (2:1-
ções. As primeiras quatro estão no caso 3:20), mas há um conhecimento desta lei
instrumental associativo, e cada palavra natural independente do código escrito.
termina com ia. São crimes contra a Leenhardt está certo em dizer que o
comunidade em geral. Os cinco seguintes epignontes (conhecimento) do verso 32
estão no genitivo, e três terminam com recorda o gnontes (conhecimento) do ver­
ou. São crimes contra pessoas em par­ so 2 1. O to gnoston (o que é conhecido)
ticular, como, por exemplo, o vizinho. do verso 19, o alêtheia (verdade) do verso
Os outros doze podem ser classificados 25, e as funções de nous (mente) nos
como suas disposições de orgulho e seis versos 20 e 28 servem também de funda­
que se relacionam com a destruição dos mento para o seu comentário a respeito.
sentimentos humanos (cf. Leenhardt). O Indubitavelmente, os judeus, tendo um
jogo de sons continua com cinco palavras código escrito, conhecem mais.
que terminam com as, cinco com ous e Os gentios que tais coisas praticam —
duas com eis. A versão da IBB imitou as apresentadas no catálogo de vícios —
alguma coisa dessa figura de linguagem são dignos da morte total que resulta do
com néscios, infiéis... sem afeição natu­ pecado (5:12, 19; cf. I Cor. 6:10; Gál.
ral, sem misericórdia. Uma definição 5:21). A justificativa da ira de Deus
mais minuciosa das palavras requer um contra eles é ainda mais clara quando
estudo de cada palavra grega, mas as esses atos viciosos são aplaudidos. Apro­
vação ou consentimento revela que os
várias traduções ajudam. Procure com­
parar essas traduções. atos são orgulho humano, bem como
perversidade humana. Os judeus que não
O clímax acontece no verso 32 (cf. aprovam os vícios pagãos, podem ainda
v. 27), quando a ira de Deus a respeito do praticá-los, de forma que a ira de Deus é
pecado humano é justificada. O decreto contra eles também. Esta é a nota nova
ou ordenança dikaiõma de Deus pode ser em 2:1 e ss.
referência à lei escrita (2:26; 8:4), bem
como à lei natural; mas é também usado 2) A Ira de Deus Contra os Judeus
em relação à justificação, ato justo de (2:1-3:20)
Deus na salvação (5:16,18). Ê o cumpri­
mento da lei natural e escrita de Deus em O estilo literário desta seção tem mui­
Jesus Cristo que torna possível este uso tas das características da diatribe estói­
duplo (8:1-4). A lei moral de Deus é ca. Uma diatribe é um discurso vivo, com
inerente à criação, e está escrita na cons­ um oponente imaginário, que é tanto
ciência dos gentios (2:14 e s.) e na Antiga companheiro amável de conversa quanto
Aliança, mas é cumprida pela primeira argumentador. Sentenças curtas e per­
vez em Cristo. Este duplo significado de guntas freqüentes, antíteses e paralelos
justificação dá-nos realmente o pleno se apresentam. Aqui, o estoicismo de
sentido da justificação (cf. Gál. 3:13; Tarso e o rabinismo de Jerusalém foram
4:4 e s.), e qualquer esforço para enten­ unidos em uma vida transformada por
der a morte de Cristo, na teologia de Cristo. De maneira genérica, toda a se­
ção pode ser considerada como uma dia­ estilo da diatribe estóica, mas Dodd com­
tribe de Paulo contra os judeus, em três para o método de Paulo com o de Amós
partes. É possível que ela tenha sido 1 e 2, em que se usa a concordância com
editada em debates anteriores, em sina­ a condenação dos inimigos de Israel
gogas e praças públicas (Barrett). como base para conclamar Israel ao arre­
pendimento. Ambos os elementos estão
(1) Os Judeus e o Juízo (2:1-16) presentes. O judeu descrito na Sabedoria
de Salomão (11-15) estaria de pleno acor­
a. Os Judeus Comparados com os do com a descrição dos gentios em 1:18-
Gregos em Particular (2:1-11) 32, mas não é permitido àquele descan­
sar na cadeira confortável de juiz. Os
1 P o rta n to , é s in e sc u sá v e l, ó h o m e m ,
judeus precisam ser julgados pelo mesmo
q u a lq u e r q u e s e ja s , q u an d o ju lg a s , p o rq u e
te co n d e n a s a ti m e s m o n aq u ilo e m que padrão que os gentios.
ju lg a s a o u tr o ; p o is tu , q u e ju lg a s , p ra tic a s O juízo de Deus é “segundo a ver­
o m e sm o . 2 E b e m sa b e m o s q u e o ju ízo de dade” , tradução que expressa razoavel­
D eus é seg u n d o a v e rd a d e , c o n tra os q u e ta is mente o impressionante kata alétheian
coisas p r a tic a m . 3 E tu , ó h o m e m , q u e ju l­
g a s os q ue p r a tic a m ta is c o isa s, c u id a s q u e, do grego. Deus julga as coisas como elas
fazendo-as tu , e s c a p a r á s ao ju ízo d e D eu s? realmente são, mas os judeus desejam
4 Ou d e s p re z a s tu a s riq u e z a s d a s u a b e n ig ­ condenar os gentios e se isentar por faze­
n id ad e, e p a c iê n c ia e lo n g a n im id a d e , ig n o ­ rem as mesmas coisas. A verdade se
ran d o q u e a b e n ig n id a d e d e D eu s te conduz aplica ao mesmo padrão, para as mes­
ao a rre p e n d im e n to ? 5 M as, se g u n d o a tu a
d u re z a e te u c o ra ç ã o im p e n ite n te , e n te s o u ­ mas coisas, para todas as pessoas.
r a s ir a p a r a ti no d ia d a ir a e d a r e v e la ­ Quando o judeu é chamado pela se­
ção do ju s to ju ízo de D e u s, 6 q u e re tr ib u ir á gunda vez de ó homem, o próprio cerne
a c a d a u m segu n d o a s s u a s o b r a s ; 7 a s a b e r : do judaísmo é exposto por três pergun­
a v id a e te r n a a o s q u e, co m p e rs e v e ra n ç a e m
fa z e r o b e m , p ro c u r a m g ló ria , e h o n ra e tas (v. 3 e s.). A Sabedoria de Salomão
in c o rru p ç ã o ; 8 m a s i r a e in d ig n a ç ão a o s que presumia que um padrão diferente devia
são co n ten cio so s, e d e so b ed ien te s à v e rd a d e ser aplicado aos judeus, no juízo de
e o b ed ien tes à in iq ü id a d e ; 9 trib u la ç ã o e a n ­ Deus. Dizia: “Assim, embora nos cas­
g ú stia so b re a a lm a de todo h o m e m que tigues, tu açoitas os nossos inimigos dez
p r a tic a o m a l, p rim e ira m e n te do ju d e u , e
ta m b é m do g r e g o ; 10 g ló ria , p o ré m , e h o n ra mil vezes mais” (12:22; cf. 11:9 e f).
e p az a todo a q u e le q ue p r a tic a o b e m , p r i­ A última parte do verso 3 parece ser
m e ira m e n te a o ju d e u , e ta m b é m a o g re g o ; esquecida pelo opositor de Paulo, e ele
XI pois p a r a com D eu s n ão h á a c e p ç ã o de precisa ser esclarecido.
p esso as.
A benignidade de Deus, unida à lon­
Algumas pessoas têm sugerido que a ganimidade e paciência, é muito real,
diatribe contra os judeus só começa de­ mas a ira de Deus não é reservada pri­
pois do verso 17, mas estas objeções têm mordialmente aos gentios. A benignida­
sido rejeitadas pela maioria dos comen­ de de Deus tem a intenção de levar ao
taristas. A comparação feita por Nygren, arrependimento, mas o fato de o homem
entre o oponente imaginário com o ju ­ não se arrepender transforma a benigni­
daísmo da Sabedoria de Salomão (11-15) dade de Deus em ira. Qualquer idéia de
e a análise feita por Murray, do conteúdo que o pecado será tratado com bran­
dos versículos, sustenta a posição de que dura serve apenas para armazenar a ira
a diatribe contra os judeus começa em de Deus para o dia da ira e da reve­
2 :1. lação do justo juízo de Deus. Ira é usada
O juízo do homem agora é colocado aqui no sentido escatológico futuro, e
em aguda antítese contra o juízo de não no sentido de um processo atual de
Deus. Dirigindo-se ao opositor judeu retribuição,-como em 1:18. Pecado pre­
como ó homem, Paulo usa exatamente o sumível serve apenas para adiar o juízo
e o seu castigo. Deus é benigno para com Exatamente o oposto dos que possuem
o coração penitente, mas o coração im­ paciência persistente, estão os que mos­
penitente ele castigará. Isto se aplica tram um espírito de mercenário, de
tanto a judeus quanto a gentios. Faz quem despedaça. A versão da IBB usa
lembrar o dia do Senhor em Ámós 5:18- contenciosos, mas esta tradução é basea­
20. da na falsa etimologia, que considera a
palavra eritheia como provinda de eris
O juízo de Deus não será apenas de
(luta) e não de erithos (recompensa).
acordo com a verdade, mas também se­
Paulo relaciona a palavra aqui traduzida
gando a a ... obras. Esta segunda manei­
como “contenciosos” ao lado de eris
ra de declarar o padrão do juízo de Deus
(II Cor. 12:20; Gál. 5:20), de forma que
é freqüentemente afirmada no Velho
ela não significa a mesma coisa; e o
Testamento (Sal. 62:12; Prov. 24:12; Jer.
espírito de um mercenário ou de quem
17:10), e é adotada em muitos lugares
despedaça é apropriado em outros luga­
do Novo Testamento (II Cor. 5:10; II
res (Fil. 1:17; 2:3). Tal busca dos inte­
Tim. 4:14; I Ped. 1:17; Apoc. 2:23;
resses próprios e rebeldia receberá ira e
20:12). Knox acha que este padrão de
indignação (orgé e tfaumos), duas pala­
obras é uma ameaça à idéia de Paulo da
vras que freqüentemente aparecem jun­
justificação pela fé, mas muitos outros
tas e são muito semelhantes no seu signi­
comentaristas discordam dele. Leen-
ficado (cf. Apoc. 16:19; 19:15). Ira é
hardtbem disse: “Isto não dá a entender
outra vez futura, como em 2:5.
qualquer contradição com o princípio da
O segundo par (v. 9 e 10) continua a
justificação graciosa ou gratuita do cren­
estabelecer o contraste. Tribulação e an­
te, independentemente de suas obras. Qs
gústia para os homens é o resultado da
dois princípios não têm o mesmo obje­
ira e indignação de Deus. Paz é acres­
to.” Um juízo com base nas obras não é a
centada aos dons do primeiro par.
mesma coisa como a justificação pelas
A ordem de bem e mal é invertida, mas
obras,
o significado do primeiro par é incluído e
O juízo de Deus, em contraste com o expandido. O verdadeiro choque em re­
juízo distorcido e parcial do homem, é lação à tribulação e tristeza é a frase
focalizado em cheio depois do verso 6. primeiramente do judeu. O judeu é o
Barrett reconheceu corretamente dois primeiro também em glória e honra e paz
pares diferentes de poesia hebraica nos (cf. 1:16), mas não se permite que ele o
versos 7-10. A imortalidade e a vida consiga apenas em um sentido. O primei­
eterna são novamente usadas, no sentido ro lugar em oportunidade coloca o judeu
hebraico, do que somente Deus tem, por também em primeiro lugar no juízo (cf.
natureza, e não no sentido grego da Am. 3:2).
imortalidade natural da alma humana. Todo o argumento destes versículos
Juntamente com a glória e a honra, leva à conclusão: “Pois para com Deus
imortalidade e vida eterna podem ser não há acepção de pessoas” (v. 1 1 ).
atribuídas somente a Deus, e só por ele Milligan considera esta palavra prosópo-
podem ser dadas. Tudo isto está intima­ lémpsia (respeito de pessoas, ou acepção
mente associado com a ressurreição dos de pessoas), encontrada apenas aqui e
mortos, em I Coríntios 15:42-54, e mais em Colossenses 3:25 e Efésios 6:9, jun­
será dito acerca da glória em Romanos tamente com prqpõpolémptes (At. 10:34)
3:23; 5:2; 8:18-21. Tudo isto está reser­ e prosõpolêmpteõ (Tiago 2:9) como “as
vado para aqueles que possuem paciên­ palavras cristãs mais antigas, conhecidas
cia, termo freqüentemente associado definidamente, que não eram conhecidas
com esperança (I Tess. 1:3; I Cor. 13:7; na Septuaginta ou em escritos não cris­
Rom. 8:24 e s.). tãos” (A.T, Robertson).
b. Os Judeus Comparados com os “Quanto àquele cujas obras excedem a
Gentios em Geral (2:12-16) sua sabedoria, a sua sabedoria permane­
12 P o rq u e todos os q u e s e m le i p e c a ra m , ce; mas quanto àquele cuja sabedoria
se m le i ta m b é m p e re c e r ã o ; e to d o s os que excede as suas obras, a sua sabedoria
sob a le i p e c a ra m , p e la le i s e rã o ju lg a d o s. não permanece” (3:10). Tiago 1:22 con­
13 P o is n ã o sã o ju s to s d ia n te d e D e u s os que tinua o ensinamento acerca da sabedo­
só o u v em a le i; m a s s e rã o ju s tific a d o s os
q ue p r a tic a m a le i 14 (p o rq u e , q u a n d o os ria: “E sede cumpridores da palavra, e
g entios, q u e n ã o tê m lei, fa z e m p o r n a tu r e z a não somente ouvintes.” Paulo aborda o
a s c o isa s d a lei, e le s, e m b o ra n ã o ten d o lei, assunto de um ângulo diferente, mas a
p a r a si m e s m o s sã o lei, 15 pois m o s tra m a contradição que Lutero temia não se
o b ra d a le i e s c r ita e m se u s c o ra ç õ e s , te s ­
tifican d o ju n ta m e n te a su a c o n sc iê n c ia e encontra aqui, aparentemente. Romanos
os se u s p e n sa m e n to s, q u e r ac u san d o -o s, 2:13 tem em mente a justificação diante
q u e r defendendo-os, 16 no d ia e m q u e D eu s de Deus, e não diante do homem, mas é
h á d e ju lg a r os se g re d o s dos h o m en s, p o r bom ensinamento a respeito da sabe­
C risto J e s u s , segu n d o o m e u ev an g elh o . doria.
O foco de atenção agora se amplia, A idéia principal de Paulo é que ouvir
abrangendo o mundo gentílico em geral, a lei não é suficiente para proteger os
inclusive até os bárbaros, e o estilo li­ judeus contra o julgamento da lei. A cor­
terário inclui, outra vez, dois pares de reta relação para com Deus é a de fé, e
poesia hebraica (v. 12 e 13), um comen­ isto é estabelecido pelo ato justo de Deus
tário parentético (v. 14 e 15) e uma naqueles que crêem, gentios ou judeus.
conclusão caracteristicamente paulina Não há diferença.
(16). O parêntese nos versículos 14 e 15 está
Os pares começam com um contraste bem claro na versão da IBB. Essa volta
entre os que estão sem a lei e os que estão de pensamento aos gentios, que estão
com a lei. A imparcialidade de Deus não sem lei, tem o objetivo de tornar claro
remove esta distinção. Os gentios que que há uma espécie de lei na revelação
pecam sem a lei perecerão, mas os judeus geral, independente da lei mosaica na
que pecam com a lei serão julgados, o revelação especial. Essa chamada lei na­
que implica em maior grau de condena­ tural recebe um tratamento rude da par­
ção. Este reconhecimento de que os gen­ te de Nygren, mas continua sendo a mes­
tios estavam fora da lei foi claramente ma, e não há evidências de que isso seja
declarado em I Coríntios 9:21: “para os uma interpolação. Os que agem por na­
que estão sem lei, como se estivesse sem tureza (phusei; cf. Gál. 2:15; 4:8; Ef.
lei (não estando sem lei para com Deus, 2:3) no que a lei mosaica exige, para si
mas debaixo da lei de Cristo) para ga­ mesmos são lei. Isto é bom, e não mau,
nhar os que estão sem lei” . Três leis na mente de Paulo.
propiciam luz ao homem: as leis da As idéias hebraicas e gregas são unidas
natureza^ Moisés e Cristo. no uso das palavras coração e consciên­
O segundo par se interessa apenas cia. A lei escrita no coração dos gentios
com os que têm a lei, e é importante a deve ser comparada com a lei escrita em
superioridade de cumprir ou fazer sobre o pedras ou na Escritura. A consciência,
ouvir. Isto não é aovo para a lei propria­ uma idéia estóica da constituição moral
mente dita, pois guardar os mandamen­ natural do homem, é uma testemunha
tos significa cumpri-los ou fazê-los (Lev. ulterior de que os gentios são lei para si
18:5). Sò o que os cumpre ou pratica mesmos, quando a lei é escrita em seus
viverá. Isto não foi esquecido nos escritos corações. A referência de Paulo é mais
rabínicos, como indica a citação seguin­ em relação à natureza humana do que à
te, de Pirke Aboth: “A coisa principal natureza universal do estoicismo. A des­
não é discutir, mas agir” (1:17). E: peito dos sentimentos da superioridade
judaica, da parte de Paulo, II Esdras ces a s u a v o n ta d e e a p ro v a s a s c o isa s e x ­
3:36 dá uma chance para “homens indi­ c e le n te s, send o in s tru íd o n a le i; 19 e co n fias
que é s g u ia dos ceg o s, lu z dos q u e e s tã o e m
vidualmente” em outras nações, que te­ tr e v a s , 20 in s tru id o r dos n ésc io s, m e s tre de
nham guardado os mandamentos de c ria n ç a s , q u e te n s n a le i a fo rm a d a c iê n c ia
Deus. e d a v e rd a d e ; 21 tu , p o is, q u e e n sin a s a
Os gentios podem chegar a um conhe­ o u tre m , n ã o te e n sin a s a ti m e sm o ? T u , que
cimento de Deus através da luz da cria­ p re g a s q u e n ã o se d e v e f u r ta r , f u r ta s ? 22 T u,
que d izes q u e n ã o se d e v e c o m e te r a d u lté rio ,
ção (Rom. 1:19 e s.) e da consciência a d u lte ra s ? T u, q u e a b o m in a s os ídolos, r o u ­
(2:14 e s.). Paulo já havia falado ante­ b a s os te m p lo s? 23 T u , q u e te g lo ria s n a le i,
riormente a respeito da consciência, tan­ d e so n ra s a D eu s p e la tr a n s g re s s ã o d a lei?
to no sentido pagão (I Cor. 10:28 e s.) 24 A ssim , p o is, p o r v o s s a c a u s a , o n o m e de
D eus é b la s fe m a d o e n tr e os g en tio s, com o
como no cristão (II Cor. 1:12; 4:2; 5:11), e s tá e sc rito .
mas aqui ele tem em mente a consciência
pagã, a despeito das opiniões de Lutero O estilo de diatribe é intensificado, ao
e Karl Barth. Mais adiante, Paulo falará pintar Paulo um retrato dos judeus que
da sua própria consciência cristã (9:1). compara vividamente conhecer a lei com
Calvino foi mais sábio do que Lutero, o fracasso moral dos judeus em praticar
neste ponto, pois o seu comentário foi: a lei. A alta estima que o judeu tem de
“Nunca houve uma nação tão bárbara si mesmo está desentoada com o baixo
ou inumana que não regulasse a vida por nível do seu exame introspectivo. O tom é
alguma forma de lei... Vemos claramen­ bem propriamente o de Jesus, quando ele
te, mediante este fato, que há certos disse: “Na cadeira de Moisés se assentam
conceitos originais de direito que são os escribas e fariseus. Portanto, tudo o
impressos por natureza no coração dos que vos disserem, isto fazei e observai;
homens.” Não é tão provável que isto mas não façais conforme as suas obras;
provenha da consciência como se provies­ porque dizem e não praticam” (Mat.
se das Escrituras, mas os que têm apenas 23:2,3).
a criação e a consciência não são tão A parte de pregação desse retrato rela­
responsáveis diante de Deus como os que ciona alguns dos privilégios que davam
também têm as Escrituras. Quanto aos judeus algum senso de superioridade
maior a oportunidade, maior a responsa­ sobre os gentios. Uma longa sentença
bilidade. Portanto, o judeu que for ape­ condicional tem como prótase ou cláusu­
nas ouvinte da lei, e não praticante, está las subordinadas quatro verbos constan­
sob maior condenação do que o gentio tes de um particípio seguido por quatro
(cf. Gál. 3:10-14). substantivos e outro particípio. Estas dez
Tudo será trazido à luz quando Deus frases resumem os privilégios especiais
há de julgar os segredos dos homens dos judeus. O substantivo “judeu” apa­
(cf. 2:5-10; 14:11 e s.; II Cor. 5:10). rece pela primeira vez na época do exí­
O evangelho de Paulo declarava que o lio, e se tomou uma marca registrada.
juízo final seria exercido por Jesus Cristo A dependência da lei foi mencionada em
(cf. comentário a 1:4). A verdade, na 2:13, e a jactância em Deus se tornara
criação e na consciência, por revelação a própria base da verdadeira adoração
geral e a verdade da antiga aliança terão (cf. Jer. 9:24; I Cor. 1:31). O grego fala
cumprimento e serão finalmente julgadas apenas de “a vontade” , mas refere-se
à luz do evangelho de Jesus Cristo. obviamente à vontade de Deus.
A quarta frase originalmente significa
(2) Os Judeus e a Lei (2:17-29) “você prova as coisas que diferem” , mas
a. Os Judeus e a Lei em Geral (2:17-24) chegou a significar a aprovação das coi­
17 M a s se tu é s c h a m a d o ju d e u , e re p o u ­ sas boas ou excelentes (cf. Fil. 1:10).
sa s n a le i, e te g lo ria s e m D e u s; 18 e c o n h e ­ Significa saber a diferença entre correto
e incorreto. Tudo isto se originou com a sacrilégio. Atos 19:37 indica que o roubo
instrução ou catecismo na lei, e como de templos era uma ofensa freqüente
tais não são mãs. Paulo nunca nega a entre os judeus. Dodd, outra vez seguin­
relação ‘ especial do judeu para com do Strack-Billerbeck, confirma a acusa­
Deus (2:25:3:1; 9:3-5; Gál. 2:15). ção de Paulo com úma citação de Johan-
Os quatro substantivos (v. 19 e 20) non ben Zakkai. Alguns judeus faziam
descrevem o papel dos judeus entre os essas coisas quando se misturavam com
gentios. O gula dos cegos podia ser tam­ os gentios, embora o melhor que havia no
bém cego (cf. Mat. 15:14; 23:16-22),.mas judaísmo o condenasse.
o Senhor chamara Israel para ser uma A quinta pergunta leva a longa senten­
luz para as nações (Is. 49:6). A seguinte, ça a um clímax, ao expor aqueles que se
era uma crença forte no judaísmo pos­ jactam na lei e ao mesmo tempo que­
terior: “Pois os seus inimigos merecem bram a lei. Isaías 52:5 é usado para
ser privados da luz e ser aprisionados apoiar a declaração de que Deus é blas­
nas trevas, aqueles que haviam conserva­ femado pelos judeus no meio dos gentios.
do os teus filhos presos, através de quem O seu Deus é interpretado à luz da con­
a imperecível luz da lei foi dada ao duta do seu povo; por isso, quebrar a lei é
mundo” (Sabedoria de Salomão 18:4). blasfêmia contra o seu nome. Os judeus e
Como instrutor dos gentios, o judeu é seu Deus ganham má reputação.
um corretor (cf. Heb. 12:9; a palavra
está relacionada com disciplina, sendo b. Os Judeus e a Circuncisão em
melhor traduzida como “corretor”). Particular (2:25-29)
Mestre leva essa função um passo adian­
25 P o rq u e a c irc u n c isã o é, n a v e rd a d e ,
te de corretor, pois o corretor não é ne­ p ro v e ito sa , se g u a rd a r e s a le i; m a s se tu é s
cessariamente mestre. Se as palavras tr a n s g re s s o r d a lei, a tu a c irc u n c isã o te m -se
cego, trevas, néscios e crianças parecem to rn a d o e m in c irc u n c isã o . 26 Se, pois, a in-
duras demais para com os gentios, deve- c irc u n c isã o g u a r d a r os p re c e ito s d a le i, p o r­
v e n tu ra a in c irc u n c isã o n ã o s e r á re p u ta d a
se lembrar que os judeus por vezes cha­ com o c irc u n c is ã o ? 27 E a in c irc u n c isã o q u e
mavam os gentios de cães (cf. Mar. 7:27). p o r n a tu re z a o é , se c u m p re a lei, ju lg a r á a
Os judeus usavam a lei como corporifi- ti, que co m a le t r a e a c irc u n c is ã o é s t r a n s ­
cação ou forma para o conhecimento e a g re s so r d a le i. 28 P o rq u e n ã o é ju d e u o que
verdade, talvez na instrução de proséli­ o é e x te rio rm e n te , n e m é c irc u n c isã o a que
o é e x te rio rm e n te n a c a rn e . 29 M a s é ju d e u
tos, mas esta forma podia algumas vezes aq u e le q u e o é in te rio rm e n te , e c irc u n c isã o
ser ineficaz (II Tim. 3:5). é a do c o ra ç ã o , n o e sp írito , e n ão n a le t r a ;
As apódoses ou cláusulas principais cujo lo u v o r n ã o p ro v é m dos h o m e n s, m a s de
desta longa sentença condicional conti­ D eus.
nuam com um terceiro grupo com cinco
partes (v. 21-23). Esta se acha na forma Os cristãos de hoje podem achar difí­
de cinco perguntas, que expõem a falên­ cil entender porque a circuncisão era um
cia moral do judaísmo. Os privilégios assunto tão explosivo, para o cristianis­
judaicos têm como corolários certas res­ mo primitivo, enquanto não compreen­
ponsabilidades. A idéia de mestre sugere derem a sua importância entre os povos
essa primeira pergunta. Dodd, seguindo semitas. A sua origem é obscura, mas era
Strack-Billerbeck, cita o rabi Saul ben talvez, a princípio, um rito de puber­
Nannos, em concordância com Paulo: dade, em preparação para o casamento,
“Tens alguns homens... que ensinam os que freqüentemente acontecia no começo
outros e não se ensinam a si mesmos.” da juventude. Mais tarde, ela se tomou
As três perguntas seguintes tocam em um ritual da infância, especialmente en­
três pecados que muitas vezes são agru­ tre os israelitas, que a consideravam
pados, no judaísmo: furto, adultério e como sinal da aliança, sendo administra­
da a todos os bebês, no seu oitavo dia de cional, no verso 27, de que um gentio
vida.22 Ao tempo de Paulo, ela havia obediente sem circuncisão julgaria o ju ­
adquirido quase um valor absoluto, tanto deu circuncidado, mas desobediente,
que era o escudo supremo contra os deve ter chocado o judaísmo. Isto faz
perigos da Geena. Alguns rabis não po­ com que um mau judeu seja pior do que
diam conceber um judeu indo para a um bom pagão, e um pagão, igual a um
Geena, que era o lugar de eastigo final judeu.
para os ímpios, até que o seu sinal de Murray argumenta que o gentio que
circuncisão fosse removido. guarda os preceitos da iei não é o mesmo
A declaração de Paulo, de que a cir­ que os de 2:14, que “ fazem... as coisas
cuncisão tem valor apenas condicional, da lei” , mas o argumento dele é fraco.
inevitavelmente viria a ser controversa. Não há evidência de que Paulo esteja
A controvérsia alcançou as raias de crise, falando dos gentios apenas depois de sua
à época em que a sua carta aos Gálatas conversão ao evangelho. Tanto no pri­
foi escrita, e isso deve ser levado em meiro parêntese quanto no segundo (2:
conta quando se lê as palavras mais cal­ 14,15 e 2:26,27), Paulo está falando dos
mas de Romanos, escritas mais tarde que não têm a lei nem o evangelho.
(cf. Gál. 2:1-21; 5:1-12; 6:15). Paulo não Na verdade, essa declaração, de que o
nega o valor da circuncisão, contanto que gentio obediente julgará o judeu deso­
o sinal exterior seja seguido pela obe­ bediente, dá a entender que esses gentios
diência interior. A falta de obediência serão salvos, como se verifica em Ma­
tira o valor da circuncisão. Este é o teus 12:41 e Lucas 11:32, e isso é um
significado de sua premissa radical, feita ponto importante. Barrett está certo,
no verso 25. De acordo com a tradução quando diz: ‘ ‘Deus, que ordenou a cir­
feita por Moffatt, as palavras de apoio cuncisão, é livre para dispensá-la.” O
têm a forma literária de um parêntese gentio crente é um Abraão antes da cir­
(v. 26 e 27) e de um paralelismo poético cuncisão e da lei (cf. Rom. 4). Deus
(v. 28 e 29). aceita todos os que têm fé.
O parêntese remonta à revisão radical A tradução que usamos, em 2:28,29,
da atitude judaica em relação aos gen­ deixa perder-se tanto o paralelismo poé­
tios, expressa em um parêntese anterior tico de um hino, como o ensinamento
(2:14,15). Não há sinal de interpolações paulino acerca do Espírito. Segue-se uma
no texto. Esses parênteses são genuina­ tradução melhor (da versão inglesa New
mente paulinos, embora pareçam revolu­ American Standard Bible; cf. outras):
cionários, mesmo para alguns teólogos
cristãos. A palavra grega traduzida os P o is n ã o é ju d e u q u e m o é e x te r io r m e n te ;
n e m c irc u n c is ã o a q u e é e x te rio rm e n te n a
preceitos da iei é a forma plural da c a r n e ; m a s é ju d e u q u e m o é in te rio rm e n ­
palavra que a versão da IBB traduz como te ; e c irc u n c is ã o a q u e é do c o ra ç ã o ,
‘o decreto de Deus”, em 1:32. O judaís­ p elo E s p írito , e n ã o p e la le t r a ; e o seu
mo ortodoxo teria respondido, à pergun­ lo u v o r n ã o é d o s h o m e n s, m a s d e D eu s.
ta do verso 26, com um veemente não!
Até a exceção feita pelo judaísmo do Os termos judeu e circuncisão, aqui,
segundo século, citada por Dodd, fazia são transformados pela nova vida do
referência aos prosélitos. Paulo não está Espírito. Isso é um cumprimento da or­
pensando nem em prosélitos ao judaísmo dem da lei (Deut. 10:16; 30:6) e da
nem em convertidos ao cristianismo. Ele promessa dos profetas (Jer. 4:4; 9:25,26;
espera a resposta sim. A declaração adi­ Ez. 44:7,9; cf. Odes de Salomão 11:1,2:
“O meu coração foi circuncidado — pois
22 Roland de Vaux, Andent Israel, traduzido para o
inglês por John McHugh (New York: McGraw — Hill, o Altíssimo me circuncidou pelo seu Es­
1961), p. 46-48. pírito Santo”).
Não deve haver dúvida de que Paulo começo deste capítulo. A conclusão da
tem em mente o Espírito Santo de Deus, diatribe não acontece senão nos versos
e não o espírito do homem, no verso 29. 1-20, com o uso das Escrituras do Antigo
A mesma linguagem é usada na minucio­ Testamento, na refutação das objeções
sa discussão da velha e nova alianças, em judaicas à opinião de Paulo acerca da lei
II Coríntios 3:6; e Romanos 7:6 resume e da circuncisão, explicadas no capítulo
esta linguagem com o mesmo significado 2. As Objeções judaicas são respondidas
(Moody, p. 116 e 117). A mesma idéia se em dois grupos de pares de perguntas
encontra em Filipenses 3:3, mas até aqui em que o primeiro grupo (v. 1-4) é res­
a tradução correta não é a apresentada. pondido por afirmações, e o segundo
Há mais concordância acerca do signi­ (v. 5-8), com interrogações.
ficado da última linha do verso 29. Mui­ O primeiro par de perguntas volta
tos comentários reconhecem o jogo de para o que Paulo havia dito a respeito
palavras. Os judeus haviam recebido o dos judeus em 2:17-24, e a respeito da
seu nome do seu ancestral Judá (heb., circuncisão em 2:25-29; de modo que é,
Yehudah), cujo nome é associado, no de forma muito essencial, uma continua­
Velho Testamento, com o verbo hebraico ção da discussão. A resposta a estas
yadah, que significa “louvar” (Gên. 29: objeções é consentânea com as opiniões
35; 49:8). Desta forma, Paulo está fa­ de Paulo a respeito do valor condicional
zendo um jogo de palavras a respeito do da lei e da circuncisão, mas depressa há
significado da palavra “judeu” , isto é, uma mudança, do fracasso do homem,
pessoa cujo louvor não provém dos ho­ por um lado, para a fidelidade de Deus,
mens, mas de Deus. Esse sempre foi o do outro lado, da aliança. A princípio,
verdadeiro judeu. apenas uma vantagem é mencionada,
isto é, a posse dos oráculos de Deus; mas
(3) Os Judeus e as Escrituras (3:1-20) haverá uma volta a este tema, com ela­
borações, em 9:1-5.
a. Discutidas as Objeções dos Judeus
(3:1-8) Os oráculos de Deus são o Antigo
Testamento em geral, e não apenas as
1 Q ue v a n ta g e m , p o is, te m o ju d e u ? o u
q u al a u tilid a d e d a c irc u n c is ã o ? 2 M u ita, e m
promessas exclusivamente, como suge­
todo s e n tid o ; p rim e ira m e n te , p o rq u e lh e fo ­ rem alguns comentários. A Septuaginta
ra m co nfiad os os o rá c u lo s d e D eu s. 3 P o is usa esta expressão para designar “as
qu ê? Se alg u n s fo ra m in fié is, p o rv e n tu ra a palavras de Deus” na lei (Núm. 24:4,16)
su a in fid elid ad e a n u la r á a fid e lid a d e de
D eus? 4 D e m odo n e n h u m ; a n te s s e ja D eu s
ou em Salmos (107:11), e este parece o
v e rd a d e iro , e todo h o m e m , m e n tir o s o ; com o significado desta expressão em o Novo
e s tá e s c r ito : Testamento (At. 7:38; I Ped. 4:11; Heb.
P a r a q u e s e ja s ju s tific a d o e m tu a s p a la ­ 5:12). A posse das Escrituras não consis­
v ra s , e v e n ç a s, q u a n d o fo re s ju lg a d o . tiria vantagem nenhuma, se elas nunca
5 E , se a n o ss a in ju s tiç a p ro v a a ju s tiç a de
D eus, q u e d ire m o s? A caso D eu s, q u e c a s t i­
fossem ouvidas, mas Paulo presume que
g a co m i r a , é in ju sto ? (F a lo co m o h o m e m .) elas são ouvidas cada sábado, e isso é
6 D e m o d o n e n h u m ; do c o n trá rio , com o uma vantagem. Vantagem não é o mes­
ju lg a rá D eu s o m u n d o ? 7 M as, se p e la m in h a mo que superioridade, como será visto
m e n tira ab u n d o u m a is a v e rd a d e d e D eu s
mais adiante.
p a r a s u a g ló ria , p o r qu e sou e u a in d a ju lg a ­
do com o p e c a d o r? 8 E , p o r q u e n ão d iz e r­ O segundo par de perguntas (v. 3)
m o s: F a ç a m o s o m a l, p a r a q u e v e n h a o prevê a infidelidade de alguns, mas isso
b e m ? — com o a lg u n s c a lu n io sa m e n te a f i r ­ não anula a fidelidade de Deus. Na época
m a m q u e d izem o s; a co n d e n a ç ã o dos q u a is de Paulo, a maioria de Israel era infiel,
é ju s ta .
de forma que apenas um “remanescen­
A diatribe contra os judeus continua, te” cria, mas nem isso anulava a fideli­
e se torna ainda mais argumentativa no dade de Deus, como discutirá Paulo mais
adiante, com grandes minúcias (cf. 9:27; então a lógica faz dele uma coisa boa!
11:5). A fidelidade de Deus é uma con­ Se magnifica Deus, uma coisa não é boa?
vicção fundamental de Paulo. Nem mes­ Este é o tipo de raciocínio que Paulo, sem
mo a infidelidade dos cristãos muda esta dúvida, enfrentou, em debates na sina­
situação (I Cor. 10:11-13; II Tim. 2:13). goga. Ele exporá estes argumentos como
Faz-se um apelo às Escrituras, coisa que plausíveis.
os seus objetores judeus aceitam. Até As três perguntas tinham o objetivo de
mesmo concordar que todos os homens refutar o argumento contra a justiça de
podem vir a ser mentirosos é um eco de Deus, e apelam para três crenças judaicas
Salmos 116:11. Em contraste, Deus per­ básicas. A primeira (v. 6) é baseada na
manecerá verdadeiro e fiel às suas pro­ crença de que Deus é o juiz final do
messas. O principal apelo é ao Salmo mundo. A pergunta de Abraão expressa­
51:4 (LXX), o grande salmo penitencial, va uma verdade presumida: “Não fará
em que a justiça de Deus é estabelecida, justiça o Juiz de toda a terra?” (Gên.
quando confrontada com o pecado do 18:25). Isto foi presumido por Paulo
homem. No hebraico, é Deus quem julga desde o começo de sua carta, especial­
o homem, mas a versão da IBB, aqui no mente em 2:1-16.
verso 4, traduz o verbo grego como se A segunda pergunta (v. 7) se volta de
estivesse na voz passiva, de forma que Deus, como juiz, para o homem, como
Deus em pessoa é julgado. Quando tra­ pecador. Não é claro se é Deus ou o
duzido na voz média, visto que no pre­ homem quem condena Paulo como peca­
sente ambas as vozes são iguais, o grego e dor, mas a segunda hipótese parece ser a
o hebraico concordam. Então seria mais plausível. O judaísmo considerava
“quando entrares em juízo” com o ho­ Paulo um pecador renegado, digno da
mem, como sugerem A. T. Robertson, condenação, mas isto não seria lógico, se
V. Taylor, Murray e F. F. Bruce. Con­ a sua falsidade glorificasse a fidelidade
tudo, o assunto principal é a verdade e a de Deus. A atitude judaica para com
fidelidade de Deus. Paulo indica que eles criam que a ira de
O grupo seguinte de perguntas (v. 5-8) Deus era justa.
volta-se da fidelidade de Deus para a A terceira pergunta (v. 8) pretende
justiça de Deus, iniciada pela citação de mostrar que qualquer argumento que
Salmos 51:4. O terceiro par de pergun­ diga que o mal promove o bem destrói
tas (v. 5) é respondido por mais três a ordem moral. Então, nada é realmente
perguntas (v. 6-8). O estilo é ainda o de errado, de forma que nenhuma discri­
diatribe estóica, mas os rabis usavam, minação moral é possível. Alguns calu­
freqüentemente, expressões como que di­ niadores diziam que Paulo ensinava isto
remos? que Paulo usou apenas em Ro­ — acusação que Romanos 6 responderá
manos (seis vezes), e falo como homem minuciosamente; mas aqui ele passa por
(cf. Gál. 3:15). ela com a observação de que a condena­
Nesta seção (1:18-3:20), Paulo apre­ ção de tais pessoas, por si mesma, exibe e
senta a ira de Deus para descrever o cas­ prova a justiça de Deus.
tigo de Deus para o pecado, seja entre os
gentios, seja entre os judeus, tanto como b. Conclusão da Primeira Seção (3:9-20)
processo presente (1:18) quanto como 0 P o is q u e ? Som os m e lh o re s d o q u e e le s?
um dia futuro, de acerto de contas, que D e m a n e ir a n e n h u m a , p o is j á d e m o n s tra ­
será a consumação do processo (2:5). A m os q u e, ta n to ju d e u s com o g re g o s, todos
terceira objeção judaica insiste em que a e stão d e b a ix o do p e c a d o ;
10 co m o e s tá e s c r ito :
teologia de Paulo torna injusta a ira de N ão h á ju s to , n e m s e q u e r u m .
Deus. Se o pecado do homem coloca a 11 N ão h á q u e m e n te n d a ; n ã o h á q u e m
justiça de Deus sob uma luz mais clara, b u sq u e a D eu s.
12 T odos se e x tr a v ia r a m ; ju n ta m e n te se de toda a seção: “Pois já fizemos contra
fiz e ra m in ú te is. N ão h á q u e m fa ç a o b e m , judeus bem como gregos a acusação co­
não h á n e m u m só.
13 A s u a g a r g a n ta é u m se p u lc ro a b e rto ;
mum de que todos eles estão sob o domí­
co m a s s u a s lín g u a s tr a ta m e n g a n o s a ­ nio do pecado” (Barrett). Franzmann
m e n te ; p e ç o n h a d e á sp id e s e s t á d e b aix o observa corretamente que “Paulo aqui
dos se u s lá b io s ; fala pela primeira vez do pecado no sin­
14 a s u a b o c a e s tá c h e ia d e m a ld iç ã o e gular, como um poder que exerce domí­
a m a r g u ra .
15 O s se u s p é s sã o U geiros p a r a d e r r a m a r
nio sobre o homem (v. 9); esta concepção
san g u e. desempenha um importante papel nos
16 N os se u s c a m in h o s h á d e stru iç ã o e m i­ capítulos subseqüentes (cf. 5:12,21; 6:6,
s é r ia ; 7,12,14, etc.).”
17 e n ã o c o n h e c e ra m o ca m in h o d a p a z .
18 N ão h á te m o r d e D eu s d ia n te dos se u s
Uma cadeia de testemunhos de passa­
olhos. gens do Velho Testamento é usada para
19 O ra, nós s a b e m o s q u e tu d o o q u e a lei sustentar a acusação de pecado univer­
diz, a o s q u e e s tã o d eb a ix o d a le i o diz, p a r a sal (v. 12-18). Elas são citadas dos Sal­
que se c a le to d a b o c a e todo o m u n d o fiq u e mos 14:1-3 (ou 53:2-4); 5:10; 140:4;
su jeito a o ju ízo d e D e u s ; 20 p o rq u a n to p e la s
o b ra s d a le i n e n h u m h o m e m s e r á ju s tific a d o 10:7; 36:2; e Isaías 59:7,8. As seis passa­
d ian te d e le ; p o is o q ue v e m p e la le i é o p leno gens são reunidas de tal forma que Leen-
co n h ecim en to do p ecad o . hardt sugere que elas são uma “espécie
de salmo, já em uso entre as comunida­
A conclusão da seção a respeito da des paulinas” . Uma comparação dessas
necessidade de justificação (1:18-3:20) passagens com as fontes vetero-testamen-
contém três fatores principais. O pri­ tárias indica que algum polimento acon­
meiro é a acusação comum, tanto contra teceu, tendo-se em mente algum propó­
judeus como contra gregos (v. 9). Os sito desse tipo. A versão The New English
gregos aqui representam todos os gen­ Bible, seguindo as sugestões de Leenhar-
tios, mas não é sempre assim (1:14). dt, imprime essa passagem como um
A versão da IBB, com o apoio de muitos salmo com três estrofes, de quatro linhas
comentaristas, pode, a princípio, parecer cada uma. Leenhardt vê o seguinte es­
estar contradizendo o que Paulo jâ tinha boço: Deus (v. 10-12), o eu (v. 13 e 14),
dito em 3:1,2. Alguns deles, seguindo e outros (v. 15-17). Isso pode parecer
Lightfoot, sugerem uma solução contras­ forçado, até que a pessoa se lembre do
tante, que significaria, aproximadamen­ padrão de pecado em 1:18-32. A iniqüi­
te, “somos piores” , em vez de melhores dade circunda os versos 10-12 , e a injus­
do que eles. Esta é uma possibilidade tiça, os versos 13-17. Por detrás de tudo
gramatical, mas requer uma mudança isso estão as duas tábuas da lei, resumi­
radical de pensamento. Barrett (p. 68) das de forma positiva, como amor a Deus
examina várias possibilidades, e a sua e amor aos homens.
conclusão parece compatível com o ponto Muitas pessoas notaram o uso de ór­
de vista genérico de Paulo. Ele para­ gãos humanos nos versos 13-18 (gargan­
fraseia: “Bem, então, visto que há van­ ta, línguas, lábios, boca, pés, olhos), e
tagem em ser judeu (v. 1 e s.), nós, isto confirma a opinião acerca do pecado
judeus, somos melhores? De forma algu­ como a corrupção própria e da sociedade
ma, pois temos acusado tanto a judeus (injustiça). Deve-se notar também que há
como a gregos...” uma volta à iniqüidade no verso 18, tanto
O judeu tem uma vantagem sobre o quanto em 1:32. Os credos, catecismos,
gentio no que tem recebido de Deus, mas hinos e salmos engastados em Romanos
ele não saiu-se melhor quanto ao seu devem nos fazer lembrar que esta carta e
comportamento. A sua vantagem não o o restante do Novo Testamento se origi­
toma superior. A acusação é a conclusão naram da vida e da adoração das igrejas
primitivas. A educação cristã, hoje em de Deus significa “responda diante de
dia, tem muito a aprender deste método Deus” , e encontra-se apenas aqui, em
de ensino, quando os materiais escritos todo o Novo Testamento. A palavra co­
eram escassos. nhecimento não é suficientemente forte
As palavras finais desta conclusão para transmitir o significado da palavra
(v. 19 e 20) apresentam dois conceitos grega epignosis. Ela significa percepção
de grande importância para os ensina­ de um estado que foi tirado da incons­
mentos posteriores, apresentados nesta ciência para a consciência. O pecado é
carta. O primeiro é o conceito da lei. outra vez usado no singular, como no
Paulo já falou da lei da natureza entre os verso 9 . 1sso se tomará abundantemente
gentios (2:14,15) e da lei escrita dos claro quando Paulo, mais adiante, voltar
judeus (2:14,15:2:17-24,26,27). A lei es­ a este pensamento (4:15;5:13;7:7-25).
crita, em sentido especial, significa a Até aqui Paulo baseou a sua idéia a
Torah ou Pentateuco, mas a lei é termo respeito do pecado em suas observações
usado aqui, aparentemente, para dar a das vidas dos gentios e dos judeus, e nas
entender todo o Velho Testamento. A lei Escrituras, mas agora ele apresenta a sua
faz um comentário e uma conclusão, própria experiência cristã. Tudo isso é
baseados em passagens dos Salmos e de importante, mas não há nada igual à
Isaías, e por isso precisa incluir os profe­ profunda psicologia do pecado apresen­
tas e os outros escritos também. Este uso tada por Paulo. Agostinho, Lutero, Kier-
mais genérico concorda com o uso ante­ kegaard e a moderna psicologia da reli­
rior, feito por Paulo em I Coríntios gião não se igualam a ela, embora te­
14:21, onde Isaías 28:11,12 é chamado nham bebido de sua fonte. A observação
de “ a lei” . O grego fala daqueles que externa e até o cuidadoso estudo da Es­
estão “na lei” , em vez daqueles que estão critura são incompletos sem esta expe­
debaixo da lei, e esta pode ser uma forma riência pessoal.
mais genérica de se dizer que os judeus
estão “na esfera da lei” (Murray). As 2. Os Meios de Justificação: A Justiça
referências às obras da lei relembram a de Deus (3:21-4:25)
discussão de 2:17-27.
1) A Justiça de Deus Demonstrada
Depressa torna-se claro que esta con­
centração sobre os judeus não exclui os (3:21-31)
gentios. A lei fala dos que estão na es­ (1) Conceito da Justiça de Deus (3:21-26)
fera da lei, para que se cale toda boca, e 21 M a s a g o ra , s e m le i, te m -se m a n ife s ta ­
todo o mundo fique sivjeito ao juízo de do a ju s tiç a d e D e u s, q u e é a te s ta d a p e la
Deus. A concentração nos judeus tem o lei e p elo s p ro f e ta s ; 22 is to é , a ju s tiç a d e
objetivo de tornar claro que os judeus D eus p e la fé e m J e s u s C risto p a r a to d o s
têm que prestar contas juntamente com os q u e c r ê e m ; p o is n ã o h á d istin ç ã o . 23 P o r ­
que to d o s p e c a r a m e d e stitu íd o s e s tã o d a
os gentios de 1:18-32. A aplicação uni­ g ló ria d e D e u s; 24 se n d o ju s tific a d o s g r a ­
versal é ainda mais enfatizada na refe­ tu ita m e n te p e la s u a g r a ç a , m e d ia n te a r e ­
rência a nenhum homem (gr., “nenhuma d e n ç ã o q u e h á e m C risto J e s u s , 25 a o q u a l
carne”). Esta é uma citação livre de Sal­ D eu s p ro p ô s com o p ro p ic ia ç ã o , p e la fé , no
se u s a n g u e , p a r a d e m o n s tra ç ã o d a s u a ju s ­
mos 143:2, onde o hebraico significa tiç a p o r t e r e le , n a s u a p a c iê n c ia , d eix a d o
“nenhum homem vivo” . Na psicologia d e la d o os d e lito s o u tr o ra c o m e tid o s; 26 p a r a
hebraica o homem e a carne muitas vezes d e m o n s tra ç ã o d a s u a ju s tiç a n e s te te m p o
significam a mesma coisa (Is. 40:5), e p re s e n te , p a r a q u e e le s e ja ju s to e ta m b é m
ju s tific a d o r d a q u e le q u e te m fé e m J e s u s .
por isso não há mudança de significado.
O segundo conceito de máxima impor­ A justiça de Deus já foi apresentada no
tância é a consciência do pecado. A pala­ começo da carta (1:17), mas a discussão
vra grega traduzida como sitfeito ao juízo se volta imediatamente para a ira de
Deus, que domina 1:18-3:20. A necessi­ crê em Deus por nós. T. F. Torrance
dade de justificação agora é seguida por ainda contende por este ponto de vista,
uma apresentação dos meios de justifi­ mas Murray o refutou corretamente.
cação. Deus justifica o homem pela gra­ Hoje em dia, a maioria dos comentários
ça, através da fé (cf. Ef. 2:8), sendo a concorda que este é um genitivo objetivo,
graça relacionada com a fé em 3:21-31, como na versão da IBB. Cristo é o objeto
e sendo a fé relacionada com a circun­ da fé. A quarta linha sustenta esta idéia
cisão e a lei em 4:1-25. com a ênfase total na natureza contínua
Esta passagem (v. 21-26) é, ao mesmo da fé salvadora. A tradução antiga da
tempo, uma das mais importantes e das IBB diz “para todos e sobre todos” ,
mais debatidas da Epístola aos Roma­ seguindo uma tradição mais fraca, em
nos. Uma avalancha de idéias se derrama termos de manuscritos, mas Nygren de­
em outro hino de três estrofes, com qua­ fende esta redação. Esta redação mais
tro linhas cada uma, arranjadas de modo longa contrasta a justiça de Deus “so­
paralelo aos pares (cf. 3:10-18, NEB). bre” os que continuam a crer com a ira
A primeira estrofe (v. 21 e 22a) diz: de Deus “sobre” os que continuam a
deter a verdade (1:18). Tal tradução con­
M as a g o ra , s e m lei, u m a ju s tiç a d e D eu s
te m sido m a n ife s ta d a , sen d o a te s ta d a corda com o pensamento, mas a redação
p e la le i e os p r o f e ta s : mais curta tem maior confirmação de
u m a ju s tiç a d e D eus a tr a v é s d a fé e m manuscritos.
J e s u s C risto p a r a to d o s (e so b re to d o s) Segue-se um parêntese para esclare­
os q u e c o n tin u a m cre n d o .
cimento: pois não há distinção. Porque
O agora, usado uma dezena de vezes todos pecaram e destituídos estão da
em Romanos, é uma palavra importante. glória de Deus. Não há distinção entre
Ela indica a diferença entre a esfera da gentios e judeus, na oferta da salvação,
justiça e a esfera da ira, as quais são visto que não há diferença com respeito
ambas processos atuais (1:17,18), mas ao seu pecado. Esta idéia será expandida
significa mais. Ela constitui a linha de- mais adiante, nesta carta (10:12,13).
marcatória entre promessa e cumprimen­ O mesmo verbo grego, traduzido como
to, a justiça baseada em princípios da lei pecado, é usado aqui e em 5:12; mas a
e a justiça baseada no princípio da fé. idéia de pecado corporativo, isto é, o
A justiça da lei não foi estabelecida pelo pecado de uma pessoa que torna muitas
homem, de forma que Deus manifestou outras pecadoras, ainda não é apresenta­
a justiça... sem lei. Este é o centro da da. A idéia ainda é a do pecado de cada
história, o grande divisor de águas. Ele indivíduo, como em 3:9-20. A transição
tem sido corretamente chamado de “o de pecado individual para pecado corpo­
agora escatológico” (JBC). Esta manifes­ rativo não acontece antes de 5:12-21.
tação não destrói a lei e os profetas, pois Portanto, é duvidoso que a idéia rabínica
Cristo é o alvo para o qual eles apontam de um Adão, que perdera a glória de
(cf. 1:2;10:4). De fato, eles testificam Deus com que estava vestido, esteja por
desta justiça da fé, como o declara a detrás do último verbo (cf. Is. 43:7).
segunda linha da estrofe. A glória de Deus é um alvo futuro que o
O paralelo nas linhas três e quatro, homem, em seu pecado, ainda não alcan­
dessa estrofe, se concentra na fé. A ter­ çou (2:10;5:2;6:4;8:18; I Cor. 11:7;15:
ceira linha é traduzida, na antiga versão 43,49; II Cor. 3:18). O pecado é, como
inglesa King James, como “a.fé de Jesus indica a palavra grega hamartia, a fa­
Cristo” (cf. Gál. 2:16,20; 3:22; Fil. 3:9). lha em alcançar o ponto pré-estabeleci-
Isto é conhecido como o genitivo subje­ do, o alvo. A idéia de uma glória per­
tivo, que significaria que Cristo é nada dida ou de um a imagem perdida, que
mais do que o nosso exemplo, ou que ele tem tido tanta influência na história da
doutrina, não é encontrada na Bíblia Deus, gratuito e imerecido (cf. Ef. 2:
— segundo o juízo deste escritor. Na 4-10).
Bíblia, a imagem de Deus transmitida na Da mesma forma como justificação e
criação nunca é mencionada como per­ graça são termos da corte judicial, tam­
dida, e a glória de Deus, que é a futura bém redenção é uma palavra que vem do
imagem de Deus, na redenção, ainda não mercado de escravos. Algumas vezes
foi alcançada pelo homem pecador. A Paulo usa esta palavra, que significa
queda, em 3:23, é o fato de o homem comprar, tirando do mercado de escravos
ficar aquém, e não de ter caído de, como (Gál. 3:13;4:5), mas aqui essa palavra
na filosofia de Platão. significa o ato pelo qual o escravo é
libertado, em espírito, no presente
A segunda estrofe se volta da lei para a
(v. 24), e fisicamente, no futuro (8:23;
graça (v. 24 e 25a):
cf. Ef. 1:14; 4:30). Esta palavra é usada
Sendo feito ju s to s g ra tu ita m e n te p e la tu a na Septuaginta, para descrever como
g ra ç a , a tr a v é s d a re d e n ç ã o q u e e s tá e m Deus libertou o seu povo do Egito (Deut.
C risto J e s u s , a q u e m D eu s a p re s e n to u 7:8) e da Babilônia (Is. 51:11), e este,
com o p ro p ic ia tó rio , a tr a v é s d a fé, pelo sem dúvida, é o pano de fundo desta
seu s a n g u e (cf. 5 :9).
metáfora do mercado de escravos. Cristo
é o nosso ato objetivo de redenção (I Cor.
A tradução “ sendo feito justos” pre­ 1:30), e é em Cristo Jesus que acontece
tende enfatizar que o substantivo tradu­ a libertação do domínio do pecado.
zido como “justiça” tem a mesma raiz A tradução da terceira linha, quanto
que o particípio presente, geralmente ao significado, remonta a uma antiga
usado para traduzir “ sendo justifica­ tradição, mas algumas outras opiniões
dos” . A justificação é descrita aqui como são debatidas acaloradamente na tradu­
um processo presente, embora a idéia da ção e na teologia modernas do Novo
ação seja apresentada, mais adiante, Testamento. A palavra grega hilastérion
com o tempo aorista passivo, “ tendo sido (traduzida, acima, como “propiciató­
justificados” (5:1). A justiça de Deus é rio”) tem pelo menos três interpretações.
primordialmente um ato objetivo, na his­ A versão da IBB a traduz como “pro­
tória, pelo qual ele faz com que o homem piciação” , e esta tradução tem sido de­
se torne reto. É uma dádiva de Deus e fendida até o dia de hoje, mais notavel­
um poder em operação no homem. mente por Leon Morris e outros, que
O velho debate a respeito de se a apoiam o ponto de vista de substituição
justificação significa “ declarar justo” ou penal da expiação (referências em Mur-
“tornar justo” separou o que Deus ajun­ ray) .23 A idéia de que “Deus estabele­
tou. Não concordamos com Paulo, ao ceu para si mesmo uma propiciação”
falarmos da justificação no passado e da (Murray) apresenta um quadro difícil a
santificação no presente e da glorificação respeito de Deus. Por que Deus iria
no futuro. Todas as três são progressi­ propiciar a si mesmo? Um segundo pon­
vas (no passado, presente e futuro). A to de vista, esposado por Dodd, con­
justiça de Deus está em Cristo (I Cor. corda que o verbo, do qual o substantivo
1:30), e o homem em Cristo está em uma (ou adjetivo!) hilastérion é derivado, sig­
nova criação, em que ele é transformado, nifica “aplacar” em escritores pagãos,
à semelhança de Cristo. A justiça de mas ele diz que o uso mais comum na
Deus é aquilo em que o crente se toma Septuaginta significa “expiar” ou “exe­
(II Cor. 5:21). Ele se torna isso como um cutar um ato, pelo qual a culpa ou
dom, gratuitamente, pela graça. Graça
(charis) tem uma raiz que significa en­ 23 Veja também Leon Morris, The Cross in the New Tes­
canto, mas veio a significar o favor de tament (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), p. 219 e 226.
contaminação é removida” . A RSV (Re- doador é tanto vítima quanto vicário
vised Standard Version) segue este pon­ (cf. I Cor. 10:16; Col. 1:14,20; Ef. 1:7;
to de vista, mas tem sido desafiada rigo­ 2:12). Desta forma, esta estrofe reuniu
rosamente por aqueles que advogam o três metáforas: a corte real do soberano,
primeiro ponto de vista. o mercado do escravo e o propiciatório do
Uma terceira opinião é apoiada por pecador.
uma longa tradição. Foi aceita tanto por Os versículos 23b-26 consistem em
Orígenes como por Lutero, e Nygren a uma terceira estrofe, focalizada na ação
reviveu. Barrett, LeenhardteF. F. Bruce contínua de Deus. A demonstração de
consideram favoravelmente esta opinião, justiça feita por Deus é a mesma coisa
que traduz hilastêrion como “propiciató­ que o estabelecimento do seu Filho para
rio” . Eles interpretam Paulo em termos ser um propiciatório, um lugar de encon­
do Dia de Expiação. Há muita confir­ tro de Deus com o homem. É interessan­
mação para esta idéia. Este é certamente te que os coríntios são desafiados a de­
o significado desta palavra na única ou­ monstrar o seu amor, perante as igrejas,
tra vez em que é usada em o Novo mediante uma oferta sacrificial (II Cor.
Testamento (Heb. 9:5). Um suporte ain­ 8:24). A demonstração do amor e do
da mais forte é obtido ao notar-se que a perdão de Deus foi a morte sacrificial
Septuaginta usa esta palavra, muitas ve­ de Jesus Cristo. Uma tradução inglesa
zes, para traduzir propiciatório em Leví- (TEV Today’s English Version) diz
tico 16. O significado se torna mais claro desta forma esta verdade: “Deus ofere­
ainda quando se considera o significado ceu Cristo para mostrar como ele coloca
de propiciatório. “E ali virei a ti, e de os homens em linha consigo mesmo”
cima do propiciatório... falarei contigo” (cf. 3:21,25a).
(Êx. 25:22). Deus se encontra com o A última parte do verso 25 declara a
homem em seu ato de justiça na morte de necessidade dessa demonstração de
Cristo. 24 Deus. Algumas pessoas têm limitado o
A última linha da estrofe apóia a me­ significado da palavra grega paresis à
táfora do propiciatório. Talvez seja me­ “remissão” , mas Paulo podia ter usado
lhor considerar “através da fé” e “por a palavra aphesis (perdão), se fosse isso
seu sangue” duas expressões indepen­ que ele quisesse dizer. O fato de se
dentes, como é indicado pela tradução passar previamente por sobre os pecados
acima (cf. a American Standard Ver­ não é estranho ao Novo Testamento.
sion). A morte sacrificial de Cristo é “Nos tempos passados permitiu que to­
eficiente através da fé, como Paulo diz das as nações andassem nos seus pró­
em cada estrofe (cf. 3:22,26). Esta morte prios caminhos” (At. 14:16). “MasDeus,
sacrificial é melhor entendida fazendo não levando em conta os tempos da
referência ao sangue espargido sobre o ignorância...” (At. 17:30). Contra o
propiciatório. Isto concorda com o fato pano de fundo do ritual do Dia da Expia­
de que é o próprio Deus que apresenta ção, em que o pecado era expiado por
Cristo publicamente (cf. 3:21; Ef. 2:7). mais um ano, esta figura é clara (cf. Miq.
A linguagem levítica pensa no sangue 7:18-20). Isto se devia à longanimidade
como fonte da vida. “Porque a vida da de Deus, talvez comentário que tem o
carne está no sangue... porquanto é o mesmo significado que 2:4 (cf. 9:22).
sangue que faz expiação, em virtude da A longanimidade de Deus é uma realida­
vida” (Lev. 17:11). O derramamento de de, tanto no juízo como na redenção.
sangue propicia vida, de sorte que o O versículo 26 enfatiza e completa as
idéias de manifestação (v. 2 1), estabeleci­
24 Para detalhes, veja W.D. Davies, Paul and Rabbinic mento (v. 25) e demonstração (v. 25).
Judaism (London: SPCK, 1948), p. 232-242. A morte de Cristo é um acontecimento
público que deve ser tomado públi­ substitucionária de Cristo e a morte vicá­
co (cf. Gál. 3:1). No Dia da Expiação ria de Cristo não significam, necessaria­
só o sumo sacerdote via o sangue espar­ mente, a mesma coisa. O comentário de
gido sobre o propiciatório, mas a morte Murray ilustra a primeira, e o comen­
de Cristo foi a demonstração, feita por tário de Dodd, a segunda. Uma opinião
Deus, da sua justiça, para o mundo. magnifica a relação Cristo-Deus, e a
A expressão neste tempo presente faz outra, a relação Cristo-homem. Segundo
com que a linha seja mais longa do que um terceiro ponto de vista, ensinado
de costume, de forma que ela pode ser pelos pais da igreja primitiva, a idéia
uma reminiscência, a lembrar ao leitor central era uma relação Cristo-diabo, em
outra vez o “ agora escatológico” anota­ que Cristo era o vitorioso. A maior parte
do no verso 2 1, e que é tão importante das opiniões a respeito da expiação cai
para a compreensão da história da salva­ em uma destas categorias, em que Cristo
ção em o Novo Testamento (cf. Ef. 2:13; é vitorioso, vítima ou vicário, ou alguma
3:5; At. 17:30,31). combinação delas. Todas apelam a cer­
O versículo 26 fala da justiça de Deus tas passagens do Novo Testamento, a fim
e da justificação do crente. Estes são de apoiarem suas conclusões.
dois lados da mesma moeda; o primeiro Barrett representa um esforço para
aponta para Deus, e o segundo, para o equilibrar as duas primeiras opiniões,
homem. A justiça de Deus é revelada mas requer-se, das três, que façam jus­
quando ele corrige o homem. A justiça de tiça ao Novo Testamento. Em qualquer
Deus, contudo, introduz um longo deba­ caso, a morte de Cristo, por todos os
te. Aqueles que ensinam que a morte de homens, demonstra a justiça de Deus
Cristo foi uma propiciação de Deus inter­ para todos, “no reino da fé” . As pala­
pretam a justiça de Deus em termos vras entre aspas são um esforço para
da teoria de satisfação na expiação, for­ expressar o significado da expressão gre­
mulada, na Idade Média, por Anselmo, ga que se encontra no fim do verso 26
ou da modificação, feita pela Reforma, (tõm ek pisteõs lêsou), que também pode
nessa teoria, transformando-a na teoria ser um comentário enfático. O significa­
substitucionária penal de Calvino e do do de ek pisteõs já foi discutido (1:17),
calvinismo posterior. Anselmo ensinou e o genitivo subjetivo foi rejeitado, em
que o pecado não podia ser perdoado favor do genitivo objetivo, que faz de
enquanto a justiça de Deus não fosse Jesus o objeto da fé (v. 22). Note-se outra
satisfeita no sofrimento de Jesus. O cal­ vez que nas três estrofes (v. 21-26) a
vinismo interpretou a morte de Jesus justiça de Deus na morte de Cristo é
como castigo pelo pecado, em que o eficiente apenas nos que crêem (v. 22,25,
homem é substituído por Cristo. Isto faz 26).
propiciação pela ira de Deus, e torna a
graça disponível para o crente, a única (2) Corolários da Justiça de Deus
pessoa por quem Cristo morreu, de acor­ (3:27-31)
do com o calvinismo.
Aqueles que ensinam que a morte de 27 O nde e s tá logo a ja c tâ n c ia ? F o i e x c lu í­
d a . P o r q u e le i? D a s o b ra s ? N ã o ; m a s p e la
Cristo é uma expiação pelo pecado do lei d a fé . 28 C oncluím os, p o is, q u e o h o m e m
homem e uma revelação do amor de é ju s tific a d o p e la fé s e m a s o b ra s d a le i.
Deus, sem propiciação, interpretam a 29 É p o rv e n tu ra D eu s so m e n te dos ju d e u s ?
justiça de Deus como ato pelo qual o N ão é ta m b é m dos g e n tio s? T a m b é m dos
homem é levado a uma relação correta gen tio s, c e rta m e n te , 30 se é q u e D eu s é u m
só, q u e p e la fé h á d e ju s tific a r a c irc u n c is ã o ,
com Deus. Segundo a primeira opinião, e ta m b é m p o r m e io d a fé a in c irc u n c isã o .
Cristo é vítima, e, segundo a outra opi­ 31 A n u lam o s, p o is, a le i p e la fé ? D e m odo
nião, ele é vicário; de forma que a morte n e n h u m ; a n te s e sta b e le c e m o s a lei.
A justificação pela fé tem certos coro­ principais: a lei escrita no coração hu­
lários que condicionam as opiniões cris­ mano (2:14,15) e a lei escrita nas Es­
tãs acerca do homem, de Deus e da lei. crituras, tanto no sentido estreito do có­
Declaradas com simplicidade, elas são: a digo de Moisés (2:17-24) como no sentido
jactância humana é excluída, a universa­ mais amplo do Velho Testamento como
lidade de Deus é afirmada, e a lei é um todo (v. 19). Nomos não é uma
estabelecida. palavra demasiado sediça para que Paulo
Voltando ao estilo de diatribe, depois fale da lei da fé em relação às obras da
do hino em forma de credo, com comen­ lei. Ele falou da “lei de Cristo” , em tem­
tários, o primeiro corolário é declarado pestuoso debate com o judaísmo (Gál.
com uma pergunta e uma resposta, se­ 6:2), e mais adiante, em Romanos, ele
guidas por duas perguntas e uma respos­ falará da “lei da minha mente (7:23)
ta (v. 27). A questão da jactância hu­ e da “lei do Espírito” , em contraposi­
mana é antiga, no judaísmo. O profeta ção à “lei do pecado e da morte” e da
Jeremias protestou contra toda jactância “lei” de Moisés (8:1-4). Paulo, aqui, faz
que não fosse no Senhor (9:23,24), e essa referência a todo o sistema do judaísmo,
passagem era lida no Dia da Expiação que agora foi excluído pela lei da fé.
(cf. I Cor. 1:31). A jactância, tanto entre A razão apresentada para esta exclu­
os gentios como entre os judeus, era são da jactância humana, quando a lei
excluída de forma negativa, em 1:18- da fé é proclamada sem as obras da lei,
3:20, pela demonstração da universali­ é um resumo de todo o argumento apre­
dade do pecado, mas agora ela é excluída sentado até agora e uma preparação para
por um argumento positivo, baseado na o que ainda está por vir. Esta expressão
“lei da fé” . significa o mesmo que “independente­
O problema da jactância humana esta­ mente da lei” (v. 2 1).
va profundamente arraigado no pensa­ A tradução de Lutero, feita em 1521,
mento de Paulo. Judeus e gentios coli­ diz: “um homem é justificado somente
diam igualmente na consciência de Pau­ pela fé.” A adição da palavra “somente”
lo, quando ele disse: “Melhor me fora ao texto é bem difícil de se harmonizar
morrer do que alguém fazer vã esta mi­ com Tiago 2:24, embora, em Tiago, as
nha glória. Pois, se anuncio o evangelho, obras práticas não sejam a mesma coisa
não tenho de que me gloriar” (I Cor. que “as obras da lei” em Paulo. Os cató­
9:15,16, sendo este verbo gloriar-se sinô­ licos criticaram Lutero do ponto de vista
nimo de jactar-se). O conflito torna-se da “fé formada” , “fé operando através
agudo em II Coríntios 12 (“É necessá­ do amor” (Gál. 5:6; cf. Rom. 8:1-4;12:8-
rio gloriar-me... Tornei-me insensato!” 10), mas Paulo está interessado na fé e na
— w . 1 e 11). A jactância humana é lei, em Romanos 3:28. Talvez o debate
crucificada apenas na cruz (Gál. 1:14; tenha sido suficientemente construtivo
6:14). Todo lucro humano é considerado para relacionar a fé tanto com a lei como
perda em Cristo (Fil. 3:2-11). A justiça com o amor, pois até os católicos roma­
de Deus despoja o homem da jactância nos agora são menos polêmicos em rela­
humana, e o deixa apenas com o Senhor, ção a Lutero (JBC). Nygren defende Lu­
em quem ele pode gloriar-se. Humildade tero vigorosamente, e Leenhardt contra-
se toma a postura cristã apropriada. ataca que o Concílio de Trento delibera­
Ê correta a tradução da IBB da pala­ damente deixou de lado sem as obras da
vra nomos como lei. A Revisecl Standard lei, quando citou Paulo!
Version (RSV) ao traduzir nomos como O segundo corolário afirma a univer­
princípio é muito filosófica e encontra- salidade de Deus e faz a aplicação desse
se em desarmonia com o contexto (Bar- pensamento ao conflito judaico-gentílico
rett). Lei já foi usada de duas formas na igreja primitiva. Outra vez, com estilo
de diatribe, de perguntas e respostas, lo em sua discussão, mas poucas pessoas
o problema é apresentado (v. 29). O concordam com ele. A discussão de Pau­
Deus dos judeus é o Deus dos gentios? lo se encaminha diretamente para o pon­
Segue-se uma resposta retumbante na to em que somente a fé estabelece a lei.
afirmativa. Esta idéia é confirmada por É só mediante a “lei do Espírito” , em
uma crença básica no judaísmo. Deute- Cristo, que uma pessoa pode cumprir
ronômio 6:4 era tão conhecido para um os requisitos retos da lei; o próprio Cristo
judeu do primeiro século quanto João é o fim (telos), o resultado lógico da lei; e
3:16 para um crente evangélico hoje em toda a lei é cumprida pelo amor (Rom.
dia. Todos os dias ele ouvia: “Ouve, 6 8:4; 10:4; 13:10).
Israel: o Senhor nosso Deus é o único
Senhor.” O melhor do judaísmo baseava 2) A Justiça de Deus Ilustrada (4:1-25)
a missão aos gentios no monoteísmo
(1) Abraão Foi Justificado Pela Fé (4:1-8)
(cf. Is. 45:22). O cristão do primeiro
século cria nisso e em mais (cf. I Tim. 1 Q ue d ire m o s, p o is, t e r a lc a n ç a d o A b ra ­
2:5), e, nessa base monoteísta, a mensa­ ão , n o sso p a i se g u n d o a c a rn e ? 2 P o rq u e , se
A b raão foi ju s tific a d o p e la s o b ra s , te m de
gem missionária a todos os homens, ju ­ que se g lo ria r, m a s n ã o d ia n te de D eu s.
deus e gentios, era renovada. Nenhuma 3 P o is, q u e diz a E s c r itu r a ? C re u A b raã o
pessoa que aceitasse o Antigo Testamen­ a D eu s, e isso lh e foi im p u ta d o com o ju s tiç a .
to como Escritura sagrada poria em 4 O ra , a o q u e tr a b a lh a n ã o se lh e c o n ta a
questão estas palavras: “Deus é um só” re c o m p e n sa com o d á d iv a , m a s , sim , com o
d ív id a ; 5 p o ré m , a o q u e n ã o tr a b a lh a , m a s
(v. 30; cf. Gál. 3:20; I Tim. 2:5). c rê n a q u e le q u e ju s tific a o ím p io , a s u a fé
O restante do verso 30 tem significa­ lhe é c o n ta d a co m o j u s ti ç a ; 6 a s s im ta m b é m
do menos certo. O judeu liberal, Hugh J. D avi d e c la ra b e m -a v e n tu ra d o o h o m e m a
Schonfield, faz este comentário: “Paulo q u e m D eu s a tr ib u i a ju s tiç a s e m a s o b ra s ,
dizendo:
diferencia entre judeus, que, desde que 7 B e m -a v e n tu ra d o s a q u e le s c u ja s iniqttt-
já creram em Deus, são desobrigados d a d e s são p e rd o a d a s , e cu jo s p e c a d o s são
pela (ek) fé em Jesus, e os gentios, que, co b e rto s.
desde que adquiriram esta fé, são deso­ 8 B e m -a v e n tu ra d o o h o m e m a q u e m o
brigados através (dia) da fé.” 25 A maior S enhor n ã o im p u ta r á o p e c a d o .
parte dos comentários cristãos não consi­
dera nenhuma diferença entre as duas Apelou-se para o Dia da Expiação
frases, mas a declaração de Schonfield para demonstrar o significado da justiça
está em harmonia com o contexto, embo­ de Deus. Agora Abraão é usado como
ra essa diferença possa ser sutil demais. exemplo, para ilustrar que a justificação,
O terceiro corolário insiste em que ou a justiça de Deus, é eficiente baseada
apenas a fé estabelece a lei (v. 31). na fé. Abraão era o antepassado dos
O judaísmo evidentemente fez a acusa­ judeus e sua figura patriarcal, seu pai de
ção de que tanto Jesus como Paulo ha­ acordo com a carne e seu pai segundo a
viam destruído a lei. O Sermão da Mon­ fé; de forma que nenhum outro modelo
tanha contém uma frase que diz que seria mais apropriado. Não obstante, o
Jesus veio não para abolir a lei e os judaísmo ensinava que Abraão fora jus­
profetas, mas para cumpri-los (Mat. tificado tendo como base as suas obras.
5:17), e grande parte do Evangelho de Eclesiástico 44:1-50:24 exalta homens fa­
Mateus é escrito para sustentar essa tese. mosos, e o louvor a Abraão (44:19-22)
Dodd declara que a abolição da lei é a representa a opinião do oponente ima­
conclusão lógica dos argumentos de Pau- ginário judeu contra quem Paulo discute
no estilo de diatribe. Abraão é louvado
25 Those Incredible Christians (New York: Grove Press, porque “guardou a lei do Altíssimo”
1968), p. 59. (44:20). II Esdras sugere justificação pe­
las obras ou pela fé (9:7) ou por obras e fé o ímpio, coisa que era proibida no Velho
(13:23), sendo o segundo texto bem se­ Testamento (Êx. 23:7; Prov. 17:15; Is.
melhante a Tiago 2:18-26. Veja Dodd, 5:23), mas esta é precisamente a doutri­
Barrett e Leenhardt, que fazem outras na paulina da graça (cf. Rom. 5:6-11).
referências desse tipo. Não é necessário provar que Abraão era
Alguns problemas textuais surgem ímpio para que Paulo comprove a sua
neste ponto (v. 1). A redação mais longa tese, mas Leenhardt chama a atenção
é usada pela versão da IBB, a saber, as para a tradição judaica que considerava
palavras ter alcançado. Uma redação Abraão um prosélito que recebera a cir­
mais curta seria: “Que diremos, pois, cuncisão sendo já adulto.
acerca de Abraão...?” O argumento ge­ O uso do segundo texto de prova re­
nérico esposado por Paulo é claro com presenta o método rabínico chamado ge-
qualquer uma das redações. Nos versos 1 zerah shawah (mesma categoria), a ilu­
e 2, Paulo está usando o estilo de dia­ minação de uma palavra em uma passa­
tribe para refutar o seu oponente imagi­ gem, mediante o seu uso em outra (Bar­
nário, que deseja usar Abraão como rett). A palavra-elo entre Gênesis 15:6 e
exemplo de justificação pelas obras. A Salmos 32:1,2 é o verbo grego traduzido
tradução e esclarecimento feitos por Bar­ como imputado. Com esta comparação,
rett são baseados na redação mais longa: era claro, para Paulo, que a imputação
“Portanto, o que diremos que Abraão de justiça e a não imputação de pecado
(nosso ancestral, em termos humanos) significavam a mesma coisa. A crítica
encontrou? Pois, se Abraão foi justifi­ bíblica moderna não destrói a conclu­
cado com base nas obras, então sim — são de Paulo, alcançada pelo método
afinal, ele tem algo de que jactar-se. rabínico, porque as histórias de Abraão
Mas, de,fato, diante de Deus ele não tem e o Salmo 32 são muito mais antigos do
base nenhuma para jactar-se.” que a interpretação legalista desenvolvi­
Textos de prova, do Velho Testamen­ da no segundo século a.C., A presença
to, são agora usados por Paulo no estilo do Eclesiástico, no Velho Testamento
rabínico, para refutar os rabis. Este é o grego e latino, fez muito para preparar o
testemunho da lei e dos profetas mencio­ caminho para o debate da fé contra as
nado em 3:21. O primeiro texto de apoio obras, entre o protestantismo e o catoli­
das Escrituras (v. 3; cf. Gál. 3:6) é Gêne­ cismo.
sis (15:6 (LXX), mas este requer a in­
terpretação de Paulo. Leenhardt cita um (2) Abraão Foi Justificado Pela Fé Antes
comentário judaico a Gênesis 15:6: da Circuncisão (4:9-12)
“Abraão recebeu a posse deste mundo e
do mundo vindouro tão-somente pelos 9 V em , p o is, e s ta b e m -a v e n tu ra n ç a so b re
méritos da fé, pela qual ele creu em a c irc u n c isã o so m e n te , o u ta m b é m so b re a
in circ u n c isã o ? P o rq u e d iz e m o s: A A b raã o
Deus.” A palavra-chave para Paulo é o foi im p u ta d a a fé com o ju s tiç a . 10 C om o,
verbo imputado, tradução de um termo pois, lh e foi im p u ta d a ? E s ta n d o n a c irc u n ­
grego de contabilidade (cf. Sal. 106:31). c isão , o u n a in c irc u n c isã o ? N ão n a c ir c u n ­
A fé é “contabilizada” como justiça (cf. cisão , m a s , sim , n a in c irc u n c isã o . 11 E r e c e ­
4:4,5,7,10,11,22-24). A idéia de recom­ b e u o s in a l d a c irc u n c is ã o , selo d a ju s tiç a
d a fé q u e te v e q u an d o a in d a n ã o e r a c i r ­
pensa provavelmente foi tirada de Gêne­ cu n cid ad o , p a r a q u e fo sse p a i d e to d o s os
sis 15:1: “O teu galardão será grandís­ q ue c rê e m , e sta n d o e le s n a in c irc u n c isã o ,
simo.” As obras e a recompensa andam a fim d e q u e a ju s tiç a lh e s s e ja im p u ta d a ,
juntas, como igualmente a fé e a graça, 12 b e m co m o fo sse p a i d o s c irc u n c iso s, dos
q u e n ã o so m e n te sã o d a c irc u n c isã o , m a s
de forma que a graça pode ser ligada com ta m b é m a n d a m n a s p is a d a s d a q u e la fé q u e
a fé, no caso de Abraão. Isto leva à te v e no sso p a i A b ra ã o a n te s d e s e r c irc u n c i­
chocante conclusão de que Deus justifica dado.
Da mesma forma como imputado foi a O propósito (v. llb-12) de Deus é
palavra-elo para as passagens do Velho verificado no processo da fé antes da
Testamento, agora a palavra bem-aven- circuncisão. Abraão é, antes de tudo,
turança é ligada a “bem-aventurado” em o pai de todos os incircuncisos que
Salmos 32:1,2. O estado de bem-aven- crêem. O judaísmo ensinava que Abraão
turança do salmista se origina do perdão era o pai apenas dos judeus (cf. 4:1).
dos seus pecados, mas isso não é confi­ F. F. Bruce diz que o judaísmo requeria
nado aos que receberam a circuncisão. que até os prosélitos, que se supunha
De fato, Abraão fora abençoado com a fossem filhos de Abraão por adoção,
justificação antes de receber a circunci­ dissessem “vossos pais” na adoração da
são. sinagoga, quando os judeus diziam “nos­
A prova (v. 9 -lla) recorre ao método sos pais” . Paulo não exclui os crentes
de perguntas e respostas da diatribe. circuncidados quando inclui os incircun­
A primeira pergunta aborda a contro­ cisos entre os filhos de Abraão (v. 12).
vertida questão da circuncisão, que para A circuncisão é considerada, desta for­
o judaísmo era de importância central. ma, como um valor (cf. 3:1), mas não
Abraão representava o início de um rito como requisito necessário para a salva­
que dividia a humanidade em dois gru­ ção, sobre o que até alguns cristãos ju ­
pos distintos. Dizer que Abraão fora deus contendiam, (Gâl. 2:12,13;3:3;5:2,
imputado como justo antes de ter rece­ 3; At. 15:1). Deus é pai de todos os que
bido o sinal e selo dessa aliança, era crêem, gentios e judeus. Todos os que
delicado; não obstante, esse é o claro crêem podem dizer “ nosso pai” , quando
sentido de Gênesis 15:6. Aqui encontra- falam de Abraão, pois ele foi considera­
se um ponto em que a reconstrução do justo pela fé, antes de ser circunci­
histórica moderna do Velho Testamento dado. Todos os que andam nas pisadas
fortalece, ao invés de enfraquecer o pen­ da fé de Abraão são filhos de Abraão.
samento de Paulo, pois as primeiras his­
tórias de Abraão são atribuídas a fontes (3) Abraão Recebeu a Promessa Antes de
proféticas, enquanto a circuncisão de Ser Dada a Lei (4:13-15)
Abraão pertence a fontes posteriores e
13 P o rq u e n ã o foi p e la le i q u e v eio a A b ra ­
sacerdotais (Dodd). A resposta à segun­ ão , ou à s u a d e sc e n d ê n c ia , a p ro m e s s a d e
da pergunta é óbvia, quando se nota, que h a v ia d e s e r h e rd e iro do m u n d o , m a s
logo na superfície, que Abraão foi con­ p e la ju s tiç a d a fé . 14 P o is , se o s q u e sã o d a
siderado justo com base na sua fé (Gên. lei sã o h e rd e iro s , logo a fé é v ã e a p ro m e s s a
15:6), antes de ter recebido a circuncisão é a n u la d a . 15 P o rq u e a le i o p e ra a i r a ; m a s
onde n ã o h á le i ta m b é m n ã o h á tr a n s g r e s ­
(Gên. 17:11). são.
O poderoso parêntese de 4:11a tem
influenciado grandemente tanto a teolo­ Ã medida que a discussão muda da
gia bíblica como a histórica. O batismo é circuncisão, como sinal e selo da aliança,
descrito como a circuncisão cristã, em para a lei, como a ordem e código da
Colossenses 2:11-13; desta forma, o selo aliança, a primazia da justificação pela
do Espírito, em II Coríntios 1:22 e Efé- fé é apresentada. Lei, nesta seção, é
sios 1:13, foi interpretado no mesmo usada sem o artigo (no grego, exceto uma
contexto.26 Sinal só aparece em Gênesis vez no v.15), como também em 3:20,21,
17:11, e é possível que Paulo tenha acres­ 31, mas sempre se refere à lei mosaica
centado selo para sugerir um significado como mandamento (Decálogo) e código
mais interior, juntamente com o sinal (Torah), e não à lei como consciência
exterior. Sinal indica; selo autentica. (2:14,15) e cânon do Velho Testamento
26 G. W. H. Lampe: Tbe Seal of the Splrlt (London: (3:19). O avanço na discussão é a relação
Longmans, Green and Co., 1951). entre lei e promessa (v. 13 e 14) e lei e
ira (v. 15). A promessa feita a Abraão, se para focalizar a transgressão e a ira
antes que a lei fosse dada através de como corolários da lei, em contraste com
Moisés, foi renovada à sua “semente” a promessa e a graça como corolários da
(tradução antiga), termo interpretado fé. A ira de Deus já foi estabelecida como
como referindo-se a Cristo, na discussão um processo presente, atual, entre os que
mais longa em Gálatas 3:16. O conceito estão sem lei (1:18) e como visitação
de personalidade corporativa torna pos­ futura sobre os que estão com a lei
sível o uso do termo no sentido messiâ­ (2:5,7; 3:5), e o seu uso no verso 15 é
nico ou corporativo (cf. 4:16,17). como o segundo caso. Pecado e ira são
A promessa faz referência não apenas realidades sem a lei, mas a lei intensifica
ao herdeiro (Gên. 15:4; 17:16,19), mas o pecado, até tomar-se transgressão (5:
também à herança (Gên. 12:2; 13:14-17; 13,14), e a ira é aumentada e acumulada
17:8; 22:16-18). A última passagem foi (2:5).
expandida pelos rabis, para referir-se à
herança universal, expressa na frase de (4)Abraão Ê o Verdadeiro Tipo dos Jus­
que havia de ser herdeiro do mundo. tificados Pela Fé (4:16-25)
Esta frase abrange todo o mundo,
com todo o seu povo fiel, os verdadeiros 16 P o rta n to , p ro c e d e d a fé o s e r h e rd e iro ,
descendentes de Abraão. A herança, pa­ p a r a q u e s e ja seg u n d o a g ra ç a , a fim d e q u e
a p ro m e s s a s e ja firm e a to d a a d e sc e n d ê n ­
ra Paulo, é o reino de Deus (I Cor. 6:9, c ia , n ão so m e n te à q u e é d a lei, m a s ta m b é m
10;15:50;Gál. 5:21; Ef. 5:5), versão uni­ à q u e é d a fé q u e te v e A b ra ã o , o q u a l é p a i
versalizada e transformada da terra e do d e todos n ó s. 17 (co m o e s tá e s c r ito : P o r p a i
povo da escatologia judaica 27 (cf. Mat. d e m u ita s n a ç õ e s te c o n stitu i) p e ra n te a q u e ­
le no q u a l c re u , a s a b e r , D eu s, q u e v iv ific a
5:5; Rom. 8:18-25). o s m o rto s, e c h a m a a s c o isa s q u e n ã o sã o ,
A lei realmente exclui fé e promessa com o se j á fo sse m . 18 O q u a l, e m e s p e r a n ç a ,
(v. 14), pois o legalismo desvia a atenção c re u c o n tra a e s p e r a n ç a , p a r a q u e se to r n a s ­
de Deus para o poder do homem que se p a i d e m u ita s n a ç õ e s, co n fo rm e o q u e lh e
fo ra d ito : A ssim s e r á a tu a d e sc e n d ê n c ia ;
realiza boas obras, pelo que a promessa 19 e s e m se e n fra q u e c e r n a fé, co n sid e ro u
da herança não é mais um dom, mas o se u p ró p rio co rp o j á a m o rte c id o (pois
uma dívida. 28 “Pois se da lei provém a tin h a q u a se c e m a n o s ), e o a m o rte c im e n to
herança, já não provém mais da promes­ do v e n tre d e S a r a ; 20 co n tu d o , à v is ta d a
sa; mas Deus, pela promessa, a deu p ro m e ssa d e D eu s, n ã o v a c ilo u p o r in c re d u ­
lid ad e, a n te s foi fo rta le c id o n a fé , d a n d o
gratuitamente a Abraão” (Gál. 3:18). g ló ria a D eu s, 21 e e sta n d o c e rtíss im o d e
O judaísmo dizia que Abraão previra a que o q u e D eu s tin h a p ro m e tid o , ta m b é m
lei mediante as suas boas obras (Eclesiás­ e r a po d ero so p a r a o fa z e r . 22 P e lo q u e t a m ­
tico 44:20), mas Paulo rejeita essa idéia, b é m isso lh e foi im p u ta d o co m o ju s tiç a .
23 O ra , n ã o é só p o r c a u s a d e le q u e e s tá
baseando-se na prioridade da promessa e sc rito q u e lh e foi im p u ta d o ; 24 m a s t a m ­
sobre a lei, por um lapso de 430 anos b é m p o r c a u s a d e n ó s, a q u e m h á d e s e r
(Gál. 3:17). im p u ta d o , a n ó s os q u e c re m o s n a q u e le q u e
A lei é acompanhada de transgressão e dos m o rto s re s su sc ito u a J e s u s no sso S e­
ira, e não de fé e promessa (v. 15). A fun­ n h o r; 25 o q u a l foi e n tre g u e p o r c a u s a d a s
n o ssa s tra n s g re s s õ e s , e re s su sc ito u p a r a a
ção da lei é acordar a consciência do n o ssa ju s tific a ç ã o .
pecado (3:20), opinião que ainda deve
ser desenvolvida em detalhes clássicos A primeira parte da Epístola aos Ro­
(7:7-25). Neste ponto, ela é um parênte­ manos (1:18-4:25) termina com Abraão
como tipo (v. 16-22) e os cristãos como
27 James D. Hestet, Paul’! Concept of Inheritance (Edin­ antítipos (v. 23-25). Mais adiante, este
burgh: Oliver and Boyd, 1968), p. 79-89. método pelo qual um modelo histórico
28 JQrgen Moltmann, Theology of Hope, trad, para o in­
glês por James W. Leitch (New York: Harper and Row, prepara o caminho para se entender um
1967), p. 145. cumprimento, será usado a respeito de
Adão em relação a Cristo (5:14). Dessa mortos, visto que os seus pais eram tão
forma, os significados histórico e simbó­ velhos, e a grande multidão ainda não
lico da figura são retidos. nascida, que seria a descendência de
O desenvolvimento de Abraão como Isaque, estava aceitando coisas que não
tipo reúne uma constelação de idéias que existiam como se existissem. Este ponto
se focaliza em Deus. Depois de fé e graça de vista, a respeito de Deus, era comum
em relação a promessa serem repetidas, no judaísmo: “Com uma palavra chamas
no verso 16, o tópico de Deus e graça à vida o que não era, e com grande poder
domina os versos 16 e 17, da mesma governas o que ainda não veio a ser”
forma como o tópico Deus e fé domina os (II Baruque 48:8). Abraão foi capaz de
versos 18-22. A promessa de Deus é pela crer tudo isto perante aquele Deus,
graça, através da fé. Uma tradução lite­ de quem dependia a promessa para o
ral das primeiras palavras do verso 16 seu cumprimento.
seria: “Portanto da fé a fim de que de A fé demonstrada por Abraão, como
acordo com a graça.” A promessa que esse pai universal, prepara o caminho
está no âmbito da fé — para que possa para entender Deus e a fé (v. 18-22).
ser de acordo com a graça — é universal. A esperança é expressa em outra impres­
Os judeus são incluídos, e os gentios não sionante declaração grega, por detrás da
são excluídos. Todos os que têm a fé de tradução: em esperança, creu contra a
Abraão podem ser justificados. Ã que é esperança; a primeira esperança expres­
da lei significa os da lei no mesmo senti­ sa a possibilidade de Deus, e a segunda
do de “os da circuncisão” (4:12). Em a impossibilidade do homem (cf. Mar.
4:11,12, as pessoas circuncidadas ou não 10:27; Mat. 19:26; Luc. 18:27). Sem
podem serjustificadaspelafé, e, no verso Deus não há esperança (Ef. 2:12; cf.
16, a promessa pode ser aceita pela gra­ Rom. 5:2;8:20,24,25;15:13). O texto de
ça, através da fé, com ou sem a lei. prova dessa vez é o versículo imediata­
O Deus da promessa é mais importan­ mente anterior a Gênesis 15:6, com que
te para Paulo do que a promessa de começou este capítulo (4:3). Os descen­
Deus (v. 17). Sem Deus, não há promes­ dentes de Abraão, através do seu filho,
sa a ser aceita pela graça, através da fé. serão como as estrelas do céu. Nisso
Ê fé em Deus, e não uma nebulosa fé na Abraão creu.
fé, que Paulo ensina. Na verdade, a fé é A fé de Abraão é descrita primeira­
subjetiva; mas fé sem Deus como objetivo mente em termos de morte (v. 19), pala-
seria algo sem sentido para Paulo. O vra-elo introduzida na definição de Deus
Deus da promessa fez de Abraão o pai de (v. 17). Tendo Abraão 100 anos de idade,
todos nós (cf. Ef. 4:6), dos judeus que e Sara 90, o nascimento de um filho era
crêem e dos gentios que crêem. O texto tão improvável, que a sua ocorrência era
de prova para isso aparece em Gênesis tão incrível, do ponto de vista humano,
17:5, no contexto em que o nome Abrão, como uma ressurreição. A fé de Abraão,
que significa pai exaltado, é mudado em segundo lugar, é descrita em termos
para Abraão, que significa pai de uma de dúvida. Da mesma forma como ele
multidão. Este pai universal, de judeus e não enfraqueceu na fé (v. 19), também
gentios, é o pai de muitas nações, e não não vacilou perante a promessa (v. 20).
de uma só. Em Gênesis, as muitas naçSes Diante do Deus da promessa, ele foi
são os filhos de Ismael e de Quetura (25:1 fortalecido na fé, dando glória a Deus.
e ss.), mas Paulo se refere a todos os Anteriormente, foi notado que os ho­
gentios. O seu Deus é o Redentor e Cria­ mens iníquos não glorificaram a Deus
dor, o Santo de Isaías 40-66. como Deus, e por isso “o seu coração
O nascimento de Isaque, no Velho insensato se obscureceu” (1 :2 1), mas
Testamento, foi como vida provinda dos Abraão glorificou a Deus, quando se
convenceu de que o poder de Deus era 0 q u a l foi e n tre g u e p o r c a u s a d a s n o ss a s
igual à promessa que ele fizera. A discus­ tra n s g re s s õ e s e foi re s s u s c ita d o p o r c a u s a
d a n o ss a ju s tific a ç ã o .
são retorna a Gênesis 15:6 pela terceira
vez, neste capítulo (v. 3,9,22). Este capí­ A primeira linha é derivada de Isaías
tulo todo, com Gâlatas 3:6-4:31 em se­ 53:12 (LXX). O uso duplo de “por causa
gundo plano, tem as características de
de” (dia) indica um paralelo usado em
uma midrash ou comentário cristão a credos, mas, por razões gramaticais,
Gênesis 15:6. Leenhardt traduz dia, na segunda linha,
O estar o antítipo nos cristãos (w. como “tendo em vista a” . Isto não signi­
23-25), dos quais o pai Abraão era o fica que a justificação se relaciona mais
verdadeiro tipo, torna claro por que Deus intimamente com a ressurreição de Cris­
fora definido como alguém que vivifica to do que com a sua morte. Dizer isso
os mortos e por que o nascimento de seria contradizer 3:21-26. Este é um pa­
Isaque foi descrito em termos de morte. ralelismo hebraico em que o ato salvador
Isaque era um tipo de Cristo, o verdadei­ de Deus é expresso em termos da morte
ro Isaque, a quem Deus ressuscitara e da ressurreição de Cristo, nunca es­
dentre os mortos. O uso que Paulo faz tando um sem o outro (cf. Rom. 5:10;
da tipologia é muito claro na midrash 6:4,5, 8-10; 7:4; 8:34; 14:9; Col. 3:3,4;
de Moisés em I Coríntios 10:1-13, onde Ef. 2:4-7; II Tim. 2:11, onde se usa mais
tupoi e tupikos são usados no grego a fundo o tema da morte e da ressurrei­
(10:6,1 1 ), e a declaração de que as pala­ ção.
vras de Gênesis 15:6 não é só por causa
dele que está escrito... mas também por
causa de nós é uma fórmula tipológica,
II. Salvação (5:1-8:39)
que liga o tipo ao antítipo (cf. Heb.
1. Salvação Como ReconciliaçSo(5:l-21)
11:19). Aqueles que crêem em Deus, que
ressuscitou Jesus dentre os mortos, tam­ 1) O Reino da Graça (5:1-11)
bém são instruídos. Algumas vezes Paulo (1) A Natureza da Graça (5:1-5)
dirá que Jesus foi “ressuscitado dentre os
mortos” por Deus (I Tess. 1:10), mas em 1 Ju s tific a d o s, p o is, p e la fé , te n h a m o s p a z
outro lugar ele diz: “Jesus morreu e res­ co m D eu s, p o r n o sso S e n h o r J e s u s C risto ,
2 p o r q u e m o b tiv em o s ta m b é m n o sso a c e ss o
surgiu” (I Tess. 4:14). No verso 24 a p e la fé a e s ta g ra ç a , n a q u a l e s ta m o s f i r ­
ênfase é aplicada a Deus, e em grande m e s , e g lo riem o -n o s n a e s p e r a n ç a d a g ló ria
parte do capítulo também. d e D eu s. 3 E n ã o so m e n te isso , m a s t a m ­
b é m g lo riem o -n o s n a s trib u la ç õ e s ; sa b e n d o
As formulações primitivas costumeiras qu e a trib u la ç ã o p ro d u z a p e rs e v e ra n ç a ,
acerca da fé falam da ressurreição de 4 e a p e rs e v e ra n ç a a e x p e riê n c ia , e a e x ­
Jesus como ato de Deus (I Cor. 15:4, p e riê n c ia a e s p e r a n ç a ; 5 e a e s p e r a n ç a n ão
12-17; II Cor. 5:15), e há abundantes d e sa p o n ta , p o rq u a n to o a m o r d e D eu s e s tá
d e rra m a d o e m n o sso s c o ra ç õ e s p elo E s p ír i­
evidências de que o verso 25 esteja citan­ to Santo q u e nos foi d a d o .
do um credo baseado em Isaías 53:4,5,
11-12. O Hino do Servo de Filipenses Os quatro capítulos seguintes se vol­
2:6-11 é geralmente aceito como pré- tam, da justificação explanada nos qua­
paulino, e as muitas referências à formu­ tro primeiros capítulos, para a salvação
lação de Romanos 4:25, nas primeiras e seus corolários e sinônimos. Nygren
cartas de Paulo, confirmam a opinião de esboçou destramente estes quatro capí­
que a crença na morte e ressurreição de tulos como falando de salvação de qua­
Cristo era um dos mais antigos credos tro poderes hostis: ira (5), pecado (6) e
dos primeiros cristãos. Uma tradução morte (8). Estas são generalizações úteis,
desse paralelismo ajudará: mas a discussão seguinte adota as pala-
vras mais positivas, de reconciliação, Paz saúda o leitor como um mar calmo
santificação, libertação, ou liberdade, e depois de uma noite tempestuosa. Paz
filiação, ou adoção. Este esboço será jus­ significa completa harmonia com Deus e
tificado no decorrer da exposição que sua criação. Ê palavra usada em sauda­
fizermos. ções (1:7) e bênçãos (II Tess. 3:16), e é
Os versículos 1-11 são uma transição, exatamente o oposto de confusão (I Cor.
uma conclusão do que foi apresentado 14:33). Na experiência, ela vai além do
anteriormente e uma introdução para o entendimento (Fil. 4:7), e, em Cristo,
que se segue. O pois é, portanto, impor­ ela é personificada (Ef. 2:14-17). A paz
tante! A idéia na frase-resumo é: “visto da alma e a paz social dependem desta
que somos justificados pela fé” , e apare­ harmonia espiritual com Deus. Ela é
ceu nada menos do que sete vezes na recebida através de nosso Senhor Jesus
primeira parte (2:13; 3:4,20,25,28,30; Cristo, idéia já usada antes (1:4; 2:16) e
4:2-5), e é baseada neste acontecimento freqüentemente neste capítulo (v. 2,9,11,
objetivo que a paz com Deus é possuída 17,21). Ele é o mediador da paz, e Deus é
pelo crente. o “Deus da paz” (16:20; cf. I Tess. 5:23;
O nós, usado cinco vezes (embora ocul­ Fil. 4:9).
to) nos dois primeiros versículos deste O terceiro nós (v. 2) fala de um acesso
capítulo,pode servir como palavra-ânco- à graça, que foi obtida pela mediação de
ra. Notar-se-á, na versão da IBB, que o Cristo. Além desta menção em Roma­
segundo tem duas redações. O clássico nos a expressão aparece apenas em Efé-
comentário impresso na Inglaterra, es­ sios 2:18 e 3:12, em o Novo Testamento,
crito por William Sanday e A.C. Hea- mas aqui é claro. Deus Pai é abordado
dlam(1895), com cautela, adota a reda­ pelo Espírito, da mesma forma como
ção: “tenhamos paz.” Três dos maiores uma pessoa passa através da porta do
gramáticos de todos os tempos os seguem Templo para entrar no santuário. O tem­
(Moffatt, Goodspeed e A.T. Robertson). po perfeito é usado para expressar esta
A.T. Robertson não chegou a viver o possessão, e alguns manuscritos acres­
suficiente para 1er a forte defesa do centam “pela fé” , para criar a ênfase já
ponto de vista oposto, por Hans Lietz- exercida no verso 2 (cf. 1 1 :20). O domí­
mann (1933), e pela maioria dos comen­ nio da graça é como o Templo de Deus,
tários, desde então. Lietzmann e outros em que a pessoa entra pela fé em Cristo,
concordam com os gramáticos no campo a porta.
textual, mas insistem que tal leitura é O quarto nós (v. 2) também é expresso
impossível no campo teológico. Este ar­ no tempo perfeito (gr.) para indicar a
gumento é tão antigo como Godet, mas nova condição do crente em Cristo. Ele
tem valor apenas quando uma pessoa assume esta posição no domínio da gra­
tem a noção preconcebida de que o acon­ ça, o templo de Deus, como já foi plena­
tecimento objetivo da justificação não mente expresso no hino de 3:21-26, espe­
requer uma reação contínua da fé. A tra­ cialmente pelo verso 24. Aqui o homem
dução de Goodspeed é suficientemente tem algo de que pode vangloriar-se, pois
boa: “Assim, visto que fomos tomados a palavra traduzida como gloriemo-nos
justos pela fé, vivamos em paz com Deus, significa exatamente isso. Ela tem sido
mediante nosso Senhor Jesus Cristo” usada várias vezes já, no mau sentido da
(também Weymouth, Moffatt, Montgo- jactância humana (2:17,23; 3:27; 4:2),
mery, NEB, melhorada, amplificada, mas agora é usada no bom sentido da
Phillips). (*> exultação cristã na graça e glória de
Deus(cf. v. 3, 11; Gál. 6:14). O homem,
(*) A única destas traduções já vertida para o português
é a última, com o titulo de “ Cartas às Igrejas Noras” em seu pecado, foi destituído da glória de
(Nota do tradutor). Deus (3:23), mas na graça de Deus ele
participará dela na era futura. Esta é a denuncia isto como uma substituição do
sua esperança (cf. 8:18-25). Áqui outra eros celestial e terreno de Platão para o
vez a tradução de Goodspeed deve ser agape do Novo Testamento, que é derra­
seguida, quando ele diz: “Gloriemo-nos mado de Deus para o homem. 29 A idéia
em nossa esperança de participar da do derramamento do Espírito remonta a
glória de Deus.” O problema é o mes­ Joel 2:28, especialmente em Atos 2:18,
mo existente com o primeiro nós, e deve 33, onde se tem em mente a nova era do
ser “gloriemo-nos” . Espírito; mas Paulo usa essa metáfora
A exultação cristã de Paulo agora in­ para a nova vida, que prepara o crente
troduz um parêntese de três grandes pa­ para a nova era (cf. Tito 3:5; Rom.
lavras. A primeira é tribulações; para 8:1-27).
expressar o ensino neotestamentârio de
que os santos precisam passar por tribu­ (2) A Necessidade da Graça (5:6-11)
lação na presente era má, para entrar no 6 P o is , q u a n d o a in d a é ra m o s fra c o s, C ris ­
reino de Deus na futura era de glória to m o r re u a se u te m p o p elo s ím p io s. 7 P o r ­
(cf. At. 14:22). Uma leitura dos sofri­ q u e d ific ilm e n te h a v e r á q u e m m o r r a p o r
mentos de Paulo indica o que ele tem em u m ju s to ; p o is p o d e rá s e r q u e p elo h o m e m
bondoso a lg u é m ou se m o r r e r . 8 M as D eu s
mente (cf. 8:31-39; I Cor. 4:11-13; II d á p ro v a do se u a m o r p a r a conosco, e m q u e ,
Cor. 11:23-28; 12:9,10). A segunda pala­ q uando é ra m o s a in d a p e c a d o re s , C risto
vra é perseverança ou poder para resis­ m o rre u p o r n ó s. 9 Logo m u ito m a is , sen d o
tir, a virtude dos mártires (cf. 2:7; 8:25). a g o ra ju s tific a d o s pelo s e u sa n g u e , se re m o s
A terceira é a experiência provada e p o r e le sa lv o s d a i r a . 10 P o rq u e se n ó s,
q uando é ra m o s in im ig o s, fom o s re c o n c ilia ­
testada, uma palavra rara, usada apenas dos co m D eu s p e la m o rte d e se u F ilh o ,
por Paulo em o Novo Testamento (cf. II m u ito m a is , e sta n d o j á re c o n c ilia d o s, s e r e ­
Cor. 2:9; 8:2; Fil. 2:22). Algumas vezes m o s sa lv o s p e la s u a v id a . 11 E n ão so m e n te
o negativo aparece (I Cor. 9:27; II Cor. isso , m a s ta m b é m n o s g lo ria m o s e m D eu s
p o r n o sso S en h o r J e s u s C risto , p elo q u a l
13:5), pois algumas pessoas não supor­ a g o ra te m o s re c e b id o a re c o n c ilia ç ã o .
tam o teste. Robertson chama, com ra­
zão, estas três palavras de “uma cadeia O amor de Deus agora é pintado à
de elos” . luz das condições humanas, tão desespe­
A grande trilogia da graça, que é fé radas que só a morte de Cristo podia
(v. 1), esperança (v. 2,4) e amor, é agora remediar a situação. Contra o pano de
completada (v. 5). A esperança em Cris­ fundo da necessidade humana, o amor
to não será desapontada. A exultação é descrito de maneira distintamente di­
cristã não se transformará em entusias­ ferente do conceito grego clássico. O uso
mo. O verbo grego é traduzido correta­ que Platão faz de eros, para expressar
mente como desaponta, e em 9:33 e amor celestial e terreno, requer que haja
10 :11 como “confunde” , mas não é o um objeto digno desse amor. O valor do
mesmo verbo mencionado em 1:16. Este objeto mede o grau de amor expresso
é um eco de Salmos 22:5: “A ti cla­ pelo ser amante. Nygren insiste que o
maram, e foram salvos; em ti confiaram, conceito neotestamentârio de agape, úni­
e não foram confundidos.” A experiência ca palavra usada para expressar o amor
do amor de Deus e do Espírito de Deus de Deus, é tão radicalmente diferente,
dão, ao crente, a certeza de que ele não que a natureza do ser amante desloca o
será desapontado. O derramamento de valor do amado como motivo para o
amor, como chuva sobre terra seca, deve amor. Deus ama o homem porque Deus
ser comparado ao derramamento da ira e
da graça no Velho Testamento. Agos­ 29 Veja, além do comentário de Nygren, a sua monu- _
mental história do amor Ero« and Agape, tradução
tinho interpreta esta idéia como um amor para o inglês de Philip S. Watson (Philadelphia: West­
do homem para com Deus, mas Nygren minster, 1953).
é amor, e não porque o homem é digno verifica um contraste entre o homem
de ser amado. Isto certamente está em justo e o homem bom, como se um
harmonia com 5:6-11. Nem mesmo I João cristão romano entendesse o primeiro
4:7-21, que ordena amor por um irmão como Sêneca e o segundo como Sócrates,
cristão, igualou este ensinamento de ou como se um cristão medieval pensas­
amor até pelos inimigos, assim como pelo se em São Bernardo e São Francisco.
irmão cristão (13:8-10; 12:9-21; cf. Mat. O homem justo suscitaria admiração,
5:43-48). mas só o homem bom evocaria o senti­
Se 3:21-26 puder ser chamado de hino mento de amor sacrificial. Não obstante,
de justiça, talvez 5:6-11 possa ser chama­ outras pessoas têm pensado que a pre­
do de hino de amor (cf. I Cor. 13; Rom. sença do artigo com a palavra bom signi­
8:31-39). Três estrofes de quatro linhas fica não um indivíduo, mas uma classe
cada uma (dois pares de paralelos) são ou uma causa; assim sendo, Paulo está
usadas novamente (cf. 3:10-18,21-26). falando que uma pessoa dificilmente
A condição humana em que o amor de morreria por um indivíduo, mas por um
Deus entra é marcada pelo tríplice uso de grupo, como a sua nação ou uma grande
“quando” com o sentido de “enquanto” : causa, os homens algumas vezes estão
quando ainda éramos fracos... quando dispostos a morrer (Barrett). Ã luz do
éramos ainda pecadores... quando éra­ paralelismo verificado, pode-se colocar
mos inimigos. em dúvida a despeito do argumento eru­
O primeiro paralelo (v. 6) estabelece dito de Lightfoot, de que qualquer gran­
a condição da fraqueza do homem em de distinção seja feita entre o justo e o
contraste com a morte vicária de Cristo. bom. Eles são sinônimos. O ponto focal
O vocabulário para a designação de tem­ é que Cristo morreu pelos ímpios, e não
po marca a morte de Cristo, o ponto pelosjustosebons.
crítico da história, como acontecimento A segunda estrofe (v. 8 e 9) leva o
único, pois o grego kairos (tempo certo) significado de amor ainda mais longe,
significa tempo cumprido ou tempo cheio chamando agora os ímpios de pecadores.
de significado (cf. 3:21). Outra palavra O próprio verbo usado para “mostrar a
grega que significa tempo é chronos, que justiça de Deus” , quando ele inflige o
quer dizer, ordinariamente, tempo cro­ castigo de sua ira sobre os ímpios (3:5),
nológico, contato pelo relógio, e pode é usado, aqui, quando Deus dá prova do
ser usado a respeito do tempo de Cristo. seu amor para conosco. O significado
Mas é interessante notar como Paulo em deste primeiro paralelo (v.8), nesta estro­
um lugar adiciona pléroma (plenitude) fe, é mais bem explicado pelo testemu­
para dar-lhe o significado de kairos (Gál. nho de Paulo (I Tim. 1:12-16). No se­
4:4). A tradução a seu tempo é boa, visto gundo paralelo (v. 9) aparecem dois te­
que o tempo certo é o tempo de Deus, mas da primeira parte: a justiça de Deus
o tempo do cumprimento. A morte de e a ira de Deus. Só quando as duas são
Cristo é chamada de vicária, a morte de reunidas é que a riqueza da graça de
alguém em benefício de outrem, porque é Deus é entendida. A justificação, o ato
usada a preposição grega huper (v. 6,7, justo de Deus, é o “agora” escatológico,
8), como de costume em o Novo Testa­ mas a salvação da ira pertence ao “ainda
mento. A morte substitucionária de Cris­ não” . Menciona-se outra vez a justifica­
to, a sua morte no lugar dos pecadores, ção como realizada pelo seu sangue
é expressa pelo menos freqüente anti (cf. 3:25).
(Mar. 10:45; cf. I Tim. 2:6). A salvação está no futuro, como em
O significado do segundo paralelo sete lugares em Romanos (5:9,10; 9:27;
(v. 8) é interpretado de duas maneiras 10:9,13; 11:14,26). Duas vezes esse subs­
diferentes. A interpretação costumeira tantivo aponta para o futuro (1:16;
13:11). Só uma vez o passado do verbo Em nenhum lugar, em o Novo Testa­
é usado, mas mesmo assim ele aponta mento, se diz que Deus foi reconciliado.
para o futuro (8:24). Esta carta é cho­ Nas quatro grandes passagens paulinas,
cante para as pessoas que pensam em a respeito de reconciliação, há quatro
uma salvação apenas no passado. Men­ pontos cardeais: (1) Deus é sempre o
ciona-se a ira de Deus também como sujeito, a pessoa que opera a reconciliação
algo ainda a acontecer (cf. 2:5,8; 3:5). (2) o homem (ou o mundo, ou todas as
É a “ira vindoura” (I Tess. 1:10), embo­ coisas, mas não Deus) é sempre o objeto,
ra o processo já esteja em curso (1:18). aquele que necessita de reconciliação;
Ira não é seguida, no grego, pela expres­ (3) a morte de Cristo é o veículo; (4) e o
são “de Deus” , como em 1:18, mas, sem ministério da reconciliação é o resultado
dúvida, é correto acrescentá-lo, a despei­ (II Cor. 5:18-21; Rom. 5:10,11; Col.
to do protesto de Dodd. 1:20; Ef. 2:16).
A terceira estrofe (v. 10 e 11) agora Ser reconciliados (v. 10) é paralelo a
apresenta o amor sacrificial de Deus em ser justificados (v. 9), e cada um deles é
termos do tema da morte e ressurreição, seguido pela promessa de uma salvação
notado em 4:25. Duas principais inter­ futura. As expressões pelo seu sangue
pretações são dadas aos versos 10 e 1 1 . e pela sua vida não se contradizem, visto
Murray argumenta que os inimigos são que a vida derramada pelos pecadores,
pecadores passivos, que são objetos da na morte de Cristo, estava no sangue,
ira de Deus, e que Deus é hostil para com de acordo com o pensamento hebraico
o homem. O seu apelo é ao paralelo de (Lev. 17:11). Esta vida entregue agora é
11:28, onde Israel é descrito tanto como retomada pelo Senhor ressurreto, e ele é
inimigo quanto como amado. Se os a fonte da salvação futura.
“amados” são passivos, ou objetos do O nos gloriamos é um particípio em
amor de Deus, então “inimigos” precisa grego. Significa que, os que esperam ser
ser passivo: objetos da hostilidade e ira salvos pela sua vida no futuro, vivem
de Deus. Este é o ponto de vista cal- agora no presente, de acordo com a exor­
vinista conservador, mas Leenhardt, que tação para exultarem, não apenas na
agora se assenta onde Calvino se assenta­ esperança de participarem da glória de
va, rejeita esta interpretação de 11:28. Deus no futuro, mas até das tribulações
Contudo, ele pensa que o paralelismo presentes (5:2,3). O derramamento do
requereria a interpretação passiva; mas amor de Deus pelo Espírito Santo torna
isto não é necessário, como a posterior isto possível.
exposição de 11:28 argumentará.
É inconcebível como uma pessoa pode 2) O Reinado da Graça (5:12-21)
ter a idéia de que Deus é inimigo do
(1) Adão Como Tipo (5:12-14)
homem, mesmo de pecadores fracos e
ímpios, depois de ler os versos 6-11. Se 12 P o rta n to , a s s im com o p o r u m só h o ­
quando éramos inimigos significa en­ m e m e n tro u o p e ca d o n o m u n d o , e p elo
p e c ad o a m o r te , a s s im ta m b é m a m o rte
quanto Deus e o homem eram inimigos, p asso u a to d o s os h o m e n s, p o rq u a n to todos
então, por analogia, dever-se-ia ser con­ p e c a ra m . 13 P o rq u e a n te s d a le i j á e s ta v a o
sistente e falar de quando Deus e o p e c ad o no m u n d o , m a s onde n ão h á le i o
homem eram fracos (v. 6) e enquanto p ecad o n ã o é le v a d o e m c o n ta . 14 No e n ta n ­
Deus e o homem eram pecadores (v. 8). to , a m o rte re in o u d e sd e A dão a té M oisés,
m e sm o so b re a q u e le s q u e n ão p e c a r a m à
A gradativa condição desespéradora do se m e lh a n ç a d a tr a n s g re s s ã o d e A dão, o q u a l
homem, descrita primeiramente como é fig u ra d a q u e le q u e h a v ia d e v ir.
fraco, depois como pecadore agora como
inimigo, se contrapõe ao amor de Deus, Os versículos 12-21 têm algumas pe­
dirigido ao homem na morte de Cristo. culiaridades que sugerem que o material
foi preparado para uma ocasião anterior tradicional, sob a influência da idéia
e introduzido em Romanos com peque­ platônica de uma queda pré-histórica,
nas modificações (JBC). Com este pensa­ estaria mais próxima de Paulo, se a
mento como lastro, Paulo adiciona com­ origem do pecado fosse chamada a entra­
bustível ao seu fogo teológico. Nygren da (do pecado no mundo), ou a trans­
faz desta passagem o próprio cerne da gressão, pois um a “queda” , para Paulo,
carta. O portanto não está intimamente é “ficar aquém” , e não cair de alguma
ligado com o que veio antes, e a primeira posição (3:23). O verbo passou, em gre­
pessoa do plural, tão abundante na por­ go, rima com entrou, e faz do um o
ção que antecede esta e na que se segue, modelo de todos. O que aconteceu a ele
aparece apenas na fórmula finalizadora acontece a eles. A. T. Robertson, antes
(v. 21). Os paralelos, arranjados em es­ de demonstrar o significado de “por­
trofes poéticas e complicadas quanto ao quanto” ou “porque” , diz que o verbo
conteúdo, têm as características de ou­ pecaram “resume nesse tempo verbal a
tro hino. Composto em três estrofes, história da raça” . II Esdras contém um
com dez paralelos, este texto compa­ quadro vivo dessa disseminação e incre­
ra o mal, que veio através de Adão, com mento do pecado. Diz: “Pois um grão
o bem, que veio através de Cristo. Adão é de semente maligna foi semeada no co­
tipo e Cristo é antítipo. ração de Adão, desde o princípio, e
A primeira estrofe deste hino, acerca quanta iniqüidade ela produziu até agora
de Adão e Cristo, tem três paralelos nos e produzirá até que chegue o tempo de
versos 12-14. O primeiro paralelo (v. 12) peneirá-la! Considere agora por si mes­
transborda de teologia paulina. Quatro mo quanto fruto de iniqüidade um grão
substantivos são cheios de significado. de semente maligna produziu. Quando
Um, usado uma dezena de vezes nos inumeráveis medidas de sementes são
versos 12-21, é Adão (ou sua transgres­ semeadas, que eira imensa elas enche­
são) quando não é indicado claramente rão!” (4:30-32).
como Cristo (ou seu ato de justiça). O A interpretação de pecaram é contro­
mundo, já usado anteriormente como lada pela longa controvérsia a respeito da
criação (1:20) e herança (4:13), está mais conjunção eph’hoi (porquanto). Agosti­
próximo, em questão de significado, do nho, que conhecia muito pouco de grego,
mundo agora, sob o juízo de Deus (3:6, seguiu a tradução latina de in quo (em
19). Pecado é um poder personificado quem) e, baseando-se nessa tradução er­
que entra no mundo para reinar sobre os rada, desenvolveu a sua doutrina do pe­
homens (5:17,19; 7:17-25; cf. I Cor. 15: cado original, entendido como culpa her­
56). Morte é também um poder tenebro­ dada, e o resultado foi um quadro lúgu­
so, que ameaça a existência total do bre de infantes não batizados no limbo. 30
homem (5:14; 6:23; 7:9,10; 8:2; 8:38; É significativo que até os eruditos cató­
cf. I Cor. 15:56; Ef. 2:1). “Deus criou o licos romanos, contaminados em grande
homem para a incorrupção, e o fez à parte por este desastre, agora estão
imagem de sua própria eternidade, mas, dizendo abertamente que esta doutri­
através da inveja do Diabo, a morte na não se encontra na Escritura.31^ in­
entrou no mundo, e os que pertencem à fluência desta sentença inacabada (v.
sua facção a experimentam” (Sabed. Sal. 12), interrompida antes de se com­
2:23,24; cf. Eclesiástico 25:24; II Esdras pletar, pode ser revertida, se o triunfo
3:7, 21,22). É uma perda total da vida
eterna (zoé, 6:23), muito mais do que o 30 Dale Moody, Baptism: Foundation for Christian Unity
término da vida biológica (bios). (Philadelphia: Westminster, 1968), p. 30-32.
31 Herbert Haag, Is Original Sin in Scripture? trad, para
Três verbos são também importantes. o ingles por Dorothy Thompson (New York: Sheed and
O pecado entrou no mundo. A teologia Ward, 1969).
da teologia bíblica continuar sobre a 17P o rq u e , se p e la o fe n sa d e u m só, a m o rte
tradição morta (cf. JBC). A negação do veio a r e in a r p o r e s s e , m u ito m a is o s que
re c e b e m a a b u n d â n c ia d a g ra ç a , e do d o m
pecado original, entendido como culpa d a ju s tiç a , re in a rã o e m v id a p o r u m só,
herdada ou transgressão herdada, con­ J e s u s C risto .
tudo, não é uma negação das conseqüên­
cias que ocorrem naqueles que repetem Adão, como tipo de Cristo (5:14), ago­
o tipo adâmico da transgressão do Adão ra é elaborado de maneira que revela as
histórico (5:12,15-19). contas bancárias espirituais de cada um
O segundo paralelo (v. 13) retoma à deles. Adão tinha a seu crédito o pecado
questão do pecado em relação à lei (3:20; (transgressão, delito, desobediência),
4:15). O reconhecimento da interferência condenação e morte; enquanto Cristo
do pecado é o lado de Deus da consciên­ tem dom (três diferentes palavras em
cia humana do pecado (3:20). As tendên­ grego), abundância, justificação e vida.
cias inconscientes para as transgressões “A transgressão de Adão consistiu em
são herdadas (física, social e psicologica­ tomar ao que não tinha direito; o dom
mente), mas não há culpa antes da cons­ gratuito de Deus é também algo ao que
ciência (a idade da responsabilidade ou 0 homem não tem direito; e ele é de toda
discreção). O terceiro paralelo (v. 14), forma uma coisa grande” (T. W. Man-
na estrutura da história da salvação, son, PCB).
toma clara a distinção entre pecado Três paralelos importantes são verifi­
como estado e transgressão como ato de cados nos versos 15-17. O primeiro para­
consciência. A história da salvação se lelo (v. 15) estabelece um contraste entre
move de Adão a Moisés, e deste a Cristo, a transgressão, ato de Adão, e o gra­
e a história da alma de cada indivíduo cioso ato de Deus em Cristo. No um que
remido repete o mesmo padrão. A pessoa é Adão, os muitos morreram, enquan­
nasce, em um mundo de pecado, com to, no um que é Cristo, a graça abundou
tendências para com a transgressão, e o para os muitos. Os “muitos” em con­
aprendizado da lei aumenta o pecado, traste com o “um” é talvez um eco do
levando-o a ser verdadeira transgressão “justificará a muitos” de Isaías 53:11,
(7:8,9). A consciência, como lei natural, outra evidência de que este hino perten­
funciona onde não há lei mosaica, no ce à cristologia primitiva do Servo (cf.
caso dos que não tinham uma ordenança Fil. 2:6-11). Muitos significa o mesmo
como Adão (cf. 2:14,15). Aquele que ha­ que “todos os homens” (5:12,18; cf.
via de vir é o Messias (cf. Mat. 11:3). 1 Cor. 15:22).
Murray se recusa firmemente a ver a dife­ O segundo paralelo (v. 16) reitera o
rença que a lei faz entre pecado e trans­ contraste em termos de condenação co­
gressão. Transgressão, bem como deso­ mo resultado do ato de Adão e justifi­
bediência, requer uma ordenança direta, cação como resultado do ato justo de
mas o pecado pode ser um estado, inde­ Deus. A referência a muitas ofensas in­
pendentemente da lei. clui não apenas o pecado de Adão, mas
também o pecado de todos os que repe­
(2) Cristo Como Antítipo (5:15-17)
tiram e repetem o seu tipo. A palavra
15 M as n ã o é a s s im o d o m g ra tu ito com o usada para expressar juízo transmite a
a o fe n s a ; p o rq u e , se p e la o fen sa de u m
m o r re ra m m u ito s, m u ito m a is a g r a ç a de idéia de sentença judicial, mas condena­
D eus, e o dom p e la g r a ç a d e u m só h o m e m , ção inclui a execução da pena (5:18).
Je s u s C risto , ab u n d o u p a r a co m m u ito s. A pena é a morte (5:12,14,15). Cristo
16 T a m b é m n ão é a s s im o d o m com o a salva entre a sentença e a sua execução
ofen sa, q u e veio p o r u m só que p e c o u ; p o r­
que o ju ízo veio, n a v e rd a d e , d e u m a só (8:1). A palavra grega traduzida como
o fen sa p a r a co n d e n a ç ã o , m a s o d o m g r a tu i­ justificação significa o ato justo de Deus
to veio d e m u ita s o fe n sa s p a r a ju s tific a ç ã o . em Cristo, pelo qual o condenado é qui­
tado, embora ela seja usada em outras O segundo paralelo (v. 19) volta ao
partes com significado diferente (1:32; pessoal, quando a desobediência de Adão
2:26; 8:4). é colocada em contraste com a obediên­
O terceiro paralelo (v. 17) acentua o cia de Cristo. Isto é a obediência do
contraste entre ofensa, ou transgressão, Servo Sofredor, em Isaías 53:11, e per­
e graça, condenação e justificação, e o tence à cristologia primitiva do Servo,
contraste entre morte e vida. A morte como em Filipenses 2:8. De duas manei­
reinou como rainha em Adão, mas a vida ras isto é expresso: ( 1 ) de um por mui­
veio a reinar na nova era e nova vida em tos, a sua relação para com os homens,
Cristo. As duas maneiras de ver — a do e (2) a obediência até a morte, a sua
Velho Testamento (Deut. 30:19; Sal. 1) e relação para com Deus. Da mesma for­
a de Jesus (Mat. 7:13,14) — desenvolve­ ma como os dois atos eram centrais no
ram esse assunto em duas eras: a pre­ verso 18, também as duas audiências, no
sente e má, debaixo da ira, e a vindoura, sentido forense, constituem dois grupos:
de glória em Cristo, como Nygren nunca os pecadores e os justos.
se cansa de dizer. Note a repetição de Em nenhum dos dois casos a respon­
muito mais (5:15,17), que representa o sabilidade humana é excluída. Os ho­
triunfo de Cristo, o antítipo, sobre Adão, mens compartilham da culpa de Adão
o tipo. pelos seus próprios atos de transgressão
(3) Resumo (5:18-21) propriamente dita, e não há participação
nos benefícios do ato gracioso de Deus,
18 P o rta n to , a s s im com o p o r u m a só o fe n ­
s a veio o ju ízo so b re to d o s os h o m e n s p a r a em Cristo, enquanto não houver uma
co n d en ação , a s s im ta m b é m p o r u m só a to reação pessoal de fé.
d e ju s tiç a v eio a g r a ç a so b re todos os h o ­ O terceiro paralelo (v. 20) personifica
m e n s p a r a ju s tific a ç ã o e v id a . 19 P o rq u e , a iei como aquilo que “se intrometeu”
a s s im com o p e la d eso b e d iê n c ia d e u m só
h o m em m u ito s fo ra m c o n stitu íd o s p e c a d o ­ ou ‘fentrou furtivamente” , como os fal­
re s , a s s im ta m b é m p e la o b e d iên c ia d e u m sos irmãos são descritos em Gálatas 2:4.
m u ito s s e rã o c o n stitu íd o s ju s to s . 20 S o b re ­ A sua função é novamente de valor in­
veio, p o ré m , a le i p a r a q u e a o fen sa a b u n ­ terino, para dar à transgressão a condi­
d a s s e ; m a s , o nde o p e cad o a b u n d o u , su p er-
a b u n d o u a g r a ç a ; 21 p a r a q u e , a s s im com o
ção mais grave de ofensa direta ou de­
o p e cad o veio a r e in a r n a m o rte , a s s im sobediência, provinda ou resultante do
ta m b é m v ie sse a r e in a r a g r a ç a p e la ju s tiç a estado de pecado (cf. 3:20; 4:15; 7:1-25;
p a r a a v id a e te r n a , p o r J e s u s C risto , n o sso Gál. 3:19). Uma espécie de teologia tra­
S enhor. dicional dividiu a história em três eras,
Este resumo apanha o pensamento da colocando Moisés no mesmo nível de
sentença inacabada (5:12) e resume o Adão e Cristo, mas, certamente, Nygren
pensamento desenvolvido em 5:12-17. está correto em sua constante ênfase das
Quatro paralelos importantes são encon­ duas eras e dois reinos: “em Adão” e
trados nestes versículos. Parece que há “em Cristo” (cf. I Cor. 15:22).
uma alteração deliberada da pessoa O quarto paralelo (v. 2 1) é uma fór­
(5:15) para o ato (5:16) e da pessoa (5:17) mula finalizadora, que personifica peca­
para o ato (5:18). É Adão e seu ato do e graça. Tem sido chamado de “guer­
contra Cristo e seu ato, no drama da ra das duas rainhas” , visto que tanto
redenção. A idéia forense, sugerida por pecado como graça são femininos em
julgamento e condenação, em 5:16, é grego. A rainha pecado reinou sobre um
ainda mais clara no paralelo èntre con­ reino através da morte, até que a rainha
denação e quitação, no verso 18. Todos graça, por um ato de justiça em Cristo,
os homens significa o mesmo que muitos estabeleceu o reino de Deus. O resultado
(5:15,19), e vida é vida eterna, como em é o triunfo da vida sobre a morte, e a vida
6:23. provém da eternidade, a própria vida
do Deus imortal (5:17; 6:23). Ela é im- um lado, e o antinomianismo por outro,
partida aos homens mortais, através da pressionam Paulo, levando-o a fazer uma
mediação de Jesus Cristo, nosso Senhor defesa veemente da sua posição. Ele não
(cf. 1:4;4:24;10:9). tem a intenção de concordar com ne­
Por detrás deste complicado arcabou­ nhum dos dois extremos. O primeiro pas­
ço literário, está a idéia singular, en­ so, na sua discussão, é a primeira per­
contrada pela primeira vez em I Corín- gunta da diatribe: Que diremos, pois?
tios 15:22: “Pois como em Adão todos (cf. 6:14,20; 7:1,7,13). A segunda per­
morrem, do mesmo modo em Cristo to­ gunta é uma previsão imediata da objeção
dos serão vivificados.” Nesta passagem, dos seus adversários imaginários ao pa­
e também em Romanos, o tempo futuro ralelismo de 5:20. O de modo nenhum
do verbo tem uma orientação escatoló- é o mesmo desejo negativo de 3:4. Signi­
gica, mas o presente não é excluído fica: Não! Não!
(5:17). Em lugar algum Paulo diz que A morte para o pecado liberta a pes­
todos compartilham da culpa e trans­ soa do velho domínio do pecado e ira
gressão pessoais de Adão antes da sua para o novo domínio de santificação e
própria transgressão, ou que todos com­ justiça; da solidariedade incorporada de
partilham da graça e justiça pessoais de pecado e morte para a nova solidariedade
Cristo antes de um ato de fé. Não há de santificação e vida. “Pois o amor de
universalismo na culpa sem que haja Cristo nos constrange, porque julgamos
responsabilidade pessoal, como não há assim: se um morreu por todos, logo
universalismo na salvação sem que haja todos morreram” (II Cor. 5:14). “E os
fé pessoal. Agostinho levou a teologia a que são de Cristo Jesus crucificaram a
desviar-se pela trilha da culpa universal, carne com as suas paixões e concupis-
e Orígenes, pela da salvação universal. cências” (Gál. 5:24; cf. 2:20; Col. 3:3).
Os mortos não têm paixões! Paulo não
2. Salvação Como Santificação (6:1-23) estava sozinho em crer que o cristão
1) Santificação e Pecado: Dois Domínios havia passado do velho domínio do pe­
(6:1-14) cado para o novo domínio da justiça
(I Ped. 4:1; I João 3:4-10). Esta é a
(1) Apelo ao Batismo Cristão (6:1-4) verdadeira santificação, e não o falso
1 Q ue d ire m o s, po is? P e rm a n e c e re m o s perfeccionismo, que adota um dualismo
no pecado, p a r a que abunde a g ra ç a ? 2 De gnôstico de carne e espírito, para escapar
m odo n e n h u m . N ós, qu e j á m o rre m o s p a r a das tensões da alma. Exortação para um
o p e c a d o , com o v iv e re m o s a in d a n e le ? 3 Ou empenho ético ainda é necessária (6:
p o rv e n tu ra ig n o ra is q u e to d o s q u a n to s fo ­
m o s b a tiz a d o s e m C risto J e s u s fom os b a ti­ 11-14).
zados n a s u a m o r te ? 4 F o m o s, p o is, s e p u l­ O apelo ao batismo não é primordial­
ta d o s co m ele p elo b a tis m o n a m o rte , p a r a mente um argumento em favor do modo
que, com o C risto foi re s s u s c ita d o d e n tre os ou do significado do batismo, como a
m o rto s p e la g ló ria do P a i, a s s im a n d e m o s
nós ta m b é m e m n o v id ad e d e v id a .
abundante discussão a respeito deste as­
sunto poderia sugerir. Só alguns poucos
Uma volta ao estilo de diatribe, e ao eruditos de reputação, como Murray,
problema teológico de 3:1-8 sugere o calvinista conservador, ainda se abalan­
ambiente de um a sinagoga. A calúnia çam a argumentar contra a imersão.
dos oponentes judeus, que acusavam que A maioria dos comentários simplesmente
a doutrina da justificação pregada por presumem que a imersão era a forma
Paulo levava ao mal (3:8), agora é abor­ original de batismo, pois toda a cristan­
dada do ponto de vista dos antinomia- dade o praticava até posteriormente à
nos, que levavam a sua teologia exata­ Reforma. Tomás de Aquino e João Cal-
mente a esse extremo. O legalismo por vino concordaram com isto, embora ar­
gumentassem em favor de uma forma em um só corpo” , em Cristo, pelo Espí­
alternativa. Lutero e Wesley eram quase rito (I Cor. 12:13). O batismo é o ritual
inflexíveis, em favor da imersão. Um de passagem do velho domínio do pecado
erudito moderno que argumente em fa­ para o novo domínio da justiça. As igre­
vor de qualquer outra forma que não seja jas paulinas entendiam bem as palavras
a imersão, com base bíblica e histórica, aos gálatas: “Porque todos quantos fos­
será pressionado fortemente para produ­ tes batizados em Cristo vos revestistes de
zir evidências. Este não é um preconceito Cristo” (Gál. 3:27).
batista. Os comentários católicos são A pergunta porventura ignorais presu­
muito semelhantes aos protestantes, pois me que os romanos sabiam, embora Pau­
Joseph A. Fitzmyer cautelosamente diz: lo não fosse a pessoa que os havia ins­
“A discussão de Paulo aqui é mais facil­ truído na fé. Esta é uma boa evidência
mente entendida em defesa do batismo contra o argumento de que o ponto de
por imersão” (JBC). vista de Paulo a respeito do batismo era
Até o significado da palavra batismo recente. A morte, sepultamento e ressur­
é presumido por Paulo, mas talvez será reição de Cristo, tão impressionantemen­
útil notar o conteúdo desse pressuposto. te declaradas no credo primitivo de I Co­
O mais antigo significado de batismo é ríntios 15:3,4, é o fundamento para a
resumido com a palavra purificação. exortação dos versos 3 e 4. A expressão-
Esta acepção está arraigada nos rituais chave é batismo na morte. Isto se liga
judaicos de purificação (cf. Mar. 7:4; com a expressão morremos para o peca­
Luc. 11:38), especialmente em relação às do e expressa a insistência de Paulo para
imersões de iniciação de prosélitos, no que a pessoa realmente esteja morta para
judaísmo ortodoxo (Yeb. 47a,b), e as o pecado e para o eu, para que não abuse
imersões diárias, no judaísmo sectário de da nova liberdade da vida cristã. A novi­
Qumran (Manual de Disciplina, 5 e 6). dade de vida é “ a nova vida do Espírito”
Esta foi a principal idéia envolvendo o (7:6), e não uma licença para a liberti­
batismo de arrependimento de João Ba­ nagem e sensualidade.
tista (Mar. 1:4), embora o seu significa­ Morrer com Cristo tem como corolá­
do fosse mais moral do que ritual. A cris­ rio ressuscitar com Cristo. O batismo em
tandade judaica continuou este significa­ Cristo identifica a pessoa com Cristo na
do (At. 2:38; 22:16), mas a palavra iden­ morte, sepultamento e ressurreição, e a
tificação designaria mais exatamente o capacita para viver a nova vida “em
ponto de vista distintivo de Atos. Os Cristo” (II Cor. 5:17). A morte e ressur­
que eram batizados “em nome de Jesus reição históricas de Cristo (cf. Rom. 4:
Cristo” ou “do Senhor Jesus” pertenciam 25; 5:10) é o próprio alicerce do tema
a ele (At. 2:38, epi; 10:48, en; 19:5, eis). moral de morrer e ressuscitar com Cris­
O “em o nome” era um termo contábil, to. 32 O poder de Deus, expresso como a
mas significava mais do que isto. Signi­ glória do Pai, é o agente da ressurrei­
ficava propriedade e domínio, isto é, se­ ção de Cristo. A mesma verdade é ex­
nhorio e discipulado. pressa, mais adiante, com “o Espírito”
Paulo presumiu o significado de puri­ (8:11). Em outras vezes é simplesmente
ficação em I Coríntios 6:11 e de identi­ o poder de Deus Pai, que é mencionado
ficação em I Coríntios 1:15, mas a sua como agente da ressurreição de Cristo
idéia distinta é incorporação no corpo de (IITess. 1:9; Col. 1:11). Só Deus, e não a
Cristo. Na sua tipologia, arraigada na especulação gnóstica, ressuscita os mor­
exegese rabínica, os que passaram pelo tos, para uma novidade de vida. A glória
mar haviam sido “batizados em Moisés”
(I Cor. 10:2), e este tipo (cf. I Cor. 32 Robert C. TannehiU, Dying and Rising with Christ
10:6,1 1 ) era um antítipo dos “batizados (Berlin: Verlag Alfred Topelmann, 1967).
de Deus é uma forma de expressar o aos Romanos. 33 Tem todas as caracterís­
poder visível de Deus, a “Glória Shequi- ticas de um hino pascal, a respeito de
ná” (Êx. 15;16:7,10), da mesma forma morrer e ressuscitar com Cristo (cf. I
como o Espírito de Deus expressa poder Cor. 15:3,4 e II Cor. 5:14,15). O ante­
invisível. cedente deste hino é o credo a respeito da
Esta novidade de vida no presente morte e ressurreição de Cristo como co­
aponta para a ressurreição, para a vida rolários, notados em 4:25; 5:10, mas isto
no futuro. Entre a morte de um cristão é um credo levado a um crescendo de
para o pecado no passado e a sua res­ melodia, à medida que o crente participa
surreição dentre os mortos no futuro, ele do e celebra o evento de Cristo.
é chamado para andar, maneira hebraica Uma consideração dos vários esforços
de expressar a conduta ética (cf. Ef. para interpretar o verso 5 tenta a pessoa
4:1-5:20, onde se encontra um halahak a seguir F. F. Bruce e não dizer nada!
ou código de conduta cristã, e II Reis O adjetivo sumphutos (unidos) encontra-
20:3; Prov. 8:20, onde se encontram os se apenas aqui, no Novo Testamento
antecendentes hebraicos). Presume-se (mas veja o verbo grego em Lucas 8:7).
ressurreição com Cristo como aconteci­ Significa literalmente “ crescidos juntos” ,
mento passado, no sentido ético, como se mas a expressão com Cristo, no verso 8,
verifica nas referências à novidade de é a chave para o verso 5. A idéia, mas não
vida — vivos para Deus” (6:11) e “redi­ a palavra, é encontrada em 11:17-24.
vivos dentre os mortos” (6:13) — mas O tempo perfeito do verbo abrange toda
essa idéia só é desenvolvida nas cartas a vida cristã, desde a ressurreição até a
escritas na prisão (Col. 2:11-13; 3:1; Ef. novidade de vida e até a ressurreição do
2:4-10). corpo. Mas o termo traduzido como
“à semelhança” levou a debates infindá­
(2) Apelo ao Evento de Cristo (6:5-11) veis. O substantivo homoiõma significa
semelhança concreta, enquanto homoio-
5 P o rq u e , se te m o s sid o u n id o s a ele n a tés significa semelhança abstrata. Quan­
se m e lh a n ç a d a s u a m o rte , c e rta m e n te t a m ­ do homoiõma apareceu em 5:14, em
b é m o se re m o s n a s e m e lh a n ç a d a s u a r e s ­ sentido negativo, referindo-se a Adão e
s u r re iç ã o ; 6 sa b e n d o isto , q u e o n o sso h o ­
m e m v elho foi cru c ific a d o co m e le , p a r a sua transgressão, o contexto sugeria imi­
qu e o c o rp o do p e c a d o fo sse d esfe ito , a fim tação; mas a combinação com sumphu­
d e n ão s e rv irm o s m a is a o p e c a d o . 7 P o is tos, aqui no verso 5, tem sentido mais
q u em e s tá m o rto e s tá ju s tific a d o do p e c a d o . próximo de participação. Quanto ao uso,
8 O ra , se j á m o rre m o s c o m C risto , c re m o s
que ta m b é m co m e le v iv e re m o s, 9 sab e n d o este sentido é mais próximo de 8:3, em
q ue, te n d o C risto re s su rg id o d e n tr e os m o r ­ que a semelhança concreta de Cristo com
tos, j á n ã o m o r re m a i s ; a m o rte n ão m a is a “carne pecaminosa” é o sentido.
te m dom ínio so b re e le. 10 P o is, q u a n to a te r Muitos intérpretes, apelando para o
m o rrid o , d e u m a v ez p o r to d a s m o rre u paralelo em Filipenses 2:7, insistem que
p a r a o p ecad o , m a s , q u a n to a v iv e r, v iv e
p a r a D eu s. 11 A ssim ta m b é m v ó s co n sid e ­ Paulo quer dizer que o crente participou
rai-v o s com o m o rto s p a r a o p e c a d o , m a s na própria forma da morte e ressurreição
vivos p a r a D eu s, e m C risto Je s u s . de Cristo, mas isto entra em dificuldades
com o tempo futuro usado a respeito da
Este parágrafo, na versão da IBB, participação do cristão na ressurreição.
abrange a morte e ressurreição do cristão Se o crente morreu quando Cristo mor­
(v. 5-7) e a morte e ressurreição de Cristo reu, seria lógico dizer-se que ele ressusci­
(v. 8-10), e há um interessante paralelo tou quando Cristo ressuscitou, como
entre as duas coisas. Se este não é um Paulo diz mais adiante (Col. 3:1; Ef.
outro hino, pelo menos é um dos mais
perfeitos grupos de paralelos da Epístola 33 Ibid., p. 9
2:5-7), mas este não parece ser o signifi­ de Cristo tirou-o do velho domínio da
cado do verso 5. Chamar o tempo futuro morte e levou-o para o novo domínio da
de futuro lógico, como muitos fazem, é vida, mediante a sua ressurreição dentre
forçar a exegese. Paulo não dá a entender os mortos. Outrora a morte podia ter
que o crente morreu quanto Cristo mor­ domínio sobre ele, como diz o verbo gre­
reu (6:3,4; cf. II Cor. 5:14,15), mas a go, mas agora ele é o Senhor da vida.
ressurreição corpórea do crente está no A sua morte foi um evento decisivo, que
futuro (cf. v. 8; Fil. 3:10,21). nunca precisará ser repetido, como de­
A forma de credo e de catecismo por clara o grego ephapax (uma vez por
detrás desta passagem poética indica o todas), de forma que a vida que ele agora
pressuposto de que os romanos sabiam vive não é sujeita à morte, mas a Deus.
disto (v. 6). O tempo passado da vida A morte para o pecado foi usada a
cristã, no verso 6, concorda com o tempo respeito dos crentes como indicativo, no
perfeito do verso 5. O “velho homem” e 6:1 , e será uma ordem imperativa no
“corpo do pecado” são sinônimos da verso 1 1 , mas é usada para descrever a
velha vida e da solidariedade do pecador morte de Cristo no verso 10. Será o
com ela. A tradução RSV, em inglês, significado o mesmo, tanto para Cristo
grafa “corpo pecaminoso” no verso 6; como para os crentes? Uma resposta
mas isto não concorda com o ponto de negativa destrói todo o argumento; por
vista de Paulo a respeito do corpo huma­ isso, é importante perguntar o que sig­
no — segundo a compreensão que este nifica a morte para o pecado. Como
escritor tem do ensino de Paulo. O corpo pano de fundo, está a crença em dois
humano pode ser chamado de “mortal” domínios: do pecado e morte por um
(6:12 ; 8:1 1 ), mas não de pecaminoso lado, e de justiça e vida por outro. Cristo
(cf. 12:1). Todos em Adão são “velho entra no velho domínio, para destruí-lo
homem” e “corpo do pecado” , da mes­ pela sua morte pelo pecado. O pecado
ma forma como todos em Cristo são novo e a morte são destruídos pela sua oferta
homem e corpo de Cristo (cf. Col. 3:9; pelo pecado, seguida pela ressurreição à
Gál. 3:27,28; Ef. 4:22). A crucificação e vida.
destruição são explicadas mais a fundo Presume-se que a cristologia de II Co-
como a saída do velho domínio ou senho­ ríntios 5:14-21 está por detrás da idéia de
rio, onde o pecado escravizava o homem, morte para o pecado. Esta passagem fala
para a liberdade gozada pelos que foram de Cristo como aquele que não conheceu
emancipados ou quitados por Cristo pecado, sendo feito pecado ou oferta
(cf. 3:24). A última parte do verso 7 pode pelo pecado (cf. Rom. 8:3), e é este
referir-se à idéia rabínica de que “ a acontecimento que nos tira do velho rei­
morte de uma pessoa culpada encerra no, de uma criação decaída, e nos leva
todo o litígio” (JBC; cf. Dodd e Leen- para o novo reino, de um a nova criação.
hardt). A declaração de que Cristo não conheceu
A segunda estrofe (v. 8-10) cinge a pecado pode ser aplicada ao seu estado
morte e ressurreição dos crentes com a preexistente, mas pode-se interpretar
morte e ressurreição de Cristo. A união isso mais em II Coríntios 5:21 e Romanos
com Cristo na morte e ressurreição, que é 8:3 do que, na verdade, está presente
implícita no verso 5, se toma explícita no grego. A tradução The English Ver-
no verso 8; e o futuro é ainda um futuro sion diz, em II Coríntios 5:21, que Cristo
escatológico, e não um futuro lógico, “compartilhou dos nossos pecados” , mas
pois a vida com Cristo é a vida eterna da isto constitui a mesma interpretação exa­
ressurreição corporal, física, embora a gerada. A impecabilidade do Jesus histó­
novidade de vida que agora existe não rico encontra-se no cristianismo judaico
seja estranha ao contexto (6:4). A morte helenista (I Ped. 1:19; Heb. 4:15; 7:26,
27; 9:14), e é o provável significado de um soldado, os membros, ou órgãos, do
II Coríntios 5:21 e Romanos 6:10. corpo humano são instrumentos, ou ar­
A conclusão se volta do indicativo para mas, que podem ser usados para defen­
o imperativo, como acontece freqüente­ der o velho domínio do pecado e morte,
mente em Paulo, e o crente é chamado ou ser dedicados ao novo domínio, de
para se conformar com a nova vida, vida e justiça. A entrega dos órgãos do
posta à sua disposição pela morte e res­ corpo é uma apresentação de armas, no
surreição de Cristo. Ele é chamado para caso de um soldado, ou de instrumentos,
considerar-se ou imputar-se, a mesma no caso de um escravo; e o crente recebe
palavra usada em relação à fé de Abraão ordens para obedecer ao novo senhorio
(4:3), e este reconhecimento é feito à de Cristo desta forma. A máxima de
luz do evento de Cristo, que é de uma Lutero é a ordem do crente; “Werde das
vez por todas. A crucificação com Cristo was Du bist” (“Tome-se naquilo que
reclama uma conformidade com Cristo você é”). Isto é muito melhor do que as
na vida diária, mesmo antes da ressurrei­ suas palavras muito mal entendidas a
ção do corpo. Da mesma forma como Melanchton: “Pecca fortiter” (Peque de
Cristo vive para Deus, assim também o todo o coração)!
crente é chamado para ser vivo para É necessário este realismo radical a
Deus em Cristo Jesus. A ênfase de 6:1-11 respeito do corpo humano, para comba­
é dada em morrer com Cristo como acon­ ter o antinomianismo ressurgente dos dias
tecimento passado, mas a vida presente atuais. Esta é uma época estranha, em
de novidade, assunto desenvolvido mais que a pureza sexual é depreciada e con­
tarde, nas cartas escritas na prisão, não é siderada como “puritanismo” absoluto,
negligenciado agora. até em publicações religiosas e do púl­
pito. Esse namoro com o paganismo de­
(3) Apelo à Dedicação Cristã (6:12-14) via estar sendo um fracasso miserável
entre os coríntios fornicadores. Paulo
12 N ão re in e , p o rta n to , o p e c a d o e m vosso “deu nome aos bois” , nestas palavras
corpo m o r ta l, p a r a o b e d e c e rd e s à s s u a s con-
chocantes: “Ora, Deus não somente res­
c u p is c ê n c ia s ; 13 n e m tam p o u co a p re s e n te is
os v ossos m e m b ro s ao p e c a d o com o in s tr u ­ suscitou ao Senhor, mas também nos res­
m en to s d e in iq ü id a d e ; m a s a p re s e n ta i-v o s a suscitará a nós pelo seu poder. Não sa­
D eus, com o re d iv iv o s d e n tre os m o rto s, e os beis vós que os vossos corpos são mem­
vossos m e m b ro s a D eu s, com o in s tru m e n ­ bros de Cristo? Tomarei, pois, os mem­
to s de ju s tiç a . 14 P o is o p e c a d o n ã o t e r á
dom ínio so b re v ós, p o rq u a n to n ã o e s ta is d e ­ bros de Cristo, e os farei membros de
b aix o d a lei, m a s deb aix o d a g ra ç a . uma meretriz? De modo nenhum!” (I
Cor. 6:14,15).
O imperativo introduzido em 6 :11 con­ O pecado não é mais senhor sobre os
tinua no verso 12, mas a referência é ao que foram libertados da servidão do pe­
pecado reinando como um tirano, em vez cado e da morte no domínio antigo. A lei
de ser imputado ao crente. O pecado também é senhora onde o pecado tem
reina no domínio da morte, mas não se domínio, pois ela funciona para suscitar
pode permitir-lhe reinar, nem mesmo a percepção do pecado (3:20), para ope­
no corpo morto de um crente. O próprio rar a ira de Deus, pelo fato de fazer do
corpo mortal está sujeito à vida, que vem pecado uma transgressão da lei (4:15),
por ocasião da ressurreição (v. 12 ; cf. e de fato aumentando a soberania do
8:1 1 ), e por isso ele não precisa nem pecado (5:20). O poder da lei para pro­
pode obedecer a paixões abjetas, que duzir servidão ao pecado nunca está lon­
Cristo não admite. As paixões ou desejos ge da mente de Paulo, e este será o tema
malignos do corpo mortal são discutidas principal do próximo capítulo. Aqui ele
mais adiante, em 7:7. Na linguagem de aparece para lembrar, ao crente em Cris­
to, que ele não está mais debaixo da lei, A ilustração dos trabalhos da escravi­
mas debaixo da graça. Á vida debaixo da dão é marcada por uma pergunta (v. 16),
graça é a novidade de vida transmitida um agradecimento (v. 17 e 18) e um
pelo Espírito aos que morrem para o pedido de desculpas (v. 19). A pergunta
pecado e ressuscitam para viver para volta ao estilo de diatribe, e a resposta é
Deus (6:4; 7:6). A lei do pecado e da uma reminiscência de que há uma lei de
morte, incentivada pela lei de Moisés, Cristo, até para os que estão debaixo da
perdeu o poder de se assenhorear dos graça (cf. I Cor. 9:21; Gál. 6:2). “Escra­
que foram libertados em Cristo, de forma vidão é o quinhão do homem: ele é
que o pecado não tem lugar, por direito, escravo do pecado ou de Deus; não há
na nova vida, no novo domínio. uma terceira possibilidade” (Best).
A obediência de fé (1:5) é também uma
2) Santificação e Escravidão: Dois Des­ obediência ética, que repreende todo o
tinos (6:15-23) antinomianismo. O homem sempre tem
(1) As Obras da Escravidão: Duas Escra- um senhor, e a questão de a quem obede­
vidôes (6:15-19) cer é decisiva: “Ninguém pode servir a
dois senhores” (Mat. 6:24). “Todo aque­
15 P o is q u ê? H av em o s d e p e c a r p o rq u e
n ão e s ta m o s d eb aix o d a lei, m a s d eb aix o d a le que comete pecado é escravo do peca­
g ra ç a ? D e m odo n e n h u m . 16 N ão s a b e is q u e do” (João 8:34).
d aq u ele a q u e m vos a p re s e n ta is com o s e r ­ Obediência exercida pelo escravo ao
vos p a r a lh e o b e d e c e r, so is se rv o s d e sse seu senhor é bom senso. Faz parte tam­
m e sm o a q u e m o b ed eceis, s e ja do p e c a d o
p a r a a m o rte , ou d a o b ed iê n c ia p a r a a j u s ­
bém do conhecimento catequético da
tiç a ? 17 M as g r a ç a s a D eu s q u e , e m b o ra Igreja, e a pergunta não sabeis sugere
tendo sido se rv o s do p e c a d o , o b e d e c e ste s de que toda a passagem de 6:12-23 pertence
c o ra ç ã o à fo r m a d e d o u trin a a q u e fo ste s às instruções elementares a respeito do
e n tre g u e s ; 18 e , lib e rto s do p e c a d o , fo s te s batismo, que sempre seguiam o rito de
feito s se rv o s d a ju s tiç a . 19 F a lo com o h o ­
m e m , p o r c a u s a d a fra q u e z a d a v o ss a c a rn e . entrada no novo domínio ou nova era.
P o is, a s s im com o a p re s e n ta s te s os v o sso s O hino batismal de 6:5-10 já foi notado,
m e m b ro s com o se rv o s d a im p u re z a e d a in i­ e a referência à forma de doutrina acres­
q ü id ad e p a r a in iq ü id a d e , a s s im a p re s e n ta i centa força a esta impressão. A liber­
a g o ra os v ossos m e m b ro s co m o se rv o s d a
ju s tiç a p a r a sa n tific a ç ã o .
dade do pecado não deixa a pessoa à
mercê dos seus caprichos e paixões: ela a
A linguagem de um soldado, em per­ introduz numa nova obediência. Esta
pétua obediência ao seu comandante, nova obediência tem início com a apre­
muda para a de um escravo, que está em sentação ou entrega do próprio eu àquela
escravidão ao seu senhor. As duas insti­ justiça que é o dom da graça (3:26; 4:3;
tuições tinham muito em comum, na 5:19). A velha obediência no velho domí­
sociedade romana, mas os leitores ro­ nio era à tirania do pecado, e o resul­
manos da carta eram, em sua maioria, tado daquele reinado era o destino da
escravos, e não soldados. A princípio, morte; mas a nova obediência leva a uma
esta segunda refutação dos legalistas e nova justiça, nesta vida e na vida por vir.
dos libertinos, ao mesmo tempo, parece O pensamento (v. 17 e 18) volta ao
desnecessário, pois o argumento de 6:1 - poder demoníaco do pecado como objeto
14 é completo, mas Paulo repassa o de obediência no passado. O agradeci­
assunto novamente, usando a instituição mento não é pela escravidão do pecado,
da escravidão como ilustração. O novo mas pela nova obediência, que se seguiu.
início repete as interrogações e respostas: Dodd estranhamente alcunha, esta obe­
Pois quê? Havemos de pecar porque não diência à forma de doutrina, de “impes­
estamos debaixo da lei, mas debaixo da soal e subcristã” . Leenhardt protege, em
graça? De modo nenhum (cf. 6:1,2). alto e bom som, o ataque católico ro­
mano contra as interpretações da graça de toda a necessidade de normas éticas,
feitas pelos protestantes, mas a observa­ para se apoiar “somente no amor” . Não
ção de Dodd abre a porta para esses é incongruente, para Paulo, designar os
ataques. Áté Leenhardt, vacila e adota, que foram libertos do pecado com o
aqui, a idéia de Bultmann, de que “uma termo servos da justiça. Depois de muitas
glosa bem antiga” aparece neste ponto! advertências contra a escravidão da lei
Isto é exegese desesperada. emGálatas (2:4; 4:22-31; 5:1), Paulo faz
Por que deveria a obediência pessoal uma outra advertência contra a liberti­
excluir obediência a uma regra de fé? nagem: “Porque... fostes chamados à
Um código de conduta não exclui o co­ liberdade. Mas não useis da liberdade
ração (kardia), pois esta é a função do para dar ocasião à carne, antes pelo
pensamento para um hebreu, e o pensa­ amor, servi-vos uns aos outros” (5:13).
mento coerente e crescente, baseado na Isto é logo seguido de um catálogo de
experiência, estabelece padrões de cren­ pecados, chamados de obras da carne,
ça e comportamento. Romanos 12-15 é que não têm lugar na vida crucificada
precisamente isso, e cerca de metade de (5:19-21). Este tema de liberdade, abor­
cada uma das outras cartas paulinas é dado anteriormente em Romanos 3:24;
um código de conduta cristã. A forma 6:6,7, irrompe em chamas em 7:3; 8:2,
(tupos, em grego, de onde vem “ tipo” , 2 1, mas as chamas não são uma fo­
em português) é talvez um sumário de gueira abrasadora!
doutrina e ética cristãs, ao qual o conver­ Pode ser verdade que Paulo examina
tido acedia quando “ se apresentava” ao a sua metáfora do mercado na apologia
novo domínio e ao novo Senhor, median­ parentética, usando falo como homem
te o batismo cristão. (3:5; I Cor. 9:8; Gál. 3:15). De fato, a
Esta possibilidade é aumentada pela sua metáfora favorita para liberdade é
adição de doutrina (didachê) à forma filiação (cf. Gál. 4:4-7), mas os filhos
(tupos). O crente é entregue ao (literal­ mortificam “as obras do corpo” e são
mente “passado para o”) novo padrão “guiados pelo Espírito de Deus” (8:13,
como um escravo que é vendido, com seu 14). Impureza e iniqüidade, a primeira
consentimento, por um senhor a outro. Ê sendo referência primordialmente ao ho­
a mesma palavra usada para a transmis­ mem, e a segunda, à sua atitude para
são de ensinamentos cristãos (II Tess. com Deus, em que os convertidos, na sua
2:15; I Cor. 15:3). Esta idéia de um “pa­ nova lealdade a Cristo, são chamados a
drão de palavras sãs” se torna altamente renunciar os pecados especiais do paga­
desenvolvida nas cartas pastorais (II Tim. nismo (cf. 1:18,24). A tradução da IBB,
1:13; cf. 4:3; Tito 1:9; 2:1). É também da iniqüidade para iniqüidade, adota a
chamado de depósito (parathéké, II Tim. redação grega. A apresentação ou sub­
1:14). A idéia de um escravo de Cristo missão influenciaram Tertuliano a usar,
não é incomum para Paulo (1:1), pois a para o batismo, a palavra sacramento,
liberdade de Cristo obriga a pessoa à voto de lealdade de um soldado a seu
nova obediência de amor (Gál. 5:13). comandante. Servos da justiça são os
Deste círculo de idéias, as liturgias ba­ que agora se submetem à justiça. O
tismais posteriores desenvolviam o ato de agora da santificação se coloca em fla­
uma renúncia (apotagé) de Satanás, se­ grante contraste com o outrora de pecado
guida por uma nova dedicação ou ali­ e escravidão.
nhamento (suntagé) com Cristo (cf. O novo serviço de justiça é a vida de
JBC). santificação, palavra grandemente enfra­
A liberdade cristã não é libertinagem. quecida no moralismo moderno. O subs­
Nem é “ética de situação” , e por esse tantivo grego que designa o processo
termo se dá a entender um desencargo perfeito é hagiõsunê (I Tess. 3:13), mas a
palavra que indica essa santificação pro­ nessa falsa liberdade da justiça é a mor­
gressiva é hogiasmos, notada pela pri­ te. Este é o fruto amargo do labor de uma
meira vez nas cartas paulinas, para des­ pessoa.
crever a relação conjugal (I Tess. 4:3-7). A verdadeira liberdade é a liberdade
Ela inclui a totalidade da vida cristã. Ela do pecado. Os insensatos gálatas foram
começa com regeneração e justificação duramente repreendidos por darem ou­
(I Cor. 6:11), mas é um processo em vidos às pessoas que os iriam conduzir da
direção à perfeição, que elimina os peca­ liberdade da filiação de volta à escravi­
dos tanto da carne humana como do dão da lei (Gál. 4:4-11). “Para a liber­
espírito humano (II Cor. 7:1). E pertence dade Cristo nos libertou; permanecei,
também ao alvo futuro da vida cristã, pois firmes e não vos dobreis novamente
e está ligada com a vida eterna (6:22). a um jugo de servidão” (5:1). Agora uma
(2) O Salário da Escravidão: Duas Liber­ nota mais positiva soa através de Roma­
dades (6:20-23) nos. O fruto da verdadeira liberdade em
20 P o rq u e , q u a n d o é re is se rv o s do p e c a d o , Cristo é uma vida de santificação (passa­
e stá v e is liv re s e m re la ç ã o à ju s tiç a . 21 E da, presente e futura) e a vida eterna
que fru to tín h e is e n tã o d a s c o isa s d e q u e como resultado final.
a g o ra vo s e n v e rg o n h a is? p o is o fim d e la s é a A vida eterna é novamente a própria
m o rte . 22 M as a g o ra , lib e rto s d o p e c a d o , e
feitos se rv o s d e D eu s, te n d e s o vosso fru to
vida de Deus (cf. 5:21). A vida que se
p a r a sa n tific a ç ã o , e p o r fim a v id a e te r n a . origina da eternidade, e ao crente é ofe­
23 P o rq u e o s a lá rio do p ec a d o é a m o rte , recida esta vida como dádiva. Recusar
m a s o d o m g ra tu ito de D eu s é a v id a e te r n a essa dádiva faz com que a pessoa perma­
e m C risto J e s u s nosso S enh o r. neça no velho estado de escravidão, com
A idéia de santificação resume todo o a sua falsa liberdade, e há um futuro de
argumento discutido em Romanos 6, em­ morte final que contrasta com o destino
bora a palavra não apareça antes do da vida eterna. Esta morte é o salário do
verso 19. Apresentação ou submissão ao trabalho feito em contraste com a dádiva
novo Senhor é o ato de dedicação com da vida eterna, que nunca pode ser con­
que começa o processo de santificação. seguida pelo esforço próprio (cf. 4:4).
Os dois destinos foram descritos como O salário a princípio era pago aos solda­
duas formas de escravidão (v. 15-19), dos romanos na forma de rações, e daí
mas agora a discussão se transforma na se desenvolveu a idéia de salário* (cf. Luc.
abordagem de duas formas de liberdade. 3:14; I Cor. 9:7). O pecado como paga­
A primeira forma de liberdade é a li­ dor, comparado com Deus, como doador
berdade que provém da justiça (v. 20). da vida eterna, é um poder personificado
Antes que os crentes tivessem experimen­ (cf. 6:12-14).
tado o poder do ato justo de Deus e con­ Ao fim do capítulo 5, a vida eterna é
seqüente quitação, eram escravos do pe­ mencionada como sendo “por Jesus Cris­
cado, ou seja, servos do pecado e livres to nosso Senhor” (v. 21), mas agora é um
em relação à justiça. Enquanto eles per­ dom gratuito em Cristo Jesus nosso Se­
tenceram ao velho domínio sobre que rei­ nhor. A mudança de Jesus Cristo para
navam o pecado e a morte e a lei, não Cristo Jesus ilustra o processo fluídico
havia reconhecimento algum da justiça pelo qual Cristo se está tornando um
oferecida por Cristo no novo domínio. nome próprio, e a mudança de “por”
Os escravos do pecado labutavam para para “em” avança da mediação para a
produzir impureza e iniqüidade, mas os contínua participação na vida da santi­
que experimentaram a nova vida em ficação. A mesma mudança de frases,
Cristo agora têm vergonha agora do pas­ encontrada também entre 7:25 e 8:39,
sado pagão. Não havia fruto (karpos), e o serve não apenas para separar os capítu-
fim (telos) para aqueles que continuam * Salário deriva de sal (Nota do tradutor).
los, mas para sublinhar o fato de que não relação à liberdade (7:1-6), ao pecado
há crentes separados de Cristo. Separa­ (7:7-12) e à morte (7:13-20), com uma
ção de Cristo é uma volta à escravidão, e conclusão apoteótica (7:21-25).
uma renúncia da liberdade em Cristo A liberdade é apresentada com uma
(Gál. 4:19; 5:1). analogia de um segundo casamento.
3. Salvação Como Libertação (7:1-25) O comentário clássico, por Sanday e
Headlam, interpreta a analogia de Paulo
1) A Lei e a Liberdade: Analogia do Se­ como uma alegoria, em que a esposa é o
gundo Casamento (7:1-6) verdadeiro eu (ego), o primeiro marido
1 O u Ig n o ra is, Irm ã o s (pois fa lo a o s q u e o velho eu ou estado decaído do homem,
c o n h ecem a le i), qu e a le i te m d o m ín io so b re a condenação do velho estado, e o novo
o h o m e m p o r todo o te m p o q u e e le v iv e ? casamento a união do crente com Cristo.
2 P o rq u e a m u lh e r c a s a d a e s t á lig a d a p e la Alegoria é a forma de linguagem por
le i a se u m a rid o e n q u a n to e le v iv e r ; m a s , se
e le m o r r e r , e la e s t á liv re d a lei do m a rid o .
vezes usada por Paulo (Gál. 4:24), mas
3 D e s o r te q u e , en q u a n to v iv e r o m a rid o , talvez seja melhor chamar esta de uma
s e r á c h a m a d a a d ú lte ra , se fo r d e o u tro h o ­ analogia. Esta analogia do casamento se
m e m ; m a s , se e le m o r r e r , e la e s tá liv re d a centraliza na morte; primeiramente a
lei, e a s s im n ão s e r á a d ú lte ra se fo r d e o u tro morte de um marido como ilustração
m a rid o . 4 A ssim ta m b é m v ó s, m e u s irm ã o s ,
fo stes m o rto s q u a n to à le i m e d ia n te o co rp o (v. 1-3), e depois a morte de um crente
d e C risto , p a r a p e rte n c e rd e s a o u tro , à q u e le por aplicação (v. 4-6). A Oxford Annota-
q ue re s s u rg iu d e n tre os m o rto s a fim d e q u e ted Bible, seguindo vários comentaristas
d em o s fru to p a r a D eu s. 5 P o is , q u an d o e s ­ alemães, diz que a referência é feita à lei
tá v a m o s n a c a rn e , a s p a ix õ e s d o s p e c a d o s,
su s c ita d a s p e la lei, o p e ra v a m e m n o sso s
romana, nos versos 1 e 2, mas isto seria
m e m b ro s p a r a d a re m fru to p a r a a m o rto . uma deferência indevida aos leitores ro­
6 M as a g o ra fo m o s lib e rto s d a le i, h av e n d o manos. Pode ser que Paulo soubesse
m o rrid o p a r a aq u ilo e m q u e e s tá v a m o s r e ­ que a lei romana estava de acordo com
tidos, p a r a se rv irm o s e m n o v id a d e d e e s p í­ a lei hebraica, mas é mais provável que
rito , e n ã o n a v e lh ic e d a le tr a .
ele presumisse que os leitores cristãos
A liberdade da ira, no capítulo 5, e do romanos conhecessem o Velho Testa­
pecado, no capítulo 6, prepararam o mento. Pelo menos o restante do capítu­
caminho para a mais minuciosa discus­ lo se preocupa séria e claramente com a
são a respeito da liberdade da lei, em lei mosaica. Como em 6:3, o ignorais
todas as cartas paulinas, Em I Coríntios presume que os romanos participavam
15:56, a lei mosaica foi relacionada com desse conhecimento com Paulo, como
o pecado, que é o aguilhão da morte. parte de sua herança cristã, e não do seu
Outra vez, em II Coríntios 3:6, a lei foi conhecimento da lei romana.
comparada ao Espírito, em termos das Desde o agradecimento (1:13), os lei­
duas dispensações e as duas alianças. tores não haviam sido chamados pelo
E, ainda depois, em Gálatas 3 e 4, a lei é afetuoso termo irmãos, mas agora ele
descrita como preparadora do caminho é usado tanto no começo da ilustração
para Cristo, como um aio ou pedagogo. como da aplicação (v. 4).
Depois, em Romanos, o tema da lei e Os rabis ensinavam que a morte dá
do pecado é retomado. Ela traz à cons­ fim a todas as obrigações legais, ape­
ciência o pecado, que era inconsciente lando, por vezes, para Salmos 88:5, mas
(3:20), e dessa forma torna o pecado uma esta interpretação está intimamente rela­
transgressão ou ofensa (5:13,14, 20). Os cionada com a lei do casamento, para
dois capítulos seguintes reúnem todos a qual Paulo se volta imediatamente.
esses temas em forma quase sistemática. A lei hebraica considerava a mulher
A libertação da lei é estabelecida por como propriedade pessoal do marido, e o
uma diatribe, em três estágios, da lei em décimo mandamento, a respeito de cobi-
ça, tinha isto especialmente em mente Cristo ressurrecto são inseparáveis como
(Deut. 5:21; Ex. 20:17). Nem mesmo um um evento e como um fato na experiên­
escravo podia ser separado de sua esposa cia de um cristão.
(Êx. 21:3). Jesus elevou a indissolubili­ Deve ser dada atenção especial ao con­
dade do casamento ao seu mais alto traste entre fruto para Deus e fruto para
nível (Mar. 10:11,12), e Paulo segue este a morte. É improcedente pensar que a
padrão, ao apresentar a base para um idéia de um casamento frutífero entre
segundo casamento: “A mulher está li­ Cristo e o crente não é apropriado. Os
gada enquanto o marido vive; mas, se profetas não hesitaram em usar a metá­
falecer o marido, fica livre para casar fora do casamento para explicar a rela­
com quem quiser, contanto que seja no ção da aliança veterotestamentária (Os.
Senhor” (I Cor. 7:39). É uma interpreta­ 1-3; Jer. 2:2). Mais tarde, em uma carta
ção da lei que se presume na ilustração paulina, a relação homem-mulher será
a respeito da morte de um marido. a ocasião para elaborar a idéia da relação
A morte moral e espiritual do crente Cristo-igreja (Ef. 5:22-33). O fruto para
é o elo de ligação na ilustração. Por Deus faz paralelo ao “fruto” para santi­
esta morte moral e espiritual, o crente é ficação em 6:22. Por outro lado, o fruto
unido a outro homem, e Deus levanta para a morte deve ser comparado com o
este “segundo marido” dentre os mortos. “fruto” da vida pagã, da qual os cris­
Visto que Jesus, sendo ressuscitado den­ tãos romanos se envergonhavam (6:2 1).
tre os mortos, não morrerá mais, “esta Quando estávamos na carne refere-se à
nova relação conjugal não será mais in­ vida centralizada em si mesmo, de sen­
terrompida pela morte, como a velha o sualidade pagã, e não à vida em sentido
fora” (F. F. Bruce). A libertação da lei físico, como em Gálatas 2:20. O incita­
(v. 3) faz um paralelo com a libertação mento de paixões dos pecados, que levam
do pecado (6:18). Da mesma forma como cada vez a mais pecados, é aquela função
o crente se torna livre da tirania do da lei já notada e que merecerá uma
pecado quando “ morreu para o pecado” exposição clássica em 7:7-25 (cf. Gál.
(6:2), assim também ele é livre da lei, 5:16-24; I Ped. 4:1-5). O primeiro casa­
porque fostes mortos quanto à lei. “Pois mento de uma pessoa com a lei também
eu pela lei morri para a lei, a fim de viver foi frutífero, mas produziu mais daquele
para Deus... e a vida que agora vivo na fruto amargo, que é tão mortal.
carne, vivo-a na fé no Filho de Deus, o A analogia do casamento se volta re­
qual me amou, e se entregou a si mesmo pentinamente, à guisa de comentário,
por mim” (Gál. 2:19,20). para a da escravidão, da mesma forma
Está outra vez em destaque a incorpo­ que a lei é relacionada com o Espírito.
ração em Cristo, pela identificação com Como um escravo é liberto da escravidão
ele na morte e ressurreição, poderosa­ ao antigo Senhor, para se juntar ao novo,
mente proclamada no hino de 6:5-10 e assim também o crente é liberto da lei,
nos imperativos catequéticos de 6:11-23. para se unir a Cristo. A libertação da lei
É estranho que muitos comentários de­ (v. 6) faz paralelo com a liberdade do
batem se o corpo de Cristo aqui é o domínio do pecado (6:7). Esta referência
corpo de carne que foi crucificado ou o ao Espírito é um claro eco da midrash
corpo místico, feito possível mediante a do Pentecostes do Êxodo 34:34 em II Co-
sua ressurreição. A tentativa de Robert. ríntios 3. Compare especialmente estas
C. Tannehill de identificar o corpo de palavras:
Cristo com “o corpo do pecado” , que foi Porque a letra mata,
destruído pela morte de Cristo, não é mas o espírito vivifica (II Cor. 3:6).
c o n v i n c e n t e . 3 4 O Cristo crucificado e o Em novidade de espírito,
34 JMd., p. 27,28,46 e não na velhice da letra, (Rom. 7:6).
Isto não deixa dúvidas de que é o Ê a lei pecado? Um hebreu que pensasse
Espírito Santo que cria a novidade de na lei como alicerce, quase idêntica ao
vida, e não a novidade do espírito hu­ Velho Testamento, nunca poderia res­
mano que se tem em mente. Ê possível ponder "sim” . De modo nenhum! Qual­
que essas palavras estejam ecoando um quer conclusão que tome a lei de Deus
credo cristão conhecido, a respeito da má não é permissível, embora os oposi­
lei e do Espírito (Moody, p. 116 e 117). tores imaginários, e algumas vezes reais,
Esta maneira de pensar prevê a clássica de Paulo pudessem entendê-lo assim. Ele
exposição a respeito do Espírito de vida havia argumentado em favor da liberta­
em Romanos 8:1-27. Best bem chamou ção da lei (7:3) tanto quanto argumenta­
7:1-6 de “seção de ponte” (cf. Nygren e ra por libertação do pecado (6:7,18) e
Leenhardt). que a pessoa morre para o pecado (6:1 1 )
2) A Lei e o Pecado: Analogia de Adão e para a lei (7:4). Ê extremamente im­
no Paraíso (7:7-12) portante que a pergunta seja plenamente
respondida.
7 Q ue d ire m o s p o is? É a le i p e c a d o ? D e Nygren diz que estes versículos indi­
m odo n e n h u m . C ontudo, e u n ã o co n h eci o cam “o poder da lei para provocar e
p ecad o se n ã o p e la l e i ; p o rq u e e u n ã o c o n h e ­
c e ria a c o n cu p iscên cia, se a le i n ã o d is s e s ­
aumentar o pecado” . Isto é verdade, mas
s e : N ão c o b iç a rá s . 8 M as o p e c a d o , to m an d o esse poder provém de Deus, cuja lei é
o casião , p elo m a n d a m e n to o p e ro u e m m im santa, tanto quanto a sua ira é santa.
to d a esp é c ie d e co n c u p isc ê n c ia ; p o rq u a n to , Nem a lei nem a ira devem ser considera­
onde n ã o h á le i e s tá m o rto o p e c a d o . 9 E ou- das como poderes alheios a Deus. A san­
tr o r a e u v iv ia s e m a le i; m a s a s s im q u e v eio
o m a n d a m e n to , re v iv e u o p e c a d o , e e u m o r ­ tidade da lei, em contraposição ao peca­
r i ; 10 e o m a n d a m e n to q u e e r a p a r a v id a , do do homem, é declarada em quatro
esse a c h e i q ue m e e r a p a r a m o r te . 11 P o r ­ pontos, seguidos por um sumário, com
que o p e c a d o , to m a n d o o c a siã o , p elo m a n d a ­ três epítetos. Antes de tudo, a lei propi­
m en to m e e n g an o u , e p o r e le m e m a to u .
13 D e m odo q u e a le i é s a n ta , e o m a n d a ­
cia o conhecimento ou consciência do
m en to sa n to , ju s to e b o m . pecado (cf. 3:20; 4:15; 5:13,20; 6:14;
7:5). São usadas duas palavras diferentes
É esta analogia uma autobiografia? para conhecer; uma para o pecado e a
O constante uso da primeira pessoa do outra para a cobiça; mas elas aparente­
singular “eu” (ego) sugere isto, mas qua­ mente significam a mesma coisa. Em
se não se duvida que Paulo pensa, na sua bases gramaticais a primeira pode signi­
repetição de Gênesis 3, como a de outras ficar experiência pré-conversão, e a se­
pessoas também debaixo da lei. “Aqui a gunda, o estado pós-conversão; mas no
biografia de Paulo é a biografia de ‘To- contexto isto é difícil (Barrett). A lei
do-mundo’ ” (T. W. Manson). A percep­ produziu o conhecimento do pecado na
ção cristã é aplicada a esta análise da forma de cobiça, a forma mais básica de
experiência pré-conversão, mas é a ex­ pecado. É por isso que ela pode ser
periência de Paulo sob a lei, interpretada chamada de idolatria (Col. 3:5; Ef. 5:5).
como a norma para os outros. Os tempos Nenhum objeto é declarado aqui, e isto
passados dos verbos devem ser levados a pode ser deliberado, pois “por detrás
sério. A consciência funcionaria como lei deste desejo culposo, demonstrado como
natural entre os gentios, que não conhe­ culposo por causa do seu objeto, está
ciam a lei de Moisés, mas Paulo não dis­ um desejo que é culposo por si mesmo,
cute isto aqui (cf. 2:14,15). independentemente do seu objeto, e pe­
Declarações anteriores, a respeito da caminoso, embora seja bem possível que
relação entre a lei e o pecado, levantam seja respeitável” (Barrett; cf. Leenhardt).
as acaloradas interrogações expressas em A referência é ao décimo mandamento
estilo de diatribe: Que diremos pois? (Êx. 20:17), que, emDeuteronômio5:21,
tem a esposa do próximo como a cabeça diferentes interpretações desta sentença.
da lista de objetos da cobiça. Em Paulo, Uma opinião tradicional, com uma longa
ela aparece no contexto de sexo ilícito história, começa com o costume judeu de
(Ef. 5:3,5). bar mitzvah (filho do mandamento), em
Nos três pontos seguintes, a lei é redu­ que o menino judeu, com a idade de treze
zida ao décimo mandamento a respeito anos, assumia a responsabilidade pessoal
da cobiça. Isto empresta à lei o poder de guardar a lei de Moisés. Pensa-se que
imperativo, pelo qual o impulso para o Jesus teve o seu bar mitzvah quando foi
pecado é diminuído (v. 8). Ele apelou encontrado por seus pais discutindo a lei
para o desejo, uma possível alusão a no Templo (Luc. 2:41-51).
Gênesis 3:6. “ A lei não é simplesmente Uma opinião muito semelhante, ensi­
um reagente, pelo qual a presença do nada por Tertuliano, no terceiro século,
pecado pode ser detectada; é um catali­ já foi mencionada (veja o comentário
zador, que ajuda e até inicia a ação do sobre 5:12-14), e o ponto de vista angli­
pecado sobre o homem” (Barrett). Dodd cano, de uma “idade da discreção” , bem
relembra a passagem das Confissões de como o ensino batista histórico, de uma
Agostinho, em que ele expressa, com “idade da responsabilidade” , adota esta
aguda percepção, o significado de uma psicologia infantil, que diz que uma
experiência da infância, em que ele rou­ criança está no paraíso da inocência até
bara peras simplesmente porque roubá- a puberdade, quando sai do jardim, para
las era proibido, pois ele tinha muita o mundo de maldade. Dodd, Taylor,
pera em casa (II. 4-9). F. F. Bruce Barrett, Bruce e Best concordam com a
oferece a ilustração quotidiana de pes­ opinião da idade da inocência.
soas que são estimuladas a fumar quan­ Uma interpretação mais existencial é
do vêem uma tabuleta dizendo: “Ê Proi­ exposta por Leenhardt, que cita a opi­
bido Fum ar.” nião de P. Denmann, que dizia que a
Paulo chama este fato de ocasião opinião autobiográfica “agora está rele­
(aphormé, o acontecimento crucial que gada ao museu dos absurdos exegéticos” .
causa uma guerra). A ordem contra a Nygren e Murray parecem concordar
cobiça faz com que estoure a guerra na com esta teoria da condição geral do
alma humana, e isto é seguido por toda homem contra a opinião da idade da
espécie de concupiscência. O pecado é inocência. A aurora da consciência em
uma coisa inerte, enquanto o manda­ F. F. Bruce agora é chamada de desco­
mento para não pecar o traz à vida. berta, do homem, da sua verdadeira
Leenhardt compara isto à serpente no condição diante de Deus. Isto é bem a
Éden, “jazendo inativa, imóvel, escondi­ compreensão da filosofia existencial, em
da, como se estivesse morta no jardim ” , e que a responsabilidade moral se torna o
adiciona o comentário bem-humorado de momento da existência autêntica. Da
que “nada se parece mais com uma ser­ mesma forma como o mandamento de
pente morta do que uma serpente viva, Deus em Gênesis 2:17 e 3:19 se tornou
embora ela não se mova!” De fato, esta é a a base pela qual Adão e Eva reconhe­
história do “Paraíso Perdido de Todo- ceram a sua culpa, também o conheci­
homem.” mento da lei mosaica esclarece o homem
O terceiro ponto é ligado a esta idéia quanto à sua verdadeira condição. “Sem
de pecado sem vida, e diz que o manda­ a lei, o homem não pode saber qual é
mento revivera o pecado e propiciara a a sua posição, visto que ele não tem outro
morte (v. 9 e 10). Quando veio o man­ meio de conhecimento adequado a res­
damento, o pecado “irrompeu em vida” peito da vontade de Deus; ele está naque­
(NEB) como uma serpente viva sobre la situação incerta retratada no capítulo
quem alguém pisou (cf. Gên. 4:7). Há 5:13 e ss.: as suas ações são realizadas
sem referência a nenhum critério que quadro do paraíso está sempre em se­
lhes dê o valor de atos que sejam condi­ gundo plano. Portanto, parece sadio con­
cionados moral e religiosamente” (Leen- siderar o ego (eu), neste parágrafo, como
hardt). um Adão coletivo, que permite uma in­
Tudo isto é verdade, mas há muita terpretação individual, em que cada pes­
coisa mais, na psicologia educacional, soa responsável passa pelo paraíso, e
que apoia a idéia tradicional do bar uma interpretação coletiva, que consi­
mitzvah. E também há informações su­ dera, nesta analogia, a história de toda a
ficientes na autobiografia de Paulo, para humanidade (cf. 5:12-14).
confirmar esse ensinamento. Na idade O sumário em três epítetos (v. 12) tem
da inocência Paulo estava vivo, mas o em mente Deuteronômio 6:24. Ele torna
mandamento trouxe o pecado à vida, claro que o pecado é localizado no ho­
e ele morreu. Esta é a gangorra do mem, e não em algum defeito da lei, pois
pecado, em que o homem é morto quan­ o mandamento é santo por origem, visto
do o pecado vem à vida. A morte, des­ que provém de Deus, justo por natureza,
crita nos versos 9 e 10, é a morte causada uma vez que expressa a vontade de Deus,
pelo pecado e pela lei, e não a morte para e bom em seus efeitos, visto que serve ao
o pecado e para a lei, em identificação propósito de Deus de levar o homem de
com Cristo, pela fé na sua morte e res­ volta à sua origem santa em Deus (cf.
surreição (6:2;7:4). Há um caminho da Leenhardt, Barrett, Best). O espelho da
vida para a morte, como também há um lei mostra a face contaminada do ho­
caminho da morte para a vida. O manda­ mem, quando ele olha para ele, mas o
mento que prometia vida aos que o guar­ homem foi quem sujou a sua própria
dassem cominava morte aos que falhas­ face. O médico que diagnostica a doença
sem (cf. 10:5; Gál. 3:12). A ordem que do homem não é responsável por essa
prometia vida é a essência da lei (Deut. enfermidade mortal.
4:1; Lev. 18:5). O menino judeu começa­
va o estudo da lei como o caminho para a 3) A Lei e a Morte: Analogia de um
vida (Eclesiástico 18:11; Aboth 2:7). Mercado de Escravos (7:13-20)
O quarto ponto é como o mandamento 13 L ogo, o b o m to rn o u -se m o rte p a r a
enganou e matou os que não o guarda­ m im ? D e m o d o n e n h u m ; m a s o p e c ad o ,
ram. A palavra ocasião (aphormé) é usa­ p a r a q u e se m o s tra s s e p ec a d o , o p e ro u e m
m im a m o rte p o r m eio do b e m ; a fim de
da outra vez (cf. 7:8), para descrever o
q ue p elo m a n d a m e n to o p e c a d o se m a n i­
movimento importantíssimo quando co­ fe s ta ss e e x c e ss iv a m e n te m a lig n o . 14 P o r ­
meçou a hostilidade do homem para com q ue b e m sa b e m o s q u e a lei é e s p iritu a l;
Deus. Foi o tiro que despedaçou a alma. m a s e u sou c a rn a l, v en d id o sob o p e c ad o .
A referência ao engano indica que o 15 P o is o q u e fa ç o , n ã o o e n te n d o ; p o rq u e
o q u e q u e ro , is so n ã o p ra tic o ; m a s o q u e
quadro do paraíso ainda está na mente a b o rre ç o , isso fa ç o . 16 E , se fa ço o q u e n ão
de Paulo, pois o termo é usado na tra­ q u ero , co n sin to co m a le i, q u e é b o a .
dução da Septuaginta, de Gênesis 3:13. 17 A g o ra, p o ré m , n ã o sou m a is e u q u e faç o
Alusões a ele são encontradas em II Co- isto , m a s o p e c a d o q u e h a b ita e m m im ,
18 P o rq u e e u se i q u e e m m im , is to é, n a
ríntios 11:3 e I Timóteo 2:14. A serpente m in h a c a rn e , n ã o h a b ita b e m a lg u m ; co m
representa o pecado, que tem o aguilhão efeito o q u e re r o b e m e s tá e m m im , m a s
da morte, e o poder pelo qual o homem é o e fetu á-lo n ão e s tá . 19 P o is n ã o fa ç o o b e m
conservado em servidão é a lei (I Cor. que q u e ro , m a s o m a l q u e n ão q u e ro , e sse
15:56). O pecado é realmente a grande p ra tic o . 20 O ra , se e u fa ç o o q u e n ã o q u e ro ,
j á o n ã o foço e u , m a s o p e c ad o q u e h a b ita
mentira que aprisiona o homem na morte e m m im .
(cf. João 8:44). Não é difícil verificar
como as interpretações destes versículos Os pais da Igreja, na cristandade gre­
muitas vezes criam asas alegóricas, pois o ga, geralmente interpretavam estes ver­
sículos como uma experiência pré-cristã, usada pelo pecado como instrumento,
e a exegese mais moderna adota esta para produzir a morte. A lei expôs o
opinião. Os teólogos latinos, seguindo pecado, para desnudar a sua verdadeira
Agostinho, chamavam isto de experiên­ natureza como causa da morte. Ela afu­
cia cristã, e muitos teólogos adotaram a gentou o pecado para fora do seu “ ha­
interpretação agostiniana (Aquino, Lute- bitat” na carne humana. Isto causou o
ro, Nygren, Calvino, K. Barth, Murray). transbordamento do pecado (v. 13; cf.
Leenhardt, notável exegeta do Novo Tes­ 5:20).
tamento, ataca esses teólogos com rude O segundo ponto insiste que a lei é
ironia: “Nada nos obriga a crer que espiritual (v. 14). A santidade da lei e a
Paulo fosse luterano com respeito a este bondade da lei já foram mencionadas.
assunto.” Um lado considera servidão Estas palavras colocam a lei do lado de
demasiada ao pecado para um crente; Deus, e a palavra “espiritual” enfatiza
o outro considera desejo demasiado para isto ainda mais. Conforme o pensamento
o bem de um pecador. Esta segunda hebraico, o que é espiritual está do lado
opinião apela também para o uso do de Deus, assim como o que é carnal está
tempo presente do verbo, em contraste do lado do homem (cf. Is. 31:3). Todas
com o passado do parágrafo anterior. as coisas do lado do pecado e contra
É uma questão muito difícil de se resol­ Deus estão condenadas à morte, sendo
ver, mas L. H. Mitton ofereceu uma boa a morte designada para determinar a
explicação, para uma experiência ante­ destruição total do homem, e não apenas
rior à conversão, que de fato pode suce­ a cessação da existência biológica. “Por
der a um crente, quando ele não depende que nós, que recebemos a lei e pecamos,
da graça e não está andando em Espíri­ pereceremos, bem como o nosso coração
to. Este ponto de vista é aceito na que a recebeu; a lei, todavia, não perece,
exposição seguinte. Reconhecemos, con­ mas permanece na sua glória” (II Esdras
tudo, que muitas pessoas argumentam 9:36,37).
em favor de uma experiência pós-conver- A lei é espiritual, mas o homem é
são, e a comprovam com argumentos carnal. Nygren, que interpreta estes ver­
inteiramente válidos para elas. sículos como experiência cristã, procura
A estrutura deste parágrafo é bem fazer uma distinção entre duas palavras
semelhante à do anterior. Há uma intro­ gregas, traduzidas como “carnal” . A pa­
dução, falando de como a lei aumentou lavra sarkinos (v. 14) geralmente tem o
a consciência do pecado (v. 13; cf. 7:7,8), significado material de “feito de carne” ,
depois dois pontos principais, que mos­ e Nygren apela para esta acepção, para
tram como a lei é espiritual (v. 14 e 15) e harmonizar este ponto de vista com
boa (v. 16-18), seguidos por uma conclu­ 8:5-9. Alguns poucos manuscritos usam
são em forma de resumo (v. 19 e 20). aqui a palavra sarkikos, mas sarkinos
A introdução a respeito do aumento tem uma confirmação maior. A opinião
do pecado se faz novamente na forma de de Nygren é difícil de ser mantida, por­
diatribe, e a bondade da lei é repetida. que sarkikos, com o significado geral
A instrumentalidade da lei, no aumento ético de “pertencente à carne” , é usado
do pecado, agora enfatiza a morte, da para descrever as pessoas que são sarki­
mesma forma como o parágrafo anterior nos, no caso de crianças imaturas em
enfatiza o pecado. Paulo está especial­ Cristo (I Cor. 3:1,3). Este termo descreve
mente preocupado em que o pecado e a o homem natural, mas os crentes podem
morte sejam ligados como causa e efeito, viver como homens naturais (I Cor.
e não a morte e a lei. A lei é a coisa boa 3:3,4).
35 Exposltoiy Times, LXV (1953-54), p. 78-81, 99-103, A destruição do homem carnal como
132-135. vendido sob o pecado é ainda mais difícil
de se harmonizar com a experiência cris­ consegue produzir o bem. O reconheci­
tã. O crente foi libertado do pecado (6:7, mento de uma brecha entre o que o
14), mas precisa ser exortado a viver em homem quer ser e o que ele realmente é
liberdade (Gál. 5:1). Bruce, que conside­ tem paralelos também em escritores não-
ra este fato como experiência cristã, cha­ cristãos.
ma a atenção para uma declaração na Horácio disse: “Eu busco as coisas que
Sabedoria de Salomão, que pode ser me fizeram mal; afasto as coisas que
repetida aqui: “A sabedoria não entrará creio me farão bem” (Epistolas 1.8.11).
em uma alma enganosa, nem habitará Ovídio coloca estas palavras na boca de
em um corpo escravizado pelo pecado” Medéia: “Eu vejo e aprovo o curso me­
(1:4). Este pensamento pode também ser lhor, mas sigo o pior” (Metamorfoses
repetido por Paulo, novamente, quando 7:20,21). Barrett, contudo, encontra o
ele fala a respeito do crente: “Vós, po­ paralelo mais próximo em Epictetus, que
rém, não estais na carne, mas no Espí­ disse que o ladrão “não faz o que deseja”
rito, se é que o Espírito de Deus habita (2.26.4). Isto mostra que todos estão
em vós” (8:9). Dificilmente pode-se dizer edificando sobre a voz da consciência,
isto a respeito dos que estão vendidos sob embora Paulo apresente também as vo­
o pecado, pois as palavras significam que zes da lei e do evangelho. Isto é suficien­
o pecado comprou e pagou pelo homem te para demonstrar o que pode ser a
carnal, e este é incapaz de obedecer à experiência pré-cristã. O crente deve re­
lei. O homem espiritual pode cumprir a gozijar-se por verificar que os outros
lei (8:1-4). O homem carnal é confun­ estão de pleno acordo com o ponto de
dido e frustrado pelos seus atos, em que vista de Paulo a respeito da consciência
querer e fazer estão em conflito. Ele faz (cf. Rom. 2:14,15).
o que realmente odeia (v. 15). A ex­ Paulo atribui a incapacidade da lei ao
periência cristã pode tirar a pessoa dessa poder do pecado que em nós habita
confusão e conflito, e transformar frus­ (v. 17 e 18). O conflito entre querer e
tração em integração, mas isto requer fazer continua. O conceito de pecado é
uma diária devoção a Cristo, um cami­ de novo o de um poder demoníaco, que
nhar no Espírito (Gál. 5:16,25). prende o homem na escravidão contra a
Barrett traduz estas palavras: “Pois as sua vontade, e isto explica porque o
obras que faço são incompreensíveis para homem sob a lei faz o que realmente não
mim, pois não pratico o que desejo; pelo quer. O esforço para obedecer à lei é
contrário, faço o que odeio” (v. 15). concordância com o fato de ela ser boa,
T.W. Manson acha melhor dizer: “Não mas nada bom habita no homem. A prin­
decido” , em vez de “não entendo” . cípio, isto pode parecer contraditório ao
A tradução inglesa NEB é ainda melhor: que foi dito a respeito de concordância
“Nem mesmo reconheço as minhas pró­ com o bem, de forma que se requer
prias ações como minhas, pois o que faço maiores explicações. Este é o significado
não é o que desejo fazer, mas o que de­ da qualificação a respeito da carne
testo.” Todas estas tentativas expressam (v. 18).
a frustração do homem na carne. O que quer Paulo dizer, quando dis­
O terceiro ponto volta a sustentar a tingue entre o eu (ego) e a carne (sarx)?
opinião de que a lei é boa (v. 16-18, Muitas pessoas têm interpretado a carne
cf. 7:12,13). Esta opinião se coloca em como o que está fora da vontade do
forte contraste com a incapacidade da homem, mas impede e incapacita a ação.
lei de produzir o bem. Ela é santa, mas é Isto é característico da tradição grega e
incapaz de salvar do pecado; ela é espi­ da cristandade oriental em geral. Esta
ritual, mas não pode libertar o homem força externa tem sido identificada com
carnal do pecado; ela é boa, mas não uma porção de fatores externos (o corpo
e a sensualidade, ambiente social, des­ O resumo (v. 19 e 20) repete a conclu­
cendência animal). Nygren considera que são a que já se chegou, resumindo, o
estão debaixo da lei os que falam de uma verso 19, o que foi dito no verso 15, e, o
contradição na vontade do homem, e verso 20, o que foi dito no verso 17.
explica a luta como a participação do Leenhardt diz que os dois versículos são,
crente em duas eras, luta essa que não provavelmente, uma glosa, mas não há
terminará antes da consumação. Por ve­ evidência, em manuscritos, para confir­
zes, ele parece atribuir essa resistência às mar esta conclusão. Eles realmente rei­
pressões sociais, e, mais uma vez, é um teram a distinção entre o ego, que é o
poder demoníaco. Talvez ele queira refe- verdadeiro eu, e a carne, “que tem a sua
rir-se a ambos. Ele levantou uma questão maneira de ser e realiza ações que ‘eu’
contra os que desde Agostinho até Rei- desaprovo, e não executa os atos que ‘eu’
nhold Niebuhr falam de uma vontade aprovo” (Barrett). Isto prepara o cami­
dividida, pois Paulo não fala nisto nem nho para o parágrafo seguinte.
uma só vez. A carne é aquele poder do 4) A Grande Conclusão: A Lei das Duas
pecado, a vida do homem organizada ao Leis (7:21-25)
redor do ego, que prende o homem na
escravidão. É o velho homem participan­ 21 Acho e n tã o e s ta lei e m m im , q u e, m e s ­
m o q u e re n d o eu fa z e r o b e m , o m a l e s tá
do do velho domínio, mas Nygren não com igo. 22 P o rq u e , seg u n d o o h o m e m in ­
levantou uma questão quanto a isto como te rio r, te n h o p r a z e r n a le i de D e u s ; 23 m a s
sendo uma experiência cristã. vejo nos m e u s m e m b ro s o u tra lei g u e r r e a n ­
Toda a experiência pré-conversão é re­ do c o n tra a lei do m e u e n te n d im e n to , e m e
lev an d o c a tiv o à lei do p e c a d o , que e s tá
sumida na declaração: o querer o bem
nos m e u s m e m b ro s. 24 M ise rá v e l h o m e m
está em mim, mas o efetuá-lo não está. que e u s o u ! q u e m m e liv r a r á do co rp o d e s ta
O desenvolvimento deste tema, no siste­ m o rte ? 25 G ra ç a s a D eu s, p o r J e s u s C risto ,
ma moral de Immanuel Kant, não faz nosso S en h o r! D e m odo q u e e u m e s m o co m
nada mais do que elaborar este ponto de o e n te n d im e n to sirv o à lei de D eu s, m a s co m
a c a rn e à le i do p e c a d o .
vista, e deve ser lembrado que Kant foi
influenciado pelo pietismo. Kant argu­ Lei (nomos) é usada em três sentidos,
mentou em favor de um imperativo mo­ nesta conclusão, mas o primeiro uso sig­
ral universal, que comanda todo o ho­ nifica quase a mesma coisa que prin­
mem a fazer o que é certo. Este é o cípio. Este princípio ou lei primeiramen­
“caráter augusto ou supremo” de dever te reitera o argumento de 7:15-20 no
de Todo-homem. A princípio ele argu­ verso 2 1, e, em seguida, passa a formu­
mentou que o homem pode fazer o que lar as duas leis. O verbo traduzido como
deve fazer, mas mais tarde descobriu um está em mim é encontrado, em todo o
tenebroso mistério que tornou isto im­ Novo Testamento, apenas em 7:18, onde
possível. Em seu livro a respeito da Re­ a tradução literal seria “ o querer o bem
ligião Dentro do Reino da Razão Pura está presente comigo” . O mal está pre­
(Religion Within the Realm of Reason sente, com a vontade de fazer o bem.
Alone) (1793) ele chamou este poder A primeira lei é a lei de Deus, que tem
tenebroso de mal radical. O clássico mo­ sido o uso costumeiro da palavra nomos
derno de Emil Brunner, a respeito do até este ponto (v. 22). O prazer na lei,
Divino Imperativo (The Divine Impera- que é celebrado em Salmos 119, tem
tive) (1932), edifica a sua discussão sobre lugar no homem interior, ou no íntimo.
esta contradição entre o homem como Paulo usou muitas vezes este termo neste
deve ser e o homem como realmente é, sentido, quando dizia: “Ainda que o
mas ele não dá a devida atenção às pos­ nosso homem exterior se esteja consu­
sibilidades de realização mediante a aju­ mindo, o interior, contudo, se renova de
da do Espírito. dia em dia” (II Cor. 4:16). Em Efésios
3:16, o homem interior é o lugar onde a O conceito do corpo como cadáver, do
pessoa é fortalecida pelo Espírito Santo. qual a pessoa anseia por ser liberta,
Ali Paulo usa o homem interior ou íntimo freqüentemente tem sido usado para ex­
como paralelo de mente, e em outros plicar Paulo. Bruce citou várias fontes.
lugares a mesma idéia é expressa com os Filo pensava no corpo como um fardo
termos espírito humano (1:9), consciên­ repugnante, carregado, como um cadá­
cia (2:15), e coração (2:29). Jesus tam­ ver, até o túmulo (On Husbandry, 25).
bém fez diferença entre o exterior e o Epictetus falou de si mesmo como “uma
interior (Mar. 7:21; Luc. 11:39; cf. Mat. pobre alma, algemada a um cadáver”
6:4,6,18). Bruce, incorretamente, presu­ (fragmento 23). O relato mais usado em
me que tudo isto seja experiência cristã, pregações é o feito por Virgílio, acerca do
quando identifica o homem interior com rei etrusco Mezentius, que amarrava os
0 novo homem em Cristo (Col. 3:10). seus prisioneiros a cadáveres em decom­
Ele é o lugar de renovação, mas não é o posição (Aenead, 8.485 e ss.). Nenhum
homem renovado. Paulo usa este termo desses autores pensou no corpo humano
exatamente como o bom grego o usaria, como sujeito à redenção, como Paulo
mas não aceita a idéia de que o corpo pensava. Paulo fala de libertação tanto
físico é uma prisão, da qual o homem do espírito humano como do corpo hu­
precisa escapar (cf. 12 :1 ,2). mano, do velho domínio do pecado e
A segunda lei é a lei do pecado, que morte, tendo o espírito já sido liberto e o
age como contrafação da lei de Deus corpo estando ainda por ser.
(v. 23). A lei da mente, com que a lei do O agradecimento em relposta ao cla­
pecado está em guerra, é a mesma coisa mor por libertação parece estranho a
do que a lei de Deus, em que o homem alguns comentadores, mas também Pau­
interior tem prazer. A lei do pecado lo irrompeu numa doxologia quando es­
estabelece uma relação de causa e efeito tava discutindo os mais tenebrosos fatos
entre pecado e morte (cf. 6:23). Ele do pecado (1:25). Ação de graças é um
habita nos membros do corpo mortal grande tema para ele (cf. 1:8-15). A tra­
(cf. 6:12,13) e guerreia contra a lei do dução de James Moffatt tentou “ restau­
entendimento, para fazer dele um prisio­ rar” a segunda parte do verso 25 “ao que
neiro. Ser feito cativo é a mesma coisa parece a sua posição original e lógica
que ser “vendido sob o pecado” (7:14), e antes do clímax do verso 24” , mas esta
esta não é uma característica de um tentativa não tem apoio nos manuscri­
crente. Tudo isto leva a um estado de tos, e é uma forma errada de entender o
miserabilidade em um corpo de morte estilo de Paulo. A passagem que Moffatt
(v. 24). O corpo de morte é o corpo do coloca entre parênteses é uma lúcida
pecado (6:6), a massa da humanidade reiteração de duas leis: De modo que eu
não redimida, mas isto não é a mesma mesmo com o entendimento sirvo à lei de
coisa que corpo mortal (6:12). O corpo Deus, mas com a carne à lei do pecado
mortal participa do corpo do pecado, e, (v. 25). Esta é a condição de um bom
conseqüentemente, do corpo da morte, pagão ou um mau crente, quando aban­
mas o corpo mortal será redimido, e não donados à sua própria conta. A tradução
destruído (8:11,23; cf. I Tess. 5:23; NEB faz vir a lume o forte pronome pes­
1 Cor. 15:44,51-57; Fil. 3:21). Este é o soal, com a tradução: “De modo que,
ponto central de diferença entre Paulo e deixado à minha própria sorte...” A
Platão. Este miserável homem, que an­ mente, que é o lugar de deleite na lei de
seia por ser libertado do corpo da morte, Deus, se contrapõe à carne, onde reina a
dificilmente pode ser considerado como lei do pecado. O pecado se esgueira pela
um crente que é membro do corpo de floresta da carne como uma besta selva­
Cristo (12:4,5). gem, e ali é rei. Em Cristo ele é des-
tronado e destruído. A lei não pode li­ espiritual, bem como um ambiente fí­
bertar, mas Cristo pode, através do Es­ sico.
pírito. Bem disse Best: “Temos uma Os parágrafos na versão da IBB re­
longa declaração do problema (v. 7-24); querem algumas combinações, tais como
uma curta declaração da resposta (a pri­ nos títulos acima, mas os oito grandes
meira metade do v. 25); uma curta rei­ termos em 8:1-27 a serem considerados
teração do problema (segunda metade do são: a lei (v. 1-4), inclinação (v. 5-8),
v. 25); uma longa declaração da resposta habitação (v. 9-11), vida (v. 12 e 13),
(cap. 8).” É para esta longa resposta que direção (v. 14 e 15), testemunho (v. 16 e
a exposição agora se volta. 17), primícias (v. 18-25) e intercessão
4. Salvação Como Filiação (8:1-39) (v. 26 e 27) do Espírito de Deus (Moody,
p. 118-123).
1) O Espírito de Deus (8:1-27) A lei do Espírito é relacionada com
(1) A Lei e a Mente do Espirito (8:1-8) muitas das palavras-chave da teologia de
1 P o rta n to , a g o ra n e n h u m a co n d en aç ã o
Paulo. O evento decisivo da libertação
h á p a r a o s q u e e s tã o e m C risto J e s u s . 2 P o r ­ emprega novamente o agora escatológico
que a lei do E s p írito d a v id a , e m C risto (cf. 3:26;5:9;7:6;8:18;11:5;16:26). A li­
Je s u s , te liv ro u d a lei do p e c ad o e d a m o rte . bertação do corpo da morte e a tirania da
3 P o rq u a n to o q u e e r a im p o ssív e l p a r a a lei,
v isto q ue se a c h a v a f r a c a p e la c a rn e , D eu s,
lei tiraram o crente de Adão e lhe deram
en v ian d o a se u p ró p rio F ilh o e m s e m e lh a n ­ uma nova posição em Cristo (7:25). A
ç a d a c a rn e do p e c a d o , e p o r c a u s a do condenação (katakrima: 5:16,18;8:34;
p ecad o , n a c a rn e condenou o p e c a d o , 4 p a r a II Cor. 3:9) em Adão foi seguida por
que a ju s ta ex ig ê n c ia d a le i se c u m p riss e e m libertação em Cristo. Ao mesmo tempo
nós, q u e n ã o a n d a m o s seg u n d o a c a rn e , m a s
segundo o E s p írito . 5 P o is os q u e sã o se g u n ­ que a execução do juízo era iminente,
do a c a rn e in c lin a m -se p a r a a s c o isa s d a teve lugar a quitação. Esta é a nova
c a rn e ; m a s os q ue são seg u n d o o E sp írito , condição dos que estão em Cristo Jesus
p a r a a s c o isas do E s p írito . 6 P o rq u e a in c li­ (cf. 6:11,23;12:5). A adição de “que não
n a ç ã o d a c a rn e é m o r te ; m a s a in c lin a ç ã o
do E s p írito é v id a e p a z . 7 P o rq u a n to a
andam segundo a carne, mas segundo o
in clin ação d a c a rn e é in im iz a d e c o n tra Espírito (versão da IBB) é teologicamen­
D eus, po is n ão é s u je ita à lei d e D eu s, n e m te correta e muito importante, sendo
e m v e rd a d e o p o de s e r ; 8 e os q u e e s tã o n a tirada de 4b, mas não é confirmada por
c a rn e n ão p o d em a g r a d a r a D eu s. muitos dos melhores manuscritos.
A idéia de liberdade leva logicamente A combinação de lei (nomos) com Es­
a uma consideração do Espírito de Deus, pírito (pneuma) ilustra o generoso uso de
pois “onde está o Espírito do Senhor, aí lei, nesta carta. Ê possível distinguir
há liberdade” (II Cor. 3:17). No próprio meia dúzia de significados! Esta palavra
termo “o Espírito do Senhor” está implí­ pode significar nada mais do que um
cita uma longa história do Velho Testa­ princípio ou regra (7:21), mas, mais do
mento, e este foi um dos conceitos car­ que isto, se dá a entender por “lei da
dinais na igreja primitiva e o é nas pri­ consciência” (2:14,15) e “lei da mente”
meiras cartas de Paulo (Moody, p. 11- (7:23). Estas acepções podem ser cha­
115). Já notou-se, nos primeiros capí­ madas de significados menores da lei. Os
tulos desta carta (1:3,4; 2;29; 5:5; 7:6), três maiores significados são encontrados
este conceito, mas ele agora é o conceito nos versos 2 e 3. A lei do Espírito da vida
central expresso por oito frases diferen­ é a idéia-chave em 8:1-4, pois esta é a
tes. A palavra grega que se traduz como fonte de poder que libertou o crente.
espírito (pneuma) é usada vinte vezes em O Espírito de Deus é o Espírito da vida
8:1-27, enquanto é encontrada apenas em Cristo Jesus. No Antigo Testamento,
quatro vezes nos capítulos 1-7. Isso indi­ o Espírito por vezes é descrito como o
ca que o homem tem um meio ambiente criador da vida terrena, mas Paulo está
falando da vida eterna (8:6,10,1 1 ; cf. máticos. A sentença não termina como
Gál. 6:8;II Cor. 3:6; I Cor. 15:45). começa; ela é desacoplada, para permitir
A repetição de em Cristo Jesus, que que o poderoso ato de Deus em Cristo
pode ser considerada, no verso 2, com as irrompa nela. Isto acontece em seu Filho
palavras antes ou as palavras depois, (1:3,4; 5:10; 8:32; Gál. 4:4-6), mas é
serve para advertir contra a aplicação ato de Deus (4:24,25; 8:32; II Cor. 5:18-
desta liberdade sem Cristo (cf. 5:21; 21). “O que a lei nunca poderia fazer,
6:23; 7:25; 8:39). A liberdade é a esboça­ por causa da nossa abjeta natureza, rou­
da no capítulo 7. Os melhores manuscri­ bada de toda a sua potência, Deus fez:
tos justificam a redação te (se) e não enviando o seu próprio Filho em forma
“me” (me), mas isto não altera o ensina­ semelhante à de nossa própria natureza
mento de que o Espírito de Deus é a fonte pecaminosa, e como sacrifício pelo peca­
da liberdade (cf. II Cor. 3:17). A lei do do, ele julgou o pecado dentro dessa
pecado e da morte combina os conceitos própria natureza” (NEB). É quase im­
centrais dos capítulos 5, 6 e 7 (JCB), e é possível traduzir esse versículo literal­
0 que Paulo a princípio havia chamado mente, mas a NEB expressou o seu signi­
de “outra lei” e “lei do pecado” (7:23). ficado.
As metáforas de semeadura e colheita e Esta é a chamada cristologia alta, em
trabalho e salário descrevem a natureza três estágios, que fala da preexistência e
desta lei (6:23; Gál. 6:8). Em Adão, a lei encarnação, tanto quanto da morte e res­
do pecado e da morte está no poder, mas surreição (o tipo de dois estágios, cf. 1:3,
“a lei do Espírito da vida em Cristo 4; 4:25; 5:9-11; 6:1-11). A alta cristologia
Jesus” liberta o crente para a vida (cf. é sempre implícita em Paulo, mesmo
1 Cor. 15:22). quando não é tão explícita como aqui e
Uma terceira lei importante é a de em Gálatas 4:4-6 (cf. I Cor. 2:6-8; 8:6;
Moisés (v. 3). Este é o significado cos­ 15:47). As cartas da prisão apresentam a
tumeiro de nomos, e, assim sendo, ela é cristologia cósmica de Paulo (Fil. 2:6-11;
chamada simplesmente de a lei. A lei de Col. 1:15-20; Ef. 1:20-23; 4:4-6). A per-
Moisés serve para aumentar a consciên­ gunta-chave a respeito da encarnação
cia do pecado (3:20;4:15;7:7), mas não é que Paulo dá a entender, ao falar
tem o poder de dar vida eterna (cf. Gál. de semelhança da carne do pecado.
3:21). Ela é muito poderosa, mas precisa Semelhança (homoiõma, cf. 5:14; 6:5)
operar no nível da carne, que é fraca é mais tarde usada em paralelismo com
(cf. Mar. 14:38; Mat. 26:41). A carne é forma (morphè) e aparência (schêma),
sempre fraqueza, da mesma forma como mas forma também é usada para re­
o Espírito é sempre poder, no pensamen­ ferir-se à preexistência (Fil. 2:6,7). Se­
to bíblico, mas a carne nem sempre é melhança e aparência têm referência
pecaminosa (1:3;9:3; I Tim. 3:16; João mais à forma visível do que à forma eter­
1:14; I João 4:2). Ela é pecaminosa ape­ na, e este é o significado aqui (v. 3).
nas quando se torna o reino em que o Significa que ele tinha um corpo huma­
pecado, como besta destruidora e perigo­ no (soma, cf. Col. 1:22), palavra que
sa, se esgueira e perambula (7:5,18,25; nunca seria usada para referir-se à sua
Gál. 5:19-21). Cristo, vindo “ de cima” , preexistência (cf. Heb. 2:14; 5:7; 10:
entra na selva da carne “embaixo” , para 5,10).
derrotar o pecado, em seu esconderijo, A carne do pecado significa que o
e libertar a fraca humanidade, que era Filho de Deus veio para habitar na mes­
presa do pecado (7:14,23). ma carne fraca em que o pecado veio
No grego, “ a incapacidade da lei” habitar. O Filho derrotou o pecado em
(v. 3) abrange uma construção mal feita, seu covil! Isto não significa que a carne
que é chamada de anacoluto, pelos gra­ de Jesus era pecadora, como poderiam
ser interpretadas certas traduções, e de Deus, em Cristo, fez com que fosse
como alguns grupos sectários e os mo­ possível o crente agir retamente (cf. Ez.
dernos “barthianos” interpretam. 36 Isto 36:26,27). O ato justo de Deus tira o
contradiria o que Paulo disse a respeito crente da carne, onde o pecado reina, e o
da impecabilidade de Jesus (II Cor. coloca em Cristo, onde ele experimenta
5:21), a não ser que se recorra à impro­ a iei do Espírito da vida.
vável interpretação de que foi apenas no Nygren se esforça longamente para
sèlTestado preexistente que Jesus “não sustentar a polêmica ortodoxa luterana,
conheceu pecado” . Isto contradiria ain­ contra o pietismo. O pietismo ensinava
da o ensinamento de Hebreus 4:15 (cf. que, através do Espírito, a lei de amor a
7:26), que diz que Jesus não pecou nem Deus e ao próximo podia ser cumprida
mesmo em suas tentações (cf. Heb. 5:7- no crente, mas a ortodoxia estéril fez de
10), e contradiria também o ensinamento todo o cumprimento um fato objetivo em
de Jesus reivindicando a sua impecabi­ Cristo. Este ponto de vista ortodoxo é
lidade (João 8:46). apenas meia verdade — a melhor metade
A cláusula por causa do pecado na — mas há o outro lado, que apresenta
versão da IBB pode ser substituída a vitalidade espiritual. O outro lado foi
pela expressão “como oferta pelo peca­ passado aos Wesley, e a ortodoxia precisa
do” , como se encontra na margem da pensar de novo, quando rejeita o ensino
tradução RSV, em inglês, e é certamente wesleyano, a respeito do perfeito amor
correta, e devia estar neste texto. A ex­ (cf. Gál. 5:14; 6:2; Rom. 12:9; I João
pressão grega, peri harmatías, é usada, 4:17). O grande hino “Amor Divino” ,
na Septuaginta (Lev. 5:6; 7:37; cf. Heb. escrito por Charles Wesley, ainda perten­
5:3; 10:6,8,18), para designar a oferta ce aos nossos hinários!
pelo pecado, e isso se coaduna com o A mente ou inclinação do Espírito é
contexto do verso 3. Como oferta pelo comparada com a mente ou inclinação
pecado, Jesus condenou o pecado que da carne (8:5-8). Tanto Moffatt como
habitava na carne, derrotando o pecado. Montgomery reconhecem a estrutura
Aquilo que outrora era a nossa conde­ poética de um hino nos versos 5 e 6.
nação agora é condenado (v. 1 e 3). O paralelismo poético, como é visto nos
A sua vida sem pecado e o seu sacrifício Salmos, é a maior característica destas
pelo pecado são a abolição do pecado. melodias, e isto é abundantemente claro
Nos dias da sua carne, Jesus estava sob aqui. Os paralelos em português são
o domínio da morte, mas, pela sua morte claros, mas no grego são ainda mais
e ressurreição, “a morte não mais tem claros.
domínio sobre ele (6:9; cf. João 12:31). Os termos de ligação (v.4) são segundo
A conseqüência do triunfo de Deus a carne e segundo o Espírito. A vida se­
sobre o pecado e a morte é o cumprimen­ gundo a carne é a vida que deixa Deus do
to dos melhores requisitos da lei no cren­ lado de fora, e a vida segundo o Espí­
te (v. 4). Por vezes, a palavra grega di- rito é organizada ao redor de Deus, que
kaiõma significa o justo requisito de se manifestou em Cristo. No verso 3, a
Deus, ou a sua exigência no homem carne era mais física, mas, nos versos
(1:32; 2:26), e, em outras vezes, é o ato 4 e 5, o significado avança para um
justo de Deus em Cristo (5:16,18). Ela sentido mais psicológico, como indica
tem o primeiro significado no verso 4, a expressão inclinação (phronousin) (cf.
mas o segundo significado, sem a pala­ 12:16; Fil. 3:19; Mar. 8:33). A primeira
vra, se encontra no verso 3. O ato justo parte do verso 5 resume 7:7-24, enquan­
to a segunda parte é o cerne de 8:1-27.
36 D. M. Baillie: God Was In Christ (New York: Scrib­ O versículo 6 se volta do verbo para o
ners, 1948), p. 16 e 17. substantivo (phronêma, inclinação). Não
há verbo, de forma que se pode acres­ b é m os v ossos c o rp o s m o rta is , p elo se u E s ­
centar “e” ou “resulta” ou “significa” . p írito q u e e m vós h a b ita .
A morte é thanatos, aquela morte total O elo agora é a expressão na carne,
já mencionada (5:12; 6:23; 7:10,24). A mas a habitação do Espírito é o novo
expressão phronéma tou pneumatos (in­ pensamento. Em termos de experiência
clinação do Espírito) faz referência ao cristã, ele é apresentado em três tempos
Espírito Santo em 8:27, mas o para­ verbais. A nova posição do crente teve
lelismo aqui e o contexto parecem mais lugar no passado, quando o Espírito de
próximos da inclinação da mente hu­ Deus ou o Espírito de Cristo veio para
mana transformada pelo Espírito. O sig­ habitar nele. Daquele momento em dian­
nificado em 8:27 é possível aqui, mas te, o crente não estava mais na carne,
um paralelismo equilibrado requeriria mas no Espírito. Ele está no Espírito e o
uma personificação da carne. A vida é Espírito está nele, como a pessoa que vive
aquela vida eterna, a vida de Deus, con­ no ar e respira-o ao mesmo tempo.
cedida aos que estão em Cristo (5:21; A palavra grega traduzida como Espírito
6:23; 8:2). E paz é acrescentado, e se (pneuma) é a mesma usada para traduzir
toma o elo para o comentário dos versos vento (cf. João 3:8). Os crentes ainda
7e8(cf. 5:1). vivem em um corpo de carne, mas viver
Montgomery faz com que os versos 7 e na carne é viver sob o domínio da carne
8 se tornem parte do hino (v. 5 e 6), po­ (7:5). A maneira fácil como Paulo muda
rém Moffatt talvez esteja certo em voltar de “Espírito de Deus” para “Espírito de
à prosa. O vívido paralelismo dos versos Cristo” leva a um trinitarianismo, em
5 e 6 não está mais presente. A incli­ que a habitação do Espírito é a presença
nação da carne agora significa hostilida­ de Deus em Cristo. Em 7:17,18,20, era
de presente para com Deus (cf. 5:10), o pecado que habitava, mas agora é o
bem como morte total (v. 6), e não per­ Espírito que habita e governa. A posse do
tence ao domínio em que a lei de Deus é Espírito é coisa essencial, e não acessó­
obedecida (cf. 7:22-25). De fato, ela é ria, para o crente. Ninguém pertence a
incapaz de obedecer a Deus, e, assim, em Cristo, se não tem o Espírito de Cristo
sua hostilidade para com Deus, é incapaz (cf. Judas 19).
da agradar-lhe (cf. 7:5,18). O homem é A nova condição é a experiência atual
verdadeiramente homem, e não apenas do crente (v. 10). O fluxo de frases
quando agrada a si mesmo (15:1,3), mas identifica as funções dos termos: Espírito
quando agrada a Deus e ao seu pró­ de Deus = Espírito de Cristo — Cristo
ximo (15:2; I Tess. 2:15; 4:1; I Cor. em vós. O Espírito que habita é o Cris­
10:33). Isto significa quase a mesma to que habita (cf. Gál. 2:20). Paulo não
coisa que amar a Deus e o próximo, mas identifica Cristo com o Espírito, nem
é perigoso agradar os homens sem refe­ mesmo em II Coríntios 3:17, onde os
rência a Deus (I Tess. 2:4; I Cor. 7:33, termos “Espírito do Senhor” , “Espírito
34; Gál. 1:10). de seu Filho” e “Espírito de Cristo” o
revelam (cf. Gál. 4:6); mas as funções de
(2) A Habitação do Espírito (8:9-11) um são atribuídas a ambos. A tradução
9 Vós, p o ré m , n ã o e s ta is n a c a rn e , m a s no
E sp írito , se é q ue o E s p írito d e D eu s h a b ita
da IBB é correta em traduzir “corpo” e
e m vós. M as, se a lg u é m n ão te m o E s p írito “espírito” no singular, pois estas pala­
de C risto , e sse ta l não é d e le . 10 O ra , se vras assim estão no grego. O corpo hu­
C risto e s tá e m vós, o co rp o , n a v e rd a d e , e s tá mano está “como morto” (cf. 4:19), por­
m o rto p o r c a u s a do p e c a d o , m a s o e sp írito que ainda faz parte do corpo do pecado e
vive p o r c a u s a d a ju s tiç a . 1 1 E , se o E s p írito
d aq u ele qu e dos m o rto s re s su sc ito u a J è s u s morte (6:6; 7:24), a massa da humanida­
h a b ita e m vós, a q u e le q u e dos m o rto s r e s ­ de não redimida, mas a posse do Espírito
su scito u a C risto J e s u s h á de v iv ific a r t a m ­ da vida significa a posse da vida eterna.
A tradução da IBB (v. 10) segue a d e iro s d e C ris to ; se é c e rto q u e co m ele p a ­
posição tradicional de Sanday e Hea- d e ce m o s, p a r a q u e ta m b é m co m e le s e j a ­
m o s glo rific a d o s.
dlam, que falavam do espírito humano
como agora vivo, enquanto o corpo hu­ A obra do Espírito, no crente, abre o
mano está morto, porém muitas inter­ caminho para a vida. O ensinamento a
pretações recentes dizem o Espírito San­ respeito dos dois caminhos tem suas raí­
to (Knox, Leenhardt, Barrett, Murray, zes no Velho Testamento e nos ensina­
Taylor, Bruce, Best, TEV, cf. Calvino; mentos de Jesus (Deut. 30:15-20; Sal. 1;
King James). Ao contrário da versão da Mat. 7:13,14), e os dois versículos a
IBB, este ponto de vista parece correto. 3? respeito da nova vida no Espírito resu­
O Espírito de vida dá vida (cf. I Cor. mem o ensino de Paulo. Andar pelo
15:45; II Cor. 3:6; João 6:63), e isto é Espírito já foi explicado em termos das
possível por causa do ato justo de Deus obras da carne, que precisam morrer, e o
em Cristo (3:21-26; 5:17,18,21). Toda­ fruto do Espírito no caminho para a vida
via, o homem ainda sofre de uma necro- eterna (Gál. 5:16-24; 6:7,8). Em resumo:
sis (um corpo morto). “Se vivemos pelo Espírito, andemos tam ­
A nova perspectiva, que é a futura bém pelo Espírito” (Gál. 5:25).
experiência do crente, é, portanto, a As duas palavras que iluminam os dois
ressurreição dentre os mortos (v. 1 1 ). caminhos são carne e corpo. Os crentes,
O Espírito de Deus é agora chamado de a quem Paulo se dirige como irmãos
o Espírito daquele que dos mortos ressus­ outra vez (cf. 1:13; 10:1; 11:25; 12:1;
citou a Jesus (cf. 4:25; 6:4). A ressurrei­ 15:14,30; 16:17), não são devedores à
ção de Cristo é as primícias, de que a carne (cf. 1:14). Se eles estivessem obri­
ressurreição dos crentes será a colheita gados à carne, logicamente deveriam vi­
plena (I Cor. 15:23), e este será o tempo ver segundo a carne, mas a carne não fez
quando o Espírito vivificará o corpo mor­ nada de bom para eles. “Pois, quando
tal (6:12; II Cor. 4:11). O corpo mortal estávamos na carne, as paixões dos peca­
será revestido de imortalidade (I Cor. dos, suscitadas peia lei, operavam em
15:53), acontecimento do qual a própria nossos membros para darem fruto para a
criação participará (8:23). Esta será a morte” (7:5). “E os que são de Cristo
futura fruição do Espírito que em nós Jesus crucificaram a carne com as suas
habita. paixões e concupiscências” (Gál. 5:24).
As obras do corpo são a mesma coisa
(3) A Vida, Direção e Testemunho do que as paixões da carne, mas a referência
Espírito (8:12-17) à ressurreição do corpo (8:11) leva Paulo
a usar esta palavra aqui. Os atos pecami­
12 P o rta n to , irm ã o s , so m o s d e v e d o res, nosos precisam morrer, se o corpo mor­
não à c a rn e , p a r a v iv e rm o s seg u n d o a c a r ­
ne, 13 p o rq u e , se v iv e rd e s seg u n d o a c a rn e ,
tal recebe vida. O poder do Espírito
h av eis d e m o r r e r ; m a s se , p elo E sp írito , capacita os crentes a mortificarem tais
m o rtific a rd e s a s o b ra s do co rp o , v iv e re is. práticas, e comunica vida eterna (cf.
14 P o is todos os qu e são g u iad o s p elo E s p í­ 1:17; 5:21; 6:23; 8:2, 10,11). Mortificar
rito de D eu s, e ss e s sã o filhos d e D eu s. as obras faz parte do ensino catequético
15 P o rq u e n ão re c e b e s te s o e sp írito d e e s ­
c ra v id ã o , p a r a o u tr a vez e s ta rd e s co m t e ­ da Igreja (13:11-14; CoL 3:5). A falsa
m o r, m a s re c e b e s te s o e s p írito d e a d o ção , segurança é envergonhada pelo exemplo
p elo q u a l c la m a m o s : A ba, P a i! 16 O E s p í­ do próprio apóstolo, que diz: “Antes
rito m e s m o te s tific a co m o no sso e sp írito subjugo o meu corpo, e o reduzo à sub­
q ue so m o s filhos de D e u s ; 17 e, se filho, ta m ­ missão, para que, depois de pregar a
b é m h e rd e iro , h e rd e iro d e D eu s e co-her-
outros, eu mesmo não venha a ficar re­
provado” (I Cor. 9:27). O corpo, como
37 Ibid. p. 120. tal, não é pecaminoso, mas os órgãos do
corpo podem ser usados como instru­ Ef. 1:5). Os filhos adotivos de Deus são
mentos do pecado (6:12-19). agora tanto seus filhos como seus herdei­
A direção do Espírito de Deus coloca o ros, como a lei romana decretava em
espírito de escravidão em contraste com todas as adoções humanas. A palavra
o espírito de adoção (ou de filiação) grega aqui usada para designar os filhos
(v. 14 e 15), que este escritor entende ser é teknos, que significa “filhos peque­
o Espírito Santo, e não como está tradu­ nos, imaturos” , e isto pode ter referência
zido pela IBB. Da mesma forma como os mais ao início da filiação, enquanto os
crentes que possuem o Espírito Santo herdeiros esperam a maturidade (cf. Gál.
pertencem a Cristo, também os que são 4:7). Cristo é o herdeiro de Deus por
guiados pelo Espírito de Deus, esses são natureza, desde toda a eternidade, mas
filhos de Deus (cf. Gál. 5:18). O espírito os crentes tornam-se filhos (pequenos)
de escravidão leva a pessoa a encolher-se, e herdeiros por adoção. Os co-herdeiros
temerosa, e a voltar às garras do medo com Cristo, todavia, precisam participar
e o medo se toma o pai do ódio, e o ódio dos seus sofrimentos, se desejam partici­
leva ao homicídio (cf. I João 3:15; 4:18). par de sua glória. Ambas as experiências
O espírito de escravidão é o espírito pertencem à filiação (5:3,4; cf. Fil. 1:29;
de temor (II Tim. 1:7), o espírito hu­ 3:10; Col. 1:24).
mano alienado do Espírito Santo. O Es­
pírito de Deus é o Espírito de liberdade (4) As Primícias do Espírito (8:18-25)
(II Cor. 3:17). Murray diz que o espírito
de escravidão é o lado negativo do Es­ 18 P o is ten h o p a r a m im q u e a s a fliçõ es
d e ste te m p o p re s e n te n ão se p o d em c o m p a ­
pírito de filiação, isto é, o Espírito Santo r a r com a g ló ria que e m nós h á d e s e r
não leva à escravidão, mas à adoção, re v e la d a . 19 P o rq u e a c ria ç ã o a g u a rd a com
mas isto é difícil de se verificar no origi­ a rd e n te e x p e c ta tiv a a re v e la ç ã o dos filhos
nal grego. O espírito de adoção é con­ de D eus. 20 P o rq u a n to a c ria ç ã o ficou s u je i­
ceito edificado em pensamento desconhe­ ta à v a id a d e , n ã o p o r su a v o n ta d e , m a s p o r
c a u sa d a q u e le q u e a su je ito u , 21 n a e s p e ­
cido entre os hebreus. Em o Novo Testa­ ra n ç a d e que ta m b é m a p ró p ria c ria ç ã o h á
mento, esta palavra é usada apenas de s e r lib e rta do c a tiv e iro d a c o rru p ç ã o ,
por Paulo (8:15,23; 9:4; Gál. 4:5; Ef. p a ra a lib e rd a d e d a g ló ria dos filhos de
1:5). A adoção como filho era prática D eus. 22 P o rq u e sa b e m o s que to d a a c r i a ­
ção, c o n ju n ta m e n te , g e m e e e s tá com d o re s
romana que Nero, sem dúvida, relem­ de p a rto a té a g o r a ; 23 e n ão só e la , m a s a té
brou, pois o Imperador Cláudio o adota­ nós, q u e te m o s a s p rim íc ia s do E sp irito ,
ra como filho, para que ele pudesse ta m b é m g e m e m o s em nós m e sm o s, a g u a r ­
sucedê-lo no trono. Quando Deus se tor­ d ando a n o ssa a d o çã o , a s a b e r , a re d e n ç ã o
na Pai de seus novos filhos, ele lhes dá do nosso co rp o . 24 P o rq u e n a e s p e ra n ç a
fom os sa lv o s. O ra , a e s p e r a n ç a que se vê
o seu Espírito (cf. Gál. 4:4-7). não é e s p e r a n ç a ; pois o que a lg u é m vê,
O Espírito é a testemunha por ocasião com o o e s p e ra ? 25 M as, se e s p e ra m o s o que
da adoção dos filhos de Deus, como não v em o s, com p a c iê n c ia o a g u a rd a m o s .
agora são chamados os filhos (v. 16 e 17).
Abba é a palavra aramaica que significa O pleno significado da herança é apre­
pai, palavra não traduzida para o grego, sentado a seguir. No Velho Testamento,
apenas em Gálatas 4:6 e em Marcos a herança significava a Terra da Pro­
14:36, onde faz parte da oração de Je­ messa (Canaã) e o próprio Senhor (Sal.
sus.38© Filho de Deus veio para tornar 16:5), mas Paulo tinha em mente a glória
possível Deus adotar filhos (cf. Gál. 3:26; do Senhor em uma criação liberta (cf.
4:13). Uma interpretação mais antiga
refletida na tradução antiga da IBB,
38 Joachim Jeremias, The Prayers of Jesus (Naperville,
III.: A. R. Allenson, 1967), mostra o significado cris­ estranhamente traduzia ktisis, como
tão distintivo de “Abba” quando dirigido a Deus. “criatura” , nos versos 19 e 21, mas como
“criação” nos versos 20 e 22. Contudo, o cf. Col. 3:3; I João 3:1-3). Esta expec­
contraste parece não ser entre a criatura tativa expressa também a futilidade que
de Deus e os filhos de Deus, mas entre os faz parte de uma criação decaída, que
anseios da criação de Deus (v. 18-21) e nunca alcançou o seu alvo de excelência
os gemidos dos filhos de Deus (v. 22-25), (Gên. 3:17; cf. 1:4,10,12,18,21,25,31).
como na versão atual da IBB. A declaração de que foi Satanás, e não
A idéia de redenção cósmica se apre­ Deus, quem sujeitou a criação à futili­
senta como um choque para muitos tra­ dade (a tradução da IBB diz: ficou siyei-
dicionalistas, mas os comentadores e tra­ ta à vaidade) e de que essa futilidade
dutores mais recentes concordam que é um poder demoníaco (cf. At. 14:15;
Paulo estava falando exatamente disso. Sal. 31:6; Gál. 4:9) é interessante, mas
Esta idéia está firmemente arraigada no não convincente (cf. Leenhardt).
Velho Testamento e em alguns escritos A era de glória pertence não ao passa­
apocalípticos judaicos e cristãos poste­ do, como têm pensado os filósofos es­
riores (cf. Is. 35; 55:12,13; 65:17; 66:22; tóicos e muitos teólogos cristãos, mas a
II Esd. 7:75; 13:26; Col. 1:20; Ef. 1:10; um futuro em que a criação de Deus par­
II Ped. 3:13; Apoc. 21:1). Barclay cita ticipará da glória dos filhos de Deus; e os
algumas opiniões extravagantes no Apo­ filhos de Deus participarão da glória de
calipse de Baruque (29:5) e nos Oráculos Cristo (2:7; 5:2; 8:21). O mal natural
Sibilinos (3:620-633, 744-756; cf. Irineu, se levanta quando o sub-humano não
Contra Heresias, V. 33.3). cumpre o seu propósito, da mesma forma
Os gemidos da criação de Deus são como o pecado se levanta quando o ho­
introduzidos com uma declaração gené­ mem não cumpre o seu; mas ainda há
rica a respeito de como as aflições (v. 18) aquele glorioso futuro quando “Deus
são menores em comparação com a gló­ será tudo em todos” (I Cor. 15:28). Este
ria que está por ser revelada. O tempo apogeu tem sido chamado de ponto
presente une o nun (agora) e o kairos Ômega por Pierre Teilhard de Chardin,
(época; cf. 8:1; 13:11). Paulo faz uma que traduz esta esperança no contexto do
pausa, para considerar (cf. 8:28), e, conhecimento científico moderno.
quando os sofrimentos da época presente Os gemidos dos filhos de Deus (v. 22-
estão totalmente em uma coluna, e a 25) são a sua participação nos gemidos
glória vindoura, em outra, realmente não da criação e nos sofrimentos de Cristo
há termos de comparação (cf. II Cor. (8:17). Depois de uma declaração gené­
4:17). A glória que está por ser reve­ rica, que retrata a criação como uma
lada, na criação de Deus, é, desta forma, mãe dando à luz um filho (v. 22), encon­
esboçada em uma estrutura mais ampla, tra-se de novo o padrão do presente
começando no presente (v. 19) e remon­ (v. 23), passado (v. 24) e futuro (v. 25).
tando ao passado (v. 20), seguindo-se O “Apocalipse de Isaías” (24-27) usa
uma visão abrangente do futuro (v. 2 1 ; esta figura do parto na primeira referên­
cf. 2:5; 16:25; I Tess. 4:16,17; II Tess. cia veterotestamentária à ressurreição
1:7, onde Paulo apresenta a sua idéia de dos mortos (26:17-19), e Paulo também
revelação). passa imediatamente a falar da ressur­
A palavra grega traduzida como ar­ reição corporal, física (v. 23). A nature­
dente expectativa significa esperar ansio­ za, como mãe dando à luz filhos, era
samente, com o pescoço esticado, como uma metáfora que os hebreus compar­
gansos voando para üm clima mais quen­ tilhavam com os gregos, mas a redenção
te, quando se aproxima o inverno. Este da criação e do corpo são figuras carac­
mundo melhor será quando Deus des­ teristicamente bíblicas.
vendar os seus filhos salvos e transfor­ A experiência presente dos filhos de
mados na semelhança de Cristo (v. 29; Deus é a de primícias (v. 23), metáfora
associada com a Festa de Pentecostes, Deus da esperança” (15:13). Ele espera
quando as primícias, isto é, os primeiros o que ainda não vê (II Cor. 4:16-18; 5:7).
frutos do campo eram oferecidos a Deus Os filhos de Deus estão esperando junta­
como amostra e promessa da colheita mente com a criação de Deus (v. 19,23).39
que se daria por ocasião da Festa dos A expectativa de uma realização futu­
Tabernáculos (Lev. 23:15-21). Esta me­ ra da esperança exige paciência (v. 25).
táfora é usada também a respeito da Por detrás da palavra paciência está a
ressurreição de Cristo, como amostra e mesma palavra grega traduzida como
promessa da ressurreição dos santos, por perseverança em 5:3, onde a relação com
ocasião de sua segunda vinda (I Cor. esperança e com o Espírito Santo é ainda
15:23; cf. Rom. 11:16; 16:5, para confe­ mais pronunciada (5:5; cf. 15:13). Esta
rir outros significados). Os significados esperança exaltada, de uma colheita ple­
de primícias são expressos com outras na no futuro, conserva-se viva pelas pri­
metáforas, como unção, selo e penhor ou mícias do Espírito, colhidas já no pre­
garantia (II Cor. 1:21,22; 5:5; Ef. 1:13, sente. “Nós, entretanto, pelo Espírito
14; 4:30). Os gemidos são os anseios de aguardamos a esperança da justiça que
redenção, por ocasião da morte e por provém da fé” (Gál. 5:5).
ocasião da ressurreição dentre os mortos
(cf. II Cor. 5:2-4). (5) A Intercessão do Espírito (8:26,27)
A filiação é uma realidade atual, que 26 Do m e sm o m o do ta m b é m o E s p irito nos
expressa a redenção do espírito humano a ju d a n a fra q u e z a ; p o rq u e não sa b e m o s o
em 8:15, mas aqui ela indica a redenção que h a v e m o s d e p e d ir com o co n v é m , m a s o
E sp irito m e sm o in te rc e d e p o r n ó s com g e ­
do corpo humano, como parte da plena m idos in e x p rim ív e is. 27 E a q u e le que e s ­
colheita, por ocasião da ressurreição dos q u a d rin h a os c o ra ç õ e s sa b e q u a l é a in te n ­
mortos. Se se concorda já com Paulo, ção do E s p írito ; q u e e le , seg u n d o a v o n ta d e
quanto à redenção da criação, quase de D eu s, in te rc e d e p elo s san to s.
não há dificuldade para se verificar por
Há um terceiro gemido ou suspiro
que ele prossegue expressando esperança
no caminho da glória. O próprio Espí­
na redenção do corpo, como parte da
rito, trabalhando no coração do crente,
criação. A redenção cósmica e a ressur­
geme em intercessão. O que Paulo fala a
reição física são problemas para os que
respeito da ajuda do Espírito (v. 26) e
pensam com pressupostos baseados em
dualismo filosófico, mas ambas se tor­ da mente do Espírito (v. 27) não apenas
leva a pessoa ao santo dos santos do
nam lógicas no contexto do ponto de
coração humano, como também a leva
vista bíblico de criação contínua — pas­
para o santo dos santos com Deus. Este é
sado, presente e futuro (cf. 3:24, acerca
de fato o Getsêmane do Espírito Santo
da redenção).
(cf. 8:6, acerca de outro significado da
A experiência passada, dos filhos de
inclinação do Espírito).
Deus, é descrita com o único tempo
A ajuda do Espírito é necessária por
verbal no passado, citado em Romanos a
causa da fraqueza e ignorância huma­
respeito de salvação, mas a esperança
nas (v. 26). A fraqueza do homem é
futura é ainda mais enfática aqui do que
devida não apenas à carne, mas também
em qualquer outra parte (v. 24; cf. 1:
ao pecado, que continua a habitar na
16; 5:9,10; 10:1; 11:26; 13:11). Como
carne (7:18; 8:3). A ignorância não é
Abraão, confrontado pela morte, creu na
total (2:14,15; 7:22-25), mas o pleno
promessa e teve esperança contra toda a
conhecimento do propósito de Deus é
esperança, assim também o crente, à luz
impossível. O pequeno verbo português
da morte e ressurreição de Cristo, rego­
zija-se na esperança de participar da 39 M. £ . Dahl, The Ressurrection of the Bod; (London:
glória de Deus (5:2). O seu Deus é “ o SCM, 1962).
qjudar é tradução de um grande verbo (8:34; cf. Heb. 7:25; I João 2:1). Este
grego. Ele é usado outra vez em o Novo clímax do Novo Testamento é alcançado
Testamento apenas quando Marta pede com os ensinamentos a respeito do Pará-
que Maria a ajude a preparar uma re­ cleto, em João (14:16-18,26; 15:26; 16:7).
feição (Luc. 10:40). O outro verbo com­
posto, traduzido como interceder, é en­ 2) O Amor de Deus (8:28-39)
contrado apenas aqui em todo o Novo
(1) O Propósito do Amor de Deus
Testamento, mas o outro verbo, que é
(8:28-30)
mais comum, aparece no versículo se­
guinte (v. 27). É só pela ajuda do Espírito 28 E sa b e m o s que to d a s a s c o isa s c o n ­
Santo que os santos de Deus são capazes c o rre m p a r a o b e m d a q u e le s q u e a m a m a
de se juntarem ao Filho de Deus, nesta D eus, d a q u e le s q u e são c h a m a d o s seg u n d o
o seu p ro p ó sito . 29 P o rq u e os q u e d a n te s
oração: “Aba, Pai, tudo te é possível; c o n h eceu , ta m b é m os p re d e s tin o u p a r a s e ­
afasta de mim este cálice; todavia, não re m co n fo rm es à im a g e m d e se u F ilh o , a
seja o que eu quero, mas o que tu fim d e q u e e le s e ja o p rim o g ê n ito e n tre
queres” (Mar. 14:36). m u ito s ir m ã o s ; 30 e a o s q u e p re d e s tin o u , a
Intercessão (enteuxis) é uma das qua­ e ste s ta m b é m c h a m o u ; e a o s q u e ch am o u ,
a e ste s ta m b é m ju s tific o u ; e a o s que ju s ti­
tro formas de oração (I Tim. 2:1,2). ficou, a e s te s ta m b é m g lorificou.
A intercessão de uma pessoa por outra,
crendo que a outra se beneficiará, tem A ordem das palavras, no texto grego, é
profundas implicações com respeito às ^ ^ e l e s que amam a Deus” precedida
relações humanas diante de Deus; mas a de ^sabemos” , e isto é de primordial
crença de que o próprio Espírito Santo importância para a interpretação. Mur-
faz intercessão junto a Deus, pelos cren­ ray chamou corretamente isto de “posi-_
tes, tem as implicações mais profundas ção da ênfase” . Muitos dos comentários
de todas, quanto às relações eternas com (depreciam a ênfase no amor do homem
a Divindade. Os pensamentos, bem I por Deus, mas essa maneira de pensar é
como os gemidos e suspiros são inexpri­ J tendenciosa. É claro que Deus amou o
míveis (cf. I Cor. 12:7-10). É possível que homem antes de o homem amar a Deus,/
esta seja uma referência à oração em mas Deus opera o seu propósito apenas
línguas (I Cor. 14:13-19), mas Leenhardt naqueles que reagem de maneira positiva
e Barrett pensam que não. ao seu amor. Deus derrama o seu amoc
Estas implicações são apresentadas nos corações daqueles que reagem com féj
mais explicitamente quando a mente do [(5:5).
Espírito pode ser diferenciada de Deus. O eco de Isaías 64:4 afirma que o
Deus anda por toda a parte, sondando os homem natural é incapaz de conceber
corações humanos, enquanto o Espírito “as (coisas) que Deus_preparou parados
intercede pelos santos. Deus sabe qual é ^ue^am am ^ (I Cor. 2:9). Deus conhece
a intenção do Espírito. Deus, como aque­ os que o amam (I Cor. 8:3), eJLBçssoaA^
le que sonda os corações humanos, é condenada se “não ama ^ao Senhor”
uma idéia do Antigo Testamento (I Sam. (I Cor. Í6722). Dificíímente pode-se me­
16:7; Jer. 17:10; Sal. 139:1,23; I Crôn. noscabar algo em uma bênção como esta:
28:9), mas a intercessão do Espírito junto “ A graça seja com todos os que amam a
a Deus ou diante de Deus é um conceito nosso Senhor Jesus Cristo com amor in­
que se move rapidamente na direção do corruptível” (Ef. 6:24). Todavia, isto é
trinitarianismo neotestamentário (cf. I impossível independentemente do amor
Cor. 12:4-6; II Cor. 13:13). Istoé verda­ de Deus manifestado em Cristo (cf.
de especialmente quando a intercessão Deut. 6:4).
do Espírito no coração está relacionada Sabemos expressa convicção segura,
com a intercessão de Cristo nos céus não apenas de Paulo, mas de toda a
Igreja. O estado do texto grego, por [homem perece. Aqueles que foram cha­
detrás das palavras todas as coisas con- mados para pertencer a Jesus Cristo e
correm para o bem, tem dado azo para “chamados para serem santos*’ (1:7) são
três interpretações diferentes. A versão chamados por Deus (9:11). O chamado
antiga da í BB diz “ todas as coisas contri- ou vocação é a realização do propósito
.buem juntamente para o bem” . Esta é eterno de Deus na história (cf. Ef. 1:11;
uma possível tradução do grego. Porém, 3:11; II Tim. 1:9). O propósito de Deus
ela é difícil de se harmonizar com a é a vontade de Deus, e é a vontade de
ênfase de Paulo da iniciativa e soberania Deus que o Espírito de Deus procura
de Deus. As coisas simplesmente não realizar no homem (cf. 8:27).
contribuem desta forma, como tão oti- À medida que o pensamento se volta
mistamente presumia o panteísmo estói­ do propósito de Deus em toda a criação
co. Este versículo é de um monoteísmo (todas as coisas) para o propósito de
radi.cal, _em que Deus está encarregado Deus no crente, há também uma mudan­
das coisas! A tradução inglesa New En- ça de direção do amor do homem para
glish Bible (NEB) revive o que (BrucüP) com Deus para o amor de Deus para
chama de “uma antiga e atraente inter­ com o homem (v. 29). Algumas pessoas
pretação, que em geral tem merecido têm pensado que está presente, neste
pouca atenção dos tradutores e comenta­ versículo, uma fórmula batismal em for­
ristas, de acordo com a qual o sujeito ma de hino. Isto pode ser verdade, mas
de ‘concorrem’ é o sujeito do versículo a forma não é a mesma do versículo
anterior —joEspírito” . A idéia do Espí-1 seguinte. A forma é bastante semelhante
rrito cooperãniíõ cõm os que amam aj à do versículo anterior. A predestinação
I Deus é certamente verdadeira, mas e ou conhecimento prévio, a primeira das
duvidoso que ela chegue perto do signi­ qüãtro grandes idéias do verso 29, sig­
ficado original, tanto quanto a versão nifica que Deus ,am au o homem antes
inglesa Revised Standard Version (RSV), que_o homem amasse a Deus (cf. í João
na qual se baseia o original inglês deste 4:19). Da mesma forma como um pai
comentário. A RSV diz: “gabemos que conhece e ama o seu filho antes que este
em todas as coisas Deus opera, para o chegue a_cmihecê-lo e amá-lo, Deus age
bemdos_queoamam” (v. 28a). para com os seus filhos. Muitas pessoas
Deus trabalha com os que o amam amda seguem a idéia de Orígenes, de que
em direção do alvo do bem. (M urrãy) Deus predestinou com base no seu co­
insiste que isto é tudo “ monergismo nhecimento dos acontecimentos antes
divino” , mas o verbo grego é sunergei, que ocorram, mas tal racionalismo perde
do qual provém a idéia de um sinergis- Hevista todã a idéia de amor.
mo entre a vontade de Deus e a vontade Conhecer e amar muitas vezes tem o
do homem. A tradição agostiniana-cal- mesmo significado nas Escrituras (cf.
vinista Introduz as suas idéias, mesmo I Cor. 8:3; I João 4:7,8). Conhecer é
que seja para rejeitar a própria palavra freqüentemente um termo usado para as
do texto! Monereismo não é melhor do relações sexuais íntimas (Gên. 4:17;
que panteísmo, pois ambos destroem a Núm. 31:18; Luc. 1:34, IBB antiga), e é
distinçfo entre" Deus e a sua criação. um passo fácil para o amor baseado na
Ós que são chamados segundo o seu~] aliança entre Deus e seu povo (Gên.
propósito são os mesmos que amam a / 18:19; Am. 3:2; Os. 13:5; Jer. 1:5; Mat.
Deus, e há uma correspondência huma- / 7:23). A premonição de Deus a respeito
na ao chamado divino, da mesma forma/ do homem antes que este conheça a Deus
como há uma reação humana ao amor de
Deus. Sem esta reação, o propósito de 40 Gottfried Schille, Frühchristliche Hymnen (Berlin:
j Deus não se cumpre no homem, e o Evangelische Verlagsanstalt, 1965), p. 90.
não torna a predestinação inevitável, mesma forma como alguém chega a
como geralmente presume a tradição Curitiba porque embarcou em um avião
agostiniana-calvinista. É estranho como destinado a Curitiba, uma pessoa tam­
se dá pouca atenção às claras palavras de bém chega à glória porque permanece
advertência escritas por Paulo: “Outro- em Cristo, que foi predestinado à glória.
ra, quando não conhecíeis a Deus, ser­ Predestinação significa que sabemos
víeis aos que por natureza não são deu­ para onde estamos indo, antes de chegar­
ses; agora, porém, que já conheceis a mos lá. Predestinação será o tema dos
Deus, ou melhor, sendo conhecidos por capítulos 9 a 11.
Deus, como tomais outra vez a esses Paulo não cai na incongruência dos
rudimentos fracos e pobres, aos quais de fariseus, como sugere Knox, pois dificil­
novo quereis servir?” (Gál. 4:8,9). Mais mente ele usaria o termo destino. Os
tarde, este pensamento será harmoniza­ fariseus ensinavam que tudo depende do
do com a aparente exceção de 1 1 :2. destino e de Deus; não obstante, a es­
^Ojsroblema da predestinação nunca colha do certo ou errado, em sua maior
pode seír résolvído, se se presumir que, parte, cabe ao indivíduo (Josefo, Guer­
sem exceção, os que são conhecidos por ras, II.8.14). Bruce chama a atenção
Deus estão predestinados para a glória. para uma opinião semelhante na Regra
Õ monergismo sempre termina em pre­ da Comunidade (Rule of the Community)
destinação dupla ou no universalismo. Se de Qumran: “Do Deus do Conhecimento
Deus faz tudo, ele é responsável por tudo vem tudo o que é e que será. Mesmo
o que acontece; mas, se o homem é res­ antes que eles existissem ele estabeleceu
ponsável pela reação que tem, então o re­ todo o seu destino, e quando, como era
sultado da parte do homem é condicio­ ordenado para eles, vieram a existir, é de
nal. A predestinação confficiQQal significa acordo com o Seu glorioso desígnio que
que o verdadeiro destino do homem é al­ cumprem a sua obra.”
cançado apenas onde há fé o tempo todo, Ser conformes à imagem de seu Filho
até que se alcance o alvo. Salvação é um combina duas palavras gregas, que têm
[ caminhar, e não um salto, em que Deus significado afim. Ambas estão associadas
j sustém o homem pelos cabelos! É uma com a morte e ressurreição de Cristo.
/ comunhão, e não fatalismo. O destino Paulo sentia dores de parto pelos vaci­
dos que permanecem em Cristo é o desti­ lantes gálatas, até que Cristo “fosse for­
no de Cristo. Ele é o predestinado, e o mado” neles (Gál. 4:19). O corpo redi­
crente é predestinado nele (cf. At. 2:23; mido se conformará com o corpo glorioso
4:28). As clarais palavras de Paulo, aqui, do Senhor ressuscitado, que voltará (Fil.
devem ser colocadas no contexto da gra­ 3:21). O padrão de conformação ou de
ça, mas não devem ser separadas da fé. semelhança é a humilhação e exaltação
Deus “nos predestinou para sermos de Cristo (Fil. 2:1-11). Conformidade
filhos de adoção por Jesus Cristo, para si com Cristo, na sua morte e ressurreição,
mesmo, segundo o beneplácito de sua é usada, portanto, como fonte de consolo
vontade, para o louvor da glória da sua no meio do sofrimento (Fil. 3:10, IBB
graça, a qual nos deu gratuitamente no antiga).
Amado” (Ef. 1:5,6). O homem não está A palavra imagem é também uma
em dificuldades porque é número seis, idéia escatológica. “E, assim como trou­
nem vai para o céu porque é número xemos a imagem do terreno, traremos
sete (jogo de palavras em inglês). Ele também a imagem do celestial” (I Cor.
estará em dificuldades se não reagir de 15:49). Esta e todas as outras passagens
maneira positiva e permanente à graça a respeito da imagem de Deus estão ar­
de Deus, e irá para o céu se crê e raigadas em Gênesis 1:26,27, indicando
continuar a crer em Jesus Cristo. Da que o homem não se conforma plena-
mente com a imagem de Deus antes da rão do seu destino (cf. Heb. 2:10-17), e
ressurreição. Todos os homens têm a Cristo é o Filho proeminente entre os
imagem de Deus na criação, o que lhes filhos de Deus (cf. 1:3).
dá domínio sobre tudo o que Deus criou, A realização histórica do propósito
mas o homem redimido ainda não osten­ eterno de Deus é expressa nos quatro
ta plenamente a dinâmica imagem de tempos aoristos (v. 30), visto que o ponto
Deus em amor. A imagem formal nunca de vista é do eterno propósito de Deus,
é perdida, e a imagem material está que alcançava o passado. A forma lite­
sendo recebida no processo da transfor­ rária é a de sorites, uma série “em que o
mação. “Mas todos nós, com rosto des­ predicado lógico de uma cláusula se
coberto, refletindo como um espelho a torna o sujeito lógico da seguinte” (Bru-
glória do Senhor, somos transformados ce). A sugestão de um hino, feita por
de glória em glória na mesma imagem, Schille, é mais clara aqui do que para
como pelo Espírito do Senhor” (II Cor. 0 versículo anterior:
3:18; cf. Col. 3:10). A expressão “trans­
E aos que predestinou,
formados... na mesma imagem” é literal­ a estes tam bém chamou;
mente “metamorfoseados na mesma e aos que chamou,
imagem” , que é um comentário tanto da a estes tam bém justificou;
palavra “forma” como da palavra “ima­ e aos que justificou,
a estes tam bém glorificou.
gem” . Cristo é “a imagem de Deus”
(II Cor. 4:4), e conformar-se com Cristo é A predestinação é repetida do versí­
ser transformado na imagem de Deus. culo anterior, mas chamado, justificação
A idéia do primogênito também está e glorificação são acrescentados. O cha­
relacionada com a idéia de imagem. mado, que pertence especialmente ao
Cristo “é a imagem do Deus invisível, o começo da vida cristã, já foi notado
primogênito de toda a criação” (Col. (1 :1 ,6,7; 8:28), e surgirá novamente em
1:15). O uso de primogênito no verso 29 relação à predestinação (11:29; cf.
é mais próximo do uso de Colossenses 1 Tess. 4:7; I Cor. 7:18; Gál. 1:6; Col.
1:18, onde Cristo é chamado de “o prin­ 3:15). Justificação, o tema dos capítulos
cípio, o primogênito dentre os mortos” . 1 a 4, descreve todo o estado da vida
Primogênito tem em si a idéia de prio­ atual de fé. Glorificação tem referência
ridade e proeminência. Colossenses futura ao tempo quando os santos de
1:15-20 (Bíblia de Jerusalém) é um hino Deus, que como pecadores ficaram
cristão, e as palavras gregas traduzidas aquém, participação da glória manifes­
como “primogênito” e “preeminência” tada em Jesus Cristo (3:23; 5:2; 8:18; cf.
formam um jogo de sons. O primogênito Col. 3:4). Graus de glória já estão raian­
é o filho proeminente, que recebe a he­ do (II Cor. 3:18).
rança e a autoridade do Pai (cf. Heb.
(2) O Poder do Amor de Deus (8:31-39)
1:6; Apoc. 1:5). O antigo arianismo
usava esta palavra para argumentar que 31 Que d ire m o s, pois, a e s ta s co isas? Se
“houve um tempo em que o Filho de D eus é p o r n ó s, q u e m s e r á c o n tra n ó s?
Deus não existia” , mas isto foi correta­ 32 A quele que n e m m e sm o a se u p ró p rio
F ilh o poupou, a n te s o e n tre g o u p o r todos
mente condenado como heresia. Light- nós, com o n ã o n o s d a r á ta m b é m com ele
foot há muito tempo já estabeleceu a to d a s a s c o isa s? 33 Q uem in te n ta r á a c u s a ­
idéia de proeminência ou primazia como ção c o n tra os esco lh id o s d e D eu s? É D eus
significado desse termo.41 Como irmãos q u e m os ju s tific a ; q u e m os c o n d e n a rá ?
de Cristo, todos os crentes compartilha­ 34 C risto J e s u s é q u em m o rre u , ou a n te s
q u e m re s s u rg iu d e n tre os m o rto s, o q u a l
41 St. PauPs Epistles to the Colossians and Philemon e s tá à d ire ita d e D eu s, e ta m b é m in te rc e d e
(London: Macmillan, 1875), p. 146-150 a respeito de p o r n ó s ; 35 q u e m nos s e p a r a r á do a m o r de
Colossenses 1:15. C risto ? a trib u la ç ã o , ou a a n g ú s tia , ou a
p e rse g u iç ã o , ou a fo m e, ou a n u d ez, ou o favor dos pecadores; mas a entrega posi­
p erig o , ou a e s p a d a ? 36 G omo e s t á e s c r ito : tiva de seu Filho por todos os remidos,
P o r a m o r d e ti so m o s e n tre g u e s à m o rte
o d ia to d o ; fom os c o n sid e ra d o s co m o o v e ­ por muitos (5:15-21), relembra o
um
lh a s p a r a o m a ta d o u ro . credo notado pela primeira vez em Ro­
37 M as e m to d a s e s ta s c o isa s so m o s m a is manos 4:25. Se Deus revela a supre­
que v e n c e d o re s, p o r a q u e le q u e nos a m o u . ma expressão do seu amor, todos os
38 P o rq u e esto u c e rto d e q u e n e m a m o rte ,
n e m a v id a , n e m a n jo s , n e m p rin c ip a d o s,
outros dons de menor importância com
n e m c o is a s p re s e n te s , n e m fu tu ra s , n e m certeza são acrescentados (Note-se
p o te s ta d e s, 39 n e m a a ltu r a , n e m a p ro fu n ­ I Cor. 3:22 e Rom. 8:28 para o uso de
d id ad e, n e m q u a lq u e r o u tr a c r ia tu r a n o s “ todas as coisas”). Todas as coisas boas
p o d e rá s e p a r a r do a m o r d e D e u s, q u e e s tá são acrescentadas à melhor. Como de
e m C risto J e s u s , nosso S en h o r.
costume, Paulo usa a preposição vicária
O prefácio a respeito da predestinação huper, para expressar o relacionamento
(8:28-30) preparou o caminho para a entre a morte de Cristo e o crente. Tanto
minuciosa aplicação nos capítulos 9 a 11, a relação entre Deus e seu Filho, como
mas uma pausa para o louvor precisa a entre seu Filho e os santos estão ba­
acontecer antes. Várias pessoas têm seadas no amor.
reconhecido as perguntas retóricas e a A segunda estrofe (v. 33 e 34) leva o
melodia rítmica dos versos 31 a 39 como argumento até o ponto de dizer que Deus
um hino acerca do amor de Deus (CT, está do lado do homem, contra o adver­
JB, JBC, Dodd, Leenhardt, Best), mas sário. Um eco de Isaías 50:8,9, com uma
nenhuma delas empreendeu uma análise cena semelhante a de Zacarias 3:1-5,
literária. A extensão do hino toma útil suscita mais duas perguntas. Os eleitos
um arranjo de estrofe em estrofe. As de Deus são os predestinados (8:28-30).
duas primeiras estrofes afirmam que não Os eleitos era um termo usado nos escri­
há condenação (v. 31-34), e as outras tos apocalípticos (cf. Mar. 13:20,22;
duas, que não há separação (v. 35-39). Mat. 24:22,24; I Ped. 1:2; II Ped. 1:10),
A primeira estrofe (v. 31 e 32) pro­ mas ele é raro em Romanos. Em 16:13
clama que não há condenação, por causa (gr.), ele é usado a respeito de um indi­
da morte de Cristo. A primeira pergunta víduo, Rufo. Em Colossenses 3:12 ele se
em forma de diatribe usa uma fórmula relaciona com a obrigação de amar
favorita de Paulo. A segunda pergunta, (cf. Rom. 11:7; II Tim. 2:10; Tito 1:1 e
que contém uma breve resposta, baseada eleição em Rom. 9:11; 11:5; I Tess. 1:4).
em Salmos 118:6, presume uma situação As declarações nos versos 33 e 34, a
como a d e J ó l e 2 e Zacarias 3, em que respeito de Deus e Jesus, são indicativos
Deus é o advogado do justo, contra o tanto na versão antiga como na atual, da
adversário. A longa resposta se torna IBB, o que é correto. A construção do
uma pergunta — uma reminiscência da grego é a mesma em ambas as frases.
oferta de Isaque feita por Abraão (Gên. Barrett considera ambas como interro­
22:12,16). Bruce nota que “o fato de se gações, e a tradução da RSV estranha­
ter amarrado Isaque” , segundo a inter­ mente considera a primeira como indi­
pretação judaica, foi “considerado como cativo e a segunda como pergunta. Mas
o exemplo clássico da eficácia redentora este é um caso em que a tradução da IBB
do martírio” . A morte de Cristo tem é excelente. Estando tanto Deus como
eficácia redentora; ele foi mais do que Cristo do lado do homem, o adversário
um mártir. O próprio Filho de Deus (cf. não tem chance no tribunal.
8:3) foi oferecido como sacrifício vicário A resposta à segunda interrogação
pelo pecado (cf. 3:21-26). contém quatro partes, que vão além da
Poupar é negativo, visto que Deus não morte de Cristo até a ressurreição, e
aliviou o sofrimento de seu Filho em elaboram a segunda linha do credo, em
4:25. A ressurreição é a porta real para são infligidos por adversários, por amor
uma alta cristologia, que vai além de de Cristo, se originam na identificação
uma baixa cristologia, da vida e morte com Cristo, e são um sinal ineludível de
de Jesus. A alta cristologia vai além, que participaremos da glória de Cristo
até a exaltação e intercessão de Cristo (5:1-5; 8:17). O verbo incomum, usado
pelo crente. A preexistência e encarna­ somente aqui, em todo o Novo Testa­
ção, que completam o círculo da alta mento, traduzido como mais do que
cristologia, já foram citadas por impli­ vencedores (supervencedores) expressa
cação (8:3). A direita de Deus, metáfora uma vitória incomum (cf. Fil. 4:13).
construída sobre Salmos 110:1, indica o A expressão por aquele que nos amou
lugar de autoridade e domínio (cf. Mar. leva o pensamento de volta ao “ amor de
14:62; At. 2:33; 7:55,56; Heb. 1:3; 12:2; Cristo” (v. 35).
I Ped. 3:22; Col. 3:1; Ef. 1:20). O abun­ Na última estrofe (v. 38 e 39), a con­
dante uso desse termo em o Novo Testa­ fidência cristã na vitória visualiza outras
mento indica a sua importância funda­ dez ameaças à existência humana. Estas
mental. A intercessão de Cristo, eco do ameaças são, em sua maior parte, sobre­
Servo Sofredor em Isaías 53:12, encon- humanas e invisíveis.
tra-se também em Hebreus (7:25; 9:24)
e nas obras de João (I João 2:1; João Porque estou certo de que,
nem a morte, nem a vida,
14:16). É o Espírito que intercede em nem anjos, nem principados,
8:26,27. nem coisas presentes, nem futuras (nem potes­
A terceira estrofe (v. 35-37) diz que tades),
não há separação do amor gozado pelos nem a altura, nem a profundidade (nem qual­
quer outra coisa em toda a criação)
que estão em Cristo, mesmo diante dos serão capazes de nos separar do am or de Deus
piores sofrimentos, no mundo humano e (que está em Cristo Jesus, nosso Senhor).
visível. É agora a sétima pergunta do
hino, que levanta a bandeira da vitória. Alguns destes termos pertenciam à
Alguns manuscritos, influenciados pelo herança rabínica de Paulo, de acordo
v. 39, redigem “ o amor de Deus” no com a qual havia três ordens de anjos:
verso 35, mas o amor de Cristo pelo tronos, querubins, serafins; potestades,
crente é, indubitavelmente, a redação domínios, poderes; anjos, arcanjos, prin­
correta (cf. Gál. 2:20; Ef. 5:2,25). Pode cipados.
ser que a sétupla ameaça à existência O primeiro grupo de ameaças não
humana faça referência à expulsão dos separa do amor de Deus aqueles cuja
judeus de Roma, no governo de Cláudio, confiança e dedicação estão também con­
em 49 d.C., mas o sentido está mais tidas nos outros dois hinos (14:7,8; cf.
próximo dos sofrimentos presentes e I Cor. 3:22). Os aiyos e principados são,
previstos de Paulo (cf. I Cor. 15:31; talvez, os anjos decaídos (cf. Mat. 25:41;
II Cor. 4:7-12; 11:23-27). As palavras II Ped. 2:4; Jud. 6), e seus príncipes
gerais, tribulação e angústia (cf. 2:9; sobrenaturais hostis, que foram subme­
5:3) são mais especificadas pelas outras tidos por Cristo (cf. I Cor. 2:6; Col.
cinco. Dali a poucos anos, de acordo com 1:16; 2:10; I Ped. 3:22). Coisas presentes
a tradição, Paulo estava destinado a e futuras foram mencionadas em um
morrer a espada. hino anterior (I Cor. 3:22), e podem
Os paralelos de Salmos 44:22 se en­ estar-se referindo às duas eras (Bruce).
quadram perfeitamente neste hino, de As potestades seguem anjos e principa­
forma que eles não são considerados dos, em alguns manuscritos (cf. Almeida
parentéticos. Os sofrimentos, para os Revista e Corrigida), visto que princi­
crentes, são muito mais do que experi­ pados e potestades são mencionados
ências a serem suportadas, porque eles juntos em outro lugar (I Cor. 15:24;
Ef. 1:21), mas a versão da IBB é confir­ válida, mediante a condenação dos
mada pelos melhores manuscritos. As judeus juntamente com os gentios. O
potestades foram, provavelmente, acres­ lado positivo da resposta agora será
centadas, por Paulo, ao seu hino, pela desenvolvido um tanto minuciosamente.
mesma razão. Muitos comentários con­ Muitos comentários consideram esta
cordam que altura e profundidade eram seção como uma digressão que tem
termos astrológicos, que designavam a pouca conexão com o que vem antes e o
posição mais elevada e a mais baixa que se segue. Dodd fala dela como um
alcançadas pelas estrelas, que, segundo típico sermão, em forma de diatribe,
se cria, eram controladas pelos princi­ que Paulo tinha à mão para inserir neste
pados e potestades. ponto. De fato, ele está no estilo de
Tudo isto foi vencido por Cristo, e os diatribe, tanto quanto 2:1-3:20, e pode
crentes são conclamados a resistir a esses ser que represente o estilo paulino de
temores (cf. Gál. 4:8,9; Col. 2:15,20-23; pregação, mas há mais conexão com o
Ef. 1:21-23; 3:10; 6:12). Para completar tema geral de Romanos do que geral­
uma boa medida, e para abranger todos mente se reconhece. Se a justiça de Deus
os inimigos possíveis do fiel, toda a está relacionada com a justificação, nos
ordem criada (lit. qualquer outra cria­ capítulos 1-4, e à salvação, nos capítulos
ção) completa a lista de dez, mas como 5-8, como o fizemos, pode ser dito que
“potestades” ela não faz par com outro a justiça na predestinação é o tema nesta
termo. seção. Nygren está correto em notar a
As duas primeiras estrofes afirmam, importância de 8:28-30 para o entendi­
com confiança, que Deus e Cristo são mento da predestinação, mas ele falha
amigáveis para com o homem, e, as duas por não ver que esta parte era, na ver­
últimas, desafiam todos os seus inimigos dade, uma introdução à terceira parte do
humanos e sobre-humanos. Por detrás livro. Paulo simplesmente parou um
da fortaleza da fé, firme e segura, não pouco para louvar, antes de mergulhar
haverá condenação nem separação. na questão do destino de Israel.
Aqueles que amam a Deus podem ter a A questão judaica não é confinada a
certeza do amor de Cristo e do amor de Jerusalém, nem mesmo ao Oriente. A
Deus. Tudo isto, como diz a parte final situação de Jerusalém é considerada
da última frase, está em Cristo Jesus mais adiante (15:22-29), mas a situação
nosso Senhor. Portanto, no fim de cada aqui é focalizada em Roma, embora as
um dos quatro capítulos a respeito da opiniões de Paulo tivessem sido fermen­
salvação, apareceram as expressões tadas e formadas na sinagoga oriental,
“por Cristo Jesus nosso Senhor” (5:21; onde pregara. Os problemas dos judeus
7:25) e “em Cristo Jesus nosso Senhor” em Roma trazem à tona um importante
(6:23; 8:39). fator a respeito da comunidade judaica.
Ela começara em 140 a.C., quando
III. Predestinação (9:1—11:36) Judas Macabeu enviara embaixadores a
Roma, para elaborar uma relação satis­
No princípio da Epístola aos Roma­ fatória com o Império. A conquista da
nos, a questão judaica foi aventada pelas Judéia por Pompeu, em 63 a.C., produ­
declarações “primeiro ou primeiramente ziu muitos prisioneiros de guerra, muitos
do judeu” (1:16; 2:9,10). Uma breve dos quais logo foram libertos, e, por volta
resposta a essa questão começa com a de 50 a.C., uma grande comunidade
vantagem do judeu (3:1-8), especial­ judaica estava estabelecida em Roma.
mente com a pergunta: “A sua infide­ Cícero fala dessa colônia judaica (Pro
lidade anulará a fidelidade de Deus?” Facco, 66). Uma crise aconteceu quando
Esta situação, contudo, deixa de ser o Imperador Tibério ficou sabendo que
quatro judeus haviam-se apropriado de 3 P o rq u e e u m e s m o d e s e ja ria s e r se p a ra d o
uma grande soma de dinheiro que uma de C risto , p o r a m o r d e m e u s irm ã o s , que
são m e u s p a re n te s se g u n d o a c a r n e ; 4 os
nobre romana dera para o Templo em q u ais sã o is ra e lita s , de q u e m é a a d o ç ão , e a
Jerusalém (Josefo, Antig., XVII. 81 e g ló ria , e os p a c to s , e a p ro m u lg a ç ã o d a le i,
ss.). Cerca de quatro mil judeus jovens e o cu lto , e a s p ro m e s s a s ; 5 d e q u e m são
foram banidos, para morrer na Sarde­ os p a tr ia r c a s , e d e q u e m d e sc e n d e o C risto
seg u n d o a c a rn e , o q u a l é so b re to d a s a s
nha, mas os outros judeus receberam c o isas, D eu s b e n d ito e te r n a m e n te . A m ém .
permissão pa,ra voltar, em 31 d.C.
Outra crise aconteceu em 49, quando o A tristeza de Paulo (v. 1-3) e a vanta­
Imperador Cláudio expulsou todos os gem de Israel (v. 4 e 5) constituem uma
judeus de Roma, “porque eles estavam crise. Esta não é a primeira vez que
causando constantes tumultos, por ins­ Paulo se obriga mediante um voto solene
tigação de Chrestus” (Suetônio, Vida (cf. II Cor. 1:23; 11:31; Gál. 1:20), mas
de Cláudio, XXV, 2). Alguns eruditos este é mais elaborado emocionalmente.
judeus insistem que esse Chrestus era um A consciência é chamada para teste­
judeu que estava fazendo prosélitos para munhar (cf. 2:15), mas é a consciência de
o judaísmo, mas a maioria dos eruditos um homem em Cristo e no Espírito
cristãos conclui que Chrestus era uma Santo. Tristeza é a mágoa do espírito
variante gentílica de Cristus (Cristo). Esta humano, enquanto a dor ou angústia
expulsão é mencionada em Atos 18:2, inclui o corpo e afeta o coração. A agu­
quando Paulo se encontra com dois deza da angústia de Paulo é verificada na
judeus cristãos, Ãqüila e Priscila, que sua disposição de se tornar anathema
haviam sido vítimas dessa expulsão. Ele, (amaldiçoado), separado de Cristo pelo
sem dúvida, aprendeu muito, a respeito amor dos seus irmãos e parentes segundo
da situação em Roma, através deles. Por a carne. Desejaria significa “Eu oro” ,
volta de 53-59 d.C., que é o âmbito das e, provavelmente, ele tinha em mente
possíveis datas da Epístola aos Romanos, esta oração de Moisés: “Agora, pois,
muitos judeus cristãos já haviam voltado perdoa o seu pecado; ou se não, risca-me
para Roma, mas a maioria dos cristãos do teu livro, que tens escrito” (Êx.
era, provavelmente constituída de gen­ 32:32). Como em 7:25, o “eu” é enfático:
tios. Os livros 4 e 5 dos Oráculos Sibi- eu mesmo. Um anátema entrega a pessoa
linos tratam da história romana, nos ou objeto à destruição, como no hebraico
tempos de Nero, do ponto de vista judai­ cherem (I Sam. 15:18,20). A idéia é en­
co. A comunidade judaica, em Roma, contrada em outros escritos de Paulo
continuou atravessando muitas crises, e (I Cor. 12:3; 16:22; Gál. 1:8,9; cf. At.
hoje em dia pode-se visitar o seu gueto 23:14; cf. a longa discussão, desta pala­
(Ital. borghetto, pequeno burgo).42 vra, por Michel).
Uma oração desse tipo origina-se
1. A Eleição de Israel Feita por Deus apenas das profundezas de um profundo
(9:1-29) amor, e é insensato dizer que as pessoas
1) Introdução: A Incredulidade de Israel são anti-semitas quando oram como
(9:1-5) Paulo. Um certo tipo de complacência a
respeito da conversão dos judeus faz exa­
1 D igo a v e rd a d e e m C risto , n ã o m in to ,
d ando te s te m u n h o com igo a m in h a c o n s­
tamente dessa forma. Uma pessoa dificil­
c iên c ia no E s p írito S anto, 2 q u e te n h o g r a n ­ mente se oferecerá para ser destruída
de tr is te z a e in c e s sa n te d o r no m e u c o ra ç ã o . em favor daqueles a quem despreza.
O amor de Paulo por Israel leva-o a
chamar os seus parentes segundo a carne
42 Enzo Fano, Brief Historical Survey of the Jewish Com­
munity of Rome (Rome; B’nai B’rith Association of de irmãos, termo costumeiramente re­
Rome, 1961); Bruce, p. 13 e 14. servado para os seus irmãos na fé, os
crentes (1:13; 10:1; 11:25; 12:1). O se­ T. W. Manson talvez esteja correto
gundo a carne significa: segundo o as­ em chamá-los de “os velhos dados no
pecto físico (cf. 1:3). Sinai e o novo anunciado por Jeremias
A vantagem de Israel foi assunto que (31:31-34) e inaugurado por Cristo
ficou inacabado em 3:1,2, mas agora (I.C. 11:25)” . Paulo pensa em dois
uma vantagem em sete pontos é relacio­ pactos (Gál. 4:24; cf. Heb. 8:7,13). A
nada. Ê suficiente dizer-se que eles são idéia de oito pactos, na New Scofield
israelitas, nome que os coloca em uma Reference Bible, não concorda com
relação especial com Deus (11:11; Ef. Paulo nem com Hebreus.
2:12; cf. Gên. 32:28), mas dois grupos, A lei foi dada para aplicar a relação
com três membros cada um, são rela­ pactuai aos detalhes da vida diária (Èx.
cionados como pertencentes aos israelitas 20:1 ), mas propiciou-lhes o conhecimen­
(Leenhardt). Há seis palavras em grego: to do pecado (3:20; 5:20; 7:7,8). O culto
era a liturgia do Templo, que o livro de
adoção glória pacto (s)
Hebreus vê como regulamentos “impos­
tos até um tempo de reforma” (9:1-10).
outorga-da-lei culto promessas
As promessas remontavam ao tempo de
É possível que o conceito abaixo cor­ Abraão (4:13-20), e apontavam para a
responda ao que está acima (Michel). vinda do Messias e para a nova era.
Adoção (filiação) foi conferida a Israel Eram “as firmes beneficências de Davi”
quando a lei foi outorgada. “Assim diz (Is. 55:3; cf. At. 2:25; 13:23,32-34), e as
o Senhor: Israel é meu filho, meu primo­ promessas feitas a todos os patriarcas e
gênito; e eu te tenho dito: Deixa ir meu profetas (15:8; At. 2:21).
filho, para que me sirva; mas tu recusas­ A sétima vantagem pertencente a
te deixá-lo ir; eis que eu matarei o teu Israel é expressa de maneira especial
filho, o teu primogênito” (Êx. 4:22,23; (v. 5). Os patriarcas são de suprema im­
cf. Deut. 32:6). “Quando Israel era me­ portância, visto que deles o Messias
nino, eu o amei, e do Egito chamei a meu (o Cristo) veio, para cumprir a promessa.
filho” (Os. 11:1; cf. Jer. 31:9). Aqui, de novo, segundo a carne significa
A glória estava no centro da adoração segundo o aspecto físico (cf. 1:3; 9:3).
israelita. “Então a nuvem cobriu a tenda As palavras que se seguem, começan­
da revelação, e a glória do Senhor encheu do com Cristo, têm sido interpretadas de
o tabernáculo” (Êx. 40:34; cf. 16:10; quatro maneiras diferentes. Substituindo
33:18-22; I Reis 8:10,11). Esta era a ho õn (quem é) por hôn ho (de quem),
kabod, a gloriosa presença do Senhor, concordando com as cláusulas que a
mais tarde chamada de Shequiná, que precedem, é possível traduzir: “De quem
Paulo viu na face de Jesus Cristo (II Cor. é o supremo Deus, bendito para sem­
3:18; 4:6). pre” , mas esta forma não tem apoio nos
Os pactos eram os “pactos da pro­ manuscritos. Uma segunda possibilida­
messa” (Ef. 2:12). Muitos dos melhores de, mudando a pontuação em português
manuscritos, inclusive os Manuscritos (não há pontuação nos manuscritos
Chester Beatty (P 46) e 0 Vaticano gra­ gregos), dá: “Cristo, segundo a carne,
fam o singular, “pacto” , mas o Sinaí- que é sobre tudo. Seja Deus bendito para
tico apresenta o plural. Se o singular é o sempre” ; mas esta interpretação tem
original, a referência é ao pacto com poucos defensores — se é que tem algum.
Moisés (Êx. 24:8; Deut. 29:1); mas o Duas outras interpretações têm muitos
plural poderia incluir também Noé (Gên. advogados. A tradução mais literal de
6:18; 9:9), Abraão (15:18: 17:2; cf. Êx. todas é: “Cristo, que é Deus sobre tudo,
2:24), Josué (Deut. 27:1; Jos. 24:25) e bendito para sempre” (KJV, ASV, RSV,
Davi (II Sam. 23:5; Sal. 89:28). Porém NEB), e isto tem sido argumentado efi-
cientemente por Sanday e Headlam.
Muitos aceitam a tradução literal como a
abordagem mais satisfatória do assunto. 6 N ão q u e a p a la v r a d e D eu s h a ja fa lh a d o .
A maioria dos comentaristas moder­ P o rq u e n e m to d o s os q u e são d e I s r a e l são
nos, contudo, concorda com a versão da is ra e lita s ; 7 n e m p o r s e r e m d e sc e n d ê n c ia
de A b ra ã o sã o to d o s filh o s ; m a s : E m Is a q u e
RSV: “A eles pertencem os patriarcas, s e r á c h a m a d a a tu a d e sc e n d ê n c ia . 8 Is to é ,
e da sua raça, segundo a carne, é o n ão sã o os filhos d a c a rn e q u e sã o filhos de
Cristo. Deus que é sobre tudo seja ben­ D e u s; m a s os filh o s d a p ro m e s s a sã o c o n ­
dito para sempre. Amém.” Esta inter­ ta d o s com o d e sc e n d ê n c ia . 9 P o rq u e a p a la ­
v r a d a p ro m e s s a é e s t a : P o r e s te tem p o
pretação faz deste texto uma doxologia, v ire i, e S a ra t e r á u m filho. 10 E n ã o so m e n te
e não uma declaração dogmática a res­ isso, m a s ta m b é m a R e b e c a , q u e h a v ia c o n ­
peito da pessoa de Cristo. Esta concor­ cebido d e u m , d e Is a q u e , n o sso p a i 11 (pois
dância é geralmente baseada nos para­ n ã o te n d o os g ê m e o s a in d a n a sc id o , n e m
lelos de outras doxologias paulinas, em ten d o p ra tic a d o b e m ou n a l, p a r a q u e o
pro p ó sito d e D eu s seg u n d o a e le iç ã o p e r m a ­
que Deus, e não Cristo, é o objeto (II n e ce sse firm e , n ã o p o r c a u s a d a s o b ra s ,
Cor. 11:31; Gál. 1:3; Rom. 1:25; 11:36; m a s p o r a q u e le q u e c h a m a ) , 12 foi-lhe d ito :
Fil. 4:20; Ef. 1:3). Não há nenhum outro O m a io r s e r v ir á o m e n o r. 13 C om o e s tá
paralelo em que o título “Deus” é usado e s c r ito : A m ei a J a c ó , e a b o rr e c i a E s a ú .
para Jesus. 43 Ele era o Filho de Deus,
mas não Deus (1:3); e esse “binitaria- O problema da soberania de Deus e da
nismo” foi o primeiro passo na direção responsabilidade do homem encontram a
do trinitarianismo (I Cor. 8:6; 11:13; 15: sua declaração clássica na Escritura
24). O trinitarianismo aparece em Paulo contida nos dois próximos capítulos.
pela primeira vez em I Coríntios 12:4-6 Dodd e Bruce os esboçam segundo estes
(cf. Rom. 15:15,16). É um unitarianismo tópicos: soberania de Deus (9:1-29);
da segunda pessoa que chama Jesus de responsabilidade do homem (9:30—
Deus, e infindável confusão de pensa­ 10:21). De maneira geral isto é verdade,
mento resulta disso, quando é conside­ mas a eleição de Deus e o fracasso de
rado piedosamente. Paulo está seguindo Israel fazem com que o conteúdo se torne
o padrão de uma berakah (bênção; cf. ainda mais específico.
Sal. 41:13; 72:18; 103:1; 106:48) he­ É bom recordar o que foi dito a res­
braica. Bruce oferece todas as evidências peito da predestinação anteriormente
para se chamar Jesus de Deus, mas em (8:28-30), ao ser considerado o conceito
seguida concorda com “a legitimidade da corolário de eleição. Bem disse Dodd que
pontuação alternativa” , na versão da a promessa de Deus tem a ver com “um
RSV, e apelida de ultrajante a tentativa todo corporativo, seja qual for a atitude
de lançar dúvida sobre a ortodoxia dos ou comportamento individual dos isra­
tradutores e comentaristas que preferem elitas” e “mesmo que todo o Israel, como
essa versão para este versículo. É sufi­ nação, seja rejeitado, a promessa de
ciente dizer-se que a divindade de Jesus Deus não foi quebrada” . Barrett avan­
de forma alguma depende deste texto çou o conceito corporativo ainda mais,
específico. Ela é abundantemente con­ considerando que a eleição “tem lugar
firmada em outras passagens. sempre e apenas em Cristo” . E, outra
vez: “São eleitos os que estão nele; os que
43 Vincent Taylor, The Person of Christ in the New Testa­ são eleitos estão nele (cf. Gál. 3:29).
ment Teaching (London: Macmillan, 1958), p. 55-61.
“Does the New Testament Call Jesus God?” The Expo*
É uma falha lembrar isto, que causa
sitoryTimes, LXXIII(1961-62), p. 116ess. confusão sobre a doutrina paulina de
NOTA DO TRADUTOR: O autor deixa de considerar eleição e predestinação.” A eleição é o
Atos 20:28, onde Jesus é claramente chamado de Deus,
e onde se diz que “ Deus” “ adquiriu” a Igreja “com seu propósito seletivo de Deus, em Cristo,
próprio sangue” . para a salvação da humanidade.
Tendo em mente o acima exposto, o enhardt). Este é o significado da promes­
argumento de Paulo de que a promessa sa, da maneira como Paulo aplica Gêne­
de Deus, em seus oráculos ou sua palavra sis 18:10. Um oponente poderia, con­
(3:2), não falhou, embora a maior parte tudo, argumentar que Ismael era apenas
de Israel não tivesse crido, é sensato. o filho de uma escrava, e não um verda­
Paulo apresenta, para discussão, uma deiro paralelo a Isaque, filho de Sara,
estrutura de referência como esta: (1 ) verdadeira esposa de Abraão; de forma
Á promessa de Deus a Israel não pode que um segundo argumento responde
falhar; (2) a promessa é cumprida em antecipadamente a esta objeção.
Cristo; (3) e a maior parte de Israel Este segundo argumento apela para os
rejeitou Cristo; (4) mas Deus ainda filhos de Isaque. Jacó e Esaú tinham
cumprirá a sua promessa, através de um o mesmo pai e a mesma mãe. De fato,
remanescente presente em Israel, dos eles eram gêmeos, no mesmo ventre.
gentios que crêem e de uma restauração Mesmo antes de nascerem, antes que
final de Israel. Tudo isto concorda com o tivessem feito algo bom ou mau, Rebeca
seu propósito seletivo, ou eleição. foi informada que Jacó seria o filho da
Á fidelidade de Deus à sua promessa é promessa, e Esaú, o mais velho, serviria
confirmada por uma premissa impor­ a Jacó, o mais novo (Gên. 25:23). Este
tante: “Pois nem todos os que são des­ processo de seleção soberana foi para que
cendentes de Israel são verdadeiramente o propósito de Deus segundo a eleição
Israel” (9:6; Barrett). Isto é ilustrado permanecesse. A união de propósito e
pela referência aos filhos de Isaque eleição realmente interpreta a eleição
(v. 10-13). A tradução da IBB de des­ como o propósito seletivo de Deus na
cendência, em lugar de sperma (semen­ história. Um segundo argumento não é
te), faz com que o significado perca algo necessário, para se provar a discussão
de sua força, visto que sperma é um a respeito da promessa, mas o exemplo
conceito corporativo, que permite um de Jacó e Esaú é bom demais para passar
significado tanto individual como cole­ despercebido como ilustração de que a
tivo (II Cor. 11:22; Gál. 3:16,29; Rom. eleição não é por causa das obras, mas
4:16-18). Existe também a distinção por causa daquele que chama (cf. 8:30).
entre a semente natural e a semente A citação de Malaquias 1:2,3 tem feito
espiritual (v. 7), e isto é esclarecido mais muitos modernos encolher-se de medo,
amplamente pela distinção feita entre mas Paulo acha que ela é um a prova
os filhos da carne e os filhos da promessa concludente para o seu argumento. Em
(cf. Gál. 4:21-31). As palavras são con­ Malaquias, Jacó e Esaú não são indi­
tados representam aquele verbo impor­ víduos, mas grupos, como claramente
tante usado em Gênesis 15:6, que for­ indica a identificação de Esaú com Edom
mava a base da tipologia da justificação (Mal. 1:4). Jacó e Esaú há muito tempo
elaborada por Paulo (4:3,6,8). estavam mortos como indivíduos, de
Nenhum israelita iria dizer que os forma que isto é o que Dodd chamou de
ismaelitas pertenciam ao povo de Deus, “um todo corporativo” . O verbo amei
que herdava a promessa, de forma que não é problema para o leitor moderno,
eles não podiam dizer que os filhos de mas aborreci (odiei) requer algum co­
Abraão incluíam todos os seus descen­ mentário. Leenhardt diz que amor e ódio
dentes naturais. Somente de Isaque são virtualmente sinônimos de escolher e
ou em Isaque (v. 7 e 10) é chamada ou desprezar, e ele oferece uma longa nota
considerada a verdadeira descendência para defender o seu ponto de vista. Le­
(Gên. 21:12). Ser chamado significa enhardt escreveu o seu comentário como
tanto ser trazido à existência quanto um dos sucessores de Calvino em Ge­
receber uma “vocação especial” (Le- nebra, de fato para celebrar o quadri-
centésimo aniversário da Universidade, e humana em geral. Dificilmente Paulo
ê um sinal benfazejo verificar as suas pode chamar de consciência humana o
modificações na rígida doutrina de elei­ seu testemunho, e se recusa a ouvir a
ção, geralmente associada com o calvi- consciência do seu oponente. A sua res­
nismo. posta não é nem “determinismo anti­
Concordando com Leenhardt, Barrett ético” nem “um ataque contra Deus” .
sugere que se faça a tradução dessa É evidente que Paulo está passando
expressão idiomática hebraica como pela história da salvação de Israel, ao
“preferi Jacó a Esaú” . Este parágrafo apelar para Moisés, depois de ter ape­
retomou à definição de um verdadeiro lado para os patriarcas. O seu estilo, ao
israelita como pessoa que tem a fé que dizer: Porque diz a Moisés... diz a Escri­
Abraão tinha na promessa, e não como tura a Faraó, equilibra o lado brilhante
aqueles que têm apenas a sua came dos atos de Deus com o lado escuro. Se
(cf. 2:28,29; 4:11-22). Esta maneira de Deus tivesse sido nada mais do que quan­
pensar deixa a porta aberta para os do falou a Moisés, Israel teria perecido,
gentios, e Deus abandona os pecadores pois a revelação da misericórdia de Deus
israelitas que o abandonam, da mesma se seguiu ao episódio do bezerro de ouro;
forma como abandona os pecadores mas a oração de Moisés abriu as portas
gentios em sua iniqüidade e injustiça da misericórdia (Êx. 33:19). A expressão
(1:24,26,28). A came de Abraão não do que corre é uma alusão ao atletismo,
reverte o julgamento de Deus (Mat. tirada da diatribe estóica, geralmente
3:7-10). usada por Paulo no bom sentido da luta
do crente para alcançar o alvo (I Cor.
3) Eleição e Justiça de Deus (9:14-18) 9:24,26; Fil. 2:16; 3:12), mas é usada,
14 Q ue d ire m o s, p o is? H á in ju s tiç a d a
aqui, em relação às obras meritórias
p a r te de D eu s? D e m odo n e n h u m . 15 P o r ­ (cf. v. 11). Contra o pano de fundo do
que diz a M o isés: T e re i m is e ric ó rd ia de episódio do Velho Testamento, todo o
q u em m e a p ro u v e r t e r m is e ric ó rd ia , e te r e i argumento magnifica a misericórdia de
c o m p aix ão d e q u e m m e a p ro u v e r te r c o m ­ Deus mais do que a sua justiça (cf.
p a ix ã o . 16 A ssim , p ois, isto n ã o d e p e n d e do
q u e q u e r, n e m do q u e c o rre , m a s d e D eu s, 4:3-5).
que u s a de m is e ric ó rd ia . 17 P o is diz a E s c r i­ As palavras da Escritura a Faraó,
tu r a a F a r a ó : P a r a isto m e s m o te le v a n te i: figura de Judas no Êxodo, apresenta o
p a r a e m ti m o s tr a r o m e u p o d e r, e p a r a q u e lado escuro. A Escritura é personificada
s e ja a n u n c ia d o o m e u n o m e e m to d a a te r r a . por Deus, indicação da alta estima em
18 P o rta n to , te m m is e ric ó rd ia d e q u e m
q u e r, e a q u e m q u e r e n d u re c e . que Paulo tinha o Velho Testamento.
Deus havia levado o Faraó do Êxodo
As reações a estes versículos variam “para o palco da história, a fim de
grandemente. Dodd chama o argumento mostrar o seu poder e se fazer conhecido
de Paulo de “ determinismo antiético” , em toda a terra” (Taylor). A escritura
mas Nygren acha que qualquer tentativa é Êxodo 9:16. A resistência de Faraó à
para justificar Deus, uma teodicéia, é vontade de Deus foi a ocasião de Deus
“imprópria” e é “um ataque contra para (1 ) exibir o seu poder no aconte­
Deus” . A questão da justiça de Deus foi cimento do Êxodo e (2) proclamar o seu
levantada em 3:5, mas foi deixada de nome a toda a terra. O efeito desse
lado, como maneira humana de falar evento sobre outras nações é mencionado
e incompatível com o fato de Deus ser o freqüentemente no Velho Testamento
juiz do mundo. Agora a questão é levan­ (Êx. 15:14,15; Jos. 11:10,11; I Sam. 4:8).
tada de novo, em estilo de diatribe, a fim Da mesma forma como o verso 16 é a
de que seja respondida de maneira acei­ conclusão da palavra de Deus a Moisés,
tável aos cristãos judeus e à consciência o verso 18 é a conclusão da sua palavra a
Faraó, e isto tem causado não pequena O opositor de Paulo, nesta diatribe, é
discussão. Tem sido dito que Paulo atri­ difícil de ser silenciado. A sua consciên­
buiu a Deus as más disposições de Faraó cia clama de novo, e desta vez é a respeito
(Dodd), mas isto não é verdade nem no da suposta perda da liberdade humana
Antigo Testamento nem em Paulo. Em na eleição. Ã sua pergunta dupla, Paulo
Êxodo, o endurecimento do coração de contra-ataca com uma pergunta quá­
Faraó é algumas vezes atribuído a Deus drupla, e três das perguntas são uma
(4:21; 7:3; 9:12; 10:1; 11:10; 14:17), mas parábola expandida do oleiro, modelo
outras vezes ao próprio Faraó (7:14,22; favorito de Deus no Antigo Testamento
8:15,32; 9:7). A palavra de Deus a (Jer. 18:1-6; Is. 29:16; 45:9; 64:8; Jó
Faraó, através de Moisés, teve o mesmo 10:9). Dodd protesta contra esta pará­
efeito que a lei. A lei trazia à consciência bola, dizendo que “um homem não é um
o pecado que já estava lá, e a palavra de vaso” , e que este “é o ponto mais fraco
Deus a Faraó trouxe à luz uma dureza de de toda a epístola” , e que Paulo “está
coração que já estava presente. O sol que embaraçado pela posição que assumiu” .
endurece o barro derrete a manteiga. Barclay pega garupa com Dodd, e caval­
O aroma de Cristo é “para uns, na ver­ ga em todas as direções, e até Knox e
dade, cheiro de morte para morte; mas Taylor dão apoio a esta superficialidade,
para outros cheiro de vida para vida” sem criticá-la.
(II Cor. 2:16). Da mesma forma como a
Uns poucos comentaristas entendem
palavra de Deus endureceu Faraó quan­
Paulo. Barrett timidamente foge ao con­
do ele resistiu, ela endureceu os de Israel,
que não atenderam quando foram cha­ fronto com os seus irmãos britânicos,
dizendo: “O argumento não é tão fraco,
mados (9:7; cf. Sal. 95:7,8; Heb. 3:7,
nem a analogia tão remota, como a prin­
15; 4:7). A resposta à questão da justiça
cípio parece.” Esta é uma declaração
de Deus é que Deus é não apenas justo:
suavizada e amigável, e Leenhardt não
ele é misericordioso e justo.
concorda nem com a rigidez calvinista
nem com o absurdo calvinista. O grande
4) Eleição e Liberdade de Deus (9:19-26) calor e falta de luz exibidos nas citações
acima refletem a controvérsia a respeito
19 D ir-m e-ás e n tã o : P o r q u e se q u e ix a
desta parábola, que é uma defesa da
ele a in d a ? P o is, q u e m re s is te à s u a v o n ta ­
d e? 20 M as, ó h o m e m , q u e m é s tu , q u e a liberdade e misericórdia de Deus, e não
D eus re p lic a s ? P o rv e n tu ra a c o isa fo rm a d a um ataque contra a liberdade e respon­
d ir á a o q ue a fo rm o u : P o r q u e m e fiz e ste sabilidade do homem. Deus, em sua
a s s im ? 21 Ou n ã o te m o o le iro p o d e r so b re o liberdade, pode usar os que nem o conhe­
b a rro , p a r a d a m e s m a m a s s a fa z e r u m b a r ­
ro p a r a u so ho n ro so e o u tro p a r a uso d e so n ­
cem, e Paulo pode ter exatamente esta
roso? 22 E q ue d ire is, se D eu s, q u eren d o idéia em mente. Havia pessoas, em
m o s tra r a s u a ir a , e d a r a c o n h e c e r o se u Israel, que questionavam o fato de Deus
p o d er, su p o rto u co m m u ita p a c iê n c ia os v a ­ ter usado Ciro no fim do cativeiro babi­
sos d a ir a , p re p a ra d o s p a r a a p e rd iç ã o ; lónico, e esta é a invectiva do profeta
23 p a r a qu e ta m b é m d e ss e a c o n h e c e r a s
riq u e z a s d a s u a g ló ria n o s v a so s d e m is e r i­ (Is. 45:9). Isto soa exatamente como a
c ó rd ia, q u e de a n te m ã o p re p a ro u p a r a a parábola do oleiro de Paulo, e deve ser
g ló ria, 24 os q u a is so m o s nós, a q u e m t a m ­ considerado enquanto Paulo argumenta
b é m ch a m o u , n ão só d e n tre os ju d e u s , m a s em favor da liberdade de Deus de usar
ta m b é m d e n tre os g en tio s? 25 C om o diz ele
ta m b é m e m O s é ia s :
certos vasos para os seus objetivos re­
C h a m a re i m e u povo a o que n ã o e r a m e u dentores.
p o v o ; e a m a d a à qu e n ão e r a a m a d a .
26 E su c e d e rá q ue no lu g a r e m q u e lh es
A primeira maneira errada de enten­
foi d ito : Vós n ão sois m e u p o v o ; der Paulo, que estimula protestos tão
a í s e rã o c h a m a d o s filhos do D eu s vivo. acalorados, refere-se ao vaso para uso
honroso e para uso desonroso. O calvi- Note-se que Deus suportou... os vasos
nismo tradicional aplicou a predestina­ da ira. Esses vasos são os objetos, não os
ção dupla ao texto, e saiu-se com a idéia instrumentos da ira de Deus (cf. Jer.
de que um vaso fora feito para salvação 50:25). Ele não os fez para a perdição,
e o outro para a condenação. Esta idéia como muitos supõem que Paulo esteja
foi levada ao extremo pelos Batistas falando. O particípio perfeito grego para
Predestinarianos das Duas Sementes no preparados é katértismena, indicando
Espírito (havia um grupo com esse que, no caminho da perdição, um certo
nome!), que ensinavam que o destino do estágio foi alcançado. Ele também é mé­
homem era predeterminado. Um uso dio ou passivo, e uma tradução literal
posterior, nos escritos paulinos, escolhe a da primeira palavra seria “tendo feito
parábola e aponta a responsabilidade eles mesmos para a perdição” , e do se­
humana quanto ao tipo de vaso em que gundo, “tendo sido feitos para a perdi­
a pessoa se torna. “Ora, numa grande ção” . O segundo não exclui a ação de
casa, não somente há vasos de ouro e de Deus; mas Paulo poderia ter usado pro-
prata, mas também de madeira e de katartizó (preparar de antemão, cf.
barro; e uns, na verdade, para uso hon­ II Cor. 9:5), se quisesse dizer que Deus
roso, outros, porém, para uso desonro­ os prepara de antemão para a perdição
so” (I Tim. 2:20). Os adjetivos gregos (ou destruição). Ele queria dizer que
traduzidos como “nobre” e “ignóbil” são Deus pacientemente suportou os vasos
os mesmos traduzidos como uso honroso de ira, que se haviam preparado para a
e uso desonroso, mas a coisa importante destruição.
que deve ser notada é que a pessoa pode Moffatt capturou o significado de
purificar-se por consagração do “senhor Paulo, traduzindo a pergunta desta for­
da casa” (II Tim. 2:21). ma: “Que dizer, se Deus, embora dese­
A segunda maneira errada de entender joso de exibir a sua ira e mostrar o seu
esse texto é ainda mais séria. A predes­ poder, tolerou mui pacientemente os
tinação dupla tem sido aplicada aos objetos da sua ira, maduros e prontos
vasos de Ira e aos vasos de misericórdia. para serem destruídos?” Bem, isto faz
No grego, a sentença condicional a prin­ muita diferença, e demonstra a magni-
cípio parece inacabada, estando a prótase ficente misericórdia de Deus para com
(cláusula se) sem a apódase (conclusão), o homem. Isto é um apogeu, e não o ponto
mas o grego algumas vezes usa a cláusula mais fraco de Paulo!
se para dizer que direis se (cf. Luc. 13:9; A preparação dos vasos de misericórdia
João 6:62) e a versão da IBB assim traduz para a glória de Deus (3:23; 5:2; 8:30)
a cláusula se (v. 22). Deus demonstra a é ato de Deus. Deus suportou os vasos de
sua ira e poder pela sua tolerância pa­ ira, e eles se tornaram, por si mesmos,
ciente dos vasos de ira. Tolerância pa­ objetos da ira de Deus; mas os vasos
ciente não faz de um homem um mero de misericórdia participarão da glória
vaso, como parece que Dodd pensa. de Deus, através da fé, pela graça de
Paciência é uma qualidade muito pes­ Deus, e não como resultado das suas
soal. Os vasos de ira desprezam “ as próprias obras. Visto que a participação
riquezas da sua benignidade, e paciência na glória de Deus é pela graça, através
e longanimidade, ignorando que a benig­ da fé, a porta está aberta também para os
nidade de Deus... conduz ao arrepen­ gentios. Os gentios podem tornar-se filhos
dimento” , e, ao fazê-lo, o “coração im­ de Abraão juntamente com os israelitas
penitente” entesoura ira para “o dia da (cf. 4:16; 9:6,8). Aqueles a quem também
ira e da revelação do justo juízo de chamou são aqueles que atenderam pela
Deus” , para usar palavras já discutidas fé, não só dentre os judeus, mas também
(2:4,5; cf. II Ped. 3:9). dentre os gentios (cf. 8:28-30). Deus
chama através da pregação do evangelho vão escapar do desastre de Jerusalém,
(10:14-18). desencadeado por Senaqueribe, mas
A prova bíblica agora é dos profetas. Paulo o aplica aos que escaparão da
Primeiro, os patriarcas, e depois Moisés, perdição. O filho de Isaías, Sear-Jasube,
e agora os profetas são chamados como era um sinal ambulante de profecia,
testemunhas da história da salvação. pois esse nome significa “um resto vol­
A vida de Oséias foi uma parábola, em verá” (cf. Is. 10:21). A maneira como
que ele, por misericórdia e amor inaba­ Deus executará a sua palavra, consu-
lável, estava disposto a aceitar como suas mando-a e abreviando-a, significa que
duas crianças ilegítimas, que sua esposa o Senhor certamente completará a sen­
dera à luz, e, mediante esta sua ação e tença e abreviará o tempo (gr., suntelõn
atitude, lhe foi revelado que Deus iria kaisuntemnõn).
fazer o mesmo para com Israel. Paulo A segunda citação (v. 29; Is. 1:9)
aplica isto aos gentios (cf. Os. 2:22,23). também faz referência à doutrina do re­
Bruce observou que este é, provavel­ manescente. Sodoma e Gomorra foram
mente, um testemunho que não era pe­ totalmente destruídas (Gên. 19:24,25),
culiarmente paulino (cf. I Ped. 2:10). mas o Senhor deixou uma semente (sper-
Oséias falou não apenas de um povo, mas ma, em grego; descendência, na IBB),
de um lugar onde isto aconteceria (v. 25; e através dessa semente ele cumprirá a
cf. Os. 1:10), mas a localização não é promessa com justiça e liberdade, sazo­
central. Alguns estudantes crêem que nadas pela misericórdia. A versão inglesa
Paulo esperava proclamar a inclusão dos NEB traduziu sperma como “o mero
gentios em meio ao povo de Deus, quando germe de uma nação” , mas desse germe
chegou a Jerusalém (cf. 15:7-13,22-29), o evangelho será proclamado até os con­
mais isto não é certo. É suficiente dizer fins da terra, e o propósito de Deus será
que Paulo cria que isso ia acontecer (11: realizado (veja o comentário sobre 9:7).
25). A doutrina do remanescente será A doutrina da eleição, que tantas vezes
usada outra vez mais adiante (11:5). tem sido interpretada em termos de um
determinismo chamado predestinação
5) Eleição e o Remanescente de Deus dupla, na verdade é um grande ensina­
(9:27*29) mento missionário e evangelístico. É uma
27 T a m b é m Is a ía s e x c la m a a c e r c a d e I s ­ das excentricidades da exegese, e uma
r a e l: A inda q u e o n ú m e ro dos filh o s de das distorções da doutrina cristã, o fato
Is ra e l s e ja com o a a r e i a do m a r , o r e m a n e s ­ de a eleição de Israel, feita por Deus
c en te é q u e s e r á sa lv o . 28 P o rq u e o S en h o r (9:1-29), ter sido interpretada de tal
e x e c u ta rá a s u a p a la v r a so b re a to r r a , con-
su m an d o -a e a b re v ia n d o -a . 29 E com o a n te s forma que se tornou impossível harmo­
d is s e ra I s a ía s : nizá-la com a responsabilidade de Israel
Se o S en h o r dos e x é rc ito s n ã o n o s tiv e sse pelo seu fracasso (9:30-10:21). Em deses­
d eixado d e sc e n d ê n c ia , te ría m o s sid o feito s pero, até Nygren não pôde fazer nada
com o S odom a, e se ría m o s s e m e lh a n te s a
G o m o rra.
melhor do que dizer que o esforço para
responder às perguntas da diatribe do
A exposição acerca da eleição agora oponente de Paulo é um ataque impró­
volta à premissa maior: “Pois nem todos prio contra Deus! Paulo usou a diatribe
os que são descendentes de Israel são a fim de responder aos “de baixo” .
verdadeiramente Israel” (9:6, cf. Bar­ Certamente Deus não se desagrada com
re tt). Desta vez o apelo é à conhecida os que são forçados a pensar “de baixo” ,
doutrina do remanescente salvo e salva­ quando ouvem humildemente a sua voz
dor, tão central nas profecias de Isaías. “de cima” . Até Nygren precisa pensar
Na primeira citação (v. 27 e 28; Is. como homem, e “ debaixo” . Bem pode ser
10:22,23), o profeta fala dos poucos que que as mãos mortas de Agostinho e Cal-
vino precisem ser retiradas da cabeça do justiça “da fé” e justiça “como que pelas
intérprete. Lutero se afastou dessa dou­ obras” (cf. 9:32). A primeira é centra­
trina, em suas últimas obras.44 lizada em Deus e é uma dádiva; a se­
gunda é centralizada no homem e é sa­
2. O Fracasso de Israel Diante de Deus lário devido (cf. 4:4). Como que pelas
(9:30-10:21) obras é uma boa tradução, e reflete a
1) A Justiça de Deus (9:30-10:13) opinião de Paulo de que tal coisa nunca
é atingida. A lei não foi atingida, de for­
(1) Cristo Como Pedra de Tropeço (9:30-
ma que ela não foi capaz de propiciar
33)
vida (Gál. 3:10,21). Pelo contrário, ela
30 Q ue d ire m o s, p o is? Q ue os g e n tio s, que produziu morte. Ajustificaçãopelafé não
não b u s c a v a m a ju s tiç a , a lc a n ç a r a m a j u s ­
tiç a , m a s a ju s tiç a q ue v e m d a fé. 31 M a s
é conquista humana.
Is ra e l, bu scan d o a le i d a ju s tiç a , n ã o a tin g iu A coleção de testemunhos cristãos con­
e s ta lei. 32 F o r q u ê ? P o rq u e n ã o a b u s ­ sidera a “rocha dos séculos” como sendo
c a v a m p e la fé, m a s com o q u e p e la s o b r a s ; e Cristo, mas ele se tornou uma pedra de
tr o p e ç a ra m n a p e d ra d e tro p e ç o ; 33 com o tropeço para Israel. Essas coleções foram
e s tá e s c rito :
E is q u e e u ponho e m Sião u m a p e d ra de usadas pela igreja primitiva nas discus­
tro p eço , e u m a ro c h a de e s c â n d a lo ; sões com os judeus, antes de ser escrito
e q u e m n e la c r e r n ão s e r á confundido. qualquer um dos livros do Novo Testa­
mento.45 O judaísmo já estava interpre­
A igreja em Roma era predominante­ tando Isaías 28:16 em sentido messiânico
mente gentia a essa época, e o fato de que (Leenhardt).
havia uma minoria judia era um proble­ O fato de serem citadas juntas as
ma. Se Deus elegera Israel, por que os mesmas duas passagens (Is. 28:16;
gentios haviam atingido a justiça de Deus, 8:14,15) em I Pedro 2:6-8 é evidência de
enquanto a maior parte de Israel havia que essa coleção é mais antiga do que as
fracassado? A resposta de Paulo para as cartas de Paulo ou de Pedro. A citação de
suas próprias perguntas, ainda propostas Pedro é mais longa, e introduz Salmos
em estilo de diatribe, toma a forma de um 118:22 entre as duas passagens de Isaías;
ensino lapidar, na Epístola aos Roma­ a passagem paulina introduz idéias de
nos, e é uma coleção de testemunhos tropeço e da rocha (petra) em Isaías 8:14
cristãos, tirados das Escrituras. Esse ensi­ e em Isaías 28:16. Uma pedra de tropeço
no lapidar é a justificação pela fé (cf. (proskomma) é uma pedra solta, que
caps. 1 a 4). pode ser rolada, porém rocha é (petra)
A primeira pergunta de Paulo tem-se uma pedra subterrânea, que se eleva
tomado familiar, a esta altura: Que dire­ acima do solo, para fazer o viajante
mos, pois? A sua resposta primeiramente tropeçar. Cristo é identificado com a
encara os gentios (v. 30), e depois, Israel pedra solta na primeira linha, e com a
(v. 31). Os gentios haviam alcançado uma pedra subterrânea, na segunda. Ante­
justiça que não haviam buscado, pois riormente, Paulo havia chamado Jesus
ajustiça que vem da ié é alcançada, e não de petra no deserto (I Cor. 10:4), e é
buscada. Israel, por outro lado, buscara possível que a petra seja Cristo em
a lei da justiça, e fracassara. Leenhardt, Mateus 16:18.
com propriedade, chamou este fato de
“paradoxo da justiça” .
A resposta à segunda pergunta tira a 45 J’ Rendel Harris, Testimonies (Cambridge: University
conclusão e estabelece a diferença entre Press, 1916), I, 18,19,26-32; Vicent Taylor, The Names
of Jesus (New York: St. Martin’s Press, 1953), p. 93-99;
S. H. Hooke, “The Corner-Stone of Scripture'*, em
44 Emil Brunner, The Christian Doctrine of God, trad, The Selge Perilous (London: SCM Press, 1956), p. 235
para o ingles por Olive Wyon (Philadelphia: Westmins­ e ss.; A. M. Hunter, Paul and His Predecessors, nova
ter, 1949), p. 303-353. edid&o revista (London: SCM Press, 1961), p. 73 e ss.
0 fracasso de Israel em não ter conse­ 8:3; Gál. 4:15; Col. 4:13), e ninguém é
guido edificar sobre o alicerce de Jesus, mais qualificado do que o apóstolo: “Pois
o Messias, a pedra e rocha, fez dele a já ouvistes qual foi outrora o meu pro­
pedra de tropeço e rocha que os fez cair cedimento no judaísmo, como sobrema­
(cf. Mar. 12:10; At. 4:11; I Cor. 1:22,23; neira perseguia a igreja de Deus e a
3:11; Ef. 2:20). Os que crêem no Mes­ assolava, e na minha nação excedia em
sias não serão confundidos. A idéia do judaísmo a muitos da minha idade, sendo
texto de prova aqui é explicar por que extremamente zeloso das tradições de
Cristo, o Messias, não desaponta os que meus pais” (Gál. 1:13,14; cf. Fil. 3:6;
crêem, emborá ele tenha sido o instru­ At. 22:3). Zelo sem conhecimento é fana­
mento de destruição para a maior parte de tismo, porém zelo com conhecimento é
Israel, que não creu. entusiasmo genuíno, e os dois são infe­
lizmente confundidos hoje em dia, como
(2) Cristo Como o Fim da Lei (10:1-4) eram no legalismo judaico.
Em segundo lugar, esta falta de enten­
1 Irm ã o s , o b o m d e se jo do m e u c o ra ç ã o e
a m in h a sú p lic a a D eu s p o r I s r a e l é p a r a dimento originou-se em um falso enten­
su a sa lv a ç ã o . 2 P o rq u e lh e s dou te ste m u n h o dimento da justiça. A ignorância da
d e qu e tê m zelo p o r D eu s, m a s n ã o co m justiça que vem de Deus pela fé tende a
e n ten d im en to . 3 P o rq u a n to , n ã o co nhecendo fazer crescer o zelo da pessoa para esta­
a ju s tiç a d e D eu s, e p ro c u ra n d o e s ta b e le c e r belecer a sua própria justiça, uma justiça
a s u a p ró p ria , n ã o se s u je ita r a m à ju s tiç a
d e D eu s. 4 P o is C risto é o fim d a le i p a r a que se torna refugo pelo conhecimento
ju s tific a r a todo a q u e le qu e c rê . de Cristo (Fil. 3:7-11). A justiça de Deus
significa a ação de Deus em aceitar os
Estes versículos, bem à maneira de homens como justos, com base na fé (cf.
9:1-5, que termina com uma oração, 1:17; 3:21). A verdadeira justiça se ori­
começam com oração. Os irmãos de gina em Deus, mas a justiça própria se
Paulo, em 9:3, eram os seus “parentes origina no homem (sua própria). Se uma
segundo a carne” , mas agora ele fala, pessoa começa na direção errada, o
aos irmãos em Cristo, a respeito dos aumento do seu zelo e atividade apenas
judeus. Profundo desejo e genuína inter­ a levarão cada vez mais longe do seu alvo
cessão por Israel esperam o tempo quan­ correto. É por isso que Israel não se
do todo o Israel será salvo (11:26). É uma sqjeitou à justiça de Deus. Isto é outra vez
oração apontando para a salvação (eis fé contra obras (4:4;9:11).
sõterian, cf. 1:16). Isto empresta signi­ A terceira razão dada para a oração de
ficado ao uso de eudokia (boa vontade; Paulo leva o pensamento para o ponto
cf. Fil. 1:15; Ef. 1:5), traduzida como cardeal da relação de Jesus com a lei.
desejo, vontade, e boa mente. Barrett Ele é o fim (telos) da lei, para os crentes.
traduz essa palavra como “o desejo do Telos pode significar cumprimento ou
meu coração” , e isto expressa a idéia término. O significado primário aqui é o
hebraica de ser o coração o centro de primeiro, pois Cristo aponta para a jus­
decisões. Leenhardt comenta bem que tiça (eis dikaiosunên). “Foi do agrado do
a predestinação determinista não ora Senhor, por amor da sua justiça, engran­
como Paulo! decer alei e torná-la gloriosa” (Is. 42:21),
O uso tríplice de gar (porque, por­ e foi isso que Deus fez em Jesus. Ele veio
quanto, pois), nos três versículos seguin­ não para abolir a lei e os profetas, mas
tes (em grego), dá razões para esta ora­ para cumpri-los (Mat. 5:17). A justifi­
ção. Antes de tudo, há um zelo por Deus cação pela fé não “ subverte” a lei, ela
em Israel, embora não seja de acordo com “estabelece a lei” (3:31). Paulo não está
o conhecimento (epignõsis). Paulo muitas ensinando um antinomianismo barato.
vezes se oferece como testemunha (II Cor. O que Paulo diz em 8:3,4 é bem exato.
Ele é o fim da lei como término apenas Deuteronômio 9:4 apresenta também um
nos que crêem, ele é o fim da lei para jus­ contraste entre a justiça de Israel e a
tificar a todo aquele que crê. Este é o fim justiça de Deus: “Não digas no teu cora­
da dispensação da lei, pois “ agora, sem ção: por causa da minha justiça é que o
lei, tem-se manifestado a justiça de Deus, Senhor me introduziu nesta terra para a
que é atestada pela lei e pelos profetas; possuir” (cf. 8:17).
isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Esta idéia é expandida com citações de
Cristo para todos os que crêem” (3:21, Deuteronômio 30:11-14, descrevendo o
22). Em Cristo a justiça de Deus foi reali­ mandamento que sugere para Paulo a
zada e em Cristo a justiça de Deus pode verdadeira reação do coração à morte e
ser recebida e realizada na vida de fé. Sem ressurreição de Cristo, acontecimento
a fé a lei ainda reina, mas Cristo nos central da salvação (1:4; 4:25; 5:10,17;
redimiu como filho de Deus e herdeiros 6:4-10; 8:11,34). Deus trouxe Cristo para '
que outrora estavam sob a lei (Gál. perto da mesma forma como trouxe o
4:4-7; cf. Ef. 2:15). mandamento para perto. Não é neces­
sário nem possível precipitar a encarna­
(3) Cristo Como Senhor (10:5-13) ção por esforço humano, pois isso já
5 P o rq u e M o isés e s c re v e q u e o h o m e m aconteceu; não é nem possível nem ne­
que p r a t ic a a ju s tiç a q u e v e m d a le i v iv e r á cessário descer ao abismo (isto é, à maior
p o r e la . 6 M as a ju s tiç a q u e v e m d a fé diz profundeza do mundo invisível dos
a s s im : N ão d ig a s e m te u c o ra ç ã o : Q uem espíritos) para fazer Jesus subir dentre os
su b irá a o c éu ? (isto é , a tr a z e r do a lto a
C ris to ;) 7 o u : Q uem d e s c e r á a o a b ism o ? mortos, pois Deus já fez isso também.
(isto é , a fa z e r su b ir a C risto d e n tre os A úmca cpisa_neçessária êj é neste _ato~
m o rto s). 8 M as q u e d iz? A p a la v r a e s tá justojde Deus.
p erto d e ti, n a tu a b o c a e no te u c o ra ç ã o ; A palavra da fé substituiu o manda­
isto é, a p a la v r a d a fé, q u e p re g a m o s. 9 P o r ­
que, se co m a tu a b o ca c o n fe s sa re s a J e s u s
mento, quando^Paulo-aplicou o ponto de
com o S en h o r, e e m te u c o ra ç ã o c re r e s que vista de Deuteronômio, ácerca da lei,
D eus o re s s u s c ito u d e n tr e o s m o rto s , s e r á s a Cristo (v.-8). Isto é possível, visto que
salv o ; 10 po is é co m o c o ra ç ã o q u e se c rê Cristo é o fim da lei. A palavra da fé
p a r a a ju s tiç a , e c o m a b o c a se fa z co n fissão que Paulo pregava era o evento histórico
p a r a a s a lv a ç ã o . 11 P o rq u e a E s c r itu r a d iz:
N inguém q u e n e le c rê s e r á confundido. da morte e ressurreição de Cristo (v.
12 P o rq u a n to n ã o h á d istin ç ã o e n tr e ju d e u e 9-11). A palavra aqui e o conteúdo obje­
g re g o ; p o rq u e o m e s m o S en h o r o é d e todos, tivo da fé, isto é, o evangelho (cf. Ef.
rico p a r a com todos os que o in v o c a m . 13 6:17; Heb. 6:15; I Ped. 1:25). A palavra
P o rq u e : T odo a q u e le q u e in v o c a r o n o m e do
S enhor s e r á salv o .
não é o acontecimento propriamente dito.
como aparece tanto na teologia corrente;
| A importância da fé tem sido assunto é, sim, a proclamação desse aconteci­
central nos últimos dois parágrafos, mas mento. A idéia de um acontecimento-
ela agora é expandida e focalizada no palavra teria soado como especulação
I senhorio de Cristo. A justiça da fé é outra |gnóstica, para Paulo, como de fato é.
"A vez contrastada com ~ã^justiçã da lei. J O evento que ele proclamava era histó­
*p ponto de vista jiacerdotal .da lei,_em rico: o ato justo de Deus ria morte e
^ v í5 c 5 T 8 n O Tmencíônãdoem Gálatas ressurreição de Cristo.
3T l27^ãradizer que a pessoa precisa É por isso que é necessário distinguir
guardar a lei para ganhar a vida, e Paulo entre a fé jjbjetiva^do^credo e a fé sub^
tem a firme convicção de que isto é feito jetiva na confissão. Ambas estão pre-
apenas em Cristo. jO ponto dejista^pro-^ s5ntesTA"7õrmã~mais curta do credct-é
iéticQ^ da lei, em Deuteronômio 9:4 e “Jesus-Senhor” , mas isso é resultado da
3ÕTÍ1-147 é apresênta3õ~~cõínõ téste- morte e ressurreição de Cristo (cf. 1:4).
munho da justiça da fé. O contexto de “Saiba... toda a casa de Israel que a esse
mesmo Jesus, a quem vós crucificastes, de Cristo, tem um longo comentário a
Deus o fez Senhor e Cristo” (At. 2:36). respeito do batismo (I Ped. 3:18-22).
Na alta cristologia de Filipenses 2:6-11 48 A confissão com os lábios é ato muito
hâ um grande Euio, descrevendo como proximo da “indagação de uma boa
Cristo não se aferrou à “igualdade com consciência para com Deus” (I Ped.
Deus” , mas Deus lhe deu “o nome que é 3:21). Confissão^ é assunto importante e
sobre todo nome’’. 46 __ ato importante em o Novo Testamento
Algumas pessoas têm dito que(Paulo) (ITim . 6:12; Fil. 2:11; Heb. 4:14; 10:23;
seguiu as idéias religiosas do mundo João 9:22; I João 4:2,15). O paralelismo
helénico, quando chamou (Jesus) àefSe- hebraico faz de confissão e crença, bem
nhor^ 7 O culto imperial falava de “nosso como de justiça e salvação, dois lados da
Senhor César” , e as jgligiões^de mistério^ mesma moeda (cf. Mat. 12:34-37; Luc.
usavam termos como “nosso Senhor 6:45): “Pois é çpm o coração que se crê
Osiris” . Paulo conhecia esse mundo de para a justiça, e com a boca se faz
pensamento, pois disse: “Pois, ainda que confissão para a salvação.”
haja também alguns que se chamem Á salvação é outra vez futura (10:9,10;
deuses... todavia, para nós há um só cf. 1:6; 5:9,10; 8:24; 10:1,13; 11:26;
Deus, o Pai, de quem são todas as coisas 13:11). A confissão é feita apontando
e para quem nós vivemos; e um só Senhor, para a salvação (eis sòtêrian, 10:10).
Jesus Cristo, pelo qual existem todas as “Paulo quer dizer que os crentes, já
coisas, e por ele nós também” (I Cor. justificados, serão salvos no último dia,
f 8:5,6). A maior parte dos comentaristas embora, sem dúvida, ele não negue que os
hoje enTdia crê que Paulo usou a idei> efeitos preliminares da salvação já estão
tificacão palestina de Jesus com o Senhor se manifestando através da obra do
do Velho Testamento. A presença das Espírito Santo” (Barrett; cf. 8:24). K
palavras aramaicas mãrãnã’ thá’ (“Nosso ^confissão com os lábios leva à salvação
Senhor, vem!”) em I Coríntios 16:22, somente quando se crê para a justiça.
bem como em um manual esclesiástico Esta é a verdadeira subjetividade da fé . __
bem antigo, chamado Didaquê (10:6), . A universalidade da fé oferece_oca-
é forte evidência desta origem. minho J3l~íus5cã~pãrãtodos (v. 11-T3).
<T Este acontecimento objetivo não salva" ( Primeiro^não há desilusões. “Quem nela
v enquanto não houver confissão subietivaí crer não será confundido” (9:33). E,
^ { áé- Jesus como Senhor, e isso homem/ daí, não há diferença. Não houve dife­
( algum pode fazer, “senão pelo Espírito'' rença no pecado (3:22.23), e não haverá
/S a n to ” (I Cor. 12:3). A subjetividade da i diferença na salvação, pois o mesmo
■ fé é mais do que crença no Jesus histó- Senhor o é de todos, rico para com todos
1 rico e na historicidade de sua morte e os que o invocam. As riquezas de Deus em
s ressurreição, pois, pelo evento de Cristo, / Cristo incluem tanto graca como glória
o Senhor vivo foi trazido para perto, (H ^ÍÍ-33; I Cor. 1:5; Fil. 4:19; Col.
através da obra do Espírito Santo. MuitõT* 1:11; Ef. 2:4-7; 3:8). Clamar a Deus ou
/'com entaristas crêem que esta é uma pri­ invocar o nome de Deus é a expressão
mitiva confissão batismal de fé ., visto exterior de fé, bem no sentido de confis­
que o batismo era freqüentemente admi­ são (10:14). Finalmente, não haverá
nistrado “em nome do Senhor, Jesus” exceções. Como prometeu Joel 2:32:
(At. 8:16; 19:5). Um conhecido hino ba­ “E há de ser que todo aquele que invocar
tismal, a respeito da morte e ressurreição o nome do Senhor será salvo.” Joel estava
pensando em uma salvação escatológica,
46 Ralph Martin, op. cit.
47 Wilhelm Bousset, Kyrios Christos, trad, para o ingles 48 Bo Reicke, The Disobedient Spirits and Christian
por John E. Steely (Nashville: Abingdon Press, 1970). Baptism (Kobenhave: £ . Munskgard, 1946).
no limiar do dia do Senhor, e Paulo, Senhor” . O oponente objeta com o que
indubitavelmente, tinha em vista a era, sem dúvida, um problema também
mesma coisa. Existe apenas um caminho paraPaulo(v. 14,15a):
de salvação, tanto para judeus como para Como, pois, invocarão aquele em quem não
gentios, e esse caminho é através do creram?
Senhor Jesus. Joel referia-se ao Senhor do e como crerão naquele de quem não ouviram
pacto, quando disse “ Senhor” , e Paulo falar?
referia-se a nada menos do que isto, e como ouvirão, se não há quem pregue?
E como pregarão, se não forem enviados?
quando aplicou esse nome a Jesus (Fil.
2 :6- 11). A primeira linha não tem fraquezas,
pois ninguém certamente invoca o nome
2) A Responsabilidade de Israel (10:14- de alguém em quem não crê. JEg. é jj.
21) condiçãõpr^õaL^ara_sejnvo^rvo ^ s a h ^
(1) O Evangelho a Israel (10:14-17) Eles certamente não crerão naquele a
respeito de quem nunca ouviram falar, e
14 G om o, pois, in v o c a r ã o a q u ele e m q u e m não ouvirão o que nunca foi proclamado,
n ão c r e r a m ? e com o c re rã o n a q u e le de e não há proclamação onde não há pro-
q u em n ão o u v ira m f a l a r ? e co m o o u v irão , clamador. O verbo enviados é da mesma
se n ão h á q u e m p re g u e ? 15 E com o p r e g a ­
rã o , se n ão fo re m e n v ia d o s ? a s s im com o raiz que a palavra “apóstolo” .^Pauio^senT
e s tá e s c r ito : Q uão fo rm o so s os p é s dos que duvida, tinha em mente & sua própria
a n u n c ia m c o isa s b o a s! 16 M a s n e m todos missão apostólica aos gentios. A revelação
d e ra m ouvidos a o e v a n g e lh o ; p o is Is a ía s preparatória, na criação e no velho pacto,
diz: S en h o r, q u e m d eu c ré d ito à n o ss a m e n ­
sa g e m ? 17 L ogo, a fé é p elo o u v ir, e o ou v ir
não tornou a sua missão apostólica des­
CV . p e la p a la v r a de C risto. necessária. As séries não têm nem um elo
fraco na corrente.
Os comentários geralmente são vagos Qual é, poiSj, a resposta jle Paulo? É
£ e incertos quanto ao significado destes sim plesedjretaTT sraerlm vIur^nasnão
versículos. A interpretação oferecida creu, de forma que é responsável p q t não
aqui deve ser considerada como tentativa ter conseguido atingir a ju s tiç a He D e u s .
e exploratória. Parece que as interroga­ Esta conclusão pode ser provada com as
V ções e citações do Antigo Testamento, próprias Escrituras de Israel. A própria
neste parágrafo e no seguinte, têm o pabívríP ^évan^ passagem
objetivo de servir de preparação para o que Paulo cita agora (Is. 52:7). Ela foi
capítulo que segue. O evangelho a Israel usada pela primeira vez por esse profeta,
(v. 14-17) constitui paralelo com a pro­ no fim do cativeiro babilónico (Is. 40:9;
clamação a Israel(ll: 1 -10), e o evangelho
£ aos gentios (ÍÜTI8-2 1), naralelo com a
41:27). Havia um evangelho em Isaías!
Israel ouviu. Audjçãçrrião era o problema:
salvação dos gentios ( 11:11-24). A solu­ prestar atenção erã o problema ísraeT
ção para o problema de Israel encerra a \ ouviu, mas não atendeu. Paulo não se j
terceira parte da carta (11:25-36; cf. enforca com a sua própria corda, pois a I
o 10:2 1). iprimeira linha de sua sorites tem as con- j
O oponente de Paulo objeta ao argu­ itundentes palavras: não creram. Uma;
mento, assim, com o que pode ser o parte do quarto Cântico do Servo é usada;
proverbial cântico de Paulo na forma de jcomo prova(10:16; cf. Is. 53:1). Pode ser
uma sorites, em que o predicado lógico ■que Paulo esteja novamente usando umaj
de uma cláusula se torna o sujeito lógico coleção de testemunhos (cf. João 12: >
da seguinte (cf. 8:30). (?àulo\itou Joel 38-40).
2:32, que diz que os que invocassem _o 1 Pode ser que o v. 17 tenha as duas
nome do Senhor seriam salvos. Mas(foél) últimas linhas de uma sorites de seis
2:31 fala do “grande e terrível dia do linhas, mas isto não são respostas, mas
interrogações. A palavra grega traduzida gunto ainda, o que é mais do estilo de
como “ouvir” (deram ouvidos, v. 16) é diatribe. A questão de ouvir enfatiza
a mesma palavra traduzida como ouvir outra vez o ponto de que Israel ouviu,
(v. 17), de forma que liga a sorites e mas dessa vez ele vai além de Israel, para
Isaías53:l. dizer que há um evangelho universal,
proclamado em toda a ordem da criação
Logo, a f é é pelo ouvir,
e o ouvir pela palavra de Cristo. (Sal. 19:4).
Novamente Dodd fica irritado com o
Paulo cria na justificação pela fé como uso que Paulo faz da Escritura e declara
agora ela é revelada em toda a sua jpíe- que ele “ignora o fato de que as pala­
nitude em Cristo. E muito mais antiga do vras deste salmo se referem aos corpos
que Isaías, pois houve um evangelho a celestes, que ‘declaram a glória de Deus’,
Abraão. “Ora, a Escritura, prevendo que eas aplica aos pregadores do evangelho” .
Deus havia de justificar pela fé os gentios, Paulo sabia muito bem que isto tinha a ver
anunciou previamente a boa nova a com a revelação de Deus nos corpos
Abraão” (Gál. 3:8). A promessa feita a' celestes, mas ele está declarando que
fAbraão era o evangelho, e todos os que há uma proclamação de Deus na sua
;têm a fé de Abraão são filhos dele e filhos criação, a todos as suas criaturas (cf.
de Deus. A alta estima em que Paulo tem 1:18-21). São os que rejeitam esta reve­
o Velho Testamento como testemunha de lação genérica de Deus, o que Dodd não
Cristo, o deixava à vontade quanto à faz, que têm mais problemas com Paulo.
maneira pela qual Israel ouvira a palavra Salmos 19 é um hino a Deus como criador
de Cristo (cf. IPed. 1:10-12; Heb. 1:1-4). (v. 1-6) e como doador da lei (v. 7-14),
A palavra de Cristo é a expressão literal e Paulo cria que Deus se revelava em
(alguns manuscritos dizem “a palavra ambos: a criação e a lei. Deus confrontou
de Deus”), e é a mesma coisa que “a Israel na criação e no pacto, e agora em
palavra da fé” (10:8). A “palavra da fé” Cristo. Esta revelação universal de Deus é
é conforme ao modelo de Deuteronômio muito importante para se entender por
30:14, que diz simplesmente “a palavra” . que todos os homens são responsáveis
pelos seus pecados (1:20,21). Uma nova
(2)O Evangelho aos Gentios (10:18-21) proclamação universal agora chegou na
18 M a s p e rg u n to : P o rv e n tu ra n ã o o u v ira m ? missão de Paulo aos gentios (Col. 1:5,
S im , p o r c e rto : P o r to d a a t e r r a sa iu a voz 6, 23).
d eles, A questão do entendimento (v. 19)
e a s su a s p a la v r a s , a té os co n fin s do m u n ­ sonda profundam ente, procurando
do.
19 M as p e rg u n to a in d a : P o rv e n tu ra Is ra e l provas de que Israel é responsável pelo seu
n ão o so u b e? P rim e iro diz M o isé s: fracasso. O opositor não pode dizer que
E u v o s p o re i e m c iú m e s co m a q u e le s q u e eles ouviram, mas não entenderam. Até
n ão sã o povo, co m u m povo in se n sa to os gentios, considerados tolos e inferio­
vos p ro v o c a re i à ir a . res por Israel, entenderam a palavra
20 E Is a ía s ousou d iz e r :
F u i ac h a d o p elo s que n ã o b u s c a v a m , de Deus dirigida a eles; de forma que
m a n ife ste i-m e a o s q u e p o r m im n ão p e r ­ Israel definitivamente entendeu, con­
g u n ta v a m . tando com todas as suas vantagens
21 Q uanto a Is r a e l, p o ré m , d iz : Todo o d ia (9:4,5). Moisés é chamado como teste­
e sten d i a s m in h a s m ã o s a u m povo re b e ld e e
c o n tra d iz e n te .
munha, e ele devia saber! Este não é
argumento, nem contra nem a favor da
A estrutura destes versículos não é tão autoria de Deuteronômio por Moisés,
incerta, pois a questão de ouvir é apre­ pois é apenas uma referência literária.
sentada com as palavras Mas pergunto e a A citação é do Cântico de Moisés (Deut.
questão do entendimento com Mas per­ 32:21). Bruce ressaltou como este cântico
foi importante na coleção de testemunhos b é m no te m p o p re s e n te ficou u m r e m a n e s ­
contra os judeus (cf. 9:33). Deuteronô- cen te seg u n d o a e le içã o d a g r a ç a . 6 M a s se
é p e la g r a ç a , j á n ão é p e la s o b r a s ; d e o u tr a
mio 32:5 foi usado em Filipenses 2:15; m a n e ira , a g r a ç a j á n ã o é g ra ç a .
32:16,17 em I Coríntios 10:20,22; e 32:43
(LXX) em Hebreus 1:6. A provocação de Os três parágrafos seguintes continuam
Israel pela resposta favorável dos gentios em estilo de diatribe: “Pergunto” (11:1),
ao evangelho será usada por Deus para “Pois quê?” (11:7) e “ Logo, pergunto”
converter Israel (11:11,12,18). Israel (11:11). A primeira pergunta pegará o
provocou a Deus “com o que não é leitor descuidado de surpresa, pois muitas
Deus” , de forma que Deus provocará pessoas, a esta altura, podem estar con­
Israel “com aquele que não é povo” cluindo que Deus rejeitou o seu próprio
(Deut. 32:21; cf. Rom. 9:25,26). povo. Isso foi categoricamente negado
Isaías é chamado como segunda teste­ anteriormente, nesta carta (3:3,4). Como
munha (10 :20), e ele foi ousado em dizer judeu, Paulo nunca seria capaz de dizer
que Deus foi achado pelos que não o que Deus havia rejeitado o verdadeiro
buscavam, e que ele se fez conhecido aos Israel. Paulo evitará isto agora, usando
que nem queriam saber dele. Não era as doutrinas proféticas do remanescente,
Deus que não estava interessado. Deus já apresentadas anteriormente (9:7,27-
buscou os que não o buscavam. Isaías 29), e a futura plenitude de Israel. A sua
65:1 estava, talvez, falando do povo de própria missão apostólica aos gentios,
Samária, e alguns israelitas os conside­ com raízes veterotestamentárias, une os
ravam indignos, embora fossem prosé­ dois ensinamentos proféticos.
litos (Leenhardt). Paulo aplicou este O próprio Paulo é prova de um rema­
versículo aos gentios, que, aos olhos dos nescente presente. O eu também sou
judeus, não eram melhores do que cães, israelita expressa a identidade de Paulo
e disse que Deus se fez conhecido deles. com Israel, da mesma forma enfática que
O rebelde Israel se coloca em agudo “sou apóstolo dos gentios” (11:13) o
contraste, e Isaías 65:2 é aplicado a ele. identifica com os gentios. Este testemu­
Deus está mais do que desejoso de dar as nho pessoal pode ser interpretado de
boas-vindas a Israel, mas a incredulidade duas maneiras. Alguns intérpretes têm
e desobediência deste o impediu de ir a dito que Paulo não estava dizendo nada
ele. mais que nenhum judeu jamais podia
dizer que Israel foi totalmente rejeitado;
3. A Restauração de Israel Operada por e ele era judeu. É mais provável que Paulo
Deus (11:1-36) esteja usando a si mesmo como exemplo
1) O Remanescente de Israel (11:1-10) do remanescente presente de cristãos
judeus.
(1) Remanescente Escolhido Pela Graça Michel menciona a interessante cone­
( 11:1-6) xão e lealdade de Benjamim a Judá, e
1 P e rg u n to , p o is : A caso re je ito u D eu s ao Judá era a tribo de Davi e o território da
seu povo? D e m odo n e n h u m ; p o rq u e eu santa cidade de Jerusalém, com que se
ta m b é m sou is ra e lita , d a d e sc e n d ê n c ia de relacionavam todas as promessas futuras.
A b raão , d a trib o d e B e n ja m im . 2 D eu s n ão
re je ito u a o se u povo q u e a n te s co n h eceu .
Saul, o primeiro rei de Israel, também
Ou n ão sa b e is o q u e a E s c r itu r a diz de proviera de Benjamim (cf. Fil. 3:5; At.
E lia s , com o ele fa la a D eu s c o n tra I s ra e l, 13:21). Benjamim é “o amado do Senhor
d izendo: 3 S en h o r, m a t a r a m os te u s p ro fe ­ (Deut. 33:12). Esta linha de argumento
ta s , e d e r r ib a r a m os te u s a lt a r e s ; e só eu não é levada avante, embora em outros
fiq u ei; e p ro c u r a m tira r- m e a v id a ? 4 M as
que lhe diz a re s p o s ta d iv in a ? R e s e rv e i p a r a lugares Paulo tenha a sua origem judaica
m im s e te m il v a rõ e s q u e n ão d o b ra r a m os em alta estima (II Cor. 11:22; Gál.
jo elhos d ia n te d e B a a l. 5 A ssim , p o is, t a m ­ 1:13,14; Fil. 3:5,6; cf. At. 22:3; 23:6).
Levar este fato adiante, a esta altura, O exemplo de Elias é apresentado como
poderia soar como j actância (cf. 2:17). explicação. “Paulo, como judeu, não está
A doutrina veterotestamentária do mais sozinho do que Elias estava”
remanescente é da maior importância. (Oxford Annotated Bible). Da mesma
Muitos dos últimos profetas usaram esta forma como havia um remanescente que
doutrina em tempos de crise. Amós pro­ não adorara o Baal cananeu, agora há
meteu que a casa de Jacó não seria total­ um remanescente em Israel que confessa
mente destruída, e que nenhum grão Jesus Cristo como Senhor. Baal significa
cairia por terra quando Israel fosse “senhor” ou “dono” , mas é o Senhor
peneirada entre as nações (9:8-10). Deus de Israel que é aplicado a Jesus.
Miquéias teve uma visão de Deus reu­ O grego tem uma forma feminina do
nindo o remanescente (2:12; 5:3), e Isaías artigo definido com o Baal masculino
fez dele uma doutrina de importância (11:4), e Bruce sugere que isto pode
(1:9; 6:9-13; 9:12; 10:22). Sofonias apro­ refletir a substituição do substantivo
veitou-se deste tema (3:12,13), e Jeremias feminino bosheth (vergonha) na leitura
previu o Senhor como fiel pastor reunindo pública da Escritura!
as suas ovelhas dentre as nações (23:3). Os rogos de Elias foram uma forma ae
Paulo foi além dos últimos profetas, intercessão por Israel, da mesma forma
voltou aos primeiros profetas, e usou Elias como Paulo também fez (9:1-3; 10:1).
como ilustração. A referência a Elias diz O verbo grego para interceder significa
“em Elias” (gr.), “expressão curiosa que suplicar (cf. 8:27), mas a intercessão de
reflete um uso de hebraico rabínico. Era Elias foi contra Israel. Paulo adiciona a
costume citar as porções da Escritura palavra Senhor e faz uma tradução livre
lidas na sinagoga com o nome do perso­ de I Reis 19:10,14. A Escritura é nova­
nagem principal de que elas tratavam” mente personificada, como se estivesse
(Barrett). Ê claro que Elias não escreveu falando (cf. 9:17). A resposta de Deus a
I Reis, e isso deve refrear a tendência, Elias personifica a resposta ou oráculo.
de muitas pessoas, de provar a autoria de O substantivo grego chrêmatismos (res­
livros do Velho Testamento com referên­ posta, oráculo) tem a mesma raiz que o
cias literárias encontradas em o Novo. O verbo chrématizõ (advertir), usado para
discurso de despedida de Samuel a Israel a comunicação de Deus (Mat. 2:12,22;
diz: “Pois o Senhor, por causa do seu Luc. 2:26; Heb. 8:5; 11:7). O conteúdo
grande nome, não desamparará o seu da comunicação feita a Elias é uma
povo; porque aprouve ao Senhor fazer de tradução livre de I Reis 19:18. As sete mil
vós o seu povo” (I Sam. 12:22). O sal­ pessoas eram as que seriam deixadas
mista afirma: “Pois o Senhor não rejei­ depois do morticínio (I Reis 18:40).
tará o seu povo, nem desamparará a sua A aplicação feita por Paulo, desta
herança” (Sal. 94:14). O seu povo ou ilustração de Elias, à situação presente,
herança são aqueles que ele antes co­ retoma às idéias de eleição e graça (11:
nheceu, e novamente, conhecimento 5,6). O tempo presente é outro uso do
prévio significa que o Senhor conheceu ou agora escatológico (3:26). Os escolhidos
escolheu ou amou-os antes que dessem segundo a eleição da graça são o verda­
qualquer resposta a ele (8:29). Não é uma deiro remanescente, os herdeiros das
resposta predeterminada ou inevitável. alianças e das promessas de Deus a
Deus permaneceu fiel, e o remanescente Israel. O verbo grego traduzido como
eleito são os que permaneceram fiéis a Reservei tem a mesma raiz que o subs­
Deus. Mais uma vez isto é prova de que tantivo remanescente em grego, e este é o
“nem todos os que descendem de Israel significado das palavras Assim, pois,
são verdadeiramente Israel” (9:7; Bar­ também (v. 5). Mais uma vez eleição é o
rett). propósito seletivo de Deus em ação
(9:11). Do mundo veio uma nação; de O próprio Paulo, talvez, esteja usando,
uma nação veio um remanescente; do contra os judeus, a coleção de testemu­
remanescente veio o Messias; e através nhos que é muito mais antiga do que
do Messias e de Israel Deus pretendia qualquer uma de suas epístolas (Bruce).
alcançar os gentios. Mas o fracasso de O fato de Israel ter rejeitado Jesus fez
Israel faz com que através do remanes­ com que a nação se tornasse endurecida
cente e dos gentios Deus provoque Israel e insensível. A palavra traduzida como
( 11 :11). dureza, aqui, não é a mesma usada
A graça de Deus nunca, em Paulo, a respeito de Faraó (9:18), mas o signi­
está longe da superfície (cf. 3:24; 9:11). ficado é o mesmo. Os corações gentios
O remanescente eleito, juntamente com estavam entenebrecidos por terem rejei­
Paulo, fez muitas boas obras (cf. Gál. tado a revelação de Deus na criação
1:14; Fil. 3:6), mas Paulo nega firme­ (1:21), mas o coração de Israel estava
mente que a eleição dependa delas. endurecido por ter rejeitado a revelação
As boas obras são o resultado da graça de Deus em Cristo.
de Deus (cf. Ef. 2:8-10). A versão King A coleção de testemunhos do Antigo
James reafirma este princípio (v. 66) no Testamento estava à mão como expli­
reverso, mas não tem o apoio dos melho­ cação: como está escrito. Uma combi­
res manuscritos. nação de Isaías 29:10 e Deuteronômio
29:4 resultou na metáfora de um espírito
(2) A Dureza do Remanescente (11:7-10)
entorpecido (v. 8). O substantivo grego
7 P o is qu ê? O qu e I s r a e l b u s c a , isso n ã o katanuxis (estupor) significa uma picada
o a lc a n ç o u ; m a s os eleito s o a lc a n ç a r a m ; que produz torpor, figura perfeita de
e o h o u tro s fo ra m en d u re c id o s, 8 com o e s tá
e sc rito : como uma consciência aguilhoada, sem
D eus lh e s d eu u m e sp irito e n to rp ec id o , arrependimento, leva à dureza de cora­
olhos p a r a n ã o v e re m , e ouvidos p a r a n ã o ção. Isaías 6:9,10 pertencia também à
o u v irem , a té o d ia d e h o je. coleção de testemunhos, e o quadro ali é
9 E D a v i d iz :
T o m e-se-lh es a su a m e s a e m la ç o , e e m
quase o mesmo: “Ouvis, de fato, e não
a rm a d ilh a , e e m tro p e ç o , e e m r e tr ib u i­ entendeis; e vedes, em verdade, mas não
ção ; percebeis” (cf. Mar. 4:12; Mat. 13:
10 e sc u re ç a m -se -lh e s os olhos p a r a n ão 14,15; Luc. 8:10; João 12:40; At. 28:
v e re m , e tu e n c u rv a -lh e s s e m p re a s c o s­ 26,27). Barclay menciona a estranha
ta s .
poesia de Bums:
Israel como um todo não... alcançou a
promessa (cf. 9:30,31; 10:3), mas o Eu abro mão da m ultidão de pecados,
O risco do ocultamento;
remanescente eleito a obteve, mediante a Mas, ai! eles endurecem por dentro,
obediência da fé. A descrença é apenas e petrificam os sentimentos!
parcial. Em Israel como um todo não ha­
via obediência ao que eles ouviam. A in­ Uma segunda citação diz que a incre­
credulidade de Israel era catastrófica: dulidade de Israel foi um laço e arma­
“A ira caiu sobre eles afinal” (I Tess. dilha (cf. Sal. 69:22,23). Pagis (laço) era
2:16). Isso foi escrito quase vinte anos uma rede usada para apanhar pássaros,
antes da queda de Jerusalém, em 70 d.C., e théra era uma armadilha de caçador.
e a Epístola de Paulo aos Romanos, não A festa de Israel, isto é, o altar judaico
menos de doze anos antes da queda de da exegese rabínica, havia-se tornado um
Jerusalém, de forma que a alegação de tropeço (skandalon, cf. 9:33), palavra
que o Evangelho de Marcos, como do­ que designa a isca colocada em uma
cumento anti-semita, fora o primeiro a armadilha. Enquanto Israel se reunia
atribuir a tragédia de Israel à sua rejei­ para comer a festa religiosa, não per­
ção de Jesus é teoria insustentável. cebendo uma catástrofe iminente, que se
originava do fato de a nação ter rejei­ de Israel como um todo em aceitar Jesus
tado Jesus, o seu sentimento de segu­ como o Messias, e (2) o sucesso da missão
rança como povo escolhido de Deus apostólica de Paulo aos gentios. Se Deus
havia-se tornado a estrada da ruína. cumprir a sua promessa a Israel, a pleni­
Reclinar-se sobre a mesa do banquete, tude dos gentios será seguida pela pleni­
comendo cegamente, se tomara figura da tude de Israel. A inveja de Israel se torna
escravidão ao sistema da lei (cf. Gál. central no parágrafo seguinte, mas os
4:25). Salmos 69, atribuído a Davi, era três pontos principais agora são coloca­
usado amplamente como testemunho dos em forma poética:
contra os judeus (v. 4 em João 15:25;
Ora, se o tropeço (paraptõm a) deles é a riqueza
v. 9 em João 2:17 e Rom. 15:3; v. 21 em do mundo,
Mat. 27:48; e v. 25 em At. 1:20, cf. e a sua diminuição (hêtêm a) a riqueza dos
Bruce). gentios,
quanto mais a sua plenitude (plérõma)!
2) A Salvação dos Gentios (11:11-24)
O fracasso de Israel, resultando de
(1) A Pergunta Repetida (11:11,12) sua queda ou tropeço, é uma derrota
11 L ogo, p e rg u n to : P o rv e n tu ra tr o p e ç a ­
r a m de m odo que c a ís se m ? D e m a n e ira
temporária, que o coloca agora em uma
n e n h u m a , a n te s , p elo seu tro p e ço v eio a posição de inferioridade em relação aos
sa lv a ç ã o a o s g en tio s, p a r a os in c ita r à e m u ­ gentios, de forma que agora os gentios
laçã o . 12 O ra , se o tro p e ç o d e le s é a riq u e z a precederão Israel no reino futuro de
do m u n d o , e a s u a d im in u iç ão a riq u e z a Deus. Salvação, no verso 11, não tem ver­
dos gen tio s, q u a n to m a is a su a p le n itu d e !
bo em grego, mas assim mesmo tem uma
Seria bom que a tradução da IBB orientação futura, com benefícios pre­
colocasse estes dois versículos em um sentes. Este é o significado costumeiro
parágrafo em separado, pois a resposta de héttéma (Is. 31:8; I Cor. 6:7). Barrett
concisa à importante pergunta “é o traduz hettema como “a redução do seu
ponto verdadeiramente crucial de toda número” , em contraste com plérõma,
a discussão do problema” (Knox). Israel como sendo o seu número “em plena
não tropeçou apenas para cair. Este seria força” , mas isto ainda coloca Israel em
o caminho para a sua destruição, e não uma posição temporária de derrota.
para a sua plenitude, e não era esse o Plérõma era usada para a carga completa
propósito final de Deus para Israel. ou tripulação completa de um navio.
O Antigo Testamento ensinava que a 51 A idéia volta a 11:15.
eleição de Israel feita por Deus final­
mente incluiria os gentios. 49 Israel de­ (2) A Inveja de Israel (11:13-16)
veria ser uma “luz das nações” (Is. 49:6). 13 M a s é a v ó s, g e n tio s, que fa lo ; e , p o r­
A princípio Jesus chamara Israel para q u an to sou a p ó sto lo dos g e n tio s, glo rifico
cumprir esta missão, mas fora rejeita­ o m e u m in is té rio , 14 p a r a v e r se de a lg u m
do. 50 O que podia ser feito então? m odo p o sso in c ita r à e m u la ç ã o os d a m in h a
Agora, Deus iria alcançar Israel através ra ç a e s a lv a r a lg u n s d e le s. 15 P o rq u e , se
a su a re je iç ã o é a re c o n c ilia ç ã o do m u n d o ,
dos gentios. Por esta razão, Paulo voltou- q u al s e r á a s u a a d m issã o , se n ã o a v id a
se dos judeus para os gentios, em sua d e n tre os m o rto s? 16 Se a s p rim íc ia s são
pregação (At. 13:46; 18:6; 28:28). sa n ta s , ta m b é m a m a s s a o é ; se a ra iz é
Dois fatos precipitam a fé na pleni­ s a n ta , ta m b é m os ra m o s o são .
tude futura de Israel: (1) O fracasso A incredulidade é apenas parcial e
temporária. O navio de Sião tem apenas
49 H. H. Rowley, The Biblical Doctrine of Election (Lon­ um projeto de tripulação ou remanes-
don: Lutterworth Press, 1952).
50 Joachim Jeremias, Jesus’ Promise to the Nations, trad,
para o ingles por S. H. Hooke (Naperville, 111.; A. R. 51 J. Armitage Robinson, St. Paul’s Epistle to the Ephe­
Allenson, 1958). sians (London: Macmillan, 1904), p. 259.
cente de israelitas a bordo, agora. Como admissão, senão a vida dentre os mortos?
será alcançado o restante, para que eles O resultado da rejeição temporária de
possam ser levados ao seu número com­ Israel, quanto ao Messias, significa re­
pleto? Paulo chamou este processo de conciliação, mas o que se quer dizer com
restauração de uma provocação a Israel “do mundo” ? A reconciliação do mundo
para crer. A palavra emulação (ciúmes) aconteceu como evento histórico obje­
foi apresentada com uma citação do tivo na morte e ressurreição de Cristo
Velho Testamento (10:19; Deut. 32:21), (II Cor. 5:18,19), mas aqui parece que o
e é usada novamente em 11:11. Agora ela significado faz referência à reconciliação
é explicada mais plenamente. Knox tem de judeus e gentios no mundo (cf. Ef.
a tendência de menosprezar esta incre­ 2:14-16). Não obstante, o mundo podia
dulidade em um processo de provocação, significar os gentios à parte de Israel. O
dizendo que é uma forma de raciona­ mundo já tem sido usado como referên­
lização. A razão está sendo usada para cia à herança de Abraão e seus verdadei­
explicar a esperança de que Deus ainda ros descendentes (4:13). O fato de Deus
será fiel à sua promessa a Israel, embora aceitar a Israel será uma ressurreição
haja uma queda temporária, mas, para como para com a fé de Abraão (4:17).
Paulo, isso era a revelação de um grande Desde o tempo de Orígenes muitos
mistério (11:25). comentadores têm identificado esta
O grego significa literalmente “minha passagem com a ressurreição dos mortos,
carne” , e não os da minha raça. O mas a expressão usada é descrição figu­
interesse por Israel foi tão longe que rativa da conversão de Israel à fé em
se tornou necessário dirigir-se aos gentios Jesus como o Messias (cf. Ez. 37:13,14).
e lembrar-lhes que a identificação de Vida dentre os mortos não é usado
Paulo com Israel não diminuía a impor­ aqui por Paulo para referir-se à “ressur­
tância da missão aos gentios (11:1,13). reição dos mortos” (I Cor. 15:12,13,21;
Paulo era o apóstolo aos gentios (cf. Rom. 6:5; cf. At. 17:32; 23:6).
Gál. 2:7-9; Rorn. 1:5; At. 9:15; 22:21). Um segundo paralelo confirma esta
A maioria dos cristãos em Roma, a esperança futura com o conceito he­
essa época, era de gentios. É o seu apos­ braico da santidade de Israel. Este é o
tolado aos gentios que oferece uma mesmo tipo de santidade que capacitara
esperança futura para Israel, quando Paulo a dizer que o marido incrédulo ou
o remanescente (Ieimma) será acrescen­ a esposa incrédula casados com um
tado ao número completo (pléróma). crente são santos (I Cor. 7:14). Uma
Dessa maneira a infidelidade de Israel parte santifica o todo, por causa da soli­
não anula a fidelidade de Deus (3:3). dariedade grupai ou familiar (11:16).
Isto levou Paulo a magnificar o seu mi­ As primícias e a raiz são paralelos
nistério apostólico aos gentios, a fim de como a massa e os ramos, mas o que
levar Israel a ver o que estava perdendo. significam? A metáfora das primícias é
A provocação ou emulação iria levar à tirada de Números 15:17-21 (LXX), onde
sua restauração, como herdeiro também a oferta de uma porção da massa (1/24)
das promessas de Deus feitas aos pa­ a Deus tornava toda a massa santa.
triarcas e profetas. Note-se que aqui ele A Mishnah contém regras minuciosas
espera salvar alguns deles (cf. I Cor. a respeito dessa santidade. Aplicado a
9:22), mas isso leva à salvação de todos Israel, isto significaria os patriarcas,
(11:26). especialmente Abraão. Paulo usa esta
A salvação de Israel através da emu­ metáfora em relação aos seus primeiros
lação é apresentada como paralelo con­ convertidos (16:5; I Cor. 16:15) e a Cristo
trastante: Porque, se a sua rejeição é a (I Cor. 15:20), mas aqui ele está se
reconciliação do mundo, qual será a sua referindo a Abraão e aos primeiros pa­
triarcas. Barrett, Leenhardt e Bruce A árvore mais cultivada na terra me­
estão em minoria ao interpretar as pri­ diterrânea tornou-se uma metáfora fa­
mícias como os judeus cristãos recém- miliar para Israel. Jeremias certa vez
convertidos. Paulo queria dizer que advertira: “Denominou-te o Senhor
Abraão tornara todos os seus descen­ oliveira verde, formosa por seus deli­
dentes santos, mas ele é o pai verdadeiro ciosos frutos; mas agora, à voz dum
apenas dos que crêem (4:11,12). grande tumulto, acendeu fogo nela, e se
A segunda metáfora confirma a quebraram os seus ramos” (11:16; cf.
opinião mais ampla acerca das primícias. Os. 14:6). Ela é usada por Paulo como
Leenhardt separa os paralelos para evitar advertência contra o orgulho dos gentios
que se interprete o primeiro à luz do (v. 17-21) e uma recordação do poder de
segundo, mas a evidência do paralelismo Deus (v. 22-24). Em estilo de diatribe,
é contra ele. A raiz significa os patriar­ Paulo fala em primeiro lugar (v. 17 e 18).
cas, com quem Deus fizera a sua aliança Os ramos naturais foram quebrados,
(9:5; cf. Jer. 11:16,17), e Deus guardará para darem lugar ao enxerto de ramos de
a sua promessa “por amor dos pais” zambujeiro (“oliveira brava” , na Versão
(11:28). Da mesma forma como a santi­ Atualizada da SBB) na árvore. Por vezes,
dade de uma parte da massa fazia com os antigos enxertavam um ramo de
que toda a massa fosse santa, e a santi­ oliveira brava jovem em uma oliveira
dade da raiz da árvore tornava todos velha, para lhe dar novo vigor, e capa­
os seus futuros ramos santos, assim citá-la a novamente dar bom fruto, mas o
também a santidade dos pais torna todo pensamento de Paulo é que a oliveira
o Israel santo. Eles precisam, todavia, brava ou zambujeiro tomava parte da
como o marido incrédulo, vir a crer, raiz e da seiva da oliveira, o que dizem
para que possam ser salvos. Os ramos literalmente os manuscritos gregos, mas
também podem ser podados, como torna isto tem genitivos demais para alguns
claro o parágrafo seguinte. manuscritos. Os ramos selvagens são os
gentios, que receberam a “seiva” da
(3) A Alegoria da Oliveira (11:17-24) raiz patriarcal da religião de Israel (v.
17 E se a lg u n s dos ra m o s fo ra m q u e b ra d o s, 18).
e tu , sen d o z a m b u je tro , fo ste e n x e rta d o no
lu g a r d eles e feito p a rtic ip a n te d a ra iz e d a Sendo receptor, e não doador, não há
se iv a d a o liv e ira , 18 n ã o te g lo rie s c o n tra os lugar para o orgulho gentio. A exulta-
ra m o s ; e , se , c o n tra e le s te g lo ria re s, n ão
é s tu q ue s u s te n ta s a ra iz , m a s a ra iz a ti.
ção maligna da maioria gentílica sobre a
19 D irá s e n tã o : O s ra m o s fo ra m q u e b ra d o s, minoria judia, na igreja em Roma, che­
p a ra q ue eu fo sse e n x e rta d o . 20 E s tá b e m ; gava às raias do anti-semitismo, senti­
p e la s u a in c re d u lid a d e fo ra m q u e b ra d o s, mento que sempre foi uma doença mor­
e tu p e la tu a fé e s tá s firm e . N ão te e n so ­ tal na igreja. Repetidamente os cristãos
b e rb e ç a s , m a s te m e ; 21 p o rq u e , se D eu s n ã o
poupou os ra m o s n a tu r a is , n ã o te p o u p a rá a gentios precisavam ser recordados de que
ti. 22 C o n sid era, pois, a b o n d a d e e a s e v e r i­ foram enxertados pela graça através
d a d e d e D e u s: p a r a co m os q u e c a íra m , da fé, na aliança histórica de Israel com
se v e r id a d e ; m a s p a r a contig o , a b o n d a d e de Deus, e não na filosofia pagã. Foi o Pai
D eus, se p e rm a n e c e re s n e s s a b o n d a d e ; do Abraão, e não o Pai Aristóteles, que
c o n trá rio , ta m b é m tu s e r á s c o rta d o . 23 E
a in d a e le s, se n ã o p e rm a n e c e re m n a in c r e ­ deu à fé cristã o seu alicerce. Se contra
d u lid ad e, se rã o e n x e rta d o s ; p o rq u e p o d e ro ­ eles te gloriares, não és tu que sustentas
so é D eu s p a r a os e n x e r ta r n o v a m e n te . a raiz, mas a raiz a ti. Visto que a oliveira
24 P o is se tu fo ste c o rta d o do n a tu r a l zam - brava ou zambujeiro não produz óleo,
b u jeiro , e c o n tra a n a tu r e z a e n x e rta d o e m
o liv eira le g ítim a , q u a n to m a is n ã o s e rã o
“os novos rebentos em nada contribuem
e n x e rta d o s n a s u a p ró p r ia o liv e ira e ss e s q u e para o tronco” (Manson). “A salvação
são ra m o s n a tu r a is ! vem dos judeus” (João 4:22).
O oponente gentio tem, agora, a sua alguma dúvida quanto ao que Paulo
vez na diatribe (v. 19). Sem dúvida, queria dizer em 9:1-29, isto deve ajudar a
muitas vezes os gentios haviam-se jacta­ esclarecê-lo. A resposta do homem con­
do de terem desalojado Israel da posição diciona o poder de Deus em bondade
de povo de Deus. Isto se dá a entender e severidade.
freqüentemente, hoje em dia, com o O poder de Deus para com Israel
termo “o novo povo de Deus” ; mas existe novamente poderá ser de bondade, se
apenas um povo de Deus, composto de não permanecerem na incredulidade. Há
judeus e gentios, que são a verdadeira duas possibilidades: os gentios podem
descendência de Abraão pela fé. A res­ não continuar na crença, e os judeus
posta de Paulo: Está bem pode não sig­ podem não continuar na incredulidade
nificar o que parece estar dizendo. “O (v. 22 e 23). Deus tem poder para podar
advérbio kalõs é, provavelmente, irônico, os gentios e enxertar os judeus nova­
e deve ser traduzido assim: ‘Bem, bem!’ mente, mediante a condição de fé, e
e não ‘É verdade” ’ (Manson). Deus não não há lugar para orgulho e segurança
prefere um gentio a um judeu. Os judeus em si mesmo. Dodd acha que Paulo tem
foram extirpados devido à sua incredu­ as limitações agrícolas de um “homem
lidade, e os gentios, enxertados apenas criado na cidade” , mas Paulo sabe muito
pela fé. Que ressoem fortemente estas bem que a sua alegoria é contra a na­
palavras: Tu pela tua fé estás firmes, tureza, pelo menos na teologia da graça.
ou “pela tua fé garantes o teu lugar” “Tudo o que se pode dizer é que a mila­
(NEB). grosa oliveira tem o objetivo de ilustrar
O orgulho dos judeus fora repreendido o milagre da graça” (Manson).
na primeira diatribe (2:17,18), mas
agora os gentios são os oponentes de 3) A Salvação de Israel ( 11:25-36)
Paulo. “Não há nenhuma esperança, (1) O Mistério de Israel (11:25-32)
nenhuma paz e nenhuma segurança para 25 P o rq u e n ã o q u e ro , irm ã o s , q u e ig n o reis
o homem, a não ser na fé” (Barrett). e ste m isté rio ( p a r a q u e n ã o p re s u m a is de
A fé salvadora permaneceu, permanece vós m e s m o s ) : q u e o e n d u re c im e n to v eio e m
e permanecerá. É uma fé em três tempos, p a rte so b re I s r a e l, a té q u e a p le n itu d e dos
que anula todo o orgulho insensato e gen tio s h a ja e n tra d o ; 26 e a s s im to d o o
Is ra e l s e r á salv o , com o e s tá e s c r ito :
janota. V irá d e Sião o L ib e rta d o r,
O poder de Deus é revelado tanto e d e s v ia rá de J a c ó a s im p ie d a d e s ;
como bondade quanto como severidade 27 e e ste s e r á o m e u p a c to co m eles,
(v. 22), mas esta não é a fatalista pre­ q u an d o e u t i r a r os se u s p e c ad o s.
28 Q uanto a o e v a n g e lh o , e le s, n a v e rd a d e ,
destinação dupla do calvinismo. O são in im ig o s p o r c a u s a d e v ó s; m a s , q u a n to
homem não é um agente passivo, nas à e leição , a m a d o s p o r c a u s a dos p a is.
mãos de um tirano arbitrário. A fé 29 P o rq u e os d ons e a v o ca ç ã o d e D eu s são
humana se defronta, em Deus, tanto com ir r e tr a tá v e is . 30 P o is, a s s im com o vós ou-
a misericórdia quanto com o juízo. É tr o r a fo stes d e so b e d ie n te s a D eu s, m a s a g o ­
r a a lc a n ç a s te s m is e ric ó rd ia p e la d e so b e ­
juízo ou severidade para aqueles que d iê n c ia d ele s, 31 a s s im ta m b é m e s te s a g o ra
caem, mas é misericórdia ou bondade fo ra m d e so b e d ie n te s, p a r a ta m b é m a lc a n ­
para os que continuam na bondade de ç a re m m is e ric ó rd ia p e la m is e ric ó rd ia a vós
Deus. Que ressoe novamente esta ver­ d e m o n s tra d a . 32 P o rq u e D eu s e n c e rro u a
todos d eb a ix o d a d e so b e d iê n cia , a fim de
dade: do contrário também tu serás u s a r d e m is e ric ó rd ia p a r a co m todos.
cortado (cf. João 15:1-6). A fé experi­
menta bondade, e a incredulidade expe­ O mistério de Deus em relação a
rimenta severidade — seja de judeu, Israel, agora revelado, é uma repreensão
seja de gentio — e o homem é respon­ contra a presunção gentia (v. 25-27; cf.
sável pela resposta que dá. Se restou 11:20) e uma revelação da misericórdia
de Deus (v. 28-32). A ignorância do significado em aplicá-los a Cristo e à
propósito final de Deus em Israel levou Igreja e à consumação final. A esperança
os gentios a se cumprimentarem a si futura de Israel é o ponto central de
próprios por sua sabedoria em terem Romanos; além disso, a consideração
abraçado o evangelho de Deus em Cristo, cuidadosa do futuro de Israel hoje em dia
mas Paulo se inclina a rebater esta igno­ é extremamente importante. A negli­
rância e orgulho com a revelação de Deus gência deste assunto cria presunção
relativa à plenitude futura de Israel nos gentios, mesmo hoje em dia.
(11:12). A tradução da IBB, não quero, O conteúdo desse mistério é uma
irmãos, que ignoreis expressa bem a questão controvertida. O que Paulo quer
agudeza da frase de Paulo (cf. I Tess. dizer quando afirma e assim todo o Israel
4:13; I Cor. 12:1; Rom. 1:13). A pro­ será salvo? A salvação aqui é obviamente
messa de Deus a Israel foi verificada que futura, mas até o significado de e assim
não é falsa (9:6), mas a ignorância dos é uma interrogação. Leenhardt diz que
gentios não percebeu a natureza da pro­ o grego significa “e assim” e não “e
messa. Os judeus ainda serão enxertados então” , mas Bruce corrige o seu grego,
de volta na oliveira (11:16-24). A sua com a lembrança de que houtõs tem, por
dureza é apenas parcial e temporária vezes, um “sentido temporal” ! Bruce
(11:5,7,17). O juízo de Deus sobre Faraó não está sendo pedante, pois o ponto de
foi final (9:17), mas isto não acontece vista de Leenhardt tem sido usado para
com Israel. Permanece em Israel um argumentar que a plenitude dos gentios
remanescente, enquanto os gentios têm é a mesma coisa que a plenitude de
oportunidade, e isto levará a uma con­ Israel, mas o contexto confirma a opinião
versão coletiva de Israel à fé em Jesus de que a plenitude de Israel se segue
como o Messias. Isto acontecerá apenas à plenitude dos gentios. A questão real­
àqueles que vierem a crer que Jesus é o mente difícil refere-se ao significado de
Messias. todo o Israel. Dodd declara que Paulo
Mistério é uma palavra importante no cria que todos os gentios e todos os
vocabulário de Paulo. Uma vez ela é judeus finalmente seriam salvos. Ele está
usada a respeito do homem do pecado, tão convencido de que Paulo cria na
“o mistério da iniqüidade já opera” salvação universal, de todos os homens,
(II Tess. 2:7), mas as outras referências que oferece um gráfico que acompanha
são ao propósito de Deus em Cristo ou na a sua exposição! A maior parte dos
Igreja, propósito este já manifesto em outros comentadores não é abalada pela
parte e a ser ainda plenamente desven­ doutrina de Dodd.
dado (I Cor. 2:7; 15:51; Rom. 11:25; É claro que o universalismo é tão
16:25; Col. 1:26,27; 2:2; Ef. 3:3,4,9). O antigo quanto Orígenes, do terceiro
mistério de Israel é o desvendamento século, mas isto iria contradizer muita
de que a plenitude dos gentios (v. 25) coisa que Paulo já disse. Leenhardt cita
será seguida pela plenitude de Israel uma declaração na Mishnah que diz que
(v. 12). O grego plérõma (plenitude) “todo o Israel participará do mundo por
(cf. 11:12) é outra palavra importante vir” (San. 10:1), mas esta passagem
na interpretação de Paulo acerca de continua relacionando as categorias de
Cristo e a Igreja e a vida cristã (Gál. pecadores que serão excluídos! Isto tem
4:4; Col. 2:9,10; Ef. 1:23; 3:19), mas a levado muitas pessoas a pensar na sal­
nota escatológica soa mais alta em re­ vação de Israel como uma conversão
ferência a Israel. coletiva, que não inclui todos os israelitas
Tanto mistério como plenitude são, individualmente (cf. Barrett, Bruce e
talvez, termos tirados das religiões de Best). Ê um problema difícil, mas esta
mistério, mas Paulo transformou o seu parece ser a melhor solução. Algumas
referências, nas cartas paulinas, falam Pois, assim como vós outrora fostes desobedientes
de uma reconciliação de “todas as a Deus, e agora recebestes misericórdia por
causa da desobediência deles,
coisas” (Col. 1:20); mas as primeiras assim também eles se tornaram desobedientes
referências, em Paulo, aos ímpios e aos (pela vossa misericórdia) a fim de que possam
poderes demoníacos, falam de sua des­ receber misericórdia.
truição (II Tess. 1:7,8; 2:8; I Cor. 2:6; Porque Deus encerrou todos os homens na deso­
15:24-26), de forma que elas devem ser bediência para que possa ter misericórdia para
com todos.
interpretadas também com exceções.
A revelação neotestamentária é con­ Este hino de misericórdia não diz que
firmada pela preparação veterotesta- Deus é o inimigo de Israel, como supõe
mentária. O uso composto de Isaías Murray. O grego não tem os termos
59:20, 28:9, Salmos 14:7 e Jeremias de Deus (v. 28), como algumas tradu­
31:33 pode novamente ser tirado de um ções. É verdade que a rejeição de Jesus
livro de testemunhos (v. 26 e 27; cf. por Israel deixou esta nação sob a lei que
9:33). As passagens de Isaías provam o opera a ira (4:15), mas Deus demonstra
ponto de que Deus ainda não terminou a o seu amor até para com aqueles que
sua obra com Israel, e esta é a idéia de estão debaixo de sua ira (5:8,9). Da
Paulo. O Velho Testamento também está mesma forma como os homens são
a favor de Israel, embora Paulo freqüen­ pecadores ativos e inimigos de Deus,
temente tenha exposto os seus pecados Deus é ativo em seu amor para com o
com textos do Velho Tetamento. Isaías homem (cf. 5:6-11). Leenhardt nota que
59:19,20 foi interpretado em termos da “inimigo” (echthros) é ativo em o Novo
nova era, mesmo no Talmude Babiló­ Testamento e significa “aquele que
nico (Knox), e Paulo parece ter em suscita sentimentos de hostilidade” , mas
mente a Parousia (segunda vinda) de está errado em presumir que o parale­
nosso Senhor (cf. At. 3:19-21). A nova lismo requereria que echthroi fosse pas­
aliança de Jeremias 31:33,34 em outro sivo. Israel é o destinatário passivo do
lugar é relacionada com a paixão (pri­ amor de Deus, mesmo quando é inimigo
meira vinda) de Jesus. A rejeição de Jesus ativo de Deus. Isto abre a porta para os
por Israel lançou a nova aliança para o gentios, que outróra foram desobedientes
futuro, quando terá lugar a conversão para receber misericórdia, mas Deus
coletiva. Sião era originalmente a colina amará Israel, levando-o à reconciliação
sobre a qual Jerusalém fora construída, por amor dos patriarcas, com quem ele
mas aqui é uma figura do céu (Best). fizera uma aliança e a quem fizera a
Paulo teria concordado com os teólogos promessa. Isto é baseado em misericór­
medievais, que diziam: Omnia exeunt dia, e não no mérito da doutrina judaica.
in mysterium (Todas as coisas continuam O comentário parentético (v. 29) não
em mistério). diz que Israel herdará a promessa por
A misericórdia de Deus é apresentada causa de raça, mas por graça e mise­
em duas sentenças equilibradas, que ricórdia na fidelidade à promessa de
podem fazer parte de um hino com o Deus (cf. I Sam. 15:29; Is. 31:2; I Tess.
verso 29, e uma frase em 11:30 como 5:24; I Cor. 1:9).
comentários (cf. Barrett). Os paralelos Os gentios foram outrora... desobedi­
são claros (v. 28-32): entes a Deus em sua iniqüidade e injustiça
(1:18-21), mas a desobediência de Israel
De acordo com o evangelho (eles são) inimigos voltou o evangelho para eles, e eles re­
por causa de vós; mas de acordo com a eleição
(eles são) amados por causa dos pais.
ceberam a misericórdia de Deus (v. 30).
(Pois os dons e a vocação de Deus são irretra­ A expressão pela misericórdia a vós
táveis.) demonstrada, isto é, aos gentios, traduz
a expressão “pela vossa misericórdia” lheiro humano. “Tudo procede da sua
(gr). Este é um dos comentários que riqueza graciosa, e ele não precisa nem
apresentam todo o argumento em uma de consultores nem de assistentes de
só frase. Israel agora é desobediente, de pesquisa” (JBC). A segunda pergunta
forma que, através da desobediência, (v.35), tradução livre de Jó 41:11 (cf.
ele pode receber misericórdia, da mesma 35:7), exclui a necessidade que Deus
forma que os gentios receberam (v. 31). tenha d& qualquer credor humano (cf.
O versículo 32 resume todo o argumento Jó 15:8; Jer. 23:18; I Cor. 2:16).
(cf. Gál. 3:22). Misericórdia para com As palavras da interrogação interrom­
todos significa que os gentios e judeus pem as palavras de adoração, expressas
desobedientes podem receber igual­ nas linhas mais longas dos versos 33 e 36:
mente a misericórdia de Deus, mas não
0 , profundidade das riquezas e sabedoria e
significa que todos a receberão. O que conhecimento de Deus!
é ensinado é convite universal, mas não Q uão insondáveis são os seus juízos e quão inex-
salvação universal. crutáveis os seus caminhos!
Pois dele e através dele e para ele são todas as
(2) A Sabedoria de Deus (11:33-36) coisas.
Para ele seja glória p ara sempre. Amém.
33 Ó p ro fu n d id a d e d a s riq u e z a s, ta n to d a
sa b e d o ria com o d a c iê n c ia d e D eus! Q uão A primeira linha está cheia de palavras
in so n d áv eis sã o os se u s juízo s, e q u ão inex- provindas do misticismo helénico. Pro­
c ru tá v e is os se u s c a m in h o s ! 34 P o is, fundidade pode declarar o que é inson­
q u em ja m a is co n h eceu a m e n te do S e­
n h o r? ou q u e m se fez se u c o n selh eiro ? dável tanto em Deus (I Cor. 2:10; Ef.
35 Ou q u e m lhe d e u p rim e iro a e le , p a r a que 3:18) quanto em Satanás (Rom. 8:39;
lhe s e ja re c o m p e n sa d o ? 36 P o rq u e d e le, e Apoc. 2:24). Riquezas reconhece os
p o r e le , e p a r a e le , sã o to d a s a s c o is a s; recursos inexauríveis de Deus disponíveis
g ló ria, pois, a e le e te r n a m e n te . A m ém .
em Cristo (2:4; 9:23; 10:12; Col. 1:27;
Outros comentaristas e tradutores 2:2). Sabedoria é o desígnio e propósito
têm reconhecido a doxologia que se de Deus para a sua criação, que foi
encontra no fim desta terceira parte desvendado mais claramente em Cristo
como um hino à sabedoria de Deus (I Cor. 1:30; 2:6,7; Col. 1:9,28; 2:3).
(Jerusalém Bible, JBC, Leenhardt) da Esta idéia tornou-se tão importante no
mesma forma como a segunda parte misticismo da cristandade oriental, que
se encerrou com um hino ao amor de a mais bela de todas as igrejas bizan­
Deus (8:31-39), mas poucos fizeram um tinas foi dedicada à Santa Sabedoria
esforço para arranjar este texto de for­ (Hagia sophia), e a sofiologia é sinô­
ma poética. 52 Os versículos 33 e 36 nimo da filosofia cristã hoje em dia (cf.
são uma doxologia unindo idéias gregas Sergius Bulgakov, The Wisdom of God,
e hebraicas, mas os versos 34 e 35 são 1937). Ciência é palavra usada geral­
uma composição de passagens do Velho mente para designar o conhecimento
Testamento, com linhas mais curtas, de humano a respeito de Deus através de
poesia hebraica. A versão da IBB re- experiência mística (I Cor. 1:5; 8:1-3;
constrói a poesia hebraica, que está na II Cor. 8:7; Ef. 3:19), mas tanto a sabe­
forma de duas perguntas. A primeira doria como a ciência são dons de Deus
pergunta (v. 34), tradução da Septuagin- (I Cor. 12:8) e têm sua fonte em Cristo
ta de Isaías 40:13, põe a nu a falácia da (Col. 2:3).
idéia de que Deus precisa de um conse­ A segunda linha se aproveita mais das
idéias hebraicas. “Verdadeiramente tu és
um Deus que te ocultas, ó Deus de Israel,
52 Reinhard Deichgráber, Gotteshymnus und Christus-
hymnus In der frühen Christenheit (Gottingen: Van- o Salvador” (Is. 45:15). “Porque os meus
denhoeck & Ruprecht, 1967), p. 61-64. pensamentos não são os vossos pensa-
mentos, nem os vossos caminhos os meus resulta em uma reação de gratidão, que
caminhos, diz o Senhor” (Is. 55:8; cf. se guarda contra qualquer ameaça de
Jer. 29:11; Jó 9:2; 28:23; Eclesiástico antinomianismo. Repetidamente precisa
42:18; 43:30; Sabed. Salom. 13; Baruque ser dito que Cristo cumpriu a lei (8:1-4;
3:29). 10:4), e que o amor na vida cristã é
A terceira linha retorna ao pensamen­ também o cumprimento da lei (8:4;
to helénico, e tem muita afinidade com 13:10). Paulo não hesita em falar da
o estoicismo. Deus é a base, guia, e alvo “lei de Cristo” (I Cor. 9:21; Gál. 6:2),
de todas as coisas. Filo, judeu helenista, mas a espontaneidade do amor impede
disse: “A divisão do animal em seus que essa lei se torne um novo legalismo.
membros indica que todas as coisas são Girando em torno de conceitos gerais de
uma ou que elas vêm de um e voltam sacrifício (12:1-21), submissão (13:1-14)
para um ” (Leis Especiais, 1:208). Paulo e serviço (14:1-15:13), o amor como a lei
era mais cauteloso do que Filo, e disse por de Cristo é aplicado a problemas pre­
ele, para evitar o panteísmo. Existe um mentes, tanto passados como presentes.
panenteísmo (todas as coisas em Deus),
contudo, em o Novo Testamento (At. 1. Amor Como uma Vida de Sacrifício
17:28), porém Paulo magnifica a me­ ( 12 : 1- 21)
diação de Cristo (I Cor. 8:6). 1) Introdução: O Sacrifício Vivo (12:1,2)
A última linha é novamente doxologia
1 R ogo-vos, p o is, irm ã o s , p e la c o m p a ix ã o
hebraica (1:25; Sal. 41:13; 72:19; 106: de D eu s, q u e a p re s e n te is os v o sso s c o rp o s
48). Desta forma a primeira e a terceira com o u m sa c rifíc io v iv o , sa n to e a g ra d á v e l
linhas ordenam aos helénicos, e a segunda a D eus, q u e é o vosso cu lto ra c io n a l. 2 E n ão
e quarta linhas ordenam aos hebreus que vos co n fo rm e is a e s te m u n d o , m a s tr a n s f o r ­
m ai-v o s p e la re n o v a ç ã o d a v o ssa m e n te ,
louvem a Deus. Sola gratia! Sola fide! p a r a q u e e x p e rim e n te is q u a l s e ja a b o a,
Sola Deo gloria! a g ra d á v e l, e p e rf e ita v o n ta d e d e D eus.

IV. Exortação (12:1—15:33) Cada uma das quatro partes da Epís­


tola aos Romanos tem uma breve intro­
Exortação (parenesis) é a aplicação dução, mas todas as partes são desen­
pessoal e social da pregação (kerugma). volvimentos da primeira como o tema
As exortações e aplicações de ensina­ geral da justiça de Deus (1:16,17; 5:1-5;
mentos doutrinários são, por vezes, 9:1-5; 12:1,2). Esta quarta parte começa
apresentadas com “finalmente” (I Tess. com um apelo, baseado no fato de que
4:1), porém mais freqüentemente o todos os cristãos são irmãos (cf. 1:13;
“portanto” ou “pois” marca essa tran­ 10:1; 11:25; cf. 9:3). É um apelo para
sição (cf. 3:5; Ef. 4:1). Ainda em outros que eles se apresentem a Deus (v. 1) e
casos as exposições da fé e as exortações para que sejam transformados (v. 2).
para traduzir crença em atos são mis­ A irmandade cristã é cingida pela ex­
turadas (I Cor., II Cor., Gál.). Em periência grupai e pessoal das miseri­
nenhum caso Paulo acha que as duas córdias de Deus.
podem ser separadas na vida. Crer se A misericórdia de Deus, que é uma
torna agir quando a vida e o pensamento palavra diferente em grego, tem sido o
são coerentes. Esta parte da Epístola aos atributo central da ação de Deus na
Romanos é inferior apenas ao Sermão da terceira parte (9-11; cf. 9:15; 11:32). Mas
Montanha, como padrão geral de vida as misericórdias de Deus (oiktirmoi),
cristã, e há muitos paralelos entre essas com o significado da palavra hebraica
duas passagens. rachamim do Velho Testamento, é o
Tem sido freqüentemente notado que amplo pano de fundo para o entendi­
a teologia da graça pregada por Paulo mento do amor (9:15; Êx. 33:19). A
tradução deste verbo como “ter miseri­ judeu, que disse: “A alma... deve honrar
córdia” (9:15) é útil. A figura de Deus a Deus não irracionalmente (alogõs)
como “pai das misericórdias” (II Cor. nem ignorantemente, mas com conheci­
1:3), combinada com a mancheia de mento e razão (logos)” (Leis Especiais,
termos ternos em relação a Cristo, dos 1.209).
quais oiktirmoi é o último (Fil. 2:1), Estes sentimentos são nobres, mas,
compõem um modelo majestoso para como Barrett continua a dizer, Paulo foi
misericórdias. A “compaixão” de Colos- além disso, até o que pode ser melhor
senses 3:12 é o singular da mesma pala­ traduzido como culto “espiritual” . O
vra. Há uma boa probabilidade de que a substantivo latreia já foi traduzido como
citação feita por Paulo, de Êxodo 33:19, “a adoração” ou “o culto” (9:4), e signi­
em 9:15, é atribuída a este desenvolvi­ fica a mesma coisa aqui. É interessante
mento de pensamento desde misericórdia notar-se que o adjetivo “espiritual” é
(eleos) até misericórdias (oiktirmoi). usado como “leite” em I Pedro 2:2 e é
A apresentação de si mesmo como traduzido como “leite espiritual” (“leite
membro do corpo de Cristo (6:13,19) da palavra” , na KJV antiga). Seguem-se
permite a tradução “ de vós próprios” referências a uma “casa espiritual” e a
(12:1, NEB), mas o grego diz somata “sacrifícios espirituais” (I Ped. 2:5).
(corpos), a expressão mais ampla do eu, A vida de sacrifício, assim sendo, é uma
para Paulo. Esta palavra dá a entender a forma de culto racional, que abrange
totalidade da personalidade, a sua soma todo o ser e toda a vida, “em contraste
ou globalidade. Corpos como um sa­ com a exterioridade da adoração no
crifício vivo pode referir-se a um con­ templo de Israel” (Bruce).
traste com os corpos mortos dos sacrifí­ A transformação de toda a vida, neste
cios de animais, como sugerem muitos mundo, é adoração espiritual. O culto
comentários; mas Leenhardt talvez esteja espiritual é exatamente o oposto de al­
correto em considerar isto também como gumas formas de retiros piedosos das
uma referência à nova vida de amor realidades da vida, para se dedicar a
sacrificial, criada pelo Espírito (cf. rituais sem importância. A vida em um
8:13; 15:16). corpo precisa ser vivida no mundo, mas
A idéia veterotestamentária de santo isto não significa que o crente precisa
como coisa pertencente a Deus explica conformar-se com os métodos do mundo.
por que todos os cristãos podem ser “Não permitais” , diz Paulo, “ que o
chamados de santos (1:6,7), e a vida de mundo ao vosso redor vos coloque no seu
amor sacrificial, plenamente dedicada molde, mas deixai que Deus remodele as
a Deus, é o significado de um sacrifício vossas mentes a partir de dentro” (Phil­
vivo (espiritual), santo e agradável a lips). O crente é chamado e “predesti­
Deus (cf. Heb. 13:15 e s.; I Ped. 2:5). nado para ser conforme (summorphous)
É “aceitável” como culto racional à imagem de seu Filho” (8:29; cf. Fil.
(logikên latreian). A interpretação lógica 3:10), de forma que ele não se conforme
ou racional como a que se conforma (suschêmatizesthe) com este mundo.
com a natureza de Deus e do homem “A aparência deste mundo passa” (I
assume uma acepção estóica para a Cor. 7:31), e aquele que se adapta ao seu
palavra logikos. Barrett menciona o padrão superficial passará com ele (cf.
escritor estóico Epictetus, que disse: “Se I João 2:17). Os cristãos não deviam agir
eu fosse um rouxinol, faria o que é “em Roma, como os romanos” . Schèma
próprio de um rouxinol...; mas eu sou é a forma exterior, mas morphê é a
uma criatura racional (logikos), por isso, realidade interior, que permanece a
devo louvar a Deus” (Discursos, I. 16.20 despeito de toda a mudança do schêma.
e s.). Novamente Barrett cita Filo, o Barrett rejeita esta distinção, mas a sua
comparação de II Coríntios 3:18 com que a mente necessita de redenção. A sua
Filipenses 3:21 não esclarece o seu ponto função mais elevada é experimentar
de vista. qual seja... a vontade de Deus. Experi­
O mundo é “o presente século mau” mentar é discernir (NEB). Significa
(Gál. 1:4; cf. I Cor. 1:20; 2:6; II Cor. experimentar mediante testes (Fil. 1:10).
4:4), em contraposição à era futura de Barrett traduz: “Que possais provar e
glória (I Cor. 10:11; II Cor. 5:17), e aprovar qual é a vontade de Deus.” O
Cristo tem domínio na Igreja “não só texto da IBB define o conteúdo da von­
neste século, mas também no vindouro” tade de Deus, mas o seu sentido descreve
(Ef. 1:21). É este século que ameaça essa vontade. A boa é a que é correta
colocar o crente no seu molde, mas a vida (kalon, 7:21). Um hino primitivo tem
deve ser vivida de acordo com a nova era, este paralelo:
o século vindouro (Nygren).
Todas as coisas — prove-as
A transformação é, primordialmente, O que é bom — m antenha-a.
uma renovação da mente. A transforma­
ção pelo Espírito Santo leva a pessoa O que é agradável é o que cumpre os
cada vez mais à imagem de Cristo (II desejos de Deus. Da mesma forma como
Cor. 3:18), e isto é a nova criação(II Cor. os sacrifícios do Velho Testamento eram
5:17). A renovação é expressa por duas um aroma agradável a Deus (Êx. 29:18;
palavras gregas. Uma delas significa Lev. 1:9,13), assim também a vida sacri­
novo no sentido de qualidade, como em ficial é agradável a ele. O nosso modelo é
“nova criação” (kainé ktisis). Não tem Cristo, que “nos amou, e se entregou a
paralelos, como um chapéu novo ou um si mesmo por nós, como oferta e sacri­
carro novo. Isto é a renovação da mente fício a Deus, em cheiro suave” (Ef. 5:2).
(anakainõsis). A outra palavra grega A oferta dos gentios feita por Paulo a
traduzida como novo significa novo com Deus, em serviço sacerdotal, foi “acei­
muitos similares, como uma cidade nova tável, santificada pelo Espírito Santo”
(cf. Neápolis, neos e polis). As duas (15:16). O fogo de Deus sempre cai sobre
palavras estão intimamente relaciona­ coisas que o favorecem, e o Espírito
das, de forma que Paulo em um lugar enche de poder os que fazem a vontade
pode estar falando do novo homem que de Deus. O perfeito é o que alcança o seu
está sendo renovado e, em uma declara­ verdadeiro alvo. O amor luta para chegar
ção paralela, de um novo homem, que a Deus como alvo da vida, pois Deus é
deve continuar sendo renovado no espí­ a sua verdadeira recompensa. A vontade
rito da sua mente (Col. 3:10; Ef. 4:23, de Deus é: “Sede vós, pois, perfeitos,
24). O batismo, como lavagem externa como é perfeito o vosso Pai celestial”
da regeneração, tem, como sua realidade (Mat. 5:48). Isto significa amar como ele
interna, a renovação do Espírito Santo ama, e o alvo é alcançado em Deus
(Tito 3:5). através de tudo o que ele ama. No cami­
A mente é mais do que as faculdades nho para Deus o homem sempre encon­
racionais. “ Inclui a personalidade con­ tra o seu próximo.
siderada em seus mais profundos as­ A vida sacrificial tem um sentido do
pectos e sugere, por assim dizer, a per­ corpo de Cristo (12:3-8) e da fraterni­
cepção, do homem, de toda a sua situa­ dade cristã (12:9-21). Nygren diz que o
ção no universo” (Leenhardt). Ela pode crente é chamado “para andar em
tomar-se réproba (1:28) ou renovada Cristo” e “para andar em amor” (cf.
(v. 2). Sob a lei e na escravidão do Hunter). Esta é uma boa maneira de se
pecado, a lei da mente está em guerra interpretar a vida em um corpo e a vida
com a lei do pecado (7:22-24), de forma em uma fraternidade.
2) A Comunidade Cristã Como um Cor­ Este pensamento refere-se imediata­
po: A Vocação para Andar em Cristo mente ao sentimento de superioridade
(12:3-8) gentílica sobre a minoria judia (11:18),
mas a comunidade cristã é, muitas vezes,
3 P o rq u e p e la g r a ç a q u e m e foi d a d a , abalada pela falsa fantasia que os mem­
digo a c a d a u m d e n tre vós q u e n ã o te n h a
d e si m e s m o m a is a lto co n ceito d o q u e co n ­
bros do corpo tem a respeito de sua im­
v é m ; m a s q ue p e n se d e si s o b ria m e n te , portância. Eles são incapazes de pensar
c o n fo rm e à m e d id a d a fé q u e D eu s r e p a r ­ em uma situação em que o seu serviço
tiu a c a d a u m . 4 P o is , a s s im co m o e m u m e conselho não sejam necessários. O
corpo te m o s m u ito s m e m b ro s, e n e m todos apóstolo lembra a si mesmo que o seu
os m e m b ro s tê m a m e s m a fu n çã o , 5 a s s im
nós, e m b o r a m u ito s, so m o s u m só co rp o e m apostolado é pela graça que a ele foi
C risto, e in d iv id u a lm e n te m e m b ro s u n s dos dada (cf. 1:5; 15:15; I Cor. 15:10), e
o u tro s. 6 D e m o do q u e , te n d o d ife re n te s todos os outros dons são pela graça
dons seg u n d o a g r a ç a q u e nos foi d a d a , se é (I Cor. 1:4; Ef. 4:7). No corpo de Cristo
p ro fe c ia , s e ja e la seg u n d o a m e d id a d a f é ;
7 se é m in is té rio , s e ja e m m in is tr a r ; se é
não há lugar onde a huperphronia (alto
e n sin a r, h a ja d e d ic a ç ã o a o e n sin o ; 8 ou o conceito) ajude, pois ele é uma forma de
q ue e x o rta , u se e sse d o m e m e x o r ta r ; o que presunção que subverte e corrói a con­
r e p a r te , faça-o com lib e ra lid a d e ; o q u e p r e ­ fiança. Os “passos da humildade” são
sid e, co m zelo ; o qu e u s a d e m is e ric ó rd ia , freqüentemente os menos usados, mes­
com a le g r ia .
mo na casa de Deus. Pensar sobriamente
A vocação para andar em Cristo é de capacita a pessoa a julgar-se adequada­
fato “conduta Corpus Christi” (Hunter), mente em relação aos outros e a ver-se
pois toda a vida cristã é vivida no corpo como os outros o vêem.
de Cristo. Foi “ mediante o corpo de “Deus resiste aos soberbos, mas dá
Cristo” que os irmãos “foram mortos graça aos humildes” (I Ped. 5:5; Prov.
quanto à lei” (7:4), mas agora eles são 3:34). A última linha relaciona a fé com
chamados para viverem a lei de Cristo, a graça da primeira linha, recordando
o amor, no corpo de Cristo. Note-se o que até a fé é atribuída, por Deus, a cada
comentário a 7:4, onde se discute o signi­ um. Aqui Paulo está pensando em fé
ficado da metáfora usada. Os membros como um poder para fazer certas coisas
do corpo precisam primeiramente ser (I Cor. 13:2), e não fé como a reação
ensinados como pensar e como se rela­ à graça salvadora de Deus. As perguntas
cionarem uns com os outros. Depois, eles são solenes: “E que tens tu que não
serão capazes de executar o ministério tenhas recebido? E, se o recebeste, por
do corpo de acordo com os seus dons que te glorias, como se não o houveras
individuais e separados. Há, nos versos recebido? (I Cor. 4:7).
3-5, poesia e jogo de palavras suficientes A segunda estrofe (v. 4 e 5) é mais
para duas estrofes, com quatro linhas equilibrada e mais semelhante a um
cada uma. Pelo menos será útil apresen­ hino, em sua estrutura. O versículo 4
tá-las dessa maneira. fala do corpo humano, o que é um
A primeira estrofe tem um jogo de sumário de I Coríntios 12:14-26, mas o
palavras notado por Knox. Uma linha verso 5 apresenta a analogia do corpo de
longa é seguida por três curtas (12:3): Cristo, o que é um sumário de I Coríntios
12:27-30. Há um progresso importante
Porque pela graça que me foi dada, digo a cada além dos ensinamentos de I Coríntios.
um dentre vós Em I Coríntios, os crentes são mencio­
que não tenha de si m esm o mais alto conceito nados como “membros de Cristo” (6:15)
do que convém;
mas que pense de si sobriamente,
e do “corpo de Cristo” (12:27); mas em
conforme à medida da fé que Deus repartiu a Romanos se diz que os crentes são indi­
cada um . vidualmente membros uns dos outros.
Esta interdependência é expressa na para o povo, havia sempre o perigo de
analogia do corpo humano (I Cor. 12: que um profeta se tornasse a voz do povo,
14-26), mas não é explícita quando o um falso profeta; por isso, ele era adver­
corpo de Cristo se torna o sujeito (I Cor. tido para profetizar segundo a medida da
12:27-30). fé. A medida (v. 3) significa a mesma
A participação horizontal explode o coisa que proporção. Em I Coríntios,
individualismo, que pensa que pode todos os dons são interpretados em
haver uma participação vertical em termos do Espírito, mas aqui é em ter­
Cristo sem a relação horizontal para mos de fé.
com os outros crentes. Não existem Esta é outra evidência de que a fé é
ovelhas solitárias no rebanho de Deus. um conceito carismático e que a medida
A participação em Cristo significa par­ ou proporção de fé significa a mesma
ticipação na vida de outros crentes. coisa que grau de inspiração espiritual.
A magnificente metáfora do corpo de Desta forma, os profetas, tanto daquela
Cristo não é completa enquanto o se­ época como de hoje, caem com o rosto no
nhorio de Cristo e a unidade do corpo pó quando se desviam da graça (I Tim.
em Cristo não forem plenamente aceitos 4:1-5; cf. I João 4:1-6). Isto certamente
e aplicados (Col. 1:18,24; 2:19; Ef. não significa que a profecia não tem
1:22,23; 2:16; 4:4; 5:30; cf. Rom. 7:4). lugar no corpo dé crentes, mas que pode
O ministério do corpo (v. 6-8) é des­ ser visto em Paulo um desenvolvimento
crito de forma literária incomum. A na sua regulação. Ele adverte, no hino
versão da IBB acrescentou seja ela para de I Tessalonicenses 5:16-21:
montar uma sentença, pois não há verbo
em grego. A graça (charis) de Deus foi O E spírito — não extingais!
a fonte do apostolado de Paulo, e é Profecia — não a desprezeis!
também a fonte de todos os dons (cha-
rismata) de Deus. O dom da graça (sin­ Em seguida, ele reclama uma regu­
gular) tem sido mais freqüente (1:11; lamentação em Corinto, visto que aquele
5:15,16; 6:23) do que os dons (plural, ministério “de alta voltagem” estava a se
11:29); mas ambos vêm de Deus, de descontrolar (I Cor. 14:26-33a), porém
forma que esta característica exclui a regulamentação não significava elimina­
jactância humana. Há diferentes fun­ ção. A “ analogia” da fé também não
ções, da mesma forma como há muitos pretendia eliminar a profecia em Roma,
membros. Porém não é possível atribuir mas Agostinho, mais tarde, usou esta
as funções a ordens especiais, como foi passagem para exterminar aqueles com
tentado mais tarde, embora seja possível quem não concordava. O seu apelo a um
verificar como algumas das funções se domínio da fé foi o começo de uma sór­
tomaram ordens, separadas por orde­ dida história, em que muitos profetas,
nação, para cumprirem deveres ofi­ muitas vezes de ortodoxia inquestioná­
ciais. 53 vel, foram silenciados pela autoridade
A Profecia, segundo a avaliação de eclesiástica.54 Leenhardt não é cáustico
Paulo, fica em segundo lugar, cedendo a demais, quando diz: “Há uma ironia
primazia apenas ao apostolado (I Cor. dolorosa no fato de que, a fim de eli­
14:28,29; Ef. 4:11), pois os profetas minar a profecia no interesse de uma
edificaram as igrejas estabelecidas pelos esclerose conformista e dogmatizante,
apóstolos (Ef. 2:20). Como voz de Deus apelou-se a um texto que se relacionava
com o exercício deste dom carismático
S3 Hans von Campenhausen, Ecclesiastical Authority and
Spiritual Power in the Church of the First Three Cen­ 54 Ronald A. Knox, Enthusiasm (Oxford: University
turies, trad, para o ingles por J. A. Baker (London: Press, 1950); Maurice Barnett, The Oving-Flame
Adam and Charles Black, 1969). (London: Epworth Press, 1953).
e o regulava de acordo com a medida anciãos (presbuteroi) em I Tessaloni-
da fé pessoal.” censes 5:12. Tornou-se um termo téc­
Os três dons seguintes são agrupados nico, para designar o chefe da casa
no grego: Ministério (na versão atuali­ (I Tim. 3:5,12) e uma das funções do
zada da SBB, “serviço” ), o segundo dom presbítero na igreja (I Tim. 5:17). Os
relacionado, que tem o significado geral bons líderes precisam de zelo (diligência,
de um ministério carismático (cf. I Cor. aplicação dinamismo). Os que usam de
12:5), como indicam as traduções, mas misericórdia ajudam os “outros que
aplicava-se especialmente ao ministério estão em aflição” (NEB) — adequada­
apostólico (11:13; II Cor. 4:1; 6:3). mente, com alegria. Isto pode acontecer
Como foi aplicado ao serviço social para em tempos de doença ou mesmo de fome,
com as pessoas necessitadas (15:25,31; como em II Coríntios 9:7. A igreja pri­
II Cor. 8:4), avançou até ser o minis­ mitiva encorajava o contribuinte alegre, e
tério especializado da diaconia (I Cor. não o folgazão. Repartir e usar de mise­
16:1.15; Rom. 16:1; I Tim. 3:8; At. 6:1). ricórdia andam juntos, estando o líder no
Ensino, que era uma função especial dos meio!
rabis na sinagoga, e avançou rapida­
mente de uma função carismática para a 3) A Comunidade Cristã Como uma
atividade de uma ordem especial de Irmandade: A Vocação Para Andar
presbíteros ou anciãos, separados por em Amor (12:9-21)
ordenação (I Tim. 3:8; cf. At. 13:1; (1) Para com os de Dentro (12:9-13)
15:35). O ensino dos mestres era a dou­
trina da igreja (I Tim. 1:10). Exortar, 9 O a m o r s e ja n ã o fin jid o . A b o rre c e i o
m a l e a p e g a i-v o s ao b e m . 10 A m ai-vos c o r­
que era uma das funções da profecia d ia lm e n te u n s a o s o u tro s co m a m o r f r a t e r ­
(I Cor. 14:31), mas como função sepa­ n a l, p referin d o -v o s e m h o n ra s u n s a o s o u ­
rada é mais uma conclamação à decisão tr o s ; 11 n ão s e ja is v a g a ro s o s no c u id a d o ;
do que uma proclamação (12:1; Heb. sed e fe rv o ro so s no e sp írito , se rv in d o a o S e ­
13:22). Alguns grupos avivalistas, in­ n h o r; 12 a le g ra i-v o s n a e s p e r a n ç a , sed e p a ­
cie n te s n a trib u la ç ã o , p e rs e v e ra i n a o r a ç ã o ;
clusive batistas, têm tido, algumas vezes, 13 ac u d i a o s sa n to s n a s s u a s n e c e ss id a d e s,
exortadores especiais. e x e rc e i a h o sp ita lid a d e .
Os três últimos dons estão também
agrupados, no grego. Aquele que reparte Demonstrar misericórdia com alegria
ou contribui precisa fazê-lo de todo o prepara o caminho para a vocação de
coração, e não relutantemente (cf. II andar em amor para com os que estão do
Cor. 8:2; 9:11). Haplotês significa com lado de fora da fraternidade cristã (12:
sinceridade, franqueza, generosidade, 14-21). Aqui novamente está uma situa­
de forma que a idéia do coração do ção em que nenhum verbo finito é usado,
doador com o dom chega perto do signi­ mas só particípios. “No hebraico rabíni-
ficado (cf. Barclay, que explica o signi­ co os particípios são usados para expres­
ficado clássico). A igreja primitiva foi sar não ordens diretas, mas regras e códi­
abençoada com um Barnabé, mas gos” (Barrett). O que significa isto? Best
Ananias e Safira também estavam lá diz: “Na maioria destas passagens, Paulo
(At. 4:32-5:11). Essa contribuição, aqui, está, provavelmente, empregando ma­
diz respeito, à coleta para Jerusalém, terial que fora usado desde os primeiros
que havia terminado de ser levantada dias da igreja, para a instrução de novos
em Corinto (15:25-27). cristãos, quanto à maneira como deviam
A idéia de direção está bem próxima se comportar” (cf. Barrett). Best tam­
do significado de preside (IBB), pois a bém verificou que a primeira linha “é
palavra proistamenos era usada no plural quase um título para tudo o que se segue,
(líderes), como o substitutivo cristão dos até 15:13.”
O amor é tão escasso que está sempre manuscritos. A maior parte dos manus­
correndo o perigo de ser substituído por critos confirma a versão da IBB; mas
sucedâneos, e nenhum deles é mais Barclay, Leenhardt, Bruce e outros,
doentio do que um sucedâneo para o apoiam a variante “servindo a época” ,
amor. Ele é hipocrisia, como a palavra em vez de servindo ao Senhor, baseando-
grega anupokritos indica. O primeiro se no contexto. As palavras gregas tra­
paralelo que se segue retrata o mal como duzidas como Senhor e época são muito
uma mulher má, que deve ser evitada, e o semelhantes. Se “época” é correto, a
bem, como uma mulher a que se deve idéia enfatiza a época importante (8:18;
apegar. A palavra traduzida como 13:11; Ef. 5:16). É o agora escatológico
apegai-vos é, na verdade, usada por que dá significado ao paralelo seguinte
Paulo para as relações sexuais (I Cor. (12:12). O regozijar-se na esperança
6:16). O segundo paralelo — e os que se capacita a pessoa a suportar a tribulação
seguem — foi notado por Leenhardt, e (5:2-5).
significa viver de forma coerente com Perseverar na oração precede o último
uma fraternidade. O particípio traduzido paralelismo (v. 13). Mais tarde, ele é
como amai-vos (v. 10) é philostorgos, encontrado em um contexto bem seme­
combinação de storge e philia, de amor lhante. “Orando em todo tempo no
de mãe e amor de irmão. Preferência uns Espírito e, para o mesmo fim, vigiando
pelos outros dá a entender um senti­ com toda a perseverança e súplica, por
mento de consideração: “Nada façais por todos os santos” (Ef. 6:18). As neces­
contenda ou por vanglória, mas com sidades dos santos pode ser uma refe­
humildade cada um considere os outros rência aos santos de Jerusalém (15:26;
superiores a si mesmo” (Fil. 2:3). Gál. 6:6), mas a hospitalidade deve ser
Um segundo título aparece por si buscada em todos os tempos (Heb.
mesmo no verso 11. O zelo ou fervor 13:2; I Ped. 4:9; I Tim. 3:2; Tito 1:8).
incansável prepara o caminho para os Por causa desta preocupação cristã sur­
dois paralelos seguintes. Época de crise giram albergues, hospitais e hotéis.
não é época para essa perda de fervor e I Coríntios 12 estava nas origens dos
de zelo, que deixa a pessoa drapeada versos 3-8, e por detrás dos versos 9-13
como bandeira, em dia sem vento. Mof- está I Coríntios 13. O amor é o primeiro
fatt traduziu a segunda declaração do fruto do Espírito (Gál. 5:22), o compa­
verso 11 como “mantende o brilho espi­ nheiro do Espírito (Rom. 5:5), o cinto
ritual” , e a RSV, em inglês, diz “abrasai- que conserva no lugar a armadura do
vos no espírito” . As mesmas palavras são crente (Col. 3:14), a raiz e alicerce no seu
usadas a respeito de Apoio (At. 18:25, caminhar diário (Ef. 3:19; 5:2). Paulo
gr.), mas ali a RSV não traduziu da tinha mais do que um hino de amor
mesma forma. Apoio não era um prega­ (I Cor. 13; Rom. 5:6-11; 8:31-39), e em
dor impetuoso, cheio de zelo mal diri­ um lugar há um código de dez manda­
gido; ele estava “brilhando com o Espí­ mentos de amor (Ef. 4:25-5:2). A irman­
rito” . Aparentemente, Paulo não o dade cristã é uma comunidade de amor,
rebatizou, como fez com outros discí­ mas o amor não está confinado aos
pulos de João, que nem sabiam o que era crentes.
Espírito Santo (At. 19:2). Há muita
gente no cristianismo de hoje que parece (2) Para com os de Fora (12:14-21)
uma tora resinosa no fogo, mas um exa­
me mais detido revela um substituto de 14 A b ençoai a o s q u e vos p e rs e g u e m ; a b e n ­
çoai, e n ã o a m a ld iç o e is; 15 a le g ra i-v o s com
papel, com uma pequena lâmpada os q u e se a le g r a m ; c h o ra i co m os q u e c h o ­
dentro dele. A última admoestação dó r a m ; 16 se d e u n â n im e s e n tr e v ó s; n ão a m ­
verso 11 apresenta um problema entre os b icio n eis c o isa s a ltiv a s , m a s a c o m o d a i-v o s
à s h u m ild e s ; n ã o s e ja is sáb io s a o s v ossos porém elas não são o perfeito paralelismo
olhos; 17 a n in g u ém to rn e is m a l p o r m a l; notado em 12:9-13,15.
p ro c u ra i a s c o isa s d ig n a s , p e ra n te to d o s os
h om ens. 18 Se fo r p o ssív el, q u a n to d e p e n d e r
A mesma coisa um p ara o outro desejai;
de vós, te n d e p az com todos os h o m en s. não as coisas elevadas desejai
19 N ão v o s v in g u eis a vós m e s m o s, a m a d o s , mas condescendei às humildes.
m a s d a i lu g a r à ir a d e D eu s, p o rq u e e s tá Não vos torneis sábios p ara convosco mesmos.
e s c rito : M inha é a v in g a n ç a , e u re trib u ire i,
diz o S en h o r. 20 A n tes, se o te u in im ig o tiv e r
fo m e, d á-lh e de c o m e r; se tiv e r se d e , d á-lh e A primeira linha parece sugerir a
segunda, da mesma forma como na
d e b e b e r; p o rq u e , fazen d o isto a m o n to a rá s
segunda e terceira linha de 12:3, mas a
b r a s a s d e fogo so b re a s u a c a b e ç a . 21 N ã o te
d eix es v e n c e r do m a l, m a s v e n c e o m a l co mquarta é uma citação de Provérbios 3:7
o b em .
(cf. 11:20; 15:5; II Cor. 13:11; Fil. 4:2).
O versículo 14 será discutido depois do Colocar valor elevado nos humildes leva!
verso 16, onde ele logicamente introduz a pessoa a se focalizar adequadamente J
o amor para com os adversários. Não Aquele que se associa com os humildes]
há evidência em nenhum manuscrito de expressa amor; mas tem a certeza de
deslocação do texto, mas é óbvio que os que experimentará mais amor. O nobre I
versos 15 e 16 pertencem ao parágrafo e o camponês aprendem a comer na
acima, acerca das relações dos crentes mesma tijela, e as distinções de classel
com os crentes. O rêlacionameli t^líntrê' se desvanecem (cf. Tiago 2:1-7). /
crentes e não-crentes começa a ser No verso 14 e novamente nos versos
explanado novamente no verso 17 (cf. 17-21, os ensinamentos se relacionam
Dodd). com o amor para com os adversários e
As relações entre crentes adicionam pessoas de fora da comunidade. O pa­
mais duas linhas para completar o pa­ ralelo no verso 14 parece aproveitar-se
drão de duas das três partes (v. 15): da tradição evangélica (cf. Mat. 5:44;
Luc. 6:28). Alguns manuscritos não
A leg rai-vos co m o s q u e se a le g r a m ; ch o ­
r a i com os q u e c h o ra m . têm o vos, fato que admite-se diminuiria
a ênfase na perseguição em Roma, mas
Os necessitados e sem lar têm suas a perseguição oficial era conhecida ali
alegrias e suas tristezas. De certa forma é desde o governo de Cláudio (8:35; At.
mais difícil alegrar-se do que chorar com 18:2). Uma perseguição mais genérica de
os outros. È mais provável que a inveja cristãos é encontrada em outros textos
bloqueie a alegria do que a tristeza-. (II Tess. 1:4; I Cor. 4:12; At. 7:60;
A maior parte dos crentes é capaz de 18:19). Abençoar os perseguidores signi­
identificar-se pelo menos momentânea-. fica orar pela sua salvação.
mente, com aqueles que estão famintos] O crente é primeiramente instruído
e sem casa: mas é necessário ter um 1 quanto à maneira como se relacionar
| coracão ouro para compartilhar das j com o mal (v. 17 e 18) e depois como
suas simples alegrias. Chorar com al- vencer o mal (v. 19 e 20). O mal não deve
i guém, todavia, significa mais do que ser enfrentado com mais mal. Isto é
chorar por causa de alguém ou por al­ radicalmente diferente da reação exis­
guém. As lágrimas precisam ser mistura­ tente entre os Macabeus. Por ocasião da
das na genuína experiência do amor sua morte, Matias disse: “E juntareis
(cf. Barclay). a vós todos os observadores da lei, e
/ O problema do orgulho, mesmo dentro tomai vingança dos agravos feitos ao
I da fraternidade, é outra vez levantado, vosso povo. Pagai às nações o mal que
para admoestação (v. 16; cf. 11:18; elas vos têm feito, e estai sempre atentos
12:3). Uma tradução literal desvenda aos preceitos da lei” (I Macabeus 2:67,
algum equilíbrio nas quatro linhas, 68). Procurai as coisas dignas “sugere
premonição, pensamento providencial namento do crente com o mal (v. 21).
cuidadoso; pensamento que precede e Ao se relacionar com o mal, ele não pode
controla os atos” (Leenhardt; cf. Prov. se deixar vencer, mas, ao reagir com
3:3,4, LXX; II Cor. 8:21). Isto deve ser o bem, ele freqüentemente vencerá o
feito perante todos os homens; desta mal. Se o mal não for vencido com o
forma, os de fora agora estão incluídos. bem, destruirá a si mesmo e aos outros.
O esforço para ter paz é também para Estes versículos a respeito do relaciona­
com todos os homens. Se levantar-se mento do crente com os não-crentes,
alguma hostilidade, ela não deve se começam com um paralelismo a respeito
originar dos crentes, que já encontraram de bênção (v. 14) e terminam com um
paz com Deus (5:1; 8:6; cf. I Tess. paralelismo a respeito de vitória (v. 21).
5:13; II Cor. 13:11; Mar. 9:50; Mat. Esta filosofia deve ter dado frutos em
5:9). Roma, pois, em I Pedro 2:11-4:11, en­
O fato de se vencer o mal deixa o contra-se um código mais detalhado de
futuro nas mãos de Deus, único que é procedimento cristão em uma sociedade
capaz de administrar ira com justiça hostil, e esta carta procedeu de Roma —
(Lev. 19:18). Esta é a ira escatológica pelo menos, muitas pessoas aceitam esta
(2:5; 5:9; 9:22), mas está em operação no opinião a respeito de I Pedro.
processo atual da história (1:18) e pode
ser administrada pelo Estado (13:3-5). 2. Amor Como uma Vida de Submissão
O grego fala apenas da ira, mas a citação (13:1-14)
de Deuteronômio 32:35 (cf. Heb. 10:30) 1) Lealdade ao Estado (13:1-7)
a identifica com Deus. 1 T o d a a lm a e s te ja s u je ita à s a u to rid a d e s
Da mesma forma como o crente no su p e rio re s ; p o rq u e n ã o h á a u to rid a d e q u e
presente espera a vingança de Deus sobre n ão v e n h a d e D e u s; e a s q u e e x is te m fo ra m
os ímpios, ele deve tratar os seus ini­ o rd e n a d a s p o r D eu s. 2 P o r isso , q u e m r e ­
migos pessoais de acordo com a regra siste à a u to rid a d e re s is te à o rd e n a ç ã o de
D e u s; e os q u e r e s is te m tr a r ã o so b rè si
estabelecida em Provérbios 25:21,22 m e sm o s a c o n d en a çã o . 3 P o rq u e os m a g is ­
(LXX). A idéia de amontoar brasas sobre tra d o s n ã o sã o m o tiv o d e te m o r p a r a os
a cabeça de um inimigo tem levado a que fa z e m o b e m , m a s p a r a os q u e fa z e m o
diferentes interpretações. Algumas pes­ m a l. Q u e re s tu , p o is, n ã o te m e r a a u to r id a ­
soas têm proposto o remoto “ritual d e? F a z e o b e m , e te r á s lo u v o r d e la ; 4 p o r­
q u an to e la é m in is tro d e D eu s p a r a te u b e m .
egípcio em que um penitente mostrava M as, se fiz e re s o m a l, te m e , p o is n ã o tr a z
o seu arrependimento carregando sobre d eb ald e a e s p a d a ; p o rq u e é m in is tro de
a cabeça um prato contendo carvões D eus, e v in g a d o r e m i r a c o n tra a q u e le que
incandescentes sobre uma camada de p r a tic a o m a l. 5 P e lo q u e é n e c e s s á rio que
lhe e s te ja is su je ito s, n ã o so m e n te p o r c a u s a
cinzas” (Manson). Esta idéia pode estar d a ir a , m a s ta m b é m p o r c a u s a d a c o n s­
nos antecedentes de Provérbios 24:21,22, c iên c ia . 6 P o r e s ta ra z ã o ta m b é m p a g a is
mas é mais provável que Paulo esteja trib u to ; p o rq u e sã o m in is tro s d e D e u s, p a r a
advogando a desistência ao recurso da a te n d e re m a isso m e sm o . 7 D a i a c a d a u m
retaliação, à luz da futura retribuição de o q u e lh e é d e v id o : a q u e m trib u to , tr ib u to ;
a q u e m im p o sto , im p o sto ; a q u e m te m o r,
Deus. Um comentário a Naum 1:2 em te m o r ; a q u e m h o n ra , h o n ra .
Qumran apoiaria esta crença, que dava
ao inimigo tempo para remorso e arre­ O fato de se amar a pessoa de fora
pendimento. 55 (12:14,17-21) e deixar o castigo nas mãos
O paralelismo no fim é um sumário do de Deus (12:19) leva à pergunta de como
que tem sido dito a respeito do relacio­ Deus pode usar as instituições sociais
para castigar e recompensar mesmo
55 Krister Stendahl, Harvard Theologlcal Review, XXXV antes do juízo final da humanidade.
(1962), 343-355. Uma consideração do cristianismo em
relação ao Estado, portanto, não é um pertencem a Cristo;, e, então, entre a
parêntese sem relação com a lei do amor, segunda vinda e a Consumação (o fim),
pela qual o crente, deve estruturar as Cristo destruirá “todo domínio, e toda
suas relações pessoais, de forma que autoridade, e todo o poder” (I Cor.
parágrafos a respeito do amor precedem 15:23-25).
e seguem estes versículos. Os oficiais do O segundo contexto fora de Romanos
Estado são considerados como autori­ relaciona este termo com a criação (Col.
dades (v. 1 e 2). 1:16). O grande hino dos primogênitos
Os oficiais do Estado como autorida­ enumera as autoridades entre outros
des apresentam a possibilidade de que se poderes sobrenaturais criados por Deus
sujeite ou se resista a eles. Toda alma é em Cristo, mas a sua natureza decaída
uma expressão semítica (cf. 2:9; Lev. e sua sujeição ao Cristo exaltado são
7:27; At. 2:43). Autoridades superiores depressa mencionadas (Col. 2:10,15).
interpreta um termo que tem sido sujeito Como espíritos elementares — termo
a muito comentário. A interpretação correlato — eles ainda estão em oposição
tradicional, desde os tempos antigos, tem a Cristo (Col. 2:8), e a submissão a eles
concordado com a tradução da IBB, é proibida (Col. 2:20; cf. Gál. 4:8,9).
que literalmente é “poderes superiores” . Isto, na verdade, não dá a entender que
O chamado movimento da história da eles foram convertidos ao serviço de
salvação (Heilsgeschichte), associado Cristo.
com o nome de Oscar Cullmann, desa­ Um terceiro contexto as relaciona com
fiou a tradição em suas bases lingüís­ Cristo como o cabeça da Igreja (Ef. 1:21;
ticas e cristológicas. 56 Cullmann diz 3:10), mas elas são o inimigo contra
que autoridades (exousiai) sempre sig­ quem os santos são chamados para ba­
nifica autoridades angélicas, nas obras talhar (Ef. 6:12; cf. o singular em 2:2).
de Paulo, e que “ autoridades supe­ Não se pode encontrar nenhuma restau­
riores” , às quais os crentes são concla­ ração dos anjos no serviço de Cristo, e
mados para serem sujeitos, são esses eles permanecem como na primeira
poderes sobrenaturais que foram criados referência: como inimigos de Cristo,
bons, caíram com a criação decaída e que são destinados à destruição. Certa­
agora se sujeitaram a Cristo. Da mesma mente os crentes não são chamados para
forma como as exousiai estão sujeitas a se sujeitarem a esses poderes sobrena­
Cristo, o crente precisa estar sujeito às turais! Uma citação de Irineu talvez
exousiai, que estão por detrás dos oficiais esteja correta, ao dizer que Paulo não se
do Estado romano. refere “a potestades angélicas, ou gover­
Esta nova interpretação encontrou nantes invisíveis, como alguns se aba­
reação forte, bem como fraca, mas ela lançam a interpretar a passagem, mas
é digna de consideração. Fora de Roma­ a autoridades realmente humanas”
nos, este termo aparece em contextos (Contra Heresias, v.24.1).
bem diferentes. Ele é primeiramente As autoridades, como o termo é usado
usado em relação à consumação da era nos versos 1-3, ainda têm o eco do poli­
(I Cor. 15:24). O reino de Deus será teísmo antigo, primitivo, que consistia
estabelecido em três estágios: a ressur­ nos antecedentes da demonologia he­
reição de Cristo, a ressurreição por oca­ braica. No politeísmo primitivo, havia
sião da segunda vinda, daqueles que a crença de que espíritos ou deuses bons
ou maus se moviam por detrás de todos
56 Christ and Time, trad, para inglês por Floyd V. Filson os poderes visíveis. No antigo Egito, o
(Philadelphia: Westminster, 1951), p. 191-210; The Faraó era o símbolo visível daquele poder
State In the New Testament (London: SCM, 1957); The
Early Church, trad, para o inglês por A.J.B. Higgings e invisível, que mantinha a ordem no
S. Godman (Londo: SCM, 1956), p. 134 e ss. mundo do Nilo, e, na cultura meso-
potâmica, onde as ameaças de inunda­ tranqüila e sossegada, em toda a piedade
ções caóticas eram mais numerosas, esta e honestidade” (2:1,2). Esses são os
crença em um poder invisível, que man­ súditos que o Estado necessita.
tinha a ordem, era ainda mais pronun­ Não se trata de servidão quando uma
ciada. Na cultura mais democrática da palavra usada numa casa de crentes
Grécia, este ponto de vista arrefeceu a (Col. 3:18-4:1; Ef. 5:21-6:9) pode, em
princípio, mas o autoritarismo político uma sociedade dividida, ser também
de Roma abriu as portas para a sua aplicada à relação do crente com o
volta. Estado (I Ped. 2:13-3:12). A rejeição
Quando Israel veio a adorar apenas da sujeição, em uma sociedade ordeira,
um Deus, o Senhor, havia ainda a crença ameaça a paz e a unidade, hoje em dia.
de que outras nações foram deixadas A ignorância e a indiferença a este prin­
aos outros deuses (Deut. 4:19,20; Jos. cípio cardinal da sociedade civilizada,
24:14,15; Dan. 10:13,20,21). Da adora­ para não se dizer nada a respeito de uma
ção desse único Deus (monolatria) ori- sociedade cristã melhor, levou a situação
ginou-se o monoteísmo radical, que pro­ às raias do caos e da anarquia. O crente
clamava o Senhor como soberano sobre pode ser responsável na ordem social
todas as nações, e não apenas sobre porque é livre! O grande estóico Epiteto,
Israel (Is. 45:1-7; cf. Sabed. de Salom. tão próximo do cristianismo, viu esta
6:1-11). Este monoteísmo “desdemoni- verdade melhor do que muitas pessoas
zou” o Estado, no pensamento hebraico, que foram expostas ao ensinamentos
de forma que todas as autoridades rece­ do cristianismo. 57
biam a sua autoridade de Deus (João Resistência ou rebeldia contra a auto­
19:11; cf. Luc. 12:11). Este é o Estado do ridade constituída é, portanto, resistir
qual os crentes, sob certas condições, a Deus, que instituiu o Estado (v. 2).
podem ser leais vassalos (v. 1; cf. I Tim. O Estado não é eterno, como Deus é,
2:1,2; Tito 3:1,2; I Ped. 3:13-17). e não é a sociedade redentora, como a
Ser siyeito às autoridades do Estado Igreja é; mas é o instrumento de Deus
não é uma atitude servil. A sujeição é para estabelecer ordem em meio à desor­
usada por Paulo em relação ao respeito dem. O judeu Josefo falou dos procura­
mútuo e à submissão aos irmãos (I Cor. dores romanos da Judéia como autori­
16:16). Esta palavra pode ser traduzida dade (exousiai), como instituídos por
como submissão, termo que tem cono­ Deus para estabelecer ordem; e, por isso,
tação mais de pessoa para pessoa do não deviam ser irritados pelos zelotes
que de pessoa para instituição. Vassalos (Guerras 2:140, 350). Desde o tempo de
leais do Estado que são crentes encon­ Pompeu (que, em 63 a.C., conquistara
tram lugar no todo orgânico, que é a Palestina e chegara a entrar no Santo
coerente com a sua dedicação a Cristo, dos Santos em Jerusalém, com o que
e então eles acrescentam aquela dimen­ os judeus ficaram horrorizados) sacrifí­
são extra que sempre faz da sociedade cios judaicos eram oferecidos diaria­
um lugar melhor para se viver. O crente, mente em favor das autoridades roma­
como o antigo judeu, ora pela “Babilô­ nas. Os tumultos suscitados em Roma
nia” (Jer. 27:5; 29:7). Naquele manual referentes a Chrestus (Cristo) haviam
da igreja primitiva, que é I Timóteo, levado Cláudio a expulsar todos os
os crentes encontram estas instruções: judeus (Suetônio, Cláudio, 25), inclusive
“Exorto, pois, antes de tudo que se
façam súplicas, orações, intercessões, e 57 Clinton D. Morrison, The Powers That Be (London:
ações de graças por todos os homens, SCM, 1960), p. 123, fn .l. Este é o estudo mais com­
pleto e atualizado a respeito dos “Governantes Terres­
pelos reis, e por todos os que exercem tres e Poderes Demoníacos em Romanos 13:1-7” (sub­
autoridade, para que tenhamos uma vida título).
os judeus cristãos (At. 18:2), e esta para descrever os bons magistrados,
ameaça dos zelotes podia estar na mente como para designar um crente (16:1;
de Paulo. Da mesma iorma como aqueles cf. 12:7) e até o próprio Cristo (15:8).
que violam o decreto de Deus com impi­ Paulo está escrevendo de Corinto, onde
edade e injustiça pessoal, também aquele encontrou-o bom Gálio, irmão do filósofo
que resiste à instituição de Deus, na estóico Sêneca (At. 18:12-17). Sêneca,
ordem social, se colocará sob o juízo de tutor de Nero, foi administrador do
Deus. governo de 58 a 62 d.C., época de pros­
“A anarquia precisa ser impedida, e os peridade sem paralelos. Só depois que
poderes de repressão são necessários Paulo escreveu a sua carta foi que Nero
para o exercício da autoridade gover­ se submeteu à influência maligna de
namental” (Leenhardt). A idéia negli­ Popéia, esposa de Salvius Otho, e se
gente de que toda repressão é errada tomou o tirano cruel que o seu nome
per se contém as sementes da sua própria sempre dá a entender.
destruição. Não argumentamos em favor Alguns governantes precisam ser
da “lei e ordem*’ sem justiça, advogada resistidos pelo testemunho e até pelo
por alguns demagogos, mas àquela que sangue dos santos. “Aqui está a perse­
é resistência ao caos social. verança e a fé dos santos” (Apoc. 13:10).
Na época dos mártires, Tertuliano,
Os oficiais do Estado como magistra­ grande convertido de Cartago, protestou
dos merecem a lealdade dos crentes contra os preceitos das províncias roma­
somente quando aprovam a boa conduta nas contra o fato de perseguirem os cris­
(v. 3 e 4a) e punem os que fazem o mal tãos. Ele argumentou que a sua religião
(v. 4b e 5). Os políticos corruptos, que monoteísta fazia destes bons cidadãos,
apelam para a consciência cristã para mas impedia honras divinas ao impera­
proteger o seu injusto reinado de terror dor. Debaixo de perseguição, por causa
e tirania, devem ser totalmente repudia­ de sua conduta cristã, eles floresceram.
dos. A palavra magistrados (archai) De acordo com as suas famosas palavras
levanta novamente a teoria angélica de — “semen est sanguis Christianorum”
autoridade, pois ela é muitas vezes liga­ — o “sangue dos cristãos é semente” !
da a exousiai (I Cor. 15:24; Col. 1:16; É dever dos crentes serem leais aos
2:10; Ef. 1:21; 6:12; cf. Tito 3:1). Foram oficiais públicos, que castigam os que
“os príncipes deste mundo, que estão fazem o mal (v. 4b e 5). Ele é, mais uma
sendo reduzidos a nada” , que não enten­ vez, ministro de Deus, mesmo quando
deram a sabedoria de Deus e “crucifi­ empunha uma espada. O uso da espada
caram o Senhor da glória” (1 Cor. 2:6,8), do magistrado “ relembra o termo técnico
contexto em que a demonologia de ius gladii, pelo qual se entendia a auto­
Cullmann faz mais sentido. Uma coisa é ridade (possuída por todos os magistra­
dizer que poder demoníaco estava por dos de elevada condição) de infligir sen­
detrás da crucificação de Jesus; mas é tença de morte (cf. Tácito, Histórias,
coisa bem diferente dizer que os crentes iii, 68)” (Barrett). O Estado assume o seu
devem estar sujeitos a ele depois de sua lugar como vingador, no ínterim antes do
sujeição a Cristo. juízo final, e inflige, da parte de Deus,
Contudo, aqui está claro que Paulo a ira contra aquele que pratica o mal (cf.
tem em mente os governantes, que são 1:18). A pena capital e a paciência de
autoridades constituídas na sociedade Deus não entram em conflito na cons­
(v. 3). Como ministro público de Deus, ciência de Paulo (1:32; 2:4). Atribuir a
o governante deve promover o bem vingança a Deus (12:19) algumas vezes
contra o mal. É surpreend ,«»te que Paulo pode significar deixá-la nas mãos da
use a mesma palavra (diabonos, servo) justiça pública.
Portanto, há duas razões para se ma­ com as suas obras, tanto boas quanto
nifestar submissão às autoridades e go­ más, assim também o Estado, como
vernantes do Estado (v. 5). O motivo ministro de Deus, deve promover o bem
mais baixo é evitar a ira de Deus, quando positivo da sociedade, e usar o castigo
ela se expressa no terror da espada. do mal como último recurso (cf. 2:6-11).
Infelizmente, há sempre algumas pessoas A ira do Estado deve estar em harmonia
que são motivadas apenas pelo medo. com a ira de Deus, e é em um Estado
Elas se conformam com o padrão social justo58 (cf. ira em 1:18; 2:5; 4:15; 5:9;
estabelecido e executado pelo Estado tão- 9:22; 12:19).
somente pelo medo das conseqüências. O
crente é conclamado ao nível mais alto Os oficiais do Estado como ministros
requerem sustento financeiro na forma
da consciência. Como homem livre em
Cristo, ele se levantou acima da moti­ de taxação (v. 6 e 7). Ministros (leitour-
vação do medo. Alguns não-crentes, goi) designa o serviço religioso do tipo
como os estóicos, agiam de maneira que sacerdotal. Paulo dá a si mesmo o nome
deve ter convencido Paulo de que há de “ministro de Cristo Jesus entre os
uma lei moral natural da consciência gentios, ministrando o evangelho de
(2:14,15), mas o crente tem uma cons­ Deus, para que sejam aceitáveis os
ciência iluminada e sensibilizada pelo gentios como oferta, santificada pelo
Espírito Santo (9:1). Nesta base de cons­ Espírito Santo” (15:16). A oferta das
ciência cristã, ele deve ser o melhor igrejas gentílicas para os pobres de
Jerusalém “devem também servir a estes
cidadão que lhe seja possível, em uma
ordem social justa. com as materiais” (15:27). O próprio
Cristo é chamado de “ministro do san­
Um código posterior de conduta cristã, tuário, e do verdadeiro tabernáculo, que
que pode ter sido estimulado pela carta o Senhor fundou, e não o homem” (Heb.
de Paulo à igreja em Roma, tem um 8:2). Com o antecedente angelical de
equilíbrio belíssimo entre boa conduta e autoridades e governantes, não é de se
boa consciência (I Ped. 2:11-4:11). admirar que Paulo prossiga, descre-
Sêneca, Gálio e, mais tarde, Epiteto, vendo-as como ministros de Deus (v. 6).
devem ter exercido uma influência posi­ Há apenas um passo do servo de Deus
tiva sobre a moralidade cristã primitiva, (v. 4) para os ministros de Deus.
à medida que a consciência formou um
É interessante aprender que as litur­
ponto de encontro comum, mas Cristo e
gias nas cidades gregas eram pagas, de
a consciência são os mais firmes alicer­
acordo com a capacidade monetária da
ces para a ética social.
população, para sustentar coros, espor­
A ética protestante, que tem sido tes, ou as despesas extras de uma guerra
duramente atacada pelos críticos mo­ (coisas não sustentadas pela taxação
dernos, pode vir a ser a melhor saída da normal). Como ministros que promo­
decadência social em que o mundo se viam o bem público e castigavam o mal,
encontra. É verdade que a função do os oficiais do Estado romano tinham o
Estado pode ser interpretada exagera- direito de coletar tributo (phoros, um
damente em termos de restrição e ira, imposto pago para a nação soberana que
como o luteranismo e Nygren tendem ocupava outra nação). Isto lhes era
a fazer, mas Leenhardt e o calvinismo, devido, mas havia outros deveres (v. 7).
que ele representa, têm enfatizado cor­ Os impostos romanos eram lançados
retamente o bem positivo para a socieda­ sobre a terra e a renda, e havia um tribu­
de como um todo, que é a responsabi­
lidade do Estado. Da mesma forma como 58 P. S. Watson, The State as the Servant of God (Lon*
Deus julga todos os homens de acordo don: SPCK, 1946).
to pessoal lançado sobre cada judeu que res da perseguição que deu fim às vidas
tivesse vinte anos de idade ou mais. Ha­ de Paulo e de Pedro, mas a confiança na
via também o imposto local (telos), pelo instituição não foi destruída. Justino
uso de estradas, pontes, mercados, por­ Mártir, escrevendo de Roma um século
tos, animais, carros e carruagens. O pri­ depois, disse: “Por toda parte, nós, mais
meiro desses era um imposto direto, e o facilmente do que todos os homens,
segundo era indireto; mas Paulo instrui procuramos pagar, aos que por ti são
os cristãos a pagar ambos. Os coletores nomeados, os impostos, tanto ordinários
de impostos em Cafamaum perguntaram quanto extraordinários, como fomos
a Pedro se o seu Mestre pagava o imposto ensinados por Jesus. Adoramos só a
do Templo, de meio shekel, e essa per­ Deus, mas nas outras coisas alegremente
gunta foi a ocasião para que Jesus falasse te serviremos, reconhecendo-te como
pessoalmente do imposto e dos tributos rei e governante dos homens, e orando
(Mat. 17;24, telos e kênsos, cf. censo). O para que, com o teu poder real, possa
imposto pessoal foi usado como armadi­ verificar-se que possuis também juízo
lha contra Jesus, na ocasião em que ele sadio” (Apologia 1:17, cf. Barclay, que
pronunciou o famoso ditado: “Dai, pois, cita esta e outras menções dos Pais da
a César o que é de César, e a Deus o que é Igreja).
de Deus” (Mar. 12:17). Os impostos
territoriais e de renda são também in­ 2) Amor ao Próximo (13:8-10)
cluídos no termo usado (kênsos). 59 De
fato, há um paralelismo entre impostos 8 A n in g u é m d e v a is c o isa a lg u m a , se n ã o
o a m o r re c íp ro c o ; p ois q u e m a m a o p r ó ­
e tributos, mas eles não são sinônimos. x im o te m c u m p rid o a le i. 9 C om e fe ito :
Devemos mais do que dinheiro às N ão a d u lte r a r á s ; n ã o m a t a r á s ; n ão f u r ta ­
autoridades estatais. Temor e honra r á s ; n ã o c o b iç a rá s ; e se h á a lg u m o u tro
também são devidos. Respeito é a mesma m a n d a m e n to , tu d o n e s ta p a la v r a se r e s u ­
m e : A m a rá s a o te u p ró x im o co m o a ti m e s ­
palavra usada nos versos 3 e 4, tradu­ m o. 10 O a m o r n ão fa z m a l a o p ró x im o .
zida como temor, e esta reação do mal­ D e m odo q u e o a m o r é o c u m p rim e n to d a lei.
feitor não está excluída no que é devido.
Mesmo aqueles que se conduzem da Os impostos podem ser pagos integral­
melhor maneira possível precisam tri­ mente, mas há um débito jamais pago
butar honra e a mais elevada conside­ totalmente. É a dívida do amor a todas as
ração aos que promovem o bem e punem pessoas, crentes e não-crentes. Orígenes,
o mal. As autoridades públicas deste tipo que escreveu no terceiro século, disse:
são dignas de confiança e de todo o “A dívida do amor permanece conosco
apoio. Havia pessoas em Roma que permanentemente e nunca nos deixa;
agiam assim, e sempre elas são encon­ é uma dívida que pagamos todos os dias,
tradas em um sistema político justo. mas continuamos a dever para sempre.”
Também há paralelo entre respeito e A primeira expressão deste amor se
honra, mas essas coisas não são também manifesta na fraternidade cristã (12:
exatamente a mesma coisa. 9-12, 15,16), mas ele não se confina a
Esta atitude favorável para com o este círculo cristão (12:14,17-21). O
governo romano permaneceu inabalável próximo é qualquer pessoa que esteja
mesmo em tempos de perseguição. Não necessitada, como na Parábola do Bom
se desconhecia perseguição no tempo de Samaritano (Luc. 10:25-37).
Paulo (cf. 8:35; 12:14), mas aumentou A declaração a respeito do amor como
mais tarde. Nero logo liberaria os pode­ dívida permanente (v. 8), relaciona-se
com o versículo anterior de duas ma­
59 H. A. Sanders, IDB, ed. George A. Buttrick (New neiras óbvias. O a ninguém se liga ao
York: Abingdon, 1962). IV, 520-522. “cada um” (13:7), e o devais (opheilete)
com o “devido” (13:7, opheilas). Este versão de Lucas (10:26-28). “É neste
versículo se liga à longa discussão a ponto que o cristianismo está mais orga­
respeito do amor, feita anteriormente nicamente relacionado com o judaísmo
(12:9-21). Lealdade ao Estado e amor ao rabínico” (Dodd). Ê também neste ponto
próximo são as relações políticas de jus­ que a fraqueza de Nygren é mais fla­
tiça social e a relação pessoal de amor grantemente exposta. A sua famosa
fraternal que pertencem à vida de sub­ história de amor não tem absolutamente
missão à vontade de Deus no organismo nada acerca de amor no Velho Testa­
social. mento; não obstante, Jesus resume a lei
Amar uns aos outros é a “lei real” de com duas citações da lei do Velho Testa­
Tiago 2:8 e o novo mandamento de João mento (Deut. 6:5; Lev. 19:18). É em
13:34 (cf. I João 4:17-21). O amor, como fragrante contraste com Nygren que
cumprimento da lei é reduzido à “única Norman Snaith encontra amor tanto na
palavra” de Levítico 19:18: “Amarás o forma de eleição quanto na de aliança,
teu próximo como a ti mesmo.” É possí­ uma das idéias características do Velho
vel traduzir a declaração do verso 8 como Testamento. 60 A vida e a morte de Jesus
“aquele que ama cumpriu a outra lei” , aprofundaram o significado dos seus
referindo-se à segunda lei de Jesus (Mar. ensinos a respeito de Deus, amor e pró­
12:31; Mat. 22:39), mas a declaração ximo, mas ele veio para cumprir, e não
anterior, em Gálatas 5:14, toma prefe­ para abolir a lei (Mat. 5:17). Há uma
rível a versão da RSV e também da IBB nova Torá em Paulo, bem como no
(Bruce). Ê verdade que heteron Evangelho de Mateus.
(outra) e não plèsion (próximo) aparece Não há conflito entre a justiça social
no verso 8, mas a declaração ulterior, fei­ encontrada na lei civil e o amor frater­
ta duas vezes nos versos 9 e 10, torna claro nal encontrado na lei mosaica, e ensi­
que o “outro” é o próximo, e não a lei. nado por Jesus e por Paulo. A diferença é
O amor não é o cumprimento da lei de grau. Os deveres para com o Evan­
porque capacita alguém a tentar mais gelho podem ser inteiramente pagos, maS
arduamente, mas porque Cristo é o fim a dívida de amor exige pagamento per­
da lei (10:4). Deus fez o que nunca pétuo. E, como que para colocar os dois
poderíamos fazer (8:1-4). em relação um com o outro, há quatro
Este cumprimento, entretanto, não se declarações sobre cada um deles. Os
faz somente em Cristo, como parece deveres para com o Estado são (13:7):
pensar Nygren. O ato de Deus em Cristo
“ a quem tributo tributo;
foi “para que a justa exigência da lei se
a quem imposto, imposto;
cumprisse em nós, que não andamos a quem temor, temor;
segundo a carne, mas segundo o Espí­ a quem honra, honra.”
rito” (8:4). Este “em nós” depende, na
verdade, do “por nós” , mas o cumpri­ A dívida de amor, extraída do Velho
mento subjetivo é requerido para com­ Testamento, é como se segue (cf. Êx.
pletar o cumprimento objetivo em Cristo 20:13-17; Deut. 5:17-21; Tiago 2:11):
e na história.
“ Não adulterarás;
O sumário do amor (v. 9) combina os não m atarás;
aspectos negativos da lei em quatro man­ não furtarás;
damentos e declara os positivos em um. não cobiçarás.”
É possível que esta maneira de resumir
a lei fosse conhecida entre os rabis. Um 60 Cf. Anders Nygren, Agape and Eros, trad, para o
rabi concordou com este resumo, quando inglês por A. G. Hebert (New York: Macmillan, 1932-
39) com Norman Snaith, The Disctinctive Ideas of the
ele lhe foi oferecido por Jesus (Mar. Old Testament (Philadelphia: Westminster, 1946), p.
12:28-34), e um rabi faz o resumo na 118-182.
O que encontra-se acima é o verificado pois o conceito de Paulo a respeito da
no Codex Vaticanus (LXX) e este sumá­ vida cristã como cumprimento da lei
rio talvez tenha sido aceito por muitos está vitalmente relacionado com Cristo,
judeus e por Jesus (cf. Mat. 19:18; Luc. a Igreja e a consumação. O amor é a
18:20). dívida que precisa ser paga, mesmo na
O lado negativo do amor é contraba­ consumação, pois o amor é a natureza
lançado com o mandamento positivo de de Deus e da imortalidade. Amor eterno
amor pelo próximo (Lev. 19:18; cf. Mar. é vida eterna, e aquele que ama tem a
12:31; Mat. 5:43; Tiago 2:8; Gál. 5:14). ^vida (cf. I João 3:14; 4:8).
Esta tradição comum com Jesus e Tiago ^
põem a descoberto a mentira de que o s ^ 3?*Vivendo Neste Tempo Crucial: Hino
ensinamentos da cristandade judaica o, do Dia de Cristo (13:11-14)
tinha um ponto de vista, acerca da lei, e 11 E isso fa z e i, co n h ecen d o o tem p o , q u e
Paulo outro. Ambos têm um ponto de j á é h o ra d e d e s p e r ta rd e s do sono; p o rq u e
vista positivo a respeito da lei, embora a n o ssa s a lv a ç ã o e s tá a g o r a m a is p e rto de
Paulo tenha mais a dizer a respeito do nós do q ue q u a n d o n o s to m a m o s c re n te s.
aspecto negativo. Mas Paulo não era um 12 A n o ite é p a s s a d a , e o d ia é c h eg a d o ;
disp am o -n o s, p o is, d a s o b ra s d a s tr e v a s , e
discípulo de Martinho Lutero! vistam o -n o s d a s a r m a s d a luz. 13 A ndem os
Os dois lados do amor, negativo e h o n e sta m e n te , com o d e d ia ; n ã o e m g lu to ­
positivo, são reiterados na segunda de­ n a ria s e b e b e d e ira s , n ã o e m im p u d ic íc ia s e
claração acerca do débito do amor disso lu çõ es, n ã o e m c o n te n d a s e in v e ja .
14 M as re v e sti-v o s do S en h o r J e s u s C ris to ;
(v. 10). De certa maneira, esses dois e n ão te n h a is c u id ad o d a c a rn e e m s u a s
lados do amor foram expressos três c o n c u p isc ê n c ia s.
vezes, pois o sumário (v. 9) tem quatro
mandamentos negativos e um positivo. O kairos é o tempo entre a primeira
Agora o lado negativo é declarado como: e a segunda vindas de Cristo, época em
O amor não faz mal ao próximo. Já foi que os fins das eras se encontram e se
notado que a ninguém e próximo (lit., sobrepõem (cf. I Cor. 10:11). No tempo
“o outro” , 13:8) abrem a porta do amor em que I Tessalonicenses foi escrita,
para os não-cristãos. Hillel, rabino libe­ Paulo esperava viver até a Parousia, a
ral da época de Jesus e avô de Gama- segunda vinda (4:15,17), mas isto acar­
liel, mestre de Paulo, é freqüentemente retou tanta incompreensão que bem
citado como tendo dito: “Aquilo de que depressa ele escreveu “o mini apoca­
você não gosta, não fará ao seu próxi­ lipse” , em que a Parousia é apresentada
mo.” Esta versão negativa da Regra em uma seqüência de sete estágios (II
Âurea (Mat. 7:12) está muito próximo da Tess. 2:1-12). Na época em que Paulo
declaração negativa que estamos focali­ escreveu I Coríntios, a crença em uma
zando, mas Paulo avança para a decla­ voltolm it^nte dõ^Senhor condicionou
ração positiva, que Jesus chamou de a sua opinião a respeito do casamento
“segundo mandamento” , e Tiago, de (7:25-31), bem como ele repetiu a sua
“lei real” . A Regra Ãurea e a “lei real” esperança de estar vivo quando a Parou­
são quase a mesma coisa. sia acontecer (15:51), mas isto precisa ser
O cumprimento (plerõma) da lei é um relacionado com a ameaça de morte que
jogo de palavras com o verbo cumprido revisou o seu ponto de vista, expresso
(pepleroken). Já notada nos ensinos de quando ele deixou Éfeso e dirigiu-se à
Paulo a respeito da consumação final Macedônia (II Cor. 1:8-11; 4:7-5:11).
(11:12,25), esta palavra se torna o con­ CRomano?.foi escrita apenas alguns meses
ceito central da opinião de Paulo acerca mais tarde, e assim estende-se um perío­
de Cristo (Col. 2:9) e da Igreja (Ef. 1:23). do de tempo tanto para a missão judaica
Os conceitos não são estranhos entre si, como para a missão gentílica (11:12,25).
Esse intervalo se prolonga e Paulo conta (I João 2:18). “Não durmamos, pois,
com a instituição do Estado, que Deus como os demais, antes vigiemos e seja­
usa, nesse ínterim /para niãnfer a ordem mos sóbrios. Porque os que dormem
e~para ser um instrumento da ira divina de noite, e os que se embriagam, embria­
(13:1-7). Mas este hino de um soldado gam-se de noite” (I Tess. 5:6,7). Talvez
cristão ainda tem a nota de urgência uma abreviatura do hino acima citado
escatològica nas primeiras cartas. E apareça em Efésios 5:14 como cântico
esse tom não é abandonado nas últimas espiritual:
cartas (Fil. 1:6,10,23; 2:6; 3:20; Ef.
D esperta, tu que dorm es, e levanta-te dentre os
4:30).
m ortos,
Á Centenary Translation, feita por e C risto te ilum inará.
Helen Barrett Montgomery (1924), re­
conheceu os versos 12-14 como um hino. O agora escatológico já foi notado
Grande parte do simbolismo é tirãdã"3a muitas vezes (3:26; 5T11; 8:1,18; 11:5;
vida de um soldado romano, colocada 16:26), e a salvação é mais uma vez
na moldura de um toque de alvorada. aquela libertação fu tura, prometida por
(Tlmrterjchãmou esta passagem de “as ocasião da Parousia do Senhor Jesus
eticas do toque de alvorada” . Visto que Cristo (1:6; 10:1; 11:26; I Tess. 5:8,9;_
ela tem um conteúdo catequético, asso­ Fil. 2:12). A crença faz parte do começo"*
ciado com o batismo cristão, muitas da salvação, e segue-a por todo o cam i-1
vezes administrado no “culto da ma-
nhã” , realizado ao romper çfo~~dTa, a
situação de vivência bem pode ser do tipo
de iniciação cristã que se tornou alta­
( nho, e sobre esta fé se encontra ó ali-
cerce para a esperança futura de salva-j
Ção,_ ---------- .
ÇA segunda estrofe)a respeito da noite
mente desenvolvida em liturgias poste­ é uma conclamação às armas (v. 12;
riores. As primeiras duas estrofes (v. 11 cf. 6:13). Tanto a noite como o dia são
e 12) falam a respeito da noite, símbolo termos de grande significado escatoló-
do presente século mau, e ^ d u a s ú l í ^ gico. “Mas vÔs, irmãos, não estais em
mas (v. 13 e 14), a respeitõdo^çfíaf a "frêvü, para que aquele dia, como la­
era vindoura de glória. As Escrituras do drão, vos surpreenda; porque todos vós
Mar Morto, encontradas em Qumran, sois filhos da luz e filhos do dia; nós não
dividem os homens nos grupos daqueles somos da noite nem das trevas” Jj^Tess.
que são governados pelo Anjo daFTrevas 5 ^ j5 )^ Há muito tempo a noite é a
e o dos que são dirigidos pelo Anjo da ’ época tradicional em quedos poãeres
Luz. Um documento é chamado “Guerra demoníacos estão à solta e realizam a sua
ctõs FÍIhos da Luz e dos Filhos das Tre­ obra (cf. Sal. 91:5,6). O símbolo das”
vas” . 6J___________ •g revas parece se aprofundar na teologia
(^ p rim e ira estrofe)a respeito da noite de Paulo (Col. 1:13; Ef. 5:8,9; 6:12-18;
é um chamado para se acordar (v. 11). cf. João 1:5; I João 1:5-7; 2:7-11). O
A hora ou, mais corretamente, a época dia (I Tess. 5:4; I Cor. 3:13; Rom. 2:
(kairos, 8:18) é essa ocasião importante 15716) é, às vezes, “aquele dia” ou “ o
de decisão que é semelhante a Krisis grande dia” (II Tess. 1:10; II Tim.
(julgamento) de João (3:19). A luz pene-~í 1:12,18; 4;8), e o significado escatológico
Iro u nas trevas, e agora n S o Ê a zona é enfatizado freqüentemente com termos
neutra em que alguém se possa esconder.J como “o dia do Senhor” , “o dia de nosso
''Á hora (hora) aguça ainda mais a idéia Senhor Jesus Cristo” e “o dia da reden­
de decisão. João diria “a última hora” ção” (I Tess. 5:2; II Tess. 2:2; I Cor.
1:8; Fil. 1:6,10; Ef. 4:30). As raízes
61 Theodor H. Gaster, The Dead Sea Scriptures (Garden aprofundam-se nos ensinos do Velho
City, N.Y.; Doubleday, 1956), p. 281-306. Testamento a respeito do dia do Senhor
e do dia do Filho do Homem nos ensinos (cf. 6:12-19). Muitos ostentadores piedo-
de Jesus. sos mergulham na cisterna do pecado
A escatologia e a ética são unidas na
exortação para nos despirmos das obras
das trevas, e vestirmo-nos das armas da
luz. Esse despimento e vestimento se
Í simplesmente porque confiam demais e_
não são circunspectos (cf. Ef. 5:15). A
metáfora de uma caminhada é favorita
de Paulo (Gál. 5:16,25), e é mais tarde
torna a moldura referencial para 1Tcó_- desenvolvida na forma de um Halakah
digo cristão de conduta, talvez para o uso (código de conduta) cristão, que é um
nõ ensino cetequétEõ" (Col. 3:12-15). caminhar quíntuplo (Ef. 4:1,17; 5:2,
Os detalhes da armadura são desenvol­ 8,15).
vidos em outras cartas (I Tess. 5:8; II lü~pnmeiro par de práticas pagãs) que
Cor. 6:7; Éf. 6:14-17). Liturgias poste­ precisam ser renunciadas são glutonarias
riores, preparadas para o batismo admi­ e bebedeiras. Glutonaria originalmente
nistrado ao romper do dia, desenvolviam se referia ao tipo de orgia que tinha lugar
dramaticamente estas idéias, despindo quando as uvas eram colhidas ou quando
as roupas velhas do catecúmeno antes do um iõgô era ganho, mas passou a signi­
batismo, vestindo-lhe roupas brancas ficar farras nas ruas, sem nenhuma res­
após o batismo. 62 o termo candidato, trição moral. Bebedeira é a companheira
ainda usado em relação ao batismo, natural dessaT^jrgíãsT Usa-se bacanal,
significa exatamente a pessoa que é ves­ sinônimo dessa palavra, para designar as
tida de branco (cândida). A pessoa era festas em honra a(Baco?Sdeus d o jm h o
catecumena (pessoa que está sendo ins- (cf. I Ped. 4:3). Os gregos bebiam vinho
. truída) antes do batismo, e candidata e pela manhã comiam pão molhado em
’ após o batismo! vinho, mas bebedeira era considerada
(Â terceira estrofè)se volta para o dia como falta de domínio próprio e como
(v. 13). A conduta do crente deve ser uma vergonha. Eles não conheciam as l
decente (euschemonos, palavra que sig- ) formas mais fortes de bebidas alcoólicas, (
m fica^ estar propriamente vestido).. ( tão desastrosas para a sociedade moder-f
0 crente não devFse apressar pãrâ“ó“âTa I n a . ----------------------------------------------------------------------------------------------------------

da batalhaTvestido com roupas de dor­ í O segundo par de práticas pagãs {que


mir ou nu! (cf. Leenhardt). Ele não pode deviam ser abandonadas é impudicícias
viver como pagão e esperar que até os e dissoluções. Novamente, as palavras
pagãos^ o respiitêm (I Tess. 4:12; cf. estão no plural. Impudicícias provém de
1 Cor. 14:40, onde esta palavra e usada uma palavra que significa cama, e etimo-
menos vividamente). Ele é um crente e logicamente significa relações sexuais em >
deve se conduzir como tal, e isso significa | leito proibido. Outra carta, escrita em
I que certas formas de conduta pagã pre^j Roma ou para Roma uma década depois,
| cisam ser abandonadas. O uso tríplice diz: “Honrado seja entre todo^tí^^gtri;
da palavra não (me em grego) no começo mõnio e o leito sem mácula; pois aos N
das últimas três linhas da estrofe ressoa dlevassos e adúlteros, Deus os julgará”
com força, quando cantada ou pronun­ (Heb. 13:4). Em uma época quando o
ciada com ênfase, mas o significado é próprio casamento é chamado de “ins­
ainda mais poderoso. Elas são as pala­ tituição corrupta” pelos neopagãos, está
vras daquela reforma moral que deve nãThõra de càntar este hino outra vez!
seguir-se à regeneração espirituaL Se Dissoluções é aquele estágio de imora- «
isto fosse automático, Paulo não preci­ lidade em que a pessoa nem se preo-
saria ser tão enfático em suas exortações cupa em se esconder — completá~fãKã~fle -*■
vergonha. O que os outros fazem em (
62 E. C. Whitaker, Documents of the Baptismal Liturgy
í secreto, a pessoa dissoluta faz em públi-
(London: SPCK, 1960). jco. Faz uma exibição pública de sua
conduta ultrajante e desafia os outros a A última, estrofe de duas linhas e um
desaprovar a sua lascívia. É conduta que comentário descrevem a conduta cristã
choca a decência pública, do tipo visto | em termos de vestimenta (v. Í4)."C)
hoje em dia até nos parques públicos.^ crente já toi chamado para vestir-se das
terceiro paf'dè~-prátrcás'
U E ______________ pagãsj_ de
,____________ armas da luz e andar decentemente ves­
que se deve descartar é contendas e inve- tido durante o dia, mas agora a sua
ja. A primeira palavra é anti-social (luta, vestimenta é chamada Cristo. A roupa
brigas). Ê a falta de disposição parã ficar 1 branca, sem mancha nem ruga, vestida
lem segundo lugar, a doentia competição, pelo candidato ao batismo, representava
que se regozija na derrota do seu adver- f Cristo; e esta prática primitiva estava
sário. Ela é gêmea da inveja (I Cor. 3:3; arraigada na teologia batismal de Paulo.
II Cor. 12:20; Gál. 5:20,21), palavra que “Porque todos quantos fostes batizados
pode significar nada mais do que zelo, em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gál.
mas aqui é aquela inveja fervente que se" 3:27). A metáfora está no Antigo Testa­
origina da contenda. ’ mento: “Vestia-me da retidão, e ela se
A maior parte dos comentaristas lem­ vestia de mim; como manto e diadema
bra que essas foram as palavras que era a minha justiça” (Jó 29:14; cf. Sal.
levaram à conversão de (Agostinho) As 132:9). Em Paulo o revestimento de
palavras de uma criança cantando: Cristo como roupa se tomou um imjpof-
“Tolle lege! Tolle Iege!” (Toma e lê! tante conceito catequético (CoT 3:10;
Toma e lê!) tomaram-se a voz de Deus Ef. 4:24).
para ele, para que lesse o que agora é Não tenhais cuidado da carne. A idéia
enumerado como o verso 13. “Ao fim*! é de não preparar nada para ela ante­
('daquela sentença” , escreveu ele, “foi cipadamente (cf. At. 24:2). Uma prepa-
como se a luz da certeza se houvesse I fração para as obras da came não tem j
derramado no meu coração, e todas as | | lugar na vida do crente. As obras da
sombras de dúvida foram dissipadas. 1 ' carne são os atos que se originam de uma
IColoquei o dedo na página e fechei oj vida organizada ao redor do seu eu como
/livro; (Confissões, VIII. 12). Ele fora centro. Esta provisão é mais”psicológica
dedicado a Deus pela sua piedosa mãe do que física, como toma clara a lista
quando nascera, mas havia seguido o seu de obras da carne feita por Paulo (Gál.
pai pagão em seus caminhos, até aue “ o 5:19-21). Desta lista de quinze obras da
pregador” , o grande ^Cmbrosío de MflãõTN carne, só as duas últimas podém ser
o abordou. Na vesperadãPáscoa de 387 chamadas de sensualidade, em qualquer
d.C., com a idade de 33 anos, ele, o seu sentido. São as gêmeas glutonarias e
amigo Alípio e o filho ilegítimo de Agos­ bebedeiras (orgias ou farras), mas todo o
tinho fòram batizados por Ambrósio. resto são pecados do espírito humano.
A liturgia batismal" foi preservada. e ãs Nem mesmo o comentário a respeito de
idéias de Romanos 13:11-14 podem ser concupiscências (cobiças) gratificantes
detectadasr^S^frãn^^^^o_operada confina a carne aos pecados físicos, pois
em Agostinho e nos outros que experi­ tõHos os quinze pecados de Gálatas
mentam a grãçíTdebeus desta maneira é 5:19-21 são deseios da carne (Gál. 5:16;
resumida incisivamente por um comen­ cf. Rom. 1:24-32; 7:5; 8:5-8; Ef. 2:3).
tarista recente: “Por entre os dissolutos,
3. Amor Como uma Vida de Serviço
(; prostitutos e rixentos filhos da noite, eles
14:1-15:13)
I andam em radiante decência” (Franz-
[ mann). 1) Os Que Têm Escrúpulos (14:1-19)
(1 )0 Problema das Leis de Dieta(14:l-4)
63 St. Ambrose On the Sacraments and On the Mysteries,
trad, para o ingles p o rT . Thompson, ed. J. H. Srawley 1 O ra , a o q u e é f r a c o n a fé , acolhei-o,
(London: SPCK., 1950). m a s n ã o p a r a c o n d e n a r-lh e os esc rú p u lo s.
2 U m c r ê q u e d e tu d o se p ode c o m e r, e ciência e conhecimento não são usadas
o u tro , qu e é fra c o , com o só le g u m e s. S Q uem aqui em Romanos, mas os fracos na fé e
com e n ã o d e sp re z e a q u e m n ã o c o m e, e
q u em n ã o co m e n ã o ju lg u e a q u e m c o m e ;
os fortes na fé têm o mesmo problema
pois D eu s o a c o lh e u . 4 Q uem é s tu , q u e apresentado em I Coríntios 8. Toda a
ju lg a s o se rv o alh e io ? P a r a s e u p ró p rio s e ­ seção pode ser esboçada em agrupamen­
n h o r e le e s t á e m p é ou c a l; m a s e s t a r á f i r ­ tos dos que têm escrúpulos, a saber: os
m e, p o rq u e p o d ero so é o S e n h o r p a r a o
f irm a r .
conscienciosos (14:1-12); os que causam
tropeço, isto é, os que têm conhecimento
Depois das discussões mais genéricas (14:13-23); e os que são fortes e imitam
a respeito do amor como uma vida de o amor de Cristo (15:1-13). Estes agru­
sacrifício e submissão, vem este exemplo pamentos podem ser organizados ao
específico de amor como uma vida de redor do tema geral do amor como vida
serviço (14:1-15:13). A tensão que há de serviço.
entre o fraco na fé, que tinha escrúpulos Havia definidamente duas facções na
de consciência a respeito de certos cos­ comunidade cristã de Roma. A facção da
tumes e leis, e o forte na fé, que tinha maioria, chamada de fortes na fé, relu­
conhecimento suficiente para viver na tava em aceitar a facção da minoria,
liberdade cristã de forma que não neces­ os fracos na fé, na comunidade cristã
sitava desses regulamentos, era uma (v. 1). A princípio parece que Paulo tem
ameaça para a unidade da comunidade em mente um homem específico, mas a
cristã em Roma. A natureza específica admoestação logo se toma mais genérica
desta seção levou Knox a chamá-la de (14:5). Os fortes na fé devem acolher
um “post-scriptum” , mas ela ainda é os fracos (cf. v. 3; 15:7), mas não deve ser
uma aplicação da lei do amor aos pro­ uma acolhida para discutir assuntos não
blemas de relações humanas. Certa­ essenciais, que dividiriam a comunidade
mente Knox está correto, ao ver para­ cristã. A idéia de dois campos opostos em
lelos entre a correspondência de Paulo uma controvérsia é implícita nas palavras
com os coríntios e a carta que dirigiu gregas traduzidas tanto como condenar-
aos romanos; a saber: Romanos 12:3-8 lhes quanto como opiniões ou escrúpu­
com I Coríntios 12:1-31; 14:1-40 e Roma­ los. Um grupo argumentava em favor da
nos 12:19-21; 13:8-10 com I Coríntios liberdade cristã de todos os tabus dieté­
13; e agora Romanos 14:1-15:13 com ticos e dias santos, mas outro grupo se
I Coríntios 8-10. Deve ser lembrado que tomara ainda mais entrincheirado no
Paulo está, provavelmente, escrevendo conservadorismo rígido.
de Corinto; assim, uma discussão mais Esta rigidez acerca de algumas regras
abrangente dos princípios aplicados a e regulamentos se verificava entre os
problemas em Corinto é de se entender. essênios da era antecristã, e se tomou
O problema de comer carne sacrifi­ aguda entre os judeus cristãos, que não
cada aos ídolos propiciou os ensinamen­ tinham a certeza se a came que compra­
tos minuciosos em I Coríntios 8-10, e esse vam nos mercados pagãos havia sido
é o ponto de partida para Romanos dedicada aos ídolos. A melhor solução
14:1-15:13. Toda a seção a respeito de para eles, da maneira como o entendiam,
amor como vida de serviço é uma amplia­ era abster-se de toda espécie de carnes.
ção e uma aplicação dos três padrões Por entre os pagãos, os vegetarianismo
para a ação cristã constante de I .Corín­ era sustentado pela crença de que a came
tios 8. Em Corinto, os que eram fracos é prejudicial. Mas não há nenhuma evi­
na fé são descritos como pessoas vivendo dência de que o dualismo pagão tivesse
pela consciência; e os fortes na fé, pelo sido adotado tão cedo entre os cristãos
conhecimento; mas os mais amadureci­ romanos. A lei judaica a respeito das
dos viviam pelo amor. As palavras cons­ coisas impuras estava por detrás do
vegetarianismo de Roma (14:14,20; S enhor co m e, p o rq u e d á g r a ç a s a D e u s; e
cf. I Cor. 8:4). No entanto, o dualismo q u em n ã o c o m e, p a r a o S en h o r n ã o co m e,
e d á g ra ç a s a D eu s. 7 P o rq u e n e n h u m de
pagão, por vezes misturado com o judaís­ n ós v iv e p a r a si, e n e n h u m m o r re p a r a si.
mo, é mencionado nas cartas paulinas 8 P o is, se v iv e m o s, p a r a o S e n h o r v iv e m o s ;
(Col. 2:8-23; ITim . 4:1-5). se m o rre m o s , p a r a o S en h o r m o rre m o s . D e
As reações das duas facções foram s o rte q u e , q u e r v iv a m o s, q u e r m o rra m o s ,
som os do S en h o r. 9 P o rq u e foi p a r a isto
típicas de um conflito da maioria contra m e sm o q u e C risto m o r re u e to rn o u a v iv e r,
uma minoria (v. 3 e 4). Os fortes na fé, p a r a s e r S en h o r ta n to d e m o rto s com o de
que pareciam controlar a comunidade, vivos.
desprezavam a minoria mais rígida, con­
siderando-a “conservadora” e “antiqua­ A transição do sábado para o Dia do
da” , e os fracos na fé pagavam com a Senhor (domingo), como ocasião especial
mesma moeda, julgando a maioria como para a adoração cristã, abrangeu muitos
“liberais” e “modernistas” , que haviam fatores, à medida que a maioria judaica
abandonado a lei e se colocado debaixo em Roma se tornou minoria entre o
de maldição. Obviamente, Deus acolheu número maior de gentios que depressa se
o grande número de “liberais” que che­ juntou às suas fileiras. 64 E interessante
garam a confessar Jesus como Senhor; de notar-se que, hoje em dia, os dois únicos
forma que a minoria conservadora não dias da semana italiana que não têm
devia condená-los, da mesma forma nomes pagãos são Sabato e Domenica
como a maioria devia acolher a minoria (o dia o Senhor), enquanto, em inglês,
rígida da mesma forma como Deus os todos os dias da semana têm nome
acolhera. pagãos. O ressurgimento deste problema
Em uma curta parábola a respeito do por ocasião da Reforma inglesa e esco­
servo da casa, Paulo repreende essa mi­ cesa permanece uma questão de debate
noria atuante e censuradora, que estava emocional entre os cristãos evangélicos
para ser excomungada pela maioria mais até o dia de hoje. 65 Este parágrafo abre
progressiva. A versão da IBB fez a cor­ uma janela do Novo Testamento para
reta distinção entre o senhor humano e este problema.
Cristo como Senhor da família da fé Dias especiais são comemorados entre
(cf. Gál. 6:10). Da mesma forma como os legalistas conservadores (v. 5 e 6).
o servo doméstico, na casa humana, é Paulo é surpreendentemente paciente
responsável tão-somente diante do se­ com eles; por isso concluímos que eles
nhor casa, assim também, na casa de faziam parte da cristandade judaica, e
Deus, o crente é responsável tão-somente não estavam misturados com o paganis­
para com Cristo. Assim como o servo mo. Paulo tem apenas uma regra: Cada
doméstico fica de pé ou cai diante do seu um esteja inteiramente convicto em sua
senhor, também Cristo capacitará o forte própria mente (cf. 14:23). Um manus­
a se firmar, a despeito do julgamento crito apresenta estas palavras de Jesus:
dos fracos. Esta idéia será retomada “Vendo uma pessoa trabalhando no
depois de algumas palavras a respeito sábado, ele disse: “Homem, se sabes o
do problema correlato de dias e épocas que estás fazendo, bem-aventurado és
especiais. tu; mas, se não sabes, és amaldiçoado
e transgressor da lei” (Luc. 6:4). Por
(2) O Problema de Dias e Épocas Espe­ outro lado, Paulo diz: Aquele que faz
ciais (14:5-9) caso do dia, para o Senhor o faz.
5 U m faz d ife re n ç a e n tr e d ia e d ia , m a s
ou tro ju lg a ig u a is todos os d ia s . C a d a u m 64 Willy Rordorf, Sunday, trad, para o inglês por A. A. K.
e s te ja in te ir a m e n te convicto e m su a p r ó ­ Graham (Philadelphia: Westminster, 1968).
p ria m e n te . 6 A quele q u e fa z c a so do d ia , 65 “Sabbatarianism” , ODCC, ed. F. L. Cross (Oxford:
p a r a o S enhor o fa z . E q u e m c o m e , p a r a o University Press, 1957).
Em Gálatas, carta escrita anterior­ judiciosa pode às vezes ser mais condes­
mente, Paulo foi extremamente pessi­ cendente do que fraterna; de forma que
mista a respeito de um conglomerado Paulo se defronta com essas pessoas com
de deuses pagãos e o calendário judaico a atitude criteriosa consoante com o tri­
(4:8-11); e, mais tarde, ele atacou a seita bunal vindouro de Deus. À luz do juízo
que, em Colossos, por assim dizer, ado­ final, a vingança foi deixada nas mãos de
rava o calendário, como ensino falso e Deus (12:19), de forma que o julga­
especulações vãs (2:8-23). Como bom mento é tirado agora das mãos do ho­
judeu, ele era incapaz de condenar a mem (cf. Mat. 7:1; Luc. 6:37).
observância do sábado, que não estava Paulo compareceu diante de Gálio, no
misturada com o paganismo, mas ele se tribunal de Corinto, em cerca de 51-53
identifica com “os fortes” (15:1). Mais d.C. (At. 18:12.14; cf, 25:12), e isso deve
uma vez ele pede respeito e aceitação ter-lhe causado grande impressão. Mais
mútuos entre as duas facções. Da mesma tarde, ele falou do tribunal de Cristo
forma como o problema do vegetarianis­ diante do qual todos precisam compa­
mo levou a uma pequena parábola, o recer, “para que cada um receba o que
sabatismo, agora adicionado, sugere um fez por meio do corpo, segundo o que
hino de louvor (14:6b-8). Outrora a mor­ praticou, o bem ou o mal” (II Cor. 5:10).
te dominara até mais do que Cristo e a Agora, ao escrever de Corinto, ele diz:
morte, sobre o crente, mas agora Jesus Todos havemos de comparecer ante o
Cristo é Senhor (6:9,14). Este é o signi­ tribunal de Deus. Não deve ser feita
ficado do possessivo: somos do Senhor. nenhuma distinção dispensacional sutil
O senhorio de Cristo em vida e morte entre o tribunal de Cristo e o tribunal
é apoiado pelo credo central de Paulo, de Deus. O fraco que julga e o forte que
notado agora pela sétima vez, desde que despreza o fraco (cf. 14:3,4) fazem-no
apareceu pela primeira vez em 4:25. A para os que são irmãos (cf. 1:13; 12:1;
ordem de palavras em tanto de mortos 15:14,30). Só uma vez Paulo usa este
como de vivos foi influenciada pelo credo termo em relação aos não-cristãos, e ali
(cf. 6:11; II Cor. 5:14.15). ele acrescenta: “meus parentes segundo
a carne” (9:3). Em todos os outros lu­
(3) O Trono do Juízo de Deus (14:10-12)
gares, em Romanos, irmão é um cristão,
10 M as tu , p o r que ju lg a s te u irm ã o ? Ou e isso é muito importante de ser lembra­
tu , ta m b é m , p o r qu e d e sp re z a s te u irm ã o ? do quando ele repreende os que causam
P o is todos h a v e m o s d e c o m p a re c e r a n te o
trib u n a l d e D eu s. 11 P o rq u e e s tá e s c r ito : tropeços (14:13-23).
P o r m in h a v id a , diz o S enhor, O testemunho do Antigo Testamento
d ian te d e m im se d o b ra r á todo jo elh o , vem de Isaías 49:18 e 45:23 (LXX). A
e to d a lín g u a lo u v a rá a D eus. segunda passagem é encontrada mais
12 A ssim , pois, c a d a u m d e n ó s d a r á c o n ta tarde, incorporada ao grande hino de
de si m e s m o a D eus.
Filipenses 2:6-11.66 Cada crente, seja
Os escrúpulos de consciência não dão qual for a sua facção, dará conta de si
aos fracos o direito de fazer o papel de mesmo a Deus, de forma que não há
Deus. A pessoa fraca tem emitido julga­ necessidade de julgamento humano. E
mentos como se tivesse a prerrogativa da também o autojulgamento ou julgamento
divindade. Nygren notou o que os senti­ feito pelos outros não é substituto do
mentais freqüentemente deixam passar tribunal de Deus (cf. I Cor. 4:1-5).
despercebido: “Não raramente é o fraco 2) Os Que Causam Tropeços (14:13-23)
que é o verdadeiro tirano.” Ignorância e
preconceito nunca são corrigidos, se 13 P o rta n to , n ã o nos ju lg u e m o s m a is u n s
a o s o u tro s; a n te s s e ja o vosso p ro p ó sito n ão
forem constantemente fomentados pelo
fato de serem lisonjeados. A abordagem 66 Ralph Martin, op. cit.
p o r tro p eço ou e sc â n d a lo a o vosso irm ã o . expandindo a idéia do irmão, e a outra
14 E u se i, e esto u c e rto no S en ho r J e s u s , acrescentando a idéia de uma edificação.
que n a d a é de si m e s m o im u n d o , a n ã o s e r
p a r a a q u e le q u e a s s im o c o n s id e ra ; p a r a O amor por um irmão crente exclui
esse é im u n d o . IS P o is, se p e la tu a c o m id a
o julgamento, costume perigoso, tanto de
se e n tris te c e o te u ir m ã o , j á n ã o a n d a s
segundo o a m o r . N ão fa ç a s p e re c e r , p o r fracos como de fortes. O verbo grego
c a u s a d a tu a c o m id a, a q u e le p o r q u e m C ris ­ usado duas vezes no verso 13 tem duplo
to m o rre u . 16 N ão s e ja , pois, c e n su ra d o significado, e há um jogo de palavras
o vosso b e m ; 17 p o rq u e o re in o d e D eu s n ão aqui como em 14:4,5, onde ele é tra­
co n siste no c o m e r e no b e b e r, m a s n a j u s ­
tiç a , n a p a z e n a a le g r ia n o E s p írito S anto. duzido como “julgar” nas duas vezes,
18 P o is q u e m nisso s e rv e a C risto a g ra d á v e l mas na segunda vez tem o sentido de
é a D eu s e a c e ito a o s h o m e n s. 19 A ssim , “considerar” . No verso 13, a versão da
pois, s ig a m o s a s c o isa s q u e s e rv e m p a r a a IBB expôs o duplo significado do verbo,
p az e a s q u e c o n trib u e m p a r a a e d ific a ç ã o traduzindo-o como julguemos e seja o
m ú tu a . 20 N ão d e s tru a s , p o r c a u s a d a c o ­
m id a , a o b ra d e D eu s. N a v e rd a d e , tu d o é vosso propósito. Paulo dá a entender que
lim po, m a s é u m m a l p a r a o h o m e m d a r uma faculdade crítica deve ser usada,
m otivo d e tro p e ç o p elo c o m e r. 21 B o m é não a respeito do irmão fraco, com seus
n ão c o m e r c a rn e , n e m b e b e r v in h o , n e m escrúpulos de consciência, mas a respeito
fa z e r o u tra c o isa e m q u e te u ir m ã o tro p e c e .
22 A fé q ue te n s , g u a rd a -a co n tig o m e s m o
do próprio crente forte, quando ele faz
d ia n te d e D eu s. B e m -a v e n tu ra d o a q u e le q u e a decisão de, em amor, não ser um
n ão se co n d en a a si m e s m o n aq u ilo q u e motivo de tropeço ou escândalo.
a p ro v a . 23 M a s a q u e le q u e te m d ú v id a s ,
se co m e , e s tá co n d en ad o , p o rq u e o q u e fa z O conhecimento e a persuasão de
n ã o p ro v é m d a f é ; e tu d o o q u e n ã o p ro v é m Paulo a respeito das coisas impuras re­
d a fé é p ecad o . monta também a Jesus (cf. Mar. 7:2,
15,19; Mat. 23:25), mas agora é o Senhor
Os fortes na fé, que vivem pelo conhe­ Jesus, o Jesus histórico, que se toma
cimento, agora se tomam o principal Senhor da vida (At. 2:36; Fil. 2:6-11).
auditório para receber admoestações. Os Amar um irmão fraco não requer que
fracos na fé não estão sozinhos em rece­ subtraiamos dele a verdade. O ato de
berem julgamento (cf. 14:3,4,10). O uso esconder a verdade é uma condescen­
errado de conhecimento pode ferir a dência arrogante, que serve apenas para
consciência do irmão fraco de maneira confirmar o fraco em seus escrúpulos
desnecessária, e tomar-se um motivo de de consciência. O amor pode negar-se a
tropeço e um empecilho para a fé. Este executar uma ação, mas nunca se nega a
parágrafo é uma ampliação do incisivo revelar a verdade. Uma verdade dúplice
sumário de I Coríntios 10:23, que diz: é desastrosa para a fraternidade. Paulo
não hesita em concordar com o irmão
“ Todas as coisas são lícitas, forte em seus pontos de vista acerca das
mas nem todas as coisas convém;
Todas as coisas são licitas, coisas puras e impuras, mas discorda de
mas nem todas as coisas edificam .” seu excessivo uso da liberdade cristã
(15:1). Declarações sem rebuços já foram
A versão da IBB indica que “todas as feitas em Corinto, a este respeito (I Cor.
coisas são lícitas” são palavras do opo­ 8:4-6; 10:23-30); e declarações ainda
nente de Paulo, pois este era um “slo­ mais claras serão feitas mais tarde aos
gan” gnóstico para justificar o uso exces­ irmãos de Êfeso (I Tim. 4:1-5). O fato de
sivo da liberdade. A TEV (The English se concordar com o irmão fraco levaria o
Version) insere “ assim dizem eles” , para cristianismo de volta aos escrúpulos de
tomar mais clara esta idéia. A primeira Simão Pedro, antes de o Sehor revelar-
refutação é ampliada nos versos 13-18, lhe o erro do seu cristianismo judaico
e a segunda, nos versos 19-23, uma (At. 10:14,28). A impureza, para Paulo,
é simplesmente uma questão da mente do reino em glória é ainda futura, mas
(cf. 14:5,22,23; Tito 1:15). está presente como o poder do Espírito
O tropeço produz uma forma de tris­ Santo, o antegozo do reino.
teza (v. 15). A tristeza pode ser uma boa Uma terceira passagem fala do reino
forma de levar a pessoa ao arrependi­ como o domínio da luz, que tem um
mento, mas também pode ser uma tris­ significado muito aproximado da metá­
teza mundana, que mergulha a pessoa fora favorita de Paulo a respeito da Igre­
na morte espiritual (II Cor. 7:10). O uso ja, o corpo de Cristo (Col. 1:13-17).
do verbo se entristece aqui parece indicar Outras passagens do Novo Testamento
este perigo para o irmão fraco. A própria requerem este significado presente (cf.
palavra forte que segue, perecer, geral­ Heb. 12:28; Mar. 9:1; Mat. 12:28 =
mente é traduzida como perecer ou des­ Luc. 11:20; 17:21). De fato, todos os
truir (2:12; I Cor. 8:11; II Cor. 4:3; milagres de Jesus e a obra do Espírito na
II Ped. 3:9; Mat. 10:28; Luc. 13:3; João Igreja podem ser considerados como
3:16). Significa a mesma coisa que a sua sinais agora apresentados no reino, que
palavra aos coríntios: “Pela tua ciência, está vindo em glória. O reino veio em
pois, perece aquele que é fraco, o teu poder espiritual, mas virá em glória.
irmão por quem Cristo morreu” (I Cor. Portanto, oramos “venha o teu reino” e
8:11). Alguém que use o seu conheci­ acrescentamos: “Porque teu é o reino e o
mento ou a sua ciência para Jestruir o poder, e a glória para sempre. Amém”
seu irmão fraco certamente não está mais (Mat. 6:10,13).
a andar segundo o amor. Andar em amor A realidade presente inclui justiça, paz
não é apenas imitar Deus como as crian­ a alegria no Espírito Santo. A justiça é
cinhas imitam seu pai, mas é seguir o baseada no ato justo de Deus em Cristo
modelo de Cristo, que nos “ amou, e se (1:17; 3:21,22; 10:3), mas também inclui
entregou a si mesmo por nós, como ofer­ os requisitos de justiça da lei no crente
ta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (8:4). É por isso que os injustos não
(Ef. 5:2). Isto resume os ensinamentos herdarão o reino de Deus (I Cor. 6:9,10;
anteriores a respeito do amor (12:9-21; Gál. 5:21; Ef. 5:5). A paz também co­
13:8-10). meçou com o ato justo de Deus (5:1),
A razão para andar segundo o amor mas ela encorajou a uma vida de har­
e desta forma evitar uma ofensa ao irmão monia, até mesmo com todos os homens
fraco confirma o significado sugerido (12:18) e especialmente entre os crentes
acima (v. 17). O reino de Deus é, geral­ (14:16; Ef. 2:14-18). A alegria é uma
mente, descrito como uma herança fu­ experiência presente para o crente, que
tura. Este conceito é usado uma dúzia de tem uma relação muito especial tanto
vezes nas cartas de Paulo, e nove dessas com o reino de Deus como com o Espírito
passagens podem ser interpretadas em Santo. Ela capacita o crente a manter
sentido futuro (I Tess. 2:12; II Tess. “um pé no céu” enquanto sofre nesta
1:5; I Cor. 6:9,10; 15:50; Col. 4:11; Ef. vida (5:2,3; I Tess. 1:6; cf. Mat. 5:3-12).
5:5). As outras três vezes requerem um A alegria é também um fruto especial do
significado presente. Para aqueles que Espírito (Gál. 5:22).
davam grande valor à eloqüência huma­ É uma tragédia espiritual quando um
na, Paulo advertiu que o reino de Deus irmão fraco é destruído por causa de
não consiste em conversa, mas em poder comida. A sofisticação gnóstica, com um
(I Cor. 2:1-5). O contexto estabelece o ar de liberdade, dá um preço muito baixo
contraste entre o poder e um tipo de ao irmão fraco, que Cristo comprou com
“escatologia realizada” , que agia como o seu próprio sangue. Ele é aquele por
se o reino já tivesse sido estabelecido em quem Cristo morreu (cf. 5:6-11; 8:34).
toda a sua glória (I Cor. 4:8-21). A vinda Hupper, preposição que indica sacrifício
vicário, em benefício de outrem, é nova­ e dos homens. Da mesma forma que
mente usada (cf. 5:6-8). aquele que peca contra o seu irmão,
A conclusão desta delicada discussão é ferindo a sua consciência, peca contra
muito difícil de se traduzir (14:16). Uma Cristo (I Cor. 8:12), também aquele que
tradução literal não fica clara: “Portanto, ama a seu irmão, mostrando respeito
não permita que o bem seja blasfemado pelos seus escrúpulos, serve a Cristo.
de você.” Alguns intérpretes, como Isto é, antes de tudo, aceitável a Deus.
Leenhardt, focalizaram-se na idéia de Os atos sacerdotais de adoração, oração
blasfêmia, e chegaram à conclusão de e o ensino da verdade procuram apenas
que Paulo estava dizendo que um irmão ser aceitáveis ou agradáveis a Deus
forte na fé não pode usar mal a sua (12:1,2; I Tim. 2:3; II Tim. 2:15), mas o
liberdade, ao ponto de levar o irmão relacionamento entre os irmãos crentes é
fraco a blasfemar e a atribuir a Satanás uma função social que precisa pelo me­
o que é de Deus (como no episódio de nos satisfazer aos mais elevados padrões
Marcos 3:23-30). Isto concordaria com o humanos, isto é, ser aceito aos homens.
versículo anterior, mas parece que se está É errado buscar apenas a aprovação dos
extraindo significado demais da única homens (II Cor. 10:18), mas a aprova­
palavra blasphêmêo, que pode significar ção da consciência, até de pessoas não-
nada mais do que falar contra alguém. crentes é, muitas vezes, importante no
Franzmann diz que são os de fora que testemunho cristão ao mundo (cf. 2:
falam contra essa conduta cristã (“blas­ 14,15).
femam contra ela”). Uma reiteração do argumento começa
O significado mais provável foi seguido com uma nova conclamação para a paz
pela versão da IBB, e a maior parte dos (v. 19; cf. v. 17; 12:18). Esta busca da
comentaristas concorda com ele. Esta paz é uma busca de harmonia, e isso traz
abordagem se focaliza em vosso bem, e à baila a metáfora de uma edificação.
geralmente diz que o bem é a liberdade O crente que é forte na fé pode executar
cristã, que pode ser usada para fins o trabalho de edificação ou de demolição
malignos. Até os de fora falam contra a no edifício de Deus. Edificação é uma
fé cristã, quando ouvem falar de cele­ importante metáfora na doutrina paulina
umas a respeito do que comer e do do Espírito Santo (Moody, p. 87-106).
que beber. Podem até chegar à conclusão Construir o edifício de Deus significa
de que o cristianismo é um clube reli­ a mesma coisa que edificar o corpo de
gioso, onde não se bebe nem se come Cristo, a Igreja (cf. 12:5; I Cor. 3:9;
(cf. I Cor. 11:27-34). Os crentes não Ef. 2:14-21; 4:15,16). Ambos os atos são
devem sofrer descrédito quanto à sua fé executados edificando-se o irmão em
por causa de sua conduta (cf. Tito 2:5). amor. “A ’ciência’ incha, mas o amor
Não obstante, Knox questiona a limita­ edifica” (I Cor. 8:1).
ção do bem na liberdade cristã. Ele A falta de amor, da parte do forte,
encontra a mesma palavra em 15:2 e pode levar não à obra de edificação ou
acha que ela significa “o valor da vida em construção, porém à obra de demolição
Cristo” , mas vai adiante, dizendo que a (v. 20a). O edifício de Deus é a obra de
liberdade podia ser parte do valor da vida Deus, e a demolição do seu edifício é a
cristã, que é boa para o próximo. Isto destruição de sua obra. O crente é
parece correto, e é interessante notar que “feitura sua, criado em Cristo Jesus”
Paulo bem depressa insere ó espírito de (Ef. 2:10), e a sua destruição causa tris­
amor como forma de edificar o irmão em teza a Deus. A palavra usada aqui signi­
sua liberdade recém-encontrada (v. 19). fica ruína ou demolição, não destruição
O amor é uma forma de serviço a nos termos do verso 15, mas o significado
Cristo que satisfaz os padrões de Deus em termos de ruína espiritual é o mesmo.
A.T. Robertson sugere que esta pode ser esteja inteiramente convicto em sua
“uma alusão acessória a Esaú, com sua própria mente” (14:5). Deus e a cons­
mistura de carne guisada” Cf. Heb. ciência são as diretrizes para a ação em
12:15-17). Uma terceira palavra tradu­ assuntos que não acarretam diferenças,
zida como destruição é usada em I Co- isto é, coisas que não são corretas ou
ríntios 3:16,17, mas ela é o melhor co­ erradas em si mesmas. O crente precisa
mentário para o que significa destruir a dar contas a Deus e à sua própria cons­
obra de Deus: “Não sabeis vós que sois ciência quanto ao que é a melhor expres­
santuário de Deus, e que o Espírito de são de amor, em uma dada situação. O
Deus habita em vós? Se alguém destruir seu conhecimento dá forma à sua cons­
o santuário de Deus, Deus o destruirá; ciência.
porque sagrado é o santuário de Deus, Não se exige que o fraco viva pelo
que sois vós.” padrão do forte, se a sua consciência o
Murray reconheceu corretamente mui­ condena (cf. I Cor. 8:7-13). A sua dúvida
ta reiteração nos versos 20 e 21. O verso se origina em sua consciência imatura,
20 reitera o verso 15b; o verso 20b é que ainda não foi plenamente informa­
uma forma abreviada do verso 14; e os da pelo conhecimento, a respeito da
versos 20c e 21 tornam mais definidas aceitação de Deus quanto a certos cos­
algumas declarações dos versos 13 e 15. tumes. Isto tem a ver com a consciência,
O mal colocado na forma positiva, e o e não com a dúvida a respeito de credos, a
bom, colocado na negativa, são usados despeito do fato de que muitas pessoas
como contraste, para dizer quase a mes­ têm conseguido uma salva de “Améns” ,
ma coisa (v. 20 e 11). Comida é agora ao gritar a sua ortodoxia com a excla­
designada mais definidamente como mação de que “quem duvida está conde­
carne, talvez carne dedicada aos ídolos nado” (KJV, tradução antiquada de
(I Cor. 8:1,13), e bebida agora é vinho. 14:23c).
O amor fraternal pode excluir ou proibir Há sempre um elemento subjetivo no
carne e vinho, o que era um verdadeiro pecado. Se a pessoa não está plenamente
sacrifício em Roma! O dualismo pitagó- convencida de que determinados costu­
rico evitava carne e vinho, mas Paulo mes são certos, experimenta um senti­
baseia a sua declaração no amor (cf. mento de culpa, por vezes desastroso,
Philostratus, Vida de Apolônio, 1:8). O quando a sua conduta se choca com a sua
exemplo pessoal de Paulo é o melhor, consciência. Há lugar, na casa de Deus,
hoje em dia (I Cor. 10: 31-11:1). Foi dito para os três níveis de vida cristã. Os
a Timóteo: “Não bebas mais água só, fracos na fé precisam de algum espaço e
mas usa um pouco de vinho, por causa tempo para viverem no primeiro nível,
do teu estômago e das tuas freqüentes e os fortes na fé, que venceram certos
enfermidades” (I Tim. 5:23). ísto, con­ escrúpulos mediante o conhecimento,
tudo, foi recomendado antes de existir a precisam lembrar-se de que estão subin­
purificação pública da água. Hoje em dia do para o nível em que estão os que ver­
o pouco se tornou bastante, e já não há dadeiramente vivem na base do amor. O
tanto problema de estômago! capítulo seguinte aponta para esse nível.
Todo o capítulo a respeito de sábados e Uma variação textual, no fim do capí­
de alimentos é resumido por uma decla­ tulo 14, merece um breve comentário.
ração a respeito da fé (v. 22 e 23). Fé 67 A maior parte dos manuscritos apre­
significa convicção ou certeza quanto ao senta a doxologia de 16:25-27 no fim do
que é aceitável a Deus. Nem o forte nem capítulo 14, mas a maioria dos melhores
o fraco têm o direito de impor um ao
outro o que faz parte da relação pessoal 67 The Greek New Testament, ed. pelas Sociedades Bíbli­
do crente para com Deus. “Cada um cas Unidas, apresenta o problema textual de 14:23.
0
manuscritos a coloca no fim do capítulo no foi e sc rito , p a r a q u e , p e la c o n stâ n c ia e
16, como na versão da IBB. O problema p e la co n so la ç ã o p ro v e n ie n te s d a s E sc ritu ^
r a s , te n h a m o s e s p e r a n ç a . 5 O ra , o D eu s d e
desta versão curta de Romanos centra- c o n stâ n c ia e d e co n so la ç ã o v o s d ê o m e s m o
liza-se em Marcião, rico armador de se n tim e n to u n s p a r a co m os o u tro s, se g u n d o
Sinope, em Ponto, que chegou a Roma C risto J e s u s . 6 P a r a q u e u n â n im e s, e a
em cerca de 140 d.C., e faleceu em cerca u m a b o c a , g lo rifiq u e is a o D eu s e P a i d e
nosso S en h o r J e s u s C risto .
de 160. Considerado herético pelos orto­
doxos, ele rejeitava o Velho Testamento O pensamento deste capítulo é uma
e possuía um cânon do Novo Testamento continuação lógica de coisas ditas no
com Lucas-Átos e todas as cartas de capítulo anterior. Os que são verdadei­
Paulo, exceto as pastorais. A sua forte ramente fortes colocanTõ^ímorãHma^iá
oposição ao judaísmo talvez o tenha cM scÍenciF^õcralíéH m e7^7eiSítam '
levado a deixar de lado Romanos 15, que _nsto. Há um tipo enostico ao crente
contém a declaração favorável de Paulo a forte, que foi comparado com o íracõno
respeito do Antigo Testamento e de ultimo capítulo, mas ele não é tão forte
Jerusalém. Na tradição grega, Orígenes quanto precisa ser. Ele “ ainda não sabe
diz que o texto marcionita tinha essa como convém saber” (I Cor. 8:2). S f
forma abreviada. Na tradição latina, famor como a maneira de ser de Cristo é !
Tertuliano, o mais veemente adversário resentado por um padrão de amior
de Marcião, não mencionou Romanos
15 e 16, em sua refutação. Cipriano,
também de Cartago e admirador de
Tertuliano, não mencionou os dois últi­
f l-3a), uma prova da Escritura (v.
3b,4), e uma oração em favor da unidade
I (v. 5,6). É difícil imaginar uma passagem j
I mais importante para a fé amadurecida
mos capítulos de Romanos em seu livro ~ Q padrão de amor é a dívida de amor
de Testimonia. Um manuscrito latino que nunca é plenamente paga (cf. 13:8,
muito importante, o Codex Amiatinus, onde o mesmo verbo é usado). A aplica­
arranjou Romanos em 51 capítulos, com ção mais ampla desta dívida aparece no
títulos resumindo o respectivo conteúdo, começo da epístola (1:5,14; 8:12; cf. João
talvez para serem lidos nos domingos de 13:14; I João 3:16, onde é usado o verbo
um ano, e os dois últimos pulam do fim “dever”). Os fortes eram deduzidos por
de Romanos 14 para a doxologia de referências aos fracos; mas agora eles são
16:25-27. O resto da história fica ainda mencionados juntos, e Paulo se identifica
mais complicado, mas há ampla concor­ com os fortes. As fraquezas dos fracos
dância acerca do fato de que o capítulo são os seus escrúpulos, que os fortes são
15 pertenceu à carta original de Paulo chamados para ajudá-los a suportar, ou
à igreja em Roma (cf. Barrett, p. 10-13; para eles mesmo suportarem. O signifi­
Bruce, p. 26-29; Murray, II, 262-268). cado de carregar um fardo parece claro
por causa do freqüente uso desta palavra
3) Os Que São Verdadeiramente Fortes (Gál. 6:2,5; cf. Is. 53:4; Luc. 14:27;
(15:1-13) João 19:17), mas Barret pensa que o
significado aqui é, provavelmente,
(1) O Caminho de Cristo (15:1-6) “agüentar” (cf. Mat. 20:12; At. 15:10).
1 O ra , n ó s, q u e so m o s fo rte s , d ev e m o s
'"~5grã3ãr aos homens não é um princí­
s u p o r ta r a s fra q u e z a s d o s fra c o s , e n ão pio de vida cristã (Gál. 1:10), mas aqui
a g r a d a r a nó s m e s m o s. 2 P o rta n to , c a d a esse significado aflora , quando agradou
u m de nó s a g r a d e a o se u p ró x im o , v isa n d o é usado pela terceira vez (v. 3a). ^Agradar
o que é b o m p a r a ed ific a ç ã o . 3 P o rq u e ta m - ao próximo é mostrar respeito, em amor.
béníjC ristolnão se a g ra d o u a si m e s m o , m a s
c o m o e s i a e s c r ito : SoDre m im c a ír a m a s pelos jseus escrupulos de consciência. O
in jú ria s d o s q u e te in ju ria v a m . 4 P o rq u a n to , exempIcTde P aflõ sêg ú íse aoexempío de
tu d o q u e d a n te s foi e s c rito , p a r a n o sso en si' Cristo (I Cor. 10:33). O amor do forte
pelo fraco faz mais visando o que é bom e jamento é II Coríntios 1:3,4, onde a
a sua edificação do que crítica a discus­ palavra é traduzida como consolo, na
são. Tanto o que é bom e edificante como versão da IBB. Uma tradução melhor
expressões de amor encontravam-se no seria: “Bendito seja o Deus e Pai de
último capítulo (14:15,16.19,20). Q nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das
exemplo de Cristo faz parte de um tema misericórdias e Deus de toda a conso­
bem antigo, que se encontra em várias lação, que nos encoraja em todas as
fontes (I Tess. 1:6; I Cor. 4:6; II Cor. nossas aflições, para que sejamos capa­
8:9; Fü. 2:5-8; cf. Mar. 8:34; I Ped. zes de encorajar os que estão em qual­
2:21; João 13:15). Isto não contradiz, de j quer aflição, com o consolo (encoraja­
Nforma alguma, os ensinos a respeito da mento) com que nós mesmos somos
Jmorte vicária e substitutiva de Cristo. consolados por Deus.” O texto de II
/E le é ao mesmo tempo o nosso sacrifício | Coríntios 1-9 é um contexto importante
<e o nosso exemplo. para esta idéia.
A prova da Escritura faz parte, talvez, O objetivo desta petição tem três con­
da coleção dos Testimonia antigos lá ceitos cardeais, importantíssimos para a
mencionados (15:3b; 9:33). Salmos 69 é unidãdeTvTStre 6). O conceito básico é
freqüentemente aplicado a Jesus Cristo harmonia de pensameno (v. 5b; cf. Fil.
(11:9,10; Mar. 15:36; Luc. 12:50; At. 2725). Harmonia de “pensamento leva à
1:20; João 2:17; 15:25). O procedimento harmonia de vida, mas o grego significa
dos justos, em Salmos 69:9. é aplicado a "a mesma mente5^ Isto é vida segundo
Jesus como exemplo para os crentes que Cristo Jesus (cf. Col. 2:8; Ef. 5:24). Vida
precisam levar os vitupérios dos injustos. de acordo com Cristo é o caminho do
Um parêntese justificou o apelõ^Hstão amor, que manifesta a harmonia de unâ­
ao Antigo Testamento, e esta pode ser nimes, e a uma boca. Esta é a única vez
uma razão por que Marcião, que rejei­ que Paulo usa a expressão unânimes (de
tava o Velho Testamento, tirou este comum acordo), mas ela aparece onze
capítulo de sua cópia de Romanos .(Paulo) vezes em Atos (cf. 1:14; 2:46). A expres­
cria que o Velho Testamento encontrava são a uma boca é uma viva figura da
o seu significado mais pleno para os harmonia que perfaz “uma só voz” . Uma
crentes que haviam passado a crer em só mente — um só acordo — uma só voz;
Cristo como o cumprimento da promessa esta é a harmonia que glorifica a Deus.
(v. 4; cf. I Cor. 9:10; 10:6,11; II Tim. J a l harmonia aceita todas as diferenças
3:16,17). As escrituras do Velho Testa- entreos~frãcosVos fortesj e o amor~õs
mento eram, para os cristãos prinutivõs7 liga todos júnto^V m ^êfliítãjiannC T m ^
àquela fonte de constância e consolação c^XCoL 3:14). O vègêSnãmsmo e o saba- q
que conservava viva a sua esperança. tf tismo por um la^oTlTaTiberdàde cristã
sua esperança tinha o seu cumprimento /p o r outro, são tensões que podem trazer r
final na segunda vinda de Cristo (8:23- existência harmonia em amor. J Jm a ç
25; I Tess. 4:13-18; Tito 2:11-14). ( boajiarmonia é tensão em equilíbrio. ^
. A oração em favor daj i nidade é sus- < A fòrmulã~com~qui~este~pãrágrafo se
çitacfiTjjela Constância e consolação, encerra é encontrada tão freqüente­
dênvãdas do estud^ga^Escípufã^vT^jT mente, que muitas pessoas têm sugerido
Deus é á fcm ^ H ã ^ ssp irS ^ H e les, e é que ela pertence à linguagem litúrgica da
descrito de três maneiras: o Deus de igreja primitiva (II Cor. 1:3; Col. 1:3;
constância e de consolação (v. 5), “O Ef. 1:3; I Ped. 1:3). Ela é um primeiro
Deus de esperança” (15:13) e “ o Deus de passo, a partir do monoteísmo, a I5 õ ra -
paz” (15:33). Veja o comentário a 2:7; ^ ^ tle ~ u m u m c o DeusT~pÍra o trinita- J a P
e 5:3,4, à palavra perseverança. Um bom liãnism57^iui~eminã~três modos de ser
quadro de Deus como fonte de encora­ dentro^de Deus. Esta relação peculiar
entre o(Pai)e o(Fühoj)sem referência ao tolerância em isolamento: é a aceitação
('Espírito Sanfõ^) pode ser chamada de dos outros com coração e mente abertos,
binitarianismo” , dois modos de ser, é amar uns aos outros (12:9-13; 13:8-10;
sem á negação da terceira pessoa, en­ cf. João 13:34; 15:12). Esta aceitação
contrada no trinitarianismo plenamente mútua, outra maneira de se expressar
desenvolvido (cf. I Cor. 8:4-6 e 12:4-6, unidade, propicia glória a Deus (v. 7;
que são modelos perfeitos de ambos). cf. 15:6). Murray acha que a glória de
Deus refere-se ao fato de Cristo ter aceito
(2) As Boas-vindas a Cristo (15:7-13) ambos os grupos, mas isto não se en­
quadra no contexto. Por três vezes é
7 P o rta n to , re ceb ei-v o s u n s a o s o u tro s, mencionada a glória de Deus na ação
com o ta m b é m C risto n o s re c e b e u , p a r a a humana (15:6-9; cf. Fil. 2:11; Ef. 1:6,
g ló ria d e D eu s. 8 D igo, po is, q u e C risto foi 12:14). É claro que Deus é glorificado em
feito m in is tro d a c irc u n c is ã o , p o r c a u s a d a
v e rd a d e d e D eu s, p a r a c o n firm a r a s p ro ­ Cristo, mas aqui ele é glorificado na
m e s s a s fe ita s a o s p a is ; 0 e p a r a q u e o s g e n ­ unidade cristã (cf. João 17:4,22).
tio s g lo rifiq u e m a D eu s p e la s u a m is e ric ó r­ Cristo é o modelo da aceitação mútua,
d ia , com o e s tá e s c r ito : e isso é expresso no grego por três infi­
P o rta n to , e u te lo u v a re i e n tr e o s g en tio s,
e c a n ta r e i a o te u n o m e.
nitivos (v. 8). O primeiro controla os
10 E o u tr a vez d iz: outros dois, mas é obscurecido pela tra­
A leg rai-v o s, g en tio s, ju n ta m e n te co m o dução da IBB de “ser feito” como foi
se u povo. feito. O fato de Cristo se ter tomado
11E a in d a : homem é um importante ensino de Paulo
L o u v a i ao Sen h o r, to d o s os g en tio s,
e louvem -no, to d o s o s povos.
(Gál. 4:4; Fil. 2:7). Aqui duas palavras
12 E o u tr a v ez, diz ta m b é m I s a ía s : relacionam Jesus intimamente com o
H a v e rá a r a iz d e J e s s é , judaísmo Jesus foi um ministro dos
a q u e le q u e se le v a n ta p a r a r e g e r os homens (cf. Mar. 10:45), palavra usada
g e n tio s ; n e le os gen tio s e s p e r a rã o . para o serviço civil prestado a Nero (13:4)
13 O ra , o D eu s d e e s p e r a n ç a v o s e n c h a
de todo o gozo e p a z n a v o ssa fé , p a r a q u e e para o serviço eclesiástico de Febe
a b u n d e is n a e s p e r a n ç a p elo p o d e r do E s p ír i­ (16:1; cf. I Cor. 16:15). A sua combina­
to S anto. ção com a circulação faz lembrar o ensi­
no de Paulo de que o Evangelho era
A mesma estrutura tríplice de pensa­ “primeiro do judeu” (1:16; 2:9,10). Isto
mento é encontrada neste parágrafo, a de forma alguma contradiz a tipologia de
exemplo do parágrafo anterior. Eles são Abraão como o pai de todos os crentes
o padrão de amor no exemplo de Cristo (4:1-25). Esse problema foi resolvido por
(v. 7-9a, cf. 1:3a), a prova da Escritura, Paulo em três capítulos importantes
mediante apelo ao Velho Testamento (v. (9-11). Os circuncisos são sem sombra de
9b-12; cf. 15:3b,4), e a oração pedindo dúvida os judeus (3:1,30; 4:12; Gál.
esperança (v. 13; cf. 15:5,6). Agora 2:7-9), e eles são a fonte de onde proveio
toma-se claro que fracos eram aqueles o Cristo segundo a came (9:5). Na his­
que retinham muitos dos escrúpulos do tória da salvação o chamado de Deus a
judaísmo, enquanto fortes eram os gen­ Israel tem o objetivo de levá-lo a cum­
tios, que estavam em perigo de usar mal prir a sua antiga missão, exarada no
a sua liberdade cristã. A identificação de Velho Testamento (Mat. 10:5-16; 15:24;
Paulo com os fortes, implícita até agora, João 4:22). O fato de ele ter rejeitado a
se toma explícita. sua missão coloca a plenitude nos gentios
O padrão de Cristo resume a lingua­ primeiramente, mas a plenitude de Israel
gem usada para repreeender tanto os se seguirá (11:12,25). Isso mostra a fide­
fortes (14:1) como os fracos (14:3). lidade (verdade) de Deus à promessa
Recebei-vos mutuamente é mais do que feita aos patriarcas (11:28).
Os outros dois infinitivos declaram, em cristãs mencionadas por Paulo” , mas isto
resumo, esses dois passos da história da dificilmente é verdade hoje em dia. Para
salvação. Estes, que foram explanados Paulo, este nunca foi o caso (5:3,4; 8:24;
plenamente nos capítulos 9-11 e 15:8b,9, I Tess. 4:13; I Cor. 13:13; Col. 1:5; Ef.
são realmente um sumário de 11:28-32. 2:12; Tito 2:13; cf. I Ped. 1:3, 13; Heb.
A doxolofia de 11:36 é a terceira refe­ 11:1). O “Deus de constância e de con­
rência à glória de Deus na unidade cristã solação” (15:5) e o “Deus de paz” (15:
(15:6-8). A unidade em Cristo vence 33) é o Deus de esperança (v. 13), isto
todas as “divisões naturais” entre as pes­ é, o Deus que é “a fonte da esperança”
soas (cf. I Cor. 12:13; Gál. 3:28; Col. (TEV). O Deus de esperança é também a
3:11). fonte de gozo e paz. Só ele pode encher
Uma segunda prova tirada da Escri­ o crente com gozo que capacita a pessoa
tura tem quatro passagens ligadas entre a se regozijar no sofrimento (5:2,3; Fil.
si pela palavra gentios (v. 9b-12). Esta 4:5). Só ele pode encher o crente com
pode ser mais uma razão por que Mar- paz (5:1; Fil. 4:7). Só ele pode encher
cião, que rejeitava o Velho Testamento, o crente com o poder do Espírito Santo,
tirou este capítulo do seu cânon. Há que faz a esperança abundar.
muitas outras alusões ao Velho Testa­ As Escrituras inspiradas pelo Espírito
mento, mas esta é particularmente forte. eram uma fonte de esperança na passa­
Hunter disse, com ràzão, que as seis gem acima (15:4), mas isso não é contra­
passagens da composição poética do hino dição. Qualquer prova tirada da Escri­
encontrado em 3:10-18 ensinam “a uni­ tura é incompleta sem uma experiência
versalidade do pecado” , enquanto estas pessoal através do Espírito. A unidade
quatro ensinam “a universalidade da existente entre Escritura e Espírito é o
salvação” . Estas passagens podem ter cristianismo do Novo Testamento. A
pertencido à coleção cristã primitiva de estranha falta de ênfase no poder do
Testimonia (cf. 9:33; 10:19). A primeira Espírito Santo é que constitui uma fra­
provém de Salmos 18:49 (II Sam. 22:50), queza no atual movimento, conhecido
onde Davi inclui os gentios, no seu reino, como “teologia da esperança” . A pes­
como parte da herança de Deus. A se­ quisa renovada a respeito da ressurreição
gunda provém do Cântico de Moisés está na direção certa, mas também é
(Deut. 32:43, LXX), capítulo freqüente­ necessário a renovação do Espírito Santo
mente citado em Romanos (10:9; 11:11; (5:1-5; 8:1-27; 14:17; 15:13,19).
12:19). Os gentios são conclamados para
se regozijarem com Israel. A terceira Epílogo (15:14-33)
passagem, de Salmos 117:1, chama todos 1. O Ministério Gentílico de Paulo (15:
os povos para louvarem o Senhor. A 14-21)
última das quatro passagens é uma rei­ 14 E u , d a m in h a p a r te , irm ã o s m e u s , e s ­
vindicação apoteótica em favor do Mes­ to u p e rs u a d id o a vosso re s p e ito , q u e v ó s j á
sias, que veio da casa de Jessé, pai de e sta is ch eio s d e b o n d a d e , ch eio s d e todo
Davi (Is. 11:10, LXX; cf. 11:1). Ê inte­ o co n h ecim en to e c a p a z e s, vós m e sm o s, de
ressante que encontram-se, nos materiais a d m o e sta r-v o s u n s a o s o u tro s. 15 M as e m
p a rte v o s e sc re v o m a is o u s a d a m e n te , com o
pré-paulinos, apelos à semente de Davi p a r a vos tr a z e r o u tr a v ez is to à m e m ó ria ,
(cf. 1:3). Isto significa que eles são bem p o r c a u s a d a g r a ç a q u e p o r D eu s m e foi
antigos. d a d a , 16 p a r a s e r m in is tro d e C risto J e s u s
A palavra-elo para a oração de invo­ e n tre os g en tio s, m in is tra n d o o e v a n g elh o
de D eu s, p a r a q u e s e ja m a c e itá v e is os g e n ­
cação e exortação é esperança (v. 13).
tio s com o o fe rta , sa n tific a d a p elo E s p írito
Certa vez Hunter escreveu (1955) que Santo. 17 T enho, p o rta n to , m o tiv o p a r a m e
esperança podia ser considerada “ a mo­ g lo ria r e m C risto J e s u s , n a s c o isa s c o n c e r­
derna Cinderela na tríade de graças n e n te s a D e u s; 18 p o rq u e n ã o o u s a re i f a la r
de co isa a lg u m a se n ã o d aq u ilo q u e C risto conhecimento (cf. 14:1-15:13; I Cor.
p o r m e u in te rm é d io te m feito , p a r a o b e d iê n ­ 1:5). E, sobretudo, os cristãos romanos
c ia d a p a r te dos g en tio s, p o r p a la v r a e p o r
o b ra s, 19 pelo p o d e r d e sin a is e p ro d íg io s, eram capazes de admoestar-vos uns aos
no p o d e r do E s p írito S an to ; d e m o d o q u e outros muito antes que Paulo ou Pedro
d esde J e r u s a lé m e a rr e d o re s , a té a Ilíria , tivessem chegado a Roma (cf. I Tess.
tenho d iv u lg ad o o e v an g e lh o d e C risto ; 5:12,14). A igreja, naquela cidade, pro­
20 d e ste m odo e sfo rçan d o -m e p o r a n u n c ia r vavelmente fora iniciada por peregrinos
o ev an g elh o , n ã o onde C risto h o u v e ra sido
n o m ead o , p a r a n ã o e d ific a r so b re fu n d a ­ que haviam presenciado o fenômeno do
m en to alh e io ; 21 a n te s , com o e s tá e sc rito : Pentecostes, menos de um ano depois da
A queles a q u e m n ão foi a n u n c ia d o , o v e ­ ressurreição, e por cerca de trinta anos
rão ; ela não contara com a presença de após­
e os q u e n ão o u v ira m , e n te n d e rã o .
tolos! Este é um fato a ser ponderado pór
Concorda-se, geralmente, que 1:18- aqueles que advogam a sucessão apostó­
15:13 é o corpo da Epístola de Paulo lica, e, conseqüentemente, acham im­
aos Romanos. Michel e Leenhardt apon­ possível compreender uma igreja com­
tam os paralelos de pensamento entre posta unicamente de irmãos. Até Antio-
a introdução (1:1-17) e o epílogo (15: quia teve um bom início sem apóstolos
14-33). Da mesma forma como a intro­ (At. 11:19-21).
dução tinha três partes (saudação, agra­ Não se pretende que estas alegações
decimento e tema), a conclusão tem sejam uma depreciação do ministério
também três partes: o ministério gentí­ apostólico dos doze ou dos dois grandes
lico de Paulo, a sua visita a Roma, de apóstolos, Pedro e Paulo, que sofreram a
passagem, e o seu pedido de oração. morte de mártires em Roma (Clemente
O ministério gentílico de Paulo era de Roma, em cerca de 95 d.C., Epístola
tanto de sacerdote como de pregador, aos Coríntios, cap. 5). É um protesto
combinação raramente encontrada nos contra a noção de que o Espírito Santo
pontos de vista contemporâneos a res- precisa, necessariamente, fluir sempre
peito do ministério. O ponto de vista de através do braço de um bispo, em suces­
Paulo usa uma palavra forte (persua­ são apostólica! 68 Até o ministério apos­
dido, IBB; cf. 8:38). Esta cortesia con­ tólico de Paulo veio, não dos doze, mas
fiante com que ele encerra a sua epístola de Deus, através de Jesus Cristo (1:1,5;
não é incomum em Paulo, mesmo para 15:15; cf. Gál. 1:1).
com igrejas que ele havia fundado pes­ A reação ao autoritarismo sacerdotal
soalmente (II Cor. 8:7; 9:2,3; Fil. 4:15). não deve obscurecer o papel de Paulo
Agradecimentos abundam em outras como sacerdote diante de Deus (v. 16).
cartas de Paulo (II Tess. 1:3,4; I Cor. Todos os crentes são sacerdotes, que
1:4-9; II Cor. 1:3-7; Fü. 1:3-11; Col. podem se aproximar de Deus com o
2:3-8). Leitura cuidadosa dessas pas­ sacrifício da própria vida (Fil. 2:17).
sagens revela uma pessoa agradável, Paulo, contudo, retrata a si mesmo como
muito mais atraente do que o preconceito sacerdote que se aproxima de Deus com
popular o pinta. uma oferta tirada dos seus labores apos­
O cumprimento tríplice de Paulo tólicos. Três palavras sacerdotais são
indica o quanto ele já conhecia a respeito usadas. Ministro podia ser uma autori­
dos irmãos em Roma (cf. 1:13; 8:12; dade civil (13:6), mas a palavra geral­
10:1; 12:1; 14:10,21). Seriam Priscila e mente possui conotação religiosa, em o
“Ãqüila os seus principais informantes Novo Testamento (15:27; cf. II Cor.
(cf. At. 18:2,3)? Ele conhecia o suficiente
para dizer que eles estavam cheios de 68 Dale Moody apresenta uma explanação deste proble­
ma, na história da igreja, na obra Baptism: Foundation
bondade (cí, II Tess. 1:11; Gál. 5:22). for Christian Unity (Philadelphia: Westminster, 196*?).
Eles estavam também cheios de todo o p. 200-207, 290-294.
9:12; Heb. 1:14: 8:2,6; 10:11; Luc. obra de Deus (cf. II Cor. 3:5; 4:7). Esta
1:23; At. 13:2). Barclay resume o uso é a obra de um apóstolo (cf. 1 :1 ), e não
dessa palavra às liturgias gregas — ofer­ há lugar para orgulho pessoal (I Cor.
tas para uso público — tais como o 15:10,11; II Cor. 10:13).
sustento de um coro, de atletas, refeições A obra do Espírito em Paulo é a
comunitárias, embaixadas e a marinha. mesma coisa que a obra de Cristo, mas a
A segunda palavra usada por Paulo é referência ao Espírito Santo é a lingua­
encontrada só aqui, em todo o Novo gem dos milagres (cf. Heb. 2:4; At.
Testamento, mas concorda-se geralmen­ 2:22). A palavra mais genérica para
te que ela significa “servir como sacer­ designar milagre em o Novo Testamento
dote” (TEV) ou ministrando (IBB). A é a obra de Cristo, mas poder de sinais
oferta de Paulo como sacerdote é com­ e prodígios descreve a obra de Cristo de
posta de crentes gentios, e Murray, pro­ ângulos diferentes. A obra de Cristo em
vavelmente, está certo em considerar isto Paulo é um poder, quando o curso da
como eco do universalismo veterotesta- ordem criada e da história humana são
mentário: “E trarão todos os vossos alterados pelo ato direto de Deus. É um
irmãos, dentre todas as nações, como sinal, pois aponta para Deus como
oblação ao Senhor” (Is. 66:20; cf. At. agência e fonte de poder. Ê um milagre,
21:26, quanto a esta palavra). A santi­ devido à impressão causada sobre as
ficação pelo Espírito Santo é o sinal de testemunhas humanas. Dá-se especial
que fora aceita a oferta dos gentios, feita ênfase à idéia de poder manifestado nos
por Paulo, sem circuncisão (cf. Fil. 3:3; sinais e maravilhas. A obra de Cristo em
At. 15:8,9; cf. 12:2; 14:18, para verifica­ Paulo usa tanto o poder de sinais e
ção da idéia de aceitação, e II Cor. 6:2; prodígios como o poder do Espírito Santo
8:12, quanto a esta palavra). Um padrão (cf. 1:16). Deus se manifestou em Cristo
trinitariano de pensamento emerge em pela autoridade da palavra e o poder das
por Deus... de Cristo Jesus... pelo Espi­ obras (Mar. 3:14,15; Mat. 10:1; Luc.
rito Santo (cf. 5:1-5; 8:26-29; 15:17-19, 9:1,2), de forma que algumas delas são
30; I Cor. 12:4-6; II Cor. 13:13). verificadas em Paulo (I Cor. 2:4; II Cor.
Paulo, como pregador, é apresentado 12:12; Gál. 3:5). Este é o poder prome­
em termos de sua comissão (v. 17-19a) tido no testemunho (Mat. 10:20; Luc.
e da completação do seu ministério no 12:12; ITess. 1:5,6; 2:13).
Oriente (v. 19b-21). O seu comissiona­ A completação da missão de Paulo no
mento contém o padrão trinitário de Oriente se aproximava (v. 19b-21). O
Deus-Cristo-Espírito Santo. O orgulho âmbito de sua missão levanta duas inter­
ou a jactância de Paulo está em Cristo rogações, que ainda não foram resolvi­
Jesus (cf. 6:11; I Cor. 1:29-31; II Cor. das. Primeiro: O que ele queria dizer ao
10:17). A sua obra para Deus incluía afirmar que havia pregado desde Jeru­
tanto a proclamação do evangelho de salém e arredores, até a Diria? Ele pre­
Deus (v. 16) quanto a realização de mi­ gara em direção ao Oriente, até Damasco
lagres (por palavra e por obras v. 18). e a Arábia Nabateana (Gál. 1:17; At.
O seu trabalho em Cristo Jesus foi nada 9:19-25), e começara a sua missão em
mais nada menos do que Cristo havia Antioquia (At. 11:25,26; 13:1-3). Con­
feito através dele, para executar a obedi­ tudo, ele esteve também em Jeusalém
ência de fé na parte dos gentios (cf. (At. 18:22; 21:15; cf. Gál. 2:1,2). É
1:5; 6:17; 16:26). Ele pode falar dessas possível que ele estivesse construindo
coisas porque elas são a obra de Cristo, e uma ponte entre o cristianismo gentílico
Cristo havia trabalhado através dele e o judaico. O cristianismo começou em
(cf. Gál. 2:20). A obra de Paulo era a Jerusalém e se havia espalhado, a partir
obra de Cristo, e a obra de Cristo era a daquele centro, até Roma (Luc. 24:47;
At. 1:4,8; 2:10; 8:14; 11:22; 15:2). Nãoé do evangelho. Sanday e Headlam apre­
possível determinar-se, baseando-se na sentam uma longa refutação dos que
linguagem, se a pregação de Paulo contrapõem dúvidas quanto à autenti­
alcançou apenas as fronteiras das Ilíria cidade dos versos 19-21. Eles constituem
ou se ele realmente entrou no que hoje algumas das palavras mais reveladoras
em dia é a Albânia, mas houve tempo de Paulo.
para uma extensa missão ali, enquanto
ele permaneceu na Macedônia, no cami­ 2. Visita de Paulo de Passagem a Roma
nho para Corinto (cf. At. 20:2; cf. Dodd, (15:22-29)
Bruce). A outra interrogação tem a ver 22 P e lo q u e ta m b é m m u ita s v e zes ten h o
com a expressão tenho divulgado. O sido im p ed id o d e i r te r co n v o sco ; 23 m a s
original grego é mais fielmente traduzido a g o ra , n ã o te n d o m a is o q u e m e d e te n h a
nas versões Phillips (Cartas às Igrejas n e sta s re g iõ e s, e ten d o j á h á m u ito s a n o s
g ra n d e d e sejo d e ir v isita r-v o s, 24 eu o fa r e i
Novas) como “inteiramente” e na Bíblia quando fo r à E s p a n h a ; p ois e sp e ro v er-v o s
na Linguagem de Hoje (SBB), como de p a s s a g e m e p o r vós s e r e n c a m in h a d o
“tenho anunciado de modo completo” . p a r a lá , dep o is d e te r gozado u m pouco d a
Será que ele se refere a todo o evangelho, v o ssa c o m p a n h ia . 25 M a s a g o ra v o u a J e r u ­
ou a todos os lugares? Se é a todos os sa lé m , p a r a m in is tr a r a o s sa n to s. 26 P o rq u e
p a re c e u b e m à M a c e d ô n ia e à A c a ia le v a n ­
lugares, como pode ele dizer que foi t a r u m a o fe rta f r a te r n a l p a r a os p o b re s
“inteiramente” ? Barrett diz que esta d e n tre os sa n to s q u e e s tã o e m J e r u s a lé m .
expressão significa “de maneira repre­ 27 Isto , p o is, lh e s p a re c e u b e m , co m o d e v e ­
sentativa” , e muitos outros comentaris­ d o res q u e são p a r a co m e le s. P o rq u e , se os
g entios fo ra m p a rtic ip a n te s d a s b ê n ç ã o s e s ­
tas tendem a concordar com ele (cf.
p iritu a is dos ju d e u s , d e v e m ta m b é m s e r v ir
Col. 1:6 e “plenamente conhecido” , a e ste s com a s m a te ria is . 28 T endo, pois,
1:25). concluído isto , e h av en d o -lh e s co n sig n ad o
A estratégia missionária de Paulo e ste fru to , d e lá , p a ss a n d o p o r v ó s, ir e i à
lança luz sobre a sua linguagem (v. 20). E sp a n h a . 29 E b e m se i q u e , q u a n d o fo r
v isita r-v o s, c h e g a re i n a p le n itu d e d a b ê n ç ã o
Ele lançou alicerces, mas nunca ficou até d e C risto .
o término do edifício (cf. I Cor. 3:10).
Ele fez a obra de um apóstolo, e não de Antes de sair de Éfeso, em sua terceira
profetas, evangelistas, pastores e mes­ viagem missionária, Paulo expressou a
tres (cf. Ef. 4:11). Ele pregou o evan­ esperança de ter um campo mais amplo
gelho de Cristo (cf. evangelho de Deus, de trabalho, além de Corinto (II Cor.
v. 16) onde ele ainda não havia sido 10:15,16). Agora ele elabora esse plano.
ouvido (onde Cristo ainda não havia Estes versículos são um “sanduíche” ,
sido nomeado) Ele não pretendia cons­ com a coleta para Jerusalém entre as
truir sobre os alicerces de outro homem, duas partes do seu plano de uma visita de
ou seja, sobre fundamento alheio, nem passagem a Roma. A expectativa que ele
mesmo em Roma, pois planejava conti­ tinha a respeito dessa visita a Roma, no
nuar viagem até a Espanha. caminho à Espanha, seria a realização de
A prova da Escritura (v. 21) é Isaías um anseio de muitos anos (15:20-24).
52:15 (LXX), parte do quarto Cântico Pode ser que o impedimento fosse de­
do Servo, mas Paulo, surpreendente­ vido, em parte, a Satanás, como no caso
mente, não identifica Cristo com o Servo de Tessalônica (I Tess. 2:16), mas a
do Senhor. Isto é evidência adicional principal razão era o ministério aos
de que a cristologia do Servo era pré- gentios no Oriente (1:13; 15:14-21). A
paulina, e também de que uma coleção culminância dessa missão enfim chegara,
de Testimonia fizera uso desta passagem de forma que Paulo resolve voltar sua
(10:16). Paulo a está usando para expli­ mente e seu coração para o Ocidente,
car porque ele era um pregador pioneiro ambição que pode ser relacionada com
a sua primeira visita a Corinto (At. cial e turístico de muita importância
18:1-21). Priscila e Ãqüila, juntamente (Michel). Havia também muitas sinago­
com Gálio, podem ter sido os instru­ gas judaicas, na Espanha, e a estratégia
mentos do Espírito Santo no sentido de missionária de Paulo geralmente come­
fazê-lo voltar-se para o Ocidente, em vez çava nas sinagogas (Best).
de para o sul, onde havia muito campo Não há certeza de que Paulo tenha
gentílico, ém cidades grandes, como algum dia chegado à Espanha, mas a
Alexandria e Cartago. Apoio, sem dúvi­ antiga tradição diz que ele esteve lá. Por
da, informou-o a respeito de Alexandria, volta de 95 d.C., Clemente de Roma
mas esta cidade era apenas a segunda disse que as viagens de Paulo o levaram
cidade do Império Romano. Roma era a “às fronteiras do Ocidente” (Epístola aos
capital. Coríntios, 5:7). O grego que serve de
Então, por que pensou ele em uma respaldo para o Cânon Muratoriano,
visita de passagem a Roma, quando tradução latina bárbara do século VIII,
estivesse a caminho para a Espanha? que se crê tenha sido escrito no segundo
O cristianismo em Roma tinha raízes de século, fala de “viagem de Paulo, quan­
cerca de trinta anos, e Paulo não edifi­ do ele saiu de Roma em direção à Espa­
cava sobre alicerce de outrem (15:20). nha” (38 e 39). Lightfoot achava que tal
Roma deveria ser o seu centro no Oci­ viagem não era improvável, mas os
dente, como Antioquia o fora no Oriente. comentaristas recentes são mais caute­
Ser encaminhado significava (v. 24) losos.
munir-se de cartas de recomendação, O parêntese sobre a coleta para os
informações, companheiros de trabalho e santos pobres de Jerusalém é um cama­
contribuições para as despesas (cf. I Cor. feu de conceitos (v. 25-27). Pobreza era
16:6,11; II Cor. 1:16; Tito 3:13; At. um problema em Jerusalém desde o
15:3; III João 6). Paulo também tinha começo da Igreja (At. 6:1-6), e isso deu
“ algum dom espiritual” , para fortalecer origem à comunhão dos bens (At.
os irmãos romanos (1 :1 1 ), e queria gozar 2:44,45; 4:32-5:11). Bamabé e Saulo,
de sua companhia por algum tempo por volta de 46 d.C., durante a fome que
(v. 24). Estas palavras são de profundo houve nos dias de Cláudio (41-54), ha­
amor, e não bajulação barata, pois a viam propiciado algum alívio aos irmãos,
comunhão com os romanos seria, sem provindo de Antioquia da Síria (At.
dúvida, um refrigério para um peregrino 11:27-30; 12:25; cf. I Cor. 16:1-4; II Cor.
(cf. 1:8-13; 15:14,29). 8 e 9; Gál. 2:10; At. 24:17). Este projeto
Por que, então, a caminho da Espa­ teve a primazia na terceira viagem mis­
nha, e não da Gâlia (Narbonense)? Pode sionária de Paulo (At. 18:23-21:16).
ser que ele planejasse passar pela Gália, Vou a Jerusalém (v. 25) é um tema
mas a Espanha tinha uma atração es­ ampliado por Lucas-Atos como paralelo
pecial. Barclay diz: “Nessa época, a que é estabelecido entre os sofrimentos
Espanha estava experimentando uma de Jesus e os sofrimentos de Paulo (cf.
espécie de esplendor de gênio. Muitos Luc. 9:51; 13:22; 17:11; 19:28 com At.
dos maiores homens do Império eram 21:12, 13,15,17), mas Paulo propiciou
espanhóis. Lucano, o poeta épico, M ar­ uma base para esse paralelo (cf. 15:30-
cial, mestre do epigrama, Quintiliano, 33). Ele vai ministrar a coleta, pois este
o maior mestre de oratória de sua época, termo é várias vezes usado por Paulo
eram todos espanhóis. E, acima de neste sentido (12:7; 15:8,31; I Cor.
todos, Sêneca, o maior filósofo estóico 16:15; II Cor. 8:4; 9:1,12,13; cf. At.
e, a princípio, guardião, e, mais tarde, 11:29). Todos os cristãos são chamados
primeiro ministro de Nero, era espa­ de santos por Paulo (1:7; I Cor. 1:2;
nhol.” A Espanha era um centro comer­ Ef. 2:19), mas este termo tem significado
especial para os que estavam em Jeru­ mundo, como os profetas haviam pre­
salém (v. 25 e 26; I Cor. 16:1,15; II Cor. dito, de forma que os gentios lhe tinham
8:4; cf. At. 9:13; I Ped. 1:15; Apoc. 5:8). esse débito espiritual (Murray). O infi­
Paulo menciona apenas Macedônia e nitivo servir tem a mesma raiz do subs­
Acaia, mas ele está pensando, provavel­ tantivo Ieitourgos (ministrar, 13:6;
mente, nas coletas que tinha já em mãos. 15:16). O mesmo argumento foi apre­
A Galácia e a Ãsia também foram incluí­ sentado por Paulo quanto ao seu próprio
das (I Cor. 16:1; At. 20:4), e os sete sustento (I Cor. 9:11).
mensageiros gentios, indicados pelas Os planos para a visita de passagem
igrejas para acompanhar Paulo, provi­ a Roma agora são ultimados. Dois ter­
nham de todas as partes, menos da mos difíceis são indício deste significado.
Acaia; mas, provavelmente, Paulo repre­ A versão da IBB (assim como as prin­
sentasse as igrejas daquela região (At. cipais traduções brasileiras) traduziu o
20:4). A própria idéia de sete pessoas primeiro termo como consignado este
para irem com Paulo sugere os sete de fruto. Literalmente, seria “selado para
Jerusalém (At. 6:3; 21:8). Paulo estava eles este fruto” . Selo é um termo impor­
ansioso por empreender aquela coleta tante em o Novo Testamento (4:11; I
(Gâl. 2:10), e às igrejas gentias pareceu Cor. 9:2; II Cor. 1:22; Ef. 1:13; II Tim.
bem dar (v. 26 e 27). De forma alguma 2:19). Aqui ele é usado (no original) em
Paulo apresenta esse ato como obri­ uma figura da instituição dos meeiros
gação legal. Era uma contribuição na agricultura, em que o produto entre­
(koinõnia, comunhão, v. 26), uma gue ao proprietário era selado para
participação (v. 27; cf. II Cor. 8:4; identificação. Fruto também era palavra
9:13; Gál. 6:6; Fil. 4:15). Pobres é um usada de maneira figurada, significando,
termo de Salmos 9:18 que faz referência aqui, os resultados da missão de Paulo
aos justos, e alguns cristãos judeus mais (1:13; Fil. 1:22;4:17). Quando esses dois
tarde foram chamados de ebionitas, termos são combinados, significam a
conforme a palavra hebraica ebyonim, aceitação dos cristãos gentios pelos cris­
que significa “os pobres” . Os essênios de tãos judeus, como frutos do labor de
Qumran, antes do cristianismo, se desig­ Paulo, que são apresentados como evi­
navam a si mesmos desta forma (JBC). dência da aprovação de Deus. O comis­
Os cristãos gentios tinham uma dívida sionamento de Deus, dado em Jerusa­
de amor para com os judeus cristãos lém, seria completado em Jerusalém
(v. 27, devedores, devem). Pode ser que (At. 22:21). A plenitude da bênção de
os judeus cristãos considerassem essa Cristo significa mais do que a ajuda
coleta como “uma forma de tributo, mútua que Paulo e Roma seriam um
um dever das igrejas-filhas para com a para o outro (1:11). Plenitude é a grande
sua mãe, comparável ao meio-shekel palavra escatolõgica já apresentada
pago anualmente, pelos judeus de todo o (11:12,25; cf. “tenho anunciado” ou
mundo, para a manutenção do Templo “tenho divulgado de modo completo” ,
de Jerusalém e seus serviços” (Bruce), 15:19). Paulo completara a missão gen­
mas esta não era a atitude de Paulo. Ele tílica no Oriente, e esperava o reconhe­
pensava na oferta como demonstração de cimento dos gentios pelos santos de
amor, como corporificação da unidade Jerusalém, de forma que depois pudesse
cristã e como forma de levar Israel à dirigir-se a Roma, tendo por detrás de si
conversão. 69 Há muito tempo Jerusalém essa grande vitória. Roma seria capaz
era a fonte de bênçãos espirituais para o de partilhar dessa alegria (15:32) e de
ajudá-lo a repetir e completar esta vitória
no Ocidente. A hostilidade em Jerusalém
69 Keith F. Nickle, The Collection (London: SCM, 1966). ainda haveria de dificultar esta espe­
rança, e de levá-lo a Roma em cadeias tãos gentios, da mesma forma como a
(At. 21:7-28:31). santificação pelo Espírito Santo os tor­
nava “aceitáveis” a Deus (15:16). Quan­
3. Apelo de Paulo por Oração (15:30-33)
to a Roma, ele espera que pela vontade
30 R ogo-vos, Irm ã o s, p o r n o sso S en h o r de Deus (cf. 1:10) a unidade de judeus e
J e s u s C risto , e p elo a m o r d o E s p írito , q u e gentios em Jerusalém o capacite a chegar
lu teis ju n ta m e n te com igo n a s v o ssa s o r a ­ a Roma nas asas da alegria, e possa
ções p o r m im a D eu s, 31 p a r a q u e e u s e ja recobrar as forças entre eles. Nem alegria
liv re d o s re b e ld e s q u e e s tã o n a J u d é ia , e
que e s te m e u m in is té rio e m J e r u s a lé m s e ja nem recuperação de forças seria possível
a c e itá v e l a o s s a n to s ; 32 a fim d e q u e , p e la se a coleta fosse rejeitada.
v o n tad e d e D e u s, e u ch eg u e a té vós co m A bênção do verso 33 é a terceira
a le g ria , e p o ss a e n tr e vó s r e c o b r a r a s f o r ­ encontrada neste capítulo, e cada uma
ç a s. 33 E o D eu s de p a z s e ja c o m todos vós.
delas tem algo diferente a dizer a res­
A m ém .
peito de Deus: “O Deus de constância
Paulo não estava totalmente desper­ e de consolação” (15:5), “o Deus de
cebido dos perigos que o esperavam em esperança” (15:13), e o Deus de paz
Jerusalém. Os seus rogos por oração (v. 33; cf. 16:20). Paz e harmonia são
expressam ansiedade a este respeito. As quase sinônimas para Paulo (1 Tess.
bases para esse apelo têm, pela terceira 5:23; Fil. 4:9). Este é o fim da epístola
vez neste epílogo, um padrão trinitariano à igreja em Roma, mas foi a ela acres­
(15:15-19,30). Cristo se encontra nova­ centada a carta a Febe — de maneira
mente no papel de mediador (cf. 5:21; semelhante à de Filemon, se anexada a
7:25). O Espírito é mais uma vez ligado Colossenses.
ao amor de Deus pelo homem (5:5), e dá P 46 apresenta a doxologia de 16:25-27
mais ênfase aos conceitos de santificação depois de 15:33, mas este é outro pro­
e poder (15:16,19). A oração é, como blema a ser considerado mais adiante.
sempre, por Paulo, dirigida a Deus. Esta bênção é muito semelhante às en­
Uma metáfora, tirada dos jogos gregos, contradas no fim das outras cartas de
expressa a intensidade desse pedido. Paulo. A única diferença de monta entre
Assim como o atleta grego lutava para esta carta e as outras é a sua tendência de
ganhar a competição, também a luta em ser um tratado a respeito do evangelho de
oração procura unificar judeus e gentios Deus. Carta ou tratado, ela é, sem dúvi­
em um só corpo de Cristo (cf. Col. 4:12). da, o documento mais importante da
A competição em Jerusalém seria a história da civilização cristã. Quanto
grande oportunidade para Paulo. mais uma pessoa medita em suas pala­
O conteúdo do apelo se relaciona tanto vras, mais o seu poder misterioso é sen­
com Jerusalém como com Roma (v. 31). tido, mas nenhum comentário acerca do
Dois grupos se defrontarão em Jerusa­ seu conteúdo jamais será completo.
lém. Os desobedientes ou incrédulos
Uma Carta a Febe (16:1-23)
(cf. 2:18) judeus da Ãsia, agora na
Judéia, consistiam em verdadeira amea­ 1. Recomendação de Febe (16:1,2)
ça (cf. At. 21:27-36), e veio a acontecer 1 R eco m en d o -v o s a n o s s a ir m ã F e b e , que
que só os soldados romanos salvaram a é s e r v a d a ig r e ja q u e e s tá e m C e n c ré ia ;
vida de Paulo em Jerusalém. Até os san­ 2 p a r a q u e a re c e b a is n o S en h o r, d e u m
tos, os cristãos judeus de Jerusalém, po­ m odo dig n o d o s s a n to s, e a a ju d e is e m q u a l­
deriam rejeitar a coleta, e dessa forma q u e r c o isa q u e d e vós n e c e s s ita r, p o rq u e
e la te m sido o a m p a r o d e m u ito s, e d e m im
rejeitar os cristãos gentios como iguais e m p a rtic u la r.
a eles no corpo de Cristo. Paulo espera
que os santos acharão aceitável a coleta As opiniões estão quase que igual­
ou ministério, e assim também os cris­ mente divididas, entre os eruditos com-
to d as a s ig r e ja s dos g en tio s. 5 S a u d a i t a m ­ Cláudio, em 49 d.C., e Paulo os encon­
b é m a ig r e ja q u e e s tá n a c a s a d e le s. S a u d a i trou em Corinto. Visto que eles eram
a E p ê n e to , m e u a m a d o , qu e é a s p rim íc ia s
d a Á sia p a r a C risto . 6 S au d ai a M a ria , que fabricantes de tendas, que era a mesma
m uito tr a b a lh o u p o r v ós. 7 S a u d a i a A ndrô- profissão de Paulo, o trio passou a viver e
nico e a J ú n ia s , m e u s p a re n te s e m e u s c o m ­ a trabalhar junto (At. 18:1-3). Quando
p a n h e iro s de p ris ã o , os q u a is sã o b e m c o n ­ Paulo saiu de Corinto, com destino a
ce itu ad o s e n tre os ap ó sto lo s, e q u e e s ta v a m
e m C risto a n te s d e m im . 8 S a u d a i a A m p lia -
Éfeso, levou consigo Ãqüila e Priscila;
to, m e u a m a d o no S enhor. 9 S a u d a i a U rb a ­ e foi em Êfeso que eles instruíram o
no, nosso c o o p e ra d o r e m C risto , e E s tá q u is , eloqüente Apoio, de Alexandria (At.
m eu a m a d o . 10 S a u d a i a A peles, a p ro v a d o 18:18,26). Havia uma igreja na sua casa
e m C risto . S a u d a i a o s d a c a s a d e A ristóbu- em Êfeso (I Cor. 16:19), e muitas pessoas
lo. 11 S a u d a i a H ero d lão , m e u p a re n te . S a u ­
d ai a o s d a c a s a d e N a rc iso , q u e e s tã o no pensam que esta é a mesma igreja men­
S enhor. 12 S a u d a i a T rife n a e a T rifo sa , cionada em Romanos 16:5. Se assim é,
que tr a b a lh a m no S en h o r. S a u d a i a a m a d a Febe estava a caminho de Êfeso, mas não
P é rs id e , q ue m u ito tra b a lh o u no S enhor. é impossível que ela e Ãqüila tivessem
13 S au d ai a R ufo, e leito no S en h o r, e a s u a voltado a Roma depois da morte de
m ã e e m in h a . 14 S a u d a i a A sín c rito , a F le -
gonte, a H e rm e s , a P á tr o b a s , a H e rm a s , e Cláudio, em 54 d.C., e tivessem abando­
a o s irm ã o s q ue e s tã o co m e les. IS S a u d a i a nado a cidade novamente quando come­
Filólogo e a J ú lia , a N e re u e a s u a ir m ã , çou outra perseguição, no governo de
e a O lim p as, e a to d o s os sa n to s q ue co m Nero, em 64. Passou-se uma década
eles e stã o . 16 S audai-vos u n s a o s o u tro s co m
ósculo sa n to . T o d as a s ig r e ja s d e C risto vos favorável aos judeus e cristãos, especial­
sa ú d a m . mente na época em que Romanos foi
escrita. Aqueles que pensam que eles
Agora começa uma série de vinte e nunca voltaram a Roma são impelidos na
uma saudações ou cumprimentos. A direção de Êfeso como destino da carta.
primeira é dirigida a outra grande mu­ Foi, provavelmente, em Êfeso, antes de
lher e seu marido judeu. O nome dela é Paulo sair, que Prisca e Ãqüila expu­
Prisca (cf. II Tim. 4:19 e I Cor. 16:19, seram as suas cabeças por ele cf. I Cor.
onde ela é citada em segundo lugar), 15:32; II Cor. 1:8-10; At. 19:23; 20:1).
mas ela é chamada Priscila (pequena Famílias e igrejas domiciliares são
Prisca) em Atos (18:2,18,26, onde ela muito importantes para se entender as
é citada em primeiro lugar, nos dois estruturas das congregações neotesta-
últimos casos). O casal aparentemen­ mentárias. Batismos de famílias inteiras
te era cristão antes de se encontrar podem parecer estranhos em uma época
com Paulo, e talvez ambos fossem lideres de individualismo, mas há cinco men­
em Roma. £ impossível ter-se certeza, ções desses acontecimentos em o Novo
mas é possível que ela pertencesse a uma Testamento (At. 10:44-48; 16:15,30-34;
nobre família romana (gens Prisca). Na 18:8; I Cor. 1:16). Este foi um fator que
Vila Ada, perto da Via Salária, estão levou às igrejas domiciliares, e estas são
hoje as catacumbas de Priscila, e pode mencionadas em Êfeso, Laodicéia e
ser que Prisca tenha pertencido a essa Colossos (I Cor. 16:19; Col. 4:15; Filem.
família. Há também uma igreja de Santa 2; cf. At. 12:12).
Priscila, na colina do Aventino. Até A palavra grega que significa igreja
mesmo o nome de Ãqüila pode ser rela­ (ekklésia) tem pelo menos três signifi­
cionado com o de AciÚus Glabrio, cônsul cados em o Novo Testamento: (1) todos
romano, que morreu como mártir cristão os cristãos em uma casa (v. 5), (2) todos
em 95 d.C., e está sepultado nas Cata­ os cristãos em uma cidade (I Cor. 1:2),
cumbas de Priscila. e (3) todos os cristãos no mundo (Col.
Prisca e seu marido Áqiiila, que era 1:24). O uso mais freqüente é o segundo,
judeu, foram expulsos de Roma por como em todas as igrejas dos gentios
(v. 4), “ todas as igrejas de Cristo” (v. 16) uma inscrição nas Catacumbas de Do-
e “ toda a igreja” (v. 23). Em cada caso mitila, na Via Adreatina, em Roma.
elas são os santos e irmãos. Mesmo Um ramo de gens Aurelia tinha esse
quando a Igreja é identificada com o nome de família, e os membros cristãos
único corpo de Cristo no mundo, ela é daquela família estão enterrados nes­
“a família de Deus" (Ef. 1:22,23; 2:19; se, que é o mais extenso dos cemité­
cf. “a família da fé” , Gál. 6:10). rios romanos. Na parede, em letras
Epêneto (que significa louvado), é unciais do segundo século, pode-se ler
chamado de amado e é saudado sozinho, a inscrição AMPLIATI, e esse Ampliato
visto que ele fora o primeiro convertido pode ter alguma relação com essa famí­
de Paulo na Ãsia. Este fato também é lia. Urbano (que significa pertencente à
usado para evidenciar um destino efésio cidade, urbs), também era um nome
para esta carta, mas dificilmente seria comum em Roma, mas ele havia traba­
necessário que uma coisa levasse à outra. lhado com Paulo em outros lugares.
Ele é descrito com a palavra grega tra­ Expressões como no Senhor (16:2,8,11,
duzida como primícias, como a dizer que 12,13) e em Cristo (v. 9) significam sim­
ele era o primeiro de uma grande colheita plesmente que eles eram cristãos, como
futura de almas para Cristo (cf. I Cor. in pace (em paz) significa que eles mor­
16:15). Ampliato, Estáquis e Pérside reram como cristãos.
também são chamados de amados (v. No Codex Sinaiticus, Apeles é chama­
8,9,12). Seis mulheres são chamadas de do Apoio (cf. At. 18:24; 19:1), mas difi­
Maria em o Novo Testamento, mas esta cilmente aqui se está falando do grande
parece ser uma cristã mais velha, que há alexandrino. No entanto, Apeles era um
muito era cooperadora. O tempo passado obreiro aprovado, testado e provado de
do verbo sugere isso. Ela e outras três muitas maneiras. O uso da palavra grega
mulheres são chamadas trabalhadoras dokimos (aprovado) é incomum nesta
(v. 12). Andrônico e Júnias são consi­ lista (cf. a palavra em I Cor. 11:19; II
derados homens (cf. “apóstolos”), mas Cor. 10:18; 13:7). O nome Apeles é
o grego dá margem para a tradução como judaico nas inscrições romanas, mas é
Júnia (IBB antiga). Todavia, a mulher encontrado até na casa imperial (Bruce).
que tivesse sido prisioneira com Paulo e Lighfoot identificou Aristóbulo com um
tivesse sido enviada como apóstola com irmão de Herodes Agripa I, e que vivia
seu marido, não é provável. Eles são em Roma como cidadão comum. Como
chamados de parentes (cf. 9:3; 16:11, seu irmão, ele era amigo de Cláudio,
2 1), e isso significa que eles eram judeus. e é possível que ele tivesse legado as suas
Muitos podiam ser chamados de com­ propriedades ao imperador. Nesse caso,
panheiros de prisão de Paulo (cf. II Cor. os seus escravos e libertos seriam distin­
6:5; 11:23), mas estes tinham uma rela­ guidos como Aristobuliani, tradução
ção especial com Paulo nas labutas latina da expressão de Paulo (Bruce).
apostólicas (cf. II Cor. 8:23; Fil. 2:25). Herodião, outro judeu, podia ser mem­
Foi um dia glorioso quando as prisões bro dos Aristubuliani. A família que
foram transformadas em púlpitos, e os segue, de Narciso, tem sido identificada
antigos prisioneiros, pelo amor de Cristo, com Tibério Cláudio. Narciso, era rico
se tomaram grandemente honrados. liberto do Imperador Tibério, e que
Por certo, ainda menos se conhece a tivera grande influência durante o gover­
respeito de algumas das outras pessoas no de Cláudio. Ele foi executado por
que são saudadas. Ampliato era um nome ordem de Agripina, mãe de Nero (Tácito,
freqüentemente usado, e por isso podia Anais 13:1).
aparecer em inúmeros lugares. Tem sido Trifena e Trifosa (que significam
feito um estudo especial com base em graciosa e delicada) trabalharam, e tal­
vez fossem gêmeas. A raiz dos seus teria, na costa da Campania. O nome
nomes significa viver luxuosamente dela perpetua-se até hoje nas Catacum­
(Tiago 5:5). Pérside (que significa “mu­ bas de Domitila. É possível, como sus­
lher persa”) era nome de escrava, e a tenta a tradição do quarto século, que o
forma no passado pode significar idade crime deles tenha sido o cristianismo,
avançada. Não há nada de errado com o aprendido com Nereu. Nereu era o nome
fato de Paulo tê-la chamado de amada! de um deus marinho, que tinha como
Rufo (cabeça vermelha), cristão de escol, filhas cinqüenta nereidas ou ninfas.
tinha uma mãe muito querida. Bruce Outros cristãos, como Febe e Hermes,
reviveu a opinião de que ele era filho de conservaram os seus nomes mitológicos.
Simão de Cirene (Mar. 15:21). Não é Olimpas, talvez irmão de Nereu, signi­
especulação absurda sugerir que de pele fica “pertencente ao Olimpo” , porém
escura, Simeão, da Antioquia da Síria nada mais se sabe dele. Estudos mais
(At. 13:1), era Simão de Cirene, e que a extensos a respeito desses nomes se en­
sua esposa foi mãe para Saulo de Tarso, contram em Sanday e Headlam, Lietz-
quando ele se juntou à “equipe” de Bar- mann e Michel.
nabé (At. 11:25,26). Além de ser um pai As saudações de Paulo são encerradas
de pele escura, ele tinha um filho de com ( 1 ) uma exortação para que os lei­
cabelo vermelho! Bem disse Hunter: tores se saúdem uns aos outros, e (2) uma
“Que progenitores! Um pai que havia grande saudação de todas as igrejas de
carregado a cruz do Salvador, e uma mãe Cristo (v. 16). Os destinatários dessa
que havia ‘adotado’ o seu maior após­ carta devem saudar-se uns aos outros
tolo!” Se de fato esta suposição, que é com ósculo santo. Este costume corrente
possível, for verdade. entre os rabis era praticado pelos discí­
Um grupo de cinco homens, mencio­ pulos de Jesus (Luc. 7:45; 22:48), e se
nado com outros irmãos, tem sido inter­ tomou parte da adoração dos cristãos
pretado de diferentes maneiras (v. 14). primitivos (I Tess. 5:26; I Cor. 16:20;
Seriam eles escravos da mesma casa? II Cor. 13:12; I Ped. 5:14). Fazia parte
Seriam membros de um a associação da liturgia eucarística usada em Roma
cristã? O fato de estes serem nomes no segundo século (Justino Mártir, Pri­
comuns de escravos, dois dos quais meira Apologia, 65), mas essa forma tem
abreviaturas, leva-nos a sugerir a pri­ sido grandemente modificada ou com­
meira hipótese. Os irmãos podem ser pletamente eliminada, na maior parte da
outros membros, que se reuniam na cristandade ocidental. 72
mesma igreja domiciliar com eles. A saudação provinda de todas as igre­
Outra casa é sugerida pelo grupo se­ jas de Cristo para os destinatários desta
guinte, de cinco nomes (v. 15), e havia carta favorece a opinião de que Roma era
outros santos que se reuniam com eles. o seu destino. É verdade que certa vez as
Santos alude a mulheres tanto quanto a igrejas da Ãsia haviam enviado sauda­
homens. Filólogo e Júlia podem ser ma­ ções conjuntas de Éfeso para Corinto,
rido e mulher, e os três seguintes podem através de Paulo (I Cor. 16:19), mas não
ser seus filhos. Júlia e Nereu têm asso­ é verdade que todas as igrejas de Cristo
ciações com a casa imperial. Flávia Do­ iriam enviar saudações a uma dentre
mitila, neta do Imperador Vespasiano, elas, pertencente ao grupo de igrejas
tinha uma camareira chamada Nereu. paulinas. Quase não se precisa dizer que
Em 95 d.C., o Imperador Domiciano as igrejas de Cristo (cf. Gál. 1:22) é
condenou Domitila, sua própria sobri­ expressão que tem sido usada pelo secta­
nha, e Flávio Clemente, marido dela e rismo do século XX. Nesta saudação, ela
ex-cônsul. O marido foi executado e a
esposa foi banida para a ilha de Panka- 72 ODCC, p. 771.
se refere aos cristãos que se reuniam para A semelhança desta heresia com a que
adorar nas várias cidades onde Paulo surgira no Oriente tem sido usada como
havia lançado um alicerce para Cristo. argumento adicional de que esta carta de
Talves esses mensageiros, representando Paulo se destinava a Éfeso. As evidências
Jerusalém, estivessem com Paulo quando são usadas por Dodd para demonstrar
ele ditou esta nota para Febe (At. 20:14). que o destino era Roma, na sexta déca­
Logo Paulo e os sete companheiros gen­ da, mas Knox acha que esta heresia
tios estariam a caminho para Jerusalém, indica Éfeso, no começo do segundo
com a coleta; e a fiel Febe, com esta carta século. T. W. Manson argumenta forte­
de recomendação e o documento de mais mente em favor de Éfeso como destino,
influência na história do cristianismo, mas F. F. Bruce, seu sucessor em Man-
ambos debaixo de sua capa, estaria chester, é fortemente em favor de Roma.
saindo de viagem para Roma. Tíquico, o Este certamente não é um problema de
irmão de confiança, faz, poucos anos conservatismo contra liberalismo, mas
mais tarde, outra viagem histórica de de esforços honestos para se resolver um
Roma (ou Cesaréia) para as três cidades enigma desnorteante.
(Colossos, Laodicéia e Hierápolis), com O conteúdo desses versículos é relati­
duas cartas irmãs e uma nota pessoal vamente fácil de se esboçar. Há primei­
(Col. 4:7-18; Ef. 6:21-24; Filem. 2). ramente um desmascaramento dos
gnósticos (16:17,18). Pesquisa recente
3. Uma Súbita Advertência (16:17-20)
tem levantado debates a respeito de uma
17 R ogo-vos, irm ã o s , q u e n o te is os q u e
espécie de protognosticismo, do qual
p ro m o v em d issen sõ es e e sc â n d a lo s c o n tra
a d o u trin a qu e a p re n d e s te s ; d esv ia i-v o s d e ­ estavam a par tanto as Escrituras do Mar
les. 18 P o rq u e o s ta is n ã o s e r v e m a C risto Morto quanto o Novo Testamento. Pelo
nosso S enhor, m a s a o se u v e n tr e ; e com menos alguns dos elementos que flores­
p a la v r a s su a v e s e liso n ja s e n g a n a m os c o ra ­ ceram no segundo século são sugeridos
ções do s in o c e n te s. 19 P o is a v o s s a o b e d iê n ­
c ia é co n h ecid a de todos. C o m p razo -m e, p o r­ por esta breve explosão de Paulo73 Um
tan to , e m v ó s; e q u e ro q u e s e ja is sá b io s paralelo desta súbita advertência pode
p a r a o b e m , m a s sim p le s p a r a o m a l. 20 E o ser notado em Filipenses, quando Paulo
D eus d e p az e m b re v e e s m a g a r á a S a ta n á s deixa as ternas palavras dirigidas aos
d ebaixo dos v ossos p é s.
seus irmãos, para advertir:; “Acautelai-
As saudações de Paulo terminaram, e vos dos cães; acautelai-vos dos maus
seguir-se-ão as saudações dos seus com­ obreiros; acautelai-vos da falsa circun­
panheiros, mas de repente soa uma cisão” (3:2). Se isto se faz a respeito dos
advertência contra um a perigosa heresia. judaizantes, por que não fustigar os
Havia alguém chegado de Roma com gnósticos? O mesmo imperativo é usado
noticias de que heresia gnóstica invadira a respeito de ambos os grupos (v. 17; Fil.
Roma, como acontecera com as igrejas 3:17, skopeite, “fiquem ‘de olho’ de
da bacia do Egeu? Todos concordam que forma a evitar” , Robertson).
o problema não eram os escrúpulos ju­ Os gnósticos são, antes de tudo, fac­
daicos, a respeito dos quais Paulo era tão ciosos (v. 17). As divisões (dissensões)
tolerante (14:1-15:13). Esta heresia era haviam sido relacionadas como obras da
mais parecida com o perigoso dualismo carne nas polêmicas com os judaizantes
conhecido como gnosticismo, e Paulo (Gál. 5:20), e aqui elas são ligadas com
não era o único a considerá-lo como escândalos, palavra freqüentem ente
ameaça à própria vida do cristianismo usada e traduzida geralmente como
(cf. 6:1-23; I Cor. 5:1-13; 6:12-20; Fü. aqui, na versão da IBB (“pedra de tro­
3:18,19; Col. 2:8-23; II Tim. 3:1-17;
73 R. M. Grant, IDB, II, 404-406; The Bible In Modem
II Ped. 2:1-3; 3:16; I João 2:22; 4:1-6; Scholarshtp, ed. por J. Philip Hyatt (Nashville: Abing-
II João 4-11). don, 1965), 252-293.
peço e uma rocha de escândalo” , 9:33; O esmagamento de Satanás é um eco de
“laço” , 11:9; e “ tropeço ou escândalo” , Gênesis 3:15, e a iminente vitória é cita­
14:13). Tais divisões e escândalos são em da na carta maior (13:11; cf. I Cor.
matéria de doutrina, e não de escrúpu­ 15:25-28; I João 2:14; 4:4).
los, e devem ser rejeitados como desvios A curta bênção (v. 20b), omitida em
em que os destinatários não haviam alguns manuscritos, fazia parte de uma
aprendido de Paulo (cf. 1:3,4; 4:24,25; invocação “binitariana” da saudação
6:3,17; 10:9,10; 12:9-21)! Eles eram inicial (1:7); em II Coríntios 13:13 ela é
“capazes... de admoestar-se uns aos ampliada, tomando-se uma bênção trini-
outros” (15:14). tariana. Expressões semelhantes estão
E, sobretudo, os gnósticos são enga­ espalhadas pelas outras cartas de Paulo
nadores (v. 18). O seu serviço não é o do (I Tess. 5:28; I Cor. 16:23; Gál. 6:18;
Senhor Jesus Cristo. Eles são sensuais, Fil. 4:23; II Tim. 4:22). As bênçãos
e, como traduz corretamente a versão da afloram freqüentemente nestes dois últi­
IBB, servem ao seu ventre. Um comen­ mos capítulos (cf. 15:5,13,33), mas uma
tário a respeito desses chamados gnós­ delas desabrochou no meio do pecado
ticos judeu-cristãos diz: “O seu fim é a (1:25), outra em oração agonizante (9:5),
perdição; o seu deus é o ventre, e a sua e a terceira em meio a uma admiração
glória assenta no que é vergonhoso; os inexprimível (11:36). Todas as sete fazem
quais só cuidam das coisas terrenas” parte da linguagem do louvor cristão.
(Fil. 3:19). A sua conversa é tão perversa Louvor e oração não são colocados em
quanto o seu serviço, pois as suas pala­ contraposição à pregação, nos escritos de
vras são suaves, agradáveis ou palavras Paulo. Tanto no catolicismo como no
de “alguém que fala bem e age mal” protestantismo, é uma séria doença o
(Barclay). Tais palavras são o doce fato de que falar com Deus e falar com
veneno da bajulação. Da mesma forma o homem, nos cultos de adoração cristã,
como Satanás iludiu Eva, esses engana­ são considerados contrastes, em vez de
dores iludiam os inocentes (cf. Gên. complementos. Os católicos precisam
3:1-6; II Cor. 11:3; I Tim. 2:14). pregar mais, e os protestantes precisam
O restante da advertência é uma exor­ orar e louvar mais! Paulo fazia tudo isto.
tação aos irmãos (v. 19 e 20; cf. 1:13;
10:1; 11:25; 12:1; 15:14,30). Uma pala­ 4. Saudações dos Companheiros de
vra final de exortação, em primeiro Paulo (16:21-23)
lugar, ressalta a boa reputação dos des­
tinatários. Todo mundo ouviu falar da 21 S aú d am -v o s T im ó teo , m e u co o p e ra d o r,
sua obediência em fé (cf. 1:5; 6:16; e L úcio, e J á s o n , e S o síp atro , m e u s p a r e n ­
15:18). Isto servia de base para a exulta- te s.
22 E u , T é rc io , q u e e sc re v o e s t a c a r ta , vos
ção de Paulo e para sua expectativa saú d o no S enhor.
quanto ao futuro, mas estava na ordem 23 S aú d a-v o s G aio, h o sp e d e iro m e u e de
do dia uma palavra de sabedoria. A to d a a ig r e ja . S aú d a-v o s E ra s to , te s o u re iro
palavra traduzida como simples (aka- d a c id a d e , e ta m b é m o ir m ã o Q u a rto .
kon) apenas privatiza a palavra mal
(kakon), mas, para que a vida seja dife­ Oito companheiros de Paulo também
rente, é necessário o bem. O bem é desejam enviar saudações. Certamente
incontaminável e não é sofisticado. É ele não precisaria contar à igreja em
mais maduro ser bom do que ser apenas Éfeso que Timóteo era seu cooperador,
simples. Uma palavra de encorajamento mas Roma possivelmente precisa dessa
é acrescentada à exortação (v. 20). Já informação. Sendo o mais íntimo com­
notamos a expressão Deus de paz (15: panheiro de Paulo, ela era nativo de
33; cf. I Tess. 5:23; Fil. 4:9; Heb. 13:20). Listra, e filho de mãe judia e pai grego
(At. 16:1-3). Quando Paulo passara por estivesse entre os sete homens que ha­
Listra, na sua segunda viagem missioná­ viam provindo das igrejas gentias (At.
ria, levou-o como companheiro. Em 20:4). O próprio Timóteo era meio-
Beréia ele ficou com Silas, quando Paulo judeu.
foi forçado a sair, porém mais tarde ele A pessoa seguinte a enviar saudações é
se juntou novamente a Paulo, para parti­ Tércio, amanuense de Paulo, emprega­
cipar da primeira permanência deste em do para escrever a carta (v. 22). Certa­
Corinto (At. 17:14,15). Antes da terceira mente ele era cristão, pois envia sauda­
viagem missionária, ele foi enviado à ções no Senhor, e é possível que fosse
Macedônia com Erasto (At. 19:22), e romano, pois o seu nome é latino, signi­
esteve com Paulo ao voltar, quando a ficando “terceiro” . Com razão, Bruce
Epístola aos Romanos foi escrita (20:4). sugeriu que Timóteo fosse o amanuense
Muitas vezes ele é associado a Paulo no de Paulo nas outras cartas, visto que o
início das cartas (I Tess. 1:1; II Tess. seu nome aparece no sobrescrito de seis
1:1; II Cor. 1:1; Fü. 1:1; Col. 1:1; Filem. das outras cartas. Muitas vezes Paulo
1 ), de forma que o fato de ele aparecer escrevia algumas palavras no fim de suas
apenas na carta de apresentação de Febe cartas, como autógrafos (II Tess. 3:17;
pode ser um sinal de que acabara de I Cor. 16:21; Gál. 6:11; Col. 4:18).
chegar a Corinto. Anteriormente ele Mais três pessoas se apresentam para
havia voltado a Tessalônica, para inves­ acrescentar a sua saudação, depois de
tigar, antes de Paulo ter escrito I Tessa- Tércio ter feito a que parecia a última.
lonicenses (3:2,6). Companheiro de Gaio fora batizado por Paulo em Corinto
Paulo na evangelização de Corinto, ele foi (I Cor. 1:14), e pode ser a mesma pessoa
enviado de volta a essa cidade pelo menos chamada de Tito Justo, que oferecera a
duas vezes, em épocas turbulentas (I sua casa à igreja e a Paulo, quando este
Cor. 4:17; 16:10; II Cor. 1:19). Uma vez fora expulso da sinagoga (At. 18:7).
Timóteo foi preso (Heb. 13:23). Duas das Como cidadão romano na colônia de
três Cartas Pastorais foram escritas para Corinto, ele tinha três nomes (prenome,
ele de Êfeso, e muitas outras sugestões nome, cognome), como a maioria dos
a respeito dele podem ser encontradas nomes ocidentais, hoje em dia; de forma
nas cartas Pastorais. Só aí ficamos que o seu nome completo poderia ser
sabendo que a sua mãe se chamava Gaio Tito Justo. 74 Gaio é o seu prenome
Eunice, e a sua avó, Loide (II Tim. 1:5). latino. Outro Gaio está associado com
É numa das cartas da prisão que a obser­ Aristarco (At. 19:29; 20:4), e III João é
vação mais notável a respeito de Timóteo endereçada a Gaio, o amado.
é feita por Paulo (Fil. 2:19-24). Erasto (que significa amado), tesou­
Muito pouco se sabe a respeito das três reiro da cidade, é de grande interesse
pessoas seguintes que enviam saudações. histórico. Em 1929, a Escola Americana
Lúcio tem sido identificado tanto como de Estudos Clássicos em Atenas desco­
Lúcio de Cirene (At. 13:1) quanto como briu um bloco de pavimento feito de
Lucas, o médico amado, que foi autor mármore, datado de 50 a 100 d.C., com
do documento “nós” , que começa em esta inscrição: “Erasto, comissário de
Atos 20:5 (Manson). Jáson pode ser obras públicas, colocou este pavimento
aquele que se menciona em Atos 17:5-9, às suas custas.” 75 O único problema
hospedeiro de Paulo em Tessalônica, e é que o comissário de obras públicas não
Sosipatro, o Sópater de Beréia (At. é o tesoureiro da cidade, mas Bruce acha
20:4), mas isto não é certo. Os três são
chamados de parentes, que pode signi­ 74 E. J. Goodspeed, “Gaius Titus Justus” , Journal of
Biblical literature, LXIX (1950), p. 382 e s.
ficar que eles eram judeus, ou parentes 75 H. J. Cadbury, Journal of Biblical Literature, L(1931),
de Paulo. Não é impossível que um judeu p. 42-58.
que ele obtivera uma promoção antes de
Paulo chegar! Esta identificação é geral­
mente preferida à do Erasto de Atos 24 (A g r a ç a de n o sso S en h o r J e s u s C risto
19:22 e II Timóteo 4:20. se ja co m todos v ó s. A m é m .) 25 O ra , à q u e le
que é p o d ero so p a r a vos c o n firm a r, s e g u n ­
A última saudação é do irmão Quarto. do o m e u e v a n g e lh o e a p re g a ç ã o d e J e s u s
C risto, co n fo rm e a re v e la ç ã o do m isté rio
Irmão de quem? Claro que ele era irmão g u a rd a d o e m silên cio d e sd e o s te m p o s e t e r ­
no Senhor, mas por que só ele é citado nos, 26 m a s a g o r a m a n ife sto e , p o r m eio
dessa forma? Será que ele era o irmão d a s E s c r itu r a s p ro fé tic a s , se g u n d o o m a n ­
mais novo de Tércio, que escreveu a d a m e n to do D eu s e te rn o , d a d o a c o n h e c e r a
carta? Era costume, freqüentemente, dar to d a s a s n a ç õ e s p a r a o b e d iên c ia d a fé ;
27 a o ú n ico D e u s sá b io s e ja d a d a g ló ria p o r
aos filhos dos romanos, em vez de nomes, Je s u s C risto o a r a to d o o s e m p re . A m ém .
números (cf. Bruce). Atos 20:4 menciona
um “Secundus” (segundo). Se acrescen­ Esta doxologia final bem pode ser
tarmos Primo (Primus), teremos quatro chamada de doxologia desprendida, visto
nomes latinos, que, na verdade, são que ela aparece em três lugares diferen­
números. tes, nos vários manuscritos. Se se obser­
Em suma, as saudações mencionam var o Codex Vaticanus (B), o grande
seis parentes (três em Roma e três com manuscito do quarto século, que está na
ele, enquanto escreve), três cooperado- Biblioteca do Vaticano, em Roma, esta
res, dois companheiros de prisão, três longa doxologia é encontrada apenas
homens chamados de amado, e uma depois de 16:23, como aqui, mas um
senhora, chamada de “minha” mãe. manuscrito do Vaticano do século IX (L)
Teriam os amigos de Paulo ido para a coloca depois de 14:23 apenas. Um
Roma em um grupo? Lietzmann e Bar- visitante do Museu Britânico, em Lon­
rett chamam atenção para uma “igreja dres, encontrará o Codex Vaticanus
domiciliar” , de quinhentos iniciados confirmado pelo Codex Sinaiticus,
de Dionísio, que migrara da Ãsia Menor grande manuscrito do quarto século,
para Tusculum, e não é impossível que encontrado por Tischendorf no Monte
muitos dos amigos de Paulo tivessem ido Sinai; mas encontrará também o Codex
da Ãsia Menor para Roma no mesmo Alexandrinus (A), manuscrito do quinto
ano em que o próprio Paulo saiu de século, que traz esta doxologia depois de
Éfeso. Esta parece uma solução melhor 14:23, e novamente depois de 16:23.
para o problema do que a teoria de uma Houve grande alegria entre os eruditos
carta efésia ligada a uma carta romana. que haviam argumentado em favor do
Knox forçou um reexame de todas as fim da Epístola aos Romanos em 15:33,
evidências existentes, por causa da sua quando o P 46, precioso papiro datado de
declaração de que todo o capítulo 16 cerca de 200 d.C., agora na Universi­
fora escrito no começo do segundo sé­ dade de Michigan, em Ann Arbor, re­
culo, para recomendar Paulo ainda mais velou esta doxologia depois de 15:33.
diante da igreja em Roma. Mas um a reflexão sóbria não considerou
este fato suficiente para superar o peso
Algumas antigas autoridades contêm a do Codex Vaticanus e do Codex Sinai­
bênção do verso 24, que a versão da IBB ticus e inúmeros outros manuscritos que
coloca entre colchetes, para indicar que trazem a doxologia depois de 16:23. Mais
ela não consta dos manuscritos mais detalhes são encontrados no sistema
aceitos. Alguns comentaristas seguem textual do The Greek New Testament
a opinião de que ela é uma repetição da editado pelas Sociedades Bíblicas Uni­
bênção de 16:20. The Greek New Testa- das, porém este breve relato acerca do
ment confirma esse ponto de vista. problema deve ajudar o estudioso a apre-
ciar o débito que o estudante do Novo “a pregação” (I Cor. 1:21; 2:4; 15:14;
Testamento contraiu com essa grande II Tim. 4:17; Tito 1:3);
plêiade de eruditos, que labutaram tão “a revelação do mistério” (I Cor. 2:7,
devotadamente para restaurar o melhor 10; Ef. 3:3-6; II Tim. 1:10; Tito
texto dos livros que têm suprema auto­ 1:2,3);
ridade para os crentes. “mistério que desde os séculos esteve
A crítica textual, no entanto, tem sido oculto em Deus” (11:25; Col. 1:26,
incapaz de resolver este problema de 27; Ef. 3:5,9; cf. Inácio, Efésios,
uma vez por todas. Alguns estudiosos 19:1);
têm recorrido à crítica da forma para “mas agora... tem-se manifestado”
conseguir ajuda adicional. Desde o fim da (3:21)
Primeira Guerra Mundial, a crítica da “pela lei e pelos profetas” (3:21);
forma tem sido capaz de lançar nova luz “segundo o mandado de Deus” (I Tim.
sobre os problemas do Novo Testamento. 1:1; Tito 1:3);
Na tentativa de se embrenhar por detrás “obediência da fé” (1:5);
do texto e chegar aos fatores que influ­ “o único Deus sábio” (11:33; I Tim.
enciaram a forma literária, as doxologias l:17;cf.Jud. 25);
de Romanos mereceram muita atenção. “glória para todo o sempre” (Ef. 3:21;
As conclusões, temos que admitir, são I Tím. 1:17; cf. Jud. 25);
experimentais, mas alguma luz foi “por Jesus Cristo” (5:21; 7:25).
lançada sobre esta doxologia final. Pode ser que o enigma desta doxologia
Pode-se considerar esta doxologia final jamais venha a ser resolvido de
como um mosaico, formado de todas as forma que todos fiquem satisfeitos, mas
cartas de Paulo. Talves se pretendesse estas doze expressões tiradas das cartas
que ele fosse um clímax não apenas de do apóstolo Paulo são ricas em seu con­
Romanos, mas de toda a obra paulina. teúdo. Cada uma delas é explicada em
Se uma coleção das cartas de Paulo tinha seu lugar apropriado, no Comentário
Romanos em último lugar, como no Bíblico Broadman. Esta doxologia
Cânon Muratoriano, então isto é uma é a conclusão mais apropriada para
possibilidade notável. Não é necessário Romanos, se não para toda a obra pau­
seguir-se Knox, quanto à carta em favor lina. Um hino-mosaico a respeito do
de Febe, para concordar com ele, em pecado, composto de seis passagens do
parte, quanto à doxologia final. Velho Testamento, apareceu perto do
Certas expressões desta doxologia são começo da carta (3:10-18, NEB). Agora,
bem conhecidas em outras cartas pauli- doze expressões de ouro foram reunidas
nas. As comparações seguintes ilustram de várias cartas paulinas, para com­
o caráter de mosaico desta doxologia: porem uma doxologia a Deus, cujo
“Ora, àquele que é poderoso” (Ef. evangelho essa carta explica tão cabal­
3:20);. mente. A única atitude que pode ser as­
“segundo o meu evangelho” (2:16; sumida, nesta conjuntura, é a de louvor.
II Tim. 2:8);

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