Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“A ETERNIDADE DO AMOR”
I CORÍNTIOS 13:8-13
Campo Grande
2003
PRESBITÉRIO DO PANTANAL
EXEGESE:
“A ETERNIDADE DO AMOR”
I CORÍNTIOS 13:8-13
Márcio Gardenyo Alves da Silva
Campo Grande
2
2003
3
PRESBITÉRIO DO PANTANAL
FOLHA DE APROVAÇÃO
Avaliação:
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________
_________________________________
Reverendo Leonel Abreu Carneiro
2º Secretário do PPAN
4
AGRADECIMENTOS:
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 06
I – CONTEXTO HISTÓRICO GERAL:
1- História de Corinto ................................................................................... 08
2- Autoria ...................................................................................................... 09
3- Circunstância dos acontecimentos ............................................................ 10
4- Ocasião e propósito ................................................................................... 11
5- Data e local ............................................................................................... 13
6- Teologia de I Coríntios ............................................................................. 14
II – TRADUÇÃO ...................................................................................................... 16
6
INTRODUÇÃO
7
Baseado nestas questões estaremos analisando nossa passagem, e apresentaremos as
várias posições interpretativas, e buscaremos, biblicamente, trazer à tona a verdadeira
intenção do autor da carta para nossos dias. Estaremos usando o método de Interpretação e
desenvolvimento da exegese o método Histórico-Gramátical. Que Deus nos abençoe.
8
I – CONTEXTO HISTÓRICO
1 – HISTÓRIA DE CORINTO
Para que possamos entender melhor a relação de Paulo com Corinto, precisamos
entender a sua história e o contexto em que o Apóstolo escreveu sua carta.
Podemos colocar a história de Corinto em duas partes: a velha Corinto e nova Corinto.
Corinto localizava-se em um istmo estreito de apenas seis quilômetros de largura, que liga o
sul da Grécia com o restante do país e com os países ao norte 1. A posição de Corinto, no
istmo, proporcionava-lhe portos de ambos os lados do mesmo. Dispunha ela, de todas as
vantagens de um comércio fácil, com o acompanhamento do luxo, da vida fácil e dos vícios
que geralmente surgem nesses casos2.
Como a maioria dos portos marítimos, Corinto tornou-se muito próspera, mas ao
mesmo tempo muito licenciosa. A imoralidade e depravação reinavam naquela cidade. Foi daí
que surgiu a expressão “corintianizar”, isto é, “viver como um corinto”; e “moça coríntia”,
referindo-se a uma maneira de se referir a uma prostituta; isto chegou a entrar no idioma
grego, já desde os remotos tempos de Aristófanes (ver Fragm 133), o qual viveu em 400 aC.
Esse termo indica uma vida moralmente depravada, entregue à devassidão 3. Os jogos
ístmicos, que só perdiam em importância para os jogos Olímpicos, eram realizados em
Corinto. Dominando a cidade estava o “Acrocorinto”, uma montanha de mais de 560 metros
de altura, sobre a qual se encontrava o grande templo de Afrodite, a deusa grega do amor4.
A antiga Corinto, no século VII aC, adquirira grande poder e prosperidade, e já
implantara então certo número de colônias. Em 146 aC, a rica Corinto foi destruída pelo
romano Lucius Mummius Achaicus. Durante um século a cidade permaneceu em ruínas. Júlio
César fez de Corinto uma colônia Romana e a reconstruiu em 46 AD. Do ano 29 em diante,
Corinto ficou sendo a sede do procônsul, e a capital da província senatorial da Acaia5.
A nova Corinto não se tornou muito diferente da Antiga Corinto. Mas não podemos
dizer que as mesmas coisas que aconteceram na antiga tenham acontecido na nova Corinto 6.
A população de Corinto era extremamente cosmopolita. Gregos, talvez em grande número,
1
PRIOR, David, A mensagem de I Coríntios, Ed. ABU, São Paulo, S.P., 1993, pg. 11.
2
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, Vol. III, pg. 386.
3
IBDEM, OP. CIT.
4
PRIOR, David, A mensagem de I Coríntios, pg.11.
5
KÜMMEL, Werner Georg, Introdução ao Novo Testamento, Ed. Paulus, São Paulo, S.P., 1982.
9
também residiam na nova Corinto; mas os romanos dominavam a cena com suas leis, cultura
e religião. Grande parte do Império havia, porém, sido totalmente helenizado, de modo que
não só a língua franca era o grego, mas indubitavelmente muitos vínculos – religiosos,
filosóficos e culturais – foram restabelecidos. Por não haver em Corinto uma aristocracia
proprietária de terras, surgiu uma aristocracia baseada na riqueza. É inevitável que os pobres
fossem desprezados ou desconsiderados ( I Co. 11:17-22) 7. Alcifrom escreveu em suas
memórias: “Jamais estive em Corinto, porquanto sei bem qual o tipo animalesco de conduta
os ricos desfrutam ali, e qual a miséria dos pobres”8.
Sua vida religiosa refletia a grande mistura de povos e costumes, exibindo aspectos
altamente sincretistas. Seus diversos cultos misteriosos, com seus vários templos espalhados
pela cidade nos mostra a mistura entre religiões do Egito, Ásia e até da Palestina (judaísmo).
Era natural que uma igreja cristã em meio a uma sociedade extremamente paganizada, como
era a de Corinto, se achasse eivada de dificuldades 9. Era uma igreja pluralista, composta de
judeus, latinos, gregos; pessoas da Aristocracia e escravos e artesãos ( 1:26; 7:20-24).
2 – AUTORIA
Com relação a autoria paulina acerca de I Coríntios, é quase que unânime. Robertson e
Plummer chegam a dizer que “tanto as provas externas como as internas em prol da autoria
paulina são tão fortes, que os que tentam mostrar que o apóstolo não é o autor conseguem
provar principalmente a sua incompetência como críticos”10.
A evidência interna que temos, é que I Coríntios faz parte de um grupo de cartas
paulinas clássicas, o que chamamos de “HAUPTBRIEFEN”. Questões como estilo literário,
vocabulário, e conteúdo confirmam a comum autoria de Romanos, Gálatas, I e II Coríntios11.
Também podemos ver a confirmação de I Coríntios na evidência externa. Diversos
pais da Igreja dos primeiros anos, a saber: Clemente de Roma (I Clem 37:5; 47:1-3; 49:5);
Policarpo (Ep. Aos Filipenses, cap. 11); Inácio (aos Efésios 16:1; 18:1; Rm. 5:1; Filad 3:3); e
6
Está longe de ser claro se muitas orgias da antiga Corinto aconteciam na nova cidade, como por exemplo, o
culto a Afrodite, com suas mil prostitutas cultuais; por outro lado, tradições do gênero custa a desaparecer e, na
condição de cidade portuária importante, é improvável que Corinto tenha criado fama de probidade moral (I Co.
6:12ss) { CARSON, Introdução ao Novo Testamento, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P., 1997, pg. 292}.
7
CARSON, D.A, MOO, Douglas J., MORRIS, Leon, Introdução ao Novo Testamento, pg. 292.
8
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. III, pg. 1.
9
?
GUNDRY, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P., pg. 309.
10
MORRIS, Leon, I Coríntios, introdução e comentário, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P., 1992, pg. 20.
11
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. IV, pg. 1.
10
Irineu (Contra os Heréticos, iv. 27,3). O lugar de I Coríntios no cânon dos livros sagrados é
tão antigo como o de qualquer das demais epístolas paulinas, fazendo parte integrante das
primeiras coletâneas de escritos paulinos12.
Agora, uma questão que é importante vermos ainda neste ponto é o uso que Paulo faz
do amanuense. Vemos isso em 16:21: “A saudação, escrevo-a eu, Paulo, de próprio punho”.
Esse uso de assinar a carta era uma forma de autenticar a autoria da carta; era comum entre os
escritores (II Rs. 3:17; 2:2; Cl. 4:18; Gl. 6:11; Fm. 19). O que nos resta a saber é, qual a
participação do amanuense na escrita da carta? Analisemos três hipóteses:
a) Paulo fazia um esboço dos pontos centrais, e confiava a escrita da carta ao
amanuense.
b) Paulo ditava e o amanuense pegava os pontos principais. Por existir a taquigrafia
naquele tempo, Paulo fez uso deste artifício.
c) A carta é uma “cópia ao vivo”13. O amanuense escrevia literalmente aquilo que
Paulo falava. Com certeza, a terceira hipótese é a mais aceita pela maioria dos eruditos.
Sabendo que a relação de Paulo com Corinto teve idas e vindas, queremos apresentar
neste ponto uma ordem seqüencial dos acontecimentos que envolveram Paulo e Corinto.
1- A primeira visita – Paulo vai a Corinto na sua Segunda viagem missionária. Ali
funda a igreja, e permanece nela durante 18 meses (At. 18:1-18).
2- A primeira carta – Após deixar Corinto, Paulo escreve-lhe uma carta (I Co.5:9ss).
Esta carta tratava de questões de comunhão dos crentes com os “impuros”. A carta não foi
bem compreendida pelos coríntios, e Paulo retoma o assunto na próxima carta14.
3- A Segunda Carta – Paulo escreve uma Segunda carta, que é a nossa I Coríntios.
3.1- Escreve porque recebeu informações sobre a igreja pelos da casa de Cloé ( I Co.
1:11).
12
IBDEM, OP. CIT.
13
NICODEMUS, Augustus, Palestras proferidas em setembro de 1995, no SPBC, sobre I Coríntios.
14
Muitos eruditos têm sugerida que esta primeira carta escrita por Paulo se encontre inserida dentro da nossa I
Coríntios. Alguns têm sugerido que a primeira carta se encontre interpolada em II Co. 6:14-7:1, argumentando
que: a- o referido texto quebra a linha de pensamento de Paulo. B- 6:13 tem uma seqüência normal em 7:2.
Embora os argumentos parecem plausíveis, podemos perceber que, apesar da mudança abrupta, a passagem se
encaixa perfeitamente em seu contexto. A opinião da maioria, e é a que nós aceitamos, é que esta carta se perdeu
totalmente, e não temos vestígios dela.
11
3.2- Paulo recebe uma visita de uma delegação(I Co. 16:17), que traz uma carta sobre
os assuntos da igreja.
4 – A Segunda visita – Após Ter escrito I Coríntios, Paulo foi novamente a Corinto,
pela Segunda vez, pois a carta não surtiu o efeito esperado ( II Co. 2:1-3,5; 12-14). Esta visita
de Paulo a Corinto ficou conhecida como “Visita dolorosa”.
5 – A Terceira carta – Após a visita, Paulo escreve uma terceira carta, que é
desconhecida por nós. Tal carta foi chamada de “carta severa” (II Co. 2:e,9; 7:8-12), pois
causou tristeza aos coríntios, e Paulo chegou a se arrepender de tê-la escrito15.
6 – A Quarta carta – Paulo escreve a Quarta carta, depois da terceira ser surtido algum
efeito. Esta Quarta carta é nossa II Coríntios.
4 – OCASIÃO E PROPÓSITO
Muitos têm atestado que I Coríntios é uma resposta a uma série de questões que foram
trazidas até Paulo. Mesmo que isto seja verdade (questões trazidas), podemos perceber que a
carta em si não é direcionada a pessoas particularmente. Percebemos que é uma carta com
cunho teológico grande; onde aborda questões éticas e teológicas. Paulo aproveita para
discorrer sobre as questões que lhe foram trazidas de modo bem teológico e geral.
A ocasião da escrita desta carta está relacionada a dois acontecimentos importantes:
notícias da igreja por terceiros e a necessidades de responder a uma carta de uma delegação da
igreja de Corinto. Eram questões concernentes a casamento e celibato, sobre alimento
oferecido a ídolos, e provavelmente também sobre o culto público e sobre os dons espirituais.
Queremos tratar mais detalhadamente sobre estes dois momentos, que conduziram à
escrita da carta.
O primeiro deles se relaciona a questões que lhe foram trazidas pelos da casa de Cloé
(1:11 ss). Havia inquietantes irregularidades na conduta dos crentes de Corinto; havia facções
entre eles, cada uma das quais com o seu suposto líder ou herói, como Paulo, Pedro, Apolo e
Jesus. Isto foi de tanta inquietação para Paulo, que ele gastou seis capítulos tratando deste
15
Muitos têm levantado questões sobre a existência desta carta, interpolada em alguma parte de II Coríntios.
Carson, em sua introdução ao Novo Testamento, gasta bastante espaço tratando das várias idéias quanto a sua
preservação e interpolação em II Co. 10-13, pois apresenta um tom severo. Mas não existe provas cabíveis que
nos atestem que II Coríntios tenha circulado sem os seus caps. 10-13. Outros eruditos sugerem que essa carta
severa seja I Coríntios, mas duvidamos disso; pois I Coríntios não parece em nada a questão de Paulo Ter-se
arrependido de escrevê-la. Podemos concluir, então, que esta carta “severa” foi também perdida, e nada foi
preservado.
12
assunto16. Paulo ataca fortemente aqueles que estão perturbando a igreja e causando divisões.
Não sabemos bem ao certo se os capítulos 5 e 6 são uma discussão sobre assuntos trazidos
pelos da casa de Cloé ou da delegação de Corinto (Estéfanas, Fortunato e Acaio)17.
Um segundo momento motivador de Paulo, na escrita de I Coríntios, é resultado da
chegada de uma delegação da parte da igreja. Estéfanas, Fortunato e Acaio, além de trazerem
uma oferta (16:17), trazem uma carta solicitando o parecer de Paulo sobre
diversos problemas, aos quais ele aborda na epístola 18. A partir do sétimo capítulo, Paulo se
volta para as perguntas que os próprios crentes de Corinto lhe tinham feito por carta. É que é
chamado de (“acerca de”). Vemos isso em: 7:1: “Quanto ao que me escreveste...”;
7:15: “com respeito às virgens...”; 12:1: “a respeito dos dons espirituais...”; 8:1: “no que se
refere às cousas sacrificadas...”; 16:1: “quanto à coleta para os santos...”; 16:12: “acerca do
irmão Apolo...”19.
Não sabemos se podemos definir com certeza a existência de um propósito central em
I Coríntios. São tratados aqui tantos problemas, variados em sua essência, que nos dificulta
achar um eixo na carta toda, do começo ao fim. Em I Coríntios vemos divisões (
1-3); frouxidão na disciplina (5); processo de irmãos em tribunal secular (6:1); Imoralidade
(6:15); irregularidades no culto (11-14); falso entendimento da ressurreição (15). Se vê
também busca de (1-4), que é rebatida por Paulo pela
Alguns eruditos nos dizem que o propósito de Paulo é combater as divisões que há na
igreja; a formação de partidos é que havia causado tantos males à igreja, que estava a ponto de
dividir-se (fisicamente falando). Mas, podemos dizer que as divisões não são o propósito da
escrita; cremos que as divisões são apenas conseqüências do verdadeiro motivo. Precisamos
buscar, não identificar as divisões, que já estão claras na carta, mas perceber que o motivador
destas divisões é exatamente um falso conceito de espiritualidade. Foram os
que estavam causando todo aquele problema (2:13,15; 3:1; 12:1; 14:37). As
eram oriundas de um grupo que se julgava mais
espiritual que os demais, e estabelecia padrões para se chegar a este patamar. Uma das coisas
que é mais discutida nos cap. 1-4 é exatamente a “sabedoria”, pois através desta, segundo
16
MORRIS, Leon, I Coríntios, introdução e comentário, pg. 19.
17
Carson, Morris e Moo são de opinião de que além da carta, Estéfanas, Fortunato e Acaio trouxeram seus
próprios relatórios verbais acerca da situação de Corinto. Sendo assim, podemos dizer que os cap. 5e 6 são uma
resposta de Paulo a esses relatórios. (CARSON, MOO, MORRIS, Introdução ao Novo Testamento, pg. 294).
18
?
GUNDRY, Robert H., Panorama do Novo Testamento, pg. 308.
19
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. III, pg. 4.
13
eles, o crente alcança a verdadeira espiritualidade, tendo experiências místicas (línguas e
profecias), e tendo uma linha direta com Deus, sem precisar dos apóstolos. As coisas demais,
são apenas conseqüências deste fato.
5 – DATA E LOCAL
O que nos garante uma data quase 100% correta é o contexto histórico registrado em
Atos. No trecho de At. 18:2 há a menção do fato que Priscila e Áquila chegaram a Corinto
devido à expulsão dos judeus da cidade de Roma, por decreto do Imperador Cláudio (Isso é
comprovado por Suetônio, em “Vida do Divinizado Cláudio”, 25:4). A data mais provável
para esse acontecimento é 49 D.C20. Outrossim, a passagem de Atos 18:12 informa-nos como
Gálio foi feito procônsul da Acaia. Atos também testemunha que o apóstolo foi levado
perante o tribunal de Galio, entre 51-52. Essa data é testemunhada pela inscrição de Delfos,
descoberta em 190521. Mui provavelmente Paulo chegou a Corinto na primavera de 50 D.C.,
tendo partido dali no outono de 51.
Partindo do pressuposto que Gálatas já havia sido escrita, sendo muito provável que a
primeira e a Segunda epístola aos Tessalonissenses foram escritas pouco mais tarde. A
primeira carta aos Coríntios é reputada como a Quarta carta das epístolas de Paulo, em ordem
de escrita. Sabendo que a mesma foi composta em Éfeso (analisaremos isso mais a frente),
durante sua permanência ali, a carta foi escrita provavelmente entre o verão de 52 até ao
outono de 54 D.C.22.
Podemos dizer que o local da escrita de I Coríntios tenha sido Éfeso. Éfeso era o
centro de Operações do apóstolo Paulo enquanto ele esteve na Ásia (I Co. 16:19). Devemos
notar também, que esse versículo faz alusão a Áquila e Priscila, mencionando a congregação
que se reunia na casa deles; isso subentende que ele residia onde havia um grupo de cristãos,
o que nos leva à Éfeso (At. 18:18,19,26). Mas o texto que nos garante a total segurança
quanto ao local da escrita é I Co. 16:18: “Ficarei, porém, em Éfeso até ao Pentecoste”.
20
IBDEM, OP. CIT., pg. 2.
21
Essa inscrição fala de uma carta do imperador Cláudio a Lúcio Júnio Anaeu Gálio. Como a data, refere-se a 26 ª
aclamação, isto é, entre janeiro de 52 e 1 º de agosto do mesmo ano. A função proconsular durava um ano. Pode-
se, então, concluir que ele ocupou seu posto entre os anos de 51-52 (BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de
Paulo II, Ed. Loyola, São Paulo, S.P., 1989, pg. 136).
22
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. III, pg. 2.
14
Assim, Paulo ficou em Éfeso até à festa do Pentecoste, esperando partir dali pouco depois;
provavelmente a carta tenha sido escrita durante o último ano de Paulo na cidade23.
6 – TEOLOGIA DE I CORÍNTIOS
I Coríntios tem sido considerada a mais variada de todas as epístolas de Paulo, pelo
seu conteúdo e estilo. Nas páginas desta carta estão contidos todos os recursos literários
conhecidos na arte de escrever – a lógica, o sarcasmo, a imploração, a censura, a poesia, a
narrativa, a exposição. Paulo, praticamente, emprega uma conversa com os anciãos de
Corinto24. Mesmo percebendo em I Coríntios uma epístola absolutamente informal, na
maneira como aborda os problemas, podemos perceber nesta um padrão teológico que não
foge à Paulo. Findlay aponta um centro teológico na carta, o qual o chama de “a doutrina da
cruz na sua aplicação social” 25. A variedade das situações e a multiplicidade dos problemas
enfrentados, porém, não o impediram de desenvolver um aprofundamento teológico unitário
da fé cristã. Isso foi possível porque ele se deixou constantemente guiar por uma precisa
“intuição de fundo”. Ou seja: Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, é o único e definitivo
caminho de salvação para todos os homens. Pode-se dizer, que a cristologia constitui a alma
unificadora de sua reflexão teológica; qualquer outro aspecto dela depende e dela deriva
logicamente26. Mais uma vez, a mensagem de Paulo é Cristocêntrica, do princípio ao fim da
carta. Vejamos:
a- Cristo é o centro da mensagem da epístola, do princípio ao fim ( 1:3).
b- Cristo é o alvo final da criação (8:6).
c- Cristo é o alvo supremo da vida (15:28).
d- Cristo é o verdadeiro Deus (8:4-6).
e- Cristo é o poder que sustenta a natureza (3:6).
f- Cristo é quem ordena providencialmente os acontecimentos entre os homens (4:9; 7:7;
12:6).
g- Os homens jamais conheceram a Deus pela sua sabedoria, mas através de Cristo (1:21).
h- É Deus que se achega aos homens, em busca deles, e não ao contrário (1:27).
i- A vida eterna, por meio da ressurreição, nos é dada por meio de Cristo (15).
23
CARSON, D.A, MOO, Douglas J., MORRIS, Leon, Introdução ao Novo Testamento, pg. 315.
24
TENNEY, Merrill C., O Novo Testamento, sua origem e análise, pg. 308.
25
FINDLAY, G.G., The First Epistle of Paul to the Corinthians, (Grand Rapids, 1947).
26
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo, pg. 50.
15
j- Cristo é o Juiz supremo, e espera a observância dos seus mandamentos (4:5; 5:13; 7:19).
k- Cristo é o redentor: Ele é a Rocha, o supridor das necessidades espirituais (8:6; 10:4); os
poderes das trevas têm sido derrotados por meio de sua morte e ressurreição (2:6); a morte de
Cristo significa a nossa redenção da servidão (6:20; 7:23); os crentes fazem parte do corpo
místico de Cristo (6:15; 12:12).
II – TRADUÇÃO (Parafraseada)
I Coríntios 13:8-13)
16
’
27
O amor nunca acaba; mas, havendo profecias, serão findas; havendo línguas, cessar-se-ão;
havendo ciência, será finda.
9 – Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.
10- Mas, quando vier o perfeito, então o que é em parte, será findo.
11- Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, raciocinava como
menino; quando me tornei homem, desapareceu as coisas de menino.
12- Porque agora vemos através de um espelho, enigmaticamente, mas naquele tempo face a
face; agora conheço em parte, mas naquele tempo, conhecerei plenamente como fui
conhecido.
13- Agora, pois, fica a fé, a esperança e o amor; esses três somente; mas o maior deles é o
amor.
17
que os coríntios estavam permitindo incesto, processos legais seculares e fornicação. A partir
do capítulo 7, Paulo trata de responder a questões levantadas em uma carta trazida a ele por
uma delegação da igreja. Eram questões sobre: Casamento (7:1-40); comida sacrificada à
ídolos (8:1-11:1); Desordens no Culto Público (11:2-14:40). É tratado no final da carta sobre
a questão da ressurreição, que estava sendo questionada por alguns da igreja (15:1-58); e
finalmente Paulo conclui sua carta, com diversos assuntos (16:1-24).
Queremos chamar a atenção para o contexto da nossa passagem, que se encontra
relacionado com questões de desordens do Culto Público. Vemos que 11:2-14:40 é uma
grande unidade literária, construída em torno do tema das reuniões comunitárias. Em seu
interior distingue-se o problema das mulheres que participam com a cabeça descoberta (11:2-
16), o fenômeno degenerativo de uma acentuada privatização do sacramento da eucaristia
(11:17-34), e a complexa questão das experiências carismáticas (caps. 12-14). Queremos,
novamente, afunilar nosso argumento para esta última passagem. Neste trecho, vemos que o
mesmo constitui uma resposta de Paulo a um parágrafo do questionário submetido ao seu
julgamento pela carta dos coríntios (12:1: )28.
Devemos, antes de mais nada, resolver esta grande questão de contextualização no
bloco literário dos caps. 12-14. Esta seção se centra no tema das experiências carismáticas que
ocorriam nas reuniões comunitárias da igreja de Corinto. Percebamos, então, que o nosso
trecho (cap. 13), trata exclusivamente do amor, que não é propriamente um carisma, nem é
apresentado como tal. Parece, pois, uma digressão fora de lugar 29. Por outro lado, no início do
cap. 14 a exortação: “Aspirem os dons do espirituais...”, parece retomar a exortação de 12:31 :
“Aspirem aos melhores dons...”. O nosso capítulo 13, introduzido por 12:31, parte a: “E passo
a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente” – e concluído por 14:1, parte a:
“Procurem o amor” - , pode parecer um parêntese. Seria o capítulo 13 de I Coríntios uma
interpolação entre o capítulo 12 e 14? A teologia liberal, mais especificamente da Crítica da
Forma, consideram o capítulo 13 de I Coríntios um acréscimo posterior no escrito paulino.
Mas, fazendo outras considerações, vemos que não há interpolação nenhuma. Vimos
acima, a propósito de 12:31, a ligação do tema do amor com o dos carismas. Com maior
clareza, ainda, essa conexão aparece no cap. 13, no qual é característico o confronto entre
amor e dons do Espírito. Nos primeiros dois versículos o texto faz a avaliação de quem
possuia os carismas da glossolalia, profecia, conhecimento de todos os mistérios, fé
taumatúrgica, mas não tem amor. Na terceira parte, 8-13 ( que é o nosso texto exegetisado), o
28
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo II, pg. 301.
29
IBDEM, comentado por J. Hering., pg. 332.
18
amor – como realidade perfeita e eterna – é contraposto às experiências carismáticas,
marcadas por limitação e caducidade30.
Podemos dizer ainda mais, que o capítulo 13 não só se insere bem na trama dos caps.
12-14, mas até mostra evidentes referências a outras seções da carta. Basta percorrer a
Segunda parte (v.4-7), que descreve o raio de ação do amor. Aqui, vem a tona a estreita
ligação com o restante da carta, em que Paulo mostra através do amor a antítese que os
coríntios viviam. O verso 4 afirma que o amor não é invejoso (), e em 3:3 o apóstolo
destaca que entre os coríntios dominam as invejas (). O mesmo versículo 4 diz que o
amor não se enche de orgulho (), enquanto era justamente isso que caracterizava a
atitude dos sabichões de Corinto (cf. 4:6,18,19; 5:2; 8:1). No verso 5 se lê que o amor não faz
nada de inconveniente (); em 7:35 o apóstolo exorta a viver honestamente
(), e em 14:40 a que as reuniões comunitárias se desenvolvam
sem inconvenientes (). Enfim, nosso trecho afirma que o amor não procura o
próprio interesse (v.5), e em 10:24 solicita-se a que os coríntios tenham a mesma atitude
altruísta, coisa que eles não tinham, pois buscavam seus próprios interesses particulares e
egoístas. Os versos 8-13 evidenciam o caráter de absoluta perfeição do amor, e sua
conseqüente permanência no mundo futuro da ressurreição, ao contrário das experiências
carismáticas.
O capítulo 14 se liga com o final do capítulo 13. Apesar de parecer antagônico os
assuntos do capítulo 13 com o 14, isto é, o amor e a construção da comunidade. Mas em 8:1,
Paulo havia afirmado que o amor e a construção é que constrói a Igreja. Os conteúdos,
portanto, das duas páginas, não são diferentes. Sublinhando a finalização das expressões
carismáticas para o crescimento da comunidade, o apóstolo insere o uso dos dons do Espírito
na perspectiva geral do ágape. É o ágape que traz força para a pessoa sair do círculo do
próprio “eu”, para a realização comum31.
Podemos concluir, claramente, que nossa passagem se enquadra muito bem em seu
contexto imediato (cap. 12-14), e no contexto da carta toda. Outra coisa, é percebermos que
Paulo não se alheia dos problemas vivos e das situações concretas da comunidade de Corinto.
Sua apresentação do amor não é abstrata nem teórica. Seria, pois, errado interpretá-la como
uma especulação genérica sobre o amor. É, ao contrário, palavra dirigida a uma Igreja
dividida, que perdeu o senso da fraternidade, enveredando por experiências individualistas32.
30
IBDEM, pg. 332.
31
IBDEM, pg. 341.
32
IBDEM, pg. 332.
19
1- TIPO DE LITERATURA
Uma questão nos envolve ao analisarmos I Co. 13. Qual o tipo literário da passagem?
Muitos já falaram de hino, de canto ao amor. Outros interpretam como uma exortação
parenética. Parece que nenhuma das determinações aplica-se plenamente ao nosso texto,
embora exprima aspectos reais. É perceptível a exaltação comovida do amor, e a exortação a
que os leitores percorram essa via por excelência. Mas não é claro o ritmo poético hínico; a
forma exortativa também não é explícita. Para muitos liberais, mais luz advém do confronto
com um gênero literário particular, presente no mundo grego e na literatura judaica. Trata-se
do elogio do valor supremo e da virtude maior. Assim, do poeta Tirteu se conhece uma poesia
que exalta o valor militar; e o livro apócrifo de 3 Esdras nos apresenta uma composição
elogiosa da verdade (4:34-40). Mas é difícil admitir uma dependência literária dos modelos
literários do helenismo.
Parece preferível sustentar a inspiração de algumas páginas da literatura bíblica
sapiensal, como Pv. 8 (outros fazem paralelo com Sr. 24; Sb. 7:22ss). Podemos considerar,
concluindo, que se trata de um elogio do amor, caracterizado por uma intenção exortativa. O
é a via da experiência cristã que Paulo deseja mostrar aos coríntios33
2- ESTRUTURA DE I CORÍNTIOS
33
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo II, pg. 332, 333.
20
vários assuntos, tanto no âmbito moral, quanto espiritual (7:1-16:9). A Quarta parte que
analisamos é a saudação final de Paulo aos coríntios (16:10-24).
Assim, queremos apresentar uma extrutura para I Coríntios, com suas respectivas
divisões e seus respectivos assuntos34.
Esboço:
I – Saudação 1:1-9
Casamento 7:1-24
Virgens 7:25-40
Coisas sacrificadas à ídolos:
Avaliadas em relação ao ídolo 8:1-13
Avaliadas pela liberdade 9:1-27
Avaliadas em relação a Deus 10:1-22
Avaliadas em relação aos outros 10:23-11:1
Problemas de Adoração:
A cobertura da cabeça 11:2-16
A mesa do Senhor 11:17-34
Dons espirituais 12-14
A ressurreição do corpo 15:1-58
A coleta 16:1-9
34
TENNEY, Merrill C., O Novo Testamento, sua origem e análise, pg. 309.
21
IV – Saudações finais 16:10-24
Queremos, agora, focalizar uma Segunda estrutura para o nosso contexto literário
imediato, que corresponde dos caps. 12-14, em que nossa passagem exegetisada está inserida.
Esta estrutura está dividida em 3 partes principais, com suas respectivas subdivisões, dando-
nos uma visão mais aprofundada da temática deste contexto.
No capítulo 12 Paulo nos apresenta a unidade em meio a diversidade de dons que
existe na Igreja de Cristo. Paulo faz a alusão de uma comparação com o corpo humano, que
age naturalmente, apesar de seus vários membros, cada um não menos importante que o outro.
O capítulo 13 nos apresenta um hino, exaltando o amor e sua eternidade, em comparação com
os dons espirituais. No capítulo 14 Paulo reserva grande tempo para tratar da busca dos dons
espirituais, e seu uso, mostrando que o Dom de profecia é superior ao de línguas. Eis a
estrutura:
I – Unidade na diversidade – 12
22
IV – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
Devido ao longo tempo da escrita da carta de Paulo aos coríntios, até sua chegada a
nós em pleno século XXI, algumas palavras nos soam de modo estranho e descontextualizado.
Em nosso parágrafo, 13:8-13, algumas palavras precisam ser melhor explicadas a luz de seu
contexto cultural, para que possamos ter uma melhor compreensão daquilo que o apóstolo
queria falar a seus destinatários.
IV.a- Menino – Paulo gosta muito de usar esta expressão. Tirando os evangelhos (Mt. Lc. e
uma vez em Hb), somente ele faz uso desta expressão. Menino é usado por Paulo para
expressar um estado não amadurecido, ainda imperfeito. Ser menino, em nosso texto,
representa a era inteira da imperfeição, a nossa era presente 35. Essa expressão também era
conhecida nos cultos helenísticos de mistério; nestes, o devoto atinge etapas sempre mais altas
de perfeição através de muitas cerimônias36. Esta seria uma linguagem fácil de se
compreender entre os coríntios, pois muitos deles haviam vindo destas religiões de mistério.
Podemos considerar também que Paulo talvez estivesse comparando seu estado
presente espiritual à sua juventude, como uma criança. Um homem judeu era considerado um
garoto até seu bar mitzvah (filho da Lei), depois então, ele era considerado um homem. Num
momento ele era garoto; num outro ele era um homem. A perfeição em Cristo será um tipo de
espiritual , uma vinda para uma imediata, completa e eterna adulta e madura espiritualidade.
Naquele momento, todas as coisas infantis, de menino, serão destruídas 37. É por isso que
Paulo diz sobre o “ser homem”, contrastando com “menino”. Ser “homem” é atingir o estado
de espiritualidade, na parousia.
35
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. III, pg. 211.
36
BROWN, Colin, O Novo Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, Vo. I, Ed. Vida Nova, São
Paulo, S.P., 1989, pg. 547.
37
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians, Printed in The United States of
América, pg. 366.
23
IV.b- Espelho – Os antigos não faziam seus espelhos de vidro, mediante o que, nos tempos
modernos, imagens claras e quase perfeitas são obtidas. Antes, usavam metais e pedras
polidas. Esses espelhos precisavam de polimento e renovação constantes; assim é que eram
acompanhados de uma esponja com pedra-pomes, ou havia um receptáculo separado para esse
abrasivo, que deveria ser usado constantemente 38. Corinto era famosa devido à manufatura
desses espelhos; mas até mesmo os melhores espelhos dessa natureza produzem um reflexo
obscuro. Poucos cristãos seriam capazes de conseguir espelhos de boa qualidade (1:26)39.
Plínio menciona espelhos feitos de ágata, e diz-se que Nero usava uma esmeralda
como espelho. Até mesmo os melhores espelhos de Corinto forneciam um quadro distorcido e
embaçado da realidade. O que Paulo quer mostrar é exatamente isso, que a visão distorcida
dos espelhos simbolizam a era presente, antes da parousia.
38
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado,Vol. III, pg. 211.
39
MORRIS, Leon, I Coríntios, introdução e comentário, pg. 151.
24
Dentro do nosso texto se encontram alguns substantivos e verbos que merecem uma
melhor definição antes de entrarmos na argumentação propriamente dita. Estaremos trazendo
aqui uma análise diacrônica e sincrônica destas palavras e expressões, associados à sua
semântica.
1 – Amor ( ) – Dentre as várias outras expressões para “amor”, tais como
a palavra é um pouco incomum no mundo grego; é uma
construção que só aparece no Grego posterior. Foi achada uma só referência fora da Bíblia 40.
No Velho Testamento, significa o relacionamento entre seres humanos entre si, em primeiro
lugar, e em segundo lugar, o relacionamento entre Deus e o homem. Os profetas ousaram
desenvolver o tema do amor de Deus como tema principal da Sua obra de Eleição. No
judaísmo helenístico e rabínico, ficou sendo o conceito central para descrever o
relacionamento de Deus com o homem, e vice-versa. No Novo Testamento, o amor é uma das
idéias centrais que expressam o conteúdo total da fé cristã (Jo. 3:16). Sua atividade é o amor,
que procura o amor recíproco no homem (I Jo. 4:8,16). Paulo fica inteiramente dentro da linha
da tradição do Antigo Testamento quando fala do amor de Deus. Para ele, é o amor
que elege, conforme é indicado seu uso de 41
O capítulo 13 de Coríntios fala sobre qual sentido do amor? O amor, neste texto nos
parece um compêndio de normas éticas a serem seguidas. Ele não é um carisma. Nem uma
virtude, mas mostra uma série de comportamentos que podem ser chamados de virtuosos:
magnanimidade, benevolência, modéstia, generosidade, desinteresse, confiança, esperança,
constância. Também esse amor não é uma romântica filantropia; mas, para Paulo, amor tem
explicações teológicas42. Amor é a descrição da totalidade da atividade de Deus. Aqui, amor é
um relacionamento a ser seguido entre os homens mutuamente, imitando o perfeito
relacionamento de Deus com os eleitos.
2 – Desaparecer () – Derivada de , que significa inativo, ocioso, não usado,
inútil, é uma palavra mais recente que significa, no grego secular, tornar inativo,
colocar fora do uso, cancelar, acabar com. No Velho Testamento, aparece somente na LXX,
em 2 Esd. 4:21, 23; 5:5; 6:8, onde seu significado é “estorvar” ou “interromper a obra de
40
A deusa Isis recebe o título de ( P. Oxy. 1380, 109, século II dC).
41
BROWN, Colin, O Novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, vol. I, pg. 193-200.
42
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo II, pg. 333,334.
25
construção do Templo. No Novo Testamento essa palavra se encontra mais em contextos
teológicos (exceção à Lc. 13:7). Paulo a emprega em dois princípios básicos: a) A ação de
Deus em colocar fora de ação, através da Segunda Vinda, as potências destruidoras que
ameaçam o bem-estar espiritual do homem (I Co. 2:6; Ef. 2:15; Rm. 7:2; II Ts. 2:8; I Co.
15:26; II Tm. 1:10). b) A remoção e substituição, da parte de Deus, daquilo que é passageiro,
para deixar lugar para as coisas melhores e permanentes. Esse ponto pode se referir tanto a
acontecimentos presentes, quanto futuros (II Co. 3:7,11,13,14; I Co. 1:28; 6:13).
No nosso contexto de I Co. 13:8-13, percebemos que esse ponto se encaixa
perfeitamente com a idéia de por fim, interromper, anular, para dar lugar a algo grandioso
( I Co. 13:8, 10, 11). Embora seja inconstante nas traduções (AV o traduz de 17
modos diferentes, RV de 13 modos), seu significado básico de tornar inoperante é claro e
constante43.
43
BROWN, Colin, O Novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, Vol. I, pg. 81,82.
26
Deus e a Cristo (Hb. 7:28). No contexto do desenvolvimento humano individual, se
aplica ao homem que atingiu a maturidade, o homem crescido que é maior de idade (usado
especialmente em Paulo)44. Com relação à nossa passagem, em I Co. 13:8-13, deixaremos
para dar uma posição sobremais a frente.
DIAGRAMAÇÃO
44
IBDEM, pg. 174-180.
45
IBDEM, Vol. II, pg. 226.
46
IBDEM, pg. 118.
27
’
28
Depois de passarmos por todos os requisitos que precedem nossa argumentação, tendo
agora uma visão mais ampla do texto, queremos nos ater em nossa passagem exegetisada
mediante o esboço que nos é proposto nas linhas seguintes.
29
Nosso texto de I Co. 13:8-13 é dominado por uma série de antíteses: a permanência e
o fim; o que é limitado e imperfeito ( e o que é perfeito (); criança e
adulto; “agora” e “então”; ver mediante o espelho, de modo obscuro, e ver face a face. Tais
antíteses contrapõem o amor às experiências carismáticas. Nos é apresentado a perfeição do
amor, e sua conseqüente permanência no futuro escatológico, diferentemente da parcialidade
das experiências carismáticas, destinadas a desaparecer com o fim deste mundo.
Baseado nisto, apresentamos o seguinte esboço:
ESBOÇO DA PASSAGEM
30
A- A tríade teológica: fé, esperança e amor
B- A superioridade do amor em essência e extensão
Toda nossa passagem, como já foi dito, está baseado em duas vertentes antitéticas, em
que o amor se contrapõe aos dons carismáticos. O verso 8 do nosso texto já nos apresenta que
“o amor nunca acaba” (8a), em contraste com a provisoriedade dos três principais dons entre
os coríntios. Estaremos analisando aqui o uso de alguns verbos principais, tais como
e Uma pergunta que nos intrigará em nossa argumentação é por que
Paulo usa dois verbos diferentes ao tratar da provisoriedade dos dons; um verbo para
conhecimento e profecia (, e outro verbo para línguas(? Também
analisaremos o porquê de Paulo ter usado o verbo para a primeira oração do verso 8.
31
A construção da nossa oração, “”, é digna de nota. Primeiramente,
devemos analisar nosso advérbio temporal que antecede ao verbo. vem da junção
de (nem) (em algum tempo). O nosso advérbio temporal nos dá a idéia de
“eternidade”, “não-temporal”. E é exatamente esta idéia que Paulo tenta apresentar a seus
leitores. Há uma permanência eterna no amor, duradoura e não-temporal.
Agora, deve ser analisado. Para a maioria dos eruditos, possui o seu
significado natural de “falhar”, ou “entrar em colapso” 49. Para McArthur Jr., tem o
significado básico de “cair”, usando o exemplo de uma flor ou folha que cai no chão, que
murcha e apodrece50. Logo, se refere a tempo, não a freqüência, e a idéia é que em
nenhum tempo o divino amor irá cair, murchar e apodrecer. Tal amor não pode fracassar, nem
findar, porque é parte da natureza de Deus e de Sua eternidade. Para outros teólogos,
pode significar tanto “entrar em decadência” quanto cair em um fim escatológico 51. É
claro que esta última pode ser considerada mais como uma pressuposição, do que uma
asseveração exegética.
Outro ponto que devemos destacar neste tópico, é que Paulo não está exaltando o amor
no sentido de “sucesso”. O amor não é uma chave mágica, nem uma fórmula espiritual que, se
aplicada fielmente, automaticamente cumpre nossos desejos e produz o sucesso humano. O
amor nem sempre ganha, pelo menos não no sentido normal 52. Um exemplo que podemos
esboçar é o do próprio Paulo. Ele poderia ter sido chamado o apóstolo do amor, mas ele não
deixou um rastro de êxito perfeito onde quer que ele tenha ministrado. Ele foi perseguido,
preso, espancado, aprisionado e morto; tudo ele fez em amor.
Por outro lado, podemos dizer que quando os cristãos forem bem sucedidos em suas
vidas e ministérios, será sempre através do amor 53. O sucesso nem sempre será uma parte do
amor, mas o amor sempre será uma parte do verdadeiro sucesso espiritual. Este é o caminho
sobremodo excelente: , e este, .
É verdade que Paulo não fala de sucessos e fracassos do amor, neste capítulo. Mas ele
fala do amor como uma qualidade divina, e este amor nunca acaba porque ele sobrevive a
qualquer fracasso. O que Paulo queria, então, era que seus irmãos egocêntricos, fossem bem
sucedidos no amor; bem sucedidos em ser como Deus54. “Deus é amor, e aquele que
permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele” (I Jo. 4:16).
49
PRIOR, David, A mensagem de I Coríntios, pg. 249.
50
MACARTHUR, John F., The New Testament Commentary I Corinthians, pg. 359.
51
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 225.
52
MACARTHUR, John F., The New Testament Commentary I Corinthians, pg. 359.
53
IBDEM, pg. 360.
54
IBDEM, OP. CIT.
32
B - Os dons desaparecerão (e )
Cremos ser esta parte do verso 8 que traz mais problemas exegéticos. Pelos vários
anos que se seguiram, eruditos ficaram, e ainda ficam, em uma disputa sobre a cessação ou
não dos dons carismáticos. E a disputa começa nesta parte do verso 8. Nesta Segunda parte do
versículo, amor e carismas são analisados em antítese de permanência e cessação55. A grande
questão é: Por que Paulo usa dois verbos diferentes ao tratar da provisoriedade dos dons
espirituais? O Dom de línguas realmente cessará antes dos dons de profecia e conhecimento?
A tese fundamental se encontra no tempo dos verbose O verbo
significa basicamente “desaparecer”, “reduzir”, “inatividade” ou “abolir”. Os dons
serão um dia inoperantes. Ambas as formas deste verbo, bem como no verso 10, são passivas,
isto é, “os dons serão findos”. Para os cessacionistas, tais dons sofrerão uma ação ou alguém
irá fazê-los parar ( o perfeito).
O verbo , que está relacionado com o Dom de línguas, significa “parar”, vir a ter
um fim”. Ao contrário de , este verbo é usado na voz média , que,
quando usado por pessoas, indica ação intencional e voluntária sobre si mesmo. Quando em
objetos inanimados, ele é reflexivo, ação causada a si mesma. A causa vem de dentro, está em
si mesma. Os cessacionistas se agarram nesta análise gramatical para dizer que o Dom de
línguas cessar-se-á sozinho. Seu fim será anterior aos demais dons 56. Esta interpretação dada
pelos cessacionistas é muito perigosa. Analisando a passagem de Lucas 8:24, em que Jesus
repreende o vento e a tempestade, o final do versículo diz: “Tudo cessou e veio a bonança”. O
verbo usado para “cessou” é (aoristo médio). É a mesma voz do nosso verbo de
Coríntios; só que vemos claramente Jesus efetuando a ação. O fato do verbo estar na voz
média, não significa necessariamente que as línguas cessaram por si só. Esta é uma falácia
que tem aparecido em muitas obras, mas normalmente surge com o propósito de sustentar
alguma doutrina preferencial57. Percebemos na Bíblia que o verbo possui uma certa
preferência pela voz média, mas cada verbo na voz média deve ser examinado em suas
55
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 225.
56
Segundo MacArthur , Deus deu ao Dom de línguas um momento certo de parar em si mesmo. Este Dom vai
parar por si mesmo. Paulo diz, como uma bateria, ele tinha um limitado período de vida. Quando estes limites
foram alcançados, suas atividades automaticamente pararam. Profecia e conhecimento serão parados por alguma
coisa fora de si mesmos; mas o Dom de línguas irá parar por si mesmo.
57
CARSON, D. A, A Exegese e suas falácias, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P., 1992, pg. 72.
33
circunstâncias específicas ( Lc. 5:4; 11:1; At. 5:42; 6:13; 13:10; 20:1,31; 21:32; I Co. 13:8;
Ef. 1:16; Cl. 1:9; Hb. 10:2; I Pe. 3:10; 4:1).
Uma outra questão que encontramos é, quando e como estes dons irão cessar? Para
eles, os dons de profecia e conhecimento serão findos com a vinda do perfeito (analisaremos
sobre este no verso 10). Com relação ao período da cessação das línguas, é apresentado alguns
pontos que merecem destaque.
1) O Dom de línguas cessou com a era apostólica – Sendo o Dom línguas um sinal, como
os milagres e cura, ela atendeu a um propósito no tempo, o de confirmar a Palavra dada
por Jesus e os apóstolos.
2) O Dom de línguas atendeu ao propósito judicial – Israel foi julgado ao recusar ouvir e
crer quando Deus falou a eles em linguagem clara. As línguas foram dadas como um
sinal aos judeus incrédulos, para julgamento (I Co. 14:21; cf. Is. 28:11,12). Com a
destruição do Templo de Jerusalém, as línguas perderam seu sentido de demonstrar a
saída de Deus do meio de Israel para o mundo.
4) As línguas cessaram por Ter sido completado o Novo Testamento – Quando a perfeita
revelação de Deus foi completada, não era mais preciso o Dom de línguas para confirmar
autoridade.
5) O Dom de línguas cessou porque seu uso foi mencionado somente nos primeiros livros
do Novo Testamento – A maioria dos livros do N.T. não mencionam o Dom de línguas.
58
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians, pg. 358-360.
34
Devemos observar que toda esta argumentação cessacionista está baseada em uma
diferença de verbos. Mas, teria Paulo esta intenção realmente de mostrar que o Dom de
línguas cessariam antes dos demais? Foram pontos muito bem trabalhados no contexto
histórico, mas muito duvidoso na questão exegética. Devemos considerar e asseverar que o
uso de dois verbos por Paulo neste verso 8 é simplesmente uma questão estilística. Paulo
começa o capítulo 13 falando sobre os vários dons existentes (1-3). De forma poética, Paulo
vai afunilando os dons, terminando o capítulo com o amor. Se os cessacionistas querem
defender a tese da cessação do Dom de línguas, que façam, mas não neste texto.
35
não aparece o Dom de línguas neste verso? Para muitos, a ausência do Dom de línguas nesta
parte do texto é a confirmação de sua cessação anterior aos demais dons (como já foi
analisado). Mas cremos que esta interpretação é um pouco forçada. A forma estilística de
Paulo mais uma vez é apresentada aqui. O que Paulo está apresentando é simplesmente um
resumo, ou uma representabilidade, de todos os dons em conhecimento e profecia. Eles
representam todos os outros dons, que “serão aniquilados”, na vinda do “perfeito”, porque
naquele tempo nenhum Dom terá mais razão de existir. A omissão de línguas nesta oração
não possui nenhuma intenção especial da parte do autor59.
é contraposto a num sentido de imperfeição. Agora, devemos
tomar muito cuidado para não cairmos em um erro gravíssimo: O de dizer que os dons
espirituais são imperfeitos em si mesmos. Na verdade, o significado de “em parte
profetizamos...” não é assim tão claro60. Os dons de Deus são completos, mas aqueles para
quem Deus os deu são limitados 61. Paulo, de forma retórica, inclui a si mesmo, no “nós”
subentendido dos verbos. Até mesmo os apóstolos sabiam “em parte”. O que Paulo tenta
mostrar para seus leitores é o que ele diz no cap. 8:2: “Se alguém supõe que sabe alguma
coisa, ele ainda não sabe como deveria saber”. O que Paulo mostra é um homem imperfeito
querendo abarcar em si algo muito maior do que ele.
Calvino nos diz que uma grande maioria das pessoas explicam este versículo de forma
errônea, ou seja: que nosso conhecimento não é ainda perfeito, senão que diariamente estamos
fazendo progresso nele; e que o mesmo se aplica à profecia 62. Mas a intenção de Paulo é
mostrar que o fato de recebermos conhecimento e profecia é precisamente uma prova de que
somos imperfeitos. Portanto, “em parte” significa que não fomos ainda aperfeiçoados.
Conhecimento e profecia terão lugar em nossas vidas enquanto a imperfeição fizer parte de
nossa existência terrena, pois eles nos assessoram até que a plenitude atinja o homem
(perfeito)63. Os coríntios se jactavam de seu “conhecimento”, mas eles não sabiam que esse
Dom lhes era dado exatamente pelas suas imperfeições.
59
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 226.
60
Provavelmente significa que Deus não revela tudo, de sorte que profeta, não menos que o sábio, dá apenas um
vislumbre parcial da verdade. (MORRIS, Leon, I Coríntios, introdução e comentário, pg. 150).
61
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians, pg. 363.
62
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 402.
63
IBDEM, OP. CIT.
36
Primeiramente, os dons são imperfeitos pela sua parcialidade revelacional de Deus.
Não que eles omitam parte da revelação, mas que nossa mente não consegue abarcar a
totalidade de Deus. É o que Zofar perguntou a Jó: “Você pode conhecer os abismos de Deus?
Você pode conhecer os limites do Todo Poderoso? Eles são altos como os céus, o que você
pode fazer? Mais profundos que o inferno, o que você pode saber? Suas medidas são mais
largas do que a terra, e mais largos do que o mar”(Jó 11:7-9). Deus nos conhece
perfeitamente, mas nós só o conhecemos imperfeitamente 64. Paulo, em um “êxtase” literário,
nos apresenta a glória do Senhor: ”Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus
caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? (Rm.
11:33,34). E tantos outros textos tentam exprimir a inabarcável ciência do Senhor (Sl. 139:1-
6; Cl. 2:2,3; I Jo. 5:20; II Pe. 1:3, etc). Seria impossível a mente depravada do homem abarcar
o conhecimento total de Deus, nem profetizar tudo sobre Sua pessoa. Cabe aqui a ilustração
de Platão acerca da caverna, onde o homem possui uma visão parcial do todo65.
Em segundo lugar, os dons espirituais são imperfeitos pela sua limitação no tempo.
Eles serão extintos com a chegada do “perfeito”. Os dons são de caráter temporário. Os
benefícios oriundos dos dons só serão eficazes enquanto estivermos nos movendo para o alvo,
para o 66Com a chegada do “perfeito”, não haverá mais necessidade de
conhecimento, profecia ou interpretação, ensinadores, não se terá mais necessidade de Bíblia.
O que Paulo tenta mostrar é que os dons espirituais, pelos quais os coríntios brigavam em
alcançá-los terão fim, acabarão, mas o amor não (v.8).
64
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians, pg. 337.
65
Platão imaginou homens no interior de uma caverna, sentados de costas para uma fogueira. Entre eles e a
fogueira tinham sido postos vários objetos que havia na superfície da terra. Mas aqueles homens jamais tinham
visto a superfície, e nem as imitações das coisas que aqui existiam. Tudo quanto conheciam era as sombras das
imitações projetadas pela luz da fogueira, na outra extremidade da caverna. Naquela lamentável condição, eles
imaginavam que aquelas sombras, as sombras projetadas pelas imagens, eram as próprias imagens, eram as
próprias realidades da vida. O que aconteceria, indagou Platão, se um daqueles homens da caverna pudesse subir
à superfície e contemplar a realidade; e em seguida voltasse a seus companheiros, contando-lhes o que vira? Os
outros poderiam até matá-lo, porquanto ele se tornaria uma afronta para o “conhecimento” aceito entre eles
( CHAMPLIN, Russell Nornam, O Novo Testamento interpretado, Vol. II, pg.210).
66
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 402.
37
Assim como Paulo faz uma análise antitética no verso 8, agora, nos versos 9 e 10 ele
novamente apresenta uma antítese entre a temporariedade do imperfeito, e a chegada do
Perfeito. Paulo aqui, nos fala quando da chegada do Perfeito, que fará o
desaparecer. Note que o verbo é o mesmo , usado por Paulo no verso 8. Com a
chegada do perfeito, todo estado de imperfeição será aniquilado totalmente. Agora, o verso 10
nos apresenta uma grande incógnita, que até os dias de hoje é discutida por vários teólogos do
mundo todo. Após o verbo , que está no subjuntivo aoristo, nos aparece o adjetivo
pronominal , seguido de um artigo neutro (). A grande questão exegética é, o que
significa esse de Paulo? A quem, ou ao quê, Paulo se refere aqui no verso 10?
Queremos apresentar algumas possibilidades, sustentadas por vários teólogos.
38
considerar esta interpretação também perigosa, pois ela assegura que a igreja, ou o homem em
si, pode alcançar uma certa perfeição aqui na terra. Analisando o livro de Walter J. Chantry,
ele assegura que os dons cessaram, e que este “perfeito” se refere ao estado do homem
amadurecido. Baseando-se em um outra interpretação para , ele diz que se refere ao
homem idôneo. E diz mais: “Perfeito... refere-se ao homem cabalmente preparado para a vida
neste mundo – o homem que se desenvolveu plenamente”69. Isso chega a ser uma heresia.
Uma terceira interpretação para é que a mesma se refere ao próprio Cristo.
Quando Cristo voltasse, então os dons não mais seriam necessários. O grande problema que
encontramos nesta hipótese é que é precedido de um artigo neutro (), e não um
artigo masculino (). Por isso, de forma alguma, pode-se referir a Cristo, pessoalmente.
A que se refere, então, Paulo ao falar de Com toda a certeza Paulo está se
referindo à “parousia”70. É o estado esterno escatológico do Senhor Jesus. Não se refere
diretamente ao Cristo, mas ao estabelecimento do seu reino eterno. Quando se chegar à
consumação, tudo que é parcial será eliminado71. Para Calvino, Paulo ao colocar a mesma
forma anterior para expressar-se – pôr perfeição em contraste com o que é parcial – ele está
dizendo: “Quando a perfeição chegar, tudo quanto nos auxiliou em nossas imperfeições será
abolido”72.
Tanto para Calvino quanto para MacArthur Jr., este estado de perfeição começa na
morte, quando o ser humano é despido de suas inúmeras fraquezas, mas que culmina no
grande dia do Senhor73. O que podemos asseverar com certeza, é que, com o estado de
perfeição estabelecido, o que é em parte () será desnecessário; com a chegada do
perfeito, o imperfeito desaparecerá.
Nesta parte da exegese, Paulo nos traz duas comparações daquilo que ele estava
falando anteriormente, nos versos 9 e 10. O verso 11 nos apresenta a comparação de criança e
69
CHANTRY, Walter J., Sinais dos apóstolos, Ed. PES, São Paulo, S.P., 1996, pg. 54.
70
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 226.
71
MORRIS, Leon, I Coríntios, pg. 150.
72
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 403.
73
MACARTHUR, John F., The New Testament comentary I Corinthians, pg. 366.
39
adulto, novamente fazendo uma antítese. O verso 12 não se torna diferente, usando a
comparação do espelho e “face a face”. Estes dois versos podem ser vistos com os seguintes
polos: criança e adulto; “agora” e “então”; ver mediante o espelho, de modo obscuro, e ver
face a face. Perceba que, uma boa definição de é que vai reger o resto da
argumentação da nossa passagem. Tendo uma correta interpretação do “perfeito”, podemos
perceber que o texto se abre como um leque para nós, nos mostrando duas realidades, uma
presente e outra escatológica.
Com a chegada do perfeito, e nós cremos que será a consumação de tudo, Paulo ilustra
no verso 11 dois tempos, o presente e o futuro. Em suas vidas humanas, todos os cristãos são
crianças comparadas com o que eles serão quando eles forem perfeitos no céu74. O uso
retórico de Paulo novamente se faz perceber aqui, quando ele muda para a primeira pessoa do
singular. Alguns teólogos nos chegam a afirmar que tal comparação era corrente na filosofia
popular da época75. Mas como já analisamos anteriormente na Lexicografia, cremos que Paulo
estava se referindo ao seu presente estado espiritual à sua infância, até seu “bar mitzvah”
(filho da Lei)76. Enquanto estamos aqui neste mundo, somos como crianças, com suas
dependências variadas e limitações claras. Enquanto estamos criança, precisamos dos dons
espirituais para nos ajudarem em nossas debilidades e imperfeições. Podemos fazer um
paralelo entre “criança” e “”, pois ambos falam da mesma coisa, de uma limitação.
Somente quando chegarmos a ser “homem”, é que teremos a maturidade perfeita em Cristo.
Paulo diz que quando se chega a esta idade adulta, as coisas de criança desaparecem.
Paulo ilustra três atitudes que uma criança faria, como criança. O primeiro aspecto de
criança é de “falar” () como menino. Paulo nos mostra que enquanto estamos neste
mundo, nosso falar não passa de meras conjecturas infantis e não muito lógicas. Será que ele
está ironizando os argumentos filosóficos dos supostos “mestres” de Corinto? O segundo
aspecto é “pensar” (). não é nenhum pensamento meramente teórico, mas
inclui também julgamento77. Não se trata de sentimento, emoção, como nossa versão
74
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians, pg. 366.
75
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo II, pg. 336.
76
Ver Lexicografia, sobre “menino”.
77
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 226.
40
interpreta, mas está intimamente relacionado com o intelecto 78. Nosso julgamento das coisas,
por mais elevado que seja, ainda é algo imaturo e infantil e não completo; era isso que Paulo
queria mostrar para seus soberbos leitores. O terceiro aspecto de menino que Paulo mostra é
“pensar”. é um prolongamento da palavra anterior, e dá idéia de argumentação,
“raciocinar sobre”. Muitos comentaristas fazem uma relação de com a mesma
palavra do verso 5, que dá a idéia de “imputar” 79. Para Cozelman, este verbo não possui a
mesma idéia neste verso 11, mas simplesmente julgamento (ver Fp. 4:8)80.
Contrastando à idade infantil, Paulo, na Segunda parte do verso 11 nos mostra que a
idade adulta (homem), aboli todas estas atitudes de criança: “quando cheguei a ser homem
desisti das coisas de menino”. O que nos chama a atenção aqui é novamente o uso de
. Por um lado vemos um Paulo fazendo um uso abrangente de verbos (v.8), mas
por outro lado, vemos um Paulo enfatizando o uso de um único verbo 4 vezes em um único
parágrafo. O que Paulo quer enfatizar é que as coisas infantis não passaram com o tempo. A
escolha do mesmo verbo determina um total aniquilamento das coisas infantis, com a chegada
do perfeito. se encontra no tempo verbal perfeito, mostrando um abandono
definitivo e final81. Enquanto estamos nesta era presente, somos considerados como meninos,
imaturos e limitados. Mas quando o perfeito vier, seremos homens, espiritualmente maduros,
e não necessitaremos mais dos dons espirituais.
Relacionado ainda a era presente e escatológica, Paulo faz uma Segunda comparação,
em que enquanto estamos aqui vemos obscuramente, como por um espelho. Mas com a
chegada do estado de perfeição, veremos “face a face”.
“Agora” e “então” dão-nos a divisão temporal presente-futuro do versículo 12. A
ilustração que Paulo usa aqui é a de um espelho. Enquanto estamos neste mundo, estamos
vendo a verdade como por um espelho, enigmaticamente. Pelo contexto de “espelho” daquele
tempo, nós vemos indistintamente82.
78
MORRIS, Leon, I Coríntios, pg. 150.
79
Ver Leon Morris, I Coríntios, pg. 150.
80
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 226.
81
MORRIS, Leon, I Coríntios, pg. 151.
82
Ver Background, sobre “espelho”.
41
Uma grande questão que temos é o variado uso simbólico de “espelho” na literatura
grega. Na literatura grega, o espelho simbolizava: a- Claridade; b- ego, conhecimento. Para
Stoa, o mundo é o espelho da deidade, enquanto na versão platônica as coisas inanimadas são
considerando que coisas animadas são um espelho claro delas; c- visão
indiretamente83. Na luz de Porfírio, Reitzenstein oferecia a interpretação que o espelho é o
, “Espírito”. Mas podemos perceber em todas estas interpretações uma forte
influência pré-gnostica, entre um mundo material e imaterial.
Para Filo, o conhecimento de Deus pelo , está defeituoso; não provê nenhum
quadro claro. A visão cheia de Deus só é atingida no “caminho real”, quando o humano
é expelido pelo divino84. Paulo, ao contrário de Filo, não está pensando em questões
místicas, mas em questões escatológicas. Isto se relaciona com o contexto da passagem. Até
mesmo os carismáticos não atingem a visão cheia de Deus neste mundo (II Co. 3:18). Calvino
vê este “espelho” como o “ministério da Palavra”. Nós vemos ao Senhor neste mundo através
da ministração da Palavra, dos Sacramentos e através de todo ministério da Igreja (Rm. 1:20;
II Co. 5:6,7; Hb. 11:3)85. Logo, a imagem do “espelho” nos dá uma visão não distorcida, mas
limitada e parcial, como a Palavra. Mas, podemos ir mais além deste pensamento, e dizer que
os dons espirituais também estão inclusos neste “” (12b).
Ao contrário desta era presente, a era futura nos garante ver “face a face”. Podemos
relacionar este “face a face” à maturidade, do verso 11, pois ambos falam da era escatológica.
Não podemos deixar de ver neste verso uma correlação com o Velho
Testamento. Muitos vêem uma relação com Jacó, em Peniel: “Vi a Deus face a face, e a
minha alma foi salva” (Gn. 32:30)86. Outros, que é uma maioria, apontam para Moisés, em
que este falava com Senhor claramente: “Boca a boca falo com ele, claramente, e não por
enigmas; pois ele vê a forma do Senhor...”. Note que relação que há entre este verso e o nosso
verso 12. É claro que Moisés viu ao Senhor teofanicamente, e não poderia vê-lo diretamente e
viver (cf. Ex. 33:20). “Claramente”, em Nm., pode ser apontado como “espelho”
(). É somente no estado de perfeição que poderemos ver o perfeito. Podemos ver
isso em Mt. 5:8: “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus”.
A Segunda parte do verso 12 nos mostra outra seção “agora-então”. Paulo se refere ao
conhecimento, que é parcial nesta vida, mas completo no futuro. O termo usado para “então”,
é o advérbio temporal , que tem o significado básico de “naquele tempo”, referindo-se
83
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 227.
84
IBDEM, pg. 228.
85
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 404.
86
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 228.
42
logicamente ao último dia87. O que nos chama a atenção aqui é o uso variado que Paulo faz de
“conheço”. Paulo diz: “Agora conheço em parte...”. O verbo usado aqui é . O
conhecimento é “em parte”. Mas na Segunda vez em que ele emprega o verbo, este está na
forma composta , ou seja, . O passivo de
(fui conhecido), contém a idéia que elege graça88. Lendo 8:3: “Mas se alguém
ama a Deus esse é conhecido por ele”. O verbo composto nos dá a idéia de conhecimento
pleno e completo. Não é algo progressivo, mas total e definitivo. Somente com a chegado do
perfeito é que teremos esta capacidade, pois a mesma expressa a graça eletiva de Deus aos
seus escolhidos. Os dons espirituais nunca mostrariam tudo de Deus, mas Deus conhece tudo
do homem.
87
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 405.
88
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 228.
43
caráter teológico que permeia várias passagens do Novo Testamento. Mas, de onde Paulo
tirou esse pensamento?
Para Reitzenstein, Paulo derivou a tríade de uma fórmula quádrupla da qual ele acha
rastros em Porfírio, Marc. 24:
“Quatro princípios são acima de tudo, a ser apoiado relativo a Deus: fé, verdade, amor,
esperança”89. Para ele, Paulo cristianizou a fórmula pondo no lugar de , e
removeu o elemento gnostico. Isso se encaixaria no contexto admiravelmente. Mas,
encontramos várias dificuldades nesta argumentação: a- A fórmula é mais velha que o
contexto ( já está em Tessalonissenses); b- A evidência gnostica chega recente e em parte
claramente secundária; c- Paulo já achou no judaísmo os começos de construções de tríades
deste tipo; d- Nos próprios escritos de Paulo achamos combinações soltas que podem ser
consideradas como frases preliminares, isto é, combinações de e
Ainda Paulo já pode ter achado a fórmula na comunidade helenística, mas são conjecturas
infundadas90. A verdade é que a expressão atrai o conhecimento pressuposto
da fórmula pelos leitores (cf. Pv. 30:10,21,24,29; estilo de narração: I Tm. 6:11; II Tm. 3:10;
Ef. 1:3ss, 15-18; Cl. 1:4ss; Hb. 10:22-24)91.
Paulo chega no final do capítulo 13 mostrando esta tríade fé-esperança-amor, com o
amor sendo o maior dos três. Paulo faz questão de colocá-los nominalmente, colocando-os à
parte, isolados de tudo mais. Estes são preeminentes e nada pode ombrear com eles 92. Esta
tríade particularmente, em várias partes da Bíblia se encontra e estão interligadas, como em
Rm. 5:2-5; Gl. 5:5-6; Cl. 1:4,5; I Ts. 1:3; 5:8; Hb. 6:10-12; I Pe. 1:21,22. Transparece que era
uma prática aceita na igreja primitiva pensar nestes três juntos93.
Antes de darmos prosseguimento ao assunto devemos tentar entender um ponto
controvertido no início deste versículo 13, para termos uma posição acerca de “quando” Paulo
está relacionando fé-esperança-amor. Trata-se da partícula (agora) e do verbo
(fica, permanece). Eis as possíveis interpretações:
a- Em primeiro lugar, e devem ser levados em um sentido lógico ou temporal?
Para muitos, o verbo teria um sentido temporal, ou seja, escatológico, da
permanência na eternidade de fé-esperança-amor. A seu favor concorre o provável
89
IBDEM, pg. 229.
90
IBDEM, OP. CIT.
91
IBDEM, pg. 230.
92
MORRIS, Leon, I Coríntios, pg. 152.
93
IBDEM, OP. CIT.
44
paralelismo com 3 Esdras 4:38: “A verdade fica e vale para sempre” 94; e combinaria
facilmente no contexto polêmico da abolição dos outros dons espirituais 95. A dificuldade
vem quando vemos a construção do capítulo 13, que mostra que o amor fica só (v.13b); e
mais, em outras passagens Paulo denuncia expressamente a finitude da fé, contraposta à
visão ( II Co. 5:7), a transitoriedade da esperança, que é a expectativa de posse dos bens
salvíficos futuros (Rm. 8:24,25)96.
b- Uma Segunda proposta explicativa é a de que e sejam analisados em sentido
lógico, significando “agora permaneça válido”, ou “agora como as coisas estão”, “agora,
em conclusão”97. Esta solução facilitaria a compreensão do texto, mas por outro lado,
poderia comprometer o contexto, que fala da permanência do amor na eternidade.
c- Uma terceira hipótese de interpretar o versículo é dar a um sentido cronológico.
Ficaria assim: No nosso tempo ( - cronológico) está presente () a realidade
última da salvação.
d- A Quarta possível solução para seria a de vermos este advérbio numa perspectiva da
“escatologia inaugurada”. Paulo fala no verso 13 que o amor será eterno, mas este amor já
começa a ser eterno na morte de Cristo. Cristo inaugura esta nova era de “já e ainda não”,
e traz esta significação para a passagem. Paulo, então, estimula seus leitores a
buscarem o amor, que já permanece eterno.
Realmente fica difícil dar uma posição definida para a interpretação de e .
Mas cremos que a opção “b”, que fala num sentido lógico é a mais provável. Com relação ao
contexto, podemos ligar este verso claramente ao verso 8: “”. Ao
usar para uma conclusão do assunto (cap. 13), não significa que está excluindo a
eternidade do amor, pois o próprio final do verso 13 tratará de assegurar isto. Não queremos,
com isso, descartar a possibilidade de possa pertencer a uma “escatologia inaugurada”,
como na Quarta opção. Segundo Calvino, significa que esta é a soma que resta, depois
de tudo ter sido deduzido, como quando uma contabilidade é feita num livro contábil98.
94
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo II, pg. 337.
95
CONZELMANN, I Corinthians, pg. 230.
96
BARBAGLIO, Giuseppe, As cartas de Paulo II, pg. 337.
97
MORRIS, Leon, I Coríntios, pg. 152.
98
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 406.
45
Depois de ter apresentado, no verso 13, a tríade fé-esperança-amor, Paulo finaliza o
versículo e o capítulo mostrando a superioridade do amor sobre todas as coisas. Os dons, além
de limitados, cessariam com a chegada do “perfeito”. A fé, a esperança e o amor eram as
virtudes principais, e mais altas que os dons, pois elas sintetizam todos os dons espirituais 99.
Mas Paulo finaliza dizendo que a maior destas virtudes é o amor. É usado aqui um adjetivo
comparativo () para destacar o amor; pode ser comparado a , maior. O
comparativo é usado aqui para expressar o superlativo “o maior” 100. Em que sentido o amor é
superior a fé e esperança?
Em primeiro lugar, podemos dizer que o amor é superior em sua essência. Fé é um dos
temas dominantes de Paulo (Gl. 2:20); aqui fé deve ser associado, não a um Dom, mas a uma
virtude soteriológica. Para Calvino, Fé e seus frutos, em muitas ocasiões são superiores até
mesmo ao amor. Ele vê I Ts. 1:3, como o amor sendo produto da fé; “e o efeito é sem dúvida
inferior à sua causa”101. Ele também vê um notável tributo pago à fé, e que não se faz ao amor,
quando João diz que a fé é a nossa vitória que vence o mundo (I Jo. 5:4); e é através da fé que
nascemos de novo, nos tornamos filhos de Deus, obtemos a vida eterna e Cristo habita em
nós102. Mas não podemos deixar de notar que, antes desta produção de fé em nossos corações,
existe um amor que é aplicado ao ser humano para que este creia. Por esperança podemos
entender em aspecto escatológico. Esta é produto da fé. Quando lemos Hb. 11:1, percebemos
a interligação entre ambas: “Ora, a fé é a certeza de cousas que se esperam, a convicção de
fatos que se não vêem”. O cristianismo trouxe uma viva esperança para um povo que não
tinha perspectiva de futuro; era um povo sofrido, miserável e desprezado. Não se deve
entender esperança nesta passagem, como a vemos em nossos dias. Hoje, esperança significa
possibilidade, dúvida. Mas, na igreja primitiva esperança era “certeza da espera”.
Se fé e esperança são tão importantes, como o amor é maior que elas em essência? Na
verdade, fé e esperança estão envolvidos pelo amor, que “crê em todas as coisas” e “espera
em todas as coisas” (v. 7). O amor é maior do que elas porque é inerentemente grande por ser
o mais parecido com Deus. Deus não é fé ou esperança, mas “Deus é amor” ( I Jo. 4:8) 103. O
amor também é superior em essência devido à sua utilidade superior. O amor é finalmente
altruísta, e não egoísta. Até mesmo a fé e a esperança podem assumir formas egoístas,
embora não devam ser assim; mas o amor jamais pode assumir tal deturpação egoística,
99
IBDEM, pg. 405.
100
RIENECKER, Fritz, e ROGERS, Cleon, Chave lingüística do Novo Testamento Grego, pg. 320.
101
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 406.
102
IBDEM, OP. CIT.
103
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians, pg. 367.
46
porque o amor é a essência mesma do altruísmo ( Jo. 3:16). Nas palavras de De Wett: “...o
amor contém em si mesmo a raiz das duas outras virtudes: cremos em alguém a quem
amamos, e esperamos somente naquilo que amamos”.104 Para os coríntios, seus dons nunca
poderiam ser altruístas, pois o egoísmo reinava em seus corações. Eles tinham tudo, menos
amor.
Em segundo lugar, o amor é superior a fé e esperança em extensão. Com toda certeza,
na glória eterna não haverá necessidade de fé e esperança. Há comentaristas que advogam que
a fé e a esperança nos acompanharão mesmo após ter chegado o estado de perfeição. Segundo
estes intérpretes, a fé e a esperança são características intrínsecas no ser humano, e não se
findará com a chegada do perfeito105. Mas, com certeza, esta interpretação distorce todo o
sentido do contexto da nossa passagem. A fé e esperança são os acompanhantes de nosso
estado imperfeito, porém o amor persistirá mesmo nas condições de perfeição 106. Com a
chegada do Senhor Jesus e o estado de perfeição, não precisaremos de crer naquilo que não
vemos (Hb.11:1), pois o veremos “face a face” (v. 12). Perceba que em II Co. 5:7 se lê: “visto
que andamos por fé, e não pelo que vemos”. Veja que fé não terá sentido na glória eterna 107.
Não precisarei esperar mais, pois o esperado já chegou (o perfeito [v.10]). Lendo Rom.
8:24,25: “Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o
que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o
aguardamos”. Fé e esperança não terão propósito no céu, pois toda a verdade será conhecida e
tudo de bom será possuído. Podemos ver aqui um paralelo entre a era escatológica ( o que se
vê), e a era presente ( o que não se vê) 108. O amor, pois, se torna superior a todas as coisas,
exatamente pela sua eternidade. Foi por amor que tudo começou, e é por amor que tudo será
por toda eternidade. O amor é a ligação que Deus nos dá com seu eterno Ser, com sua eterna
Essência. Paulo tenta mostrar isso para seus leitores, e o capítulo 14 de certa forma continua
neste mesmo prisma. O amor é que deve ser o motivador de todas as coisas. O bem a outrem,
e não a si mesmo, que deve levar os coríntios a buscar o caminho sobremodo excelente: o
amor.
104
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. II, pg. 213.
105
GROSHEIDE, F. W., The first Epistole to the Corinthians, Grand Rapids, Michigan, pgs. 312, 313.
106
CALVINO, João, I Coríntios, pg. 406.
107
GAFIN JR., Richard B., Perspective on Pentecost, pg. 112.
108
IBDEM, OP. CIT.
47
VII – CONCLUSÃO
Com toda certeza, analisar I Coríntios 13:8-13 foi uma verdadeira viagem
interpretativa. Reconhecemos que não foi fácil, e nunca o será, buscar seriedade no estudo da
Palavra de Deus. Mas a recompensa que ganhamos é exatamente a certeza de um trabalho
bem feito.
Cremos não ter solucionado todos os problemas de I Coríntios 13:8-13, mas buscamos
a melhor interpretação destes versículos, baseado não somente neles mesmos, mas em toda a
Bíblia. O capítulo 13, em si mesmo, é uma exaltação ao amor. Tal virtude é
inigualavelmente superior aos dons espirituais, e é exatamente isso que Paulo tenta mostrar
para seus irmãos coríntios. Suas mentes estavam tão interessadas em serem superiores entre
si, que o amor foi totalmente negligenciado. Os dons, que eram para ser um fator de unidade,
estava sendo um fator de desligamento e desunião. O corpo bem ajustado, do cap. 12, não
existia em Corinto.
48
Em face de tal situação, Paulo descreve com extrema inspiração a eternidade do amor
em contraste com a limitação e finitude dos tão almejados dons espirituais. Eles
desapareceriam, o amor não. O amor seria eterno (), mas os dons acabariam
(e ). Uma das grandes questões que nos envolvemos foi exatamente quando
os dons espirituais desapareceriam? Pudemos descobrir que tais dons seriam dispensáveis
com a chegada do “perfeito”. O estado de perfeição, a Segunda vinda do Senhor Jesus,
estabeleceria o estado de perfeição. E os dons, que nos ajudavam em nossas imperfeições
cessariam. Os dons nos dão apenas uma visão parcial e limitada da realidade eterna, e isto foi
analisado por Paulo nos versos 11,12. O amor é a essência eterna, que perdurará mesmo
depois da chegada do perfeito. Não precisaremos de revelações parciais, nem de profecias
parciais, porque estaremos diante da própria verdade, mas o amor sempre será a virtude
eterna, que nos fará ligados com o Senhor na eternidade. Foi por amor que tudo foi
estabelecido, e é por amor que tudo continuará.
Muitos intérpretes ainda levantam questões com relação ao fim dos dons. Não se pode
asseverar que os dons cessaram no primeiro século, e já analisamos isto; mas também não se
pode asseverar que os dons só cessarão no último dia.
Cremos que o caráter inspirativo dos dons cessaram. Mas, partindo do pressuposto de
que os dons são necessários por causa de nossa imperfeição, podemos dizer que a igreja
precisará de tais dons até o momento em que ela for imperfeita, ou seja, até a volta de nosso
Senhor Jesus Cristo, no último dia. A distribuição de tais dons não cabe a nós, mas ao Espírito
Santo, e isto como lhe apraz.
49
VIII – BIBLIOGRAFIA
ALAND, Kurt, The greek New Testament, United Bible Societies, 1985, Federal Republic
of Germany.
GINGRICH, F. Wilbur e DANKER, Frederick W., Léxico do N.T., Ed. Vida Nova, São
Paulo, S.P., 1993.
RINECKER, Fritz e ROGERS Cleon, Chave lingüística do Novo Testamento Grego, Ed.
Vida Nova, São Paulo, S.P., 1995.
FRIBERG, Barbara e FRIBERG, Timothy, O Novo Testamento grego Analítico, Ed. Vida
Nova, São Paulo, S.P., 1987.
DEMHAM , James Richard, Concordância Fiel do Novo Testamento, Ed. Fiel, São José
dos Campos, S.P., 1994.
50
CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento interpretado, Vol. II, Ed. A Voz
Bíblica, Guaratinguetá, S.P., s/d.
GUNDRY, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Ed. Vida Nova São Paulo, S.P.,
1991.
PRIOR, David, A mensagem de I Coríntios, Ed. ABU, São Paulo, S.P., 1993.
MACARTHUR, John F., The New Testament Comentary I Corinthians Printed in the
United States of América, 1984.
BONNET, L. e SCHROEDER A, Comentário del Nuevo Testamento, Vol. III, Ed. Casa
Bautista de Publicaciones, 1971.
MORRIS, Leon, I Coríntios, introdução e comentário, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P.,
1992.
KÜMMEL, Werner Georg, Introdução ao Novo Testamento, Ed. Paulinas, São Paulo, S.P.,
1982.
TENNEY, Merril C., O Novo Testamento, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P., 1995.
CARSON, D. A, MOO, Douglas J., MORRIS, Leon, Introdução do Novo Testamento, Ed.
Vida Nova, São Paulo, S.P., 1997.
CARSON, D.A, A Exegese e suas falácias, Ed. Vida Nova, São Paulo, S.P., 1992.
CHANTRY, Walter J., Sinais dos Apóstolos, Ed. PES, São Paulo, S.P., 1996.
51
GROSHEIDE, F. W., The New International Commentary on the New Testament – the
First Epistole to the Corinthians, Grand Rapids, Michigan, s/d.
GAFFIN JR., Richard B., Perspective on Pentecost, Presbiterian and Reformed, Publish
Company, New Jercey, 1978.
52