Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Resumo crítico – Disciplina de Eclesiologia, ministrada pelo Prof. Dr. Pe. Francisco Evaristo Marcos.
LOHFINK, Gerhard. Deus precisa da Igreja? Teologia do povo de Deus. SP: Loyola, 2008, pp.68- 211.
2
Aluno do Curso de Bacharelado em Teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza (FCF), 2024.2.
Ora, somente na unidade as testemunhas de Jesus são capazes de vencer o lado ainda
obscuro do mundo.
Já nos primórdios a tradição bíblica aponta que nem os laços sanguíneos, nem os
laços do parentesco natural sustentaram a existência do povo de Deus. O novo protótipo
de sociedade fundamenta-se numa experiência comum e compartilhada que é a ação
libertadora de Deus para garantir ao povo um futuro. Assim, Israel é fruto da escolha
divina e da confiança do povo na promessa feita aos antepassados. Ele existe só e
somente em relação à livre escolha de Deus. Em último lugar estaria, portanto, a origem
da linhagem israelita na ideia de um automatismo sequencial das gerações.
Daí que o êxodo seja relembrado anualmente por todo o povo de Israel,
transformando-se em memória permanente para todas as gerações; protótipo no qual
está contida também a experiência de Israel com a falta de sua liberdade. Vivendo sob o
jugo do Faraó, eram obrigados a aceitar que toda a salvação viria do Estado, ou seja,
eram orientados à prática de uma religiosidade mediada não pelo contato com YHWH,
mas atravessada pela figura “divina” do Faraó.
Mesmo com o grupo de Moisés fugindo desse sistema, o êxodo reflete também
as experiências feitas por Israel no Egito e que se tornam crítica contra seu próprio
Estado, já que trai os antigos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da aliança das
tribos, e arroga-se um poder quase que celeste. Por outro lado, a solução dada por Deus
é diferente: ele leva o povo para fora, para longe do Egito, a fim de conceder-lhe uma
nova terra e para além disso, para dar-lhe um novo projeto de sociedade.
Para Israel, a presença de YHWH está inseparavelmente ligada à Torá. Por meio
dos mandamentos, Ele se faz presente no meio do povo salvando-o e resgatando-o das
situações injustas. Na Torá Israel observa, aprende aquilo que deve realizar: ser, para a
honra de YHWHY no mundo, uma sociedade justa. Significa, em outras palavras, dar
forma à realidade terrestre, tornando-a uma comunidade de fé na qual floresce uma
mútua responsabilidade de uns pelos outros. Além do coração do homem, as suas
condições de vida e as estruturas sociais em que se acha mergulhado também precisam
ser santas (justas). Isso refletirá um Estado adequado à vontade de YHWH, sob seu total
domínio.
Quando se procura por uma forma à tal sociedade que convém a YHWH, surgem
alguns traços auto definidores e que terminam por ajudar no questionamento sobre suas
características indispensáveis. Pergunta deveras importante, pois a ordem social querida
por Deus está inserida na concretude da história para tornar visível como deve ser o
mundo segundo a vontade de Deus. Daí que a fé ganhe uma dimensão marcadamente
social, no sentido de ser-para-o-mundo.
Primeiro traço: o povo de Deus como uma sociedade de tribos. Nos primórdios,
Israel organizava-se em uma sociedade de tribos totalmente diversa da estrutura estatal.
Na verdade, mais parecia um modelo oposto à organização monárquica das
cidades-estados cananéias. Os israelitas não queriam viver à semelhança do povo de
Canaã ou dos egípcios. Colocando-se sem temor a serviço de YHWH, em constante e
mútua solidariedade uns para com os outros, tem origem o povo de Deus. Suas marcas
principais são, então, a voluntariedade e a igualdade.
Segundo traço: o povo de Deus como Estado. Com Davi, Israel inaugura a
experiência de um estado próprio. Independente das tribos, Davi cria uma base de
poder, uma tropa, um sistema tributário e um aparato capazes de fazer emergir um
governo central fincado na realeza sagrada. Apesar das muitas condições de injustiça
geradas quando do período dos Reis, a fase em que o povo de Deus viveu sob a forma
de Estado gestou a esperança na chegada de um descendente de Davi que fundará uma
sociedade inteira e verdadeiramente justa.
A união das sinagogas representa por si uma parcela grande da esfera pública,
constituindo-se uma entidade social e política. Mesmo agradecendo a existência do
Estado e rezando pelos governantes, a união das sinagogas não mais forma um Estado.
É importante salientar que esse princípio de união das comunidades estabelecido por
Israel passará a ser o princípio através do qual se formará a Igreja primitiva. Nela se
manifestará em plenitude o que virá a ser o povo de Deus, uma verdadeira pátria cuja
salvação é o fermento para a transformação da sociedade humana.