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Resumo;
O teólogo Marciano Vidal propõe que a origem teologal da moral cristã está
baseada na “Imagem de Deus”. Primeiramente, deve-se compreender que esta não é uma
realidade conhecida imediatamente. Antes, descobre-se no desenvolvimento relacional
entre aquele que crê e aquele que é acreditado. Um segundo passo a ser dado é a
compreensão de que a “imagem de Deus” é um dado equívoco e, por diversas vezes, pode
ser apreendido de forma contraditória. As diversas situações existenciais influem
diretamente na captação da imagem de Deus. Analisar-se-á aquelas expressões que Vidal
creditou maior influência na moral cristã e, por fim, à luz do Novo Testamento, preceder-
se-á com uma tentativa de síntese onde possam confluir das diversas expressões da moral
cristã.
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Poder-se-ia, aqui, argumentar que o pedido de Moisés ao faraó era de que o povo deveria ser
libertado para prestar um culto no deserto, conforme as orientações de YHWH. Entretanto, antes do culto,
está informado o pedido essencial “a libertação”. “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e
ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos. E desci para livrá-
lo da mão dos egípcios [...] Vai, eu te envio ao faraó para tirar do Egito os israelitas, meu povo". (Ex 3,7-
10).
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Ex 15,16: “Caíram sobre eles espanto e pavor. Pela força do teu braço ficaram petrificados,
enquanto passa teu povo, ó SENHOR, enquanto passava o povo que adquiriste.”
para que não retorne à uma situação de escravos. A permanência em liberdade será fruto
da escuta obediente da Palavra do Senhor e do cumprimento do seu preceito4.
O primeiro preceito do Deus de Israel é que ele seja único. “Não terás outros
deuses diante de mim” (Ex 20,3). Ao mandamento da unicidade de Deus, soma-se o
mandamento de não confeccionar nenhuma imagem sua (Ex 20,4). Este mandamento
assume importância capital no judaísmo e é fator diferenciador da fé em YHWH dos
demais deuses5.
Deve-se compreender que a confecção de imagens não é uma “simples
proibição” de representação artística. O Deus de Israel não pode ser representado em
imagens porque é um Deus que não se pode manipular. Diferentemente dos ídolos que
estavam à serviço dos interesses específicos (colheita, chuvas, fertilidade) e, por isso eram
manipuláveis. O culto às divindades consistia em “bajular” os deuses para que
concedessem seus favores. O Deus de Israel é quem provê todas as necessidades do seu
povo. Isso não é por causa do culto que lhe prestam, mas porque ele é Deus-providente6.
A tentação de construir um deus que seja imagem do homem sempre esteve
presente junto ao povo de Israel. Ainda na experiência exodal construíram para si um
bezerro de ouro (Ex 32,1). O culto aos Baals dos vizinhos de Canaã (Jz 2,11-13) sempre
foi uma ameaça constante. Contudo, o real problema da idolatria do povo de Israel estava
centrado na falsa religião, que estava centrado no falso culto de IHWH.
Pior do que adorar ao deus que não existe (ídolos), é adorar falsamente o Deus
verdadeiro e transformar o Deus verdadeiro em ídolo. A denúncia profética é uma voz
que se levanta em Israel para conduzir o povo à volta para com a aliança com IHWH. A
fidelidade ou infidelidade a Aliança não pode ser medida pela expressão cultural, antes,
“os profetas de Israel chamaram a atenção para o papel secundário do culto, na relação
com a ética. Deus não se agrada com os sacrifícios e holocaustos, quando a vida do fiel
está em descompasso com o seu querer. Só a correta relação com o próximo, baseada no
direito e na justiça, dispõe o crente para o culto verdadeiro” (VITÓRIO, 2015).
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Lv 18,2-5: “Eu sou o SENHOR, vosso Deus. Não imiteis as práticas da terra do Egito, que
habitastes, nem imiteis as práticas da terra de Canaã, para onde vos conduzo, nem pratiqueis os preceitos
deles. Poreis em prática minhas normas e guardareis meus preceitos, e neles andareis. Eu sou o SENHOR,
vosso Deus. Guardareis meus preceitos e minhas normas: quem os puser em prática, viverá por meio deles.
Eu sou o SENHOR.
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Ex 20,22-23 “O SENHOR disse a Moisés: ‘Fala assim aos israelitas: Vós mesmos vistes o que
eu vos falei lá do céu. Não fareis, ao lado de mim, deuses de prata, nem fareis deuses de ouro para vós.”
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Ex 23,24-25 “Não adorarás nem servirás os deuses deles. Não farás como eles fazem. Ao
contrário, tu os destruirás e derrubarás as suas colunas sagradas. Servireis ao SENHOR, vosso Deus, e ele
abençoará teu pão e tua água. Eu afastarei do teu meio as enfermidades. Não haverá em tua terra mulher
que sofra aborto ou seja estéril. Eu completarei o número de teus dias”.
Assim, o Deus que age libertando o oprimido, só pode ser verdadeiramente
louvado e adorado quando o oprimido é libertado de seus grilhões. Referindo-nos, ao que
já dissemos, “assim como Deus age, o fiel deve agir”. “A piedade demonstrada no culto
deve ser a mesma que se tem com o irmão ou a irmã” (VITÓRIO, 2016. p.79). O profeta
Miqueias o expressa de forma exemplar: “Ele te deu a conhecer, ó homem, o que é bom
e o que o SENHOR procura de ti: Simplesmente praticar o direito, amar a bondade e
caminhar humildemente com o teu Deus” (Mq 6,8).
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Suma Teológica Ia II. Q.1 a.8
e domínio de seus atos, entretanto, esse mesmo homem é imagem de Deus. Deus é
absolutamente necessário para a realização da pessoa humana pois constitui seu fim
ultimo que São Tomás chama de Bem absoluto e supremo.
São Boaventura dá uma nova percepção ao pensamento de Tomás. Com efeito,
também ele crê que o Bem, a Bondade de Deus são a meta do agir humano, entretanto,
diferente de Tomás que pensa a Bondade de Deus em categoria transcendental
aristotélica, Boaventura crê que a Bondade não é um atributo de Deus, mas Deus mesmo.
Além disso, Boaventura crê que é da estrutura ontológica do ser bom o ser difusivo.
Assim, se Deus é bom, é próprio de Deus ser difuso. Seguindo a linha do Pseudo-Dionísio
crê que a difusão do bem se dá através da expansão de si (no mistério da Trindade) e
através do compartilhamento com os outros (a criação como difusão da bondade de Deus).
Assim, em Boaventura, o Bem não é um transcendental, mas um transcendente. A
implicação resultante desse pensamento é que “a moralidade não é outra coisa que a
realização do Bem e este verifica-se através do amor de doação” (VIDAL, p.41). Assim,
uma pessoa moral é uma pessoa que é capaz de compartilhar-se, de “ex-sistir”, de ser-
para-os-outros.
As três imagens de Deus – Justiça, Beleza e Bondade – “estão unidas entre si e
confluem na única realidade do Mistério de Deus” (VIDAL, p.42), entretanto não dizem
a totalidade desse mistério. João Paulo II, na encíclica Veritatis Splendor, também
assinala outras duas imagens que desempenham papel significativo, Deus como realidade
fontal e como Verdade. “Não se pode separar a Verdade do Bem, nem o bem verdadeiro
da Beleza, nem a beleza verdadeira e bondosa do Amor, nem este da Justiça” (VIDAL
p.42), é um só e mesmo Deus quem origina, fundamenta, une e orienta toda a vida moral
cristã.
Por fim, o Novo Testamento desvela-nos uma imagem de Deus que assume em
si todas as categorias anteriores: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16) e, portanto, seu ser e seu agir
consistem em Amar (cf. VIDAL, p.43). Deus é amor em si mesmo, no mistério da
comunhão trinitária. Deus é amor em relação a nós quando se nos comunica em Jesus
Cristo que revela-nos a face amorosa do Pai que consiste no núcleo de sua missão. Deus
é amor porque responde ao anseio último do homem amando-o primeiro e possibilitando-
o amar. Assim sendo, tendo como meta o Deus do Amor, a moral cristã não pode ser nada
diferente do que uma moral do amor (cf. VIDAL, p.44).
Assim sendo, a moral cristã é cristocênctrica porque em Cristo descobre a face
amorosa de Deus. É, justamente por isso, teocêntrica, pois encontra em Deus seu princípio
e orientação. É uma moral do amor pois entende, desde o primeiro mandamento, que o
amor a Deus conduz o homem à realização da vida religiosa e moral.
Bibliografia: