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Como o pano de fundo

influencia na história
No livro de Jonas, e se você é como eu sou, filho de pastor que nasceu
literalmente numa igreja, já ouvimos centenas de vezes palestras e
narrativas sobre Jonas e, em geral, tenho notado que nós crentes no
Senhor Jesus, temos um pressuposto sobre Jonas em que ele se guiará
tão somente à desobediência. Mas, eu gostaria de convidar você a
colocar um pouco esse seu pressuposto pessoal de lado e fazer comigo
uma releitura, não da missão de Jonas, mas da pessoa de Jonas. Não da
missão para a qual ele foi chamado, mas da pessoa chamada por Deus
para a missão.

Eu gostaria que nós pudéssemos tentar entrar nas Escrituras, na mente,


no coração, na alma, nos temores, nos traumas, dos psiquismos de
Jonas e, quem sabe, nós iremos concluir que a história de Jonas é a
minha história e é também a sua história.

Então o Senhor Deus fez crescer uma planta sobre Jonas, para dar
sombra à sua cabeça e livrá-lo do calor, e Jonas ficou muito alegre. Mas
na madrugada do dia seguinte, Deus mandou uma lagarta atacar a
planta de modo que ela secou. Ao nascer do sol, Deus trouxe um vento
oriental muito quente, e o sol bateu na cabeça de Jonas, a ponto dele
quase desmaiar. Com isso ele desejou morrer, e disse: “Para mim seria
melhor morrer do que viver”. Mas Deus disse a Jonas: “Você tem alguma
razão para estar tão furioso por causa da planta? “Respondeu ele: “Sim,
tenho! E estou furioso a ponto de querer morrer”. Mas o Senhor lhe
disse: “Você tem pena dessa planta, embora não a tenha podado nem a
tenha feito crescer. Ela nasceu numa noite e numa noite morreu.
Contudo, Nínive tem mais de 120 mil pessoas que não sabem nem
distinguir a mão direita da esquerda, além de muitos rebanhos. Não
deveria eu ter pena dessa grande cidade?” Jonas 4.6-11

Para entendermos o livro e a história da trajetória pessoal e íntima de


Jonas, não apenas a sua missão, mas o homem chamado para a
missão, nós precisamos ler juntos os versículos chave que desnudam
todo esse contexto histórico de Jonas que se encontra em Jonas 1.1 e
esse texto diz assim: “Veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de
Amitai…”. Ora, Jonas era filho de Amitai. Amitai era profeta de Deus na
época em que Jeroboão II reinou sobre Israel e essa época foi uma
época histórica marcada por 14 tentativas de invasão do povo e do
império Assírio. Nós bem sabemos o que uma nação inimiga fazia ao
invadir a Israel. Em primeiro lugar, eles destruíam o templo para que não
houvesse mais adoração a Deus em Israel. Em segundo lugar, eles
matavam o rei e a sua família para que não houvesse governo em Israel.
Em terceiro lugar, eles matavam o profeta e toda a sua descendência
para que não houvesse palavra de Deus em Israel. Quem era o profeta?
O profeta era Amitai e o filho do profeta era Jonas. Imagine por instante,
Jonas, quando criança, ouvindo aqueles rumores de que os Assírios
estavam chegando.

Já adulto, em lugar de Amitai seu pai, Jonas se torna profeta em Israel e


a história não muda. Os Assírios continuam às portas. Durante a vida de
Jonas, provavelmente, Israel orou por 30 anos para que Deus pudesse
descer fogo e consumir seus inimigos. É nesse contexto que nós vemos
o versículo primeiro e o versículo segundo que nos dizem assim: “Veio a
palavra do Senhor a Jonas, filho de Amitai dizendo: Desponte e vai à
grande cidade de Nínive,” a capital justamente da Assíria. O trato que
Deus quer fazer contraria a todas as orações, os pedidos, o jejum e a
expectativa daquele homem Deus. Jonas não pensou duas vezes: ele foi
para Társis, um dos lugares mais distantes daquela cidade do império da
Assíria. A lógica de Jonas era mais ou menos a seguinte: “eu não vou
para Nínive, eles não ouvirão o evangelho. Eles não se converterão.
Deus destruirá a cidade. Eu estarei, assim, protegendo o templo, o rei e
toda a sua família e o profeta que sou eu mesmo e toda a minha família.”

Nós sempre temos bons motivos e sempre teremos excelentes –


humanamente falando – motivos para não nos envolvermos com o plano
de Deus, com a missão de Deus, com o propósito de Deus e com o
chamado de Deus. E o que nós precisamos compreender e sermos
lembrados é que os nossos bons motivos não são suficientes perante
Deus. Deus tem seus planos e os planos de Deus nem sempre fazem
sentido para nós. Nós somos chamados para a obediência. Deus quer
preparar o coração.

Eu gostaria de propor a você que compreenda comigo que Jonas era um


homem de Deus, o profeta de Deus, missionário de primeira linha, mas
que tinha uma ferida aberta em seu coração. Essa ferida tinha nome e
chamava-se Nínive. Entenda Jonas com esse perfil, perceba a resposta
de Jonas aos marinheiros no barco no capítulo 1.8-9: “eu sou hebreu e
temo ao senhor o Deus do céu que fez o mar e a terra.” Que pregação e
testemunho no meio de uma tempestade! Jonas pregou sobre Deus,
disse quem Deus era. Jonas era um profeta de Deus, homem de Deus
mas que tinha uma ferida que precisava de cura na sua alma. É possível
ser homem e mulher de Deus, mesmo com uma ferida na alma!

No versículo 12 Jonas está disposto a morrer para salvar


aproximadamente 20 pessoas. É um pregador que prega na tempestade
em alto mar e é um homem apaixonado por pessoas desconhecidas.
Temeram, pois, esses homens ao Senhor e ofereceram os sacrifícios ao
Senhor, e fizeram votos. Não perca isso de vista: Jonas prega em alto
mar, está disposto a morrer para salvar 20 pessoas e todos se
convertem. É um plantador de igrejas de primeira linha.

Eu gostaria de convidar você a não apenas avaliar a sua missão, mas


avaliar o coração daquele a quem Deus chama para a missão porque a
história de Jonas é a nossa história. Deus move dias bons e dias maus.
Deus permite tragédias para nos trazer para algo muito maior do que
meramente a obediência. Entenda, a obediência é tremendamente
necessária para cumprirmos a missão, mas Deus espera e deseja de nós
mais do que a obediência. Deus usa o sofrimento também para nos
burilar em nosso ministério.

Eu tenho observado que, uma das setas do diabo que mais têm afetado
as pessoas, feito seus corações adoecerem e aberto feridas que
não cicatrizam, são as críticas. As críticas possuem essa
capacidade, especialmente as críticas crônicas – aquelas que se
perpetuam, aquelas que se repetem. Elas possuem a capacidade não
apenas de atordoar, mas também de paralisar.

Eu gostaria de deixar três sugestões no enfrentamento das críticas. Em


primeiro lugar, não jogue fora a critica. Porque mesmo a crítica mais
maliciosa, mais invejosa, mais perniciosa feita pelo homem e pela mulher
mais carnal, pode conter a verdade sobre a sua vida, então não jogue
fora a crítica. Deus pode permitir a crítica para trabalhar nosso coração.

Em segundo lugar, não durma com a crítica. Crítica é algo a ser


resolvido em 48 horas. Você leva para sua casa, você conversa com seu
amigo, com a sua esposa, com seu marido, com a sua equipe, e você
avalia perante Deus se há verdade nessa nela. Porque a crítica possui
uma capacidade talvez única de gerar ansiedade em nossa alma e aí,
quando essa ansiedade crônica se instala, a crítica passa a ser a última
coisa que vem à nossa mente ao dormir e a primeira ao acordar.

Em terceiro lugar, não se torne um crítico As pessoas mais críticas são


pessoas que foram muito criticadas. Coloque as críticas aos pés do
Senhor Jesus e feche a ferida para você estar pronto para a missão
Deus pois Ele usa o sofrimento para realinhar nossos ministérios.

No capítulo 2 de Jonas, ele é jogado no mar. Ali, ele é engolido por


aquele grande peixe. Observe o teor desta oração. Diz assim no
versículo nove: “Mas eu, com um cântico de gratidão, oferecerei sacrifício
a ti. O que eu prometi cumprirei totalmente.” Quem já leu o livro de Jonas
pelo menos uma vez em sua vida, percebe muito bem que não há
nenhum voto descrito em todos os capítulos do livro de Jonas. Então, a
que votos Jonas se refere? Lembre-se de que Jonas tinha bons motivos
para não fazer a obra de Deus em Nínive, mas seus motivos não eram
suficientes para o Senhor. A conversa de Jonas com Deus até então era
uma conversa em um nível totalmente ministerial, porque ele se referia
ao voto que todo o profeta fazia publicamente perante Deus. Esse voto
consistia de duas partes. A primeira parte era: “eu falarei tudo que me
ordenares”. Jonas não tinha problema com esta parte. Ele falou de Deus
em uma tempestade em alto mar. Mas a segunda parte do voto era: “eu
irei para onde tu me enviares”. Jonas estava no interior daquele peixe.
Deus quer envolvimento por inteiro na missão. Não quer envolvimento
pela metade, nem mesmo 99%. Deus usa o sofrimento para realinhar o
nosso ministério. Deus usa as tragédias para nós não perdemos o foco.
Deus usa o dia mau para nós orarmos mais. Deus usa até a enfermidade
para nós ficarmos mais próximos do Senhor Jesus. Deus usa até os
nossos inimigos, mesmos mais camuflados, mesmo os mais críticos,
mesmos os mais carnais, mesmos os mais demoníacos. Deus usa tudo
para nos alinhar com a sua missão porque todo o plano de Deus é um
plano de amor.

Você aparenta ser uma pessoa que está em um estado de alegria, de


prazer e de tranquilidade para quem está ao seu redor. Mas Deus
conhece o seu coração e ele sabe a ansiedade que tomou conta da sua
alma há muito tempo. Deus sabe o pecado que se alojou na sua mente e
não vai embora. Deus sabe da sua desmotivação em obedecer ao
Senhor Jesus. Deus sabe que você chegou ao ponto de desistir de tudo
sem ver nem significado ou sentido para sua própria fé. Deus conduz as
tragédias da nossa vida para não perdemos o foco da missão. Agora,
quem conhece a missão é Deus por isso que a gente não entende a
tragédia e nem o sentido que ela possui. É Deus quem conhece a
missão.

Deus não busca uma simples obediência ministerial. Deus deseja algo a
mais. Para mim, é uma guinada na história de Jonas. Até agora ele havia
compreendido de maneira equivocada que Deus estava interessado tão
somente em obediência para que o cumprisse a missão porém, Deus
também está interessado no nosso coração.

No capítulo 3 Jonas é vomitado pelo peixe não tão distante de Nínive e


ele então vai até lá. Vomitado naquela praia, Jonas fez algo que talvez
você e eu fazemos: ele pensou o seguinte “Deus realinhou meu
ministério. Deus não permitiu que perdesse o foco da missão. Então, se
é para pregar aos ninivitas, eu vou pregar. Mas tem um detalhe: eu vou
pregar do meu jeito.” Conhece pessoas assim? Se é para plantar a
igreja, eu vou plantar, mas é do meu jeito. Na maior indisposição do
mundo. Se é para trabalhar naquela igreja com aquele presbítero, eu
trabalho em obediência ao Senhor. Mas ficar ali de conversinha, de
amizade, comer pizza, não. Se é para continuar casado, eu continuo,
mas não quero amá-la mais e nem perdoá-la mais. Se é para servir a
Deus eu sirvo, mas com o coração fechado. Foi assim que Jonas fez. Ele
chegou em Nínive no capítulo 3 e o texto diz que a cidade era grande ao
ponto de levar três dias para percorrê-la. Contudo, dá-se a entender que
Jonas percorreu a cidade em um dia. A idéia aqui é que Jonas foi “se é
pra falar, eu falo. Mas será do meu jeito.” Ele começou a correr e correu
aquela cidade dizendo “daqui a 40 dias Nínive será destruída”. É a menor
mensagem em todo Antigo Testamento. Não fala sobre Deus, não fala
sobre quebrantamento nem conversão. Em 40 dias, destruição total. Eu
tenho indícios que me levam a crer que Jonas pregou em aramáico para
que ninguém pudesse entender. Ele prega correndo, ele prega a
mensagem curtíssima só de destruição e ele prega em uma língua que
quase ninguém entende. Então, Jonas tem a maior decepção da sua
vida: os ninivitas creram em Deus.

Perceba que Jonas, até então, havia conversado sinceramente com


Deus sobre ministério, mas não sobre a sua alma, não sobre a ferida no
seu coração. Porém, Deus está nessa história. Apesar de Jonas subir ao
monte e esperar para ver a derrota da Nínive com fogo, não é assim que
Deus age. Ele ali fica à espera de Deus destruir Nínive. Jonas estava
amargurado. Amargura é a mágoa alimentada pelos nossos próprios
pensamentos e desejos. Chegamos no capítulo 4 do texto que mostra
Jonas angustiado, amargurado, esperando que Deus destruísse uma
cidade onde 120 mil pessoas se converteram e não havia alegria
nenhum no coração dele, tamanha era a amargura.

Deus fez nascer uma planta para dar sombra sobre a cabeça de Jonas.
Uma planta pequena, com sombra também pequena, só sobre a cabeça
de Jonas e diz o texto que Jonas se alegrou. É a única vez que no texto
de Jonas aparece essa descrição. Jonas se alegrou ao extremo por
causa da planta. Porém, Deus enviou o verme no dia seguinte que secou
a planta. Só aí Jonas, pela primeira vez, entra em um diálogo sincero
com Deus. Em outras palavras ele diz: “Senhor quer saber a verdade no
meu coração? A verdade é a seguinte: eu tenho tanta raiva deste povo
que se eles viverem eu prefiro morrer.” Finalmente, a conversa agora não
é mais ministerial nem é mais sobre a missão, tampouco é sobre
salvação. É sobre o coração de um homem chamado para a missão,
homem de Deus mas com uma ferida em sua alma que precisa ser
curada, fechada, tratada, perdoada por Deus para que ele possa cumprir
a missão livre.

Há muitas maneiras de cumprimos a missão, mas Deus quer que nós a


cumpramos livres. É interessante que esta foi a primeira e única vez em
que Jonas entra em um diálogo sincero com Deus. Porque as mais
importantes lições na nossa vida não vêem por meio de grandes peixes,
mas por meio de pequenos vermes. São pequenas coisas que Deus faz,
pequenas tribulações, pequenas angústias, pequenas pessoas,
pequenas situações ao nosso redor para muito mais do que alinhar o
ministério. Deus quer alinhar o nosso coração, quer perdoar o pecado
que está tomando conta da nossa alma, quer retirar a amargura que nós
nutrimos contra irmãos na fé que nos atingiram, nos ofenderam. Deus
quer nos dar liberdade no nome do Senhor Jesus.

A conclusão é que muito mais do que tudo que podemos fazer pelo
Senhor, o que Ele realmente deseja é produzir em nossas vidas um
relacionamento próximo com Ele. Cumprir a missão com alegria e louvar
o nome do Senhor Jesus. Deus também usará tragédias e tempestades
para nos trazer um círculo mais perto dEle e realinhar não apenas a
nossa missão, como também realinhar o nosso coração, em nome do
Senhor Jesus.

Ronaldo Lidório – teólogo, missionário e escritor


Reflexão realizada na Conferência de Plantação de Igrejas – CTPI.

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