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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Letras
Trabalho de Conclusão de Curso
Brasília - DF
2012
S
Brasília – DF
2012
MICHELLE ARAÚJO DE MACÊDO
Brasília
2012
Monografia de autoria de Michelle Araújo de Macêdo, intitulada “A Literatura
Infantil Para Crianças Surdas”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado em Letras da Universidade Católica de Brasília, em 27 de novembro de 2012,
defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_________________________________________________________
Prof.ª Esp. Valícia Ferreira Gomes
Orientadora
Curso de Letras - UCB
_________________________________________________________
Prof. Esp. Falk Soares Ramos Moreira
Examinador
Curso de Letras - UCB
_________________________________________________________
Prof. Dr. Maurício Lemos Izolan
Examinador
Curso de Letras - UCB
Brasília
2012
AGRADECIMENTO
Agradeço pela oportunidade de realizar este curso e poder conviver com colegas e
interessados na reflexão do processo de ensino-aprendizagem. Dedico este trabalho à minha
família, que tanto me tem apoiado na realização dos meus estudos e em todos os meus
projetos acadêmicos, profissionais e pessoais, a qual também entendeu as minhas
necessidades e compreendeu as minhas falhas.
Agradeço à professora Valícia, minha orientadora, que, muito mais que me orientar,
auxiliou, apoiou e incentivou, tendo comigo paciência, dedicação, disponibilidade,
compreensão, carinho e preocupação, transformando as dificuldades em superação. A você, o
meu MUITO OBRIGADO. Também agradeço aos queridos amigos e professores da UCB
que contribuíram com a minha formação e também colaboraram direta ou indiretamente com
a realização deste trabalho.
MACÊDO. Michelle Araújo. The Children's Literature For Deaf Children. 2012. p. 40.
Undergraduate course conclusion work in Portuguese Letters, Catholic University of Brasília
– UCB, Brasília, 2012.
This monograph is a bibliographical research that demonstrates various aspects in the process
of teaching children’s literature for deaf child and little contact with the literary text for
training deaf children for to read it. The present study aims to investigate the innovative
methods used for insertion of works of children’s literature for deaf children, verify and
analyze the use of sign language and expressive resources used currently. This work confirms
the relationship that exists between the classical versions of “Cinderella” and “The ugly
duckling” and the versions for Deaf culture of same works (“Duckling deaf” and “Deaf
Cinderella”). This relationship is checked by applying the ideas of Saussure and his interface
with the semiotics. It’s proven, through these analyses of the children’s literary classics for
deaf children, that there are few studies about the complexities of the relationships between
the deaf child and deaf literature, and the discussions relating to the teaching of children's
literature for deaf child.
1 INTRODUÇÃO................................................................................................9
5 METODOLOGIA...........................................................................................32
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................38
7 REFERÊNCIAS.............................................................................................39
9
1 INTRODUÇÃO
A literatura infantil contribui para a formação do senso crítico da criança surda, além
de levar à reflexão, e para a formação do indivíduo leitor e de um desempenho questionador,
esse leva a criança leitora a refletir a respeito dos acontecimentos. A literatura é capaz de
levar a criança a romper com os seus horizontes de expectativas, conduzindo à reflexão por
meio de obras conscientes e por intermédio da imaginação infantil. Porém, a literatura surda
tem diferenças da tradição de ouvintes como literatura europeia e brasileira, a culturas que
transmitem suas histórias orais e presenciais. Ela se manifesta por meio de textos, de livros,
imagens figurativas, ilustrações, filmes, cartazes, CDs, DVDs, recursos visuais - ou com o
encantamento de dramatizações em peças teatrais, ou com histórias contadas em sinais.
Segundo Strobel (2008) “a literatura se multiplica em diferentes gêneros: poesia, histórias de
surdos, piadas, literatura infantil, clássicos, fábulas, contos, romances, lendas e outras
manifestações culturais” (STROBEL, 2008, p. 61).
Portanto, a Literatura Surda atual surgiu com inovações tecnológicas e a partir do
reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais, por meio de gravação de histórias de CDs e
DVDs, de textos que apresentam imagens, livros, fotos ou legendas em Português, que
possibilitaram formas visuais de registro dos sinais. Entretanto, no presente momento, a
cultura surda e a literatura estão se desenvolvendo muito devido aos recursos inovadores e
tecnológicos.
Esta pesquisa foi organizada em quatro capítulos e, no decorrer da mesma, é
apresentado o percurso da literatura infantil; logo depois, são desvendados como a criança
surda entra em contato como o texto literário, qual a relação da cultura surda com a literatura
infantil, os meios inovadores da literatura surda infantil, quais as inovações tecnológicas a
partir do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais - podendo ser por meio de gravação
de histórias de CDs e DVDs, de textos que apresentam imagens, livros, fotos ou legendas em
Português, que possibilitaram formas visuais de registro dos sinais; são analisados também o
uso da língua de sinais e os recursos expressivos utilizados ultimamente.
Sendo assim, a pesquisa teve como objetivo principal demonstrar a relação que existe
entre as ideias defendidas por Ferdinand Saussure e a interface da semiótica, e a adaptação
das versões clássicas de “Cinderela” e do “Patinho Feio”, ambas foram adaptadas para a
Cultura Surda, resultando nessas versões denominadas “Cinderela Surda” e “Patinho Surdo”.
A diferença destas se encontra nas ilustrações dos livros impressos e na adaptação para
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Os contos têm como objetivo trazer uma moral que frequentemente gera lembranças
inconscientes na criança; e é a partir daí que estes contos de fadas ficam conhecidos por elas.
Perrault se tornou também grande divulgador das histórias tradicionais folclóricas européias
daquela época. Esse escritor relatou a cultura do seu povo por meio dos contos de fada, e, ao
mesmo tempo, proporcionou uma reflexão popular na época, apresentando então um novo
olhar. Os contos de fada de Perrault são conhecidos até hoje. São exemplos de seu trabalho a
“Cinderela” e o “Chapeuzinho Vermelho”. Pode-se concluir que Perrault foi o primeiro
criador de contos, apresentando assim uma nova literatura voltada para o imaginário infantil,
por meio da qual ofereceu ao mundo elementos populares que proporcionaram um
enriquecimento cultural das tradições, gerando dessa forma uma ambientação propícia para a
ligação do mundo infantil com o seu imaginário.
No século XIX, surgem na Europa Luís Jacob e Guilherme Carlos Grimm, mais
conhecidos como Irmãos Grimm. Os Irmãos Grimm escreveram os contos baseados na
memória popular de seu povo (como narrativas de lendas, contos folclóricos e histórias da
Alemanha, todas conservadas por tradição oral). Seus contos agradavam tanto os adultos
como as crianças. Com a influência de Hans Christian Andersen - que escreveu diversos tipos
de literatura, dedicando-se a obras literárias voltadas para crianças e jovens adolescentes - os
seus contos encantaram a todos de tal forma que percorrem todo o mundo desde o século XIX
até os tempos atuais.
Os contos literários de Andersen relatam a sua vida e de outras pessoas no seu
contexto real. Sua literatura é dotada de realismo, pois ele mostra perfeitamente os obstáculos
que a vida lhe impõe. A grande diferença dos contos dos Irmãos Grimm para os de Andersen
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estava no fato de que os contos de Andersen além de possuírem fantasia estavam ligados ao
cotidiano. Algumas obras fizeram muito sucesso e são conhecidas até hoje. Ligia Cademartori
(1994) afirma que:
Questões relativas á obra de Charles Perrault, frequentemente apontando como os
iniciadores da literatura infantil vinculam-se a pontos básicos da questão da natureza
da literatura infantil como, por exemplo, a preocupação com o didático e a relação
com o popular (CADEMARTORI, 1994, p. 34).
A literatura para Lobato tinha uma finalidade social, pois se constituía na linguagem o
instrumento mais poderoso e expressivo na vida da criança, por ser um meio de comunicação
e consequentemente um meio de socialização. Para Ligia Cademartori (1994, p. 51):
Monteiro Lobato [...] Estimula o leitor a ver a realidade através de conceitos
próprios. Apresenta uma interpretação da realidade nacional nos seus aspectos
social, político, econômico, cultural, mais deixa, sempre, espaço para a interlocução
com o destinatário. A discordância é prevista. (CADEMARTORI, 1994. p.51).
regime daquela época. Lobato foi um importante educador intuitivo e fez com que as pessoas
entendessem as coisas por meio da alegria. Nos seus livros, ele apoia questões morais
construtivas para a formação da criança, pois, quando a literatura desperta bons sentimentos,
isso gera boas consequências com o tempo, conduzindo a criança, por exemplo, a fazer boas
ações, e despertando nela o amor pela justiça, pela verdade e pela imaginação.
Monteiro Lobato é considerado o primeiro escritor brasileiro a se preocupar com a
literatura infantil, dando um real valor às crianças. Novaes (1973, p. 163) diz a seguinte frase
a respeito da: “[...] literatura infantil brasileira de nossos tempos: aventuras em contato com
a natureza; travessuras na cidade; fantasia e tecnicismo; espiritualismo”.
Mostram-se por meio dessa citação as novas características da literatura brasileira
resultantes da obra de Lobato. Uma dessas características era a maneira de misturar o
imaginário com o real, mostrando como a criança costuma fazer em sua vida. Nesse aspecto, é
possível a convivência dos dois lados, o imaginário e o real. Atualmente suas obras são
readaptadas, continuam sendo apreciadas e respeitadas por todos, como por exemplo, o “Sítio
do Pica-Pau Amarelo”.
A literatura, assim como a nossa língua e muitas outras coisas, não é estática e por isso
sofre mudanças ao longo do tempo. É preciso que se saiba lidar com essas mudanças, sem
deixar a literatura desaparecer. A modernidade sempre vai chegar, mas os livros, as histórias
fantásticas, a viagem pelo mundo imaginário não podem ser esquecidos. Pois não há
tecnologia que substitua a imaginação e o prazer de se deleitar diante de um livro, de uma
história.
Enfim, conclui-se que em cada país foram surgindo aos poucos propostas
diferenciadas e ao mesmo tempo modernas em relação às obras literárias infantis. No Brasil,
após a literatura revolucionaria de Lobato, surgiram outros autores com obras literárias
infantis pertinentes. A literatura infantil não tem apenas o objetivo de ensinar e informar a
criança, mas também é utilizada para fazer insurgir uma nova visão da realidade. Depois
desse percurso literário, à procura de uma literatura mais adequada para a infância, podem-se
observar duas tendências próximas daquelas que já influenciavam a leitura dos clássicos pelas
crianças: fizeram-se adaptações e do folclore nasceu os contos de fada, voltados
especificamente para a criança.
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O trabalho com literatura infantil tem como objetivo formar a criança para que:
compreenda aquilo que lê; consiga transmitir aos outros os elementos de uma história por
meio de ilustrações; possa transformar um texto numa narrativa prazerosa para quem ouve;
aprenda a ler o que não está escrito; e entenda os vários sentidos a ser atribuídos a um texto
imaginando e criando a partir desta experiência. Coelho (2000, p. 9) assegura que:
Literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, á arte: fenômeno de
criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os
16
As historias infantis são caminhos que devem ser explorados pelo educador de
maneira a não desperdiçá-la apenas como conteúdo para a aprendizagem. Há de se considerar
as características do universo infantil para ajudar em seu desenvolvimento. As histórias
devem suscitar nas crianças momentos de prazer onde serão experimentadas novas sensações.
É pertinente que o professor introduza na sua prática pedagógica a literatura infantil e
que a mesma disponha de informação que venha a contribuir para o desenvolvimento da
criança, estimulando a criança a buscar diferentes caminhos para as resoluções de
dificuldades. Afinal, por meio da literatura, a criança terá a oportunidade de desenvolver seu
potencial intelectual e cognitivo, ampliando, ao mesmo tempo, a sua visão das regras sociais e
a cultura da sociedade.
A leitura é um meio de propagação de ideologias que, muitas vezes, é responsável pela
mudança social de cada criança. Abramovich (1997, p. 143) confirma que:
Ao ler uma história a criança também desenvolve todo um potencial crítico. A partir
daí ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar... Pode se sentir inquietada,
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Para Strobel (2009), existem diferentes artefatos que contribuem para a formação da
cultura surda; um dos principais é o linguístico, que inclui a literatura surda. A participação
dos sujeitos surdos na sociedade é dificultada pela própria, quando esta carece de recursos
visuais que, por sua vez, promoveriam a acessibilidade em variados espaços para estes
sujeitos. Dessa maneira, a cultura surda é definida como:
Antes a história dos povos surdos não era reconhecida, os sujeitos surdos eram
vistos como deficiente, anormais, doentes ou marginais. Somente depois do
reconhecimento da língua brasileira de sinais, das identidades surdas e, na percepção
da construção de subjetividades, motivada pelos Estudos Culturais, é que
começaram ganhar força as consciências político-culturais. Em determinado
momentos, quando a luta por posições de poder ou pela imposição de idéias revela o
manifesto político cultural dos povos surdos. (STROBEL, 2009, p. 100).
A identidade pode ser chamada tanto pelo próprio indivíduo, como pelo grupo do qual
faz parte. A palavra utilizada no momento encontra-se no plural: “identidades”. Portanto,
temos várias identidades, a depender do papel que desempenhamos no grupo que estamos
inseridos. Para uma justificativa mais detalhada cito aqui Strobel (2009, p.105):
A história cultural dos surdos é longa e complexa, existe há muitos anos e contém
inúmeras formas de se comunicar, ou seja, através da língua de sinais, desenhos,
expressões faciais, corporais, imagens visuais, artes, movimentos de lutas, criações,
pedagogias... (STROBEL, 2009, p. 105).
discurso da escritora surda Strobel (2008), ela deixa clara a importância da língua de sinais
como uma das principais marcas da identidade surda. Strobel (2008, p. 59) afirma que:
A Cultura Surda retrata a vida que os surdos levam suas conversas diárias, as lições
que ensinam entre si, suas artes, seus desempenhos e seus mitos compartilhados, seu
jeito de mudar o mundo, de entendê-lo e de viver nele. (STROBEL, 2008, p. 59).
Podemos relacionar a cultura surda com a Literatura Surda, pois a mesma faz parte da
tradição surda. Segundo Strobel (2009, p, 61):
A literatura se multiplica em diferentes gêneros: poesia, história de surdos, piadas,
literatura infantil, clássicos, fábulas, contos romances, lendas e outras manifestações
culturais. Karnopp faz referência a respeito desse artefato cultural: “[...] utilizamos a
expressões “Literatura Surda” para histórias que têm a língua de sinais, a questão da
identidade e da cultura surda presente na narrativa [...]”. (STROBEL, 2009, p, 61).
Segundo Skliar (2011, p.11) a surdez constitui uma diferença a ser politicamente
reconhecida; a surdez é uma experiência visual; a surdez é uma identidade múltipla ou
multifacetada; e, finalmente, a surdez está localizada dentro do discurso sobre a deficiência.
Para Skliar, existe a possibilidade de estar sempre buscando e propondo conhecer a
apropriação das potencialidades do sujeito surdo, voltando-se para a análise dos discursos
acerca da surdez no contexto político, social e escolar exclusivistas, sem, entretanto, fugir da
importância desse sujeito como agente de transformação, como um todo no meio social.
Outra questão fundamental para a compreensão do sujeito surdo está focalizada fora
dele, no ambiente externo propriamente dito; ali é que ocorre todo o processo de
desmistificação acerca de sua capacidade de aprendizagem, pois a surdez é uma questão de
linguagem; ela está, portanto, fora do sujeito. A cultura surda, a experiência visual e o uso da
língua de sinais sustentam o encontro e a vida da comunidade surda.
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Qualquer que seja a linguagem, ela faz parte e é do uso comum entre determinados
grupos sociais; eles apropriam-se desta para realizar entre si as mais variadas formas de trocas
de informações. Pelo ponto de vista da surdez, ela pode e deve ser superada por meio desse
instrumento de comunicação adotado: com o uso da língua de sinais e procurando
compreender como se dão essas trocas.
A Língua Brasileira de Sinais é usada pela comunidade surda no Brasil e há estudos
que demonstram os diferentes níveis linguísticos (fonologia, morfologia, sintaxe) do uso e do
funcionamento desta língua. Portanto, não se trata de mímica ou gestos improvisados, como
certos ouvintes às vezes pensam. A literatura sobre a linguística e a língua de sinais, no Brasil
e no mundo, estabelece uma equivalência entre as línguas orais e as línguas de sinais. Quadros
e Karnopp (2004, p. 16) citam que:
(...) a linguagem é restringida por determinados princípios que fazem partem do
conhecimento humano e determinam a produção oral ou viso-espacial, dependendo
da modalidade das línguas (faladas ou sinalizadas). (QUADROS & KARNOPP,
2004, p.16).
Este território surdo é algo que completa a vida para o surdo: não é focalizando
somente o surdo, mas é algo que acontece pela comunicação, aquilo que provoca em cada um
e no outro, que recebe a informação, as palavras completas e os significados. Os corpos agem
como consequência de sentimentos, de compreensões, de entendimentos, de conhecimentos;
enfim, eles atuam como a fala. Sobre a questão de significante/significado e signo, citarei,
mais a frente, Ferdinand de Saussure para um fácil entendimento.
1
Sign Writing: A palavra em inglês, “SignWriting” significa “Escrita de Sinais” no Brasil.
O SignWriting é um sistema de escrita para escrever línguas de sinais. Essa escrita expressa as configurações de
mãos, os movimentos, as expressões faciais e os pontos de articulação das línguas de sinais. Cada língua de
sinais vai adaptá-lo a sua própria ortografia. (Disponível em: http://escritadesinais.wordpress.com/2010/08/16/o-
que-e-signwriting/).
21
Além disso, Saussure refere-se às crianças que tendem a imitar as pessoas que as
cercam. Naturalmente são inseridas no ambiente linguístico e sofrem as influências do seu
meio que pode ser especificado e organizado em termos de padrões de trocas de interações,
independente da cultura. As atividades humanas são constituídas por um complexo conjunto
de ações num processo dinâmico que integra relações sociais e comportamento, mediados por
uma Linguagem.
Para confirmar esta teoria, recorre-se novamente a Saussure, que defende que os
signos são formados a partir das relações interpessoais vivenciadas pelo indivíduo e da sua
história. O significado é a parte mais estável do signo. A linguagem se constrói, basicamente,
mediante a utilização de um conjunto de signos, cujos significados são coletivamente
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Quando alguma coisa se apresenta em estado nascente, ela costuma ser frágil e
delicado campo aberto a muitas possibilidades ainda não inteiramente consumadas e
consumidas. Esse é justamente o caso da Semiótica: algo nascendo e em processo de
crescimento. Esse algo é uma ciência, um território do saber e do conhecimento
ainda não sedimentado, indagações e investigações em progresso. (SANTAELLA,
1994, p1).
Os signos podem ser objeto, e também podem ser um fato ou um representante. Como
exemplo, temos a fumaça: a fumaça pode nos dizer se há fogo em certo lugar, como também
pode nos dizer se tem alguém ali, tudo irá depender da circunstância em que se encontra, ou
seja, de um contexto.
O objetivo de estudo da semiótica são os signos, que nada mais são que “algo” que
pode estar no lugar de “outra coisa”, para que uma pessoa possa entender ou interpretar o que
é, ou o que se mostra. A semiótica tem o poder de aprofundar e expandir a capacidade de
conhecimento, de descoberta e interação com o outro, com o mundo e com o conteúdo a ser
aprendido. Focalizando a língua de sinais e o desenvolvimento educacional do surdo, a
semiótica é imprescindível.
O estudo da semiótica define os códigos, todas as linguagens verbais e não verbais, e é
fundamental para um estudo, pois aborda a LIBRAS, que é um código de comunicação. A
semiótica abrange muitos assuntos como a fotografia, artes visuais, música, cinema, culinária,
literatura, sinais e ciência. A Semiótica investiga todas as linguagens possíveis, tendo como
objetivo os modos de constituição de todo e qualquer acontecimento como fenômeno de
produção de significado e sentido. A semiótica é um campo muito amplo, que estuda a
linguagem e suas formas variadas.
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A autora ressalta que a língua de sinais teve o seu reconhecimento como uma língua
possuidora de regras gramaticais próprias somente a partir da década de 1960, com os estudos
do americano William Stokoe. A partir de então, passou a ser pesquisada por linguistas em
todo o mundo, no sentido de compreender sua estrutura e sua aplicação na educação e na vida
do surdo.
Gesser (2009) deixa claro que: “A língua de sinais dos surdos é natural, pois evoluiu
como parte de um grupo cultural do povo surdo. Consideram-se “artificiais” as línguas
construídas e estabelecidas por um grupo de indivíduos com propósitos”. (GESSER, 2009, p.
25
12). Sendo assim, as línguas de sinais podem ser comparáveis a quaisquer línguas orais, tanto
em relação à sua complexidade, quanto à sua expressividade.
Em virtude de sua modalidade viso-gestual, utilizam-se as mãos, expressões faciais e o
corpo, no intuito de produzir os sinais linguísticos que, por sua vez, são percebidos pelos
olhos; enquanto as línguas orais possuem a modalidade oral-auditiva, em que sons articulados
são percebidos pelos ouvidos. Além disso, as diferenças não se restringem apenas ao canal de
comunicação, mas também às estruturas gramaticais de cada língua.
A língua de sinais, como sistema linguístico, possui um conjunto de elementos
linguísticos diferentes de todos os fenômenos da expressividade corporal e da gestualização.
Dessa forma, a língua de sinais especifica a utilização da visão para captar a mensagem e
movimentos, principalmente das mãos, para transmitir as mensagens.
A língua de sinais é fundamental para o sujeito criar uma ligação com o povo surdo,
imprescindível para ter acesso às informações e conhecimentos, e para construir sua
identidade. Conforme afirma Strobel (2009):
A língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo, pois
é uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que capta
as experiências visuais dos sujeitos surdos, sendo que é esta a língua que vai levar o
surdo a transmitir e proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento universal.
(STROBEL, 2009, p. 47).
É por meio da língua de sinais que a criança surda adquire de forma espontânea, sem
que seja preciso um treinamento específico, Ela ainda é, porém, considerada por muitos
profissionais apenas como gestos simbólicos. A língua de sinais representa um papel
expressivo na vida do sujeito surdo, conduzindo-o, por intermédio de uma língua estruturada,
ao desenvolvimento pleno, ainda que a comunicação seja mais visual.
O seu sistema linguístico, sua modalidade visual-gestual, sua estrutura gramatical
próprias podem transmitir ideias e fatos pelas pessoas surdas brasileiras e conhecedores da
LIBRAS, como acontece com outras línguas. Gesser destaca que:
A língua de sinais tem todas as características linguísticas de qualquer língua
humana natural. É necessário que nós, indivíduos de uma cultura de língua oral,
entendamos que o canal comunicativo diferente (visual-gestual) que o surdo usa
para se comunicar não anula a existência de uma língua tão natural, complexa e
genuína como é a língua de sinais. (GESSER, 2009, p. 22).
A língua de sinais brasileira é uma língua usada pela comunidade surda brasileira. A
mesma propiciou a verificação da construção de uma comunidade que se transformou
atualmente em uma cultura que dispõe de uma língua visoespacial, recentemente pela lei
regulamentada Nº. 10.436 de 20/04/2002 que dispõe:
26
Assim, a língua de sinal revela a necessidade de uma revisão dos termos utilizados até
agora no campo dos estudos linguísticos e semióticos. Ela também contribui com dados sobre
os princípios que regem uma língua natural e, ainda, possibilitam a compreensão mais
específica sobre a capacidade humana de utilizar a linguagem gestual associada às produções
linguísticas. O estudo dos gestos, por muito tempo, foi relatado apenas superficialmente.
27
Atualmente, ele pode fornecer muito mais informações sobre as capacidades inatas do ser
humano á comunicação.
Portanto, a Língua de Sinais se organiza no cérebro do mesmo modo que a língua
falada. Além disso, ela não é simplesmente um conjunto de mímicas e gestos soltos utilizados
pelos surdos para facilitar a comunicação. As Línguas de Sinais têm suas próprias estruturas
gramaticais. Deste modo a linguagem gestual nasceu da necessidade que as pessoas surdas
têm de se expressar no seu contexto sócio-cultural. Esse tipo de linguagem encontra-se
sistematizado atualmente, de modo que cada país possui uma língua de sinais específica;
sendo, assim, uma grande conquista para comunidade surda.
A autora ressaltou logo acima que a Literatura Surda está relacionada com a cultura
surda. A literatura contada na língua de sinais de determinada comunidade linguística é
constituída pelas histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas, pelas
histórias de vida que são frequentemente relatadas, pelos contos, lendas, fábulas, piadas,
poemas sinalizados, jogos de linguagem e muito mais. Strobel (2009, p. 65) enfatiza que:
“A literatura surda também envolve as piadas surdas que exploram a expressão facial e
corporal, o domínio da língua de sinais e a maneira de contar piada naturalmente. São
consideradas extraordinárias na comunidade surda.”
A literatura surda está presente na comunidade surda e é relevante o registro dessas
histórias, pois pode proporcionar principalmente às escolas, um material baseado na cultura
das pessoas surdas. Strobel assegura que:
[...] A história cultural de surdos é longa e complexa, existe há dezenas de milhares
de anos. Os povos surdos usam inúmeros meios de se comunicar através da língua
de sinais, desenhos, expressões faciais, corporais e imagens visuais. Como vemos,
com o passar do tempo, os povos surdos tiveram a necessidade de registrar suas
28
(...) um ser humano, em contato com o seu espaço cultural, reage, cresce e
desenvolve sua identidade, isto significa que os cultivos que fazemos são coletivos e
não isolados. A cultura não vem pronta, daí porque ela sempre se modifica e se
atualiza, expressando claramente que não surge com o homem sozinho e sim das
produções coletivas que decorrem do desenvolvimento cultural experimentado por
suas gerações passadas. (STROBEL, 2008, p. 21).
2
Lodenir Becker Karnopp Doutora em Linguística e professora na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA,
Canoas, RS). Intérprete da Língua de Sinais Brasileira.
3
Literatura Surda. In: Literatura, Letramento e práticas educacionais- Grupos de estudo surdos e Educação.
Campinas: ETD- Educação, 2006.
29
Literatura surda é a produção de textos literários em sinais, que entende a surdez como
presença de algo e não como falta, possibilitando outras representações de surdos,
considerando-os como um grupo linguístico e cultural diferente. Mourão (2011) em sua tese
“Literatura Surda: produções culturais de surdos em Línguas de Sinais” o mesmo descreve
que:
As mãos, na língua de sinais, produzem as palavras, voam como a velocidade da luz,
atravessam a visão do outro, desembarcam no aeroporto dos olhos, automaticamente
as malas vão ao cérebro, explodindo os maiores parques do mundo, onde podem
brincar de roda gigante, carrossel, montanha russa. Com palavras gritando, entre uns
e outros, são produzidas linguagens que se conectam alem do
significante/significado, se tornam signos e logo nasce o compreender e entender das
palavras. (MOURÃO, 2011, p. 38).
Desta forma, Mourão (2001) demonstra a magia e o encanto que se tem ao comunicar-
se na Língua de Sinais. Portanto, a Literatura Surda também vem influenciando, e muito, a
literatura infantil, na qual se solidifica como um ponto de encontro entre a leitura e a criança
surda que faz parte da cultura surda. Ela é capaz de despertar o imaginário, a fantasia,
colaborar para a formação de cidadãos críticos, além de transmitir saber e conhecimento.
Este tema é inovador e muito pertinente. Porém surgiu da necessidade da cultura surda
registrar a identidade do povo surdo. Sendo assim, passaram a existir livros, vídeos e contação
de histórias entre outros, mas que foram adaptados na linguagem dos surdos. Alguns desses
materiais existentes são os que demonstram os textos clássicos da literatura universal e
brasileira para a LIBRAS. Entre as diversas editoras do ramo, cito aqui a Arara Azul, uma das
que disponibilizam coleções de clássicos da literatura em CD em LIBRAS para o Português,
no qual tem uma equipe de tradutores que faz a tradução da língua portuguesa para LIBRAS.
A respeito do ensino de Literatura Surda, encontramos pouquíssimas pesquisas. Mas
vale citar aqui duas das mais importantes estudiosas do ramo: as Professoras Rosa Hessel
Silveira e Lodenir Becker Karnopp, ambas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As
mesmas trabalham com as várias representações dos surdos contidas nos livros de literatura
infantil e pesquisas de iniciação científica com seus alunos surdos para adaptações de
clássicos da literatura infantil. Estas pesquisas tiveram como consequência duas obras que
foram publicadas em 2003, “Cinderela Surda” e “Rapunzel Surda”, adaptadas por surdos com
a inserção da história para comunidade surda. De acordo com Karnopp (2006, p. 3):
30
A literatura surda começa a se fazer presente entre nós, se apresentando talvez como
um desejo de reconhecimento, em que busca ‘um outro lugar e uma outra coisa’. A
literatura do reconhecimento é de importância crucial para as minorias lingüísticas
que desejam afirmar suas tradições culturais nativas e recuperar suas histórias
reprimidas. Esse fato, entretanto, nos aponta os perigos da fixidez e do fetichismo de
identidades no interior da calcificação da cultura surda, no sentido de trazer um
romanceio celebratório do passado ou uma homogeneização da história do presente.
(KARNOPP, 2006, p.3).
Foi a partir daí que surgiu o trabalho de adaptação dos clássicos. Livros pertencentes à
literatura clássica como “O alienista”, Machado de Assis, e “Iracema”, José de Alencar,
passaram a ser traduzidos para LIBRAS e disponibilizados, gratuitamente, às escolas.
Paralelamente, um projeto de criação de literatura surda começou a ser desenvolvido por um
grupo de pesquisadores surdos e ouvintes. Por literatura surda, esse grupo entende recriação
do original com inserção da temática da surdez e da Língua de Sinais, ou seja, a adaptação de
contos de fada como “Chapeuzinho Vermelho”, “Rapunzel” e “Cinderela”, cujos
protagonistas passaram a ser surdos.
Além dessa, há a Cinderela que é surda e, quando ao vai ao baile, acaba perdendo suas
luvas (e não o sapatinho) e o príncipe, que também é surdo, vai ao encontro da moça que
tenha as mãos que caibam naquela luva. Há o Patinho Surdo que não encontra aceitação no
seu grupo por não se comunicar como os demais. Há também a Chapeuzinho Vermelho que
não bate na porta da vovó quando vai lhe entregar a cesta de doces, pois ambas são surdas.
Elas se comunicam em LIBRAS entre si e com o lobo também.
E é dessa forma que a comunidade surda vai contando e registrando suas experiências
visuais com o universo encantado da literatura. Assim, as crianças descobrem o sentido da
vida por meio da literatura, tornando-se indivíduos mais reflexivos dentro da sua cultura. As
crianças surdas desenvolvem aprendizagens por meio da leitura e da experiência visual.
Porém, sozinhas, não se formam como leitores visuais. Elas necessitam do livro, de textos, de
imagens para que possam desenvolver sua capacidade visual e de leitura.
As crianças precisam encontrar significados que ultrapassem o sentido da leitura.
Preferencialmente, devem ser estimuladas pelos familiares e trazer de casa uma relação
afetiva com os livros, construída e estimulada por meio da LIBRAS. Karnopp (2008, p. 5)
ressalta que:
A Língua de Sinais Brasileira é uma língua visual-gestual e recentemente seus
usuários têm utilizado a escrita dessa língua em seu cotidiano. A escrita dos sinais
(Sign Writing) é a forma de registro das línguas de sinais, mas raras são as obras
literárias produzidas que utilizam essa escrita. Além disso, também são poucas as
escolas que incluem a escrita dos sinais em seus currículos. Acreditamos, no
entanto, que além das produções em vídeo (DVD), a escrita da língua de sinais
(SignWriting) é uma forma potencial de registro da literatura surda, pois possibilita
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Além do registro das produções culturais de pessoas surdas por meio da escrita em
língua de sinais Sign Writing e de traduções para a escrita da língua portuguesa, outros
formatos de documentação, como filmagens, são essenciais para o registro de formas literárias
que vão se perdendo ou se transformando. Para uma comunidade de surdos manter as várias
possibilidades artísticas e expressões da língua de sinais, os registros visuais são
indispensáveis na criação visual que podem oferecer para uma escrita futura, por meio da
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escrita de sinais e de adequadas traduções para o português. De acordo com Stumpf4 (2009,
p.13):
[...] a leitura e a escrita dos sinais pelo sistema SignWriting as crianças precisam
tanto interpretar, como produzir os elementos e suas relações, a partir da
reconstrução do sistema. A forma de fazer isso é ir adquirindo a representação
simbólica pela observação dos sinais escritos. (STUMPF, 2009, p. 13).
5 METODOLOGIA
Surdo” (Rosa e Karnopp 2005)”. O trabalho tem como público alvo a Cultura Surda em geral.
Por meio dessas análises foi possível comprovar que ainda tem poucos recursos a respeito da
Literatura infantil para crianças surdas.
Comprova-se, por meio dessas análises de clássicos literários infantis adaptados para
crianças surdas, que há escassos estudos a respeito das complexidades das relações entre a
criança surda e a literatura surda e das discussões relativas ao ensino da literatura infantil para
crianças surdas.
Observamos que a teoria de Saussure garante um maior entendimento da definição de
símbolos e da relação dos significantes e seus significados, os quais, aplicados nas análises
das obras para crianças surdas, trazem uma compreensão clara da interface da semiótica entre
a linguagem dos contos de fada para surdos e a Língua Brasileira de Sinais.
Os materiais analisados apresentam objetivos, textos, ilustrações e formas diferentes
de apresentação dos surdos e da língua de sinais. Alguns têm o objetivo de realizar a tradução
de textos clássicos para a LIBRAS, outros apresentar histórias da cultura surda em língua de
sinais. A partir da análise dos materiais disponíveis da literatura surda, podemos destacar a
existência de traduções e adaptações na cultura surda.
Para finalizar, a Literatura Surda está relacionada com a cultura surda. A literatura da
cultura surda, contada na língua de sinais de determinada comunidade linguística, é
constituída pelas histórias produzidas em língua de sinais, pelas histórias de vida que são
frequentemente relatadas, pelos contos, lendas, fábulas, piadas, poemas sinalizados, literatura
surda e os jogos de linguagem.
Os clássicos infantis “Cinderela Surda” e “Patinho Surdo” são duas histórias que
fazem uma releitura dos clássicos da literatura e apresentam aspectos da língua, cultura e
identidade surda. Traduzir as histórias que são contadas em língua de sinais na comunidade de
surdos foi o objetivo inicial dos autores dessas obras. A apresentação dos textos está numa
versão bilíngue, ou seja, as histórias estão escritas em português e também na escrita da língua
de sinais (SignWriting). As ilustrações acentuam as expressões faciais e os sinais, elementos
que demonstram a aparência da experiência visual. O texto é, portanto, rico em ilustrações.
“Cinderela Surda”, obra publicada em 2003, é uma adaptação do clássico “Cinderela”,
totalmente voltada para a Língua Brasileira de Sinais, Identidade e Cultura dos Surdos
Brasileiros. A primeira obra analisada contém 36 páginas; foi redigida por Carolina Hessel,
Fabiano Rosa e Lodenir Karnopp; foi ilustrada pelos desenhos de Carolina Hessel; e impressa
na Editora da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra. É a primeira obra literária do Brasil
escrita na Língua Brasileira de Sinais e também na Escrita de Sinais (SignWriting). Segundo a
própria apresentação do livro, “não sabemos quem contou esta história pela primeira vez. Ela
foi sendo recontada entre os surdos e nós resolvemos registrar e divulgar este belo texto”.
(HESSEL; ROSA; KARNOPP, 2003, p. 5).
“Cinderela Surda” contou com a colaboração da Professora Doutora Marianne Stumpf,
surda, que tem especialidade na área de escrita de sinais e atuou como consultora na
elaboração do conteúdo de SignWriting da obra. O livro “Cinderela Surda” (2003) é uma
adaptação. Muitas histórias são adaptadas, traduzidas e produzidas para Educação de Surdos,
mas ainda há poucos materiais sobre a literatura surda. Como os próprios autores do projeto
comentam na apresentação da obra que:
A maioria das pessoas conhece a clássica história da Cinderela. Nosso objetivo,
nesse texto, é recontar essa história a partir de outra cultura, uma cultura surda.
Assim, este livro foi construído a partir de uma experiência visual, com imagens,
com o texto reescrito dentro da cultura e identidade surda e da escrita da língua de
sinais, conhecido também como SignWriting. (HESSEL; ROSA; KARNOPP, 2003,
p. 5).
Em vez de deixar com o príncipe o sapato, Cinderela deixa uma linda luva rosa.
Depois disso, o príncipe ordena aos seus empregados que procurem em todas as casas do
reino pela moça cuja mão cabe perfeitamente naquela luva, pois ela seria a mulher com que
ele iria se casar. Depois de muito procurar, encontraram a casa de Cinderela, que estava
trabalhando na cozinha e por isso não os viu entrando.
Mas, depois da madrasta mentir dizendo que suas filhas eram surdas e ver que a luva
não serviu em nenhuma delas, o empregado mandou-a que chamasse a empregada surda que
estava trabalhando. Daí, Cinderela provou a luva e serviu perfeitamente. Todos ficaram
felizes, o príncipe a encontrou e, segundo os autores: “(...) casaram-se e foram felizes por
muito tempo”. (HESSEL; ROSA; KARNOPP, 2003, p. 32).
A obra “Cinderela Surda” para crianças surdas ensina que as crianças surdas podem
ter acesso a esse tipo de literatura, que retrata a cultura surda, uma cultura que contém uma
língua, literatura clássica, poesias, piadas; enfim, recursos inovadores que vêm surgindo na
área de educação e ensino para crianças surdas. A inserção da luva, em substituição ao
tradicional sapatinho de cristal, está associada ao símbolo por excelência da comunidade
surda. As luvas remetem às mãos, que apontam os sinais e a língua dos surdos.
Já na obra “Patinho Surdo” (Rosa e Karnopp 2005) conta a história de um patinho
surdo que nasceu em um ninho de ouvintes. Quando encontra patos surdos, aprende com eles
a Língua de Sinais da Lagoa e descobre sua história de vida. O texto aborda as diferenças
linguísticas na família e na sociedade, além de apresentar a importância do intérprete na
comunicação entre surdos e ouvintes. As ilustrações são em preto e branco e há um glossário
ao final do livro.
Os autores da obra “Patinho Surdo”, possibilitou que os leitores compreendessem os
conceitos sobre o que é o diferente na cultura da comunidade surda. Isso fortalece a idéia de
artefato cultural surdo e que a Literatura Surda, sem dúvida, é o meio e o modo de práticas
que vêm evoluindo e se adaptado para que o povo surdo compreenda com mais facilidade os
artefatos de sua própria cultura.
A literatura da cultura surda, contada na língua de sinais de determinada comunidade
linguística, é constituída pelas histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas,
pelas histórias de vida que são frequentemente relatadas, pelos contos, lendas, fábulas, piadas,
poemas sinalizados, jogos de linguagem, literatura e muito mais. Obras de literatura que
tematizam a experiência de pessoas surdas são escassos.
No entanto, as histórias são narradas e circulam na língua de sinais, que relembra, de
uma geração para outra, os valores, o orgulho de ser surdo, as histórias de vida e as
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A análise feita por Lebedeff (2005, p. 179) inclui o texto e as imagens das duas
histórias infantis. Diz a autora:
Os textos, que são duas histórias infantis Cinderela Surda foram escritos por dois
estudantes universitários surdos e por uma Doutora em linguística que apresentam
no texto inserções que vão desde dados da história dos surdos como adaptações das
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Sobre “Cinderela Surda”, além dos itens analisados por Lebedeff, é importante
mencionar o fato de que foi proposital a referência à infância da menina Cinderela e do
príncipe. O texto assim inicia: “Cinderela e o príncipe eram surdos e aprenderam a Língua de
Sinais Francesa quando eram pequenos” (HESSEL; ROSA; KARNOPP, 2003, p. 6).
A necessidade de explicar que Cinderela aprendeu a Língua de Sinais com a
comunidade de surdos, nas ruas de Paris, evidencia a forma como a maioria dos surdos
adquire e desenvolve sua língua, ou seja, uns com os outros, em lugares informais, com outros
usuários dessa língua. Outro fato recorrente na comunidade surda é o de compartilhar as
histórias de vida, ou seja, se nasceu surdo, quando entrou em contato com outros surdos,
quando começou a usar a língua de sinais.
Essa interface semiótica que existe entre a versão clássica de “Cinderela” e do
“Patinho Feio”, a que foi adaptada para a Cultura Surda, que é a “Cinderela Surda” e “Patinho
Surdo”. Os contos de fadas são utilizados como forma de análise, por meio de sua linguagem
simples e objetiva, que desperta mais a atenção das crianças, procurando dentro delas um
campo de identificação favorável, atingindo assim suas consciências. Isso faz com que as
mesmas levem de forma consciente para o inconsciente todo esse sistema de símbolos,
diferenciando suas emoções diante da leitura de um conto adaptado para cultura surda.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
7 REFERÊNCIAS
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COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.
GESSER, Audrei. Libras ? que língua é essa? crenças e preconceitos em torno da língua
de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
_________ Literatura infantil: teoria-análise didática. 6. ed. São Paulo, SP: Ática, 1997.
_________ Panorama Histórico da literatura infantil e juvenil. São Paulo: Ática, 1991.
ROSA, Fabiano; KARNOPP, Lodenir. Patinho Surdo. Canoas: Ed. ULBRA, 2005.
SACKS, Oliver W. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
SILVA, Maria Betty Coelho. Contar histórias: Uma arte sem idade. 2. ed São Paulo: Ática,
1989.
SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. 5. ed. Porto Alegre: Mediação,
2011.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2. ed. Florianópolis: UFSC,
2009.