Você está na página 1de 198

(Página deixada propositadamente em branco)

ANTROPOLOGIA
PORTUGUESA

2 0 2 0

3 7
V O L U M E

CENTRO DE
INVESTIGAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA
E SAÚDE
UNIVERSIDADE
DE COIMBRA
INFORMAÇÕES AOS AUTORES
NOTES FOR CONTRIBUTORS
http://impactum-journals.uc.pt/antropologiaportuguesa/about/submissions

PUBLICAÇÃO RESUMIDA E INDEXADA POR


INDEXING & ABSTRACTING
Web of Science
Scopus
European Reference Index for the Humanities (ERIH)
LATINDEX
DOAJ

A Antropologia Portuguesa não se responsabiliza pelas opiniões emitidas pelos autores.


Antropologia Portuguesa does not accept any responsibility for the views expressed by contributors.

PREÇO DO PRESENTE NÚMERO


VOLUME PRICE
15€ – regular
12€ – estudantes

AQUISIÇÃO DE NÚMEROS ANTERIORES


ORDERS FOR BACK VOLUMES
Antropologia Portuguesa
CIAS – Centro de Investigação em Antropologia e Saúde
Departamento de Ciências da Vida
Calçada Martim de Freitas
Edifício de São Bento
3000-456 Coimbra, Portugal
Tel. +351 239 240700, extensão 262359
E-mail: cia@ci.uc.pt; cias.gestao@gmail.com

Design
Imprensa da Universidade de Coimbra

Execução gráfica
www.artipol.net

Tiragem 300 exemplares


Depósito legal 203850/03

ISSN • 0870-0990

eISSN • 2182-7982

DOI • https://doi.org/10.14195/2182-7982_37
ANTROPOLOGIA
PORTUGUESA

2 0 2 0

3 7
V O L U M E

CENTRO DE
INVESTIGAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA
E SAÚDE
UNIVERSIDADE
DE COIMBRA
ANTROPOLOGIA P O R T U G U E S A
V O L U M E 3 7 • 2 0 2 0
DIRETOR PRINCIPAL CONSELHO CONSULTIVO
DIRECTOR CONSULTING BOARD
Ana Carina Marques
CLÁUDIA UMBELINO Department of Anthropology, William Paterson University, United
CIAS, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra States of America
marquesa3@wpunj.edu
Barry Bogin
Centre for Global Health and Human Development, Loughbor-
ough University, United Kingdom
CONSELHO EDITORIAL B.A.Bogin@lboro.ac.uk
EDITORIAL BOARD
Bruno Sena Martins
Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Portugal
Cláudia Umbelino bsenamartins@ces.uc.pt
CIAS, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
Charlotte Henderson
15 Warbeck Close, Newcastle-upon-Tyne, Tyne and Wear, NE3
Daniela Rodrigues 2FF, England
CIAS, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra c.y.henderson@googlemail.com
Charlotte Roberts
Fernando Florêncio Department of Archaeology, Durham University, United Kingdom
CRIA, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra c.a.roberts@durham.ac.uk
Cristiana Bastos
Luís Quintais Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Portugal
CES, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra bastoscristiana@gmail.com
Daniel García Rivero
Vítor Matos Departamento de Prehistoria y Arqueología, Universidad de
CIAS, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra Sevilla, España
garciarivero@us.es
Hilton Pereira da Silva
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
http://impactum-journals.uc.pt/antropologiaportuguesa/ do Pará, Brasil
hdasilva@ufpa.br
about/editorialTeam
Leah Li
Institute of Child Health, University College London
Lígia Araújo Martini
ASSISTENTE EDITORIAL Departamento de Nutrição, Universidade de São Paulo, Brasil
ASSISTANT EDITOR lmartini@usp.br
Luciana Sianto
Daniela Rodrigues Laboratório de Paleoparasitologia e Laboratório de Ecologia,
CIAS, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
lucianasianto@gmail.com
M. Eulália I de Galdàcano
Unitat d’Antropologia Biológica, Departament de Biologia
Animal, de Biologia Vegetal i Ecologia, Universitat Autònoma de
APOIOS Barcelona, España
SPONSORS eulalia.subira@uab.cat
Manuela Lima
Departamento de Biologia, Universidade dos Açores, Portugal
mlima@uac.pt
Nicholas Marquez-Grant
EDIÇÃO E PROPRIEDADE Cranfield Forensic Institute, Cranfield University, United
EDITOR Kingdom
n.marquezgrant@cranfield.ac.uk
CIAS – Centro de Investigação em Antropologia e Saúde Nuno Bicho
Departamento de Ciências da Vida Departamento de História, Arqueologia e Património, Universi-
Edifício de São Bento dade do Algarve, Portugal
nbicho@ualg.pt
Calçada Martim de Freitas
3000-456 Coimbra Paola Bianchi
Tel. +351 239 240700, extensão 262359 Fondazione IRCCS Ca’ Granda - Ospedale Maggiore Policlinico,
U.O.C. Oncoematologia, U.O.S Fisiopatologia delle Anemie, Italia
E.mail: cia@ci.uc.pt; cias.gestao@gmail.com paola.bianchi@policlinico.mi.it
S U M Á R I O

C O N T E N T S

7 131
How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo
target gestural communication within and de vida em idosos do concelho de Lisboa
between age groups Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira,
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain Vítor Rosado-Marques

29 159
Os Caminhos Portugueses a Santiago de Relationships among genomic ancestry, clinical
Compostela — fragmentos holísticos da manifestations, socioeconomic status, and skin
patrimonialização color of people with sickle cell disease in the State
Leandro Gomes, Fernando Florêncio of Pará, Amazonia, Brazil
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva,
Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

53
Un estudio antropológico-jurídico de la
conducta ética del etnógrafo en el espacio 177
hospitalario en México Recensão
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Book Review
Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

183
73 Normas para Publicação
Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Author Guidelines
Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

99
Novo método de extração de amidos do cálculo
dentário e criação de uma coleção identificada
para a reconstrução das dietas do passado
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos,
António Pereira Coutinho
(Página deixada propositadamente em branco)
How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target
gestural communication within and between age
groups
Como os chimpanzés (Pan troglodytes) em cativeiro 7
direcionam a comunicação gestual de acordo com a
faixa etária
Miguel Filipe da Silva Oliveira1,a*, Sofia N. Wasterlain1,2,3,b

Abstract Gestural communication among Resumo A comunicação gestual nos primatas


nonhuman primates evolved as a response não-humanos evoluiu como uma resposta à
to their complex social environment. In this complexidade social. Neste âmbito, machos
scope, males and females, adults and non- e fêmeas tendem a usar diferentes tipos de
adults employ different gestures, probably gestos, provavelmente consequências das di-
due to their distinct social roles. In this study, ferentes pressões sociais a que estão sujeitos.
a within and between age group analysis Neste estudo, realizou-se uma análise intra e
of the gestures produced in different con- interclasses etárias dos gestos produzidos em
texts was carried out. For this purpose, a contextos distintos. Para tal, durante um pe-
community of 16 captive chimpanzees (Pan ríodo de 3 meses, observou-se uma colónia
troglodytes) was observed during a 3-month de chimpanzés (Pan troglodytes) em cativei-
period. Initially, data were collected through ro. Inicialmente, os dados foram recolhidos
ad libitum sampling in order to identify their através de uma amostragem ad libitum, para
gestural repertoire. Subsequently, focal sam- a elaboração do catálogo gestual. Posterior-
pling was used to identify who gesticulated mente, a amostragem focal determinou quem
with whom and in what context. Overall, gesticula com quem, e em que contexto. De
the results showed that juvenile chimpan- um modo geral, os resultados mostraram que,
zees tend to direct their gestures to different em alguns casos, os chimpanzés juvenis ten-
age groups according to the context; more dem a gesticular para outros chimpanzés de

1
Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
2
CIAS — Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Universidade de Coimbra
3
CEF — Centro de Ecologia Funcional, Universidade de Coimbra
a
orcid.org/0000-0003-0712-210X, b orcid.org/0000-0003-2913-3037
* Autor correspondente/Corresponding author: migueloliveira16@hotmail.com

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 7-28 • https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_1


Artigo recebido: 14 de junho de 2019 – Aceite: 5 de fevereiro de 2020/Received: June 14th 2019 – Accepted: February 5th 2020
specifically, juvenile chimpanzees frequently classes etárias semelhantes, tendo em conta o
gesticulate within their age group in play contexto; mais especificamente, estes direcio-
contexts, and with older individuals in loco- nam gestos em contexto de brincadeira para
motion and affiliation contexts. Based on this, outros chimpanzés juvenis, e comunicam com
a certain degree of flexibility in juvenile chim- chimpanzés adultos em contexto de locomo-
panzees gestural signalling is suggested, to ção e afiliação. Com base nestas evidências,
8 the extent that they rather direct their ges- sugerimos a existência de um certo grau de
tural signs to chimpanzees of the same age flexibilidade na capacidade de comunicar por
group with the aim of involving themselves gestos dos chimpanzés juvenis, uma vez que
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

in the activities’ context in which the gestural estes tendem a direcionar os seus gestos para
sign is produced. recetores de classes etárias aparentemente
mais adequados, tendo em conta o contexto
do sinal gestual.

Keywords: Gestures; chimpanzee; flexibility; Palavras-chave: Gestos; chimpanzé; flexibi-


play. lidade; brincadeira.

Introduction panzees, bonobos, and western gorilla:


Cantalupo and Hopkins, 2001).
Over the past decades, research on Besides the hypothesized association
gestural communication in nonhuman with the human language, gestural com-
primates has become a rather appealing munication used by nonhuman primates
area due to the phylogenetic proximity plays a fundamental role in the transmis-
between humans and other primates. sion of information among individuals.
Evidences on shared communication Therefore, its study allows for a deeper
characteristics in nonhuman and hu- understanding of how primates interact
man primates have emerged, regarding with conspecifics, and how they deal with
flexibility, intention, and learning op- a vast group of challenges, mainly of a
portunity (Liebal and Call, 2012), cultural social nature (Liebal et al., 2013). In fact,
variation and mutual understanding according to some authors (Maestrip-
(e.g. chimpanzees and bonobos: Pollick ieri, 1999; Call and Tomasello, 2007), the
and de Waal, 2007; bonobos: Graham et gestural communication of nonhuman
al., 2017) or even neuronal mechanisms primates is influenced by the complexity
underlying language production in hu- of their social environment. That is, the
mans and gestural production in nonhu- higher the social complexity of a particu-
man primates (e.g. southern pig-tailed lar species, the greater will be the com-
macaques: Rizzolatti et al., 1996; chim- plexity and variety of its gestural reper-
toire. Taking chimpanzees as an example, ontogeny. In this sense, Tomasello et al.
their gestural repertoire is one of the most (1989) stressed that some gestural signs
varied (i.e., in terms of the number of dif- used by juvenile chimpanzees were not
ferent gestures produced) and complex adopted by adults and vice-versa; and
(in meaning and morphology), reflecting that other gestural signs were used by
an adaptation to the innumerable de- individuals of distinct age groups, though 9
mands of their social systems (Roberts et with different purposes. For example, the
al., 2012a), which comprises formation of arm raise (an individual raises his arm, as

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
coalitions (Gilby et al., 2012), conflict reso- if to hit, and then charges other) gestural
lution (Fuentes et al., 2002), and mating sign is made by juvenile chimpanzees only
strategies (Duffy et al., 2007). to engage in play activities (Tomasello et
Lately, new data supporting the hy- al., 1985), and the throwback head is used
pothesis that social complexity affects both by young siamangs (Symphalangus
gestural communication of nonhuman syndactylus) to play and by adults to start
primates arose. Scott (2013) found dif- copulation (Liebal et al., 2004a).
ferences in the use of gestural signs by Additionally, Call and Tomasello
opposite sex chimpanzees when sub- (2007) also suggested that, in chimpan-
jected to social pressures. In intersexual zees, gestural repertoire tends to increase
interactions, males resorted more often during infancy and youth, but it decreases
to agonistic gestural signs, as a control once the individual becomes an adult.
attitude toward females, while females Hobaiter and Byrne (2011a) proposed
gesticulated more frequently in affilia- that the reduction of gestural repertoire in
tion contexts, to avoid retaliation and adulthood may be explained by a higher
aggressive behaviour of males. On the capacity of understanding gestural signs,
other hand, Roberts and Roberts (2015) restricting communication to more ef-
found that, in mating circumstances and fective gestures, in a phenomenon called
also for chimpanzees, there was an adap- repertoire tunning. On the other hand,
tation in the sensory modality of subor- younger individuals are less experienced
dinate males’ gestural communication in and thus incapable of understanding
the absence or presence of alpha males. gestures efficacy; accordingly, they use a
In the presence of alpha males, subtle greater number of signs that constitute a
tactile gestural or visual signs were used larger gestural repertoire, although with a
to address females, whereas in their ab- smaller efficiency in comparison to adults.
sence, acoustic gestural signs were pref- Call and Tomasello (2007) and Liebal et
erentially used to get females attention. al. (2013) added that younger chimpan-
Gestural communication also dif- zees are highly involved in play activities,
fers according to the nonhuman primate which require a higher flux of communi-
cation. Actually, according to Frohlich et troglodytes) captive colony produce ges-
al. (2016a; 2017), playing is a decisive ele- tural signs between and within distinct
ment in the acquisition of gestural signs age groups in different contexts. For this
in an early phase of the individual’s on- purpose, we hypothesized that the con-
togeny. They state that playing provides text of gesture communication would
10
socialization opportunities as well as the differ between and within age groups
necessary experiences to stimulate the interactions, for both juvenile and adult
development of a complete gestural rep- chimpanzees, and match their social pri-
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

ertoire — flexible and intentional — and orities. To this end, we predicted that, on
to improve, simultaneously, the capacity the one hand, adult chimpanzees would
of using proper gestural signs for the ac- be more likely to employ sex and groom-
complishment of a specific goal. ing within age group interactions, and,
Although individuals in different on the other hand, juvenile chimpanzees
ontogeny stages also suffer distinct would be more likely to use play ges-
social pressures (Hamada and Udono, tures within age group interactions, but
2006; Watts and Pusey, 2002), very little locomotion, food and affiliation gestures
is known about the pattern of gestural between age group interactions.
communication in individuals of different
age groups. Liebal and Call (2012) under- Methods
lined this idea when alerting for the scar- Subjects
city of published data on differences in
gestural signs use among independent The colony studied was composed
groups of the same community of non- by 7 male and 9 female chimpanzees,
human primates. As mentioned above, from which 5 were juveniles (aged be-
some evidences about these differences tween 4 and 7 years old) and 11 were
— e.g., between males and females — adults (aged between 13 and 30 years
have been reported (e.g. Scott, 2013; old), all living at the Lisbon Zoo (Portu-
Roberts and Roberts, 2015). Nevertheless, gal). Neither kinship, nor the dominance
on what concerns age groups, research rank in the colony were known. During
has been mostly focused on the effect of the day, chimpanzees had unrestricted
social complexity in the use of gestural access to the outdoor captivity (1220
signs, as well as on the development of m2, approximately), composed by a grass
gestural repertoire throughout the on- field delimited by a stream and made up
togeny of individuals, namely on how of tree trunks, a wooden climbing facility,
signs are acquired in the first years of life. ropes, blankets and stairs leading to the
Endeavouring to overcome this la- indoor captivity (470 m2, approximately)
cuna, the present study aims to analyse that also contained a wooden climbing
how individuals from a chimpanzee (Pan facility and where chimpanzees stayed
overnight and during heavy rain days, with each other, ad libitum sampling was
and cleaning and feeding operations adopted in a first phase, followed by a
(every day between 9 am and 10 am). focal sampling (Altmann, 1974; Martin
and Bateson, 1993), each one serving a
Procedures different purpose. Ad libitum sampling
allowed the elaboration of the gestural 11
Data was collected by the first author repertoire. In order to guarantee the ac-
(MO) of this study between 10 am and 4 curacy of the data collected, the obser-

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
pm, during a 3-month period, from De- vation in this phase was based on the
cember 2nd, 2015 to February 23rd, 2016. protocol described in table 1.
At the end of the first phase, the ges-
Data Collection tural repertoire (table 2) was produced
according to the following procedures:
With the aim of recording interac- (1) morphological description of gestural
tions during which chimpanzees dis- signs [analogous to Hobaiter and Byrne
played gestural signs to communicate (2011b), or Roberts et al. (2014)] always

Table 1. Ad libitum observation sampling protocol.


Item Operational Definition Criteria
Gesture The communication signal pro- (1) Gesture production towards an indi-
duced by the expressive move- vidual (Liebal et al., 2013; Roberts et al.,
ments of the head, limbs, or 2012b).
other body parts and directed to (2) Gesture production in a way that en-
a recipient with the purpose of sures the recipient can visualize it. Other-
influencing their behaviour in a wise, the signaller manipulates the recipi-
specific way (Liebal et al., 2004b; ent’s attention via auditory and/or tactile
Roberts et al., 2014). signs or by moving forward to the recipi-
ent before gesture production (Liebal et
al., 2013; Roberts et al., 2012b).
(3) Persistence or production of additional
gestures in response to an unsuccess-
ful communication attempt (Liebal et al.,
2013; Roberts et al., 2012b).
Apparently An outcome that ends the sig- Based on the observation of the impact
Satisfactory naller’s intention to communi- of the recipient’s behavioural response to-
Outcome cate, if the purpose of the ges- wards the signaller, according to the func-
ture was satisfied (Hobaiter and tional context of the interaction (Roberts
Byrne, 2014). et al., 2012b; Moore, 2014; Cartmill and
Byrne, 2010).
beginning the designation attributed to libitum sampling was compared with the
each gestural sign by a verb in the infinitive ones gathered by Roberts et al. (2014),
form, as proposed by Nishida et al. (2010); Scott (2013), McCarthy et al. (2013), and
(2) allocation of the functional context Hobaiter and Byrne (2011b). From the 30
to each gesture; and (3) correspondence gestural signs identified, only one did not
12 between each gestural sign and the re- have a partial or total correspondence
spective and apparently satisfactory out- with the morphological descriptions pre-
come. The functional context of each ges- sented by the above mentioned authors.
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

ture was also determined based on its ap- Subsequently, focal samplings were
parently satisfactory outcome (Tomasello collected. During each 15 minutes ses-
et al., 1997) and in line with the definitions sion, a focal chimpanzee was followed
proposed by Pollick and de Wall (2007), and observed as a signaller (the chim-
namely for play, affiliative, agonistic, feed, panzee who produces an intentional
locomotion, sexual and groom contexts. gesture, Roberts et al. 2012a) or a re-
As an example of these procedures, the cipient (the chimpanzee to whom the
direct upper limb gestural sign is morpho- gesture was directed, as determined
logically described by the stretch of one through the orientation of the head and
of the upper limbs towards the receiver or the body of the signaller, during or im-
another location, and it is performed by a mediately after the gesture production,
chimpanzee who looks to move to anoth- Roberts et al. 2012a) of a gestural sign. In
er location, in the context of locomotion each interaction, along with the gestural
(see table 2). signs, the identification of the recipient (if
It should be noted that intra- or in- the focal chimpanzee was the signaller)
ter-observer tests were not carried out. or the signaller (if the focal chimpanzee
Not only the geomorphological charac- was the recipient) was registered. The
teristics of the chimpanzees’ enclosure behavioural response of the recipient
were not suitable for video equipment was also registered (present or absent).
installation, but also the viewing angle The focal sampling sessions were not
did not allow for an observation spec- randomized. The selection of the focal
trum capable of covering the entire chimpanzee was based on the criterion
space. Hence, the observer was forced of the number of focal sessions already
to change position on several occasions, done to ensure that all subjects had the
during date collection. Plus, no gestural same number of focal sessions and iden-
repertoires on the population under tical observation times, as suggested by
study were available. Alternatively, in an Martin and Bateson (1993).
attempt at minimizing this handicap, the The gestures previously identified
gestural repertoire obtained through ad and described at the gestural repertoire
Table 2. Gestural repertoire with all gestures observed during ad libitum sampling for the
chimpanzee colony, living at the Lisbon Zoo (Jardim Zoológico de Lisboa). This repertoire
encompasses the gesture designation, its morphological description, functional context and
apparently satisfied outcome, and the age group who produced the gesture.
Apparently
Performed
Gesture Morphological Description Context Satisfied
by
Outcome 13
Bite smoothly into a random part of the Juvenile Get engaged
Bite Play
receiver’s body. and adults in play

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
Grasp the upper or the lower limb of the Move to
Juvenile Locomo-
Pull limbs receiver with one hand and then pull that another
and adults tion
limb vigorously. location
Slap consecutively on the receiver’s back,
Hit the with one of the following configurations: Juvenile Get engaged
Play
back only with one hand, with both hands and adults in play
simultaneously or alternately.
Put one hand on a random part of the
Juvenile Locomo- Put away
Push receiver body and push moderately
and adults tion receiver
smooth.
Slap consecutively the floor producing
an audible contact, with one of the fol- Draw attention
Hit the
lowing configurations: with both hands Juvenile Play and/or get
ground
simultaneously or with both hands but engaged in play
alternately.

Grasp Grasp vigorously, with one hand, the up- Juvenile Locomo- Immobilize
limb per or the lower limb of the receiver. and adults tion receiver

Move to
another loca-
“Sweep” vigorously the ground with both
Throw Juvenile Locomo- tion; Draw
hands in a way that dirt debris is thrown
soil and adults tion /Play attention and/
towards the receiver.
or get engaged
in play
Get in bipedal posture, walk towards the
Fling up- receiver and then flex the upper limbs, Get engaged
Juvenile Play
per limbs preceded by its extension, projecting the in play
upper limbs against the receiver’s body.
Draw attention
Hit the Slap smoothly on the head of the receiv- Juvenile
Play and/or get
head er, with only one hand. and adults
engaged play
Move to
Direct up- Stretch one of the upperlimbs towards Juvenile Locomo-
another
per limb the receiver or another location. and adults tion
location
Table 2. (cont.)

Apparently
Performed
Gesture Morphological Description Context Satisfied
by
Outcome
Get in a bipedal posture with the hands
grasping the wood trunk that holds the
Shake ropes, and wag the rope bed with verti- Get engaged
14 Juvenile Play
rope bed cal movements of the feet and look to in play
the receiver who is lying down or sitting
under the signaller.
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

Take the rope of the wood stairs leading


Shake to the inner captivity, with both hands Get engaged
Juvenile Play
rope and shake it sideway to touch the receiv- in play
er, who is sitting or lying on that stairs.
Move towards the receiver, lie down near
Show with lower limbs flexed and opened, Initiate
Adults Sex
genitals keep the feet on the ground and display copulation
the genitals.
Take one of the wood trunks of the stairs
Shake leading to the inner captivity, with both
Juvenile Get engaged
wood hands and shake it in a way to disturb the Play
and adults in play
trunk receiver, who is sitting or lying on that
trunk.
Get in a bipedal posture and lift one of
Raise up- the upperlimbs in the vertical direction, Get engaged
Juvenile Play
per limb accompanied by small crunches of the in play
lower limbs.
Move to
Put on Place both hands on the upper back of Locomo-
Juvenile another
the back the recipient that is in slow walking. tion
location
Clap on one of the wood trunks of the
Hit the Draw attention
stairs leading to the inner captivity, with
wood Juvenile Play and/or get en-
both hands simultaneously, producing an
trunk gaged in play
audible contact.
Hang, with both hands, on one of the
suspended ropes, make circular move-
Show ments around the wood trunks and
Get engaged
lower move one of the lower limbs towards to Juvenile Play
in play
limb the receiver’s head, whenever the sender
passes over the latter, who is sitting or
lying under the rope.
Get in a bipedal posture, with one hand
grasp the suspended rope while the Initiate
Rub penis Adults Sex
other massage and rub the genital area copulation
with the erected penis.
Table 2. (cont.)
Apparently
Performed
Gesture Morphological Description Context Satisfied
by
Outcome
Stretch both upper limbs, in a front and
Lift upper
slightly shoulder level way, toward the Juvenile Affiliative Get affection
limbs
receiver.
15
Approach the face towards the receiver’s
Juvenile
Direct lips face, with the lips projected in a way to Affiliative Get affection
and adults
form a small extension.

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
Provide Stretch one of the upperlimbs toward
Locomo- Move to an-
upper the receiver, with the palm of the hand Juvenile
tion other location
limb facing up.
Run
Run toward the receiver, with the head Get engaged
upside Juvenile Play
and shoulders bent toward the ground. in play
down

Show Move toward the receiver and then sit Juvenile


Groom Get groomed
back with the back facing the receiver. and adults

Touch smoothly with the tip of the foot


Touch the on the receiver’s head (the signaller is Get engaged
Juvenile Play
head suspended on the rope and above the in play
receiver).
Get in a bipedal posture, projecting the
body vertically through the extension of
the lower limbs and only one upper limb Juvenile Locomo- Immobilize
Get up
towards one of the receiver’s lower limbs, and adults tion receiver
who is an upper position suspended in
the rope.
Crouch down near the receiver and
Juvenile
Show rear stretch the lower limbs to direct the but- Groom Get groomed
and adults
tock to receiver’s facial area.

Get in a bipedal posture and walk slowly Get submis-


Juvenile Affiliative/
Swag toward the receiver by swinging the body sion/ Get en-
and adults Play
alternately to either sides. gaged in play

Show up- Stretch the upperlimb at eye level of the Juvenile


Groom Get groomed
per limb receiver. and adults

Put on
Extend one of the upper limbs and place Juvenile
the shoul- Affiliative Get affection
a hand on the receiver’s shoulder. and adults
der
were converted into 3-letter codes [anal- (r), the total number of interactions with re-
ogously to Liebal et al. (2004b) and Rob- cipient’s behavioural response (n1) was di-
erts et al. (2014)] in order to avoid redun- vided by the total number of interactions
dancies and to improve data collection (n2) in three situational contexts: overall
efficiency (Lehner, 1996). For example, interactions, overall intra-age group in-
16 the direct upper limb was coded into dul. teractions (juvenile-juvenile, adult-adult),
and overall inter-age group interactions
Data Analysis (juvenile-adult, adult-juvenile).
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

Gesture Rate
Statistical Analysis
Only data collected during the focal
sampling were considered for calculation Collected data was statistically pro-
of the gesture rate. This rate (g) was cal- cessed and analysed using IBM SPSS
culated for each individual in the sample, Statistics 23. The gesture rate for each
by dividing the total number of gestural chimpanzee and for each situational
signs produced under focal sampling (n) context was first measured, as described
by the total number of hours of obser- above. Then, and given the small sample
vation (t). Regarding the total number of size (N=16), the Shapiro-Wilk test was
hours of observation, each chimpanzee run and all variables in study were not
was observed during 12 focal sessions. In normally distributed. Subsequently, the
most chimpanzees, 12 focal sessions are Mann-Whitney test was used to com-
equivalent of three hours of observation. pare the gesture rate between juvenile
However, in some cases, during the ob- and adult chimpanzees in all interactions
servation session, the focal chimpanzee (overall and for each functional context),
temporarily was no longer in sight. This in same age group interactions (overall
out of sight amount of time was not ac- and for each functional context) and in
counted. That is, the observation time, in different age group interactions (over-
hours, ranges from 2.75 hours to 3 hours all and for each functional context). The
— i.e., all chimpanzees had the same same procedure was used to compare
number of focal sessions, but not all had the responsiveness rate in overall, intra-
the same observation time. age group and inter-age group interac-
The gesture rate was measure for the tions. Finally, the Wilcoxon test was used
situational contexts described in table 3. to compare the gesture rate between
Besides gesture rate analysis, the be- same age groups and different age
havioural response of the recipients was groups interactions (overall and for each
also analysed. For this responsiveness rate functional context).
Table 3. Situational contexts in which gesture rate was measured and its requirements.
Functional
Situational context Recipient
context
All interactions (overall) All All
All intra-age group interactions (overall) All Only same age group recipients
All inter-age group interactions (overall) All Only different age group recipients 17
All playing interactions Only play All
All intra-age group playing interactions Only play Only same age group recipients

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
All inter-age group playing interactions Only play Only different age group recipients
All feeding interactions Only feed All
All intra-age group feeding interactions Only feed Only same age group recipients
All inter-age group feeding interactions Only feed Only different age group recipients
All affiliative interactions Only affiliative All
All intra-age group affiliative
Only affiliative Only same age group recipients
interactions
All inter-age group affiliative
Only affiliative Only different age group recipients
interactions
All agonistic interactions Only agonistic All
All intra-age group agonistic
Only agonistic Only same age group recipients
interactions
All inter-age group agonistic
Only agonistic Only different age group recipients
interactions
All sex interactions Only sex All
All intra-age group sex interactions Only sex Only same age group recipients
All inter-age group sex interactions Only sex Only different age group recipients
Only
All locomotion interactions All
locomotion
All intra-age group locomotion Only
Only same age group recipients
interactions locomotion
All inter-age group locomotion Only
Only different age group recipients
interactions locomotion
All grooming interactions Only groom All
All intra-age group grooming
Only groom Only same age group recipients
interactions
All inter-age group grooming
Only groom Only different age group recipients
interactions
Results in the following contexts: play (U=0.000;
z=-3.433; p≤0.001) and locomotion
First of all, no gestures were found in (U=2.500; z=-2.847; p=0.002). As shown
either feeding or agonistic contexts. Over- in figure 1, in both cases, juvenile chim-
all, almost 75% of the gestures observed panzees presented considerably higher
18 were produced by juvenile chimpanzees. gestures rates compared to adults. For
Table 4 briefly summarizes the percentage the remaining contexts, no significant
of gestures produced in each functional differences were observed (affiliation:
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

context. On the one hand, from an age U=10.000; z=-2.036; p=0.052; grooming:
group view, play and locomotion were U=23.500; z=-0.481; p=0.661; and sexual:
the contexts in which most gestures were U=17.500; z=-1.490; p=0.267).
displayed by juvenile and adult chim-
panzees, respectively. On the other hand, Within Age Group Interactions
from a context view, play and locomotion,
and sex and groom were the contexts in When considering only interactions
which there was a greater predominance within the same age group (juvenile-ju-
of gestures employed by juvenile and venile, adult-adult), significant differences
adult chimpanzees, respectively. were obtained between the individuals’
global gesture rates (U=0.000; z=-3.136;
All Interactions p≤0.001). However, when each context
was analysed separately, significant dif-
When all individuals are considered, ferences were only obtained for the play
significant differences were found for the context (U=0.000; z=3.580; p≤0.001). In
global gestures rate (U=0.000; z=-3.162; this particular case, as shown in figure 2,
p≤0.001) as well as for the gestures rates the gesture rate was considerably higher

Table 4. Brief overview of the gestures by age group and context.


Juvenile Adult Sum (context)
n % n % n %
Play 146 97.6 5 3.3 151 46.3
Locomotion 75 65.2 40 34.8 115 35.3
Feed 0 0.0 0 0.0 0 0.0
Sex 0 0.0 7 100.0 7 2.1
Affiliative 16 50.0 16 50.0 32 9.9
Groom 5 23.8 16 76.2 21 6.4
Agonistic 0 0.0 0 0.0 0 0.0
Sum (age
242 74.2 84 25.8 326 100.0
group)
19

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
Figure 1. Gesture rate comparison of juvenile and adult chimpanzees for each functional con-
text; * p<0.05.

Figure 2. Gesture rate comparison of juvenile and adult chimpanzees in same age group (juve-
nile-juvenile, adult-adult) interactions, for each functional context; * p<0.05.

in juvenile chimpanzees. In the remaining z=-2.906; p=0.743), grooming (U=14.500;


contexts, no statistically significant differ- z=-1.621; p=0.145) and sexual (U=20.000;
ences were found: affiliation (U=12.500; z=-1.248; p=0.441).
z=-1.972; p=0.090), locomotion (U=24.500;
Between Age Group Interactions p=0.078), grooming (z=-1.580; p=0.070)
or sexual (z=-0.184; p=0.500) contexts.
As for the interactions between
individuals of different age groups (ju- Overall Responsiveness Rate
venile-adult; adult-juvenile), significant
20 differences were also obtained in the To evaluate the responsiveness rate,
global gesture rates (U=0.000; z=-3.127; only three situational contexts were con-
p≤0.001). Regarding each context, differ- sidered: overall interactions and only in-
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

ences were found in affiliation (U=1.000; tra- and inter-age group interactions. In
z=-3.233; p=0.001) and locomotion any of these, no significant differences
(U=2.000; z=-2.906; p=0.002), where the were found: overall (U=23.000; z=-0.518;
gesture rate of juvenile chimpanzees p=0.661), intra-age group (U=21.000;
was higher, as shown in figure 3. z=-0.757; p=0.510) and inter-age group
(U=4.000; z=-2.711; p=0.008) (Figure 5).
Within vs Between Age Group Interactions

When each age group was analysed Discussion and conclusions


separately (Figure 4) — and once more
with the aim of comparing the gesture The main aim of this study was to
rate intra- and inter-age group in different investigate the differences in gestural
contexts —, statistically significant differ- communication within and between
ences were only obtained for juvenile in- age groups of the chimpanzee commu-
dividuals in play (z=-2.023; p=0.031), lo- nity living at the Lisbon Zoo (Lisbon, Por-
comotion (z=-2.086; p=0.036) and affilia- tugal). In order to ascertain these differ-
tion (z=-2.023; p=0.031) contexts. In the ences and to analyse in which contexts
first case, intra-age group gestural com- there was a higher frequency of intra-
munication was significantly higher than and inter-age group gestural communi-
the recorded for the inter-age group. The cation, the observation focused on three
opposite was found for the locomotion parameters: age group of the signaller,
and affiliation contexts. No significant the gesture produced (and respective
differences were found in the grooming functional context) and the age group
context for juvenile individuals (z=-0.816; of the receiver. In general, the obtained
p=0.375). Regarding adult individuals, no results revealed that, in some cases, juve-
differences were found between the rate nile chimpanzees tended to direct their
of gestures intra- and inter- age group gestures to chimpanzees of apparently
in play (z=-0.447; p=0.500), locomotion more adequate age group to particular
(z=-1.137; p=0.155), affiliation (z=-1.725; contexts.
21

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
Figure 3. Gesture rate comparison of juvenile and adult chimpanzees in different age groups
(juvenile-adult, adult-juvenile) interactions, for each functional context; * p<0.05.

Figure 4. Gesture rate comparison of juvenile and adult chimpanzees in same and different age
group interactions, for each functional context; * p<0.05.

The within and between age groups direct the same gestures to conspecifics
analyses have shown that juvenile chim- of the same age group. These evidences
panzees strongly prefer to communicate corroborate the results obtained by To-
by gestures in a play context, but also to masello et al. (1985) and Frohlich et al.
22
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

Figure 5. Responsiveness rate comparison of juvenile and adult chimpanzees in overall, intra-
age group and inter-age group interactions.

(2016a). As such, two plausible and com- motor stimulation and physical and cog-
plementary motives emerge to explain nitive exercising (Bekoff and Byers, 1981).
why young chimpanzees gesticulate They might also influence future domi-
substantially more to others of the same nance hierarchy (Byers and Walker, 1996;
age group in play context. Palagi and Cordoni, 2012), stimulate the
First of all, several authors (Hobaiter learning of behaviour and communica-
and Byrne, 2011b; Tomasello et al., 1997; tion elements from other chimpanzees
King et al., 1980; Palagi et al., 2004; Shi- (Fagen, 1981), reduces social conflicts
mada and Sueur, 2014) state that playing (Palagi, 2007), and potentiate the prac-
is the main context in which younger tice and testing of communication signs
individuals of several primate species as well as the establishment of social re-
get involved. Generally, the evolutionary lationships (Goodall, 1968).
function of playing fosters the develop- Secondly, adult chimpanzees do not
ment of social, physical and cognitive ca- show much physical and cognitive availa-
pacities (Davila-Ross et al., 2011; Cordoni bility to get involved in non-priority activi-
and Palagi, 2011), and promotes the nec- ties such as playing. That is why younger
essary behavioural flexibility to deal with chimpanzees tend to choose other young
social and ecological needs (Palagi and individuals to play (Mendonza-Granados
Paoli, 2007). Therefore, play activities be- and Sommer, 1995; Flack et al., 2004).
tween juvenile individuals bring several Moreover, the results obtained in
benefits, namely socialization, sensori- this study apparently support the social
negotiation hypothesis, which, according the gesture rate of juvenile chimpanzees
to Frolich et al. (2016a), suggests that has surpassed the one of adult individu-
“gestures are the output of social shap- als. Apparently, the fact that locomotion
ing, shared understanding, and mutual and affiliation include diverse and regu-
construction in real time by both inter- lar parenting activities may explain why,
actants”. The results here presented clear- in these contexts, juvenile chimpanzees 23
ly provide evidence of a high prevalence tend to direct their gestures to adults.
of gestural signalling in play interactions For instances, in locomotion context,

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
among young chimpanzees. This sug- younger chimpanzees frequently request
gests that they devote a great part of ‘joint-travel’ to adults, with the intent of
their time to playing, which is, accord- exploring the surrounding environment,
ing to Frohlich et al. (2016a; 2017), an es- even when they are already physically
sential component in the early stages of independent (Tomasello et al., 1989; To-
chimpanzees’ ontogeny, not only for the masello et al., 1985; Flack et al., 2004). This
development of a functional and com- pattern of gestural communication is sim-
plete gestural repertoire, but also for the ilar to that found by Halina et al. (2013) in
effective learning of the appropriate ges- bonobos (Pan paniscus) living in captivity.
tural signs. The latter should be based on However, Frohlich et al. (2016b) verified
mutual and shared understanding and the opposite in wild chimpanzees, i.e.,
exhibited to produce different mean- that the initiative of gesticulating in order
ings, specific for different contexts. to require ‘joint-travel’ was performed by
In play context, the gestural commu- the progenitors. In sum, data here pre-
nication pattern of juvenile individuals is sented do not sustain potential interspe-
compatible with what is considered, in cific differences on what concerns mater-
the literature aforementioned, as a typi- nal styles related to locomotion, as stated
cal behaviour of young chimpanzees. In by Frohlich et al. (2016b). For this motive,
other words, the involvement among it is suggested that possible socioecolog-
young individuals in play activities is ical discrepancies between captivity and
rather common and the results obtained wild environment might be at the base of
corroborate that tendency, attested by a the differences found.
significant rate of gestural signs within The same gestural communication
the group of juvenile chimpanzees in pattern was verified in affiliation context.
play context. Younger chimpanzees usually seek their
On the other hand, on what con- parents or other adult chimpanzees for
cerns inter-age groups interactions, the affiliative activities (Tomasello et al., 1989;
results revealed differences in locomo- Goodall, 1968; Pusey, 1990; Langergraber
tion and affiliation contexts, in which et al., 2007). This occurs not only due to
the affective relationship between them, in age-groups, should be carried out both
but because the latter are the most suita- in the wild, where primates are exposed to
ble to provide affiliative care. Hayashi and selective active pressures (Frohlich et al.,
Matsuzawa (2017) also argue that, even 2016b), and in captive populations.
after becoming independent and be-
24 ginning to explore the social and physi- Acknowledgements
cal environment around them, younger
chimpanzees continue to request affilia- The authors would like to thank Jar-
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

tion activities to their mothers quite of- dim Zoológico de Lisboa (Portugal) for
ten, taking them as a ‘secure base’. allowing data collection. The co-author
As emphasized by Roberts et al. (SW) was financed by national funds by
(2012b), gestural communication plays an FCT — Fundação para a Ciência e Tec-
important role in the way nonhuman pri- nologia, under the project with the refer-
mates deal with social complexity. In fact, ence UID/ANT/00283/2019. The authors
the results here presented suggest a cer- also acknowledge the anonymous re-
tain degree of flexibility in gestural signali- viewers whose valuable comments and
zation of juvenile chimpanzees, showing suggestions allowed us to improve the
their tendency to direct gestural signs to manuscript.
get involved with individuals of a similar
age-group depending on the context in References
which the gestural sign is produced.
Finally, the following constraints Altmann, J. 1974. Observational study of behav-
should be taken into account when inter- ior: sampling methods. Behaviour, 49(3):
preting the obtained results: the relatively 227−267. DOI: 10.1163/156853974X00534.
short period of data collection; the pos- Bekoff, M.; Byers, J. A. 1981. A critical reanaly-
sible kinship and/or dominance rank be- sis of the ontogeny and phylogeny of
tween the individuals (according to some mammalian social and locomotor play:
authors, this may influence several interac- an ethological hornet’s nest. In: Immel-
tions in diverse contexts — e.g. Goodall, mann, K.; Barlow, G. W.; Petrinovich, L.;
1968; 1986; Boeschet al., 2006; Lonsdorf Main, M. (eds.). Behavioral development.
et al., 2014; Foerster et al., 2016; Murray et New York, Cambridge University Press.
al., 2006), and, more important, the fact Boesch, C.; Lehmann, J.; Fickenscher, G. 2006.
that the data collected was not validated Kin biased investment in wild chimpan-
through analyses intra- and inter-observer. zees. Behaviour, 143(8): 931−955. DOI:
To attain a holistic understanding of ges- 10.1163/156853906778623635.
tural communication in nonhuman pri- Byers, J. A.; Walker, C. 1996. Redefining the
mates, similar analyses, i.e., between/with- motor training hypothesis for the evo-
lution of play. The American Naturalist, 2016. Chimpanzee females queue but
146(1): 25−40. DOI: 10.1086/285785. males compete for social status. Scientific
Call, J.; Tomasello, M. 2007. The gestural Reports, 6: 35404. DOI: 10.1038/srep35404.
communication of apes and monkeys. Frohlich, M.; Wittig, R. M.; Pika, S. 2016a. Play-
Mahwah, Lawrence Erlbaum Associates. solicitation gestures in the wild: flex-
Cantalupo, C.; Hopkins, W. D. 2001. Asym- ible adjustment to social circumstances 25
metric Broca’s area in great apes. Nature, and individual matrices. Royal Society of
414(6863): 505. DOI: 10.1038/35107134. Open Science, 3(8): 160278. DOI: 10.1098/

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
Cartmill, E.; Byrne, R. W. 2010. Semantics of rsos.160278.
primate gestures: intentional meanings Frohlich, M.; Wittig, R. M.; Pika, S. 2016b.
of orangutan gestures. Animal Cognition, Should I stay or should I go? Initiation
13(6): 793−804. DOI: 10.1007/s10071-010- of joint travel in mother-infants dyads
0328-7. of two chimpanzees in the wild. Animal
Cordoni, G.; Palagi, E. 2011. Ontogenetic trajec- Cognition, 19(3): 483−500. DOI: 10.1007/
tories of chimpanzee social play: similari- s10071-015-0948-z.
ties with human. PLoS ONE, 6(11): e27344. Frohlich, M.; Muller, G.; Zeitrag, C.; Wittig, R. M.;
DOI: 10.1371/journal.pone.0027344.
Pika, S. 2017. Gestural development of
Davila-Ross, M.; Allcock, B.; Thomas, C.; Bard,
chimpanzees in the wild: the impact of
K. A. 2011. Aping expressions? Chimpan-
interactional experience. Animal Behav-
zees produce distinct laugh types when
iour, 134: 271−282. DOI: 10.1016/j.anbe-
responding to laughter of others. Emo-
hav.2016.12.018.
tion, 11(5): 1013−1020. DOI: 10.1037/
Fuentes, A.; Malone, N.; Sanz, C.; Matheson,
a0022594.
M.; Vaughan, L. 2002. Conflict and post-
Duffy, K. G.; Wrangham, R. W.; Silk, J. B. 2007.
conflict behavior in a small group of
Male chimpanzees exchange political
chimpanzees. Primates, 43(3): 223−235.
support for mating opportunities. Cur-
DOI: 10.1007/BF02629650.
rent Biology, 17(15): R586−R587. DOI:
Gilby, I. C.; Brent, L. J.; Wroblewski, E. E.; Rudi-
10.1016/j.cub.2007.06.001
cell, R. C.; Hahn, B. H.; Goodall, J.; Pusey,
Fagen, R. 1981. Animal play behavior. New
A. E. 2012. Fitness benefits of coalition-
York, Oxford University Press.
ary aggression in male chimpanzees.
Flack, J. C.; Jeannotte, L. A.; de Waal, F. B. M.
Behavioral Ecology and Sociobiology,
2004. Play signalling and the perception
of social rules by juvenile chimpanzees 67(3): 373−381. DOI: 10.1007/s00265-

(Pan troglodytes). Journal Compara- 012-1457-6.


tive of Psychology, 118(2): 149−159. DOI: Graham, K. E.; Furuichi, T.; Byrne, R. W. 2017.
10.1037/0735-7036.118.2.149. The gestural repertoire of the wild bon-
Foerster, S.; Franz, M.; Murray, C. M.; Gilby, I. C.; obo (Pan paniscus): a mutually under-
Feldblum, J. T.; Walker, K. K.; Pusey, A. E. stood communication system. Animal
Cognition, 20(2): 171−177. DOI: 10.1007/ ogy, 24(14): 1596−1600. DOI: 10.1016/j.
s10071-016-1035-9. cub.2014.05.066.
Goodall, J. 1968. The behaviour of free-living King, N. E.; Stevens, V. J.; Mellen, J. D. 1980.
chimpanzees in the Gombe Stream Re- Social behavior in a captive chimpanzee
serve. Animal Behaviour Monographs, (Pan troglodytes) group. Primates, 21(2):

26
1(3): 161−311. DOI: 10.1016/S0066- 198−210. DOI: 10.1007/BF02374033.
1856(68)80003-2. Langergraber, K.; Mitani, J. C.; Vigilant. 2007.
Goodall, J. 1986. The chimpanzees of Gombe: The limited impact of kinship in coopera-
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

patterns of behavior. Cambridge, Harvard tion in wild chimpanzees. Proceedings of


University Press. the National Academy of Sciences of Unit-
Halina, M.; Rossano, F.; Tomasello, M. 2013. The ed States of America, 104(19): 7786−7790.
ontogenetic ritualization of bonobo ges- DOI: 10.1073/pnas.0611449104.
tures. Animal Cognition, 16(4): 653−666. Lehner, P. N. 1996. Handbook of ethological
DOI: 10.1007/s10071-013-0601-7. methods. 2nd edition. Cambridge, Cam-
Hamada, Y.; Udono, T. 2006. Understanding bridge University Press.
the growth pattern of chimpanzees: Liebal, K.; Call, J. 2012. The origins of non-
does it conserve the pattern of the com- human primates’ manual gestures.
mon ancestor of humans and chimpan- Philosophical Transactions of the Royal
zees? In: Matsuzawa, T.; Tomonaga, M.; Society B: Biological Sciences, 367(1585):
Tanaka, M. (eds.). Cognitive development 118−128. DOI: 10.1098/rstb.2011.0044.
in chimpanzees. Tokyo, Springer-Verlag. Liebal, K.; Pika, S.; Tomasello, M. 2004a. So-
Hayashi, M.; Matsuzawa, T. 2017. Mother- cial communication in siamangs (Sym-
infant interactions in captive and wild phalangus syndactylus): use of gestures
chimpanzees. Infant Behavior and Devel- and facial expressions. Primates [Online],
opment, 48: 20−29. DOI: 10.1016/j.inf- 45(1): 41−57. DOI: 10.1007/s10329-003-
beh.2016.11.008. 0063-7.
Hobaiter, C.; Byrne, R. W. 2011a. Serial gestur- Liebal, K.; Call, J.; Tomasello, M. 2004b. Use
ing by wild chimpanzees: its nature and of gesture sequences in chimpanzees.
function for communication. Animal American Journal of Primatology, 64(4):
Cognition, 14(6): 827−838. DOI: 10.1007/ 377−396. DOI: 10.1002/ajp.20087.
s10071-011-0416-3. Liebal, K.; Waller, B. M.; Burrows, A. M.; Slo-
Hobaiter, C.; Byrne, R. W. 2011b. The gestural combe, K. E. 2013. Primate communica-
repertoire of wild chimpanzee. Animal tion: a multimodal approach. Cambridge,
Cognition, 14(5): 745−767. DOI: 10.1007/ Cambridge University Press.
s10071-011-0409-2. Lonsdorf, E. V.; Anderson, K. E.; Stanton, M.
Hobaiter, C.; Byrne, R. W. 2014. The meanings A.; Shender, M.; Heintz, M. R.; Goodall,
of chimpanzee gestures. Current Biol- J.; Murray, C. M. 2014. Boys will be boys:
sex differences in wild infant chimpan- Palagi, E. 2007. Play at work: revisiting data fo-
zee social interactions. Animal Behav- cusing on chimpanzees (Pan troglodytes).
iour, 88: 79−83. DOI: 10.1016/j.anbe- Journal of Anthropological Sciences,
hav.2013.11.015. 85: 63−81.
Maestripieri, D. 1999. Primate social organiza- Palagi, E.; Cordoni, G. 2012. The right time
tion, gestural repertoire size and com- to happen: play developmental diver-
27
munication dynamics: a comparative gence in the two Pan species. PLoS ONE,
study of macaques. In: King, B. J. (ed.). The 7(12): e52767. DOI: 10.1371/journal.

How zoo-housed chimpanzees (Pan troglodytes) target gestural communication within and between age groups
origins of language: what nonhuman pri- pone.0052767.
mates can tell us. New Mexico, School of Palagi, E.; Paoli, T. 2007. Play in adult bonobos
American Research Press. (Pan paniscus): modality and potential
Martin, P.; Bateson P. 1993. Measuring behav- meaning. American Journal of Physical
iour: an introductory guide. 2nd edition. Anthropology, 134(2): 219−225. DOI:
Cambridge, Cambridge University Press. 10.1002/ajpa.20657.
McCarthy, M.; Jensvold, M.; Fouts, D. 2013. Palagi, E.; Cordoni, G.; Borgognini Tarli, S. M.
2004. Immediate and delayed benefits
Use of gesture sequences in captive
of play behaviour: new evidence from
chimpanzees (Pan troglodytes). Animal
chimpanzees (Pan troglodytes). Ethology,
Cognition, 16(3): 471−481. DOI: 10.1007/
110(12): 949−962. DOI: 10.1111/j.1439-
s10071-012-0587-6.
0310.2004.01035.x.
Mendonza-Granados, D.; Sommer, V. 1995.
Pollick, A. S.; de Waal, F. B. M. 2007. Ape gestures
Play in chimpanzees of the Arnhem
and language evolution. Proceedings of
Zoo: self-serving compromises. Primates,
the National Academy of Sciences of Unit-
36(1): 57−68. DOI: 10.1007/BF02381915.
ed States of America, 104(19): 8184−8189.
Moore, R. 2014. Ape gestures: interpreting
DOI: 10.1073/pnas.0702624104.
chimpanzee and bonobo mind. Cur-
Pusey, A. E. 1990. Behavioral changes at adoles-
rent Biology, 24(14): R645−R647. DOI:
cence in chimpanzees. Behaviour, 115(3):
10.1016/j.cub.2014.05.072.
203−246. DOI: 10.1163/156853990X00581.
Murray, C. M.; Eberly, L. E.; Pusey, A. E. 2006.
Rizzolatti, G.; Fadiga, L.; Gallese, V.; Fogassi, L.
Foraging strategies as a function of sea-
1996. Premotor cortex and the recogni-
son and rank among wild female chim-
tion of motor actions. Cognitive Brain Re-
panzees (Pan troglodytes). Behavioral
search, 3(2): 131−141. DOI: 10.1016/0926-
Ecology, 17(6): 1020−1028. DOI: 10.1093/ 6410(95)00038-0.
beheco/arl042. Roberts, A. I.; Roberts, S. G. B. 2015. Ges-
Nishida, T.; Zamma, K.; Matsusaka, T.; Inaba, A.; tural communication and mating tac-
McGrew, W. C. 2010. Chimpanzee behav- tics in wild chimpanzees. PLoS ONE,
ior in the wild: an audio-visual encyclope- 10(11): e0139683. DOI:10.1371/journal.
dia. Tokyo, Springer-Verlag. pone.0139683.
Roberts, A. I.; Vick, S.; Roberts, S. G. B.; Bu- communication in young chimpanzees.
chanan-Smith, H. M.; Zuberbuhler, K. Primates, 30(1): 35−50. DOI: 10.1007/
2012a. A structure-based repertoire of BF02381209.
manual gestures in wild chimpanzees: Tomasello, M.; Call, J.; Warren, J.; Frost, T.; Car-
statistical analyses of a graded commu- penter, M.; Nagell, K. 1997. The ontog-
nication system. Evolution and Human eny of chimpanzee gestural signals: a
28
Behavior, 33(5): 578−589. DOI: 10.1016/j. comparison across groups and genera-
evolhumbehav.2012.05.006. tions. Evolution of Communication, 1(2):
Miguel Filipe da Silva Oliveira, Sofia N. Wasterlain

Roberts, A. I.; Vick, S.; Buchanan-Smith, H. M. 223−259. DOI:10.1075/eoc.1.2.04tom.


2012b. Usage and comprehension of Watts, D. P.; Pusey, A. 2002. Behavior of juvenile
manual gestures in wild chimpanzees. and adolescent great apes. In: Pereira, M.;
Animal Behaviour, 84(2): 459−470. DOI: Fairbanks, L. (eds.). Juvenile primates. Chi-
10.1016/j.anbehav.2012.05.022.10.1016/j. cago, University of Chicago Press.
anbehav.2012.05.022.
Roberts, A. I.; Roberts, S. G. B.; Vick, S. 2014. The
repertoire and intentionality of gestural
communication in wild chimpanzees.
Animal Cognition, 17(2): 317−336. DOI:
10.1007/s10071-013-0664-5.
Scott, N. M. 2013. Gesture used by chimpan-
zee (Pan troglodytes): differences between
sexes and inter- and intra-sexual interac-
tions. American Journal of Primatology,
75(6): 555−567. DOI: 10.1002/ajp.22133.
Shimada, M.; Sueur, C. 2014. The importance
for social play network for infant or juve-
nile chimpanzees at Mahale Mountains
National Park, Tanzania. American Journal
of Primatology, 76(11): 1025−1036. DOI:
10.1002/ajp.22289.
Tomasello, M.; George, B. L.; Kruger, A. C.;
Farrar, M. J.; Evans, A. 1985. The devel-
opment of gestural communication in
young chimpanzees. Journal of Human
Evolution, 14(2): 175−186. DOI:10.1016/
S0047-2484(85)80005-1.
Tomasello, M.; Gust, D.; Frost, G. T. 1989. A
longitudinal investigation of gestural
Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela
— fragmentos holísticos da patrimonialização
The portuguese ways to Santiago de Compostela
— holistic fragments of patrimonialization 29

Leandro Gomesa*, Fernando Florêncio1,2,b

Resumo Este artigo é uma síntese da Abstract This article is a synthesis of the
investigação desenvolvida no âmbito do research carried out in the PhD degree in
doutoramento em Antropologia Social Social and Cultural Anthropology, between
e Cultural, realizado entre 2013 e 2017, na 2013 and 2017, at the University of Coimbra,
Universidade de Coimbra, tendo como Portugal, with the Portuguese ways to
objeto de estudo os Caminhos Portugueses Santiago de Compostela, the second largest
a Santiago de Compostela, a segunda route of Jacobean pilgrimage, as object of
maior rota praticada de peregrinação study. That is a growing route that attracts
jacobeia. O Caminho Português a Santiago tens of thousands of pilgrims every year, and
de Compostela é uma rota crescente que which is in the process of being recognized
atrai dezenas de milhares de peregrinos as a Portuguese National Heritage and a
todos os anos e que está em vias de UNESCO World Heritage Site. In this sense,
reconhecimento como Património Nacional we seek to outline a holistic view of the
Português e Património da Humanidade (re)construction of culture and heritage in
pela UNESCO. Neste sentido, o objetivo this dynamic of patrimonialization of the
neste artigo é delinear uma visão holística Portuguese Ways to Santiago de Compostela,
da (re)construção da cultura e património in a synchronic register of the perception,
nessa dinâmica de patrimonialização dos relation and action towards this patrimony
Caminhos Por tugueses a Santiago de by the communities where it is inserted, the
Compostela, num registro sincrónico da actions of the organizations involved and also

1 CRIA — UC, Universidade de Coimbra


2 Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
a orcid.org/0000-0003-1209-7527, b orcid.org/0000-0002-7171-3513

* Autor correspondente/Corresponding author: leandroegomes@gmail.com

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 29-52 • https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_2


Artigo recebido: 05 de dezembro de 2019 – Aceite: 21 de maio de 2020/Received: December 5th 2019 – Accepted: May 21st 2020
perceção, relação e ação para com este the motivations, visions and interpretation
património pelas comunidades onde ele of the people who perform this route of
está inserido, as ações das organizações pilgrimage. Thus, we present a record of the
envolvidas e também as motivações, visões e entire pilgrimage route, places frequented
interpretações das pessoas que realizam esta and other activities commonly performed
rota de peregrinação. Assim, apresenta-se by the people who make the Medieval route
30 um registo de todo o trajeto de peregrinação, of the Portuguese Ways to Santiago de
locais frequentados e demais atividades Compostela.
comummente realizadas pelas pessoas
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

que realizam a rota Medieval do Caminho


Português de Santiago.

Palavras-chave: Caminhos Portugueses a Keywords: Portuguese Ways to Santiago


Santiago de Compostela; cultura; património; d e Co m p o s te l a; c u l t u r e; h e r i t a g e;
patrimonialização; peregrinação. patrimonialization; pilgrimage.

Introdução e Contextualização de 886 km, caminho este que está em vias


de reconhecimento a Património da Hu-
Neste artigo, exploram-se as questões manidade pela UNESCO.
sobre cultura e o património no Caminho As investigações antropológicas re-
Português a Santiago de Compostela. portam a presença de peregrinações ri-
Através do trabalho etnográfico realizado tuais a locais sagrados nas mais diversas
no âmbito do projeto de doutoramento culturas, como, por exemplo, entre os
em Antropologia Social e Cultural, tenta- registos babilónicos que datam do ano
-se compreender e registar quais e de 2300 a 2000 a.C. As peregrinações assu-
que forma os elementos culturais e patri- mem diferentes formas nas diferentes
moniais têm ligação com essa rota de pe- religiões, sejam hindus, budistas, ou ju-
regrinação e com a história de São Tiago daicas, e podem efetivar-se como formas
também chamado de Santiago. Buscou-se de penitências, adoração e realização (Ri-
ainda perceber como esse universo cultu- vas, 1997), mas também de cura, trans-
ral é moldado pela cultura Jacobeia. Mais formação pessoal e socialização (Bowie,
especificamente, delimitámos os interes- 2006). Assim, a peregrinação é uma prá-
ses nas perceções sobre o caminho princi- tica comum em várias crenças religiosas
pal, chamado Caminho Central Português, e o termo peregrinação surge depois da
que forma o eixo sul/norte, de Faro (sul) existência da ação e ato de peregrinar.
até Valença do Minho (norte), com cerca Os locais de destino das peregrinações
também são variados, indo desde am- panhola, ou seja, têm início na fronteira
bientes naturais como montanhas, gru- com França. Existem dois caminhos ofi-
tas, lagos, florestas, entre outros pontos ciais na fronteira com França, o caminho
e marcos geográficos, como edificações, que entra por Roncesvalles (Valcarlos
em que são atribuídos os privilégios de Pass) e Canfranc (Somport Pass), que se
ligação com o místico, ou locais em que fundem a oeste de Pamplona. Ao longo 31
viveram, passaram, ou onde tiveram ma- desses caminhos estão cerca de 1800
nifestações míticas dos mesmos, até lo- edificações de arte românica, gótica, re-

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


cais onde se encontra algum pertence, nascentista e barroca, tanto de carácter
ou mesmo restos mortais, de figuras ti- religioso como secular, e cercadas de
das como referências, tais como, os guias muita história (UNESCO, 2007).
religiosos, mártires de causas nobres, O Caminho de Santiago Francês é
entre outros (Pereira, 2003). As peregri- considerado o de maior tradição e his-
nações, por outro lado, podem ser vistas tória, e é o mais reconhecido internacio-
como fenómenos sociais que religam as nalmente. O traçado atual foi fixado no
experiências individuais a ações coleti- final do século XI, tendo como principais
vas (Bowie, 2006). Victor Turner (1974) responsáveis Sancho III, o Maior1, Sancho
Ramirez de Navarra e Aragão2, e Afonso
sublinha precisamente o carácter social
VI3. Os Caminhos de Santiago Francês
das peregrinações ao equipará-las à fase
e Espanhol são considerados também
liminar dos rituais de passagem, defen-
como importantes elementos que retra-
dendo que os peregrinos formam uma
tam a evolução arquitetónica da Europa
communitas, ao longo desse processo.
no decorrer de vários séculos. Em espe-
cial, o Caminho representa o nascimento
Os Caminhos de Santiago
da arte românica, com a construção pos-
terior das catedrais góticas e de mostei-
Os Caminhos de Santiago de Com-
ros (UNESCO, 2007).
postela foram proclamados, em 1987,
O Caminho de Santiago é a tercei-
o Primeiro Itinerário Cultural pelo Con-
ra maior rota de peregrinação cristã do
selho Europeu. Em 1993, o Caminho de
mundo. Das peregrinações a Santiago de
Santiago Espanhol recebeu o título da
UNESCO como Património da Humani- 1
Sancho III, o Maior/Sancho III Garcês (901–1035):
dade e, em 1998, o Caminho de Santiago Rei de Navarra entre os anos de 1004 a 1035.
Francês recebeu o mesmo título (UNES- 2
Sancho Ramirez de Navarra (1043–1094): Rei de
CO, 2007). Os Caminhos Espanhóis, que Aragão entre os anos de 1063 a 1094, e de Navarra
1076 a 1094.
são reconhecidos pela UNESCO como
3
Afonso VI (1043–1109): Rei de Leão entre os anos
Património Cultural da Humanidade, de 1065 a 1109, Rei de Castela 1072 a 1109, Rei da
estão inseridos na fronteira franco-es- Galiza 1073 a 1109, e Rei de Toledo de 1085 a 1109.
Compostela no ano de 2019, registadas sobrepõe-se a estas em quase toda a sua
pela Oficina del Peregrino (Escritório do extensão, mas, uma vez que alguns pon-
Peregrino), 347 578 pessoas realizaram a tos destas vias já não existiam ou são in-
peregrinação a Santiago de Compostela viáveis, novos traçados foram adaptados
(Oficina del Pelegrino, 2020: 2), das quais na rota portuguesa. Contudo, as Vias Ro-
32 94649 (27,23%) seguiram pelos Cami- manas, mais especificamente no caso do
nhos Portugueses, sendo esta a segunda Caminho Português, a Via XIX de Antó-
maior rota de peregrinação a Santiago
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

de Compostela. O número e percentual


global tem vindo a crescer nos últimos Tabela 1. Peregrinos no Caminho Portuguêsa.
anos4 (ver Tabela 1), o que ressalta a re-
Ano N.º de Peregrinos %
levância dos itinerários portugueses de
2004 15839 8,80
entre as rotas jacobeias (Oficina del Pere-
2005 5507 5,86
grino, 2020: 10).
2006 6467 6,44
Ao longo dos tempos e contextuali-
2007 8110 7,11
zações, as peregrinações sofreram gran-
2008 9770 7,80
des mudanças, tanto em relação aos lo-
cais, como aos trajetos e motivações. Na 2009 11956 8,20

contemporaneidade, não se distancia 2010 34147 12,55


disso, pois há um processo de mudan- 2011 22062 12,03
ças acentuadas e cada vez mais dinâmi- 2012 25628 13,31
cas ou, melhor dizendo, rápidas, que en- 2013 29550 13,69
globam a peregrinação, principalmente 2014 35501 14,92
nas questões de motivações, que extra- 2015 43141 16,44
polam o caráter religioso. Neste sentido, 2016 52138 18,76
buscámos então concatenar esses frag- 2017 66562 22,11
mentos holísticos numa construção em 2018 81663 24,95
mosaico que apresenta o constructo de 2019 94649 27,23
patrimonialização dos Caminhos Portu- Fonte: Oficina del Peregrino (2004–2020).
gueses a Santiago de Compostela.
O traçado comummente utilizado
a
O primeiro ano com informações estatísticas dis-
em Portugal teve as suas origens entre
poníveis da Oficina del Peregrino foi 2004. Os anos
os séculos XII e XIII, no dito Caminho Me- apresentados em negrito (2004 e 2010), são refe-
dieval e Vias Romanas. O traçado atual rentes ao Ano Santo Jacobeu, ou seja, sempre que
o dia 25 de julho, dia de Santiago Maior, coincide
com um domingo, sendo por isso anos com maior
4
Os dados apresentados são da Oficina del Peregri- fluxo de peregrinos (o próximo Ano Santo será em
no, disponíveis em: https://oficinadelperegrino.com/ 2021). Dados disponíveis em: https://oficinadelpe-
estadisticas2/. Acesso em: 12 de março de 2020. regrino.com/estadisticas.
nio5, eram palco de deslocamento de tro- municipais, entidades de turismo e di-
pas e equipamento, que desprivilegiava reções regionais de cultura elaboraram
aldeias, templos e outros locais de inte- a “Carta Grijó”, carta essa que teve como
resse aos viajantes, assim como as neces- um dos objetivos trabalhar junto do Es-
sidades de outros viajantes. Desta forma, tado português para o reconhecimento
os traçados estabelecidos outrora para a junto da Organização das Nações Unidas 33
peregrinação, privilegiavam o caminho para a Educação, a Ciência e a Cultura
em função dos interesses e das neces- (UNESCO) do Caminho Português de

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


sidades dos peregrinos, ou seja, locais Santiago, isto é, a rota de peregrinação7
onde comer, templos religiosos, locais de a Santiago de Compostela, para que este
hospedagem, entre outros. Atualmente, fosse inscrito na lista do Património da
a base de necessidades dos peregrinos Humanidade. A candidatura foi apresen-
não é muito diferente dos peregrinos do tada pela Associação Espaço Jacobeus
passado (Reira, 2007). Os caminhos e tra- em 2010. Entretanto, o processo que
çados foram estabelecidos, de maneira a teve início nesse ano não teve continui-
proporcionar passagem por locais mais dade. Contudo, na sequência do encon-
tranquilos e agradáveis, distanciados de tro intitulado “Caminho Português de
Santiago de Compostela — Valorização
locais com maior trânsito ou grandes
Cultural e Turística”, no dia 8 de abril de
obstáculos. Como tal, é descrito que o
2015, na cidade de Coimbra, e após novo
caminho ou traçado era modificado de
debate no mês de setembro desse mes-
maneira que fosse conveniente aos pe-
regrinos, em comparação a um local ou
auxiliar as pessoas que realizam a peregrinação ao
passagem que lhes fosse inconveniente. túmulo do Apóstolo Santo Tiago Maior, na cidade
Com isso, lança-se mão da analogia dos Santiago de Compostela.
Caminhos de Santiago como um grande 7
Peregrinação: A peregrinação caracteriza-se por
rio com vários afluentes a desaguar nele, uma viagem que é realizada por devoção a um lo-
cal sagrado, contendo três elementos fundamen-
ou seja, defende-se a ideia de múltiplas tais: o peregrino, o local sagrado e o caminho que
rotas e caminhos (Reira, 2007). o leva até esse local. Porém, é relevante salientar
A 13 de dezembro de 2009, a As- que os motivos que levam os indivíduos a reali-
zar a peregrinação são bastante diversos e não se
sociação Espaço Jacobeus6, as câmaras
restringem a questões religiosas (Pereira, 2003).
A construção da palavra peregrinação tem como
5
A Via Romana XIX ligava Bracara (Braga) a Lucus origem a palavra peregrino, cuja raiz vem do latim
Augusti (Lugo) através de Limia (Ponte de Lima), peregrinus, e que deriva, posteriormente, na Idade
Tude (Tui), Ad Duos Pontes (Pontevedra) e AquaeCe- Média, para pelegrinus, em que per agro significa
lenae (Calda de Reis). As Vias eram também conhe- caminhar pelos campos, e per eger significa para
cidas pelo nome de quem as mandou fazer, neste lá das fronteiras, o que demonstra a situação de
caso, Itinerário de António. se ser estrangeiro, um ser em viagem. Este sentido
6
Associação Espaço Jacobeus: Associação reli- ficou conhecido e foi aplicado desta forma, até ao
giosa católica que tem como objetivo fomentar e século XI (Teixeira, 2008).
mo ano, foi apresentada uma nova pro- ao património material e imaterial con-
posta para a candidatura ao Património tido ao longo do mesmo. Tal documen-
da Humanidade, que tem duas associa- to apresenta, de forma concisa, vários
ções como representantes institucionais, pontos a serem observados, bem como
a Associação e Espaço Jacobeus (AEJ) e a singularidade e a necessidade de pre-
34 a Associação de Peregrinos Via Lusitana8 servar o Caminho Português. Para isso,
(APVL). Neste momento, a Candidatura destacou-se a importância da realização
do Caminho Português de Santiago está de estudos e divulgação de trabalhos
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

em processo de avaliação pela UNESCO. científicos das questões que permeiam


No processo de candidatura atual, assim o envolvimento, e os papéis dos diversos
como no anterior, é indicado que no ano atores interligados através das peregri-
de 2021, próximo Ano Santo Jacobeu9, nações e do Caminho Português, além
o Caminho Português de Santiago de do seu caráter transfronteiriço (Portugal/
Compostela deveria ser reconhecido Espanha), e da necessidade de diálogo
como Património da Humanidade.10 entre as instituições e Estados.
No documento técnico do encontro De entre as fases da candidatura, no
de 2015, enfatizaram-se alguns pontos dia 30 de maio de 2016, foi divulgada a
acerca da importância cultural do Ca- Lista Indicativa, pré-requisito para reco-
minho Português no cenário nacional nhecimento a Património da Humanida-
português e internacional. Destacou-se de, em que consta, juntamente com ou-
também a necessidade de criação de um tros 21 bens, os “Caminhos Portugueses
mecanismo de valorização desses bens, de Peregrinação a Santiago de Composte-
como, por exemplo, o itinerário de con- la” (CNU-MNE, 2016) (ver Figura 1).
vergência de valores culturais diversos
Metodologia da Investigação
8
Associação de Peregrinos Via Lusitana: associa-
ção não religiosa que tem entre os seus objetivos
divulgar e promover a peregrinação a Santiago Para início da realização do presen-
de Compostela, preservar e promover o Caminho te projeto, foi realizada uma pesquisa
Português e auxiliar os peregrinos. exploratória, através de uma revisão bi-
9
Festa de comemoração do martírio do Apóstolo bliográfica sobre as temáticas etnografia,
São Tiago Maior que é celebrada no dia 25 de ju-
antropologia, peregrinação, património
lho. Quando este dia coincide com um domingo, é
considerado Ano Santo. O primeiro Ano Santo foi e cultura em livros, revistas, jornais e ou-
decretado no ano 1112 pelo Papa Calisto II, porém, tras publicações, possibilitando assim a
só em 1179 Alexandre III decretou a perpetuidade ampliação do conhecimento dos assun-
da data. O próximo Ano Santo será em 2021.
tos supracitados e uma base teórica das
10
Para a conclusão do processo de reconheci-
mento como Património da Humanidade é esta-
diversas formas de ver estes temas. Nes-
belecido pela UNESCO o prazo de até 10 anos após ta revisão bibliográfica, foram também
a inclusão na Lista Indicativa.
35

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização

Figura 1. Mapa dos Caminhos para Proposta Indicativa à UNESCOa.


Fonte: Figura gentilmente cedida por Paulo Almeida Fernandes, relator da proposta de inclusão
dos Caminhos Portugueses de Peregrinação a Santiago de Compostela na Lista Indicativa de
Portugal para inscrição como Património Mundial (UNESCO/Portugal; 2016).

a
A figura apresentada teve alterações de cor e legendas para a adequar aos requisitos de impressão do
material. Os Caminhos sinalizados no mapa são caminhos circunscritos ao território português, ou seja,
até à fronteira norte, e têm continuidade pelo território espanhol até à cidade de Santiago de Compostela.
abordadas questões sobre o Caminho Vairão*11; Macieira da Maia (Vilarinho); São
de Santiago, a cidade de Santiago de Pedro de Rates*; Barcelinhos*; Barcelos; Ta-
Compostela e o Caminho de Santiago mel*; Ponte de Lima*; Rubiães* e Valença
Português para obter informações histó- do Minho. Em Espanha, foram realizadas
ricas, culturais e de eventos que ocorre- nas seguintes localidades: Tui*; Porriño*;
36 ram nestes locais pertinentes à pesquisa. Redondela*; Mos; Pontevedra*; Briallos;
Procedeu-se também a nova revisão Calda de Reis*; Padrón*; Teo; Santiago de
bibliográfica após o trabalho de campo Compostela*. Estes locais fazem parte do
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

para enquadrar alguns novos elementos Caminho Português Medieval e são indi-
e necessidades que surgiram. cados aos peregrinos como paragem para
Em seguida, foi realizado um traba- hospedagem em albergues públicos. As
lho de pré-campo que consistiu no pla- entrevistas foram gravadas em áudio e ví-
neamento da investigação em campo, deo e também foram feitos apontamentos
realização de contactos com as autori- em caderno de campo. No caso dos pe-
dades competentes para obter autoriza- regrinos, as entrevistas semiestruturadas
ções, compra e organização do material foram realizadas nos albergues e durante
a ser utilizado em campo, pré-teste dos o trajeto de peregrinação. Foram feitas
materiais e equipamentos a serem utili- entrevistas com a Gestora e Hospitaleira
zados, e ensaio de campo. do Albergue Vairão; o Presidente da Junta
Após o trabalho de pré-campo, foi de Freguesia de Vairão; o Casal de Hospi-
realizada a pesquisa descritiva, através de taleiros Albergue de Vairão; a Hospitaleira
uma pesquisa qualitativa. Para tal, foram do Albergue São Pedro de Rates; o Gestor
elaborados roteiros semiestruturados que e Hospitaleiro do Albergue Barcelinhos; o
passaram por pré-testes. As entrevistas Hospitaleiro da Casa da Recoleta (Tamel);
foram estruturadas para serem realizadas a Proprietária da Casa de Acolhimento de
com atores, como presidentes ou mem- Peregrinos (Casa da Fernanda); Hospitalei-
bros gestores de associações e organiza- ra do Albergue Ponte de Lima; o Gestor,
ções ligadas ao Caminho de Santiago, res- Hospitaleiro e Presidente do Albergue de
ponsáveis pela gestão dos albergues pú- Rubiães; e o Presidente da Câmara Muni-
blicos, voluntários dos albergues públicos, cipal de Valença do Minho.12 Além disso,
responsáveis pelos centros de informação
turística e responsáveis pelas áreas de cul- 11
O asterisco (*) indica as localidades em que hou-
tura nas localidades e com os peregrinos, ve pernoita, tendo sido utilizados os albergues
para conhecer e registar a perceção des- públicos.

tes quanto ao Caminho de Santiago.


12
As entrevistas foram realizadas entre os dias 8 e
24 de maio de 2015, durante a Observação-Partici-
As entrevistas em Portugal foram rea- pante, com a realização da viagem pelo trajeto de
lizadas nas seguintes localidades: Porto; peregrinação, iniciada na cidade do Porto/Portu-
gal a Santiago de Compostela/Espanha.
foram realizadas entrevistas com os presi- Ao longo do caminho foram fei-
dentes de duas associações que represen- tas entrevistas livres com os peregrinos
tam o Caminho Português (Guimarães/ com registo em vídeo para recolher mais
Lisboa) e o relator (Lisboa) da proposta informações sobre suas vivências e mo-
de candidatura a Património da Humani- tivações para realizar a peregrinação e
dade junto da UNESCO13. Houve também sobre as relações com as comunidades e 37
a participação em outros eventos ligados demais peregrinos14. O uso de georrefe-
ao Caminho de Santiago. O tempo de per- renciação, registo fotográfico e em vídeo

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


manência para a realização da recolha de foi feito em toda a viagem, das vias, das
dados em cada localidade foi variando de localidades, dos monumentos e obras
acordo com a quantidade de informações arquitetónicas históricas, dos locais de
pertinentes ao projeto de pesquisa. hospedagem e alimentação, dos centros
Adicionalmente, a observação par- de informações e apoio, assim como de
ticipativa foi também utilizada durante o outros equipamentos direcionados de
trabalho de campo, ou seja, os dados fo- forma direta ou indireta para atender os
ram recolhidos através de apontamentos peregrinos que realizam o caminho.
das vivências do investigador a participar
das atividades que são comuns aos pere-
Investigação e Resultados
grinos. Assim, foi realizado o percurso do
caminho indicado pela sinalização exis-
A organização que se segue procu-
tente no Caminho Português Medieval
rou estruturar e apresentar as questões
e as hospedagens foram feitas nos alber-
através de pontos mais específicos, mas
gues públicos existentes no caminho. A
que também se mostram interligados, re-
viagem foi realizada a pé, a maneira mais
lacionados com as questões diretas sobre
comum e tradicional de peregrinação,
os Caminhos Portugueses a Santiago de
com início no Porto (Portugal) e fim em
Compostela. Estas questões estão subdi-
Santiago de Compostela (Espanha), um
vididas nos seguintes tópicos: Os Peregri-
trajeto de aproximadamente 260 km. Com
nos e a Peregrinação —Transformações
isso, foi possível ter a vivência comum aos
Sociais e Temporais — e Os Caminhos a
peregrinos, observá-los e perceber como
Santiago de Compostela — Os Caminhos
estes interagiam e como as comunidades
se relacionavam com eles. O período de da Patrimonialização. Nas “Notas Finais”
realização dessa observação participante
deu-se em maio de 2015, mais precisa- 14
As entrevistas livres foram realizadas com pe-
mente, entre os dias 8 e 24 de maio. regrinos de diversas nacionalidades e motivações
para a realização do caminho, sendo que em mui-
tos dos momentos de entrevista as mesmas foram
13
As entrevistas foram realizadas entre abril e se- realizadas durante a caminhada, momentos de
tembro de 2015, com agendamento prévio com os pausa para descanso e/ou refeições e nos alber-
entrevistados. gues. Foram entrevistados cerca de 60 peregrinos.
são apresentadas reflexões e constru- verdadeiros peregrinos são aqueles que
ções, em linhas gerais, sobre património fazem o caminho por motivações religio-
e cultura. Incluem-se também questões sas. Mas a questão é como identificar essa
que vão para lá das fronteiras restritivas motivação, uma vez que não há nenhum
desta investigação, com pontos e refle- mecanismo que evidencie as motiva-
38 xões no que tange às questões culturais ções, além de que, como descrito pelos
e patrimoniais de uma forma mais ampla. entrevistados, há aqueles que começam
o caminho como peregrinos e terminam
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

Os Peregrinos e a Peregrinações como turigrinos, ou vice-versa. Pode-se


— Transformações Sociais e Temporais dizer que há nos discursos uma visão, um
referencial, ou mesmo um padrão de pe-
No contexto do Caminho Português, regrinos, de entendê-los como uma forma
percebeu-se que há uma ideia um pouco homogénea, utilizando-se, para isso, refe-
confusa e controversa em relação ao trata- rências excludentes. Aliás, a pluralidade de
mento que é dado aos peregrinos, em que discursos, motivações e formas de peregri-
muitos os entendem como carentes, en- nar, no mesmo espaço social e simbólico,
tendendo a relação para com eles como permitem questionar a asserção anterior
caridade, em que “o verdadeiro peregrino de Victor Turner (1974) e contestar a ideia
não exige, somente agradece”. Contudo, de que os peregrinos formam uma com-
o que é percebido é que os peregrinos munitas ao longo do processo.
procuram serviços, principalmente nos al- Houve ao longo dos tempos várias
bergues. Assim, ficam distorcidas as inter- formas de definir, de se ver e entender
pretações dos papéis desses atores, sendo o peregrino, assim como as diferentes
este um facto que também pode explicar formas e objetivos de se fazer as peregri-
a relação, aversão ou contramovimento nações. A mutabilidade desse conceito
que se tem para com os designados tu- e elemento cultural seguiu os interesses
rigrinos, termo utilizado para denominar religiosos, políticos, jurídicos, sociais e
quem faz o caminho como objetivo tu- económicos bastante diversos, não só
rístico, pois eles, os peregrinos, têm um no tempo, mas também no espaço.
papel ou apresentam-se como consumi- Dentro dos diversos e plurais discur-
dores desses serviços. Principalmente nos sos apresentados — que Fiona Bowie
albergues públicos, os sujeitos que ques- denominou de competing discourses
tionam são taxados de turigrinos, sendo (Bowie, 2006) —, em que se aponta a
destacado por alguns hospitaleiros que importância do Caminho Português e de
os albergues públicos devem ser exclu- outros elementos que o compõem, está
sivos para os peregrinos e não turigrinos. a oportunidade de desenvolvimento do
Alguns dos entrevistados disseram que os turismo nas esferas locais, regionais, na-
cionais e internacionais (ponto este que grar recursos para a preservação destes
será explorado parcialmente neste tópi- elementos culturais/patrimoniais.
co — para uma discussão mais minucio- A tarefa de colocar as peregrinações
sa). Esse elemento, ou, para melhor dizer, como uma atividade turística seria algo
a atividade turística, é também apre- cómodo. Isto é, tentar colocá-la dentro de
sentada como uma forma de resgate, uma gaveta e etiquetá-la como tal seria fá- 39
recuperação, valorização de elementos cil, mas, ao mesmo tempo, redutor. Entre-
culturais e patrimoniais, aliada também tanto, face às limitações de se compreen-

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


ao desenvolvimento social e económico der os diversos meandros das peregrina-
nestas diversas esferas. ções que tangem as múltiplas áreas do co-
O desenvolvimento do turismo no nhecimento, a tarefa para tal não se nega
Caminho Português a Santiago apare- às construções conceptuais existentes,
ce nos discursos de alguns atores como seja em que área for, nem mesmo como
sendo uma atividade paralela à peregri- turismo, pois há várias ferramentas técni-
nação. Como observado e registado por cas e conceptuais no turismo que podem
muitos deles, a prática de peregrinação auxiliar no planeamento e desenvolvi-
como turismo é condenada, classifican- mento das peregrinações. Por outro lado,
do quem assim a faz como turigrinos, de entender as peregrinações meramente
uma forma pejorativa em muitos dos dis- como uma atividade turística não abrange
cursos. Esta classificação é fundamentada as margens necessárias desta complexa
alegando-se que determinados espaços atividade e coloca-a em risco de falhas
são apresentados como exclusivos aos graves, como a de podar os ramos e forçar
“verdadeiros peregrinos”. Contudo, como um sentido, e, com isso, causar conflitos e
observado e já mencionado, os meca- a perda de elementos e sentidos culturais.
nismos de “filtrar” os acessos (peregrinos/ No evento “Dia da Sociologia”, reali-
turigrinos) são aparentemente ineficazes. zado no dia 17 de março de 2016 na Fa-
Verificou-se que a peregrinação não culdade de Economia da Universidade
é vista, por vários dos atores apresenta- de Coimbra, Claudino Ferreira15 e Paula
dos, como uma atividade turística. No Abreu16, aquando da realização da Mesa
entanto, torna-se evidente que o Cami-
nho e o conjunto de bens incorporados 15
Professor Claudino Ferreira: Doutor em Socio-
nele são elementos que são, e podem ser, logia, Professor Auxiliar na Faculdade de Economia
explorados pela atividade turística, como e Investigador no Centro de Estudos Sociais da
forma de agregar valores a estes bens. Ou Universidade de Coimbra. Mais informações em:
http://www.ces.uc.pt/investigadores/cv/claudi-
seja, o sentido e a ligação com o Caminho
no_ferreira.php.
de Santiago podem despertar um maior 16
Professora Paula Abreu: Doutora em Sociologia,
interesse em conhecê-lo, assim como lo- Professora na Faculdade de Economia e Investiga-
dora no Centro de Estudos Sociais da Universidade
intitulada “Culturas e Aspetos Culturais em produtos e serviços centralizados num
Coimbra”, exemplificaram as questões so- público-alvo externo, com agentes inter-
bre património e cultura. A apresentação nos beneficiados de forma centralizada,
de Ferreira, que inicialmente se intitulava ou seja, bónus a grupos minoritários, por
de “Turistas em Coimbra”, recebeu novo vezes pautado pelo interesse económico.
40 título pelo orador, logo no início da sua Essa abordagem explorada por Ferreira
apresentação, que passou a ser “As Cida- apresentou o cenário da cidade de Coim-
des à Procura de Turistas”. Nesse sentido, bra, em que, após o reconhecimento da
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

afirmou que algumas cidades procuram o Universidade de Coimbra, Alta e Sofia17


turismo como uma forma de desenvolvi- como Património da Humanidade pela
mento e transformação dos espaços, prin- UNESCO, houve um significativo aumento
cipalmente o contexto urbano. O turismo da atividade turística na cidade. Segundo
aparece e desponta como uma forma o orador, essas ações de transformação
de desenvolvimento social e económico. anteriormente mencionadas, vieram a ser
Como tal, cabe analisar a transformação percecionadas com maior intensidade
feita pelo turismo (e turistas) no espaço e após o título de Património da Humani-
estrutura urbana e social, pois acarretam dade, estando os espaços, equipamentos
alterações significativas na forma de se e acesso aos mesmos cada vez mais dire-
ver, entender, construir e interagir nesses cionados ao turismo e aos turistas.
espaços de turismo. Para lá dos efeitos Por outro lado, na apresentação de
internos de perceção, ou seja, nos indiví- Paula Abreu, intitulada “Cenas Musicais”,
duos membros do espaço recetor, cabe foram apontados alguns aspetos posi-
compreender os demais impactos nesses tivos do reconhecimento de bens a Pa-
espaços recetores. trimónio da Humanidade, tendo como
Entre esses impactos estão aqueles consequência o previamente mencio-
em que as cidades e as localidades se nado crescimento da atividade turística.
viram para fora, isto é, em que são pla- Por exemplo, o Fado de Coimbra, após o
neadas e geridas a pensar nos grupos reconhecimento do conjunto em Coim-
externos (turistas), sendo que os internos, bra, mostra-se menos ortodoxo e cada
a população local, ficam à margem desse vez mais dinâmico. As ações que eram
processo. Cidades e localidades geridas vistas como abomináveis, como as mu-
para o consumo externo, em que produ- lheres tocarem instrumentos ou a can-
tos e serviços nos dispositivos estruturais tarem o Fado de Coimbra, começam a
são permeáveis aos turistas, e cada vez ser “aceitáveis” e “permitidas”. A oradora
mais impermeáveis aos “nativos”. Espaços,
17
Universidade de Coimbra, Alta e Sofia — Pa-
de Coimbra. Mais informações em: http://www. trimónio da Humanidade. Mais Informações em:
ces.uc.pt/investigadores/cv/paula_abreu.php. http://worldheritage.uc.pt/pt.
argumentou que, a patrimonialização dade”, como refere Fernando Florêncio, o
pode conduzir à perda das visões mais indivíduo pode ter convicções religiosas
ortodoxas sobre o património e a cultura ou não, ou seja, pode ou não preceituar
e, consequentemente, a uma visão mais determinada prática religiosa. Contudo,
dinâmica, uma vez que as visões muito em momentos de necessidades, transita
rígidas e estáticas, ao invés de preserva- em busca destes locais e/ou pessoas ti- 41
rem, podem conduzir à “morte” ou finitu- das como privilegiadas de intermediação
de da cultura. com o mundo espiritual e sobrenatural

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


Esses exemplos que englobam a ci- na procura de resolver, sanar ou atenuar
dade de Coimbra servem também como questões de cunho físico, psicológico,
elementos de reflexão sobre o Caminho social, económico, etc. Assim, o Caminho
Português, correlacionados com a ativi- de Santiago pode ser compreendido e
dade turística/peregrinações e quanto englobado nesta prática dos “Itinerários
ao possível reconhecimento como Pa- da Felicidade”, sendo um local de con-
trimónio da Humanidade, e os possíveis vergência ecuménica, cujas motivações,
impactos, ónus e bónus nas infraestrutu- desejos e necessidades são diversas, e
ras e estruturas edificadas e sociais das lo- em que, sobre estes níveis religiosos e do
calidades por onde os itinerários passam. sobrenatural, há uma polissemia de tra-
No trabalho de campo, foi observa- duções e interpretações.
da também a diversidade de peregrinos Numa visão menos macro do fenó-
e das suas motivações. Quanto à ques- meno do Caminho de Santiago, fazer
tão de diversidade e encontro de pere- parte destes “Itinerários da Felicidade”
grinos de várias religiões nos Caminhos não é um evento exclusivo da contem-
a Santiago, esta pode ser entendida poraneidade. Como descrito nas ques-
como fazendo parte dos “Itinerários da tões históricas das peregrinações, mes-
Felicidade”, termo cunhado por Fernan- mo sob uma vertente católica, por várias
do Florêncio, que faz uso do mesmo nas vezes houve formas simultâneas, mais ou
suas apresentações e aulas para expli- menos acentuadas, de significados dis-
car o fenómeno itinerante de pessoas tintos às peregrinações, seja na procura
que seguem até distintas instituições de sanar enfermidades, adoração, paga-
religiosas, locais e pessoas com ligações mento de promessas, pedido de auxílio
com o mundo místico e sobrenatural a para alcançar graças ou como forma de
fim de lograrem auxílio ou recursos face expurgar os pecados, como cumprimen-
aos problemas, necessidades e/ou de- to de penas, etc. Neste contexto, isto re-
sejos, num fenómeno social que pode mete ou interpreta o Caminho de Santia-
ser denominado de pluralismo religioso. go, assim como as demais peregrinações
Nestas procuras nos “Itinerários da Felici- cristãs, como “Itinerário da Felicidade”.
A peregrinação engloba vários sen- formas de ver e viver, olhares interiores,
tidos, através de elementos teóricos e bases e referências distintas.
práticos. Ou seja, essa diversidade pode Pôr-se a caminho é um exercício in-
apresentar-se, por vezes, de maneira con- comum, do olhar e vivência, para lá do
flituosa, seja no que tange os aspetos da quotidiano. Ao mesmo tempo, procura-
42 cultura, religião, política e economia de -se ou exercita-se uma rotina. Rotina
maneira interna, isto é, sobre estes aspe- para pensar, refletir, interagir, fazer-se e
tos isolados, seja nas inter-relações dos refazer-se. Dentro dos sentidos, existem
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

mesmos, sendo difícil mensurar quais são aqueles que procuram sair do “automáti-
os maiores conflitos, internos ou externos, co”, do mesmo estéril, e ir ao encontro do
neste conjunto de atores apresentados. sentido, de romper com a anestesia, com
As dimensões dos conflitos vão da o estado de suspensão e tornar-se mais
micro à macroescala, com uma permea- latente, vivo, com um leme, e não apenas
bilidade de escalas multissetorizadas, à deriva no mar da vida. Mas neste todo,
com agentes intermediadores e/ou fo- que se resume a uma palavra — peregri-
mentadores dos conflitos, alguns pere- no —, tenta-se resumir quem empreen-
nes, outros intermitentes. Nestes agentes de a peregrinação.
perenes, pode-se apresentar, a título de Os peregrinos são também prota-
exemplo, a Igreja Católica, que, ao longo gonistas no processo de construção do
dos tempos, sempre apresentou um po- Caminho Português, pois as questões de
sicionamento quanto às peregrinações, perceção fazem com que este património
no entanto, com algumas variações de seja visto e apropriado de maneira distinta,
significados. Já como forma intermiten- causando conflitos no cenário atual com a
te, pode-se apresentar as instituições distinção destes viajantes, que recebem os
políticas públicas como ações variáveis rótulos de peregrinos ou turigrinos, numa
e esporádicas, mediante o tempo e inte- construção e reconstrução de significados
resse dos gestores nos períodos dos seus da peregrinação e dos Caminhos Portu-
mandatos políticos. De entre as diversas gueses a Santiago de Compostela.
formas de compreender as peregrina- Como é apresentado por Sousa
ções, acredita-se aqui que a peregrina- (1999), na atualidade não se pode consi-
ção é uma procura relativa, consciente e derar que as peregrinações estão à mar-
inconsciente, da diversidade. É o diferen- gem da atividade turística. Por mais que
te que se procura. A procura e o encontro a motivação principal seja religiosa, a
ou reencontro com algo que difere do componente turística perpassa por ela.
seu quotidiano, de um local para refletir, Esta questão pode ser justificada atra-
aventurar-se, onde convergem pessoas vés dos dados estatísticos da Oficina del
com vivências e culturas diferentes, com Peregrino quanto às motivações para a
peregrinação, em que as questões religio- gura na divulgação do cristianismo, inicia-
sas e culturais se apresentam em maior -se como algo diferente, exterior à cultura.
número. Desta forma, não se pode negar Contudo, com o passar dos tempos, trans-
ou tentar excluir do cenário de peregrina- formou-se e passou a ser algo legítimo,
ção a figura do “turigrino”, sendo que só o correto, natural, que também, ao longo
rótulo já pode ser uma negligência a esta dos tempos, se tem vindo a transformar. 43
função e perceção sobre as peregrina- Assim, o próprio Caminho de Santiago
ções e sobre os Caminhos a Santiago de pode ser entendido como um processo

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


Compostela. Como apresentado na obra de mudança cultural, através da divulga-
de Sousa (1999), as peregrinações tiveram ção dos princípios cristãos. A história do
várias funções ao longo da história e em Apóstolo na sua missão de divulgação do
momento algum foram exclusivamente cristianismo é como um agente externo
religiosas. Houve, sim, uma predominân- que implementou uma mudança cultural
cia religiosa em determinados momentos, na Península Ibérica, que logrou outras di-
que decorre de funções culturais. Na atua- mensões ao longo da história.
lidade, destaca-se a função económica. Entre as várias interpretações sobre o
Para que o Caminho perdure, é necessária Caminho de Santiago, destaca-se aqui a
uma dialética entres os atores envolvidos analogia feita por alguns autores e atores
(municípios, confrarias, Igreja, peregrinos, do Caminho de Santiago, que o compa-
etc.) para que as diversas funções do Ca- ram a um rio que leva a vida e transbor-
minho se mantenham, dado que, se hou- da, tornando o ambiente por onde passa
ver apenas uma que predomine, corre-se mais fértil e cheio de vida, seja pela movi-
o risco de o Caminho de Santiago ficar em mentação económica ou pela interação
desequilíbrio e ameaçado. social e cultural. Esse movimento de vida
que é atribuído aos Caminhos de Santia-
Os Caminhos a Santiago de Compostela go demonstra a sua relevância e impor-
— Os Caminhos da Patrimonialização tância nos locais por onde passa, e o seu
lado e impacto benéfico, em que, em al-
Os caminhos de peregrinação a San- guns casos, foi descrito como o que foi e
tiago de Compostela, isto é, os locais de é o que permite a vida em determinadas
passagem utilizados ou criados/determi- localidades, que antes desse fluxo do Ca-
nado/sinalizados para os peregrinos, são minho de Santiago estavam esquecidas
motivo de polémicas e disputas, seja pelo e abandonadas, sem grande perspetivas
lado positivo, como algo benéfico para e alternativas de desenvolvimento.
a localidade, seja negativo, pelo impacto Os Caminhos Portugueses a Santia-
cultural, ambiental e político. São Tiago, go de Compostela são vistos, em determi-
ou a ideia transmitida e utilizada da sua fi- nadas localidades, como possibilidade de
desenvolvimento económico e social. Em nessas membranas, ou seja, em contac-
muitas desses locais, o caminho é tam- tos com outras culturas. Estes elementos
bém um elemento para evitar ou reduzir culturais são absorvidos ou pode haver
migrações internas ou externas, ou seja, um processo de repelir determinados
êxodo rural com migrações para grandes valores culturais. Neste sentido, as ideias
44 centros urbanos do país ou migrações de peregrinação, de peregrinos e dos
para outros países. Estas migrações são Caminhos de Santiago podem ser corre-
justificadas pela falta de oportunidades lacionadas, pois há diversas formas de re-
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

e expectativas, havendo um decréscimo conhecimento, apropriação e interpreta-


populacional e uma taxa de envelheci- ção que são excluídas ou marginalizadas
mento elevada nestas localidades, em por estes atores, internos e externos dos
consequência do êxodo dos jovens. Os sistemas culturais, ou seja, “nativos” e “fo-
efeitos benéficos, seja gerando emprego rasteiros”. Nessa permeabilidade cultural,
ou rendimentos, é algo que é dito atin- nesses locais com grande fluxo de agen-
gir todas as localidades por onde passa o tes externos passivos e/ou ativos, podem
caminho. Desta forma, o Caminho Portu- existir esforços por parte desses grupos
guês é muitas vezes alvo de disputas e de culturais “nativos” para fortalecer a sua
interesse para que passe em determina- identidade cultural e assim fazer frente
das localidades. O Caminho de Santiago às questões contrárias. Esse movimento
é também apresentado como sendo a contrário de resistência pode explicar
possibilidade de uma maior valorização e parte do conflito existente sobre os dig-
resgate cultural, como visto nesta inves- nos ou não dignos de receberem o título
tigação e também por Gomes (2017). Há ou de serem chamados de peregrinos.
a realização e o resgate de várias práticas Claro que, neste ponto, discute-se sobre
culturais abandonadas ou que já não ti- o contrassenso daqueles que se auto-
nham grande expressão, mas que, incen- declaram como peregrinos, não sendo
tivadas e motivadas pelo fluxo de pere- avaliados e reconhecidos como tal, pois
grinos tomam novo ânimo, reaparecem sabe-se que há pessoas que fazem o Ca-
e destacam-se como expressões culturais minho de Santiago e não se classificam
das localidades e regiões. como peregrinos, mas como pessoas
Uma questão que merece ser bem que estão a fazer o Caminho de Santiago.
observada no Caminho de Santiago — e Portanto, esta relação de conflito mostra-
em outras regiões e localidades que re- -se como parte da dinâmica cultural, em
cebem um grande número de “forastei- que a resistência e contramovimento à
ros” (para dizer, grosso modo) —refere-se ideia, prática, comportamento do pere-
às membranas culturais e aos seus pro- grino e do sentido da peregrinação e do
cessos de seleção de valores que entram Caminho de Santiago, dos agentes inter-
nos e externos provocam este movimen- sentirem uma necessidade ou interesse
to e instabilidade prática e conceptual. numa experimentação cultural. Esse pro-
Os processos, dinâmicas, difusões e cesso de “identidade cultural temporária”
incorporações culturais estão presentes contempla a classificação dos peregri-
no dia-a-dia, pois comemos, vestimos e nos, uma vez que estes assumem deter-
comportamo-nos através de uma mescla minadas posturas e comportamentos no 45
de valores culturais, mas damos enfâse e processo de peregrinação. Independen-
incorporamos, de forma intencional, ou temente da motivação, alguns incorpo-

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


não, determinados elementos culturais ram ou aceitam determinadas posturas e
endémicos, ou não, para construir uma regras, quer seja para serem aceites pelos
identidade que nos aproxima de uns e nos grupos, quer para fazerem uso dos espa-
distancia de outros, quer seja no âmbito ços comuns destinados aos peregrinos.
familiar, local, regional ou nacional. É la- As motivações para estas experiências
tente o desejo, ou até mesmo um proces- de inserção noutras culturas são bastan-
so de necessidade, de grande parte dos tes variadas, sendo o processo de qua-
seres humanos em serem diferentes e, ao lificá-las e quantificá-las algo complexo
mesmo tempo, terem laços que os unam ou até mesmo inviável devido ao grande
a determinados grupos, reproduzindo as- número de variáveis e dinâmicas.
sim determinados comportamentos para Coloca-se aqui esta questão: Pode o
serem aceites por esses grupos. processo de reconhecimento do Cami-
Essa questão do comportamento nho de Santiago Português a Património
não se refere apenas a indivíduos que fo- da Humanidade pôr em risco a identida-
ram criados dentro de certos grupos e va- de cultural, uma vez que os moldes dos
lores culturais. Há aqueles que procuram Caminhos Francês e Espanhol podem
através de um “curso intensivo cultural”, ser seguidos, como um processo de di-
ou seja, aprendem certos valores e nor- fusão e legitimidade cultural? Esta ques-
mas culturais para reproduzirem esses tão mostra-se relevante, pois pode levar
valores e práticas e assim serem aceites a um processo de homogeneização do
pelo grupo cultural, momentaneamente Caminho Português, ou mesmo a um
ou permanentemente. Essa forma de se processo de replicação dos padrões dos
ser momentaneamente aceite pode ser Caminhos Francês e Espanhol.
comummente vista no turismo, princi- É importante pensar-se neste prog-
palmente no turismo cultural, em que os nóstico e se as entidades competentes e
indivíduos para terem uma vivência dife- grupos sociais nas diferentes esferas estão
rente dos padrões culturais do seu quo- preparados para estes processos e para
tidiano, seguem e/ou praticam determi- evitar uma possível aculturação e des-
nados padrões culturais incomuns por culturação durante e após a patrimonia-
lização. Entende-se a importância do uso de atrair mais e novos interesses, inves-
dessas outras rotas como referências. No timentos e recursos, espera-se contribuir
entanto, ressalta-se que estas são referên- para a recuperação, preservação e/ou
cias e não devem ser apenas replicações exploração destes bens patrimoniais li-
homogeneizadoras. Entende-se também gados a São Tiago e aos Caminhos.
46 que isto faz parte de um processo de Os elementos patrimoniais materiais,
escolhas. Entretanto, vale a pena colocar interligados ou não de forma direta a São
aqui a observação sob este aspeto. Tiago, isto é, os bens históricos de perío-
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

O património é um bem coletivo e, dos mais remotos — a título de exemplo,


como tal, para os indivíduos e coletivos, os bens do período histórico dos roma-
podem ter sentidos e ligações diversas, nos e outros monumentos e edificações
atribuições positivas ou negativas. Nes- religiosas, tais como cruzeiros, capelas e
te sentido, os diálogos sobre os pontos igrejas — são apresentados como forma
divergentes e convergentes fazem-se de definir o traçado dos Caminhos. Estes
necessários, para assim auxiliar a esta- critérios não são únicos, pois há outras
belecer a sustentabilidade destes bens. condições, como a procura por locais
As expressões e registos culturais e pa- com menor fluxo de veículos motoriza-
trimoniais, interligados com Santiago e dos e em ambientes mais bucólicos, com
com os Caminhos a Santiago de Com- elementos naturais, que também são
postela, apresentam-se como elementos premissas para a definição dos traçados.
que procuram destacar estes elementos As diversas organizações com inte-
a fim de afirmar estas ligações históricas/ resse direto ou indireto no Caminho de
culturais com São Tiago e/ou com as pe- Santiago são vastas, sendo complexa a
regrinações, seja nas expressões artísticas tarefa de delimitação quanto à amplitude
e simbólicas e/ou nos relatos e registos e à alternatividade, pois colocam-se num
históricos das peregrinações e das suas cenário amplamente dinâmico. Neste sen-
passagens em determinadas localidades. tido, como percebido ao longo do traba-
A intencionalidade de apresentar lho realizado, esta mutabilidade de formas
ou realçar estes elementos supracita- de relações, sejam divergentes ou conver-
dos vem com o intuito de legitimar a gentes, bem como de atores envolvidos,
passagem do Caminho de Santiago por demonstram uma relativa instabilidade
estas localidades, onde entram no uni- no que se refere às questões políticas de
verso nostálgico identitário pois, como organização. Os interesses e disputas es-
mencionado anteriormente, nos dias de tão latentes em diversos pontos, princi-
hoje há um interesse em dar mais brilho palmente no que concerne às questões
e destaque a tais elementos a fim de os de definição de traçados ou rotas. Desta
promover. Ao promovê-los, no sentido forma, como apresentado por alguns ato-
res, o processo de reconhecimento como pela autora. Estas relações de poder na
Património Nacional Português e Patri- atribuição de significados e legitimidade
mónio da Humanidade junto da UNESCO quanto aos bens culturais é vigorosamen-
pode trazer uma certa estabilidade aos te percebida no Caminho Português, pois
itinerários. No entanto, não é de excluir as ações e tentativas de legitimar atributos
que outros troços e itinerários possam e significados tangem desde as definições 47
igualmente ser tomados como “legítimos”, dos trajetos, significado das peregrinações
mas que, no momento, não estão incluí- e a figura do peregrino.

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


dos na actual proposta de candidatura a Como apresentado, existem vários
Património da Humanidade e Património elementos, formas incomuns de perceber
Nacional Português da UNESCO. o Caminho Português. Mais uma vez afir-
Face a esta observação, abre-se aqui ma-se que não se está a rejeitar a ideia de
a questão quanto à institucionalização criação de certas conformidades, porém,
do património, cuja ideia de legítimo ou destaca-se uma diversidade. Quanto às
ilegítimo se vincula aos poderes das ins- conformidades, torna-se necessário ter-se
tituições, organizações e até mesmo de em conta as diversidades para que estas
indivíduos com determinado poder eco- não sejam meramente marginalizadas,
nómico, político e cultural que apontam desprezadas e tidas como não dignas, er-
e definem como legítimos ou ilegítimos radas, falsas ou impuras, maximizando os
determinados bens, ou seja, atribuem ou processos de conflito e de exclusão.
não os títulos e valores aos bens culturais Posto isto, cabe refletir sobre as
e patrimoniais. ideias de enculturação, aculturação e
Como apresentado por Madureira desculturação, pois as ações e questões
(2012), quanto ao seu trabalho de investi- referenciadas quanto ao Caminho Por-
gação sobre as loiças produzidas em Trás tuguês, peregrinação e peregrinos es-
di Munti, Cabo Verde, este discurso pode tão nestas ideias, uma vez que existem
ser apoiado através de uma vertente con- questões que podem provocar, acelerar
servadora e fazer-se uso do termo tradi- ou atenuar estas dinâmicas culturais.
cional para legitimar uma escolha e mar- A cultura é algo dinâmico sendo que,
ginalizar outra. A perceção do grupo pode por vezes, a enculturação, aculturação e
ficar em segundo plano, isto é, realiza-se desculturação são polémicas e alvo de
uma escolha através duma verticalidade críticas no sentido de serem pensadas e
de poder (de cima para baixo), um sistema discutidas. A primeira, quer proporcionar,
impositivo, persuasivo e ativo desconstru- a outra substituir, a última retirar. Entre-
tivo, no sentido de que, além de defender tanto podem ser vistas como sinónimos
uma ideia se procura desconstruir outra, das três anteriores, ou seja, estas ideias
como nos casos que são apresentados podem ter um rótulo na sua embalagem
que não é condizente com o seu con- não se põe em xeque a credibilidades dos
teúdo. Outra questão que se pode tor- organismos para isso, nem se aponta como
nar deturpada é a ideia de preservação, prejudicial, apenas se demonstra a necessi-
que para alguns é sentida como uma dade de sensibilidade de tais ações perante
cristalização dos bens, ou seja, torna es- os passiveis e possíveis efeitos e impactos
48 téreis as dinâmicas dos objetos, locais e de tais ações de patrimonialização.
práticas quepodem encaminhar o bem Existe um aumento crescente das
para a finitude da sua “vida”. A preserva- peregrinações a Santiago de Compostela
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

ção, num sentido básico, deve resvalar nos seus itinerários diversos, e o Caminho
de um processo de compreensão sobre Português ganha cada vez mais desta-
as interpretações convergentes e diver- que. A valorização cultural mostra que há
gentes, os usos e sentidos, assim como implicações nesse cenário do Caminho
as dinâmicas mais ou menos latentes do Português, mas também para lá dele. Esse
passado e presente, e não seguir apenas cenário apresenta-se como um exemplo
um sentido monoprismático existencial de como e quanto a patrimonialização é
e temporal. A tarefa de conjugar estes uma ação complexa, desde a apropriação
sentidos é algo complexo, requer diver- à salvaguarda das margens que englo-
sas capacidades e diálogos, quer seja no bam os marginalizados, dos detentores
campo teórico como no prático, a fim de legítimos aos segregados e excluídos,
elucidar os cenários e auxiliar no direcio- paradoxos exacerbados ou velados nos
namento para um ponto de harmonia tecidos culturais. Sentidos construídos e
relativa dos múltiplos sentidos. constituídos nos cenários diversos entre
Mais especificamente, os títulos e o escalas e esferas, de seguimentos, gru-
reconhecimento do Caminho Português, pos, locais, regiões… múltiplos interlocu-
sejam eles a nível de património nacio- tores que se transfiguram dentre os espa-
nal ou mundial, podem acarretar esses ços e tempos como protagonistas de um
impactos, pois um local, monumento constitutivo metamórfico.
ou trajeto antes visto com determina- Partes dessas dinâmicas foram apre-
do uso e apropriação, pode passar a ter sentadas neste trabalho, entrelaçadas
outro uso ou perder o sentido num ce- por sentidos sociais, institucionais, reli-
nário mais amplo, não só no que tange giosos, espirituais, tangíveis e intangíveis.
o património material e imaterial, como Sentidos multiformes que constituem o
também nas questões socioambientais. tecido cultural, sendo algumas tramas
Destaca-se aqui que a oficialização, o mais ou menos visíveis, e que tornam
reconhecimento e patrimonialização pode possível esboçar as confluências e pa-
converter-se numa padronização, legiti- radoxos que tangem o Caminho Portu-
mação, restrição do sentido e uso. Todavia, guês a Santiago de Compostela.
Conclusão mo ou pela produção económica, nem
mesmo por elementos dela que são
Os discursos a propósito da proble- apresentados e expostos ou dos quais se
matização, das soluções dos conflitos ou tem orgulho, pois há vários elementos e
das ações mitigatórias, podem ser vis- traços que são velados/escondidos com
tos como afluxos e utópicos. Contudo, receio de censura ou questionamento. 49
tampouco se tem a pretensão de se ter No caso da investigação, isto tam-
conhecimento sobre todas as questões, bém acontece. Há várias práticas e ideias

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


problemas e soluções, mas, sim, realizar que as pessoas não querem que sejam
uma apresentação e análise de alguns expostas por várias razões, nomeada-
pontos, nas múltiplas formas de perce- mente: por serem alvo de julgamen-
bê-los e solucioná-los. to por terceiros ou por si próprias, por
A questão utópica da patrimoniali- constituírem uma minoria, por receio de
zação, ou seja, as formas “ideais”, devem sentir-se rejeitado, ou não querer ser vis-
ao menos servir de referência, sendo ou to como arcaico ou rudimentar. Isso não
tendo como objetivo aproximar-se ao quer dizer que está certo ou errado, ape-
máximo deste ideal meramente utópico. nas que pensa de forma diferente, mas o
Acredita-se que cabe ao investigador, mas pensar diferente, divergindo da maioria,
não só a ele, identificar e descrever estas é muitas vezes tido como errado. O que
questões de conflitos com o objetivo de se procurou com este trabalho, teve que
apresentar as diferentes visões, contra- ver com a necessidade de diálogo e a re-
pondo-as e justapondo-as, a fim de fazer flexão sobre a tolerância e flexibilidade,
transparecer os diferentes cenários. Numa num contraponto à verdade absoluta,
visão de sentidos, o património pode ser pois, na cultura, por exemplo, a verdade
visto como algo sagrado, como uma fé é mutável e por vezes oportunista, de
cega, ou como uma herança. Contudo, acordo com o espaço e o tempo em que
para outros, o património deve e pode ser cada indivíduo sofre, e também pode
questionado, negado e rejeitado. Por ve- proporcionar forças de interação e re-
zes há grandes embates em afirmar a legi- pulsão, estabilidade e instabilidade cul-
timidade ou ilegitimidade, a contestação tural, sendo o tempo um dos principais
sobre a apropriação ou não, sobre o seu agentes reativos, transformando o ele-
reconhecimento, se se pode reconhecer mento cultural, transformando o indiví-
em parte, ou deixá-lo de parte, através de duo, ou mesmo deteriorando-o, devido
uma escolha e ou imposição. aos agentes internos e externos a que se
Quando se fala em cultura, não está sujeito. A reação dessas interações,
significa entender esta como algo a ser produto e subproduto dos compostos e
explicitamente explorado, seja pelo turis- agentes catalisadores de transformações,
seja ela completa ou incompleta, nunca lado a interesses cujos sentidos também
é permanentemente estável, o que há é são dinâmicos em determinados tempos
apenas uma pseudoestabilidade, pois, se e espaços, mostram-se (re)construtivos
houver estabilidade, no sentido da sua conforme necessidade e forças.
estagnação, demonstra-se que está em Ao analisarmos o Caminho de Santia-
50 vias de perda do elemento cultural. As- go, e os elementos a ele ligados, como os
sim, pode dizer-se que nas investigações peregrinos e as peregrinações, podemos
científicas se verificam e registam essas perceber, e mesmo exemplificar, esse
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

entropias das dinâmicas culturais. conjunto de elementos, forças e necessi-


Enfatiza-se aqui que a diversidade dades atuantes nessa (re)construção do
cultural ou a harmonia das diversidades património e nos sentidos que a ele são
culturais não está na ausência de conflitos, atribuídos. Atribuições que, grosso modo,
mas, sim, na necessidade de diálogo e res- podem ser compreendidas como sintéti-
peito por essas diversidades, numa ação cas ou naturais. Nestas referências, sintéti-
e processo construtivo de entendimento cas ou naturais, o elemento comum a elas,
das diferenças e de formas argumentati- que está contido no património, é a ideia
vas de construção, e não meramente de de que deriva de algo, ou seja, o patrimó-
imposição, subjugação e marginalização. nio não é uma geração espontânea em
A patrimonialização pode ser compreen- que classificá-lo como natural ou sintético
dida como fenómeno de sentidos di- tange o sentido do legítimo ou ilegítimo,
versos. Ao fazer uso da palavra sentidos, detetáveis nas forças e discurso oposito-
tem-se a intencionalidade de afirmar que, res, a fim de classificar, isto é, reconhecer
numa construção ou processo de patri- ou ignorar, legitimar ou deslegitimar. As-
monialização, são múltiplas as formas de sim, adentramos novamente na ideia do
se conceber o património, ou, sendo mais caráter que pode ocorrer nas patrimonia-
realista sobre o processo, a ideia de patri- lizações: fortalecer e exaltar sentidos, por
mónio. O património, ou a ideia da sua um lado, e marginalizar e excluir, por ou-
construção, perpassa por vários sentidos tro. Escolhas de significados e atribuições.
que por vezes são atuantes de forma con- Nestes sentidos, cabe refletir: O processo
jugada, sendo que dentre eles estão: o de patrimonialização é uma perfeição
social, através de ações de grupos e repre- utópica ou imperfeição intencional?
sentações; o religioso, por valores e dog- Todavia, não se está aqui a colocar
mas; político, através de decretos e leis; em xeque as ações de patrimonialização,
o económico, interesses e necessidades mas cabe evidenciar, ou apresentar essa
monetárias; ambiental/ecológico, preser- reflexão, em que a construção do patri-
vação da biodiversidade e recursos, e/ou mónio e a patrimonialização podem ser
ambientes salubres. Em suma, está atre- cercadas dessas intencionalidades. Inten-
cionalidades que podem ser opressoras, Assim, a viagem não implica apenas uma
em que, com a ideia ou discurso de pre- mudança de ambiente, mas também um
servar, faz-se a desconstrução ou aniquila- processo de reflexão. Estes pontos apre-
ção de outros sentidos e bens, bem como sentados por ele reforçam a ideia de que
pode proporcionar uma estagnação nos as rotas de peregrinação têm a tendên-
processos dinâmicos inerentes na cultura cia de incorporação de novos sentidos e 51
e património. motivações, em que o património segue
Novamente destaca-se aqui que a processos dinâmicos de significados e

Os Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela — fragmentos holísticos da patrimonialização


intenção não é de posicionar-se contra apropriação,que por isso requerem estu-
a patrimonialização, mas, sim, fazer um dos permanentes para compreender os
exercício para problematizar os elemen- fenómenos e processos de transforma-
tos envolvidos nesse processo. É im- ções e incorporações que o permeiam.
portante refletir e demonstrar que num
discurso de preservação há escolhas e in- Referências bibliográficas
tencionalidades que, por vezes, de forma
Bowie, F. 2006. The anthropology of religion.
consciente e/ou inconsciente, podem
Malden & Oxford, Blackwell Publishing.
acarretar impactos nocivos, sendo que o
CNU-MNE — Comissão Nacional da UNES-
grau de nocividade pode ser visto e in-
CO, Ministério dos Negócios Estrangei-
terpretado como relativo, atribuindo-lhe
ros. 2016. Lista Indicativa de Portugal ao
o caráter de um efeito colateral inevitá-
Património Mundial. [Consultado em
vel, e mesmo necessário. Duque (2005)
30-5-2016]. Disponível em: https://www.
afirma que as viagens se transformaram
unescoportugal.mne.pt/pt/noticias/434-
em partidas e chegadas devido às tecno-
-seminario-justica-e-bioetica.
logias, e onde o percurso/trajeto é quase
Duque, J. 2005. A peregrinação a pé na pers-
nulo. Acostumados a utilizar meios de
pectiva da conversão. Compostellanum,
transporte para nos movimentarmos de
Revista de la Archidiócesis de Santiago de
um local para o outro, realizamos uma
Compostela, 50(1-4): 233-241.
movimentação que não é nossa, que o
Gomes, L. 2017. Caminho português a Santia-
autor classifica como “deslocação não
go de Compostela. Meandros de um Cami-
real”, sendo a peregrinação uma forma nho. Lisboa, Flybooks.
de perceber esse deslocamento (real) e Madureira, T. I. G. 2012. A revitalização da olaria
estar nestes locais de trânsito. Além dis- em Trás di Munti e os seus significados locais
so, Duque descreve que o ato de peregri- — Loiça pintada não é património. Disser-
nar é algo que coloca o indivíduo num tação de Mestrado em Antropologia So-
ambiente que o torna vulnerável, expos- cial e Cultural, Departamento de Ciências
to à probabilidade de contratempos e in- da Vida, Faculdade de Ciências e Tecnolo-
certezas acerca do que virá e como será. gia, Universidade de Coimbra. Disponível
em: http://hdl.handle.net/10316/31484.
Oficina del peregrino. 2004–2020. Informe
estadístico. [Consultado em 30-10-2020].
Disponível em: https://oficinadelperegri-
no.com/estadisticas2/.
Pereira, P. 2003. Peregrinos — Um estudo antro-
52
pológico das peregrinações a pé a Fátima.
Lisboa, Editora Crença e Razão.
Leandro Gomes, Fernando Florêncio

Reira, J. A. 2007. Introdução ao caminho por-


tuguês na Galiza. In: Iglesias, F. R. (coord.).
A grande obra dos caminhos: caminho
português na Galiza, vol. XI. Coruña, Hér-
cules Ediciones: 40-65.
Rivas, J. L. B.1997. La función política de los ca-
minos de peregrinación en la Europa Me-
dieval — estudio del Camino de Santiago.
Madrid, Editorial Tecnos.
Álvarez-Sousa, M. A. A. 1999. Marco teórico
para a análise das peregrinacións. In: Álva-
rez-Sousa, M. A. A. (coord.). Homo peregri-
nus. Vigo, Edicións Xerais de Galicia: 11-58.
Teixeira, A. 2008. Matrizes dascrenças em Por-
tugal. In: Lages, M. F.; Matos, A. T. (coord.).
Portugal: percursos de interculturalidade:
matrizes e configurações. Lisboa, Alto Co-
missariado para a Imigração e Diálogo In-
tercultural (ACIDI): 299-378. [Consultado
em 5-11-2020]. Disponível em: https://
www.om.acm.gov.pt/publicacoes-om/
colecao-portugal-intercultural.
Turner, V. 1974. Dramas, fields and metaphors.
Ithaca, New York, Cornell University Press.
UNESCO — Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura.
2007. Routes of Santiago de Compostela: ca-
mino francés and routes of Northern Spain.
[Consultado em 27-9-2016]. Disponível
em: http://whc.unesco.org/en/list/669.
Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética
del etnógrafo en el espacio hospitalario en México
An anthropological-legal study of the ethnographer's
ethical behavior in the hospital space in Mexico 53

Edith Yesenia Peña Sánchez1,a*, Diana Socorro Gómez López2b,


Lilia Hernández Albarrán1,3c

Resumen En el presente trabajo se busca re- Abstract This paper aims to reflect on the
flexionar sobre las prácticas etnográficas del ethical and legal implications of health anth-
antropólogo médico y/o de la salud en espa- ropologists’ ethnography within hospital or
cios hospitalarios donde convergen diversos clinical environments as well as the validity,
actores sociales normados por un marco re- effectiveness and legitimacy of their invol-
gulatorio sanitario, y a quienes, a razón de su vement. We recognize that in these spaces
construcción disciplinaria, se presentan tensio- multiple social actors converge within a re-
nes axiológicas entre ellos y los usuarios. Espa- gulatory framework. Thus, to their discipline
cios en que las y los antropólogos encuentran construction, there are axiological tensions
una entrada para el desempeño de sus inves- that generate new legal and ethical me­
tigaciones y pueden contribuir con la mejora chanisms for the approach to users through
de los servicios hospitalarios, sin olvidar que which the anthropologist encounters an en-
la adscripción de principios deónticos para la trance for the research and may contribute
antropología no puede desvincularse de la his- for the improvement of clinical services, kee-
toricidad social de la disciplina y de la ética. ping in mind that the ascription of deontic
principles to anthropology cannot be disso-
ciated from its social historicity and ethics.

1 Instituto Nacional de Antropología e Historia, Ciudad de México


2
Facultad de Medicina, Universidad Nacional Autónoma de México
3
Escuela Nacional de Antropología e Historia, Ciudad de México
a
orcid.org/0000-0001-7469-2183, b orcid.org/0000-0001-8096-187X, c orcid.org/0000-0001-7089-9427
* Autor correspondente/Corresponding author: yesenia72@hotmail.com

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 53-72 • https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_3


Artigo recebido: 30 de setembro de 2019 – Aceite: 26 de agosto de 2020/Received: September 30 th 2019 – Accepted: August 26th 2020
Palabras claves: Espacio hospitalario; etno- Keywords: Hospital; clinical ethnography;
grafía clínica; ética; performatividad; normas ethics; per formativit y; deontic norms;
deónticas; axiología. axiology.

54

Antecedentes: la historicidad de la ética con los constructos normativos de la éti-


en la antropología mexicana ca antropológica (Narotzsky, 2004; Jacor-
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

zynski y Sánchez, 2013), y, en consecuen-


El debate sobre la ética en la an- cia, estar en posibilidad de generar un
tropología ha transitado por diversos paradigma deontológico-antropológico
senderos desde el umbral mismo de la en el quehacer hospitalario entre los di-
antropología por ser una disciplina de- versos actores sociales que la conforman.
dicada al estudio del origen, antigüedad, La literatura reporta un vasto nú-
adaptación y variabilidad de los grupos mero de casos que ejemplifican los muy
humanos, de la estructura y organización diversos problemas éticos dentro de la
social, de las cosmovisiones, el valor lin- antropología. Sin embargo, el ejemplo
güístico y simbólico que antecede a la más representativo —con impacto in-
configuración de identidades e interre- ternacional— que nos interesa retomar
laciones observables en los diferentes para fines de este artículo es el escándalo
pueblos, comunidades y sectores socia- generado por la publicación de la obra
les, lo que integra un conjunto disciplinar Darkness in El Dorado1 del periodista Pa-
y subdisciplinar amplio. La preocupación trick Tierney, la cual es una demostración
ética es transversal a la investigación superlativa de los diversos problemas éti-
antropológica, y la creación de conoci- cos que decantan a su interior: los objetos
miento en este ámbito debe partir de la
explicación clara, honesta y puntual de
1
En el año 1986, el antropólogo norteamericano
Napoleon A. Chagnon publicó un libro, titulado
los objetivos y fines del proceso antro- Yanomamö. The Fierce People [Los Yanomami. El
pológico, incluyendo la etnografía y el Pueblo Feroz], que generó en el imaginario social,
análisis de los datos, pero también de las y en parte del académico,la representación de esta
etnia como “el pueblo más primitivo de la Tierra”
fases relacionadas con la construcción a razón de sus prácticas sexuales y guerreras, así
de problemas y la planeación de todos como el endocanibalismo nativo, poniendo en la
los procedimientos asociados a la inves- mesa el debate sobre el proceso de construcción
de imágenes etnográficas en detrimento de esta
tigación (Restrepo, 2016). Por ello, es in-
etnia, problema ético, inter alias, que se hizo visible
dispensable comprender el alcance de a través del libro del periodista norteamericano,
los problemas éticos al interior de la dis- que evidencia cómo se gestaron problemas in-
ternacionales entre la asociación de antropólogos
ciplina y de vincular su historicidad social
norteamericanos, brasileños (ABA) y venezolanos.
de investigación y/o los sujetos antropo- trumentos o códigos de ética para nor-
lógicos, el consentimiento informado en mar su actuación profesional. Sin embar-
el contexto de investigaciones etnográ- go, pese a estos esfuerzos,
ficas, la pretensión de neutralidad de la no existe una regulación adecuada so-
vera ciencia, el proceso de construcción bre el comportamiento ético de los pro-
de imágenes etnográficas, y la respon- fesionales en México, inclusive priva un 55
sabilidad social del antropólogo como grandes orden, pues las agrupaciones
investigador y autor (Ramos, 2004). Sobre gremiales carecen de una normatividad

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


el tema de la responsabilidad, también es ex profesa o, si la tienen, hay ausencia de
importante mencionar, a título de guisa, órganos encargados de su aplicación.
la censura que recibió en 1919 Franz Boas (Estrada, 2015: 8)
al denunciar las actividades de espionaje
de algunos antropólogos al servicio del Por eso, en febrero de 2014,3 se pre-
Estado norteamericano con relación a las sentó una controvertida iniciativa4 con
operaciones denominadas “Camelot” y proyecto de decreto por el que se expi-
“Cambridge” en los países de Chile y Vene- de la Ley general del ejercicio profesional
zuela, respectivamente (Jorgensen,1974;
Ramos, 2004), en el que se cuestiona la
otrora Asociación Mexicana de Antropólogos Pro-
conducta ética de los antropólogos.
fesionales, A. C., el Colegio de Etnólogos y Antro-
En el caso de México, a partir de la pólogos Sociales, A. C. (CEAS),Asociación Mexicana
primera década del siglo XXI, empieza a de Antropología Biológica, A.C. (AMAB), el Colegio
gestarse en la antropología mexicana un de Antropólogos de Yucatán, A.C., el Colegio de
Ciencias Antropológicas del Estado de Guerrero;
interés más marcado por la eticidad del
la Academia de Antropología Social; la Academia
quehacer antropológico, en donde co- Mexicana de Ciencias Antropológicas A.C.; y otras
bran una mayor importancia «las implica- agrupaciones internacionales de las cuales México
ciones que surgen al violentar los límitesa forma parte, como la Asociación Latinoamericana
de Antropología o la Asociación Iberoamericana
cerca de lo que la antropología puede de Antropólogos en Red AIBR, entre otras.
hacer o debe hacer» (Jacorzyinskiy Sán- 3
Puede consultarse la exposición de motivos y
chez, 2013: 15), y, en consecuencia, la el cuerpo de la iniciativa en el siguiente enlace:
búsqueda de regulación profesional de <http://www.senado.gob.mx/64/gaceta_del_se-
nado/documento/45807>.
la conducta humana a través de colegios
4
El actual ministro en retiro José Ramón Cossío
de profesionistas y códigos de ética.´
Díaz señaló en su momento que la iniciativa tiene
En nuestro país, se cuenta con muy el mérito de tratar de organizar un mercado de ser-
pocos colegios de agremiados en este vicios profesionales, que está muy desorganizado,
campo2 y sólo algunos cuentan con ins- con el objeto de brindar una certeza y seguridad
jurídica en el actuar profesional a partir de con-
diciones jurídicas propicias; sin embargo, sostuvo
2
Como la Sociedad Mexicana de Antropología que es necesaria una revisión exhaustiva de la ini-
(SMA), el Colegio Mexicano de Antropólogos, A.C. ciativa (Cossío, 2014).
sujeto a colegiación y certificación obli- cuyo equipo de investigadores de la es-
gatoria en México,5 a modo de órganos pecialidad de antropología física de todo
vigilantes del desempeño profesional, el país se están dando a la tarea, junto
bajo altos estándares técnicos y bajo con las autoridades, de generar linea-
estrictos controles éticos en coadyuvan- mientos para el manejo de restos óseos
56 cia con el Estado (Estrada, 2015). En la en este año 2020 y se espera incluyan al-
lectura de la iniciativa, la antropología- gunos principios éticos.
no figura en el corpus de la exposición Estos colegios y asociaciones no han
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

de motivos para efectos de colegiación logrado un consenso mínimo en la cons-


obligatoria y certificación, toda vez que trucción de un corpus ético entre la antro-
las únicas actividades sujetas a regula- pología del Estado,6 de la academia7 y la
ción son aquellas que guardan relación post-academia8 (Vázquez, 2006; Schavel-
con la vida, la salud, la seguridad, la liber- zon, 2010; Valladares, 2014; Llanes, 2016).
tad y el patrimonio de las personas; las La falta de consenso, entre otras causas,
áreas profesionales incluidas son la me- se debe a la lógica divergente en la histo-
dicina, las ciencias de la salud en general, ricidad de los códigos de ética para la re-
el derecho, la ingeniería, la arquitectura gulación de la conducta. Ningún código
y la contaduría. La omisión legislativa de de ética es capaz de reglamentar todos
incluir a la antropología en esta iniciativa los problemas deontológicos vigentes
obedece al devenir de su propia histo- de los diferentes campos de la antropo-
ricidad y a la falta de conocimiento de logía, sin embargo, podemos agruparlos
los nuevos campos de aplicación de la en las siguientes categorías a razón de su
antropología post-académica por parte corpus normativo:
de los legisladores (Escamilla et al., 2007;
Llanes, 2016), lo que demanda un acer- 6
La antropología del Estado se refiere al estudio
camiento de los profesionistas con los de los modos de organización social y política de
una sociedad para la resolución de problemas, los
hacedores de normas para una mayor conflictos que de ello surgen, sus instituciones, en-
comprensión y alcance de la disciplina. tre otros elementos de la vida política (Schavelzon,
A esto se suman algunos otros esfuerzos, 2010).
como los realizados por el INAH, institu- 7
Al hablar de academia, nos referimos al ejercicio
profesional de la antropología en el ámbito públi-
ción rectora que salvaguarda, conserva
co, en particular aquel centrado en la enseñanza
y preserva el patrimonio paleontológi- y la investigación en escuelas, institutos y otros
co, histórico y antropológico en México, centros en los que se desempeña el profesional de
las ciencias sociales.
8
La post-academia se refiere al ámbito profesio-
5
Propuesta por XLII legislatura del Senado de la nal en el que el ejercicio se vincula con el mercado,
República a través de la cual se pretende reivindi- las organizaciones no gubernamentales y la socie-
car el papel que en algún momento asumieron las dad civil, además de otros ámbitos de la iniciativa
asociaciones de profesionistas. privada (Llanes, 2016).
A. Códigos bajo la construcción de una e instruirle» (AAA, 2012). Sin embargo,
ética universal con base en principios existen diversos, autores como Jor-
científicos. Un ejemplo de este tipo es gensen (1974), que cuestionan este
el código de ética de la American An- constructo-normativo al poner sobre
thropological Association (AAA, 1998), la mesa: la añeja discusión sobre el ca-
que permite evaluar, mediante opera- rácter científico de la antropología, el 57
dores deónticos, el desempeño ético nacimiento de los códigos de ética para
del antropólogo y que ha servido como la regulación de las prácticas clínicas

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


referente para la construcción de una de intervención humana, los cuales,
ética normativa antropológica univer- en conjunto, obedecen a la lógica de
salizada con remisión a principios uni- las ciencias médicas (experimentales)
versales plasmados en declaraciones y y la supuesta neutralidad de las inves-
convenciones internacionales en dere- tigaciones en la antropología. En con-
chos humanos. En el 2012, se aprueba secuencia, «un código de ética que se
por los miembros de la asociación la ciñe a principios universales de tipo
Declaración ética: principios de respon- kantiano anularía la posibilidad misma
sabilidad profesional, que se integra por del obrar antropológico en la produc-
siete elementos: 1) No dañar; 2) ser ho- ción de conocimiento socialmente re-
nesto y transparentes con su trabajo; 3) levante»9 (Sánchez, 2013: 67). El autor
obtener consentimiento informado y profundiza en esto señalando que:
los permisos necesarios; 4) sopesar el Los principios que orientan los modos
conflicto ético entre sus diferentes obli- de hacer del antropólogo en terreno
gaciones para con sus colaboradores y no son normas que anteceden a las
personas afectadas; 5) hacer sus resulta- acciones, sino solamente un marco
dos accesibles; 6) proteger y conservar de sentido bajo el cual los aspectos
sus registros; y 7) mantener relaciones constitutivos del obrar antropológico
profesionales éticas y respetuosas (AAA, cobran sentido. En consecuencia, se
2012). Es necesario resaltar que este trata de principios que orientan la ac-
documento da cuenta de las preocu- ción, pero que no necesariamente la
paciones éticas del campo disciplinario, rigen. (Sánchez, 2013: 76)
que a la letra dice, en el Preámbulo: «La B. En contraposición están los códigos
Asociación Americana de Antropología relativistas que abrazan particularida-
no tiene capacidad para juzgar alega- des (subjetividades) de la experiencia
ciones de conductas no éticas. El pro- etnográfica basada en la comprensión
pósito de estos principios es animar a la próxima de la otredad bajo principios
discusión, guiar a las/los antropólogos más adaptados a las circunstancias,
en la toma de decisiones responsables
9
El entrecomillado y la cursiva son nuestros.
estableciendo lineamientos (acciones tipo eclético, como la del propio Sán-
u omisiones) a la conducta humana chez (2013), que incorporan relaciones
(Camps, 2005). Ejemplo es el código axiológicas (universalismo) y responsabi-
de ética de la Asociación Brasileña de lidades (relativismo) en el quehacer pro-
Antropología, creado entre 1986 y 1988 fesional, al que él denomina “continuum
58 y actualizado en la década de 2010 antropológico”10 (2013: 80) en el ánimo
(ABA, 2012), y el del Colegio de Antro- de buscar una posible conciliación a las
pólogos de Chile (CACh, 2007), ambos regulaciones éticas del hacer terreno an-
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

basados, como denominaría Narotzsky tropológico para la construcción com-


(2004), en el marco de responsabilida- prensiva de una éticaantropológica.
des económico-contractual es de corte
neoliberal, que se traducen en el marco La investigación antropológica
ético de referencia dentro de una cole- en el espacio hospitalario
giación apriori. En México, el código de
ética del Colegio de Etnólogos y Antro- Los diversos constructos éticos-nor-
pólogos Sociales, A. C. (CEAS) sigue esta mativos para la regulación de la conduc-
lógica (Valladares, 2014), en donde sus ta humana alcanzan uno de los grandes
socios, de forma facultativa, han llevado puntos de inflexión de la disciplina an-
a cabo su colegiación para constreñir tropología: el acercamiento a las ciencias
su conducta al código de ética de refe- de la salud, con especial énfasis hacia el
rencia. Sin embargo, «el particularismo campo de la atención. Éste, en el hacer de
hegeliano tampoco sería una solución sus espacios y dinámicas, dicta las reglas
a este problema [antropológico], pues- sobre las cuales habrán de interactuar los
to que las luchas por el reconocimiento diversos actores sociales en los centros
en el plano antropológico supondrían de salud, clínicas y hospitales, particu-
una cierta simetría en las relaciones so- larmente en la participación in situ de la
ciales» (Sánchez, 2013: 67−68), relativis- acción clínica médico-paciente; donde
mos que no en todos los escenarios et- la relación de jerarquía o de verticalidad
nográficos es posible alcanzar. «En cada de los médicos sobre los usuarios, otrora
esfera de participación el antropólogo pacientes, es una constante en el siste-
es una figura pública obligada a desa- ma de salud. Sin embargo, gracias a los
rrollar una visión “gestalt” de la realidad y avances de la bioética, la filosofía prácti-
también sujeto a los dilemas del plura- ca y el bioderecho se estimulan nuevas
lismo ético» (Sánchez, 2013: 72). vertientes hacia la relación de horizontali-
C. También existen algunas propuestas de dad entre los participantes (Portales et al.,
modelos de estructura normativa de
códigos de ética para antropólogos de 10
Una crítica a esta propuesta puede consultarse
en Hernández (2013).
2013), donde la antropología se suma a normas que obtienen un beneficio médi-
esta sinergia de fuerzas y abre el cerrojo co-institucional. El antropólogo accede al
del que hacer sanitario através de la an- campo de la praxis clínica e investigación
tropología médica y de la antropología biomédica a través de varios mecanismos,
en salud. Gracias a esta especialización, el principal sería la performatividad11 con
y de manera reciente en México, se em- la venia institucional; pero trastoca en al- 59
pieza a generar un intersticio que puede gunas ocasiones, y de manera accidental
llevar a un cambio en el paradigma de las y conjunta con el saber médico, la institu-

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


normas jurídicas clínicas que regulan su ción del consentimiento informado que
actuación, donde la ética juega un papel encarna por antonomasia el principio de
importante para la inclusión de un nuevo autonomía de los pacientes, toda vez que
actor social dentro de los espacios hospi- al momento del trabajo etnográfico hos-
talarios: el antropólogo. Aunque estamos pitalario-clínico existen algunas omisio-
conscientes que en estos espacios las ló- nes de información respecto de su parti-
gicas jerárquicas son de la gestión, edu- cipación y el alcance de ésta, que hace las
cación y administración biomédica, y que veces necesario reformular el imperativo
tardará tiempo en que sean consideradas categórico del deber ser kantiano desde
las implicaciones éticas planteadas. la ética del deber, o sea, desde la de ética
La participación del antropólogo se deontológica de la antropología.12
ha hecho patente, progresivamente, a
través de la práctica etnográfica en los es- 11
Según Mora (2017), «Turner (1992) resalta el he-
pacios hospitalarios, donde la ciencia mé- cho de que las performances rituales contienen
dica y los sistemas de salud, instituciones una alta proporción de símbolos no verbales, con
modos de comunicación que utilizan diferentes
de salud y educativas entrelazan saberes
medios, como el sonido, la danza, la actuación y las
a efecto de que la relación dialéctica se artes plásticas. […] en las performances rituales se
torne dialógica para generar mecanis- representa la visión que la cultura tiene de sí misma
mos que permitan incidencia política en y se delimitan los marcos de acción posibles para
los actores» (Mora, 2017: 138). En este caso apunta
la mejora de la prestación de los servicios hacia la transformación para ingresar y reforzar la
hospitalarios. Sin embargo, mientras se lo- situación existente en dichos espacios, formando
gra esta comunicación disciplinaria, existe parte del paisaje y orden preestablecido. También
según Mora, «[Richard] Schechner (2000) sostiene
una tensión axiológica en el aparato jurí-
que la performance no tiene en la reproducción y
dico de actuación sanitaria toda vez que en el sostén de un orden su única función, debido
la práctica clínica y la investigación médi- a que, entre otras cosas, quienes participan en la
ca se rigen por protocolos que establecen performance pueden ser transformados por medio
y en el trascurso de la misma» (2017: 139).
los alcances de las conductas de los pro-
12
Refiere a los factores y valores en los que se
fesionistas en salud en el ejercicio de su inscribe el deber ser ético como parte de la labor
profesión y los sujetos depositarios de las profesional del antropólogo; aunque se encuentra
en construcción.
Cabe señalar que, dentro de esta avances científicos y tecnológicos; que,
participación, el antropólogo se encuen- en conjunto, permitan el diseño de una
tra con una serie de dificultades que tie- norma jurídica ad hoc de corte sociomé-
ne que superar como la necesidad de dico en que los antropólogos tengan ba-
incorporar un lenguaje y conocimiento ses sólidas interseccionales/legitimación
60 respecto de su objeto de estudio que progresiva en su actuar profesional con
ayude a justificar su actuación frente a implicaciones legales y éticas definidas
los usuarios y/o pacientes. También se en los espacios hospitalarios.
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

requiere de que su trabajo cobre una va- Sólo a través de estas acciones
lidez, eficacia y legitimidad ante los dife- puede visibilizarse la participación del
rentes tipos de agentes del sistema de sa- antropólogo médico o en salud como
lud, mediados por la interdependencia e un ator social para generar intersticios
integralidad de las normas jurídicas en el encaminados al diálogo entre el con-
marco del nuevo paradigma constitucio- glomerado de las ciencias médicas y de
nal de los derechos humanos — donde la la salud con las antropológicas, a fin de
dignidad humana es la piedra del sentido entender, desde una visión interdiscipli-
ético del sistema jurídico — y están lla- naria, la adecuación de las condiciones
mados a convertirse en el principal regu- hospitalarias, la realización de estudios
lador de las nuevas formas de interacción sociales, culturales y bioculturales para la
en esta relación tripartita médico-usuario comprensión de los procesos salud-en-
y/o paciente-antropólogo, garantizando fermedad-atención y la generación de
la dignidad y los derechos inherentes al acciones diversas en el espacio clínico
ser humano. Sin embargo, para llegar a y hospitalario entre médico y paciente
este camino, es necesaria la comprensión dentro del marco de la normatividad y la
del objeto de estudio de ambas ciencias biojurisprudencia que rigen la actuación
del conocimiento y su correlación, la del campo sanitario.
aprehensión del marco jurídico de actua-
ción dentro del marco hospitalario, el co- Performatividad y
nocimiento del paradigma posmoderno el uso del lenguaje médico
de los derechos humanos, el alcance del
trabajo etnográfico clínico in situ, la im- Los diversos actores sociales de la an-
plementación del modelo biocultural de tropología de la salud que incursionaron
la antropología en la práctica médica-clí- en los espacios hospitalarios para hacer
nica como pensamiento de avanzada trabajo etnográfico clínico tienen una
(Peña, 2012), profundizar en la deontolo- formación profesional en diversas disci-
gía antropológica y en el papel del bio- plinas sociales y de la salud. Sin embargo,
derecho en la regulación de los nuevos estos últimos buscan acciones alterna-
tivas y complementarias a su quehacer De acuerdo con experiencias de co-
profesional, toda vez que esta disciplina se legas reportadas, generalmente, cuando
relaciona con las políticas estratégicas en los antropólogos en salud realizan tra-
materia de derechos humanos gracias a bajo de campo en hospitales, se sitúan
las investigaciones de corte social y cultu- desde la performatividad, y se les adjudi-
ral que pueden fortalecer diferentes áreas ca un rol de observadores extraoficiales; 61
de la vida social. Asimismo, presentan a al formar parte del paisaje humano del
priori una ventaja cualitativa por su forma- entorno hospitalario en contacto con el

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


ción académica en comparación con los personal de la institución y revelar que
antropólogos y que se traduce en el cono- son estudiantes de las áreas médicas
cimiento de la normatividad médica y el bajo la línea de antropología en salud, los
uso del lenguaje médico; mientras el an- redimensionan en la estructura operati-
tropólogo tiene que hacer uso de la per- va de la institución aposición subordina-
fomatividad para entrar al terreno clínico da como recurso humano, comodín para
en la búsqueda del reconocimiento de su un sinfín de actividades; comienzan a es-
validez y legitimación en su actuar frente tallar las barreras culturales, de identidad
a los usuarios y frente al personal de salud; e intereses, desencadenadas por que se
ambos actores que pueden constituirse desconocen las relaciones, conflictos y
en posibles participantes de las investiga- solidaridades internas entre los actores
ciones particulares (o informantes, como sociales de la institución. Por lo que, de
tradicionalmente se les denomina en an- acuerdo con Tosal Herrero et al. (2013),
tropología). Al incorporarse en una insti- los antropólogos adquieren un carácter
tución de salud, se da por hecho que el de mediadores culturales o asistentes
etnógrafo ha realizado su tarea de investi- sociales al no ser identificados con algún
gación contextual y mínimamente cono- otro rol en el proceso asistencial dentro
ce las normativas, protocolos y algunos del espacio hospitalario.
códigos, que permitan facilitar su entrada, Sin embargo, hay que compren-
a partir de compartir una afinidad situa- der que el antropólogo se sumerge en
cional en el espacio, lo cual requiere ele- protocolos y formas jerárquicas delos
mentos de identificación en el vestuario sistemas de salud para tener acceso a la
(uso de bata blanca), portar identificación información y a los actores sociales que
(credencial), entre otros elementos pro- intervienen en el proceso, lo cual se tra-
pios del espacio hospitalario, lo que lleva duce en un constante aprendizaje en el
a reforzar el imaginario de que es personal escenario donde se desenvuelve:
de salud de la institución sanitaria y no un Conseguido el acceso, se inicia un pe-
estudiante-investigador de antropología riodo de aprendizaje de estancia en el
que está ahí para realizar etnografía. campo y de negociación de las posibi-
lidades reales de trabajo. Resulta nece- y margina su labor, utilidad e importan-
sario conocer la distribución espacial cia; y la segunda, en la que es considera-
del servicio, área en la que se va trabajar; do una pieza fundamental para reducir la
aprender los tiempos, los ritmos y luga- distancia social con relación a la otredad,
res de trabajo; las funciones del personal, esto es, “experto-usuario”, toda vez que
62
los cambios de personal, sus turnos, las podría ser el profesional capaz de ir más
relaciones que existen entre los diversos allá del discurso sanitario hegemónico
profesionales (tanto en ámbito profesio- de la salud, y de reconocer, entender y
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

nal como personal), las actividades que respetar los diferentes enfoques sobre
se desarrollan según los turnos, etc. Hay los procesos salud-enfermedad.
que aprender con quién estar y cuándo De acuerdo con Epele, la etnogra-
se puede estar, y cómo comportarse en fía desde el giro ontológico ubica en los
cada situación concreta. (Tosal Herrero otros “la fuente y agencia de las repre-
et al., 2013: 198) sentaciones… las fronteras se convierten
en más permeables y se multiplican las
Así, pues, la implementación de es- transiciones entre mundos” (2017: 368).
trategias complementarias para desarro- Ello genera un contexto de reformula-
llar la investigación y el trabajo etnográ- ción constante de ida y vuelta, compresi-
fico como la subordinación, observación vos en la esfera social, cultural y biosocial
de jerarquías y de los protocolos hospita- que fortalece el trabajo etnográfico en
larios, el aprendizaje y el manejo del len- el espacio hospitalario y sus cualidades
guaje de los profesionales de la salud, y la empáticas y humanísticas. Por ello consi-
performatividad en el espacio hospitalario, deramos que el trabajo etnográfico reali-
exigida por el contexto mesoestructural y zado por antropólogos en dicho espacio
el trabajo etnográfico, demandan por par- es un campo de oportunidades para rea-
te del antropólogo un comportamiento lizar investigaciones interdisciplinarias y
“neutral” ante el personal de salud y usua- constituye un claro ejemplo de la (de)
rios, una vestimenta ad hoc, entre otras construcción normativa de ambas disci-
tantas cosas, que permitan que éste se ca- plinas para la inclusión del antropólogo
muflaje en el contexto de la investigación en dicho lugar. Martínez-Hernáez (2006)
para facilitar el desarrollo de la etnografía plantea que se trata de un esfuerzo mu-
de la manera más óptima dadas las condi- tuo y necesario para la consolidación de
ciones del contexto de actuación ofreci- la interrelación entre Antropología y Me-
das por la institución que lo respalda. dicina, fundamental para la construcción
En consecuencia, el papel del antro- de un diálogo productivo entre ambos
pólogo presenta dos narrativas lineales: campos del conocimiento.
la primera en la que se desconoce, omite
Dificultades operativas que presenta En la misma tónica nos encontra-
el etnógrafo en el espacio hospitalario mos con la falta de legitimidad de las
investigaciones socio-médicas bajo la
Ahora bien, los actores sociales que óptica cuantitativa de la ciencia médica
incursionan en este campo de la inves- en algunas instituciones. A pesar de que
tigación pueden llegar a presentar una la etnografía hospitalaria ha cobrado 63
suerte de dificultades de orden opera- una carta de legitimación tangencial en
tivo y administrativo por no decir buro- el quehacer biomédico, el modelo he-

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


cráticos en algunos casos. Uno de éstos gemónico médico guarda una relación
es el procedimiento de presentación, asimétrica con otras disciplinas, donde
revisión y ajuste de proyectos vía comi- el aporte del conocimiento interdisci-
té de ética, de investigación y biosegu- plinario es visto con recelo o de manera
ridad — según el caso —, toda vez que cautelar por no cumplir los cánones del
existe un vacío jurídico-administrativo de ejercicio médico en la investigación; los
reglamentación para la realización de es- cuales, es importante recordar, son de or-
tudios de corte cualitativo o mixto, lo que den cuantitativo y en general se alinean
genera, inter alias, barreras culturales en a la investigación clínica, que, si bien es
la inscripción y aprobación de los proyec- positiva para la generación del cono-
tos. Este problema tiene dos aristas: por cimiento, es diametralmente distinta a
una parte, la ausencia de formatos ad hoc los planteamientos de la investigación
para la inscripción de proyectos cualita- social, en particular aquella con enfo-
tivos, toda vez que están pensados en la ques cualitativos. Hemos observado que
lógica biomédica de corte cuantitativo, lo cuando el investigador es médico, estu-
que demanda una adecuación constante diante de un posgrado en antropología
de los protocolos y, en consecuencia, el médica/en salud y realiza investigacio-
retraso en reiteradas ocasiones del estu- nes en espacios hospitalarios, se flexibi-
dio. Por otro lado, la requisición de los for- lizan los códigos entre médicos y el resto
matos obliga a la designación de un in- del personal de salud, eliminando ten-
vestigador titular, o tutor interino, lo que siones impuestas por barreras gremiales,
conlleva a la negociación de los derechos sociales y culturales. Ellos y ellas conocen
de autoría (y en algunos casos el replan- el ámbito, se reconocen y son reconoci-
teamiento de los objetivos) trastocando, dos como parte de la lógica jerárquica
por momentos, de manera velada, los de- del sistema biomédico a diferencia de
rechos patrimoniales y morales sobre los los estudiantes que tienen como prime-
productos de posible publicación a pos- ra formación la antropología.
teriori cuando no se realiza una investiga- Otra dificultad operativa es la rea-
ción de acción participativa o aplicada. lización de tareas ajenas a la naturaleza
propia de la profesión, como en el caso formales e informales, o convenios ins-
de los antropólogos-etnógrafos, lo que titucionales, el acceso a determinadas
demandaría una preparación a priori, no fuentes: expedientes, archivos clínicos,
sólo en el lenguaje médico —como vi- espacio y tiempos en la consulta clínica,
mos anteriormente—, sino en la realiza- entrevistas con los informantes claves,
64 ción de potenciales actividades médicas entre otras.
básicas ante escenarios de la clínica hos-
pitalaria a razón de la materia o interés Dificultades axiológicas del etnógrafo
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

del estudio; y que conlleva, en conse- en su fuero interno


cuencia, a la necesidad de reformular los
programas o estándares de preparación Existe la falta de mecanismos para
de estudio de los posgrados, que formen denuncia y vigilancia de la información
antropólogos médicos o antropólogo por el carácter confidencial de ésta y el
sen salud cuyo campo de acción sea el privilegio médico-usuario/paciente. Una
espacio hospitalario y clínico, para que el de las mayores dificultades con las que se
alumno-investigador pueda contar con enfrenta el etnógrafo es la frontera ética y
herramientas etnográficas básicas nece- el cumplimiento indebido del deber por
sarias en el campo de la investigación, en parte del personal de salud en el ejercicio
especial aquellos profesionistas ajenos al de su profesión, toda vez que al mimeti-
campo médico. Sin embargo, no pode- zarse como un recurso humano performá-
mos olvidar que los esquemas de parti- tico, de la lógica institucional biomédica,
cipación de los antropólogos en dicho se percatade conductas de profesionistas
campo deben ser reglamentados en el de la salud que rebasan el horizonte jurídi-
marco de normas y reglas de operación co, debatiéndose en el fuero interno entre
de los servicios de salud, lo cual impli- la necesidad de denuncia de un actuar in-
caría necesariamente una modificación debido ante la ausencia de mecanismos
sustancial no sólo en los planes educa- propios y los límites que el mismo orde-
tivos de este tipo de especialistas, sino a namiento impone a su actuación como
la normatividad en materia de salud, de un invitado al quehacer médico.
manera tal que el respeto a los derechos Al respecto, esta preocupación
humanos y del paciente prevalezcan so- acompaña al etnógrafo desde el campo
bre cualquier actividad de investigación. hasta la escritura de los resultados de la
Por otra parte, la falta de accesibili- investigación, constituyéndose como un
dad a las fuentes de información es otra dilema ético que se antoja sin solución en
limitante en el campo, lo que se traduce este momento. Por un lado, tiene el de-
en una dificultad operativa, toda vez que ber de recabar en su diario de campo y en
sólo se permite a razón de los acuerdos cualesquiera instrumentos que le acom-
pañen al campo la realidad que observa meterse como etnógrafo rara vez parte
y que se le presenta a partir de una multi- de un conocimiento absoluto de la rea-
plicidad de testigos (el personal, los usua- lidad a la que se acercará en su desarro-
rios, los funcionarios, etcétera), porque llo profesional (es precisamente ello la
su trabajo así se lo demanda. Por el otro, cualidad principal del trabajo de campo),
también debe contemplar el costo aca- pero la generación de códigos deontoló- 65
démico, institucional e incluso político gicos puede ayudar al acompañamiento
que la escritura de la realidad que docu- del profesional en sus labores y brindar

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


menta supone. Al respecto, la recomen- una guía que permita no sólo orientar la
dación tácita es evitar el conflicto con la acción, sino disminuir la angustia de en-
institución de acogida, para garantizar la contrarse, algunas veces, entre ‘fuegos
finalización adecuada de las investigacio- cruzados’ al realizar trabajo etnográfico;
nes y el mantenimiento de las relaciones aunque como señalan Russel y Barley “las
académicas o de investigación con los decisiones éticas deben tomarse en res-
sitios de interés; sin embargo, como se- puesta al proceso de investigación en sí
ñalan Russel y Barley (2020), las necesida- mismo, en lugar de ser una serie de prin-
des y derechos de los participantes en las cipios que son establecidos por adelanta-
investigaciones pueden contradecir las do” (2020: 5).
del etnógrafo; por ello, atender a esta re-
comendación supone un conflicto ético Algunas reflexiones deónticas de
grave, en el que priva el beneficio, per- la antropología en el espacio hospitalario
sonal o colectivo del ámbito científico, a
la protección de la población usuaria de Como puede observarse, el proble-
servicios de salud, cuyos derechos po- ma de la ética en la antropología dentro
drían ser vulnerados por conductas ma- del campo hospitalario es más com-
liciosas de parte del personal. plejo de lo que parece. Toda vez que es
El etnógrafo no es en sí mismo una importante tener en cuenta la relación
figura para la impartición de justicia. Pero interdisciplinaria que se entreteje entre
sí es un científico social cuyos múltiples la antropología y la ciencia médica —y
compromisos al estudiar los procesos de que hace necesaria, en consecuencia, la
salud-enfermedad-atención incluyen la colaboración del derecho y la ética para
generación de información certera que, regular la participación de las prácticas
en última instancia, sirva como insumo etnográficas del antropólogo dentro del
para la toma de decisiones para la mejo- terreno hospitalario y clínico, en donde
ra de los servicios de salud, ¿cómo será el derecho es el instrumento de armo-
posible entonces realizar esta tarea si no nización entre los diversos problemas
reporta sus hallazgos? En suma, compro- yuxtapuestos en el variado sistema de
las relaciones sociales y los de naturaleza La teoría jurídica del consentimiento
jurídico-deontológica (Habermas, 2010) informado trasladada al terreno antropo-
al interior de la antropología como disci- lógico establece la obligatoriedad de re-
plina social, vinculados con la protección querir el consentimiento explícito de las
de los participantes13 — podemos men- personas para los fines de la investiga-
66 cionar: el consentimiento informado,14 ción que se precisa, situación que puede
la confidencialidad15 y la protección de obtenerse a través de algún instrumento
datos,16 entre otros. jurídico, como la carta de consentimien-
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

to informado. El etnógrafo debe reque-


13
“Para el caso de las ciencias sociales en parti- rir el consentimiento de los sujetos que
cular, se ha intentado la síntesis de los siguientes participan en las investigaciones para ac-
principios ‘éticos’ para salvaguardar la integridad
de los participantes de una investigación (Mäkelä,
ceder a la esfera jurídica de su privacidad,
2008): a) participación voluntaria y consentimien- debiendo informar sobre las intenciones
to informado; b) confidencialidad, anonimato y del estudio, los usos y sus posibles alcan-
protección de los datos; c) protección de los in- ces; aunque también debe considerar-
tereses de aquellos a quienes se estudia; d) par-
ticipación en debates públicos; e) libertad para
se cómo en la recolección y cesión del
publicar y acceder a los datos; f) visibilidad pública consentimiento informado opera una
versus investigaciones clandestinas; g) resolución relación de poder que va desde cómo
de quejas de adjudicación prejuiciosa de valores se recaba el documento hasta la pro-
a los sujetos estudiados, y h) diferimiento de la
autoridad del etnógrafo hacia la responsabilidad
piedad de los datos y su uso (Russel y
compartida de los pares de investigación” (Jacor- Barley, 2020). Sin embargo, en el campo
zyinksy et al., 2013: 14). se observa, también, un consentimiento
14
El consentimiento informado es la expresión implícito que a menudo se traslapa con
del respeto a la autonomía de las personas en
la coerción oculta, debiéndose evaluar
el ámbito de la investigación. Mediante él, se in-
forma al participante sobre las condiciones de la
este tipo de consentimiento en cada uno
investigación y los posibles beneficios y riesgos de los contextos en que se desarrolla a
que ésta conlleva; su objetivo primordial es pro- razón de la potencialidad de posibles da-
teger el derecho a la información y la libertad de
ños por el uso de la información.
elección de las personas (Fuente: CONBIOÉTICA.
http://www.conbioeticamexico.salud.gob.mx/in- La coerción encubierta es una forma no
terior/temasgeneral/consentimiento_informado.
html). También puede consultarse Pereda (2004).
identificación; pueden ser datos personales sen-
15
La confidencialidad es uno de los principios sibles, los cuales se refieren a la esfera íntima. La
éticos fundamentales en la investigación clínica y protección de datos personales tiene que ver con
social; es una manifestación del derecho a la protec- la garantía de la confidencialidad de la identidad
ción de la intimidad; se refiere a la protección contra del sujeto (paciente, usuario, particular) y del uso
la difusión y revelación de datos de la vida privada y legal de la información (Ley General de Protección
la protección de la confidencialidad debe garantizar de Datos Personales en Posesión de Sujetos Obli-
procedimientos con dicho fin (Brena, 2008). gados. 26 de enero de 2017. Disponible en: http://
16
Los datos personales se refieren a cualquier in- www.dof.gob.mx/nota_detalle.php?codigo=5469
formación sobre una persona física que permita su 949&fecha=26/01/2017).
ética de obtener información, lo mismo fidencialidad, el cual implica que debe
que tomar ventaja de la ingenuidad de protegerse la identidad de los infor-
los informantes. El antropólogo puede mantes-pacientes. A diferencia de otros
engañar verbalmente a sus informantes, profesionistas, como los médicos, psi-
asumir un rolo conducir una investigación cólogos, abogados, etcétera, los cuales
encubierta y clandestina. [Sin embargo], por ministerio de ley están obligados a 67
el engaño en una investigación compro- guardar secreto profesional bajo pena de
mete al investigador, a su patrocinador y a ley (o secreto de confesión para el caso

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


los sujetos. (Jorgensen, 1974: 14) de los sacerdotes), la confidencialidad
en la antropología sólo es un imperativo
Esto constituye, como señala Krotz, moral llamado éticamente a respetarse. El
uno de los campos de polémica sobre etnógrafo promete una confidencialidad
cuestiones éticas en la antropología fáctica para obtener información a cam-
mexicana: bio (Katz, 2019), y hacer uso de recurso
La relación entre los investigadores y del anonimato como estrategia autoge-
quienes les proporcionan información, nerada. Aunque ésta última debería ser la
principalmente de tipo verbal o median- que prime y se informe a los participantes
te el permiso para observar reuniones y — en tanto que la propia naturaleza de
determinadas actividades. Aquí se deba- la investigación antropológica se contra-
te una amplia gama de situaciones que dice con la confidencialidad que tradicio-
van desde los modos de registrar datos nalmente indican los consentimientos
(por ejemplo, el uso de grabadoras o cá- informados —, sin embargo, como Katz
maras ocultas) y obtener acceso a ellos (2019) señala, la promesa del anonimato
(por ejemplo, mediante la identificación es una garantía que el etnógrafo no pue-
falsa o incompleta del investigador, del de cumplir, en tanto que otros actores
objeto de su estudio o de los dos) hasta (colegas, profesores, equipos de trabajo,
las diversas modalidades de convivencia etcétera) saben dónde realizó el trabajo
(por ejemplo, sostener relaciones sexua- de campo y con quienes habló dentro
les, participar en ceremonias religiosas, de los espacios hospitalarios, lo cual es
establecer vínculos de parentesco ritual) diferente a otros ámbitos, ya que está
y la protección de los informantes para supeditada al andamiaje de la adminis-
que nada pueda ser utilizado en su contra tración sanitaria. Es imperativo que este
(cosa reñida a veces precisamente con la asunto en particular sea consensuado
necesidad del investigador de denunciar por los miembros del campo disciplinar
situaciones intolerables). (Krotz, 2004: 211) y que se informe de manera explícita a
los interlocutores o participantes en el
Asimismo, otro elemento es la con- estudio para minimizar la confusión que
pudiera existir en el uso de estos térmi- lo que se haya generado. Ambos actores,
nos y su aplicación práctica en el ejercicio de manera mancomunada, deberán res-
profesional. Sin embargo, es importante ponder de posibles daños y perjuicios a
también pensar que la ley no concede al los pacientes por la omisión de informa-
antropólogo un status privilegiado en- ción respecto de la identidad encubierta
68 cuanto a la información recabada como a o performática del etnógrafo, el cual sólo
su informante, so pena de los instrumen- a través de la carta de consentimiento
tos jurídicos que autogenere o gestione informado de tipo institucional hace del
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

para protección legal de las personas, sin conocimiento de los alcances y fines de
que pueda invocar privilegio alguno al la investigación en el mejor de los casos.
momento de requerírsele información. No es óbice señalar que los modelos ins-
La tensión axiológica que se genera titucionales de carta de consentimiento
al romper alguna o algunas de las figuras informado hasta ahora existentes cubren
jurídicas de protección hacia los infor- una necesidad de metodología cuantita-
mantes — en este caso, usuarios dentro tiva de utilidad dentro de la lógica clínica
del sector salud en un campo hospita- en donde sus actores que realizan las in-
lario—, genera también un problema vestigaciones son del campo clínico. Sin
ético y legal de grandes dimensiones embargo, habría la necesidad de revisar
toda vez que no es válida la producción estos instrumentos jurídicos que posibi-
de un conocimiento científico en contra- liten una mayor claridad y veracidad res-
vención expresa a los derechos huma- pecto del estudio, y una mayor certeza y
nos (aunque las prácticas etnográficas seguridad jurídica hacia todos los acto-
cuenten con el aval institucional del sec- res sociales involucrados en esta nueva
tor salud). Esto demanda en criterio de lógica donde interviene el antropólogo
avanzada, según Esteban Krotz (2004), como nuevo participante dentro del ám-
una vigilancia epistemológica en el que- bito médico en el ánimo de generar una
hacer antropológico toda vez que el pro- relación dialógico y no dialéctica.
ceso de producción del conocimiento Recordemos que los tres elementos
está permeado por todas estas prácticas simbólicos de referencia en la producción
antes enunciadas y, en consecuencia, del conocimiento científico antropológi-
pueden generarse grandes errores de in- co son: los informantes, la sociedad y la
terpretación sobre la realidad estudiada comunidad científica (Krotz, 2004). Las
al margen de las implicaciones éticas y acciones que se realizan en el terreno
legales para el etnógrafo y la institución de la investigación tienen un impacto
responsable del terreno de campo. La en cada uno de estos universos. Por ello,
sanción legal al vicio de la voluntad es la es imperativo el compromiso ético del
nulidad del acto y en consecuencia todo investigador para garantizar la buena
reputación y supervivencia de su propia fructífero para la construcción de marcos
comunidad gremial y reforzar la concep- de referencias compartidas que favorez-
ción del trabajo científico como una labor can el trabajo conjunto entre diferentes
colectiva, pero también para guardar una profesionales que interactúan en el es-
legitimidad frente a la sociedad que le pacio hospitalario; y que, como resulta-
proporciona, a través de sus actores par- do final, contribuya al fortalecimiento de 69
ticipantes, la fuente de su investigación. la antropología en salud como disciplina
útil para la toma de decisiones, en el pro-

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


Conclusiones ceso asistencial y en la generación de
evidencias para la optimización del fun-
En este trabajo, se ha tenido el ob- cionamiento de estas instituciones.
jetivo de acercar al lector al debate que De acuerdo con Russel y Barley
en épocas recientes ha ganado terreno (2020), los etnógrafos nos involucramos
como parte de las preocupaciones sus- con las personas que participan en las
tanciales al hacer etnografía, en particular investigaciones, mantenemos relaciones
ocupándonos del área donde en recientes con ellas y a partir de eso experimenta-
épocas nos hemos desarrollado profesio- mos una intimidad que se vuelve con-
nalmente, a saber, la atención institucio- flictiva para el manejo ético; pero que
nal a la salud. Acercarnos a estos espacios es imperativa de problematizar por sus
de interacción es fundamental cuando se consecuencias con el conocimiento y
trata de hacer una antropología centrada cómo se genera. Como las mismas auto-
en temas vigentes y urgentes, cuando la ras señalan, “la ética es un proceso que
realidad nos obliga a voltear a los espacios se construye in situ” (2020: 10), y para la
que tradicionalmente no seran ajenos ya resolución de conflictos en el campo es
generar metodologías que respondan a fundamental establecer consensos al
las características propias del proceso de interior del campo disciplinar que nos
producción de conocimiento. permita atenderlos e, incluso, incluirlos
Estos nuevos ciclos tienen caracte- como parte de las investigaciones para
rísticas que no eran contempladas por el fortalecimiento de una ética y reflexi-
el quehacer disciplinar del antropólogo y vidad antropológica (Roth Seneff, 2013).
los conflictos propios de la etnografía se Como señala Katz (2019), los etnó-
vuelven más complejos al insertarse en grafos se encuentran sujetos a presiones
marcos de atención a la salud donde la para hacer y romper procesos de confi-
medicina tiene el papel primordial, y se dencialidad a los participantes porque la
acompaña del derecho en la protección esencia de su trabajo es explorar y pre-
a los usuarios; espacio en el que la antro- sentar la realidad de la manera más fiel
pología se obliga a establecer un diálogo posible. Reconocemos la contradicción
inherente a nuestro quehacer como en Hechos y Derechos. Revista Electrónica
científicos sociales y, por ello, es que del Instituto de Investigaciones Jurídicas, 21.
conminamos a la conformación de un [En línea]. [Consultado el 19 de julio de
corpus teórico y metodológico que con- 2019]. Disponible en: https://revistas.juri-
tribuya efectivamente a la resolución de dicas.unam.mx/index.php/hechos-y-de-
problemas en el campo hospitalario. rechos/article/view/7003/8939.
70
Epele, M. 2017. Sobre las posiciones etnográ-
Referencias bibliográficas ficas en la antropología de la salud en el
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán

sur de las Américas. Salud colectiva; 13(3):


AAA — American Anthropological Associa- 359−373. DOI: 10.18294/sc.2017.1104.
tion. 1998. Code of ethics of the American Escamilla, G.; Salmerón, F. I.; Valladares, L. R. 2007.
Anthropological Association. [En línea]. El campo laboral de la antropología en
[Consultado el 29 de marzo de 2019]. México. Revista Colombiana de Antropolo-
Disponible en: https://www.america- gía, 43(enero-diciembre): 387−418. [En lí-
nanthro.org/ParticipateAndAdvocate/ nea]. Disponible en: https://www.redalyc.
Content.aspx?ItemNumber=1656. org/revista.oa?id=1050&numero=15277.
AAA. 2012. Statement on ethics: principles of Estrada, M. 2015. Hacia una colegiación y certi-
professional responsibility [En línea]. [Con- ficación profesional obligatorias en el Es-
sultado el 26 de agosto de 2020]. Dispo- tadomexicano. Blog del Centro de Estudios
nible en: http://ethics.americananthro. Superiores en materia de Derecho Fiscal y
org/category/statement. Administrativo. [En línea]. [Consultado el
ABA — Assossiação Brasileira de Antropo- 3 de septiembre de 2020]. Disponible en:
logia. 2012. Código de ética. [En línea]. http://cesmdfa.blogspot.com/2015/10/
[Consultado el 20 de agosto de 2019]. hacia-una-colegiacion-y-certificacion.html.
Disponible en: http://www.portal.abant. Habermas, J. 2010. Facticidad y validez: sobre
org.br/codigo-de-etica. el derecho y el estado democrático de de-
Brena, I. 2008. Privacidad y confidencialidad recho en términos de la teoría del discurso.
de los datos genéticos. Boletín Mexicano Madrid, Trotta.
de Derecho Comparado, Número conme- Hernández, E. 2013. “Ética para antropólogos”:
morativo, LX Aniversario: 109−125. entre recetas morales y simetría moral.
Camps, V. 2005. Ética, retórica y política. Ma- Desacatos, 41: 85-98. DOI: 10.29340/41.88.
drid, Alianza Editorial. Jacorzynski, W.; Sánchez, J. 2013. Ética y antro-
CACh — Colegio de Antropólogos de Chile. pología: nuevo reto para el siglo XXI.Des-
2007. Código de Ética. [En línea]. [Con- acatos, 41: 7−25. DOI: 10.29340/41.83.
sultado el 2 de abril de 2019]. Disponible Jorgensen, J. 1974. Sobre ética y antropo-
en: www.ugr.es/~aalvarez/observador- logía. In: Méndez, A. (ed.). Antropología
cultural/Documentos/eticaChile.pdf. contemporánea. Guatemala, Universidad
Cossío, J. 2014. Institucionalizar las profesiones del Valle de Guatemala: 213−239.
Katz, J. 2019. Armor for ethnographers. So- Portales, R. A.; Maillard, J. L. P.; Sánchez, R. L.
ciological Forum, 34(1): 264−275. DOI: 2013. Bioética, bioderecho y biopolítica:
10.1111/socf.12494 problemas actuales. 1.ª reimp. Senderos,
Krotz, E. 2004. Visiones alteradas: ensayo sobre Universidad Autónoma de Nuevo León.
vínculos entre aspectos éticos y cognitivos Ramos, A. 2004. Los Yanomami en el corazón
en las ciencias antropológicas. In: Olivé, L. de las tinieblas. Relaciones — Estudios de 71
(comp.) Ética y diversidad cultural. México, historia y sociedad, XXV(98): 17−47. [En lí-
Fondo de Cultura Económica: 200−222. nea]. Disponible en: https://www.redalyc.

Un estudio antropológico-jurídico de la conducta ética del etnógrafo en el espacio hospitalario en México


Llanes, J. 2016. La antropología mexicana ante org/revista.oa?id=137&numero=1183.
la Ley General del Ejercicio Profesional su- Restrepo, E. 2016. Etnografía: alcances, técni-
jeto a Colegiación y Certificación Obliga- cas y éticas. Bogotá, Envion Editores.
torias. Entre Diversidades, Número Especial: Roth-Seneff, A. 2013. Comentario: Ética y re-
91−120. DOI: 10.31644/ED.ESP.2016.a03. flexividad en antropología. Desacatos,
Martínez-Hernáez, A. 2006. Antropología médi- 41: 99−103. DOI: 10.29340/41.89.
ca. Teorías sobre la cultura, el poder y la en- Russell, L.; Barley, R. 2020. Ethnography, ethics
fermedad. Barcelona, Anthropos Editorial. and ownership of data. Ethnography, 21(1):
Mora, A. 2017. Aportes de perspectivas ana-
5−25. DOI: 10.1177/ 1466138119859386.
líticas sobre performance, performativi-
Sánchez, J. 2013. Clave y cónclave. La codi-
dad, cuerpo y afecto para la compren-
ficación ética del desempeño del an-
sión de la producción de sujetos gene-
tropólogo. Desacatos, 41: 65−84. DOI:
rizados en la escuela. Cadernos CEDES,
10.29340/41.87.
37(101): 131−144, DOI: 10.1590/cc0101-
Schavelzon, S. 2010. La antropología del Esta-
32622017168675.
do, su lugar y algunas de sus problemá-
Narotzsky, S. 2004. Una historia necesaria: éti-
ticas. Publicar, VIII(IX): 73−96. [En línea].
ca, política y responsabilidad en la prác-
Disponible en: http://ppct.caicyt.gov.ar/
tica antropológica. Relaciones —Estudios
index.php/publicar/article/view/1190.
de historia y sociedad, XXV(98): 107−145.
Tosal Herrero, B.; Brigidi, S.; Hurtado, I. 2013.
[En línea]. Disponible en: https://www.
Antropólogas en bata blanca: praxis y
redalyc.org/articulo.oa?id=13709805.
problemas del trabajo etnográfico en
Peña, E. 2012. Enfoque biocultural en antropolo-
hospitales. In: Romaní, O. (ed.). Etnografía,
gía. Alimentación-Nutrición y Salud-Enfer-
metodologías cualitativas e investigación
medad en Santiago de Anaya, Hidalgo. Mé-
en salud: un debate abierto. Tarragona,
xico, Instituto Nacional de Antropología e
Historia (INAH). Publicaciones URV: 191−211.

Pereda, C. 2004. Lógica del consentimiento. Turner, V. 1992. The anthropology of perfor-
In: Olivé, L. (comp.). Ética y diversidad cul- mance. 2nd print. New York, PAJ Books.
tural. México, Fondo de Cultura Econó- Valladares, L. 2014. La ética del que hacer
mica: 101−130. antropológico en tiempos globales. In:
Champion, C. D.; Vásquez, M. C. C. (coord.).
Ética en la investigación social. Experiencias
y reflexiones. Hermosillo, México, El Cole-
gio de Sonora: 120−146.
Vázquez, L. 2006. Ética, valores y desafíos ac-

72
tuales de la antropología social. Andan-
zas y Tripulaciones, 4(11): 16−20.
Edith Yesenia Peña Sánchez, Diana Socorro Gómez López, Lilia Hernández Albarrán
Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de
São João de Almedina (Coimbra, Portugal) (séc. XII−XVI)
Periapical inflammation in individuals of the medieval
necropolis of São João de Almedina (Coimbra, Portugal) 73
(12th−16th centuries)

Liliana Matias de Carvalho1,2a*, Sofia N. Wasterlain1,2b

Resumo A inflamação periapical resulta da Abstract Periapical inflammation results from


invasão da cavidade polpar por bactérias tooth pulp invasion by bacteria following
orais, na sequência de trauma, desgaste trauma, severe wear, or dental caries.
severo ou cárie dentária. Atendendo às Considering the different repercussions that
diferentes repercussões que as diversas lesões the various periapical lesions present, the
periapicais apresentam, o objetivo deste objective of this study is to evaluate their
estudo consiste em avaliar a sua frequência frequency in a skeletal sample from the
numa amostra de esqueletos da necrópole medieval necropolis (12th−16 th centuries)
Medieval (séculos XII−XVI) de São João de of São João de Almedina (Coimbra,
Almedina (Coimbra, Portugal). Observaram- Portugal). In all, 1007 alveoli, belonging to
se macroscopicamente 1007 alvéolos de 54 adult individuals (26 males, 16 females,
54 indivíduos adultos (26 masculinos, 16 and 12 individuals of unknown sex), were
femininos, 12 de sexo indeterminado). O macroscopically examined. The differential
diagnóstico diferencial das lesões foi efetuado diagnosis of the lesions was performed
seguindo Dias e Tayles (1997) e Hillson (2001). following Dias and Tayles (1997) and Hillson
Foram observadas lesões periapicais em 31,5% (2001). Periapical lesions were observed in
dos indivíduos e 3,2% dos alvéolos. Das 33 31.5% of the individuals, and 3.2% of the
lesões, 29 (87,9%) eram granulomas/quistos alveoli. Of the 33 lesions, 29 (87.9%) were
e quatro (12,1%) estavam em remodelação. granulomas/cysts and four (12.1%) were

1
CIAS — Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Universidade de Coimbra
2
Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
a orcid.org/0000-0002-4717-5049; b orcid.org/0000-0003-2913-3037

* Autor correspondente/Corresponding author: liliana.carvalho@student.uc.pt

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 73-98 • http://https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_4


Artigo recebido: 03 de dezembro de 2018 – Aceite: 06 de março de 2019/Received: December 3rd 2018 – Accepted: March 6th 2019
Não se observaram abcessos ou osteomielite. undergoing remodelling. No abscesses or
Não se verificaram diferenças na distribuição osteomyelitis were observed. No differences
das lesões periapicais por sexo, classe etária in the lesions’ distribution by sex, age group
ou lateralidade. Os alvéolos, quer anteriores or laterality were found. Both anterior and
quer superiores, revelaram mais lesões, upper alveoli revealed more lesions, probably
provavelmente por o osso ser menos denso due to lower bone density or greater post-
74
ou por estarem mais expostos por perda mortem tooth loss. Granulomas/cysts were
dentária post mortem. Os granulomas/quistos mainly found without any opening. The
apresentavam-se sobretudo sem abertura. main aetiological factor identified was caries.
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

O principal fator etiológico identificado foi Considering that only relatively benign
a cárie. Atendendo a que apenas foram and asymptomatic lesions were identified,
identificadas lesões relativamente benignas e periapical inflammation would not have had
assintomáticas, conclui-se que a inflamação a very negative impact on the individuals
periapical não terá tido um impacto muito studied.
negativo nos indivíduos estudados.

Palavras-chave: Paleopatologia oral; Keywords: Oral paleopathology; dental


granuloma dentário; quisto radicular; abcesso granuloma; radicular cyst; dental abscess;
dentário; cárie dentária. dental caries.

Introdução Roberts e Manchester, 2005; Wasterlain,


2006). O resultado desta condição no
A inflamação periapical ocorre à volta do osso alveolar é o de uma cavidade de di-
ápice da raiz do dente, em resultado da mensão e forma variáveis (Dias e Tayles,
invasão da cavidade polpar por bacté- 1997; Hillson, 2005).
rias orais (Shaferet al., 1983; Hillson, 1996; Esta patologia tem uma etiologia
2001; 2005; Dias e Tayles, 1997; González, multifatorial (Wasterlain, 2006). A causa
2002). Perante a inflamação, são inicia- mais comum para que a polpa seja ex-
dos mecanismos de defesa que podem posta são as cáries dentárias. No entanto,
fazer com que esta desapareça (Hillson, quaisquer outras causas que permitam
2000; 2001). Dependendo da imunidade a invasão polpar pelos microrganismos
do hospedeiro e da virulência do agente orais, como trauma, desgaste dentário
patogénico, a inflamação pode tornar- severo ou doença periodontal, são pos-
-se supurativa e conduzir à compressão síveis fatores etiológicos (Hillson, 2000,
dos vasos sanguíneos locais e morte 2005; Linn et al., 1987; Roberts e Man-
polpar (Dias e Tayles, 1997; Hillson, 2005; chester, 2005; Rufino et al., 2017; Waster-
lain, 2006). A origem traumática da infla- ção de uma massa com a presença de
mação pode relacionar-se com fraturas muitas células inflamatórias. A presença
acidentais ou modificações dentárias in- de inflamação estimula a reação osteo-
tencionais com motivos culturais ou es- clástica do osso, criando uma cavidade,
téticos (Rufino et al., 2017; Roseiro, 2013). que será preenchida pelo tecido granu-
O estudo e o registo da inflamação latoso. A ação osteoblástica irá concorrer 75
periapical no âmbito da osteoarqueolo- com a osteoclástica, tornando suaves e
gia têm sofrido alguns constrangimentos regulares as paredes (Dias e Tayles, 1997;

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
sobretudo devido à utilização de uma Shafer et al., 1983). Um granuloma peria-
terminologia errónea e à não uniformi- pical pode evoluir para um quisto perio-
zação dos métodos utilizados (Linn et al., dontal apical pela substituição do tecido
1987; Dias et al., 2007). Por exemplo, os de granulação (presente no granuloma)
estudos mais antigos referem generica- por um fluido ou conteúdo semissólido
mente o termo “abcesso” para descrever (Dias e Tayles, 1997; Dias et al., 2007; Hi-
todos os tipos de lesão periapical (Dias llson, 2001; 2005; Wasterlain, 2006). Am-
e Tayles, 1997). Esta generalização pode bas as condições são caracterizadas por
trazer problemas de leitura quando se serem relativamente regulares e bem
tenta entender o impacto destas condi- demarcadas na sua forma, sendo a pri-
ções na saúde e qualidade de vida dos meira geralmente de menor tamanho
indivíduos (Dias e Tayles, 1997). O facto do que a segunda (podendo esta causar
de usualmente não se ter acesso visual a uma protuberância com osso fino do tipo
todos os alvéolos tem sido também um “casca de ovo”). Estes dois tipos de lesão
obstáculo, sendo a situação ideal o uso são usualmente indolores e benignos
sistemático de raios-X, o que frequen- ainda que, em alguns casos, possam pro-
temente não é possível (Hillson, 2000, vocar maior sensibilidade à mordida ou
2005; Linn et al., 1987). a variações de temperatura na cavidade
Vários autores (Dias e Tayles, 1997; oral (Dias e Tayles, 1997; Dias et al., 2007;
Freeth, 2000; Hillson, 2000; 2001; Was- Wasterlain, 2006). Se a fonte de infeção
terlain, 2006) salientaram a necessidade for removida — o dente, por exemplo —
de distinguir entre os vários tipos de o granuloma desaparecerá. No entanto, o
inflamação periapical, nomeadamente mesmo não sucederá se a inflamação for
granuloma periapical, quisto periodontal do tipo quisto (Dias e Tayles, 1997; Dias
apical, abcesso periapical agudo e cróni- et al., 2007; Hillson, 1996; 2001; 2005).
co e osteomielite aguda e crónica. Ainda que estas duas condições reflitam
O granuloma periapical é o tipo mais estados e tipos diferentes de inflamação
comum representando uma primeira periapical, a sua distinção é muito difícil
resposta inflamatória por via da forma- no osso seco (Dias e Tayles, 1997). Alguns
autores sugerem que se usem medidas desenvolver-se mais lentamente, forma
como “pontos de cisão”, mas essa opção uma cavidade no osso e, eventualmente,
metodológica não é unânime (Dias e Tay- uma fístula, de modo a drenar o pus (Dias
les, 1997; Dias et al., 2007; Hillson, 2005). e Tayles, 1997; Wasterlain, 2006). Apesar
Por vezes, contudo, a infeção pode dos incómodos produzidos ao nível do
76 tornar-se piogénica, originando-se um paladar e odor pela descarga de pus, o in-
abcesso, agudo ou crónico. O abcesso divíduo apresenta sintomas mais ligeiros,
periapical agudo é mais severo e carac- nomeadamente dor pouco intensa (Dias
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

teriza-se pela formação de pus (mas não e Tayles, 1997). Por outro lado, a severi-
uma fístula), afetando os tecidos moles, os dade do abcesso agudo pode continuar
espaços intratrabeculares e os canais vas- a aumentar, fruto de grande virulência
culares do osso de suporte do dente. Este dos organismos patogénicos ou de uma
fica sensível ao toque e pressão. Há dores menor imunidade do hospedeiro, inva-
fortes, inchaço e vermelhidão nos locais dindo a medula óssea e tornando-se um
adjacentes ao dente, além de outros si- caso de osteomielite aguda (Dias e Tay-
nais e sintomas, como febre e mal-estar les, 1997). Esta patologia, que resulta da
geral (Dias e Tayles, 1997; Hillson, 2001). infeção dos espaços medulares, provoca
O processo de libertação de pus faz-se sintomas mais intensos do que os abces-
sempre pela via de menor resistência, sos, como dores fortes, febre alta e um
que pode ser uma abertura na coroa do mal-estar geral. Em última instância pode
dente ou pequenas perfurações no osso, levar a septicémia e morte (Dias e Tayles,
não deixando qualquer marca visível no 1997; Wasterlain, 2006). Por ser de rápida
osso. A mucosa oral incha e, após reben- progressão, esta condição não irá afetar o
tar, liberta o pus na cavidade oral (Dias osso já que, tal como nos abcessos agu-
e Tayles, 1997; Hillson, 2000). O abcesso dos, o pus procura sair pela via de menor
pode resultar de uma infeção polpar agu- resistência (Schafer et al., 1983). Se o in-
da ou ser secundário a um granuloma divíduo afetado possuir alguma imunida-
(Dias e Tayles, 1997; Soames e Southam, de, a osteomielite pode tornar-se crónica
1998). Se a fonte de infeção for tratada e ao afetar os espaços medulares do osso.
o pus drenado, os tecidos são reparados Neste caso, tal como no abcesso crónico,
com alguma rapidez uma vez que a rá- os sintomas não são tão intensos — dor
pida formação do abcesso não permite a moderada, febre menos elevada —, ain-
formação de cavidade óssea (não há tem- da que se crie uma cavidade que se pode
po para reabsorção osteoclástica) (Dias e associar a sequestros ou involucra, múlti-
Tayles, 1997; Soames e Southam, 1998). plos seios de descarga e cloacas (Dias e
Se, pelo contrário, a inflamação persistir, o Tayles, 1997; Soames e Southam, 1998;
abcesso agudo tornar-se-á crónico e, ao Wasterlain, 2006). Estas características
estão sumariadas na Tabela 1. Uma des- tuguesa habitante de um meio urbano
crição mais pormenorizada da formação de cronologia Medieval. As lesões serão
e categorização de tipos de inflamação analisadas tendo em atenção o seu tipo,
periapical pode ser consultada em Dias localização e etiologia (quando possível).
e Tayles (1997), Dias et al. (2007), Shafer Serão procurados padrões segundo o
et al. (1983) e Wasterlain (2006). Há que sexo e a idade dos indivíduos. Espera-se 77
referir que muitas das condições descri- igualmente entender se a presença des-
tas como abcessos na literatura osteoar- ta condição se exprimia numa deteriora-

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
queológica correspondem a condições ção da qualidade de vida.
menos graves de inflamações periapicais, É fundamental a comparação com
como granulomas e quistos (Dias e Tay- amostras populacionais coevas, mas
les, 1997; Dias et al., 2007; Hillson, 2005). também com outras mais antigas ou
No presente estudo, pretende-se recentes. Neste âmbito dar-se-á espe-
investigar a frequência de lesões peria- cial atenção aos dados recolhidos por
picais numa amostra esquelética por- Wasterlain (2006), possuidores de duas

Tabela 1. Caracterização dos diversos tipos de inflamação periapical.


Presença
Outras
Tipo Margens Paredes Tamanho de Infeção
características
Piogénica
Granuloma Suaves; Sensibilidade à
Regulares Pequeno Não
periapical regulares mordida
Quisto Suaves; Pequeno a Sensibilidade à
Regulares Não
periodontal regulares médio mordida
Sensibilidade ao
toque/pressão;
Abcesso
dores fortes,
periapical - - - Sim
inchaço e verme-
agudo
lhidão; febre e
malestar geral
Sensibilidade ao
Abcesso
toque/pressão;
periapical Irregulares Rugosas Variável Sim
dor moderada;
crónico
fístula
Dor forte; febre
Osteomielite
- - - Sim alta; malestar
aguda
geral
Rugosas; Dor moderada;
Osteomielite muito febre menos
Irregulares Variável Sim
crónica irregula- elevada; cloaca;
res sequestro
vantagens comparativas: foram obtidos década seguinte. Entre 1955 e 1962, de-
com o mesmo método aqui aplicado e correu a intervenção da Direcção-Geral
referem-se a indivíduos habitantes do dos Edifícios e Monumentos Nacionais
mesmo espaço geográfico dos aqui ana- (Carvalho, 1998).
lisados, embora numa época posterior à No que se refere ao material deste
78 industrialização (meados do século XIX estudo, foi entregue na década de 1940
a inícios do século XX). Serão também ao então Instituto de Antropologia (que
abordadas as dificuldades inerentes ao atualmente integra o Departamento de
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

estudo desta patologia em material os- Ciências da Vida) da Universidade de


teológico de origem arqueológica. Coimbra, embora não se tenha conheci-
Este estudo é parte integrante de mento de nenhum técnico ou investiga-
uma investigação mais abrangente sobre dor ligado ao Instituto que tenha partici-
patologia oral na coleção osteológica de pado na escavação que terá sido dirigida
São João de Almedina, em que, além da pelo Doutor Bairrão Oleiro (Cunha, 1994).
aferição da presença, erupção anormal Não existe qualquer documento escrito
e perda ante mortem e post mortem de sobre a escavação, no entanto, pela aná-
dentes, também se avaliou o desgaste lise das fotos, Cunha (1994) inferiu que a
(Carvalho e Wasterlain, 2015/2016), cál- tipologia das sepulturas se enquadrava na
culo e cáries dentárias, assim como a dos enterramentos da Baixa Idade Média,
doença periodontal (Carvalho, 2013). o que vai ao encontro da cronologia do
cemitério. As inumações seriam em de-
Material cúbito dorsal diretamente na terra, a uma
profundidade variável, e podiam ser parte
O material analisado neste estudo per- de uma sepultura individual ou reutilizada
tence à necrópole da igreja de São João (Cunha, 1994).
de Almedina (SJA), que se localizava no A partir de várias fontes históricas e
sítio onde atualmente se encontra o pá- de alguns elementos indiretos, pôde-se
tio do Museu Nacional de Machado de balizar com alguma certeza a utilização da
Castro (MNMC), em Coimbra, e a atual antiga Igreja de SJA. Segundo Vasconce-
Igreja de São João de Almedina. As esca- los (1937, citado por Correia e Gonçalves,
vações deste sítio relacionaram-se muito 1947 in Cunha, 1994), esta primeira igre-
com o interesse no criptopórtico e fórum ja de SJA terá sido mandada erigir entre
romanos que se situam sob o local. Em 1129 e 1131 e, embora pronta em 1138,
1930, Virgílio Correia (in Carvalho, 1998) apenas foi sagrada no final do séc. XII ou
tornou pública a existência e localização início do séc. XIII. O claustro, no entanto,
do criptopórtico, iniciando as suas explo- terá sido construído num momento an-
rações, que decorreram durante toda a terior, datando de cerca de 1087 (Pimen-
tel, 2005 in Nogueira e Magalhães, 2008). anos depois, por Cunha (1994), que pro-
Será menos seguro afirmar o término do cedeu a uma extensa caracterização pa-
seu tempo útil. Coelho (1989) refere que leodemográfica e patológica no âmbito
a antiga igreja terá sido abandonada nos da sua dissertação de doutoramento. Em
finais do séc. XV a favor de uma nova, com 2013, Carvalho (2013) também estudou
a mesma denominação, mas construída a série osteológica a propósito da sua in- 79
não exatamente sobre a antiga (Cunha, vestigação de Mestrado, que se centrou
1994). A incerteza da data de encerra- na paleopatologia dentária. Na sequên-

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
mento da antiga igreja prende-se com o cia deste estudo, foram já publicados os
período de transição para a nova, em que resultados referentes ao desgaste dentá-
a primeira terá funcionado pontualmente, rio (Carvalho e Wasterlain, 2015/2016).
razão pela qual terá sido referida nos sé- Apesar da amostra analisada ser
culos XV e XVI (Cunha, 1994). Deste modo, composta por 58 indivíduos (Carvalho,
a igreja original poderia estar ainda a ser 2013), apenas se consideraram válidos
utilizada no séc. XVI, já que os registos nos para este estudo 54 (26 masculinos, 16
livros paroquiais da nova igreja apenas femininos, 12 de sexo indeterminado), já
começam em 1538 (Cunha, 1994). Assim, que se excluíram aqueles com total per-
consegue-se datar o período funcional da da de dentes ante mortem (Tabela 2). Re-
antiga igreja de São João de Almedina e lativamente aos alvéolos, foram conside-
respetiva necrópole entre os séculos XII e rados observáveis os que apresentavam
XVI. dentes (n=526), os que tinham sofrido
Em 1963, Xavier da Cunha assinou perda dentária post mortem (n=272) e os
uma publicação onde referia que uma que tinham sofrido perda dentária ante
parte do material havia sido alvo de uma mortem mantendo-se o osso mandibu-
análise métrica pela Doutora Maria Au- lar/maxilar observável (n=209), num to-
gusta Neto (Cunha, 1963). Os ossos ape- tal de 1007 alvéolos.
nas voltaram a ser estudados mais de 30

Tabela 2. Distribuição etária e sexual da amostra de São João de Almedina (Coimbra) em estudo.
Sexo
Indeterminado Masculino Feminino Total
Adulto jovem 2 1 3 6 (11,1%)
Classe
Adulto 10 20 9 39 (72,2%)
Etária
Adulto idoso 0 5 4 9 (16,7%)
Total 12 (22,2%) 26 (48,1%) 16 (29,6%) 54 (100%)
Metodologia caracteriza-se por uma área muito mais
extensa e pela presença de osso necróti-
A avaliação do perfil biológico seguiu co e cloaca. Foram ainda anotados casos
as metodologias clássicas. A diagnose de lesões em remodelação (antigas le-
sexual foi procurada usando os méto- sões periapicais que se encontravam em
80 dos de Bruzek (2002) (ilíaco) e Buisktra e processo de cura à data da morte do in-
Ubelaker (1994) (ilíaco e crânio). Na man- divíduo, em resultado da perda do dente
díbula, usaram-se os métodos de Giles afetado) (Wasterlain, 2006). Anotou-se
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

(1964) e Loth e Henneberg (1996). Nos também a localização da cavidade e a


ossos longos, aplicaram-se os métodos sua provável causa inicial. Infelizmente
de Wasterlain (2000). Para a estimativa da não foi possível avaliar os alvéolos por
idade à morte, usaram-se os métodos de meio de exames radiológicos.
Lovejoy et al. (1985) (superfície auricular Os dados foram anotados numa
do ílio), Brooks e Suchey (1990) (sínfise ficha de registo criada para o efeito
púbica) e Işcan e Loth (1986) (extremida- (consultar Carvalho, 2013) e subsequen-
de esternal das costelas). temente foram alvo de tratamento esta-
A metodologia seguida no presente tístico (estatística descritiva e testes de
estudo foi a de Dias e Tayles (1997) [se- qui-quadrado) em IBM SPSS versão 17.0.
guindo as recomendações de Hillson O sistema de dois dígitos da Fédération
(2001)]. Deste modo, todos os alvéolos Dentaire Internationale foi adotado como
foram macroscopicamente observados, nomenclatura dentária para registo e tra-
pesquisando-se por cavidades em torno tamento dos dados (Alt e Turp, 1998).
da zona do ápice das raízes ou laterais a
estas. Quando possível, removeram-se Resultados
os dentes (se soltos) dos alvéolos para Inflamação periapical por indivíduo
uma melhor inspeção e procura de ca-
vidades que poderiam estar “escondi- Dos 54 indivíduos considerados, 17
das” pelo dente in situ. As margens das (31,5%) exibiam lesões alveolares na zona
lesões foram avaliadas e classificadas apical correspondendo a granulomas/
como granulomas ou quistos sempre quistos (Figura 1, Tabela 3). Os indivíduos
que apresentavam contornos regulares, afetados por lesões em remodelação
e como abcessos se estes se apresentas- representam 5,6% (n=3, todos do sexo
sem irregulares. Foram também obser- masculino) do total de indivíduos afe-
vadas as características da parede da ca- tados e exibiam, igualmente, lesões do
vidade: lisas nos granulomas ou quistos tipo granuloma. Não foram observados
e rugosas nos abcessos. A osteomielite, quaisquer abcessos ou osteomielite na
além de margens irregulares e rugosas, presente amostra. Dos 17 indivíduos com
lesões periapicais, 58,8% (n=10) apresen- Foram os homens os mais afetados,
tavam mais do que uma lesão na cavida- com 38,5% dos indivíduos a exibirem lesões
de oral: 35,3% (n=6) tinham duas lesões, (Tabela 3). Os menos atingidos foram os
11,8% (n=2) possuíam três lesões e ou- indivíduos cujo sexo não se conseguiu esti-
tros 11,8% (n=2) revelavam quatro lesões. mar com apenas 16,7% de sujeitos afetados.
81

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
Figura 1. Indivíduo exibindo um granuloma ou quisto que afetou o alvéolo do 2.º pré-molar
inferior direito, ainda presente (Indivíduo 12, masculino, adulto).

Tabela 3. Frequência de indivíduos afetados por cada tipo de lesão e por sexo.
Tipos de Lesão Homens Mulheres Indeterminado
Granuloma/Quisto 10 (38,5%) 5 (31,3%) 2 (16,7%)
Lesões em remodelação 3* (11,5%) 0 (0%) 0 (0%)
Total 10 (38,5%) 5 (31,3%) 2 (16,7%)
* Indivíduos que também apresentavam lesões do tipo granuloma/quisto.

Tabela 4. Frequência de indivíduos por tipo de lesão periapical e classe etária.


Tipos de Lesão Adultos jovens Adultos Adultos idosos
Granuloma/Quisto 2 (33,3%) 13 (33,3%) 2 (22,2%)
Lesões em remodelação 1* (16,7%) 2* (5,1%) 0 (0%)
Total 2 (33,3%) 13 (33,3%) 2 (22,2%)
* Indivíduos que também apresentavam lesões do tipo granuloma/quisto.
As lesões em remodelação só foram dências de inflamação periapical (Tabela
identificadas em 11,5% dos homens, não 5). Apenas 2,9% (n=29) apresentavam
estando presentes em mais nenhum in- granulomas/quistos e uma percenta-
divíduo. gem muito residual (0,4%, n=4) apresen-
Detetou-se maior percentagem de tava lesões em remodelação. Estas duas
82 indivíduos com inflamação periapical condições afetaram assim, em conjunto,
nas classes dos adultos jovens e adultos 3,3% (n=33) dos alvéolos observados.
(33,3%) do que na dos idosos (22,2%) Os granulomas/quistos afetaram li-
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

(Tabela 4). Os granulomas/quistos fo- geiramente mais os alvéolos femininos


ram mais frequentes nos adultos jovens (3,3%) do que os masculinos (3,0%). Os
e adultos (33,3%), diminuindo nos adul- alvéolos dos indivíduos de sexo indeter-
tos idosos (22,2%). Pelo contrário, as le- minado foram menos afetados por granu-
sões em remodelação, que existem em lomas/quistos (1,4%). As lesões em remo-
número muito pequeno, eram mais co- delação apenas foram identificadas em
muns nos adultos jovens (16,7%) do que alvéolos masculinos (0,7%). Não se verifi-
nos adultos (5,1%). Os adultos idosos não caram, portanto, quaisquer diferenças na
exibiam nenhuma lesão deste tipo. distribuição do tipo de lesões periapicais
por sexo (χ2=4,669; g.l.=4; p=0,323).
Inflamação periapical por alvéolo Inversamente ao que se registou na
análise por indivíduos, e como se pode
De todos os alvéolos observados constatar na Tabela 6, os alvéolos dos
(1007), 96,7% (n=974) não tinham evi- adultos tinham mais lesões de tipo gra-

Tabela 5. Frequência de alvéolos afetados por sexo e tipo de lesão periapical.


Tipos de Lesão Homens Mulheres Indeterminado Total
Saudável 539 (96,2%) 291 (96,7%) 144 (98,6%) 974 (96,7%)
Granuloma/Quisto 17 (3,0%) 10 (3,3%) 2 (1,4%) 29 (2,9%)
Lesões em remodelação 4 (0,7%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (0,4%)
Total 560 (100%) 301 (100%) 146 (100%) 1007 (100%)

Tabela 6. Frequência de alvéolos afetados por classe etária e tipo de lesão periapical.
Adultos
Tipos de Lesão Adultos Adultos idosos Total
jovens
Saudável 159 (97,5%) 624 (96,1%) 191 (97,9%) 974 (96,7%)
Granuloma/Quisto 3 (1,8%) 22 (3,4%) 4 (2,1%) 29 (2,9%)
Lesões em remodelação 1 (0,6%) 3 (0,5%) 0 (0,0%) 4 (0,4%)
Total 163 (100%) 649 (100%) 195 (100%) 1007 (100%)
nuloma/quisto (3,4%) do que os dos ido- lesões em remodelação eram os corres-
sos (2,1%) ou dos adultos jovens (1,8%). pondentes aos dentes 21, 22, 24 e 47.
As lesões em remodelação apenas foram Não foi encontrada nenhuma lesão nos
observadas nos alvéolos dos adultos jo- terceiros molares.
vens (0,6%) e nos dos adultos (0,5%). Não Relativamente às arcadas dentárias
se verificaram diferenças na distribuição (Tabela 9), verificou-se uma maior ex- 83
do tipo de lesões periapicais por classe pressão de granulomas/quistos e lesões
etária (χ2=2,762; g.l.=4; p=0,598). em remodelação na arcada superior, sen-

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
Apesar de os alvéolos anteriores do as diferenças significativas (χ2=9,087;
(n=392) terem sido mais afetados por g.l.=2; p=0,011).
granulomas/quistos (n=14, 3,6%) e le- No que respeita à lateralidade (Ta-
sões em remodelação (n=2, 0,5%) do bela 10), não se verificaram diferenças
que os alvéolos posteriores (n=615; gra- significativas (χ2=1,011; g.l.=2; p=0,603).
nulomas quistos, n=15, 2,4%; lesões em Em relação à localização (Tabela
remodelação, n=2, 0,3%), as diferenças 11), os granulomas/quistos foram mais
não foram significativas (χ2=1,315; g.l.=2; frequentemente identificados sem qual-
p=0,518) (Tabela 7). quer abertura (55,6%), isto é, no fundo
Ainda assim, foi o alvéolo de um dos alvéolos. Quando presente uma
dente posterior que mostrou valores abertura num granuloma/quisto, esta
mais altos de granulomas/quistos (den- era mais comum na face bucal/labial
te 24, 12,0%) (Tabela 8). Os alvéolos com (40,7%) do que nas faces bucal e lingual

Tabela 7. Frequência de alvéolos afetados por dentição anterior/posterior e tipo de lesão pe-
riapical.
Tipos de Lesão Dentição anterior Dentição posterior Total
Saudável 376 (95,9%) 598 (97,2%) 974 (96,7%)
Granuloma/Quisto 14 (3,6%) 15 (2,4%) 29 (2,9%)
Lesões em remodelação 2 (0,5%) 2 (0,3%) 4 (0,4%)
Total 392 (100%) 615 (100%) 1007 (100%)

Tabela 9. Frequência dos diversos tipos de lesões periapicais por arcada dentária e sexo.
Tipos de Lesão Maxilar Superior Mandíbula Total
Saudável 346 (94,5%) 628 (98,0%) 974 (96,7%)
Granuloma/Quisto 17 (4,6%) 12 (1,9%) 29 (2,9%)
Lesões em remodelação 3 (0,8%) 1 (0,2%) 4 (0,4%)
Total 366 (100%) 641 (100%) 1007 (100%)
Tabela 8. Frequência dos diversos tipos de lesões periapicais por tipo dentário.
Granuloma/ Lesões em
Tipo de dente Saudável Total
Quisto remodelação
11 21 (95,5%) 1 (4,5%) 0 (0,0%) 22 (100%)
12 21 (95,5%) 1 (4,5%) 0 (0,0%) 22 (100%)
84 13 21 (91,3%) 2 (8,7%) 0 (0,0%) 23 (100%)
14 21 (91,3%) 2 (8,7%) 0 (0,0%) 23 (100%)
15 23 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 23 (100%)
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

16 23 (95,8%) 1 (4,2%) 0 (0,0%) 24 (100%)


17 22 (95,7%) 1 (4,3%) 0 (0,0%) 23 (100%)
18 20 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 20 (100%)
21 23 (92,0%) 1 (4,0%) 1 (4,0%) 25 (100%)
22 22 (88,0%) 2 (8,0%) 1 (4,0%) 25 (100%)
23 22 (95,7%) 1 (4,3%) 0 (0,0%) 23 (100%)
24 21 (84,0%) 3 (12,0%) 1 (4,0%) 25 (100%)
25 21 (91,3%) 2 (8,7%) 0 (0,0%) 23 (100%)
26 23 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 23 (100%)
27 23 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 23 (100%)
28 19 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 19 (100%)
31 42 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 42 (100%)
32 44 (97,8%) 1 (2,2%) 0 (0,0%) 45 (100%)
33 42 (93,3%) 3 (6,7%) 0 (0,0%) 45 (100%)
34 43 (97,7%) 1 (2,3%) 0 (0,0%) 44 (100%)
35 43 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 43 (100%)
36 42 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 42 (100%)
37 43 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 43 (100%)
38 35 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 35 (100%)
41 40 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 40 (100%)
42 40 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 40 (100%)
43 38 (95,0%) 2 (5,0%) 0 (0,0%) 40 (100%)
44 40 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 40 (100%)
45 37 (94,9%) 2 (5,1%) 0 (0,0%) 39 (100%)
46 34 (94,4%) 2 (5,6%) 0 (0,0%) 36 (100%)
47 36 (94,7%) 1 (2,6%) 1 (2,6%) 38 (100%)
48 29 (100%) 0 (0,0%) 0 (0,0%) 29 (100%)
Total 974 (96,7%) 29 (2,9%) 4 (0,4%) 1007 (100%)
em simultâneo (3,7%). As lesões em re- Discussão
modelação foram identificadas em igual
percentagem (50,0%) nas superfícies Os resultados obtidos devem ser enca-
bucal/labial e bucal e lingual em simultâ- rados como uma subestimação dos va-
neo. Não foram detetadas quaisquer le- lores reais da inflamação periapical, uma
sões apenas na superfície lingual/palatal. vez que não foi possível realizar exames 85
As diferenças revelaram-se significativas radiológicos e os dentes in situ podem
(χ2=10,009; g.l.=2; p=0,007). ter impedido a observação de lesões

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
Não foi possível aferir a causa subja- ocultas. Os resultados obtidos são apre-
cente (Tabela 12) de 89,3% dos granulo- sentados sucintamente na Tabela 13 e
mas/quistos. Em 10,7% dos casos (n=3), comparados com os relatados por ou-
os granulomas/quistos estavam associa- tros estudos efetuados em Portugal.
dos a dentes que apresentavam a cavi- Dos indivíduos observados no pre-
dade polpar exposta por cárie dentária, sente estudo, 31,5% possuíam lesões
sendo esta provavelmente a causa da in- periapicais, nomeadamente granulomas
flamação. Em nenhuma das lesões em re- ou quistos (Figura 1) e lesões em remo-
modelação foi possível inferir a sua causa. delação. Ainda que sejam lesões pouco

Tabela 10. Frequência dos diversos tipos de lesões periapicais por lateralidade.
Tipos de Lesão Direito Esquerdo Total
Saudável 466 (96,7%) 508 (96,8%) 974 (96,7%)
Granuloma/Quisto 15 (3,1%) 14 (2,7%) 29 (2,9%)
Lesões em remodelação 1 (0,2%) 3 (0,6%) 4 (0,4%)
Total 482 (100%) 525 (100%) 1007 (100%)

Tabela 11. Distribuição das lesões periapicais de acordo com a sua localização.
Localização Granuloma/Quistos Lesão em remodelação Total
Sem abertura 15 (55,6%) 0 (0%) 15 (48,4%)
Bucal/labial 11 (40,7%) 2 (50,0%) 13 (41,9%)
Bucal e lingual 1 (3,7%) 2 (50,0%) 3 (9,7%)
Total 27 (100%) 4 (100%) 31 (100%)

Tabela 12. Frequência de cada fator etiológico por tipo de lesão.


Granuloma/ Lesão em
Natureza da exposição polpar Total
Quisto remodelação
Incógnita 25 (89,3%) 4 (100 %) 29 (90,6%)

Cárie 3 (10,7%) 0 (0,0%) 3 (9,4%)

Total 28 (100%) 4 (100%) 32 (100%)


severas (não se detetaram abcessos ou do século XIX/inícios do século XX, tendo
osteomielite), esta é uma frequência re- também identificado mais lesões de tipo
lativamente elevada, o que pode estar granuloma ou quisto.
relacionado com uma elevada frequên- Em termos individuais, os homens
cia de cáries nesta amostra — 91,3% dos foram ligeiramente mais afetados (38,5%)
86 indivíduos e 93,2% dos dentes afetados do que as mulheres (31,3%). Também
( Carvalho, 2013). É interessante constatar nas cáries, que se julga o fator que mais
que os três indivíduos (todos homens) predispunha às inflamações periapicais,
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

com lesões em remodelação sofriam se verificou uma maior afetação dos indi-
também de granulomas/quistos. Nota- víduos masculinos. Cunha (1994) obteve
ram-se, igualmente, vários indivíduos maiores frequências para os indivíduos
com múltiplas lesões de tipo granuloma/ masculinos, resultados esses replicados
quisto, o que, segundo Cunha (1994), por Wasterlain (2006) para a época Con-
denotaria estados infeciosos graves. No temporânea. Outros estudos têm suge-
entanto, uma leitura alternativa sugere rido existir uma maior propensão dos
que estes indivíduos desenvolveram in- indivíduos masculinos para desenvol-
flamações periapicais moderadas que ver esta condição patológica (Alt et al.,
foram conseguindo combater, o que 1998; Rathbun, 1987; Kelley et al., 1991;
pode refletir sistemas imunitários ativos e Jurmain, 1990). Surpreendentemente,
funcionais que impediram o agravamen- notou-se uma relação inversa com a
to destas condições (Dias e Tayles, 1997). idade, com os indivíduos mais jovens
Também não se pode descartar a hipó- (33,3%) a serem mais afetados do que os
tese destes indivíduos terem recorrido a mais idosos (22,2%). Este resultado pode
algum tipo de tratamento que os tenha refletir apenas o facto de os mais jovens
ajudado a minimizar os efeitos da infla- possuírem mais alvéolos e dentes do que
mação (Leek, 1967). Num estudo prévio, os mais idosos (que foram perdendo os
Cunha (1994) obteve uma percentagem seus dentes ao longo da vida), já que
(30,2%) muito semelhante à verificada logicamente esta condição não se ma-
neste estudo, o que denota alguma coe- nifesta em indivíduos sem dentes, após
rência entre observadores na avaliação reabsorção alveolar.
da presença desta condição. Para este re- Com o método de contagem dos
sultado, contribuirá a pouca dúvida que alvéolos, obteve-se uma percentagem
uma lesão inflamatória no osso alveolar de 2,9% de alvéolos com granulomas/
suscitará. Embora estas percentagens quistos e 0,4% com lesões em remodela-
sejam elevadas, Wasterlain (2006) obteve ção, valores coerentes com os resultados
resultados ainda mais elevados (55,3%) publicados para a época (Roberts e Man-
para uma amostra esquelética dos finais chester, 2005).
Os alvéolos femininos (3,3%) esta- entre os 20 e os 60 anos, idades em que
vam mais afetados por granulomas/quis- genericamente se inserem as classes de
tos do que os masculinos (3,0%), o que adultos jovens e adultos contempladas
é o inverso do registado quando se con- no presente estudo.
sideraram as frequências por indivíduos. De um modo geral, os dentes mais
As lesões em remodelação só estavam afetados por ambas as condições foram 87
presentes em alvéolos masculinos (0,7%). os anteriores, o que é coerente com os
No total das duas condições, foram os resultados anteriores (Jurmain, 1990; Be-

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
alvéolos masculinos os que mais sofre- ckett e Lovell, 1994). Também Wasterlain
ram de inflamação periapical. Saliente-se (2006) notou maior presença de granulo-
que, neste ponto, o comportamento das mas/quistos nos dentes anteriores. Esta
cáries, na amostra, se assemelha ao da autora refere que a zona alveolar dos
inflamação periapical, uma vez que tan- dentes anteriores é menos espessa, po-
to na contagem por indivíduo como na dendo expor mais esta condição quan-
contagem por dente foram os indivíduos do presente. Acrescentamos também
masculinos que registaram maior núme- que nesta zona há maior perda dentária
ro de cáries (Carvalho, 2013). Este resul- post mortem, o que permite observar o
tado não surpreende na medida em que interior dos alvéolos. Os dentes posterio-
se espera esta relação de semelhança res que não foram perdidos post mortem
com os fatores causais (Wasterlain, 2006). obscurecem o acesso visual aos alvéolos,
Na análise por alvéolo, foram os adul- o que pode fazer diminuir muito os casos
tos que exibiram mais lesões de tipo gra- detetados (Linn et al., 1987).
nuloma/quisto (3,4%). As lesões em re- Os alvéolos superiores foram mais
modelação foram ligeiramente mais fre- afetados do que os inferiores, resultados
quentes nos alvéolos dos adultos jovens consonantes com os de Eugénia Cunha
(0,6%) do que nos dos adultos (0,5%). (1994) e Wasterlain (2006). Mais uma vez,
Wasterlain (2006) também notou um au- pode representar uma consequência de
mento até uma certa idade, diminuindo um osso alveolar mais fino e da maior
depois disso, o que a autora explica com probabilidade de perda dentária post
o aumento do número de dentes perdi- mortem, mais expressiva no maxilar su-
dos em vida. Esta justificação parece ter perior, deixando observar o interior dos
aplicabilidade no presente estudo uma alvéolos. Na amostra estudada por Car-
vez que se constatou o aumento da per- valho (2013), o maxilar superior (28,6%)
da ante mortem até à classe dos adultos sofreu mais perda dentária post mortem
idosos (Carvalho, 2013). Soames e Sou- do que o inferior (25,3%). Esta é uma
tham (1998) referem que, nas populações tendência referida também para os ca-
atuais, esta condição está mais presente sos médicos Contemporâneos (Soames
e Southam, 1998). Em alguns estudos O padrão de distribuição das lesões
que recorreram a raios-X e observação aproximou-se do das cáries dentárias
macroscópica notou-se, no entanto, (Carvalho, 2013). O facto de não ser total-
maior frequência na mandíbula (Linn et mente coincidente pode explicar-se pela
al., 1987). perda dentária post mortem e sobretu-
88 Verificou-se simetria nos granulo- do pela perda dentária ante mortem. A
mas/quistos. No entanto, as lesões em perda de dentes em vida é muitas vezes
remodelação foram ligeiramente mais propiciada pela existência de cáries den-
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

comuns no lado esquerdo. Para este re- tárias que levam os indivíduos a extrair
sultado pode ter contribuído o baixo nú- o dente como medida paliativa. Deste
mero de lesões identificadas. modo, o processo que levaria à inflama-
Os granulomas/quistos localizaram- ção periapical (a cárie dentária) acabaria
-se maioritariamente em alvéolos sem também por levar ao acontecimento (ex-
abertura, tendo sido apenas observados tração dentária e consequente remode-
por o dente ter sido perdido post mor- lação do osso alveolar) que obscureceria
tem. O local de abertura mais frequente a existência prévia da inflamação (Bar-
foi o bucal/lingual. Wasterlain (2006) re- nett, 2017; Hillson, 2000; 2001).
gistou o inverso, com mais inflamações De um ponto de vista da sintoma-
nas faces bucal/lingual, seguindo-se as tologia, tanto os granulomas como os
lesões sem abertura. quistos não se refletem em perturbações
Para a maioria das lesões não se sistémicas. Podem, no entanto, registar-
pôde determinar o fator de iniciação por -se episódios de dor fina (polpite aguda)
o dente não estar presente. Naquelas ou de dor crónica (polpite crónica), que,
em que se conseguiu identificar a causa, segundo Hillson (2000; 2001; 2005), resul-
a cárie foi a mais provável. Este resulta- tam do contacto dentário com alimentos
do demonstra a provável relação entre quentes ou frios. É relevante salientar que
estas lesões devido às já mencionadas as inflamações periapicais podem estar
frequências de cárie para esta amostra na origem de patologias não orais — in-
populacional. Atualmente, estima-se que feciosas, dermatológicas, osteológicas e
cerca de 0,8% a 5,2% dos dentes com cá- também cardíacas — que podem pro-
ries severas estarão associados a lesões gredir para uma situação fatal (Alt et al.,
periapicais (Chazel e Mafart, 2004). Ainda 1998; Wasterlain, 2006). Este tipo de com-
assim, é importante ressalvar que fatores plicação patológica, que não seria rara
como o trauma têm um papel impor- em períodos anteriores aos antibióticos,
tante em alguns casos mais particulares, nem sempre é observável nos ossos.
como em indivíduos com modificações Na Tabela 13, além dos resultados
dentárias (Rufino et al., 2017). observados nesta investigação elencam-
-se os dados obtidos em alguns estudos ta condição começam a subir bastante, o
efetuados com amostras esqueléticas que pode refletir uma mudança alimentar
portuguesas sem o auxílio de raios-X (com um maior consumo de hidratos de
(exceção para Rufino et al., 2017). Pro- carbono, nomeadamente amido e, mais
curou-se apresentar os dados cronolo- tarde, açúcares) associado a uma insufi-
gicamente, com referências à metodo- ciente higiene oral (Kiple, 2008). 89
logia utilizada (quando mencionada), os Ao analisar-se a tabela referida, no-
resultados por indivíduo e por alvéolo ta-se que, além dos casos em que não é

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
(também quando referidos), e a avalia- mencionado o método seguido, a me-
ção qualitativa que os respetivos auto- todologia mais frequente é a de Dias e
res fazem dos valores obtidos. Foram Tayles (1997), que obriga a uma distinção
consultadas outras investigações, mas entre granulomas/quistos e abcessos.
muitas não mencionavam dados relati- Assim, ao contrário do verificado em
vos a inflamação periapical ou, quando o 2006 por Wasterlain, caminha-se, no caso
faziam, não relatavam percentagens ou português, para uma uniformização me-
tão-pouco descreviam as lesões, algo já todológica que em muito pode benefi-
constatado por Wasterlain (2006). ciar a avaliação desta condição.
Pela Tabela 13, observa-se que, em- Ainda assim, a apresentação dos da-
bora dependendo de múltiplas variá- dos carece de alguma coerência, já que
veis [segundo Wasterlain (2006): dieta, por vezes não são referidas as percenta-
preparação dos alimentos, exigências gens, mas apenas o número de casos. Em
colocadas à dentição], há uma evolução alguns casos apresentam-se as percenta-
sustentada da frequência da inflamação gens por indivíduo e noutros por alvéolo.
periapical desde a época Neolítica (com Estes dados são limitados para a avalia-
os valores mais baixos: 0,4% dos dentes ção global da patologia numa amostra e
em Paimogo, Lourinhã) até à época Con- comparação com outros estudos.
temporânea (com os valores mais eleva- Julga-se operacional uma avaliação
dos excetuando o caso de Torre Velha 3: que reflita a frequência da inflamação
3,9% dos dentes na Coleção de Esque- periapical (baixa, média e elevada) junta-
letos Identificados da Universidade de mente com a avaliação da sua gravidade,
Coimbra). A época Medieval apresenta-se uma vez que cada um dos tipos de infla-
como tendo uma leitura menos coerente, mação terá um impacto e consequências
mas essa falta de homogeneidade dos re- diferentes no organismo do indivíduo
sultados das condições orais nesta época (ligeiro, moderado ou grave). Assim, para
já se verificou para o desgaste (Carvalho e São João de Almedina, considera-se que
Wasterlain, 2015/2016). Pode notar-se que a inflamação periapical apresenta uma
a partir da época Moderna os valores des- frequência média (31,5% dos indivíduos)
90
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

Tabela 13. Inflamação periapical em populações portuguesas.

Avaliação Qualitativa Referência


Série Osteológica Cronologia Método Por indivíduo Por alvéolo
(autores) Bibliográfica

Cabeço da Arruda 1
Neolítico/ Calcolítico Avaliação macroscópica - 1,3% Baixa Silva (2012)
(Torres Vedras)
Cova da Moura
Neolítico/ Calcolítico Avaliação macroscópica - 0,7% Baixa Silva (2012)
(Torres Vedras)
Dólmen junto à estra-
Neolítico / Calcolítico Avaliação macroscópica - 1,4% Baixa Silva (2012)
da de Ansião (Leiria)

Paimogo (Lourinhã) Neolítico/ Calcolítico Avaliação macroscópica - 0,4% Baixa Silva (2012)

Gruta artificial de São


Neolítico/ Calcolítico Avaliação macroscópica - 0,5% Baixa Silva (2012)
Paulo (Setúbal)
Necrópole da Serra da
Neolítico/ Calcolítico Avaliação macroscópica - 1,1% Baixa Silva (2012)
Roupa (Bombarral)
Bronze Médio do
Torre Velha 3 (Serpa) Dias e Tayles, 1997 - 4,0–10,0% - Fidalgo (2014)
Sudoeste
Romana (Séc. I a VI
Tróia Avaliação macroscópica 10,3% - Reduzida Gameiro (2003)
[?])
Castro de Avelãs Alta Idade Média
Dias e Tayles, 1997 4,8−7,1% - - Brito (2013)
(Bragança) (Séc. VII−XIII)
Santa Maria dos
Medieval/ Moderna Dias e Tayles, 1997 8,3% - - Gonçalves (2011)
Olivais (Tomar)
Avaliação Qualitativa Referência
Série Osteológica Cronologia Método Por indivíduo Por alvéolo
(autores) Bibliográfica

Sé Velha de Coimbra Medieval/ Moderna Dias e Tayles, 1997 6,1% - - Teixeira (2007)

São João de Almedina Medieval (séc. XII−


Dias e Tayles, 1997 - 0,6–2,2% - Jesus (2012)
(Coimbra) XVI)
São João de Almedina Medieval (séc. XII−
Dias e Tayles, 1997 31,5% 3,2% Elevada, mas ligeira Estudo atual
(Coimbra) XVI)
Igreja de
Medieval/ Moderna
São Bartolomeu (Coim- - 7,3% - - Costa (2010)
(séc. XII−XVII)
bra)
Convento de Santa Ana Moderna - 6,3% - - Silva (2007)
Colégio de Santo
Moderna
Antão-o-Novo Dias e Tayles, 1997 18,5% - - Godinho (2008)
(Séc. XVI−XVIII)
(Lisboa)
Moderna/ Contem-
Praça do Comércio de
porânea Dias e Tayles, 1997 11,1% - - Ascenso (2007)
Coimbra
(Séc. XV−XX)
Coleção de Esqueletos Contemporânea
Dias e Tayles, 1997 55,3% 3,9% - Wasterlain (2006)
Identificados UC (Séc. XIX–XX)
Valle da Gafaria Moderna
Dias e Tayles, 1997 30,9% - - Rufino et al. (2017)
(Lagos) (Séc. XV– XVII)

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
91

Portugal) (séc. XII−XVI)


mas ligeira, uma vez que os tipos dete- tição anterior. Uma explicação possível é
tados — granulomas ou quistos — são que, por ser uma zona menos espessa
praticamente assintomáticos (atualmente que a posterior, as paredes cedem com
são descobertos mais comummente por maior facilidade, expondo as cavidades
meio de radiografia para diagnóstico de provocadas pelas inflamações. O maxilar
92 outras condições) e a sua presença não superior revelou mais lesões periapicais
implica que o indivíduo afetado se sinta que o inferior, provavelmente por o osso
doente (Hillson, 2000; Dias et al., 2007). ser menos denso, mas também devido à
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

perda post mortem dos dentes. As lesões


Conclusão de granulomas ou quistos mostraram
simetria e eram sobretudo lesões sem
Na amostra esquelética de São João abertura. Embora na maioria dos casos
de Almedina, as únicas lesões periapicais não se tenha conseguido identificar o
identificadas foram os granulomas/quis- fator causador, nas poucas em que se
tos e as lesões periapicais em remodela- conseguiu, este foi sempre a cárie den-
ção, afetando 31,5% dos indivíduos. Estes tária. Constatou-se uma relação das in-
são valores relativamente altos, embora flamações periapicais com os padrões
na contagem por alvéolo apenas 2,9% das cáries, mas os resultados também
dos alvéolos exibissem granulomas parecem muito influenciados pela per-
ou quistos e uma percentagem ínfima da ante e post mortem. As frequências
(0,4%) denotasse lesões em remodela- obtidas refletem uma alimentação rica
ção. Alguns indivíduos possuíam lesões em hidratos de carbono associada a uma
múltiplas (N=10). Os valores constatados pobre higiene oral, principais causadores
inserem-se no esperado para a cronolo- da cárie, uma patologia comummente
gia em questão. Os indivíduos masculi- subjacente à inflamação periapical.
nos foram mais afetados e parece existir As observações de inflamação pe-
uma relação inversa com a idade. Note- riapical são muito influenciadas pela
-se que na análise por alvéolo foram os perda de dentes. A perda ante mortem
indivíduos adultos que apresentaram elimina rapidamente os vestígios de uma
mais alvéolos afetados. O facto de os ido- inflamação periapical que, no caso das
sos não serem os mais afetados por esta condições agudas, até pode estar na ori-
patologia reflete provavelmente a perda gem da perda do dente. Já a perda post
de dentes em vida. O alvéolo com lesões mortem, embora obscureça a causa que
mais frequentes foi o do primeiro pré- leva à infeção, beneficia muito o registo
-molar superior esquerdo. No entanto, desta condição e, na ausência de raios-X,
olhando para toda a arcada, verificou-se pode determinar o registo de uma maior
uma maior presença nos alvéolos da den- frequência desta patologia.
No futuro, seria interessante con- Alt, K. W; Turp, J. C; Wachter, R. 1998. Periapical
frontar os dados da inflamação periapi- lesions: clinical and anthropological as-
cal com os do desgaste e doença perio- pects. In: Alt, K. W.; Rosing F. W.; Teschler-
dontal, preferencialmente com recurso -Nicola, M. (eds.). Dental anthropology,
a raios-X, de modo a desenvolver uma fundamentals, limits, and prospects. Wien,
perceção mais alargada sobre o papel Springler-Verlag: 247−276.
93
causal que as condições patológicas Ascenso, B. F. R. 2007. À descoberta de Coim-
orais exercem umas sobre as outras (Linn bra antiga: análise paleobiológica de uma

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
et al., 1987; Hillson, 2000). amostra osteológica de esqueletos e ossá-
rio provenientes da Praça do Comércio de
Agradecimentos Coimbra. Dissertação de licenciatura em
Antropologia, Departamento de Antro-
pologia, Faculdade de Ciências e Tecno-
As autoras gostariam de agradecer
logia, Universidade de Coimbra.
ao Centro de Investigação em Antropolo-
Barnett, R. 2017. The smile stealers: the fine and
gia e Saúde (CIAS). A presente investiga-
fouls art of dentistry. London, Thames and
ção foi financiada por fundos nacionais
Hudson.
da FCT — Fundação para a Ciência e Tec-
Beckett, S.; Lovell, N. C. 1994. Dental disease
nologia, através do projeto com a refe-
evidence for agricultural intensifica-
rência FCT-PEst-OE/SADG/UI0283/2019.
tion in the Nubian C-Group. Internatio-
A co-autora Liliana M. Carvalho foi finan-
nal Journal of Osteoarchaeology, 4(3):
ciada pela FCT - Fundação para a Ciên-
223−240. DOI: 10.1002/oa.1390040307.
cia e Tecnologia, sob o projecto com a
Brito, A. F. 2013. Castro de Avelãs (Bragança):
referência SFRH/BD/BIA/04004/2019. As
análise de uma amostra populacional
autoras gostariam também de agradecer
exumada do sítio da Torre Velha. Disserta-
aos revisores anónimos que com os seus
ção de mestrado em Evolução e Biologia
comentários e sugestões contribuíram
Humanas, Departamento de Ciências da
para melhorar este artigo. Vida, Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade de Coimbra. Disponível
Referências bibliográficas em: http://hdl.handle.net/10316/30679.
Brooks, S.; Suchey, J. M. 1990. Skeletal age
Alt, K. W; Turp, J. C. 1998. Roll call: thirty white determination based on the os pubis:
horses on a red field: the advantages of A comparison of the Acsádi-Nemeskéri
the FDI two-digit system of designating and Suchey-Brooks methods. Human
teeth. In: Alt, K. W.; Rosing F. W.; Teschler- Evolution, 5(3): 227−238. DOI: 10.1007/
-Nicola M. (eds.). Dental anthropology, BF02437238.
fundamentals, limits, and prospects. Wien, Bruzek, J. 2002. A method for visual determi-
Springler-Verlag: 41–55. nation of sex using the human hip bone.
American Journal of Physical Anthropology, e Biologia Humanas, Departamento de
117(2): 157−168. DOI: 10.1002/ajpa.10012. Ciências da Vida, Faculdade de Ciências e
Buisktra, J. E.; Ubelaker, D. H. 1994. Standards Tecnologia, Universidade de Coimbra.
for data collection from human skeletal Cunha, A. X. 1963. Contribuição antropológi-
remains. Proceedings of a Seminar at the ca para o estudo de portugueses medie-

94
Field Museum of Natural History. Fayette- vais: o espólio ósseo das sepulturas de S.
ville, AR, Arkansas Archaeological Survey, João de Almedina. Contribuição para o
Research Series, 44. Estudo da Antropologia Portuguesa, 7(8):
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

Carvalho, L. 2013. Regressando a São João de 176−188. Disponível em: https://digitalis-


Almedina (Coimbra, Portugal): estudo da -dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/35179/1/
patologia oral de uma população Medie- CAPvol7_f8.pdf.
val urbana. Dissertação de Mestrado em Cunha, E. 1994. Paleobiologia das populações
Evolução e Biologia Humanas, Departa- medievais portuguesas: os casos de Fão e
mento de Ciências da Vida, Faculdade de S. João de Almedina. Tese de Doutora-
de Ciências e Tecnologia, Universidade mento em Antropologia, Departamento
de Coimbra. Disponível em: http://hdl. de Antropologia, Faculdade de Ciências
handle.net/10316/30815. e Tecnologia, Universidade de Coim-
Carvalho, L.; Wasterlain, S. N. 2015/2016. Des- bra. Disponível em: http://hdl.handle.
gaste dentário na necrópole Medieval net/10316/1576.
de São João de Almedina (séc. XII/XVI) Dias, G.; Tayles, N. 1997. ‘Abscess cavity’— a mis-
e a sua relação com os hábitos alimen- nomer. International Journal of Osteoar-
tares. Antropologia Portuguesa, 32−33: chaeology, 7(5): 548−554. DOI: 10.1002/
99−127. DOI: 10.14195/2182-7982_32_3. (SICI)1099-1212(199709/10)7:5<548::AID-
Carvalho, P. 1998. O Forum de Aeminium. Lis- -OA369>3.0.CO;2-I.
boa, Ministério da Cultura. Dias G. J.; Prasad K.; Santos A. L. 2007. Patho-
Chazel, J.-C.; Mafart, B. 2004. Apical lesions. genesis of apical periodontal cysts: gui-
British Dental Journal, 196(2): 2−3. DOI: delines for diagnosis in paleopathology.
10.1038/sj.bdj.4810887. International Journal of Osteoarchaeolo-
Coelho, M. H. C. 1989. O Baixo Mondego nos gy, 17: 619-626. DOI: 10.1002/oa.902.
finais da Idade Média. Estudo de história Fidalgo, D. F. F. 2014. Contextos funerários e
rural (2 vols.). Lisboa, Imprensa Nacional estudo antropológico dos restos ósseos
Casa da Moeda. humanos dos hipogeus de Torre Velha 3
Costa, I. 2010. Fragmentos das vivências em S. (São Salvador, Serpa): uma aproximação
Bartolomeu: análise antropológica de uma ao estudo das comunidades humanas do
série osteológica proveniente da Igreja ro- Bronze do sudoeste. Dissertação de mes-
mânica de São Bartolomeu de Coimbra. trado em Evolução e Biologia Humanas,
Dissertação de mestrado em Evolução Departamento de Ciências da Vida, Fa-
culdade de Ciências e Tecnologia, Uni- Hillson, S. 1996. Dental anthropology. Cam-
versidade de Coimbra. Disponível em: bridge, Cambridge University Press.
http://hdl.handle.net/10316/27862. Hillson, S. 2000. Dental pathology. In: Katzen-
Gameiro, A. L. 2003. Tróia Romana: paleobio- berg, M.; Saunders, S. (eds.). Biological
logia de uma população Romana da Ne- anthropology of the human skeleton. New
crópole de Tróia. Dissertação de mestrado York, Wiley-Liss: 249−286. 95
em Evolução e Biologia Humanas, De- Hillson, S. 2001. Recording dental caries in
partamento de Ciências da Vida, Facul- archaeological human remains. Interna-

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
dade de Ciências e Tecnologia, Universi- tional Journal of Osteoarchaeology, 11(4):
dade de Coimbra. Disponívelem: http:// 249−286. DOI: 10.1002/oa.538.
hdl.handle.net/10316/9837. Hillson, S. 2005. Teeth. 2nd edition. Cambridge;
Giles, E. 1964. Sex determination by discrimi- Cambridge University Press.
nant function analysis of the mandible. Işcan, M. Y.; Loth, S. R. 1986. Determination of
American Journal of Physical Anthro- age from the sternal rib in white males:
pology, 22(2): 129−136. DOI: 10.1002/ a test of the phase method. Journal of
ajpa.1330220212. Forensic Sciences, 31(3): 990−999. DOI:
Godinho, R. M. 2008. Vestígios de um império 10.1520/JFS11107J.
passado: a necrópole do Colégio de Santo Jesus, C. C. 2012. Museu Nacional Machado de
Antão-o-Novo e a Lisboa dos séculos XVI− Castro: resquícios duma Coimbra Medie-
XVIII. Dissertação de mestrado em Evolu- val. Estudo paleobiológico de uma amos-
ção e Biologia Humanas, Departamento tra exumada da antiga igreja românica
de Antropologia, Faculdade de Ciências de S. João de Almedina. Dissertação de
e Tecnologia, Universidade de Coimbra. Mestrado em Evolução e Biologia Huma-
Gonçalves, A. 2011. Estudo paleobiológico de nas. Departamento de Ciências da Vida,
uma amostra osteológica inumada em Faculdade de Ciências e Tecnologia, Uni-
Santa Maria dos Olivais, Tomar. Disserta- versidade de Coimbra.
ção de mestrado em Evolução e Biologias Jurmain, R. 1990. Paleoepidemiology of a
Humanas, Departamento de Ciências da Central California prehistoric popula-
Vida, Faculdade de Ciências e Tecnologia, tion from CA-Ala-329: dental disease.
Universidade de Coimbra. Disponível em: American Journal of Physical Anthro-
http://hdl.handle.net/10316/31495. pology, 81(3): 333−342. DOI: 10.1002/
González, S. D. 2002. Patologias dentárias: cáries, ajpa.1330810303.
sarro, enfermedad periodontal y outros Kelley, M. A; Levesque, D. R; Weidl, E. 1991. Con-
processos infecciosos. In: Pérez, B. P.; Sán- trasting patters of dental disease in five
chez, J. A. S.; González, S. D. (eds.). Antro- early Northern Chilean groups. In: Kelley, M.
pologia y paleontologia dentárias. Madrid, A.; Larsen, C. S. (eds.). Advances in dental an-
Fundacion Mapfre Medicina: 213−253. thropology. New York, Alen R. Liss: 203−213.
Kiple, K. F. 2008. Uma história saborosa do Roseiro, A. 2013. Símbolos e práticas culturais
mundo: dez milénios de globalização ali- dos Makonde. Tese de Doutoramento em
mentar. Cruz Quebrada, Casa das Letras. Antropologia, Departamento de Ciências
Leek, F. F. 1967. The practice of dentistry da Vida, Faculdade de Ciências e Tecnolo-
in Ancient Egypt. The Journal of Egyp- gia, Universidade de Coimbra. Disponível
tian Archaeology, 53(1): 51−58. DOI: em: http://hdl.handle.net/10316/23804.
96
10.1177/030751336705300109. Rufino, A. I.; Ferreira, M. T.; Wasterlain, S. N.
Linn, J.; Srikandi, W.; Clarke, N. G.; Smith, T. 2017. Periapical lesions in intentionally
Liliana Matias de Carvalho, Sofia N. Wasterlain

1987. Radiographic and visual assess- modified teeth in a skeletal sample of


ment of alveolar pathology of first mo- enslaved Africans (Lagos, Portugal). In-
lars in dry skulls. American Journal of Phy- ternational Journal of Osteoarchaeology,
sical Anthropology, 72(4): 515−521. DOI: 27(2): 288−297. DOI: 10.1002/oa.2539.
10.1002/ajpa.1330720410. Shafer, W. G.; Hine, M. K.; Levy, B. M. 1983. A
Loth, S.; Henneberg, M. 1996. Mandibular ramus textbook of oral pathology. Philadelphia,
flexure: a new morphological method indi- W. B. Saunders Company.
cator of sexual dimorphism in the human Silva, A. M. 2012. Antropologia funerária e pa-
skeleton. American Journal of Physical An-
leobiologia das populações portuguesas
thropology, 99(3): 473−485. DOI: 10.1002/
(litorais) do Neolítico final — Calcolítico.
(SICI)1096-8644(199603)99:3<473::AID-
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
-AJPA8>3.0.CO;2-X.
Silva, A. S. B. 2007. O código dos ossos: ressuscitar
Lovejoy, C. O.; Meindl, R. S.; Pryzbeck, T. R.;
o Convento de Santa Ana de Coimbra a par-
Mensforth, R. P. 1985. Chronological
tir dos seus remanescentes ósseos. Tese de li-
metamorphosis of the auricular surfa-
cenciatura em Antropologia, Departamen-
ce of the ilium: a new method for the
to de Antropologia, Faculdade de Ciências
determination of adult skeletal age at
e Tecnologia, Universidade de Coimbra.
death. American Journal of Physical An-
Soames, J. V.; Southam, J. C. 1998. Oral patho-
thropology, 68(1): 15−28. DOI: 10.1002/
logy. 3rd edition. New York, Oxford Uni-
ajpa.1330680103.
versity Press.
Nogueira, I.; Magalhães, R. R. 2008. Coimbra:
Teixeira, C. C. 2007. Estudo antropológico do
das origens a finais da Idade Média. Coim-
cemitério oculto da Sé Velha de Coimbra.
bra, Câmara Municipal de Coimbra.
Tese de licenciatura em Antropologia,
Rathbun, T. A. 1987. Health and disease at a
South Carolina plantation: 1840−1870. Departamento de Antropologia, Facul-

American Journal of Physical Anthro- dade de Ciências e Tecnologia, Universi-


pology, 74(2): 239−253. DOI: 10.1002/ dade de Coimbra.
ajpa.1330740211. Wasterlain, R. S. C. N. 2000. Morphé: análise das
Roberts, C.; Manchester, K. 2005. The archaeo- proporções entre os membros, dimorfismo
logy of disease. Gloucestershire, Sutton. sexual e estatura de uma amostra da Co-
lecção de Esqueletos da Universidade de
Coimbra. Tese de Mestrado em Evolução
Humana, Departamento de Antropolo-
gia, Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade de Coimbra. Disponível
em: http://hdl.handle.net/10316/9870. 97
Wasterlain, R. S. C. N. 2006. “Males” da Boca: es-
tudo da patologia oral numa amostra das

Inflamação periapical nos indivíduos da necrópole Medieval de São João de Almedina (Coimbra,
Portugal) (séc. XII−XVI)
colecções osteológicas identificadas do
Museu Antropológico da Universidade de
Coimbra (finais do séc. XIX/inícios do séc.
XX). Tese de Doutoramento em Antropo-
logia, Departamento de Antropologia,
Faculdade de Ciências e Tecnologia, Uni-
versidade de Coimbra. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10316/1580.
(Página deixada propositadamente em branco)
Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e
criação de uma coleção identificada para a reconstrução das
dietas do passado
A new method of starch extraction from dental calculus and 99
creation of an identified collection for the reconstruction of
paleodiets
Álvaro M. Monge Calleja1,2a*, Ana Luísa Santos1,2,3b,
António Pereira Coutinho3c

Abstract The identification of vegetable Resumo A identificação de amidos vegetais


starches embedded in dental calculus has embebidos no cálculo dentário tem
been potentiating the study of paleodiets. vindo a potenciar o estudo das dietas do
This study describes a new protocol for passado. Este trabalho apresenta um novo
extraction and identification of vegetable protocolo de extração e identificação de
starches and discloses the creation of an amidos vegetais e divulga a criação de uma
identified collection for their subsequent coleção identificada para a subsequente
identification. The extraction protocol identificação. O protocolo consta de três
consists in a three-stage procedure, with a fases — extração, preparação e identificação
duration of four days. The dental calculus is —, com uma duração de quatro dias, em que
subjected to a slight acidic dissolution of its o cálculo dentário é sujeito à dissolução ácida
phosphocalcic matrix, to the precipitation ligeira da matriz fosfocálcica, à precipitação
of the starches and to the morphometric dos amidos, e à observação e identificação
identification under optic and/or electron morfométrica através de microscopia ótica
microscopy. The identification of starch e/ou eletrónica. Para tal, foi criada uma
grains depends on the comparison of their coleção identificada, a partir de alimentos —
morphometric characteristics. To this end, frescos, secos ou em farinha —habituais na
a reference collection was created, based dieta no território português. Adicionou-se
on usual fresh, dry and powdered foods uma chave dicotómica de consulta rápida

1
CIAS — Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Universidade de Coimbra
2
Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
3
CFE — Centro de Ecologia Funcional, Universidade de Coimbra
a
orcid.org/0000-0002-3345-5082, b orcid.org/0000-0001-6073-1532,c orcid.org/0000-0002-5371-6411
* Autor correspondente/Corresponding author: manu_alvaro16@hotmail.com

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 99-130 • http://doi.org/10.14195/2182-7982_37_5


Artigo recebido: 10 setembro de 2020 - Aceite: 6 novembro de 2020/Received: September 10th 2020 - Accepted: November 6th 2020
common in the diet in the Portuguese para facilitar o processo de identificação do
territory. A dichotomous identification key amido. Esta coleção conta com 19 espécies,
has been added to facilitate the process of estando prevista a sua ampliação caso surjam
identification. To date, the collection has 19 novos projetos de investigação. Esperamos
species, although it is expected to increase que no futuro os estudos beneficiem desta
in response to new research projects. We metodologia para a reconstrução das dietas
100 hope that future studies will benefit from this do passado.
methodology for the reconstruction of the
diets of the past.
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Keywords: Polysaccharides; tartar; protocol; Palavras-chave: Polissacáridos; tártaro;


vegetable food; microscopy; dichotomous protocolo; alimentação vegetal; microscopia;
key. chave dicotómica.

Introdução hilo) e ótica (cruz de polarização ou Cruz


de Malta1) específicas.
O estudo de amidos vegetais para a Os grãos de amido armazenam-
reconstrução alimentar das populações -se preferencialmente em estruturas
do passado adquiriu, recentemente, uma vegetais subterrâneas, como os bolbos,
grande importância como ferramenta os tubérculos, as raízes ou as sementes
complementar à análise de isótopos es- (Guismondi et al., 2018); motivo pelo qual
táveis e à avaliação do microdesgaste os tubérculos, os cereais e as legumino-
dentário (Fiorenza et al., 2015; Power et al., sas — batata, arroz, lentilha, entre outros
2015). Os grânulos de amido são macro- —, estão no topo dos alimentos amilá-
moléculas polissacarídicas localizadas nos ceos. As frutas, com exceção da banana,
plastídios vegetais e formadas por dois apresentam uma menor concentração
polímeros de glucose: amilose e amilo- de grânulos de amidos, mas, de acordo
pectina (Loy, 1994; Hardy et al., 2009). For- com a American Diabetes Association (s.
mam-se a partir dum ponto de nucleação d.), várias espécies — nomeadamente a
ou hilo e crescem em camadas concêntri- abóbora, a acelga, o aipo, a alcachofra, a
cas (Loy, 1994) cuja morfologia varia ge- alface (e outras folhas de salada), o alho
neticamente entre famílias, géneros e es- francês, a beterraba, os brócolos, a ce-
pécies (Aceituno Bocanegra e López Sáez,
2012). Por esse motivo, é possível realizar 1
A Cruz de polarização ou Cruz de Malta é um efei-
classificações taxonómicas baseadas na to ótico provocado pela organização perpendicular
das moléculas de amilose e amilopectina à passa-
sua caracterização morfométrica (estrutu- gem da luz, também conhecido como birrefringên-
ra, tamanho, forma, tipo de bordo, tipo de cia (Vásquez Sánchez e Rosales Tham, 2007).
bola, a cenoura, a couve-de-bruxelas, a tártaro (Jin e Yip, 2002). A saliva tem um
couve-flor, os espargos, os espinafres, o papel multifatorial, atuando como lubrifi-
feijão-verde, o pepino, o pimento, o re- cante oral perante abrasões, facilitando a
polho, o tomate, etc. — possuem quan- digestão alimentar ou inibindo o efeito de
tidades de amido mínimas. Estes vegetais resíduos nocivos para o ambiente bucal
não-amídicos (non-starchy) armazenam, (Stookey, 2008). Ao revestir as superfícies 101
preferentemente, os hidratos de carbo- bucais, a saliva serve de substrato orgâ-
no em forma de fibras (Antia et al., 2006), nico para o microbioma oral, composto

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
como a lenhina, a celulose e a hemicelu- por uma complexa infinidade de micror-
lose (Anderson et al., 2009), insolúveis e ganismos: bactérias, vírus, protozoários,
não digeríveis pela flora intestinal (Mar- fungos e arqueias (ver Wade, 2013). Estes
tin, 2016). Os produtos processados de microrganismos alocados nas porções in-
vegetais, como o pão, também contêm terdentárias tendem a metabolizar as pro-
amidos passíveis de categorização taxo- teínas, enquanto os localizados no resto
nómica. da cavidade oral são, predominantemen-
A quantificação e identificação de te, sacarolíticos (Radini et al., 2016). Assim,
amidos para estudos de índole antropoló- em função da biodisponibilidade dos ele-
gica pode realizar-se através da análise se- mentos ingeridos, ativar-se-ão vias me-
dimentar ou de esfregaços realizados em tabólicas com repercussões sobre o pH
potes cerâmicos e ferramentas pétreas bucal (Margolis, 1990; Radini et al., 2016)
destinadas ao consumo de alimentos (ver e o desenvolvimento de CD e cáries, entre
Henry e Piperno, 2008; Hardy et al., 2009), outros eventos (ver Hillson, 2005).
entre outros. No entanto, nos últimos A formação do CD e de cáries de-
anos, o foco científico e bibliográfico tem pende de processos bioquímicos anta-
privilegiado o tártaro ou cálculo dentário gónicos que desequilibram o pH neutro
(CD) (Boyadjian, 2012; Power et al., 2015), (ao redor de 6 ou 7) da saliva (Keyes e
definido como o depósito fosfocálcico, Rams, 2016), tal como descrito pela Cur-
localizado sobre as superfícies dentárias va de Stephan (Bowen, 2013). Perante
supra e/ou subgengivais (Hillson, 1996; dietas ricas em proteínas e hidratos de
Radini et al., 2016), formado através da carbono não fermentáveis (Humphrey et
mineralização da placa oral pela precipi- al., 2014), o pH bucal basifica, ao desen-
tação dos elementos inorgânicos dissol- cadear-se uma eliminação de elementos
vidos na saliva (Lieverse, 1999; Buckley et ácidos (H+ e CO2) paralela ao aumento
al., 2014). Durante este processo, outros de amónia e ureia (Margolis, 1990; Radini
elementos derivados do processamento et al., 2016), o que facilita um gradiente
alimentar e/ou da própria atividade mi- iónico de cálcio e fósforo da saliva para
crobiana podem ficar retidos na matriz do a placa oral (Pedersen e Belstrøm, 2019),
fomentando a deposição do CD (Dawes, posição genética — formadores lentos
2006; Radini et al., 2016). Contrariamente, ou rápidos de tártaro — (Fons-Badal et
quando o ambiente oral acidifica (<5), al., 2020), a presença de certas patologias
após a fermentação da sacarose em áci- (Lieverse, 1999; Hardy et al., 2009) ou a hi-
do láctico e acético (Dawes, 2006; Bowen, giene oral dos indivíduos (Buckley et al.,
102 2013), exerce uma dissolução, primeiro 2014; Radini et al., 2016).
dos depósitos de CD, se existirem, ou das Os primórdios do estudo do CD,
estruturas dentárias, induzindo o apare- como recetáculo de informação bioar-
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

cimento de cáries (Hillson, 2005). Infeliz- queológica, remontam aos trabalhos rea-
mente, este processo não é linear, dado lizados pelo zoólogo inglês Philip L. Armi-
que o fluxo salival, a colonização micro- tage, que, em 1975, caracterizou os fitóli-
biana, a deposição de CD e a distribuição tos embebidos no CD de espécies gana-
de açúcares fermentáveis não são homo- deiras de várias épocas. Posteriormente,
géneos na cavidade oral, ao dependerem Dobney e Brothwell, em 1988, analisaram
do tamanho e do fluxo de escoamento amostras dentárias humanas, aplicando
das glândulas salivais e da velocidade microscopia de varrimento, ratificando o
de deposição do biofilme microbiano, o valor destes estudos como determinante
qual, por sua vez, é diretamente propor- na ecologia alimentar da espécie humana
cional à película salival que recobre o(s) (Power et al., 2014). Desde então saíram
dente(s) (Dawes, 2006; Hassan, 2018).As- inúmeras publicações, quer sobre as ca-
sim, tendencialmente, o CD deposita-se racterísticas particulares de cada espécie
na face lingual dos incisivos inferiores e vegetal e/ou zona geográfica, quer como
nas faces bucais dos primeiros molares contributo do estudo paleobiológico hu-
superiores (Dawes, 2006; 2008). Por estes mano. Boa parte da importância investida
motivos, Lieverse (1999) sugeriu que o neste tipo de estudos radica na depen-
aparecimento de CD e de cáries deve es- dência constante dos alimentos amilá-
tar associado a outros aspetos além dos ceos na dieta pré e pós-agrícola (Atkins
constituintes macromoleculares da dieta, e Bowler, 2001; Weiss et al., 2004; Aura et
nomeadamente o consumo inadequado al., 2005; Hardy, 2007; Barton e Torrence,
de fluoreto (Hassan, 2018), cálcio, fósforo, 2015), os quais, mesmo na atualidade (p.
bicarbonato, etc. (Lieverse et al., 2007). No ex., arroz, trigo, milho, batata, etc.), são
entanto, não existe um consenso sobre o mundial e frequentemente consumidos
contributo desta longa lista de fatores (FAO, IFAD, UNICEF, WFP, WHO, 2019). Nas
que influenciam a formação do CD, aos palavras de Soto e colaboradores, este
quais se deve adicionar ainda outros ex- tipo de estudos fornece uma excelente
tra-alimentares, de cariz biocultural, no- linha de investigação, aprofundando a
meadamente a idade, o sexo e a predis- «ecologia humana, nas práticas culinárias,
na saúde (vegetais com propriedades te- nativas (p.ex., Correia et al., 2012; Silva et
rapêuticas) e na genómica» (2019: 4848). al., 2015, entre outros), mas carecem de
A reconstrução da dieta das comuni- abordagens antropológicas que recor-
dades humanas do passado a partir dos ram a esta ferramenta analítica.
amidos vegetais retidos no CD inicia-se Com o objetivo de preencher esta
com a sua extração da matriz fosfocálci- lacuna, e acreditando no benefício des- 103
ca. Vários protocolos foram publicados te tipo de abordagem como ferramenta
nos últimos anos (Han e Hamaker, 2002; auxiliar na avaliação das dietas no pas-

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
Torrence e Barton, 2006; Henry e Piper- sado, este trabalho tem como objeti-
no, 2008; Hardy et al., 2009; Charlier et al., vos descrever um novo protocolo de
2010; Power et al., 2014; Pagán-Jiménez et extração de amidos vegetais retidos no
al., 2015; Tromp e Dudgeon, 2015, adapta- cálculo dentário e apresentar a coleção
do de Hardy et al., 2009) cuja implemen- identificada com uma chave dicotómica
tação é complexa, dispendiosa e recorre de fácil aplicação, criada com base na ali-
a reagentes agressivos. Simultaneamen- mentação portuguesa.
te, a classificação taxonómica dos amidos
vegetais deve realizar-se através do con- Protocolo de extração de amidos
fronto com coleções identificadas, como do cálculo dentário
as criadas na Universidade de Cambridge
com espécies vegetais procedentes dos O CD é um material de fácil destruição
Balcãs, ou a da Universidade de York, que durante a escavação, transporte, limpeza
abrange plantas do Norte e Sul da Euro- e manipulação laboratorial dos crânios
pa, assim como do Norte de África (ver ou dentes (Barton e Torrence, 2015). Com
Cristiani et al., 2016; 2018). Não obstante, efeito, recomenda-se a prévia fotografia
o único atlas de comparação encontrado dos depósitos in situ, pois a amostragem
pelos autores destina-se exclusivamente dos amidos é um processo destrutivo,
a espécies neotropicais (Pagán-Jiménez, pela recolha duma pequena quantidade
2015), pelo que não constam espécies (cerca de 2−4 mm2). De forma opcional,
cultivadas de climas temperados como antes do processamento da amostra re-
as da Península Ibérica. Paralelamente, colhida, é aconselhável o estudo do(s)
outros estudos como o de Guismondi e fragmento(s) de CD com Microscopia Ele-
colaboradores (2018), apresentam longas trónica de Varrimento (MEV), para a even-
listagens de características morfométri- tual identificação de vestígios biológicos
cas para produtos vegetais temperados, mineralizados aderentes (p. ex., pólenes,
mas carecem de informação micrográfica fibras, diatomáceas, quistos de crisofíceas,
complementar. Em Portugal, realizaram- espículas de esponjas e partículas mine-
-se vários estudos de cariz descritivo e de rais, entre outras [ver Boyadjian, 2012]).
quantificação bioquímica para espécies Esta sugestão abrange, também, os casos
de rutura acidental da(s) amostra(s) de inclusive no decorrer da própria escava-
cálculo que permitem a observação adi- ção. Entre estas metodologias salienta-
cional da superfície interna (de contacto -se a vaporização com ar sobre pressão
com o dente) do fragmento em estudo. (Charlier et al., 2010), o bombardeamen-
O procedimento laboratorial criado to com azoto (Tromp e Dudgeon, 2015),
104
no Departamento de Ciências da Vida da a irradiação ultravioleta, os tratamentos
Universidade de Coimbra para a obten- branqueadores com lixívia (Weyrich et
ção de grãos de amido procedentes do al., 2015), ou a descontaminação a seco
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

CD resulta de ensaios realizados em indi- em ambiente estéril por escovagem sua-


víduos adultos que viveram nos séculos ve (Power et al., 2014). Este último méto-
XIV−XIX (ver Pereira et al., 2017) e consta do foi o escolhido para ser aplicado no
de três fases principais (Figura 1). presente protocolo devido à sua maior
acessibilidade e custo reduzido.
Extração dos grânulos de amido
Realizada a escovagem, os fragmen-
Antes de se descreverem os proce- tos de CD selecionados para o estudo são
dimentos laboratoriais, convém salientar dissolvidos numa preparação de ácido
alguns pormenores relativos à conta- clorídrico 1N (1 ml de ácido clorídrico 37%
minação do CD, uma questão pouco em 9 ml de água destilada) durante qua-
considerada nos protocolos publicados, tro dias. No primeiro dia, coloca-se um cri-
mas imprescindível para evitar enviesa- vo com malha de 0,3 mm de diâmetro so-
mentos na quantificação e identificação bre a abertura de um matraz e colocam-
dos amidos vegetais. Inicialmente, era -se 2−4 mm2 do CD nas gotas da solução
considerado que, devido à interrupção ácida. Tritura-se suavemente com uma
da formação de CD com a morte dos vareta de aço (limpa com álcool entre uti-
indivíduos, a probabilidade de difusão lizações para evitar a contaminação) até a
de elementos alheios ao CD era míni- totalidade da amostra se dissolver. Trans-
ma (Middleton e Rovner, 1994). Contu- fere-se a solução, por gotejamento, para
do, anos depois, foi confirmado que os um tubo Eppendorf de 1ml e centrifuga-
amidos vegetais são ubíquos, podendo -se a 9000 rpm durante 5 minutos. Poste-
existir transmissões mediadas pelo ar, riormente, o preparado é decantado em
pela água, pelo sedimento ou por práti- bloco (num único movimento, de modo
cas puramente laboratoriais, como, por a evitar a ressuspensão e subsequente
exemplo, o uso de luvas de látex reves- perda do material) para eliminar possíveis
tidas com pó de milho (Laurence et al., impurezas retidas no sobrenadante e o
2011). Crowther e colaboradores (2014) tubo é enchido com mais solução ácida.
avaliaram a eficácia de vários métodos Agita-se manualmente e deixa-se repou-
para diminuir o risco de contaminação, sar à temperatura de 4 ºC.
Figura 1. Esquema do procedimento laboratorial para extração, preparação e identificação de amidos vegetais retidos no cálculo dentário.

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
105

do passado
Durante o segundo e terceiro dia é cria um efeito ótico específico em que os
conveniente a realização de várias agita- polissacáridos complexos adquirem uma
ções manuais para assegurar que a solu- coloração azul escura, púrpura ou preta,
ção ácida entra em contacto com todo o consoante a concentração dos grânulos
carbonato do cálculo dentário. No quarto (Clerici et al., 2019).
106 dia, verifica-se novamente o estado da Com o objetivo de realizar uma pre-
solução para se iniciarem as restantes fa- paração microscópica permanente, o
ses do protocolo. passo seguinte consiste em contornar a
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

No caso de ser necessário o arma- preparação com parafina pré-aquecida,


zenamento da preparação por mais de 4 colocando uma lamela de microscópio
dias, antes da realização das preparações sobre as gotas de solução e deixando ar-
definitivas, é conveniente centrifugar os refecer a parafina, de modo a efetuar uma
Eppendorfs, decantar a solução ácida, selagem apropriada.
encher com água destilada e manter no Caso o/a investigador/a tenha acesso
frigorífico a 4 ºC para evitar possíveis de- a microscopia eletrónica de varrimento, o
gradações ácidas dos grânulos de amido. teste químico (soluto de Lugol) e a pre-
Preparação das amostras e teste químico paração de amostras não serão necessá-
rios. Nesta situação, finalizada a extração,
Preparação das amostras e teste químico procede-se à decantação em bloco dos
tubos Eppendorf e deixa-se secar a fase lí-
Extraídos os grânulos de amido, quida da amostra à temperatura ambien-
colocam-se duas gotas da solução sobre te. Uma vez seco, tira-se uma pequena
uma lâmina de microscópio. De seguida, quantidade do precipitado (amidos cen-
acrescenta-se uma gota de glicerol (ou trifugados) e coloca-se sobre um porta-
água destilada) e outra de soluto de Lu- -objetos previamente coberto com discos
gol para permitir uma visualização mais de carbono biadesivos. Para executar uma
fidedigna dos amidos vegetais. Este com- observação correta da amostra, é neces-
posto consiste numa solução de iodo mo- sário recobri-la com um material condu-
lecular (I2 -1 g) e iodeto potássico (KI — 2 tor de eletrões — por exemplo, carbono,
g) em água destilada (300 ml) que atua paládio, ouro, etc. — antes de se proceder
como marcador específico de polissacári- à análise no microscópio eletrónico.
dos complexos, como amidos, glicogénio
ou certas dextrinas (Kutík e Benes, 1977). Identificação de amidos e
Mais especificamente, o Lugol reage com a coleção identificada
as cadeias de amilose do amido, permitin-
do que os iões de iodo se introduzam no Esta fase decorre pela comparação
interior das cadeias hidrocarbonadas; isto morfométrica, externa e interna, e de cer-
tas propriedades óticas dos grânulos de de amidos procedentes de cereais panifi-
amido (Tabela 1). Por esse motivo, foi ne- cáveis, como o trigo, o milho, o centeio,
cessário criar de novo uma coleção identi- a cevada ou a aveia, aos quais se soma-
ficada de amidos vegetais, cujo ponto de vam sucedâneos produzidos com base
partida fosse os alimentos de consumo na castanha, na bolota e em certas legu-
mais frequente no território português minosas (Ferreira, 2008), designadamente 107
desde a Pré-história ou que tenham sido nos locais orograficamente mais elevados
introduzidos posteriormente na Penínsu- e que não possuíam um clima adequado

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
la Ibérica. Segundo as fontes documen- para o cultivo dos cereais (Peña-Chocarro
tais, a alimentação portuguesa, à seme- et al., 2019). Relativamente ao milho (Zea
lhança do que acontecia noutros pontos mays), o feijão (Phaseolus vulgaris), a bata-
da geografia europeia, era: 1) assimétrica ta (Solanum tuberosum) e a batata-doce
quanto às classes sociais (Ferreira, 2008; (Ipomoea batatas), a sua origem remonta
Vinhas, 2012); 2) monótona em função ao continente americano ou, inclusiva-
da escolha alimentar, da disponibilidade mente, a vários pontos do Pacífico entre
económica dos produtos e das frequen- os séculos XV−XVII (Kiple e Ornelas, 2000).
tes crises frumentárias (Cascão, 2011); e 3) Finalmente, a amêndoa (Prunus dulcis) e
deficiente nutricionalmente, ao privilegiar o arroz (Oryza sativa) procedem do conti-
os hidratos de carbono e as gorduras em nente asiático, tendo sido datada a sua in-
vez de proteínas, vitaminas e minerais trodução na Península Ibérica nos séculos
(Rodrigues, 2008). A origem, a dispersão e VII–VIII e XIII pela mão das comunidades
a cronologia da introdução no continente fenícias (Pérez-Jordá et al., 2017) e árabes
europeu e/ou na Península Ibérica das es- (Vaquinhas, 2005), respetivamente.
pécies vegetais selecionadas neste proto- O consumo de legumes e fruta entre
colo pode ser consultada na Tabela 2. as classes médias-baixas predecessoras
Através desta revisão, pode-se com- da transição nutricional — datada para
provar que a maioria dos cereais e dos Portugal a partir de 1974 (Bento et al.,
legumes tem uma procedência Euroa- 2018) — é confuso entre quem defende
siática (Crescente Fértil), coincidente a rica diversidade hortofrutícola portu-
com o período Neolítico, tendo vindo a guesa (p. ex., favas e feijões, ervilhas, len-
maximizar-se a sua utilização na Península tilhas, grão-de-bico, chícharos, tremoços,
Ibérica de forma diferencial, dependen- couves, alhos, cebolas, nabos, alfaces,
do dos povos e culturas: p. ex., romanos, cenouras, beringelas, rábanos, espinafres,
visigodos, árabes, etc. De facto, o pilar etc.; e a presença de vinhas, figueiras, cas-
fundamental da alimentação Peninsular, tanheiros, pereiras, macieiras, ameixoeiras,
desde o período clássico até grande parte pessegueiros, nogueiras, amendoeiras,
do século XX, era o pão, logo, o consumo melão, etc.); e quem acredita na escassa
Tabela 1. Resumo das características morfométricas dos amidos vegetais (Adaptado de The
International Code for Starch Nomenclature [ICSN, 2011] e Pagán-Jiménez, 2015).

VARIÁVEL DEFINIÇÃO
Simples Grânulos constituídos por um só corpo
Estrutura
Composta Junção de dois ou mais grânulos simples
108 Descrição métrica em comprimento, largura (2D) e ou diâmetro (3D)
Tamanho
referida em micrómetros. Refere-se sempre a medida mínima e máxima.
Alongado: comprido, lanceolado
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Circular: com todos os raios do mesmo tamanho


Poligonal: com mais de quatro lados
Oval: com uma dimensão ligeiramente superior à
outra
Bidimensional
Quadrado: com quatro lados iguais
Retangular: com lados iguais dois a dois
Semicircular: parcialmente circular
Trapezoide: com quatro lados, dois paralelos
Triangular: com três lados bem definidos
Bicónico: com dois cones opostos, simétricos ou
assimétricos
Características externas

Cilíndrico: com bases circulares


Côncavo-convexo: extremos com angulação
diferente
Forma Conoide: uma metade cônica e a outro ovoide ou
hemisférica
Discoide: plano e arredondado na vista planar.
Elipsoide: ovoide com os dos extremos iguais
Esférico: em forma de esfera
Tridimensional Forma de cunha: aplanado, engrossado num
extremo
Hemisférico: parcialmente esférico
Lenticular: biconvexo
Ovoide: com um extremo mais pequeno do que
o outro
Plano-convexo: plano num lado e convexo noutro
Piriforme: em forma de pera
Poliédrico: várias caras
Quadrangular: seis lados
Reniforme: com forma de rim
Características das linhas que delimitam os grânulos e que, nalguns
Bordo casos podem apresentar facetas de pressão (depressões) com
diferentes localizações e morfologias.
Tabela 1. (cont.)

VARIÁVEL DEFINIÇÃO
O eixo de maior diâmetro do grânulo é paralelo ao
Alongado
do hilo
Cêntrico/ Localizado na posição central ou na periferia dos
excêntrico grânulos 109
Distinto/
Com melhor ou pior claridade
indistinto

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
Hilo
Esférico Redondo em três dimensões
Invisível Não aparente
O eixo curto do grânulo é paralelo ao de maior
Lenticular
Características externas

diâmetro do hilo
Efeito ótico de mudança de cor de preto para
Refratário
branco em função do plano de focagem
Cêntrico/
Dentro ou fora do centro geométrico do grânulo
excêntrico
Distinto/
Com melhor ou pior claridade
indistinto
Simétrico/
Similaridade das componentes da cruz (braços)
assimétrico
Cruz de Linhas grossas/
Malta Largura dos braços
finas
Linhas Retas/
Extensão ou flexão dos braços
curvadas
Confusa Distorcida pela presença de fissuras
Desigual/preciso Irregulares e/ou dentadas
Número e comprimento dos braços
110
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Tabela 2. Origem das espécies vegetais selecionadas no presente protocolo, segundo The Cambridge world history of food (Kiple e Ornelas, 2000)
e a cronologia da sua introdução no continente europeu ou, caso se conheça, na Península Ibérica.

Família Espécie Origem Introdução Europeia/Peninsular Referência

Avena sativa Dispersão continental (sétimo-segundo milé- Peña-Chocarro et al.


Crescente fértil (10 500−5000 a.C.)
(aveia) nio a.C.) (2019)
Egito (~18000 a.C.), Egito; 2.ª fase
Hordeum vulgare Costa mediterrânica e Balcãs: bebidas e forra- Peña-Chocarro et al.
domesticação europeia no Neolítico
(cevada) gem animal (2019)
inicial (~9200 a.C.)
Rápida disseminação europeia. No Império
Triticum aestivum Egito/Israel (~16 000 a.C.); hibridação Miller (1987), Balfou-
romano era usado pelas suas propriedades
(trigo) das espécies einkorn e Emmer rier et al. (2019)
panificáveis
Via Europa do Leste e Central (7000−5000 a.C.).
Panicum miliaceum Moreno-Larrazabal
Poaceae Próximo Oriente (~9000 a.C.) Primeira evidência peninsular em Castro de
(milho-miúdo) et al. (2015)
Palheiros no 3.º milénio a.C.
Balcãs (~4400 a.C.). Rápida disseminação Hjelmqvist (1989),
Secale cereale europeia. Império romano para produção de Behre (1992), Peña-
Leste da Turquia-Irão, Neolítico
(centeio) cerveja. Muito presente no norte da Península -Chocarro et al.
Ibéricaa (2019)
Zea mays Introduzido na Europa, Ásia e África durante os Kiple e Ornelas
Continente americano
(milho) séculos XVI−XVII por espanhóis e portugueses (2000)
Oryza sativa China(>10000 a.C.,) hibridação das Cultura introduzida pelo império árabe, com Vaquinhas (2005),
(arroz) espécies indica e japónica referências para o século XIII. Fuller et al. (2010)
Abbo et al. (2003),
Cicer arietinum Rápida introdução na Europa e na Península
Crescente fértil (12−10000 a.C.) Redden e Berger
(grão-de-bico) Ibérica (Neolítico inicial)
Fabaceae (2007)
Lens esculenta Grécia (13000-9500 a.C.), Próximo Rápida introdução na Europa e na Península Peña-Chocarro et al.
(lentilha) Oriente (10 000−95000 a.C.) Ibérica (Neolítico inicial) (2019)
Tabela 2. (cont.)

Família Espécie Origem Introdução Europeia/Peninsular Referência


Berglund-Brücher
Espécie mesoamericana introduzida em 1506 e
Phaseolus vulgaris e Brücher (1976),
Mesoamericana e Andina andina em 1528 após colonização espanhola e
(feijão) Gepts (1988), Ron et
portuguesa
al. (2016)
Fabaceae Pisum sativum Bacia mediterrânica, Norte de África, Dispersão pela bacia do Mediterrâneo no Neolí- Peña-Chocarro et al.
(ervilha) Médio Oriente (Neolítico) e Índia tico inicial e importante na época clássica (2019)
Médio Oriente (Neolítico); forte domes-
Vicia faba Peña-Chocarro et al.
ticação na Bacia Mediterrânica entre os Neolítico inicial
(fava) (2019)
séculos IV e V a.C.
Mioceno (15 milhões de anosa.C.). Re-
Castanea sativa Espécie doce na Grécia (3000 a.C.), sistematizan-
Fagaceae giões montanhosas de difícil adaptação Coelho (2018)
(castanha) do o seu consumo na Idade Média.
cerealífera
Polinésia e Melanésia pré-colombianas
Ipomoea batatas Trazida para a Europa por espanhóis em finais Kiple e Ornelas
Convolvulaceae (8000−2000 a.C.); segundo foco: Améri-
(batata doce) do séc. XV (2000)
ca, Ásia e África.
Alimentação de escravos, talvez tenha sido tra-
Musa sp. Transição asiática (Malásia, Tailândia) Kiple e Ornelas
Musaceae zida por espanhóis através da rota das Filipinas
(banana) para África, América Central e Caraíbas. (2000)
no século XVI
Prunus dulcis Originária de Ásia Central (Irão e países Introduzida na Península Ibérica pelos fenícios, Pérez-Jordá et al.
Rosaceae
(amêndoa) vizinhos) entre os séculos VII e VIII a.C. (2017)
Importação espanhola da espécie peruana em
Hawkes (1978;
Solanum tuberosum Americana (potes Incas); duas espécies: meados do séc. XVI; depois da crise da batata
Solanaceae 1990), Sood et al.
(batata) Peruana e Andina (1840) predominou a espécie andina. Portugal
(2017)
não tem registos da data de introdução.

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
111

do passado
disponibilidade económica para estes es- tamente na gota de água ou glicerol. Em
tamentos sociais (Ferreira, 2008; Gonçal- ambos os casos, uma vez finalizado este
ves, 2011), unida a escolhas dietéticas que procedimento, pode proceder-se à pre-
dispensassem maior energia relativamen- paração das amostras como indicado no
te ao trabalho extenuante que estes esta- ponto de preparação das amostras e teste
112 mentos sociais realizavam (Cascão, 2011). químico.
Quer os dados métricos — compri-
Coleção identificada mento (C), largura (L) e rácio C/L (Tabela
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

3) —, quer os morfológicos — estrutura,


A coleção identificada de amidos forma, superfície, hilo e camadas de de-
compõe-se, até à data, de 19 espécies per- posição (Tabela 4) —correspondem à
tencentes a 6 famílias: Poaceae (n=7, Ave- mensuração de 340 grânulos de amido,
na sativa, Hordeum vulgare, Triticum aes- isto é, 20 grânulos diferentes de cada uma
tivum, Panicum miliaceum, Secale cereale, das 17 espécies consideradas (excluída a
Zea mays e Oryza sativa), Fagaceae (n=1, maçã e a pera), que se encontram ilus-
Castanea sativa), Fabaceae (n=5, Cicer tradas nas Figuras 2A-Q. Para todos os
arietinum, Lens esculenta, Phaseolus vulga- efeitos, as descrições morfométricas rea-
ris, Pisum sativum e Vicia fava), Convolvu- lizadas neste protocolo sustentaram-se
laceae (n=1, Ipomoea batatas), Musaceae na nomenclatura proposta pela Interna-
(n=1, Musa sp.), Rosaceae (n=3, Prunus tional Code for Starch Nomenclature (ICSN,
dulcis, Malus domestica e Pyrus communis) 2011; ver Tabela 1). Conjuntamente, foi
e Solanaceae (n=1, Solanum tuberosum). criada uma chave dicotómica simplifica-
Duas espécies da família Rosaceae foram da, disponível no Anexo 1, como ferra-
descartadas da caracterização morfomé- menta auxiliar para a identificação dos
trica, a maçã (Malus domestica [Borkh]) e a amidos vegetais.
pera (Pyrus communis L.), por se tratar de
frutas com escasso conteúdo amídico, o Discussão
que as torna pouco relevantes para estu-
dos deste género. Os alimentos frescos (p. A determinação taxonómica da es-
ex., frutas e hortaliças) e secos (p. ex., grãos pécie vegetal a partir dos amidos incluí-
dessecados) usados na coleção identifica- dos no CD proporciona informação espe-
da foram partidos ao meio, a superfície cífica acerca dos alimentos vegetais con-
interna foi raspada com um escalpelo e a sumidos, atuando como uma ferramenta
polpa colocada na lâmina do microscópio auxiliar a outras análises de paleodietas
ótico, numa gota de água destilada ou de (Fiorenza et al., 2015; Power et al., 2015).
glicerol. No caso das farinhas, é suficiente A maioria das espécies estudadas
colocar uma pequena quantidade dire- apresenta uma grande variabilidade no
Tabela 3. Caracterização métrica (em mm, intervalo, média e desvio-padrão) dos amidos vegetais das 17 espécies (excluídas a maçã e a pera), orga-
nizadas por ordem alfabética do nome científico, que compõem a coleção identificada de referência.
Espécie Comprimento (C) Largura (L) C/L
Família
(nome vulgar) Intervalo D.P. Intervalo DP Intervalo D.P.
Avena sativa Poaceae 2,50−37,50 16,70 12,34 2,50−34,50 14,35 10,85 1,00−1,84 1,18 0,20
(Aveia)
Castanea sativa Fagaceae 3,10−20,00 9,23 5,19 2,38−12,50 6,53 2,72 1,00−2,24 1,35 0,31
(Castanha)
Cicer arietinum Fabaceae 2,70−71,00 20,92 17,37 2,70−43,40 15,20 11,05 1,00−4,50 1,34 0,50
(Grão-de-bico)
Hordeum vulgare Poaceae 1,30−36,50 16,68 10,82 1,20−36,50 14,10 9,76 1,00−2,05 1,20 0,22
(Cevada)
Ipomoea batatas Convolvulaceae 4,60−24,00 13,74 5,68 4,10−21,00 11,95 4,91 1,00−1,37 1,15 0,12
(Batata-doce)
Lens esculenta Fabaceae 4,40−41,20 22,92 13,40 4,40−35,00 16,66 8,81 1,00−1,85 1,31 0,29
(Lentilha)
Musa sp. Musaceae 18,80−51,30 33,93 10,73 4,40−23,80 12,16 5,46 1,16−6,55 3,28 1,59
(Banana)
Oryza sativa Poaceae 1,80−8,00 4,18 1,91 1,70−7,00 3,28 1,65 1,00−2,71 1,32 0,39
(Arroz)
Panicum miliaceum Poaceae 2,00−13,00 7,14 3,16 1,90−11,70 6,48 2,84 1,00−1,40 1,10 0,12
(Milho-miúdo)
Phaseolus vulgaris Fabaceae 5,00−76,00 26,16 12,96 5,0−33,00 18,66 6,59 1,00−2,53 1,38 0,34
(Feijão)
Pisum sativum Fabaceae 5,40−29,00 18,71 6,26 5,40−25,20 15,15 5,35 1,00−1,57 1,25 0,20
(Ervilha)
Prunus dulcis Rosaceae 1,50−31,30 9,98 9,15 1,50−31,20 9,88 8,99 1,00−1,09 1,00 0,02
(Amêndoa)
Secale cereale Poaceae 1,50−49,50 18,92 13,50 1,10−40,00 14,87 10,76 1,00−2,39 1,29 0,29
(Centeio)
Solanum tuberosum Solanaceae 12,80−93,60 47,82 26,41 12,80−76,30 39,61 20,34 1,00−1,81 1,18 0,19
(Batata)
Triticum aestivum Poaceae 1,50−52,50 20,24 13,62 1,50−45,80 16,75 11,96 1,00−2,24 1,26 0,24
(Trigo)
Vicia faba Fabaceae 5,30−29,40 16,26 8,09 5,30−20,60 12,48 4,21 1,00−2,04 1,27 0,34
(Fava)
Zea mays Poaceae 2,00−23,00 12,55 5,80 2,00−16,00 9,95 3,86 1,00−2,00 1,23 0,24
(Milho)

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
113

do passado
Tabela 4. Caracterização morfológica dos amidos vegetais das 17 espécies passíveis de análise,
organizadas por ordem alfabética do nome científico.
Espécie Família Estrutura Forma
(nome vulgar)
Compostos
Avena sativa e irregulares, Variável: nos pequenos poligonais, nos
Poaceae
(Aveia) divisíveis em maiores fusiformes, subelípticas, circulares, etc.
grãos menores
114
Variável: circulares, subcirculares,
Castanea sativa Simples e
Fagaceae subpoligonais, subovais, côncavo-convexos,
(Castanha) irregularesraramente elípticos
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Variável: maioritariamente elípticos (lobados


Cicer arietinum Simples e
Fabaceae ou não), também circulares, subcirculares,
(Grão-de-bico) regulares côncavo-convexos ou plano-convexos
Variável: elípticos, ovais, plano-convexos,
Hordeum vulgare Simples e côncavo-convexos, circulares, subcirculares,
Poaceae
(Cevada) irregulares irregulares ou — sobretudo nos menores —
subpoligonais ou poligonais
Ipomoea batatas Convolvulaceae vezes compostos, Variável,
Simples, por circulares ou subcirculares,
subtriangulares, elípticos, plano-convexos,
(Batata-doce) irregulares menos vezes poligonais
Variável: elípticos, circulares, subovais, algumas
Lens esculenta Simples,
Fabaceae vezes côncavo-convexos, plano-convexos ou
(Lentilha) regulares lobados (subtrilobados, etc)
Musa sp. Variável: subfusiformes, oblongos, subelípticos,
Musaceae Simples
(Banana) subclaviformes, por vezes apiculados
Oryza sativa Compostos,
Poaceae Poligonais e irregulares
(Arroz) irregulares
Poliédricos (triangulares, quadrados,
Panicum miliaceum Simples,
Poaceae pentagonais, hexagonais, etc), mais raramente
(Milho-miúdo) irregulares elípticos ou subcirculares
Variável: elípticos, circulares, oblongos,
Phaseolus vulgaris Simples,
Fabaceae mais raramente plano-convexos, côncavo-
(Feijão) regulares convexos ou ovais
Simples e
Pisum sativum compostos Variável: com padrão tipo “molar”, com 2 a 4 ou
Fabaceae
(Ervilha) (bimodais), mais subunidades
regulares
Prunus dulcis Rosaceae Simples Circulares ou subcirculares
(Amêndoa)
Simples, Variável: elípticos, ovais, plano-convexos,
Secale cereale Poaceae irregulares (os côncavo-convexos, circulares, subcirculares ou
(Centeio) menores) — sobretudo nos menores — poligonais
Solanum tuberosum Simples e
Solanaceae Ovais, elípticos ou, menos vezes, circulares
(Batata) regulares
Variável: elípticos, ovais, plano-convexos,
Simples
Triticum aestivum côncavo-convexos, circulares ou subcirculares
Poaceae (bimodal),
(Trigo) Os menores frequentemente poligonais,
irregulares subpoligonais ou irregulares
Compostos
Vicia faba e irregulares, Variável: nos pequenos poligonais, nos
Fabaceae
(Fava) divisíveis em maiores fusiformes, subelípticas, circulares, etc
grãos menores
Variável: circulares, subcirculares,
Zea mays Simples e
Poaceae subpoligonais, subovais, côncavo-convexos,
(Milho) irregulares raramente elípticos
Camadas de
Superfície Hilo deposição

Inconspícuo, mas quando visível concêntrico, Difíceis de visualizar (ver


Lisa alongado e dividido estrutura, Figura 2A)
115
Concêntrico e alongado, ramificado, nos
Lisa maiores Punctiforme ou inconspícuo nos Inconspícuas ou não-definidas
menores

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
Alongado, embora possa bifurcar-se nas
Lisa Conspícuas nos grãos maiores
extremidades

Ausente Quando visível, concêntrico, alongado


Lisa Conspícuas nos grãos maiores
e ramificado nas extremidades

Concêntrico ou levemente excêntrico, Conspícuas nos maiores,


Lisa punctiforme ou dividido nos compostos, inconspícuas nos menores
ramificado
Concêntrico, conspícuo, alongado, não
Lisa Conspícuas
raramente bifurcado nas extremidades

Irregular Excêntrico, conspícuo, alongado Conspícuas

Lisa Inconspícuo Inconspícuas


Conspícuo, concêntrico, em forma de +, Y,
estrela (tri, penta, hexarradiada), H Raramente Geralmente não-definidas
em linha quebrada
Concêntrico, conspícuo, alongado, alongado- Conspícuos nos médios-
Lisa estrelado ou punctiforme grandes

Ramificado, definindo subunidades bem


Lisa marcadas Raramente punctiforme nos grãos Não-definidas
simples

Irregular Inconspícuo Inconspícuas

Concêntrico, conspícuo nos maiores, alongado, Conspícuas nos maiores


estrelado ou punctiforme
Excêntrico, conspícuo, oval, elíptico ou, menos
Lisa Conspícuas
vezes, circular

Inconspícuo ou alongado-puntiforme Conspícuas, nos maiores

Inconspícuo, mas quando visível concêntrico, Difíceis de visualizar (ver


Lisa alongado e dividido estrutura, Figura 2P)

Concêntrico e alongado, ramificado, nos


Lisa maiores Punctiforme ou inconspícuo nos Inconspícuas ou não definidas
menores
116
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Figura 2. Visualização dos grânulos de amido com microscopia ótica. A) Aveia – Aveia sativa
L.; B) Castanha – Castanea sativa L.; C) Grão-de-bico – Cicer arietinum L.; D) Cevada – Hordeum
vulgare L.; E) Batata doce – Ipomoea batatas (L.) Lam.; F) Lentilha – Lens culinaris Medikus. Barra:
50μm.
117

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado

Figura 2. (Continuação). G) Banana – Musa sp.; H) Arroz - Oryza sativa L.; I) Milho-miúdo –
Panicum miliaceum L.; J) Feijão - Phaseolus vulgaris L.; K) Ervilha – Pisum sativum L.; L) Amêndoa
– Prunus amygdalus Batsch. Barra: 50μm.
118
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Figura 2. (Continuação). M) Centeio - Secale cereale L.; N) Batata - Solanum tuberosum L.; O)
Trigo - Triticum aestivum L.; P) Fava - Vicia faba L.; Q) Milho – Zea mays L. Barra: 50µm.
comprimento dos grãos de amido. Con- al., 2014). A aveia e a cevada enquadram-
trariamente, a largura parece ser uma -se nos valores dos grãos mais pequenos
variável mais conservadora, uma vez (Jane et al., 1994; Henry et al., 2011), mas,
que apenas quatro espécies — a aveia, o tal como o trigo e o centeio, também
centeio, a batata e o trigo — apresentam ultrapassam os valores dos grãos gran-
desvios consideráveis (Tabela 3). Em qual- des (Yang e Perry, 2013), duplicando ou 119
quer caso, os amidos mais compridos triplicando os comprimentos apresenta-
estão representados pela espécie Musa dos em publicações anteriores (Triticum:

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
sp. (banana: 33,93±10,73 mm), os mais Henry et al., 2011; Avena: Jane et al., 1994).
largos pela espécie Solanum tuberosum A diferenciação entre o milho-miúdo (Pa-
(batata: 39,61±20,34 mm) e os menores nicum miliaceum) e o milho-comum (Zea
pertencem à espécie Oryza sativa (arroz: mays), depende, fundamentalmente do
comprimento 4,18±1,91 mm; largura seu tamanho, dado que o primeiro, de
3,28±1,65 mm). acordo com Kim et al. (2012), tende a ser
Segundo a literatura, os cereais, gra- menor.
míneas ou a família Poaceae, apresentam Segundo Bermoussa et al. (2004), os
amidos mais difíceis de amostrar pela sua amidos dos tubérculos são mais resisten-
menor humidade e associação com pro- tes à degradação das amílases bucais do
teínas (El Halal et al., 2019). Os amidos do que os dos cereais, devido à sua estrutura
trigo — Triticum aestivum L. —, do cen- celular, cristalina, molecular e morfolo-
teio — Secale cereale L. —, e da cevada gia (Villarroel et al., 2018). Como se pode
— Hordeum vulgare L. — tendem a ser comprovar, a batata — Solanum tubero-
bimodais, ou seja, apresentar, ao mes- sum L. — e a batata-doce — Ipomoea ba-
mo tempo, grânulos pequenos e gran- tatas (L.) Lam. — podem possuir grânulos
des (Hardy et al., 2009). Por sua parte, a de dimensões consideráveis (Hardy et
aveia — Avena sativa L. —, o milho — Zea al., 2009). Em ambos os casos, a métrica
mays L. — e, sobretudo, o arroz — Oryza realizada na coleção identificada enqua-
sativa L. —apresentam os grãos de amido dra-se nos intervalos descritos por Sujka
mais pequenos de todos os cereais, com e Jamroz (2013) para a batata e Pagán-
formas irregulares e, em muitos casos, -Jiménez (2015) para a batata-doce.
formando aglomerados pela associação Os amidos das leguminosas (família
com proteínas (Jane et al., 1994; El Halal et Fabaceae) podem constituir quase meta-
al., 2019). Comparativamente, as dimen- de da composição da semente, apresen-
sões obtidas para os amidos de milho e tando características muito semelhantes
arroz encontram-se dentro dos intervalos entre si (Hoover e Sosulski, 1991). No
de medida publicados (Piperno e Holst, grão-de-bico — Cicer arietinum L. — e no
1998; Henry et al., 2011; Utrilla-Coello et feijão — Phaseolus vulgaris L. — os amidos
possuem fissuras centrais características aqui estudados, as dimensões tendem
(Sathe e Salunkhe, 1981), mas o maior ta- a ser ligeiramente superiores às descri-
manho e a forma mais esférica do primei- tas, em intervalos de comprimento que
ro podem possibilitar a sua individualiza- abrangem dos 1,5 µm aos 31,1 µm.
ção (Henry et al., 2011). A ervilha — Pisum Finalmente, no que respeita aos ami-
120
sativum L. —, por seu lado, apresenta os dos da banana (família Musaceae), dentro
amidos mais pequenas dentro desta famí- dos grãos estudados é, sem dúvida, o que
lia (Hoover e Sosulski, 1991). Finalmente, a melhor se individualiza, devido às suas
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

lentilha — Lens culinaris L. — pode apre- características morfométricas, às quais se


sentar uma ligeira depressão na região adaptam perfeitamente as descrições pu-
central (Wang et al., 2017), enquanto na blicadas previamente (Zhang et al., 2005).
fava — Vicia faba L. — aparece um ele-
mento diferenciador, sob a forma de ca- Comentários finais
vidades nas superfícies externas dos seus
grânulos de amido (ver Punia et al., 2019). Este trabalho sumariza os passos
Dentro da família Fagaceae, salienta- dum protocolo para extração de amidos
-se a castanha — Castanea sativa L. —, vegetais de várias durezas, sejam frescos,
cuja repercussão económica, no território secos, em pó ou retidos no cálculo den-
português, tem sido de extrema impor- tário, e apresenta uma chave dicotómica
tância na região de Trás-os-Montes (Silva e imagens de microscopia ótica que auxi-
et al., 2015), desde as civilizações antigas liam a identificação de 19 espécies (aveia,
(Coelho, 2018). Segundo Pizzoferrato e cevada, trigo, milho-miúdo, centeio,
colaboradores (1999), o seu conteúdo milho, arroz, grão-de-bico, lentilha, fei-
amídico é abundante, situando este fruto jão, ervilha, fava, castanha, batata-doce,
entre os elementos mais ricos em amido, banana, amêndoa e batata), sendo que
tal como a batata e o feijão. Os grânulos a maçã e a pera, por possuírem concen-
de amido da castanha podem diferenciar- trações mínimas de amido, são pouco re-
-se de outras espécies de fagáceas, como levantes para este tipo de estudos.
a bolota (Quercus sp.), quer pelas dimen- Trata-se de um protocolo fácil e de rá-
sões, quer pelo hilo, pois, enquanto no pida execução (4 dias), baseado na aplica-
primeiro caso é excêntrico, na bolota cos- ção dum ácido fraco e de instrumentos co-
tuma estar centrado (Cappai et al., 2013). muns em laboratórios (p.ex., centrifugado-
Quanto à família Rosaceae, a amên- ra, frigorífico, frascos de vidro, microscópio
doa não apresenta uma informação mui- ótico), o que o torna económico e acessível
to profusa. No entanto, na tese de Sirvent aos investigadores. São igualmente facul-
Aliu (2019), encontram-se características tadas orientações para se implementarem,
semelhantes às descritas neste trabalho. quando possível, técnicas químicas (Soluto
Com efeito, resta salientar que, nos grãos de Lugol) e físicas (microscopia ótica de luz
polarizada ou eletrónica de varrimento) tation. Functional Plant Biology, 30(10):
embora a microscopia ótica seja suficiente 1081−1087. DOI: 10.1071/FP03084.
para a identificação dos amidos vegetais. Aceituno Bocanegra, F. J.; López Sáez, J. A.
Este tipo de estudos pode abrir no- 2012. Caracterización morfológica de al-
vos trilhos na reconstrução da dieta no midones de los géneros Triticum y Hor-
passado, coadjuvado por exemplares para deum en la Península Ibérica. Trabajos de
121
comparação, perspetivando um aumento Prehistoria, 69(2): 332−348. DOI: 10.3989/
dos estudos e do conhecimento sobre tp.2012.12095.

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
o consumo humano de alimentos ricos American Diabetes Association. s. d. Non-
em amido, nomeadamente extraídos do -starchy vegetables. [Online]. [Arlington],
cálculo dentário. Está ainda prevista a am- American Diabetes Association. [Consul-
pliação da coleção identificada com ou- tado em 712020]. Disponível em: https://
tros amidos, designadamente de espécies www.diabetes.org/nutrition/healthy-
menos comuns no contexto nacional. -food-choices-made-easy/non-starchy-
-vegetables.
Agradecimentos Anderson, J. W.; Baird, P.; Davis Jr, R. H.; Ferreri,
S.; Knudtson, M.; Koraym, A.; Waters, V.; Wi-
A Licínio Manco, Departamento de lliams, C. L. 2009. Health benefits of dieta-
Ciências da Vida da Universidade de Coim- ry fiber. Nutrition Reviews, 67(4): 188−205.
bra, pela disponibilidade de espaço e ma- DOI: 10.1111/j.1753-4887.2009.00189.x.
terial de laboratório, e a Elsa Gomes, Depar- Antia, B. S.; Akpan, E. J.; Okon, P. A.; Umoren, I. U.
tamento de Ciências da Terra da Universi- 2006. Nutritive and antinutritive evalua-
dade de Coimbra, pela dedicação coloca- tion of sweet potatoes (Ipomoea batatas)
da nas técnicas de microscopia eletrónica leaves. Pakistan Journal of Nutrition, 5(2):
de varrimento empregues este estudo. 166−168. DOI: 10.3923/pjn.2006.166.168.
Aos dois revisores anónimos que me- Atkins, P. J.; Bowler, I. R. 2001. Food in society:
lhoraram o conteúdo deste manuscrito economy, culture, geography. London, Ar-
através dos seus comentários e sugestões. nol.
Ao Centro de Investigação em Antropo- Aura, J. E.; Carrión, Y.; Estrelles, E.; Péres Jordà, G.
logia e Saúde (CIAS, UID/ANT/00283/2020) 2005. Plant economy of hunter-gatherer
e à FCT (referência SFRH/BD/115691/2016 groups at the end of the last Ice Age:
[AMC]). plant macroremains from the cave of
Santa Maira (Alacant, Spain) ca. 12000–
Referências bibliográficas 9000 B.P. Vegetation History and Archaeo-
botany, 14(4): 542−550. DOI: 10.1007/
Abbo, S.; Berger, J.; Turner, N. 2003. Evolution s00334-005-0002-1.
of cultivated chickpea: four bottlene- Balfourier, F.; Bouchet, S.; Robert, S.; Oliveira, R.;
cks limit diversity and constrain adap- Rimbert, H.; Kltt, J.; Choulet, F.; Internation
Wheat Genome Sequencing Consor- tuto de Biociências da Universidade de
tium, BreedWheat Consortium, Paux, E. São Paulo.
2019. Worldwide phylogeography and Buckley, S.; Usai, D.; Jakob, T.; Radini, A.; Hardy,
history of wheat genetic diversity. Scien- K. 2014. Dental calculus reveals unique
ce, 5: 1−10. DOI: 10.1126/sciadv.aav0536. insights into food items, cooking and
Barton, H.; Torrence, R. 2015. Cooking up reci- plant processing in prehistoric central
122
pes for ancient starch: assessing current Sudan. PLoS ONE, 9(7). DOI: 10.1371/jour-
methodologies and looking to the futu- nal.pone.0100808.
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

re. Journal of Archaeological Science, 56: Cappai, M. G.; Alesso, G. A.; Nieddu, G.; Sanna,
194−201. DOI: 10.1016/j.jas.2015.02.031. M.; Pinna, W. 2013. Electron microscopy
Behre, K. 1992. The history of rye cultivation and composition of raw acorn starch
in Europe. Vegetation History and Ar- in relation to in vivo starch digestibili-
chaeobotany, 1: 141−156. DOI: 10.1007/ ty. Food & Function, 4(6): 917−922. DOI:
BF00191554. 10.1039/c3fo60075k.
Bento, A.; Gonçalves, C.; Cordeiro, T.; Almei- Cascão, R. 2011. Modos de habitar. In: Matosso
da, M.D.V. 2018. Portugal nutritional J. (ed.). História da vida privada em Portu-
transition during the last 4 decades: gal. A Idade Contemporânea. Maia, Círculo
1974−2011. Porto Biomedical Journal, 3: de Leitores e Temas e Debates: 56−91.
3. DOI: 10.1016/j.pbj.0000000000000025. Charlier, P.; Huynh-Charlier, I.; Munoz, O.; Bi-
Berglund-Brücher, B.; Brücher, H. 1976. The llard, M.; Brun, L.; Grandmaison, G. L. D.
South American wild bean (Phaseolus 2010. The microscopic (optical and SEM)
aborigenus Burk.) as an ancestor of the examination of dental calculus deposits
common bean. Economic Botany, 30(3): (DCD). Potential interest in forensic an-
257−272. thropology of a bio-archaeologic me-
Bermoussa, M.; Suhendra, B.; Aboubacar, A.; thod. Legal Medicine, 12(4): 163−171. DOI:
Hamaker, B. 2004. Distinctive sorghum 10.1016/j.legalmed.2010.03.003.
starch granule morphologies appear to Clerici, M. T. P. S.; Sampaio U. M.; Schmiele, M.
improve raw starch digestibility. Star- 2019. Identification and analysis of starch.
ch/Stärke, 58(2): 92−99. DOI: 10.1002/ In: Clerici, M. T. P. S.; Schmiele, M. (eds.).
star.200400344. Starches for food application. Chemical, te-
Bowen, W. H. 2013. The Stephan curved revis- chnological and health properties. London,
ted. Odontology, 101: 2−8. DOI: 10.1007/ Academic Press: 23−69.
s10266-012-0092-z. Coelho, M. H .C. 2018. Um doce e nutritivo fru-
Boyadjian, C. H. C. 2012. Análise e identificação to: A castanha na história da alimentação
de microvestígios vegetais de cálculo den- e da gastronomia portuguesas. In: Soa-
tário para a reconstrução de dieta samba- res, C.; Ribeiro C. S. G. (eds.). Mesas luso-
quieira: estudo de caso de Jabuticabeira II, -brasileiras: alimentação, saúde & cultura.
SC. Dissertação de Doutoramento, Insti- Coimbra, Imprensa da Universidade de
Coimbra: 103−176. DOI: 10.14195/978- El Halal, S. L. M.; Kringel, D. H.; Zavareze, E.
989-26-1720-6_6. R.; Guerra Dias, A. R. 2019. Methods for
Correia, P.; Cruz-Lopes, L.; Beirão-da-Costa, extracting cereal starches from diffe-
L. 2012. Morphology and structure of rent sources: a review. Starch/Stärke,
chestnut starch isolated by alkali and 71(11−12). DOI: 10.1002/star.201900128.
enzymatic methods. Food Hydrocolloi- FAO — Food and Agriculture Organization of
123
ds, 28(2): 313−319. DOI: 10.1016/j.foo- the United Nations, IFAD, UNICEF, WFP,
dhyd.2011.12.013. WHO. 2019. The state of food security

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
Cristiani, E.; Radini, A.; Edinborough, M.; Borić, and nutrition in the world. Safeguarding
D. 2016. Dental calculus reveals Mesoli- against economic slowdowns and down-
thic foragers in the Balkans consumed turns. Rome, FAO. Disponível em: http://
domesticated plant foods. Proceedin- www.fao.org/3/ca5162en/ca5162en.pdf.
gs of the National Academy of Scien- Ferreira, N. P. S. 2008. A alimentação portugue-
ces, 113: 10298−10303. DOI: 10.1073/ sa na idade medieval. Revista da Socie-
pnas.1603477113. dade Portuguesa de Ciências da Nutrição
Cristiani, E.; Radini, A.; Borić, D.; Robson, H. K.; e Alimentação [Online], 14(3): 104−114.
Carícola, I.; Carra, M. L.; Mutri, G.; Oxilia, G.; Disponível em: http://www.spcna.pt/pu
Zupanchich, A.; Šlaus, M.; Vujević, D. 2018. blicacoes/?imc=7n&publicacao=21&edi
Dental calculus and isotopes provide di- cao=68&fmo=pa.
rect evidence of fish and plant consump- Fiorenza, L.; Benazzi, S; Henry, A. G.; Salazar-
tion in Mesolithic Mediterranean. Nature, -García, D. C.; Picin, A.; Wroe, S.; Kulmer,
8: 8147. DOI: 10.1038/s41598-018-26045-9. O. 2015. To meat or not to meat? New
Crowther, A.; Haslam, M.; Oakden, N.; Walde, perspectives on Neanderthal ecology.
D.; Mercader, J. 2014. Documenting con- American Journal of Physical Anthropolo-
tamination in ancient starch laborato- gy, 156(Suppl.59): 43−71. DOI: 10.1002/
ries. Journal of Archaeological Science, 49: ajpa.22659.
90−104. DOI: 10.1016/j.jas.2014.04.023. Fons-Badal, C.; Fons-Font, A.; Labaig-Rueda,
Dawes, C. 2006. Why does supragingival cal- C.; Solá-Ruiz, M.F.; Selva-Otaolaurruchi,
culus form preferentially on the lingual E.; Agustín-Panadeiro, R. 2020. Analysis
surface of the 6 lower anterior teeth? of predisposing factor for rapid dental
Journal of the Canadian Dental Associa- calculus formation. Journal of Clinical Me-
tion [Online], 72(10): 923−926. Disponível dicine, 9: 858. DOI: 10.3390/jcm9030858.
em: http://www.cda-adc.ca/jcda/vol-72/ Fuller, D. Q.; Sato, Y.; Castillo, C.; Quin, L.; Weis-
issue-10/923.html. skopf, A. R.; Kingwell-Banham, E. J.; Song,
Dawes, C. 2008. Salivary flow patterns and J.; Ahn, S.; Etten, J. 2010. Consilience of
the health of hard and soft oral tissues. genetis and archaeobotany in the en-
The Journal of the American Dental As- tangled history of rice. Archaeological &
sociation, 139 (Suppl.5): 18S−24S. DOI: Anthropological Science, 2: 115−131. DOI:
10.14219/jada.archive.2008.0351. 10.1007/s12520-010-0035-y.
Gepts, P. A. 1988. Middle American and An- Hawkes, J. G. 1990. The potato: evolution, bio-
dean gene pool. In: Gepts, P. A. (ed.). Ge- diversity and genetic resources. London,
netic resources of Phaseolus beans. Dordre- Belhaven Press.
ch, Kluwer: 375−390. Henry, A. G.; Piperno, D. R. 2008. Using plant
Gonçalves, I. 2011. A alimentação. In: Mattoso, microfossils from dental calculus to re-
J. (ed.). História da vida privada em Portu- cover human diet: a case study from Tell
124
gal. A Idade Média. Portugal, Círculo de al-Raqā’i, Syria. Journal of Archaeological
Leitores e Temas e Debates: 226−259. Science, 35(7): 1943−1950. DOI: 10.1016/j.
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Guismondi, A.; D’Agostino, A.; Canuti, L.; Di jas.2007.12.005.


Marco, G.; Basoli, F.; Canini, A. 2018. Starch Henry, A. G.; Brooks, A. S.; Piperno, D. R. 2011.
granules: a data collection of 40 food spe- Microfossils in calculus demonstrate con-
cies. Plant Biosystems, 153(2): 273−279. sumption of plants and cooked foods in
DOI: 10.1080/11263504.2018.1473523. Neanderthal diets (Shanidar III, Iraq; Spy I
Han, X. Z.; Hamaker, B. R. 2002. Location of star- and II, Belgium). Proceedings of the Natio-
ch granule-associated proteins revealed nal Academy of Sciences, 108(2): 486-491.
by confocal laser scanning microscopy. DOI: 10.1073/pnas.1016868108.
Journal of Cereal Science, 35(1): 109−116. Hillson, S. 1996. Dental anthropology. Cam-
DOI: 10.1006/jcrs.2001.0420. bridge, Cambridge University Press.
Hardy, K. 2007. Food for thought: starch in Me- Hillson, S. 2005. Teeth. Cambridge, Cambridge
solithic diet. Mesolithic Miscellany, 18(2): University Press.
2−11. Hjelmqvist, H. 1989. A cereal find from Old Etru-
Hardy, K.; Blakeney, T.; Kirkham, J.; Wrangham, ria: studies in Mediterranean Archaeology
R.; Collins M. 2009. Starch granules, den- and Literature. Uppsala, Astrom Editions.
tal calculus and new perspectives on Hoover, R.; Sosulski, F. 1991. Composition,
ancient diet. Journal of Archaeological structure, functionality, and chemical
Science, 36(2): 248−255. DOI: 10.1016/j. modification of legume starches: a re-
jas.2008.09.015. view. Canadian Journal of Physiology
Hassan, H. 2018. Effect of acid and alkali forma- and Pharmacology, 69(1): 79−92. DOI:
tion on pH in the dental biofilm reference to 10.1139/y91-012.
caries. PhD Dissertation in Odontology, Humphrey, L. R.; De Groote, I.; Morales, J.; Bar-
Department of Oral Microbiology and ton, N.; Collcutt, S.; Ramsey, C. B.; Bouzou-
Immunology, Institute of Odontology at ggar, A. 2014. Earliest evidence for caries
The Sahlgrenska Academy, University of and exploitation of starchy plant foods
Gothenburg. in Pleitocene hunter-gatherers from
Hawkes, J. G. 1978. History of the potato. In: Morocco. Proceedings of the National Aca-
Harris P. M. (ed.). The Potato Crop. The demy of Sciences of the United States of
scientific basis for improvement. Dordre- America, 111(3): 954−959. DOI: 10.1073/
cht, Springer: 1−14. pnas.1318176111.
ICSN. 2011. International Code for Starch No- Lieverse, A. R. 1999. Diet and the aetiology of
menclature. [Online]. [Alexandria, VA], dental calculus. International Journal of
Foundation for Archaeobotanical Re- Osteoarchaeology, 9(4): 219−232. DOI:
search in Microfossils. [Acedido em 29- 10.1002/(SICI)1099-1212(199907/08)9:
1-2020]. Disponível em: http://fossilfarm. 4<219:AID-OA475>3.0.CO;2-V.
org/ICSN/Code.html. Lieverse, A. R.; Link, D. W.; Bazaliiskiy, V. I.; Goriu-
125
Jane, J.; Kasemsuwan, T.; Leas, S.; Ames, I. A.; nova, O. I.; Weber, A.W. 2007. Dental heal-
Zobel, H.; Darien, I. L.; Robyt, J. F.; Ames, th indicators of hunter-gatherer adapta-

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
I. A. 1994. Anthology of starch granule tion and cultural change in Siberia’s Cis-
morphology by Scanning Electron Mi- -Baikal. American Journal of Physical An-
croscopy. Starch/Stärke, 46(4): 121−129. thropology, 134: 323−339. DOI: 10.1002/
DOI: 10.1002/star.19940460402. ajpa.20672.
Jin, Y.; Yip, H. 2002. Supragingival Calculus: Loy, T. H. 1994. Methods in the analysis of star-
formation and control. Critical Reviews in ch residues on prehistoric stone tools. In:
Oral Biology & Medicine, 13(5): 426−441. Hather, J. G. (ed.). Tropical archaeobotany:
DOI: 10.1177/154411130201300506. applications and new developments. Lon-
Keyes, P. H.; Rams, T. E. 2016. Dental calcu-
don, Routledge: 86−114.
lus arrest of dental caries. Journal of
Margolis, H. C. 1990. An assessment of recent
Oral Biology, 3: 4. DOI: 10.13188/2377-
advances in the study of the chemis-
987x.1000017.
try and biochemistry of dental plaque
Kiple, K. F.; Ornelas, K. C. 2000. The Cambridge
fluid. Journal of Dental Research, 69:
world history of food. Cambridge, Cam-
1337−1342. DOI:10.1177/002203459006
bridge University Press.
90062201.
Kim, S. K.; Choi, H. J.; Kang, D. K.; Kim, H. Y.
Martin, K. E. 2016. Glycaemic response to varying
2012. Starch properties of native proso
the proportions of starchy foods and non-
millet (Panicum miliaceum L.). Agronomy
-starchy vegetables within a meal: arando-
Research, 10(1−2): 311−318. Disponível
mised controlled trial. Master dissertation
em: https://agronomy.emu.ee/vol101/
in Dietetics, University of Otago.
p10104.pdf.
Middleton, W. D., Rovner, I. 1994. Extraction
Kutík, J.; Benes, K. 1977. Permanent slides after
of opal phytoliths from herbivore dental
detection of starch grains with Lugol’s
Solution. Biologia Plantarum, 19(4): calculus. Journal of Archaeological Science,
309−312. DOI: 10.1007/BF02923135. 21: 469−473. DOI: 10.1006/jasc.1994.1046.
Laurence, A. R.; Thoms, A. V.; Bryant, V. M.; Miller, T. E. 1987. Systematics and evolution.
McDonough, C. 2011. Airborne starch In: Lupton, F .G. H. (ed.). Wheat breeding:
granules as a potential contamination its scientific basis. Dordrecht, Springer-
source at archaeological sites. Jour- -Science+Business Media, B.V.: 1−30.
nal of Ethnobiology, 31: 213−232. DOI: Moreno-Larrazabal, A.; Teira-Brión, A.; Sopela-
10.2993/0278-0771-31.2.213. na-Salcedo, I.; Arranz-Otaegui, A.; Zapata,
L. 2015. Ethnobotany of millet cultivation Património”. Sines, 7 a 9 de setembro de
in the north of the Iberian Peninsula. Ve- 2017. Sines, Arquivo Municipal de Sines:
getation History and Archaeobotany, 24: 109−127. Disponível em: http://hdl.han-
541−554. DOI: 10.1007/s00334-015-0518-y. dle.net/10316/45569.
Pagán-Jimenez, J. R. 2015. Almidones. Guía de Pérez-Jordá, G.; Peña-Chocarro, L.; García Fer-
material comparativo moderno del Ecua- nández, M.; Vera Rodríguez, J. C. 2017.
126
dor para los estudios paleoetnobotánicos The beginnings of fruit tree cultivation
en el neotrópico. Buenos Aires, Aspha. in the Iberian Peninsula: plant remains
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

Pagán-Jimenez, J. R.; Saavedra López, P. R.; from the city of Huelva (southern Spain).
Guachamín-Tello A. M. 2015. Análisis de Vegetation History and Archaeobotany,
residuos microbotánicos (almidones) en 26: 527−538. DOI: 10.1007/s00334-017-
varios objetos cerámicos relacionados 0610-6.
con la confección y el consumo de bebi- Piperno, D. R.; Holst, I. 1998. The presence of
das prehispánicas. Colección Avilés Mar- starch grains on Prehistoric Stone tools
cillo. Instituto Nacional de Patrimonio from the humid neotropics: Indications
Cultural. Quito, Ecuador. DOI: 10.13140/ of early tuber use and agriculture in pana-
RG.2.1.1073.6406. ma. Journal of Archaeological Science, 25:
Pedersen, A. M. L.; Belstrøm, D. 2019. The role 765−776. DOI: 10.1006/jasc.1997.0258.
of natural salivary defences in maintai- Pizzoferrato, L.; Rotilio, G.; Paci, M. 1999. Modi-
ning a healthy oral microbiota. Journal fication of structure and digestibility of
of Dentistry, 80: S3−S12. DOI: 10.1016/j. chestnut starch upon cooking: A solid
jdent.2018.08.010. state 13C CO MAS NMR and enzymatic
Peña-Chocarro, L.; Pérez-Jordà, G.; Alonso, degradation study. Journal of Agriculture
N.; Antolín, F.; Teira-Brión, A.; Tereso, J. & Food Chemestry, 47(10): 4060−4063.
P.; Montes Moya, E. M.; López Reyes, D. DOI: 10.1021/jf9813182.
2019. Roman and medieval crops in the Power, R. C.; Salazar-García, D.; Wittig, R. M.;
Iberian Peninsula: A first overview of see- Henry, A. G. 2014. Assessing use and
ds and fruits from archaeological sites. suitability of scanning electron micros-
Quaternary International, 499: 49−66. DOI: copy in the analysis of micro remains in
10.1016/j.quaint.2017.09.037. dental calculus. Journal of Archaeologi-
Pereira, P.; Sianto, L.; Chaves, S. A.; Teixeira-San- cal Science, 49: 160−169. DOI: 10.1016/j.
tos, I.; Gonçalves, D.; Santos, A. L.; Toso, A.; jas.2014.04.016.
Monge Calleja, A. M.; Coutinho, A.; Araújo, Power, R. C.; Salazar-García, D. C.; Wittig, R. M.;
A. C.; Godinho, R. 2017. A Necrópole do Freiberg, M.; Henry, A. G. 2015. Dental cal-
Largo da Igreja (Sarilhos Grandes): evi- culus evidence of Taï Forest Chimpanzee
dências bioarqueológicas de contato plant consumption and life history tran-
entre Portugal e o Novo Mundo. Actas do sitions. Scientific Reports, 5(15161): 1−13.
Colóquio “Sines: O porto e o mar. História e DOI: 10.1038/sreo15161.
Punia, S.; Dhull, S. B.; Sandhu, K. S.; Kaur, M. Journal of Food Science and Technology,
2019. Faba bean (Vicia faba) starch: Struc- 53(1): 438−358. DOI: 10.1007/s13197-
ture, properties, and in vitro digestibility 015-2047-1.
— a review. Legume Science, 1(1). DOI: Sirvent Aliu, C. 2019. Estudio de microrrestos de
10.1002/leg3.18. granos de almidón en cerámica culinaria
Radini, A.; Nikita, E.; Buckley, S., Copeland, L.; medieval. Trabajo de Fin de Grado, Facul-
127
Hardy, K. 2016. Beyond food: the multiple tad de Geografía e Historia, Universitat de
pathway for inclusion of materials into Barcelona.

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
ancient dental calculus. American Journal Sood, S.; Bhardwaj, V.; Pandey, S. K.; Chakrabar-
of Physical Anthropology, 162(Suppl.63): ti, S. K. 2017. History of potato breeding:
71−83. DOI: 10.1002/ajpa.23147. Improvement, diversification, and diver-
Redden, R. J.; Berger, J. D. 2007. History and ori- sity. In: Chakrabarti, S. K.; Xie, C.; Tiwari, J.
gin of chickpea. In: Yadav, S. S.; Redden, K. (eds.). The potato genome. Switzerland,
R. J.; Chen, W.; Sharma, B. (eds.) Chickpea Springer: 31−72.
breeding and management. London, CAB Soto, M.; Inwood, J.; Clarke, S.; Crowther, A.; Co-
International: 1−13. velli, D.; Favreau, J.; Itambu, M.; Larter, S.;
Rodrigues, T. F. 2008. História da população Lee, P.; Lozano, M.; Maley, J.; Mwambwiga,
portuguesa. Das longas permanências à A., Patalano, R.; Sammynaiken, R.; Vergès,
conquista da modernidade. Porto, Edições J. M.; Zhu, J.; Mercader, J. 2019. Structural
Afrontamento. characterization and decontamination of
Ron, A. M.; González, A. M.; Rodiño, A. P.; San- dental calculusfor ancient starch resear-
talla, M.; Godoy, L.; Papa, R. 2016. History ch. Archaeological and Anthropological
of the common bean crop: Its evolution Sciences, 11: 4847−4872. DOI: 10.1007/
beyond its areas of origin and domes- s12520-019-00830-7.
tication. ARBOR Ciencia, Pensamien- Stookey, G. K . 2008. The effect of saliva on
to y Cultura, 192: 1−11. DOI: 10.3989/ dental caries. Journal of American Dental
arbor.2016.779n3007. Association, 139: S11−S17. DOI: 10.14219/
Sathe, S. K.; Salunkhe, D. K. 1981. Isolation, par- jada.archive.2008.0347.
tial characterization and modification of Sujka, M.; Jamroz, J. 2003. Ultrasound-trea-
the Great Northern Bean (Phaseolus vul- ted starch: SEM and TEM imaging, and
garis L.) starch. Journal of Food Science, 46: functional behavior. Food Hydrocolloi-
617−621. DOI: 10.1111/j.1365-2621.1981. ds, 31(2): 413−419. DOI: 10.1016/j.foo-
tb04924.x. dhyd.2012.11.027.
Silva, A. P.; Oliveira, I.; Silva, M. E.; Guedes, M. Torrence, R.; Barton, H. 2006. Ancient starch re-
E.; Borges, O.; Magalhães, B.; Gonçalves, search. New York, Routledge.
B. 2015. Starch characterization in seven Tromp, M.; Dudgeon, J. V. 2015. Differentiating
raw, boiled and roasted chestnuts (Cas- dietary and non-dietary microfossils ex-
tanea sativa Mill.) cultivars from Portugal. tracted from human dental calculus: the
importance of sweet potato to ancient Wang, J.; Liu, L.; Georgescu, A.; Le, V. V.; Ota, M.
diet on Rapa Nui. Journal of Archaeolo- H.; Tang, S.; Vanderbilt, M. 2017. Identi-
gical Science, 54: 54−63. DOI: 10.1016/j. fying ancient beer brewing through star-
jas.2014.11.024. ch analysis: amethodology. Journal of Ar-
Utrilla-Coello, R. G.; Hernández-Jaimes, C.; Car- chaeological Science: Reports, 15: 150−160.
rillo-Navas, H.; González, F.; Rodríguez, E.; DOI: 10.1016/j.jasrep.2017.07.016.
128
Bello-Pérez, L. A.; Vernon-Carter, E. J.; Ál- Weiss, E.; Kislev, M. E.; Simchoni, O.; Nadel, D.
varez-Ramírez, J. 2014. Acid hydrolysis of 2004. Small-grained wild grasses as sta-
Álvaro M. Monge Calleja, Ana Luísa Santos, António Pereira Coutinho

native corn starch: Morphology, crystalli- ple food at the 23000-year-old site of
nity, rheological and thermal properties. Ohalo II, Israel. Economic Botany, 58(Sup-
Carbohydrate Polymers, 103: 596−602. pl.): S125−S134. JSTOR: https://www.jstor.
DOI: 10.1016/j.carbpol.2014.01.046. org/stable/4256914?seq=1.
Vaquinhas, I. 2005. Breve história sobre a cultu- Weyrich, L. S.; Dobney, K.; Cooper, A. 2015.
ra do arroz nos campos do Mondego. In: Ancient DNA analysis of dental calculus.
Associação dos Agricultores do Vale do Journal of Human Evolution, 79: 119−124.
Mondego (ed.). Saberes e sabores do arroz DOI: 10.1016/j.jhevol.2014.06.018.
carolino do baixo Mondego. Carapinheira, Yang, X.; Perry, L. 2013. Identification of an-
Associação dos Agricultores do Vale do cient starch grains from the tribe Triti-
Mondego: 14−22. Disponível em: http:// ceae in the North China Plain. Journal of
hdl.handle.net/10316/36532. Archaeological Science, 40: 3170−3177.
Vásquez Sánchez, V. F.; Rosales Tham, T. E. 2007. DOI: 10.1016/j.jas.2013.04.004.
Técnicas microscópicas y granos de almi- Zhang, P.; Whistler, R. L.; BeMiller, J. N.; Ha-
dón antigos. Archaeobios, 1. Disponível maker, B. R. 2005. Banana starch: produc-
em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/ tion, physicochemical properties, and
articulo?codigo=2982289 digestibility — a review. Carbohydrate
Villarroel, P.; Gómez, C.; Vera, C., Torres, J. 2018. Polymers, 59: 443−458. DOI: 10.1016/j.car-
Almidón resistente: Características tec- bpol.2004.10.014.
nológicas e intereses fisiológicos. Revista
Chilena de Nutrición, 45(3): 271−278. DOI:
10.4067/S0717-75182018000400271.
Vinhas M. E. G. V. 2012. Assistência em fim de
vida em Portugal, no Século XIX. Disserta-
ção de Mestrado em Cuidados Paliativos,
Universidade Católica do Porto. Portugal.
Wade W. G. 2013. The oral microbiome in
health and disease. Pharmacological
Research, 69: 137−143. DOI: 10.1016/j.
phrs.2012.11.006.
Anexo 1. Chave dicotómica para a determinação da coleção de amidos vegetais do Departamento
de Ciências da Vida (Nota: as formas descritas referem-se, sempre, à observação em corte ótico).

1. Grãos de amido simples sempre < 9 mm .......Oryza sativa (arroz–Poaceae)


- Grãos de amido simples pelo menos em parte > 9 mm...............2

2. Hilo claramente excêntrico, conspícuo.........................3


- Hilo, quando conspícuo, concêntrico ou só levemente excêntrico, ou inconspícuo..4 129
3. Grãos ovais, elípticos ou circulares em corte ótico, comprimento/largura sempre < 1,4........... Solanum
tuberosum (batateira–Solanaceae)

Novo método de extração de amidos do cálculo dentário e criação de uma coleção identificada para a reconstrução das dietas
do passado
- Grãos quase sempre alongados, oblongos, aclavados, fusiformes ou elípticos de excentricidade
elevada, comprimento/largura quase sempre > 1, 4.......Musa (bananeira–Musaceae)

4. Grãos frequentemente compostos............................5


- Grãos simples ou só raramente compostos......................6

5. Pelo menos alguns grãos com a menor dimensão (largura) ≥ 26 mm....Avena sativa (aveia–Poaceae)
- Grãos sempre com a menor dimensão (largura) < 26 mm........Pisum sativum (ervilha–Fabaceae)

6. Grãos quase sempre circulares.........Prunus dulcis (amendoeira–Rosaceae)


- Grãos, pelo menos em boa parte, com outras formas..................7

7. Grãos predominantemente poligonais..............Panicum miliaceum (milho-miúdo –Poaceae)


- Grãos diferentes ou, quando poligonais, também com outras formas em número
significativo.......................................8

8. Hilo predominantemente estrelado.............Zea mays (milho–Poaceae)


- Hilo predominantemente com outras formas (punctiforme, alongado, alongado-ramificado nas
extremidades) ou inconspícuo....................9

9. Grãos com comprimento ≤ 20 mm, raramente elíptico...............Castanea sativa (castanha–Fagaceae)


- Pelo menos alguns grãos com comprimento >20 mm, frequentemente elíptico..............10

10. Grãos não ou só raramente poligonais ou subpoligonais (Fabaceae)..............11


- Grãos frequentemente poligonais ou subpoligonais..............13

11. Menos de 1/4 dos grãos maiores com comprimento ≥ 30 mm........Vicia faba (fava–Fabaceae)
Pelo menos 1/4 dos grãos maiores com comprimento ≥ 30 mm...............12

12. Grãos com comprimento < 43mm..............Lens esculenta (lentilha–Fabaceae)


- Pelo menos alguns grãos com comprimento ≥ 43mm..............Cicer arietinum (grão-de-bico –Fabaceae)
ou Phaseolus vulgaris (feijão–Fabaceae)

13. Grãos medianamente variáveis em dimensões, com comprimento < 30 mm ..............Ipomoea


batatas (batata-doce–Convolvulaceae)
- Grãos muito variáveis em dimensões, pelo menos alguns com comprimento ≥ 30 mm
(Poaceae)..............14

14. Grãos com comprimento < 40mm..............Hordeum murinum (cevada–Fabaceae)


Pelo menos alguns grãos com comprimento ≥ 40mm..............Secale cereale (centeio–Poaceae) ou
Triticum aestivum (trigo–Poaceae).
(Página deixada propositadamente em branco)
Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida
em idosos do concelho de Lisboa
Overweight or obesity and lifestyle factors in a sample
of elderly from the municipality of Lisbon 131

Augusta Gama1,2,a*, Patrícia Marques2,b, Tiago Madeira2,


Vítor Rosado-Marques2,3,c

Resumo Pretendeu caracterizar-se o estado Abstract This study aimed to characterize the
nutricional de idosos por avaliação de indica- nutritional status of the elderly by assessing
dores antropométricos e conhecer o papel anthropometric indicators and to understand
de fatores socioeconómicos e de estilos de the role of socioeconomic factors and lifestyles
vida no excesso de peso, incluindo obesidade in overweight, including obesity (ExP+Ob),
(ExP+Ob), e obesidade abdominal. Desenvol- and abdominal obesity. A cross-sectional
veu-se um estudo transversal em instituições study was carried out in Lisbon (Portugal) with
de Lisboa (Portugal) e a amostra estudada foi 434 people aged 60 or over who attended
de 434 pessoas com idade igual ou superior social institutions. Most participants were
a 60 anos. A maioria dos participantes foram women (78%) and the average age was
mulheres (77,9%) e a média de idades foi de 79.91±7.61 years. The prevalence of ExP+Ob
79,91±7,61 anos. A prevalência de ExP+Ob was 81.9% according to the WHO criteria and
foi de 81,9% no critério da OMS e 69,5% se- 69.5% according to Lipschitz, with higher rates
gundo Lipschitz, e maior nas mulheres (OMS: in women (WHO: 85.0% vs. Lipschitz: 73.7%,
85,0% vs. Lipschitz: 73,7%, p=0,01) do que p=0.01) than in men (WHO: 70.8% vs. Lipschitz:

1 Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa


2 CIAS — Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Universidade de Coimbra
3
Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa
a
orcid.org/0000-0003-2143-8602, b orcid.org/0000-0001-7360-7741, c orcid.org/0000-0003-4343-6624
* Autor correspondente/Corresponding author: augusta.gama@fc.ul.pt

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 131-158 • https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_6


Artigo recebido: 15 de junho de 2020 - Aceite: 2 de setembro de 2020/Received: June 15th 2020 - Accepted: September 2nd 2020
nos homens (OMS: 70,8% vs. Lipschitz: 55,2%, 55.2%, p=0.00). The odds of ExP+Ob/WHO
p=0,00). A prevalência de ExP+Ob/OMS foi was higher in women who spent more than
maior nas mulheres que passavam mais de 2h/day watching television, that spent more
2h/dia a ver televisão, mais tempo sentadas time sitting and were taking three or more
e que tomavam mais de três medicamentos. medications. The prevalence of substantially
A prevalência de risco substancialmente au- increased risk for waist circumference (WHO)
132 mentado para perímetro abdominal (OMS) ou or waist circumference/height ratio was
razão perímetro abdominal/estatura foi maior higher in women than in men (p<0.05).
nas mulheres do que nos homens (p<0,05). Higher prevalence of ExP+Ob or substantially
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

Maiores prevalências de Exp+Ob ou risco increased risk of abdominal obesity occurred


substancialmente aumentado de obesidade when arterial hypertension, diabetes or
abdominal ocorreram quando foi reportada hypercholesterolemia was reported. In our
hipertensão arterial, diabetes ou hipercoles- sample, there was a high prevalence of total
terolemia. Nos idosos estudados, ocorreu ExP+Ob and an increased risk of abdominal
elevada prevalência de ExP+Ob total e risco obesity, which may reveal malnutrition and
aumentado de obesidade abdominal, o que the influence of physical inactivity or cause/
poderá revelar estado nutricional preocupante consequence of metabolic disease.
a influência do sedentarismo/inatividade ou
causa/consequência de doença metabólica.

Palavras-chave: Idosos; excesso de peso; es- Keywords: Elderly; overweight; nutritional


tado nutricional; instituições sociais; Lisboa. status; social institutions; Lisbon.

Introdução Para cumprir o compromisso da


universalidade da Agenda 2030 para o
A população mundial continua a Desenvolvimento Sustentável, é essencial
crescer, embora a um ritmo mais lento que as sociedades estejam preparadas
do que no passado recente. À medi- para as mudanças económicas e sociais
da que a fecundidade diminui e a es- associadas ao envelhecimento da popu-
perança de vida aumenta, observa-se lação de modo a garantir que “ninguém
um acréscimo da proporção de idosos. ficará para trás” (United Nations, 2019).
Estima-se que o número de pessoas ido- Em muitos países, como é o caso de
sas duplicará para 1,5 mil milhões em Portugal, as alterações demográficas que
2050, o que representa um aumento de levaram a modificações profundas nas
6%, em 1990, para 16%, em 2050 (United pirâmides etárias, refletindo o envelheci-
Nations, 2019). mento da população, vieram colocar aos
governos, às famílias e à sociedade em A população portuguesa, com o
geral desafios para os quais não estavam avançar da idade adulta, mostrou au-
preparados. Em 2016, Portugal apresen- mento das taxas de excesso de peso/
tava uma proporção de idosos superior obesidade em adultos, dos 18 aos 64
à da UE28, e ocupava o 4.º lugar entre os anos, nos períodos de 1995 a 1998 e de
países com maior percentagem de ido- 2003 a 2005 (Carmo et al., 2008), reve- 133
sos (INE, 2018). lando cerca de 51% de excesso de peso
Apesar dos esforços dos governos e e 19% de obesidade na última pesqui-

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


das melhorias na qualidade de vida e na sa no grupo etário dos 60 aos 64 anos.
área da saúde, envelhecer em Portugal é Noutro estudo, em indivíduos com mais
ainda uma realidade marcada, frequen- de 65 anos, a prevalência de excesso de
temente, por situações de fragilidade e peso, incluindo obesidade (ExP+Ob), foi
de incapacidade, de solidão e isolamen- mais elevada nas mulheres (74,7%) do
to, de sedentarismo, de baixa escolarida- que nos homens (70,4%) (Sardinha et al.,
de, de pobreza e de ingestão alimentar 2012). Em 2015, a percentagem de ex-
inadequada, que contribuem para mau cesso de peso e de obesidade no grupo
estado nutricional e perda de saúde. O etário dos 55 a 64 anos foi de 79,6% nas
processo de envelhecimento é acompa- mulheres e de 85% nos homens, e nos
nhado de alterações fisiológicas, neurop- indivíduos do sexo feminino e masculino
sicológicas, ambientais e socioeconómi- com idades compreendidas entre os 65
cas que podem ter um impacto negativo aos 74 anos foi de 84,2% e 79,1%, respeti-
no estado nutricional. Os idosos, pela vamente (Gaio et al., 2017).
sua natural fragilidade, tornam-se mais Em relação ao risco de desnutrição,
vulneráveis em situações de défice nutri- estima-se que a prevalência seja eleva-
cional (WHO, 2020). Dietas inadequadas da. Um estudo transversal realizado em
e sedentarismo são comportamentos de Braga, em 2013, com uma amostra de
risco que contribuem para o aumento 731 participantes, revelou que 10,5%
da morbilidade e da mortalidade (WHO, dos idosos estavam desnutridos e 41,9%
2003) e que são frequentes entre os ido- apresentavam risco de desnutrição (A.
sos. Estes têm, geralmente, uma ativi- Santos et al., 2015). Duarte e colabora-
dade física reduzida e uma diminuição dores (2009), no estudo “AMALIA”, encon-
progressiva da sua massa muscular, o traram uma prevalência de excesso de
que reduz as suas capacidades funcio- peso ou de obesidade de 51,6%, sendo
nais, tornando-os mais dependentes, em de 57,1% na classe etária dos 60 aos 69
particular nos idosos obesos, cuja massa anos e de 56% na dos 70 aos 79 anos.
muscular é substituída por um excesso Os resultados obtidos no âmbito do
de gordura (Rolland et al., 2009). projeto Nutrition UP 65, realizado em
2015−2016 e que visava determinar o Com o presente estudo pretende-
estado nutricional dos portugueses com -se contribuir para um melhor conheci-
mais de 65 anos, revelaram que cerca de mento da ocorrência de excesso de peso
44% dos idosos portugueses apresen- ou obesidade e de risco aumentado de
tavam excesso de peso e 39% tinham adiposidade abdominal e do estilo de
134 obesidade (FCNAUP, 2018) e que 7,2% vida em indivíduos com mais de 60 anos
tinham sarcopenia, 4,4% sarcopenia gra- residentes no Concelho de Lisboa, tendo
ve e 0,8% obesidade sarcopénica (Sousa- em atenção que têm um forte impacto
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

Santos et al., 2018). na sua qualidade de vida.


A prevalência da desnutrição em
Portugal não é totalmente conhecida, Metodologia
no entanto, dados sobre vários países Amostra
europeus indicam que 38% dos idosos
que vivem na União Europeia estão mal- Os dados foram recolhidos atra-
nutridos ou apresentam risco de má nu- vés de um estudo transversal analítico
trição (Kaiser et al., 2010). Segundo o pro- (Rothman et al., 2008) numa amostra de
jeto Nutrition UP 65, a prevalência de má conveniência com indivíduos com capa-
nutrição foi de cerca de 15% nos idosos cidade de comunicação e mobilidade
portugueses, apresentando as mulhe- autónomas, embora podendo ocorrer
res valores superiores aos dos homens algum défice motor com necessidade
(FCNAUP, 2018). de recurso a auxiliares de marcha. Todos
Este elevado risco de má nutrição os indivíduos se encontravam em regi-
está associado a graves problemas de me de Centro de Dia/Centro de Convívio
saúde, comprometendo a qualidade de e eram utentes de 24 instituições in-
vida dos indivíduos e implicando custos tegradas na Rede Social de Lisboa, 11
substanciais para os sistemas de saúde e das quais pertencentes à Santa Casa da
para a sociedade em geral. Juntamente Misericórdia de Lisboa.
com alterações sensoriais, morfológicas Foi conhecido o número de utentes
e fisiológicas, os idosos podem igual- que integravam cada instituição, tendo
mente estar sujeitos a alterações psicos- estes sido convidados a participar no estu-
sociais e socioeconómicas, tais como do, tendo sido avaliados os que aceitaram
o isolamento, a solidão, a depressão e o convite e estiveram presentes nos dias
a redução de rendimentos, que condi- marcados para recolha de dados. Assim,
cionam a sua alimentação e podem in- do total de utentes com capacidade de
fluenciar o seu estado nutricional (Mojon comunicação e mobilidade autónomas,
et al., 1999; Nicholson, 2008; Ministry of observaram-se 462 adultos de ambos os
Health NZ, 2013). sexos (111 homens e 351 mulheres), com
uma média de idade de 78,4±9,6 anos. No e ≥90 anos. Para a análise da morbilidade,
presente estudo, analisou-se uma amos- as doenças referidas foram organizadas
tra de 434 indivíduos (96 homens e 338 segundo a Classificação Internacional de
mulheres) com idade ≥60 anos. Doenças — CID 10 (WHO, 2019a).
Foi realizada uma avaliação antro-
Recolha dos dados pométrica do peso, estatura e perímetro 135
abdominal, com os participantes descal-
Os contactos com os responsáveis ços e sem casacos, para que o peso da

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


das instituições foram efetuados atra- roupa fosse minimizado. Dado que um
vés do Núcleo de Envelhecimento da dos pressupostos na seleção dos par-
Câmara Municipal de Lisboa (CML) e, ticipantes era a mobilidade autónoma,
após confirmação da disponibilidade incluindo o uso de andarilho, bengala ou
para participar no estudo, iniciaram-se canadiana/s, observado em 114 partici-
os contactos diretos com as institui- pantes, em alguns casos foi necessária
ções para apresentação do projeto aos ajuda para o posicionamento anatómico
responsáveis e restantes funcionários, adequado durante a execução da avalia-
e agendamento do período da recolha ção antropométrica.
Para a medição do peso, foi utilizada
dos dados, tendo este decorrido entre
uma balança eletrónica SECA 872, com
janeiro e setembro de 2018.
uma precisão de 100 g, para a medição
A informação foi recolhida através de
da estatura, foi utilizado um estadió-
entrevista pessoal, aplicando um ques-
metro SECA 213, com uma precisão de
tionário sociodemográfico estruturado a
1 mm, e, para o perímetro abdominal
que se seguiu uma avaliação antropomé-
(PA), utilizou-se uma fita métrica SECA
trica realizada por um técnico especiali-
201, com uma precisão de 1 mm. A partir
zado. O questionário era constituído por
do peso (P) e da estatura (Est) foi calcula-
questões de caracterização sociodemo-
do o índice de massa corporal (IMC) atra-
gráfica, saúde geral e estilos de vida, no-
vés da fórmula: [IMC (kg/m2)=P/(Est)2].
meadamente quanto a hábitos alimenta-
O IMC é um índice muito usado para
res, atividade física, sedentarismo, tempo
estimar o risco nutricional, o défice vs. ex-
de sono, lazer e relações sociais. cesso de peso e o risco de doença. A sua
As profissões foram agrupadas utilização na avaliação da pessoa idosa
de acordo com a última Classificação tem sido questionada dado o envelheci-
Portuguesa de Profissões (INE, 2015). As mento estar associado ao encurtamento
profissões com menos de 5% de casos da coluna vertebral, à redução da massa
foram agrupadas na categoria “outros”. A óssea, ao ganho de adiposidade, à sarco-
idade cronológica foi agrupada em qua- penia e à possível dificuldade no rigor na
tro grupos etários: 60−69; 70−79; 80−89 avaliação antropométrica (Han et al., 2011).
Foram usados para a definição de melhor indicador de adiposidade visce-
categorias os valores de referência do ral (R. Santos et al., 2013), porém também
IMC da Organização Mundial da Saúde é sugerido que subestima a quantidade
— OMS (WHO, 2019b) e os de Lipschitz de adiposidade visceral devido à redu-
(1994), como é sugerido por Dutra e os ção do tónus muscular abdominal (Han
136 seus colaboradores (2013). A metodolo- et al., 2011). Foram usados dois indicado-
gia de Lipschitz é mais sensível ao baixo res de risco, o perímetro abdominal (PA)
peso, considerando um ponto de corte e o índice perímetro abdominal/estatura
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

do IMC superior ao da OMS (22kg/m2 vs. (PA/Est).


18,5kg/m2), enquanto a da OMS é mais Para o PA, adotaram-se os valores de
sensível ao excesso de peso, pois consi- corte da OMS (WHO, 2011) e os de Heim
dera que existe excesso de peso a partir e seus colaboradores (Heim et al., 2011).
de um IMC 25kg/m2, enquanto Lipschitz Os pontos de corte mais utilizados para o
só considera a presença de excesso de PA são distintos de acordo com o sexo e
peso a partir de 27kg/m2. As classes de o grupo étnico. A OMS adota, para a po-
IMC definidas segundo a OMS foram: pulação caucasiana, 94 cm nos homens
baixo peso (IMC<18,5kg/m2), peso ade- e 80 cm nas mulheres para um risco au-
quado (IMC 18,5–24,9kg/m2), excesso mentado de complicações metabólicas
de peso (IMC ≥ 25 kg/m2) e obesidade (Risco II) e 102 cm e 88 cm para um risco
(IMC≥30 kg/m2) (WHO, 2019b). De acor- substancialmente aumentado (Risco III),
do com o critério de Lipschitz, o IMC foi nos homens e nas mulheres, respetiva-
agrupado em: baixo peso (IMC<22 kg/ mente (WHO, 2000; 2011; Alberti, et al.,
m2), peso adequado (IMC 22–27 kg/ 2006). No entanto, tal como para o IMC,
m2) e excesso de peso (IMC>27 kg/m2) foram levantadas questões sobre os
(Lipschitz, 1994). As categorias excesso pontos de corte do PA em adultos, tendo
de peso e obesidade foram analisadas sido defendido que devem ser especí-
conjuntamente (ExP+Ob). ficos para a idade. Heim e seus colabo-
O IMC não permite determinar a radores (2011) sugeriram que os limites
quantidade de massa adiposa e a sua para a obesidade abdominal associada
distribuição corporal, porém o proces- ao risco de diversas doenças devem ser
so de envelhecimento está associado a superiores em adultos mais velhos, sen-
mudanças no padrão de distribuição da do recomendado que, para idades de 70
adiposidade. A distribuição da gordura ou mais anos, os limites para um risco
corporal de tipo androide tem grande substancialmente aumentado (Risco III)
importância dado ser associada a com- devem ser de 100−106 cm nos homens
plicações metabólicas (DGS, 2005). O e de 99 cm nas mulheres (Heim et al.,
perímetro abdominal é referido como o 2011). Neste trabalho, utilizaram-se os
dois critérios: o da OMS na amostra to- Análise dos dados
tal e o de Heim e colaboradores (2011)
numa subamostra com idade igual ou Foi realizada a análise estatística
superior a 70 anos. descritiva para a apresentação das pre-
O PA é uma medida da obesidade valências médias e desvios padrão (dp).
abdominal independente da estatura Foi usado o teste Qui Quadrado (χ2) para 137
e um importante preditor do risco de comparar frequências e o Teste “t” para
doença (Ahmad et al., 2016). O PA é mais comparação de médias (todos os casos

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


importante do que o IMC para avaliar o com dimensão superior a 30). A concor-
risco de mortalidade no indivíduo ido- dância entre as frequências na classifica-
so (DGS, 2005). Apesar de o PA e o IMC ção do IMC pelas duas metodologias, da
estarem inter-relacionados, o PA fornece OMS e de Lipschitz, foi conhecida para
uma previsão independente do risco a subamostra com participantes com
de doença, superior à do IMC, pelo que idade ≥70 anos usando o coeficiente de
a utilização conjunta destes dois indi- Kappa (IC de 95%), sendo a interpretação
cadores é vantajosa. A medida do PA é da concordância: 0,01– <0,20 = quase au-
particularmente útil em pessoas com um sente; 0,21–0,40 = fraca; 0,41–0,60 = mo-
IMC normal ou com excesso de peso. No derada; 0,61–0,80 = substancial; 0,81–0,99
entanto, para indivíduos com um IMC = quase perfeita (Viera e Garrett, 2005). A
≥35 kg/m2, o PA acrescenta pouco ao associação entre o IMC e a idade foi de-
poder preditivo do risco de doença do terminada pela correlação de Pearson (r).
IMC (NIH, 1998; 2000; Alberti et al., 2006). Foi usada a regressão logística multino-
A distribuição da gordura corporal mial para conhecer a probabilidade da
na região abdominal foi também avalia- associação entre ExP+Ob e os preditores
da pelo índice PA/Est, que foi proposto socioeconómicos e dos estilos de vida
por Ashwell e os seus colaboradores que o teste Qui Quadrado tinha revelado
como melhor indicador de risco cardio- previamente com diferença significativa.
metabólico do que o IMC e o PA por de- Calcularam-se os odds ratios (OR) e os in-
pender da estatura, ser independente do tervalos de confiança (IC) de 95% ajusta-
sexo e etnia (Ashwell et al., 2012; Ashwell dos para sexo e idade. O valor de p<0,05
e Gibson, 2016). Foram definidas as ca- foi definido como referência para diferen-
tegorias de risco de doença segundo ça estatisticamente significativa.
Ashwell e Gibson (2016), sem risco PA/ A análise estatística foi realizada utili-
Est<0,5, com risco PA/Est≥0,5 e <0,6 e zando o programa Statistical Package for
risco muito elevado PA≥0,6. the Social Sciences, IBM SPSS Statistics
for Windows, versão 25.0, Armonk, NY.
Ética sobrevivência, e a maioria dos indivíduos
(88,4%) referiu não ter qualquer outro
O presente estudo foi desenvol- apoio social. Quando questionados so-
vido de acordo com a Declaração de bre o valor do rendimento mensal do
Helsínquia e o protocolo foi aprovado agregado familiar, quase 20% disseram
138 pela Comissão Nacional de Proteção desconhecer esse valor, na generalidade
de Dados e pelo Conselho de Ética do dos casos porque esses rendimentos são
Instituto de Higiene e Medicina Tropical, administrados por familiares ou porque
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

da Universidade Nova de Lisboa. desconhecem o valor da pensão do côn-


Todos os participantes no estudo juge. Enquanto profissionalmente ativos,
fizeram-no voluntariamente e deram o os trabalhadores não qualificados eram
seu consentimento por escrito, após de- os mais representados (41,1%).
vidamente informados e esclarecidos so- Quanto ao agregado familiar, o nú-
bre os objetivos e metodologias do estu- mero médio de pessoas era de 1,7±1,0
do e após o esclarecimento de quaisquer indivíduos, 56,0% tinha um indivíduo
dúvidas que persistissem. No caso dos (37,3% tinha 2 ou três pessoas), predo-
participantes que não sabiam escrever, o minando, nos de duas ou mais pessoas,
consentimento foi dado via oral com o o cônjuge (42,4%) e filhos (38,7%). Nos
testemunho de um responsável da insti- participantes que viviam sozinhos, a
tuição. Para garantir a confidencialidade frequência no contacto com família ou
e o anonimato foi atribuído um código amigos foi, para contacto diário, 65,7%
correspondente a cada participante (nú- com família e 67,2% com amigos, ha-
mero de identificação). vendo quem não tivesse tido qualquer
contacto com a família (8,5%) ou com
Resultados amigos (6,8%). A grande maioria (96,4%)
dos participantes declarou interagir com
As características sociodemográficas os outros utentes da instituição.
da amostra estão apresentadas na Tabela O valor médio encontrado para o
1. A média de idade foi de 79,91±7,61 tempo gasto diariamente sentado foi
anos (60−99 anos), 58,1% tinham 80 ou 6,9±2,2 horas (mulheres 6,9±2,3 horas e
mais anos, 77,9% eram mulheres, 58,9% homens 6,7±2,2 horas; p>0,05), tendo ha-
estavam numa situação de viuvez, 55,5% vido 28,6% que passaram mais de 8 horas
completaram o 1.º ciclo de escolaridade sentados durante o dia, sendo muito des-
e 93,5% estavam na situação de apo- te tempo ocupado a ver televisão (TV).
sentação. Na maioria dos casos, os ren- Assim, 66% disseram estar pelo menos 3
dimentos são provenientes das suas re- horas a ver TV nos dias úteis (68,7% mu-
formas e/ou de pensões de velhice e de lheres e 56,2% homens; p>0,05) e 72,5%
Tabela 1. Características sociodemográficas da amostra estudada (N=434).
n % Média (d.p.) Min-Máx
Sexo
Masculino 96 22,1
Feminino 338 77,9
139
Total 434 100,0
Idade (anos) 79,91 (7,61) 60−99

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


60−69 54 12,4
70−79 128 29,5
80−89 217 50,0
≥ 90 35 8,1
Estado Civil
Casado 84 19,5
Solteiro 49 11,4
Viúvo 254 58,9
Divorciado 43 10,0
Outro 1 0,2
Escolaridade
<1.º ciclo 118 27,4
1.º ciclo 239 55,5
2.º−3.º ciclo 42 9,7
≥secundário 32 7,4
Profissão em vida ativa
Pessoal administrativo 39 9,1
Trabalhador dos serviços
pessoais, de proteção e
segurança e vendedores 65 15,2
Trabalhadores
qualificados da indústria,
construção e artífices 73 17,1
Domésticas 24 5,6
Trabalhadores não
qualificados 176 41,1
Outros 51 11,9
nos sábados/domingos (74,1% mulhe- bengala, mas mais frequentemente nas
res e 66,7% homens, p>0,05). Todavia, a mulheres (36% vs. 23%; χ2=4,48; p<0,05).
atividade física parece ser uma prática Quando questionados se tinham alguma
comum, pois mais de metade dos parti- doença crónica diagnosticada, 92% res-
cipantes praticava regularmente alguma ponderam afirmativamente, não haven-
140 atividade física, apresentando as mu- do diferença entre homens e mulheres.
lheres prevalências significativamente As doenças mais referidas enquadram-se
mais elevadas quando comparadas com nos grupos das doenças cardiovasculares,
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

os homens (68,5% vs. 51,1%; χ2=9,718; das endócrinas e metabólicas, das ósseas
p<0,01). A atividade física era praticada, e reumáticas e no das doenças mentais
sobretudo, nas instituições, sendo a gi- (Figura 1). A multimorbilidade (≥2 doen-
nástica a mais referida (80%), mas tam- ças crónicas) foi de 66,3%, com maior
bém foram mencionadas outras moda- prevalência nas mulheres do que nos ho-
lidades, tais como tai-chi e ioga. Quanto mens (69,3% vs. 54,4%; χ2=6,27; p<0,05)
à frequência da atividade física semanal, e naqueles que tinham 4 ou menos anos
foi de 36,9% para 1 a 2 vezes por semana, de escolaridade em comparação com
havendo diferença significativa entre os os que tinham escolaridade superior a 4
géneros, com maior frequência para os anos (69,4% vs. 49,2%; χ2=9,64, p<0,05).
homens (1 a 2 vezes, 3 a 4 vezes e ≥5 ve- Na tabela 2, apresenta-se a caracteri-
zes por semana, respetivamente, homens zação antropométrica da amostra. Todas
42,6%, 31,9% e 25,5%, e mulheres 60,9%, as variáveis mostraram diferença signifi-
27,0% e 12,2%; χ2=7,43; p=0,02). cativa entre os sexos, com a média supe-
Quanto a hábitos alimentares, a rior nos homens para a estatura, o peso
maioria dos indivíduos afirmou fazer 4 ou e o PA e menor para o IMC e o PA/Est,
5 refeições por dia, incluindo lanches e comparativamente às mulheres. Para a
ceia, sendo que 90% tomavam o peque- amostra total, o valor médio do IMC foi de
no-almoço em casa e 73,7% e 78,3%, res- 29,76±5,22 kg/m2, sendo de 27,6 kg/m2
petivamente, almoçavam e lanchavam na nos homens e de 30,4 kg/m2 nas mulhe-
instituição. Quando foi comparada a toma res. O índice PA/Est foi de 0,62±0,07 nos
das refeições na instituição entre homens homens e de 0,64±0,08 nas mulheres.
e mulheres, verificou-se maior percenta- O estado nutricional da amostra, de
gem para almoço nos homens (90,4% vs. acordo com os valores do IMC, segundo
69,0%; χ2=17,32; p<0,00) e maior percen- as classificações da OMS e de Lipschitz,
tagem para o lanche nas mulheres (81,2% revelou para o critério da OMS, 81,9%
vs. 68,1%; χ2=7,43; p<0,01). ExP+Ob, 17,7% eutrofia e 0,5% baixo
Cerca de 1/3 dos participantes des- peso, enquanto no critério de Lipschitz,
locava-se com ajuda de canadiana ou 69,5% ExP+Ob, 25,8% eutrofia e 4,7%
141

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


Figura 1. Prevalência das doenças referidas, segundo a Classificação Internacional de Doenças
(CID-10).

Tabela 2. Média e desvio padrão das variáveis antropométricas, estatura, peso, índice de massa
corporal (IMC), perímetro abdominal (PA) e índice de perímetro abdominal/estatura (PA/Est),
segundo o sexo.
Masculino Feminino t p
N Média d.p. N Média d.p.
Estatura (cm) 96 162,7 7,0 334 150,0 5,9 17,79 <0,001
Peso (kg) 96 73,2 12,7 335 68,4 12,6 3,33 0,00
IMC 96 27,6 4,4 334 30,4 5,3 -4,63 <0,001
PA 93 100,8 11,9 336 96,4 11,4 3,21 0,00
PA ≥70 anos 74 101,5 11,7 303 96,4 11,4 3,45 0,00
PA/Est 93 0,6 0,1 334 0,6 0,1 -2,52 0,00

baixo peso. A concordância entre as duas p=0,00), sendo o ExP+Ob maior nas mu-
metodologias mostrou ser moderada lheres do que nos homens.
(Kappa=0,593; IC de 95%=0,506−0,678; A correlação entre o IMC e a idade
p<0,001). As prevalências são diferentes cronológica por sexo mostrou não ser
para cada critério segundo o sexo (OMS: significativa nos homens (r=0,17; p>0.05)
χ2=10,35; p=0,01 / Lipschitz: χ2=13,99; e ser negativa e significativa nas mulheres
(r= –0,14; p=0,01). Na tabela 3 constam as toma diária de maior número de medi-
prevalências de ExP+Ob para cada crité- camentos para o critério de Lipschitz. Em
rio, por sexo e grupo etário. Para cada gru- nenhum dos dois critérios foi encontrada
po etário e sexo, em ambos os critérios relação significativa com a prevalência de
houve diferença significativa nas idades ExP+Ob para as variáveis de consumo de
142 60−69 anos e 70−79 anos, com percen- fruta, almoçar na instituição, consumir ál-
tagens de ExP+Ob maiores nas mulheres. cool e escolaridade.
Na tabela 4, apresentam-se as preva- Na tabela 5, apresentam-se os resul-
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

lências de ExP+Ob, segundo as duas me- tados quanto à probabilidade de ocor-


todologias, e a sua relação com algumas rência de ExP+Ob e influência das variá-
características do estilo de vida, socioeco- veis dos estilos de vida que apresentaram
nómicas e de saúde dos participantes, no- anteriormente associação significativa,
tando-se alguns casos de associação esta- mas com categorias reagrupadas (gas-
tística significativa. Para os indicadores de ta ≤5 horas/dia sentado, sim/não; gasta
sedentarismo, a prevalência de ExP+Ob ≤2 horas/dia a ver TV, sim/não; toma 3 ou
foi maior para mais horas/dia sentado ou menos medicamentos, sim/não) e ajus-
mais horas/dia a ver TV (semana ou sába- tados para o sexo e idade. Observou-se
do/domingo) segundo a classificação de que a probabilidade de ExP+Ob segun-
Lipschitz, e para mais horas/dia na sema- do a OMS foi 1,92 vezes maior nas mu-
na a ver TV para a classificação da OMS. A lheres (p=0,02; IC=1,09−3,37) do que
prevalência de ExP+Ob foi maior no caso nos homens e maior 1,77 vezes (p=0,03;
de uma ou mais doenças crónicas e da IC=1,05−2,96) quando disseram gas-

Tabela 3. Percentagens para excesso de peso, incluindo obesidade (ExP+Ob), de acordo com
as metodologias da OMS e de Lipschitz, por sexo e idade.
Homens Mulheres
N χ2 p
(%) (%)
OMS
60-69 anos 53 60,0 87,9 5,53 0,04
70-79 anos 127 70,8 90,3 6,36 0,02
80-89 anos 215 74,4 83,1 1,73 ns
≥ 90 anos 35 77,8 73,1 0,08 ns
χ2==1,61 ns χ2==5,85 ns
Lipschitz
60-69 anos 53 30,0 78,8 12,39 0,00
70-79 anos 127 58,3 81,6 5,96 0,03
80-89 anos 215 62,8 69.8 0,77 ns
≥ 90 anos 35 66,7 61,5 0,08 ns
χ2=6,71 p= 0,08 7,06 0,07
tar >2 horas/dia do que ≤2 horas/dia a mulheres (96,4±11,4 cm). Segundo os
ver TV. No critério de Lipschitz a chance limites de Heim e colaboradores, nenhu-
de ter ExP+Ob foi 1,95 vezes maior nas ma das médias fica incluída no grupo
mulheres (p=0,01; IC=1,19-3,21) do que de risco III (Heim et al., 2011). A concor-
nos homens, maior 1,68 vezes (p=0,03; dância entre as duas metodologias re-
IC=1,05-2,71) quando referiram gastar lativamente à idade igual ou superior a 143
>5 horas/dia do que ≤5h horas/dia sen- 70 anos foi moderada (Kappa=0,419; IC
tados, maior 1.77 vezes (p=0,01; IC=1,14- 95%=0,344−0,485; p<0,00). Para a obesi-

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


2,76) quando disseram gastar >2h/dia do dade abdominal classificada por catego-
que ≤2h/dia a ver TV e maior 1,83 vezes rias de PA, observa-se, na tabela 6, para
(p=0,00; IC=1,14-2,92) quando disseram o critério da OMS, que na amostra total
tomar >3 do que ≤3 medicamentos. o risco substancialmente aumentado de
A média do perímetro abdomi- complicações metabólicas associadas
nal (PA) foi de 97,38 cm±11,66 cm, à obesidade nas mulheres foi mais evi-
sendo a média maior nos homens dente, ou seja, 77,4% das mulheres apre-
(100,8±11,9 cm) do que nas mulheres sentavam PA ≥88 cm, enquanto 43% dos
(96,4±11,4 cm). Quando se considera- homens tinham PA ≥102 cm, havendo
ram apenas os indivíduos com 70 ou diferença significativa. Para a subamostra
mais anos de idade, as médias de PA são com idade ≥70 anos (N=377), de acordo
próximas das da amostra total (tabe- com o critério da OMS, as frequências fo-
la 2) e a média de PA também é maior ram significativamente diferentes entre
nos homens (101,5±11,4 cm) do que as os sexos, com risco substancialmente

Tabela 5. Probabilidade de excesso de peso ou obesidade (ExP+Ob) de acordo com os critérios


da OMS e de Lipschitz e fatores dos estilos de vida, tempo diário geralmente gasto sentado,
tempo diário geralmente gasto a ver TV e toma de 3 ou menos medicamentos, ajustado para
o sexo e idade.
OMS Lipschitz
IC 95% IC 95%
Exp(B) P inf sup Exp(B) p inf sup
Sexo (ref. masculino) 1,92 0,02 1,09 3,37 1,95 0,01 1,19 3,21
Idade 0,99 0,55 0,96 1,02 0,99 0,40 0,96 1,02
Gasta ≤5h horas/dia
1,41 0,23 0,81 2,46 1,68 0,03 1,05 2,71
sentado (ref. sim)
Gasta ≤2h/dia semana TV
1,77 0,03 1,05 2,96 1,77 0,01 1,14 2,76
(ref. sim)
Toma ≤3 medicamentos
1,62 0,08 0,94 2,80 1,83 0,01 1,14 2,92
(ref. sim)
144
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

Tabela 4. Percentagem de excesso de peso ou obesidade de acordo com as metodologias da OMS e de Lipschitz, em função de fatores dos estilos
de vida e socioeconómicos na totalidade da amostra.

Sem Excesso de Peso Excesso de Peso χ2 p


(ExP+Ob)
N
OMS (%) Lipschitz OMS (%) Lipschitz OMS Lipschitz OMS Lipschitz
(%) (%)
Horas/dia sentado
1−5 117 22,2 39,3 77,8 60,7
5,5−8 186 16,7 28,5 83,3 71,5 2,44 7,10 0,30 <0,05
>8 121 14,9 24,0 85,1 76,0
Horas/dia de TV (semana)
0−2 146 25,3 40,4 74,7 59,6
3−4 198 14,1 25,8 85,9 74,2 7,60 10,05 <0,05 <0,05
>4 84 15,5 25,0 84,5 75,0
Horas/dia de TV (sáb. e dom.)
0−2 118 23,7 39,8 76,3 60,2
3−4 172 18,0 29,7 82,0 70,3 4,24 7,71 0,12 <0,05
>4 138 13,8 23,9 86,2 76,1
Fruta/semana
Não come 7 28,6 28,6 71,4 71,4
1 peça 68 16,2 33,8 83,8 66,2
0,83 0,40 0,84 0,94
>1−3 peças 280 18,9 30,0 81,1 70,0
>3 peças 53 17,0 30,2 83,0 69,8
Tabela 4. (cont.)

Sem Excesso de Peso Excesso de Peso χ2 p


(ExP+Ob)
N
OMS (%) Lipschitz OMS (%) Lipschitz OMS Lipschitz OMS Lipschitz
(%) (%)
Almoço na Instituição
Sim 315 18,4 30,5 81,6 69,5
0,35 0,06 0,55 0,80
Não 113 15,9 29,2 84,1 70,8
Doença Diagnosticada
Sim 388 16,5 27,8 83,5 72,2
2,18 5,57 0,14 <0,05
Não 32 26,5 47,1 73,5 52,9
Medicamentos Diários
1−3 111 24,3 41,4 75,7 58,6
4−6 151 19,9 31,1 80,1 68,9
10,32 23,33 <0,05 <0,001
7−10 75 6,7 12,0 93,3 88,0
>10 36 13,9 13,9 86,1 86,1
Consumo de Álcool
Sim 89 19,1 32,6 80,9 67,4
0,18 0,36 0,67 0,55
Não 338 17,2 29,3 82,8 70,7
Escolaridade
≤4 anos 353 17,0 28,6 83,0 71,4
0,89 1,81 0,34 0,18
>4 anos 74 21,6 36,5 78,4 63,5

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


145
aumentado para 47,3% dos homens e de ExP/Ob, e risco substancialmente au-
77,6% das mulheres. Para a mesma suba- mentado de obesidade abdominal aten-
mostra, utilizando os limites de Heim e dendo à categoria de PA foi de 66,3% no
seus colaboradores (2011), observou-se total de participantes, 40,9% nos homens
risco substancialmente aumentado em e 73,4% nas mulheres. Observou-se ain-
146 39,2% dos homens e 40,3% das mulhe- da na amostra total que 67,4% de casos
res, deixando de haver diferença estatis- apresentavam simultaneamente ExP/
ticamente significativa. Ob, e risco substancialmente aumenta-
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

A obesidade abdominal, atenden- do segundo o índice PA/Est, sendo nos


do às categorias do índice PA/Est, reve- homens 57,0% e nas mulheres 70,4%.
lou que 70,7% dos participantes tinham Na comparação das frequências en-
risco substancialmente aumentado de tre as categorias de IMC (ter ou não ex-
doença cardiometabólica. As frequên- cesso de peso ou obesidade), PA e PA/
cias nas categorias de PA/Est (Tabela 6) Est (com ou sem risco substancialmente
foram para homens e mulheres, respe- aumentado) e o que foi reportado pelos
tivamente, 33,3% vs. 22,5% para risco participantes quanto a terem ou não hi-
aumentado e 61,3% vs. 73,4% para risco pertensão arterial, diabetes e hipercoles-
substancialmente aumentado. terolemia (Figura 2), observou-se que o
De acordo com os critérios da OMS, ser afetado por cada uma destas doen-
verificou-se que a ocorrência simultânea ças mostrou prevalências maiores para

Tabela 6. Prevalências para os indicadores de adiposidade abdominal para cada sexo, perímetro
abdominal (PA) segundo as metodologias da OMS e de Heim e seus colaboradores (Heim et al.,
2011) e índice do perímetro abdominal/estatura (PA/Est).
PA — Heim
PA — OMS PA — OMS PA/Est
et al. (2011)
≥70 anos ≥70 anos
(N=429) N=427
(N=377) (N=377)
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Sem risco aumentado 29,0 8,6 5,4 4,1
Com risco aumentado 28,0 14,0 33,3 22,5
Risco substancialmente
43,0 77,4 47,3 77,6 39,2 40,3 61,3 73,4
aumentado
Sem risco
substancialmente 52,7 22,4 60,8 59,7
aumentado
χ2=43,88 χ2=26,79 χ2=5,19p=0,07
χ2=0,03 ns
p<0,001 p<0,001 χ2=5,11 p=0,02*
* PA/Est, duas categorias sem e com risco substancialmente aumentado.
ExP+Ob ou de obesidade abdominal. Discussão
Sendo que as diferenças apenas foram
significativas para a hipertensão arterial e Neste estudo, caracterizou-se o ris-
ExP+Ob (Lipschitz) (sem ExPOb 55,6% vs. co nutricional de idosos através da ava-
ExPOb 67,1%; p=0,03); diabetes e ExP+Ob liação de indicadores antropométricos,
(OMS) (sem ExPOb 17,2% vs. ExPOb 29,9%; IMC, PA e PA/Est, e analisou-se o papel de 147
p=0,03); ExP+Ob (Lipschitz) (sem ExPOb fatores socioeconómicos e de estilos de
20,4% vs. ExPOb 30,7%; p=0,04) e PA/Est vida no excesso de peso ou obesidade

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


(sem risco substancialmente aumentado e na obesidade abdominal substancial-
17,3% vs. risco substancialmente aumen- mente aumentada.
tado 32,0%; p=0,00); hipercolesterolemia A amostra estudada foi constituída
e PA (sem risco substancialmente au- por 434 indivíduos (96 homens e 338 mu-
mentado 20,5% vs. risco substancialmen- lheres), com autonomia na sua mobilida-
te aumentado 34,5%; p=0,01) e PA/Est de, com média de idade de 79,91±7,61
(sem risco substancialmente aumentado anos (60−99 anos), residentes em Lisboa,
21,8% vs. risco substancialmente aumen- onde frequentam Centros de Dia e ins-
tado 34,2%; p=0,00). tituições similares. A maioria dos partici-

Figura 2. Percentagem de excesso de peso ou obesidade (ExP+Ob), de acordo com os critérios


da OMS e Lipschitz, e de risco substancialmente aumentado de obesidade abdominal segundo
o perímetro abdominal (PA, critério OMS) e a razão perímetro abdominal/estatura (PA/Est) para
participantes que reportaram hipertensão arterial, diabetes e hipercolesterolemia.
pantes eram viúvos (58,9%), tinham bai- mais idosos (Gutiérrez-Fisac et al., 2004;
xa escolaridade (82,9% ≤ 4 anos), tinham Barão, 2012; Sardinha et al., 2012; Sass e
exercido profissões associadas a baixa Marcon, 2015).
qualificação profissional, viviam sozinhos A prevalência de ExP+Ob, de acordo
(56%) e cerca de 90% mantinham con- com a classificação da OMS, foi de cerca
148 tacto com familiares, amigos ou utentes de 82%, valor superior ao obtido através
da instituição. Além da sociabilidade, as da escala de Lipschitz (69,5%). A con-
instituições proporcionavam o apoio na cordância entre os dois critérios (OMS e
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

alimentação — 73,7% dos utentes almo- Lipschitz) foi classificada como modera-
çavam e 78,3% lanchavam na instituição da, resultado semelhante ao de Souza e
que frequentavam, havendo uma maior colaboradores (2013). A dissemelhança
adesão dos homens aos almoços e das observada entre os critérios vem ao en-
mulheres ao lanche. contro do esperado. A OMS recomenda
Apenas 8% dos participantes decla- os mesmos limites para toda a idade
raram não ter nenhuma doença cróni- adulta, enquanto Lipschitz e seus cola-
ca e cerca de 1/3 necessitava de apoio boradores sugerem limites diferentes
na mobilidade, com recurso a bengala tendo em consideração a idade. O uso
ou canadiana. Como é comum na faixa do IMC e os pontos de corte propostos
etária estudada, as doenças mais referi- por diferentes critérios para idosos têm
das pertenciam aos grupos das doenças levantado controvérsia devido ao pro-
cardiovasculares, das endócrinas e me- cesso de envelhecimento estar associa-
tabólicas, das ósseas e reumáticas e das do ao aumento de tecido adiposo intra-
doenças mentais. Os valores de multi- -abdominal e perda da massa corporal
morbilidade (≥2 doenças crónicas) en- magra (Han et al., 2011; R. Santos et al.,
contrados (amostra total, 66,3%; homens 2013; Nuttall, 2015).
54,4% e mulheres 69,3%) superiores aos A maior prevalência de ExP/Ob ob-
referidos num estudo realizado recen- tida pelo critério da OMS em relação
temente em Portugal, no âmbito do ao valor obtido pelo de Lipschitz foi
Inquérito Nacional de Saúde com Exame também encontrada por outros autores
Físico (Romana et al., 2019), cuja amostra (A. Santos et al., 2015; Lage et al., 2018;
avaliada era mais jovem (25−74 anos). Peralta et al., 2018) e está de acordo com
Na amostra estudada, a média de o esperado, dado o limite de excesso de
IMC foi maior nas mulheres do que nos peso ser maior para o critério de Lipschitz
homens (30,38 kg/m2 vs. 27,6 kg/m2, res- (27 kgm2). No critério da OMS, os nossos
petivamente, t=5,18; p<0,001). Um maior resultados foram semelhantes aos obti-
IMC nas mulheres foi, igualmente, repor- dos no estudo Nutrition Up 65 (FCNAUP,
tado por diversos autores em adultos 2018), aos do estudo INSEF 2015 (Gaio
et al., 2017) no grupo etário dos 65 a 74 começa a diminuir. Em cada uma das
anos (81,8%: 39,9% ExP + 41,9% Ob) e metodologias, a prevalência de ExP+Ob
mais elevados do que os de um estudo nos homens e nas mulheres não mos-
anterior (2003−2005) para idades dos 60 trou diferença significativa segundo o
a 64 anos (69,7%: 50,7% ExP+19,0% Ob) grupo etário. Apesar disto salienta-se
(Carmo et al., 2008). que nas mulheres a maior percentagem 149
A prevalência de ExP+Ob foi superior foi aos 70−79 anos nos dois critérios. A
nas mulheres, nas duas metodologias correlação entre o IMC e a idade cronoló-

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


(p<0,05), o que está de acordo com os gica por sexo, mostrou nos homens não
resultados encontrados noutros estudos ser significativa (r=0,17; p>0,05) e nas
(Silveira et al., 2009; Dutra et al., 2013; A. mulheres ser negativa e significativa (r=
Santos et al., 2015). As prevalências de –0,14; p=0,01). Na população portugue-
ExP+Ob, na classificação da OMS, nas sa foi observada correlação positiva entre
mulheres (85%) e nos homens (70,8%), idade e o IMC até ao 50−59 anos, após o
quando comparadas com outros estudos que a tendência foi para o decréscimo do
portugueses para idades superiores a 60 valor médio de IMC (Carmo et al., 2008).
anos, mostraram valores próximos para A ocorrência de um pico de obesidade
as mulheres relativamente às do INSEF aos 75 anos e o seu decréscimo nas ida-
2015 (84,2% nas mulheres e 79,1% nos des seguintes poderá explicar-se devido
homens) (Gaio et al., 2017) e valores supe- a uma maior sobrevivência de indivíduos
riores aos de 2003−2005 (69,9% nas mu- que têm menos massa adiposa e compli-
lheres e 69,7% nos homens) (Carmo et al., cações metabólicas (Oliveira et al., 2018).
2008). Considerando portugueses com ≥ Os valores muito elevados de ExP+Ob
65 anos, no estudo Nutrition UP 65, a pre- devem merecer a máxima atenção, pois,
valência para Exp+Ob (critério OMS) foi além de se poder estar perante uma situa-
nas mulheres 86,3% e nos homens 81,6% ção de risco de má nutrição, é conhecida
(Mendes et al., 2018). As percentagens de a relação entre a obesidade e as doenças
ExP+Ob do presente estudo mostraram cardiometabólicas (Andreyeva et al., 2007;
um valor mais aproximado aos estudos Kivimäki et al., 2017).
recentes, INSEF 2015 e Nutrition UP 65, Os fatores de risco associados ao
para as mulheres do que em relação aos excesso de peso são múltiplos, com par-
homens, o que poderá ser consequência ticular destaque para os relacionados
do tamanho da amostra masculina e das com os socioeconómicos, estilos de vida
idades dos participantes. e saúde. As variáveis dos estilos de vida
Na amostra global, o valor mais ele- com associação significativa foram o
vado de ExP+Ob foi encontrado no gru- tempo diário gasto sentado e o tempo
po etário 70−79 anos, a partir do qual gasto a ver TV, que refletem o sedenta-
rismo, e o número de medicamentos classificado como um risco substancial-
tomados diariamente, que reflete perda mente aumentado (Risco III). Para o cri-
de saúde/doença. A escolaridade não tério de Heim et al. (2011), nenhuma das
mostrou ser fator promotor de ExP+Ob, médias ficou incluída no grupo de Risco
contrariamente ao referido por outros III. Nas categorias de PA (OMS), 77,4% das
150 autores (Carmo et al., 2008; Sardinha et. mulheres apresentaram um risco subs-
al., 2012). tancialmente aumentado de obesidade
A probabilidade de ExP+Ob vs. au- abdominal (Risco III), enquanto nos ho-
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

sência de ExP+Ob, na classificação da mens este risco foi de 43,0% (p<0,05).


OMS, revelou que o ExP+Ob estava re- Na subamostra com idade ≥ 70 anos, no
lacionado com gastar mais tempo a ver critério da OMS, as frequências de risco
TV, enquanto no critério de Lipschitz o substancialmente aumentado foram
ExP+Ob estava associado a gastar mais 77,6% nas mulheres e 47,3% nos homens
tempo diário a ver TV, gastar mais tempo (p<0,05) e, utilizando os limites sugeridos
diário sentado e tomar maior número de por Heim et al. (2011), foram 40,3% nas
medicamentos, quando ajustado para mulheres e 39,2% nos homens (p>0,05).
sexo e idade. A associação entre ExP+Ob Dada a concordância moderada entre os
e estilos de vida mais sedentários ob- dois critérios, era de esperar frequências
servados foram consistentes com os de diferentes. Howel (2012), contrariamente
Silveira e seus colaboradores (Silveira et ao observado, quando utilizou os limites
al., 2009). A prevalência de sedentarismo específicos para a população mais idosa,
nos idosos (65−94 anos) foi de 48% no encontrou valores de obesidade abdo-
estudo nacional IAN-AF 2015−2016 (IAN- minal superiores nos homens. No estudo
AF, 2016). A associação positiva encon- de 2003−2005, realizado em Portugal, e
trada no nosso estudo entre o número com limites da OMS, observou-se que
de medicamentos que eram tomados 47,8% das mulheres tinham risco cardio-
diariamente está de acordo com os re- vascular aumentado e 24,6% risco subs-
sultados de Dutra e colaboradores (Dutra tancial aumentado, e 52,1% dos homens
et al., 2013). tinham risco cardiovascular aumentado
Considerado como um dos indica- e 25,3% risco substancial aumentado
dores de adiposidade abdominal, o PA, (Carmo et al., 2008). O PA é considerado
na classificação da OMS, mostrou um va- com uma medida tão boa ou melhor do
lor médio nos homens (100,8±11,9 cm) que o IMC para avaliar o excesso de adi-
que correspondeu a um risco aumen- posidade, particularmente nos adultos
tado de complicações metabólicas as- de idades avançadas, devido à diminui-
sociadas à obesidade, enquanto o valor ção da estatura resultante do envelhe-
médio nas mulheres (96,45±11,4 cm) foi cimento e alteração da distribuição da
massa gorda com aumento na região res poderá estar mais comprometida,
abdominal. Existe, também, um con- pois determinou-se que a ocorrência
senso cada vez maior de que o PA pode simultânea de ExP+Ob/OMS e risco
fornecer uma correlação mais direta da substancialmente aumentado de obe-
distribuição da gordura abdominal asso- sidade abdominal PA/OMS foi de 73,4%
ciada a problemas de saúde (NIH, 2000; nas mulheres e 40,9% nos homens e que 151
Leitzmann et al., 2011; WHO, 2011). a coexistência de ExP+Ob/OMS e risco
A obesidade abdominal avaliada substancialmente aumentado para PA/

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


pelo índice PA/Est revelou um risco subs- Est foi de 70,4% nas mulheres e de 57,0%
tancialmente aumentado de doença homens. O PA será um melhor indicador
cardiometabólica de 70,7%, sendo as de adiposidade e preditor da associação
prevalências, para risco aumentado e ris- entre obesidade e riscos de saúde, pres-
co substancialmente aumentado, respe- são arterial elevada, dislipidemia e dia-
tivamente, nas mulheres 22,5% vs. 73,4% betes tipo 2, pois a obesidade aumenta
e nos homens 33,3% vs. 61,3% (Tabela 6). com o envelhecimento, dado que o se-
A obesidade central tem mais riscos para dentarismo aumenta, o gasto energéti-
a saúde do que a obesidade total, reve- co decresce, aumenta a acumulação de
lando o PA/Est melhor poder de avaliação
gordura e a sua redistribuição e reduz a
para identificar risco inicial para a saúde
massa muscular, mas pode não ocorrer
do que o IMC e o PA (Ashwell et al., 2012)
aumento do IMC (Han et al., 2011).
e em idosos o PA/Est mostrou ser preditor
No nosso estudo, a obesidade abdo-
de indicadores bioquímicos de risco car-
minal, tal como o ExP+Ob, está positiva-
diometabólico (Ashwell e Gibson, 2016).
mente associada à morbilidade e à multi-
Foi também observado na amos-
morbilidade, o que está em consonância
tra estudada a associação significativa
com outros estudos (Ahmad et al., 2016;
entre ter hipertensão arterial e ExP+Ob
NIH, 1998; 2000).
(Lipschitz); ter diabetes e ExP+Ob (OMS),
Este trabalho apresenta algumas li-
ExP+Ob ou PA/Est (Lipschitz); e ter hi-
mitações, nomeadamente o facto de se
percolesterolemia e PA ou PA/Est. Woo
tratar de um estudo transversal, a reduzi-
e colaboradores (2002) observaram que
da dimensão da amostra, particularmen-
o IMC e o PA tinham associação inversa
com a mortalidade, em ambos os sexos, te nas idades mais avançadas, e a menor
associação positiva com a diabetes nos participação de homens, assim como a
homens, mas não nas mulheres, e o PA amostra não incluir pessoas que não se-
tinha associação positiva com hiperten- jam utentes de instituições. Porém, pode-
são nos dois sexos. -se considerar como ponto forte a realiza-
Os resultados sugerem que, no gru- ção das medições antropométricas, e não
po etário estudado, a saúde das mulhe- a utilização de medidas autoreportadas.
Outro aspeto relevante foi a comparação ria dos indivíduos vivia sozinha e apre-
de metodologias na classificação de ex- sentava uma morbilidade elevada. A pre-
cesso de peso/obesidade e risco aumen- valência de excesso de peso ou obesida-
tado ou substancialmente aumentado. de (ExP+Ob) e o risco substancialmente
Concluindo, a prevalência de aumentado de doença cardiometabólica
152 ExP+Ob na amostra de idosos estuda- eram bastante elevados, particularmente
da foi elevada para ambos os sexos e nas mulheres. Os fatores de risco associa-
enquadra-se nos valores contemporâ- dos ao excesso de peso sugerem relação
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

neos nacionais, porém os resultados nas com hábitos sedentários e morbilidade.


mulheres sugerem que estas estejam em Como conclusão final, podemos
maior risco de excesso de peso e risco sugerir que na amostra estudada existe
substancialmente aumentado de doen- uma situação preocupante de má nutri-
ça cardiometabólica. Assim, constatou- ção, revelada pela elevada prevalência
-se que a maioria dos participantes des- de excesso de peso, incluindo obesidade
te estudo, atendendo aos indicadores e risco substancialmente aumentado de
antropométricos, se enquadravam num adiposidade abdominal.
estado nutricional desadequado para a Estudos para compreender os fa-
tores para o ganho de massa adiposa e
saúde e bem-estar. A controvérsia nos
perda de massa magra em idades avan-
critérios de definição de pontos de corte
çadas nos portugueses que frequentam
para excesso de peso/obesidade e mas-
e não frequentam instituições dirigidas
sa gorda/massa magra, com o aumento
para a pessoa idosa são de extrema im-
da esperança de vida, mostra a necessi-
portância, assim como conhecer os indi-
dade de mais estudos metodológicos
cadores ambientais do quotidiano que
sobre critérios de avaliação de indicado-
influenciam o seu estado nutricional e
res antropométricos na pessoa de idade
de saúde e desenvolver estratégias para
avançada. Um estilo de vida sedentário,
a igualdade na promoção de estilos de
por adoção de comportamentos promo-
vida saudáveis.
tores de sedentarismo conduziram pro-
vavelmente ao aumento de peso e ao
Agradecimentos
aumento de massa adiposa abdominal.
Agradecemos aos técnicos do Depar-
Conclusões tamento para os Direitos Sociais da Câ-
mara Municipal de Lisboa todo o apoio
Os utilizadores dos Centros de Dia logístico e a colaboração que permitiu
e outras Instituições da Rede Social de levar a bom termo o presente estudo.
Lisboa são maioritariamente mulheres. A A todos os responsáveis e funcioná-
idade média ronda os 80 anos e a maio- rios das instituições que integram a Rede
Social de Lisboa e que se mostraram dis- tion. A consensus statement from the
poníveis para colaborarem neste estudo, International Diabetes Federation. Diabetic
o nosso muito obrigado. Medicine, 23(5): 469−480. DOI: 10.1111/
Por último, um agradecimento mui- j.1464-5491.2006.01858.x.
to especial para todas as senhoras e Andreyeva, T.; Michaud, P.-C.; van Soest, S. 2007.
senhores que voluntariamente concor- Obesity and health in Europeans aged 153
daram em participar no estudo e cujas 50 years and older. Public Health, 121(7):
conversas, mais curtas ou mais longas, 497−509. DOI: 10.1016/j.puhe.2006.11.016.

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


que partilhámos foram para nós uma li- Ashwell, M.; Gibson, S. 2016. Waist-to-height
ção de vida e permitiram-nos conhecer ratio as an indicator of ‘early health risk’:
melhor como vivem os idosos na cidade simpler and more predictive than using a
de Lisboa. ‘matrix’ based on BMI and waist circumfe-
rence. BMJ Open, 2016(6): e010159. DOI:
Conflito de interesses 10.1136/bmjopen-2015-010159.
Ashwell, M.; Gunn, P.; Gibson, S. 2012. Waist-
Os autores declaram não ter ne- to-height ratio is a better screening
nhum conflito de interesses relativamen- tool than waist circumference and BMI
te ao presente artigo. for adult cardiometabolic risk factors:
systematic review and meta-analysis.
Fontes de financiamento e apoios Obesity Reviews, 13(3): 275–286. DOI:
10.1111/j.1467-789X.2011.00952.x.
O presente estudo foi parcialmen- Barão, K. 2012. Body mass index: Different
te financiado pela Câmara Municipal nutritional status according to WHO,
de Lisboa (CML) e pelo Centro de OPAS and Lipschitz classifications in gas-
Investigação em Antropologia e Saúde trointestinal cancer patients. Arquivos de
da Universidade de Coimbra (CIAS). Gastroenterologia, 49(2): 169−171. DOI:
10.1590/S0004-28032012000200013.
Referências bibliográficas Carmo, I.; Santos, O.; Camolas, J.; Vieira, J.;
Carreira, M.; Medina, L.; Reis, L.; Myatt, J.;
Ahmad, N.; Nawi, A.; Hassan, M.; Ghazi, H. 2016. Galvão-Teles, A. 2008. Overweight and
Abdominal obesity indicators: waist obesity in Portugal: national prevalence in
circumference or waist-to-hip ratio in 2003−2005. Obesity Reviews, 9(1): 11–19.
Malaysian adults population. International. DOI: 10.1111/j.1467-789X.2007.00422.x.
Journal of Preventive Medicine, 7(1): 82. DGS — Direção-Geral da Saúde 2005.
DOI: 10.4103/2008-7802.183654. Programa nacional de combate à obe-
Alberti, K.; Zimmet, P.; Shaw, J. 2006. Metabolic sidade. Circular Normativa N.º: 03/DGCG
syndrome—a new worldwide defini- 17/03/05. Disponível em: https://www.
dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-cir- Prevalence of overweight and obesi-
culares-normativas/circular-normativa-n- ty in elderly people in Spain. Obesity
-03dgcg-de-17032005-pdf.aspx. Research, 12(4): 710–715. DOI: 10.1038/
Duarte, J.; Perdigão, C.; Rocha, E.; Santos, A. oby.2004.83.
2009. A diabesidade em Portugal. Uma Han, T.; Tajar, A.; Lean M. 2011. Obesity and

154
análise do estudo AMALIA. Factores de weight management in the elderly.
Risco, 13: 24−32. Disponível em https:// British Medical Bulletin, 97(1): 169–196.
docplayer.com.br/55857844-Introducao- DOI: 10.1093/bmb/ldr002.
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

-objectivos-metodologia.html. Heim, N.; Snijder, M.; Heymans, M.; Deeg, D.;


Dutra, M.; Uliano, E.; Machado, D.; Martins, T.; Seidell, J.; Visser, M. 2011. Optimal cuto-
Vinholes, D.; Schuelter-Trevisol, F.; Trevisol, ff values for high-risk waist circumfe-
D. 2013. Obesity prevalence among el- rence in older adults based on related
derly people using different measure- health outcomes. American Journal of
ment methods: a population-based stu- Epidemiology, 174(4): 479−489. DOI:
dy. International Journal of Diseases and 10.1093/aje/kwr093.
Disorders, 1(2): 023−032. Howel, D. 2012. Waist circumference and ab-
FCNAUP — Faculdade de Ciências da dominal obesity among older adults:
Nutrição e Alimentação Universidade patterns, prevalence and trends. PLoS
do Porto. 2018. Nutrition UP 65 | nutritio- One, 7(10): e48528. DOI: 10.1371/journal.
nal strategies facing an older demogra- pone.0048528.
phy. Nutritional status assessment des- IAN-AF — Inquérito Alimentar Nacional e de
criptive results. [Online]. [Consultado em Atividade Física. 2016. Brochura de resul-
15‑1‑2020]. Disponível em: https://nu- tados IAN-AF 2015−2016 [Consultado em
tritionup65.up.pt/wp-content/uploads/ 12‑1‑2019]. Disponível em: https://ian-af.
sites/165/2018/10/Relatorio-EN.pdf. up.pt/publicacoes.
Gaio, V.; Antunes, L.; Namorado, S.; Barreto, M.; INE — Instituto Nacional de Estatística. 2015.
Gil, A.; Kyslaya, I.; Rodrigues, A.; Santos. A.; Classificação portuguesa das profissões:
Bøhler, L.; Castilho, E.; Vargas, P.; Carmo, I.; 2010. Instituto Nacional de Estatística.
Nunes, B.; Dias, C.; INSEF Research group. Lisboa.
2017. Prevalence of overweight and INE. 2018. Estatísticas demográficas 2018. Instituto
obesity in Portugal: results from the First Nacional de Estatística. Lisboa, Portugal.
Portuguese Health Examination Survey Kaiser, M.; Bauer, J.; Rämsch, C.; Uter, W.; Guigoz,
(INSEF 2015). Obesity Research & Clinical Y.; Cederholm, T.; Thomas, D.; Anthony, P.;
Practice, 12(1): 40−50. DOI: 10.1016/j. Charlton, K.; Maggio, M.; Tsai, A.; Vellas, B.;
orcp.2017.08.002. Sieber, C. 2010. Frequency of malnutrition
Gutiérrez-Fisac, J.; López, E.; Banegas, J.; in older adults: a multinational perspecti-
Graciani, A.; Rodriguez-Artalejo, F. 2004. ve using the mini nutritional assessment.
Journal of the American Geriatrics Society, people: a background paper. [Consultado
58(9): 1734–1738. DOI: 10.1111/j.1532- em 23‑3‑2014]. Disponível em: https://
-5415.2010.03016.x. www.health.govt.nz/publication/food-
Kivimäki, M.; Kuosma, E.; Ferrie, J.; Luukkonen, -and-nutrition-guidelines-healthy-older-
R.; Nyberg, S.; Alfredsson, L.; Batty, G.; -people-background-paper.
Brunner, E.; Fransson, E.; Goldberg, M. et Mojon, P.; Budtz-Jorgensen, E.; Rapin, C. 1999. 155
al. 2017. Overweight, obesity, and risk of Relationship between oral health and
cardiometabolic multimorbidity: poo- nutrition in very old people. Age and

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


led analysis of individual-level data for Ageing, 28(5): 463–468. DOI: 10.1093/
120 813 adults from 16 cohort studies ageing/28.5.463.
from the USA and Europe. Lancet Public Nicholson Jr. 2008. Social isolation in ol-
Health [Online], 2(6): e277–e285. DOI: der adults: an evolutionary concept
10.1016/S2468-2667(17)30074-9. analysis. Journal of Advanced Nursing,
Lage, J.; Simões, C.; Combadão, J.; Silva, A.; 65(6): 1342–1352. DOI: 10.1111/j.1365-
Valente, A. 2018. Avaliação do risco nutri- -2648.2008.04959.x.
cional em idosos utentes de um Centro NIH — National Institutes of Health. 1998.
de Saúde de Lisboa. Acta Portuguesa Clinical guidelines on the identification,
de Nutrição, 14: 6–9. DOI: 10.21011/ evaluation, and treatment of overweight
apn.2017.1402. and obesity in adults. The evidence report.
Leitzmann, M.; Moore, S.; Koster, A.; Harris, NHLBI Obesity Education Initiative. NIH
T.; Park, Y.; Hollenbeck, A.; Schatzkin, A. Publication No. 98-4083. [Consultado em
2011. Waist circumference as compa- 9‑3‑2019]. Disponível em: https://www.
red with body-mass index in predicting nhlbi.nih.gov/health-pro/guidelines/
mortality from specific causes. PLoS One, current/obesity-guidelines/e_textbook/
26; 6(4): e18582. DOI: 10.1371/journal. index.htm.
pone.0018582. NIH. 2000. The Practical Guide — identi-
Lipschitz, D. 1994. Screening for nutritional fication, evaluation, and treatment
status in the elderly. Primary Care, 21(1): of overweight and obesity in adults.
55–67. NHLBI Obesity Education Initiative. NIH
Mendes, J.; Santos, A.; Borges, N.; Afonso, C.; Publication No. 00-4084. [Consultado em
Moreira, P.; Padrão, P. 2018. Vitamin D sta- 9‑3‑2019]. Disponível em: https://www.
tus and functional parameters: a cross- nhlbi.nih.gov/files/docs/guidelines/
-sectional study in an older population. prctgd_c.pdf.
PLoS One, 13(8): e0201840. DOI: 10.1371/ Nuttall, F. Q. 2015. Body mass index: obesity,
journal.pone.0201840. BMI, and health. A critical review. Nutrition
Ministry of Health, New Zealand. 2013. Food Today, 50(3): 117–128. DOI: 10.1097/
and nutrition guidelines for healthy older NT.0000000000000092.
Oliveira, A.; Araújo, J.; Severo, M.; Correia, D.; Santos, R.; Bicalho, M.; Mota, P.; Oliveira, D.;
Ramos, E.; Torres, D.; Lopes, C.; IAN-AF Moraes, E. 2013. Obesity in the elderly.
Consortium. 2018. Prevalence of gene- Revista Médica de Minas Gerais, 23(1): 62–
ral and abdominal obesity in Portugal: 71. DOI: 10.5935/2238-3182.20130011.
comprehensive results from the National Souza R.; Fraga J.; Gottschall C.; Busnello F.;

156
Food, Nutrition and Physical Activity Rabito E. 2013. Anthropometry assess-
survey 2015–2016. BMC Public Health, ment in the elderly: estimates of weight
18(614). DOI: 10.1186/s12889-018-5480-z. and height and agreement between
Augusta Gama, Patrícia Marques, Tiago Madeira, Vítor Rosado-Marques

Peralta, M.; Ramos, M.; Lipert, A.; Martins, J.; BMI ratings. Revista Brasileira Geriatria e
Marques, A. 2018. Prevalence and tren- Gerontologia, 16(1):81-90. DOI: 10.1590/
ds of overweight and obesity in older S1809-98232013000100009.
adults from 10 European countries from Sardinha, L.; Santos, D.; Silva, A.; Coelho-
2005 to 2013. Scandinavian Journal e-Silva, M.; Raimundo, A.; Moreira, H.;
of Public Health, 46(5): 522–529. DOI: Santos, R.; Vale, S.; Baptista, F.; Mota, J.
10.1177/1403494818764810. 2012. Prevalence of overweight, obesity,
Rolland, Y.; Lauwers-Cances, V.; Cristini, C.; and abdominal obesity in a representa-
Abellan, van K.; Janssen, I.; Morley, J.; tive sample of Portuguese adults. PLoS
Vellas, B. 2009. Difficulties with physical One, 7(10): e47883. DOI: 10.1371/journal.
function associated with obesity, sarco- pone.0047883.
penia, and sarcopenic-obesity in commu- Sass, A.; Marcon, S. 2015. Comparação de me-
nity-dwelling elderly women: the EPIDOS didas antropométricas de idosos residen-
(EPIDemiologie de l’OSteoporose) Study. tes em área urbana no sul do Brasil, se-
American Journal of Clinical Nutrition, 89(6): gundo sexo e faixa etária. Revista Brasileira
1895–1900. DOI: 10.3945/ajcn.2008.26950. de Geriatria e Gerontologia, 18(2): 361–372.
Romana G.; Kislaya, I.; Salvador, M.; Cunha DOI: 10.1590/1809-9823.2015.13048.
Gonçalves, S.; Nunes, B.; Dias, C. 2019. Silveira, E.; Kac, G.; Barbosa, L. 2009. Prevalência
Multimorbilidade em Portugal. Acta e fatores associados à obesidade em ido-
Médica Portuguesa, 32(1): 30–37. DOI: sos residentes em Pelotas, Rio Grande
10.20344/amp.11227. do Sul, Brasil: classificação da obesidade
Rothman, K.; Greenland, S.; Lash, T. 2008. segundo dois pontos de corte do índice
Modern epidemiology. 3rd ed. Philadelphia, de massa corporal. Cadernos de Saúde
Lippincott Williams & Wilkins. Pública, 25(7): 1569–1577. DOI: 10.1590/
Santos, A.; Amaral, T.; Borges, N. 2015. S0102-311X2009000700015.
Undernutrition and associated factors Sousa-Santos, A.; Afonso, C.; Borges, N.;
in a Portuguese older adult community. Santos, A.; Padrão, P.; Moreira, P.; Amaral,
Journal of Nutrition, 28(3): 231–240. DOI: T. 2018. Sarcopenia and undernutrition
10.1590/1415-52732015000300001. among Portuguese older adults: results
from Nutrition UP 65 Study. Food and eng.pdf?sequence=1.
Nutrition Bulletin, 39(3): 487–492. DOI: WHO. 2019a. International statistical classifica-
10.1177/0379572118765801. tion of diseases and related health proble-
United Nations — Department of Economic ms. 10th Revision (ICD-10) WHO Version
and Social Affairs, Population Division. for 2019. [Consultado em 13‑12‑2019].
2019. World population ageing 2019: Disponível em: https://icd.who.int/brow- 157
Highlights (ST/ESA/SER.A/430). se10/2019/en.
[Consultado em 6‑4‑2020]. Disponível em: WHO. 2019b. Body mass index — BMI.

Excesso de peso ou obesidade e fatores do estilo de vida em idosos do concelho de Lisboa


https://www.un.org/en/development/ [Consultado em 13‑12‑2019]. Disponível
desa/population/publications/pdf/ em: http://www.euro.who.int/en/health-
ageing/WorldPopulationAgeing2019- -topics/disease-prevention/nutrition/a-
Highlights.pdf. -healthy-lifestyle/body-mass-index-bmi.
Viera, A.; Garrett, J. 2005. Understanding in- WHO. 2020. Nutrition for older people. Ageing
terobserver agreement: the kappa sta- and nutrition: a growing global challenge.
tistic. Family Medicine, 37(5): 360−363. [Consultado em 23‑3‑2020]. Disponível
Disponível em: https://www.stfm.org/ em: https://www.who.int/nutrition/to-
familymedicine/vol37issue5/Viera360. pics/ageing/en.
WHO — World Health Organization. 2000. Woo, J.; Ho, S.; Yu, A.; Sham, A. 2002. Is waist
Obesity: preventing and managing the circumference a useful measure in pre-
global epidemic. Report of a WHO consul- dicting health outcomes in the elderly?
tation (WHO Technical Report Series 894). International Journal of Obesity, 26: 1349–
[Consultado em 8‑4‑2019]. Disponível 1355. DOI: 10.1038/sj.ijo.0802080.
em: https://www.who.int/nutrition/pu-
blications/obesity/WHO_TRS_894/en.
WHO. 2003. Diet, nutrition and the prevention
of chronic diseases. Report of a Joint WHO/
FAO Expert Consultation. WHO Technical
report series, 916, 23–25. [Consultado em
23‑3‑2020]. Disponível em: https://www.
who.int/dietphysicalactivity/publica-
tions/trs916/en/.
WHO. 2011. Waist circumference and waist–
hip ratio. Report of a WHO expert consul-
tation, Geneva, 8–11 December 2008.
[Consultado em 9‑3‑2019]. Disponível
em: https://apps.who.int/iris/bitstream/
handle/10665/44583/9789241501491_
(Página deixada propositadamente em branco)
Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations,
socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
Relações entre ancestralidade genômica, manifestações clínicas, 159
status socioeconômico e cor da pele de pessoas com doença
falciforme no Estado do Pará, Amazônia, Brasil

Ariana Kelly Leandra Silva da Silva1,2,a*, Lorena Madrigal3,b,


Hilton Pereira da Silva1,4,5,c

Abstract In Brazil about 3500 children are Resumo No Brasil, nascem cerca de 3500
born annually with Sickle Cell Disease (SCD). crianças anualmente com Doença Falciforme
In the State of Pará, Amazonia, the prevalence (DF). No Estado do Pará, Amazônia, a
is 1%. This article analyzes the Genomic prevalência é de 1%. Neste artigo, analisa-se a
Ancestry (GA) of patients attending the relação entre ancestralidade genômica (AG) de
Regional Blood Center in the capital, Belém, pacientes atendidos no Hemocentro Regional
in relation to sex, age, clinical manifestations, da capital, Belém, com sexo, idade, número
income, racism, and skin color. Samples were de sintomas, renda, racismo e cor da pele. As
collected from 60 patients (11− 46 years, amostras foram coletadas de 60 pacientes
34 of them female), and each individual (11-46 anos, 34 mulheres) e cada uma foi
was analyzed for 61 Ancestry Informative analisada para 61 Marcadores Informativos
Markers (AIM). Semi-structured interviews de Ancestralidade (AIM). Foram realizadas
were conducted to assess socioeconomic entrevistas semiestruturadas para avaliar status
status (SES), self-declared color, perception socioeconômico (SES), cor autodeclarada,
of racism, and symptoms of SCD. From percepção de racismo e manifestações clínicas.

1
LEBIOS/UFPA — Laboratory of Bioanthropological Studies in Health and Environment, Department of An-
thropology, Federal University of Pará
2
GEB/UEPA — Study Group in Bioanthropology of the State University of Pará
3
Department of Anthropology, University of South Florida
4
IFCH — Institute of Philosophy and Human Sciences, Federal University of Pará
5
CIAS — Research Centre for Anthropology and Health, Universidade de Coimbra
a
orcid.org/0000-0002-6343-8259, b orcid.org/0000-0003-0788-3558, c orcid.org/0000-0002-3287-3522
* Autor correspondente/Corresponding author: arianabelem@gmail.com

Antrop. Port. 2020, vol. 37: 159-176 • https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_7


Artigo recebido: 12 de junho de 2020 – Aceite: 10 de setembro de 2020/Received: June 12th 2020 – Accepted: September 10th 2020
the 55 participants with conclusive DNA Dos 55 participantes com amostras conclusivas
samples, 58.2% presented European, 21.8% de ADN, 58,2% tinham ADN maioritariamente
Amerindian and 20% African DNA. From all europeu, 21,8% ameríndio e 20% africano.
the 60 participants, 86.6% self-classified as Do total dos 60 participantes, 86,6% se
black or brown, 61.92% were living in poverty autoclassificaram como negros ou pardos,
and 72% suffered some form of racism due 61.92% viviam na pobreza e 72% já sofreram
160 to SCD and/or their skin color. There was com racismo devido a DF e/ou sua cor de pele.
an inverse correlation between wage and Há correlação inversa entre salário e número
number of symptoms in all groups. European de sintomas em todos os grupos. Ascendência
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

ancestry and being female was correlated europeia e sexo feminino se correlacionaram
with a greater number of symptoms. In Pará, com maior número de sintomas. No Pará, a
SCD involves vulnerabilities such as poverty, DF envolve vulnerabilidades como pobreza,
severe clinical manifestations without manifestações clínicas sem tratamento e
treatment, and effects of racism. These results racismo. Os resultados da pesquisa podem ser
can be useful to develop public policies and úteis para gerar políticas públicas e melhorar
to improve quality of life of people with a qualidade de vida de pessoas com DF no
SCD in Brazil and in other countries with Brasil e em outros países com populações
heterogeneous populations. heterogêneas.

Keywords: Health of the black population; Palavras-chave: Saúde da população


clinical symptoms; SES; Amazon; sickle cell negra; sintomas clínicos; SES; Amazônia;
disease. doença falciforme.

Introduction et al., 2012), SCD is a Mendelian genetic


condition resulting from homozygosity
There is a lack of bioanthropological for the missense mutation [Glu6Val, rs
studies about Sickle Cell Disease (SCD), 334] in the β-globin gene (HBB), whose
which is a syndrome incorporating the phenotypic variation is more limited (Piel
complex relations among the genetic et al., 2017). In Brazil, SCD is a condition
background of the patients, their skin clouded by racism as many assume the
color, and their socio-economic situ- disease is connected to African origins in
ation in a Western society that values a derogatory sense, associated with over
whiteness, social and economic status. 300 years of slavery. Therefore, present-
Different from hypertension, which is a day SCD patients suffer a double stigma
polygenic complex disease (Gravlee and linked to the disease symptomatology
Dressler, 2005; Gravlee et al., 2005; Non and to racism itself (Silva, 2016).
Biomedical anthropologists are inter- patients in the state of Pará, Brazil, in the
ested in the study of the origins of health Amazon Basin. The objective here is to
disparities considering a myriad of bio- contribute to the anthropological and
cultural variables (Leatherman and Jerni- the biomedical literature on “race”, color,
gan, 2015). Key among these variables ethnicity, and the lack of objectivity of
are social class and socially construed cross-cultural human classification sys- 161
race, which affect access to health care, tems in the health field (Durso et al., 2014;
adequate food sources and education Spector et al., 2016; Yudell et al., 2016).

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
(Tattersalland DeSalle, 2011; Bengtsson The second purpose is to analyze if
et al., 2020). Additionally, a holistic an- GA, sex, age, socio-economic variables,
thropological view of health and disease skin color, and perception of racism af-
demands that researchers question the ill- fect symptoms of SCD patients. Investi-
ness within its own cultural setting, as not gating the GA in these patients is impor-
all cultures have the same family and so- tant because the Portuguese brought
cial structures for support of the patients enslaved people from several parts of
(Wiley and Allen, 2017), nor the same view Africa and it is possible that their descen-
of the human variation in general, and dants display different symptoms related
how this impacts specific diseases. to their ancestor’s origins.
For example, biomedical anthropol- Recently, Alves and colleagues
ogists have investigated how the expres- (2020) demonstrated that SCD patients
sion of hypertension and other chronic in Brazil have different levels of fetal he-
diseases is mediated by social class, ge- moglobin (HbF) related to the diverse
nomic ancestry (GA), and the perceptions regions where their enslaved ances-
of racism. Gravlee and Dressler (2005) tors were brought from. Also, SCD has
note that the expression of hypertension evolved in many populations exposed
in Puerto Rico is mediated not only by to malaria, it is not found only in groups
individuals’ skin color but by their socio- of African descent, but also in East India,
economic standing as well. In the same South China, Mediterranean and Arabian
manner, Non and colleagues (2012) have populations, which are historically pres-
shown that differences in blood pressure ent in the Brasil (Alves et at., 2020; Piel
between Euro and Afro-Americans are et al., 2017; Silva, 2015). Additionally, the
better explained by education than by participants live in one of the poorest
GA alone. However, similar studies about regions of the country, which reflects in
SCD are rare (Silva, 2018). their living conditions, access to health
The first purpose of this study is to care, adequate food sources, education,
investigate the congruence between and safe working conditions, all of which
GA and self-declared skin color of SCD are known to affect the disease (Brasil,
2001; 2002). Nevertheless, how the mul- electrophoresis using the ABI Prism 3130
tiple social and biological variables inter- sequencer and the software GeneMap-
act is still unknown. per IDv.3.2. The individual ancestry ratios
of African Amerindian and European
Materials and methods groups were estimated using STRUCTURE
162
Population sample software v.2.3.3, assuming three parental
populations (African, Amerindian and Eu-
Small samples of blood from 60 regis- ropean) (Santos et al., 2010).
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

tered patients with SCD were obtained at


the main public blood center of the state Interviews/Questionnaires
of Pará (Fundação Hemopa) located in the
capital, Belém, between 2016 and 2017, The research used ethnographic
representing approximately 8.5% of peo- methodology, with interviews and con-
ple with this syndrome in the state. The versations during the collection of in-
sample consisted of people between 11 formation. SES was determined based
and 46 years of age, including 34 females on income, level of education, occupa-
and 26 males. DNA was extracted for anal- tion/employment, place of residence
yses of GA through Ancestry Information (urban or rural), and health services ac-
Markers (AIM) of autosomal DNA (Santos cess. Self-declared color was asked fol-
et al., 2010; 2016). Patients were also inter- lowing the Brazilian Census standard,
viewed in relation to their socioeconomic classifying individuals as “white”, “black”,
status (SES), color self-assessment, and “brown”, “yellow” and “indigenous” (Bra-
clinical symptoms (Silva, 2018). sil, 2010), in addition to inquiring about
situations of racism or institutional rac-
Genetic Studies ism suffered in everyday life (in health
services, at school, in the church, family
The genetic studies were based on and other places). Data on the number
Cardoso and Guerreiro (2010), and Car- and severity of clinical symptoms were
doso and colleagues (2014). DNA analyses based on recall of the clinical manifesta-
were performed at the Human Genetics tions of the past twelve months follow-
and Medical Laboratory (LGHM) of the Bi- ing the Manual of Acute Symptoms for
ological Sciences Institute (ICB) of the Fed- SCD (Brasil, 2009), with questions about
eral University of Pará (UFPA). GA analyses pain, fever, infections, vase occlusive cri-
were performed as described by Santos ses, chest syndrome, abdominal pain,
and colleagues (2010) using 61 AIM. Three vascular cerebral accident, and other re-
multiplex PCR reactions with 16 mark- ported symptoms. The narrative deduc-
ers each were performed and the PCR tion technique was used with the inten-
amplification products were analyzed by tion of obtaining data about the topics
covered in the questionnaire. The deduc- acute SCD events depends on each in-
tion of narratives is based on the high- dividual’s assessment and does not use
est number of repetitions of the group’s numbers. However, the most reported
answers to a specific question, which are symptoms in the Manual among people
organized together as a standard answer of any age, of both sexes, throughout life
in qualitative health research (Minayo, are: pain crises, infections, acute splenic 163
2010; Ramos et al., 2016; Silva, 2018). sequestration crisis, stroke, aplastic cri-
sis, in addition to jaundice, fever, ulcers

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
Color Classification and others, which vary in percentage
and frequency depending on the phylo-
In this research, the classification of geographic condition of each person or
“color” derives from the Brazilian Demo- group studied (Brasil, 2009). The clinical
graphic Census — carried out by IBGE —, severity of SCD as reported by the pa-
which divides the population into black, tients was investigated to verify potential
brown, indigenous, white and yellow associations of disease symptoms with
groups. In the national censuses, the cate- GA and socio-economic variables.
gories brown and black are usually joined
together as black (Brasil, 2010). These are Statistical Methods
commonly used categories through the
country, including in Pará. Participants The software STRAT version 1.01
were asked to self-classify into one of the was used in the analysis of association
groups so that they, not the researchers, between cases and controls assuming
chose their own color categorization. It is 10000 simulations. STRAT uses the STRUC-
important to note that in our sample, in- TURE software output to test for associa-
dividuals self-classified as “yellow” are not tion in the presence of stratification in the
related to the Asian and/or indigenous population based on the information of
group of IBGE, as we will show in the re- the ancestry of each individual. The DNA
sults (Silva, 2018; Silva et al, 2018). classification of the group of people with
SCD in “Africans”, “Amerindians” and “Eu-
Symptoms of SCD ropeans” was defined according to the
highest percentage of genomic conti-
The symptoms analyzed followed nental ancestry for each individual. The
the Brazilian standard of the Manual sum of each ancestral group in question
of Basic Conducts for the Treatment of equals the final value of the percentages
Sickle Cell Disease (Brasil, 2013a) and (Santos et al., 2010).
the Manual of Acute Events in Sickle For the statistical analysis about
Cell Disease of the Brazilian Health Min- clinical symptoms, sex, age, race-color, in-
istry (Brasil, 2009). The Brazilian scale of come, racism and SES versus DNA the SAS
Software 9.4 (Statistical Analysis System) The GA data were compared with
was used. The normality of quantitative the information on self-declared color. The
variables was tested with the Durbin- identification of congruence between self-
Watson statistics before carrying out para- declared color and DNA of the patients
metric tests. All variables were found to be as African, Amerindian and European was
164 normal and no assumptions were violated made according to the highest percent-
(SAS Institute Inc., 1992; Madrigal, 2012). age present in the GA test of each indi-
vidual. The results showed that 58.2% of
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

Ethics in Research Committee and the 55 participants with conclusive DNA


Informed Consent Forms samples had mostly European ancestry,
21.8% showed mostly Amerindian ances-
The original project followed all na- try, and 20% mostly African ancestry (Table
tional research protocols according with 1). Regarding self-declared color of the to-
SISNEP — the National System of Ethics in tal sample (60), the participants classified
Research (CAAE: 56133516.3.0000.0018) themselves as black/brown (86.66%), white
and Resolutions 196 and 466 of the Na- (6.67%) and yellow (6.67%) (Table 2).
tional Health Council. After approval by People in the group with mostly Eu-
the Ethics in Research Committee and ropean DNA (32 individuals) described
before taking the blood sample, each themselves as brown (65.63%), black
participant signed an Informed Consent (12.5%), white (12.5%), and yellow (9.37%).
Form, authorizing the use of their clinical The results of this group indicated only
data, interviews, ancestry results, and the 12.5% congruence between GA and self-
use of images, when applicable. In all, declared color (4 individuals). The group
120 interviews were conducted in two with mostly Amerindian DNA (12 indi-
stages: in the first part, questions about viduals) identified themselves as brown
the SES data and clinical symptoms were (75%) and black (25%), but none of them
asked, and, in the second part, the ances- self-declared as indigenous. Only for the
try report was delivered and discussed group with mainly African DNA (11 indi-
with each person (Silva, 2018). viduals) was there higher congruence be-
tween GA and color, as 64% self-declared
Results as brown and 27% reported being black,
with only 9% reporting being yellow.
The study team met individually with Hence, the similarity between the GA re-
each adult and subadult participants, and sult and the self-declaration of color for
their parents, first to present the research these individuals was 91% (Table 1). Even
and later to discuss the results at the end though it is essential to recognize the
of the project (Silva, 2018). genetic and ethnic diversity of the Brazil-
ian population to improve the diagnosis 2), with pneumonia as the main cause
and treatment of many chronic diseases, reported, and 71% of cases occurring in
research on GA and self-reported color of the last 12 months. Self-identified white
people with SCD is still rare in Brazil (Silva, individuals, in particular females, have a
2018; Silva et al., 2018). higher probability of experiencing strokes.
According to the sample, in Pará, 82% However, the small subsample does not 165
of SCD patients live in small cities with allow for statistical inferences.
poor basic sanitation and with great dif- When estimating the average num-

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
ficulty in accessing public health services. ber and severity of clinical manifestations
The most common symptoms reported among women with SCD considering 5
were jaundice (85%), occlusive vessel years age ranges — namely between 11
crisis (78%), fever (60%), infections (52%), and 16 years, 17 and 21 years, 24 and 28
abdominal pain (20%), and stroke (10%). years, 29 to 45 years — it was observed
All individuals self-classified as yellow re- that they had the highest quantity and
ported suffering abdominal pain (64% severity of symptoms in adulthood in
among women and 36% among men). relation to men, with, respectively, 13.37
Additionally, the whole group indicated (quantity) and 11.62 (severity) of clinical
a 52% occurrence of infections, such as symptoms reported. The intervals are im-
pneumonia (43%), bronchitis (3%), throat perfect due to the absence of some ages
infection (2%), lungs infection (2%) and in the sample. Multiple regression analy-
blood infection (2%), occurring during the sis in the different phases of life demon-
previous year. The 52 self-identified Black strated that men presented significantly
individuals (black and brown combined) lower amount and severity of symptoms,
had a significantly higher frequency of especially during the adolescence phase,
infections than whites or yellows (57.69%, with an average of 5.08 severe symptoms
25% and 0%, respectively, p<0.03) (Table compared to 11.14 severe female symp-

Table 1. Self-declared color and DNA ancestry in a sample of people with SCD in the State of
Pará (n = 55)*.
European DNA American DNA African DNA
Genetic Ancestry of
(58.2%) (21.8%) (20.0%)
Autosomal DNA
n=32 individuals n=12 individuals n=11 individuals
Brown: 21 (65.63%) Brown: 9 (75%) Brown: 7 (64%)
Black: 4 (12.50%) Black: 3 (25%) Black: 3 (27%)
Self-Declared Color
Yellow: 3 (9.37%) - Yellow: 1 (9%)
White: 4 (12.50%) - -
* 60 people were interviewed in total; however, 5 DNA samples were inconclusive.
Source: Field Research at the HEMOPA Foundation 2016−2017.
Table 2. Self-declared color and frequency of infections among people with SCD in the State
of Pará, Amazonia, Brazil.
Infections
Self-Declared Color
No Yes Total
22 30 52
Black* 36.66% 50.00% 86.66%
166
(42.31%)a (57.69%)a
3 1 4
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

White 5.00% 1.67% 6.67%


(75.00%)a (25.00%)a
4 0 4
Yellow 6.67% 0.00% 6.67%
(100%)a (0.00%)a
29 31 60
Total
48.33% 51.67% 100.00%
* Self-classified black and brown pooled together.
a
The percentages between brackets correspond to the total number of the respective self-
identified color.
Source: Field Research at the HEMOPA Foundation 2016−2017.

Table 3. Regression analysis of sex, age, and genetic ancestry on the study population with
SCD in the state of Pará.
Sex -2.87364 1.01809 110.50457 7.97 0.0067
Model 3 196.448 65.482 5.14 0.0035
Error 51 649.187 12.729
Corrected Total 54 845.636
Root MSE 3.56780 R-Square 0.2323
Dependent Mean 9.45455 Adj R-Sq 0.1872
Parameter Estimates
Parameter Standard
Variable DF t value Pr > |t|
Estimate Error
Intercept 1 11.4265 0.738 15.48 <.0001
Sexage 1 1.39 0.70 2.00 0.0512
Ancestry 1 -1.232 0.614 -2.01 0.0501
Sex 1 -6.11793 1.887 -3.24 0.0021
Source: Field Research at the HEMOPA Foundation 2016−2017.
toms (p<0.05). This finding is relevant- although this difference did not reach
when considering the sex by age of indi- statistical significance.
viduals with SCD in clinical interventions. In the analysis of the socioeconomic
The regression analysis predicts a aspects, irrespective of GA, age or sex, the
decrease of 6 symptoms from females to higher the income the lower the num-
males, and this is a significant decrease ber of symptoms presented by individu- 167
(p=0.00). In addition, there is a clear, albe- als (Table 4). It was observed that 55%
it not statistically significant, sex by age of the Black group received on average

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
interaction, suggesting that the disease one Brazilian Minimum Wage per month
does not affect males and females in the (MW=$280.00 USD), including social
same manner throughout their lifespan benefits such as retirement or disability
(Table 3). pensions; 37% presented income of up
The results also show that GA is di- to 2 MW per month, and the remaining
rectly associated with the severity of 8% received 3 MW or more per month.
symptoms (p=0.05). The slope estimate The statistical association is highly signifi-
is –1.23, which means that the number cant (X2=26.35, df=8, p=0.00).
of symptoms decreases as GA changes Besides differing in number and
from African to Native American to Euro- severity of symptoms, women also re-
pean Ancestry, with the highest number ceived, on average, 50% lower wages
of symptoms among Europeans (10.09) per month than men. The sex difference
and the lowest among Africans (7.18), in the symptoms may be associated

Table 4. Relation of DNA ancestry, income and frequency of the symptoms in a sample of
people with SCD in the State of Pará.

Majority Ancestry Monthly Income (Minimum Wage — MW)*


DNA of SCD People 0 1 2 3 4 Total
in the State of Pará
Frequency of the SCD Symptoms (%)**
European 38.27% 6.73% 7.12% 7.88% 2.12% 62.12%
Amerindian 11.54% 4.04% 2.88% 2.12% 0.00% 20.58%
African 12.12% 3.27% 1.92% 0.00% 0.00% 17.31%
Total 61.92% 14.04% 11.92% 10.00% 2.12% 100.00%
* Minimum Monthly Wage = R$ 888.00/250 U$. Values for monthly income: 0 = up to 1 MW
and/or sickness aid; 1 = between 1 and 2 MW; 2 = between 2 and 3 MW; 3 = between 3 and 4
MW; 4 = greater than 4 MW.
** The salary scale from 0 to 4 is related to the frequency of symptoms. As the wage level in-
creases, the number of symptoms decreases in all ancestry groups.
Source: Field Research at the HEMOPA Foundation 2016−2017.
with hormonal variations, menses, preg- occurrence of pain crises, constant hos-
nancies, but the fact that women, espe- pitalizations, demotivation to study due
cially Black women, receive lower wages to chronic pain and other symptoms,
also increases their biosocial vulnerabil- prejudice, social isolation, bullying, ab-
ity and may influence their clinical mani- sence of family support, and racism.
168 festations as well.
Noteworthy is that for the group Discussion
with predominance of African DNA, the
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

number of symptoms in the wage range In a previous study, Silva (2018: 06)
between 3 and 4 is equal to 0 because reported that SCD is the genetic disease
nobody in the sample reaches this wage that most affects people around the
range, which is equivalent to say that world, mainly “in the African continent,
among these individuals, the SES is low- with high and medium prevalence in
er. Equally relevant is the fact that people communities in East and Equatorial Af-
whose GA is mainly European, though rica, reaching regions of the Arab-Indian
fewer, still occupy positions of higher SES Continent”. Further on, the author indi-
levels in Pará, as they are the only ones cates that the estimate of SCD in Brazil
to have incomes in level 4. Nevertheless, is around 3500 children per year born
even reaching only wage range 2, peo- symptomatic (Hb SS). Cases of children
ple with higher African DNA have fewer born with the Sickle Cell Trait (Hb AS),
symptoms than those with other GA. in general asymptomatic, are around
Overall, 72% of the participants indi- 200000 per year (Silva, 2018).
cated having suffered some form of insti- It is important to highlight that, in the
tutional and/or social racism throughout Amazon, SCD patients have genotypes
their lives and/or treatment as a conse- associated with the history of the human
quence of SCD and/or their skin color, in- occupation of the territory, with a very
cluding discrimination in the health ser- large flow of African people who came on
vices, in their own home/family, school, colonial ships from the 17th century on-
and/or at work. wards, demonstrating the early arrival and
In the studied group, there is a defi- dissemination of the mutant S gene in the
cit of schooling by age in 48% of men state of Pará, and among the other states
and 21% of women, with only 31% being of the North Region (Silva, 2018).
of adequate age per grade in both sexes. Haplotypes of contemporary Amazo-
The school deficit is responsible for low nian populations were previously charac-
family income for 55% of the people terized by Cardoso and Guerreiro (2010)
surveyed. The main reported causes of in SCD (SCA in Portuguese) patients with
school dropout and age-deficit are the four main gene frequencies identified as
follows: “The four African haplotypes (Ban- In relation to the perception of rac-
tu, Benin, Senegal, and Cameroon) were ism, a surprising result of this study is that
identified among the 130 SCA patients. the participants experienced racism from
Sixty percent of the βS chromosomes an- the people who were supposed to give
alyzed were of the Bantu type, 27% Benin, them most support: health care workers
12% Senegal and 1% were of the Camer- and their own families. Also, in a society 169
oon type” (Cardoso and Guerreiro, 2010: 2). that values “whiteness” and European an-
Regarding the severity of SCD symp- cestry, and which sees SCD as associated

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
toms, Cardoso and colleagues (2014) with “blackness” and African ancestry,
analyzed the high prevalence of Fetal 78.3% of the participants whose GA was
Hemoglobin (Hb F) among individuals in mainly European, self-classified as black
the state of Pará, and mentioned that the (65.63%) or brown (12.5%), showing that
condition may provide some protection even them are internalizing the racist nar-
to the group in relation to the severity of rative of the society which equates SCD
clinical symptoms that “were primarily in- exclusively with African ancestry.
fluenced by alleles of BCL11A (rs4671393) It should be noted that the term “yel-
and HMIP (rs4895441) loci, and to a lesser low” does not translate directly to a GA
category in this study. The four individu-
extent by rs748214 Gγ-globin (HBG2) pro-
als who chose to self-classify as “yellow”
moter gene” (Cardoso et al., 2014: 178).
did not see themselves as having Asian or
Concerning to the Single Nucleo-
Indigenous ancestry. Rather it seems that
tide Repeats (SNP’s) found in their sam-
they were referring to the poor state of
ple, the authors point out that “the SNPs
their health as reflected in their skin color.
rs4671393 and rs4895441 explained 10%
Therefore at least in this region of Brazil,
and 9.2%, respectively, of the variation in
the folk taxonomy according to skin color
Hb F levels, while 4.1% of trait variation
includes both taxonomic and health-
was explained by rs748214” (Cardoso et
derived directives. As such, this is a good
al., 2014: 178). Finally, Cardoso and col-
example of why color taxonomies of hu-
leagues (2014) refer that it is still neces-
mans are nothing more than “folk taxono-
sary to show that “these results can be
mies” (Ramos et al., 2016). In addition to
considered as consistent with the es- the particularity of the self-declared color
timates of ancestry proportions of the as a new identity, discrimination due to
sample: 39.6% European, 29.6% African, the color of the skin considered yellow is
and 30.8% Native American” (Cardoso et another reality, as these individuals may
al., 2014: 178). Their GA estimates are not not be accepted for a job, or be excluded
very far from the ones obtained in this from school or friendship, because their
study (58.2% European, 21.8% African, skin shade is confused with them suffer-
and 20% Amerindian). ing hepatitis or cancer.
Cases of racism due to dark skin This research also helps subsidize the
color are frequent in Brazil (Geledés, discussion of how GA relates to health
2013). Among individuals with SCD who outcomes in SCD patients by incorporat-
reported having suffered some sort of ing a bioanthropological perspective in
racism because of the skin color, situa- the study of health and disease. Among
170
tions occurred associated to differences our participants, the worst clinical out-
in treatment in health services, as they comes were found among those with
reported not receiving due attention in greater European GA and less symptoms
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

clinical care and/or with urgency and were found in participants with greater
emergency services, being taxed as ad- African GA. It is possible, for example, that
dicted to opioids or “sly”; for the workers the groups have diverse ancestry mark-
not believing in the intensity of a crisis of ers associated with different levels of fetal
pain or when care givers avoid to touch hemoglobin (HbF) (Cardoso et al., 2014)
them directly during routine exams. In or other genetic variations. This hypothe-
addition, it is common for them to hear sis will be tested in the future. Regardless,
that it is better to avoid generating chil- these findings are somehow ironic given
dren so that they are not born sick (Silva the prevalent racist cultural attitudes to-
and Silva, 2013; Silva, 2016). In the last
wards “whiteness” and “blackness” in Brazil
demographic census, in 2010, 54% of
(Brasil, 2013b; Canavese et al., 2018).
the Brazilian population self-declared as
The findings also support the analysis
“black or brown”, but racial discrimina-
of GA in relation to SCD for the understand-
tion increased, even in public health ser-
ing of genetic factors associated with the
vices (Brasil, 2010; Geledés, 2013).
prevalence and severity of clinical symp-
As shown previously, poverty exac-
toms in both sexes and at different ages,
erbates the symptoms of SCD irrespec-
which would facilitate the health moni-
tive of other variables. However, the
toring of patients and provide them with
poorer participants are also female and
better quality of care. Unfortunately, access
darker-skinned, compounding socioeco-
to GA tests, especially in the Amazon, is still
nomic to biological factors. Obviously,
rare (Cardoso and Guerreiro, 2010; Cardoso
the fact that women have lower wages
et al., 2012; Ramos et al., 2016).
than men also increases their vulnerabil-
ity (Cordeiro and Ferreira, 2009; Nomura Nevertheless, with adequate invest-
et al., 2010; Elenga et al., 2016; Renoux et ment, GA testing can be used by govern-
al., 2016). Therefore, this study provides ments as a tool to understand genetic
additional contribution to show the im- diversity of the population as well as to
pacts of sex, color/ethnicity and SES on analyze the different health implications
health care disparities (Koganebuchi and in highly admixed countries (Cardoso e
Kimura, 2019; Martinez et al., 2020). Guerreiro, 2010; Santos et al., 2010). In Bra-
zil, this would mean investment in the pro- grave situation faced by SCD patients
motion of more effective public policies (Naoum, 2011; Brasil, 2010; Amaral et al.,
as recommended by the National Policy 2015; Silva, 2016; Silva et al., 2018).
of Integral Health for the Black Population, The fact that male and female SCD
and the Brazilian Unified Health System patients display different symptoms is in
(SUS) legislation (Brasil, 1990; 2013b). agreement with currently available litera- 171
Brazil has one of the largest public ture (Ceglie et al., 2019). Investigating the
health systems in the world, which is free effects of sex and age on the expression

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
and universal (Brasil, 1990). Over 75% of of the disease is important because the
the population depends exclusively on manifestations may change with the pass-
SUS for all their health care needs, be- ing of the years, and because the sexes
ing this the main access to services for may experience different numbers or se-
people with SCD, who need constant verity of symptoms. Moreover, in different
care and hospitalizations throughout life cultures, males and females are exposed
(Bahia, 2018). to different risk factors along their lives
There is a high prevalence of Sickle because they occupy different positions
Cell Trait (SCT) in the Brazilian population in the socio-economic structure of the
(Brasil, 2001; 2002; Naoum and Naoum, community and labor force. The impacts
2004). The present data on self-declared of the combined sex-age effects on SCD
color and income of patients with SCD patients need to be further investigated.
corroborate the literature, in that 65% One limitation of this study is that,
of the poor and 70% of the extremely in addition to the research of the GA, it
poor in the country are Black individu- would be necessary to investigate Hb
als (Silva et al., 2018). In the Amazon, it is F and other polymorphisms (SNPs1) of
common for individuals to have to leave these patients for a fuller understanding
from rural areas far from the capital, by of the clinical manifestations. Another
boat or interstate bus, to obtain hema- limitation is the low number of partici-
tological care. These trips may take many pants. Even though experience shows
hours to several days. In Pará, specialized
care for SCD is centralized in the capital, 1
According to the US National Library of Medi-
and there is a shortage of hematologists, cine, Single Nucleotide Polymorphisms (SNPs) are
the most common type of genetic variation. Most
making diagnosis and emergency care
commonly, these variations are found in the DNA
difficult in situations of sickle cell crisis between genes. They can act as biological mark-
(Silva, 2018). The socioeconomic and ers, helping locate genes that are associated with
environmental conditions generate fur- disease or, when occurring within a gene or in a
regulatory region near the gene, they may play a
ther restrictions and insufficient access direct role in disease by affecting the gene’s func-
to clinical care, which contributes to the tion. Available at: https://ghr.nlm.nih.gov/primer/
genomicresearch/snp.
that the sample is likely representative and access to public and private health
of the reality of Pará, additional research services is limited. The effects of GA, sex,
is needed to evaluate how applicable age, and SES, along with racism, fragility
these results are to the entire SCD-affect- of the health system, and limited informa-
ed Brazilian population. tion available to health professionals and
172 patients with SCD sum up to complicate
Conclusion diagnostic and care. It is suggested that
in countries with high genetic admixture,
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

With this paper, we aim to contrib- the health care of SCD patients should
ute to the literature on the interrelations consider GA characteristics in the groups
of socio-cultural and biological compo- surveyed. In addition, GA information
nents of health and disease in relation combined with sociocultural data can be
to SCD. In this research, the focus was a useful for continuing public health edu-
Mendelian disease which is considered cation in relation to racism, for helping
to display low phenotypic variability and combat disinformation about SCD origin
more limited environmental input than and manifestations, and for improving the
polygenic diseases. However, the results quality of care of people with the disease.
clearly show that sex, age, GA, and socio-
economic status have important associa-
References
tion with symptoms and quality of life.
The study shows that SCD patients in
Alves, A.C.; Silva, V. A. L.; Santos, A. S.; Serra, M. B.;
the state of Pará, Amazonia, have diverse
Marques, F. A.; Cruz, S. M. P.; Barroso, W. A.;
clinical manifestations and socioeconom-
Oliveira, R. A. G. 2020. Sickle cell anemia in
ic vulnerabilities in relation to their GA
the state of Maranhão: a haplotype study.
and self-declared color, demonstrating
Annals of Hematology, 99: 1225−1230.
that biological and social determinants of
DOI: 10.1007/s00277-020-04048-9.
health should be taken into consideration
Amaral, J. L.; Almeida, N. A.; Santos, P. S.;
when managing the disease, which pres-
Oliveira, P. P.; Lanza, F. M. 2015. Perfil
ents more symptoms among people with
sociodemográfico, econômico e de
European ancestry and greater severity
saúde de adultos com doença falcifor-
of clinical manifestations among low-in-
come individuals and women. Also, asso- me. Revista Rene, 16(3): 296−305. DOI:

ciations of severity of SCD symptoms with 10.15253/2175-6783.2015000300002.


sex, age and income are influenced by Bahia, L. 2018. Trinta anos de Sistema Úni-
structural racism and the social inequali- co de Saúde (SUS): uma transição ne-
ties within the Brazilian population. cessária, mas insuficiente. Cadernos de
In Pará, late diagnosis of SCD is com- Saúde Pública, 34(7): e00067218. DOI:
mon, maintaining treatment is expensive, 10.1590/0102-311X00067218.
Bengtsson, T.; Dribe, M.; Helgertz, J. 2020. When pessoas com deficiência. [Online]. Rio
did the health gradient emerge? Social class de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geo-
and adult mortality in Southern Sweden, grafia e Estatística (IBGE). [Accessed
1813–2015. Demography, 57: 953−977. in: 29-6-2017]. Available at: https://
DOI:10.1007/s13524-020-00877-5. biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
Brasil. 1990. Lei 8080/90. [Online]. Dispõe sobre catalogo?id=794&view=detalhes. 173
as condições para a promoção, proteção e Brasil. 2013a. Manual de doença falciforme:
recuperação da saúde, a organização e o condutas básicas para tratamento. [On-

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
funcionamento dos serviços corresponden- line]. Editora do Ministério da Saúde,
tes do Sistema Único de Saúde do Brasil. Bra- Secretaria de Atenção à Saúde, Depar-
sília, Ministério da Saúde. [Accessed in: 30- tamento de Atenção Especializada. 1.ª
8-2019]. Available at: http://www.planalto. ed. 1.ª reimp. Brasília, DF, Ministério da
gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Saúde. [Accessed in: 6-1-2017]. Avail-
Brasil. Ministério da Saúde. 2001. Secretaria de able at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
Políticas da Saúde. Manual de doenças publicacoes/doenca_falciforme_condu-
mais importantes por razões étnicas na tas_basicas_tratamento.pdf.
população brasileira afrodescendente. [On- Brasil. 2013b. Política nacional de saúde integral
line]. Brasília, DF. [Accessed in: 10-6-2019]. da população negra, uma política do SUS.
Available at: http://bvsms.saude.gov.br/ [Online]. 2.ª ed. Brasília, DF, Ministério da
bvs/publicacoes/cd06_09.pdf. Saúde. [Accessed in: 30-8-2019]. Avail-
Brasil. 2002. Manual de diagnóstico e tratamen- able at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
to de doença falciforme—ANVISA. [On- publicacoes/politica_nacional_saude_
line]. Brasília, DF. [Accessed in: 9-4-2018]. populacao_negra.pdf.
Available at: http://bvsms.saude.gov.br/ Canavese, D.; Soares, E. O.; Bairros, F.; Polido-
bvs/publicacoes/anvisa/diagnostico.pdf. ro, M.; Rosado, R. M. 2018. Equidade et-
Brasil. 2009. Manual de eventos agudos em nicorracial no SUS: pesquisas, reflexões e
doença falciforme. [Online]. Editora do ações em saúde da população negra e
Ministério da Saúde, Secretaria de Aten- dos povos indígenas. 1.ª edição. Porto Ale-
ção à Saúde, Departamento de Atenção gre, Rede UNIDA.
Especializada. Série A, Normas e Manuais Cardoso, G. L.; Guerreiro, J. F. 2010. Molecular
Técnicos. Brasília, DF, Ministério da Saú- characterization of sickle cell anemia
de. [Accessed in: 6-1-2017]. Available in the Northern Brazilian State of Pará.
at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pub- American Journal of Human Biology, (22):
licacoes/manual_eventos_agudos_ 573−577. DOI: 10.1002/ajhb.21047.
doenca_falciforme.pdf. Cardoso, G. L.; Takanashi, S. Y. L.; Guerreiro,
Brasil. 2010. Censo demográfico 2010: carac- J. F. 2012. Inherited hemoglobin disor-
terísticas gerais da população, religião e ders in an Afro-Amazonian community:
Saracura. Genetics and Molecular Biology, Gynecology International, 2016. DOI:
35(3): 553−556. DOI: 10.1590/S1415- 10.1155/2016/9069054.
47572012005000041. Geledés. 2013. Racismo institucional: uma
Cardoso, G. L.; Diniz, I. G.; Silva, A. N. L. M.; abordagem conceitual. Rio de Janeiro,
Cunha, D. A.; Junior, J. S. S.; Uchôa, C. T. Relatório Geledés — Instituto da Mulher
C.; Santos, S. E. B.; Trindade, S. M. S.; Car- Negra; Cfemea — Centro Feminista de
174
doso, M. S. O.; Guerreiro, J. F. 2014. DNA Estudos e Assessoria, 1−54.
polymorphisms at BCL11A, HBS1L-MYB Gravlee, C. C.; Dressler, W. W. 2005. Skin pig-
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

and Xmn1-HBG2 site loci associated with mentation, self-perceived color, and
fetal hemoglobin levels in sickle cell ane- arterial blood pressure in Puerto Rico.
mia patients from Northern Brazil. Blood American Journal of Human Biology, 17:
Cells, Molecules and Diseases, 53: 176−179. 195−206. DOI: 10.1002/ajhb.20111.
DOI: 10.1016/j.bcmd.2014.07.006. Gravlee, C. C.; Dressler, W. W.; Bernard, H. R.
Ceglie, G.; Di Mauro, M.; De Jacobis, I. T.; Gen- 2005. Skin color, social classification,
naro, F. de; Quaranta, M.; Baronci, C.; Villa- and blood pressure in southeastern
Puerto Rico. American Journal of Public
ni, A.; Palumbo, G. 2019. Gender-related
Health, 95(12): 2191−2197. DOI:10.2105/
differences in sickle cell disease in a
ajph.2005.065615.
pediatric cohort: a single-center retro-
Koganebuchi, K; Kimura, R. 2019. Biomedi-
spective study frontiers in molecular.
cal and genetic characteristics of the
Frontiers in Molecular Biosciences, 6: 140.
Ryukyuans: demographic history, diseas-
DOI:10.3389/fmolb.2019.00140.
es and physical and physiological traits.
Cordeiro, F. C.; Ferreira, S. L. 2009. Discrimina-
Annals of Human Biology, 46: 354−366.
ção racial e de gênero em discursos de
DOI: 10.1080/03014460.2019.1582699.
mulheres negras com anemia falciforme.
Leatherman, T.; Jernigan, K. 2015. Introduction:
Escola Anna Nery, 13(2): 352−358. DOI:
biocultural contributions to the study of
10.1590/S1414-81452009000200016.
health disparities. Annals of Anthropologi-
Durso, D. F.; Bydlowski, S. P.; Hutz, M. H.; Sua-
cal Practice, 38(2): 171−186. DOI: 10.1111/
rez-Kurtz, G.; Magalhães, T. R.; Pena, S. D.
napa.12051.
J. 2014. Association of genetic variants
Madrigal, L. 2012. Statistics for anthropology. 2nd
with self-assessed color categories in
edition. Cambridge, USA, Cambridge Uni-
Brazilians. PLoS One, 9(1): e83926. DOI:
versity Press.
10.1371/journal.pone.0083926. Martinez, L.; Zuluaga, B.; Prada, S. I. 2020. Ana-
Elenga, N.; Adeline, A.; Balcaen, John; Vaz, lyzing factors associated with trash pick-
T.; Calvez, M.; Terraz, A.; Accrombessi, ers’ health status: census data in a major
L.; Carles, G. 2016. Pregnancy in sickle city in Colombia. Journal of Community
cell disease is a very high-risk situation: Health, 45:133-140 doi:10.1007/s10900-
an observational study. Obstetrics and 019-00725-7.
Minayo, M. C. S. 2010. Violência e saúde. Rio de N.; Etienne-Julan, M.; Bertrand, Y.; Petras,
Janeiro, FIOCRUZ. M.; Cannas, G.; Divialle-Doumdo, L.; Nad-
Naoum, P. C. 2011. Sickle cell disease: from the er, E.; Cuzzubbo, D.; Lamarre, Y.; Gauthier,
beginning until it was recognized as a A.; Waltz, X.; Kebaili, K.; Martin, C.; Hot,
public health disease. Revista Brasileira de A.; Hardy-Dessources, M.-D.; Pialoux, V.;
Hematologia e Hemoterapia, 33(1): 7−9. Connes, P. 2016. Effect of age on blood 175
DOI: 10.5581/v33n1a6. rheology in sickle cell anemia and sickle
Naoum, P. C.; Naoum, F. A. 2004. Doença das cell haemoglobin C disease: a cross-sec-

Relationships among genomic ancestry, clinical manifestations, socioeconomic status, and skin color of people with sickle cell
disease in the State of Pará, Amazonia, Brazil
células falciformes. 1st edition. São Paulo, tional study. PLoS One, 11(6): e0158182.
Savier. DOI: 10.1371/journal.pone.0158182.
Nomura; R. M. Y.; Igai, A. M. K.; Tosta, K.; Fon- Santos, N. P. C.; Ribeiro-Rodrigues, E. M.; Ribei-
seca, G. H. H.; Gualandro, S. F. M.; Zugaib, ro-dos-Santos, Â. K. C.; Pereira, R.; Gus-
M.2010. Resultados maternos e perinatais mão, L.; Amorim, A.; Guerreiro, J. F.; Zago,
em gestações complicadas por doenças M. A.; Matte, C.; Hutz, M. H.; Santos, S. E.
falciformes. Revista Brasileira de Gineco- B. 2010. Assessing individual interethnic
logia e Obstetrícia, 32(8): 405−411. DOI: admixture and population substructure
10.1590/S0100-72032010000800008. using a 48 insertion-deletion (INSEL)
Non, A. L. Gravlee, C. C.; Mulligan, C. J. 2012. ancestry-informative marker (AIM) panel.
Education, genetic ancestry, and blood Human Mutation, 31(2): 184−190. DOI:
pressure in African Americans and 10.1002/humu.21159.
whites. American Journal of Public Health, Santos, H. C.; Horimoto, A. V. R.; Tarazona-San-
102(8): 1559−1565. DOI: 10.2105/ajph. tos, E.; Rodrigues-Soares, F.; Barreto, M. L.;
2011.300448. Horta, B. L.; Lima-Costa, M. F.; Gouveia,
Piel, F. B.; Steinberg, M. H.; Rees, D. C. 2017. M. H.; Machado, M.; Silva, T. M.; Sanches,
Sickle cell disease. The New England Jour- J. M.; Esteban, N.; Magalhaes, W. C. S.;
nal of Medicine, 376: 1561−1573. DOI: Rodrigues, M. R.; Kehdy, F. S. G.; Pereira,
10.1056/NEJMra1510865. A. C. 2016. A minimum set of ancestry
Ramos; B. R. A.; D’Elia, M. P. B.; Amador, M. A. informative markers for determining
T.; Santos, N. P. C.; Santos, S. E. B.; Castelli, admixture proportions in a mixed Amer-
E. C.; Witkin, S. S.; Miot, H. A.; Miot, L. D. ican population: the Brazilian set. Euro-
B.; Silva, M. G. 2016. Neither self-reported pean Journal of Human Genetics, 24(5):
ethnicity nor declared family origin are 725−731. DOI: 10.1038/ejhg.2015.187.
reliable indicators of genomic ancestry. SAS Institute Inc. 1992. Doing more with SAS/
Genetica, 144(3): 259−265. DOI: 10.1007/ ASSIST software, version 6, 1st edition. Nor-
s10709-016-9894-1. th Carolina, USA, SAS Institute Inc.
Renoux, C.; Romana, M; Joly, P.; Ferdinand, S.; Silva, A. K. 2015. O contexto epidemiológico e
Faes, C.; Lemonne, N.; Skinner, S.; Garnier, biossocial da doença falciforme no Pará,
Amazônia, Brasil. Revista da ABPN [Onli- children. Medicine, 95: 36 (e4733). DOI:
ne], 7(16): 103−127. Available at: https:// 10.1097/MD.0000000000004733.
abpnrevista.org.br/index.php/site/arti- Tattersall, I.; DeSalle, R. 2011. Race: debunking a
cle/view/100. scientific myth. College Station, TX, Texas
Silva, A. K. 2016. Doença falciforme, preconcei- A&M University Press.

176
to linguístico e sociorracial: a desinforma- Wiley, A.; Allen, J. 2017. Medical anthropology: a
ção como determinante social da saúde biocultural approach. 3rd edition. New York,
no Estado do Pará. Amazônica, Revista de Oxford University Press.
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva, Lorena Madrigal, Hilton Pereira da Silva

Antropologia [Online], 8(2): 518−539.DOI: Yudell, M.; Roberts, D.; DeSalle, R.; Tishkoff, S.
10.18542/amazonica.v8i2.5055. 2016. Taking race out of human genet-
Silva, A. K. 2018. A doença falciforme na Ama- ics: engaging a century-long debate
zônia: as intersecções entre identidade de about the role of race in science. Science,
cor e ancestralidade genômica no contexto 351(6273): 564−565. DOI: 10.1126/scien-
paraense. Tese de Doutorado, Programa ce.aac4951.
de Pós-Graduação em Antropologia, Uni-
versidade Federal do Pará.
Silva, A. K.; Silva, H. P. 2013. Anemia falcifor-
me como experiência: as relações entre
vulnerabilidade social e corpo doente
enquanto fenômeno biocultural no
Estado do Pará. Amazônica, Revista de
Antropologia [Online], 5(1): 10−36. DOI:
10.18542/amazonica.v5i1.1295.
Silva, A. K.; Saraiva, A. N.; Tavares, R. B.; Lima, A.
B. L.; Silva, H. P. 2018. Renda e cor de pes-
soas com anemia falciforme atendidas
na Fundação Hemopa, Pará, Amazônia,
Brasil: realidade e perspectivas. Revista
da ABPN [Online], 10(24): 366−391. Avail-
able at: https://abpnrevista.org.br/index.
php/site/article/view/456.
Spector, S. A.; Brummel, S.; Nievergelt, C. M.;
Maihofer, A. X.; Singh, K. K.; Purswani, U.;
Williams, P. L.; Hazra, R.; Dyke, R. V.; Seage,
G. R. 2016. Genetically determined an-
cestry is more informative than self-re-
ported race in HIV-infected and exposed
R E C E N S Ã O

B O O K R E V I E W
(Página deixada propositadamente em branco)
Forensic anthropology:
Theoretical framework and
scientific basis

179

Boyd, C. C. Jr; Boyd, D. C. [eds.]. 2018. Forensic anthropology: Theoretical


framework and scientific basis. New Jersey, Wiley.
ISBN: 978-1-119-22638-3, 360 pp., $145.50.
DOI: https://doi.org/10.14195/2182-7982_37_8

It is believed that forensic anthro- tioners is now a scientific field settled in


pology (FA), as a discipline, was born most of the world. Protocols have been
in the United States of America around established, forensic anthropologists
the 1930’s, where it flourished and was have been properly trained and acknowl-
formally recognized in the 1970’s (Dirk- edged, and job positions have been cre-
maat and Cabo, 2012). However, for the ated. From universities to human rights
past fifty years, the importance of the organizations, experts have shown the
field has been called into question. FA scientific community that FA goes be-
has been considered a laboratory-based yond the four walls of a laboratory. In bi-
subdiscipline of biological anthropology, ology, chemistry or even statistics, FA has
mainly focusing on helping identifying found some good and reliable partners.
unknown individuals deceased under The interdisciplinary collaborations in
unusual circumstances. In a seventeen- forensic sciences that have been estab-
chapter book, thirty American specialists lished through hard work have helped
– from bioarchaeology to geosciences – FA take the big leap towards a future
join Donna and Clifford Boyd to discuss beyond the assessment of the biological
this inaccurate outdated idea. profile (ancestry, sex, age-at-death and
What started as an off the clock in- stature). Nowadays, forensic anthropolo-
terest for pathologists and other practi- gists also conduct research in antemor-
tem traumatic injuries, time-since-death of subjectivity, objectivity, cognitive bias,
estimation and the taphonomic process- and ethic in FA: The methods applied in
es that take place after death, to name the field and in the laboratory influence
a few. Though skeletonized remains are the interpretation of the analysed data.
still the major focus of FA in an academic This realization is then followed by a sec-
180 context, advanced decomposed bodies, ond part focused on ancestry assessment,
burnt human remains and living indi- age-at-death estimation, histological
viduals are some of the other customers analyses, and isotope landscape – theo-
forensic anthropologists may encounter ries are fundamental in all contexts in or-
on a daily basis (Dirkmaat et al., 2008). der to understand what data need to be
To those who might ask how FA rein- studied, and why are they so important.
vented itself over the years, Boyd & Boyd Theoretical foundations of antemor-
have the answer. Forensic anthropology: tem, perimortem and postmortem pro-
Theoretical framework and scientific bases cesses are discussed on the third part,
navigates through the theoretical bases with two chapters emphasizing child
of some of the current areas of study abuse. Despite of the theoretical basis for
in the field. In the very first chapter, the fracture healing in time since injury esti-
editors explain how theories are the ba- mation, the latter lacks from a well-doc-
sic foundation in FA research unlike many umented forensic sample. This subject is
believe. Boyd & Boyd go back in time to mentioned latter on by the editors on the
Charles Darwin (1809-1882) and his theo- fourth and final part of the book: The im-
ry of evolution by means of natural selec- portance of modern skeletal collections
tion that has launched population-spe- on the development of accurate meth-
cific methods. An important note is also ods is unquestionable when experts at-
given to Michael Schiffer (1947-) whose tempt to transpose the results to real-life
theoretical levels in archaeology were scenarios. All around the world, including
the underpinning in FA: the foundational, Europe, there is a dearth of contempo-
interpretive and methodological theories rary osteological samples which might
have sustained the development and disguise secular trends and interbreeding
test of new methods. After peer review among different populations.
and thoroughly investigating their scien- Within and outside forensic sciences,
tific soundness, these are the methods communication is a key-factor to clarify
employed by experts in police investiga- the victories already conquered and
tions or humanitarian actions. the ones to come. This book might be a
After the first chapter, the book is good start-point to change the percep-
divided into four parts. In the first one, tion people have of FA and its theoretical
three distinct chapters highlight the role and scientific basis, but a long and intri-
cate road still needs to be travelled. It is References
of great relevance to let scientists and
laymen understand how vital FA might Dirkmaat, D. C.; Cabo, L. L. 2012. Forensic an-
be when applied in specific scenarios thropology: embracing the new para-
such as criminal investigations, mass di- digm. In: Dirkmaat, D. C. (ed.). A compan-
sasters or crimes against human rights. ion to forensic anthropology, 1st edition. 181
However, this subject should be repre- West Sussex, Wiley-Blackwell.
sented globally, expanded to cover oth- Dirkmaat, D. C.; Cabo, L. L.; Ousley, S. D.; Symes,

Recensões
er countries and continents beyond the S. A. 2008. New perspectives in foren-
perspective held by the United States of sic anthropology. Yearbook of Physical
America. In some countries, such as Ro- Anthropology, 51: 33-52. DOI: 10.1002/
mania (Rebeleanu et al., 2017) and Esto- ajpa.20948.
nia (Morrone et al., 2019), FA is still under Morrone, A.; Varul, L.; Kuningas, G.; Väli, M. 2019.
development and it is central to start by Forensic anthropology in Estonia: current
shifting how governments and institu- situation and future developments. In:
tions look at this scientific field. FASE (ed.). One-day symposium in Forensic
As mentioned along this volume, Anthropology and Biomechanics, Brussels,
theory guides everything in forensic Belgium, 14th September 2019. Brussels,
sciences. Nevertheless, progress is not Forensic Anthropology Society of Europe.
achieved on our own. As the perfect web Rebeleanu, C.; Radu, C. C.; Perju-Dumbrava,
that it is, this book reminds us of some D. 2017. Forensic anthropology in Ro-
of FA right-hand fields, and its legal im- mania – a systemic neglect problem? La
plications in our present-day society. It Revue de Médecine Légale, 8(4): 187. DOI:
is important to speak for the dead and 10.1016/j.medleg.2017.10.018.
tell their story, as we recognize and value
both the challenges forensic anthropolo- Angela Silva-Bessa
gists face and the major role of working University of Coimbra, Laboratory of Fo-
side-by-side with other scientific bodies. rensic Anthropology, Centre for Function-
al Ecology, Department of Life Sciences.
Acknowledgments UCIBIO-REQUIMTE, Laboratory of Toxicol-
ogy, Department of Biological Sciences,
The author was financed by Funda- Faculty of Pharmacy, University of Porto.
ção para a Ciência e Tecnologia (SFRH/ ars.bessa@gmail.com
BD/143242/2019). The author state there
is no conflict of interest to declare.
(Página deixada propositadamente em branco)
N O R M A S P A R A P U B L I C A Ç Ã O
(Página deixada propositadamente em branco)
Normas para publicação

A revista Antropologia Portuguesa publica artigos inéditos, entrevistas e recensões em 185


português, inglês, espanhol e francês nos domínios da Antropologia Biológica, Cultural
e/ou Social. Os artigos submetidos para publicação, depois de analisados pelo conselho

Normas para publicação


editorial, somente serão remetidos aos revisores (pelo menos dois; escolhidos em
função da temática e natureza do texto) se observarem o seguinte plano:

- Título na língua utilizada no texto e em inglês; se o inglês for a língua utilizada no


texto o(s) autor(es) deverão escolher uma das outras línguas aceites na revista;
- Nome(s) do(s) autor(es);
- Endereço(s) institucional e ORCID (Open Researcher and Contributer ID) de todos
os autores; um dos autores deve ser designado como autor correspondente e
fornecer um endereço eletrónico;
- Resumo e palavras-chave (seis no máximo) na língua utilizada no texto e em
inglês; se o inglês for a língua utilizada no texto o(s) autor(es) deverão escolher
uma das outras línguas aceites na revista. Cada um dos resumos não deve
exceder 200 palavras;
- O texto deverá ser submetido em formato Word, a dois espaços, com margens
de 3 cm e caracteres Times New Roman 12 pt, não excedendo 8000 palavras
(incluindo tabelas, referências bibliográficas, etc.);
- Os diversos momentos do argumento a explorar ao longo do texto deverão ser
precedidos por um curto subtítulo a negrito/bold;
- As tabelas, quadros, figuras e mapas serão mencionados no texto e intercaladas(os)
no local mais conveniente, com as respectivas legendas. As figuras devem
possuir elevada qualidade gráfica de modo a permitir a sua reprodução, e
eventual redução, sem perda apreciável de nitidez. A obtenção dos direitos
de reprodução de quaisquer imagens utilizadas é da inteira responsabilidade
do(s) autor(es);
- O número de notas de rodapé deverá ser reduzido ao mínimo;
- As referências bibliográficas ao longo do texto deverão apresentar-se conforme
os exemplos seguintes: um autor (Malinowski, 1927), dois autores (Bogin e
Malina, 2001) e (Smith et al., 2001) quando forem três ou mais colaboradores;
- O ponto e vírgula deve ser usado para separar duas ou mais obras (Waldron, 1994;
Cockburn, 2000) ou trabalhos do mesmo autor mas de datas diferentes (Dias,
1998; 1999). Na eventualidade de utilização de elementos de autor(es) citado(s)
em trabalho consultado, apenas este integrará a lista bibliográfica (Martín,
1901 in Neto, 1957);
186 - As referências bibliográficas serão ordenadas alfabeticamente no final do texto
(exclusivamente as obras nele referidas) seguindo, obrigatoriamente, os se-
guintes critérios:

Livro

Darwin, C. 2009 [1871]. A origem do homem e a selecção sexual. Lisboa, Relógio d’Água.
Douglas, M. 1984. Implicit meanings: essays in Anthropology. London, Routledge and Kegan Paul.
McElroy, A.; Townsend, P. K. 2004. Medical anthropology in ecological perspective. 4th edition.
Boulder, Westview Press.

Obra colectiva

Swedlund, A. C.; Herring, D. A. (eds.). 2003. Human biologists in the archives: demography, health,
nutrition and genetics in historical populations. Cambridge, Cambridge University Press.

Artigo numa obra colectiva

Carlesworth, H. R.; Kreutzer, M. A. 1973. Facial expressions of infants and children. In: Ekman, P. (ed.).
Darwin and facial expressions: a century of research in review. London, Academic Press: 91-168.

Artigo em actas de um encontro científico

Bremón, M. R. 2009. La antropologia física e los museos. In: Cerdá, M. P.; Garcia-Prósper, E.
(eds.). Investigaciones histórico-médicas sobre salud y enfermedad en el pasado. Actas del IX
Congreso Nacional de Paleopatología, Morella (Castelló), 26-29 Septiembre de 2007. Valencia,
Grupo Paleolab & Sociedad Española de Paleopatología: 27-32.
Cruz, A.; Matos, V.; Xavier, S.; Quintais, L.; Santos, A. L. 2007. O Hospital-Colónia Rovisco Pais e os
múltiplos desdobramentos da lepra: etnografia e interdisciplinaridade. In: Cruz, F. (ed.).
Actas do II Congresso Internacional sobre Etnografia, Montemor-o-Novo, 7-8 Julho de 2006.
[CD-ROM]. Póvoa do Varzim, Associação AGIR: 68-79. 187

Normas para publicação


Artigo numa revista impressa

Fagundes, N. J. R.; Bonnatto, S. L.; Callegari-Jacques, S. M.; Salzano, F. M. 2002. Genetic, geographic,
and linguistic variation among South American Indians: possible sex influence. American
Journal of Physical Anthropology, 117(1): 68-78.
Kjellström, A. in press. Possible cases of leprosy and tuberculosis in medieval Sigtuna, Sweden.
International Journal of Osteoarchaeology. [Publicado online: 7-9-2010]. DOI: 10.1002/oa.1204.
[Acrescentar o DOI (Digital Object Identifier) no final da referência bibliográfica caso o artigo
seja acedido online ou noutro formato digital (ex. PDF) mas exista em fonte impressa].

Artigo numa revista electrónica

Schaible, U. E.; Kaufmann, S. H. E. 2007. Malnutrition and infection: complex mechanisms and
global impacts. PLoS Medicine [Online], 4(5): e115. DOI: 10.1371/journal.pmed.0040115.
Fonseca, F. T. 2007. The social and cultural roles of the University of Coimbra (1537-1820): some
considerations. e-Journal of Portuguese History [Online], 5(1). [Consultado em 22-3-2010].
Disponível em: http://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/
ejph/html/issue9/pdf/ffonseca.pdf.
[No caso das revistas cujos artigos não têm DOI, indicar o endereço electrónico (URL) completo]

Monografia não publicada

Cardoso, H. F. C. 2000. Dimorfismo sexual na estatura, dimensões e proporções dos ossos longos
dos membros: o caso de uma amostra Portuguesa dos séculos XIX-XX. Dissertação de
Mestrado em Evolução Humana, Departamento de Antropologia, Faculdade de Ciências
e Tecnologia, Universidade de Coimbra.
McCloy, R. A. 1990. A new model of job performance: an integration of measurement, prediction,
and theory. Doctoral dissertation, University of Minnesota.

188

Contribuição em monografia electrónica

American Anthropological Association. 2009. AAA Style guide 2009. [Online]. Arlington, VA,
American Anthropological Association. [Acedido em 6-10-2010]. Disponível em: http://
www.aaanet.org/publications/guidelines.cfm.

Páginas da Internet [Fornecer o URL completo]

World Health Organization. 2010. Social determinants of health: key concepts. [Online]. [Geneva],
World Health Organization. [Acedido em 20-09-2010]. Disponível em: http://www.who.
int/social_determinants/thecommission/finalreport/key_concepts/en/index.html.

As provas tipográficas serão revistas pelo(s) autor(es) que não pode(m) em caso
algum acrescentar ou alterar o texto original.
Ao primeiro autor de cada artigo serão oferecidos dois exemplares da revista. No
caso de recensões bibliográficas e de entrevistas o autor receberá um exemplar.
Os autores, individuais ou colectivos, dos artigos publicados conferem à Antropolo-
gia Portuguesa o exclusivo de direito de publicação sob qualquer forma.
A U T H O R G U I D E L I N E S
(Página deixada propositadamente em branco)
Author guidelines

Antropologia Portuguesa publishes original research, interviews, and reviews in Por- 191
tuguese, English, Spanish and French in the fields of Biological, Cultural and/or Social
Anthropology. All types of manuscripts submitted to the journal are primarily judged

Author guidelines
by the editorial board and will be sent to at least two reviewers with expertise in
the topic field if the following criteria are observed:

- Tittle in the language of the text and in English; if the article is in English the au-
thors should choose another language accepted in the journal;
- Name(s) of the author(s);
- Institutional address and an Open Researcher and Contributer ID (ORCID) for all
the authors; one of the authors must be designated as the corresponding au-
thor and also report an e-mail address;
- Abstract and keywords (no more than six) in the language of the text and in
English; if the article is in English the authors should choose another language
accepted in the journal. Each abstract should have no more than 200 words;
- Manuscripts must be submitted in Microsoft Word®, double-spaced, 3 cm mar-
gins, and Times New Roman 12pt; not exceeding the 8000 words (including
tables, references, etc.);
- Main text separated under appropriate headings and subheadings using bold;
- Tables, figures and maps will be mentioned in numerical order in the text and pla-
ced in the most convenient place with the respective caption. Figures should
have high quality, be clear, and show good contrast. When reproducing figures
and /or schemes from previous publications, it is the author’s responsibility to
seek appropriate permission from the relevant publishers);
- Footnotes should be limited to the minimum;
- Authors are responsible for the accuracy of cited references and these should
be checked before the manuscript is submitted. Citation in the text should
be uniform and according to the following examples: one author (Malinowski,
1927), two authors (Bogin and Malina, 2001) and (Smith et al., 2001) if three or
more authors;
- A semicolon should be used to separate two or more references (Waldron, 1994;
Cockburn, 2000) or works from the same author but with different dates (Dias,
1998; 1999). When using elements of authors cited in a another work, only the
last one should be used (Martín, 1901 in Neto, 1957);
- References must be ordered alphabetically at the end of the text. Only references
192 cited in the main text should be included in the reference list, following the
criteria presented below:

Book
Darwin, C. 2009 [1871]. A origem do homem e a selecção sexual. Lisboa, Relógio d’Agua.
Douglas, M. 1984. Implicit meanings: essays in Anthropology. London, Routledge and Kegan Paul.
McElroy, A.; Townsend, P. K. 2004. Medical anthropology in ecological perspective. 4th edition.
Boulder, Westview Press.

Collective work
Swedlund, A. C.; Herring, D. A. (eds.). 2003. Human biologists in the archives: demography, health,
nutrition and genetics in historical populations. Cambridge, Cambridge University Press.

Chapter in book
Carlesworth, H. R.; Kreutzer, M. A. 1973. Facial expressions of infants and children. In: Ekman, P.
(ed.). Darwin and facial expressions: a century of research in review. London, Academic Press:
91-168.

Article in conference proceedings


Bremón, M. R. 2009. La antropologia física e los museos. In: Cerdá, M. P.; Garcia-Prósper, E.
(eds.). Investigaciones histórico-médicas sobre salud y enfermedad en el pasado. Actas del IX
Congreso Nacional de Paleopatología, Morella (Castelló), 26-29 Septiembre de 2007. Valencia,
Grupo Paleolab & Sociedad Española de Paleopatología: 27-32.
Cruz, A.; Matos, V.; Xavier, S.; Quintais, L.; Santos, A. L. 2007. O Hospital-Colónia Rovisco Pais e os
múltiplos desdobramentos da lepra: etnografia e interdisciplinaridade. In: Cruz, F. (ed.).
Actas do II Congresso Internacional sobre Etnografia, Montemor-o-Novo, 7-8 Julho de 2006.
[CD-ROM]. Póvoa do Varzim, Associação AGIR: 68-79. 193

Author guidelines
Journal article

Fagundes, N. J. R.; Bonnatto, S. L.; Callegari-Jacques, S. M.; Salzano, F. M. 2002. Genetic, geographic,
and linguistic variation among South American Indians: possible sex influence. American
Journal of Physical Anthropology, 117(1): 68-78.
Kjellström, A. in press. Possible cases of leprosy and tuberculosis in medieval Sigtuna, Sweden.
International Journal of Osteoarchaeology. [Published online: 7-9-2010]. DOI: 10.1002/oa.1204.
Insert DOI (Digital Object Identifier) when it exists].

Electronic journal articles

Schaible, U. E.; Kaufmann, S. H. E. 2007. Malnutrition and infection: complex mechanisms and
global impacts. PLoS Medicine [Online], 4(5): e115. DOI: 10.1371/journal.pmed.0040115.
Fonseca, F. T. 2007. The social and cultural roles of the University of Coimbra (1537-1820): some
considerations. e-Journal of Portuguese History [Online], 5(1). [Accessed in 22-3-2010].
Available at: http://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ ejph/
html/issue9/pdf/ffonseca.pdf.
[If the DOI is not available, authors should provide the complete URL]

Unpublished monography

Cardoso, H. F. C. 2000. Dimorfismo sexual na estatura, dimensões e proporções dos ossos longos
dos membros: o caso de uma amostra Portuguesa dos séculos XIX-XX. Dissertação de
Mestrado em Evolução Humana, Departamento de Antropologia, Faculdade de Ciências
e Tecnologia, Universidade de Coimbra.
McCloy, R. A. 1990. A new model of job performance: an integration of measurement, prediction,
and theory. Doctoral dissertation, University of Minnesota.

194

Contribution in an electronic monography

American Anthropological Association. 2009. AAA Style guide 2009. [Online]. Arlington, VA,
American Anthropological Association. [Accessed in 6-10-2010]. Available at: http://
www.aaanet.org/publications/guidelines.cfm.

Online pages [provide full URL]

World Health Organization. 2010. Social determinants of health: key concepts. [Online]. [Geneva],
World Health Organization. [Accessed on 20-09-2010]. Available at: http://www.who.int/
social_determinants/thecommission/finalreport/key_concepts/en/index.html.

Corresponding author of an accepted manuscript will receive an e-mail notifica-


tion when proofs are available for review (alterations to the main text are not accepted
at this point).
The first author of each article will receive two printed volumes of the journal. The
author(s) of interviews and reviews will receive one printed copy.
A publishing agreement is determined between the author(s) and the journal,
including that Antropologia Portuguesa is granted the exclusive right to publish and
distribute an article.
(Página deixada propositadamente em branco)

Você também pode gostar