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R01311 96041
Afirmar que este livro representa a maturidade ficcional de
João Almino é muito pouco. No entanto, se alguém dissesse
que através de O livro das emoções o autor atinge a sua
decantação de linguagem, a observação traduziria de fato o
que a obra traz de novo. Aqui o estilo dos romances de João
não sofre qualquer desfiguração, mas apenas o aprimora-
mento de um escritor que conhece seu ritmo, feito de branda
loquacidade nas descrições e de muitas reticências na pon-
tuação de sua veia melancólica. Aliás, citar o desenho da
melancolia diante de um trabalho de João é um verdadeiro
truísmo. É, a cada livro, o que ele tem de melhor para ofere-
cer literariamente. Trata-se de um sentimento sutilíssimo,
como um adágio perpétuo. A narrativa vai se construindo
como em um puzzle, tentando encaixar suas tensas peças
para formar um vazio, sem jamais derrapar para o melodra-
ma. O livro das emoções tece uma delicada urdidura, afas-
tando-se dos pesadelos ou dos transes edênicos. Esse pro-
tagonista intelectual, fotógrafo, morador de Brasília (a cidade
fetiche do escritor), pode lembrar um heréi de ecos existen-
cialistas, com a consciência misteriosamente abalada —
pertencente talvez à família de Moravia, quem sabe do cine-
ma italiano dos anos 1960 e 1970... Diante dessa ficção,
lembrei de certas atmosferas de insinuações morais de
La Dolce Vita e La Notte. Nelas avultam as viagens do prota-
gonista pela carnalidade da mulher, tão atuantes no romance
de João como nos dois cineastas seminais do cinema contem-
porâneo. As sugestões contrastantes a esses “heróis pro-
blemáticos”, porém, parecem acenar em cenários diáfanos,
líricos, que certamente saberiam acolher alguns personagens
de Truffaut. Outro cultor, aliás, da força feminina.
https://archive.org/details/olivrodasemocoes0000almi
o livro
as 4.
emoções
joão almino
O livro
das ..
emoções
ISBN 978-85-01-08018-9
CDD - 869.93
08-1243 CDU - 821.134.3(81)-3
Michael Palmer
Prefácio
Alcir Pécora
6 de junho de 2022, madrugada
8 de junho, manhã
9 de junho
10 de junho
26 de junho
27 de junho
28 de junho
Tive uma idéia para O livro das emoções. Vou dar a voz
não a mim, mas a outro Cadu, vinte anos mais novo, o que en-
xergava e compôs o diário fotográfico. É uma mameira de escon-
der minha bengala, bem como meu caminhar lento e cansado. Ele
senta-se a meu lado e vem falar comigo. Traz uma caixa cheia de
fotografias, que começa a me mostrar, uma a uma.
29 de junho
[29 de junho]
1. Geometria da dúvida
29 de junho, noite
1º de julho
[1º de julho]
3. Noturno à beira-mar
4. As formas do problema
4 de julho
[6 de julho, à noite]
5. Os olhos de Marcela
11 de julho
[11 de julho]
[12 de julho]
[14 de julho]
rias vezes. Claro, não pude ver o resultado, mas cada foto está
associada ao sorriso que imaginei em seu rosto, a palavras que
ouvi de sua boca, a seu cheiro e à delicadeza de suas mãos.
Pedi-lhe que localizasse uma foto em que uma calçada de en-
trequadra de Brasília imita as de Copacabana. Não posso impedir
que ela leia uma ou outra frase de meu Livro das emoções quando
me ajuda a intercalar as fotos. Mas devo redobrar a segurança em
relação a este diário, que preciso manter em segredo absoluto.
O peso da data me levou à Bastilha e à Revolução Francesa e
de lá, por vias travessas, a minha juventude, à única garrafa de
champagne que me restava e a uma velha canção de Serge
Gainsbourg.
— (Quero brindar à nossa amizade! — eu disse.
— À nossa amizade! — ela respondeu, fazendo tilintar sua
taça na minha, enquanto ouvíamos a canção de Gainsbourg:
Aux armes, et caetera...
Tremblez, tyrans et vous perfides
Popprobre de tous les partis
Tremblez! vos projets parricides
Vont enfin recevoir leurs prix!
«Aux armes, et caetera.
[14 de julho]
9. Copacabana em Brasília
[15 de julho]
12. Aída
17 de julho
Não mostrei meus escritos a Maurício. Por mais aberto que ele
seja e por mais que goste de mim, não creio que viesse a apreciar o
que escrevi até agora sobre sua mãe. Eu não precisaria realçar tan-
to meu vício inveterado de voyeur, que nem a cegueira corrigiu. Talvez
na revisão eu vista mais completamente as mulheres naquele bar,
tape qualquer transparência com tecidos mais grossos, cores mais
escuras ou roupas íntimas menos minúsculas, ou então desvie a vista
para a luminária antiga, as pinturas na parede ou para os bancos
duros de madeira. De meu reencontro com Aída não esqueci se-
quer os detalhes mais mínimos e secundários.
Depois que ele saiu, fiquei refletindo sobre o desejo e a sua
aritmética, vistos da perspectiva de um velho. Tenho quase o do-
bro da idade de Humbert Humbert; em compensação, Laura é
mais do que duas vezes mais velha que Lolita, e por isso, se algo
acontecesse entre nós, não causaríamos o mesmo escândalo que
esses personagens de Nabokov. E haveria para mim a vantagem
de rejuvenescer, pois, como imagino que conste dos melhores ma-
nuais de medicina, um amor com uma jovem é como um tônico
da vida. Com Laura a meu lado eu viveria pelo menos mais vinte
anos; e quanto mais a gente vive, as idades que antes pareciam
distantes se aproximam. Se hoje Laura tem apenas pouco mais de
um terço de minha idade, em vinte anos já terá metade.
Encontrei um sentido muito concreto para a expressão “ou oito
ou oitenta”. É certo que Laura não tem oito anos, nem Joana atin-
giu os oitenta. Somemos oito e oitenta, façamos a média e devo
me contentar em ficar lá no passado, com Aída e seus quarenta e
quatro anos.
O LIVRO DAS EMOÇÕES 63
18 de julho
[18 de julho]
bém sobre sua quadra, o que mais gostava e o que ia ser quan-
do crescesse. Deixei que ele posasse e colhi várias expressões
alegres. Uma delas se vê na foto de número 15. Alto para sua
idade, Maurício levanta os dois braços, como para espregui-
çar-se, a mão direita segurando a esquerda. O fundo escuro
da foto contrasta com o amarelo de sua camiseta, onde se lê
o número dez. Seu olhar é confiante e maroto. Está inteira-
mente à vontade diante da câmara.
— "Tu vais ser meu amigo, não é? — perguntei.
— Já sou.
21 de julho, madrugada
Tenho esta frase tão simples mais presente do que nunca, pois
Maurício é hoje meu melhor amigo e até mesmo confidente. Há
dias lhe mostrei as fotos de Laura. Ele as elogiou e, por tudo o que
comentou, concluí que acertei em cheio: ela é atraente, embora
de uma beleza não apreensível à primeira vista. Desenhei na mi-
nha mente um retrato de Laura. À cegueira tem a vantagem de
compor a beleza com mais elementos do que a mera aparência
física — e esta tendo seus contornos traçados pelo tato, que sente
o objeto mais de perto do que a visão.
— Não sei se é verdade, mas, pelo físico, me lembra Joana; e
de espírito tem algo de tua mãe — eu lhe disse.
Logo me arrependi de dar a impressão de estar interessado
numa jovem de vinte e cinco anos. Ele não entenderia se lhe ex-
blicasse que gosto de ouvir a voz dela e de imaginar suas formas.
Só passar aqui, me dar bom-dia, para mim já é muito. Ela enche
74 JOÃO ALMINO
meus dias de vida, o que não pode ser desprezado por quem já
sente o cheiro da morte. Referi-me à sua inteligência e sensibilida-
de. Ele ainda não a conhece, mas pareceu concordar comigo. Pedi
que abrisse um arquivo de fotos muito antigas de Joana, compa-
rasse com as de Laura e me confirmasse se as duas se parecem.
— Nem um pouco. São belezas diferentes. Para início de
conversa, uma é loura e outra morena.
— Esse louro é artificial — esclareci.
Laura tem vindo aqui todas as semanas, mas nunca me dera
um abraço tão carinhoso quanto hoje quando chegou. Talvez te-
nha se alegrado por me ver quase restabelecido. Senti seu corpo,
seus seios tocando meu torso. Será que depois de uma certa idade
perde-se o direito de sentir a presença física de uma mulher boni-
ta? Se existe o Criador, teve um impulso sádico quando inoculou
num velho o desejo por uma jovem.
E eu, o que desperto em Laura? Devo ser realista. A realida-
de é a realidade: ela tem simpatia por mim como teria por um avô.
Tenho sorte de estar cego para não ver diariamente no espelho mi-
nha face enrugada. Mas as mulheres surpreendem. Há entre elas
as que não se prendem aos detalhes físicos... E no tempo de meus
avós não parecia absurdo que um senhor de trinta e cinco anos se
casasse com uma mocinha de treze. Multipliquemos ambas as par-
celas por dois e, proporções guardadas, talvez não fosse completa-
mente absurdo que eu e Laura... Devo afastar de minha mente
essas elucubrações. Já me sentirei satisfeito em captar com meu
olfato o seu perfume e com meus ouvidos a delicadeza de sua voz.
(Quem sou eu para ter o direito de amá-la! Já sonhar com abra-
ços, por que não?
Quase não trabalhamos. Senti um prazer inesperado em lhe
O LIVRO DAS EMOÇÕES [6]
22 de julho
[22 de julho]
[23 de julho]
17. Flores-de-abril
Não me respondeu.
— Morro de saudades de ti — eu disse.
— Você quer apenas uma mulher, qualquer uma, do seu
lado.
— Joana, vem a Brasília, ainda que seja por um fim de
semana — reduzi ainda mais meu pedido.
— Vou pensar no seu caso.
Ao ouvir aquela frase, me senti o vencedor de uma gran-
de batalha.
Se tinha muitas fotos de Joana e me sobravam triângulos,
me faltavam flores. Com elas, acrescentaria ainda uma tercei-
ra parede — e até mesmo uma quarta — à minha exposição,
caso conseguisse reuni-las em número suficiente. Busquei-as
na própria quadra. Fotografei as flores-de-abril, as paineiras,
barrigudas, com suas bordas cor-de-rosa e centros de tufos bran-
cos. Aquelas fotos fizeram meu dia. Selecionei a que me pare-
ceu mais vibrante, alegre e delicada. É a que se vê acima.
[24 de julho]
[25 de julho]
[26 de julho]
31 de julho
[1ºde agosto]
[2 de agosto]
23. Violeta
4 de agosto, madrugada
[7 de agosto]
11 de agosto
[16 de agosto]
descrever alguém por seu peso e altura. Mas não consigo uma
maneira mais clara de traduzir em palavras a imagem que fi-
cou registrada em minha cabeça e também naquela fotogra-
fia, a de número 27 acima.
17 de agosto
[18 de agosto]
28. O ipê-roxo
[19 de agosto]
21 de agosto
22 de agosto
Não vou seguir o roteiro das fotos que selecionei ontem com
Laura, pois devo comentar, com ou sem foto, o desenlace de uma
história que ficou pendente.
[22 de agosto]
[23 de agosto]
28 de agosto
vou lhe pedir que faça a revisão de meu Livro das emoções. Que
ele melhore o estilo e, se não gostar do conteúdo, que me perdoe.
Não pus nem porei ali nada a mais do que foi vivido. A menos,
sim. Faltarão sempre palavras para descrever a dor profunda.
— Laura tem razão — Maurício me disse. — Você não es-
quece uma imagem.
— Esqueço, sim, e muitas. Mas não me esqueço de tinem de
tua mãe.
Agora que ele partiu, vim atualizar no computador este meu
diário e escrever mais algumas páginas de meu Livro das emo-
ções. Servi-me de uma taça de vinho. Pela janela entra o cheiro
alcoolizado dos carros que lotam as ruas. Ainda bem que não di-
rijo e quase não saio de casa.
Os helicópteros deixam o céu confuso. Consigo neutralizar seus
barulhos ouvindo Cole Porter em volume alto. Marcela está a meus
pés e, bela maneira como apóia a cabeça sobre meus sapatos, sei
que está contente com minha escolha musical.
[29 de agosto]
[30 de agosto]
Para meu livro ela me ajudou a buscar mais uma foto do ipê-
roxo; e outra, de Antonieta deitada na cama com Aída.
— Era uma amiga nossa. Foi uma mulher belíssima —
expliquei.
Chamou-lhe atenção o garoto de olhar triste, recostado sobre
a janela.
— É Maurício no dia de meu casamento com Aída.
— Posso imprimir? — ela me pediu e me contou que tem visto
Maurício de vez em quando. Mais não disse, nem perguntei.
[2 de setembro]
[4 de setembro]
4 de setembro
5 de setembro
7 de setembro
7 de setembro, à tarde
[10 de setembro]
— Não quero ficar com meu pai. Quero morar com você.
— Prometo que vou te fazer companhia. Ou melhor, tu
vens viver comigo.
— Papai não quer Quer que eu vá morar com ele.
— Vamos ver. A gente dá um jeito.
À primeira providência seria me casar com Aída. Ela es-
tava divorciada, podia se casar. Voltei ao assunto.
— Não quero que você se case por pena de mim — ela
me disse.
— Quero me casar contigo porque gosto de ti. Eu já ti-
nha te proposto casamento.
— Antes de saber de minha doença.
— Ela não me faz mudar de idéia.
Juntei a papelada. Queria que o casamento fosse realiza-
do logo e com separação de bens, para que a família de Aída
não presumisse que eu pretendia disputar a herança. A fa-
mília se limitava a três irmãs pálidas, duas mais velhas e uma
mais nova, que haviam chegado de Goiânia e estavam acam-
padas em nosso apartamento.
Em questão de dias, convenci o juiz e o padre a virem em
casa para as cerimônias. Casamento no civil, seguido do ca-
tólico. Presentes apenas Tânia e Paulo Marcos, ainda sepa-
rados, Antonieta com o namorado e as irmãs de Aída. Tânia,
compenetrada em sua beleza séria, era a madrinha do casa-
mento católico.
A alegria de Aída, ajudada pela maquiagem e o amarelo
vibrante de seu vestido, se sobrepunha aos efeitos da doen-
ça. Não quero aqui me deter na descrição da chuva que
parecia salpicar de tristeza a felicidade daquela tarde de se-
172 JOÃO ALMINO
[11 de setembro]
[12 de setembro]
[13 de setembro]
[14 de setembro]
16 de setembro
23 de setembro
[23 de setembro]
49. Ipê-branco
[24 de setembro]
50. A cartomante
[25 de setembro]
[26 de setembro]
[5 de outubro]
[5 de outubro, noite]
Procurei Pezão.
— Preciso te contar algo muito sério — anunciei, sobre
a mesa do bar, depois de vários chopes.
— Se quer descolar grana do negócio, desista. Não ti-
nha computador lá, meu irmão.
— Sou teu pai.
— O que é isso, cara? Está ficando maluco?
Contei-lhe em detalhes.
— Você, meu pai? — Balançava a cabeça, parecendo não
acreditar.
— Quero uma foto contigo.
O LIVRO DAS EMOÇÕES 209
7 de outubro
deixar alguma herança e não saiba que minhas dívidas valem mais
do que meus bens, ainda que faça bom negócio com minha
Hasselblad e minhas Leicas antigas.
— Não precisa o exame — eu lhe disse. — Reconhecê-lo
como filho, que eu saiba o único que fiz, é como me completar.
Vai servir para provar o sentido maior de um prazer passageiro.
Ainda assim ele exige o exame.
8 de outubro
Carolina me lembra cada vez mais sua mãe, até mesmo nas
atenções para comigo. Quis vir almoçar aqui e me trouxe a comida
pronta. Ela mesma fizera um lombo de porco, acompanhado de
farofa. Falamos sobre os fantásticos desenvolvimentos da genética e
da medicina, dos desafios da Amazônia e do Nordeste, da miséria
constante, das mais recentes guerras e da nova geografia econômi-
ca do mundo. Já estou velho o suficiente para saber que o futuro
que vislumbrávamos nunca foi nem será atingido, mas ainda guar-
do juventude bastante para viver sem passado nem futuro e sobre-
tudo para jogar conversa fora com uma jovem simpática.
— (Quando a realidade decepcionar, não se dê por vencida.
E nunca deixe de aproveitar o lado bom da vida — aconselhei-a.
Minha afilhada se ofereceu para ajudar na organização das
fotos, caso Laura não possa vir com a mesma fregiiência. Assus-
tei-me com a hipótese.
— Por que Laura não pode mais vir?
— Não, não sei. Ela não me disse nada. Só penso que, tendo
de conciliar seu trabalho com as tarefas de dona de casa...
O LIVRO DAS EMOÇÕES 2
[10 de outubro]
[11 de outubro]
olhos já não viam com perfeita nitidez e ainda não sabia que
aqueles eram os sintomas da doença impiedosa. Foi a última
das fotos para meu painel de flores, a de número 56 acima.
[15 de outubro]
[17 de outubro]
[19 de outubro]
19 de outubro, noite
[22 de outubro]
vão fotografar o que não via, o carro que partia sem me pres-
tar socorro.
— É um louco — gritou um menino. Outros riam à mi-
nha volta.
Distingui a voz grossa de um adolescente:
— Deixem Cadu em paz.
Uma vez mais o improvável acontecia comigo: minha
câmara ficou intacta e, respondendo aos movimentos nervo-
sos de meu dedo indicador, registrou algumas cenas. Dizem-
me que na fotografia desfocada reproduzida acima, a de
número 59, que prova a hipótese de um inconsciente ótico, a
luz é misteriosa, há um movimento colorido em forma de esse
e uma plasticidade de obra de arte. Uma foto mecânica, de
enquadramento adivinhado pelo olhar objetivo da máquina,
um olhar que às vezes surpreende, que pode ver mais do que
o olhar humano e que conseguiu fixar para sempre não ape-
nas aquele exato momento, mas também o que veio depois.
30 de outubro
2 de novembro
Faz nove ou dez dias que não escrevo uma linha para meu
Livro das emoções. Não estava me sentindo bem e creio que por
isso pensei num acerto de contas, agora que melhorei: render ho-
O LIVRO DAS EMOÇÕES 233
[2 de novembro]
2 de novembro
3 de novembro
8 de novembro
20 de novembro
Querido Cadu,
que grata surpresa receber seu e-mail. Paulo Marcos e eu
estamos bem. Miami é agradável nesta época do ano. Já não está
tão quente. Dias lindos, de céu azul, depois da temporada de fu-
racões, que este ano quase nos pôs a perder a casa. Paulo Marcos
O LIVRO DAS EMOÇÕES 241
22 de novembro
30 de novembro
mais que abrisse meus olhos, eu não conseguia ver o que se passa-
va. Joana gemia, e seu corpo balançava. Agora eu ouvia clara-
mente um homem gemendo, colado atrás dela, desencadeando um
vai-e-vem de movimentos bruscos, a saia de Joana, levantada,
roçando as minhas pernas. “Me come, Eduardo, me come”, ela
dizia. “Quero te dar. Quero te dar aqui na frente deste bosta.”
Minha cama balançava mais fortemente. Além de não enxergar,
um pano tapava a minha boca e haviam me amarrado à cama.
Joana gritava mais alto: “Vem, Eduardo. Vem. Mete, mete mais,
meu bem, mete tudo.” Eu tentava em vão me soltar.
Acordei suando frio, sentindo um profundo mal-estar. O so-
nho, real demais, me afetou fisicamente. Meu corpo ainda dói todo,
por fora e por dentro. Minha cabeça pesa.
— O senhor chamou várias vezes pelo nome deJoana. E pediu
o laptop — disse uma enfermeira que arrumava minha cama e
tentou me animar com comentários a uma novela de televisão.
5 de dezembro
8 de dezembro
9 de dezembro
Ihnaliw
| Il
91788501 | ,