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Balaio
de gato
Goiânia
2020
Ficha catalográfica
Diagramação
Lara Karolina da Silva Vieira
Impressão
Gráfica PUC
Balaio
de gato
Contos e crônicas
Agradeço a Deus por me oportunizar a publicação
de mais um livro. Sou grato a minha esposa, às minhas
filhas, aos meus pais e irmãos e também aos diversos
amigos que leram os originais, fizeram críticas, sugestões
e, principalmente, encorajaram-me a publicar esta obra. O
meu muito obrigado a todos eles e às demais pessoas que
contribuíram direta ou indiretamente para a realização
deste trabalho.
CONSIDERAÇÕES DO AUTOR
Balaio de Gato 15
apresentar situações cômicas, trágicas ou, no mínimo,
curiosas.
Apesar de não serem relatos reais, os contos e
crônicas retratadas em Balaio de Gato nos trazem aquela
sensação de “já vivi” ou “conheço alguém que já viveu”, tudo
com uma linguagem simples, mas recheada de vocábulos
que revelam a riqueza intelectual do autor.
Dos esbarrões em estacionamentos e dilemas
da velhice e casamento, aos laços de amizades que se
desfazem com o tempo, as agradáveis linhas deste livro
revelam que o cotidiano, tanto o meu quanto o seu, nada
mais é que uma inesgotável fonte de inspiração. Ah,
quantas histórias fabulosas vivemos em cada dia dessa
aventura chamada vida!
Leopoldo Veiga Jardim.
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os dias, talvez pelo pouco tempo de casado: apenas duas
semanas. Morávamos em um apartamento, mas Virgínia
dizia “apertamento”. Seu senso de humor atraía-me ainda
mais. O imóvel localizava-se no centro da cidade, na Rua
Josimar Flávio de Giuliano esquina com a Avenida Eder
Chasley Leite, ao lado da concessionária de veículos do
Zeca Salvino.
Compramo-lo quando éramos noivos. Era pequeno,
porém quase confortável, com dois quartos, um banheiro,
uma pequena cozinha e uma sala que dava para uma
minúscula sacada. O suficiente para duas pessoas, pois não
pensávamos em ter filhos.
Depois de 15 dias de casados e alguns minutos para
completar a primeira noite sem sexo, deitei-me. Naquela
ocasião, preferi a partida do Palmeiras ao jogo da sedução.
Ao me aproximar da cama, ouvi a minha amada pronunciar
algo estranho. Não! Não fora o nome de outro homem, caros
leitores de Nelson Rodrigues. Apenas descobri que, além de
estar ao lado dela na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, também teria que conviver com um inconveniente
barulho.
A descoberta frustrou-me, é verdade. Mas dizem
que o amor é cego, e eu pensei comigo:
– Tomara que seja surdo também!
O ronco de Virgínia não iria atrapalhar a minha
Balaio de Gato 19
Eu tinha perdido a batalha, mas não a guerra. Dessa vez,
não tive os mesmos cuidados. Ao contrário, desejei acordar
Virgínia com a minha recomposição – o que, infelizmente,
não aconteceu. O barulho feito por mim, ao me deitar,
foi insignificante comparado ao som do ronco da minha
amada. Fechei os olhos, a alma e o coração. Concentrei-me
esperançoso e gritei em pensamento:
– Desta vez eu consigo!
Esforço em vão! Restavam-me somente quatro das
oito horas de sono, e aceitar a derrota era preciso. Resignado,
dirigi-me ao melhor companheiro de um homem casado:
o sofá.
No dia seguinte, como de costume, ela se levantou
primeiro. Entretanto, para sua surpresa, encontrou-me
longe da cama.
– Amorzinho!... é hora de trabalhar. Vamos
acordando! – disse-me com sua voz angelical. Sim, a voz
era suave e doce. Um concerto para os ouvidos.
Acordei e quase dei-me folga naquele dia. Parecia
que não havia dormido nem a metade das horas que me
restaram.
– Por que é que você dormiu no sofá? – perguntou
incrédula.
– Ontem assisti ao jogo e acabei pegando no sono –
menti, porque não tive a coragem de falar a verdade.
Balaio de Gato 21
Turma da Rua Ivonês
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havia terminado, mas haveria de ter sobrado algo da
amizade juvenil.
Cabelos longos e gestos requintados, Cabral não
parecia mais aquele garoto ingênuo e grosso em suas
maneiras. Mantinha uma postura refinada e delicada. Ao
ver o amigo, indagou:
– O Ica e o Carloso, como estão?
– Bem! Todos ainda moram na Rua Ivonês.
– Por que eles não vieram com você?
– Porque não foram convidados. Na verdade, nem
eu fui – disse Pedro mostrando um pequeno sorriso com
os lábios cerrados. Eles estão magoados porque não foram
convidados para a sua festa quando você retornou ao Brasil.
– Mas eu também não te convidei agora e você veio
me ver, não veio?
– É, mas eles...
– Não tem desculpas! Quer saber? Melhor que não
tenham vindo me visitar!
Pedro estranhou o comportamento e o tom
arrogante. No entanto, o que mais chamou sua atenção
foram os gestos exagerados de Cabral e o beijo que ganhou
no rosto, na despedida.
Ele foi embora e levou junto a decepção do encontro.
Com o passar do tempo, Pedro se cansou de insistir na
reaproximação. Para o Ica e o Carloso, ele nem deveria ter
Balaio de Gato 25
Carloso e Ica para o seu casamento. Todos ficaram surpresos
em vê-los na cerimônia... Sabiam da antipatia que o senhor
Juarez nutria pelos colegas de infância do filho. Era uma
grande decepção para o austero pai.
A Europa pode até ter esfriado a amizade deles, mas
o calor latino foi mais forte e estreitou novamente os laços
da turma da Rua Ivonês.
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Vanessa já estava com 28 anos e havia quatro
trabalhava na imprensa. Seu pai era dono de uma farmácia
de manipulação, localizada na Avenida Cláudio Marques,
no bairro Moacir Júnior. Entre as receitas e formulações,
lia tudo de Guimarães Rosa. Era um fanático pela literatura
brasileira. Dizia que havia no mundo dois livros que o
ser humano não poderia morrer sem antes lê-los: a Bíblia
Sagrada e o Grande Sertão: Veredas. Para o farmacêutico, o
médico era o maior escritor brasileiro de todos os tempos.
Reconhecia, era verdade, o mérito e o talento de Machado,
todavia não admitia comparações. Já a filha preferia as
poesias de Drummond.
A jornalista, que iniciou em programas esportivos
no rádio, migrou para o impresso, passando por vários
cadernos do jornal Diário da Manhã, Jornal Opção e,
atualmente, trabalhava como repórter na editoria de
Cidades em O Popular. Numa tarde ensolarada do mês de
maio, o seu telefone tocou e do outro lado da linha alguém
lhe ofereceu a chave para a realização de um sonho. Era uma
proposta de trabalho num grande jornal diário de São Paulo
(SP). O convite apareceu em seu caminho como a pedra do
poeta. No seu caso, o obstáculo tinha o nome de dona Sônia.
Apesar da ligação literária com o pai, era pela mãe que o
coração de Vanessa batia mais forte.
A filha, acostumada a dar notícias profissionalmente,
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já era sondada para assumir a editoria do caderno.
O pai guardava todas as matérias produzidas e
publicadas pela filha, organizadas numa pasta. Fazia questão
de mostrar aos familiares e amigos cada publicação. Aquelas
que saíam na primeira página do jornal eram ostentadas e
tinham um lugar especial no arquivo pessoal do “pai-coruja”.
O farmacêutico deixou de colecionar as matérias
depois de três anos que a filha se mudara para a capital
paulista. A última reportagem arquivada na pasta foi
manchete de capa em todos os jornais do país.
A reportagem destacava a notícia trágica da morte
da jornalista Vanessa Campos Sobrinho, assassinada pelo
namorado e também jornalista Ricaldo Alves, às 22 horas,
da noite de 21 de agosto de 2012.
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Com os dedos polegar e indicador da mão direita, na
forma de uma chave, estiquei a pele do rosto em direção às
extremidades do pescoço. Talvez na esperança de trazer um
pouco da juventude perdida. Porém, bastava desprendê-la
para que as pelancas voltassem a se formar. No espelho do
banheiro, eu via o reflexo do meu pescoço.
– Igual ao de um peru! – exclamei.
Encontravam-se também sinais de outra ave em
minha face. As pegadas de galinhas eram cada vez mais
profundas. Os olhos já não eram os mesmos! Não tinham
mais a mesma capacidade de observação. Eles continuavam
verdes, era verdade, mas sem o brilho das esmeraldas de
antes. Tentei esboçar um sorriso, mas os poucos dentes –
ainda os tinha –, amarelados e podres, fizeram-me mudar
de ideia. O tempo é implacável. Por um instante, senti-
me envergonhado da minha própria velhice. Como se eu
tivesse culpa de ter perdido a beleza jovial com o passar dos
anos.
Ao lavar o rosto, as remelas iam embora com a água
pelo ralo, mas a pele enrugada permanecia. A testa, que
dobrara de tamanho com a queda dos cabelos, era cheia de
sinais horizontais. Formavam-se verdadeiros ideogramas
japoneses com o arquear das sobrancelhas. Os cabelos,
perdidos na cabeça, renasciam com força dentro do nariz
e das orelhas. A barba era mantida para esconder parte das
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– A sua orelha vai virar uma muxiba de tanto perder
hoje – provocou Joaquim Felizardo.
O tabuleiro do jogo era desenhado no próprio banco
e as peças improvisadas com tampinhas de refrigerante. As
daquele dia eram vermelhas da Coca-Cola e azuis da Pepsi.
Naquela manhã de domingo, perdi todas as partidas que
disputei. O fazendeiro Miltão Parobeiro fez a festa. Ganhou
de todos; nem o João Donana conseguiu vencê-lo.
No caminho de volta para casa, senti o sol mais
agressivo. Eu estava percorrendo sozinho o trajeto;
nenhuma árvore se atreveu a me acompanhar. A camisa
estava ensopada com a quantidade fora do normal de suor
que exalava do meu corpo. A cabeça doía, pois estava sem
proteção. Havia esquecido no criado-mudo do quarto o
chapéu de “lebre”, presente do meu querido neto de Goiânia.
O sol ganhava força a cada minuto morto. O ar
quente do asfalto penetrava com força em meus pulmões. O
peito ardia, o coração batia acelerado e eu já não conseguia
respirar. Tentava desabotoar os primeiros botões da camisa,
mas os dedos não os encontravam. Os raios solares já não
iluminavam os meus olhos e os meus passos não tinham
direção. Eu estava perdendo os sentidos e... de repente,
tudo escureceu de vez.
Acordei assustado! Mais suado do que antes
e deitado numa cama. O coração continuava fora de
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O Capital
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se socialista, não conseguia esconder sua veia anarquista.
Quando ouvia acusações a Bakunin, arrumava sempre
uma desculpa para sair mais cedo dos debates.
Guilherme apoiava as posições dos amigos
historiadores, porém havia um ponto em que discordava
veementemente deles: a legenda política. Ele era petista,
enquanto Walter e Gustavo eram militantes do PC do
B. Guilherme, assim como o futuro médico André, não
suportava ouvir críticas ao Partido dos Trabalhadores,
principalmente as que insinuavam a desarticulação do
partido devido às alianças com a burguesia.
Vinícius – que já se considerava doutor – era o
capitalista e dava mais atenção às revistas Playboys do
que aos livros e autores que incendiavam as discussões
ideológicas na república. De família tradicional de
Ouvidor (GO), preocupava-se apenas em usar roupas de
grife, em frequentar estabelecimentos de alto padrão. Era
um defensor ferrenho da elite conservadora.
Apesar das discrepâncias sociais e ideológicas
dos moradores da República Pequizeiro, o ambiente
era harmônico e de efervescência cultural, onde todos
se respeitavam. O local também era ponto de encontro
e festas para outros estudantes, de diferentes turmas
universitárias, além dos sete amigos moradores da
república.
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aranhas; pensativo, voltou-se aos amigos, balançando a
cabeça como forma de corroboração.
Com a ajuda de todos eles, Bruno começou a
separar alguns antigos livros da época em que estudou no
Colégio do Raniere, em Catalão. Também pegou com os
amigos materiais emprestados de vários cursinhos pré-
vestibulares
Não demorou a data tão esperada. Ele estava
confiante, pois em biologia e química era afiado, por se
tratar de disciplinas da grade do curso de agronomia.
história, filosofia e sociologia sempre foram o seu forte.
Foi preciso apenas relembrar um pouco as disciplinas
de matemática e português. O inglês não era problema,
dominava bem o idioma.
Bruno fez as provas do vestibular de ciências sociais
com a certeza de sucesso. Durante dois dias reviveu o
tempo e a ansiedade de vestibulando. A euforia veio com
o gabarito em mãos e o seu nome divulgado nas rádios
e ostentado numa lista de aprovados, colada na parede
do Bloco B da universidade. A alegria era a mesma de
qualquer vestibulando; afinal, ele o era. Só foi diferente no
visual. Os colegas entenderam que era preciso que o amigo
comunicasse primeiro à família para depois submeterem-
no ao ritual tradicional de comemoração, o que incluiria a
raspagem do seu belo cabelo.
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aprovado. Agora não é apenas papo; serei, sim, um
sociólogo.
– Se você não for estudar agronomia vai ficar sem
estudar. Pois se não for para ser um agrônomo eu não lhe
dou mais nenhum centavo!
– Mas, pai!...
– Não tem “mas”, não tem mais nem menos!
Aos prantos, Bruno dirigiu o olhar à mãe, como a
pedir por sua intercessão. Ela assim o fez; interferiu, pediu,
implorou e até chorou. Mas José de Oliveira Valadares era
daqueles homens de uma só palavra.
– Filho! – continuou o patriarca –, o seu futuro é
trabalhar na roça. Estou lhe dando a oportunidade de ser
um doutor da terra.
– Mas a minha vontade é ser sociólogo!
– Isso você não vai ser. Ou será um agrônomo ou
um simples trabalhador rural. Você decide!
A paixão pelas ciências sociais falava alto no
coração do jovem, mais alto ainda por Karl Marx; porém,
era quase inaudível perto da sonora vontade do pai.
Bruno não disse mais uma só palavra. O silêncio pode
dizer muitas coisas. Naquele momento, gritava palavras
de ofensas.
Meses depois, o estudante viu passar a data de se
matricular em ciências sociais, deixando escapar a chance
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O jogador
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Tião da Nina tinha 24 anos; os mais recentes deles
vividos na mesa de cacheta do Floriano Ademir de Lima,
um senhor de 65 anos de idade e afamado por sua valentia.
Ele comandava os jogos havia mais de cinco anos naquele
recinto, que tinha um bar como fachada. Nunca jogava!
Dizia que tem certas coisas que o homem não deve misturar
– o jogo era uma delas.
– Ou você é jogador ou é administrador – dizia.
Andava sempre com uma pequena bolsa de couro
de cor preta debaixo das axilas, que escondia um “três-
oitão”. Suas palavras sempre foram suficientes para não o
mostrar a ninguém.
Vários amantes do carteado frequentavam o seu
pequeno cassino. O Malazoia era um deles e, de tão presente,
ganhou a confiança do dono. Outro era o Marco Pedroso,
proprietário de uma grande loja de móveis e representante
da pequena elite da cidade. O empresário perdia quase
sempre! Há boatos de que, numa única noite, perdera mais
de R$ 20 mil. O caminhoneiro Serninho, cunhado do João
Luiz Carlos Borges, e o filho da Maria de Lourdes também
eram assíduos.
O percentual da casa era de 10% do montante de
cada rodada. Floriano garantia o prêmio ao ganhador e
emprestava dinheiro a quem necessitasse, mas com uma
condição: o prazo máximo de pagamento era de uma
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extrapolou o prazo do empréstimo, e amanhã à noite eu lhe
espero para acertarmos tudo – propôs Floriano, encerrando
a conversa.
O medo obstruiu na garganta de Tião da Nina a voz
para a aceitação do convite, por isso sua resposta veio com
o balançar da cabeça de cima para baixo.
A noite foi longa e o sono escasso. No outro dia,
o filho de Maria de Lourdes acordou às 9 horas. Aliás,
levantou-se da cama, pois não havia pregado os olhos. A
dívida lhe roubara o sono e a tranquilidade de sempre. Ao
se recompor foi direto à vizinha da casa da direita em busca
de uma solução:
– Tia! – era assim que ele se dirigia a ela – Estou
com um probleminha!
– Diga, meu filho!
O jovem relatou a situação em que se encontrava,
mas mentiu ao se referir à quantia da dívida com Floriano,
dizendo que era de R$ 700,00. Talvez quisesse poupar
a cardíaca de uma maior preocupação. A boa senhora
cravou-lhe um olhar afável e disse com voz rouca:
– Filho, não se preocupe! Você sabe que não tenho
todo o dinheiro, mas...
Ao ouvir essas palavras, um sorriso ameaçou brotar
na face de Tião, porém, ele foi hábil e o segurou. Conteve
também as palavras, pois era preciso, antes, garantir o
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peço ajuda para quitar dívidas de jogo. Prometo também
que vou parar de jogar cacheta.
No momento da jura ele não cruzou os dedos. No
entanto, os malandros não precisam usar desse artifício
para fazer perjúrio. A mãe, no fundo de sua alma, sabia que
o primogênito não cumpriria a promessa, porém implorou:
– Tião! A Maraísa Lima me deve R$ 200,00 e a
Dolores Serafim, mulher do doutor Leonel Taffarel, R$
400,00. Diga a elas que mandei você pegar o dinheiro.
– Elas não vão acreditar em mim – disse Tião.
A mãe refletiu um pouco, o suficiente para lhe dar
razão. Todos na cidade conheciam a fama do filho. Elas
realmente não lhe dariam o dinheiro.
– Tudo bem! Irei eu mesma buscar após o almoço.
O relógio paraguaio marcava 13 horas. Depois de
muitos meses, o filho faria uma refeição em casa ao lado
da mãe. A genitora começou novamente a tecer a colcha
maternal, utilizando a linha do amor e o tecido do carinho.
O almoço ocorreu tranquilamente. Ele repetiu três vezes
o prato e ainda buliu na sobremesa: goiabada com queijo.
Depois de aguardar o quimo, ela foi se aprontar para visitar
as senhoras.
– Já vou buscar o dinheiro!
Quando já estava a caminho da salvação do filho,
este foi ter com a vizinha para lhe contar a nova:
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O sol se pôs; e ele pôs no corpo uma camisa do
Juventus, clube de futebol amador da cidade – conhecido
como Time do Cemitério. Na despedida, afirmou que
caminharia pela última vez até a mesa de jogos do Floriano.
Lá chegando foi recepcionado pelos companheiros:
– Até que enfim apareceu o patinho! – disse Marco
Pedroso.
– Mas não para jogar! – respondeu Tião.
– Você não veio jogar? Essa é boa! – duvidou
Serninho.
– Se veio falar com o Floriano, ele não está. Se você
veio jogar, sente-se aí que vamos começar uma nova rodada
– disse o cantor Lesbão, no momento em que embaralhava
as cartas.
– Sente-se!... que hoje eu deixo você ganhar –
insistiu Malazoia.
O jovem não conseguia mais se segurar. A cacheta
falava mais alto que a sua consciência. Apesar da doação
de dignidade da mãe, Tião era um malandro na essência
e, por isso, não conseguiu cumprir a jura. Nas três
primeiras rodadas foi o ganhador. Na quarta, o dono do
estabelecimento chegou e, ao vê-lo, disse:
– Fico feliz pela visita, Tião. Já tenho que sair
novamente. Quando voltar a gente acerta!
Enquanto o dono se ausentava do local, Malazoia
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é nunca mais botando os seus pés aqui dentro. A segunda
é... tire a roupa!
– Não! Isso não, por favor! Eu sou homem, não faça
isso comigo pelo amor de Deus! – implorou aos prantos.
– Tira o nome santo de Deus da sua boca suja! E tire
sua roupa agora!... ou prefere levar um tiro na cara?
– Eu faço tudo o que você quiser, mas isso não. Por
favor!
– Não é o que você está pensando! Eu quero é a
sua roupa. Ela será a segunda forma de pagamento da sua
dívida – explicou Floriano.
Sob a mira da arma, Tião da Nina despiu-se, ficando
totalmente nu, e suplicou mais uma vez:
– Pelo amor de Deus! Deixe-me ir agora!
– Agora não, só mais tarde!
– Por quê? – questionou Tião.
– Porque hoje é dia de feira e eu quero esperar mais
tempo para que a rua fique lotada de gente. Quero que
todos sejam testemunhas do homem que você é; do homem
que não honra nem as próprias calças. Quem sabe assim
você cria vergonha e deixa de ser vagabundo!
Depois de duas horas trancafiado, o jovem foi
jogado na rua por Floriano a pontapés e socos. As pessoas
não acreditavam no que viam. Durante um mês, este foi o
principal assunto da cidade.
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O filho do falecido Cidão estava acostumado a fazer
promessas; porém, era a primeira vez que pronunciara
o nome do pai em seus juramentos. Pela primeira vez,
também, cumpriria a palavra. Como prometido, o jovem
não mais jogou cacheta.
Passou a jogar somente sinuca. Não aposta mais di-
nheiro, somente garrafas de cerveja. Tião da Nina trocou o bar
de fachada do Floriano pelo boteco de verdade do Pintassilgo,
onde passa o dia inteiro. E a maioria das noites também.
Os acidentes provocam traumas. Um
pequeno incidente pode provocar grandes estragos. A ida
ao cinema Lumière arrebentou com o carro do professor
de Literatura, Marcelo Vassil Rodrigues. Numa sexta-feira,
véspera de Natal, quando ele terminava de estacionar,
Balaio de Gato 57
ganhou uma cacetada na traseira de seu Celtinha. A
responsável pela barbeiragem foi a gaúcha Milena Alves.
Após a colisão e a constatação de que ninguém havia
se ferido, eles combinaram de não envolver a segurança
do centro comercial e nem a polícia no caso, uma vez que
a habilitação da jovem ainda era provisória (se dessem o
prosseguimento legal após o ocorrido, Milena poderia
perder a carteira de motorista). No acordo, o professor
ficou de conferir o valor do reparo de seu veículo e entrar
em contato com a moça logo em seguida. Ele não chegou a
fazer o orçamento, mas ligou:
– Oi! Aqui é o Marcelo, do acidente de ontem,
lembra?
– Sim, tudo bem! Já fez o orçamento?
– Na verdade, não. Olhei bem o carro e constatei que
o estrago foi muito pequeno e, por isso, acho que devemos
deixar isso pra lá – mentiu, porque o estrago foi feio!
– Se você prefere assim, tudo bem! Eu agradeço.
– Eu liguei também para convidá-la para, sei lá, nos
encontrarmos nessa semana. Ah! Desde que não seja no
estacionamento do shopping, é claro!... Brincadeirinha...
– A gente marca depois. Nesta semana não vai dar
porque tenho prova. Eu tenho o seu telefone e depois te
ligo! Pode ser?
– Claro, ficarei aguardando.
Balaio de Gato 59
ela lhe perguntava se a amava, ele respondia que sim. Um
sim seco, desacompanhado de comentários e sem o brilho
nos olhos. Como os da borboleta do mestre Machado, eles
eram pretos. Os olhos do professor não brilhavam, mas o
coração quase saía pela boca quando estava perto da amada.
O ciúme excessivo dele desgastava a relação, e a
preocupação de Milena com a proximidade do vestibular
foi, aos poucos, acalmando a paixão pelo namorado; ela já
se dedicava mais aos livros do que a ele. E raras eram as
vezes em que o questionava sobre o seu amor. Ele é que
passou a lhe perguntar sempre se ela o amava. A namorada
continuava a dizer que sim, mas aos poucos os olhos azuis
foram perdendo o brilho nas respostas. Perderam de vez
com o resultado da prova da Unicamp. Eles foram brilhar
em Campinas, São Paulo, longe de Goiânia, afastados do
namorado.
No início, a mudança para outro estado não
acarretou o fim do namoro; apenas o abalou. Porém, os
conselhos das amigas de república e o contato com novos
amigos e com os cadáveres da universidade fizeram com
que a estudante de medicina se esquecesse rapidamente
do corpo vivo e distante do namorado. Ele insistiu no
relacionamento, tentou ser ainda mais romântico, fez novas
poesias e mandou até telegrama. Não adiantou. A jovem
estava decidida. Ao contrário dos homens, as mulheres
Balaio de Gato 61
A nova máquina
do sexo
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confiança deles apresentando-os nas rodinhas de mulheres
como seus grandes amigos. De vez em quando, até carro
emprestava.
Fontenele, o filho do poeta Gerson Santos, era um
deles. Como trabalhava numa cervejaria, a bebida sempre
foi por sua conta, o que lhe dava ainda mais moral com o
filho da doutora e, de vez em quando, lhe rendia também
alguns olhares femininos. Depois que começou a trabalhar
numa loja de roupas, ele ficou mais ajeitado e passou a
contabilizar nomes femininos. Porém nada comparável ao
amigo Adolfo.
Poucos anos depois, a cidade era da prole da doutora
Divina Soares. Sua filha cresceu, virou mulher. A mais
bonita e cobiçada de Ouvidor e região. O irmão morria
de ciúmes. Depois que a irmã explodiu em formosura, ele
se viu alvo dos inimigos e até mesmo dos amigos. Sabia
que todos os rapazes queriam vingar-lhe pelas bocas não
beijadas, pelos corpos não descobertos e pelas cartas de
amor nunca recebidas. Até então, tudo e todas eram para
Adolfo.
Mas o tempo passou e Deus deu aos outros rapazes
o mais belo corpo, a mais bela das mulheres. Tão linda que,
da mesma belezura, ninguém havia provado na cidade.
Uma mulher de quem Adolfo não roubaria o coração nem
a pureza. Dele, a jovem tinha somente os olhos verdes e o
Balaio de Gato 65
Mesmo assim, os comentários maldosos já começavam a
surgir.
Desculpe-me, leitor(a)! Até agora não informei
o nome da filha da doutora Divina Soares. Seu nome era
Larissa, dona de um par de olhos verdes, herdados do pai,
que foi morto por uma bala perdida no Rio de Janeiro.
Na Cidade Maravilhosa as pessoas continuam a morrer
vítimas de balas perdidas, que encontram, na maioria das
vezes, alvos inocentes. O pai foi surpreendido por um
artefato oriundo de uma pistola automática. Não descrevo
as características do calibre por não entender de armas
e também para não me alongar nessa triste passagem da
família Soares.
A moça ostentava seios fartos, boca carnuda, alta
estatura e um corpo que ninguém podia explicar... pelo
menos por enquanto. O seu primeiro beijo aconteceu na
casa da amiga Sheilinha, filha do Zé da Loja, quando o primo
dela a visitou durante as férias de julho. Felipe Nanuque
morava em Brasília (DF) e se viu obrigado a voltar mais
cedo para a capital, quando o irmão de Larissa descobriu o
namorico e lhe encomendou uma surra. Além de machucar
bastante o candango, a coça serviu de aviso aos possíveis
interessados na filha da doutora Divina Soares.
Depois desse episódio o ciúme de Adolfo tornou-
se doentio e incontrolável. A mãe, como todas as mães,
Balaio de Gato 67
garanhão da cidade. Ele se transformou na nova máquina
do sexo. Alguns até dizem que o jovem já superou o período
hegemônico do filho da doutora Divina Soares.
Fontenele pega todas e sem remorsos. Ele não tem
irmã para se preocupar nem para ficar louco de ciúmes.
Balaio de Gato 69
elementos do cotidiano e ingredientes da imaginação para
fazer o preparo de uma grande obra – ou até mesmo de um
simples aperitivo. Sabia que alguns grandes autores deixaram
maravilhas e faleceram ainda garotos. Mesmo assim, sempre
dei mais valor aos cabelos grisalhos e aos óculos “fundo de
garrafa” dos experientes escritores.
Apesar da pouca idade e da imaturidade, atrevia-
me a rabiscar algumas palavras que emendariam narrativas
e dariam fôlego a alguns personagens. Transcrevia, de vez
em quando, observações, delírios e bobagens. Dizem que o
papel aceita tudo; no meu caso, era eu quem já não o aceitava
mais.
A falta de um computador para armazenar minha
incipiente obra literária desanimava-me a estendê-la. Acho
que eu era muito preguiçoso. Não sabia explicar aquela
sensação: tinha muita vontade de escrever, mas, ao olhar
para o papel e imaginar o trabalho que me daria passar todos
os manuscritos para o computador (que compraria algum
dia), inibia-me imediatamente. Também nunca gostei da
minha letra; nem a maioria dos professores, que sempre me
recomendaram caderno de caligrafia.
O fato de saber que grandes autores da atualidade
não abriam mão da máquina de escrever não amenizava
a minha obsessão em realizar o meu sonho de consumo.
O computador era líder no ranking dos meus desejos. Na
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O enigma da revista
Balaio de Gato 73
– Por que a gente não pergunta pra ela ou o papai?
– Se perguntar vão saber que a gente brincou aqui
no quarto deles.
– É verdade!
João Paulo guardou a revista na mochila escolar.
Dez minutos depois, a mãe chegou e foi direto ao quarto.
Com o vestido no corpo, pediu a opinião deles:
– Como é que a mamãe ficou? Tô bonita?
– Tá! Mas a tia esqueceu de costurar esse lado da
perna?
– Ah, é assim mesmo! É o modelo do vestido.
Venham cá! A mamãe quer falar uma coisinha para vocês,
sentem-se aqui. Eu e o papai vamos jantar na casa do
prefeito e vocês terão que dormir na casa da titia.
– A gente não vai pra escola amanhã? – perguntou
João Paulo com um sorriso maroto.
– Lógico que vão!
– Eu não quero ir – reclamou Marcinho.
– Por quê?
– O Douglas bate na gente.
– Não tem que querer coisa nenhuma. Vão sim! –
encerrou a dona da casa.
Emburrado e fazendo bico, o caçula reclamou:
– Cê vai ver... A primeira coisa que o Douglas vai
fazer quando a mamãe for embora será bater na gente.
Balaio de Gato 75
do ouvido:
– Tão com saudades dos cascudos?
– Temos uma coisa pra você, Douglas. Vamos lá no
quarto!
Chegando lá, disseram que mostrariam caso ele
prometesse não bater neles. A curiosidade o fez desarmar o
punho, que já estava pronto para desferir os cascudos:
– O que é que vocês têm?
– Uma revista! – respondeu Marcinho.
– Da Branca de Neve ou do Chapeuzinho Vermelho?
– perguntou com deboche.
– É uma que mostra fotos de pessoas peladas –
matou João Paulo a curiosidade do primo. Aliás, aguçou-a
ainda mais.
Douglas jurou ser bonzinho com eles caso
compartilhassem a publicação. Aliviados, os filhos do
vereador depositaram nele toda a esperança da resolução
do enigma. Embora fosse mais velho, o filho da Maria do
Baixinho nunca tinha visto coisa parecida. Juntos, eles
vistoriaram minuciosamente as páginas da revista. Por um
instante, entreolharam-se com contemplação e espanto,
voltando-se rapidamente para as fotos. Douglas foi o
primeiro a quebrar o silêncio com a exclamação:
– Então existe mesmo!
– O quê? Cê sabe por que estão pelados? – indagou
Balaio de Gato 77
daquela manhã), uma em especial chamou sua atenção e a
deixou muito feliz: o entendimento do filho com os primos.
Ela fingia não ver, mas sempre soube que eles não se davam
bem.
Já dentro do Colégio Antônio Ferreira Goulart, eles
combinaram de se encontrar na hora do recreio, próximo
ao bebedouro, local onde falariam com os dois meninos da
4ª série. Antes da consulta, desembolsaram R$ 10,00 cada
um (o dinheiro do lanche) pela informação. A resposta veio
seca e direta:
– Estão fazendo sexo!
– O que é isso? – perguntou Marcinho.
– Vocês são muito figuras! Os jovens e adultos fazem
isso porque dá prazer e para ter filhos – responderam,
quase que simultaneamente, os contratados para resolver o
enigma da revista.
– Como assim? – questionou João Paulo.
O filho da costureira Maria do Baixinho até o
momento somente ouvia as explicações. Não havia feito
nenhuma pergunta, pois queria mostrar aos garotos da 4ª
série que ele tinha mais conhecimento do assunto do que
os seus primos.
– Seus pais fizeram isso para vocês nascerem –
exemplificou o garoto de óculos e piercing nas sobrancelhas.
– Mamãe diz que a cegonha é que traz a gente pra
Balaio de Gato 79
Um minutinho,
por favor!
– Alô! Gostaria de falar com o Dr. Gilvanci
Lopes.
– Um minutinho, por favor! Só um minutinho!
É a expressão mais inverídica que já ouvi. É sempre
assim: as pessoas pedem um minutinho e nos deixam um
Balaio de Gato 81
– Quanto gerundismo! Pensei comigo: de minutinho
em minutinho a galinha enche o papo. Aliás, o homem
enche o saco! O meu já estava estourando. De minutinho em
minutinho... eu já aguardava quase meia hora ao telefone.
– Alô! O senhor ainda está na linha?
– Não! Se eu ficar na linha o trem passa por cima de
mim. Fui apenas consertar o relógio porque ele não marca
os minutinhos corretamente – pensei em dizer. Todavia
a minha polidez reteve as palavras, que permaneceram
mudas e soltas no pensamento.
– Senhor!... Pintou um probleminha e o Dr. Rolbério
Borgué teve que sair neste instante – continuou a telefonista.
“Pintou”, “probleminha”... Provavelmente, o curso
de Secretariado ela não fez e talvez nem o de telemarketing.
– Isso quer dizer que não serei atendido? – questionei.
– No momento, não! Mas em alguns minutinhos ele
deverá estar de volta. Se o senhor quiser ligar daqui a alguns
minutinhos....
Respirei fundo e mordi o lábio inferior para não
dizer um palavrão, e perguntei:
– Qual é o seu nome?
– Telefonista Zélia Lopes, senhor.
– Tudo bem, Zélia! Ligarei depois, então. Muitíssimo
obrigado!
Uma das minhas finezas é chamar a pessoa pelo
Balaio de Gato 83
Autopapo 226
– Olá, Mercedes! Como está a Evasion, ou
melhor, a sua Voyage pela Europa? Ah, ontem você viu o
Eclipse solar?
– Oi, Atos! A viagem está Optima! Não vi não, quase
vi por aqui foi um Syclone, mas ainda bem que foi apenas
Balaio de Gato 85
– O nome dele é Edge. Que hombre Gallardo!
Vivio suspirando por ele.
– Não é que eu esteja duvidando, Sable. Mas o seu
Kaiser não deve ser este Suprassumo todo que você tá
dizendo.
– Você não tá entendendo, o cara é o Master.
Primeiro achei que era uma Mirage, mas depois percebi
que era real. Uma joia Suprema, um Diamant, um Symbol
sexual, o mais lindo de toda a Gallaxie. Veja a foto que te
mandei no zap que você vai concordar comigo.
– Gordini esse Toro, né?
– Só pelo seu Prisma!
– Não adianta Defender!
– Aplause pra você! Que ciúme bobo é esse? Fica
Smart senão eu conto para a sua Matrix e divulgo o seu
Montez de casos para toda a Impreza.
– Que conVersa é essa? Eu e a Samara terminamos
ontem.
– Ela Discovery suas amantes? Foi a Niva, Laika,
Dodge ou Ignis, a sósia da Rita Cadillac? Essa era Topic!
– Essa era a Agnis, uma verdadeira Zafira.
– Qual foi o Lancer, então? Quero saber de tudo na
Integra.
– Uma crise de ciúmes por causa da Millenia, uma
colega de trabalho.
Balaio de Gato 87
– Só não foi notícia no Journey inglês Daily Mail,
mas por aqui todos ficaram sabendo.
– Tudo bem! Vamos voltar a falar de sua Odyssey
por aí, desse seu Cronos pela Europa. Você estava dizendo
do deus grego Samurai, lutador de Boxer, o dono de uma
beleza Infiniti e tantos outros adjetivos. Ele te ensinou o
que mesmo? Qual Sportage?
– A jogar Golf e Polo.
– Acho que matei a Charade, pois, de Accord com
os meus conhecimentos, para se jogar Polo é preciso March
e saber Galloper. Você aprendeu? E quando você jogou
Golf ele conseguiu marcar o Gol, quero dizer, conseguiu
acertar o buraco de primeira?
– Que Idea é essa? Nem adianta insinuar, não rolou
nada! Pelo menos por enquanto... (risos). Mudando de
assunto, me conte sobre esse Tempra D20 dias que estou
fora do nosso Brasil Continental, um país de pouco mais
de 500 anos, tão jovem comparado aos daqui do velho
continente.
– A política continua daquele jeito!
– Além da corrupção dos políticos em Brasília,
alguma coisa Mondeo na City? Ah!... Minha irmã Santana
e o namorado dela, o Avallone Montero, estão lhe
mandando um abraço!
– Um abração pra eles também! Minha Tiida Vera
Balaio de Gato 89
– Minha Santa Fé valeu! Consegui me ingressar nas
Forças Armadas; agora sou um Kadett. Tive que cortar o
cabelo e aproveitei para dar um Up no visual. Ah, outra
coisa... as farras já são coisas do Passat.
– S10, que bom! Fico feliz por você. Estou até
imaginando Escort de cabelo seu, mas, Ka entre nós, as
farras acabaram mesmo? Nem quando você tinha namoro
sério você sossegava.
– Sim, acabaram mesmo!
– Espero que você não tenha ficado tão bitolado
a ponto de não sair mais pra balada e abandonar de vez
a nossa galera. É nisso que dá ficar envolvido só com os
bacanas!
– Não! Não parei com tudo também não!
– Tá certo! Conte-me uma coisa: essa carreira
militar é séria mesmo?
– É sim! O meu Focus é ser Uno Astra principal
da Força Aérea Brasileira. Ninguém vai ser Pálio pra mim!
Meu brilho oFuscará a todos.
– Nossa, que Neon! Tudo está uma Bonanza? A
Marea está pra tanto peixe assim?
– Eu tô brincando! Não precisa ficar Brava.
– Você é que parece Bravo, Tico!
– Não estou, mas posso ficar se você me chamar
novamente por apelido.
Balaio de Gato 91
mesma coisa daquele americano, Sprinter Outlander, que
veio de Silverado.
– Ele era de Montana! Mas agora é diferente!
– Sei... Ah! Quando você chegar aqui não quero sair
do seu lado. C 10, sabia?
– Você que é maravilhoso! Vou ter que sair agora e
depois volto a ligar Parati!
– F1000 beijos!
– Doublo de beijos para você!
– Deus te Lumina!
– A você também. Tchau!
Balaio de Gato 93
Naquela manhã, por duas vezes, ele pediu licença
ao professor Weverton Guimarães para ir ao bebedouro. A
cada gole d’água a sensação áspera na língua ia sumindo,
mas o amargo permanecia. A sensação era de que parte
do comprimido tinha se esfarelado e alguma substância se
impregnado em sua boca.
O amargo continuava também em sua mente, pois
já não conseguia mais prestar atenção na aula. Ele negava-
se a descobrir as soluções da matemática. A grande questão
do momento era decifrar aquele gosto horrível penetrado
em seu paladar.
O comprimido era branco e do tamanho de um
botão de camisa. “Seria um produto falsificado?” – indagou
a si mesmo em pensamento. A suspeita foi descartada
porque não se tratava de um medicamento em cápsula,
tipo mais suscetível à fraude. Se essa hipótese, inicialmente,
estava fora de cogitação, veio à sua mente a possibilidade
de o remédio estar vencido. Só tinha um jeito de descobrir:
saber qual era o nome desse medicamento.
O professor incumbiu o aluno Dyheizon (ou
Dieizu, como os familiares e amigos soletravam) de buscar
o remédio na secretaria do colégio. A dor de cabeça de
Capirracho era tão intensa que o impedia de se levantar da
carteira. Quando Dyheizon chegou com o medicamento, o
filho de Dona Luciana do Zezinho o ingeriu imediatamente,
Balaio de Gato 95
– Sou eu que limpo lá. Ninguém mais! E eu só
recolho o lixo dos banheiros masculino e feminino quando
está terminando a última aula do dia. Ainda não fui lá.
– “O Dieizu mentiu!” – exclamou Capirracho em
pensamento, sem transformá-lo em palavras para não
estender a conversa com a boa senhora, que era boa de
prosa.
O colega que havia dado a falsa informação era um
pouco problemático. De família rica, o jovem tinha um
corpo esquálido e era um pouco corcunda. Usava óculos e
não se dava muito bem com as mulheres, embora ostentasse
belos carros e roupas de grife. Os cabelos longos escondiam
as grandes entradas na testa, que anunciavam uma provável
calvície adulta. Não sei por que os ricos, que compram a
maioria das soluções, ainda assim, se envolvem em tantos
problemas.
O próximo passo das averiguações de Capirracho
foi certificar-se na pequena farmácia do colégio, sobretudo
verificar com detalhes e atenção aqueles lotes recomendados
ao combate à dor de cabeça. A responsável pela secretaria, a
senhora Leolina Maria Abadia, mostrou-lhe todo o estoque
e fez uma revelação surpreendente, presenteando-o com a
segunda pista:
– Ninguém buscou nada aqui! Posso garantir a
você que nenhum remédio foi retirado, hoje, aqui da nossa
Balaio de Gato 97
indícios para as suas investigações. E o aspirante a Sherlock
Holmes descobriu uma nova pista: as digitais na carteira
onde o suspeito havia se sentado.
Com igual observação de um técnico da Polícia
Científica, o estudante examinou o material e constatou
que o pó branco na carteira tinha o mesmo amargo de sua
língua após a ingestão do comprimido.
Ao finalizar a perícia no local, já a caminho do portão
da escola, Adriano Bizinoto, que era conhecido pelo apelido
de Capirracho, se deparou com a última e decisiva pista,
que o ajudaria a desvendar de uma vez por todas o caso. Ele
encontrou uma ponta de giz mal esculpida no formato de um
botão de camisa, no corredor próximo ao banheiro masculino,
desvendando, assim, a origem do comprimido branco.
Balaio de Gato 99
um erro de digitação do funcionário do cartório no qual ela
fora registrada, ou um simples capricho dos seus pais no
intuito de dar um tom estrangeiro ao seu nome”.
O fenômeno da globalização deu mais força à
introdução de termos estrangeiros em nosso vocabulário.
Eu procuro não abusar desse estrangeirismo e prova disso
foi como grafei a palavra xampu no início do primeiro
parágrafo.
Quando começamos a nos relacionar, eu queria
apenas curtir o momento e fingia não sentir algo mais forte
por ela. Assim começou o nosso namoro: ela doando e eu
recebendo. Eu tinha pouco a oferecer, mas era o bastante
para ela. Hoje, acho que o meu tudo apenas a completa.
No início, para ter certeza do nosso amor, estivemos
separados por algumas vezes. O último pedido de tempo
para termos a certeza do sentimento foi suspenso,
rapidinho, pela certeza de que não há certezas na vida a
não ser a certeza de que, muitas das vezes, temos medo de
fazer a coisa certa.
Amadurecemos a nossa relação, a paixão se
cristalizou em amor, veio o casamento e, anos depois,
fomos presenteados por Deus com duas princesas: a Maria
Gabriela e a Ana Beatriz. Nossa união não é perfeita, temos
altos e baixos, como acontece com todos os casais. Mas
quando estamos num mesmo propósito, na mesma direção,
Henrique Cairo, o filho da costureira
Darcy e o primo Xandrinho reuniam-se todas as quartas-
feiras atrás dos tanques abandonados de piche, no fundo
de um centro comunitário. Naquele local funcionava o
Clube Catuaba, instituição restrita aos três amigos, que se