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LOBSANG RAMPA, O MONGE QUE TROCOU DE CORPO

Jamil Salloum Jr.

“Sou tibetano, um dos poucos que atingiu esse estranho mundo ocidental...”
Assim começa o livro que se tornaria um best-seller espiritual por quase 40 anos
consecutivos, rodando o planeta e conquistando número crescente de leitores
entusiásticos, plasmando uma legião de devotados seguidores.
“A Terceira Visão” foi publicado em 1956 na Inglaterra pela Editora Secker e
Warburg. Seu autor dizia chamar-se “Terça-feira Lobsang Rampa” e apresentava-se
como um Lama médico do Tibet, que tinha vivido incríveis aventuras místicas em seu
país no início do século XX, antes da invasão chinesa.
Além da riqueza de detalhes do Tibet, o autor conta no livro como tendo nascido em
uma família aristocrática de Lhasa, a cidade sagrada e capital do país, foi mandado aos
sete anos para o Mosteiro de Chakpori, que até1959 foi a principal escola médica do
Tibet. Lá encontrou seu Lama-orientador, Mingyur Dondup e, sob sua supervisão, foi
submetido a uma curiosa cirurgia para abrir a sua clarividência.
Segundo Rampa, uma lasca de madeira embebida em ervas especiais foi introduzida em
sua testa, na região entre os olhos, até atingir sua glândula pituitária. Depois de lá ficar
por um tempo, a lasca foi retirada e com isso Rampa experimentou suas faculdades
psíquicas despertadas em grau máximo. Podia ver a aura e praticar projeção astral,
sendo empregado em diversas missões, chegando a servir ao próprio Décimo Terceiro
Dalai Lama como um observador oculto da aura visitantes estrangeiros que pediam
audiência ao Lama-Rei.
Rampa conta ainda no livro que fora treinado em doutrinas secretas do Budismo
Tibetano e que acessou lugares ocultos no Tibet, como o subterrâneo do Palácio Potala,
onde encontrou corpos de gigantes preservados, seres que teriam habitado a Terra em
outra época e que pertenciam a uma civilização perdida. Disse também ter visto Yetis, o
mítico homem das neves, e ter encontrado o seu próprio corpo de uma encarnação
anterior, mumificado. E concluiu sua narrativa dizendo como saiu do Tibet para
completar seus estudos médicos numa universidade da China.
A forma genial da narrativa, a habilidade descritiva do escritor, mais sua inspiração ao
narrar sua fantástica história tornaram “A Terceira Visão” um sucesso global, e
clamores vindos de vários países pediam para entrar em contato com o autor, para
orientação pessoal ou mesmo atendimento médico. O livro atingiu até países do então
bloco comunista, rompendo todas as fronteiras mundiais. O caderno literário do jornal
inglês Times chegou mesmo a dizer que o livro "chegou perto de ser uma obra de arte."
Opiniões semelhantes foram dadas por críticos literários de outros lugares do mundo.
Na sequência de “A Terceira Visão”, seguiram-se outros livros de Rampa, alguns tão
icônicos quanto o primeiro. A fama de Rampa estava consolidada, transformando-o no
principal escritor do então nascente movimento new age.
Mas não demorou muito para uma verdade desconcertante ser descoberta. Estranhando
as afirmativas contidas no livro “A Terceira Visão”, que não condiziam com o Budismo
Tibetano tradicional, o famoso explorador Henrich Harrer, que estivera no Tibet e se
tornara tutor do Décimo Quarto Dalai Lama, contratou um detetive particular para
descobrir a verdade sobre Rampa, o qual não aparecia em público. Como resultado da
investigação, descobriu-se que Rampa na verdade não era tibetano, mas um bombeiro
inglês chamado Cyril Henry Hoskin, o qual, provavelmente, nunca estivera no Tibet.
Descoberta sua identidade, Rampa rebateu que era quem dizia ser, mas que seu corpo
tibetano tinha ficado tão danificado por conta de torturas sofridas por captores japoneses
quando ele estava na China, que seus mestres propiciaram que ele passasse pelo
estranho rito da transmigração. Esse rito possibilita ao moribundo abandonar seu corpo
e trocá-lo por outro em melhores condições, abandonado recentemente por alguém que
morreu jovem. Rampa conta que, no seu caso, a pessoa escolhida foi um homem inglês
que se acidentara no jardim de casa e, ao ver-se fora do corpo, encontrou um monge
tibetano ao seu lado, no plano psíquico. Era Rampa, que contou ao homem que tomaria
posse do seu corpo se ele concordasse em abandoná-lo definitivamente. O inglês em
questão, Cyril Hoskin, concordou e Rampa assumiu o novo corpo.
Por mais estranho que pareça, o rito da transmigração tem precedentes. Há relatos de
muitos yogues hindus que podem deixar seu corpo quando este não serve mais, e trocá-
lo imediatamente por outro mais novo, de alguém recentemente falecido. Diz-se que
Shankara, o famoso renovador do Hinduísmo no século VI, o praticara. Autores
modernos como Yogananda e Sri Rama também relataram ter encontrados yogues que
haviam trocado de corpo.
Como quer que seja, os fãs de Rampa não deram importância à descoberta de sua
identidade e se concentraram nos seus livros, que se tornaram um verdadeiro guia em
Ciências Ocultas para muitos. Rampa é, de fato, apontado por muitos como o iniciador
de várias gerações em Esoterismo.
O conteúdo dos livros de Lobsang Rampa tratam muito mais de Ocultismo nos moldes
ocidentais do que de Budismo, embora usando o Tibet como cenário. Falam de
clarividência, clariaudiência, psicometria, hidromancia, cura psíquica e, sobretudo,
projeção astral, tema este que mais popularizou Rampa. Abordados de forma leve e
didática, e com muito bom humor, os livros de Rampa fascinaram irreprimivelmente
multidões.
A genialidade da escrita de Rampa foi tanta, e a difusão de seus livros tão larga, que
muitos tibetologistas e especialistas em Budismo Tibetano confessaram que
descobriram sua afinidade pelo Tibet através dos livros de Rampa, e que só depois se
dirigiram a fontes mais seguras. O próprio atual Dalai Lama, que várias vezes foi
chamado a se pronunciar sobre Lobsang Rampa, reconheceu que embora em sua
opinião as histórias de Rampa sejam fantasias no que tangem ao Tibet, nenhum outro
autor contribuiu tanto para divulgar este país, como divulgar a triste condição dos
tibetanos, hoje invadidos pela China.
Rampa escreveu ao todo 19 livros. Os considerados mais importantes, além de “A
Terceira Visão”, são: “A Caverna dos Antigos”, “O Manto Amarelo” e “Você e a
Eternidade”. Os três primeiros, usando o Tibet como cenário, tratam dos mistérios que
Rampa presenciou naquele país e de como o Tibet era verdadeiramente uma terra de
mistérios antes da invasão chinesa. Já o livro “Você e a Eternidade” é um curso onde
Rampa ensina em lições gradativas como ver a aura, fazer projeção astral e desenvolver
outros poderes psíquicos.
Nota-se nos livros de Rampa uma clara influência do Ocultismo ocidental, sobretudo do
Rosacrucianismo e da Teosofia, bem como da Parapsicologia.
Embora os livros de Rampa não tratem do verdadeiro Budismo Tibetano, curiosamente
conseguem evocar uma época do Tibet muito mágica, a qual, infelizmente, não existe
mais. Rampa dá muitos detalhes sobre cidades, mosteiros, cavernas e regiões do país
que são, efetivamente, verdadeiras. Como alguém, em uma época em que os meios de
comunicação eram limitados e as informações sobre o Tibet escassas, conseguiu
detalhar tanto aquele país? Isso é o principal mistério em torno deste autor.
Alguns pesquisadores são de opinião que, embora Rampa não tenha sido tibetano, pode
ter estado no Tibet em algum momento. Já outros afirmam que Rampa captou
psiquicamente, por meio dos Registros Akashicos, muitos detalhes do Tibet.
O fato permanece que dos livros que oferecem um esboço das Ciências Ocultas, nem
sempre de forma correta, Lobsang Rampa permanece sendo o melhor de todos os
autores. Infinitamente mais talentoso do que escritores como Paulo Coelho, é a Lobsang
Rampa que cabe o título do maior popularizador do Ocultismo do século XX.
Se seus livros não podem ser considerados um guia seguro em Ocultismo, são mais
autênticos e ricos do que os de autores como Paulo Coelho. Além de tudo, têm a
propriedade de encantar o leitor de uma forma que, talvez, nenhum outro autor
conseguiu nos últimos dois séculos.
Embora a febre em torno de Rampa tenha passado, seus livros são ainda muito
procurados, embora, infelizmente, disponíveis no Brasil apena em sebo. Contatando-se
a mediocridade do pseudoesoterismo hoje em moda, atraindo tantos para disparates
“quânticos”, chega-se a desejar que Lobsang Rampa seja novamente conhecido, pois
como dissemos, seus livros têm mais substância do que quase tudo que tem sido
popularizado hoje com o termo de Ocultismo.
Lobsang Rampa faleceu em 25 de janeiro de 1981, no Canadá. O mistério em torno de
si permanece. O que fez um homem, apesar de todas as evidências em contrário,
sustentar por toda a vida que sua história era verdadeira que ele era quem dizia ser?
Rampa dizia que “é melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão”. Em
alguma medida ele fez isso, deixando um legado que inegavelmente ajudou milhões.

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