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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia - ITGT

Curso de Pós-Graduação Latu Sensu com vistas a Especialização na Abordagem Gestáltica

Parceria da Pontífica Universidade Católica de Goiás – PUC/GO

UMA PESQUISA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL SOBRE A


SUICIDOLOGIA DE SHNEIDMAN E A GESTALT-TERAPIA

July Kwon

Denise Borella de Sousa Costa

Goiânia

Agosto/2021
INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT-TERAPIA DE
GOIÂNIA

UMA PESQUISA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL SOBRE A


SUICIDOLOGIA DE SHNEIDMAN E A GESTALT-TERAPIA

Trabalho de Conclusão de Curso pelo Instituto de


Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT)
como requisito parcial à conclusão do curso de Pós-Graduação
Latu-Senso em Gestalt-terapia em parceria com a Pontifícia
Universidade Católica de Goiás.

Orientadora: Esp. Denise Borella de Sousa Costa

Goiânia

Agosto/2021
Uma pesquisa fenomenológica-existencial sobre a suicidologia de
Shneidman e a Gestalt-terapia

An existential-phenomenological research on Shneidman's suicidology and Gestalt therapy

Una investigación fenomenológica existencial sobre la suicidología de Shneidman y la


terapia Gestalt

Resumo

O suicídio é um fenômeno de grande complexidade e objeto de estudo de inúmeras áreas do


conhecimento. Todas as perspectivas contribuem para entender melhor o fenômeno, mas a sua compreensão
deve partir de um todo envolvido no processo de suicidar-se. O artigo tem como objetivo verificar um
possível diálogo entre duas perspectivas psicológicas para o estudo do suicídio, sendo elas a Gestalt-terapia e
a suicidologia de Edwin Shneidman. A partir de entrevistas semi-estruturadas realizadas com psicólogas de
abordagem gestáltica e existencial-fenomenológica e da análise de dados por meio do método de Giorgi,
notou-se algumas semelhanças no entendimento do fenômeno em relação a suicidologia, bem como algumas
diferenças no manejo psicoterapêutico. Ambas perspectivas percebem o suicídio como um fenômeno
multicausal caracterizado por grande sofrimento, mas há discordância no manejo clínico, devido a postura
dialógica da Gestalt-terapia.
Palavras-chave: Suicídio; Gestalt-terapia; Suicidologia; Edwin Shneidman; Psicoterapia

Abstract
Suicide is a phenomenon of great complexity and an object of study in many areas of knowledge.
All perspectives contribute to a better understanding of the phenomenon, but its understanding must start
from a whole involved in the process of committing suicide. The article aims verify a possible dialogue
between two psychological perspectives for the study of suicide, Gestalt therapy and Edwin Shneidman's
suicidology. From semi-structured interviews carried out with psychologists with a gestalt and existential-
phenomenological approach and data analysis using the Giorgi method, some similarities in the
understanding of the phenomenon in relation to suicide were noted, as well as some differences in
psychotherapeutic management. Both perspectives perceive suicide as a multi-causal phenomenon
characterized by great suffering, but there are divergences in clinical management, due to the dialogic posture
of Gestalt-therapy.
Keywords: Suicide; Gestalt-therapy; Suicidology; Edwin Shneidman; Psychotherapy

Resumen
El suicidio es un fenómeno de gran complejidad y objeto de estudio en muchas áreas del
conocimiento. Todas las perspectivas contribuyen a una mejor comprensión del fenómeno, pero su
comprensión debe partir de un todo involucrado en el proceso de suicidio. El artículo tiene como objetivo
verificar un posible diálogo entre dos perspectivas psicológicas para el estudio del suicidio, a saber, la
Terapia Gestalt y la suicidología de Edwin Shneidman. A partir de entrevistas semiestructuradas realizadas
con psicólogos con enfoque gestáltico y existencial-fenomenológico y del análisis de datos mediante el
método de Giorgi, se encontraron algunas similitudes en la comprensión del fenómeno en relación al
suicidio, así como algunas diferencias en el manejo psicoterapéutico. Ambas perspectivas perciben el
suicidio como un fenómeno multicausal caracterizado por un gran sufrimiento, pero existen divergencias en
el manejo clínico, debido a la postura dialogica de la terapia gestalt.

Palabras clave: Suicídio; Terapia Gestalt; Suicidología; Edwin Shneidman; Psicoterapia


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Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021) descreve o suicídio como um


fenômeno que ocorre em todas as regiões do mundo, sendo uma questão grave de saúde
pública. Ele afeta não só a família das pessoas que cometem o suicídio, mas também a
comunidade a sua volta e o país como um todo, gerando consequências a longo prazo àqueles
que ficam, em vida. Segundo os dados de 2019 da OMS (2021), cerca de 703 000 pessoas
suicidam ao ano e, maior que o número de mortes é o de tentativas de suicídio.

É possível estabelecer uma relação entre o suicídio e determinados transtornos


mentais como, por exemplo, a depressão, e podendo ocorrer em momentos de impulsividade.
No entanto, o maior fator de risco para cometer o suicídio é uma anterior tentativa. O suicídio
é um fenômeno complexo e por isso, requer a atuação de vários setores da sociedade, sendo
impossível compreendê-lo através de uma abordagem individualizada (OMS, 2021).
Uma das facetas nas quais é possível tentar compreender parte do suicídio é a partir
de uma perspectiva psicológica. Dessa forma, o artigo propõe a compreensão desse fenônemo
pelo olhar da Gestalt-terapia e da suicidologia de Shneidman. Para isso, é necessário entender
a forma como a abordagem gestáltica compreende o ser humano e suas implicações no estudo
de sofrimentos humanos.

Uma das grandes estudiosas a respeito do tema Karina Okajima Fukumitsu (2013)
explica que o suicídio é caracterizado pelo desespero humano, a falta de significados e
esperança na vida. As pessoas que se suicidam buscam outra maneira de viver, mas não a
encontram, dessa forma, sua última escolha é feita em direção à morte.
Dor e sofrimento são aspectos diretamente ligados à existência e “sintomas” da
própria vida. Mas muitas vezes o ser sofrente sente a necessidade e gasta energia tentando
eliminar a angústia, o sofrimento e o desespero, ao passo que é necessário vivenciá-los de
modo a compreender a totalidade do organismo e integrar todos os aspectos de seu ser. É a
partir disso que o sofrimento pode ser vivido como mobilização e abertura para a mudança
(Holanda, 2014).

A abordagem gestáltica compreende o ser humano como ser relacional, sempre em


relação consigo, com o outro e com o mundo, o que propõe a visão do sofrimento também
como relacional, como explica Pinto (2021). Para isso, é necessário principalmente a
compreensão de duas teorias: contato e campo.
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O contato é uma forma de ser e de se expressar no mundo, Jacobs (1997) explica que
ele é um processo que diz respeito à capacidade do organismo de perceber suas necessidades
e manipular o meio em que vive para satisfazê-las. De acordo com Ervin e Mirian Polster
(2001 como citado em D’acri, 2014) existem sete funções de contato: tocar, olhar, escutar,
cheirar, degustar, falar e movimentar.

O contato pleno é definido por Ribeiro (1997) como aquele em que há integração das
funções sensitivas, motoras e cognitivas, então a partir de um movimento dinâmico e uma
consciência emocionada, produz uma escolha e um bem-estar. O autor explica que nem todo
contato é saudável, e nem toda a fuga é doentia, sendo necessário entender a relação que o
indivíduo estabelece com o outro e com o mundo para compreender seu funcionamento
(Ribeiro, 1997).

O adoecimento diz respeito a uma forma disfuncional de contatar a si mesmo, o outro


e o ambiente. As respostas contínuas, repetidas e perturbadoras que interrompem o contato e
desequilibra seu o processo saudável são denominadas por Ribeiro (2019) de mecanismos de
interrupção ou bloqueios de contato (Ribeiro, 2019).

Dentre as inúmeras formas de bloqueios de contato, Fukumitsu (2017) aponta o


suicídio como um mecanismo pautado na retroflexão, um processo no qual o indivíduo dirige
para si mesmo a energia que deveria dirigir a outrem. Segundo a autora, a autodestruição é a
mais perigosa de todas as retroflexões, porque podem ser entendidas como uma agressividade
mal canalizada.

Outro ponto de necessário entendimento é que o contato só pode ser visto como efeito
ou causa em um dado processo, ocorrendo em um determinado campo, ou seja, uma
complexa teia de forças inter-relacionadas que exercem influência sobre o comportamento do
organismo (Yontef, 1998).

Esse fundamento vem da teoria de campo de Kurt Lewin, sendo a relação entre a
pessoa e seu ambiente o pressuposto básico desta teoria. Lewin diz de um método de
construção que propõe uma representação simbólica de uma pessoa (ou várias) sobre a qual
incidem forças, em um determinado momento, sendo necessário um estudo dessas forças
presentes na relação da pessoa com seu meio, além de levar em consideração como o
indivíduo experiencia o momento (Rodrigues, 2013).
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Isso significa, como explica Ribeiro (1999), que tudo aquilo que afeta o
comportamento, em determinado momento, deve ser incluído ao campo e não são somente
forças do ambiente físico, podendo englobar também, por exemplo, os sonhos e medos.

Sendo assim, o comportamento é função do campo total, que inclui o indivíduo e o


meio em que se localiza. Perls (1988) afirma que ambos possuem suas características
individuais e não devem ser considerados como causa um do outro.

Ribeiro (1997) aponta que o contato é resultado das relações estabelecidas e dos
campos os quais nos movemos durante a vida. Por isso, só é possível a existência de um
sofrimento a partir desse. Não se pode compreender o sofrimento como subjetivo ou
meramente individual.

Os conceitos de campo e contato apontam a ênfase na relação entre o homem e o


mundo para a compreensão da pessoa na abordagem gestáltica. Coerentemente, ela é uma
abordagem dialógica, em que reside a crença de que a base de nossa existência é relacional
(Hycner, 1995).

O dialógico é definido por Buber (1982) não só como uma mera interação verbal que
ocorre nas relações interpessoais, ele é alcançado em uma relação estabelecida entre duas
pessoas e em que se alcança a mutualidade, a partir do conhecimento íntimo do outro com
quem se comunica e da aceitação desse em sua maneira de ser. Nesse contato, as pessoas se
comunicam entre si tais como são, de forma autêntica e experienciando a totalidade do outro
que está em sua frente.

No contato entre duas pessoas e em que há a valorização da singularidade e


individualidade de cada um, ou seja, nessa esfera do inter-humano, é onde os fenômenos
ocorrem e se controem em sentido. Denomina-se assim o “entre”, definido como um todo que
se forma no encontro entre duas pessoas e que deve ser compreendido como mais que a soma
de duas parte. É nele que se encontra o fato de cura e, por isso, a psicoterapia dialógica tem
como foco a exploração da esfera do “entre” (Hycner, 1997).

O dialógico é uma forma de contato e para que ele ocorra é necessário alguns
elementos do inter-humano, sendo eles a presença, a inclusão, a confirmação e a
comunicação genuína e sem reservas (Jacobs, 1997).
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Estar presente é fundamental para que ocorra um diálogo genuíno entre duas pessoas,
e isso não significa somente estar presente fisicamente, é muito além do que pode ser descrito
de forma objetiva. Presença implica estar completamente disponível para o outro em um dado
momento, em que a consciência se dirige completamente ao processo de existir da outra
pessoa. Já a inclusão é um movimento de ir e vir, no qual há a intensa tentativa de
compreender e experiênciar a vivência da pessoa, sem abandonar a sua própria (Jacobs,
1997).

A confirmação diz respeito a reconhecer e afirmar a existência da pessoa mesmo que


seu comportamento seja inaceitável, sendo dessa forma, diferente da aceitação. Por fim, o
dialógico se estabelece a partir de uma comunicação genuína e sem reservas, significando
uma disposição para se envolver honestamente e estar apto a dizer aquilo que acredita ser
promotor do diálogo (Jacobs, 1997).

De maneira geral, a gestalt-terapia, em coerência com seus valores, conceitos e


influências, propõe uma relação terapêutica não-hierarquica, tendo como ênfase o
compromisso pleno e genuíno entre cliente e terapeuta (Jacobs, 1997).

Além disso, para compreender o processo psicoterapêutico a Gestalt-terapia busca


suporte na Fenomenologia. A preocupação desta ciência é a de "voltar às coisas mesmas", ou
seja, entender o que são os fenômenos de maneira a alcançar a sua essência (Borba, 2010).

Ribeiro (1985) afirma que a palavra fenômeno pode ser definida como aquilo que
aparece, que se revela por si mesmo. No entanto, não deve ser considerado como
independente das experiências do sujeito já que só existe em relação à sua consciência. Por
isso, algo nunca é visto da mesma forma por pessoas diferentes e à fenomenologia interessa
não apenas o fenômeno, mas o ser do fenômeno, para que se compreenda a existência deste.

No âmbito da psicoterapia, isso se revela no interesse não apenas da descrição daquilo


que aparece, mas também na busca pela compreensão do fenômeno em relação ao ser para
alcançar as coisas mesmas. Assim, Husserl propõe o método da redução fenomenológica ou
epoqué, caracterizado pela suspensão de ideias prévias e a prioris a respeito do fenômeno
para alcançar sua essência e para compreender como ele se apresenta à consciência (Ribeiro,
1985).

Outra perspectiva psicológica que se propõe a estudar o fenômeno do suicídio é a


sucidologia de Edwin Shneidman. O autor explica que a suicidologia pertence à psicologia, já
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que é uma forma de psicoterapia, mas se diferencia das outras abordagens porque trabalhar
com indivíduos potencialmente suicidas requer um diferente tipo de envolvimento, tendo
como objetivo aumentar a noção psicológica do indivíduo sobre as escolhas possíveis e seu
senso de suporte emocional (Shneidman, 1993).

A ideia central presente nas obras de Shneidman é que o suicídio tem como causa
uma dor específica, a dor psicológica, por ele denominada "psychache" e define como:

[...] a dor, angústia ou o sofrimento que toma conta da mente. É intrinsecamente


psicológica - a dor excessiva de vergonha, culpa, medo, ansiedade, solidão, angústia,
pavor de envelhecer ou morrer de forma trágica. Quando a psychache ocorre, sua
realidade introspectiva é inegável. O suicídio ocorre quando a psychache é
considerada insuportável e a morte é ativamente procurada para parar o fluxo
incessante e doloroso da consciência. (Shneidman, 1996, p. 13, tradução nossa).
Por isso, a melhor forma de entender o fenômeno, não é através do estudo da
estrutura do cérebro, de estatísticas sociais ou de doenças mentais, e sim por meio do estudo
das emoções humanas. Ele afirma que as melhores perguntas a serem feitas para um
indivíduo potencialmente suicida são "Onde dói em você?" e "Como eu posso te ajudar?",
tendo como objetivo conhecer os sentimentos, as preocupações e a dor da pessoa
(Shneidman, 1996).

Fukumitsu (2014) ao comentar sobre essa ideia do suicidologista, que ressalta a


importância de explorar as emoções da pessoa com ideações suicidas, explica que algumas
das condutas psicoterapeuticas devem ser ouvir cuidadosamente o problema ou os problemas
da pessoa que o suicídio supostamente resolveria e compreender o significado do ato suicida
explorando os sentimentos do cliente e os acolhendo.

Além disso, Shneidman (1996) aponta que a origem da psychache se encontra na


frustração ou na distorção de necessidades psicológicas do indivíduo. O comportamento
humano é direcionado à satisfação de necessidades primárias, que são as biológicas, como
respirar, comer e beber. Além destas, há necessidades psicológicas, apontadas como
secundárias, que também geram tensões que devem ser satisfeitas (Shneidman, 1996).

Shneidman (1993) aponta que a principal tarefa da suicidologia é operacionalizar e


oferecer uma proposta de quantificação da dimensão da psychache, a qual é provocada pela
frustação das necessidades vitais. Uma forma de quantificação consiste em classificar as vinte
necessidades e, a partir disso, seria possível definir ou caracterizar a personalidade de um
indivíduo de acordo com a importância que este dá a cada uma. O método para isso seria
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atribuir um número para cada necessidade, devendo somar 100 ao final, desta forma, seria
possível avaliar a si mesmo ou qualquer outra pessoa, ajudando a identificar em qual
necessidade está o foco da dor psicológica. Paralelo a isto, Fukumitsu (2013) escreve que a
pessoa que se matou parece não ter conseguido encontrar uma forma funcional de manejar
suas necessidades.

Segundo o suicidologista o objetivo da psicoterapia deve ser a redução da dor, o


aumento da percepção do indivíduo e o alívio da pressão sobre ele, mesmo que estas
mudanças ocorram em pequenas quantidades. Na prática, isto é feito com a criação de um
suporte emocional e cuidado ao redor do indivíduo, para que sua existência, sentida como
intolerável, se torne um pouco melhor, de forma que esta pessoa seja capaz de pensar e
reconsiderar a possibilidade de vida. Além disso, é necessário fornecer soluções alternativas
ao indivíduo, que sejam diferentes do suicídio, para que ele consiga redefinir seu problema e
perceber formas não letais de encará-lo.

A complexidade do fenômeno aqui discutido e o alarmante número de pessoas


acometidas pelo suicídio, de forma direta ou indireta, provocaram a necessidade de uma
maior exploração do tema com o objetivo de melhor compreender o fenômeno e o manejo
psicoterapeutico.
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Metodologia

Participantes
Participaram dessa pesquisa três psicoterapeutas, sendo duas da abordagem gestáltica
e uma da fenomenológica-existencial, todas com experiências de atuação na área clínica e
com clientes apresentando ideações suicidas. Fizeram parte do critério de exclusão
colaboradores que tenham atendido clientes com ideações suicidas e, ao mesmo tempo, que
possuiam transtornos de personalidade ou psicóticos.
A primeira colaboradora entrevistada reside no Rio de Janeiro e é doutora em
psicologia, a psicóloga entrevistada posteriormente é especialista em Gestalt-terapia e reside
em Goiânia com mais de dez anos de atuação na clínica, e por fim, a última participante está
cursando a pós-graduação na abordagem e é graduada a três anos,
Materiais
Os materiais utilizados foram canetas, papéis e celular para a gravação das entrevistas,
além do computador para a transcrição das entrevistas e análise de dados.
Instrumentos
Para realização da pesquisa foi utilizado como instrumento a entrevista semi-
estruturada com as perguntas disparadoras: “Na sua prática como Gestalt-terapeuta, como
você compreende a experiência de indivíduos potencialmente suicidas? Para você, é possível
visualizar, apesar de cada singularidade, semelhanças na vivência de tais clientes? Quais
estratégias você utiliza ao lidar com esses clientes?”. Além disso, foi enviado às participantes
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por e-mail, para que pudessem
assinar caso concordassem em participar da pesquisa.
Procedimentos
Devido à pandemia do novo coronavírus, o procedimento da pesquisa precisou passar
por algumas alterações. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2021), a
COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS- CoV-2, que provoca sintomas
como febre, cansaço, tosse seca, além de poder causar, dores de cabeça, congestão nasal,
conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar ou olfato, erupção cutânea na pele ou
descoloração dos dedos das mãos ou dos pés. A COVID-19 possui alta velocidade de
contágio e por causa disso, inúmeras regras de restrição foram tomadas ao logo dos últimos
anos. Obedecendo às restrições, as entrevistas que antes seriam realizadas de forma
presencial necessitaram ser realizadas a partir da plataforma digital do Google Meet.
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O projeto de pesquisa foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e aprovado,


tendo como parecer o número 4.299.103, depois foi apresentado o projeto a alguns psicólogos
associados ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT) e a
alguns outros psicólogos com experência na área por meio de uma mensagem de e-mail da
pesquisadora. Ao se manifestarem voluntários, foram selecionados os três primeiros que
entraram em contato. Logo após, foram feitos os agendamentos das entrevistas com os
colaboradores, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por
meio de assinatura virtual ou escaneando o documento já assinado, para que a pesquisa
seguisse adiante.

Por terem sido realizadas pelo Google Meet, uma plataforma online de vídeo
chamada, os locais das entrevistas foram escolhidos pelas colaboradoras, sendo indicado
aqueles que apresentavam privacidade e menor quantidade de ruídos vindos do ambiente
externo, para garantir a qualidade das entrevistas, que foram gravadas mediante a aprovação
das colaboradoras.
Procedimento de análise de dados
Para a análise de dados foi utilizado o método fenomenológico de Amadeo Giorgi, o
modelo da metodologia empírica. Este modelo propõe a descrição das experiências vividas
em quatro passos. O primeiro é captar o sentido do todo, em que o pesquisador deve ler toda
a descrição para captar seu sentido geral. No segundo passo, deve-se discriminar as unidades
de significado, em que é feita a leitura das descrições buscando focar no fenônemo que está
sendo pesquisado (Giorgi & Sousa, 2010).
O passo seguinte é transformar os unidades de sentido em expressões de caráter
psicológico, mantendo uma linguagem descritiva e não interpretativa. Por fim, o último passo
proposto por Giorgi é transformar as unidades significativas em uma estrutura descritiva
geral. Isso significa que, neste passo o pesquisador reagrupa os constitutivos relevantes de
forma a criar uma estrutura da experiência e uma análise da estrutura do fenômeno (Giorgi &
Sousa, 2010).
Procedimentos ético-legais
O estudo foi norteado pelos princípios éticos das pesquisas em ciências humanas e
sociais, descritos pelo Conselho Nacional de Saúde, nas resoluções n.º 510, de 7 de abril de
2016 e n.º 466, de 12 de dezembro de 2012. Sendo assim, a pesquisa reconheceu a liberdade,
autonomia, os direitos humanos e valores culturais, sociais, morais e religiosos dos
envolvidos. Além disso, empenhou-se na ampliação e consolidação da democracia de forma a
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trazer acessibilidade da pesquisa ao grupo pesquisado. Foi respeitada a diversidade e


recusada qualquer forma de preconceito. De forma coerente, garantiu o consentimento ou o
assentimento dos participantes na pesquisa, a confidencialidade das informações, a
privacidade dos participantes e a proteção de sua identidade. Nenhuma informação foi
utilizada para o prejuízo do participante, nem foi criada, mantida ou ampliada situações de
risco para o indivíduo. A pesquisadora se comprometeu em propiciar a assistência caso
ocorresse danos materiais ou imateriais durante a pesquisa.
Colaboradores

A pesquisa foi realizada com três psicólogas que atenderam pelo menos dois
clientes com ideação suicida. Duas delas residentes de Goiânia e uma do Rio de Janeiro.
Devido à pandemia do coronavírus e a impossibilidade de entrevistas presenciais, a
pesquisadora percebeu a possibilidade da colaboração de uma participante fora do estado e
com grande experiência no tema, a partir das entrevistas por chamada de vídeo .

Neste trabalho, os nomes apresentados são fictícios, com a finalidade de preservar a


identidade das colaboradoras. O tema apresentado e a vivência no trabalho das colaboradoras
e de seus clientes remeteram à pesquisadora o nome de plantas resistentes à falta de recursos
do meio ambiente, mas que mesmo assim resistem às adversidades. Dessa forma, as
colaboradoras receberam o nome de plantas com essas características, sendo elas Ivy, Jade e
Bromélia.

A primeira entrevistada, Ivy, atua a partir da perspectiva fenomenológica-existencial.


A segunda, Jade, é Gestalt-terapeuta. E a terceira, Bromélia, está no curso de formação em
Gestalt-terapia.
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Resultados e Discussão

A análise de dados das entrevistas realizada a partir do método de Giorgi (2010)


possibilitou a compreensão de três unidades de sentido nas falas das colaboradoras: o
sofrimento, a multifatorialidade e as posturas fenomenológica e dialógica. As duas primeiras
relativas a como são percebidos o fenômeno e a vivência do suicídio e a terceira diz sobre a
forma de intervenção clínica adotada pelas colaboradoras.

Sofrimento

Falar sobre suicídio implica entender a presença de questões inerentes à


existência do ser humano, sendo uma delas o sofrimento, além da falta de sentido, o medo, o
tédio, a solidão e agonia, como aponta Fukumitsu (2013).

De forma coerente, Shneidman (1996) denomina o sofrimento psíquico de


“psychache”, um tipo de dor psicológica que toma conta da mente e que, quando se torna
insuportável, faz com que o indivíduo procure a morte para parar o fluxo incessante e
doloroso da consciência. Essa dor psicológica provocadora de sofrimento também é
percebida pelas colaboradoras em suas práticas clínicas, que relatam:

Então é o desejo de querer acabar com a dor o mais rápido possível, porque parece
que é uma dor tão avassaladora e tão intensa, tão autodestrutiva, que se torna
insuportável e a pessoa não vê uma outra forma de lidar, a não ser essa. (Jade, 2021).
Então assim, eu vejo que muitas vezes elas são muito repletas de dor e desespero. É o
que geralmente eu vejo de comum em todas, dor e desespero. (Bromélia, 2021).
É um adoecimento, mas é um adoecimento que não tem aonde no corpo, não tem
localização no corpo, mas que é tão intensa que também se mostra no físico.
(Bromélia, 2021).
O autor explica que a psychache deriva da frustração ou da distorção de necessidades
psicológicas da pessoa (Shneidman, 1996). A ligação entre sofrimento e frustração é
apontada na fala das colaboradoras:

[...] eu já atendi casos que a pessoa está muito indignada porque não conquistou
aquilo que queria e aí se não acontece o que queria, prefere morrer. [...] Enfim, a
contrariedade, no final das contas, é o elemento que motiva muito. (Ivy, 2021).
Acho que tem muita tristeza, um limiar para a frustração muito curto, a falta de
recursos para lidar com essa tristeza, então eu percebo muito isso... muita angústia.
(Jade, 2021).
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Fukumitsu (2013) explica que o ato suicida é uma tentativa de aniquilar o desespero e o
sofrimento, partes constituintes do ser naquele determinado momento. No entanto, a pessoa
que apresenta ideações suicidas acaba confundindo essas partes com o todo, desejando o
autoaniquilimento. Assim, ela dirige para si a energia que deveria ser canalizada a outrem o
que caracteriza o mecanismo da retroflexão. A colaboradora fala sobre essa forma de contato
de pessoas com ideações suicidas ao lidar com o sofrimento:

Porque na verdade, eles não querem se matar, eles querem matar uma dor, mas no
desespero de não saber entender o que fazer para que aquela dor cesse ou que aquele
problema se resolva, o instinto de sobrevivência acaba se voltando contra si.
(Bromélia, 2021).
É consenso nas duas perspectivas psicológicas a existência do sofrimento intenso na
vivência da pessoa que apresenta ideações suicidas. A maneira como cada um lida com o
sofrimento e com a frustração de suas necessidades é que se difere. Especificamente as
pessoas que cogitam se matar, tentam acabar com o sofrimento a partir da autoaniquilação.

Multicausalidade

Holanda (1998) explica que uma característica fundamental da abordagem gestáltica é


adoção de um ponto de vista sistêmico, diferentemente do pensamento dicotômico e dualista
da ciência tradicional e do modelo médico, a Gestalt-terapia propõe a compreensão da
totalidade. A concepção dualista adotada pelo mundo ocidental, no qual pressupõe-se uma
relação de causa e efeito não é suficiente nem eficaz para compreender a complexidade
humana.

O autor explica que no ponto de vista da abordagem gestáltica a pessoa só


pode ser compreendida a partir da consideração do todo, e esse só pode ser entendido a partir
de uma rede de relações (Holanda, 1998).

Diante dessa perspectiva, Fukumitsu (2013) aponta a multicausalidade do suicídio e,


por isso, destaca a impossibilidade de compreendê-lo através de apenas uma única faceta.
Considera que a abordagem gestáltica possibilita a compreensão da faceta psicológica e que o
fenômeno só pode ser totalmente percebido a partir da interação entre fatores psicológicos,
psiquiátricos, econômicos, culturais e religiosos. Ou seja, a partir de um campo, em que todos
esses fatores são forças inter-relacionadas que exercem influência sobre o comportamento do
organismo. De forma semelhante, Shneidman (1993), reconhece o caráter multidimensional
no que se refere às causas do suicídio. Assim como é percebido na fala das entrevistadas:
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Existem vários motivos, e são muito variados. (Ivy, 2021).


Eu entendo essas pessoas como sendo fruto de um processo de várias situações
multifatoriais. Então, não é só uma dor existencial e tristeza profunda, mas envolve
contexto biológico, genético, social, do desenvolvimento ao longo da vida, até ela
apresentar esse tipo de comportamento. (Jade, 2021).
É multifatorial, a gente fala que é multifatorial. Então não existe uma causa única.
(Bromélia, 2021).
Na definição de Shneidman (1993), o suicídio é um evento multidimensional, que
engloba aspectos biológicos, bioquímicos, socioculturais, sociológicos, interpessoais,
intrapsíquicos, filosóficos e existenciais, por isso, para que se possa compreender o fenômeno
ao todo, é necessário abordá-lo de forma multidisciplinar. Nas falas das colaboradoras foi
possível compreender a necessidade do trabalho multidisciplinar:

[...] quando a situação passa dos limites que a gente possa atender, a gente pode até
encaminhar para o psiquiatra ou a gente mesmo leva ao hospital psiquiátrico. (Ivy,
2021).
Por isso eu falo que é um cuidado multidisciplinar, porque a pessoa é o nosso foco.
Mas essa pessoa está amparada por uma rede gigantesca que envolve o terapeuta, o
médico, a família, as pessoas que ele eleger, que quer que ajude a cuidar dele, outros
profissionais. (Jade, 2021).
Ele está sendo acompanhado por psiquiatras? Porque geralmente se é depressão ou
bipolaridade, eu faço questão. Eu converso com a família, dou todo o suporte possível
para ter adesão ao tratamento psiquiátrico, eu faço questão porque faz muita diferença
na vida da pessoa. (Bromélia, 2021).
Segundo Fukumitsu (2013) as causas que levam ao suicídio são múltiplas, mas
existem fatores que o desencadeiam, como por exemplo a perda de um emprego ou de algum
familiar. De forma semelhante, as entrevistadas trazem algum deles:

Mas muitas vezes é uma desilusão amorosa, é uma reprovação em alguma disciplina,
sofrer um processo de bullying[...]. (Ivy, 2021).
[...] em situações em que a gente trabalhou algumas questões que aconteceram na
infância dele, mobilizou ele de uma forma que ele tentou suicídio duas vezes. (Jade,
2021).
Estão de acordo as duas perspectivas psicológicas no que diz respeito a
causalidade do suicídio, é impossível estabelecer uma relação de causa e efeito e identificar
um único aspecto responsável por ele. Como explicado por Holanda (1998), é necessário a
compreensão de um todo que exerce influência sobre o indivíduo, por isso, tanto a Gestalt-
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terapia, quanto a suicidologia propõe a compreensão de todos os fatores que se relacionam ao


fenômeno e orientam o trabalho multidisciplinar.

Postura fenomenológica e dialógica

Dentre as condutas do psicoterapeuta e o manejo clínico com pessoas com ideação


suicida, as colaboradoras abordaram a importância da atitude fenomenológica e da epoqué,
ou seja, suspender ideias prévias e a prioris a respeito do tema:

Basicamente, o que a gente vai ganhando é exatamente isso... suspender de todos os


preconceitos, todos os tabus sobre o tema, não se desesperar quando a situação
aparecer. E assim, livre de preconceitos e desespero, poder acompanhar o outro no
que o outro tem a dizer. (Ivy, 2021).
Eu acho também que essa é uma questão essencial, acolhimento e disponibilidade
para ouvir. [...] deixar qualquer tipo de preconceito, de julgamento, de valor do lado
de fora. (Bromélia, 2021).
Em psicoterapia é necessário ao terapeuta uma atitude fenomenológica que se difere
da atitude natural, em que valores, ideias, conceitos e objetos são tomados como existentes
por si mesmos e independentes do sujeito. Por isso, ao adotar a abordagem gestáltica, o
terapeuta deve se preocupar com o que a pessoa tem percebido em sua vida e como tem
percebido (Fukumitsu, 2013). É nesse sentido que podemos verificar na fala da colaboradora
a importância de enxergar o fenômeno:

[...] quem trabalha com a ideia de ideação suicida são as ciencias objetivantes,
explicativas. E o meu modo de saber é compreensivo, então se eu me prendo às
ideações suicidas, eu saio do meu lugar, lugar que vejo o fenômeno humano e vou
para o lugar da técnica e da ciência. (Ivy, 2021).
Para além disso, é importante a atitude dialógica diante de uma pessoa com ideações
suicidas. Isso requer do psicoterapeuta a responsabilidade de encontrar genuinamente a outra
pessoa, sem exigir que ele mude. Tentar remover o cliente de sua experiência não o confirma
em sua existência, é necessário a confirmação de sua existência para que seja possível iniciar
um processo de mudança (Jacobs, 1997). A colaboradora Jade explica:

Então, o trabalho e o manejo terapêutico, eu acho que ele caminha dessa forma.
Acolhendo a pessoa, compreendendo a sua dor existencial, não querendo tirar ela
desse lugar, pelo contrário, é só ficando com essa pessoa na dor que a gente consegue
compreendê-la melhor. Depois, a gente, juntos encontrar outras possiblidades e outros
recursos de lidar com essa dor existencial que não seja dessa forma autodestrutiva e ir
trabalhando a outra polaridade da vida. (Jade, 2021).
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Segundo Buber (1957) para que uma relação seja transformadora é necessária uma
abertura para a pessoa que está adoecida em seu relacionamento com o mundo e com os
outros. É a partir de um processo no qual há o restabelecimento dessa conexão com o
terapeuta e com os outros, que a terapia se desenvolve e permite que o cliente entre em
contato com questões existenciais mais profundas. Essa intimidade é dificilmente
estabelecida na vida diária, mas é essencial para a cura. Como pode ser percebido no relato da
colaboradora ao descrever sobre a importância da relação psicoterapêutica no processo de
ressignificação:

Então assim, por mais que talvez pareça algo muito amplo, é de fato a única
possibilidade que a gente tem. E quando a gente trabalha a possibilidade com esse
cliente, é ele também que vai desenvolvendo esse novo olhar. Isso não é algo que é
seu, é algo construído na relação. Isso faz com que a dor dele vai sendo ressignificada.
(Jade, 2021).
Ao falar de uma postura dialógica, Hycner (1995) aponta a importância da
disponibilidade do psicoterapeuta para receber a plenitude do outro, para entrar o mais
completamente possível na experiência do cliente. Estar consciente do que é necessário para
permanecer disponível para o contato é responsabilidade de quem deseja manter um diálogo
genuíno. De acordo com essa ideia, as colaboradoras relatam a importância em suas vivências
da disponibilidade tanto na sessão psicoterapêutica quanto fora dela, ao se relacionar com
clientes com ideações suicidas:

[...] a disponibilidade do terapeuta para trabalhar com essas pessoas tem que ser
enorme. E a disponibilidade que eu falo é de atenção mesmo, então assim, a atenção
não é só dentro da sessão terapeutica, ela é constantemente com a pessoa. (Jade,
2021).
Me deixo sempre disponível, porque eu acho que para trabalhar com suicídio, não
tem como você não ter disponibilidade de horário[...]. É fundamental você ter um
ouvido disponível para aquilo que você vai ouvir. Eu acho também que essa é uma
questão essencial, acolhimento e disponibilidade para ouvir. (Bromélia, 2021).
Fica claro a importância da postura fenomenológica e dialógica para a Gestalt-terapia,
segundo a fala das colaboradoras. Elas tornam possível que a psicoterapeuta possa
acompanhar o indivíduo em sua dor, permitir que a pessoa explore suas possibilidades e
ressignifique sua vivência.
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Considerações finais

Tanto na perspectiva da abordagem gestáltica quanto da suicidologia de Edwin


Shneidman, o suicídio é compreendido como um fenômeno de grande complexidade e que
provoca um imenso sofrimento na pessoa que pensa na morte como solução.

Um ponto de diálogo importante entre os dois pontos de vista é o entendimento de


que o suicídio deve ser estudado a partir do conjunto de perspectivas e de campos de
conhecimento diferentes. Por ser impossível estabelecer uma única causa para o fenômeno,
também há concordância entre as duas a respeito da necessidade de uma equipe
multidisciplinar no manejo da pessoa com ideações suicidas.

Além disso, tanto a Gestalt-terapia quando a suicidologia percebem que no manejo


psicoterapêutico é necessário a ênfase na pessoa e em seus sentimentos e emoções, sendo
fundamental a ampliação da consciência do cliente sobre si e sobre a forma como tem vivido
no mundo. No entanto, se diferem a medida que a Gestalt-terapia propõe uma relação
dialógica, em que há o encontro entre duas pessoas de forma não-hierárquica e a suicidologia
tem como conduta a não igualdade entre psicoterapeuta e cliente, construindo uma relação
hierárquica.

Além disso, o suicidologista apresenta uma proposta de quantificação das


necessidades psicológicas, que contrariam a perspectiva fenomenológica da Gestalt-terapia.
Ao tentar numerar e quantificar necessidades de cada pessoa, perde-se de vista a
compreensão da totalidade e complexidade humana.

Em relação ao desenvolvimento da pesquisa, a pesquisadora verificou um contraste


nas perspectivas das colaboradoras da Gestalt-terapia com a da psicologia fenomenológica-
existencial. A abordagem gestáltica tem a fenomenologia e o existencialismo entre as bases
filosóficas, e nessa perspectiva, houve coerência no que se refere a compreensão do suicídio.
No entanto, ao abarcar o manejo clínico foi visível a diferença entre as duas abordagens
devido ao fato das colaboradoras da Gestalt-terapia abordarem a postura dialógica e as
intervenções relacionadas a ela, diferentemente da colaboradora de abordagem
fenomenológica-existencial. Ao mesmo tempo que essa diferença trouxe maior riqueza de
informações a respeito do tema estudado, em termos de pesquisa, dificultou a identificação
com clareza das unidades de sentido.
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Ao final do trabalho, suscitou-se na pesquisadora algumas questões, tais como: Quais


são as ideias e atuais perspectivas das pessoas em relação ao suicídio? Como a população tem
percebido o fenômeno? Como as pessoas percebem o papel da psicoterapia em relação aos
clientes com ideações suicidas? Quais as maiores dúvidas em relação ao processo e quais
expectativas são criadas sobre o papel do psicoterapeuta em tais casos? Sugere-se mais
pesquisas acerca desse tema para que o conhecimento seja aliado à prevenção e pós-venção
do suicídio e para que a psicologia, enquanto ciência, garanta uma boa assistência para a
sociedade.

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