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BRASIL

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João Cândido, o “almirante negro”, é


homenageado em concurso de
redação

João Cândido e a Luta pelos Direitos Humanos foi


o tema da redação escolhido para esta edição do
Prêmio Nacional Assis Chateaubriand 2008/Projeto
Memória. Os concorrentes escreveram sobre a
biografia do herói, líder da Revolta da Chibata,
ocorrida no início do século 20. A luta do filho de ex-
escravos que, aos 14 anos, entrou para a Marinha foi
lembrada nos textos dos concorrentes, incentivados a
pesquisar sobre a história do país.

Doze estudantes foram selecionados nas categorias


ensinos fundamental, de 1ª a 4ª séries e de 5ª a 8ª
séries, médio e superior, além de menções honrosas
distribuídas do quarto ao sétimo lugar. Os vencedores
ganharam um diploma e uma quantia entre R$ 500 e
R$ 8 mil.

VEJA ABAIXO as redações vencedoras,publicadas


originalmente pelo jornal Correio Braziliense.

Ensino fundamental
1ª a 4ª série
Victória Mundim Sales Cruz – EC 3 do Núcleo
Bandeirante (DF)
1º lugar

O GRANDE HOMEM QUE LUTOU PELA


CIVILIZAÇÃO

João Cândido não era um homem comum porque ele


lutou pelos direitos que é muito raro ver em nossos
dias. Foi filho de escravos, pobre e não teve vergonha
de sua condição humana.

Quando completou 14 anos de idade entrou para a


Marinha e sofreu muito, mas chegou onde queria
chegar e até hoje, mesmo morto, todos o respeitam.

João Cândido tornou-se imortal pela sua bravura e


coragem de enfrentar a luta pelos Direitos Humanos.
Sonhava com um país justo e honesto. Este sonho
inspirou-o a liderar a Revolta da chibata o que muito
lhe trouxe sofrimento, mas por outro lado realizou- se
como um bravo herói de nossa gente.

Este grande homem mostrou que o poder está dentro


de cada um e para vencer é preciso lutar.

Assim é necessário reconhecer que as


desigualdades e injustiças ainda existem em nosso
país, mas os brasileiros devem inspirar-se nas
histórias de João Cândido e erguer a bandeira da
justiça e igualdade entre os homens, independente da
raça, cor, religião ou situação econômica.
Victória

Ensino Fundamental
5ª a 8ª série
Victor Cayeron Mateus da Silva – CEF 4 do Gama
(DF)
1º lugar

ALMIRANTE NEGRO-HERÓI DOS MARUJOS


BRASILEIROS
SONHO REALIZADO ATRAVÉS DE UM CASTIGO

Vou contar a historia de um garoto, de dez anos de


idade, filho de ex-escravos libertados a dois anos, que
teve direito de permanecer na propriedade como
empregado.

Depois de ser humilhado pelo neto do patrão de seus


pais, o garoto que se chama João Cândido reage
atacando-o com uma vara e se esconde temendo o
castigo. Os pais não se preocupam
com o sumiço do garoto, pois ele é criado solto.

À noite, o patrão, sabendo do acontecido, vai à casa


do garoto e, como castigo, comunica aos seus pais
que irá mandá-lo para a Marinha. Eles concordam,
pois tinham outros sete filhos e João Cândido seria
uma boca a menos e teria a chance de ser alguém na
vida, já que iria recomendado por alguém de muito
prestigio.

João Cândido fica sobre os cuidados do almirante


Alexandrino de Alencar, um velho amigo do patrão de
seus pais. Nesta época, um protetor assim lhe abriria
muitas portas. Sem saber, estavam realizando o
sonho do garoto.

A TRAJETÓRIA DE CÂNDIDO NA MARINHA

No ano de mil oitocentos e noventa, a Marinha


aceitava em seu quadro negros, nordestinos, ex-
presidiários e menores de idade.

Enquanto não ingressava na Marinha, João Cândido


atuou como moleque de recados. Trabalhou como
ajudante em uma fábrica, ganhando assim seu
sustento.

Só aos treze anos que Cândido teve a oportunidade


de conhecer uma embarcação da Marinha, o Ondina.
Os marujos ficaram curiosos vendo um negrinho em
companhia de um oficial de alta patente-o almirante
Alexandrino de Alencar. O clima no navio era de
tensão, pois se iniciava a Revolta dos Federalistas,
que se estenderia até mil oitocentos e noventa e
cinco.

Aos quatorze anos, apresenta-se a Escola de


Aprendizes Marinheiros do Rio Grande do Sul, já com
uma recomendação de “atenção especial” escrita pelo
delegado da Capitania dos Portos de Porto Alegre,
amigo do almirante Alexandrino de Alencar.

Um ano depois, é destacado para o Rio de Janeiro, e


entra efetivamente na Marinha servindo no navio
Andrada por quase um ano.

Cândido viajou em várias missões, estrangeiras e


nacionais a bordo do encouraçado Riachuelo, a que
mais lhe orgulhou foi a feita em companhia do
Presidente da República à Argentina. De volta ao
Brasil, recebera uma nova missão para demarcação
de terras no Acre, que lhe deixaria marcas para o
resto da vida. Nessa viagem, contraiu tuberculose em
decorrência da alta umidade e má alimentação.
Retornando ao Rio de Janeiro, ficou internado em
estado grave por noventa dias. Tendo certeza de que
estava curado, retornou a Marinha sendo destacado
para uma viagem à Inglaterra a bordo do Benjamin
Constant.

O governo brasileiro tinha encomendado aos ingleses,


várias embarcações. O objetivo dessa viagem era a
instrução de Cândido e seus companheiros, ou seja,
conhecer a mecânica, a parte elétrica e o manejo da
nova embarcação. Lá, eles perceberam a diferença
de tratamento dos que eram recrutados. Souberam
ainda da Revolta Russa por causa das péssimas
condições de trabalho, assim, começaram a participar
de reuniões sindicais, tendo um tradutor português
para orientá-los.

Chega a hora de voltar, só que Cândido e seus


companheiros não eram mais os mesmos.

ESTUPIM PARA A REVOLTA

Em vinte e dois de novembro de mil novecentos e


dez, durante a viagem do encouraçado Minas Gerais,
de volta ao Rio de Janeiro, vindo da Inglaterra, o
tripulante Marcelino Rodrigues, é punido com
duzentos e cinqüenta chibatadas por desobedecer a
ordens superiores (o fim dos castigos corporais com o
uso da chibata foi abolido em mil oitocentos e oitenta
e nove, mas a lei foi revogada um ano depois).Com
isso, os tripulantes começaram a conspirar e se
organizar, a revolta já tinha até data marcada, mas só
que a resposta para o castigo foi a antecipação da
revolta do dia vinte e cinco para o dia vinte e dois de
Novembro.

Sob o comando de João Cândido amolinaram-se as


tripulações dos encouraçados Minas Gerais e São
Paulo e também dos cruzadores Barroso e Bahia,
reunindo mais de dois mil revoltosos.

A cidade do Rio de Janeiro, então capital da


República, foi mantida por cinco dias sob a mira de
canhões.

O governo não teve outra alternativa a não ser


atender as reivindicações. Três dias depois veio a
tração. O ministro da Marinha determinou a expulsão
dos líderes. Eles tentaram reagir, mas o governo
lançou violenta repressão que culminou com dezenas
de mortes, centenas de deportações e a prisão de
Cândido que foi contra essa nova rebelião. “O
Almirante Negro” foi colocado numa masmorra da ilha
das Cobras com mais dezessete companheiros, onde
só ele e outro companheiro saíram vivos, os outros
dezesseis companheiros morreram asfixiados por
causa da cal usada na limpeza da cela.

Após esse episódio, Cândido ficou alucinado, sendo


transferido para o hospital dos Alienados. Quando
recebeu alta, ficou preso na Ilha das Cobras por
dezoito meses.

Em seu julgamento, João Cândido é absolvido das


acusações por falta de provas. Pela primeira vez
desde o início da revolta, Cândido foi tomado pela
emoção e chorou e todos o cumprimentaram como
líder de um movimento vitorioso.

Mesmo julgado inocente, Cândido, sofre perseguição


da polícia e do Exército, não consegue emprego fixo
como marinheiro e trabalha como estivador de peixes
no Rio de Janeiro.

João Cândido não gostava de ser reconhecido na rua.


Acabou muitas vezes na vida sendo assediado por
forças políticas de esquerda e de direita, que queriam
ter sempre o Almirante Negro como aliado.

Participou de várias reuniões com os integralistas, foi


recebido como superchefe, foi tratado com as
mesmas regalias dadas aos oficiais e marechais, mas
nunca se filiou a nenhum partido, preferia se manter
incógnito.

Cândido casou-se aos trinta e três anos com Marieta.


O primeiro filho que teve foi uma alegria, mas só que
Marieta, em mil novecentos e dezessete, faleceu.

João Cândido ficou três anos sozinho, já com


quarenta anos conheceu seu grande amor, Maria
Dolores com quem teve quatro filhos. Esta por sua
vez tinha muito ciúmes de Cândido. As brigas eram
constantes, em um ato de loucura, se suicida, pois na
noite anterior descobrira que estava grávida
novamente e ficara enlouquecida.

Cândido volta a se casar aos oitenta anos com Ana


do Nascimento, na igreja Metodista com quem viveu
por nove anos.

João Cândido falece aos oitenta e nove anos. Mesmo


assim, seus filhos continuaram na luta pelo
reconhecimento de seu pai como um herói brasileiro.

Ensino médio
Diego Darlan Ribeiro Ferreira – C.E.E. Porto Digital
(PE)
1º lugar

O GUERREIRO DO MAR QUER LIBERDADE

Nascido de família pobre filho de ex-escravos e líder


de um dos movimentos que marcou a luta pelos
Direitos Humanos no Brasil, sim eu estou falando de
João Cândido: o marinheiro que morreu lutando pelos
seus direitos, mas para conseguí-los precisou de
paciência, raça, coragem e muita, mas muita revolta.

João Cândido nasceu nas províncias do Rio Grande


do Sul, e se alistou muito cedo na escola de
aprendizes de marinheiros do Rio Grande do Sul; aos
quinze anos de idade consegue sua primeira viajem
como marinheiro.

Enquanto João Cândido brigava para se tornar


marinheiro, nove anos após seu nascimento, Deodoro
da Fonseca acaba com os castigos corporais na
Marinha brasileira, mas em mil novecentos e noventa.
Deodoro da Fonseca volta a legalizar os castigos
corporais.

Aos vinte e oito anos de idade, Cândido vai para a


Inglaterra supervisionar o acabar da construção de
navios encomendados pelo governo brasileiro, lá fica
sabendo que houve uma revolta feita pelos
marinheiros britânicos, que queriam melhores
condições de trabalho na Inglaterra. A partir daí, o
herói começa a perceber que pode ter mais direito e
começa a nascer o guerreiro do mar que vai lutar
pelos Direitos Humanos dentro da Marinha brasileira.

Com a volta das forças armadas no poder com


Hermes da Fonseca, em mil novecentos e dez, a
sociedade começa a ficar altamente insatisfeita com a
situação atual. E entre os marinheiros
começa a crescer um espírito de revolta por causa
dos maus tratos, com as más condições de
alojamento, com a má alimentação e claro, com o
regime disciplinar no qual, a qualquer infração
cometida pelo marujo era paga com violência ao
mesmo, utilizando a “chibata”, isso serviu de estopim
para revolta.

Em dezesseis de novembro, o marinheiro Marcelino


foi castigado com duzentos e cinqüenta chibatadas, a
conseqüência disso foi “simplesmente” uma revolta,
comandada por João Cândido, o marujo negro e
analfabeto que era denominado como: “Almirante
Negro”. No dia vinte e dois de novembro de, mil
novecentos e dez Felisberto (João Cândido) se
apossa dos navios: Bahia, São Paulo, Deodoro e
Minas Gerais e fica junto aos revoltosos ancorados na
Bahia de Guanabara, apontando seus canhões para a
capital federal, que nesse tempo era o Rio de Janeiro.

Diante do poder de fogo dos rebeldes, o governo fica


disposto a estabelecer negociações, em primeiro
lugar aceitaram a anistia dos revoltosos e a abolição
dos castigos, mas o governo tinha outra coisa em
mente, pois a única coisa que o governo queria era a
devolução dos navios, o qual foi contíguo pelos
revoltosos.

Poucos dias depois, os fuzileiros navais, paralisados


na ilha da cobra, no Rio de Janeiro, estimulados pela
aparente vitória de seus colegas marinheiros,
revoltaram-se em defesa de propostas semelhante
àquelas dos marujos. Sem contar com o poder de
fogo intimidados dos marinheiros, os fuzileiros não
conseguiram sequer estabelecer negociações com o
governo, que reprimiu violentamente o movimento.

A revolta da Chibata foi uma das mais sangrentas e


tristes da história brasileira, após essa grande revolta
tivemos dois fatos históricos muito importantes para o
mundo: a I e a II guerra mundial. Será que foi por isso
que a ONU (Organização das Nações Unidas)
demorou em assinar o direito que sempre foi nosso?
Será que a revolta que acontece nos países
subdesenvolvidos não vale de nada? Por que esse
acordo só foi escrito quando atingiu os países ricos?
Não podemos deixar que os guerreiros dos direitos
morram sem sua devida valorização, devemos
mostrar que oguerreiro do mar não sofreu em vão.

Em meio à repressão aos fuzileiros, o governo


decretou estado de calamidade e mandou aprisionar
os principais líderes da Revolta da Chibata,
desrespeitando a anistia concedida anteriormente, o
“Almirante Negro” foi expulso da Marinha sobre a
acusação de ter favorecido os rebeldes e foi
aprisionado como “animal” na Amazônia com as
condições e as pressões, João Cândido enlouqueceu
e adoeceu gravemente, sendo internado no hospital
dos alienados, apesar de todo transtorno, ele
consegue se recuperar.

Em mil novecentos e doze, João Cândido é absolvido


das acusações, mas em mil novecentos e trinta, ele é
novamente detido por subversão, nem se rebela, pois
sua vida pessoal já estava bastante abatida com a
morte da sua segunda esposa.

Enquanto o “almirante” luta contra as injustiças as


quais o governo cometia, em mil novecentos e
quarenta e oito a ONU, decreta os Direitos Humanos,
tendo como os primeiros artigos o “Direito à Vida” e a
“Abolição dos Castigos corporais”.

Como era “mestiço” João Cândido tinha bloqueios de


liberdade, pois assim como a sociedade atual ainda
temos traços de grande ignorância que é o racismo e
isso se tornou mais forte ainda, pois João Cândido
viveu no período em que a sociedade tinha acabado
de “experimentar” os negros como pessoas livres,
isso dificultou ainda mais as idéias de João Cândido,
mas como bom e velho guerreiro brasileiro, ele nunca
desistiu dos seus ideais de direito e liberdade e se
tornou um dos grandes revolucionários pelos Direitos
Humanos.

Apesar de toda a sua luta para conseguir suas


integridades, o almirante negro morreu sem patente,
sem aposentadoria, sem nome e sem reconhecimento
algum, morreu na miséria e esquecido no hospital
Getúlio Vargas com Câncer, no Rio de Janeiro.

É triste saber que uma pessoa que lutou sempre


pelos seus ideais só é reconhecida após a sua morte,
é horrível ver que mesmo depois de tanto sangue,
tanta revolta e morte de inocentes para conseguir o
direito de igualdade, ainda existem pessoas sem o
menor escrúpulo, que não respeitam, maltratam e que
tiram a vida de outra pessoa, será que mesmo depois
de setenta anos, após o decreto dos Direitos
Humanos, que necessitou da revolta e da humilhação
de grandes heróis, gênios da humanidade que se
rebelaram para ter “seus direitos” e conseguiram com
bastante raça e sangue os “Direitos Humanos”? Para
mim está se tornando apenas um pedaço de papel no
qual ninguém tem capacidade de reconhecer que
pessoas morreram para que você tivesse o direito de
gritar: eu tenho direito, mas infelizmente, mesmo após
a morte desses heróis, os direitos os quais eles tanto
lutaram não são respeitados por ninguém e
continuamos a ter racismo, morte e desrespeito ao
próximo.

Será que precisamos matar outro “Almirante Negro?”


não, nós precisamos de censo, humildade, amor e
conhecimento para que vejamos que temos “Direito à
Vida”, é o “Direito Humano” que João Cândido
Felisberto tanto lutou e espero que essa briga não
tenha sido em vão, pois o “Mestre do Mar sempre
brigou e sempre quis a liberdade”.

Ensino universitário
Dilceia Noberto de Oliveira – PUC do Rio (RJ)
1º lugar

O Herói negro

Chilep! Chilep! Faz a chibata, mesmo depois de 1888,


ano em que foi assinada a Lei Áurea extinguindo a
escravidão no Brasil. O papel estava lá. Mas,
trezentos anos de hábito de maus tratos e
humilhações também. Em 24 de junho de 1880, na
escuridão do cativeiro, Inácia Felisberto, pele cor da
noite, deu à luz João Cândido. O menino recebeu o
nome do pai. Pai e mãe, ex-escravos. Sobreviventes
numa fazenda da cidade de Rio Pardo, no Rio Grande
do Sul.

João Cândido percorreu sua infância ao som dos ecos


do açoite que, sem dó, causava dor no lombo da força
de trabalho que, por anos, produziu sozinha a riqueza
de uma terra novinha. Novinho era o menino quando
começou a trabalhar como garoto de recado e numa
fábrica de tecidos. Nada diferente de crianças pobres
de sua época.

Imperfeitamente dentro dos padrões, João Cândido


era analfabeto aos 13 anos, quando fora
recomendado pra Escola de Aprendizes-Marinheiros
do Rio Grande. Uma exceção. Criminosos e
marginais, produtos de uma sociedade oligárquica
incapaz de oferecer melhores oportunidades ao
povão, eram incorporados à armada para cumprir
serviços obrigatórios por 10, 15 anos até. A
escravidão acabou. A monarquia caiu. No entanto, o
império de uma sociedade desigual e escravocrata se
mantinha inabalado diante dos olhos do menino que
logo deixou de ser aprendiz para se tornar um
marinheiro de primeira classe. Primeira da última, que
fique bem claro. Ou melhor, escuro. A Marinha do
Brasil era escura. A casa grande e a senzala se
estenderam
para a instituição.

Oitenta por cento dos marujos eram negros ou


mulatos. Enquanto uma minoria branca, filhos dos
velhos e já conhecidos senhores de escravos,
ocupava o oficialato.

João Cândido logo se tornou uma liderança entre a


marujada. Foi acompanhar a finalização da
construção do encouraçado Minas Gerais na
Inglaterra. Lá, viu como as contestações de
sociedades insatisfeitas aconteciam nas metrópoles.
Teve acesso a movimentos operários e a partidos
marxistas europeus. Aprendeu como marinheiros do
mundo conquistaram melhores condições de trabalho
e vida, que era o que almejava.

De volta ao Brasil, João Cândido não mais podia se


conformar com a situação na Marinha Brasileira. A
mais moderna do mundo naquele início de século XX,
em que havia uma afirmação crescente do homem
como indivíduo. Tornava-se cada vez mais difícil ver
pessoas como um mero pedaço de carne, numa
ordem hierárquica em que a carne preta valia nada.
Nem por quilo. Os castigos corporais eram severos.
Se os filhos de fazendeiros recebiam como herança
altos postos nas forças armadas do país, os
portadores de pele preta, como João Cândido,
herdavam o tronco,
as chibatadas, a comida estragada e os soldos
miseráveis. Como se cumprissem os destinos de seus
pais e avós.

Chilep! Chilep! Fez a chibata. O marinheiro Marcelino


Rodrigues de Menezes foi punido com 250
chibatadas. Estopim aceso. Em 22 de novembro de
1910, o primeiro timoneiro da Marinha
de Guerra brasileira decidiu abolir a escravatura no
Rio de Janeiro, 22 anos após a canetada da princesa
Isabel.

Liderados por João Cândido, os marinheiros


amotinaram-se. Cerca se dois mil homens
acostumados a humilhações tomaram o controle dos
encouraçados Minas Gerais e São Paulo, além dos
cruzados
Deodoro e Bahia. A bela capital, da tão sonhada
República, estava na mira dos canhões
dominados por pessoas consideradas a escória da
sociedade.

Vivas! Ao fim de quatro dias, o governo de Hermes da


Fonseca e o parlamento optaram por atender as
reivindicações dos escravos, ou melhor, marinheiros.
Prometeu calar o canto das chibatas e anistiar João
Cândido e os revoltosos.

Mortes! João Cândido e os demais amotinados foram


traídos. A maioria dos revoltosos foi morta. Alguns
líderes do movimento foram presos. Pouco tempo
depois, outro levante de marinheiros. Desta vez, no
quartel da Ilha das Cobras. Embora João Cândido
tenha se recusado a participar, achava que não era o
melhor momento, foi acusado de auxiliar na revolta e
como conseqüência fora expulso da Marinha. Ele e 17
outros militares foram jogados na masmorra da Ilha
das Cobras.

Os encarcerados foram tratados com mais um ato de


requintada crueldade (especialidade dos senhores da
época). Lavaram a pequena cela com baldes de água
com cal. O forte calor de dezembro fez a água
evaporar rapidamente e o cal penetrou o pulmão dos
marinheiros. Os gritos de dor eram ensurdecedores,
mas a porta só foi aberta dias depois, quando já
haviam corpos em decomposição.

Apenas João Cândido e outro marinheiro


sobreviveram ao cal. Depois de expulso da Marinha, o
líder da Revolta da Chibata foi internado na Casa dos
Alienados. Mas alienado era a última coisa que
aquele filho de ex-escravos era. Marcado para
sempre como tuberculose, teve que lidar com
dificuldades na vida até o fim. Nunca mais conseguiu
emprego fixo. De marinheiro passou a estivador e
carregador de peixe na Praça XV, no Rio de Janeiro.
Em 1928, teve que superar o suicídio da segunda
esposa.

Para sempre na mira cega das autoridades, foi preso


por subversão em 1930. Mas como a chama
revolucionária não se apaga facilmente, em 1933
aderiu à Ação Integralista Brasileira, fundada pelo
escritor Plínio Salgado. No entanto, não ficou muito
tempo, queixava-se de uma liderança
mais forte.

O nome de João Cândido tornou-se uma afronta às


forças armadas brasileiras, mesmo tendo lutado pelos
direitos humanos quando nem era moda. Por isso,
uma homenagem que receberia em 1959, no Rio
Grande do Sul fora suspensa por intermédio da
Marinha.

O Brasil, ao longo de sua história, teve um talento


“natural” para sepultar a cor e, principalmente, a
memória de pessoas que lutaram por justiça. Com
João Cândido Felisberto não foi diferente. As
tentativas de resgate de sua história sempre foram
combatidas. A música “Mestre-sala dos mares”, de
Aldir Blanc e João Bosco, teve a letra alterada várias
vezes por ordem da censura. O título original era
“Almirante Negro”. Porém, almirante é a figura mais
importante da Marinha e isso foi considerado uma
ofensa às forças armadas brasileiras. Imaginem só:
um negro, almirante.

Mais aviltante ainda, numa sociedade que guarda


resquícios da escravatura, é ter um herói negro. Mas
em 2005, o deputado Elimar Máximo Damasceno
(PRONA/SP) apresentou o projeto de lei número
5874, que determinou a inscrição do nome João
Cândido no Livro dos Heróis da Pátria, que fica no
Panteão da Liberdade e da Democracia, na Praça dos
Três Poderes.

Em 2007, foi inaugurada uma estátua do Almirante


Negro nos jardins do alvo dos marinheiros em 22 de
novembro de 1910, o Palácio do Catete, atual Museu
da República. No dia 24 de julho de 2008, foi
publicada no Diário Oficial da União anistia a João
Cândido e aos marinheiros que lutaram por justiça na
Revolta da Chibata. Todavia, a reintegração à Marinha
foi vetada, pois acarretaria num forte impacto aos
cofres públicos, além de não render votos. Por isso,
veio o veto.

João Cândido teve quatro casamentos e doze filhos.


Morreu em dezembro de 1969, aos 89 anos.
Infelizmente, o Almirante Negro no auge do governo
militar. Quando os generais desciam a “chibata” no
lombo de quem ousava contestar o regime. Mas
provavelmente sua consciência estava tranqüila como
a de quem sabe que lutou pela dignidade do ser
humano, lutou pela reabolição da escravatura. Ou
simplesmente, uma real abolição da injustiça.

De | novembro 28th, 2008 | Notícia | Comentários


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