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Medicina Veterinária ISSN 1809-4678

Aspectos clínicos e anatomopatológicos da criptococose nasal com disseminação


sistêmica em cão: relato de caso

[Clinical and anatomopathological aspects of nasal cryptococcosis with systemic


dissemination in dogs: case report]

“Relato de Caso/Case Report”

MF Pereira1, BM Santos2, VCL Silva2(*), HNS Pereira2, LBG Silva1, BHA Paiva3,
RB Barros4, MBMC Dias2, AKR Neves2, AAF Oliveira1

1
Departamento de Medicina Veterinária/UFRPE, Recife-PE. Brasil.
2
Programa de Pós-Graduação em Ciência Veterinária/UFRPE, Recife-PE. Brasil.
3
Médico Veterinário autônomo, Recife-PE. Brasil.
4
Graduação em Medicina Veterinária/UFRPE, Recife-PE. Brasil.
______________________________________________________________________
Resumo

Objetivou-se relatar uma forma incomum de criptococose com envolvimento sistêmico em uma cadela, SRD, 4 anos
de idade, pesando 17,5 Kg, procedente da cidade do Recife-PE. Este animal foi atendido no Hospital Veterinário da
UFRPE com histórico de secreção nasal viscosa, evoluindo para o aparecimento de uma massa nodular firme no
interior da narina esquerda e dispnéia inspiratória. Após tratamento com quimioterápico por outro veterinário,
apresentou nódulos de diferentes diâmetros em várias áreas do corpo. Foram realizados hemograma, exame
radiográfico do tórax, citologia aspirativa por agulha fina, cultura fúngica da secreção das lesões, histopatológico e
exame necroscópico. O diagnóstico foi obtido mediante a visualização do Cryptococcus na CAAF e na positividade
da cultura. A evolução desfavorável do caso apresentado, evidencia a importância dos exames laboratoriais para
diagnóstico diferencial, tendo em vista a semelhança macroscópica da lesão fúngica com as neoplasias.

Palavras-chave: micose sistêmica, animal de companhia, pele e trato respiratório.

Abstract

The objective was to report an form unusual of cryptococcosis canine with envolvement systemic in a female dog,
mongrel, 4 years old, weighing 17.5 kg, founded the city of Recife-PE. This animal was treated at the Veterinary
Hospital of UFRPE with a history of viscous discharge nasal, progressing to the appearance of a firm nodular mass
within the nostril left, inspiratory dyspnea. After treatment with chemotherapeutic by another veterinarian, showed
nodules with different diameters in different areas of the body. Held hemogram, chest examination radiographic,
aspiration cytology for fine needle, fungal culture secretion of lesions, histopathological and necropsy examination.
The diagnosis was obtained by visualization of the Cryptococcus in CAAF and culture positive. An unfavorable
outcome of the case presented highlights the importance of tests laboratory for differential diagnosis in view of the
similarity macroscopic of the lesion fungal with neoplasms.

Keywords: systemic mycosis, pet, skin, respiratory tract.


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Introdução mundial, podendo acometer seres humanos


A criptococose é uma micose e diversas espécies animais (CAMPOS e
sistêmica, oportunista, com distribuição BARONI, 2010). É

(*)
Autor para correspondência/Corresponding author: E-mail: marcia.vet-ufrpe@hotmail.com
Recebido em: 08 de dezembro de 2012.
Aceito em: 21 de abril de 2013.
Pereira et al., Aspectos clínicos e anatomopatológicos da criptococose nasal com disseminação sistêmica...............8

considerada a micose sistêmica mais A criptococose é cerca de 7 a 10


comum dos gatos (MARCASSO et al., vezes mais comum em gatos do que em
2005; MALIK et al., 2006). cães e no primeiro está associada
Cryptococus neoformans é uma principalmente às infecções virais por FIV
levedura que pode ser isolada a partir de e FeLV (MALIK et al., 1992; WOLF e
excrementos de pombos e de outras aves, e TROY, 1997). Nos Estados Unidos a
a partir de solo incrementado por esses prevalência desta doença em cães é de
dejetos (CARTER et al., 2005; BART et 0,00013% (WOLF e TROY, 1997). Em
al., 2008). Também pode ser encontrado em cães, a localização mais comum da
tecidos e secreções de animais e no homem criptococose é no sistema nervoso central,
(FERNANDES et al., 1999; GRECCO e olhos e linfonodos, mas podem ocorrer
MORENO 2003; BARONI et al., 2006; casos de lesão cutânea sem envolvimento
MARTINS et al., 2008). ocular e neurológico (MALIK et al., 1995;
As espécies de Cryptococcus de CONCEIÇÃO e SANTOS, 2010).
importância na Medicina Veterinária foram O envolvimento multifocal
classificadas em Cryptococcus neoformans cutâneo causado pelo Cryptococcus reflete
variedade neoformans (Sorotipos A, D e disseminação hematógena de um sítio
AD) e C. neoformans variedade gattii primário de infecção (MALIK et al.,
(sorotipos B e C) (KWON-CHUNG et al., 2006). A forma nasal, assim como a
1982; SORREL, 2001). A nomenclatura foi pulmonar, é pouco frequente em cães
revisada com o C. neoformans variedade (CASSALI et al., 1991; WOLF e TROY,
gattii e foram propostas as espécies, 1997; LARSSON et al., 2003;
Cryptococcus gattii (teleomorph BEHEREGARAY et al., 2005; SANTOS
Filobasidiella bacillispora), incluindo e GUEDES, 2011). Alguns cães podem
sorotipos B e C (KWON-CHUNG et al., apresentar febre e menos comumente
2002). C. neoformans foi dividido nas claudicação, devido à lise óssea provocada
variedades C. neoformans variedade grubii por este patógeno e linfoadenopatia
(sorotipo A) e C. neoformans variedade periférica (MALIK et al., 2006).
neoformans (sorotipo D) (SORREL, 2001). A transmissão ocorre pela inalação
Os sorotipos A e D são do microrganismo em poeira contaminada,
evidenciados em fezes de pombos e havendo infecção inicial no trato
infecções criptocócicas de felinos respiratório e, em seguida, disseminação
brasileiros (CHIESA, 1998). Medeiros por via hematógena ou por contigüidade
Ribeiro et al. (2006) evidenciaram o tipo D para o sistema nervoso central. A
em eucaliptos no Sul do Brasil, mostrando imunossupressão causada por drogas
mais uma fonte de infecção em potencial (glicocorticóides, quimioterápicos), vírus
para esta doença, especialmente porque o (da leucemia e da imunodeficiência felina)
cão analisado pelos autores era residente de e doenças debilitantes como neoplasias e
área rural e habitava próximo a uma insuficiências orgânicas predispõem a
plantação destas árvores. infecção ou pode determinar maior
As leveduras do gênero gravidade ou pior prognóstico
Cryptococcus possuem células redondas a (BUCHANAN e MURPHY, 1998;
ovais com 3,5 a 8 µm de diâmetro, são PAPPALARDO e MELHEM, 2003;
aeróbios, formam colônias mucóides e LAZERA et al., 2004; KIDD et al., 2007;
possuem como fator característico, a CONCEIÇÃO e SANTOS, 2010).
presença de cápsula espessa. A capacidade Devido à existência de poucos
de crescimento a 37ºC é um dos critérios relatos na literatura sobre criptococose
para a diferenciação de Cryptococcus canina com o acometimento cutâneo e
neoformans (QUINN et al., 2005). nasal, objetivou-se relatar um caso clínico
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de criptococose em um cão atendido no apresentando cápsula ao seu redor e


Hospital Veterinário da Universidade infiltrado inflamatório com predomínio de
Federal Rural de Pernambuco. macrófagos, inclusive com células
gigantes multinucleadas, e muitos
Relato de Caso linfócitos. Foi diagnosticado processo
Foi atendida em uma clínica inflamatório granulomatoso micótico.
veterinária particular uma cadela, SRD, Coletou-se material do nódulo da
com quatro anos de idade, pesando 17,5 região cervical ventral para cultura em ágar
Kg, procedente de área urbana da cidade Sabouraud, seguido da realização de
do Recife. O animal tinha histórico de esfregaço em lâmina corando-se com tinta
secreção nasal viscosa que evoluiu para o Nankin. Foi confirmada a presença de
aparecimento de uma massa nodular firme Cryptococcus sp. pelo exame direto e
no interior da narina esquerda, em um também pelo isolamento da levedura pela
período de sete meses. Suspeitando de cultura destes materiais biológicos (Figura
tumor venéreo transmissível, foi iniciado o 2c e 2d). Após o diagnóstico foi iniciado o
tratamento quimioterápico com sulfato de tratamento com Itraconazol 170mg, na dose
vincristina, totalizando cinco aplicações de 10mg/Kg a cada 24 horas, porém, oito
endovenosas e prednisona por via oral. Ao dias depois do início do tratamento o
final do tratamento, surgiram outros animal morreu.
nódulos de diferentes diâmetros em várias Na necropsia, além dos nódulos
áreas do corpo (narina contralateral, região observados superficialmente ao exame
cervical ventral, região torácica e região clínico, observaram-se pulmões com áreas
umeral proximal esquerda e região plantar de consolidação pulmonar, hepatomegalia,
do membro pélvico esquerdo) (Figura 1). hiperemia da mucosa gástrica e bexiga
Posteriormente, a cadela foi atendida distendida, com ulceração da mucosa e
no Hospital Veterinário da UFRPE e ao conteúdo grumoso.
exame físico verificou-se estado geral Foram coletados fragmentos dos
regular, com mucosas congestas, nódulos dos membros torácico e pélvico
blefaroespasmos, uveíte anterior, dispnéia esquerdos para exame histopatológico. Os
inspiratória, presença de estertores fragmentos foram fixados em solução de
pulmonares, frequência cardíaca e formol a 10% tamponado, processados
temperatura normais. Foram observados rotineiramente e corados pela Hematoxilina
vários nódulos ulcerados ao longo do e Eosina e PAS/Alcian Blue. As lâminas
corpo com exsudação purulenta (Figura 1). foram examinadas em microscópio de luz
Solicitou-se hemograma que comum. No nódulo da região umeral, a
revelou leucocitose com desvio à esquerda lesão localizava-se na derme profunda,
e linfopenia. Posteriormente foi realizada enquanto no coxim plantar do membro
radiografia torácica, onde se observou pélvico, a lesão envolvia a epiderme, com
aumento da radiopacidade em campos degeneração e vacuolização da camada
pulmonares com padrão alveolar e basal até destruição da epiderme. O aspecto
intersticial. histopatológico era característico da
Foi realizada Citologia Aspirativa por Criptococose, com aparência esponjosa
Agulha Fina (CAAF) da lesão nasal, e as (“bolhas de sabão”) devido a presença dos
lâminas foram coradas pelo método organismos leveduriformes de formas
Panótico Rápido. Ao exame microscópico, redondas a ovais, com tamanho variável,
observaram-se numerosas estruturas em com cápsula não corada. A reação celular
forma de leveduras ovais a arredondadas, era discreta, com predomínio de
com tamanho muito variável macrófagos, alguns vacuolizados, e
(aproximadamente 10 µm de diâmetro), linfócitos e plasmócitos (Figura 2a e 2b).
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Havia ainda degeneração do colágeno e PAS/ Alcian Blue, a cápsula dos micro-
neoformação vascular. Na coloração pelo organismos foi evidenciada.

Figura 1. Cão, fêmea, 4 anos, SRD. Criptococose sistêmica. a) Nódulo


elevado ulcerado na região cervical ventral, aumento irregular da
região nasal e aumento nodular na região umeral esquerda. b)
Vista lateral do nódulo cervical descrito em a. c) Lesão nodular
ulcerada na língua (seta curta) e na cavidade nasal (seta longa).
d) Lesão nodular ulcerada, com margens irregulares, na região
plantar do coxim no membro pélvico esquerdo.

Discussão exposição com as fezes de aves,


A criptococose canina ainda é especialmente dos pombos do que os
considerada uma doença de ocorrência criados em ambientes fechados. Embora
esporádica, ao contrário do que é esta condição não tenha sido comentada
observado em felinos, onde esta é a causa durante a anamnese, atualmente, é possível
mais comum de rinite granulomatosa observar nas cidades uma extensa
(SANTOS e GUEDES, 2010). Essa proliferação e convivência de diversos
frequência pode ser influenciada pelos pássaros de vida livre, aumentando a
hábitos inerentes a cada uma dessas probabilidade de contato destes com os
espécies, visto que os gatos geralmente dejetos desses animais domésticos criados
tem maior liberdade de deslocamento e em ambientes abertos.
escalam árvores, muros e telhados.
Os cães com acesso a ambientes
abertos também podem ter maior
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a b

c d
Figura 2: Cão, fêmea, 4 anos, SRD. Criptococose sistêmica. a) Microscopia
de nódulo cutâneo em coxim de membro pélvico. Inúmeras
leveduras de Cryptococcus sp., com a cápsula intensamente
corada. PAS/Alcian Blue. Aumento de 400X. b) Microscopia de
nódulo cutâneo na região umeral. Aspecto esponjoso (“bolhas de
sabão”) com presença das leveduras do Cryptococcus sp.
PAS/Alcian Blue. Aumento de 400x. c) Cultura do nódulo da
região cervical ventral com crescimento puro de Cryptococcus sp.
d) Exame direto da colônia de Cryptococcus sp., corada com tinta
Nankin, ver a grande quantidade de leveduras, algumas com
brotamento e extensa cápsula ao seu redor.

Diversos fatores podem ser (NELSON e COUTO, 2006). Assim, é


associados à criptococose, como provável que o animal já sofresse de
desnutrição, erliquiose, dirofilariose, alguma condição que ocasionasse
neoplasias, uso prolongado de comprometimento da resposta imune.
corticosteróides e infecções virais como A utilização do sulfato de
cinomose, imunodeficiência e leucemia vincristina pode ter contribuído para o
felinas (NELSON e COUTO, 2006; agravamento do quadro clínico, pois não
QUEIROZ et al., 2008). Em cães, a havia sido feito o diagnóstico no momento
criptococose é incomum quando comparada da sua utilização e após seu uso
a sua ocorrência em felinos e a observaram-se várias nodulações cutâneas
imunossupressão possivelmente promove de diversos tamanhos no corpo do animal.
maior susceptibilidade nessa espécie Apesar da sua utilização terapêutica e ser
(MARCASSO et al., 2005), porém alguns amplamente empregada na medicina
autores acreditam que em apenas 10% dos veterinária, particularmente nas neoplasias
cães ocorra este tipo de condição hemolinfáticas tais como linfossarcoma,

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leucemia linfoblástica aguda e sarcoma de coccidioidomicose e blastomicose, corpos


células reticulares, bem como no tratamento estranhos e, com menor frequência,
do Tumor Venéreo Transmissível (TVT) de traumatismo nasal também devem ser
considerados no diagnóstico diferencial
cães (ROSENTHAL, 1981) ela tem
(TOMSA et al., 2003; MATHEWS, 2004;
causado efeitos citostáticos indesejáveis WHITNEY et al., 2005; KUEHN, 2006),
não seletivos, especialmente em células além de extensão de doença dental, do
sanguíneas circulantes e seus precursores palato, rinite alérgica, e bacteriana (WOLF
nos órgãos hematopoéticos centrais e TROY, 1997).
(ALLEMAN e HARVEY, 1993). O exame citopatológico e a cultura
Em cães, a criptococose manifesta- das secreções cutâneas foram feitos para a
confirmação do diagnóstico, sendo este
se principalmente por sinais neurológicos e
último exame necessário para determinar o
oftálmicos, sendo menos frequentes os fungo envolvido e, segundo a literatura,
sinais dermatológicos e respiratórios, como estes são os exames de eleição. Dessa
observado neste caso. As lesões cutâneas forma, o procedimento adotado está de
consistem em nódulos e massas tumorais, acordo com Das e Path (1999), que
às vezes ulceradas e com secreção sugerem que a CAAF deveria ser o
purulenta, localizadas nas narinas, lábios, primeiro método usado em quadros de
linfoadenomegalia.
leito ungueal e regiões inguinal, prepucial e
Ao exame histopatológico, podem
sacro lateral (CONCEIÇÃO e SANTOS, ser observados dois padrões:
2010). granulomatoso ou gelatinoso. Este último
Há relato da ocorrência de lesão caracteriza-se por pouca ou nenhuma
na região frontal, comprometendo o olho reação inflamatória e grande quantidade de
esquerdo, e com secreção purulenta, leveduras com cápsula espessa, enquanto
hiperemia conjuntival, obstrução da que o primeiro apresenta-se com
cavidade nasal, dispnéia e sinais de inflamação intensa e quantidade de
desidratação (NETTO et al., 2005) e estes parasita sensivelmente menor
sinais clínicos são similares aos (BERENGUER, 1996). Na amostra
encontrados no presente caso. O analisada, as características microscópicas
envolvimento multifocal cutâneo do observadas eram compatíveis com o
Criptococcus reflete disseminação padrão gelatinoso. Os organismos ocorrem
hematógena de um sítio primário de nos tecidos como corpos leveduriformes
infecção (MALIK et al., 2006) sendo este de paredes espessas, forma ovóide ou
fato indicativo de que o animal do relato esférica, podendo exibir brotamento
tem apresentação clínica disseminada da solitário, e são circundados por uma
criptococose. cápsula larga e gelatinosa. A cápsula
O diagnóstico da criptococose somente se cora seletivamente pela técnica
baseia-se no exame microscópico, cujos de mucicarmina e o PAS para glicogênio
achados caracterizam-se por massas de (JONES, 1994), mas em secções
organismos que proliferam com pouca ou histológicas, as leveduras livres podem
nenhuma restrição (JONES, 1994). A sofrer calcificação da cápsula e corar-se
citologia aspirativa foi importante para o pela hematoxilina (DUNGWORTH,
diagnóstico diferencial, pois permitiram 1992).
excluir as neoplasias, como mastocitoma, Após o diagnóstico definitivo e
carcinoma e tumor venéreo transmissível, iniciado o tratamento com antibiótico e
além de outras infecções fúngicas antifúngico, não houve melhora do quadro
sistêmicas, como histoplasmose,
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clínico, pois a doença já se encontrava em exame radiográfico, com a constatação de


estágio avançado. O animal morreu oito alterações sugestivas de pneumonia,
dias após o início do tratamento e o exame confirmadas à necropsia pela presença de
macroscópico revelou o comprometimento áreas de consolidação.
de diversos sistemas. No sistema A morte do animal oito dias após o
respiratório superior, havia obstrução início do tratamento com itraconazol e
completa da narina esquerda pela massa prednisona pode ser explicada por uma
tumoral. Na pele, observaram-se várias resposta ao próprio tratamento. A alta
nodulações ulceradas com conteúdo morbidade e mortalidade que acompanha o
purulento. Havia, ainda, hepatomegalia e tratamento das doenças fúngicas é
consolidação pulmonar. resultante da maciça resposta inflamatória
As alterações hepáticas podem causada pela morte dos organismos
estar associadas ao uso de vários fúngicos na primeira semana de tratamento
medicamentos, como prednisona e (KERL, 2003). Há controvérsias quanto ao
itraconazol. Estas drogas também podem uso de corticoides no tratamento
ter contribuído para a imunossupressão no antifúngico. Os corticosteróides tem
animal. O itraconazol pode provocar sérios grande impacto na imunidade celular, o
efeitos colaterais, geralmente associados à que é crucial para proteção de infecções
idiossincrasia ou é dose-dependente. fúngicas e para facilitar a eliminação da
Apesar de ser de bem tolerado, infecção em animais tratados com drogas
eventualmente tem causado anorexia antifúngicas. A administração destas
temporária, emese, aumento das drogas, no entanto, pode levar a
aminotransferases séricas, icterícia, disseminação e agravamento da infecção
insuficiência hepática e vasculopatias em fúngica (BONDY e COHN, 2002).
animais (FARIAS e GIUFFRIDA, 2002; A hematologia e a bioquímica
MALIK et al., 2006). frequentemente são normais em animais
A imunossupressão provavelmente com criptococose. Anemia arregenerativa
foi determinante para a evolução moderada, monocitose e neutrofilia podem
desfavorável deste caso. Antes de ser ser observadas. Observou-se no
atendida no Hospital Veterinário, a cadela hemograma do animal, nenhuma alteração
foi submetida ao tratamento na série eritrocitária e apenas alteração na
quimioterápico sem diagnóstico série leucocitária com a verificação de
citopatológico, pois tinha diagnóstico linfopenia e leucocitose por neutrofilia,
clínico de um tumor venéreo transmissível com um total de 38.200 leucócitos por
com localização nasal. Desse modo, mm3 de sangue, divergindo um pouco com
acredita-se que a quimioterapia com o o que a literatura cita (KERL, 2003;
sulfato de vincristina e a prednisona ETTINGER e FELDMAN, 2004;
causaram imunossupressão, contribuindo NELSSON e COUTO, 2006).
para a disseminação e a progressão da
micose, com o aparecimento de novos Conclusão
nódulos cutâneos e agravamento do A evolução desfavorável do caso
apresentado evidencia a importância dos
quadro sistêmico, como foi revelado no
exames laboratoriais para diagnóstico

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diferencial, tendo em vista a semelhança diagnosis and classification of lymphomas: a


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