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E-ISSN: 2177-6210
revistaeduc@unisinos.br
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Brasil
Ferreira, Suely
Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade
Educação Unisinos, vol. 19, núm. 1, enero-abril, 2015, pp. 122-131
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
São Leopoldo, Brasil
Suely Ferreira
suelyferreira13@gmail.com
Resumo: Este estudo tem como objetivo discutir a reconfiguração da educação superior,
principalmente da universidade, a partir de 1980, em consonância com as transformações da
globalização econômica, por compreender que a regulação das políticas educacionais articula-
se com o atual estágio da acumulação flexível de capital em âmbito mundial. Nesse contexto,
foram analisadas as reformas na educação superior implantadas pelos governos Lula da Silva
(2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014), bem como sua aproximação com as orientações
dos organismos transnacionais e com o Processo de Bolonha, na União Europeia. Na realização
do trabalho, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e da análise documental sobre o tema.
Verificou-se que as mudanças em curso presentes no Estado e no mercado vêm promovendo
alterações substantivas na forma de conceber a universidade e o exercício das suas finalidades
nessa relação tanto em âmbito global como no local.
Abstract: This study aims at discussing the reconfiguration of Higher Education and,
mainly since 1980, of University, in consonance to the transformations brought by economic
globalization, because one understands that regulation of educational policies links to nowadays
capital stage of flexible accumulation all over the world. In this context, we analyzed the
reformations of Higher Education carried out in Lula da Silva (2003-2010) and Dilma Rousseff
(2011-2014) governments as well as its approximation to international organisms’ guidances
and to the Bologna Process, in European Union. In the accomplishment of this work, one used
bibliographical research and documental analysis. One verified that carrying out changes in
State and Market are promoting significant alterations in the way of conceiving University and
in the exercise of its purposes.
1
Jezine e Batista (2008) lembram que esses organismos impõem aos países periféricos os chamados Programas de Ajuste Estrutural de Desenvolvimento
Econômico e de Reformas do Estado como pré-requisito para a negociação da dívida externa e para aquisição de novos empréstimos ao objetivar
a adequação desses países à nova ordem mundial. As políticas neoliberais de ajuste conduzidas por tais agências são marcadas pela privatização,
focalização, flexibilização e mercantilização.
2
A OCDE promove vários relatórios estatísticos internacionais no âmbito da educação, tendo à frente a famosa publicação anual Education at a
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glance, que divulga dados de todos os níveis da educação, como os índices e acesso a educação, gastos públicos, qualificação do corpo docente, taxas
de evasão e conclusão dos alunos, etc. Além dos dados estatísticos comparativos entre os países membros da OCDE, da matriz de indicadores de
desempenho dos países, veicula-se também a interpretação dos dados, que passam a ser fundamentais na formulação das políticas educacionais globais.
ses periféricos e semi-periféricos o regime de acumulação flexível. ficativa expansão das universidades
na medida em que são colocados As reformas estruturais e fiscais federais e dos Institutos Federais de
à disposição desses países os pro- iniciadas pelos países periféricos Educação, Ciência e Tecnologia,
gramas de cooperação que visam foram guiadas pelos organismos além da criação/ampliação dos
“ajudar” na resolução dos problemas multilaterais (Fundo Monetário mecanismos de acesso ao ensino
educacionais locais por meio das Internacional – FMI e BM, dentre superior privado, como o Programa
consultorias, dos diagnósticos, dos outros), a partir da década de 1980 e, de Universidade para Todos e o Pro-
financiamentos e das metodologias principalmente, na década de 1990, grama de Financiamento Estudantil.
e, portanto pode-se afirmar que por meio da liberalização da eco- Apesar da expansão das IES públicas
tais instâncias vêm tendo um papel nomia (Consenso de Washington), e do acesso às IES privadas por meio
fundamental na universalização de que enfatizou nas reformas o papel do financiamento estatal, permane-
um certo consenso hegemônico no preponderante do mercado para a ceram, nesses dois últimos governos,
campo das políticas educacionais. alocação de recursos e a diminuição os mecanismos de mercado na sua
Para Teodoro, as publicações des- do papel do Estado. A reforma da regulação.
ses organismos desempenham uma educação superior iniciada nesse
significativa função na período ocorreu consonante com o A reconfiguração da
processo de ajustamento do projeto universidade mediante as
normalização das políticas educa- político brasileiro à nova ordem demandas da Sociedade
tivas nacionais, estabelecendo uma mundial, tendo por base a redução do Conhecimento
agenda que fixa não apenas prio- da esfera pública pelo viés privatis-
ridades, mas igualmente as formas ta, que introduziu um processo de Na década de 1980, surgiram
como os problemas se colocam e
mercantilização do espaço público. teorias econômicas que defende-
equacionam, e que constituem uma
forma de fixação de um mandato,
As reformas implantadas pelas ram a importância estratégica da
mais ou menos explícito conforme políticas públicas no Brasil vêm tecnologia, da ciência e da inovação
a centralidade dos países (Teodoro, sendo influenciadas por modelos para o desenvolvimento econômico
2001, p. 128, grifos do autor). estrangeiros, relatórios teóricos e dos países ao argumentarem que a
por think tanks transnacionais. Por mudança tecnológica é endógena
A adoção pelos governos dos exemplo, a reforma universitária ao processo econômico (Caraça
países periféricos e semi-periféricos de 1968 foi influenciada pelo mo- et al., 1996) e, nessa ótica, seria fun-
das diretrizes preconizadas pelos delo departamental da universidade damental disseminá-las por meio da
organismos como BM, OCDE e norte-americana; as reformas para articulação entre empresas, univer-
UNESCO por meio da defesa de um educação superior na década de 1990 sidades e laboratórios, para permitir
modelo neoliberal de educação vem tiveram como parâmetro teórico o processo de inovação e, conse-
permitindo o liberalismo ortodoxo do Banco quentemente, da competitividade.
Mundial; e, nas primeiras décadas do A aceitação dessas ideias permitiu a
alterar os modos de regulação dos século XXI, o processo de Bolonha criação de um consenso que
poderes públicos no sistema escolar vem-se constituindo em ponto de
(muitas vezes com recurso a dispo- referência (Lima et al., 2008). as empresas privadas têm condições
sitivo de mercado), ou de substituir
Deve-se ressaltar que as reformas ímpares para financiar o esforço
esses poderes públicos por entidades inovador e dirigi-lo para aplicações
privadas, em muito dos domínios
na educação superior na década de
1990, principalmente no governo comercializáveis e as colaborações
que constituíam, até aí, um campo universidade-indústria, embora não
privilegiado da intervenção do Estado de Fernando Henrique Cardoso
seja o único factor, são cada vez mais
(Barroso, 2006b, p. 47-48). (1995-2002) foram marcadas pela
reconhecidas como um factor deter-
expansão da educação superior no minante para a inovação tecnológica
Na década de 1990, a crise e a âmbito do privado, pela diminuição e para o crescimento económico
reestruturação do Estado brasileiro do papel do Estado como financiador (Conceição et al., 2003, p. 12).
foram fenômenos diretamente rela- e na ênfase das novas funções como
cionados com a crise do Estado do regulador e avaliador. As reformas Em tempos de globalização e
Bem-Estar Social e com a transfor- nesse nível de ensino implantadas de disputa por hegemonia de mer-
124 mação da base econômica no cenário nos governos de Lula da Silva cados, torna-se fundamental, nessa
mundial mediante o processo de (2003-2010) e de Dilma Rousseff visão, incrementar a capacidade de
transição do regime fordista para (2011-2014) optaram por uma signi- competição das empresas nacionais
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Trindade alerta que, no início desse século, determinadas instituições internacionais ao “forjar os conceitos de ‘sociedade do conhecimento mundializada’
e da educação como ‘bem público global’, sinalizam o rompimento com qualquer projeto de inserção nacional soberana no processo” (2004, p. 836).
4
Sobre a expressão “universidade empreendedora”, é significativa a fala de Georges Haddad, Diretor de Ensino Superior da UNESCO, concedida ao
Boletim da IESALC ao declarar: as universidades “porque são instituições públicas, não podem estar imunes de controle. Tenho a certeza de que
está apenas começando um processo lento e gradual rumo a um novo paradigma de universidades. Para ser um meio-termo entre serviço público e
empresarial. Não digo privado, mas empreendedor. Esta mistura gerará recursos, incentivará inovação, trabalharão (sic) com as indústrias e setores
econômicos, protegendo ao mesmo tempo em que torna a vida interessante como universidades: a liberdade acadêmica, a liberdade de expressão,
autonomia e responsabilidade. [...] E o papel da UNESCO é criar condições e, na medida do possível, antecipar-se a este novo modelo que ainda
não conhecemos” (IESALC, 2009, p. 2).
5
Sobre a construção de novos objetivos para as IES, Mora defende a criação da “universidade universal”. Para o autor, ela constituiria-se tanto
como geradora de conhecimento quanto uma “empresa a serviço das necessidades de formação e desenvolvimento tecnológico do seu ambiente
dentro da sociedade do conhecimento” (Mora, s.d., p. 5). O autor defende, ainda, que a inserção do “mercado na educação superior proporcionará
incentivos às universidades para melhorar os serviços que proporciona à sociedade em geral. A sociedade do conhecimento exige que a universidade
se converta em uma empresa de serviços múltiplos, em algo que se possa qualificar como broker do conhecimento e das competências profissionais”
(Mora, s.d., p. 11).
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6
Sobre essa visão de ensino, Magalhães (2006, p. 33) adverte que “o ensino superior não é redutível a uma questão de consumo individual,
eventualmente destituído de elementos críticos e reflexivos, devendo antes ser entendido como uma instituição social com o papel crucial de apoiar
e desenvolver a acção reflexiva, e como uma importante reserva de pensamento crítico, reflexivo e, mesmo, alternativo”.
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Os documentos da Magna Charta (1988), de Sorbonne (1998) e de Bolonha (1999) são importantes marcos no processo de construção de uma
nova universidade na Europa, ao enfatizar novos fundamentos, diretrizes e formatação da educação superior unificado. No 900º aniversário da
Universidade de Bolonha (Itália), os reitores das universidades europeias assinaram, em 18 de Setembro de 1988, nessa instituição, a chamada
Magna Charta Universitatum, que enfatizava a importância do desenvolvimento cultural, científico e técnico para o futuro da Europa, e, para tal,
as universidades deveriam ter um papel fundamental. Em Abril de 1997, em Lisboa, o Conselho da Europa e a UNESCO promoveram uma reunião
conjunta para elaborar a Convenção de Lisboa, que visou tratar sobre o reconhecimento de qualificações relativas ao Ensino Superior na Região da
Europa. No 800º aniversário da Universidade de Paris (França), os ministros responsáveis pelo ensino superior da Alemanha, da França, da Itália e
do Reino Unido assinaram, em 25 de Maio de 1998, a Declaração de Sorbonne, que criou a Área Europeia de Ensino Superior. Em 19 de Junho de
1999, a Declaração de Sorbonne foi reformulada pelos ministros da educação europeus, dando origem à Declaração de Bolonha, assinada por 29
países europeus, entre os quais os quinze Estados-Membros da União Europeia naquele momento: Áustria, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, Grécia,
Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Suécia e Reino Unido. Para maiores detalhes sobre os documentos
produzidos a partir de 1988, no âmbito da UE, principalmente da Comissão das Comunidades Europeias e do Conselho da União Europeia, referentes
ao Processo de Bolonha, consultar Ferreira (2009).
9
O BM vem publicando vários documentos norteadores para as reformas da educação dos chamados países em desenvolvimento. A publicação,
em 1995, do documento intitulado “La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiencia” (Banco Mundial, 1995) influenciou, em certa
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medida, as políticas educacionais para educação superior naquele período, sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). As
orientações desse documento foram atualizadas com a publicação do documento de 2003, que visa atender às demandas econômicas produtivistas
em curso. Para maiores detalhes, consultar Ferreira (2009).
títulos e transferência de créditos processo de ensino-aprendizagem; tituições, bem como foram criados e/
acadêmicos; a necessidade de se previsão de programas de capacita- ou transformados 38 novos Institutos
criar novas IES, cursos, programas ção pedagógica); mobilidade intra Federais de Educação, Ciência e
virtuais e sistemas de avaliação, e interinstitucional (promoção da Tecnologia (Ifs) por meio da Lei
acreditação e exames nacionais; a mobilidade estudantil mediante o nº 11.892/2008, a partir da rede já
importância de fortalecer a investi- aproveitamento de créditos e a cir- existente. No caso das universidades
gação, a ciência e a tecnologia em culação de estudantes entre cursos e federais, a expansão ocorreu inicial-
conjunto com as prioridades do país programas e entre IES); compromis- mente com a interiorização dos cam-
e a criação de novos instrumentos so social da instituição (políticas de pi das universidades consolidadas e,
de equidade; a introdução da gestão inclusão; programas de assistência em seguida, com a transformação e/
estratégica para o cumprimento de estudantil; políticas de extensão ou criação de novas universidades e
metas (Ferreira e Oliveira, 2011). universitária); suporte da pós-gra- campi que foram instalados na sua
O governo de Dilma Rousseff (2011- duação com o desenvolvimento dos maioria no interior do país, tendo
2014) vem dando continuidade a tais cursos de graduação (articulação da como um dos objetivos o impacto na
orientações. graduação com a pós-graduação). economia local, regional e nacional.
O Programa de Apoio a Planos O Reuni possuía dois indicadores Essas novas instituições assumiram
de Reestruturação e Expansão das básicos de desempenho para a afe- uma configuração na sua quase
Universidades Federais (Reuni), rição das suas metas, sendo elas a totalidade de instituições multicam-
implantado pelo governo Lula da taxa de conclusão média dos cursos pi. O Reuni (2007-2012) também
Silva (2003-2010), que teve vigência de graduação presenciais e a relação contribuiu para a oferta de novas
no período 2007 a 2012, introduziu de alunos de graduação em cursos vagas, seja na criação de novos
a lógica da gestão gerencialista presenciais por número de professor cursos como na ampliação de vagas
da administração de resultados, (Brasil, 2007). dos cursos existentes, como também
ao inserir para as universidades o No governo Lula da Silva (2003- com a criação de novos campi em
condicionamento do financiamento 2010), verificou-se uma significativa universidades já existentes.
extra para cumprimento de metas expansão da educação superior, A presidenta Dilma Rousseff
previamente estabelecidas, ferindo, bem como iniciou uma política da (2011-2014)12 iniciou seu governo
com isso, sua autonomia. As dire- educação superior como estratégia dando continuidade ao programa
trizes do Reuni foram estruturadas de competitividade para o país, ao Reuni e, ao mesmo tempo, rea-
em seis dimensões: ampliação da buscar uma posição de liderança no firmou a permanência da política
oferta de educação superior pública campo universitário, principalmente de expansão da educação superior
(aumento de vagas de ingresso, em relação aos países fronteiriços pública com a construção de quatro
principalmente no turno noturno; e aos países africanos de língua novas universidades (Universidade
redução das taxas de evasão; ocupa- portuguesa, mediante a criação de Federal do Sul e Sudeste do Pará –
ção de vagas ociosas); reestruturação duas universidades federais, Uni- UNIFESSPA, Universidade Federal
acadêmico-curricular (revisão da versidade Federal da Integração do Cariri – UFCA; Universidade
estrutura acadêmica; reorganização Latino-americana – UNILA 10 e Federal do Oeste da Bahia – UFOB
dos cursos de graduação; diversifica- Universidade da Integração Luso- e Universidade Federal do Sul da
ção das modalidades de graduação); -Afro-Brasileira – UNILAB11, que Bahia – UFESBA).
renovação pedagógica da educação objetivam a integração regional e a A expansão da educação superior
superior (articulação da educação internacionalização. na ótica desse governo tem como
superior com a educação básica, pro- Nesse governo, foram criadas e/ objetivo: expandir e interiorizar os
fissional e tecnológica; atualização ou transformadas e/ou implantadas institutos e universidades federais,
de metodologias e tecnologias do como universidades federais, 14 ins- principalmente nos municípios
10
De acordo com o site institucional, a UNILA está “comprometida com o destino das sociedades latino-americanas, [...] com uma perspectiva futura
voltada para a construção de sociedades sustentáveis no século XXI, fundadas na identidade latino-americana, na sua diversidade cultural e orientada
para o desenvolvimento econômico, para a justiça social e para a sustentabilidade ambiental” (UNILA, 2014).
128 11
De acordo com o Relatório de Gestão, “A Unilab tem como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas nas diversas áreas de
conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão institucional específica formar recursos humanos para contribuir com a
integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os países africanos,
bem como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional” (Unilab, 2013, p. 14).
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A presidenta Dilma Rousseff foi reeleita em outubro de 2014, para seu segundo mandato, referente ao período de 2015-2018.
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