Você está na página 1de 11

Educação Unisinos

E-ISSN: 2177-6210
revistaeduc@unisinos.br
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Brasil

Ferreira, Suely
Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade
Educação Unisinos, vol. 19, núm. 1, enero-abril, 2015, pp. 122-131
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
São Leopoldo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=449644339013

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
Educação Unisinos
19(1):122-131, janeiro/abril 2015
© 2015 by Unisinos - doi: 10.4013/edu.2015.191.11

Reformas na educação superior: novas regulações


e a reconfiguração da universidade

Higher Education reformation: New regulations


and University reconfiguration

Suely Ferreira
suelyferreira13@gmail.com

Resumo: Este estudo tem como objetivo discutir a reconfiguração da educação superior,
principalmente da universidade, a partir de 1980, em consonância com as transformações da
globalização econômica, por compreender que a regulação das políticas educacionais articula-
se com o atual estágio da acumulação flexível de capital em âmbito mundial. Nesse contexto,
foram analisadas as reformas na educação superior implantadas pelos governos Lula da Silva
(2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014), bem como sua aproximação com as orientações
dos organismos transnacionais e com o Processo de Bolonha, na União Europeia. Na realização
do trabalho, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e da análise documental sobre o tema.
Verificou-se que as mudanças em curso presentes no Estado e no mercado vêm promovendo
alterações substantivas na forma de conceber a universidade e o exercício das suas finalidades
nessa relação tanto em âmbito global como no local.

Palavras-chave: reformas na educação superior, regulação social, reconfiguração da


universidade.

Abstract: This study aims at discussing the reconfiguration of Higher Education and,
mainly since 1980, of University, in consonance to the transformations brought by economic
globalization, because one understands that regulation of educational policies links to nowadays
capital stage of flexible accumulation all over the world. In this context, we analyzed the
reformations of Higher Education carried out in Lula da Silva (2003-2010) and Dilma Rousseff
(2011-2014) governments as well as its approximation to international organisms’ guidances
and to the Bologna Process, in European Union. In the accomplishment of this work, one used
bibliographical research and documental analysis. One verified that carrying out changes in
State and Market are promoting significant alterations in the way of conceiving University and
in the exercise of its purposes.

Keywords: reformations of Higher Education, social regulation, University reconfiguration.


Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade

Reformas na educação do atendimento ao meio econômico como também o (re)ajustamento


superior: uma nova e social onde estão inseridas. Essa causado pela diversidade das ações
regulação social dinâmica articula-se aos novos dos vários atores (Barroso, 2006a).
modos de regulação geridos pelos Portanto, pode-se afirmar que
A partir da década de 1980, foram Estados ao enfatizar para as IES: existe uma pluralidade de finalida-
implantadas reformas educacionais a autonomia com flexibilidade e des, de modalidades e de regula-
em vários países que se desenvolve- adaptabilidade, conjugada com a ções devida à variedade dos atores
ram em um cenário de transforma- prestação de contas; o atendimento quanto a suas posições, interesses e
ções e tensões que são expressões às demandas econômicas e sociais; estratégias. A regulação das políticas
de contextos históricos nacionais a avaliação centrada nos resultados; sociais refletem as mudanças em
e internacionais que refletem a in- a adoção de modelos de governança curso do papel do Estado frente à
ter-relação de fatores econômicos, espelhados nas entidades privadas globalização econômica e à falência
políticos, sociais, ideológicos e (Teixeira, 2009). do Estado do Bem-Estar Social.
culturais. Tais reformas não são um Desde a década de 1980, a re- Nessa nova perspectiva, a regula-
conjunto de ações necessariamente composição do papel do Estado, ção dos sistemas educacionais tende
progressistas, mas, sim, “objetos bem como a modificação dos seus a focalizar nos resultados (outcomes)
das relações sociais” (Popkewtiz, modos de intervenção governativa, alcançados pelas instituições me-
1997, p. 259). Portanto, as reformas vem desenhando novos processos diante os desempenhos/produtos/
educativas são construções de regulação social. Dessa forma, saídas aferidos pelas avaliações
assiste-se, por um lado, externas. Para Seixas, essa mudança
de um quadro legal e burocrático, de ênfase dos
geralmente proposto por políticos,
a uma tentativa de continuar a asse-
para responder a determinados pro-
gurar ao Estado um papel relevante processos, do input para o output,
blemas e produzir efeitos mais ou
na definição, pilotagem e execução reflecte uma das mudanças mais im-
menos coerentes com projetos mais
das políticas e da acção públicas, portantes na relação entre o Estado e
amplos de um governo ou de um
mas, por outro lado, ele ser obrigado o sistema de ensino superior. Primei-
sistema de poder [...], elas emergem
a partilhar esse papel com a interven- ro, porque representa uma mudança
e se desenvolvem nas contradições da
ção crescente de outras entidades e nas questões predominantes relativas
sociedade e dos sistemas nacionais
actores, que se reportam a referen- ao ensino superior, nomeadamente os
e globais concorrentes e interde-
ciais, lugares e processos de decisão temas da oferta de ensino e da igual-
pendentes (Dias Sobrinho, 2005,
distintos (Barroso, 2006a, p. 11). dade social de acesso e de oportuni-
p. 168-169).
dades de sucesso. Segundo, porque
Assim para o autor, a regulação ao privilegiar os resultados, redefine
Nessa perspectiva, verifica-se que os objectivos do ensino superior
os sistemas de educação superior traduz-se em dois tipos de fenôme-
não em relação à procura individual
vêm sofrendo modificações subs- nos que são diferenciados e interde- mas em relação às necessidades da
tantivas nas políticas de financia- pendentes. O primeiro compreende economia ou mercado (Seixas, 2001,
mento, da qualidade, da avaliação, a regulação institucional (governo), p. 217-218).
da prestação de contas e da gestão detentora de uma autoridade le-
das Instituições de Ensino Superior gítima para controlar as ações e Nesse cenário, verifica-se o pro-
(IES). As reformas vêm permitindo interações dos diversos atores ao cesso de regulação transnacional
o processo de naturalização da diver- introduzir regras ou constrangimen- pelos organismos internacionais,
sificação das instituições, dos pro- tos no mercado ou na ação social. como, por exemplo, do Banco Mun-
gramas, dos cursos, das finalidades A segunda refere-se à regulação dial (BM)1 e da Organização para
e das vocações aliadas ao processo situacional e ativa, ao definir regras a Cooperação e Desenvolvimento
de expansão, da regionalização e para o funcionamento do sistema, Econômico (OCDE)2 para os paí-

1
Jezine e Batista (2008) lembram que esses organismos impõem aos países periféricos os chamados Programas de Ajuste Estrutural de Desenvolvimento
Econômico e de Reformas do Estado como pré-requisito para a negociação da dívida externa e para aquisição de novos empréstimos ao objetivar
a adequação desses países à nova ordem mundial. As políticas neoliberais de ajuste conduzidas por tais agências são marcadas pela privatização,
focalização, flexibilização e mercantilização.
2
A OCDE promove vários relatórios estatísticos internacionais no âmbito da educação, tendo à frente a famosa publicação anual Education at a
123
glance, que divulga dados de todos os níveis da educação, como os índices e acesso a educação, gastos públicos, qualificação do corpo docente, taxas
de evasão e conclusão dos alunos, etc. Além dos dados estatísticos comparativos entre os países membros da OCDE, da matriz de indicadores de
desempenho dos países, veicula-se também a interpretação dos dados, que passam a ser fundamentais na formulação das políticas educacionais globais.

volume 19, número 1, janeiro • abril 2015


Suely Ferreira

ses periféricos e semi-periféricos o regime de acumulação flexível. ficativa expansão das universidades
na medida em que são colocados As reformas estruturais e fiscais federais e dos Institutos Federais de
à disposição desses países os pro- iniciadas pelos países periféricos Educação, Ciência e Tecnologia,
gramas de cooperação que visam foram guiadas pelos organismos além da criação/ampliação dos
“ajudar” na resolução dos problemas multilaterais (Fundo Monetário mecanismos de acesso ao ensino
educacionais locais por meio das Internacional – FMI e BM, dentre superior privado, como o Programa
consultorias, dos diagnósticos, dos outros), a partir da década de 1980 e, de Universidade para Todos e o Pro-
financiamentos e das metodologias principalmente, na década de 1990, grama de Financiamento Estudantil.
e, portanto pode-se afirmar que por meio da liberalização da eco- Apesar da expansão das IES públicas
tais instâncias vêm tendo um papel nomia (Consenso de Washington), e do acesso às IES privadas por meio
fundamental na universalização de que enfatizou nas reformas o papel do financiamento estatal, permane-
um certo consenso hegemônico no preponderante do mercado para a ceram, nesses dois últimos governos,
campo das políticas educacionais. alocação de recursos e a diminuição os mecanismos de mercado na sua
Para Teodoro, as publicações des- do papel do Estado. A reforma da regulação.
ses organismos desempenham uma educação superior iniciada nesse
significativa função na período ocorreu consonante com o A reconfiguração da
processo de ajustamento do projeto universidade mediante as
normalização das políticas educa- político brasileiro à nova ordem demandas da Sociedade
tivas nacionais, estabelecendo uma mundial, tendo por base a redução do Conhecimento
agenda que fixa não apenas prio- da esfera pública pelo viés privatis-
ridades, mas igualmente as formas ta, que introduziu um processo de Na década de 1980, surgiram
como os problemas se colocam e
mercantilização do espaço público. teorias econômicas que defende-
equacionam, e que constituem uma
forma de fixação de um mandato,
As reformas implantadas pelas ram a importância estratégica da
mais ou menos explícito conforme políticas públicas no Brasil vêm tecnologia, da ciência e da inovação
a centralidade dos países (Teodoro, sendo influenciadas por modelos para o desenvolvimento econômico
2001, p. 128, grifos do autor). estrangeiros, relatórios teóricos e dos países ao argumentarem que a
por think tanks transnacionais. Por mudança tecnológica é endógena
A adoção pelos governos dos exemplo, a reforma universitária ao processo econômico (Caraça
países periféricos e semi-periféricos de 1968 foi influenciada pelo mo- et al., 1996) e, nessa ótica, seria fun-
das diretrizes preconizadas pelos delo departamental da universidade damental disseminá-las por meio da
organismos como BM, OCDE e norte-americana; as reformas para articulação entre empresas, univer-
UNESCO por meio da defesa de um educação superior na década de 1990 sidades e laboratórios, para permitir
modelo neoliberal de educação vem tiveram como parâmetro teórico o processo de inovação e, conse-
permitindo o liberalismo ortodoxo do Banco quentemente, da competitividade.
Mundial; e, nas primeiras décadas do A aceitação dessas ideias permitiu a
alterar os modos de regulação dos século XXI, o processo de Bolonha criação de um consenso que
poderes públicos no sistema escolar vem-se constituindo em ponto de
(muitas vezes com recurso a dispo- referência (Lima et al., 2008). as empresas privadas têm condições
sitivo de mercado), ou de substituir
Deve-se ressaltar que as reformas ímpares para financiar o esforço
esses poderes públicos por entidades inovador e dirigi-lo para aplicações
privadas, em muito dos domínios
na educação superior na década de
1990, principalmente no governo comercializáveis e as colaborações
que constituíam, até aí, um campo universidade-indústria, embora não
privilegiado da intervenção do Estado de Fernando Henrique Cardoso
seja o único factor, são cada vez mais
(Barroso, 2006b, p. 47-48). (1995-2002) foram marcadas pela
reconhecidas como um factor deter-
expansão da educação superior no minante para a inovação tecnológica
Na década de 1990, a crise e a âmbito do privado, pela diminuição e para o crescimento económico
reestruturação do Estado brasileiro do papel do Estado como financiador (Conceição et al., 2003, p. 12).
foram fenômenos diretamente rela- e na ênfase das novas funções como
cionados com a crise do Estado do regulador e avaliador. As reformas Em tempos de globalização e
Bem-Estar Social e com a transfor- nesse nível de ensino implantadas de disputa por hegemonia de mer-
124 mação da base econômica no cenário nos governos de Lula da Silva cados, torna-se fundamental, nessa
mundial mediante o processo de (2003-2010) e de Dilma Rousseff visão, incrementar a capacidade de
transição do regime fordista para (2011-2014) optaram por uma signi- competição das empresas nacionais

Educação Unisinos
Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade

mediante a utilização da ciência e


exigem um contributo efectivo da surge como um importante campo de
da tecnologia de ponta e de recursos universidade para o desenvolvimento investigação a ser explorado, dado
humanos qualificados. Diante desse económico e social, o que reforça o que grande parte do conhecimento
processo, a educação, a inovação peso da perspectiva da utilidade das considerado num dado momento
e a informação são consideradas actividades, em detrimento da sua como ‘útil’, pode, noutro tempo e
estratégicas para os Estados-nação validade segundo critérios científicos e noutro lugar, ser considerado ’irre-
ou blocos econômicos à medida que culturais (Conceição et al., 1998, p. 14). levante’ e vice-versa (Magalhães,
permitem aumentar a capacidade de 2006, p. 30).
competitividade. Nessa dinâmica, os sistemas de
Nesse cenário, no final da década ensino superior passam a ser requisi- Historicamente, as universidades
de 1980 e início da década de 1990, tados a modernizar-se mediante um têm desempenhado três finalidades
as universidades são convocadas a novo paradigma – o da adaptabili- sociais básicas, apesar de muitas
contribuir para o desenvolvimento dade. São disseminadas novas pro- instituições priorizarem uma das
econômico, e dissemina-se o discur- postas de IES, como a chamada uni- funções em relação às demais. São
so sobre sua relevância e seu papel versidade empreendedora/universal elas: ensino, pesquisa e extensão.
na chamada “Sociedade do Conheci- mediante novo modelo institucional4 Tais finalidades, a partir da década
mento”. Essa expressão passou a ser e novos objetivos5. As universidades de 1990, vêm submetendo-se a uma
amplamente divulgada ao assumir consonantes com a Sociedade do releitura, uma vez que a universida-
a perspectiva de que sociedade e Conhecimento devem ser capazes de passa a ser questionada quanto
economia deveriam estar assentadas de demonstrar sua relevância e de à sua contribuição ao desenvolvi-
no conhecimento como estratégia de prestar contas à sociedade. mento econômico e à resolução dos
competitividade, tanto no cenário Porém, mediante o questiona- problemas práticos da sociedade em
local quanto no internacional3. mento da sua utilidade para a socie- que está inserida. A idealização da
O conhecimento tornou-se, por- dade, contrapõe-se a defesa de que distância do mundo exterior e a au-
tanto, um fator decisivo de desen- tal indagação deveria ser irrelevante, tonomia (a livre discussão de ideias
volvimento por meio da sua criação, na medida “em que a justificação da e a busca do saber desinteressado)
circulação e utilização, propiciando, existência da universidade resulta passaram a ser considerados ultra-
segundo essa tese, o progresso das apenas do facto de ela existir, ou passados nessa nova perspectiva.
nações. Essa visão de crescimento seja, a universidade não necessita de Nessa direção, o ensino necessita
econômico passou a confrontar as objectivos explícitos para justificar aproximar-se o máximo possível da
as suas atividades” (Conceição et al., sociedade para atender às exigências
universidades com uma economia
1998, p. 33). Sobre a cobrança de a e expectativas do mercado de tra-
crescentemente assente no imaterial IES demonstrar sua relevância para balho, adequando metodologias de
e na criação e circulação de conheci- a sociedade, Magalhães adverte que ensino, currículos e cursos6. As uni-
mento […] [e no] desenvolvimento aquilo que versidades também não devem mi-
das actividades de educação e de nistrar somente conteúdos técnicos,
C&T [Ciência e Tecnologia]. [...] poderá contar como uma contribuição mas capacidades comportamentais
[Assim], o Estado e a sociedade para a economia e para a sociedade
(criatividade, liderança, flexibili-

3
Trindade alerta que, no início desse século, determinadas instituições internacionais ao “forjar os conceitos de ‘sociedade do conhecimento mundializada’
e da educação como ‘bem público global’, sinalizam o rompimento com qualquer projeto de inserção nacional soberana no processo” (2004, p. 836).
4
Sobre a expressão “universidade empreendedora”, é significativa a fala de Georges Haddad, Diretor de Ensino Superior da UNESCO, concedida ao
Boletim da IESALC ao declarar: as universidades “porque são instituições públicas, não podem estar imunes de controle. Tenho a certeza de que
está apenas começando um processo lento e gradual rumo a um novo paradigma de universidades. Para ser um meio-termo entre serviço público e
empresarial. Não digo privado, mas empreendedor. Esta mistura gerará recursos, incentivará inovação, trabalharão (sic) com as indústrias e setores
econômicos, protegendo ao mesmo tempo em que torna a vida interessante como universidades: a liberdade acadêmica, a liberdade de expressão,
autonomia e responsabilidade. [...] E o papel da UNESCO é criar condições e, na medida do possível, antecipar-se a este novo modelo que ainda
não conhecemos” (IESALC, 2009, p. 2).
5
Sobre a construção de novos objetivos para as IES, Mora defende a criação da “universidade universal”. Para o autor, ela constituiria-se tanto
como geradora de conhecimento quanto uma “empresa a serviço das necessidades de formação e desenvolvimento tecnológico do seu ambiente
dentro da sociedade do conhecimento” (Mora, s.d., p. 5). O autor defende, ainda, que a inserção do “mercado na educação superior proporcionará
incentivos às universidades para melhorar os serviços que proporciona à sociedade em geral. A sociedade do conhecimento exige que a universidade
se converta em uma empresa de serviços múltiplos, em algo que se possa qualificar como broker do conhecimento e das competências profissionais”
(Mora, s.d., p. 11).
125
6
Sobre essa visão de ensino, Magalhães (2006, p. 33) adverte que “o ensino superior não é redutível a uma questão de consumo individual,
eventualmente destituído de elementos críticos e reflexivos, devendo antes ser entendido como uma instituição social com o papel crucial de apoiar
e desenvolver a acção reflexiva, e como uma importante reserva de pensamento crítico, reflexivo e, mesmo, alternativo”.

volume 19, número 1, janeiro • abril 2015


Suely Ferreira

dade, capacidade de trabalhar em extensão universitária, a transferên- na educação superior na Europa.


equipe e empreendedorismo, dentre cia, o desenvolvimento e a comer- A Declaração de Bolonha, publicada
outras) e, também, uma formação cialização de ciência e de tecnologia. em 1999, visou convergir o percurso
cultural, cívica, de valores positi- Uma vez que muitas acadêmico nesse nível de ensino,
vos para com a sociedade, propor- padronizando os sistemas nacionais
cionando redes de conhecimento. destas funções têm sido particular- na Europa para reconhecimento das
A partir dessa opção, admite-se a mente exploradas com base na expe- qualificações e implantação do siste-
riência das universidades americanas,
necessidade de estratificação fun- ma europeu de transferência de cré-
sendo hoje evidente a necessidade de
cional das IES, ou seja, devem valorizar o potencial científico das ditos. Também vem incentivando: a
existir instituições que atendam a universidades com base em mecanis- diversificação e hierarquização das
diferentes vocações e clientelas com mos estruturantes, como a protecção IES; o aumento do financiamento
necessidades e capacidades diversas, da propriedade intelectual e esque- privado e da parceria com o sistema
defendendo-se, com esse argumento, mas adequados de financiamento de produtivo; a diminuição da durabili-
a máxima liberal do atendimento I&D [Inovação e Desenvolvimento] dade dos cursos por meio da implan-
aplicada e de consórcios Universida-
da “liberdade de escolha e das op- tação dos ciclos; o modelo gerencial
de-Empresa (Conceição et al., 1998,
ções individuais”. Assim, o ensino p. 58-59).
de administração para as IES; os
ministrado iria se relacionar com a sistemas de avaliação da qualidade
capacidade de aprender sempre para As transformações em curso no e do credenciamento institucional;
garantir a flexibilidade sustentada âmbito do Estado, da economia a criação do Espaço Europeu de
para “dotar os indivíduos e organi- local/global e dos fins da educação Ensino Superior (EEES) e do Espaço
zações dos instrumentos necessários superior implicam em alterações Europeu da Investigação (EEI).
para enfrentar a instabilidade de significativas nos papéis das univer- O Processo de Bolonha tem como
emprego ou, de forma mais geral, a sidades. As características centrais meta a atratividade internacional de
inevitável mudança das tecnologias, dessas instituições, como geradoras estudantes e pesquisadores tanto
dos gostos, dos mercados e das de atividades intelectuais e cultu- interna como externamente, assim
necessidades” (Conceição et al., rais, vêm sendo reconfiguradas por como a adaptação da formação da
1998, p. 73). A diversificação das novos valores e referenciais que se graduação ao mercado de traba-
instituições propiciaria, nessa ótica, aproximam com as demandas do lho, ao objetivar uma Europa mais
o atendimento à massificação do desenvolvimento e do crescimento competitiva no mercado mundial.
ensino superior e à implementação econômico dos países, visando A criação do EEES e do EEIs exige
da educação ao longo da vida7. assegurar maior competitividade. das universidades novos fins ancora-
As atividades de pesquisa de- Nesse sentido, as instituições são dos em uma nova lógica: a de consti-
vem atender às necessidades e às chamadas para contribuir e mostrar tuir-se em um dos instrumentos para
prioridades do desenvolvimento sua relevância/utilidade na Socieda- a construção da “sociedade europeia
econômico e social dos países e de do Conhecimento. do conhecimento” na corrida pelo
acompanhar as rápidas transfor- espaço hegemônico na economia
mações tecnológicas, que exigem As reformas dos sistemas global. Nesse processo, o ensino
uma redução significativa do tempo de educação superior superior passou a ser compreendido
entre uma descoberta científica e sua na União Europeia (UE) como: (a) fator fundamental das
introdução no mercado. e no Brasil políticas de desenvolvimento e de
As atividades de extensão ou empregabilidade; (b) agente de in-
de “prestação de serviço” devem, O Processo de Bolonha surgiu sob clusão social; (c) formador de capital
nessa ótica, assumir a função de a direção dos dirigentes políticos da humano; (d) mercadoria rentável
“ligação com a sociedade”. Assim, UE como um movimento de fora da no projeto de consolidação da UE
as universidades poderiam assegu- universidade e, mesmo apesar da (Ferreira e Oliveira, 2011).
rar sua sobrevivência financeira e resistência do meio acadêmico, vem A regulação dos sistemas de en-
tornarem-se competitivas. Portanto, possibilitando um novo desenho sino superior na UE vem ocorrendo
devem considerar, nas atividades de de regulação social e de reforma mediante a produção de inúmeros
126
7
Esse tipo de educação relaciona-se com a capacidade de aprender sempre para garantir a chamada “flexibilidade sustentada” para que os indivíduos
possam enfrentar a instabilidade de emprego.

Educação Unisinos
Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade

documentos e das políticas edu- alternativas de investimento (par-


condições para que todos os cidadãos
cacionais trans e supranacionais devidamente habilitados possam ter
cerias com setor produtivo e venda
derivadas, desde 1988, com a pu- acesso ao ensino superior e à apren- de serviço) e a competitividade
blicação da Magna Charta até os dizagem ao longo da vida; parágrafo entre as IES; a introdução da gestão
dias atuais, sobre ensino e pesquisa 3º - as instituições de ensino superior gerencial mercadológica para as
no contexto da afirmação da UE no promovem a mobilidade efectiva universidades; a centralidade dos
mercado global8. Esse processo vem de estudantes e diplomados, tanto a sistemas de avaliação e regulação;
promovendo alterações substantivas nível nacional como internacional, a expansão do acesso de novos
nas universidades e do seu papel designadamente no espaço europeu públicos anteriormente excluídos; a
na sociedade europeia, que esteve de ensino superior; parágrafo 4º - as
expansão da aprendizagem por meio
instituições de ensino superior têm o
assentada até então no modelo das Tecnologias da Informação e
direito e o dever de participar, isola-
humboldtiano e napoleônico. No damente ou através das suas unidades Comunicação (TIC); a presença de
modelo humboldtiano, a universi- orgânicas, em actividades de ligação novas metodologias de aprendiza-
dade assumia, como referencial, a à sociedade, designadamente de gem; a diversificação das IES, dos
unidade entre pesquisa e ensino; a difusão e transferência de conheci- cursos e dos percursos acadêmicos;
autonomia da ciência; a relação autô- mento, assim como de valorização a revisão da estrutura acadêmica; a
noma entre Estado e universidade. Já económica do conhecimento cientí- presença da mobilidade discente e
no modelo napoleônico, defendia-se fico (Portugal, 2007, grifos nossos). o aproveitamento de créditos; e o
uma universidade com alto grau de movimento de internacionalização
centralização e controle estatal; a A reforma da educação superior da educação superior (Ferreira e
diferenciação entre as universida- no Brasil, no governo de Lula da Oliveira, 2011).
des que priorizavam o ensino e as Silva (2003-2010), aproximou-se, Já em relação ao documento de
“grandes escolas”, que focavam a apesar da singularidade do país, com 2003 do BM, verificou-se o alinha-
pesquisa e a formação profissional o movimento de reconfiguração des- mento das orientações preconiza-
de alto nível (Oliveira, 2000). se nível de ensino no plano mundial. das na realização de determinadas
Sobre o processo de reconfi- A reforma brasileira sofreu influên- políticas para educação superior no
guração em curso, pode-se citar, cia tanto do Processo de Bolonha, na governo Lula da Silva (2003-2010):
por exemplo, a Lei n. 62/2007 que Europa, quanto das diretrizes pro- a educação terciária exerce influen-
estabelece o Regime Jurídico das postas pelo Banco Mundial, como, cia direta na produtividade do país
Instituições de Ensino Superior em por exemplo, do documento publica- e determina a capacidade de disputa
Portugal, que introduz três novas do em 2003, “Construir sociedades em âmbito global; o acesso a esse
missões para as universidades, em del conocimiento” que tinha como nível de ensino potencializa as opor-
congruência com o novo modelo de objetivo ser um referencial para as tunidades de emprego e de renda e
universidade proposto pelo processo reformas dos sistemas de ensino dos diminui as desigualdades sociais; a
de Bolonha: países em desenvolvimento9. diversificação das IES atendem vá-
Em relação ao Processo de Bolo- rias demandas; a necessidade de au-
parágrafo 2º - as instituições de nha, podem-se verificar as seguintes mentar a mobilidade de estudantes,
ensino superior […] asseguram as
aproximações: o incentivo a fontes de reconhecer em conjunto cursos,

8
Os documentos da Magna Charta (1988), de Sorbonne (1998) e de Bolonha (1999) são importantes marcos no processo de construção de uma
nova universidade na Europa, ao enfatizar novos fundamentos, diretrizes e formatação da educação superior unificado. No 900º aniversário da
Universidade de Bolonha (Itália), os reitores das universidades europeias assinaram, em 18 de Setembro de 1988, nessa instituição, a chamada
Magna Charta Universitatum, que enfatizava a importância do desenvolvimento cultural, científico e técnico para o futuro da Europa, e, para tal,
as universidades deveriam ter um papel fundamental. Em Abril de 1997, em Lisboa, o Conselho da Europa e a UNESCO promoveram uma reunião
conjunta para elaborar a Convenção de Lisboa, que visou tratar sobre o reconhecimento de qualificações relativas ao Ensino Superior na Região da
Europa. No 800º aniversário da Universidade de Paris (França), os ministros responsáveis pelo ensino superior da Alemanha, da França, da Itália e
do Reino Unido assinaram, em 25 de Maio de 1998, a Declaração de Sorbonne, que criou a Área Europeia de Ensino Superior. Em 19 de Junho de
1999, a Declaração de Sorbonne foi reformulada pelos ministros da educação europeus, dando origem à Declaração de Bolonha, assinada por 29
países europeus, entre os quais os quinze Estados-Membros da União Europeia naquele momento: Áustria, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, Grécia,
Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Suécia e Reino Unido. Para maiores detalhes sobre os documentos
produzidos a partir de 1988, no âmbito da UE, principalmente da Comissão das Comunidades Europeias e do Conselho da União Europeia, referentes
ao Processo de Bolonha, consultar Ferreira (2009).
9
O BM vem publicando vários documentos norteadores para as reformas da educação dos chamados países em desenvolvimento. A publicação,
em 1995, do documento intitulado “La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiencia” (Banco Mundial, 1995) influenciou, em certa
127
medida, as políticas educacionais para educação superior naquele período, sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). As
orientações desse documento foram atualizadas com a publicação do documento de 2003, que visa atender às demandas econômicas produtivistas
em curso. Para maiores detalhes, consultar Ferreira (2009).

volume 19, número 1, janeiro • abril 2015


Suely Ferreira

títulos e transferência de créditos processo de ensino-aprendizagem; tituições, bem como foram criados e/
acadêmicos; a necessidade de se previsão de programas de capacita- ou transformados 38 novos Institutos
criar novas IES, cursos, programas ção pedagógica); mobilidade intra Federais de Educação, Ciência e
virtuais e sistemas de avaliação, e interinstitucional (promoção da Tecnologia (Ifs) por meio da Lei
acreditação e exames nacionais; a mobilidade estudantil mediante o nº 11.892/2008, a partir da rede já
importância de fortalecer a investi- aproveitamento de créditos e a cir- existente. No caso das universidades
gação, a ciência e a tecnologia em culação de estudantes entre cursos e federais, a expansão ocorreu inicial-
conjunto com as prioridades do país programas e entre IES); compromis- mente com a interiorização dos cam-
e a criação de novos instrumentos so social da instituição (políticas de pi das universidades consolidadas e,
de equidade; a introdução da gestão inclusão; programas de assistência em seguida, com a transformação e/
estratégica para o cumprimento de estudantil; políticas de extensão ou criação de novas universidades e
metas (Ferreira e Oliveira, 2011). universitária); suporte da pós-gra- campi que foram instalados na sua
O governo de Dilma Rousseff (2011- duação com o desenvolvimento dos maioria no interior do país, tendo
2014) vem dando continuidade a tais cursos de graduação (articulação da como um dos objetivos o impacto na
orientações. graduação com a pós-graduação). economia local, regional e nacional.
O Programa de Apoio a Planos O Reuni possuía dois indicadores Essas novas instituições assumiram
de Reestruturação e Expansão das básicos de desempenho para a afe- uma configuração na sua quase
Universidades Federais (Reuni), rição das suas metas, sendo elas a totalidade de instituições multicam-
implantado pelo governo Lula da taxa de conclusão média dos cursos pi. O Reuni (2007-2012) também
Silva (2003-2010), que teve vigência de graduação presenciais e a relação contribuiu para a oferta de novas
no período 2007 a 2012, introduziu de alunos de graduação em cursos vagas, seja na criação de novos
a lógica da gestão gerencialista presenciais por número de professor cursos como na ampliação de vagas
da administração de resultados, (Brasil, 2007). dos cursos existentes, como também
ao inserir para as universidades o No governo Lula da Silva (2003- com a criação de novos campi em
condicionamento do financiamento 2010), verificou-se uma significativa universidades já existentes.
extra para cumprimento de metas expansão da educação superior, A presidenta Dilma Rousseff
previamente estabelecidas, ferindo, bem como iniciou uma política da (2011-2014)12 iniciou seu governo
com isso, sua autonomia. As dire- educação superior como estratégia dando continuidade ao programa
trizes do Reuni foram estruturadas de competitividade para o país, ao Reuni e, ao mesmo tempo, rea-
em seis dimensões: ampliação da buscar uma posição de liderança no firmou a permanência da política
oferta de educação superior pública campo universitário, principalmente de expansão da educação superior
(aumento de vagas de ingresso, em relação aos países fronteiriços pública com a construção de quatro
principalmente no turno noturno; e aos países africanos de língua novas universidades (Universidade
redução das taxas de evasão; ocupa- portuguesa, mediante a criação de Federal do Sul e Sudeste do Pará –
ção de vagas ociosas); reestruturação duas universidades federais, Uni- UNIFESSPA, Universidade Federal
acadêmico-curricular (revisão da versidade Federal da Integração do Cariri – UFCA; Universidade
estrutura acadêmica; reorganização Latino-americana – UNILA 10 e Federal do Oeste da Bahia – UFOB
dos cursos de graduação; diversifica- Universidade da Integração Luso- e Universidade Federal do Sul da
ção das modalidades de graduação); -Afro-Brasileira – UNILAB11, que Bahia – UFESBA).
renovação pedagógica da educação objetivam a integração regional e a A expansão da educação superior
superior (articulação da educação internacionalização. na ótica desse governo tem como
superior com a educação básica, pro- Nesse governo, foram criadas e/ objetivo: expandir e interiorizar os
fissional e tecnológica; atualização ou transformadas e/ou implantadas institutos e universidades federais,
de metodologias e tecnologias do como universidades federais, 14 ins- principalmente nos municípios

10
De acordo com o site institucional, a UNILA está “comprometida com o destino das sociedades latino-americanas, [...] com uma perspectiva futura
voltada para a construção de sociedades sustentáveis no século XXI, fundadas na identidade latino-americana, na sua diversidade cultural e orientada
para o desenvolvimento econômico, para a justiça social e para a sustentabilidade ambiental” (UNILA, 2014).
128 11
De acordo com o Relatório de Gestão, “A Unilab tem como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas nas diversas áreas de
conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão institucional específica formar recursos humanos para contribuir com a
integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os países africanos,
bem como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional” (Unilab, 2013, p. 14).
12
A presidenta Dilma Rousseff foi reeleita em outubro de 2014, para seu segundo mandato, referente ao período de 2015-2018.

Educação Unisinos
Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade

populosos com baixa receita per mundo globalizado, e a universida-


mercado de trabalho está aquecido
capita; promover a formação de e há déficit de pessoal”, observou de, por ser um locus importante na
profissionais para o desenvolvimen- Mercadante [ministro de Educação produção e difusão do conhecimen-
to regional, bem como estimular a no período de 2012-2014]. “Para cada to, inevitavelmente deverá, nessa
permanência desses profissionais 50 formandos no país, temos apenas ótica, adaptar-se e modernizar-se,
no interior do país; potencializar a um engenheiro” (Reuni, 2011b). tendo em vista ajustar-se a essa nova
função dos institutos e universidades lógica de desenvolvimento econômi-
na superação da miséria e na redu- No primeiro mandato do governo co, possibilitando maior competiti-
ção das iniquidades sociais (MEC, de Dilma Rousseff (2011-2014), vidade do país no mercado global.
2011). Ainda de acordo com o MEC, verificou-se a continuidade do pro- As novas demandas do Estado
os critérios estabelecidos para defi- cesso de expansão defendido a partir e da sociedade pressionam as uni-
nir o número de campi universitários da interiorização das universidades versidades para desenvolverem fins
e de escolas de educação profissional federais mediante a organização sociais considerados relevantes, na
por estado são: baixos índices de multicampi. As quatro universidades medida em que sejam úteis para o
desenvolvimento da educação básica construídas nesse governo estão to- desenvolvimento social e econômico
(Ideb) e a porcentagem de jovens talmente localizadas no interior dos e, como base nessa utilidade, para
de 14 a 18 anos nas séries finais do estados, priorizando a região Norte que possam as instituições prestar
ensino fundamental e municípios ou e Nordeste. A UFOB, com sede em contas à sociedade. Esse processo
microrregiões com população acima Barreiras/Bahia, a UNIFESSPA, vem permitindo o atrelamento das
de 50 mil habitantes com arranjos sede em Marabá/PA, a UFCA, sede políticas para educação superior às
produtivos locais (Reuni, 2011a). em Juazeiro de Norte/Ceará. Todas políticas econômicas, uma vez que
Tais políticas estão priorizando a possuem seis campi em municípios o setor econômico passa a ocupar o
oferta da educação superior, princi- diferentes, exceto, a UFESBA com espaço universitário, ditando a pro-
palmente no interior do país, com o sede em Itabuna/Bahia e presente em dução e o controle do conhecimento,
objetivo de ampliar as oportunidades mais três municípios. modificando a relação entre esses
de empregabilidade e de dinamizar a Os novos papéis sociais reque- dois setores.
economia local/regional para, nessa ridos para as universidades vêm Relevante passa a ser aquela uni-
ótica, possibilitar a diminuição das produzindo alterações significativas versidade que pode ser útil, flexível,
desigualdades regionais e sociais, no modo do seu funcionamento e or- empreendedora, inovadora, seja
bem como potencializar a capacida- ganização institucional e na oferta de atendendo à demanda por profissio-
de de competitividade do país. novos percursos e processos forma- nais capacitados para o mercado de
Em consonância com o processo tivos considerados estratégicos para trabalho ou aquela que desenvolve
de internacionalização da educação o desenvolvimento regional, como pesquisas que produzirão valor
superior iniciado no governo de Lula também vêm exigindo novas formas econômico, ao possibilitar o retorno
da Silva (2003-2010) e adotado por de gestão pautadas nos indicadores em termos do investimento realiza-
vários países, foi implantado o pro- quantitativos de produtividade, na do, uma vez que estão submetidas
grama “Ciências sem Fronteiras”, racionalização dos custos e na efi- às demandas, às orientações e aos
que visa fomentar a mobilidade de cácia e eficiência de suas atividades. controles de qualidade externos à
estudantes, professores e pesquisa- comunidade acadêmica e ao próprio
dores mediante a concessão de bol- Considerações campo científico.
sas para estudos em universidades As políticas para a educação
estrangeiras. O programa tem como As mudanças ocorridas a partir superior do governo Lula da Sil-
foco o atendimento às áreas consi- das últimas décadas do século XX va (2003-2010) e do governo
deradas prioritárias e estratégicas no Estado e no mercado vêm pro- de Dilma Rousseff (2011-2014)
para o desenvolvimento econômico movendo alterações substantivas na assumiram a perspectiva da equi-
do país. No anúncio desse programa, forma de conceber a universidade e o dade social articulada à concepção
afirmou-se que exercício das suas finalidades nessa de desenvolvimento econômico
relação, seja em âmbito global como e social, de capacitação de mão
dada a escassez de mão de obra qua- no âmbito nacional. de obra e da elevação da em-
lificada em engenharia e tecnologia, O discurso ideológico da “socie- pregabilidade da população, ao 129
tais setores serão o ponto central
dade do conhecimento” é colocado priorizar a construção de campi de
da iniciativa. “São áreas em que o
como única realidade possível no instituições federais de educação

volume 19, número 1, janeiro • abril 2015


Suely Ferreira

superior no interior do país, bem CONCEIÇÃO, P.; HEITOR, M.V. 1998. docman&task=cat_view&Itemid=26&gi
como a ampliação do acesso às Colóquio Educação e Sociedade: novas d=30&orderby=dmdatecounter&ascdesc
ideias para a universidade. Lisboa, Edi- =DESC. Acesso em: 05/01/2009.
IES privadas. As políticas para
tora IST Press, p. 70-95. LIMA, L.C.; AZEVEDO, M.L.N.; CATANI,
educação superior das instituições CONCEIÇÃO, P.; FERREIRA, P.; TAVA- A.M. 2008. O processo de Bolonha, a
públicas desses governos vêm RES, J.A.; VELOSO, F. 2003. Investir avaliação da educação superior e algumas
possibilitando o processo de ex- no futuro: relações universidade-indústria. considerações sobre a universidade nova.
pansão e de interiorização, bem In: F. VELOSO; J.A. TAVARES; N. Avaliação, 13(1):7-36. http://dx.doi.
como da internacionalização das VASCONCELOS; P. FERREIRA; P. org/10.1590/S1414-40772008000100002
universidades mediante papéis que CONCEIÇÃO (orgs.), Investir no futuro: MAGALHÃES, A.M. 2006. A identidade do
relações universidade-indústria em Por- ensino superior: a educação superior e a
as aproximem principalmente das
tugal e nos Estados Unidos da América. universidade. Revista Lusófona de Edu-
demandas econômicas produtivas.
Lisboa, Gradiva, p. 11-29. cação, 7:13-40. Disponível em: http://
DECLARAÇÃO DE BOLONHA. 1999. www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pi-
Referências Disponível em: http://www.dges.mctes. d=S1645-72502006000100002&script=s-
pt/NR/rdonlyres/2EC14937-0320- ci_arttext . Acesso em: 23/05/2008.
BANCO MUNDIAL. 2003. Construir socie- 4975-A269- B9170A722684/409/De- MEC. 2011. Expansão da educação superior e
dades de conocimiento: nuevos desafios claraçãodeBolonha1.pdf. Acesso em: profissional e tecnológica: mais formação
para la educación terciária. Disponível 12/02/2008. e oportunidades para os brasileiros. Dis-
em: http://siteresources.worldbank.org/ DECLARAÇÃO DA MAGNA CHARTA. ponível em: http://portal.mec.gov.br/ex-
TERTIARYEDUCATION/Resources/ 1988. Magna Charta Universitatum. pansao/images/APRESENTACAO_EX-
Documents/Constructing-Knowledge- Disponível em: http://www.fis.ufba.br/ PANSAO_EDUCACAO_SUPERIOR14.
Societies/CKS-spanish.pdf. Acesso em: dfes/PDI/financ./magna%20 carta. Pdf. pdf. Acesso em: 22/01/2012.
15/08/2009. Acesso em: 12/02/2008. MORA, J.-G. [s.d.]. O processo de moder-
BANCO MUNDIAL. 1995. La enseñanza DECLARAÇÃO DE SORBONNE. 1998. nização das universidades europeias: o
superior: las lecciones derivadas de la Disponível em: http://www.utl.pt/docs/ desafio da sociedade do conhecimento e
experiencia. Disponível em: http://fir- DeclaracaoSorbonne.pdf. Acesso em: da globalização. Disponível em: www.
goa.usc.es/drupal/files/010-1344Sp.pdf. 12/02/2008. pucrs.br/inovapuc/parte2/capitulo4.pdf.
Acesso em: 11/12/2008. DIAS SOBRINHO, J. 2005. Reformas da Acesso em: 25/09/2008.
BARROSO, J. 2006a. A investigação sobre educação superior na Europa e na América OLIVEIRA, J.F. 2000. A reestruturação da
a regulação das políticas públicas de Latina. In: J. DIAS SOBRINHO, Dilemas educação superior no Brasil e o processo
educação em Portugal. In: J. BARROSO da educação superior no mundo globa- de metamorfose das universidades fede-
(org.), A regulação das políticas públicas lizado: sociedade do conhecimento ou rais: o caso da Universidade Federal de
de educação: espaços, dinâmicas e acto- economia do conhecimento. São Paulo, Goiás. São Paulo, SP. Tese de Doutorado.
res. Lisboa, EDUCA/Unidade de I&D de Casa do Psicólogo, p. 167-223. Universidade de São Paulo, 210 p.
Ciências da Educação, p. 9-34. FERREIRA, S. 2009. A universidade do sécu- POPKEWITZ, T.S. 1997. Reforma educacio-
BARROSO, J. 2006b. O Estado e a educação: lo XXI: concepções, finalidades e contra- nal: uma política sociológica - poder e
a regulação transnacional, a regulação dições. Goiânia, GO. Tese de Doutorado. conhecimento em educação. Porto Alegre,
nacional e a regulação local. In: J. BAR- Universidade Federal de Goiás, 305 p. Artes Médicas, 294 p.
ROSO (org.), A regulação das políticas FERREIRA, S.; OLIVEIRA, J.F. 2011. As PORTUGAL. 2007. Lei n.º 62/2007 de
públicas de educação: espaços, dinâmicas influências da reforma da educação su- 10 de Setembro de 2007. Diário da
e actores. Lisboa, EDUCA/Unidade de perior no Brasil e na União Europeia nos República, 1.ª série — N.º 174. Estabel-
I&D de Ciências da Educação, p. 41-67. papéis sociais das universidades. In: J.F. ece o Regime jurídico das instituições
BRASIL. 2007. Diretrizes gerais do pro- OLIVEIRA (org.), O campo universitário de ensino superior em Portugal. Por-
grama de apoio a planos de reestrutura- no Brasil: políticas, ações e processos de tugal, Ministério da Ciência, Tecnolo-
ção e expansão das universidades federais reconfiguração. Campinas, Mercado de gia e Ensino Superior. Disponível em:
- Reuni. Plano de desenvolvimento da Letras, p. 39-62. http://mcies.brightshop.com/cgi-bin/
educação. Documento Elaborado pelo IESALC. 2009. Haddad: estamos indo em brightserver/index.pl?SVC=1/2/7&CAT_
Grupo Assessor nomeado pela Portaria nº direção a um novo paradigma das univer- ID=86&CATID=86&CID=C|7892&-
552 SESu/MEC, de 25 de junho de 2007, sidades. Boletim nº 194. Disponível em: SES=3766d7eaaf271115c08342e21cb-
em complemento ao art. 1º §2º do Decreto WWW.iesalc.unesco.org.ve/index.php? 9673d_4943643&AS=8616000125.
Presidencial nº 6.096, de 24 de abril de view=article&catid=19%3Ainternacion Acesso em: 22/04 2008.
2007. Disponível em: http://portal.mec. al. Acesso em: 17/08/2009. REUNI. 2011a. Novas universidades e
gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni. JEZINE, E.; BATISTA, M.S.X. 2008. Global- institutos federais vão abrir 850 mil
pdf. Acesso em: 02/03/2009. ização e políticas de ensino superior: as vagas. Ministério da Educação. Dis-
130 CARAÇA, J.M.G; CONCEIÇÃO, P.;
HEITOR, M.V. 1996. Uma perspectiva
lutas sociais e a lógica mercantitlista. Rede
Ibero-Americana de investigação em políti-
ponível em: http://reuni.mec.gov.br/
index.php?option=com_content&view
sobre a missão das universidades. Análise cas de educação. Disponível em: http:// =article&id=977:novas-universidades-
Social, (139):1201-1233. cyted.riaipe.net/index.php?option=com_ e-institutos-federais-vao-abrir-850-mil-

Educação Unisinos
Reformas na educação superior: novas regulações e a reconfiguração da universidade

vagas&catid=37:noticia-destaque&I. TEODORO, A. 2001. Organizações interna- UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTE-


Acesso em: 17/08/2011. cionais e políticas educativas nacionais: a GRAÇÃO LATINO-AMERICANA
REUNI. 2011b. Programa oferece formação emergência de novas formas de regulação (UNILA). 2014. Site institucional. Dis-
no exterior a 75 mil estudantes. Ministério transnacional, ou uma globalização de ponível em: http://www.unila.edu.br/
da Educação. Disponível em: http://reuni. baixa intensidade. In: S.R. STOER; L. conteudo/voca%C3%A7%C3%A3o-da-
mec.gov.br/index.php?option=com_co CORTESÃO; J.A. CORREIA (orgs.), unila. Acesso em: 17/01/2014.
ntent&view=article&id=967:progra Transnacionalização da educação: da UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO
ma-oferece-formacao-no-exterior-a- crise da “educação” à educação da crise. LUSO-AFRO-BRASILEIRA (UNILAB).
75-mil-estudantes&catid=39:noticias- Porto, Afronamento, p. 126-161. 2013. Relatório de Gestão do exercício de
principais&Itemid=30, postado em: TEIXEIRA, P.N. 2009. Financiamento do 2012. Disponível em: http://www.aces-
09/07/2011. Acesso em: 01/02/2012. ensino superior: desafios e escolhas. In: soainformacao.unilab.edu.br/wp-content/
SEIXAS, A.M. 2001. Políticas educativas 2º Ciclo de seminários internacionais - uploads/2012/05/Relat%C3%B3rio-de-
para o ensino superior: a globalização Educação no século XXI: modelos de Gest%C3%A3o-de-2011_UNILAB_
neoliberal e a emergência de novas formas sucesso. Rio de Janeiro, 2009. Anais... Vers%C3%A3o-Final.pdf. Acesso em:
de regulação social. In: S.R. STOER; L. SENAC, p. 9-30. 22/01/ 2014.
CORTESÃO; J.A. CORREIA (orgs.), TRINDADE, H. 2004. A república em tempos
Transnacionalização da educação: da de reforma universitária: o desafio do
crise da “educação” à educação da crise. governo Lula. Educação e Sociedade, Submetido: 03/04/2012
Porto, Afrontamento, p. 211-238. 25(88) Especial: 819-844. Aceito: 14/11/2014

Suely Ferreira
Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Educação 131
Rua 235, s/n, Setor Universitário,
74605-050, Goiânia, GO, Brasil

volume 19, número 1, janeiro • abril 2015

Você também pode gostar