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Chul Han
Por que será que narrativas nostálgicas fazem tanto sentido para tantas pessoas?
Que força nos impele a ver o mundo como um reino encantado que se perdeu? O que há
de verdade nessa filosofia que olha para o futuro como declínio?
O novo livro de Byung-Chul Han repete incansavelmente uma narrativa que se
tornou extremamente popular sobre o mundo contemporâneo: a substituição de uma vida
coletiva que possuía um significado compartilhado pela enxurrada de fatos insignificantes
do mundo virtual, no qual cliques e curtidas substituíram a leitura atenta e a reflexão
crítica.
Usando Walter Benjamin como das referências centrais, o livro de Han é muito
bem escrito, de fácil leitura, cercado de belas narrativas, que no entanto levam sempre à
esse contraponto com uma contemporaneidade superficial, feita de likes e
compartilhamentos, de pessoas que não conseguem mais se concentrar, que perderam a
capacidade de narrar e com isso de compreender o mundo à sua volta enquanto dotado de
sentido.
Sem receito de exagerar nos clichês, Han a todo momento separa uma espécie de
mundo no qual as pessoas se reuniam em volta de uma fogueira em uma noite fria de uma
aldeia distante para contar histórias e o mundo de hoje, assolado por uma imensidão de
notícias insignificantes e de pessoas robotizadas na frente de seus smartfones.
Para isso, traz um conhecido texto de Benjamin chamado “O narrador”, no qual o
autor separa as experiências intersubjetivas e as vivências pessoais e diz que o mundo de
hoje perdeu as condições materiais para viver esse tipo de experiências coletiva.
Entretanto, assim como em vários outros textos, também “O narrador” possui
ambiguidades que passaram desapercebidas a Byung-Chul Han, pois Benjamin aposta
justamente na linguagem da literatura contemporânea como uma forma de narrar o mundo
estilhaçado de hoje.
Para escavar tais ambiguidades, seria preciso ler “O narrador” em conjunto com
outros textos de Benjamin como “Experiência e Pobreza” e os ensaios sobre Kafka e
Proust. Infelizmente, Han parece estar já suficientemente convencido de sua leitura da
contemporaneidade para prestar atenção a tais nuances.
Passando por Sartre, Heidegger, Adorno e outras vezes de volta a Benjamin, Han
ironiza o que chama da “moda do storytelling” e diz que isso tudo só mostra a crise de
narração em que vivemos. Em resumo, seu livro é uma espécie de “lamento sertanejo” ao
capitalismo digital de nossos dias, uma tentativa a meu ver conservadora e pouco
imaginativa de ver superficialidade por todos os lados.
Se hoje há um grande apelo para que as pessoas escrevam se colocando no texto,
evitando a linguagem impessoal e supostamente universal do “Homem”, isso não implica
uma crise da narrativa, mas uma crise de uma certa forma de narrativa que parecia
pressuposta por todos e dava sentido ao mundo. Talvez Han devesse se perguntar quem
construía essas grandes narrativas e quem era por elas silenciado. Se todas as vozes que
nunca falavam pudessem ter falado e construído também essa grande narrativa, que
sentido ela teria?