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ISSN 2764-0566

ANO 4
N° 1
ABR
2024

MPMA Ministério Público


São Luís - Maranhão
Abril de 2024
do Estado do Maranhão
EDITORIAL
O Ministério Público como Alicerce da Confiança Pública e
Democrática 1

ENTREVISTAS 3
Entrevista Cláudio Alberto Guimarães, Promotor de Justiça 3
Entrevista Sílvia Abdala Tuma, Procuradora de Justiça, e
Corregedora-Geral do MP do Amazonas 6
Entrevista Themis Maria Pacheco de Carvalho, Procuradora de
Justiça e Corregedora-Geral do Ministério Público do Maranhão 9

SAÚDE MENTAL 11
SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR: desafios
contemporâneos 12

ARTIGOS JURÍDICOS 15
PERPECTIVAS EM PSICOLOGIA E PSICOPATOLOGIA FORENSE:
DO DIVÓRCIO À ALIENAÇÃO PARENTAL – DA VÍTIMA AO
AGRESSOR 17
O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONTROLE EXTERNO
DA ATIVIDADE POLICIAL: uma análise das estratégias adotadas
no Brasil entre desafios e perspectivas para uma Segurança
Pública Cidadã 29
BOAS PRÁTICAS E LIÇÕES APRENDIDAS NA ATUAÇÃO
RESOLUTIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR PARA A
PREVENÇÃO DE CRIMES MILITARES ENVOLVENDO DROGAS
POR JOVENS MILITARES 48

PANORAMA ESTATÍSTICO 67
Conselho Editorial
Equipe da Corregedoria

Endereço virtual:
https://revistaminerva.mpma.mp.br/index.php/revistaminerva
EDITORIAL

O Ministério Público como Alicerce da Confiança


Pública e Democrática

Por Cássius Guimarães Chai

Diplomado em Política e Estra-


tégia, Escola Superior de Guer-
ra (Ministério da Defesa, Brasil),
2019.

O Ministério Público brasileiro, pilar do regime democrático,


tem a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e
os interesses sociais e individuais indisponíveis. Com essa missão,
carrega a responsabilidade de estabelecer um padrão de integrida-
de que ressoe com os princípios constitucionais da administração
pública, notadamente a impessoalidade, a moralidade e a eficiência.

A coerência institucional e a transparência no uso da razão pú-


blica são vitais para nutrir a confiança pública. No caso do Minis-
tério Público, essa confiança é um indicador da saúde democrática
do país, refletindo a fé dos cidadãos na justiça e na integridade das
instituições representativas.

Contudo, o fortalecimento da democracia e a preservação des-


sa confiança são desafiados pelo cenário atual, de crescente violên-
cia multidimensional contra a mulher, o histórico racismo estrutu-
ral, os extremismos políticos, e marcado pela disrupção tecnológica
com a emergência de discursos de ódio e xenofobia.

A crescente desigualdade social também testa a confiança pú-


blica. A ampliação do abismo entre ricos e pobres pode diminuir a fé
no sistema e em suas instituições, enfraquecendo os alicerces de-
mocráticos. O Ministério Público deve atuar como um agente equili-
brador, promovendo a justiça social e combatendo a corrupção que
frequentemente alimenta essa desigualdade.
ANO 4
N° 1

A integridade e a ética são funda- Além disso, o Ministério Público deve


mentais para o Ministério Público cumprir reafirmar seu compromisso com a justiça
suas responsabilidades. Essas qualidades social, agindo proativamente para dimi-
devem ser evidentes nas ações institu- nuir a desigualdade e fomentar uma so-
cionais e servir como exemplo para ou- ciedade mais justa e inclusiva. Isso inclui
tras instituições e poderes da República. defender os direitos dos mais vulneráveis
Sem elas, a instituição não pode esperar e combater incansavelmente a corrupção
manter a confiança do público ou cumprir e o abuso de poder.
seu papel constitucional. A transparência,
a responsabilidade e a imparcialidade são Por fim, nas decisões e escolhas po-
essenciais para que o Ministério Público líticas internas, o Ministério Público deve
seja reconhecido como um pilar de justiça liderar pelo exemplo, demonstrando uma
e equidade. gestão democrática, transparente e coe-
rente.

Cássius Guimarães Chai

27ª Promotoria de Justiça


Criminal da Capital. 1ª
Promotoria de Justiça
Especializada Regional dos
Crimes contra a Ordem
Tributária e Econômica,
Promotor de Justiça
Corregedor, Professor
Doutor da Escola Superior do
Ministério Público do Estado
do Maranhão e da Escola
Nacional do Ministério Público

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

ENTREVISTAS
Entrevista Cláudio Alberto
Guimarães, Promotor de
Justiça

RM - Qual a sua trajetória no Mi-


nistério Público? Em quais comarcas
atuou?

Cláudio Guimarães - Iniciei a car-


reira no Ministério Público em maio de
1992. Minha primeira Comarca foi Bar-
reirinhas, tendo permanecido lá por
um ano e transferido para responder
por Viana. Permaneci alguns meses
em Viana, tendo atuado por respon-
dência no entorno, mais precisamente
em Matinha e Penalva, quando então
fui novamente promovido, desta feita
para a Comarca de Pastos Bons, onde
permaneci por muito pouco tempo,
vez que pedi remoção para Colinas. Em
Colinas também permaneci por pouco
tempo. Nessa época a progressão para
quem estivesse disposto a ir para qual-
quer Comarca era muito rápida com-
parada aos dias de hoje. Assim sendo,
com dois anos no Ministério Público fui
promovido para Pedreiras, então ter-
ceira entrância, cidade na qual perma-
Cláudio Alberto Guimarães neci por três anos e fui promovido para
Promotor de Justiça
o que hoje denominamos de entrância
final, a Comarca de São Luís.
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do Estado do Maranhão
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N° 1

RM - Quais projetos ou ações que o Cláudio Guimarães - No âmbito das


senhor desenvolveu que tiveram destaque prestações de serviços estatais, todas as
em sua carreira? instituições públicas precisam estar em
constante evolução como forma de acom-
Cláudio Guimarães - Em razão de pa- panhar as demandas cotidianas que lhes
ralelamente às atividades ministeriais de- são apresentadas e, obviamente, preci-
senvolver atividades acadêmicas – são 31 sam ser resolvidas. Existe, portanto, uma
anos de Ministério Público e 26 de magis- relação direta entre demandas sociais, re-
tério superior – sempre tive como objetivo solutividade e meios para alcance dessa
principal aliar teoria científica com prática finalidade, meios estes que dificilmente
profissional, razão pela qual desenvolvi e alcançarão o patamar ideal, posto que, de
continuo desenvolvendo projetos na área forma geral, o direito se retroalimenta do
de organização social e organização urba- próprio direito. Logo, quanto maior a re-
na, haja vista que o seu oposto, a desor- solutividade maior a demanda. Entretan-
ganização em ambos os campos, têm sido to, penso que os membros do Ministério
compreendidas pelas teorias que estudo Público, quando efetivamente comprome-
e adoto, como vetores ligados à violên- tidos com suas atribuições, conseguem
cia estrutural e, por via de consequência, superar sem maiores problemas as dificul-
à violência criminal. Em razão disso, pos- dades materiais que se apresentam no dia
so citar as Operações Manzuá, Ações In- a dia das promotorias. No que pertine às
tegradas de Segurança Pública, Operação dificuldades institucionais, o diálogo com
Harpócrates e, atualmente a Operação Ro- os canais competentes, na maioria das
lezinho, como bons exemplos de práticas vezes, também se mostra como apto para
voltadas para a resolutividade de graves superação dos obstáculos.
problemas enfrentados pela coletividade.
Em uma perspectiva mais institucional, RM - Na sua avaliação, quais os maio-
juntamente com o amigo Claudio Cabral, res desafios para a atuação do Ministério
projetamos, implementamos e conduzi- Público?
mos o Projeto Mutirão de Delegacias, cujo
objetivo é combater o acúmulo de Inquéri- Cláudio Guimarães - Penso que os
tos Policiais na Comarca de São Luís. desafios que se colocam na pauta do dia
em relação ao Ministério Público – en-
RM - Nas atividades ministeriais de- quanto instituição que encontra muito
sempenhadas, quais as dificuldades en- bem definida com claras atribuições na
contradas? Constituição Federal – estão diretamente
relacionados ao grau de democracia que

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é praticado no país e a relação direta des- buições normativamente muito bem de-
te fator com o regime jurídico político que finidas. O Ministério Público precisa estar
se encontra no exercício do poder. Assim, mais próximo dos cidadãos e isso se con-
categorias definidas como democracia segue facilmente com uma atuação mais
formal, democracia substancial, cidadania externa, de mais fiscalizações, operações
real, composição demográfica racional, conjuntas, mais audiências públicas, en-
mínimo existencial, dentre tantas outras fim, através de meios que não necessitem
que fazem parte desse contexto social diretamente de judicialização para solução
concreto de exercício do poder e que po- do problema.
dem ser compreendidas, a partir de uma
perspectiva teórica, na ambiência dos es- RM - Que mensagem deseja deixar
tudos da ação comunicativa, têm que fa- para os demais membros do Ministério
zer parte das reflexões daqueles que inte- Público?
gram o Ministério Público brasileiro, para
que possam compreender e, por essa via, Cláudio Guimarães - Eu penso que
melhor enfrentar os referidos desafios. nós, acima de tudo, temos que nos colocar
no lugar daquelas pessoas que procuram
RM - Como o senhor vê o Ministé- o Ministério Público na esperança para so-
rio Público, nesse momento da socieda- lução de seus problemas, na maioria das
de brasileira, diante de tantos desafios e vezes muito graves e urgentes, e na pers-
complexidades? pectiva da eficácia, eficiência e efetividade
buscarmos todas as possibilidades possí-
Cláudio Guimarães - Eu vejo o Minis- veis para a solução dos mesmos. Para mim
tério Público como uma instituição que essa é a essência, o maior compromisso e
tem, necessariamente, que se reinventar a razão de existência da nossa instituição.
dia após dia. O gabinete ficou um lugar
pequeno ante tantos desafios complexos
que se colocam na pauta direta de todos
que integram uma instituição que, segun-
do a Constituição Federal – para ficarmos
apenas no âmbito mais próximo dos indi-
víduos – é responsável pela defesa dos in-
teresses sociais e individuais indisponíveis.
Dessa forma, o mínimo existencial tem
que ser garantido por uma atuação dire-
ta e concreta daqueles que possuem atri-

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N° 1

Entrevista Sílvia Abdala Tuma,


Procuradora de Justiça, e
Corregedora-Geral do MP do
Amazonas

Revista Minerva - Qual a sua trajetó-


ria no Ministério Público? Em quais comar-
cas atuou?

Sílvia Tuma - Como titular, nas Co-


marcas de Itacoatiara, Iranduba e Manaus.

RM - Quais projetos ou ações que o


senhor desenvolveu que tiveram destaque
em sua carreira?

Sílvia Tuma - Os projetos de maior


destaque e aqueles dos quais mais me or-
gulho foram concebidos e executados já
na minha gestão como Corregedora-Geral
do Ministério Público do Amazonas, den-
tre os quais posso mencionar, como mais
especialmente relevantes: A elaboração e
publicação do Guia Básico de Atuação Mi-
nisterial, a criação do Banco de Boas Prá-
ticas, a consolidação das informações ge-
rais e estatísticas dos dados disponíveis
Sílvia Abdala Tuma
Procuradora de Justiça
para a Corregedoria-Geral em sistema de
Corregedora-Geral do MPAM inteligência de negócios (BI) e a aferição,
nas correições realizadas, da resolutivida-
de das ações das Promotorias e Procura-
dorias de Justiça do Estado.

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RM - Nas atividades ministeriais de- prejuízos não apenas à produtividade dos


sempenhadas, quais as dificuldades en- membros e servidores, mas, também, ao
contradas? próprio ambiente de trabalho.

Sílvia Tuma - O Estado do Amazonas RM - Como o senhor vê o Ministério


é o maior da federação em área. É também, Público, nesse momento da sociedade
certamente, o Estado com mais dificulda- brasileira, diante de tantos desafios e
des de deslocamento entre suas cidades, complexidades?
com mais dificuldades estruturais, climá-
ticas, logísticas. A dimensão da Floresta Sílvia Tuma - A sociedade brasileira
Amazônica, dos rios que a recortam, a la- vem, ao longo do tempo, se conscientizan-
buta diária dos ribeirinhos e a necessidade do cada dia mais acerca dos seus direitos e
de garantir-lhes os direitos que a Consti- isso também se reflete nas demandas tra-
tuição Federal traz como responsabilida- zidas ao Ministério Público. Além disso, a
des do Estado são sempre elementos que maior conscientização política e a popula-
condicionam e impulsionam nossa atua- rização dos meios de comunicação inter-
ção judicial e extrajudicial. As questões re- pessoal direta, como é o caso das redes so-
gionais são complexas e exigem preparo e ciais, surgiram como novos desafios para
diligência dos Promotores e Procuradores a atuação do Ministério Público como de-
de Justiça. fensor do regime democrático. A comple-
xidade das tecnologias, inclusive de inte-
RM - Na sua avaliação, quais os maio- ligência artificial, tornam urgente que nos
res desafios para a atuação do Ministério qualifiquemos para garantir que a vontade
Público? popular seja garantida e protegida contra
manipulações e outros ardis que acabem
Sílvia Tuma - São as mesmas dificul- por interferir de forma negativa no direito
dades que enfrentei e já referi na minha de sufrágio.
resposta anterior. Acrescentaria, ainda,
como dificuldades que vêm sendo cada dia RM - Que mensagem deseja deixar para
mais frequentes, as questões referentes à os demais membros do Ministério Público?
segurança institucional e ao crescimento
do número de casos de adoecimento em Sílvia Tuma - Para os demais mem-
razão das cargas de trabalho enfrenta- bros do Ministério Público acho neces-
das pelos colegas. As questões de saúde sário fazer uma exortação para que não
mental, especialmente, têm sido objeto percamos o ânimo e não permitamos que
de preocupação adicional da Corregedo- nossos espaços institucionais sejam ocu-
ria-Geral, uma vez que podem acarretar pados. O Ministério Público, desde sua re-
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fundação em 1988, demonstrou a sua na- Além disso, o contato próximo e di-
tureza combativa e propositiva e hoje nos ário com a população e o trabalho incan-
deparamos com o desafio de tornar a ins- sável para o acolhimento e proteção das
tituição, mais do que nunca, veículo de efe- vítimas, especialmente as vulneráveis, são
tiva resolução dos problemas e crises da imprescindíveis para que mantenhamos a
Sociedade brasileira. É preciso que paulati- relevância institucional e social. O Promo-
namente busquemos instrumentos, ferra- tor de Justiça deve ser a primeira pessoa a
mentas e modos de agir que nos permitam ser lembrada pelo jurisdicionado nos casos
trazer soluções criativas e eficazes e que em que seus direitos estejam sendo viola-
não dependam, salvo em último caso, da dos e isso só se consegue com a presença
atuação do Poder Judiciário, que enfrenta efetiva e integrada do Promotor de Justiça
uma sobrecarga jamais vista e que, portan- na Comarca de sua titularidade e na socie-
to, depende da evolução de instituições e dade local. Sem isso não avançaremos.
instrumentos que permitam a pacificação
por outros meios que não os judiciais. É
isso que devemos buscar: resolutividade e
eficácia com meios de atuação próprios e
independentes.

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
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Entrevista Themis Maria Pacheco


de Carvalho, Procuradora de
Justiça e Corregedora-Geral do
Ministério Público do Maranhão

Revista Minerva - 1º O que a motivou


a disputar eleição ao cargo de
Corregedora-Geral?
Themis Pacheco - Eu na verdade,
nunca tinha ambicionado assumir cargo
na Administração Superior do Ministério
Público, muito embora sempre tenha tido
críticas acerca da condução da Corregedo-
ria em algumas gestões. Como Promotora
de Justiça, que é o cargo na nossa estrutu-
ra que está mais próximo da Corregedoria,
sempre senti falta de uma gestão mais pre-
sente e participativa, senti falta de orien-
tações, do estabelecimento de metas e de
que me fossem mostrados caminhos a se-
guir, portanto, sentia falta de orientação.
Na minha época de Promotora de Justiça,
a Corregedoria era precipuamente órgão
correicional. Assim, quando em 2020 tive
a ideia de me lançar candidata, imaginei
fazer um trabalho que mudasse a face da
nossa Corregedoria, pensei em construir
a corregedoria que eu sempre desejei ter,
uma corregedoria que agisse com firmeza,
Themis Maria Pacheco de Carvalho sendo imprescindivelmente justa no cam-
Procuradora de Justiça po disciplinar, mas que desse um norte
Corregedora-Geral do MPMA aos membros, que orientasse, fiscalizasse
e cobrasse resultados.

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RM - Como a senhora analisa, na atu- realização de procedimentos autocorrei-


alidade, o resultado de sua gestão? cionais e tem por fim fortalecer a unida-
de e mentalidade institucional de modo a
Themis Pacheco - Analiso de forma promover a interlocução qualificada com
positiva, acho que fizemos um bom traba- a comunidade, instituímos a realização
lho, primeiramente compus a melhor equi- de correições virtuais trimestrais em to-
pe possível que, aliada ao nosso excelente dos os órgãos, tanto de primeira quanto
quadro de servidores, nos permitiu imple- de segunda instancia, foi algo inovador e
mentar melhorias e dar respostas rápidas que tem resultado em congratulações aos
às demandas. A gestão da Corregedoria- membros que têm suas unidades atualiza-
-Geral é uma gestão compartilhada em das pois, é fundamental o reconhecimento
que cada membro da equipe é valorado. do mérito, realizamos reuniões individuais
com os membros que possuem um grande
RM - Quais feitos da sua administra- acervo de modo a encontrar formas para
ção a senhora destaca? sanear a unidade, também foi nossa pre-
ocupação a saúde mental dos membros e,
Themis Pacheco - Fizemos um tra- assim, realizamos ciclos de palestras com
balho criterioso de aproximação com os profissionais da área englobando os te-
membros, foram inúmeras nossa ações mas mais prementes, criamos um banco
e a título exemplificativo ressalto que fi- de boas práticas e, estamos entregando
zemos reuniões virtuais para ouvir o que um guia de orientação funcional com o fim
faltava a cada membro, pois não pode- de esclarecer ao membro sobre a nossa le-
mos cobrar resultados sem que ofereça- gislação bem como acerca de como deve
mos condições, intermediamos muitos proceder, enfim, vamos deixar um grande
dos contatos com os demais órgãos da legado do qual me orgulho muito.
administração, bem como também com a
Corregedoria-Geral do TJMA para a solu-
ção de diversas demandas, atualizamos a
legislação interna, apresentamos propo-
sições de alteração de atribuições, bem
como do limite temporal de respondência,
modernizamos a forma de realizar correi-
ções com o uso de recursos tecnológicos,
para isto, implantamos o e-control, insti-
tuímos o projeto Minerva que além de uma
revista eletrônica é um conjunto de metas
que dentre outras coisas implementou a

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SAÚDE MENTAL

Camila Ribeiro

Pedagoga e Psicóloga
Mestre em Psicologia pela UFMA
Autora de livro infantil na área
de Educação Socioemocional
Coordenadora do Curso de
Psicologia da Faculdade Edufor

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SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR: desafios


contemporâneos
Nos últimos anos, principalmente, sadas nos pressupostos de que “a educa-
após o cenário da pandemia, muito tem se ção é um sistema interconectado com os
discutido sobre a saúde mental na socie- problemas conjunturais da sociedade, em
dade. O aumento de casos de pessoas que vez de fragmentado e localizado, tanto em
têm apresentado algum tipo de transtorno termos de políticas como de planejamen-
mental tem sido pauta de discussão entre to”, ou seja, os objetos de conhecimento
órgãos públicos e privados com o intuito de são globais e multidimensionais.
compreender e auxiliar no enfrentamento
do adoecimento social. Nesta direção, a Nesta perspectiva, a escola torna-
escola tem perpassado por contextos re- -se um lugar privilegiado para discussão e
lacionados à saúde mental de professores promoção de diálogo sobre saúde mental,
e alunos, caracterizado como uma preocu- potencializando a construção de relações
pação de profissionais e pesquisadores da construtivas e saudáveis de todos e para
área, pois o sofrimento ou adoecimento todos (Orpinas, 2010). O Estatuto da Crian-
psíquico acarreta maior chance de apre- ça e do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de
sentar dificuldades no contexto escolar. 1990, foi instituído com o objetivo de pro-
mover a cidadania, desenvolvendo plena-
Saúde e doença mental são partes de mente as competências e habilidades das
um mesmo processo; que são quali- crianças, adolescentes e jovens, prevendo:
dades diferenciadas de uma mesma
realidade; e que são produzidas ou de-
Art. 53, que a criança e o adolescen-
terminadas por uma multiplicidade de te têm direito à educação, visando ao
fatores dinâmicos e contraditórios, que pleno desenvolvimento de sua pessoa,
agem e interagem de forma simultânea preparo para o exercício da cidadania
e complexa (CODO et al, pág. 25, 1995). e qualificação para o trabalho, assegu-
rando-lhes (...) igualdade de condições
O ato de educar envolve a sociali- para o acesso e permanência na escola
zação moral e cultural do sujeito, assim, (BRASIL,1990).
educação está para além da troca de co-
nhecimentos e informações, envolvendo Neste sentido, propõe-se que a edu-
desenvolvimento cultural, social, econô- cação precisa ser ofertada de maneira inte-
mico e emocional da sociedade. Moraes gral, onde o cognitivo e outras habilidades
(2002) salienta que as novas perspectivas possam ser desenvolvidos juntos para pro-
da educação contemporânea estão emba- porcionar aos estudantes uma educação

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que compreenda outros aspectos como equipe multidisciplinar, visando promover,


social e emocional. Um documento mais a interdisciplinaridade e a efetivação de um
recente elaborado pelo Ministério da Edu- trabalho de acolhimento e intervenção em
cação (MEC) é a Base Nacional Curricular saúde mental na educação, visto que mui-
Comum (BNCC, 2017) que orienta e nor- tos destes profissionais não conhecem o
matiza as escolas do Brasil no qual provo- ambiente e as articulares da escola.
ca que as escolas deve desenvolver apren-
dizagens essenciais a serem ampliadas ao De acordo com Silva e Jurdi (2023), a
longo das etapas e modalidades da Edu- escola concentra a maior parte da popu-
cação Básica. Dentre as normatizações da lação infanto-juvenil, e agregando diver-
BNCC (2017), a mesma afirma a impor- sidades e singularidades, potencialidades
tância de uma formação integral, ou seja, e recursos significativos para a produção
isso significa possibilitar aos estudantes de saúde, a garantia da proteção integral
tanto a aprendizagem que promovam a e o desenvolvimento de pessoas sob prin-
construção de habilidades cognitivas pre- cípios de autonomia e emancipação. Em
vistas nos componentes curriculares das pesquisas realizadas pela OMS (2023),
mais variadas disciplinas quanto o desen- aproximadamente 20% das crianças e
volvimento de habilidades que permitam adolescentes sofrem de algum transtorno
aos estudantes colocar em prática conhe- mental ou apresentam comportamentos
cimentos e valores importantes para a re- ou condutas antissociais, delinquência e
lação com os outros e com eles mesmos. uso de drogas que podem estar associa-
dos às manifestações de agressividade e
A educação se configura como uma distúrbio do comportamento na infância.
das instituições que deve atuar no cuida-
do às crianças e aos adolescentes, sendo Os prejuízos à saúde mental de es-
considerado ambiente “privilegiado” pela tudantes podem ter diversos fatores (so-
possibilidade de troca e interações entre ciais, econômicos, familiares entre outros)
todos os atores que vivenciam este espa- que influenciam desde o processo de es-
ço, contudo é necessário (re) pensarmos colarização à satisfação com a escola, com
a importância da inserção de uma equipe a turma, amigos da escola e professores.
multidisciplinar na detecção de riscos e (BENEVIDES; SOUSA; CARVALHO; CAL-
na redução de danos de agravos psicos- DEIRA, 2015). Além dos fatores externos
sociais. Apesar de defender a inclusão da que podem potencializar o adoecimento
equipe multidisciplinar em espaços esco- mental, é importante olharmos para esco-
lares, é importante ressaltar a necessidade la enquanto ambiente que não pode ser
de orientação das funções e atribuições da excluído destes fatores, visto que é um
ambiente em que ocorrem pressões aca-
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dêmicas, assédio moral, sexual, bullying, CONCLUSÃO


violência, entre outros fatores estressores.
O tema Saúde Mental na escola en-
Os transtornos mentais estão inseri- contra-se em processo de ampliação e
dos no ambiente escolar de forma nítida, amadurecimento, sendo discutido por
assim como em toda sociedade, por isso, a pesquisadores e órgãos representantes
escola não deve negar diálogos sobre saú- das instituições escolares. Tal afirmação é
de mental, pois a inserção de discussões percebida através das propostas de ava-
a favor da promoção da saúde possibilita liar o aluno muito mais em uma perspec-
a elaboração de atitudes e comportamen- tiva qualitativa do que quantificadora com
tos sadios em diferentes contextos, pos- o objetivo de resultados que negam as
sibilitando o rompimento de adoecimento particularidades do desenvolvimento des-
mental no período infanto-juvenil, e que te sujeito e sua trajetória. Para tal, é im-
pode se estender até a fase adulta (FREIRE; portante desenvolvermos investigações
AIRES, 2012). Mas, para o desenvolvimen- epidemiológicas e intervenções regionais
to de propostas pedagógicas qualitativas, voltadas para a identificação do sofrimen-
é importante que toda a comunidade es- to psíquico em crianças e adolescentes em
colar seja protagonista, estimulando o pa- idade escolar para que sejam (re) elabo-
pel de todos os atores na construção de radas políticas públicas a favor da saúde
um espaço de respeito, escuta e acolhida. mental na escola.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional FREIRE, A.N.; AIRES, J.S. A contribuição da Psico-
Comum Curricular: Educação é a base. Dispo- logia escolar na prevenção e no enfrentamento
nível em: http://basenacionalcomum.mec.gov. do bullying. Psic. Esc. Educ. , Maringá, v. 16, n. 1, p.
br/images/BNCC_20dez_site.pdf. Acesso em: 55-60, jun.2012. Disponível em: http://www.scie-
25/01/2024. lo.br/pdf/pee/v16n1.pdf. Acesso em: 10 fev.2024.

Codo W, Sampaio JJC, Hitomi AH. Indivíduo, tra- SILVA, C.D.; JURDI, A.P.S. Saúde mental infanto-
balho e sofrimento: uma abordagem interdisci- -juvenil e a escola: diálogos entre profissionais
plinar. Petrópolis (RJ): Vozes; 1993. da educação e saúde. Saúde debate 46 (spe6),
Dez 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/
BENEVIDES, Joana et al. Sintomatologia depres- 0103-11042022E609
siva e (in) satisfação escolar. Revista de Estudios
e Investigación en Psicología y Educación. Revista SILVA, A. B. B. Mentes perigosas nas escolas:
de estudios e investigación em psicología y educa- bullying. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010,pág. 15-25.
ción, n. 5, p. A5-013-A5-018, 2015.

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ARTIGOS JURÍDICOS

Anna Victoria Medeiros Esco-


rel Almeida

Mestranda em Ciências Crimi-


nológico-Forense pela Univer-
sidad de Ciencias Empresaria-
les y Sociales -UCES.

Alessandra Darub Alves

Mestranda em Ciências
Criminológico-Forense pela
Universidad de Ciencias
Empresariales y Sociales
-UCES. Promotora de Justiça
do Maranhão. MBA em
Administração Judiciária
pela Faculdade de Negócios
Excellence. Pós Graduada em
Direito Civil e Processo Civil pela
Faculdade do Maranhão. Pós
Graduada em Teoria Psicanalítica
pela Faculdade Hokemah.

MPMA Ministério Público


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resolutividade das demandas sociais 15
do Estado do Maranhão
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N° 1

Wilson Gomes de Moura

Mestrando em Ciências Crimi-


nológico-Forense pela Univer-
sidad de Ciencias Empresariales
y Sociales -UCES. Psicanalista.
Doutorando em Psicologia pela
Universidade de Buenos Aires –
UBA. Pós-graduado em Psicaná-
lise pela Faculdade Hokemãh. Ba-
charel em Direito pela Faculdade
do Maranhão – FACAM. Licencia-
do em Filosofia pela Faculdade
Panamericana. Professor da Pós-
-graduação da Faculdade Laboro.
Diretor do Instituto de Pesquisa
e Clínica Psicanalítica de São
Luís – PERCURSUS e Membro da
APOLa Internacional – Sociedade
de Psicanálise. Autor do livro: A
psicanálise vai à escola: um olhar
Lurdiane Santos Mendes clínico sobre a aprendizagem e
suas dificuldades.
Mestranda em Ciências Cri- Fabiana Mara de Almeida
minológico-Forense pela
Assunção
Universidad de Ciencias
Empresariales y Sociales
Graduada em Direito pela
-UCES. Advogada, graduada
FDCL (2014). Pós Graduada
pelo Centro Universitário do
em Ciências Penais pela PU-
Maranhão (2007). Pós-Gra-
C-Minas (2017). Mestranda
duação em Psicoterapia Psi-
em Ciências Criminológico-
canalítica, Faculdade de Te-
-Forense pela Universiad de
ologia hokemah FATEH, ano
Ciências Empresariais e So-
2019 Assessora do Minis-
ciais.
tério Público do Maranhão
Advogada Criminalista.
desde Fev de 2016.
Mentora de Mulheres.
Mestranda em Ciências Cri-
minológico-Forense, UCES/
IESLA

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
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PERPECTIVAS EM PSICOLOGIA E PSICOPATOLOGIA FORENSE:


DO DIVÓRCIO À ALIENAÇÃO PARENTAL – DA VÍTIMA AO
AGRESSOR

RESUMO: O presente artigo surge em face do crescimento do fenômeno da alie-


nação parental, conduta essa que se torna mais notória entre casais em vias de separa-
ção ou após o término da relação conjugal. Com a separação entre o casal começa uma
verdadeira campanha difamatória entre os ex companheiros tendo como alvo os filhos
que são utilizados como instrumentos de vingança e punição. Na alienação parental
fica clara a intenção de um progenitor falar mal do outro para a criança com o intuito de
fazer com que a criança tenha repulsa da figura alienada. Tal atitude do alienador gera
inúmeros problemas emocionais na vida das crianças e adolescentes que vão desde
atos de desobediência em casa, até atitudes como automutilação e suicídio. Por isso,
é necessário compreendermos esse fenômeno, bem como as características psicopa-
tológicas dos progenitores alienadores e as sequelas deixadas na vida dos filhos que
foram alienados.

PALAVRAS-CHAVE: Alienação parental; Alienador; Psicopatologia.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Divórcio e a desestruturação familiar. 3. Conceito de


alienação parental. 4. Comportamentos clássicos dos alienadores e sua relação com a
psicopatologia. 5. Consequências psicológicas da alienação parental na criança e no
adolescente. 6. O problema da falsa comunicação de crime em decorrência da aliena-
ção parental. 7. Considerações finais. 8. Referências

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1. Introdução

A alienação parental é tema que vem despertando o interesse de estudiosos, pois


é cada vez mais comum os casais, durante o divórcio e o período que o antecede, inicia-
rem campanhas de degradação da imagem do outro cônjuge e envolverem as crianças
nesse processo difamatório. Assim, a transferência das frustrações vivenciadas pelos
genitores aos filhos têm sido algo corriqueiro nas relações familiares, resultando em
consequências negativas na formação da criança.

Por mais que essa prática seja bastante comum, a comunidade em geral e até mes-
mo os alienadores desconhecem os efeitos psicológicos devastadores que ela causa.
Filhos que sofrem alienação parental desenvolvem um ódio doentio e injustificado pelo
genitor alienado, e, isso vai gerar consequências desastrosas tanto no aspecto físico
quanto psicológico.

O presente artigo visa se inserir na discussão sobre o fenômeno alienação paren-


tal, trazendo seu desenvolvimento histórico, os comportamentos clássicos dos aliena-
dores, as consequências da alienação parental nas crianças e adolescentes bem como
apontar para possíveis psicopatologias nos alienadores.

2. Divórcio e a Desestruturação Familiar

A separação dos casais, na maioria dos casos, produz efeitos traumáticos, desen-
cadeando sentimentos de abandono, rejeição, traição e outros. Tais sentimentos levam
os casais a uma disputa pessoal, que acaba penalizando os filhos.

É comum, durante o período que antecede o divórcio, os casais iniciarem campa-


nhas de degradação da imagem do outro cônjuge e, nesse processo difamatório envol-
verem as crianças.

Muitos dividem com as crianças o peso do sofrimento, a dor da separação, de-


sabafam e acusam o outro cônjuge de ser o responsável pelo rompimento do relacio-
namento. Criam fatos evidenciando suposto abandono por parte de um dos cônjuges
para com os filhos. Impedem o contato com os filhos, criticam o outro genitor, dimi-
nuem suas qualidades num processo severo de difamação. Isso é chamado de aliena-
ção parental.

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N° 1

Gardner (2002) observou o fenômeno em casos de divórcio nos tribunais dos Es-
tados Unidos, onde a guarda, na maioria dos casos era concedida às mães, o que levou
os pais a buscarem alguma falha para acusar as ex-mulheres. Waquim (2018) comenta
que Judith Wallerstein fez um estudo, durante 25 anos, com dezenas de crianças e ado-
lescentes, sobre os efeitos do divórcio nas crianças e percebeu que os filhos se aliavam
a um dos genitores numa simbiose que comprometia seu saudável desenvolvimento,
faziam um “alinhamento patológico”. Ela concluiu que os genitores que atraem seus
filhos para confusões conjugais e pós-conjugais acabam afetando o psicológico deles.
Baker (2006) realizou uma pesquisa com 40 adultos que afirmaram ter sofrido interfe-
rência de um dos pais tentando colocá-los contra o outro genitor.

A conduta alienante, na maioria dos casos, decorre de dissoluções conjugais confli-


tuosas, onde o casal não tem maturidade emocional para lidar com o fim do casamento
ou da união estável, e os filhos são usados para chantagear/punir o outro cônjuge. A
conduta alienante pode ser também bilateral, ou seja, praticada pelos dois cônjuges ao
mesmo tempo ou por outros parentes, uns contra os outros. Os resultados na bilatera-
lidade são ainda mais graves.

O fato é que a alienação parental e os conflitos daí decorrentes terminam por aco-
meter familiares de ambos os lados e causam danos a toda a família e suas relações e,
principalmente, à formação psicológica da criança.

3. Conceito de Alienação Parental

Alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança realizada pelo


pai ou pela mãe, avó ou avô com o objetivo de manipular a criança através de campanhas
difamatórias que desvirtuam a imagem do genitor alienado, causando uma ruptura no
convívio. Na alienação parental a criança desenvolve atitudes como ódio, medo e despre-
zo por um dos pais de forma aparentemente injustificada. Gardner (1991, p.1) disse que
percebeu uma desordem que nunca tinha visto e que ela “[...] se desenvolveu quase que
exclusivamente em crianças que foram expostas e envolvidas em disputas de custodia”.

No Brasil a Lei 12.318 de 26 de agosto de 2010, conceitua alienação parental em


seu artigo 2º, nos seguintes termos:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança


ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que te-

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nham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie
genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Ortega (2012, p.5) enfatiza que alienação parental é um conjunto de sintomas “[...]
que resultam do processo pelo qual um progenitor, através de diferentes táticas ou es-
tratégias, tenta transformar a consciência dos seus filhos, a fim de prevenir, dificultar
ou destruir os seus laços com o outro progenitor”. O objetivo da alienação parental é
manipular a criança através de campanhas difamatórias que desvirtuam a imagem do
genitor alienado, causando uma ruptura no convívio.

Por mais que essa prática seja bastante comum, a comunidade em geral e até mes-
mo os alienadores desconhecem os efeitos psicológicos devastadores que ela causa.
Filhos que sofrem alienação parental desenvolvem um ódio doentio e injustificado pelo
genitor alienado, e, isso vai gerar consequências desastrosas tanto no aspecto físico,
quanto psicológico.

A alienação parental desvirtua o conceito que a criança tem do genitor que foi
alienado, maculando assim a sua imagem. A destruição da figura de um dos genitores
pelo outro, poderá acarretar angústia na criança. Segundo Freud (1905/1992, p. 204) “A
angústia infantil originalmente nada mais é do que a expressão da falta da pessoa ama-
da”. Dessa forma, a alienação parental é uma tentativa deliberada de afastar a criança
do convívio do outro genitor, fazendo dele um estranho e trazendo como consequência
um mal-estar psicológico na vida dos filhos.

Em virtude das inúmeras campanhas difamatórias realizadas pelo genitor aliena-


dor a figura do genitor alienado vai sendo destruída perante a criança, que passa a vê-lo
como um estranho, alguém que não conhece, não respeita e que não deseja ter o me-
nor contato. O amor que a criança sentia outrora se transforma em indiferença, repulsa,
e desprezo. A angústia nos casos de alienação parental é muito comum, pois a criança
está envolta numa teia de significantes produzidos pelo Outro.

Dentro da perspectiva lacaniana o sujeito se estrutura a partir de sua relação com


o Outro. Lacan (1962-1963) afirma que existe uma relação essencial entre a angústia e
o desejo do Outro, assim, a dimensão do Outro, surge como lugar do significante para
a definição de angústia. Miranda (2020, p.61) comenta que “O surgimento do afeto da
angústia é articulado no momento em que o sujeito se vê diante do desejo do Outro,
alienado nesse desejo”.

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Na alienação parental o discurso do Outro (alienador) vem repleto de respostas


para a pergunta da criança: “o que desejas de mim?” Desejo que você não frequente a
casa dele (a); desejo que você não goste dele (a); desejo que seu amor seja somente
para mim. E, na tentativa de satisfazer o desejo do Outro é que a criança entra num pro-
cesso de ruptura com o genitor alienado, passando a desejar como seu o desejo desse
Outro (alienador).

4. Comportamentos Clássicos dos Alienadores e sua Relação com a Psicopatologia

O alienador na prática da alienação parental produz um discurso difamatório,


cheio de significantes que visa afastar a criança do convívio do genitor alienado. Orte-
ga (2012, p.8) apresenta uma série de condutas alienantes, tais como: “Impedir que o
outro progenitor exerça o direito de conviver com os filhos. Desvalorizar e insultar o ou-
tro progenitor na presença da criança, [...] Encorajar ou recompensar comportamento
desdenhoso e de rejeição para com o outro progenitor”.

Na alienação parental apenas um dos lados deseja ser o Outro da criança, figuran-
do como o único discurso válido e digno de credibilidade, enquanto o outro (o genitor
alienado) será excluído dessa relação. Assim, não resta para a criança nada além do que
se aliar e responder alienando-se nos significantes que o Outro (alienador) lhe fornece.

Em Notas sobre a criança, Lacan (1969/2003, p.369) ensina que “o sintoma da


criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura
familiar”. A criança envolvida num contexto familiar onde ocorre alienação parental po-
derá desenvolver inúmeros sintomas frente ao conflito entre o par parental.

O processo de alienação parental ocorre por meio de campanhas de desqualifica-


ção do outro genitor, por exemplo, quando a mãe diz que o pai não sabe de nada, não
gosta dos filhos, os abandonou. Quando um dos cônjuges provoca discussões com o
ex-parceiro na frente dos filhos; controlam em minutos os horários de visitas; se refe-
rem ao ex companheiro como “traste, infeliz, vagabunda, etc; sugerem às crianças que o
genitor (a) é uma pessoa sem caráter, má e perigosa; impedem o alienado de participar
de momentos marcantes da vida dos filhos; agendam atividades de modo a dificultar a
visita, torná-la desinteressante para criança, ou mesmo inibi-la.

Cuenca (2006) comenta que na sua experiência profissional verificou condutas psi-
copatológicas características de progenitores alienadores, dentre as quais destacamos:

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Paranoia: desconfiança, vigilância, delírio de ciúme, hostilidade e supervalorização do


seu próprio Eu. Folié à Deux (Delírio a dois): relação íntima entre os envolvidos (pai/
mãe e filhos), isolamento, onde o delírio do primeiro é compartilhado com o segundo.
Psicopatia: padrão geral de depreciação e violação dos direitos dos outros, enganador
e manipulador, insensíveis, ausência de culpa, autoestima elevada. Síndrome de Mun-
chaussen: o indivíduo atribui a si ou a outros (filhos) doenças e sintomas fictícios com o
objetivo de ter a atenção voltada para si, desejando ser o Outro na vida da criança. Nar-
cisismo: padrão geral de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia.

Um exemplo de alienação parental foi o ocorrido na Argentina no caso que cul-


minou no feminicídio de Claudia Schaefer, com 74 golpes de arma branca, pelo marido
e empresário Fernando Farré. Durante o processo de dissolução da sociedade con-
jugal Cláudia e Fernando tiveram várias discussões pelo telefone e Cláudia gravou os
áudios. Durante a investigação sobre o feminicídio os áudios se tornaram públicos e
evidenciaram vários episódios de alienação parental. Cláudia em um dos áudios disse
que Fernando lhe faltava com respeito, constantemente, na frente dos filhos; em outro
disse que Fernando falava mal dela na frente dos filhos e em outro áudio afirmou que
Fernando a agrediu fisicamente na frente dos filhos, deixando-a com o rosto marcado.
Disse também que Fernando foi agressivo com os filhos.

5. Consequências Psicológicas da Alienação Parental na Criança e no Adolescente

A utilização dos filhos como um objeto no conflito existente entre os pais, além
problemas jurídicos, gera também problemas sociais, psicológicos e psicossomáticos
à criança e à própria família. Muitas vezes esse sofrimento gera isolamento, agressivi-
dade, revolta, ansiedade, déficit de atenção, medo e insegurança, sentimento de culpa,
dificuldade com normas e regras, tendência suicida, automutilação, transtorno de iden-
tidade, maior demanda de atenção e amor, enurese noturna (xixi na cama) e outros. Na
adolescência, as vítimas de alienação parental têm grande propensão ao vício em álcool
e drogas.

Madaleno e Madaleno (2015), tratando sobre os efeitos do divórcio e da alienação


parental esclarecem que os filhos sentem-se rejeitados e abandonados, alguns passam
a acreditar que são os culpados pela separação dos pais, passam a apresentar proble-
mas escolares, pois não conseguem focar na aprendizagem, sentem-se desmotivados,
com dificuldade de concentração, apresentam comportamento agressivo e hostil, co-
metem pequenas infrações (furtos), sentem medos e sintomas de depressão.

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Tratando ainda das consequências psicológicas da alienação parental nas crianças


Podevyn apud Trindade (2014, p.311) destaca que algumas crianças podem apresentar:

[...] incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identida-


de e de imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento,
comportamento hostil, falta de organização e, em extremos, levar ao suicídio. Estudos por
ele referidos têm mostrado que, quando adultas, as vítimas da alienação têm inclinação ao
álcool e às drogas, bem como apresentam outros sintomas de profundo mal-estar e desa-
justamento.

A pressão psicológica exercida pelas práticas abusivas da alienação parental pode


gerar adoecimento físico, ocorrendo um processo de somatização. Segundo Dalgalar-
rondo (2008) a somatização é um termo que se refere a um processo consciente ou
inconsciente, onde o sujeito apresenta no seu corpo sintomas físicos. “Os sintomas são
dores difusas (cefaléias, lombalgias, artralgias, dores abdominais, “corpalgias”, etc), sin-
tomas gastrintestinais (náuseas, diarréias, dispesias, etc) e síndromes pseudoneuroló-
gicas” (p.323). Como visto, a somatização dos problemas psicológicos, emocionais pode
gerar dores, febre, gastrite, vômitos, anorexia, bulimia, obesidade e outros. A criança
pode sentir-se tão angustiada a ponto de adoecer fisicamente.

Dalgalarrondo (2008) enfatiza, ainda, que os quadros de somatização podem ser


situacionais e transitórios (durante uma fase difícil da vida), ou estáveis e duradouros,
passando a ser um estilo ou modo de conduzir a vida. “Os indivíduos hipocondríacos e
somatizadores tendem a rejeitar a ideia de que seu sofrimento seja de origem psicoló-
gica ou psicossocial” (p.323).

Em diálogo com uma médica sobre o tema Alienação Parental e as consequências


físicas, esta asseverou que havia atendido uma criança de 4 (quatro) anos de idade que,
diante dos conflitos de pai e mãe durante a separação judicial, e os constantes atos de
alienação parental, foi levada às pressas para o hospital com fortes dores de estômago,
gastrite. O próprio pai evidenciou a causa das dores da criança.

Conclui Trindade (2014) que deverá o alienado abandonar o papel que lhe foi atri-
buído, passando a desempenhar uma função ativa em busca de sua saúde emocional,
mas também visando um desenvolvimento saudável dos filhos. O alienado deve enten-
der que a omissão também constitui uma forma de violência psicológica, que pode ser
tão perversa quanto a violência física. Ao se acomodar passivamente às condições dita-
das pelo alienador, o cônjuge alienado pode ser tão prejudicial aos filhos quanto aquele.

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6. O Problema da Falsa Comunicação de Crime em Decorrência da Alienação


Parental

Uma das consequências mais marcantes, e de grande relevância criminológica, é a


falsa comunicação de crime ou falsa denúncia decorrente da alienação parental. Atinge
especialmente a criança, e é mais evidente na falsa denunciação de abuso sexual.

Com a alienação parental, e em decorrência da violência sofrida (verbal ou física), a


criança gera em sua mente distúrbio sentimental, falsas memórias, uma visão negativa
do genitor alienado, e em consequência a possibilidade de implantação de que foram
abusadas ou que presenciaram o abuso.

A implantação de falsas memórias e a criação de falsas situações de crimes: agres-


sões, ameaças, abuso sexual, são outras formas de alienação parental, cujos resultados
podem ser devastadores.

É importante ressaltar que em casos suspeitos de abuso sexual, a criança supos-


tamente violada e com histórico de alienação parental, em razão da falsa memória im-
plantada em sua mente, acreditará que a violação de fato ocorreu.

A falsa denunciação ocorre da seguinte forma: um genitor se utiliza de falsas me-


mórias, para imputar ao outro genitor alienado, o cometimento de algum crime de or-
dem sexual contra a criança.

As denúncias, na maioria das vezes, são feitas com o objetivo de garantir a guarda
unilateral da criança ou mesmo como forma de punir o alienado pelo rompimento do
enlace matrimonial. O que os alienantes não sabem é que imputar falsamente crime a
alguém caracteriza no Brasil o crime de calúnia e o cônjuge alienante pode ser respon-
1

sabilizado criminalmente por sua conduta, se ficar demonstrado que não existem maus-
-tratos, abandono ou estupro de vulnerável, uma vez comprovada que a narrativa não
passou de criação do alienante para afastar o outro cônjuge ou familiares da criança.

1 Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis
meses a dois anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou
divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da verdade § 3º - Admite-se a prova da verdade,
salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença
irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime
imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

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Ornell apud Freitas (2015), tratando sobre mentiras infantis explica que até os sete
ou oito anos, a criança se encontra vulnerável à manipulação, não diferenciando entre
a fantasia e realidade. Isso pode gerar falsas memórias que passam a ser tidas como
reais, por isso, é necessária atenção especial em crianças nessa fase. Dessa forma, “[...]
é muito comum em disputas judiciais pela guarda um dos progenitores descarregar as
frustrações em face do outro genitor sobre a criança como forma de produzir um sis-
tema de cumplicidade” (p.150).

No Brasil, Atercino Ferreira de Lima Filho, de 51 anos de idade, foi condenado


acusado de ter abusado sexualmente dos filhos, que tinham 10 e 06 anos de idade.
Atercino e a esposa se separaram em 2002 e ela foi conviver com uma amiga. Em 2004
a amiga da mãe das crianças as levou até uma delegacia em Guarulhos-SP e lá as crian-
ças acusaram o pai de ter abusado sexualmente delas. Os exames de corpo de delito
nunca provaram os abusos, mesmo assim Atercino foi condenado a 45 anos de prisão.
A sentença foi baseada apenas nos relatos dos filhos. Atercino conseguiu recorrer em
liberdade. O caso sofreu uma reviravolta depois que os filhos cresceram e resolveram
denunciar como eram tratados pela mãe e pela amiga dela. As crianças afirmaram que
sofreram todo tipo de maus-tratos e agressões dentro de casa e três anos depois sa-
íram de casa e foram para um orfanato, onde ficaram até atingir a maioridade. Então
procuraram o pai e revelaram o que tinha acontecido e disseram que foram obrigados
pela amiga da mãe a mentir. Os filhos prestaram novas declarações informando as
ameaças e agressões que sofreram para mentir. Atercino passou 14 anos respondendo
a processo e quase 01 ano preso, sem poder ter contato com os filhos que foram consi-
derados vítimas pela Justiça. Com a ajuda de uma ONG, Atercino conseguiu provar, em
2ª instância, que os abusos não ocorreram e finalmente foi inocentado.

Como visto, é de grande relevância na investigação e no processo, o aplicador do


Direito manter-se atento à possíveis atos de alienação parental, tendo em vista que a
palavra da vítima em crimes de violência doméstica e sexuais revela-se de grande im-
portância. Por conta disso, quando é constatada a alienação parental, e uma suposta
denunciação falsa de crime, é necessário ter-se à disposição outros meios de prova,
para, de fato, chegar a uma conclusão investigativa.

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7. Considerações Finais

Na última década a discussão sobre a alienação parental ganhou mais espaço no


meio acadêmico. Contudo, a grande maioria dos estudos analisa o fenômeno da aliena-
ção parental numa perspectiva jurídica, voltada para o direito de família.

Não é novidade que o universo jurídico tenha se apropriado desse debate, visto
que o fenômeno da Alienação Parental foi observado pela primeira vez nas perícias ju-
diciais realizadas nos tribunais norte-americanos. Partindo dessa premissa, vários pes-
quisadores empreenderam esforços para estabelecerem mecanismos legais que dimi-
nuíssem os danos à criança que era vítima de longos e desgastantes processos judiciais
de disputa pela guarda e pensão alimentícia.

A separação dos casais, que na maioria dos casos não ocorre de forma consensual,
produz efeitos traumáticos na relação familiar, em especial nos filhos. Muitos dividem
com a criança o peso do sofrimento e acusam, difamam o outro genitor, e geram falsas
memórias na criança, afetando o psicológico e gerando traumas, desenvolvendo na
criança sentimentos de ódio, medo e desprezo pelo genitor alienado.

Por fim, fica claro que a utilização dos filhos como um objeto no conflito existente
entre os pais, mostra-se de relevante interesse criminológico, tendo em vista os graves
problemas sociais e psicológicos gerados pela alienação parental, inclusive com reper-
cussões criminais, posto que em algumas condutas são tipificadas como crime, como
é o caso de denunciação caluniosa, difamação, imputação falsa de crime e outros. Por
essa razão, é de fundamental importância o estudo da alienação sob uma ótica psico-
lógica e psicanalítica, visto que a alienação parental produz um sofrimento psíquico na
vida de crianças e adolescentes, sendo necessária a intervenção de profissionais capa-
citados que possam oferecer uma escuta qualificada, a fim de ajudar essas vítimas a
ressignificarem suas histórias.

8. Referências
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Baker, A. (2006). Patterns of parental alienation syndorme: a qualitative study of adults who were alie-
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Romulo Candeira Fernandes Cássius Guimarães Chai

Advogado, especialista em Di- Mestre e Doutor em Direito Constitucional


reito do Trabalho, com experi- UFMG/Cardozo School of Law/ Capes. Es-
ência na área de Relações Ins- tudos pós doutorais em Direito Comparado,
titucionais e Governamentais, Direito Internacional e Direito Internacional
além de atuar como Mediador e dos Direitos Humanos, Direito Penal e Cri-
Conciliador no CEJUSC Empre- minalidade Transnacional (Itália, Espanha,
sarial da FIEMA. Haia, Hungria, EUA). Membro Experto de-
signado UNODOC/E4J, 2017. Professor As-
sociado UFMA/CCSo/PPGDIR e PPGAERO,
Professor Permanente FDV/PPGD, Escola
Nacional do Ministério Público e Escola Su-
perior do Ministério Público do Estado do
Maranhão, professor Normal University of
Political Science and Law Shanghai-China
2016/19, Normal University of Beijing Colle-
ge of Criminal Law 2020/2023. Membro do
Ministério Público do Estado do Maranhão.
Coordenador Gepe Cultura, Direito e Socie-
dade DGP CNPQ UFMA.

28 2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à MPMA Ministério Público


resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONTROLE


EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL: uma análise das estratégias
adotadas no Brasil entre desafios e perspectivas para uma Segurança
Pública Cidadã

RESUMO

O objetivo deste trabalho é elucidar as causas da violência patológica existente no


Brasil e apresentar as estratégias do Plano Nacional de Segurança e Defesa Social para
reduzir os índices de violência contra a população, com foco no controle externo da ati-
vidade policial exercida pelo Ministério Público. A questão-chave abordada é como um
país com tantas vantagens pode ser tão violento com o seu povo, e como a atuação do
Ministério Público pode contribuir para a redução da violência. O objeto de investigação
é a segurança pública no Brasil, com ênfase na atuação do Ministério Público no contro-
le externo da atividade policial. O artigo apresenta uma análise das potencialidades do
Brasil em relação a outros países emergentes e das distorções sociais existentes no país.
Além disso, são discutidas as limitações da atuação do Ministério Público na promoção
de audiências públicas e na elaboração de relatórios anuais sobre segurança pública.

Palavras-chave: violência, segurança pública, controle externo, Ministério Público


e estratégias.

ABSTRACT

The objective of this work is to elucidate the causes of pathological violence exis-
ting in Brazil and present the strategies of the National Security and Social Defense Plan
to reduce the rates of violence against the population, focusing on the external control
of police activity carried out by the Public Ministry. The key issue addressed is how a
country with so many advantages can be so violent with its people, and how the role of
the Public Ministry can contribute to reducing violence. The object of investigation is
public security in Brazil, with emphasis on the performance of the Public Ministry in the
external control of police activity. The article presents an analysis of Brazil’s potential in
relation to other emerging countries and the social distortions existing in the country.
MPMA Ministério Público
2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
resolutividade das demandas sociais 29
do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

In addition, the limitations of the role of the Public Ministry in promoting public hearin-
gs and in the preparation of annual reports on public security are discussed.

Keywords: violence, public security, external control, Public Ministry and strategies.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país com muitas riquezas naturais, culturais e humanas. No entan-


to, também é conhecido por graves distorções sociais. Indicadores apontam que, em
2020, o 1% mais rico da população detinha quase metade (49,6%) da riqueza do país.
Em 2019, essa fatia era de 46,9%. (ELIAS, 2020).

Essa concentração de renda é um problema grave, pois dificulta o desenvolvimen-


to econômico e social do país. Quando uma pequena parcela da população acumula a
maior parte da riqueza, o restante da sociedade tem menos recursos para investir em
educação, saúde, habitação e outros serviços essenciais.

Além disso, consoante Guedes (2022):

Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pan-


demia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que
comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome. Conforme
o estudo, mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança ali-
mentar em algum grau: leve, moderado ou grave.

A essa situação, soma-se a sensação de insegurança que a população vivencia no


dia a dia. De acordo com o IBGE (2021), “a violência atingiu 29,1 milhões de pessoas em
2019; mulheres, jovens e negros são as principais vítimas”. O Segurança em Números
2022 (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022) destaca que o Brasil tem
2,7% dos habitantes do planeta e 20,4% dos homicídios, e que os assassinatos em 102
países somam 232.676, enquanto no Brasil foram 47.503 assassinados. E, é necessário
anotar que durante a pandemia covid-19, os níveis de violência intramuros tiveram uma
curva acentuada ascendente.

30 2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à MPMA Ministério Público


resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

O Fórum também destaca que há 820.689 pessoas privadas de liberdade no Bra-


sil, enquanto existem 634.469 vagas em 1.560 estabelecimentos penais. Atualmente
o Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária do planeta e o Supremo
Tribunal Federal (STF) considerou a situação prisional no país um “estado de coisas in-
constitucional, com violação massiva de direitos fundamentais da população prisional,
por omissão do poder público” (CNJ, 2020). Para o presente artigo, o dado mais impor-
tante diz respeito à atividade policial. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública também
aponta que a letalidade policial atingiu 43.171 vítimas entre 2013 e 2021, sendo que
84,1% das vítimas foram pessoas negras.

O fato é que os índices de violência apontados acima refletem a fragilidade do


processo civilizatório brasileiro, bem como de seus arranjos democráticos, além de afu-
gentar investimentos. Por isso, é possível afirmar que a postura autoritária adotada nas
políticas de segurança pública consiste em grande ameaça ao Estado de Direito no Bra-
sil. A verdade é que em considerável parte do território brasileiro não vigora o Estado
Democrático de Direito e em consequência disso grande parte da população brasileira
sofre com práticas autoritárias.

Assim, compreender a dinâmica da segurança pública no Brasil é um desafio com-


plexo e multifacetado. Nesse sentido, o presente estudo objetivou analisar as estra-
tégias de controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, com base em
uma revisão bibliográfica sistemática. Para tanto, foram selecionados artigos científi-
cos e relatórios governamentais que abordam o tema da segurança pública no Brasil,
bem como a atuação do Ministério Público no controle externo da atividade policial. A
análise dos dados foi realizada por meio de uma abordagem qualitativa, com ênfase na
identificação de padrões e tendências nas estratégias adotadas pelo Ministério Público
para promover o controle externo da atividade policial. Os resultados obtidos indicam
que o Ministério Público desempenha um papel fundamental na promoção da transpa-
rência e accountability das instituições policiais no Brasil, embora ainda haja desafios
significativos a serem enfrentados para fortalecer sua atuação nessa área.

O presente trabalho busca elucidar as causas da violência patológica existente no


Brasil e delinear as estratégias do Plano Nacional de Segurança e Defesa Social para
reduzir os índices de violência contra a população, mais especificamente no que tange
ao controle externo da atividade policial exercida pelo Ministério Público, incorporando
reflexões comparativas entre os países integrantes do BRICS.

MPMA Ministério Público


2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
resolutividade das demandas sociais 31
do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

2 ESTADO, VIOLÊNCIA E CIDADANIA

Vera da Silva Telles (1999, p. 85) faz uma análise da diferença de acesso a direitos
e condições de vida entre trabalhadores e capitalistas, apontando para o fato de que a
maioria da população possui apenas a venda da sua força de trabalho como meio para
garantir a sobrevivência. Com base nisso, salienta a necessidade de se entender as
causas das desigualdades e buscar formas de superá-las, bem como de analisar o que
essas desigualdades produzem na subjetividade dos homens.

Bergalli e Ramirez (2015, p. 209) esclarecem que A sociedade é um espaço de


disputa entre diferentes grupos, cada um com seus próprios interesses. Esses grupos
lutam para impor suas pretensões, o que gera conflitos. Por essa razão, a ordem social
não é baseada no consenso, mas sim na coerção. A história das sociedades é marcada
por vitórias e derrotas de grupos particulares. No Brasil, não foi diferente. A sociedade
brasileira foi construída a partir de conflitos entre diferentes grupos, como portugue-
ses, indígenas, africanos e imigrantes.

O professor Thiago Allisson Cardoso de Jesus (2020, p. 77) esclarece que:

A colonização para exploração; a imposição de valores morais e religiosos em detrimento


do multiculturalismo existente pela presença dos diversos povos aqui já habitantes; e o
processo de catequização que destituía e fragilizava a história dos sujeitos são notas das
primeiras práticas violentas em solo brasileiro. Qualquer movimento de resistência ou de
manifestação de descontento eram fortemente reprimidos e os dominados pela violência
simbólica eram submetidos às perversas práticas de violência real, direta, ilegítima, com fins
específicos de contenção, castigo e aniquilamento. Os processos de exclusão na sociedade
brasileira foram caracterizados pelas práticas violentas perpetradas em virtude da ausência
de tolerância e de respeito às diversidades, considerando o outro aquele que seria diferente
às elites que dominavam a constituição do tecido social e a organização político territorial e
que, por seu turno, supostamente representavam uma ameaça à manutenção do status quo
e à conservação do patrimônio e das estruturas conservadoras do país.

Exatamente por isso, diversos grupos sociais tiveram sua condição de sujeitos
de direito negada e fragilizada. Ficou demarcado, então, um crescimento econômico
pautado na privatização dos lucros e socialização dos prejuízos, com a emergência das
desigualdades sociais, do desemprego e da sociedade de insegurança.

Não há dúvidas sobre a forte e visceral intersecção e mútua implicação entre os


indicadores de desigualdade (pobreza/vulnerabilidade econômica) e as taxas de homi-

32 2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à MPMA Ministério Público


resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

cídio, bem como as consequências sistêmicas entre esses indicadores e os índices edu-
cacionais de baixa qualidade e insuficiente correspondência com a inserção no mer-
cado (SEN, 2008). A multidimensionalidade da pobreza não se enfrenta apenas com
estratégias monetárias (SEN, 2010).

Após o violento processo de colonização para exploração descrito acima, observa-


-se o fenômeno do surgimento das sociedades de massa. Bobbio, Matteucci e Pasqui-
no (2010, p. 283) ensinam que esse fenômeno trouxe novas demandas que não foram
supridas, tornando-se incontroláveis, ao passo que acabaram por se tornar parte da
agenda pública. Eles discutem sobre a importância dos meios de controle social, en-
tendidos como:

o conjunto de meios de intervenção, quer positivos quer negativos, acionados por cada so-
ciedade ou grupo social a fim de induzir os próprios membros a se conformarem às normas
que a caracterizam de impedir e desestimular os comportamentos contrários às menciona-
das normas, de restabelecer condições de conformação, também em relação a uma mudan-
ça no sistema normativo.

Já sobre os mecanismos de controle social manifestados no Brasil, o professor


Thiago Allisson Cardoso de Jesus (2020) destaca que:

Considerando o estado como estrutura-estruturante percebeu-se que a forma como o Le-


viatã Brasileiro se manifesta é também condicionada, dialeticamente, por aqueles que foram
alcançados pela cultura do controle de base institucionalizada, cujo ápice da personificação
é o sistema de justiça criminal, verdadeiro mecanismo de subsistema de controle social que,
condicionado à lógica do capital, atuou a partir das estratégias apropriadas à configuração
de uma sociedade punitiva nos moldes foucaultianos legitimando a segregação, o etique-
tamento, a punição exacerbada, o recrudescimento penal e a neutralização da condição de
sujeitos e seus discursos correlatos.

Como é sabido, o Brasil vivenciou uma ditadura militar violenta e arbitrária que du-
rou de 1 de abril de 1964 até 15 de março de 1985. Em seguida, passou por um proces-
so de redemocratização em que foi promulgada, em 1988, a Constituição da República
Federativa do Brasil. A Constituição de 1988, implementou o Estado Democrático de
Direito no Brasil, trazendo os princípios do sistema de direitos fundamentais, da justiça
social, da igualdade e da legalidade, entre outros.

Em suma, a também chamada “Constituição Cidadã” tem por maior objetivo a


proteção dos direitos e garantias dos cidadãos, a igualdade e o respeito ao sistema de-

MPMA Ministério Público


2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
resolutividade das demandas sociais 33
do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

mocrático. Portanto, o Estado Brasileiro deve atuar pautado nas leis que tanto limitam
a sua atuação, como as justificam.

Contudo, a redemocratização do Brasil não foi suficiente para superar as heranças


da ditadura militar na segurança pública. O modelo policial brasileiro ainda é baseado
na atuação militarizada do Estado, pautada na banalização da brutalidade policial e em
desarmonia com os direitos humanos. Essa herança se deve ao fato de que a segurança
pública foi formulada sem participação popular. Como resultado, observa-se a crimina-
lização da pobreza e o etiquetamento social, a intolerância ao pluralismo e a desigual-
dade no acesso à Justiça.

O paradoxo entre democracia, resquícios e ranços autoritários no Brasil foi refletido


por Paulo Sérgio Pinheiro (1997) apud Thiago Allisson Cardoso de Jesus (2020, p. 82):

Esses acontecimentos contrastantes mostram que o governo não teve sucesso em trans-
formar muitas práticas arbitrárias de suas instituições ou em impor as restrições esperadas
ao monopólio estatal da violência legal. O Brasil, assim, ilustra o problema que as novas
democracias enfrentam ao aumentar o fosso entre o aperfeiçoamento político do Estado e
sua persistente violação dos direitos econômicos, sociais e civis. Essas práticas conflitantes
mostram o desafio que os países em desenvolvimento enfrentam ao estabelecer conexões
entre esferas heterógenas de poder - valores democráticos continuam a coexistir com va-
lores autoritários.

Para reduzir a distância entre a realidade violenta e o que se pretende alcançar


enquanto civilização, é preciso repensar o processo democrático brasileiro no sentido
de fortalecer os instrumentos de participação direta dos cidadãos na elaboração de
políticas públicas, estreitando a relação entre os Governos e a sociedade. Nessa linha,
Cássius Guimarães Chai e Igor Martins Coelho Almeida (2014) defendem que:

(...) presencia a sociedade pátria um momento de abalo e crise no sistema de democracia


representativa no país, evidenciando que o sistema político nacional e o modelo de de-
mocracia adotado atualmente não correspondem mais aos anseios da população. Assim,
é preciso conceber um novo modelo de democracia para este início de século, galgado na
participação popular, no debate institucional ou nas ruas e na interação pública.

De fato, uma maior participação direta da sociedade brasileira no processo de


discussão e construção de políticas públicas tem sido um desafio após a redemocrati-
zação, sobretudo com relação à segurança pública. Aliás, o mandamento constitucional
expresso no artigo 144 é no sentido de que a política de segurança pública é um direi-

34 2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à MPMA Ministério Público


resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

to da sociedade e responsabilidade de todos. Sobre a elaboração de políticas públicas


na área de segurança pública, Cassius Guimarães Chai e Igor Martins Coelho Almeida
(2014) elencam que:

Como compromisso estatal para o enfrentamento da violência e a garantia da segurança


pública, somente no ano de 2000 foi criado pelo Governo Federal o I Plano Nacional de
Segurança Pública (PNSP), ainda que construído pelo governo federal sem consulta ou o
envolvimento direto da sociedade civil na discussão. Um passo seguinte no processo de
construção de uma política de segurança pública mais aberta ao diálogo com a sociedade
civil foi a elaboração do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONAS-
CI). Tal Programa, diferente do PNSP, propõe intervir nas causas da criminalidade, com foco
principal na juventude. O PRONASCI também ressaltou a importância da participação dos
municípios enquanto agentes capazes de possibilitar a implementação de políticas públicas
preventivas ali descritas. Como exemplo principal, a criação dos conselhos municipais de se-
gurança pública, que configura um legítimo canal de diálogo entre a sociedade e as comuni-
dades locais para a definição de estratégias a nível local. As políticas previstas no programa
estão em consonância com alguns dos modelos de segurança pública apresentando ten-
dências transformadoras para um policiamento e uma política de segurança comprometida
com o regime democrático e o respeito aos direitos humanos.

É imperioso chamar atenção para o fato de que o PRONASCI foi elaborado duran-
te um governo progressista mais alinhado com os princípios da esquerda, o governo
do Partido dos Trabalhadores. Contudo, ainda que o PRONASCI tenha proporcionado
avanços na discussão sobre segurança pública, os índices de violência no Brasil conti-
nuam alarmantes, conforme demonstrado na introdução do presente trabalho.

É importante destacar que, recorrendo a uma metodologia comparativa de dados


com as variáveis taxa de homicídio, índice Gení e taxa de analfabetismo, dos países do
BRICS, o Brasil se encontra com a maior taxa de mortes violentas e segunda maior taxa
de analfabetismo da população com menos de 15 anos.

Cabe destacar que, recorrendo a uma metodologia comparativa de dados com as


variáveis taxa de homicídio, índice Gení e taxa de analfabetismo, dos países do BRICS, o
Brasil se encontra com a maior taxa de mortes violentas e segunda maior taxa de anal-
fabetismo da população com menos de 15 anos.

MPMA Ministério Público


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do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

TABELA I: Comparativo BRICS

Taxa de pobreza (porcentagem Taxa de analfabetismo


Taxa de homicídios (por
País da população vivendo com (porcentagem da popula-
100 mil habitantes)
menos de US$ 1,90 por dia) ção com 15 anos ou mais)
Brasil 27,8 (2018) 1 4,4 (2019) 6,6 (2019)
Rússia 9,2 (2018) 0,1 (2019) 2,7 (2018)
Índia 3,5 (2018) 21,9 (2011) 28,5 (2018)
China 0,5 (2018) 0,5 (2016) 3,6 (2018)
África do Sul 36,4 (2018/19) 18,9 (2015) 4,7 (2020)
Taxa de pobreza (porcentagem Taxa de analfabetismo
Taxa de homicídios (por
País da população vivendo com (porcentagem da popula-
100 mil habitantes)
menos de US$ 1,90 por dia) ção com 15 anos ou mais)
Brasil 25,3 (2022) 3 3,9 (2022) 6,2 (2022)
Rússia 8,7 (2022) 0,1 (2022) 2,6 (2022)
Índia 3,4 (2022) 19,8 (2022) 27,3 (2022)
China 0,5 (2022) 0,4 (2022) 3,5 (2022)
África do Sul 35,8 (2022/23) 17,8 (2022) 4,5 (2022)

Fonte: Fonte: Elaboração própria (BBC; BRASIL; IPEA; WORLD BANK; UNESCO)

Da tabela acima, verifica-se que os dados brasileiros quanto à redução de taxas


de homicídios, pobreza e analfabetismo contemporaneamente são incipientes, o que
permite inferir a existência de sua correlação sistêmica.

Das duas tabelas acima, verifica-se que os dados brasileiros quanto à redução de
taxas de homicídios, pobreza e analfabetismo contemporaneamente, o que permite
inferir a existencia de sua correlação sistêmica.

Não se pode negar que a política de segurança pública, quando elaborada com am-
pla participação da sociedade civil, pode ser indutora da redução dos índices de violência
no Brasil. No entanto, um modelo de segurança pública baseado na participação popular,
tanto na sua elaboração quanto na sua execução, demanda alterações estruturais no atu-
al modelo bastante militarizado e voltado especialmente para o policiamento ostensivo.

Mas, também, é oportuno afirmar que uma política nacional de segurança pública
não é, ne legitima, nem democrática, se ela se dirige a um processo de higienização da

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

pobreza com uma escolha pelo encarceramento de massas. Brasil se mantém na 26ª
posição em ranking dos países que mais prendem no mundo.É decisivo que as políticas
de segurança pública se desenhem de forma integrada com uma visão de conjuntura
das determinantes sociais, educação, trabalho e desenvolvimento social. (CHAI, 2021).

Resta claro que a política pública de segurança necessita ser aprimorada e, com
base nisso, foi formulado o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, ins-
trumento que objetiva reduzir os índices de violência e criminalidade até o ano de 2030.

3 PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL 2021-2030

Para atingir o seu objetivo, o Plano define os objetivos, ciclos de implementação e


metas. Também estabelece as Ações Estratégicas a serem tomadas e como devem se
dar a governança, monitoramento, avaliação e gerenciamento dos riscos, além de es-
clarecer sobre as orientações aos entes federativos.

Dentre as Ações Estratégicas elencadas pelo Plano Nacional de Segurança Pública


e Defesa Social, há a Ação Estratégica 5 que trata sobre “Qualificar o combate à cor-
rupção, à oferta de drogas ilícitas, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a
implementação de ações de prevenção e repressão dos delitos dessas naturezas”, onde
deve ser observado, dentre outros, o seguinte quesito: “f. Estimular a colaboração com
o Ministério Público para o exercício do controle externo da atividade policial”.

Antes de investigar o “quesito f” da “Ação Estratégica 5”, é indispensável debater


sobre a ideologia por trás do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, qual
seja, a “Ideologia da Defesa Social”. Destaca-se que o Plano Nacional de Segurança Pú-
blica e Defesa Social foi elaborado durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, presi-
dente mais alinhado à extrema direita e que, durante vários momentos da sua carreira
política, fez discursos defendendo a ditadura militar.

Dentre as várias falas marcantes do ex-deputado e ex-presidente, destaca-se a


homenagem prestada ao ex-chefe dos centros de tortura e assassinato de pessoas que
se opunham à ditadura militar, o DOI-CODI do II Exército (de 1970 a 1974), durante a
votação sobre o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. O discurso do ex-
-presidente sobre segurança pública também se notabilizou por falas contra os direi-
tos humanos como, por exemplo, “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos
para humanos direitos”.

MPMA Ministério Público


2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
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do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

A ideologia por trás desse discurso é definida por Alessandro Baratta (2002, p. 41-
44) como “Ideologia da Defesa Social”, cujos princípios norteadores seriam o princípio
da culpabilidade; do interesse social e do delito natural; da legitimidade; da igualdade;
da prevenção; e princípio do bem e do mal. A soma dos princípios citados resultaria na
crença de que esse é o caminho para uma sociedade sem criminalidade.

Em suma, essa teoria trata o crime como um fenômeno de massa que deve ser
combatido pelo Estado, a fim de proteger a sociedade. Ela tem como premissa que o
criminoso é um perigo para a sociedade e que, portanto, deve ser isolado ou controla-
do. A teoria surgiu no século XIX, em um contexto de expansão do capitalismo e da in-
dustrialização. No Brasil, essa teoria foi adotada durante a ditadura militar (1964-1985),
o que resultou em uma política de segurança pública repressiva e que violou os direitos
humanos.

Como consequência, os indivíduos cada vez mais defendem a radicalização das


punições e a relativização da aplicação de direitos humanos. Segundo Débora Regi-
na Pastana (2006, p. 95), está sendo difundida uma crença de que o atual momento é
de aumento da criminalidade violenta e da crença de que posturas autoritárias estão
sendo legitimadas para solucionar esse problema. Ela acrescenta que a soma do senso
comum com a violência criminal conserva uma forma de dominação autoritária que só
funciona com o enfraquecimento da cidadania.

A “Ideologia da Defesa Social” consiste em um reforço à essa ideia de que posturas


autoritárias são a solução para o problema da criminalidade violenta. Infelizmente, gran-
de parte da população brasileira é entusiasta dessa ideia e diariamente são bombardea-
dos por programas de TV que se utilizam do populismo penal midiático para lucrar com a
audiência, porém sem atentar para as consequências de difundir essa ideologia.

Aliás, já é possível notar algumas consequências, como a seletividade do sistema


de justiça criminal, com a escolha de bens jurídicos derivados da relação de proprieda-
de das elites econômicas; o reforço da já citada seletividade judicial e estigmatização
de classes marginalizadas e até mesmo a perseguição dos indivíduos que não são úteis
para o processo de produção (SANTOS, 2006, p. 699).

Não se nega que a defesa social é uma ideologia bastante sedutora que se baseia
na ansiedade da sociedade para se defender do crime, ao passo que aprimora o sistema
repressivo com atributos de legitimidade. Com a defesa social, o sentimento é de que o

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

aumentando as punições a justiça será alcançada. Ou seja, a cultura do medo por trás
da “Ideologia da Defesa Social” vende perigos imaginários como reais, o que justifica as
formas de defesa, por vezes arbitrárias e violentas, do Estado contra o cidadão.

A ascensão global da extrema direita trouxe consigo o discurso midiático de que


o recrudescimento penal é necessário para manter a ordem, legitimando a atuação in-
vasiva do Estado em detrimento dos direitos fundamentais previstos. Senão vejamos,
essa retórica que defende a política de combate, de exaltação das forças armadas, e de
criminalização das classes marginalizadas, mais notadamente o negro e o pobre, trata-
-se de terra fértil para a emergência do autoritarismo.

Porém, no Brasil vigora o Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual preser-
var a ordem pública significa garantir a legalidade e coibir ações policiais contrárias aos
direitos humanos fundamentais. Agir de forma contrária implica na transgressão da
ordem pública cujo objetivo das ações policiais seria garantir.

Tendo em vista que a Política de Segurança Pública é assunto complexo, em que


vários agentes sociais precisam estar envolvidos para superar esse quadro de bastante
criminalidade e violência institucional, o presente trabalho objetiva se ater ao controle
externo da atividade policial pelo Ministério Público.

Nessa linha, se faz necessário delinear como se dá o controle externo da atividade


policial e o seu fundamento constitucional, enquanto parte da Ação Estratégica 5, que-
sito: “f. Estimular a colaboração com o Ministério Público para o exercício do controle
externo da atividade policial”.

4 INSTRUMENTOS DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MI-


NISTÉRIO PÚBLICO

Com muita tristeza, reconhece-se que ocorrem brutalidades no âmbito da atuação


policial, o que configura grave violação ao sistema de direitos humanos. Ademais, res-
ta patente que essa violência atinge sistematicamente o mesmo recorte populacional,
qual seja negros, jovens, pessoas de baixa renda e baixa escolaridade.

Por conta disso, a Dinamarca se manifestou no Alto Comissariado das Nações


Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), em relatório intitulado Universal Periodic
Review – UPR, recomendando que o Brasil se dirija para extinção do sistema indepen-

MPMA Ministério Público


2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
resolutividade das demandas sociais 39
do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

dente de polícia militar (ONU, 2012). Segue o texto: “ (...) 119.60. Work towards abo-
lishing the separate system of military police by implementing more effective measures
to tie State funding to compliance with measures aimed at reducing the incidence of
extrajudicial executions by the Police. (Denmark)”.

Em síntese, afirmam que o Brasil precisa trabalhar para abolir o sistema indepen-
dente de polícia militar implementando medidas mais efetivas para assegurar finan-
ciamento estatal para cumprimento de medidas destinadas à redução da incidência de
execuções extrajudiciais pela polícia. Baseado nessas razões, conclui-se que o Ministé-
rio Público necessita exercer uma intervenção ativa acerca do tema.

O Ministério Público é a instituição responsável por realizar o controle externo da


atividade policial, em virtude de mandamento constitucional expresso, devendo fiscali-
zar as ações policiais em prol da sociedade consoante redação do art. 129, VII, da CRFB,
que estabelece ser função institucional do Ministério Público: “exercer o controle exter-
no da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior”.

Além da CRFB, há a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Nº 8.625/93)


que em seu art. 27, p.ú., I, estabelece que cabe ao Ministério Público “receber notícias
de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apu-
rações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas”. Da leitura,
fica visível a exigência de que o Ministério Público proponha soluções adequadas aos
problemas, participando do debate democrático com a finalidade de concretizar as po-
líticas públicas sob a sua fiscalização.

Também há a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/1993) que prevê
a atuação do Ministério Público da União no controle de políticas de segurança públi-
ca, em seu art. 5º, II, “e”, com a seguinte redação: “Art. 5º São funções institucionais do
Ministério Público da União: II - zelar pela observância dos princípios constitucionais
relativos: e) à segurança pública;”.

E o art. 3º da LC 75/1993, que estabelece as finalidades do controle externo da


atividade policial nos seguintes termos:

Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo
em vista:

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

(a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamen-
tais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais,
bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;

(b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;

(c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;

(d) a indisponibilidade da persecução penal;

(e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.”

Por sua vez, o art. 9º da mesma lei determina as medidas judiciais e extrajudiciais
pelas quais o Ministério Público exercerá o controle externo da atividade policial:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;

II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão
indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omis-


são ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

V - promover a ação penal por abuso de poder.

Somado a isso, é salutar elencar as regulações do CNMP sobre a instituição de


núcleos de combate à violência, como a Resolução 20/2007 do CNMP que disciplina
o controle externo da atividade policial. Em seu art. 3º, II, está recomendada a criação
de órgãos especializados no tema: “Art. 3º O controle externo da atividade policial será
exercido: II - em sede de controle concentrado, através de membros com atribuições
específicas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âm-
bito de cada Ministério Público”.

Nesse sentido, o Ministério Público deve construir uma especialização no controle


da referida política pública, como ocorre, por exemplo, na seara ambiental, de saúde e
na assistência às crianças e adolescentes.

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do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

Em atenção ao art. 3º, II da Resolução 20/2007 do CNMP, com as atribuições de


realizar inspeções periódicas nas delegacias, acompanhar os inquéritos policiais, ins-
taurar procedimentos administrativos para apurar irregularidades, recomendações aos
órgãos policiais, requisição de informações e representação por medidas judiciais, fo-
ram instituídos os seguintes órgãos no âmbito dos Ministérios Públicos dos estados:

Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial – NCEAP: Resolução nº 01/2010-


PGJ/AC, Resolução nº 001/2015-PGJ/RO, Resolução nº 001/2015-PGJ/TO, Resolução nº
001/2015-PGJ/MS, Resolução nº 001/2015-PGJ/AP, Resolução nº 01/2016-CSMP/CE e
Resolução nº 001/2016-CSMP/DF. Núcleo Especializado no Controle Externo da Ativi-
dade Policial – NECEP: Resolução nº 001/2015-PGJ/MA, Resolução nº 001/2015-PGJ/
GO e Resolução nº 001/2015-PGJ/MT. Grupo Especializado no Controle Externo da Ati-
vidade Policial – GECEP: Resolução nº 001/2015-PGJ/PR, Resolução nº 001/2015-CSMP/
AL, Resolução nº 001/2015-PGJ/MG, Resolução nº 001/2015-CSMP/BA e Resolução nº
001/2016-PGJ/ES. Grupo de Atuação Especial no Controle Externo da Atividade Policial –
GACEP: Resolução nº 003/2017-PGJ/AM. Grupo de Atuação Especial da Segurança Públi-
ca e Controle Externo da Atividade Policial – GAESP: Resolução nº 1.516/2022 - PGJ/SP.

O ideal é que esses órgãos contem com equipes formadas não só por promotores,
mas também por psicólogos e assistentes sociais, dentre outros, bem como é essencial
a constante capacitação e treinamento desses profissionais com o objetivo de que os
núcleos funcionem com efetividade e eficiência.

Com base no exposto acima, pode-se afirmar que o controle externo da ativida-
de policial exercido pelo Ministério Público diz respeito ao policiamento de segurança
pública em geral, podendo ser incidental ao inquérito policial ou relacionando-se com
a proibição de excessos e de ineficiência, intervindo em casos de arbitrariedade com
o foco na prevenção de práticas abusivas e responsabilizando os que cometerem tais
atos. Nessa linha, o membro do Ministério Público Thiago A. Pierobom de Ávila (2020)
, classifica a atuação do Ministério Público em cinco nichos:

(i) controle procedimental do inquérito policial para a eficiência da investigação criminal (di-
reção mediata derivada da titularidade da ação penal);

(ii) controle procedimental do inquérito policial para a não arbitrariedade da investigação


criminal (função de fiscal da legalidade constitucional);

(iii) controle extraprocessual de eficiência da investigação criminal;

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
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(iv) controle extraprocessual de eficiência das políticas de segurança pública; (v) controle
extraprocessual de não arbitrariedade da investigação criminal e do policiamento de segu-
rança pública (prevenção e responsabilização).

É a partir dessa atuação que se elucidam os padrões de comportamentos poten-


cialmente lesivos de direitos fundamentais, bem como se previne a reiteração desses
comportamentos. Para tanto, é necessário que a atuação do ministério público esteja
baseada na continuidade, numa mensuração de efetividade e focada nas causas dos
comportamentos lesivos.

No entanto, Thiago A. Pierobom de Ávila (2020) esclarece que a atuação do Par-


quet ainda está aquém do necessário. Senão vejamos:

Infelizmente, são raras (se é que existem) as audiências públicas promovidas pelo Ministé-
rio Público para discutir problemas de segurança pública, e reputo ser inexistente qualquer
relatório público anual do Ministério Público nesse tema, que realize uma análise global da
situação, aponte as possíveis soluções indicadas pelos especialistas, proponha as medidas
que já se mostram viáveis, se proponha a monitorar a evolução de tais políticas e se coloque
como um interlocutor qualificado no debate democrático da segurança pública, atuando
como um “promotor de accountability”. De forma geral, o Ministério Público brasileiro tem
sido omisso em exercer de forma adequada a fiscalização das políticas de segurança públi-
ca, fortalecendo o caráter democrático e comprometido com os direitos fundamentais que
deveria guiar a execução desse serviço público.

Resta claro, portanto, que cabe ao Ministério Público, após mais de 30 anos des-
de que a Constituição cidadã passou a vigorar, se organizar de forma adequada com o
fim de exercer atribuição tão relevante que é o controle externo da atividade policial.
Assim, o que se espera é a promoção de reformas que impossibilitem a reiteração dos
ilícitos cometidos pelos agentes de segurança pública no Brasil, além de uma atuação
adequada na fiscalização das políticas de segurança pública.

5 CONCLUSÃO

Conforme se ressaltou no presente estudo, há índices alarmantes que denunciam


as graves distorções sociais existentes no Brasil. Também se observou que as causas
para essas distorções podem ser encontradas no histórico de exploração que o país so-
freu, desde a sua colonização até a mais recente ditadura militar. Durante esse período,
foi legitimada a neutralização da condição de sujeitos daqueles que eram considerados

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diferentes às elites que dominavam o tecido social, com o objetivo de preservar o pa-
trimônio e o status quo das estruturas conservadoras do Brasil.

Imperioso ressaltar que durante esse período uma parte significativa da popula-
ção teve sua condição de sujeitos de direito negada e fragilizada, mais notadamente o
preto e o pobre. Até hoje, essa parcela da população sofre com o etiquetamento social,
em que um dos resultados é a violência policial combatida no presente trabalho.

Com o advento da Constituição Cidadã de 1988 objetivou-se implementar o Es-


tado de Direito, que pode ser indicado na forma de dois princípios essenciais: respon-
sabilização dos agentes estatais e canais de participação democrática. Nessa linha,
planos de segurança pública foram propostos para reduzir os índices de violência do
Brasil, com destaque para o mais recente Plano Nacional de Segurança Pública e Defe-
sa Social, cuja ideologia por trás do plano representa um retrocesso nos debates sobre
a construção de uma política de segurança pública cidadã.

O alerta é no sentido de que a cultura do medo por trás da “Ideologia da Defesa


Social” justifica as formas de defesa, por vezes arbitrárias e violentas, do Estado contra
o cidadão. A soma do senso comum com a violência criminal conserva uma forma de
dominação autoritária que só funciona com o enfraquecimento da cidadania.

Para a construção de uma política de segurança pública cidadã no Brasil é neces-


sário o envolvimento de diversos atores sociais. Nessa perspectiva, o presente artigo
buscou ater-se mais especificamente no combate à violência policial, motivo pelo qual
foram investigadas as normas e estratégias adotadas pelo Ministério Público no que
tange ao exercício do controle externo da atividade policial, com o fim de que a ativida-
de policial seja eficiente sem ser arbitrária.

As principais normas que regulamentam o controle externo da atividade policial


pelo Ministério Público são a Constituição Federal, a Lei Orgânica Nacional do Ministé-
rio Público, a Lei Complementar 75/1993, a Resolução 20/2007 do CNMP e as resolu-
ções dos conselhos superiores dos ministérios públicos estaduais.

Assim, o presente estudo buscou identificar medidas que possam fortalecer a atu-
ação do Parquet no controle externo da atividade policial. Uma possibilidade palpável
é a capacitação dos núcleos estaduais especializados no controle externo da atividade
policial, o que certamente contribuiria para fortalecer a atuação do Ministério Público
nessa seara, sem onerar significativamente os cofres públicos.

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N° 1

Outra estratégia possível é a criação de ouvidorias formadas por uma equipe multi-
disciplinar de profissionais dentro dos próprios Departamentos de Polícia, com o obje-
tivo de receber feedbacks da população acerca do comportamento dos policiais. Cam-
panhas de conscientização sobre a necessidade de se denunciar as violações e abusos
cometidos por policiais também é uma medida cabível e realizável.

Por fim, uma ação essencial consiste na realização constante de discussões com a
finalidade de promover a cooperação entre diversas instituições envolvidas na seguran-
ça pública através do compartilhamento de informações e de discussões relacionadas à
segurança pública. Acredita-se que essa providência pode fortalecer a cooperação en-
tre diferentes setores da sociedade comprometidos com segurança pública, com baixo
custo para o estado.

O Estado Brasileiro deve buscar romper com o atual status das políticas de segu-
rança pública, já que aprimorar essas políticas consiste em condição sem a qual não
será possível progredir socialmente, nem alcançar um melhor patamar no processo ci-
vilizatório do país.

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46 2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à MPMA Ministério Público


resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

Rebecca Aguiar
Eufrosino da Silva
de Carvalho

Advogada. Area de atuação: Direito Mi-


litar, Direito Penal, Direito Civil. Foi assesso-
ra jurídica do Comandante-Geral do Pessoal
Alexandre Reis de Carvalho do Comado da Aeronáutica responsável pela
assessoria jurídica que implantou o creden-
Promotor de Justiça Mi- ciamento da saúde na Força Aérea. Pós-Gra-
litar em Curitiba/PR Coorde- duada em Direito da Administração Pública,
nador do Projeto Social “Mais em Docência do Ensino Superior e em Di-
que Vencedores”. Doutoran- reito Militar. Pós-Graduada em Gastronomia
do em Direito Constitucional. Autoral. Diplomada na Escola Superior de
(Instituto Brasileiro de Inova- Guerra (ESG) no Curso de Direito Interna-
ção, Desenvolvimento e Pes- cional dos Conflitos Armados (CDICA), Cur-
quisa (IDP), campus Brasília/ so Superior de Política (CSUPE) e Tutoria em
DF. Mestre em Direito. (Uni- Ensino à Distancia. Professora no curso de
versidade Católica de Brasília - Pós Graduação de Direito Militar para Ma-
UCB, campus Brasília/DF. Área gistrados em Angola na disciplina O Direito
do Direito: Constitucional; Pe- de Defesa na Justiça Militar brasileira (JMU
nal; Penal Militar). e justiças militares estaduais) Idealizadora e
colaboradora do Projeto Mais que Vencedo-
res. Colaboradora no Projeto Pães na África.

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do Estado do Maranhão
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N° 1

BOAS PRÁTICAS E LIÇÕES APRENDIDAS NA ATUAÇÃO


RESOLUTIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR PARA A
PREVENÇÃO DE CRIMES MILITARES ENVOLVENDO DROGAS
POR JOVENS MILITARES

GOOD PRACTICES AND LESSONS LEARNED IN THE


RESOLUTIVE ACTION OF THE MILITARY PROSECUTION
OFFICE FOR THE PREVENTION OF MILITARY CRIMES
INVOLVING DRUGS BY MILITARY YOUNG PEOPLE

RESUMO: Este trabalho propôs-se a apresentar o projeto social “Mais que Ven-
cedores” como experiência positiva de atuação resolutiva do Ministério Público Militar
no desenvolvimento de ações preventivas ao uso de substâncias entorpecentes por
jovens militares. Este estudo qualitativo e quantitativo foi realizado por meio de revisão
bibliográfica e de análise documental a respeito das várias experiências produzidas no
âmbito de atuação da Procuradoria de Justiça Militar em Curitiba/PR, valendo-se, para
tanto, de conceito, técnica e reflexões teóricas a respeito da psicodinâmica do trabalho
militar e das políticas públicas nacionais sobre drogas. Os dados obtidos após 7 anos
de trabalho, por meio de pesquisa reativa e etnográfica demonstram que a implantação
do projeto social resultou em melhoria transversal do convívio laboral, relacionamento
social, disciplina e rendimento no aprendizado. A articulação interagências na condução
do projeto social mostrou-se potencialmente viável, tanto logística (autossustentável
com os meios humanos disponíveis na localidade) quanto economicamente (trabalho
voluntariado), para sensibilização e desenvolvimento cultural naquele micro realidade
social para a formação (e proposição espontânea) de uma política pública setorial (For-
ças Armadas) de prevenção ao uso de drogas para jovens militares federais.

Palavras-chaves: Drogas. Forças Armadas. Projeto Social. Prática Resolutiva. Mi-


nistério Público.

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ABSTRACT: This work proposes to present the social project “Mais que Venceores”
as a positive experience of resolutive action by the Military Public Prosecutor’s Office in
the development of preventive actions against the use of narcotic substances by you-
ng military personnel. This qualitative and quantitative study was carried out through
a bibliographical and documentary review regarding the various experiences produced
within the scope of the Military Justice Prosecutor’s Office in Curitiba/PR, using, for this
purpose, the concept, technique and theoretical reflections regarding the psychody-
namics of military work and national public policies on drugs. The data obtained after
7 years of work, through reactive and ethnographic research, demonstrate that the
implementation of the social project resulted in a transversal improvement in working
life, social relationships, discipline, and learning performance. The interagency articu-
lation in conducting the social project proved to be potentially viable, both logistically
(self-sustainable with the human resources available in the locality) and economically
(volunteer work), for raising awareness and cultural development in that micro social
reality for training (and spontaneous proposition) of a sectoral public policy (Armed
Forces) to prevent drug use among young federal soldiers.

Keywords: Drugs. Armed forces. Social project. Resolutive Practice. Prosecutor’s


Office.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Direitos Fundamentais, Políticas Públicas sobre drogas


e a atuação resolutiva do Ministério Público. 3. Desenvolvimento e execução do projeto
social “Mais que Vencedores”. 3.1. Situação-problema. 3.2. Expectativas dos patroci-
nadores e interessados no projeto. 3.3. Escopo do projeto. 3.3.1. Avaliação do projeto
(indicadores). 3.4. Metodologia de intervenção. 3.5. Discussão e desdobramentos do
projeto-piloto. 4. Considerações finais. 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O cenário jurídico-laboral das Forças Armadas é amplamente peculiar. No Brasil,


dezenas de milhares de jovens são incorporados, anualmente, aos efetivos da Marinha,
Exército e Aeronáutica para realizar o serviço militar obrigatório, pelo período de um
ano, num sistema funcional organizado com base na hierarquia e disciplina militar, em
que a Pátria é bem jurídico superior à própria vida (i.e., em tempo de guerra, a “traição”
e a “cobardia” são punidas com a pena de morte).

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Pesquisa científica descritiva realizada pela Escola Nacional de Formação e Aper-


feiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (ENAJUM, 2015), com a fina-
lidade de conhecer com maior profundidade os quatro crimes militares de maior inci-
dência naquela Justiça, suas principais características e o perfil dos envolvidos revelou
que o número de crimes relativos ao “tráfico ou posse de substâncias entorpecentes ou
de efeito similar” (art. 290 do CPM) teve acentuada elevação no período compreendi-
do entre 2002 a 2012. A taxa de crescimento nacional foi da ordem de 18,45% ao ano;
enquanto o aumento percentual, nesse período, totalizou 200%. Ao se incluir, nesse es-
tudo, os anos de 2013 e 2014, verifica-se a tendência exponencial desse crescimento,
alcançando aumento de 337,5%, nos últimos 12 anos (2003-2014), consoante revelou
Stochero (2015).

Um esboço do perfil dos envolvidos nesse tipo de injusto penal revelou que: 99%
são homens; 98% são cabos ou soldados; 85% têm no máximo 21 anos; e 52% têm no
máximo o ensino fundamental completo.

Além dos já conhecidos malefícios que o tráfico e uso de substância entorpecente


ou de efeito similar (drogas1) podem causar à economia, segurança pública e saúde (pes-
soal e pública), a referida pesquisa ainda constatou que, em 36% dos casos (ações penais
militares), os envolvidos estavam de serviço no momento do crime e, em 20% das ocor-
rências, os militares estavam armados, no momento do flagrante e apreensão da droga.

A partir desse cenário, de crescimento contínuo da prática do delito previsto no


art. 290 do CPM por jovens militares e consequente responsabilização penal2 (conde-
nação à pena de reclusão), o presente artigo caracterizado metodologicamente como
qualitativo, quantitativo, etnográfico e de revisão bibliográfica e documental, acerca de
“projeto social” e seus pressupostos teóricos (GOLDENBERG, 1999; SILVA e MENEZES,
2005) apresentará o papel do Ministério Público como corresponsável pela tutela e di-

1 O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas alterou a nomenclatura (desatualizada) “substância
entorpecente ou que determine dependência física ou química” para “drogas”.
2 No campo jurídico, em que pese o desigual tratamento conferido pelas legislações pátrias (Código Penal Militar;
e Lei nº 11.343/2006), quando o “ tráfico ou a posse de substância entorpecente”, ainda que de pequena
quantidade, ocorrer em local sujeito à administração militar ou por militar de serviço, as jurisprudências do STM
e STF comungam do entendimento de que os “institutos despenalizadores” contidos na lei geral (nº 11.343/06)
não prevalecem sobre as hipóteses configuradoras do crime militar (artigos 9º e 290 do Código Penal Militar),
uma vez que os bens jurídicos tutelados pela norma penal militar extrapolam a incolumidade pública, alcançando
e lesionando expressivamente a hierarquia e disciplina militar, assim como a regular organização, preparo e
emprego das Forças Armadas (STF. Órgão Pleno. Habeas Corpus nº 103.684/DF).

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fusão dos direitos fundamentais nas relações jurídico-sociais no Brasil e, consequente-


mente, como agente legitimado social para atuar, de modo resolutivo3, na indução de
políticas (públicas) de construção e afirmação desses direitos, assim como na preven-
ção e restauração a violações nesse campo, em especial, na prevenção ao crescente uso
de drogas por jovens militares.

A seguir, discorrerá acerca de algumas medidas e atividades desenvolvidas pela


Procuradoria de Justiça Militar em Curitiba/PR (PJM/Curitiba), como agência parceira na
realização de ações resolutivas e de “projeto social” local de “prevenção” ao tráfico, posse
e uso de drogas para jovens militares, do efetivo da Escola de Aprendizes-Marinheiros de
Santa Catarina (EAMSC), com a participação da sociedade civil organizada, nos Estados
do Paraná e de Santa Catarina, e de voluntários (colaboradores e apoiadores).

Por fim, apresentará alguns resultados alcançados com essas medidas de cidada-
nia e prevenção criminal, correlacionando-os com as metodologias e abordagens em-
pregadas, a fim de que possam subsidiar ações resolutivas congêneres e até a adoção
de política pública de âmbito setorial e nacional para as Forças Armadas.

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS E A ATU-


AÇÃO RESOLUTIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição da República de 1988 dotou o Ministério Público de inédito perfil


jusfuncional, estabelecendo novas regras e exclusivas atribuições, tudo para o bom de-
sempenho da “vocação social que lhe foi cometida pelo poder constituinte originário”4,
com o novel Estado de Direito Democrático.

Nas palavras de Jatahy (2012), a Constituição Federal, ao (re)definir a Instituição

3 “Atuação resolutiva é aquela por meio da qual o membro, no âmbito de suas atribuições, contribui decisivamente
para prevenir ou solucionar, de modo efetivo, o conflito, problema ou a controvérsia envolvendo a concretização
de direitos ou interesses para cuja defesa e proteção é legitimado o Ministério Público, bem como para prevenir,
inibir ou reparar adequadamente a lesão ou ameaça a esses direitos ou interesses e efetivar as sanções aplicadas
judicialmente em face dos correspondentes ilícitos, assegurando-lhes a máxima efetividade possível por
meio do uso regular dos instrumentos jurídicos que lhe são disponibilizados para a Resolução extrajudicialou
judicial dessas situações, nos termos da Resolução CNMP 54/2017.” (Fonte: Glossário Eletrônico da Atuação
Resolutiva da Corregedoria Nacional do Ministério Público. Disponível em: «https://www.cnmp.mp.br/portal/
institucional/corregedoria/biblioteca-digital-vade-mecum/glossario». Acesso em: 25/05/2023).
4 JATAHY, C. R. C. 20 anos de Constituição: o novo Ministério Público e suas perspectivas no Estado Democrático
de Direito. In: FARIAS, C. C.; ALVES, L. B. M.; e ROSENVALD, N. (orgs.). Temas atuais do Ministério Público. 3.
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(velha conhecida da sociedade, especialmente em virtude da acusação penal), modifi-


cou- lhe a essência, numa mudança conceitual e paradigmática nunca vista: conferin-
do-lhe nova função institucional, como agente de transformação social, vinculando sua
atuação, primordialmente, à função de órgão agente e defensor direto dos interesses
de relevância social (ombudsman).

Assim, passa o Ministério Público a ter um importante papel como Instituição me-
diadora de conflitos de interesse sociais, sendo constitucionalmente lançado ao exercí-
cio de uma “magistratura ativa na defesa da ordem jurídica-democrática”5.

Para Almeida (2012), é preciso que os integrantes do Ministério Público substitu-


am o modelo ministerial “demandista” (atuante perante o Poder Judiciário, como agen-
te processual, concentrando nesse órgão a resolução dos problemas sociais) pelo mo-
delo “Ministério Público resolutivo”, que atua intensamente no plano extrajurisdicional,
como grande intermediador e pacificador da confltualidade social, proporcionando o
acesso da sociedade, especialmente das suas partes mais carentes e dispersas, a uma
ordem jurídica realmente mais legítima e justa.

Ora, se ao Ministério Público, como Instituição permanente, incumbe a defesa dos


direitos fundamentais e do regime democrático, a ele deve incumbir, igualmente, a “de-
fesa preventiva da sociedade”, pois essa é a mais genuína forma de tutela jurídica no
Estado Democrático de Direito (arts. 1º, 3º, 127 e 129, da CF/88). Portanto, a “legiti-
mação social” para o Ministério Público “promover prioritariamente a tutela jurídica
preventiva” decorre do princípio da prevenção geral inserido, como diretriz, no princípio
democrático (art. 1º da CF/88).

De que adianta somente punir criminalmente sem compreender, por intermédio


de estudos e dados estatísticos, as causas dessa criminalidade? Pois são justamente
essas causas que devem ser atacadas com prioridade. A exigência de “políticas públi-
cas”, “afirmação dos Direitos Humanos” e/ou realização de “projetos sociais” nesses
casos são fundamentais.

Para tanto, na área criminal, é imprescindível a inserção pessoal dos integrantes do


“Ministério Público resolutivo” no seio da sociedade, para que venham a se inteirar das
verdadeiras causas da criminalidade e, então, fomentar e exigir políticas públicas especí-
5 Voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence no Mandado de Segurança nº 21.239/DF apud JATAHY (2012, p.
40). STF. Tribunal Pleno. Julgamento em 05/06/1991. Publicação em 23/04/1993.

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ficas do Poder Público nesse sentido; além, é claro, de atuar nas investigações das con-
dutas que mais abalam a sociedade, de forma a combater com rigor e eficiência o crime
organizado e permitir que o Direito Penal tenha eficácia social, assevera Almeida (2012).

Em síntese, o Ministério Público Resolutivo não atua tão somente na propositura


de ações penais, baseadas nas investigações conduzidas pela Polícia Judiciária. Tem uma
visão abrangente do fenômeno da criminalidade - baseada em dados estatísticos, indi-
cadores sociais, informações coletadas junto a entidades científicas, governamentais ou
não, e aferidas no contato com conselhos de direitos e entidades públicas - conduzindo
sua atuação mediante práticas preventivas junto a sociedade civil, por meio da comuni-
cação dialógica com instituições não governamentais e participação no ciclo de políticas
públicas implantados pelos órgãos governamentais (CAMBI e FOGAÇA, 2017, p. 112).

No campo da Política, esses mesmos ideários de controle da omissão (ou inefici-


ência) administrativa e de “atuação resolutiva e social” pelo Ministério Público tem legi-
timado a participação da Instituição no desenvolvimento e concretização das “políticas
públicas nacionais” (sobre drogas), ou seja, da implementação de programas, projetos
e ações que tenham como objetivo principal intervir em realidades sociais estrutural-
mente desiguais, com finalidade- necessidade de promoção mais equânime dos direi-
tos, vantagens e riquezas, isto é, dos bens sociais entre os membros de determinada
sociedade (PAIVA, 2013).

Alguns ramos do Ministério Público já institucionalizaram (e até normatizaram) a


utilização desses mecanismos resolutivos, por meio do uso de “PROMOS - Procedimen-
tos Promocionais”6 e de “projetos sociais”7, como legítimo meio de autuação social de
seus integrantes.

Interessante notar que iniciativas isoladas, ancoradas nas principiologias que de-
vem reger a atuação resolutiva do Ministério Público e, em especial, na “tutela da mul-
tifuncionalidade dos direitos fundamentais”, têm sido o ponto de partida para o de-

6 PROMOS são procedimentos (expedientes extrajudiciais) promocionais que têm por objeto a efetivação dos
direitos fundamentais por meio de ações resolutivas de natureza promocional, no âmbito do MP do Trabalho.
7 Art. 1º O Projeto Social objetiva, por meio de um conjunto integrado de atividades e da articulação
interinstitucional, transformar uma parcela da realidade, reduzindo, eliminando ou solucionando um problema
e/ou promovendo a tutela dos direitos ou interesses tuteláveis pelo Ministério Público, nos termos da
Constituição da República Federativa do Brasil e da legislação aplicável. (destaquei). [Resolução conjunta nº
03/11, da Procuradoria-Geral de Justiça e Corregedoria-Geral do Ministério Público de Minas Gerais].

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senvolvimento e legitimação de “técnicas de atuação flexibilizadas” para atender as


necessidades desses direitos materiais (no caso em concreto), mesmo que não previs-
tas expressamente em lei, como já ocorre em diversos ramos e unidades do Ministério
Público brasileiro. É preciso pensar além dos padrões estabelecidos (e do cartesianismo
legalista) para encontrar soluções sociais e jurídicas eficazes, quando faltam recursos e
as normas e mecanismos de controle estatais revelam-se pouco eficientes.

Semelhante fenômeno está acontecendo na PJM/Curitiba, que tem com área de


atribuição os estados do Paraná e Santa Catarina, onde se concentram a maior incidência
do crime militar de “tráfico e posse de substâncias entorpecentes” praticado por jovens
militares, motivo pelo qual se identificou a necessidade de compreender melhor as causas
desse problema e desenvolver medidas e ações de prevenção e redução dessa elevada
taxa de incidência criminal, valendo-se, para tanto, dos princípios e objetivos do Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), instituído pela Lei nº 11.343/2006,
que atribui ao Ministério Público a responsabilidade de cooperação com as atividades do
SISNAD, em especial, na abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência
e a natureza complementar das atividades de prevenção, reinserção e repressão como
forma de integração entre essas políticas e ações setoriais do Poder Executivo.

Além desse protagonismo do Poder Executivo no âmbito da efetivação das Po-


líticas Públicas, os Poderes Legislativo e Judiciário têm destacado papel de deveres e
responsabilidades na realização dos Direitos Fundamentais aos seus destinatários. Ou-
tra forma de induzir e mediar a concreção das políticas públicas, no atual desenho do
Estado Democrático de Direito (artigos 1º, 3º, 127 e 129, da CF/88), inclusive no âmbito
do Ministério da Defesa e Comandos Militares, revela-se por meio da atuação transfor-
madora e resolutiva do Ministério Público Militar como legitimado social, garante, par-
ceiro8 e propulsor dos princípios e objetivos de direitos fundamentais contidos nessas
promessas de fundo ético-político-jurídico9 sobre drogas, papel que a PJM/Curitiba tem
buscado desenvolver, no campo da prevenção, consoante será apresentado a seguir.

8 As expressões “parceira”, “mediador” e “indutor” são utilizadas por Fontes (2006, pp. 150 e 153/157) ao justificar
que o papel do atual Ministério Público deveria se aproximar às características e atribuições do ombudsman,
numa dimensão propriamente política.
9 Expressão utilizada por Fauzi H. Choukr (FAUZI H. CHOUKR, 2012, p. 487/488) como sinônima de “Políticas
Públicas”.

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3. DESENVOLVIMENTO E EXECUÇÃO DO PROJETO SOCIAL “MAIS QUE


VENCEDORES”

3.1 Situação-problema

Em um contexto de prevalência da prevenção (e não criminalização) ao uso indevi-


do de drogas na sociedade, estabelecido pela atual política nacional sobre droga (intro-
duzida pela Lei nº 11.343/2006 e regulamentada pelo Decreto nº 5.912/2006), o jovem
militar traz este dado sócio-jurídico como fato e, apesar de inserido em ambiente rico
em valores e oportunidades (exercício físico, camaradagem, importância social, tra-
balho remunerado, aprendizado geral e de atividade específica de segurança e função
administrativa, etc.) acaba trazendo consigo, guardando, fazendo uso e até vendendo
drogas em local sujeito à administração militar e/ou quando de serviço (fatos que, na
justiça militar, são tipificados como crime); e, consequentemente, quando descobertos,
por ocasião das frequentes revistas inopinadas (corporal, armários e pertences pesso-
ais), são presos em flagrante delito e indiciados.

Ao longo do primeiro semestre de 2015, os Membros da PJM/Curitiba, tiveram a


percepção de que a ocorrência de investigações decorrentes do delito previsto no art.
290 do CPM haviam aumentado expressivamente, em especial no estado de Santa Ca-
tarina, o que se confirmou ao término daquele ano.

A partir do teor dos interrogatórios e oitivas de testemunhas, ao longo das ins-


truções criminais na Auditoria da 5ª Circunscrição Judiciária Militar (5ª CJM) e, ainda,
das entrevistas com os presos, na carceragem das unidades militares, e respectivos
comandantes destas, por ocasião da realização das inspeções carcerárias anuais e ex-
traordinárias, estabelecidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ve-
rificou-se que, por ocasião da formação básica militar dos recrutas e ao longo da rotina
laboral castrense, são realizadas, para todos os Soldados e Cabos, exaustivas medidas
de conscientização acerca dos malefícios à saúde e, ainda, da ilicitude dessas condutas
(palestras com profissionais da área de saúde, diversas reuniões com comandantes e
assessores jurídicos), assim como constantes ações de monitoramento e controle (re-
vistas inopinadas e atividade de inteligência).

Apesar dessas intensivas ações e medidas de controle formal do Estado, a incidên-


cia de crimes militares envolvendo drogas ilícitas continua elevada. E mais, verificou-
-se que vários outros delitos praticados por jovens militares, tais como “furto simples”

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(de dinheiro, cartão bancário com senha, tênis e celular de colegas de caserna), “furto
qualificado” (arma de fogo, notebook, impressora, etc.), “deserção”,“abandono de pos-
to”,“dormir em serviço”, possuíam conexão ou decorriam do uso de drogas, consoante
declarado pelos próprios militares (réus).

Diante dessa situação-problema (ineficiência estatal na redução da criminalidade


por jovens militares) e a partir de inspeção carcerária10 extraordinária realizada na Esco-
la de Aprendizes-Marinheiros de Santa Catarina (EAMSC) – onde se encontrava preso,
há 18 meses, um Marinheiro reformado acusado do delito de tráfico de drogas – surgiu
a ideia e necessidade-oportunidade de desenvolver um “projeto social de prevenção
ao uso de substâncias entorpecentes”, para os militares-alunos daquela EAMSC, que
fosse realizado dentro do ambiente de trabalho (quartel) e priorizasse o campo afetivo
(“mobilização subjetiva”11 e “ressonância simbólica”12) e a conexão empática-funcional
como diferenciais, substituindo ou complementando os demais programas e ações de
comando já desenvolvidos, que tinham como foco principal apenas o campo cognitivo
(“conscientização”): i. ex., instrução militar em auditório (ou sala de aula) ou com a tropa
em forma, utilizando técnicas de aula expositiva ou palestra.

10 Diante da principiologias da atuação resolutiva e preventiva do Ministério Público, as inspeções carcerárias


revelam-se como excelentes oportunidades fática, jurídica e logística para fortalecimento da imagem institucional,
interlocução interinstitucional e atuação pedagógica no controle externo da atividade policial, além de proporcionar
conhecimentos acerca das instalações, rotinas e necessidades das respectivas Organizações Militares.
11 Na psicodinâmica do trabalho, denomina-se “mobilização subjetiva” o conjunto de recursos psicossociais
(constituído por quatro dimensões: inteligência prática, espaço de discussão, cooperação e reconhecimento)
que todo trabalhador utiliza para lidar com o “real do trabalho”, enfrentando seus dilemas éticos e sofrimentos,
de forma a chegar satisfatoriamente ao alto desempenho, produtividade e prazer que o trabalho e a relação
com o coletivo de trabalho devem proporcionar, permitindo a vivência de cooperação, reconhecimento e
ressonância simbólica (MENDES e ARAÚJO, 2012).
12 A “ressonância simbólica” ocorre quando as representações simbólicas individuais são articuladas com as
representações sociais (compartilhadas no mundo real do trabalho), permitindo sublimar o sofrimento e
vivenciar prazer no trabalho: a “ressonância simbólica” é a reconciliação entre os desejos do inconsciente e os
objetivos da produção no trabalho. Em organizações estruturadas por mobilidade e normas rígidas, o espaço
para “ressonância simbólica” é limitado pelas exigências de responsabilidades, separação entre trabalho
real e prescrito e também pela hierarquia, que separa a concepção da execução. O espaço de discussão é
um recurso, construído pelos próprios trabalhadores, que resgata o espaço para a “ressonância simbólica”,
proporcionando momentos em que se partilham experiências de cooperação, confiança e regras comuns
de convivência e trabalho, o que resgata e fortalece o sentido de pertencimento. A circulação da palavra
está no centro do processo de construção coletiva de boas relações no trabalho, com base na solidariedade,
cooperação, reconhecimento. Ocorre que, ao experimentar o reconhecimento, o trabalhador sente-se aceito,
admirado e liberto-motivado para expressar-se livremente: desse modo, o trabalho deixa de ser espaço de
alienação e de sofrimento - produzir somente para sobreviver - e volta ao seu papel original de espaço para
constituição do sujeito, construção de cidadania e produção com prazer.

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3.2. Expectativas dos patrocinadores e interessados no projeto

Diferentemente da maioria das demais unidades militares das Forças Armadas,


onde há a predominância de Recrutas, na EAMSC aproximadamente 80% do efetivo dos
jovens militares é composto por Grumetes/Aprendizes-Marinheiros, que ingressaram
na Marinha do Brasil por meio de concurso público (nível médio). Ao término do curso
de formação de 48 semanas, esses Aprendizes-Marinheiros tornar-se-ão militares de
carreira que poderão alcançar a graduação de Suboficial; e, para alguns, até o oficialato.

Mesmo dentro desse contexto de voluntarismo e estabilidade na carreira militar,


no período de 2010 a 2014, a média de jovens militares do efetivo da EAMSC flagrados
na posse de drogas foi de 04 por ano. De certa forma, nos últimos anos, a EAMSC já ha-
via realizado e esgotado todos os “mecanismos formais” de prevenção e controle para
essas condutas ilícitas.

3.3. Escopo do projeto

A partir de parceria firmada entre a PJM/Curitiba e a EAMSC, o trabalho foi desen-


volvido com a atuante colaboração da Organização Não-Governamental Vida Limpa,
sediada em Florianópolis/SC, colaboradores e apoiadores.

O Comando da EAMSC batizou o projeto de “Navegando com a Assistência In-


tegrada”13, que tinha como propósito conscientizar os marinheiros em formação na
EAMSC, com idades entre 18 e 24 anos, sobre os riscos e danos associados ao consu-
mo de drogas (e dependência química) e fomentar a transmissão de valores de vida e
comportamentais (ética e cidadania).

Juízos éticos não se aprendem unicamente pelo raciocínio; a sua compreensão


exige, sempre, um mínimo de sensibilidade emocional, que por sua vez comanda a
vontade; por isso, ensina Comparato (2006) que “juízos éticos não são feitos somente
de razão, mas também de indignação e vergonha, de ternura e compaixão.” No mesmo
sentido, assevera Sen (2011) que “Direitos Humanos são declarações éticas realmente
fortes sobre o que deve ser feito”.

13 A ideia é que cada Organização Militar adote o nome que seja mais adequado com a sua atividade e abordagem.
No âmbito da PJM/Curitiba, deu-se o nome “Projeto social MAIS QUE VENCEDORES”.

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Portanto, um dos diferenciais do projeto desenvolvido na EAMSC – em relação às


tradicionais instruções realizadas pelas demais unidades militares – foi a abordagem
afetivo-humanista, com foco no indivíduo e seu contexto sociocultural, buscando, não
apenas, desestimular o uso inicial de álcool, cigarro e outras drogas (lícitas e ilícitas),
mas também e, principalmente, trabalhar valores de vida como amor próprio, respei-
to, confiança, responsabilidade, espiritualidade, comprometimento, família, dignidade,
projetos para a vida, trabalho, cuidado humano, entre outros.

Os resultados esperados com a intervenção concentraram-se na redução de ilíci-


tos (criminais e disciplinares), melhoria na conexão empática- funcional (pertencimen-
to e sentimento de valorização) e na eficácia laboral (comprometimento e rendimento
escolar) dos jovens militares em formação.

3.3.1. Avaliação do projeto (indicadores)

O acompanhamento da execução do projeto foi realizado com base nas ações re-
alizadas, de acordo com o cronograma14 estabelecido.

Encerrada a execução do projeto, o impacto da realização da ação em cada pelo-


tão foi avaliado e os conhecimentos e experiências adquiridos durante a execução do
projeto foram registrados em Diário de Campo (CARVALHO, 2015), por meio da meto-
dologia etnográfica.

Nesse projeto-piloto foram utilizados como indicadores (a serem alcançados):


a. melhora no rendimento escolar no curso de formação;
b. redução de alunos em recuperação no curso de formação;
c. redução de comunicação e apuração de transgressões disciplinares;
d. redução de delitos de menor potencial ofensivo (furtos, ofensas, ameaças, vias
de fato);
e. valorização das lideranças positivas;
f. fortalecimento do espírito de grupo e do controle social dos pares sobre o indivíduo;

14 Cronograma das fases do projeto-piloto na EAMSC: Elaboração: maio a julho de 2015; Início: agosto/2015;
Término: novembro/2015; Avaliação e divulgação dos resultados: dezembro/2015 a junho/2016.

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g. metanoia (mudança no pensamento ou no sentimento; ou mudança do que um


indivíduo está vivenciando para um novo modo de viver) acerca do uso de dro-
gas lícitas e ilícitas.
3.4. Metodologia de intervenção

A intervenção desenvolveu-se por meio de uma reunião geral, de abertura do pro-


jeto, com a presença e intervenção de todos os atores e destinatários deste: cerca de
532 militares. Divulgou-se, nessa e em várias outras ocasiões, que, ao término do pro-
jeto, seria realizada uma grande gincana cultural, com premiação, envolvendo os temas
e conteúdos desenvolvidos nas atividades.

A seguir, sucederam-se reuniões semanais para pequenos grupos (no caso, cada
um dos 14 Pelotões [turmas de aula], com 38 militares cada), conduzidas pelo Diretor-
-Presidente da ONG Vida Limpa e acompanhadas somente pelos profissionais do Nú-
cleo de Assistência Social da EAMSC: psicóloga, assistente social e assessora jurídica,
compromissadas a manter o sigilo profissional do conteúdo tratado nesses encontros.

Cada reunião teve a duração média de 90 minutos: ambientação (10 min), “exposi-
ção dialogada” (50 min) e intervenções dos participantes/espaço de discussão (30 min).
Iniciava-se com ambientação (atividade de roda ou musicalização) destinada a criar
informalidade, conexão e identidade entre todos os participantes da atividade, como
indivíduos e grupo de trabalho, proporcionando a operacionalização das dimensões da
“mobilização subjetiva”. Todos eram orientados a utilizar roupas confortáveis (abrigo/
agasalho de educação física) para se sentarem no chão da sala de atividade, comuni-
carem-se visualmente e se movimentar durante as dinâmicas de grupo desenvolvidas.

A seguir, além dos aspectos farmacológicos e efeitos na higidez física e mental


do usuário, eram abordados, de forma participativa, os já mencionados valores de vida
(amor próprio, respeito, verdade, confiança, responsabilidade, espiritualidade, compro-
metimento, família, dignidade, projetos para a vida, trabalho, cuidado humano, entre
outros), comportamentos atitudinais (relacionamentos, contentamento, amizades), as-
sim como testemunhos e relatos de ex-usuários e dependentes químicos e de familia-
res. Adotaram- se muitas técnicas e princípios já utilizados por grupos ou instituições
de recuperação e reinserção social de alcoólicos ou dependentes químicos, como AA
(alcoólicos anônimos), NA (narcóticos anônimos), clínicas especializadas ou ONG es-
pecializadas nessa temática. As abordagens trabalharam a dimensão indivíduo, grupo

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e social dos participantes, bem como formas de lidar com questões comportamentais
e relacionais do passado, presente e futuro (próximo e distante), no que se referem às
drogas.

Para o campo do Direito e Filosofia, o projeto social aplicou os conceitos de “ética”


e “cidadania”, também previstos nos princípios e objetivos que regem o SISNAD15.

O diferencial na realização deste projeto não se traduziu pela forma nem pelos
conteúdos dinamizados, que seguem protocolos já consagrados por este tipo de inter-
venção preventiva de educação em saúde mental. A inovação da proposta esteve nas
bases teóricas que justificaram que as intervenções fossem realizadas no espaço de
trabalho (militar), que se tornou espaço legítimo de fala (espaço de discussão) sobre
os “sofrimentos”16 ali vivenciados, legitimando este espaço também como o espaço
do uso da inteligência prática, da cooperação e do reconhecimento individual e grupal,
nessa temática extralaboral, e ainda o trabalho como espaço de ressignificação do so-
frimento, espaço de saúde e de prazer.

Os encontros encerravam-se de forma simples, com uma mensagem de valori-


zação da vida (ética, saúde e cidadania) e disponibilizando a instituição parceira (ONG
Vida Limpa) para prestar melhores esclarecimentos (divulgação dos contatos), apoio a
familiares ou amigos, receber visitas de estudo. Sempre que possível, era proporciona-
do para que os militares (que desejassem) tivessem tempo e autorização para dialogar
com o palestrante.

Como encerramento desse percurso, foi realizada gincana cultural com a partici-
pação voluntária de todos os 14 Pelotões (532 militares-alunos), disputando a premia-
ção anunciada: passeio no parque Beto Carreiro (a 100 Km da EAMSC), com entradas,
alimentação e transporte custeados pelos parceiros e colaboradores do projeto.

A tarefa cultural consistiu na realização de uma apresentação artística (criativa)


envolvendo o tema prevenção ao uso de drogas. Além de ter sido uma grande e diver-
tida festa, o evento permitiu a vivência de todas as dimensões da “mobilização subje-

15 Art. 4º, incisos III e VIII, e art. 19, incisos IV e V, da Lei 11.343/2006.
16 Todo trabalho representa sofrimento (deixar a família, o conforto do lar, submeter-se a ordens, prazos, metas
etc.); por isso, torna-se necessário (e possível) que o trabalho tenha significação (consciente), a fim de que ele
(trabalho) possa ser criativo, produtivo e ético, gerando pertencimento e realização, o que, na psicodinâmica
do trabalho, denomina-se “sofrimento criativo”.

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tiva”. Ao final, dois jovens militares protagonizaram, espontaneamente, um espaço de


discussão coletiva para compartilhar suas experiências acerca do sofrimento em rela-
ção ao uso de drogas e seus impactos na vida pessoal e da família, o que “comoveu e
edificou a todos” demonstrando que o grupo conseguiu superar, por meio da “fala”17
e da “ressonância simbólica” (em clara conexão empática-funcional), as barreiras que
mantêm separados os mundos subjetivo e coletivo, caminhando para um estado mais
saudável de convivência com colegas de profissão, compartilhando e praticando a co-
operação e o reconhecimento.

Afinal, de acordo com a psicodinâmica do trabalho18 (MENDES, 2015), mais do que


a retribuição financeira, o reconhecimento representa o conjunto de espaços e intera-
ções, no ambiente de trabalho, em que o trabalhador se sente aceito, admirado e se
expressa livremente, fazendo do trabalho, mais que um fator de sobrevivência, um es-
paço de construção de cidadania, de prazer e, no caso deste projeto, o reconhecimento
mútuo dos investimentos e dificuldades de cada um na prevenção e superação de um
problema que coloca em risco a saúde e a carreira de cada jovem militar participante.

Esse mesmo sentimento de prazer, utilidade social e realização pessoal em poder


fazer diferença na vida das pessoas e melhor cumprir as atribuições funcionais (atuação
resolutiva e transformadora) revelou-se nos relatos de vários destinatários e realizado-
res do projeto social, inclusive nos integrantes da PJM/Curitiba.

17 Na Psicodinâmica do Trabalho (DUARTE, 2014), a circulação da palavra está no centro do processo de construção
coletiva de boas relações no trabalho, com base na solidariedade, cooperação, reconhecimento. Ocorre que, ao
experimentar o reconhecimento, o trabalhador sente-se aceito, admirado e liberto-motivado para expressar-
se livremente: desse modo, o trabalho deixa de ser espaço de alienação e de sofrimento – produzir somente
para sobreviver – e volta ao seu papel original de espaço para constituição do sujeito, construção de cidadania
e produção com prazer.
18 Para a psicodinâmica do trabalho, o labor é uma categoria central na constituição da identidade do ser humano,
fonte de saúde, prazer e integração com o mundo (MERLO e MENDES, 2009). As refexões teóricas a respeito da
psicodinâmica do trabalho militar, em especial acerca da organização do trabalho, como possíveis explicações
para o aumento do risco para a dependência química permitem também discutir caminhos para a prevenção
e enfrentamento destes riscos; neste processo, os conceitos de “mobilização subjetiva” e de “ressonância
simbólica” – que já foram abordados ao longo do texto – são centrais. Mendes (1995) defende que o sofrimento
oriundo da rigidez da organização do trabalho pode ser transformado em criatividade através da “ressonância
simbólica” e do espaço de discussão (uma das dimensões da “mobilização subjetiva”). Numa perspectiva de
garantia de direitos humanos e trabalho, as reflexões teóricas a respeito da psicodinâmica do trabalho militar,
bem como acerca da organização do trabalho, como possíveis explicações para o aumento do risco para a
dependência química permitem abordar, na forma macro de política pública, o potencial preventivo de projetos
de mobilização subjetiva para abertura de espaço de discussão e cooperação no ambiente de trabalho, visando
o enfrentamento do risco de uso de entorpecentes por jovens militares , em especial os recrutas.

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3.5. Discussão e desdobramentos do projeto-piloto

Observou-se que vários indicadores foram alcançados por meio do projeto. Dentre
eles, os que mais se destacam são os comportamentais (melhoria do rendimento esco-
lar e diminuição de contravenções disciplinares).

No que se refere aos indicadores de percepção subjetiva (metodologia etnográ-


fica), os Comandantes de Pelotão e Instrutores declararam que “ficou mais fácil” de-
senvolver as atividades de formação militar e “conduzir a tropa”. E isso não ocorreu por
acaso: os resultados produzidos pelo projeto na valorização das lideranças positivas le-
gitimaram-nas a exercer controle social no próprio grupo, e obter deste a consequente
aceitação deste controle horizontal (o mais eficaz que pode existir).

O Diretor da ONG Vida Limpa destacou que a abordagem humanista e afetiva adota-
da pelo projeto, por si só, já foi o suficiente para que os jovens militares se sentissem va-
lorizados (e cuidados) como indivíduos e pertencentes ao corpo de militares da instituição
Marinha do Brasil e, assim, correspondessem positivamente aos estímulos do projeto.

Além dos referidos testemunhos espontâneos, ocorridos na gincana cultural, inte-


grantes de dois pelotões realizaram visita à sede da ONG parceira e entrevistaram al-
guns “moradores da casa” de reinserção social, compartilhando essas experiências com
o grupo maior durante o evento de encerramento, o que demonstrou envolvimento e
internalização com a temática.

A avaliação do Comando da EAMSC e dos profissionais do Núcleo de Assistência


Social daquela Escola foi pela aprovação e replicação do projeto, com mais intensidade,
para o ano de 2016; o que tem sido realizado, desde o início daquela ano-letivo. Tal boa
prática no âmbito das organizações militares da Marinha localizadas na Região Sul do
Brasil foi motivo de elogio por escrito pelo Vice-Almirante Comandante do 5º Distrito
Naval e de recomendação para que as suas outras organizações subordinadas fomen-
tassem práticas análogas.

A partir do êxito desse projeto-piloto, que se transformou em boa prática minis-


terial na prevenção de crimes militares praticados por jovens militares, especialmente,
àqueles correlacionados ao uso de drogas, a PJM/Curitiba/PR fomentou a divulgação e
o aperfeiçoamento dessa ação (prática) resolutiva para todas as Organização Militares
das Forças Armadas sediadas nos estados de Santa Catarina e Paraná.

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do projeto-piloto “Navegando com a Assistência Integrada” de prevenção


ao uso de drogas para jovens militares, desenvolvido pela Procuradoria de Justiça Mili-
tar em Curitiba/PR em parceria com o Comando da Escola de Aprendizes-Marinheiros
em Florianópolis/SC, como medida para conter e reduzir o exponencial crescimento
do uso ilícito de drogas, em local sujeito à Administração Militar, surgiu o projeto social
“Mais que Vencedores”, no ano de 2007, que tem como matriz e princiologia a atuação
resolutiva do Ministério Público [Militar].

A questão central desse artigo foi rever a bibliografia referente à psicodinâmica


do trabalho militar, afirmação dos direitos fundamentais contidos nas políticas públicas
sobre drogas e, ainda, o “papel resolutivo” do Ministério Público na articulação entre di-
versos atores (governamentais, sociedade civil organizada e voluntários) responsáveis
pelo processo de socialização e ressocialização de jovens militares expostos ao risco de
uso de drogas, buscando nos fatores jurídicos, sociais e da organização do trabalho as
possíveis explicações para o risco de dependência química e consequentes formas de
enfrentamento no ambiente laboral castrense.

Após essa boa prática (case de sucesso) ministerial, verificou-se a viabilidade da


replicação desse projeto social, de modo autossustentável (com os recursos e caracte-
rísticas locais), numa perspectiva de concretização (setorial) dos princípios, objetivos
e diretrizes da política pública nacional de prevenção ao uso de drogas (por jovens mi-
litares); conjugando-se, para tanto, as especificidades das relações jurídico-funcionais
(hierarquia e disciplina militar) e missão constitucional das Forças Armadas (Defesa da
Pátria) com os conhecimentos da psicodinâmica do trabalho militar e do papel resoluti-
vo do Ministério Público Militar, orientada pela Política Nacional de Fomento à Atuação
Resolutiva do Ministério Público brasileiro (Resolução CNMP nº 54, de 28/03/2017).

Desde então, no período de 2007 a 2019, foram realizadas a implantanção e de-


senvolvimento do projeto social “Mais que Vencedores” em mais de o projeto já alcan-
çou mais de 5.000 jovens militares, em 12 Organizações Militares da Marinha, Exército
e Aeronáutica, nos Estados do Paraná e Santa Catarina. A partir do ano de 2022, com a
superação da pandemia da COVID-19, os fomentos, as interlocuções com os parceiros
e comandos militares foram retomadas para o prosseguimento aperfeiçoado do Proje-
to “Mais que Vencedores”.

MPMA Ministério Público


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19 De acordo com Weber (2009), o diário de campo é uma ferramenta importante para a autoanálise do(a)
pesquisador(a), não sendo um texto completo, mas um material de análise da pesquisa, podendo haver
partes que não serão mencionadas em publicações científicas, mas que devem ser consideradas durante a
análise dos dados. Os diários compreendem registros não somente de procedimentos técnicos, mas também
conversas que “acontecem em filas de ônibus, no balcão da padaria, nos corredores das universidades; outras
são mediadas por jornais, revistas, rádio e televisão” (SPINK, 2003, p. 29) apud KROEF, GAVILLON e RAMM
(2020)

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
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PANORAMA ESTATÍSTICO
Por Anne Caroline Sousa de Almeida

Panorama geral - Maranhão 2024

Distribuição por classes - Maranhão 2024

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do Estado do Maranhão
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Distribuição por Assunto - Maranhão 2024

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
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Entrada e saída por período - 2024 (Polo Balsas)

Entrada e saída por promotorias - 2024 (Polo Balsas)

MPMA Ministério Público


2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
resolutividade das demandas sociais 69
do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

Distribuição por classes - 2024 (Polo Balsas)

Distribuição por assuntos - 2024 (Polo Balsas)

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resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

Entrada e saída por período - 2024 (Polo Chapadinha)

Entrada e saída por promotorias - 2024 (Polo Chapadinha)

MPMA Ministério Público


2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à
resolutividade das demandas sociais 71
do Estado do Maranhão
ANO 4
N° 1

Distribuição por classes - 2024 (Polo Chapadinha)

Distribuição por assuntos - 2024 (Polo Chapadinha)

72 2024 - O Ministério Público do Maranhão no fomento à MPMA Ministério Público


resolutividade das demandas sociais do Estado do Maranhão
CONSELHO EDITORIAL

Corregedora-Geral do Ministério
Público do Maranhão
Themis Maria Pacheco de Carvalho

Chefe de Gabinete da Corregedoria


Promotora de Justiça
Alessandra Darub Alves
(Revisora)

Promotor de Justiça Corregedor


Cássius Guimarães Chai
(Editor e revisor)

Promotor de Justiça
Laert Pinho
(Revisor)

Promotora de Justiça Corregedora


Geraulides Mendonça Castro

Promotora de Justiça Corregedora


Sirlei Castro Aires Rodrigues

Promotor de Justiça Corregedor


Francisco de Aquino da Silva

Promotor de Justiça Corregedor


Frank Teles de Araújo

Promotor de Justiça Corregedor


Cláudio Luiz Frazão Ribeiro

Publicação oficial da Corregedoria-Geral do


Ministério Público do Estado do Maranhão.
A autoria dos textos publicados é de exclusiva
responsabilidade dos respectivos autores(as).
EQUIPE DA CORREGEDORIA

Corregedora Geral
do Ministério Público
Themis Maria Pacheco de Carvalho

Promotores (as) de Justiça Corregedores


Cássius Guimarães Chai
Francisco de Aquino da Silva
Geraulides Mendonça Castro
Laert Pinho
Sirlei Castro Aires Rodrigues
Frank Teles de Araújo
Cláudio Luiz Frazão Ribeiro

Chefe de Gabinete
Alessandra Darub Alves

EQUIPE

Anderson Silva Pereira


Anne Caroline Sousa de Almeida
Cleocy Marques da Silva
Eduardo Dias dos Santos
Elizângela Silva da Costa Braz
Galdêncio Nogueira Cantanhede
Glícia Ellen Serra Rabêlo
Isadora Silva Sousa
Ivana Pinheiro de Azevedo
Lorena Maria Ferreira Santos
Lennise Ewerlyn Alves
Maria Alice Araújo Correia Lima Rocha
Maria Arcângela Soares Lobato Pinto
Solange de Maria Sekeff Simão Almeida

MPMA Ministério Público


Projeto Gráfico:
Coordenadoria de Comunicação
do Estado do Maranhão Designer Gráfico : Nonato Penha

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