Você está na página 1de 529

dLivros

{ Baixe Livros de forma Rápida e Gratuita }

Converted by convertEPub
Sumário
PARTE III
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
PARTE IV
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XVIX
O destino se senta nestes parapeitos escuros e
franze sua face,
E, quando os portais se abrem para me
receber,
Sua voz, em ecos taciturnos pelas cortes,
Conta de um feito desconhecido.[1]
PARTE III
CAPÍTULO I

Eu lhes direi onde devem esperar plantados;


Familiarizem-se com o espião perfeito do tempo,
O momento presente; pois isso deve ser feito esta
noite.
MACBETH [ 2 ]

No dia seguinte, Emily ficou um tanto surpresa ao


descobrir que Annette sabia da prisão de Madame
Montoni, em um quarto no andar de cima do portão de
entrada, tal como sabia de sua visita lá na noite que se
aproximava. Que a circunstância, a qual Barnardine havia
ordenado tão solenemente que ela escondesse, tivesse
sido contada pelo próprio para uma ouvinte tão
indiscreta quanto Annette parecia muito improvável,
apesar de ele ter confiado a ela uma mensagem sobre o
encontro planejado. Ele pediu que Emily o encontrasse,
sozinha, no terraço, um pouco depois da meia-noite,
quando a levaria para o lugar que havia prometido; uma
proposta da qual ela se esquivou imediatamente, pois mil
medos vagos cruzaram sua mente, como os que a
atormentaram na noite anterior, e nos quais ela não
sabia se confiava, ou se os ignorava. Ocorria a ela,
frequentemente, que Barnardine poderia estar
enganando-a quanto à Madame Montoni, cujo assassino
talvez tenha realmente sido ele; o qual a enganou por
ordem de Montoni, pois assim seria mais fácil atraí-la
para algum plano desesperado do último. A suspeita
terrível, de que Madame Montoni não estava mais viva,
veio dessa forma, acompanhada por uma não menos
apavorante com relação a ela própria. A não ser que o
crime, pelo qual sua tia havia sofrido, não tenha sido
instigado meramente por ressentimento sem conexão
alguma com o lucro, um motivo com o qual não era
provável que Montoni agisse, o seu objetivo não seria
atingido até que a sobrinha também estivesse morta,
para quem Montoni sabia que as propriedades de sua
esposa passariam. Emily se lembrou das palavras, as
quais a haviam informado que as propriedades em
disputa na França seriam dela se Madame Montoni
morresse sem consigná-las ao seu marido, e a
perseverança obstinada de sua tia tornava muito
provável que ela as tivesse mantido até o fim. Neste
instante, lembrando-se do comportamento de Barnardine
na noite anterior, acreditou no que tinha imaginado, que
ele expressava um triunfo maligno. Ela estremeceu com
a lembrança que confirmou seus medos, e se decidiu a
não encontrá-lo no terraço. Logo em seguida, ela ficou
inclinada a considerar essas suspeitas como os exageros
extravagantes de uma mente tímida e perseguida, e não
pôde acreditar que Montoni fosse capaz de uma
depravação tão absurda quando a de destruir sua esposa
e sua sobrinha por um objetivo. Ela se acusou de deixar
que sua imaginação romântica a levasse muito além dos
limites da probabilidade, e decidiu se empenhar em
conter os seus saltos rápidos, a fim de que, às vezes,
eles não chegassem à loucura. Contudo, ainda se
contraía com a ideia de encontrar Barnardine no terraço
à meia-noite; e ainda assim o desejo de pôr um fim a
esse suspense terrível, sobre sua tia, de vê-la e acalmar
a sua angústia, a fez hesitar quanto ao que fazer.
“Mas, como será possível, Annette, que eu vá até o
terraço a essa hora?”, disse ela, se recompondo, “os
guardas vão me parar, e o Signor Montoni descobrirá”.
“Oh, Ma’amselle! Isso já foi bem elaborado”,
respondeu Annette. “Isso é o que Barnardine me contou.
Ele me deu esta chave, e me mandou dizer que ela
destranca a porta no final da galeria com a abóboda, que
dá para o final do adarve leste, para que você não
precise passar por nenhum dos guardas de vigia. Ele
também me mandou dizer que a razão para lhe pedir que
venha até o terraço, era para que ele pudesse levá-la ao
lugar aonde você quer ir sem abrir as portas grandes do
corredor, que rangem muito.”
O espírito de Emily ficou um tanto mais calmo com
esta explicação, que parecia ter sido dada honestamente
a Annette. “Mas, por que ele quer que eu vá sozinha,
Annette?”, disse ela.
“Oras, isso é o que eu mesma perguntei a ele,
Ma’amselle. ‘Por que a minha senhorinha tem que ir
sozinha? Certamente eu posso ir com ela! Que mal eu
posso fazer?’, mas, ele disse: ‘Não... não... eu lhe direi
não’, do jeito rude dele. Não, digo eu, eu fui confiada
com casos tão importantes quanto este, eu lhe garanto,
e não é uma questão de eu não conseguir guardar um
segredo agora. Ainda assim ele não dizia nada além de:
‘Não... não... não’. Bem, disse eu, se você confiar em
mim, eu lhe contarei um grande segredo que me foi
contado há um mês, e o qual eu nunca revelei até
agora... então, você não precisa ter medo de me contar.
Mas, não adiantou. Então, Ma’amselle, eu até mesmo lhe
ofereci um zecchino lindo e novinho, que Ludovico me
deu de lembrança, e eu não teria me desfeito dele por
toda a praça de San Marco; mas, nem isso adiantou! Qual
pode ser a razão disto? Mas eu sei, sabe, Madame, quem
você está indo encontrar.”
“O quê? Barnardine lhe contou isso?”
“Ele! Não, Ma’amselle, ele não me contou.”
Emily perguntou quem a tinha contado, mas Annette
mostrou que ela sabia guardar um segredo.
Durante o resto do dia, a mente de Emily ficou
agitada com dúvidas e medos e decisões contrárias
quanto à questão de encontrar Barnardine no adarve, e
se submeter às orientações dele para chegar até onde
ela mal sabia.
A piedade por sua tia e a ansiedade por si própria
sacudiam sua determinação, alternadamente, e a noite
chegou antes dela ter decidido como iria agir. Ouviu o
relógio do castelo marcar onze horas, doze horas, mas a
sua mente ainda oscilava. Porém, havia chegado o
momento em que ela não podia hesitar mais: o afeto que
ela sentia por sua tia superou as outras considerações, e,
pedindo a Annette que a seguisse até a porta externa,
abobadada, da galeria, e que esperasse ali pelo seu
retorno, ela desceu de seu quarto. O castelo estava
perfeitamente quieto e o salão grande – onde ela havia
testemunhado uma cena do horrível aprisionamento, tão
recentemente – agora só devolvia os sons dos passos
sussurrados das duas figuras solitárias deslizando
apavoradas entre as pilastras, e brilhava apenas com o
lampião fraco que elas traziam. Emily, enganada pelas
sombras compridas das pilastras e pela luz passando
entre elas, parava frequentemente imaginando ter visto
alguma pessoa se movendo na escuridão, em sua visão
distante; e, à medida que passava por estas pilastras, ela
tinha medo de voltar seus olhos para elas, quase
esperando ver uma figura pular debaixo de suas bases
largas. Contudo, ela alcançou a galeria com a abóbada
sem interrupções, mas abriu a sua porta externa com
uma mão trêmula e, ordenando que Annette não saísse
de lá e deixasse a porta um pouco aberta, para que ela
conseguisse ouvir se fosse chamada, entregou-lhe o
lampião, o qual ela não ousou levar consigo por causa
dos homens de guarda, e, sozinha, entrou no terraço
escuro. Tudo estava tão quieto que ela ficou com medo
que seus passos fossem ouvidos pelos homens que
estavam de sentinelas, distantes, andou,
cuidadosamente, até o local onde havia encontrado
Barnardine antes, tentando escutar algum barulho e
procurando por ele no escuro. Enfim, assustou-se com
uma voz forte falando perto dela e parou, incerta se era a
voz dele, até que ela falou novamente, e, então,
reconheceu o tom vazio de Barnardine, que havia sido
pontual e estava no local indicado, descansando contra a
parede da muralha. Após censurá-la por não ter vindo
antes e dizer que ele esperou por quase meia hora, pediu
que Emily, que não respondeu, seguisse-o até a porta,
pela qual ele havia entrado no terraço.
Enquanto ele a destrancava, ela olhou para trás
para ver de onde tinha vindo e, vendo os raios do
lampião passando por uma pequena abertura, teve a
certeza de que Annette ainda estava lá. Mas, a posição
distante dela serviria de pouca ajuda, depois que Emily
saísse do terraço; e, quando Barnardine abriu o portão, o
aspecto sombrio da passagem à frente, iluminada por
uma tocha acesa no caminho, fê-la não querer segui-lo
sozinha e ela se recusou a ir, a não ser que Annette a
acompanhasse. Contudo, Barnardine se recusou,
absolutamente, a permitir isso, ao mesmo tempo,
juntando à sua recusa circunstâncias ardilosas para
aumentar a piedade e curiosidade de Emily com relação
à sua tia, tal que ela, enfim, consentiu em segui-lo
sozinha pelo portão.
Então, ele pegou a tocha e a guiou ao longo da
passagem, no final da qual ele destrancou outra porta,
de onde eles desceram alguns degraus até uma capela,
que Emily observou estar em ruínas, ao passo que
Barnardine erguia a tocha para iluminá-la, e ela
imediatamente se lembrou de uma conversa com
Annette sobre ela, com emoções muito desagradáveis.
Olhou, com medo, para as paredes quase sem teto,
verdes com musgo, e para os vértices góticos nas
janelas, onde a hera e a briônia haviam tomado o lugar
do vidro há muito tempo, e envolviam as cabeças
quebradas de algumas colunas que outrora apoiaram o
teto. Barnardine tropeçou no chão irregular e sua voz,
quando ele praguejou de repente, foi repetida em ecos
vazios que a tornaram ainda mais assustadora. O
coração de Emily afundou; mas, ela ainda o seguia e ele
saiu, do que havia sido o corredor principal da capela.
“Descendo essas escadas, Lady”, disse Barnardine
enquanto descia um lance, que parecia levar até as
criptas; mas, Emily parou no topo e ordenou, em uma
voz trêmula, que ele dissesse para aonde a estava
conduzindo.
“Para o portão de entrada”, disse Barnardine.
“Não podemos ir para a entrada através da
capela?”, disse Emily.
“Não, Signora, ela leva até o pátio interior, o qual eu
não quero abrir. Por aqui, e nós chegaremos ao pátio
externo rapidamente.”
Emily ainda hesitou; com medo não apenas de
seguir em frente, mas, já que tinha vindo até ali, de
irritar Barnardine ao se recusar a ir mais longe.
“Venha, Lady”, disse o homem, que já tinha quase
chegado ao final da escada, se apresse um pouco; eu
não posso esperar aqui a noite toda.
“Para onde essas escadas levam?”, perguntou Emily,
ainda parada.
“Para o portão de entrada”, repetiu Barnardine com
um tom zangado, “eu não vou esperar mais.” Quando
disse isso, ele seguiu em frente com a luz, e Emily, com
medo de irritá-lo, se atrasando ainda mais, seguiu-o
relutantemente. As escadas prosseguiram através de
uma passagem adjacente às criptas, as paredes que
estavam prestes a cair com uma umidade insalubre e a
névoa, que corria pelo chão, fazia a tocha brilhar tão
fracamente que Emily esperava vê-la se extinguir a
qualquer momento, e Barnardine mal conseguia
encontrar o caminho. Conforme eles avançaram, essa
névoa foi ficando mais densa, e ele, acreditando que a
tocha estava apagando, parou por um instante para
arrumá-la. Enquanto se apoiava contra um par de fortes
portões de ferro, que davam para a passagem, Emily viu,
através de brilhos incertos da luz, as criptas distantes e,
perto delas, montes de terra que pareciam rodear um
túmulo aberto. Tal coisa, em tal cena, teria perturbado
ela em qualquer momento; mas agora ela ficou chocada
com um pressentimento instantâneo de que este era o
túmulo de sua tia desafortunada, e que Barnardine,
traiçoeiro, estava levando ela própria para a sua
destruição. O local escuro e terrível para aonde ele a
estava conduzindo parecia justificar a ideia; era um lugar
adequado para um assassinato, um receptáculo para os
mortos, onde um feito de horror poderia ser cometido
sem que aparecesse um vestígio para proclamá-lo. Emily
ficou tão atormentada com terror que, por um momento,
ficou incapaz de decidir qual conduta deveria adotar. Ela,
então, considerou que tentar escapar de Barnardine
fugindo seria em vão, já que o comprimento e as
complicações do caminho pelo qual haviam passado,
logo o permitiriam alcançá-la, pois não era familiar com
as curvas e, sua fraqueza não a deixaria correr com
rapidez por muito tempo. Ela temia, igualmente, irritá-lo
ao expor suas suspeitas, o que se recusar a acompanhá-
lo mais a frente certamente faria; e, já que estava sob o
controle dele tanto quanto era possível estar, se
prosseguisse, ela, finalmente, decidiu reprimir a
aparência de apreensão tanto quanto podia, e seguir,
silenciosamente, até onde ele queria levá-la. Pálida com
horror e ansiedade, estava esperando Barnardine
terminar de arrumar a tocha e, quando sua visão passou
pelo túmulo novamente, ela não pôde evitar perguntar
para quem ele foi preparado. Ele tirou seus olhos da
tocha, e os fixou no rosto dela sem falar. Ela repetiu a
pergunta, fracamente, mas o homem seguiu em frente
sacudindo a tocha; e ela o seguiu, tremendo, até um
segundo lance de escadas e, depois de subi-las, uma
porta os levou até o primeiro pátio do castelo. Enquanto
eles o atravessavam a luz mostrava os muros altos e
pretos ao redor deles, contornados com grama alta e
ervas úmidas que encontraram um solo escasso entre as
pedras apodrecidas; os contrafortes pesados, com grades
estreitas aqui e ali, entre eles, que permitiam uma
circulação de ar melhor no pátio, os portões de ferro
maciço que levavam para o castelo, cujas torres
aglomeradas apareciam acima e, no lado oposto, as
torres imensas do próprio portão de entrada. Nesta cena
a figura grande e grosseira de Barnardine, carregando a
tocha, formou uma imagem característica. Este
Barnardine estava coberto com uma longa capa escura, a
qual mal deixava aparecer o tipo de botas parciais, ou
sandálias, que estavam amarradas em suas pernas, e
mostrava apenas a ponta de uma espada grossa, que
ele, geralmente, trazia pendurada num cinto, em seus
ombros. Em sua cabeça estava um chapéu de veludo
pesado e achatado, que lembrava um pouco um
turbante, no qual ficava uma pena curta; o visor, sob
este, mostrava feições fortes, e o rosto contraído com as
linhas da artimanha, e escurecido pelo
descontentamento habitual.
Contudo, a visão do pátio reanimou Emily, que, à
medida que atravessava o pátio, silenciosamente, em
direção ao portão, começou a esperar que seus próprios
medos, e não a artimanha de Barnardine, tivessem a
enganado. Ela olhou para cima ansiosamente, para a
primeira janela, que aparecia acima da
arcada elevada da ponte levadiça; mas, ela estava
escura, e Emily perguntou se era a janela do quarto onde
Madame Montoni estava presa. Emily tinha falado baixo e
talvez Barnardine não tivesse escutado a pergunta, pois
ele não lhe deu resposta alguma; e, logo em seguida,
eles entraram pela porta de trás do portão, a qual os
levou até o pé de uma escadaria estreita, que subia em
espiral por uma das torres.
“A Signora está acima desta escada”, disse
Barnardine.
“Ela está!”, repetiu Emily fracamente, enquanto
começava a subir.
“Ela está no quarto mais alto”, disse Barnardine.
Enquanto eles subiam, o vento, que entrava pelas
cavidades estreitas na parede, fez a labareda da tocha
aumentar até brilhar fortemente sobre o rosto
ameaçador e descorado de Barnardine, e mostrar melhor
a desolação do lugar: as paredes de pedras
rudimentares, as escadas em espiral, enegrecidas pelo
tempo, e uma armadura antiga com um visor de ferro,
que estava pendurada na parede e parecia ser um troféu
de alguma vitória anterior.
Chegando a um dos andares: “você pode esperar
aqui, Lady”, disse ele, colocando uma chave na porta de
um quarto, “enquanto eu subo e aviso a Signora que
você está vindo”.
“Essa cerimônia é desnecessária”, respondeu Emily,
“minha tia ficará feliz em me ver”.
“Eu não tenho tanta certeza disso”, disse Barnardine
apontando para o quarto que ele tinha aberto: “fique
aqui, Lady, enquanto eu subo”.
Emily, surpresa e um tanto chocada, não se atreveu
a contrariá-lo mais, porém, enquanto ele estava saindo
com a tocha, pediu que não a deixasse na escuridão. Ele
olhou em volta e, vendo um lampião com um tripé, que
ficava na escada, acendeu-o e o deu para ela, que entrou
num quarto grande e velho, e ele fechou a porta.
Enquanto escutava os passos dele se afastando,
ansiosamente, ela pensou que ele estava descendo, ao
invés de subir, as escadas; mas as rajadas de vento que
sopravam ao redor do portão não a permitiam ouvir
distintamente qualquer outro barulho. Contudo, ela ainda
estava escutando e, não ouvindo nenhum passo no
quarto acima, onde ele havia afirmado que Madame
Montoni estava, sua ansiedade aumentou, apesar dela
ter considerado que a espessura do chão nessa
construção forte pudesse prevenir que qualquer som do
quarto acima chegasse até ela. Em seguida, com uma
pausa do vento, ela ouviu os passos de Barnardine
descendo para o pátio e então pensou ter ouvido a voz
dele; mas, quando a rajada bloqueou qualquer outro som
novamente, Emily foi, silenciosamente, até a porta para
se certificar quanto a isto, a qual, ao tentar abri-la, ela
descobriu que estava trancada. Todos os medos
horrendos que a haviam atormentado recentemente
voltaram nesse momento com força redobrada, e eles
não pareciam mais serem os exageros de um espírito
medroso, mas sim terem sido mandados para alertá-la de
seu destino. Agora ela não duvidava que Madame
Montoni fora assassinada, talvez nesse mesmo quarto;
ou que ela própria tivesse sido trazida até aqui com o
mesmo propósito. Lembrar-se do rosto, do
comportamento e das palavras de Barnardine, quando
ele falou de sua tia, confirmou os piores medos dela. Por
alguns instantes ela ficou incapaz de pensar em qualquer
meio pelo qual ela poderia tentar uma fuga. Emily tentou
escutar, mas não ouviu passos nem nas escadas, nem no
quarto acima; contudo, pensou que tinha ouvido a voz
distinta de Barnardine, lá embaixo, e foi até uma janela
com barras que dava para o pátio para investigar mais.
Ali, ela ouviu claramente a voz áspera dele, misturando-
se com a corrente de ar que passava, mas ela se perdeu
novamente tão rápido que o seu significado não pôde ser
interpretado; e, então, a luz de uma tocha, que parecia
vir do portão abaixo, brilhou cruzando o pátio, e a
sombra comprida de um homem, que estava embaixo da
arcada, apareceu no chão. Com a imensidão desse
retrato repentino, Emily concluiu que era a sombra de
Barnardine; mas outra voz forte, que passou pelo vento,
logo a convenceu de que ele não estava sozinho, e que
seu companheiro não era alguém passível à piedade.
Quando seu espírito tinha superado o primeiro
choque de sua situação, ela levantou o lampião para
examinar se o quarto dava alguma possibilidade de
escapatória. Era um cômodo espaçoso cujas paredes,
com um lambril rudimentar de carvalho, não tinham
outra janela a não ser a com a grade, da qual Emily havia
se afastado, e não havia outra porta além daquela pela
qual ela havia entrado. Contudo, os raios fracos do
lampião não a permitiram ver a extensão completa dele
de uma vez; ela não viu mobília alguma, exceto uma
cadeira de ferro, presa ao chão no centro do quarto,
imediatamente sobre a qual ficava um círculo de ferro,
pendurado no teto por uma corrente. Depois de ter
olhado para eles, por algum tempo, com espanto e
horror, ela viu barras de ferro embaixo, feitas com o
objetivo de prender os pés, e nos braços da cadeira
havia anéis do mesmo metal. Enquanto continuava a
inspecioná-los, ela concluiu que eram instrumentos de
tortura e pensou que algum pobre condenado tinha
ficado preso a cadeira alguma vez, e havia ficado ali até
morrer de fome. Ela ficou gelada com a ideia; mas, qual
não foi a sua agonia quando, em seguida, ocorreu a ela
que sua tia possa ter sido uma dessas vítimas e que ela
mesma poderia ser a próxima! Uma dor aguda tomou
conta de seu coração, mal conseguiu segurar o lampião
e, ao olhar em volta procurando algum apoio, estava se
sentando, inconscientemente, na própria cadeira de
ferro; mas percebendo, de repente, onde estava,
levantou-se com horror e correu em direção a um canto
afastado do quarto. Procurou, novamente, por um
assento para se segurar e viu apenas uma cortina
escura, que, descendo do teto até o chão, estava
esticada ao longo de todo aquele lado do quarto. Mal
como já estava, a aparência dessa cortina a assustou, e
ela parou para contemplá-la com espanto e apreensão.
Parecia estar escondendo um canto do quarto; Emily
queria, mas temia, abri-la e descobrir o que ela escondia:
foi impedida, duas vezes, pela lembrança do espetáculo
terrível que sua mão atrevida havia descoberto num dos
quartos do castelo antes, até que, supondo,
repentinamente, que esta escondia o corpo de sua tia
morta ela a agarrou e, num ataque de desespero, puxou-
a para o lado.
Atrás dela apareceu um corpo estendido sobre um
tipo de sofá baixo, o qual estava vermelho com sangue
humano, tal como o chão embaixo dele. Curvando-se
sobre o corpo, Emily o olhou fixamente, por um
momento, de forma ansiosa e frenética; mas, no
momento seguinte o lampião caiu de sua mão e ela
desmaiou ao pé do sofá.
Quando seus sentidos voltaram, ela se encontrou
cercada por homens, entre os quais estava Barnardine,
eles estavam levantando-a do chão, e a
carregaram pelo quarto. Ela estava ciente do que se
passava, mas o langor extremo de seu espírito não a
permitia falar ou se mover, ou, até mesmo, sentir
qualquer medo distinto. Eles a carregaram para baixo
das escadas, que ela havia subido; quando, depois de
chegar à arcada, pararam e um dos homens, pegando a
tocha de Barnardine, abriu uma porta pequena no portão
grande e, enquanto ele saiu em direção à estrada, a luz
que levava mostrou vários homens a cavalo à espera.
Quer tenha sido o frescor do ar que reavivou Emily, ou as
coisas que ela viu agora que despertaram o espírito do
medo, começou a falar subitamente e fez um esforço
ineficaz para se soltar das mãos dos bandidos que a
seguravam.
Enquanto isso, Barnardine gritava pedindo tocha,
quando vozes distantes responderam e várias pessoas se
aproximaram, no mesmo instante, uma luz brilhou sobre
o pátio do castelo. Ele vociferou pela tocha novamente, e
os homens levaram Emily pelo portão, apressadamente.
A uma distância curta, sob o abrigo dos muros do
castelo, ela viu o sujeito que havia pego a luz do porteiro,
segurando-a para um homem, que estava ocupado
trocando a sela de um cavalo, em volta do qual estavam
vários homens a cavalo olhando em frente, cujas feições
desagradáveis recebiam o brilho completo da tocha;
enquanto o chão irregular embaixo deles, o muro do lado
oposto, com os arbustos em tufos, que pendiam de seus
topos, e uma torre de vigia sobre as ameias acima,
estavam avermelhados com o brilho, que, ao
desaparecer gradualmente, deixou as partes mais
remotas dos adarves e a floresta abaixo na escuridão da
noite.
“Por que vocês estão perdendo tempo aqui?”, disse
Barnardine praguejando, enquanto se aproximava dos
homens a cavalo. “Rápido, rápido!”
“A sela ficará pronta em um minuto”, respondeu o
homem que estava fixando-a, com quem Barnardine
praguejou de novo por causa de sua negligência, e Emily,
pedindo ajuda fracamente, foi trazida com pressa até os
cavalos, enquanto os bandidos discutiam em qual eles a
colocariam, já que o cavalo designado para ela não
estava pronto. Neste momento, um aglomerado de luzes
apareceu nos portões grandes, e ela imediatamente
ouviu a voz de Annette, mais alta do que a de várias
outras pessoas que avançavam. No mesmo instante, ela
distinguiu Montoni e Cavigni, seguidos por uma multidão
de sujeitos com caras de maus-elementos, para quem ela
não olhava mais com terror, mas com esperança, pois,
neste momento, não tremia ao pensar em nenhum
perigo que pudesse estar esperando por ela no castelo,
de onde ela quis escapar tão recentemente e tão
ansiosamente. Aqueles que a ameaçavam do lado de
fora haviam ocupado todas as suas apreensões.
Uma conversa curta se seguiu entre os dois grupos,
na qual o de Montoni, contudo, foi vitorioso, e os homens
a cavalo, percebendo que os números estavam contra
eles, e talvez não estando muito particularmente
interessados na tarefa que haviam recebido, galoparam
para longe, enquanto Barnardine correu o bastante para
sumir na escuridão, e Emily foi levada de volta para o
castelo. Conforme ela passava pelos pátios novamente,
a lembrança do que tinha visto no quarto do portão da
entrada veio à sua mente com todo o seu horror; e
quando, logo em seguida, ela ouviu o portão se fechar,
prendendo-a mais uma vez dentro dos muros do castelo,
ela estremeceu e, quase se esquecendo do perigo que
havia escapado, não conseguiu pensar em nada mais
precioso do que a liberdade e a paz que seria encontrada
além deles.
Montoni ordenou que Emily esperasse por ele na
sala de cedro, para onde ele foi em seguida, e então a
questionou, severamente, quanto a essa questão
misteriosa. Apesar dela o ver com horror agora, como o
assassino de sua tia, e de mal saber o que dizer em
resposta às perguntas impacientes dele, suas respostas e
seu comportamento o convenceram de que ela não havia
tomado parte no esquema recente voluntariamente, e a
dispensou quando seus criados apareceram, aos quais
ele havia ordenado que viessem para que ele pudesse
investigar a questão mais a fundo e descobrir aqueles
que haviam sido cúmplices nesta.
Emily havia passado algum tempo em seu quarto
antes que o tumulto de sua mente a permitisse se
lembrar de várias das circunstâncias recentes. Então, o
corpo morto, o qual a cortina no quarto do portão de
entrada havia revelado, veio à sua mente novamente e
ela soltou um gemido que aterrorizou Annette ainda
mais, já que Emily não satisfez a sua curiosidade quanto
ao motivo para tal, pois tinha medo de confiar um
segredo tão fatal a ela, com receio de que a sua
indiscrição pudesse trazer a vingança imediata de
Montoni contra si.
Compelida a aguentar em sua própria mente o
horror do segredo que a oprimia dessa forma, sua razão
pareceu cambalear sob o peso insuportável. Muitas vezes
ela fixava um olhar assustado e vago em Annette, e,
quando ela falava, Emily ou não a ouvia, ou não lhe
respondia. Longos episódios de abstração se seguiram;
Annette falava repetidamente, mas sua voz não parecia
ter efeito algum sobre os sentidos, há muito
atormentados, de Emily, que estava sentada, parada e
em silêncio, exceto que, de vez em quando, suspirava
profundamente, mas sem lágrimas.
Apavorada com a condição dela, Annette enfim
deixou o quarto para informar Montoni sobre isto, o qual
havia acabado de dispensar seus criados sem ter feito
descoberta alguma em sua investigação. A descrição
louca, que essa garota deu de Emily, induziu-o a segui-la
imediatamente até o quarto.
Com o som da voz dele, Emily voltou seu olhar e um
brilho de consciência pareceu cruzar sua mente, pois ela
se levantou de seu assento imediatamente e se moveu
lentamente para uma parte afastada do quarto. Ele falou
com ela num tom um tanto mais suave do que a sua
aspereza costumeira, mas ela o contemplou com um
olhar meio curioso e meio aterrorizado, e apenas
respondia “sim” a o que quer que ele dissesse. Sua
mente não parecia reter nenhuma impressão além
daquela do medo.
Annette não conseguiu dar explicação alguma para
essa enfermidade e Montoni, após tentar convencer
Emily a falar por algum tempo, retirou-se, depois de
ordenar que Annette ficasse com ela durante a noite e o
informasse a sua condição pela manhã.
Quando ele foi embora, Emily veio para frente de
novo e perguntou quem tinha vindo para atormentá-la.
Annette disse que era o Signor... Signor Montoni. Emily
repetiu esse nome depois dela, várias vezes, como se
não se lembrasse dele, e então gemeu de repente e teve
outro relapso de abstração.
Com alguma dificuldade, Annette a levou para a
cama, a qual Emily examinou com um olhar ansioso e
frenético antes de se deitar, e então, apontando, ela se
virou para Annette tremendo de emoção, a qual, ainda
mais apavorada agora, foi até a porta para trazer uma
das criadas para passar a noite com elas; mas Emily, ao
vê-la indo, chamou o seu nome, e, então, implorou, no
tom naturalmente suave e lamurioso de sua voz, que ela
não a abandonasse também. “Pois desde que meu pai
morreu”, acrescentou suspirando, “todos me
abandonam”.
“O seu pai, Ma’amselle!”, disse Annette, “ele morreu
antes de você me conhecer”.
“Ele morreu de fato!”, replicou Emily, e suas
lágrimas começaram a escorrer. Ela chorou
silenciosamente por muito tempo, e depois disso, ficando
bastante calma, finalmente caiu no sono, já que Annette
teve discrição o suficiente para não interromper suas
lágrimas. Essa garota, tão afetuosa quanto simples,
perdeu todos os seus medos de ficar no quarto naquele
momento, e vigiou Emily à noite toda, sozinha.
CAPÍTULO II

Mostre
Quais mundos, ou quais regiões vastas, contêm
A mente imortal, que abandonou
A sua mansão neste recanto carnal!
IL PENSEROSO[3]

A mente de Emily ficou descansada com o sono. Ao


acordar de manhã, ela olhou para Annette, que estava
dormindo sentada numa cadeira ao lado da cama, com
surpresa e, então, esforçou-se para se lembrar; mas, as
circunstâncias da noite anterior foram varridas de sua
memória, a qual parecia não reter nenhum vestígio do
que havia se passado, e ela ainda estava olhando para
Annette com surpresa, quando esta acordou.
“Oh, querida Ma’amselle! Você sabe quem eu sou?”,
perguntou ela.
“Quem você é! Certamente”, respondeu Emily,
“você é a Annette; mas por que você está sentada ao
meu lado?”
“Oh, você esteve muito mal, Ma’amselle, muito mal
mesmo! E eu tenho certeza que pensei...”
“Isso é muito estranho!”, disse Emily, ainda
tentando se lembrar do passado. “Mas, acho que me
lembro, minha mente estava assombrada com sonhos
assustadores. Bom Deus!”, ela acrescentou, ficando
agitada de repente, “certamente não foi mais do que um
sonho!”
Ela fixou um olhar apavorado em Annette, que,
querendo acalmá-la, disse: “sim, Ma’amselle, foi mais do
que um sonho, mas tudo já passou agora”.
“Então ela está morta!”, disse Emily com uma voz
retraída e estremecendo instantaneamente. Annette
gritou; pois, estando ignorante da circunstância à qual
Emily se referia, atribuiu o seu comportamento a uma
mente enferma; mas, quando ela explicou ao quê o seu
próprio comentário aludia, Emily, lembrando-se da
tentativa de a capturarem, perguntou se a pessoa por
trás disto havia sido descoberta. Annette respondeu que
não, embora pudesse ser facilmente adivinhado; e,
então, disse a Emily que deveria agradecer a ela pelo seu
resgate, que, tentando controlar a emoção que a
lembrança de sua tia havia causado, parecia escutar
Annette calmamente, apesar de que, em verdade, ela
mal ouvia uma palavra do que era dito.
“E então, Ma’amselle”, continuou a última, “eu
estava decidida a ficar empatada com Barnardine por se
recusar a me contar o segredo, descobrindo-o eu mesma;
então fiquei lhe observando no terraço e, assim que ele
abriu a porta no canto, eu corri do castelo para tentar
seguir vocês; pois, como eu dizia, tenho certeza de que
nada de bom foi planejado, ou, caso contrário, por que
todo esse sigilo? Então, ele não tinha trancado a porta
depois de passar, é claro, e quando a abri eu vi através
do brilho da tocha no final da passagem, para qual
direção vocês estavam indo. Eu segui a luz, a uma certa
distância, até que vocês chegaram às criptas da capela,
e ali eu fiquei com medo de seguir em frente, pois já
tinha ouvido coisas estranhas sobre essas criptas. Mas,
novamente fiquei com medo de voltar sozinha com tudo
escuro; então, quando Barnardine terminou de arrumar a
tocha eu decidi segui-los, e o fiz até vocês chegarem ao
pátio, lá eu tive medo que ele me visse; logo, fiquei
parada na porta, de novo, e os observei atravessando-o
até os portões e, quando você subiu as escadas, eu corri
atrás. Enquanto eu estava lá embaixo do portal, ouvi
ferraduras de cavalos do lado de fora e vários homens
conversando; ouvi-os brigando com Barnardine por não
lhe trazer para fora, ele quase me viu, pois desceu as
escadas novamente, eu mal tive tempo de sair do
caminho. Mas, já tinha ouvido bastante do seu segredo e
decidi ficar empatada com ele, mas também salvar você,
Ma’amselle, pois assumi que isso fosse um novo plano do
Conde Morano, apesar dele ter ido embora. Eu corri para
o castelo, mas tive que me esforçar para encontrar o
caminho pela passagem no subterrâneo da capela, e o
que é muito estranho, esqueci-me de procurar pelos
fantasmas do quais tinham me falado, embora eu não vá
naquele lugar sozinha de novo por nada no mundo! Por
sorte o Signor e o Signor Cavigni estavam acordados,
então, logo tivemos um grupo atrás de nós, o suficiente
para espantar Barnardine e seus bandidos de uma vez.”
Annette parou de falar, mas Emily parecia ainda
estar escutando. Enfim, ela disse repentinamente: “acho
que vou vê-lo eu mesma; onde ele está?”
Annette perguntou a quem ela se referia.
“Signor Montoni”, respondeu Emily. “Eu quero falar
com ele”; e Annette, lembrando-se da ordem que ele
havia dado na noite anterior, com respeito à sua
senhorinha, levantou-se e disse que iria procurá-lo ela
mesma.
As suspeitas dessa garota honesta, quanto ao Conde
Morano eram perfeitamente justas; Emily também,
quando pensou no plano, atribuiu-o a ele; e Montoni, que
não tinha dúvida alguma quanto a isso, começou a
acreditar que também, sob a direção de Morano, o
veneno havia sido misturado ao seu vinho anteriormente.
As sentenças de arrependimento, que Morano havia
feito para Emily com a dor de seu ferimento, foram
sinceras no momento em que ele as ofereceu; mas, havia
se enganado quanto ao motivo de sua tristeza, pois,
enquanto estava condenando a crueldade de seu plano
recente, ele lamentava apenas o estado de sofrimento ao
qual este havia o reduzido. Quando esses sofrimentos
diminuíram, suas ideias antigas foram revividas até que,
com sua saúde sendo reestabelecida, encontrou-se
pronto para esquemas e dificuldades novamente. O
porteiro do castelo, que o havia servido numa ocasião
anterior, aceitou um segundo suborno de bom grado; e,
tendo orquestrado o meio de atrair Emily até os portões,
Morano saiu publicamente do vilarejo para onde ele
havia sido levado depois do tumulto, e foi embora com
seus criados, para outro a várias milhas de distância. De
lá, numa noite marcada com Barnardine, que havia
descoberto o meio mais provável de armar uma
armadilha para Emily através da conversa descuidada de
Annette, o Conde mandou seus criados de volta ao
castelo, enquanto esperava pela chegada dela no
vilarejo, com a intenção de levá-la, imediatamente, a
Veneza. A maneira como este segundo plano também
terminou frustrado já foi mostrado; mas, as paixões
violentas e variadas com as quais esse amante italiano
estava agitado naquele momento, durante o seu retorno
para aquela cidade, podem apenas serem imaginadas.
Annette deu seu relatório para Montoni sobre a
saúde de Emily e sobre o seu pedido de vê-lo, e ele
respondeu que ela podia esperar por ele na sala de cedro
em aproximadamente uma hora. Era sobre o assunto que
pesava tanto em sua mente que Emily queria falar com
ele, porém ela não sabia direito em qual propósito bom
isso poderia resultar, e, às vezes, até mesmo se contraía
com horror da expectativa de sua presença. Ela também
queria pedir, embora mal ousasse acreditar que o pedido
fosse atendido, que ele a deixasse voltar para seu país
nativo, já que sua tia não estava mais viva.
Conforme o momento da entrevista se aproximava,
a agitação dela aumentou tanto que quase decidiu se
retirar com o que não podia ser chamado de uma doença
fingida; e, quando pensou no que poderia ser dito, tanto
sobre ela própria como sobre o destino de sua tia, ficou,
igualmente, sem esperanças quanto ao resultado de seu
pedido e quanto ao seu efeito no temperamento
vingativo de Montoni. Porém, fingir estar ignorante da
morte dela parecia ser, de certo modo, compartilhar da
criminalidade dele e, realmente, esse fato era a única
coisa na qual ela podia basear seu pedido para sair de
Udolpho.
Enquanto seus pensamentos oscilavam dessa forma,
uma mensagem foi trazida dizendo que Montoni não
poderia vê-la até o dia seguinte; e por um momento o
seu espírito foi libertado de um peso de apreensões
quase intolerável. Annette disse que ela pensava que os
cavalheiros estavam indo para as batalhas novamente,
pois o pátio estava cheio de cavalos, e ela ouviu que o
resto do grupo, que foi embora antes, estava sendo
esperado no castelo. “E eu também ouvi um dos
soldados”, acrescentou ela, “dizer para o seu camarada
que garantia que eles trariam para casa uma quantidade
rara de tesouros. Então, creio eu, se o Signor pode
mandar seus homens saquearem com uma consciência
limpa – oras, isso não é da minha conta. Eu só queria
estar a salvo longe desse castelo de uma vez; e, se não
fosse pelo pobre Ludovico, eu teria deixado os capatazes
do Conde Morano fugirem com nós duas, pois teria sido
tão bom para você, Ma’amselle, quanto para mim”.
Annette poderia ter continuado falando assim por
horas sem interrupção alguma de Emily, que estava em
silêncio, desatenta, absorta em seus pensamentos, e que
havia passado o dia todo num tipo de tranquilidade
solene, tal como é frequentemente o resultado das
faculdades exauridas pelo sofrimento.
Quando a noite voltou, Emily se lembrou da música
misteriosa que havia ouvido recentemente, na qual ela
ainda tinha algum interesse e da qual ela esperava ouvir
a doçura calmante novamente. A influência da
superstição começou a superar a fraqueza de sua mente
atormentada há muito tempo; ela olhava, com uma
expectativa ansiosa, para o espírito guardião de seu pai
e, tendo dispensado Annette pela noite, decidiu esperar
acordada pelo retorno da música sozinha. Contudo, ainda
não estava perto da hora, quando tinha ouvido a música
antes e, ansiosa para distrair seus pensamentos de
assuntos angustiantes, sentou-se com um dos poucos
livros que havia trazido da França; mas sua mente,
recusando-se a ser controlada, ficou inquieta e agitada, e
foi, muitas vezes, para a janela tentar escutar algum
som. Uma vez ela pensou ter ouvido uma voz, mas
então, como tudo permaneceu quieto do lado de fora, ela
concluiu que sua imaginação devia tê-la enganado.
Assim o tempo passou até a meia-noite, e logo em
seguida os sons distantes que murmuravam através do
castelo cessaram, e o sono parecia reinar sobre tudo.
Emily, então, sentou-se à janela, onde logo foi
despertada da reflexão na qual havia mergulhado por
sons muito incomuns, não de música, mas como os
lamentos baixos de alguém em perigo. Conforme ela
escutava, seu coração fraquejou de medo e ela ficou
convencida de que o som anterior foi mais do que
imaginário. Ela ainda ouvia, em intervalos, um tipo de
lamúrio fraco, e procurou descobrir de onde ele vinha.
Havia vários quartos lá embaixo, adjacentes ao adarve, o
qual fora trancado há muito tempo e, como o som
provavelmente vinha de algum deles, ela se inclinou na
janela para ver se alguma luz era visível lá. Os quartos,
tanto quanto ela podia vê-los, estavam bastante escuros,
mas, um pouco distante, no adarve abaixo, ela pensou
ter visto alguma coisa se movendo.
O brilho fraco, que as estrelas concediam, não lhe
permitia distinguir o que aquilo era; mas, ela pensou ser
um guarda de vigia e levou seu lampião para uma parte
mais afastada do quarto, para escapar de ser avistada
durante sua observação.
A mesma coisa ainda estava aparecendo. No
momento, aquilo estava avançando ao longo do adarve,
em direção à sua janela, e ela, então, distinguiu algo que
parecia uma forma humana, mas o silêncio, com o qual
ela se movia, convenceu-a de que não era um guarda de
sentinela. Conforme se aproximava, ela hesitou se saía
ou não; uma curiosidade eletrizante a inclinava a ficar,
mas um medo, que ela mal sabia do quê, alertava-a a ir
embora.
Enquanto ela estava parada, a figura veio em frente
à sua janela e ficou imóvel. Tudo permanecia quieto; ela
não tinha ouvido nem passos e a solenidade desse
silêncio, com a forma misteriosa que ela estava vendo,
subjugou o seu espírito a ponto dela estar saindo da
janela quando, de repente, viu a figura correr para longe
e deslizar ao longo do adarve, depois disso ela se perdeu
na escuridão da noite. Emily continuou a observar o lugar
por algum tempo, e foi para dentro do seu quarto,
refletindo sobre essa circunstância estranha, quase não
duvidando de que tinha visto uma aparição sobrenatural.
Quando seu espírito se recompôs, ela olhou ao redor
procurando alguma outra explicação. Ao se lembrar dos
planos ousados de Montoni, ocorreu-lhe que ela tinha
acabado de ver alguma pessoa que, tendo sido saqueada
pelos capatazes dele, foi trazida ali como um prisioneiro;
e que a música que ela tinha ouvido antes vinha dele.
Porém, se eles tivessem o roubado, ainda parecia
improvável que eles o trouxessem para o castelo, e
também era mais consistente com o comportamento de
bandidos matarem aqueles que eram saqueados do que
torná-los prisioneiros. Mas, o que contradizia a suposição,
de que ele era um prisioneiro mais do que qualquer outra
circunstância, era que ele estava vagando pelo terraço
sem um guarda: uma consideração que a fez abandonar
a primeira suposição imediatamente.
Mais tarde, ela ficou inclinada a acreditar que o
Conde Morano havia conseguido entrar no castelo; mas,
logo se lembrou das dificuldades e perigos que se
oporiam a tal plano, e que, se ele tivesse conseguido vir
sozinho e em silêncio até a janela dela à meia-noite, não
era a conduta que ele teria adotado, particularmente
porque sabia da escada secreta que se comunicava com
o seu aposento; e ele, também, não teria feito os sons
sinistros que ela tinha ouvido.
Outra sugestão mostrou que essa pessoa poderia
ser alguém que tinha interesse no castelo; mas, os sons
lamuriosos também destruíram essa possibilidade. Enfim,
a reflexão só a deixou perplexa. Quem, ou o que, poderia
estar assombrando essa hora solitária, queixando-se com
uma voz tão lúgubre e com uma música tão doce (pois
ela estava inclinada a acreditar que as melodias
anteriores e a aparição recente estavam conectadas), ela
não tinha como afirmar; e a imaginação novamente
assumiu seu império e despertou os mistérios da
superstição.
Contudo, decidiu ficar de vigília na noite seguinte,
quando suas dúvidas talvez fossem esclarecidas; e ela
quase resolveu falar com a figura, se ela aparecesse
novamente.
CAPÍTULO III

Tais são essas sombras espessas, escuras e


úmidas,
Vistas frequentemente em criptas e sepulturas,
Rondando e se sentando em um túmulo aberto
recentemente.
MILTON [ 4 ]

No dia seguinte, Montoni enviou uma segunda


desculpa para Emily, que ficou surpresa com a
circunstância. “Isso é muito estranho!”, disse ela para si
mesma. “A consciência dele lhe contou o propósito da
minha visita e ele está adiando-a para evitar dar uma
explicação.” Ela quase decidiu se colocar no meio do seu
caminho, mas, o medo a impediu. Aquele dia, logo,
passou-se como o anterior, exceto que uma horrível
expectativa, com relação à noite que se aproximava,
perturbava a temerosa calmaria que havia invadido sua
mente.
Perto do anoitecer, a segunda parte do grupo, que
havia feito a primeira excursão entre as montanhas,
voltou para o castelo onde, conforme eles entravam nos
pátios, Emily, em seu quarto remoto, escutava seus
gritos altos e seus cantos exultantes como se fossem as
farras da fúria por algum sacríficio terrível. Ela tinha
medo até mesmo de que eles tivessem cometido algum
ato bárbaro; uma especulação da qual, contudo, Annette
logo a aliviou ao contar que estavam apenas festejando o
saque que haviam trazido. Esta circunstância confirmou,
ainda mais, a opinião dela de que Montoni havia
realmente se tornado um capitão de bandidos e
pretendia recuperar sua fortuna perdida através dos
assaltos a viajantes! De fato, quando ela considerou
todas as circunstâncias dessa situação – num castelo
armado e quase inacessível, isolado entre os recuos das
montanhas inóspitas e solitárias, ao logo de cujos limites
ficavam vilarejos escassos e cidades por onde viajantes
ricos passavam continuamente – dentre todas, esta
parecia ser a localização mais adequada para os planos
de rapina. Portanto, ela cedeu ao pensamento estranho
de que Montoni se tornara um chefe de ladrões. O
caráter dele, sem princípios, destemido, cruel e
planejador, parecia equipá-lo para a situação.
Deleitando-se com o tumulto e as dificuldades da vida,
ele era um estranho para a piedade e igualmente para o
medo; a sua própria coragem era um tipo de ferocidade
animal; não o impulso nobre do princípio, tal qual inspira
a mente contra o opressor a favor da causa do oprimido,
mas, uma dureza de pensamento constitucional, que não
consegue sentir e, portanto, não consegue temer.
A suposição de Emily, apesar de ser natural, era em
parte errônea, pois ela era uma estranha para o estado
desse país e as circunstâncias sob as quais suas guerras
frequentes eram parcialmente conduzidas. Como a renda
de muitos estados da Itália era insuficiente para financiar
exércitos a postos, até mesmo durante períodos curtos,
os quais os hábitos turbulentos tanto dos governantes
quanto das pessoas permitiam se passar em paz, surgiu
uma ordem de homens: soldados dispersos ao final de
cada guerra. Poucos voltavam para seus empregos
seguros, porém não lucrativos, que então eram
normalmente pacíficos. Às vezes, eles iam para outros
países e se misturavam com exércitos que ainda se
mantinham no ramo. Em outras ocasiões, formavam
grupos de ladrões e ocupavam fortalezas remotas, onde
o seu caráter desesperado, a fraqueza dos governos que
eles ofenderam e a certeza de que poderiam ser
reconvocados para o exército, quando sua presença
fosse requerida novamente os preveniam de serem
muito seduzidos pelo poder civil; e, algumas vezes, eles
se apegavam à fortuna de um líder popular, através do
qual eram conduzidos ao serviço de qualquer estado que
decidisse com ele o preço de sua bravura. Dessa prática
surgiu o seu nome: mercenários; um termo temido em
toda a Itália, numa época que terminou na primeira parte
do século dezessete, mas da qual é difícil afirmar o início.
Disputas entre os estados menores eram então, de
sua maior parte, questões apenas de planejamento, e as
probabilidades de sucesso eram estimadas não pela
habilidade, mas pela coragem pessoal do general e dos
soldados. A habilidade necessária para a condução de
operações tediosas era pouco estimada. Era suficiente
saber como um grupo seria conduzido até seus inimigos
com o maior sigilo, ou conduzidos para longe deles da
forma mais compacta. O oficial estava se metendo em
uma situação na qual, se não fosse pelo seu exemplo, os
soldados talvez não tivessem se aventurado; e, como os
grupos oponentes sabiam pouco dos fortes uns dos
outros, o resultado do dia era frequentemente
determinado pela audácia dos primeiros movimentos. Em
tais serviços, os mercenários eram eminentes, e
naqueles onde um saque sempre se sucederia ao
sucesso, o caráter deles adquiria uma mistura de
intrepidez e libertinagem que assustava até mesmo
aqueles a quem eles serviam.
Quando não estavam ocupados dessa forma, o
chefe deles, normalmente, tinha a sua própria fortaleza,
na qual, ou em cuja vizinhança, eles aproveitavam um
descanso penoso; e, embora suas vontades fossem
atendidas pelas propriedades dos habitantes algumas
vezes, a distribuição generosa de seus lucros outras
vezes os impediam de serem insuportáveis; e os
camponeses, de tais distritos, gradualmente passavam a
partilhar do caráter de seus visitantes guerrilheiros. Os
governos das redondezas, às vezes, prometiam, mas
raramente se empenhavam em reprimir essas
comunidades paramilitares; tanto porque era difícil fazê-
lo, quanto porque a proteção disfarçada desses garantia
um corpo de homens para o serviço de suas guerras que
não poderiam ser mantidos de outra forma custando tão
pouco, ou sendo tão perfeitamente qualificados. Os
comandantes, às vezes, confiavam tanto nessa política
de poderes variados a ponto de frequentar suas capitais;
e Montoni, depois de tê-los encontrado nas festas de
jogatina em Veneza e Pádua, quis emular o caráter deles
antes que sua fortuna perdida o tentasse a adotar suas
práticas. Foi para o planejamento desse presente plano
de vida que as reuniões eram feitas na mansão de
Veneza, e nas quais Orsino e alguns outros membros da
comunidade atual assistiram com sugestões, as quais
eles haviam executado, desde então, com a destruição
de suas fortunas.
Com o retorno da noite, Emily voltou ao seu posto
na janela. A lua estava lá; e, conforme ela subia por entre
a floresta em tufos, sua luz amarelada servia para
mostrar o terraço solitário e os objetos ao redor mais
distintamente do que o brilho das estrelas havia feito, e
ela prometia auxiliar Emily em suas observações, se a
figura misteriosa voltasse. Ela oscilou em suposições com
relação a esse assunto novamente e hesitou pensando se
falava com a figura, o que um interesse forte e quase
irresistível a estimulava a fazer; mas o medo, em
intervalos, a tornava relutante em fazê-lo.
“Se essa pessoa tem interesse no castelo”, disse
ela, “a minha curiosidade pode ser fatal; porém, a
música misteriosa e os lamentos que eu ouvi certamente
devem ter vindo dela. Se for isso, ela não pode ser um
inimigo”.
Ela, então, pensou em sua pobre tia e,
estremecendo com o pesar e o horror, as sugestões da
imaginação tomaram conta de sua mente novamente
com toda a força da verdade, ela acreditou que a tal
figura era sobrenatural. Ela tremia, respirava com
dificuldade, uma frieza gélida tocava suas bochechas e
seus medos ultrapassaram o seu julgamento por algum
tempo. A sua resolução a abandonou e ela decidiu não
falar com a figura, caso ela aparecesse.
Assim o tempo se passou, enquanto ela estava
sentada em sua janela, assustada com a expectativa,
com as trevas e o silêncio da meia-noite; pois com o luar
só via obscuramente as montanhas e a floresta, um
aglomerado de torres que formavam o ângulo oeste do
castelo, e o terraço abaixo; e não ouvia som algum,
exceto a palavra de ordem solitária, passada entre os
vigias de serviço, de vez em quando, e em seguida, os
passos dos homens que vinham tomar seus postos, os
quais ela reconheceu a distância, no adarve, por suas
lanças, que brilhavam nos raios do luar, e pelas palavras
rápidas com as quais eles saudavam seus companheiros
da noite. Emily voltou para dentro de seu quarto,
enquanto eles passavam pela janela. Quando ela voltou
para lá, tudo estava quieto. Era bem tarde, ela estava
exausta da vigília, e começou a duvidar da realidade do
que havia visto na noite anterior; mas, ainda
permaneceu na janela, pois sua mente estava
atormentada demais para permitir o sono. A lua brilhava
com um lustre límpido que lhe dava uma visão completa
do terraço; mas, ela só viu um guarda solitário andando
de um lado para o outro em um extremo dele; e, enfim,
cansada de ter expectativas, ela saiu para procurar
repouso.
Contudo, tal foi a impressão deixada em sua mente,
pela música e pelo lamúrio, que ela havia ouvido
anteriormente, como também pela figura que ela
pensava ter visto, que decidiu repetir a vigília na noite
seguinte.
No dia seguinte, Montoni não se lembrou da visita
marcada de Emily, mas ela, mais ansiosa do que nunca
para vê-lo, enviou Annette para perguntar a que horas
ele a veria. Ele disse às onze horas e Emily foi pontual
quando invocou toda a sua fortaleza para aguentar o
choque da presença dele e as lembranças terríveis que
isso forçava. Ele estava com vários de seus oficiais na
sala de cedro; ao vê-los, ela parou; e sua agitação
aumentou ao passo que ele continuava a conversar com
eles, aparentemente sem percebê-la, até que alguns de
seus oficiais, ao se virarem, viram Emily e pronunciaram
uma exclamação. Ela estava saindo apressadamente,
quando a voz de Montoni a parou e, com uma voz
fraquejante, ela disse: “eu gostaria de falar com você,
Signor Montoni, se você estiver desocupado”.
“Estes são os meus amigos”, ele respondeu, “o que
você tiver a dizer, eles podem ouvir”.
Emily, sem responder, virou-se dos olhares rudes
dos cavalheiros, e, então, Montoni a seguiu até o
corredor, de onde a levou para um quarto pequeno, no
qual ele fechou a porta com violência. Quando olhou para
o rosto sombrio dele, ela pensou novamente que estava
vendo o assassino de sua tia; e sua mente ficou tão
convulsionada de medo que não teve o poder de pensar
o suficiente para explicar o propósito de sua visita; e
confiar em si mesma para mencionar o nome de Madame
Montoni era mais do que ela ousava fazer.
Enfim, Montoni perguntou impacientemente, o que
ela tinha a dizer? “Eu não tenho tempo para
brincadeiras”, ele acrescentou, “meu tempo é
importante”.
Emily, então, disse-lhe que queria voltar para a
França, e chegou a implorar que ele a deixasse fazê-lo.
Mas, ele pareceu surpreso e perguntou o motivo de seu
pedido, ela hesitou, ficou mais pálida do que antes,
tremeu, e quase desmaiou aos seus pés. Ele percebeu a
emoção dela com uma indiferença aparente e
interrompeu o silêncio dizendo-lhe que ele tinha que ir.
Emily, contudo, se recompôs suficientemente para
conseguir repetir seu pedido. E, quando Montoni o
recusou absolutamente, a sua mente dormente foi
acordada.
“Eu não posso mais ficar aqui de maneira
apropriada, senhor”, disse ela, “e eu posso perguntar
com que direito você me detém?”
“É a minha vontade que você permaneça aqui”,
disse Montoni, colocando sua mão na porta para sair;
“que isto lhe seja suficiente”.
Considerando que não tinha como apelar contra a
vontade dele, Emily evitou discutir o direito que ele tinha,
e fez uma tentativa débil de persuadi-lo a ser justo.
“Enquanto minha tia estava viva, senhor”, disse ela com
uma voz trêmula, “a minha residência aqui não era
inapropriada; mas, agora que ela não vive mais,
certamente eu posso ser permitida ir embora. A minha
estadia não pode lhe beneficiar, senhor, e vai apenas me
deixar aflita”.
“Quem lhe disse que Madame Montoni está morta?”,
disse Montoni, com um olhar inquisitivo. Emily hesitou,
pois ninguém tinha lhe contado, e ela não ousou
confessar ter visto o espetáculo no quarto em cima do
portão de entrada, que havia a compelido a acreditar
naquilo.
“Quem lhe disse?”, ele repetiu mais severamente.
“Ah! Eu sei muito bem disso”, respondeu Emily.
“Poupe-me desse assunto terrível!”
Ela se sentou num banco para se segurar.
“Se você quiser vê-la”, disse Montoni, “você pode;
ela está na torre leste”.
Ele saiu do quarto, sem esperar pela resposta, e
voltou para a sala de cedro, onde os cavalheiros, que não
tinham visto Emily antes, começaram a animá-lo com a
descoberta que eles haviam feito; mas, Montoni não
parecia estar disposto a tolerar essa alegria, e eles
mudaram de assunto.
Tendo falado sobre o plano para uma excursão com
o sutil Orsino, a qual ele planejava para um dia futuro,
seu amigo aconselhou que eles devessem ficar
esperando pelo inimigo, ao que Verezzi se opôs
impetuosamente, repreendeu Orsino sem muito jeito, e
jurou que se Montoni o deixasse liderar cinquenta
homens, ele conquistaria todos que se opusessem a ele.
Orsino sorriu desdenhosamente; Montoni sorriu
também, mas escutou. Então, Verezzi prosseguiu com
declarações veementes e, até que foi parado por um
argumento de Orsino, ao qual ele não soube responder
com algo melhor do que insultos. Seu espírito feroz
detestava a cautela ardilosa de Orsino, que ele
contradizia constantemente, e a cujo ódio incorrigível,
embora silencioso, ele havia ficado sujeito há muito
tempo. E Montoni era um calmo observador de ambos,
cujas qualificações diferentes ele conhecia, e sabia como
dobrar os caráteres opostos deles à perfeição de seus
próprios planos. Mas, Verezzi, no calor da disputa, não
teve escrúpulos em acusar Orsino de covardia, no que o
rosto do último foi tomado por uma palidez lívida,
enquanto ele não tinha respondido; e Montoni, que
assistia à espreita, viu-o colocar sua mão no peito
rapidamente. Contudo, Verezzi, cuja face brilhando de
vermelha formava um contraste impressionante com a
expressão facial de Orsino, não comentou sobre a ação e
continuou discursando audaciosamente contra as
covardias de Cavigni, que ria maliciosamente da
veemência dele e da mortificação silênciosa de Orsino,
quando este, recuando alguns passos para trás, pegou
um punhal para apunhalar seu adversário pelas costas.
Montoni segurou o braço meio estendido dele e, com um
olhar significativo, fê-lo colocar o punhal de volta em seu
tórax, sem ser visto por ninguém a não ser ele mesmo;
pois, a maior parte do grupo estava discutindo em uma
janela distante sobre a localização de um vale onde eles
deveriam armar uma emboscada.
Quando Verezzi se virou, o ódio mortal expresso nas
feições de seu oponente levantou, pela primeira vez,
uma suspeita da sua intenção, ele colocou a mão em sua
espada, e, parecendo se recompor, foi até Montoni.
“Signor”, disse ele com um olhar significativo para
Orsino, “nós não somos um bando de assassinos; se você
tiver uma tarefa para homens bravos, coloque-me nesta
expedição. Você terá a última gota do meu sangue; se
você só tiver tarefas para covardes, fique com ele”,
apontando para Orsino, “e me deixe sair de Udolpho”.
Orsino, ainda mais inflamado, pegou seu punhal
novamente, e correu em direção a Verezzi, que, no
mesmo instante, avançou com sua espada, quando
Montoni e o resto do grupo interferiram e os separaram.
“Esta é a conduta de um menino”, disse Montoni,
“não a de um homem. Seja mais moderado em seus
discursos”.
“Moderação é a virtude dos covardes”, replicou
Verezzi; “eles são moderados em tudo, menos no medo”.
“Eu aceito as suas palavras”, disse Montoni, virando-
se para ele com um olhar feroz e arrogante, e tirando sua
espada da bainha.
“Com todo o meu coração”, exclamou Verezzi,
“embora eu não as tenha dirigido a você”.
Ele dirigiu um golpe a Montoni; e, enquanto eles
brigavam, o vilão Orsino fez outra tentativa de apunhalar
Verezzi e foi detido novamente.
Os combatentes foram separados finalmente; e,
após uma discussão longa e violenta, reconciliados.
Montoni, então, saiu do cômodo com Orsino, os quais se
mantiveram numa reunião particular por um tempo
considerável.
Emily, enquanto isso, chocada com as palavras de
Montoni, esqueceu-se, temporariamente, da declaração
dele, de que ela deveria permanecer no castelo,
enquanto pensava em sua pobre tia, que ele havia dito
que fora colocada na torre leste. Deixar que os restos
mortais de sua esposa ficassem desenterrados tanto
tempo assim parecia ser de um grau de brutalidade mais
chocante do que ela havia suspeitado que até mesmo
Montoni pudesse praticar.
Após uma longa indecisão, ela decidiu aceitar a
permissão dele para visitar a torre e ter uma última visão
de sua tia desafortunada: com qual plano ela voltou para
seu quarto e, enquanto esperava por Annette para
acompanhá-la, se empenhou em adquirir a fortaleza
suficiente para aguentar a cena que se aproximava; pois,
apesar de tremer ao encontrá-la, ela sabia que a
lembrança desse último ato de dever lhe daria uma
satisfação consoladora dali em diante.
Annette chegou e Emily contou o seu propósito, do
qual a primeira se esforçou para dissuadi-la, porém sem
efeito, e Annette foi convencida, com muita dificuldade, a
acompanhá-la até a torre; mas nada conseguiu fazê-la
prometer entrar na câmara da morte.
Elas saíram do corredor e, tendo chegado ao pé da
escada que Emily havia subido antes, Annette declarou
que não iria mais adiante e Emily prosseguiu sozinha.
Quando ela viu a trilha de sangue que tinha reparado
antes seu espírito se enfraqueceu e, sendo forçada a
descansar na escada, quase decidiu não ir mais em
frente. A pausa por alguns instantes restaurou sua
resolução e ela prosseguiu.
Enquanto se aproximava do andar, no qual o quarto
mais alto ficava, ela se lembrou de que a porta estava
trancada, e teve medo de que ela ainda estivesse.
Contudo, estava enganada quanto a esta expectativa;
pois a porta se abriu de uma vez para um quarto escuro
e silencioso, em volta do qual ela olhou apavorada, e,
então, avançou devagar, quando uma voz fraca falou.
Emily, que ficou incapaz de falar ou de se mover de onde
estava, não pronunciou nenhum som de terror. A voz
falou novamente; e, pensando que parecia a voz de
Madame Montoni, o espírito de Emily ficou agitado
instantaneamente; ela correu em direção a uma cama
que ficava numa parte distante do quarto, e abriu as
cortinas. Lá apareceu um rosto pálido e emaciado. Ela se
assustou e recuou, então avançou novamente,
estremeceu ao pegar a mão esquelética que estava
esticada em cima da manta; deixou-a cair e contemplou
o rosto com um olhar demorado e inquieto. Era o de
Madame Montoni, apesar de estar tão mudado pela
enfermidade que a semelhança com o que ele era antes
mal podia ser encontrada no que ele parecia ser agora.
Ela ainda estava viva e, erguendo seus olhos pesados,
voltou-os para sua sobrinha.
“Onde você esteve por tanto tempo?”, perguntou
ela no mesmo tom. “Eu pensei que você tinha me
abandonado.”
“Você está mesmo viva”, disse Emily, finalmente,
“ou isto é só uma aparição terrível?”, ela não recebeu
resposta alguma, e novamente pegou a mão. “Isto é
substância”, ela exclamou, “mas está fria... fria como
mármore!” Ela a deixou cair. “Oh, se você está realmente
viva, fale!”, disse Emily numa voz de desespero, “para
que eu não perca meus sentidos. Diga que você me
conhece!”
“Eu estou mesmo viva”, respondeu Madame
Montoni, “mas, eu sinto que estou prestes a morrer”.
Emily agarrou a mão que estava segurando mais
ansiosamente ainda e gemeu. Ambas ficaram em silêncio
por alguns instantes. Então, Emily se empenhou em
confortá-la e perguntou o que a havia reduzido a esse
atual estado deplorável.
Quando Montoni tinha a levado para a torre, com a
suspeita improvável que ela tivesse tentado matá-lo, ele
havia ordenado que os homens encarregados da ocasião
mantivessem um sigilo estrito com relação a ela. Ele foi
influenciado a fazer isto por um motivo duplo. Queria
privá-la das visitas de Emily e garantir uma oportunidade
de se livrar dela secretamente, se quaisquer
circunstâncias novas ocorressem confirmando as
sugestões atuais da mente suspeita dele. A sua
consciência do ódio que ele merecia o levaria, muito
naturalmente, a atribuir primeiro a ela o atentado à sua
vida; e, apesar de não haver outra razão para acreditar
que ela estava envolvida naquele plano detestável, suas
suspeitas permaneceram; ele continuou a confiná-la na
torre com uma guarda severa; e, sem pena ou remorso,
havia a deixado ficar desamparada e negligenciada com
uma febre ardente, até que isso a reduziu ao seu estado
atual.
A trilha de sangue que Emily havia visto nas escadas
tinha vindo do ferimento sem atadura de um dos homens
encarregados de carregar Madame Montoni, o que ele
havia recebido na briga recente. À noite esses homens,
depois de ficarem satisfeitos trancando a porta do quarto
de sua prisioneira, haviam saído do posto; e foi então
que Emily, em sua primeira investigação, havia
encontrado a torre tão silenciosa e deserta.
Quando ela tentou abrir a porta do quarto, sua tia
estava dormindo e isto causou o silêncio que havia
contribuído para iludi-la acreditando que ela não estava
mais viva; porém, se o seu medo a tivesse deixado
continuar na busca por mais tempo, ela provavelmente
teria acordado Madame Montoni e poupado muito
sofrimento. O espetáculo no quarto do portão de entrada,
que havia confirmado as suspeitas terríveis de Emily,
depois disso, era o corpo de um homem que havia
morrido na briga, o mesmo que tinha sido levado para o
salão dos criados, onde ela se refugiou do tumulto. Esse
homem tinha aguentado seus ferimentos por alguns dias;
e, logo após a sua morte, seu corpo tinha sido levado no
sofá onde ele morrera para ser enterrado na cripta
embaixo da capela, pela qual Emily e Barnardine tinham
passado no caminho até o quarto.
Após fazer mil perguntas para Madame Montoni,
Emily a deixou e procurou Montoni; pois, a preocupação
mais solene que ela sentia por sua tia a fez não se
importar com o ressentimento que seus protestos
poderiam trazer sobre ela própria, ou com a
improbabilidade de que ele concedesse o que ela queria
pedir.
“Madame Montoni está morrendo, senhor”, disse
Emily assim que o viu. “O seu ressentimento,
certamente, não vai persegui-la até o último momento!
Deixe que ela seja levada daquele quarto abandonado
para o quarto dela, e que ela receba os confortos
necessários.”
“De que isso vai adiantar se ela está morrendo?”,
disse Montoni com uma indiferença aparente.
“Adiantará, no mínimo, para salvá-lo, senhor, de
algumas daquelas dores na consciência, que você sentirá
quando estiver na mesma situação”, disse Emily, com
uma indignação imprudente, do que Montoni a fez ficar
ciente ao ordenar que ela saísse da presença dele. Então,
esquecendo-se do ressentimento dele e sendo
impulsionada apenas pela compaixão, pelo estado, de
dar dó, de sua tia, morrendo sem assistência, ela se
humilhou diante de Montoni e adotou todos os meios
persuasivos para induzi-lo a ter pena de sua esposa.
Durante um tempo considerável, ele foi à prova de
tudo que ela disse e tudo que ela demonstrava; mas,
enfim, a divindade da piedade brilhando nos olhos de
Emily pareceu tocar o seu coração. Ele se virou,
envergonhado de seus sentimentos mais nobres, meio
rabugento e meio com pena; mas, finalmente, consentiu
que sua esposa fosse levada para seu próprio quarto e
que Emily cuidasse dela. Igualmente com medo de que
essa ajuda chegasse tarde demais, e que Montoni
voltasse atrás em sua concessão, Emily mal ficou para
agradecê-lo, mas, ajudada por Annette, preparou a cama
de Madame Montoni, rapidamente, e levaram para ela
um tônico que podia ajudar o seu corpo enfraquecido a
aguentar a fadiga da mudança.
Madame mal tinha chegado em seu aposento,
quando uma ordem foi dada, por seu marido, que ela
deveria permanecer na torre; mas Emily, grata por ter
feito isso logo, correu para informá-lo que uma segunda
mudança seria fatal, instantaneamente, e ele deixou que
sua esposa continuasse onde estava.
Durante esse dia, Emily não saiu de perto de
Madame Montoni, exceto para preparar coisinhas
nutritivas que ela julgava serem necessárias para dar-lhe
sustento, e as quais Madame Montoni recebia com um
consentimento quieto, embora parecesse estar ciente de
que eles não poderiam salvá-la da dissolução iminente, e
mal parecia querer viver. Emily, enquanto isso, tomava
conta dela com a dedicação mais carinhosa, não vendo
mais sua tia autoritária no pobre objeto à sua frente, mas
a irmã de um pai falecido, muito querido, numa situação
que pedia toda a compaixão e bondade. Quando a noite
chegou, ela decidiu ficar acordada com sua tia, mas a
última proibiu decididamente, ordenando que ela fosse
descansar e que apenas Annette ficasse no quarto. O
repouso era, de fato, necessário para Emily, cujo espírito
e mente estavam igualmente desgastados pelas
ocorrências e pelos esforços do dia; mas, ela não deixou
Madame Montoni até depois da batida da meia-noite, um
período que era considerado muito crítico pelos médicos
na época.
Logo após a meia-noite, depois de mandar que
Annette ficasse vigilante e a chamasse caso qualquer
coisa piorasse, Emily deu boa-noite para Madame
Montoni, tristemente, e foi para o seu quarto. Seu
espírito estava mais deprimido do que de costume
devido à condição penosa de sua tia, cuja recuperação
ela não ousava esperar. Quanto aos seus próprios
infortúnios, não via nenhum final, presa como estava em
um castelo isolado, além do alcançe de qualquer amigo,
se ela tivesse algum, e além do alcance até mesmo da
piedade de estranhos; enquanto ela sabia estar sob o
poder um homem capaz de qualquer ação, que o seu
interesse, ou a sua ambição, sugerisse.
Tomada pelas reflexões melancólicas e pelas
antecipações tão tristes, ela não foi descansar
imediatamente, mas se inclinou pensativamente em sua
janela. O cenário de florestas e montanhas à sua frente,
repousando ao luar, formava um contraste lamentável
com o estado de sua mente; mas o múrmurio solitário da
floresta, e a vista dessa paisagem adormecida,
gradualmente, acalmaram suas emoções e as
suavizaram com lágrimas.
Ela continuou a chorar por algum tempo, perdida
para tudo menos para o senso gentil de seus infortúnios.
Quando, enfim, tirou o lenço de seus olhos, ela viu à sua
frente, no terraço abaixo, a figura que ela tinha visto
antes, parada e silenciosa, do lado oposto à sua janela.
Ao vê-la, ela recuou assustada, e, por algum tempo, o
pavor superou a sua curiosidade. Finalmente, ela voltou
para a janela e a figura ainda estava na frente dela, a
qual ela agora se forçou para observar, mas ficou
completamente incapaz de falar como tinha pretendido.
A lua brilhava com uma luz límpida, e talvez fosse a
agitação de sua mente que a previnisse de distinguir,
com qualquer grau de certidão, a forma diante dela. Ela
ainda estava parada, e Emily começou a duvidar se
estava mesmo viva.
Seus pensamentos dispersos se reorganizaram a
ponto de lembrá-la que o seu lampião a expunha a uma
observação perigosa, e ela estava se afastando para
removê-lo, quando viu a figura se mexer e acenar com o
que parecia ser o seu braço, como se a estivesse
chamando; e, enquanto ela a contemplava, paralisada de
medo, a figura repetiu o movimento. Emily tentou falar,
mas as palavras morreram em seus lábios e ela saiu da
janela para remover seu lampião; enquanto o fazia, ouviu
um grunhido fraco do lado de fora. Escutando, mas sem
ousar voltar, ela o ouviu ser repetido imediatamente.
“Bom Deus! O que isso quer dizer!”, disse ela.
Escutou novamente, mas o som não veio mais; e
após um longo intervalo de silêncio, ela recuperou a
coragem, o suficiente para ir até a janela, quando viu
novamente a mesma aparição! Ela a chamou, de novo, e
fez um som baixo.
“Aquele grunhido era certamente humano!”, disse
ela. “Eu vou falar.” “Quem é...”, perguntou Emily com
uma voz fraca, “que está vagando tão tarde assim?”
A figura ergueu a cabeça, mas fugiu,
repentinamente, e deslizou pelo terraço. Ela a observou
por um bom tempo, passando agilmente pela luz do luar,
mas não ouviu passo algum, até que um guarda de
sentinela, da outra extremidade do adarve, veio andando
lentamente. O homem parou em frente à sua janela e,
olhando para cima, chamou-a pelo seu nome. Ela estava
saindo, precipitadamente, mas um segundo chamado a
induziu a responder, o soldado, então, perguntou-lhe,
respeitosamente, se ela tinha visto algo passar. Ao
responder que sim, ele não disse mais nada, mas saiu
andando pelo terraço, e Emily o seguiu com seus olhos
até que ele se perdeu na distância. Contudo, como ele
estava de guarda, ela sabia que não poderia ir além do
adarve e, portanto, resolveu esperar pelo retorno dele.
Logo em seguida, uma voz distante foi ouvida
chamando alto; e, então, um barulho ainda mais alto
respondeu e, no instante seguinte, a palavra de ordem
foi dada e transmitida ao longo do terraço. Enquanto os
soldados se moviam apressadamente, embaixo da
janela, ela os chamou para perguntar o que havia
acontecido; mas, eles passaram sem prestar atenção
nela.
Os pensamentos de Emily voltaram para a figura
que ela havia visto. “Não pode ser uma pessoa que tem
interesse no castelo”, disse ela; “alguém assim se
conduziria muito diferentemente. Ele não se aventuraria
onde os vigias estavam de guarda, nem se fixaria em
frente a uma janela onde ele percebeu que podia ser
visto; muito menos acenaria, ou faria barulhos de
lamentos. Mas, não pode ser um prisioneiro, pois como
ele teria a oportunidade de passear assim?”
Se fosse sujeita à vaidade, ela poderia ter suposto
que aquela figura era algum habitante do castelo que
passava embaixo da sua janela na esperança de vê-la, e
de ser permitido declarar a sua admiração; mas, essa
opinião nunca ocorreu a Emily e, se tivesse, ela a teria
dispensado como sendo improvável ao considerar que,
quando a oportunidade de falar ocorrera, ela fora
deixada passar em silêncio; e que, até mesmo no
momento em que ela havia falado, a figura parecia ter
deixado o lugar abruptamente.
À medida que ela refletia, dois guardas vieram pelo
adarve conversando animadamente, ela ouviu algumas
palavras e descobriu, com estas, que um de seus
companheiros havia desmaiado. Logo em seguida, outros
três soldados apareceram avançando lentamente dos
fundos do terraço, mas ela só ouvia uma voz baixa que
vinha em intervalos. Quando eles se aproximaram,
percebeu que essa era a voz daquele que andava no
meio, aparentemente apoiado em seus companheiros;
chamou-os novamente, perguntando o que tinha
acontecido. Com o som da sua voz eles pararam e
olharam para cima, enquanto ela repetia sua pergunta, e
a contaram que Roberto, seu companheiro de turno,
havia tido uma crise e que seu grito, enquanto estava
caindo, havia causado um alarme falso.
“Ele é sujeito a crises?”, perguntou Emily.
“Sim, Signora”, respondeu Roberto; “mas se eu não
fosse, o que eu vi seria suficiente para aterrorizar o
próprio Papa”.
“O que foi?”, perguntou Emily tremendo.
“Eu não sei lhe dizer o que era, Lady, ou o que eu vi,
ou como aquilo desapareceu”, respondeu o soldado, que
pareceu estremecer com a lembrança.
“Foi a pessoa que você seguiu pelo adarve que lhe
causou esse susto?”, perguntou Emily, esforçando-se
para esconder o seu próprio.
“Pessoa!”, exclamou o homem. “Era o demônio e
essa não é a primeira vez que eu o vi!”
“Nem será a última”, observou um de seus colegas,
rindo.
“Não, não, eu não o garanto!”, disse outro.
“Bom”, replicou Roberto, “você pode ficar tão alegre
quanto quiser; você não estava tão brincalhão na outra
noite, Sebastian, quando estava de guarda com o
Launcelot”.
“O Launcelot não precisa falar sobre aquilo”,
respondeu Sebastian, “deixe-o se lembrar como ele ficou
tremendo e incapaz de falar a palavra até que o homem
tivesse ido embora. Se o homem não tivesse vindo até
nós tão silenciosamente, eu teria o agarrado e o feito
dizer quem ele era”.
“Que homem?”, perguntou Emily.
“Não era um homem, Lady”, disse Launcelot, que
estava por perto, “mas o próprio diabo, como o meu
camarada diz. Que homem que não mora neste castelo
poderia passar dos muros à meia-noite? Oras, se fosse
assim eu poderia fingir marchar até Veneza e ficar no
meio dos Senadores, quando eles estivessem em
reunião; e eu garanto que teria mais chances de sair de
lá vivo do que qualquer sujeito que nós apanhássemos
dentro dos portões depois de escurecer. Então, acho que
já provei bem o bastante que não pode ser alguém que
mora no castelo, pois, se fosse , por que ele teria medo
de ser visto? Então, depois disso eu espero que ninguém
tente me dizer que era alguma pessoa. Não, eu digo
novamente, pelo santo Papa! Era o demônio e o
Sebastian aqui sabe que essa não é a primeira vez que
nós o vimos”.
“Então, quando vocês viram a figura antes?”,
perguntou Emily, com um sorriso parcial, que, apesar de
pensar que a conversa havia sido um pouco demasiada,
sentia um interesse que não a deixava declinar.
“Perto de uma semana atrás, Lady”, disse
Sebastian, assumindo a história.
“E onde?”
“No adarve, Lady, mais acima.”
“Você a perseguiu e ela fugiu?”
“Não, Signora. Launcelot e eu estávamos de guarda
juntos, e tudo estava tão quieto que você podia ouvir um
rato se mexer, quando, de repente, Launcelot disse:
‘Sebastian! Você não está vendo nada?’ Eu virei minha
cabeça um pouco para a direita, como poderia ser...
então. Não, disse eu. ‘Silêncio!’, disse Launcelot, ‘olhe
lá... perto do último canhão do adarve!’ Eu olhei e pensei
ter visto algo se mexendo; mas, como não havia outra
luz, além da que as estrelas forneciam, eu não pude ter
certeza. Nós ficamos bem silenciosos para observar, e,
imediatamente, vimos algo passar pela muralha do
castelo bem em frente a nós!”
“Por que vocês não o agarraram?”, perguntou
Roberto.
“Você tinha que ter estado lá para fazer isso”,
respondeu Sebastian. “Você teria sido audaz o bastante
para agarrá-lo pela garganta, apesar de ter sido o próprio
demônio; nós não tomamos essa liberdade, talvez,
porque nós não o conhecemos tão bem quanto você.
Mas, como eu estava dizendo, ele passou por nós tão
rápido que não tivemos tempo de sair da nossa surpresa
antes dele ter desaparecido. Nós sabíamos que segui-lo
seria em vão. Ficamos de vigia constante a noite toda,
mas não o vimos mais. Na manhã seguinte, contamos o
que tínhamos visto para alguns de nossos colegas, que
estavam de guarda, em outras partes dos adarves; mas,
eles não viram nada e riram de nós, até a meia-noite a
figura não tinha passado novamente.”
“Onde você a perdeu, amigo?”, perguntou Emily
para Robert.
“Quando eu lhe deixei, Lady”, respondeu o homem,
“você consegue me ver descer pelo adarve, mas não foi
até eu ter alcançado o terraço leste que vi alguma coisa.
Então, com a lua brilhando forte, eu vi algo parecido com
uma sombra correndo na minha frente, como se
estivesse um pouco distante. Eu parei e fiz a curva na
torre leste, onde tinha visto essa figura há um instante
atrás, mas ela tinha sumido! Enquanto eu estava parado
olhando através da arcada velha, que leva até o adarve
leste, e por onde tenho certeza que ela passou, ouvi, de
repente, um som! Não era parecido com um gemido, ou
um choro, ou um grito, ou nada que eu já tivesse ouvido
em minha vida. Eu só o ouvi uma vez, e aquilo foi o
suficiente para mim, pois não sei nada do que aconteceu
depois até encontrar meus colegas aqui, em volta de
mim.”
“Venha”, disse Sebastian, “vamos para os nossos
postos. A lua está descendo. Boa noite, Lady!”
“Sim, vamos”, respondeu Roberto. “Boa noite, Lady.”
“Boa noite; que a Santa Mãe lhes guarde!”, disse
Emily, enquanto fechava sua janela e ia refletir sobre a
circunstância estranha que acabara de ocorrer,
associando esta com o que havia acontecido nas noites
anteriores, empenhou-se em tirar do conjunto algo mais
certo do que suposições. Mas, a sua imaginação estava
em chamas, ao passo que seu julgamento não estava
iluminado, e os terrores da superstição invadiram sua
mente, de novo.
CAPÍTULO IV

Há alguém lá dentro,
Além das coisas que nós ouvimos e vimos,
Que conta das visões mais horrendas já vistas
pelos guardas. [ 5 ]
JÚLIO CÉSAR

Emily, pela manhã, encontrou Madame Montoni,


quase na mesma condição da noite anterior; ela tinha
dormido pouco, e esse pouco não a tinha restaurado; ela
sorriu para sua sobrinha e parecia alegre com a presença
dela, mas só falava algumas palavras e nunca
mencionava Montoni, que, no entanto, entrou no quarto
logo em seguida. Quando Madame Montoni compreendeu
que ele estava lá, pareceu ficar muito agitada, mas se
manteve completamente calada, até que Emily se
levantou de uma cadeira ao lado da cama, momento em
que ela implorou, com uma voz fraca, que a sobrinha não
a deixasse.
A visita de Montoni não era para acalmar sua
esposa, a qual ele sabia que estava morrendo, ou mesmo
para consolá-la, pedir seu perdão, mas para fazer um
último esforço a fim de conseguir aquela assinatura que
transferiria as propriedades dela em Languedoc, após a
sua morte, para ele, ao invés de para Emily. Essa era
uma cena que exibia, da parte dele, a sua desumanidade
habitual, e da de Madame Montoni, um espírito
perseverante lutando contra um corpo fraco. Emily,
contudo, declarava repetidamente para ele que ela
preferiria desistir de todo direito àquelas propriedades do
que ver as últimas horas de sua tia ser perturbadas pela
discórdia. Montoni, porém, não saiu do quarto até que
sua esposa, exausta com a discussão obstinada,
desmaiou e ficou desacordada, por tanto tempo que
Emily começou a temer que a chama da vida houvesse
se extinguido. Finalmente, ela acordou e, olhando
fracamente para sua sobrinha, cujas lágrimas estavam
caindo sobre ela, fez um esforço para falar, mas suas
palavras eram ininteligíveis, e Emily ficou com medo de
que estivesse morrendo. Depois, contudo, ela recuperou
a fala e, depois de ser um pouco restaurada por um
tônico, conversou sobre o assunto de suas propriedades
na França, com clareza e precisão, por um tempo
considerável. Ela guiou sua sobrinha até o local onde ela
encontraria alguns documentos relativos a elas, os quais
ela tinha escondido de Montoni até então, e ordenou,
ansiosamente, que ela nunca perdesse esses papéis.
Logo após essa conversa, Madame Montoni caiu
num sono e continuou dormindo até a noite, quando
pareceu estar melhor do que tinha estado desde que foi
tirada da torre. Emily não a deixava por um momento
sequer, até a meia-noite, e não teria saído do quarto se
sua tia não tivesse pedido que ela fosse descansar.
Então, obedeceu, ainda mais voluntariamente, porque
sua paciente parecia estar um tanto recuperada pelo
sono; e, dando a Annette a mesma instrução da noite
anterior, foi para o seu próprio aposento. Mas, seu
espírito estava fraco e agitado e, descobrindo que era
impossível dormir, decidiu esperar, mais uma vez, pela
aparição misteriosa que tanto a interessava, e, ao
mesmo tempo, assustava.
Era a segunda vigia da noite e estava perto da hora
em que a figura havia aparecido antes. Emily ouviu os
passos dos guardas no adarve, quando eles trocavam de
turnos; e, quando tudo ficou silencioso novamente, ela
tomou seu posto na janela deixando seu lampião numa
parte distante do quarto, para não ser vista de fora. A lua
tinha uma luz fraca e inconstante, pois uma névoa
espessa a rodeava e, cobrindo o disco frequentemente,
deixava o cenário abaixo, às vezes, em total escuridão.
Foi num desses momentos de escuridão que ela viu uma
chama pequena e cintilante se movendo, um pouco ao
longe, no terraço. Enquanto ela estava olhando, a chama
desapareceu e, com a lua emergindo novamente das
nuvens de chuva lúgubres e pesadas, voltou sua atenção
para os céus, onde os relâmpagos vívidos se atiravam de
nuvem em nuvem, e brilhavam silenciosamente sobre a
floresta abaixo. Ela amava ver a paisagem sombria com
o clarão momêntaneo. Às vezes, uma nuvem deixava
passar a luz sobre uma montanha distante e, enquanto o
esplendor repentino iluminava todos os recuos de
rochedos e floresta, o resto do cenário permanecia na
sombra profunda; outras vezes, aspectos parciais do
castelo eram revelados pelo brilho fugaz - a arcada
antiga levando ao adarve leste, a torre acima, ou as
fortificações mais distantes; e, então, talvez o edifício
inteiro, com todas as suas torres, suas muralhas escuras
e maciças, e suas janelas pontudas apareciam e
desapareciam num instante.
Olhando novamente para o adarve, Emily avistou a
chama que tinha visto antes; ela estava se movendo
para frente; e, logo em seguida, ouviu passos. A luz
aparecia e desaparecia, frequentemente, conforme
deslizava pelas janelas, enquanto ela olhava e, no
mesmo instante, ficou certa de ter ouvido passos, mas a
escuridão não lhe permitiu distinguir coisa alguma,
exceto a chama. Ela se afastou e, então, com o clarão de
um relâmpago, ela viu uma pessoa no terraço. Todas as
ansiedades, da noite anterior, voltaram. Essa pessoa
avançou, e a chama brincalhona aparecia e sumia. Emily
queria falar, pôr fim às suas dúvidas, se essa figura era
humana ou sobrenatural; mas, sua coragem falhava
conforme ela tentava falar, até que a luz se moveu,
novamente, embaixo da janela e ela perguntou,
fracamente, quem estava passando.
“Um amigo”, respondeu a voz.
“Que amigo?”, perguntou Emily, com um pouco mais
de coragem, “quem é você e o que é essa luz que você
carrega?”
“Eu sou Anthonio, um dos soldados do Signor”,
respondeu a voz.
“E o que é essa luz fraquejante que você traz?”,
indagou Emily, “olha como ela pula para cima... e
desaparece!”
“Essa luz, Lady”, disse o soldado, “apareceu hoje à
noite como você está vendo, na ponta da minha lança,
desde que eu estive de guarda; mas o que ela significa
eu não sei dizer”.
“Isso é muito estranho!”, disse Emily.
“O meu colega”, continuou o homem, “está com a
mesma chama nos seus armamentos; ele diz que já a
viu algumas vezes antes. Eu nunca tinha visto; eu só
cheguei ao castelo recentemente, pois não sou um
soldado há muito tempo”.
“Como o seu camarada a explica?”, perguntou Emily.
“Ele diz que é um presságio, Lady, e que não é um
bom sinal.”
“E que mal ela pode estar anunciando?”, replicou
Emily.
“Ele não sabe tanto assim, Lady.”
Quer Emily tenha ficado assustada com esse
presságio ou não, ela certamente ficou aliviada de seu
terror ao descobrir que esse homem era apenas um
soldado de vigia, e ocorreu-lhe, imediatamente, que
poderia ser ele quem havia causado tanto espanto na
noite anterior. Havia, contudo, algumas circunstâncias
que ainda requeriam explicação. Tanto quanto ela podia
julgar pela luz fraca do lugar, que assistia a sua
observação, a figura que ela tinha visto não lembrava
aquele homem em forma ou tamanho; além disso, ela
estava certa de que tão pouco carregava algum
armamento. O silêncio dos seus passos, se é que a figura
dava passos, os gemidos que ela tinha feito e o seu
desaparecimento estranho, eram circunstâncias de
significado misterioso, que provavelmente não se
aplicavam a um soldado no dever de sua vigia.
Ela perguntou ao guarda se ele tinha visto alguma
pessoa, além do seu colega de turno, andando pelo
terraço, perto da meia-noite; e, então, relatou
brevemente o que ela mesma tinha observado.
“Eu não estava de vigia naquela noite, Lady”,
respondeu o homem, “mas ouvi falar do que aconteceu.
Há alguns entre nós que acreditam em coisas estranhas.
Histórias estranhas desse castelo também têm sido
contadas há muito tempo, mas não cabe a mim repeti-
las; e, de minha parte, eu não tenho motivos para me
queixar; o nosso chefe age nobremente conosco.”
“Eu admiro a sua prudência”, disse Emily. “Boa noite
e aceite isto de mim”, ela acrescentou e jogou para ele
uma pequena moeda, fechou a janela para pôr fim à
conversa.
Quando ele foi embora, ela a abriu de novo, escutou
o trovão distante com um prazer triste, que começou a
murmurar em meio às montanhas, e observou os
relâmpagos que atravessavam, em flechas, a paisagem
mais distante. O trovão retumbante passou e,
amplificado pelas montanhas, outro trovão pareceu
responder do horizonte oposto; enquanto as nuvens que
se acumulavam, encobrindo a lua completamente,
assumiram um tom de vermelho sulfúreo que previa uma
tempestade violenta.
Emily permaneceu em sua janela até que o
relâmpago vívido, que a todo instante revelava o
horizonte amplo e a paisagem abaixo, tornou isso não
mais seguro de se fazer e ela foi para o seu sofá; mas,
incapaz de compor a sua mente para dormir, ainda
escutou com um temor silencioso aos sons tremendos,
que pareciam fazer o castelo trepidar em suas bases.
Ela continuou assim por um tempo considerável
quando, em meio ao rugir da tempestade, pensou ter
ouvido uma voz e, se levantando para escutar, viu a
porta do quarto se abrir e Annette entrar com um rosto
aterrorizado de medo.
“Ela está morrendo, Ma’amselle, minha Lady está
morrendo!”, disse ela.
Emily se apressou e correu para o quarto de
Madame Montoni. Quando ela entrou, sua tia parecia
ter desmaiado, pois estava muito parada e fora de
seus sentidos; e Emily, com a força de mente que
recusava ceder ao sofrimento, enquanto qualquer
dever requisesse a sua atividade, usou cada meio que
parecesse poder recuperá-la. Mas, a última luta tinha
terminado... ela se foi para sempre.
Quando Emily percebeu que todos os seus esforços
eram ineficazes, interrogou a aterrorizada Annette e
descobriu que Madame Montoni havia caído no sono logo
depois de Emily sair, no qual ela havia continuado até
alguns minutos antes de sua morte.
“Eu me perguntei, Ma’amselle”, disse Annette, “qual
era a razão dela não parecer assustada com os trovões,
quando eu estava tão apavorada, e fui até a cama para
falar com ela muitas vezes, mas ela parecia estar
dormindo; até que ouvi um barulho estranho e, quando
fui até ela, estava morrendo”.
Emily derramou lágrimas com esse relato. Ela não
tinha dúvidas de que a mudança violenta do clima, o que
a tempestade havia produzido, tinha causado essa outra
mudança, fatal, no corpo exausto de Madame Montoni.
Após algumas considerações, decidiu que Montoni
não seria informado desse evento até de manhã, pois ela
imaginou que ele teria algumas expressões desumanas
que o atual estado do espírito dela não conseguiria
aguentar. Portanto, apenas com Annette, que ela
encorajou a seguir o seu próprio exemplo, ela fez alguns
dos últimos serviços solenes para os mortos e se forçou a
passar a noite em vigília, tomando conta do corpo de sua
tia falecida. Durante esse período solene, ainda mais
horrível devido à tempestade tremenda que chacoalhava
o ar, ela se digiria ao céu pedindo apoio e proteção
frequentemente, e podemos acreditar que suas orações
devotas foram aceitas pelo Deus que nos dá conforto.
CAPÍTULO V

O relógio da meia noite já badalou; e ouça, o


sino
Da Morte bate devagar! Ouviste a nota profunda?
Ela parou; e agora, com um ressoar ascendente,
Ele entrega à ventania o seu som sombrio.
MASON [ 6 ]

Quando Montoni soube da morte de sua esposa, e


considerou que ela havia morrido sem dar a ele a
assinatura tão necessária para alcançar seus desejos,
nenhum senso de decência restringiu a expressão do seu
ressentimento. Emily evitou sua presença ansiosamente
e ficou de vigia durante dois dias e duas noites, com
poucos intervalos, ao lado do corpo de sua tia falecida.
Como sua mente estava profundamente impressionada
com o destino infeliz desta, ela se esqueceu de todas as
suas falhas, de sua conduta injusta e autoritária para
com ela; e, lembrando-se apenas de seus sofrimentos,
pensou nela somente com uma compaixão carinhosa.
Contudo, às vezes, ela não conseguia evitar refletir sobre
a paixão estranha que havia se provado ser tão fatal
para sua tia, e que tinha involvido ela própria num
labirinto de desgraças do qual não via meios de escapar
– o casamento com Montoni. Mas, quando ela considerou
esta circunstância, foi “mais com pena do que com
raiva”[7] – mais com o objetivo de satisfazer a lamentação
do que a reprovação.
Em seus cuidados devotos, contudo, ela não foi
perturbada por Montoni, que não apenas evitou o quarto
onde os restos de sua esposa estavam, mas toda aquela
parte do castelo adjacente a ele, como se ele estivesse
apreensivo de um contágio. Parecia não ter dado
nenhuma ordem quanto ao funeral, e Emily começou a
temer que ele quisesse oferecer um novo insulto à
memória de Madame Montoni; mas, deste medo ela foi
aliviada quando, na noite do segundo dia, Annette a
informou que o sepultamento ocorreria naquela noite. Ela
sabia que Montoni não iria comparecer; e foi
extremamente difícil para ela pensar que os restos
mortais de sua tia desafortunada iriam para o túmulo
sem um parente ou amigo para dá-los os últimos rituais
decentes, tal que ela decidiu não ser impedida de
cumprir esse dever por qualquer consideração a si
própria. Do contrário teria se esquivado da circunstância
de segui-los até a cripta fria, para onde o corpo seria
carregado por homens, cujas expressões e rostos
pareciam marcá-los como assassinos, no silêncio e na
privacidade da meia-noite, a hora que Montoni tinha
escolhido para entregar ao esquecimento, se possível, os
restos de uma mulher, a quem a sua conduta severa
havia no mínimo contribuído para destruir.
Emily, estremecendo com emoções de horror e
pesar, assistida por Annette, preparou o corpo para o
sepultamento; e, depois de envolvê-lo em mortalhas e
cobri-lo com um sudário, elas ficaram tomando conta
dele até depois da meia-noite, quando ouviram os passos
dos homens, que o levariam até a sua cama terrestre,
aproximarem-se. Foi com dificuldade que Emily superou
sua emoção quando, com a porta do quarto sendo aberta
bruscamente, seus rostos sombrios foram vistos pelo
brilho da tocha, que eles carregavam, e dois deles
levantaram o corpo em seus ombros sem uma palavra,
enquanto o terceiro seguia à frente com a luz, descendo
pelo castelo em direção ao túmulo, que ficava na cripta
mais funda da capela dentro dos muros do castelo.
Eles tiveram que atravessar dois pátios até a ala
leste do castelo, a qual, sendo adjacente à capela,
estava, assim como ela, em ruínas. Mas, o silêncio e a
escuridão desses pátios tiveram pouco efeito na mente
de Emily, já que esta estava ocupada com ideias mais
pesarosas; e ela mal ouviu o assobio baixo e funesto dos
pássaros noturnos, que estavam pousados em meio às
janelas das ruínas cobertas por hera, ou percebeu o
morcego voando silenciosamente, cruzando
frequentemente seu caminho. Entretanto, ao entrar na
capela e passar pelas pilastras apodrecidas dos
corredores, quando os carregadores pararam em um
lance de escadas que levava para uma porta arqueada
baixa, seu companheiro desceu para destrancá-la, ela viu
imperfeitamente o abismo sombrio à frente; viu o corpo
de sua tia ser carregado escada abaixo e a figura mal-
encarada que estava com uma tocha no final para
recebê-lo – toda a sua fortaleza se perdeu em emoções
de um sofrimento e um terror inexprimíveis. Ela se virou
para se apoiar em Annette, que estava fria e tremendo,
assim como ela, e ficou tanto tempo no topo das escadas
que o brilho da tocha começou a desaparecer entre as
pilastras da capela, e os homens ficaram quase fora do
alcance de sua visão. Então, com a escuridão ao seu
redor despertando outros medos, e uma noção do que
ela considerava ser seu dever de superar essa relutância,
desceu até as criptas seguindo o eco dos passos e o raio
fraco que cortava a escuridão, até que o ranger forte de
uma porta distante, que foi aberta para receber o corpo,
a amedrontou novamente.
Após a pausa de um instante, ela seguiu em frente
e, ao entrar nas criptas, viu entre as arcadas um pouco
distantes, os homens descerem o corpo perto da borda
de um túmulo aberto, onde estava outro capataz de
Montoni e um padre, que ela não viu até ele começar a
cerimônia de enterro; então, erguendo seus olhos do
chão, viu a figura venerável do frei e ouviu sua voz baixa,
igualmente solene e comovida, fazendo a cerimônia dos
mortos. No momento em que eles desceram o corpo até
a terra, a cena foi tal que talvez só o lápis escuro de um
Domenichino[8] poderia tê-la feito justiça. As feições
ferozes e as roupas bravias dos mercenários, que se
inclinavam com suas tochas sobre o túmulo dentro do
qual o corpo estava descendo, formava um contraste
com a figura venerável do monge, envolto em vestes
longas e pretas, seu capuz jogado para trás de sua face
pálida, na qual a luz brilhava fortemente mostrando os
traços de aflição suavizados pela piedade e poucas
mechas acinzentadas que o tempo havia deixado em
suas têmporas. Ao passo que, ao seu lado, estava a
forma mais suave de Emily, que se apoiava em Annette;
sua face meio virada e encoberta por um véu fino que
caía sobre a sua figura; e seu rosto calmo e bonito fixo
com um pesar tão solene que não admitia lágrimas,
enquanto ela via sua última parente e amiga ser
entregue à terra prematuramente. As luzes passando
entre as arcadas das criptas onde o chão irregular
marcava os locais onde outros corpos tinham sido
enterrados recentemente, aqui e ali, e a escuridão geral
mais além, eram circunstâncias que por si só teriam
levado a imaginação de um espectador a cenas mais
horríveis do que até mesmo aquela que estava pintada
no túmulo da imprudente e desventurada Madame
Montoni.
Quando a cerimônia terminou, o frei olhou para
Emily com atenção e surpresa, e parecia que queria falar
com ela, mas foi restringido pela presença dos
mercenários que, enquanto guiavam o caminho até os
pátios, divertiam-se com piadas sobre a ordenação dele,
as quais ele aturou em silêncio pedindo apenas para ser
conduzido em segurança até seu convento, e que Emily
ouvia com preocupação e até mesmo horror. Quando eles
alcançaram o pátio o monge lhe deu a sua benção e,
após um olhar de piedade demorado, voltou-se para o
portão, para onde um dos homens estava levando uma
tocha; enquanto Annette, acendendo outra, precedeu
Emily até o aposento dela. A aparência do frei e a
expressão de compaixão terna com a qual ele olhou para
ela havia lhe interessado, que, embora tivesse sido com
sua súplica ansiosa que Montoni havia consentido em
permitir que um padre fizesse a cerimônia dos ritos finais
para sua esposa falecida, não sabia nada sobre essa
pessoa, até Annette a informar que ele era de um
mosteiro situado em meio às montanhas a algumas
milhas de distância. O Superior, que considerava Montoni
e seus associdados não apenas com aversão, mas com
terror, provavelmente teve medo de ofendê-lo ao recusar
o seu pedido e tinha, portanto, ordenado que um monge
oficializasse o funeral, que, com o espírito manso de um
cristão, tinha superado a sua relutância de ir para dentro
dos muros de tal castelo com o desejo de fazer o que ele
considerava ser o seu dever e, como a capela tinha sido
construída em solo consagrado, ele não se objetou a
entregar a esta os restos mortais da falecida e infeliz
Madame Montoni.
Vários dias se passaram com Emily em isolamento
total e num estado de mente que compartilhava tanto de
medo por si mesma quanto de tristeza pela falecida.
Finalmente, ela decidiu fazer outro esforço para persuadir
Montoni a permitir o seu retorno para a França. Por que
ele iria querer detê-la ela mal ousava especular; mas era
bastante certo que ele queria isso, e a recusa absoluta
que ele tinha dado para a partida dela, anteriormente,
permitia poucas esperanças de que consentiria agora.
Mas o horror que a presença dele inspirava a fez adiar
mencionar essa circunstância dia após dia; e, enfim, ela
só foi desperta de sua inatividade por uma mensagem
dele pedindo que ela comparecesse numa hora
determinada. Ela começou a esperar que ele quisesse
desistir da autoridade sobre ela, a qual ele havia
usurpado; até que ela se lembrou de que as
propriedades, que tinham causado tanta briga, agora
eram dela, então ficou com medo de que Montoni
estivesse prestes a aplicar algum estratagema para obtê-
las, e que a manteria como sua prisioneira até ter
sucesso. Este pensamento, ao invés de sobrecarregá-la
com desânimo, despertou todos os poderes latentes de
sua fortaleza para a ação; e quanto à propriedade, que
ela teria resignado de boa vontade para garantir a paz de
sua tia, ela decidiu que nenhum de seus sofrimentos
comuns a forçariam a dá-las para Montoni. Também foi
pelo bem de Valancourt que ela decidiu preservá-las, já
que elas dariam a competência através da qual ela
queria assegurar o conforto de suas vidas futuras.
Enquanto pensava nisso, satisfez a ternura das lágrimas
e antecipou o deleite daquele momento quando, com
uma generosidade afetuosa, dir-lhe-ia que as
propriedades pertenciam a eles. Ela viu o sorriso que
iluminava as feições dele – o olhar afetuoso que falava
ao mesmo tempo da alegria e da gratidão – e, naquele
instante, ela acreditou que conseguiria enfrentar
qualquer sofrimento que o espírito mau de Montoni
poderia estar preparando para ela. Lembrando-se então,
pela primeira vez desde a morte de sua tia, dos
documentos relacionados às propriedades em questão,
decidiu procurar por eles assim que sua entrevista com
Montoni tivesse acabado.
Com essas decisões tomadas, ela o encontrou no
horário marcado, e esperou para ouvir a intenção dele
antes de renovar seu pedido. Com ele estavam Orsino e
outro oficial, ambos estavam de pé perto de uma mesa
coberta com papéis, os quais ele parecia estar
examinando.
“Eu chamei você, Emily”, disse Montoni, erguendo
sua cabeça, “para que você pudesse ser testemunha de
alguns negócios, dos quais estou tratando com meu
amigo Orsino. Tudo que é requerido de você é que assine
seu nome neste papel”, ele, então, pegou um deles, leu
algumas linhas incompreensivelmente rápido e,
colocando-o à frente dela, na mesa, e lhe ofereceu uma
pena. Ela a pegou e estava prestes a escrever, quando o
plano de Montoni veio à mente dela como um raio de
relâmpago; começou a tremer, deixou a pena cair e se
recusou a assinar algo que ela não tinha lido. Montoni
fingiu rir dos seus escrúpulos e, pegando o papel, fingiu
ler novamente; mas Emily, que ainda tremia percebendo
o seu perigo e estava atônita que a sua própria
credulidade quase tivesse a traído, recusou-se
definitivamente a assinar qualquer documento. Por
algum tempo Montoni insistiu em fingir zombar dessa
recusa; mas, quando percebeu pela perseverança
constante, que ela havia compreendido o seu plano, ele
mudou sua atitude e ordenou que ela o seguisse até
outro quarto. Lá lhe contou que queria poupar a si
mesmo e a ela de uma briga inútil, numa questão na qual
a vontade dele era a justiça, sendo assim, ela deveria ver
como uma lei; e tinha, portanto, empenhando-se em
persuadi-la, ao invés de forçá-la, a praticar o seu dever.
“Eu, como o marido da falecida Signora Montoni”,
ele acrescentou, “sou o herdeiro de tudo que ela possuía;
portanto, as propriedades que ela se recusou a me dar
em vida não podem mais ser retidas e, pelo seu próprio
bem, eu vou lhe desenganar a respeito de uma
afirmação tola que ela lhe fez enquanto eu escutava –
que essas propriedades seriam suas se ela morresse sem
dá-las para mim. Ela sabia naquele momento que não
tinha poder algum para tirá-las de mim após a sua
morte; e eu acho que você tem melhor senso do que
provocar o meu ressentimento ao ir em frente com uma
reivindicação injusta. Eu não tenho o hábito de bajular e
você irá, portanto, receber o elogio que lhe dei como
sendo sincero, quando eu a digo que você tem um
discernimento superior ao seu sexo; e que você não tem
nenhuma daquelas fraquezas desprezíveis que marcam o
caráter feminino frequentemente – tal como a avareza e
o amor pelo poder, o último faz as mulheres amarem
contradizer e provocar quando não conseguem
conquistar. Se eu compreendo a sua disposição e a sua
mente, você vê essas falhas comuns ao seu sexo com um
desdém soberano”.
Montoni pausou; e Emily permaneceu em silêncio
esperando, pois ela o conhecia bem demais para
acreditar que ele condescenderia à tamanha bajulação a
não ser que ele pensasse que isso promoveria o seu
próprio interesse; e, embora ele tenha evitado nomear a
vaidade entre os pontos fracos das mulheres, era
evidente que a considerava predominante, já que ele
tinha tentado sacrificar o caráter e discernimento de todo
o seu sexo à vaidade dela.
“Julgando como eu”, continuou Montoni, “não posso
acreditar que você vá se opôr em questões que sabe não
poder ganhar, ou, de fato, que você queira ganhar, ou ter
avareza por qualquer propriedade, quando não tem a
justiça do seu lado. Contudo, eu acho que é apropriado
lhe informar da alternativa. Se você tiver uma opinião
justa quanto ao assunto em questão, você será levada
em segurança para a França dentro de pouco tempo;
mas, se for tão infeliz a ponto de ser enganada pela
afirmação recente da Signora, você continuará sendo
minha prisioneira até se convencer do seu erro”.
Emily disse calmamente:
“Eu não sou tão ignorante, Signor, quanto às leis,
neste assunto, a ponto de ser enganada por afirmações
de qualquer pessoa. A lei, nesta instância presente, dá-
me as propriedades em questão e a minha própria mão
nunca trairá o meu direito.”
“Eu estava enganado em minha opinião sobre você,
ao que parece”, replicou Montoni severamente. “Você
está falando audaciosa e presunçosamente sobre um
assunto que você não compreende. Estou disposto a
perdoar a arrogância da ignorância uma única vez; a
fraqueza do seu sexo, da qual parece que você não está
isenta, também pede alguma flexibilidade; mas, se você
persistir nesse tom; terá tudo a temer da minha justiça.”
“Da sua justiça, Signor”, replicou Emily, “eu não
tenho nada a temer; tenho apenas a esperar”.
Montoni olhou para ela com aborrecimento e parecia
estar pensando no que dizer. “Eu vejo que você é fraca o
bastante”, ele continuou, “para dar crédito à afirmação
tola que eu mencionei! Pelo seu próprio bem eu lamento
isso; quanto a mim, não faz muita diferença. A sua
credulidade só pode punir a você mesma; e eu devo ter
pena da fraqueza de mente que leva a tanto sofrimento
quanto você está me forçando a preparar para você”.
“Talvez você descobrirá, Signor”, disse Emily, com
uma dignidade moderada, “que a força da minha mente
é igual a justiça da minha causa; e que eu consigo
suportar com fortaleza, quando é a resistência à
opressão”.
“Você está falando como uma heroína”, disse
Montoni desdenhosamente; “vamos ver se consegue
sofrer como uma”.
Emily ficou em silêncio, e ele saiu do cômodo.
Lembrando-se de que era pelo bem de Valancourt
que ela havia resistido assim, sorriu complacentemente
para as ameaças de sofrimentos e foi para o local que
sua tia havia indicado como o repositório dos
documentos das propriedades, onde ela os encontrou
assim como fora descrito; e, já que não sabia de um
esconderijo melhor do que este, colocou-os de volta sem
examinar o seu conteúdo, por ter medo da descoberta,
se ela tentasse uma leitura cuidadosa.
Ela voltou mais uma vez para o seu quarto solitário,
e lá pensou novamente em sua última conversa com
Montoni, e no mal que ela podia esperar ao se opor à
vontade dele. Mas, o poder dele não parecia tão terrível
para a sua imaginação quanto ele queria: um orgulho
sagrado estava em seu coração, o que a ensinou a se
fortalecer contra a pressão da injustiça e a quase
glorificar o sofrimento silencioso dos males numa causa
que também tinha o interesse de Valancourt como
motivo. Pela primeira vez, sentiu a extensão completa de
sua superioridade com relação a Montoni e desprezou
sua autoridade, que, até então, ela havia apenas temido.
Enquanto estava sentada refletindo, o estrondo de
uma risada veio do terraço e, indo até a janela, ela viu
com surpresa inexprimível três damas vestidas à maneira
formal de Veneza, caminhando com vários cavalheiros lá
embaixo. Ela as contemplou com um espanto que a fez
permanecer na janela, apesar de estar sendo observada,
até que o grupo passou embaixo dela; e, quando um dos
estranhos olhou para cima, ela viu as feições da Signora
Livona, com cujos modos ela tinha ficado tão encantada
no dia seguinte à sua chegada em Veneza, e a quem fora
apresentada à mesa de Montoni. Essa descoberta causou
nela uma emoção de alegria duvidosa, pois era um
motivo de alegria e conforto saber que uma pessoa de
uma mente tão gentil, como a da Signora Livona parecia
ser, estava perto dela; porém, havia algo tão
extraordinário naquela presença, nas circunstâncias
atuais, e, evidentemente, com o seu próprio
consentimento, dada a animação dela, tal que uma
suspeita muito dolorosa surgiu sobre o seu caráter. Mas,
a ideia era tão chocante para Emily, cuja afeição tinha
sido conquistada pelo comportamento fascinante da
Signora, e parecia ser tão improvável, quando se
lembrou desse comportamento, que ela a dispensou
quase instantaneamente.
Contudo, quando Annette apareceu, ela perguntou
sobre esses estranhos; e a primeira estava tão ansiosa
para contar quanto Emily estava para descobrir.
“Elas acabaram de chegar, Ma’amselle”, disse
Annette, “com dois senhores de Veneza, e eu fiquei feliz
em ver esses rostos cristãos outra vez. Mas o que elas
podem querer vindo aqui? Elas devem ser
completamente loucas para virem espontaneamente
para um lugar como este! Mas, realmente vieram por
vontade própria, eu tenho certeza, pois parecem bem
alegres”.
“Talvez elas tenham sido capturadas como
prisioneiras?”, disse Emily.
“Capturadas como prisioneiras!”, exclamou Annette;
“não, de fato, Ma’amselle, elas não. Eu me lembro muito
bem de uma delas em Veneza: ela veio para a casa do
Signor duas ou três vezes sabe, Ma’amselle, e diziam –
mas eu não acreditei em uma palavra daquilo – diziam
que o Signor gostava dela mais do que devia. Então, eu
disse, por que trazer ela até a minha Lady? É verdade,
disse Ludovico; mas ele parecia que também sabia de
mais coisas”.
Emily pediu que Annette se empenhasse em
descobrir quem eram essas damas, assim como tudo que
se pudesse descobrir sobre elas; e, então, ela mudou de
assunto e falou da França distante.
“Ah, Ma’amselle! Nós nunca mais a veremos!”, disse
Annette, quase chorando. “Eu tenho que ir para lá em
minhas viagens com certeza!”
Emily tentou acalmá-la e animá-la com uma
esperança que ela própria não possuía.
“Como... como você pôde, Ma’amselle, deixar a
França e deixar o Monsieur Valancourt também?”, disse
Annette soluçando. “Eu... eu... tenho certeza de que se o
Ludovico estivesse na França eu nunca teria saído de lá.”
“Então, por que você lamenta ter deixado a
França?”, disse Emily tentando sorrir, “já que, se você
tivesse ficado lá, não teria encontrado o Ludovico”.
“Ah, Ma’amselle! Eu só queria estar fora deste
castelo assustador, servindo-lhe na França, e eu não me
importaria com mais nada!”
“Obrigada, minha boa Annette, pelo seu carinho
afetuoso; quando chegar a hora, eu espero que você se
lembre desse desejo com prazer.”
Annette foi embora para cuidar de seus afazeres e
Emily procurou se esquecer de suas preocupações nas
cenas visionárias do poeta; mas, ela teve que lamentar
novamente a força irresistível das circunstâncias sobre o
bom gosto e os poderes da mente; e que é preciso um
espírito calmo para ser sensível até mesmo aos prazeres
abstratos do puro intelecto. O entusiasmo dos gênios,
com todas as suas cenas pintadas, agora parecia frio e
obscuro. Enquanto refletia sobre o livro à sua frente, ela
exclamou involuntariamente: “são essas mesmas as
passagens que tantas vezes me deram um deleite
extraordinário? Onde estava o encanto? Estava na minha
mente ou na imaginação do poeta? Ele vivia em cada
um”, disse ela, pausando. “Mas o fogo do poeta é em vão
se a mente de seu leitor não está moderada como a dele
mesmo, não importa o quão inferior seja à dele em
poder.”
Emily teria continuado nessa linha de pensameto,
porque isso a aliviava de outras reflexões mais dolorosas,
mas descobriu, novamente, que o pensamento não pode
ser controlado pela vontade; e o dela voltou à reflexão
sobre a sua própria situação.
De noite, escolhendo não se aventurar a descer
pelos adarves, onde ela ficaria exposta ao olhar rude dos
associados de Montoni, foi caminhar na galeria adjacente
ao seu quarto em busca de ar fresco; chegando ao lado
mais afastado desta, ela ouviu sons distantes de diversão
e de risada. Era o tumulto selvagem da farra, não a
animação feliz da alegria moderada; e eles pareciam vir
daquela parte do castelo onde Montoni costumava ficar.
Tais sons, naquele momento, quando sua tia havia
falecido há poucos dias, chocaram-na particularmente,
pois eles eram consistentes com a conduta recente de
Montoni.
À medida que escutava, ela pensou ter ouvido vozes
femininas se misturando à risada, e isso confirmou a sua
pior suspeita sobre o caráter da Signora Livona e suas
companheiras. Era evidente que elas não haviam vindo
para cá por coação; e ela se viu na imensidão remota dos
Apeninos, cercada por homens que ela considerava
serem pouco menos do que bandidos e seus piores
associados, em meio a cenas de vícios, com as quais a
sua alma se contorcia de horror. Foi neste momento,
quando as cenas do presente e do futuro se abriram para
a sua imaginação, que a imagem de Valancourt falhou
em sua influência e a resolução dela tremeu com pavor.
Ela pensou compreender todos os horrores que Montoni
estava preparando para ela, e ficou com medo de
encontrar uma vingança tão sem remorso quanto a que
ele poderia afligir. As propriedades disputadas ela ficou
quase decidida a entregar de uma vez, assim que ele a
chamasse de novo, para que ela pudesse ter segurança e
liberdade novamente; mas, então, a lembrança de
Valancourt vinha ao seu coração e a lançava às
distrações da dúvida.
Ela continuou caminhando pela galeria até que a
noite lançou sua sombra melancólica através das janelas
pintadas e aumentou a escuridão dos lambris de
carvalho ao seu redor; enquanto a perspectiva distante
do corredor já estava tão escura a ponto de só ser
discernível através da janela cintilante que o terminava.
Ao longo dos corredores arqueados e das passagens
abaixo, estardalhaços de risadas ecoavam fracamente
em intervalos, até essa parte do castelo, e parecia tornar
o silêncio, que se sucedia, ainda mais apavorante.
Contudo, sem querer voltar ao seu quarto, ainda mais
desamparado, para onde Annette ainda não tinha ido,
Emily continuou a andar pela galeria. Quando passou
pela porta do quarto onde ela, outrora, tinha ousado
levantar o véu, o que revelara para ela um espetáculo
tão horrível que ela nunca se lembrava disso sem
emoções de um medo indescritível, essa lembrança
ocorreu-lhe de repente. Isso trouxe reflexões mais
terríveis do que antes, as quais foram causadas pela
conduta recente de Montoni; e, se apressando para sair
da galeria, enquanto ainda conseguia o fazer, ouviu
passos repentinos atrás dela. Podiam ser de Annette;
mas, ao se virar para olhar com medo, ela viu através da
escuridão uma figura alta a seguindo e todos os horrores
daquele quarto vieram correndo à sua mente. No
instante seguinte, ela se encontrou presa nos braços de
alguma pessoa e ouviu uma voz grossa murmurando em
seu ouvido.
Quando ela conseguiu falar, ou distinguir sons
articulados, ela exigiu saber quem estava a segurando.
“Sou eu”, respondeu a voz. “Por que você está
assustada assim?”
Ela olhou para o rosto da pessoa que estava falando,
mas a luz fraca que brilhava através da janela alta no
final da galeria não lhe permitia distinguir as feições.
“Quem quer que você seja”, disse Emily, com uma
voz trêmula, “pelo amor de Deus me largue!”
“Minha Emily encantadora”, disse o homem, “por
que você vai se isolar nesse lugar escuro, quando há
tanta animação lá embaixo? Volte comigo para a sala de
cedro, onde você será a mais bela da festa; você não vai
se arrepender da mudança”.
Emily sentiu desdém em responder e continuou
tentando se libertar.
“Prometa-me que você virá”, ele continuou, “e eu
lhe soltarei imediatamente; mas primeiro me dê uma
recompensa por fazer isso”.
“Quem é você?”, perguntou Emily em um tom misto
de terror e indignação, enquanto ainda lutava por sua
liberdade. “Quem é você que tem a crueldade de me
insultar assim?”
“Por que me chamar de cruel?”, disse o homem, “eu
queria lhe levar dessa solidão assustadora para uma
festa. Você não sabe quem eu sou?”
Emily se lembrou vagamente de que ele era um dos
soldados que estava com Montoni quando ela foi vê-lo de
manhã. “Eu o agradeço pela bondade da sua intenção”,
ela respondeu sem parecer compreendê-lo, “mas não
quero nada além de que você me deixe.”
“Encantadora Emily!”, disse ele, “desista desse
capricho tolo de solidão e venha comigo para o grupo, e
seja um eclipse para as beldades que fazem parte dele;
só você é digna do meu amor.” Ele tentou beijar a sua
mão, mas o impulso forte da indignação dela lhe deu a
capacidade de se soltar, e ela correu para o quarto.
Fechou a porta antes que ele a alcançasse, e depois de
trancá-la se jogou em uma cadeira, sobrecarregada com
o pavor e a exaustão que estava sentindo, enquanto
ouvia a voz dele e as suas tentativas de abrir a porta,
sem conseguir se levantar. Enfim, ela percebeu que ele
estava indo embora e, depois de permanecer escutando
por um tempo considerável, ficou um tanto reanimda ao
não ouvir som algum, quando se lembrou da porta da
escada secreta e que ele podia entrar por ali, já que ela
só era trancada pelo outro lado. Então, empenhou-se em
bloqueá-la da maneira como havia feito antes. Parecia,
para ela, que Montoni já tinha começado seu plano de
vingança ao tirá-la de sua proteção, e ela se arrependeu
da precipitação que a havia feito enfrentar o poder de
um homem assim. Manter as propriedades parecia
impossível agora, e para preservar a sua vida, e talvez a
sua honra, ela decidiu que, se conseguisse escapar dos
horrores desta noite, desistiria de todo o seu direito às
propriedades pela manhã, desde que Montoni a deixasse
sair de Udolpho.
Quando ela tomou essa decisão, sua mente ficou
mais recomposta, embora ainda estivesse escutando
ansiosamente e muitas vezes se assustasse com sons
imaginários que pareciam vir da escada.
Depois de ficar sentada, no escuro, por algumas
horas, durante o tempo em que Annette ainda não tinha
aparecido, ela começou a ter apreensões sérias por ela;
mas, não ousando se aventurar no castelo, foi compelida
a permanecer na incerteza quanto à causa dessa
ausência incomum.
Emily foi até a porta da escada várias vezes para
escutar se algum passo se aproximava, mas ainda não
havia nenhum som a assustando. Porém, decidindo ficar
de vigia durante a noite, ela mais uma vez ficou em seu
sofá escuro e desolado, e banhou a almofada com
lágrimas inocentes. Pensou em seus pais falecidos, e no
ausente Valancourt, chamava os nomes deles
frequentemente; pois, o silêncio profundo que reinava
era propício ao sofrimento reflexivo de sua mente.
Enquanto ela estava assim, seu ouvido captou as
notas de uma música distante de repente, às quais ela
escutou com atenção e, percebendo logo que este era o
instrumento que ela havia ouvido antes à meia-noite, ela
se levantou e andou silenciosamente até a janela, onde
parecia que os sons vinham de um quarto mais abaixo.
Em alguns instantes, a melodia suave foi
acompanhada por uma voz tão cheia de melancolia, que
ela evidentemente não estava cantando sobre tristezas
imaginárias. Os seus tons doces e peculiares ela pensou
já ter ouvido antes; porém, se isso não fosse sua
imaginação, era no máximo uma lembrança muito vaga.
Ela tomou conta da sua mente em meio à angústia do
seu sofrimento presente, como uma melodia celestial,
acalmando e confortando-a. “Agradável como os sons da
primavera, que suspiram no ouvido do caçador, quando
ele acorda de sonhos alegres e ouve a música dos
espíritos da colina.”[9]
Mas, mal pode se imaginar a emoção dela, quando
ouviu ser cantada, com o gosto e a simplicidade do
sentimento verdadeiro, uma das canções populares da
sua província natal, a qual ela tinha escutado tantas
vezes na sua infância, e a qual ela ouviu seu pai repetir
tantas vezes! Com essa canção famosa, que ela nunca
tinha ouvido senão em seu país nativo, até aquele
momento, o coração dela se derreteu enquanto a
memória de tempos passados retornava. As cenas
agradáveis e pacíficas da Gasconha, o carinho e a
bondade dos seus pais, o gosto e a simplicidade da sua
vida antiga – tudo veio à sua mente e formou uma
pintura, tão doce e brilhante, formando um contraste tão
impressionante com as cenas, os personagens e os
perigos que agora a cercavam – que sua mente não
aguentou pausar com a retrospectiva, e se contorceu
com a agudez de seus próprios sofrimentos.
Seus suspiros eram silenciosos e convulsivos; ela
não aguentava mais ouvir a melodia, que tantas vezes
havia a encantado com tranquilidade, e saiu da janela
para uma parte afastada do quarto. Mas, ainda não
estava fora do alcance da música; ela ouviu o ritmo
mudar e a melodia, que se sucedeu, chamou-a para a
janela novamente, pois, imediatamente, lembrou-se que
essa era a mesma que ela tinha ouvido anteriormente na
cabine de pesca na Gasconha. Assistida, talvez, pelo
mistério que havia acompanhado essa melodia, esta
havia deixado uma impressão tão profunda em sua
memória, que ela nunca a havia esquecido
completamente, desde então; e o modo no qual ela
estava sendo cantada convenceu-a, apesar do quão
inexplicável as circunstâncias pareciam, que essa era a
mesma voz que ela tinha ouvido daquela vez. A surpresa
logo cedeu a outras emoções; um pensamento cruzou
sua mente como um relâmpago, o qual descobriu uma
trilha de esperanças que reviveram todo o seu espírito.
Porém, essas esperanças eram tão novas, tão
inesperadas, tão espantosas que ela não ousou confiar
nelas, embora não conseguisse desencorajá-las. Sentou-
se na janela sem fôlego e sobrecarregada com as
emoções alternadas de esperança e medo; então,
levantou-se novamente, inclinou-se sobre a janela para
ouvir mais de perto, escutou, ora duvidando, ora
acreditando, exclamou o nome de Valancourt baixo e se
jogou na cadeira novamente. Sim, era possível que
Valancourt estivesse perto dela, e ela se lembrou de
circunstâncias que a induziram a acreditar que era dele a
voz que ela acabara de ouvir. Lembrou-se de que ele
havia dito, mais de uma vez, que a cabine de pesca,
onde ela tinha ouvido a voz e a música dele antes, e
onde ela tinha visto sonetos escritos para ela, havia sido
o lugar preferido dele antes de revelar-lhe suas afeições;
lá ela também havia o encontrado inesperadamente.
Com essas circunstâncias, parecia mais do que provável
que ele fosse o músico que havia encantado a atenção
dela antes, e o autor dos versos que haviam expressado
uma admiração tão terna; de fato, quem mais poderia
ser? Naquele momento, ela ficou incapaz de formar uma
suposição, quanto ao autor, mas, desde que tinha
reconhecido Valancourt lá, sempre que ele mencionava
ter conhecido a cabine de pesca, ela não teve escrúpulos
em acreditar que ele fosse o autor dos sonetos.
Conforme essas considerações passavam pela sua
mente, alegria, medo e carinho disputavam em seu
coração; ela se inclinou na janela novamente para ouvir
os sons que pudessem confirmar ou destruir sua
esperança, apesar dela não se lembrar de já ter o ouvido
cantar; mas, a voz e o instrumento tinham parado.
Ela considerou se deveria falar por um instante;
então, escolhendo não falar o seu nome com receio de
que fosse ele, porém, estando interessada demais para
negligenciar a oportunidade de perguntar, ela falou da
janela: “essa música vem da Gasconha?”
A sua atenção ansiosa não foi animada com uma
resposta; tudo continuava silencioso. Com a impaciência
aumentando os seus medos, ela repetiu a pergunta; mas
ainda não ouviu som algum, exceto os suspiros do vento
em meio às janelas acima; e ela tentou se consolar com
a crença de que o estranho, quem quer que fosse, havia
ido para longe do alcance de sua voz antes dela falar,
que, se Valancourt tivesse ouvido e reconhecido, parecia
certo que ele teria respondido imediatamente. No
momento presente, contudo, ela considerou que um
motivo de prudência, e não uma saída acidental poderia
ter causado o silêncio dele; mas, a suspeita que levou a
essa suposição transformou a esperança e alegria dela
em sofrimento de repente; pois, se Valancourt estivesse
no castelo, era demasiado provável que ele fosse um
prisioneiro, capturado com alguns de seus conterrâneos,
muitos dos quais estavam ocupados nas guerras da
Itália, ou interceptados em alguma tentativa de chegar
até ela. Mesmo que ele tivesse se lembrado da voz de
Emily, nessas circunstâncias, ele teria tido medo de
responder a ela, na presença dos homens que vigiavam a
sua cela.
O que ela estava esperando tão recentemente, ela
agora acreditava estar temendo; temia saber que
Valancourt estava perto dela; e, ao mesmo tempo em
que estava ansiosa para aliviar o seu medo pela
segurança dele, também estava consciente de que a
esperança de vê-lo em breve batalhava com o medo.
Ela continuou escutando na janela, até que o ar
começou a ficar mais fresco, e uma montanha alta, no
leste, começou a brilhar com a manhã; quando, exausta
de ansiedade, ela foi para o seu sofá, onde descobriu que
dormir era absolutamente impossível, pois a alegria, o
carinho, a dúvida e a apreensão a distraíram a noite
inteira. Ela se levantava do sofá e ia para a janela
escutar; então, andava pelo quarto com passos
impacientes e, enfim, voltava para o seu travesseiro com
desânimo. As horas nunca pareceram passar tão
vagarosamente, quanto naquela noite ansiosa; depois da
qual ela esperava que Annette aparecesse e pusesse um
fim ao seu estado atual de suspense torturante.
CAPÍTULO VI

Talvez possamos quase ouvir


Os rebanhos presos em seus currais fechados,
Ou o som da flauta pastoril,
Ou o assobio vindo do chalé, ou o galo da vila,
Contando as vigílias noturnas para suas damas
plumosas,
Ainda seria algum consolo, alguma alegria
Nesta masmorra fechada com inúmeros galhos.
MILTON [ 1 0 ]

Pela manhã, Emily foi aliviada de seus medos por


Annette, que veio logo cedo.
“Houve acontecimentos interessantes no castelo, na
noite passada, Ma’amselle”, disse ela, assim que entrou
no quarto, “acontecimentos interessantes mesmo! Você
não ficou assustada, Ma’amselle, quando não me viu?”
“Eu fiquei com medo por você e por mim mesma”,
respondeu Emily. “O que lhe deteve?”
“Sim, eu disse isso, eu disse isso para ele; mas não
adiantou. Não foi culpa minha, Ma’amselle, pois eu não
pude sair. Aquele malandro do Ludovico me prendeu de
novo.”
“Prendeu-lhe!”, exclamou Emily com desagrado.
“Por que você deixou que o Ludovico lhe trancasse?”
“Meus Santos!”, exclamou Annette, “como eu posso
impedi-lo? Se ele tranca a porta e leva a chave embora,
Ma’amselle, como eu poderia sair, a não ser que eu
pulasse da janela. Mas, eu não me importaria em fazer
isso se os batentes não fossem tão altos; qualquer um
mal consegue chegar até eles do lado de dentro e eu
suponho que alguém quebraria o pescoço descendo do
lado de fora. Mas, você sabe, eu ouso dizer, Madame, em
qual agitação o castelo não estava ontem a noite; você
deve ter ouvido uma parte do alvoroço”.
“O que, então eles estavam brigando?”, perguntou
Emily.
“Não, Ma’amselle, brigando não, mas quase isso,
pois eu acredito que nenhum dos cavalheiros estava
sóbrio; e mais ainda, nenhuma das damas estava sóbria
também. Quando eu as vi pela primeira vez, eu pensei
que todas aquelas sedas e véus elegantes... oras,
Ma’amselle, os véus delas eram trabalhados com prata e
enfeites elegantes... não era bom sinal... eu adivinhei o
que elas eram!”
“Bom Deus!”, exclamou Emily. “O que será de mim!”
“Sim, Madame, o Ludovico disse a mesma coisa de
mim. Bom Deus, disse ele, Annette, o que será de você,
se continuar correndo pelo castelo no meio desses
senhores bêbados?”
“Oh, disse eu, quanto a isso, eu só quero chegar até
o quarto da minha Lady e você sabe, eu só tenho que ir
pela passagem arcada e cruzar o salão principal, e subir
a escadaria de mármore e passar pela galeria norte e
através da ala oeste do castelo e estarei no corredor, em
um minuto.” ‘É mesmo?’, disse ele, ‘e o que será de você
se encontrar com algum dos nobres cavalheiros no
caminho?’ “Bom, disse eu, se você pensa que há perigo,
então venha comigo e me proteja; eu nunca tenho medo
quando você está do meu lado.” ‘O quê!’, disse ele,
‘quando eu mal me recuperei do meu ferimento, devo
me colocar em risco de conseguir outro? Pois, se
qualquer um dos cavalheiros lhe vir, eles vão cair em
cima de mim lutando, imediatamente. Não, não’, disse
ele, ‘eu vou encurtar o caminho ao invés de ir pela
passagem arcada e pela escadaria de mármore, e pela
galeria norte e pela ala oeste do castelo, pois você ficará
aqui, Annette; você não sairá desse quarto esta noite’.
“Então, foi isso, eu disse.”
“Ora, ora”, disse Emily impacientemente e ansiosa
para perguntar sobre outro assunto. “Então ele te
trancou?”
“Sim, ele fez isso mesmo, Ma’amselle, não obstante
tudo que eu consegui falar contra isso; e Caterina e eu e
ele ficamos lá a noite toda. E depois de alguns minutos
eu não fiquei tão aborrecida, pois o Signor Verezzi veio
berrando pelo corredor como um touro maluco, e ele
confundiu o quarto do Ludovico com o do velho Carlo;
então, tentou arrombar a porta, e pedia mais vinho, pois
ele já tinha secado todos os frascos e estava morrendo
de sede. Então, todos nós ficamos silenciosos como a
noite, para ele pensar que não havia ninguém no quarto;
mas, o Signor foi esperto como os melhores de nós e
continuou chamando na porta: “venha aqui, meu herói
ancião!”, disse ele, “não há nenhum inimigo no portão
para você se esconder. Venha aqui, meu Signor mordomo
valente!” Foi, então, que Carlo abriu a porta dele e veio
com um frasco em sua mão; pois, assim que o Signor o
viu, ele ficou tão domesticado quanto podia, e o seguiu
tão naturalmente quanto um cachorro segue um
açogueiro com um pedaço de carne em sua cesta. Eu vi
tudo isso pelo buraco da fechadura. ‘Bom, Annette’, disse
Ludovico, zombando, ‘quer que eu lhe deixe sair agora?
Oh não’, eu disse, eu não quero”.
“Eu tenho algumas perguntas para você sobre outro
assunto”, interrompeu Emily, bastante cansada daquela
história. “Você sabe se há prisioneiros no castelo, e se
eles estão presos neste lado do edifício?”
“Eu não estava no caminho, Ma’amselle”, respondeu
Annette, “quando o primeiro grupo voltou das
montanhas, e o último grupo ainda não voltou, então eu
não sei se há prisioneiros; mas, estão esperando o grupo
hoje à noite, ou amanhã, e talvez, então, eu saberei.”
Emily perguntou se ela tinha ouvido os criados
falarem de prisioneiros.
“Ah, Ma’amselle!”, disse Annette maliciosamente,
“agora eu ouso dizer que você está pensando no
Monsieur Valancourt, e que ele possa ter vindo entre os
exércitos, que eles dizem que vieram do nosso país para
lutar contra esse Estado, e que ele tenha encontrado
algumas das nossas tropas e tenha sido capturado. Oh,
Senhor! Como eu ficaria feliz se fosse esse o caso!”
“Você ficaria mesmo feliz?”, disse Emily, num tom
de reprovação ressentida.
“É claro que eu ficaria, Madame”, respondeu
Annette, “e você não ficaria feliz também em ver o
Signor Valancourt? Eu não conheço nenhum cavalheiro
de quem eu goste mais, eu tenho uma afeição enorme
pelo Signor, de verdade”.
“Não se pode duvidar da sua afeição por ele”, disse
Emily, “já que você quer vê-lo como um prisioneiro”.
“Oras, não, Ma’amselle, não como um prisioneiro;
mas, deve-se ficar feliz em vê-lo, você sabe. E foi outra
noite mesmo que eu sonhei... eu sonhei que o via
entrando no castelo numa carruagem com seis outras
atrás, e vestido em um casaco bordado e com uma
espada, como o Lorde que ele é.”
Emily não pôde evitar sorrir com as ideias que
Annette tinha de Valancourt, e repetiu a sua pergunta, se
ela tinha ouvido os criados falarem de prisioneiros.
“Não, Ma’amselle”, respondeu ela, “nunca; e
recentemente eles não têm feito nada além de falar da
aparição que tem andado por aí à noite, nos adarves, e
que deixou os guardas histéricos. Ela veio entre eles
como um brilho de fogo, eles dizem, e todos desmaiaram
em fileira até voltarem a si novamente; e, então, ela foi
embora e não havia nada a ser visto, além dos muros do
castelo; então, eles se ajudaram a levantar uns aos
outros tão rápido quanto podiam. Você não acreditaria,
Ma’amselle, apesar de eu ter lhe mostrado o canhão
exato onde ela costumava aparecer”.
“E você é mesmo tão simplória, Annette”, disse
Emily, sorrindo com esse exagero curioso das
circunstâncias que ela havia testemunhado, “a ponto de
acreditar nessas histórias?”
“Acreditar nelas, Ma’amselle! Ora, o mundo inteiro
não poderia me convencer a não acreditar nelas. O
Roberto e o Sebastian e mais meia dúzia de outros
desmaiaram! Com certeza não havia motivo para isso; eu
mesma disse, não havia motivo para isso, pois, disse eu,
quando o inimigo vier, que imagem linda eles vão passar
se desmaiarem todos os soldados de uma fileira! Talvez o
inimigo não seja tão civilizado quanto o fantasma e os
deixe se ajudarem a levantar, mas ele cairá em cima
deles, atacando e cortando até que todos eles se
levantem como homens mortos. Não, não, disse eu, há
uma razão para tudo; apesar de que eu teria caído
desmaiada essa não é a regra para eles, porque não é o
meu trabalho parecer durona e lutar em batalhas.”
Emily tentou corrigir a fraqueza supersticiosa de
Annette, embora ela não conseguisse controlar a sua
própria completamente; ao que a última respondeu:
“Não, Ma’amselle, você não acredita em nada; você
é quase tão cética quanto o próprio Signor, que ficou
muito agitado quando lhe contaram o que aconteceu, e
jurou que o primeiro homem que repetisse tal baboseira
seria jogado na masmorra, embaixo da torre leste. Essa
foi uma punição dura só por falar baboseiras, como ele
disse, mas eu ouso dizer que ele tinha motivos diferentes
dos seus para chamá-lo disso, Madame.”
Emily pareceu ficar descontente e não respondeu.
Quando ela refletiu sobre a aparição que tinha a
assustado tanto até recentemente, e considerou as
circunstâncias da figura ter se posicionado em frente à
sua janela, ficou inclinada a acreditar por um instante
que era Valancourt quem ela tinha visto. Porém, se era
ele, por que não falou com ela quando teve a
oportunidade de fazê-lo; e, se ele fosse um prisioneiro do
castelo, não poderia estar aqui de outra forma, como ele
havia conseguido sair para andar pelo adarve? Assim, ela
ficou incapaz de decidir se o músico e a figura, que ela
tinha visto, eram a mesma pessoa ou, se eles fossem, se
esse era Valancourt. Contudo, ela pediu que Annette se
empenhasse em descobrir se havia prisioneiros no
castelo e os nomes deles também.
“Oh, Ma’amselle!”, disse Annette, “eu me esqueci
de lhe contar o que você pediu que eu perguntasse por
aí, as damas, como elas se referem a si mesmas, que
vieram para Udolpho recentemente. Ora, aquela Signora
Livona, quem o Signor trazia para visitar a minha Lady
falecida, em Veneza, é a amante dele agora, e eu ouso
dizer que ela era pouco menos do que isso antes. E o
Ludovico diz (mas, por favor, deixe isso em segredo,
Madame) que sua Excellenza a trouxe aqui para mostrar
para todo mundo que tinha começado a falar
liberalmente sobre o caráter dela. Então, quando as
pessoas viram a minha Lady reparando nela, eles
pensaram que o que tinham ouvido fosse um escândalo.
As outras duas são as amantes do Signor Verezzi e do
Signor Bertolini; e o Signor Montoni convidou todas elas
para o castelo; e, então, ontem, ele deu uma festa
enorme; e lá estavam elas, todas bebendo vinho da
Toscana e tudo mais, e rindo e cantando até fazerem o
castelo ressoar novamente. Mas, eu achei que fossem
sons horríveis, e também tão cedo após a morte da
minha pobre Lady; e eles trouxeram à minha mente o
que ela teria pensado se os tivesse ouvido. Mas, ela não
pode ouvi-los agora, a pobre alma! Disse eu.”
Emily se virou para esconder sua emoção, pediu que
Annette fosse embora e perguntasse sobre os
prisioneiros que poderiam estar no castelo, mas lhe
implorou que o fizesse com cautela, e que, de forma
alguma, não mencionasse o nome dela ou de Monsieur
Valancourt.
“Agora que eu estou pensando nisso, Ma’amselle”,
disse Annette, “eu acredito que haja prisioneiros sim,
pois ouvi um dos capatazes do Signor ontem, no salão
dos criados, falando algo sobre resgates e dizendo que
coisa boa era a sua Excellenza capturar homens, e que
eles eram um lucro tão bom quanto qualquer outro por
causa das recompensas. E outro homem estava
resmungando e dizendo que era muito bom para o
Signor, mas nada bom para os seus soldados, porque,
disse ele, nós não partilhamos disso”.
Essa informação aumentou a impaciência de Emily
para saber mais e Annette saiu para investigar,
imediatamente.
A decisão recente de Emily de desistir de suas
propriedades para Montoni deu vez a novas
considerações; a possibilidade de que Valancourt
estivesse perto dela renovou a sua fortaleza, e ela
decidiu enfrentar a ameaça de vingança, pelo menos até
que ela pudesse ter certeza de que ele estava mesmo no
castelo. Estava nesse estado de mente, quando recebeu
uma mensagem de Montoni, pedindo que ela viesse ao
salão de cedro, ao que ela obedeceu tremendo e, em seu
caminho até lá, ela se esforçou para reanimar suas forças
com a ideia de Valancourt.
Montoni estava sozinho. “Eu chamei você”, disse
ele, “para lhe dar outra oportunidade de retratar as suas
últimas afirmações errôneas sobre as propriedades em
Languedoc. Eu vou me dignar a aconselhá-la, onde eu
poderia ordená-la. Se você está mesmo iludida com uma
opinião de que tem qualquer direito a essas
propriedades, pelo menos não insista no erro... um erro
que você pode perceber que será fatal, quando for tarde
demais. Não tente mais o meu ressentimento, mas
assine os papéis”.
“Se eu não tenho direito algum a essas
propriedades, senhor”, disse Emily, “de que lhe servirá
que eu assine qualquer documento com relação a elas?
Se as terras são suas por lei, você certamente pode as
possuir sem a minha interferência ou o meu
consentimento”.
“Eu não vou discutir mais”, disse Montoni, com um
olhar que a fez tremer. “O que eu podia esperar além de
inconveniência, quando condescendi a ser racional com
um bebê! Mas, você não brincará mais comigo. Deixe
que a lembrança do sofrimento de sua tia, por
consequência da insensatez e da obstinação dela,
ensine-a uma lição. Assine os documentos.”
A resolução de Emily ficou assustada, por um
instante: ela se contorceu com as lembranças que ele
trouxe à tona, e com a vingança que ele ameaçava; mas,
então, a imagem de Valancourt, quem a amava por tanto
tempo, e quem talvez agora estivesse tão perto dela,
veio ao seu coração e, juntamente com o sentimento
forte da indignação, com o qual ela sempre havia olhado
para um ato de injustiça desde a sua infância, inspirou
nela uma coragem nobre, porém imprudente.
“Assine os documentos”, disse Montoni, mais
impacientemente do que antes.
“Nunca, senhor”, respondeu Emily; “esse pedido
teria provado para mim a injustiça da sua reivindicação,
se eu estivesse ignorante quanto aos meus direitos”.
Montoni ficou pálido de raiva, enquanto seu lábio
tremendo e seu olhar à espreita quase a fizeram se
arrepender da audácia de seu discurso.
“Então, toda a minha vingança cairá sobre você”,
ele exclamou, com um juramento terrível. “E não pense
que ela será adiada. Nem as propriedades em
Languedoc, nem as na Gasconha serão suas; você ousou
questionar o meu direito. Ouse questionar o meu poder
agora. Eu tenho uma punição que você não imagina; ela
é terrivel! Esta noite... esta noite mesmo...”
“Esta noite!”, repetiu outra voz.
Montoni parou e se virou parcialmente, mas,
parecendo se recompor, ele continuou em um tom mais
baixo.
“Você viu recentemente um exemplo terrível de
obstinação e insensatez; mas, parece que isso não é o
bastante para lhe deter. Eu podia lhe contar sobre
outros... eu podia lhe fazer tremer com o mero relato.”
Ele foi interrompido por um gemido, que parecia vir
de baixo do cômodo onde eles estavam; e, enquanto ele
olhava ao redor, impaciência e raiva brilhavam em seus
olhos, porém algo, como uma sombra de medo, passou
pelo rosto dele. Emily se sentou numa cadeira perto da
porta, pois as várias emoções que ela sentia quase a
sobrecarregaram; mas, Montoni mal parou por um
instante e, controlando suas feições, continuou seu
discurso numa voz mais baixa, porém mais severa.
“Digamos que eu poderia lhe mostrar outros
exemplos do meu poder e do meu caráter, os quais
parece que você não compreende, ou você não me
desafiaria. Eu poderia lhe dizer que, uma vez que eu
tome uma decisão... mas, eu estou falando com um
bebê. Permita-me, contudo, repetir que não importa o
quão terrível sejam os exemplos que eu poderia contar, o
relato não iria lhe beneficiar; pois, embora o seu
arrependimento conseguisse pôr um fim à oposição, ele
não aliviaria a minha indignação. Eu terei a vingança,
assim como a justiça.”
Outro gemido preencheu a pausa que Montoni fez.
“Saia do cômodo imediatamente!”, disse ele,
parecendo não notar essa ocorrência estranha. Sem ter
forças para implorar pela piedade dele, ela se levantou
para sair, mas descobriu que não conseguia se manter
em pé; o medo e o terror a sobrecarregaram e ela caiu
na cadeira novamente.
“Saia da minha presença!”, gritou Montoni. “Esse
fingimento de medo não cai bem na heroína que acabou
de enfrentar a minha indignação.”
“Você não ouviu nada, Signor?”, perguntou Emily
tremendo, e ela ainda estava incapaz de sair do cômodo.
“Eu ouvi a minha própria voz”, replicou Montoni
severamente.
“E nada mais?”, disse Emily, falando com
dificuldade. “Lá, de novo! Você ouviu alguma coisa
agora?”
“Obedeça a minha ordem”, repetiu Montoni. “E
quanto a essas brincadeiras de tolos, logo eu descobrirei
quem está praticando-as.”
Emily se levantou novamente e se exauriu ao
máximo para sair do quarto, enquanto Montoni a seguia;
mas, ao invés de chamar seus criados para procurar pelo
cômodo, como ele tinha feito antes numa ocorrência
similar, foi para os adarves.
Enquanto ela descansava, por um instante, numa
janela aberta, em seu caminho até o corredor, Emily viu
um grupo das tropas de Montoni descendo uma
montanha distante, ao que ela não prestou mais atenção
depois deles trazerem à sua mente os prisioneiros
miseráveis que, talvez, estivessem trazendo para o
castelo. Finalmente, ao alcançar o seu aposento, ela se
jogou no sofá, sobrecarregada com os horrores novos de
sua situação. Com seus pensamentos perdidos em
tumulto e perplexidade, ela não conseguia nem se
arrepender, nem aprovar, a sua conduta recente; ela só
conseguia se lembrar de que estava sob o poder de um
homem que não tinha princípio algum sobre suas ações.
Somente a sua vontade; o espanto e os terrores da
superstição, que tinham a atacado por um momento,
cederam àqueles da razão.
Ela foi, enfim, acordada do devaneio que havia lhe
tomado conta, por uma confusão de vozes distantes e o
barulho de cascos, que pareceu vir dos pátios com o
vento. Uma esperança repentina de que algo bom se
aproximava tomou conta da mente dela, até que se
lembrou das tropas que tinha visto da janela, e concluiu
que esse era o grupo que Annette disse que era
esperado em Udolpho.
Logo depois, ela ouviu vozes vindas dos salões
fracamente, e o barulho das patas dos cavalos
desapareceu no vento; o silêncio se seguiu. Emily
escutou ansiosamente pelos passos de Annette no
corredor, mas uma pausa de silêncio total continuou até
que o castelo pareceu ser só tumulto e confusão
novamente. Ela ouviu os ecos de muitos passos, indo
para lá e para cá nos corredores, então línguas ocupadas
falavam alto no adarve. Depois de correr para a sua
janela, ela viu Montoni, com alguns de seus oficiais,
inclinados nos muros e apontando; enquanto vários
outros soldados estavam ocupados no outro lado do
adarve, perto de um canhão; ela continuou a observá-los
sem se importar com o tempo passando.
Annette apareceu, enfim, mas sem trazer
informações de Valancourt: “pois, Ma’amselle”, disse ela,
“todos fingem não saberem nada sobre prisioneiros. Mas,
aqui vai um bocado de informação interessante! O resto
do grupo acabou de chegar, Madame; eles vieram
galopando, de uma forma que quase quebrariam seus
pescoços; alguém mal sabia se o homem, ou o seu
cavalo, ia chegar primeiro nos portões. E eles trouxeram
notícias... e que notícias! Eles trouxeram notícias de que
um grupo do inimigo, como eles o chamam, está vindo
em direção ao castelo; então, eu suponho que teremos
os oficiais de justiça o cercando! Todos aqueles sujeitos
mal-encarados que costumávamos ver em Veneza”.
“Graças a Deus!”, exclamou Emily fervorosamente,
“então, ainda há uma esperança para mim!”
“O que você quer dizer, Ma’amselle? Você quer cair
nas mãos daqueles homens com cara de maus
elementos! Oras, eu estremecia quando passava por
eles, e teria adivinhado o que eles eram se o Ludovico
não tivesse me contado.”
“Nós não podemos ficar em piores mãos do que no
momento presente”, respondeu Emily sem resguardo;
“mas que razão você tem para supor que eles são oficiais
de justiça?”
“Oras, o nosso pessoal está tão assustado e num
alvoroço só; e eu não sei de nada além do medo da
justiça que possa os fazer ficar assim. Eu costumava
pensar que nada no mundo poderia deixá-los afobados, a
não ser, realmente, que fosse um fantasma ou algo
assim; mas agora, alguns deles estão se escondendo nas
criptas embaixo do castelo; mas, você não deve contar
isso para o Signor, Ma’amselle, e eu escutei dois deles
conversando... Santa Mãe! O que te fez ficar tão triste,
Ma’amselle? Você não está ouvindo o que eu estou
dizendo!”
“Sim, eu estou, Annette; por favor, prossiga.”
“Bem, Ma’amselle, o castelo todo está numa
agitação. Alguns dos homens estão carregando o canhão
e alguns estão examinando os portões principais e os
muros por todos os lados, e estão martelando e
consertando como se todos aqueles reparos que
demoraram nunca tivessem sido feitos. Mas, o que será
de mim e de você, Ma’amselle, e de Ludovico? Oh!
Quando eu ouvir o barulho do canhão, vou morrer de
tanto medo. Se eu visse o portão aberto por um minuto
eu me acertaria com ele por ter me trancado dentro
desses muros por tanto tempo! Ele nunca me veria
novamente.”
Emily ouviu as últimas palavras de Annette: “oh! Se
você o visse aberto por um momento sequer!”, ela
exclamou, “a minha paz poderia ser salva!” O gemido
profundo que ela pronunciou e a selvageria de seu olhar
aterrorizaram Annette mais ainda do que as palavras
dela; que implorou que Emily explicasse o significado
delas, a qual ocorreu, de repente, que Ludovico poderia
ser útil se houvesse uma oportunidade de escapar, e
repetiu a maior parte do que havia se passado entre
Montoni e ela própria, mas lhe mandou que não contasse
isso a ninguém exceto Ludovico. “Talvez esteja dentro do
poder dele”, ela acrescentou, “efetuar a nossa
escapatória. Vá até ele, Annette, diga a ele o que eu
tenho a temer e o que eu já sofri; mas lhe implore que
ele mantenha segredo, e que não perca tempo em tentar
nos resgatar. Se ele estiver disposto a se encarregar
disto, ele será recompensado amplamente. Eu não posso
falar com ele eu mesma, pois nós podemos ser vistas e
então eles tomariam cuidado para prevenir a nossa fuga.
Mas, seja rápida, Annette, e, acima de tudo, seja
discreta... eu esperarei pelo seu retorno neste aposento”.
A garota, cujo coração honesto ficou muito
comovido pelo recital, pela comoção de Emily, em
encarregá-la da missão, que estava tão ansiosa em
obedecer, saiu do quarto imediatamente.
A surpresa de Emily aumentou, quando ela refletiu
sobre as informações de Annette. “Ah!”, disse ela, “o que
os oficiais de justiça podem fazer contra um castelo
armado? Não pode ser isso.” Pensando melhor, contudo,
ela concluiu que com os bandos de Montoni saqueando a
província, os habitantes haviam ido às armas e estavam
vindo com os oficiais da polícia e um grupo de soldados
para forçarem a sua entrada no castelo. “Mas, eles não
sabem”, pensou ela, “da sua força, ou do número de
homens dentro dele! Ah! Exceto por uma fuga, eu não
tenho nada a esperar!”
Montoni, apesar de não ser precisamente o que
Emily temia que ele fosse um chefe de bandidos, havia
empregado suas tropas em tarefas não menos
audaciosas, ou menos abomináveis do que tal caráter
teria feito. Eles não só haviam roubado o viajante
indefeso sempre que uma oportunidade se oferecia, mas
haviam atacado e saqueado as casas de várias pessoas
que, estando situadas nos recuos solitários das
montanhas, estavam totalmente despreparadas para
resistirem. Nessas expedições os comandantes do grupo
não apareciam e os homens, parcialmente disfarçados,
algumas vezes, haviam sido confundidos com bandidos
comuns, e outras com grupos do inimigo estrangeiro,
que, naquele período, estava invadindo o país. Mas,
apesar deles já terem roubado várias mansões e trazido
para casa tesouros consideráveis, só tinham ousado se
aproximar de um castelo, no ataque do qual eles foram
assistidos por tropas de sua própria ordem; deste,
contudo, foram vigorosamente expulsos e perseguidos
por algumas tropas do inimigo estrangeiro, que estava
em parceria com os atacados. As tropas de Montoni
fugiram, precipitadamente, em direção a Udolpho, mas
foram seguidos tão de perto pelas montanhas que,
quando chegaram a um dos picos, nas vizinhanças do
castelo, e olharam para a estrada atrás, viram o inimigo
serpenteando por entre as colinas abaixo e a não mais
que uma légua de distância. Com esta descoberta, eles
se apressaram, seguindo em frente com mais velocidade,
para preparar Montoni contra o inimigo; e foi a chegada
deles que havia posto o castelo em tamanha confusão e
tumulto.
Enquanto Emily esperava, ansiosamente, por
alguma informação, ela viu, de sua janela, um grupo de
tropas se espalhando pelas montanhas vizinhas; e,
apesar de Annette ter ficado longe por muito pouco
tempo e dela ter uma tarefa difícil e perigosa para
cumprir, a sua impaciência pela informação se tornou
dolorosa; ela escutou; abriu sua porta; e saiu para
encontrá-la no corredor, muitas vezes.
Enfim, ouviu passos se aproximando do seu quarto;
e, ao abrir a porta, não viu Annette, mas o velho Carlo!
Novos medos vieram à sua mente rapidamente. Ele disse
que estava vindo do Signor, que tinha ordenado que ele
a informasse que ela deveria estar pronta para sair de
Udolpho imediatamente, pois o castelo estava prestes a
ser atacado; e que mulas estavam sendo preparadas
para levá-la, com seus condutores, a um lugar seguro.
“Seguro!”, exclamou Emily descuidadamente;
“então o Signor tem tanta consideração por mim assim?”
Carlo olhou para o chão e não respondeu. Mil
emoções opostas agitaram Emily sucessivamente,
enquanto ela escutava o velho Carlo; aquelas da alegria,
sofrimento, desconfiança e apreensão apareceram e
desapareceram de sua mente com a rapidez de um
relâmpago. Num momento parecia impossível que
Montoni tomasse essa medida meramente para a
proteção dela; e era mesmo muito estranho que ele
estava tirando ela do castelo, tal que ela só pôde atribuir
isso ao desejo de executar um novo plano de vingança,
com o qual ele a havia ameaçado. No instante seguinte,
parecia tão desejável sair do castelo, sob quaisquer
circunstâncias, que ela não conseguiu evitar se alegrar
com essa possibilidade, acreditando que qualquer
mudança seria boa, até que se lembrou da possibilidade
de Valancourt estar preso nele, quando a tristeza e o
arrependimento usurparam sua mente e ela desejou,
mais fervorosamente do que nunca, que não fosse a voz
dele que ela tinha ouvido.
Quando Carlo a lembrou de que ela não tinha tempo
a perder, pois o inimigo já podia ser visto do castelo,
Emily lhe implorou que ele a informasse para onde ela
iria; e, após alguma hesitação, ele disse que tinha
recebido ordens para não contar; mas, quando ela
repetiu a pergunta, disse que acreditava que ela seria
levada para a Toscana.
“Para a Toscana!”, exclamou Emily, “e por que para
lá?”
Carlo respondeu que não sabia de nada além de que
ela ficaria alojada num chalé na fronteira da Toscana, nos
pés dos Apeninos: “não fica a um dia de distância”, disse
ele.
Emily o dispensou; e, com mãos trêmulas, preparou
a pequena mala que ela pretendia levar consigo;
enquanto estava ocupada dessa forma, Annette retornou.
“Oh, Ma’amselle!”, disse ela, “não se pode fazer
nada! Ludovico disse que o novo porteiro é ainda mais
cuidadoso do que Barnardine era, e que é melhor nós nos
confiarmos num dragão do que nele. Ludovico está quase
tão desapontado quanto você, Madame, por minha
causa, ele diz, e eu tenho certeza que não viverei para
ouvir o canhão disparar duas vezes!”
Ela começou a chorar, mas se reanimou ao ouvir o
que acabara de se passar e implorou que Emily a levasse
com ela.
“Isso eu farei com prazer”, respondeu Emily, “se o
Signor Montoni permitir”; ao que Annette não respondeu,
mas correu do quarto e procurou Montoni
imediatamente, que estava no terraço, rodeado por seus
oficiais, onde ela começou a sua petição. Ele a mandou
voltar para o castelo severamente, e recusou seu pedido
decididamente. Annette, contudo, não estava pedindo
apenas por si própria, mas por Ludovico; e Montoni tinha
ordenado que alguns de seus homens a tirassem da sua
presença antes dela ir embora.
Numa agonia de decepção, voltou para Emily, que
previu nada de bom para si mesma com essa recusa para
Annette, e quem, logo em seguida, recebeu um chamado
para se dirigir ao pátio principal, onde as mulas estavam
esperando com os seus guias. Emily tentou acalmar a
chorosa Annette, em vão, que persistia em dizer que
nunca mais veria a sua senhorinha novamente; um medo
que a senhora dela secretamente pensava ser bastante
justificado, mas, isso ela se empenhou em esconder,
enquanto, com uma compostura aparente, despediu-se
afetuosamente da criada. Annette, contudo, seguiu-a até
os pátios, que estavam com aglomerados de pessoas
ocupadas com os preparativos para o inimigo; e, depois
de vê-la montar em sua mula e partir com seus
acompanhantes, voltou para o castelo e chorou
novamente.
Enquanto isso, conforme Emily olhava para trás para
os pátios escuros do castelo, não mais tão silenciosos
como quando ela entrou neles pela primeira vez, mas
ressoando com o barulho da preparação de defesa, cheio
de soldados e trabalhadores correndo para lá e para cá;
e, quando ela passou mais uma vez pela ponte elevadiça
enorme, a qual tinha lhe assustado com terror e
desespero antes, e ao olhar em volta, ela não viu muros
para confinar seus passos, ela sentiu, apesar da
antecipação, a alegria repentina de um prisioneiro que se
encontra em liberdade, inesperadamente. Essa emoção
não a deixava olhar, imparcialmente, para os perigos que
a esperavam lá fora; em montanhas infestadas por
grupos hostis que aproveitavam toda oportunidade para
saquear; e numa jornada confiada à liderança de
homens, cujas faces não falavam favoravelmente de
suas disposições. Nos momentos presentes, ela só
conseguia ficar alegre por estar livre daqueles muros, os
quais ela havia entrado com premonições tão
desesperadoras; e, ao se lembrar do pressentimento que
havia, então, tomado conta dela, naquele momento
conseguiu sorrir com a impressão que isso e aquilo
tinham deixado em sua mente.
Enquanto ela olhava, com essas emoções, para as
torres do castelo, subindo sobre a floresta, por entre a
qual ela serpenteava, o estranho, que ela acreditava
estar preso lá, voltou à sua memória, e a ansiedade e o
medo que ele fosse Valancourt passaram sobre a sua
felicidade como uma nuvem. Ela relembrou cada
circunstância sobre essa pessoa desconhecida desde a
noite em que ela o ouviu tocar a canção de sua província
natal pela primeira vez; circunstâncias que ela já havia
relembrado e comparado antes, sem extrair delas nada
perto de convicção, e que só a faziam acreditar que
Valancourt era um prisioneiro em Udolpho. Era possível,
contudo, que os homens que a conduziam pudessem dar-
lhe informações sobre esse assunto; mas, temendo
questioná-los, imediatamente, com receio de que eles
não quisessem contar nada para ela na presença uns dos
outros, ela esperou por uma oportunidade de falar com
eles separadamente.
Logo depois, uma trombeta ecoou fracamente ao
longe; os guias pararam e olharam na direção de onde o
som veio, mas o bosque espesso que os cercava excluía
toda visão da província ao além, um dos homens foi até
uma elevação, que provia uma visão mais extensa, para
observar quanto o inimigo havia avançado, de quem ele
julgava que essa trombeta fosse; o outro, enquanto isso,
permaneceu com Emily e ela fez algumas perguntas a
ele sobre o estranho em Udolpho. Ugo, pois esse era o
nome dele, disse que havia vários prisioneiros no castelo,
mas não se lembrava nem das pessoas, nem da hora
exata da chegada delas, e, portanto, não podia dar
nenhuma informação para ela. Havia uma arrogância no
seu comportamento enquanto falava, a qual dizia ser
provável que ele não teria respondido às perguntas dela,
mesmo que pudesse.
Após ter perguntado a ele quais prisioneiros foram
pegos perto da hora, tanto quanto ela conseguia se
lembrar, quando ela havia ouvido a música pela primeira
vez: “Aquela semana inteira”, disse Ugo, “eu fiquei fora
com um grupo, nas montanhas, e não soube de nada do
que estava acontecendo no castelo. Nós tínhamos o
bastante em nossas mãos, tivemos bastante trabalho
para ser feito”.
Quando Bertrand, o outro homem, retornou, Emily
não fez mais perguntas e, quando ele relatou para o seu
companheiro o que tinha visto, eles viajaram em silêncio
profundo; enquando Emily encontrava vistas parciais do
castelo acima, muitas vezes, entre as clareiras: as torres
do lado oeste, cujas janelas estavam cheias de arqueiros,
e os adarves abaixo, onde os soldados eram vistos
correndo ou ocupados na muralha preparando os
canhões.
Tendo emergido da floresta, eles serpentearam ao
longo do vale em direção oposta àquela de onde o
inimigo se aproximava. Emily teve uma visão completa
de Udolpho, com suas muralhas cinzentas, suas torres e
terraços, mais altos que os precipícios e os bosques
escuros, e resplandescendo parcialmente com as armas
dos mercenários conforme os raios do sol, passando
através de uma nuvem de outono, brilhavam sobre uma
parte do edifício, cujos outros aspectos ficaram numa
majestade sombreada. Através de suas lágrimas, ela
continuou contemplando os muros que talvez
prendessem Valancourt, e que naquele momento
estavam iluminados com um esplendor repentino, então,
eles ficaram cobertos pela escuridão tão repentinamente
quanto; enquanto o brilho passageiro caía sobre os topos
das árvores abaixo e acentuava as primeiras cores do
outono, que haviam começado a aparecer na folhagem.
Enfim as montanhas sinuosas tiraram Udolpho de sua
visão, e ela se voltou para outros objetos com uma
relutância pesarosa. O suspirar melancólico do vento por
entre os pinheiros, que balançavam sobre os
despenhadeiros, e o estrondo distante de uma correnteza
assistiam os seus devaneios e conspiravam com o
cenário ao redor para difundir sobre a sua mente
emoções solenes, porém não desagradáveis, mas que
logo foram interrompidas pelo rugido distante de um
canhão ecoando em meio às montanhas. Os sons
rolavam pelo vento e eram repetidos reverberando mais
e mais fracos até que se tornaram murmúrios
rabugentos. Isso era um sinal de que o inimigo tinha
alcançado o castelo e o medo por Valancourt atormentou
Emily novamente. Ela voltou seus olhos ansiosos para
aquele lado da província, onde o edifício ficava, mas os
picos que intervinham o esconderam de sua visão;
contudo, ela ainda via a cabeça alta de uma montanha
que ficava de frente para a sua janela, e fixou seu olhar
nela, como se esta pudesse contar tudo que estava
acontecendo na cena sobre a qual olhava. Antes dela se
afastar desse objeto interessante, os guias a
relembraram, duas vezes, de que ela estava perdendo
tempo, e que eles tinham um longo caminho a percorrer,
mas, mesmo quando já havia seguido em frente de novo,
ela olhou para trás frequentemente até que só o pico
azul dela, brilhando com um raio de sol, estava
aperecendo sobre as outras montanhas.
O barulho do canhão afetou Ugo como o som da
trombeta afeta o cavalo de guerra; isto atiçou todo o
fogo em sua natureza; ele ficou impaciente para estar no
meio da briga e condenava Montoni, com execrações
frequentes, por tê-lo mandado para longe. Os
sentimentos de seu camarada pareciam ser bastante
opostos e se adaptavam às crueldades, ao invés de aos
perigos da guerra.
Emily fazia perguntas frequentes sobre o seu local
de destino, mas só conseguiu descobrir que ela estava
indo para um chalé na Toscana; e, sempre que
mencionava o assunto, pensava ver uma expressão de
malícia e dissimulação nos rostos desses homens que a
assustava.
Era de tarde quando eles deixaram o castelo.
Durante várias horas viajaram por regiões de uma
solidão profunda, onde nenhum balido de carneiros ou
latido de um cão de guarda quebrava o silêncio, e eles
estavam longe demais para ouvir até mesmo o estrondo
distante do canhão. Perto da noite desceram através de
precipícios escuros com florestas de ciprestes, pinheiros
e cedros em direção a um pequeno vale tão deserto e
recluso que se a Solidão tivesse moradias locais, esse
teria sido o “seu local de residência preferido.”[11] Para
Emily parecia um lugar exatamente adequado para o
esconderijo de bandidos e, em sua imaginação, ela já os
via espreitando sob os limites de algum rochedo
inclinado, de onde suas sombras, alongadas pelo sol
poente, esticavam-se cruzando a estrada e alertando o
viajante do seu perigo. Ela estremeceu com a ideia e,
olhando para seus guias para ver se estavam armados,
pensou ver neles os próprios bandidos que ela temia!
Foi nesse vale que eles propuseram parar: “pois”,
disse Ugo, “vai anoitecer logo, e, então, os lobos tornarão
perigoso pararmos.” Esse era um motivo de medo novo
para Emily, mas era inferior ao que ela sofria quando
pensava em ser deixada nessa imensidão à meia-noite
com dois homens como eram seus guias atuais.
Indicações sombrias e terríveis, de qual poderia ser o
propósito de Montoni ao mandá-la para lá, vieram à sua
mente. Ela se esforçou para convencer os homens a não
pararem, e perguntou, ansiosamente, o quão mais longe
eles ainda tinham que ir.
“Muitas léguas ainda”, respondeu Bertrand. “Quanto
a você, Signora, pode fazer o que quiser com relação a
se alimentar, mas quanto a nós, faremos uma boa ceia
enquanto podemos. Nós precisaremos disto, eu garanto,
antes de terminarmos nossa jornada. O sol está se pondo
rapidamente; vamos parar embaixo daquele rochedo ali.”
O seu camarada concordou e, dirigindo as mulas
para fora da estrada, eles avançaram em direção a uma
colina coberta de cedros, com Emily os seguindo
tremendo em silêncio. Eles a levantaram de sua mula e,
depois de se sentar à grama no pé dos rochedos, tiraram
uma comida caseira de uma sacola, da qual Emily tentou
comer um pouco para esconder melhor suas apreensões.
O sol havia descido para trás das montanhas altas
do oeste, sobre as quais uma névoa púrpura começou a
se espalhar e a sombra do crepúsculo começou a passar
pelos objetos ao redor. Ela não escutava mais o
murmúrio baixo e ranzinza da brisa passando em meio à
floresta com qualquer prazer, pois isso conspirava com a
desertidão da cena e da hora noturna para deprimir o
seu espírito.
O suspense tinha aumentado a sua ansiedade,
quanto ao prisioneiro em Udolpho, tanto que, ao
descobrir que era impraticável falar a sós com Bertrand
sobre esse assunto, ela renovou suas perguntas na
presença de Ugo; mas ele estava, ou fingiu estar,
completamente ignorante sobre o estranho. Quando
dispensou a pergunta, ele conversou com Ugo sobre
outro assunto, o qual levou à menção de Orsino e do
caso que o havia expulsado de Veneza; a respeito do
qual Emily tinha ousado fazer algumas perguntas. Ugo
parecia estar bem familiar com as circunstâncias daquele
evento trágico, e relatou alguns particulares específicos
que a chocaram e supreenderam; pois, parecia ser muito
extraordinário que tais particulares fossem do
conhecimento de qualquer um que não estivesse
presente quando o assassinato fora cometido.
“Ele era de uma posição alta”, disse Bertrand, “ou o
Estado não teria se incomodado em investigar os seus
assassinos. O Signor teve sorte até então; esse não é o
primeiro caso desse tipo que caiu nas mãos dele; e
certamente, quando um cavalheiro não tem outros meios
de obter reparação legal... oras, ele deve fazer isso.”
“Sim”, disse Ugo, “e por que esse meio não é tão
bom quanto qualquer outro? Essa é a maneira de se
fazer justiça de uma vez, sem mais alvoroço. Se você
recorrer à lei, você tem que esperar até quando os juízes
quiserem, e no fim você pode perder a sua causa. Oras,
então, a melhor maneira é garantir o seu direito,
enquanto você pode, e executar a justiça você mesmo”.
“Sim, sim”, replicou Bertrand, “se você esperar até
que a justiça seja feita você... você pode aguardar
bastante. Oras, se eu quiser que um amigo meu seja
propriamente servido, como eu conseguirei a minha
vingança? Dez vezes para uma eles vão me dizer que ele
está certo e eu estou errado. Ou, se um camarada tomou
posse de uma propriedade que eu acho que deveria ser
minha, oras, talvez eu espere até morrer de fome antes
da lei dá-la para mim, e, então, depois de tudo, o juiz
ainda pode dizer: ‘a propriedade é dele.’ O que se deve
fazer então? Oras o caso é bem simples, eu devo tomá-
la”.
O horror de Emily a esta conversa aumentou com a
suspeita de que a última parte fosse dirigida a ela
própria, e que esses homens tivessem sido contratados
por Montoni para executar um tipo semelhante de justiça
pela causa dele.
“Mas, eu estava falando do Signor Orsino”,
continuou Bertrand, “ele é um daqueles que amam fazer
justiça de uma vez. Eu me lembro de que o Signor teve
uma discussão com um cavaliero de Milão há uns dez
anos atrás. Contaram-me a história na época e ela ainda
está fresca na minha cabeça. Eles discutiram sobre uma
Lady, de quem o Signor gostava, e ela foi perversa o
bastante para escolher o cavalheiro de Milão e seguiu
seu capricho a ponto de se casar com ele. Isso provocou
o Signor, como deveria mesmo, pois ele tentou fazê-la
raciocinar por muito tempo e ele costumava enviar
pessoas para cantar serenatas para ela, embaixo de sua
janela à noite; e costumava escrever versos sobre ela e
jurava que ela era a Lady mais bonita de Milão – Mas
nada adiantava – nada fez com que ela visse a razão; e,
como eu disse, ela foi tão longe a ponto de se casar com
este outro cavaliero. Isso causou a ira extrema do Signor;
ele decidiu se vingar dela e esperou pela oportunidade,
não esperou muito, pois, logo após o casamento, eles
foram para Pádua, sem duvidar de nada, eu garanto, do
que ele estava preparando para eles. Com certeza o
cavaliero pensou que não era culpado de nada e sairia
triunfante; mas, logo ele descobriu uma história
diferente”.
“O que, a Lady tinha prometido ficar com o Signor
Orsino?”, disse Ugo.
“Prometido! Não”, respondeu Bertrand, “ela não
tinha inteligência o bastante nem para dizer a ele que
gostava dele, pelo que eu ouvi, mas do contrário, pois ela
costumava dizer, desde o início, que nunca ficaria com
ele. E foi isto que provocou tanto o Signor, e com bons
motivos, pois quem gosta de ouvir que não é desejado? E
foi o mesmo que dizer isso. Seria o bastante dizer isso a
ele; ela não precisava ter ido embora e se casar com
outro”.
“O que, então ela se casou de propósito para
atormentar o Signor?”, disse Ugo.
“Quanto a isso eu não sei”, respondeu Bertrand, “de
fato, eles disseram que ela já tinha um afeto por outro
cavalheiro há muito tempo; mas, isso não faz diferença,
ela não deveria ter se casado com ele, e, então, o Signor
não teria ficado tão afrontado. Ela devia ter esperado o
que se seguiria; não era de se esperar que ele fosse
aguentar ela tê-lo usado mal, mansamente, e ela pôde
agradecer a si própria pelo que aconteceu. Mas, como eu
disse, eles foram para Pádua, ela e o seu marido, e a
estrada ficava sobre algumas montanhas expostas como
estas. Isso foi bem adequado para a intenção do Signor.
Ele esperou pela hora da partida deles e mandou seus
homens irem atrás com ordens sobre o que fazer.
Mantiveram uma distância até virem uma oportunidade,
e isso não aconteceu antes do segundo dia de viagem,
quando o cavalheiro mandou seus criados seguirem em
frente até a próxima cidade, provavelmente para
deixarem seus cavalos prontos, os capatazes do Signor
aceleraram e alcançaram a carruagem num recuo entre
duas montanhas, onde a floresta não deixava que os
criados vissem o que estava se passando, apesar deles
não estarem tão longe. Quando nós chegamos, atiramos
com nossos bacamartes, mas não acertamos.”
Emily ficou pálida com essas palavras e esperou que
tivesse as entendido errado; enquanto Bertrand
prosseguia:
“Os cavalheiros atiraram novamente, mas ele logo
foi forçado a descer, e foi quando se virou para chamar
os seus criados que ele foi atingido. Foi o feito mais
habilidoso que você já viu: ele foi atingido nas costas por
três adagas de uma vez. Caiu e foi despachado em um
minuto; mas a Lady escapou, pois os criados ouviram os
tiros e chegaram antes que eles pudessem cuidar dela.
‘Bertrand’, disse o Signor quando seus capatazes
voltaram.”
“Bertrand!”, exclamou Emily, pálida de horror, não
havia perdido uma sílaba dessa narrativa.
“Eu disse Bertrand?”, replicou o homem, um pouco
confuso, “Não, Giovanni. Mas eu esqueci onde eu estava;
‘Bertrand’, disse o Signor”.
“Bertrand, de novo!”, disse Emily, com uma voz
fraquejante. “Por que você está repetindo esse nome?”
Bertrand praguejou: “Que diferença faz”, ele
prosseguiu, “como o homem se chamava... Bertrand ou
Giovanni... ou Roberto? São a mesma coisa quanto a isso.
Você me distraiu duas vezes com essa... pergunta.
‘Bertrand’, ou Giovanni – ou o que você quiser –
‘Bertrand’, disse o Signor, ‘se os seus colegas tivessem
feito o dever deles tão bem quanto você, eu não teria
perdido a Lady. Vá, meu camarada honesto, e seja feliz
com isto.’ Ele lhe deu uma bolsa com ouro... e era bem
pouco, considerando o serviço que ele o mandou fazer.”
“Sim, sim”, disse Ugo, “bem pouco... bem pouco”.
Emily estava respirando com dificuldade e mal
conseguia se manter em pé. Quando viu esses homens
pela primeira vez, as aparências e a conexão deles com
Montoni haviam sido suficientes para dar a ela uma
impressão de desconfiança; mas, agora, quando um
deles havia admitido ser um assassino, ela se viu, com a
noite se aproximando, sob a direção dele em meio a
essas montanhas desertas e solitárias, e indo para onde
ela mal sabia, o medo mais agonizante tomou conta
dela, o que foi extremamente difícil de suportar com a
necessidade na qual ela se encontrava de esconder
todos os sintomas disso de seus companheiros.
Refletindo sobre o caráter e as ameaças de Montoni, não
parecia improvável que ele tivesse a entregado a eles
com o propósito de que fosse assassinada, e dessa forma
garantindo para si mesmo, sem mais oposição ou
demoras, as propriedades pelas quais ele havia
disputado por tanto tempo e tão desesperadamente.
Porém, se esse fosse o seu plano, não parecia haver
necessidade para mandá-la para tão longe do castelo;
pois, se qualquer medo de ser descoberto tivesse feito-o
não querer cometer o ato ali, um lugar bem mais
próximo teria sido suficiente para manter o segredo.
Essas considerações, contudo, não ocorreram a Emily
imediatamente, com quem tantas circunstâncias
conspiravam para aumentar o terror ao qual ela não
conseguia resistir, ou investigar as suas bases friamente;
e, mesmo que tivesse feito isso, ainda havia muitas
aparências que teriam justificado as suas apreensões
mais terríveis muito bem. Ela não ousava falar com seus
guias, ao som de cujas vozes tremia; e, quando olhava,
rapidamente, para eles, de vez em quando, seus rostos,
vistos imperfeitamente através da escuridão da noite,
serviam para confirmar os seus medos.
O sol já tinha se posto há algum tempo; nuvens
carregadas, cujas extremidades inferiores estavam
coloridas com um vermelho sulfúrico, permaneciam no
oeste, e lançavam uma coloração avermelhada sobre as
florestas de pinheiros, que poduziam um som solene
quando a brisa rolava sobre elas. O gemido vazio atingiu
o coração de Emily e serviu para tornar cada coisa ao seu
redor mais sombria e assustadora – as montanhas,
escurecidas pelo crepúsculo – a correnteza cintilante,
rugindo roucamente – as florestas negras e o vale
profundo, dividos em recuos rochosos, sombreados por
ciprestes e sicômoros altos e se torcendo em uma
escuridão longa. Quando lançou seu olhar ansioso sobre
o vale, Emily pensou que ele não tivesse fim; nenhum
vilarejo, nem mesmo um chalé, era visto, e ainda não
havia nenhum latido distante de um cão de guarda, nem
sequer um halloo[12] fraco e distante vinha com o vento.
Com uma voz trêmula, ela ousou relembrar os guias que
estava ficando tarde, e perguntou novamente o quão
mais longe eles teriam que ir. Mas, eles estavam
distraídos demais com a sua própria conversa para
responder à pergunta dela, a qual ela evitou repetir com
medo de receber uma resposta grosseira. Contudo, tendo
terminado sua ceia logo depois, os homens colocaram os
fragmentos de volta em sua sacola e prosseguiram ao
longo desse vale sinuoso num silêncio sombrio; enquanto
Emily novamente refletia sobre a sua própria situação e
sobre os motivos de Montoni para envolvê-la nela. Que
era para algum propósito maligo dirigido a ela mesma,
não podia duvidar; e parecia que, se ele não tivesse a
intenção de destruí-la com o objetivo de tomar as suas
propriedades imediatamente, pretendia deixá-la presa
por um tempo para algum fim mais terrível, um que
pudesse gratificar a sua avareza e ainda mais a sua
vingança profunda, igualmente. Neste momento,
lembrando-se do Signor Brochio e de seu comportamento
no corredor há algumas noites atrás, a última suposição,
horrível como era, fortificou a sua opinião. Porém, por
que tirá-la do castelo, onde ela temia que atos sombrios
fossem executados, frequentemente, em sigilo?
Possivelmente em quartos
com muitos golpes traiçoeiros e manchas da morte
à meia-noite.[13]
O medo do que ela iria encontrar era tão excessivo
que, às vezes, ameaçava seus sentidos; e, tantas vezes
quanto podia, ela pensava em seu pai e em como ele
teria sofrido, se tivesse previsto os eventos estranhos e
terríveis da vida futura da filha; e o quão ansiosamente
ele teria evitado aquela confiança fatal que a entregou
aos cuidados de uma mulher tão fraca quanto foi
Madame Montoni. De fato, a sua situação presente
parecia tão romântica e improvável para a própria Emily,
particularmente quando ela a comparava com o repouso
e a beleza de seus dias mais jovens, que havia
momentos em que ela quase acreditava ser vítima de
visões apavorantes, ofuscando uma mente perturbada.
Reprimida de expressar seus medos pela presença
de seus guias, a intensidade deles foi, enfim, perdida
num desespero sombrio. A visão terrível do que poderia
estar esperando por ela, dali em diante, tornou-a quase
indiferente aos perigos ao seu redor. Ela olhava com
pouca emoção para os desfiladeiros desertos, a estrada e
as montanhas escuras, cujos contornos só podiam ser
distinguidos através da escuridão; objetos que
recentemente tinham afetado o espírito dela tanto, a
ponto de despertarem visões horríveis do futuro, e colorir
essas com as suas próprias trevas.
Estava tão perto de escurecer que os viajantes,
acostumados a prosseguir em um ritmo mais devagar,
mal conseguiam enxergar o seu caminho. As nuvens, que
pareciam estar carregadas com trovões, passavam pelo
céu vagarosamente, mostrando as estrelas tremeluzindo
em intervalos; enquanto os bosques de ciprestes e
sicômoros, que ficavam sobre os rochedos, balançavam
no alto com a brisa, conforme esta varria o vale, e,
então, corria em meio à floresta distante. Emily tremeu
quando ela passou.
“Onde está a tocha?”, perguntou Ugo. “Está ficando
escuro.”
“Não tão escuro ainda”, respondeu Bertrand, “mas,
conseguiremos encontrar o caminho, e é melhor não
acender a tocha antes de ser necessário, pois isso pode
nos expor, se algum grupo disperso do inimigo estiver
fora”.
Ugo murmurou algo que Emily não compreendeu, e,
então, prosseguiu na escuridão, enquanto ela quase
desejava que o inimigo os descobrisse; pois havia algo a
se esperar de uma mudança, já que ela mal podia
imaginar uma situação pior do que a sua atual.
À medida que eles se moviam vagarosamente, a sua
atenção foi surpreendida por uma chama fina e afunilada
que aparecia, algumas vezes, na ponta da lança que
Bertrand estava carregando, parecendo com a que ela
tinha observado na lança do guarda na noite em que
Madame Montoni morreu, e a qual ele tinha dito que era
um presságio. O evento que se seguiu imediatamente
pareceu justificar a afirmação e uma impressão
supersticiosa havia ficado na mente de Emily, a qual a
aparição presente confirmava. Ela pensou que fosse um
presságio do seu próprio destino e a observeu
desaparecer e voltar sucessivamente, num silêncio
sombrio, que foi, enfim, interrompido por Bertrand.
“Vamos acender a tocha”, disse ele, “e nos abrigar
na floresta; uma tempestade está vindo, olhe para a
minha lança”.
Ele a ergueu com a chama se afinando na ponta.[14]
“Sim”, disse Ugo, “você não é um daqueles que
acredita em presságios. Nós deixamos covardes no
castelo, que ficavam pálidos com tal visão. Eu a vi, várias
vezes antes de uma tempestade com trovões, é um
presságio e uma dessas está vindo agora com certeza.
As nuvens já estão piscando rápido.”
Emily ficou aliviada de alguns medos da superstição
com aquela conversa, mas aqueles da razão
aumentaram enquanto, ao esperar que Ugo achasse uma
pedra para acender o fogo, ela viu o relâmpago pálido
brilhar sobre o bosque no qual eles estavam prestes a
entrar e iluminar as faces severas de seus companheiros.
Ugo não conseguia achar uma pedra e Bertrand ficou
impaciente, pois o trovão ressoava profundamente na
distância, e o relâmpago era mais frequente. Às vezes,
ele revelava os recuos da floresta mais próximos, ou,
mostrando alguma abertura em seus picos, iluminava o
chão com um esplendor parcial, a folhagem espessa das
árvores ainda mantinha a cena ao redor na escuridão
profunda.
Enfim, Ugo achou uma pedra e a tocha foi acesa.
Então, os homens desmontaram de seus cavalos e,
depois de assistirem a Emily, guiaram as mulas em
direção à floresta que contornava o vale à esquerda
sobre o chão irregular, interrompido, frequentemente,
por matagais e plantas selvagens, os quais ela era,
muitas vezes, forçada a fazer um circuito para evitar.
Ela não conseguia se aproximar dessa floresta sem
experimentar um senso mais agudo de perigo. O silêncio
profundo, exceto quando o vento varria por entre seus
galhos, a sua escuridão impenetrável, vista parcialmente
pelo clarão repentino, e, então, pelo brilho vermelho da
tocha, que apenas servia para tornar a “escuridão
visível”, eram circunstâncias que contribuíam para
renovar todos os medos mais terríveis; ela também
pensou que neste momento os rostos dos seus
condutores mostravam mais do que a sua ferocidade de
costume, misturada com um tipo de exultação à espreita,
a qual eles pareciam estar se esforçando para disfarçar.
Ocorreu à imaginação apavorada dela que eles estavam
levando-a pela floresta para completar o desejo de
Montoni com seu assassinato. A suspeita horrível causou
um gemido vindo do seu coração, o qual surpreendeu os
seus companheiros, que rapidamente se voltaram para
ela, a qual exigiu saber por que eles estavam levando-a
para lá, implorando que continuassem o caminho pelo
vale aberto, o qual ela mostrou que seria menos perigoso
do que a floresta numa tempestade com trovões.
“Não, não”, disse Bertrand, “nós sabemos melhor
onde o perigo está. Olhe como as nuvens estão se
abrindo sobre nossas cabeças. Além disso, nós podemos
deslizar sob a proteção das árvores com menos perigo de
sermos vistos, se o inimigo estiver vindo por aqui. Por
São Pedro e por todo o resto deles, eu tenho um coração
tão forte quanto os melhores, como um pobre diabo diria,
se ele vivesse novamente, mas o que podemos fazer
contra os números?”
“Do que você está reclamando?”, disse Ugo
desdenhosamente, “quem tem medo de números! Deixe
que eles venham, apesar deles serem tantos quanto o
castelo do Signor poderia comportar; eu mostraria para
os valetes o que é lutar. Quanto a você... eu lhe colocaria
quieto numa vala seca, onde pudesse espiar e me ver
colocar os patifes para correr. Quem está falando de
medo!”
Bertrand respondeu, com um juramento terrível, que
ele não gostava de tais zombarias, e uma altercação
violenta se seguiu, a qual foi, enfim, silenciada pelo
trovão, cuja descarga profunda foi ouvida de longe,
rolando em frente até que ela explodiu sobre as suas
cabeças em sons que pareciam sacudir o centro da terra.
Os bandidos pararam e olharam um para o outro. Entre
os troncos das árvores, o relâmpago azul brilhou e
tremeu ao longo do chão enquanto, conforme Emily
olhava embaixo dos galhos, as montanhas distantes,
muitas vezes, pareciam estar vestidas de chamas lívidas.
Talvez, nesse momento, ela tenha sentido menos medo
da tempestade do que de seus companheiros, pois outros
terrores estavam ocupando a sua mente.
Os homens estavam descansando, embaixo de um
castanheiro enorme, e fixaram suas lanças no chão, um
pouco distante, em cujas pontas de ferro Emily
observava o relâmpago brincar repetidamente, e, então
deslizar, descendo delas para dentro da terra.
“Eu preferia que estivéssemos seguros no castelo do
Signor!”, disse Bertrand. “Eu não sei por que ele nos
mandaria para esta tarefa. Ah! Como está chacoalhando
lá em cima! Eu quase consiguiria virar um padre e rezar.
Ugo, você tem um rosário?”
“Não”, respondeu Ugo, “eu deixo que covardes
como você carreguem rosários, eu carrego uma espada”.
“E ela vai lhe ajudar muito a lutar contra a
tempestade!”, disse Bertrand.
Outro estrondo, que foi reverberado em ecos
tremendos entre as montanhas, os silênciou por um
instante. Conforme este passou, Ugo propôs seguir em
frente: “nós só estamos perdendo tempo aqui”, disse ele,
“pois os galhos grossos do bosque vão nos proteger tão
bem quanto este castanheiro”.
Eles guiaram as mulas à frente, de novo, por entre
os troncos das árvores e sobre a grama sem trilhas, que
escondia as suas raízes enroladas. O vento aumentando
podia ser ouvido disputando com o trovão, enquanto ele
corria furiosamente pelos galhos acima e aumentava a
chama vermelha da tocha, que lançou uma luz mais forte
no caminho pela floresta e mostrava que os seus recuos
escuros eram lugares adequados para os lobos de que
Ugo havia falado antes.
Enfim, a força do vento pareceu levar a tempestade
para frente, pois os trovões rolaram para longe e só eram
ouvidos fracamente. Após viajarem pela floresta por
quase uma hora, durante a qual os elementos pareciam
ter voltado a repousar, os viajantes, subindo do vale
estreito, gradualmente, se encontraram na beirada
aberta de uma montanha, com um vale amplo se
estendendo aos seus pés no luar enevoado e acima o céu
azul, tremendo através das poucas nuvens finas, que
permaneceram despois da tempestade, e estavam
afundando até a borda do horizonte devagar.
O espírito de Emily começou a reviver quando ela
havia saído da floresta; pois considerou que, se esses
homens tivessem recebido ordems para matá-la, eles
provavelmente teriam executado o seu propósito bárbaro
na natureza solitária de onde tinham acabado de
emergir, onde o ato teria sido escondido de todo olho
humano. Tranquilizada com essa reflexão e pelo
comportamento quieto dos guias, enquanto eles
proseguiam silenciosamente num tipo de trilha de
ovelhas que seguia pelos limites da floresta, que
cresciam à direita, Emily não conseguiu olhar para a
beleza adormecida do vale, para o qual eles estavam
descendo, sem uma sensação momentânea de prazer.
Ela parecia ser variada com florestas, pastos e encostas,
e era coberta, ao norte e ao leste, por um anfiteatro dos
Apeninos, cujo contorno, no horizonte, era quebrado em
formas variadas e elegantes; ao oeste e ao sul, a
paisagem se estendia, indistintamente, em direção às
planícies da Toscana.
“Lá está o mar”, disse Bertrand, como se soubesse
que Emily estava examinando a vista na penumbra, “lá
no oeste, apesar de nós não conseguirmos ver”.
Emily já percebia uma mudança no clima, diferente
daquele do trato desabitado e montanhoso que ela havia
deixado; e à medida que ela continuava a descer, o ar
ficou perfumado com a essência de mil flores, sem
nomes, na grama, trazido pela chuva recente. A cena à
sua volta era tão tranquilizadoramente bonita, e formava
um contraste tão impressionante com a grandeza
sombria daquelas cenas às quais ela tinha ficado
confinada por tanto tempo, e com as maneiras das
pessoas que se moviam em meio a elas, que quase
poderia ter imaginado que estava em La Valée
novamente, e, imaginando por que Montoni havia
mandado-a para cá, ela mal podia acreditar que ele
tivesse escolhido um lugar tão encantador para algum
plano cruel. Contudo, provavelmente não era o lugar,
mas as pessoas que por acaso o habitavam, a cujos
cuidados ele podia entregar a execução de seus planos
com segurança, quaisquer que fossem e que haviam
determinado a sua escolha.
Ela tentou perguntar, novamente, se eles estavam
próximos do seu local de destino, e foi respondida por
Ugo, que disse não estarem muito longe: “só até o
bosque dos castanheiros no vale ali”, disse ele, “lá, perto
do riacho que está brilhando com a lua; eu queria
descansar ali um pouco, com um frasco de um bom vinho
e uma fatia de bacon da Toscana”.
O espírito de Emily reviveu, quando ela ouviu que a
jornada estava tão próxima de ser concluída, e viu o
bosque de castanheiros numa parte aberta do vale, na
margem do rio.
Em pouco tempo eles chegaram à entrada do
bosque e viram, entre as folhas cintilantes, uma luz vindo
da janela de um chalé distante. Eles prosseguiram pela
margem do riacho para onde as árvores excluíam os
raios da lua ao se curvarem sobre ele, mas uma linha
iluminada longa, vinda do chalé acima, era vista em sua
superfície escura e trêmula. Bertrand andava na frente e
Emily o ouviu bater na porta e chamar alguém. Quando
ela o alcançou, a pequena janela de cima, de onde a luz
aparecia, foi aberta por um homem que, depois de
perguntar o que eles queriam, desceu imediatamente,
deixou-os entrar em uma choupana rústica bem
arrumada e chamou sua esposa para servir lanches para
os viajantes. Enquanto este homem conversava com
Bertrand, um pouco afastados, Emily o inspecionou
ansiosamente. Ele era um camponês alto, mas não
robusto, com um rosto amarelado, e tinha um olhar
sagaz e astuto; a sua face não era do tipo que ganhava a
confiança imediata da juventude, e não havia nada em
seu comportamento que pudesse tranquilizar um
estranho.
Ugo pediu o jantar impacientemente, e num tom
como se soubesse que sua autoridade era
inquestionável. “Eu estava os esperando há uma hora
atrás”, disse o camponês, “pois estive com a carta do
Signor Montoni essas últimas três horas, eu e minha
esposa tínhamos desistido e ido para a cama. Como
vocês se alimentaram nessa tempestade?”
“Bem mal”, respondeu Ugo, “bem mal, e,
provavelmente, alimentar-nos-emos bem mal aqui
também, a não ser que você se apresse mais. Traga-nos
mais vinho e deixe-nos ver o que você tem para comer”.
O camponês colocou diante deles tudo que o seu
chalé oferecia: presunto, vinho, figos, e uvas de tais
tamanhos e sabores que Emily havia provado raras
vezes.
Após fazerem o lanche, ela foi levada até o seu
pequeno quarto, pela esposa do camponês, onde ela fez
algumas perguntas sobre Montoni, às quais a mulher,
cujo nome era Dorina, deu respostas reservadas, fingindo
estar ignorante da intenção de sua Excellenza ao mandar
Emily para lá, mas reconhecendo que seu marido tinha
sido informado da circunstância. Percebendo que ela não
iria obter informações sobre o seu destino, Emily
dispensou Dorina e foi repousar; mas, todas as cenas
agitadas de seu passado, e as que ela antecipava para o
futuro vieram à sua mente ansiosa, e conspiraram com a
noção de sua situação nova para banir o sono.
CAPÍTULO VII

Não havia nada em volta a não ser imagens de


repouso,
Bosques calmantes e gramados quietos entre
estes,
E canteiros que mantinham a influência sonolenta
Do perfume de papoulas, e margens de um verde
agradável,
Onde nunca fora vista uma criatura até então.
Enquanto isso córregos numerosos e brilhantes
brincavam
E lançavam o reflexo de suas águas em todo lugar,
Que, à medida que disputavam pela clareira
ensolarada,
Apesar de ainda estarem inquietos, produziam um
murmúrio tranquilizante.
THOMSON [ 1 5 ]

Quando Emily abriu sua janela, na manhã seguinte,


ficou surpresa ao ver as belezas que a rodeavam. O chalé
era quase coberto pela floresta, que era principalmente
de castanheiros entremeados com alguns ciprestes,
lariços e sicômoros. Embaixo dos galhos escuros e
estendidos apareciam os imponentes Apeninos, ao norte
e ao leste, erguendo-se como um anfiteatro majestoso,
eles não eram enegrecidos com os pinheiros, como ela
tinha se acostumado a vê-los, mas seus picos mais altos
eram coroados com florestas antigas de castanheiros,
carvalhos e plátanos orientais, que agora estavam
animados com as cores ricas do outono e que corriam
para baixo em direção ao vale sem interrupções, exceto
onde uma elevação rochosa se estendia para fora da
folhagem e captava o brilho passageiro. Vinhedos se
esticavam ao longo dos pés das montanhas, onde as
mansões elegantes da nobreza toscana adornavam
frequentemente a cena, e olhavam por cima das colinas
vestidas de bosques de oliveiras, amoreiras, laranjeiras e
limoeiros. A planície, para onde estes declinavam, estava
colorida com as riquezas da cultivação, cujas cores
misturadas eram suavizadas harmoniosamente pelo sol
italiano. Videiras, com seus cachos cor de púrpura se
envergonhando em meio à folhagem castanho-
avermelhada, ficavam penduradas em grinaldas
luxuosas, nos galhos das figueiras e cerejeiras comuns,
ao passo que pastos verdejantes, tais que Emily havia
visto raramente na Itália, enriqueciam as margens do
riacho que, após descer das montanhas, serpenteava ao
longo da paisagem que ele refletia até alcançar uma baía
no mar. Lá no oeste distante, as águas, desaparecendo
até o céu, assumiam uma cor roxa bem clara e a linha de
separação entre eles só era discernível, de vez em
quando, através do progresso de um veleiro ao longo do
horizonte, iluminado pelos raios de sol.
O chalé, que ficava escondido dos raios mais
intensos do sol pela floresta, e só ficava exposto à luz
noturna, era completamente coberto por videiras,
figueiras e jasmineiros, cujas flores ultrapassavam em
tamanho e fragância qualquer uma que Emily já vira.
Essas e os cachos maduros de uvas ficavam pendurados
em volta de sua pequena janela. A relva, que crescia
embaixo da floresta, era incrustada com uma variedade
de flores silvestres e ervas perfumadas, e, na margem
oposta do riacho, cuja corrente difundia o frescor
embaixo das sombras, ficava um bosque de limoeiros e
laranjais. Este, apesar de ficar quase oposto à janela de
Emily, não interrompia a sua vista, mas a acentuava com
sua vegetação escura, cujos charmes comunicavam
imperceptivelmente para a sua mente um pouco de sua
serenidade.
Ela logo foi chamada para o café da manhã pela
filha do camponês, uma garota de uns dezessete anos
com um rosto agradável, o qual Emily ficou feliz em
observar que pareceu ficar animado com as afeições
puras da natureza, embora os outros que a rodeavam
expressassem mais ou menos as piores características:
crueldade, ferocidade, artimanha e duplicidade; do
último tipo de rosto, eram especialmente os do
camponês e o de sua esposa. Maddelina falava pouco,
mas o que ela dizia vinha em uma voz suave, e com um
ar de modéstia e complacência que interessava Emily,
que havia tomado café da manhã numa mesa separada
com Dorina, enquanto Ugo e Bertrand comiam uma
refeição de bacon toscano e vinho com o seu senhorio
perto da porta do chalé. Quando eles terminaram, Ugo,
levantando-se apressadamente, perguntou por sua mula,
e Emily descobriu que ele ia voltar para Udolpho,
enquanto Bertrand ficaria no chalé; uma circunstância
que, apesar de não a surpreender, a deixou aflita.
Quando Ugo havia partido, Emily propôs andar pelos
bosques vizinhos; mas, ao ouvir que ela não deveria sair
do chalé sem ter Bertrand como seu acompanhante, foi
para o seu quarto. Lá, enquanto seus olhos se
assentavam nos Apeninos grandiosos, lembrou-se do
cenário terrível que eles exibiram e dos horrores que ela
havia sofrido na noite anterior, particularmente no
momento em que Bertrand revelou ser um assassino; e
essas lembranças despertaram várias imagens que ela
investigou por algum tempo, já que elas a abstraíam de
pensar em sua própria situação, e, então, organizou-as
nos versos a seguir; feliz por ter descoberto algum meio
inocente de se divertir num momento de desgraça.
O PEREGRINO[16]
Devagar sobre os Apeninos com pés sangrando,
Um paciente peregrino seguia o seu caminho solitário,
Para cobrir o assento da Lady de Loreto[17]
Com toda a pequena fortuna que o seu ardor podia
comprar.
Dos picos frios das montanhas os raios do entardecer
morreram,
E, estendido na penumbra, o vale abaixo dormia;
E as últimas, últimas riscas púrpuras do dia
desapareciam lentamente no oeste melancólico.
No alto sobre a sua cabeça, os pinheiros agitados
reclamavam,
Conforme a brisa noturna rolava sobre os seus topos;
Lá embaixo, o riacho rouco esbraveja com os rochedos
em vão:
O peregrino para no despenhadeiro estonteante.
Então ele dirigiu seus passos cuidadosos para o vale,
Pois lá ele via a cruz de um eremita no escuro,
Coroando o rochedo, e lá os seus membros poderiam
descansar,
Animados pela caverna do homem bondoso, pelo brilho
da tocha,
Em camas de folhas, a malícia não perturbaria o seu
sono.
Lucas infeliz! Ele confia numa pista traiçoeira!
Atrás da colina estava o assaltante à espreita;
Nenhuma lua amigável projetou a sombra dele
Cruzando a estrada para salvar o sangue do peregrino;
Em frente ele seguiu, um cântico missal ele cantava,
O cântico que o acalmava para repousar toda noite.
Sobre a sua presa indefesa o bandido pulou ferozmente!
O peregrino sangra até morrer, seus olhos se fecham.
Porém, o seu espírito manso não tinha nenhuma
precupação vingativa,
Mas, morrendo, ele fez uma oração sagrada por seu
assassino!
Preferindo a solidão de seu quarto à companhia das
pessoas no andar de baixo, Emily jantou no andar de
cima e mandaram que Maddelina a acompanhasse, de
cuja conversa simples ela descobriu que o camponês e
sua esposa eram habitantes antigos desse chalé, que
havia sido comprado para eles por Montoni, em
recompensa por algum serviço feito para ele há muitos
anos atrás por Marco, de quem Carlo, o mordomo do
castelo, era quase um parente. “Foi há tantos anos atrás,
Signora”, acrescentou Maddelina, “que eu não sei nada
sobre isso; mas meu pai fez algo muito bom para o
Signor, pois minha mãe falava para ele muitas vezes que
este chalé é o mínimo que ele deveria ter recebido”.
Emily escutou a menção dessa circunstância com
um interesse doloroso, já que ela parecia dar uma cor
assustadora ao caráter de Marco, cujo serviço,
recompensado dessa forma por Montoni, ela mal podia
duvidar que fosse algo criminoso; e, se fosse, ela tinha
razões demais para acreditar que ela tivesse sido
entregue às mãos dele para algum propósito
desesperado. “Você já ouviu dizerem quantos anos faz”,
perguntou Emily, que estava pensando no
desaparecimento da Signora Laurentini de Udolpho,
“desde que seu pai fez os serviços sobre os quais você
falou?”
“Foi um pouco antes de ele vir morar aqui, Signora”,
respondeu Maddelina, “e isso foi perto de dezoito anos
atrás”.
Era perto do período quando disseram que a Signora
Laurentini havia desaparecido e ocorreu a Emily que
Marco assistiu no caso misterioso e talvez tenha sido
empregado num assassinato! Essa suspeita horrível a
fixou numa reflexão tão profunda que Maddelina saiu do
quarto sem que ela percebesse, e ela continuou
inconsciente de tudo ao seu redor por um tempo
considerável. Enfim lágrimas vieram aliviá-la e, após ter
satisfeito essas, com seu espírito se acalmando, parou de
tremer com a visão dos males que poderiam nunca
acontecer; e teve resolução o bastante para tentar tirar
seus pensamentos da contemplação de seus próprios
interesses. Lembrando-se dos poucos livros que até
mesmo na pressa de sua saída de Udolpho, ela havia se
lembrado de incluir na sua pequena bagagem, ela se
sentou com um deles em sua janela agradável, de onde
seus olhos passeavam frequentemente da página para a
paisagem, cuja beleza gradualmente acalmou a sua
mente com uma melancolia gentil.
Ali ela permaneceu sozinha até a noite e viu o sol
descer no céu do oeste, lançar toda a sua pompa de luz e
sombra sobre as montanhas, e brilhar sobre o oceano
distante e as velas correndo conforme ele afundava em
meio às ondas. Então, na hora reflexiva da meia-noite,
seus pensamentos suavizados se voltaram para
Valancourt; ela se lembrou novamente de cada
circunstância relacionada à música da meia-noite e de
tudo que pudesse auxiliar a sua especulação sobre o
encarceramento dele no castelo, e, se confirmando na
suposição de que era a voz dele que ela havia ouvido lá,
olhou para trás para aquela casa tenebrosa com as
emoções da tristeza e do arrependimento momentâneo.
Refrescada pelo ar frio e perfumado, e com seu
espírito tranquilizado num estado de melancolia gentil
pelo murmúrio sereno do riacho abaixo e da floresta ao
redor, ela continuou em sua janela muito tempo depois
do sol se pôr, observando o vale mergulhando na
escuridão até que somente o contorno das montanhas
grandiosas ao redor, sombreadas no horizonte,
permanecesse visível. Mas, um luar claro, que se
sucedeu, deu à paisagem o que o tempo dá às cenas
vividas no passado, quando suaviza todos os seus
aspectos mais ásperos e coloca sobre o todo uma sombra
madura de contemplação distante. As cenas de La Valée
durante a alvorada de sua vida, quando ela era protegida
e querida por pais igualmente amados, pareciam ternas
e bonitas assim como a vista à sua frente, e despertaram
comparações pesarosas. Não querendo enfrentar o
comportamento rude da esposa do camponês, ela ficou
em seu quarto sem cear, enquanto chorava novamente
por causa de sua situação desamparada e perigosa, uma
revisão desta superou os pequenos restos da sua
fortaleza e, reduzindo ela ao abatimento temporário, quis
ser libertada do fardo pesado da vida que a oprimia há
tanto tempo e rezou para que o Céu a levasse, em sua
misericórdia, para os seus pais.
Cansada com o choro, ela finalmente se deitou em
seu colchão e caiu no sono, mas logo foi acordada por
uma batida na porta do seu quarto e, levantando-se com
medo, ouviu uma voz a chamando. A imagem de
Bertrand com uma adaga em sua mão apareceu em sua
imaginação assustada, e ela nem abriu a porta, nem
respondeu, mas ficou escutando em silêncio profundo até
que, quando a voz repetiu o nome dela no mesmo tom
baixo, ela perguntou quem era. “Sou eu, Signora”,
respondeu a voz, a qual ela distinguiu ser de Maddelina,
“por favor, abra a porta. Não tenha medo, sou eu”.
“E o que lhe traz aqui tão tarde, Maddelina?”,
perguntou Emily quando a deixou entrar.
“Silêncio! Signora, pelos céus fique em silêncio! Se
nós formos ouvidas eu nunca serei perdoada. Meu pai,
minha mãe e Bertrand foram todos dormir”, continuou
Maddelina, enquanto fechava a porta, gentilmente, e
andava silenciosamente, “e eu lhe trouxe um pouco da
ceia, pois você não comeu nada lá embaixo sabe,
Signora. Aqui estão algumas uvas e figos e meio copo de
vinho.” Emily lhe agradeceu, mas expressou a apreensão
de que essa bondade trouxesse sobre ela o
ressentimento de Dorina, quando ela percebesse que as
frutas sumiram. “Portanto, leve isso de volta, Maddelina”,
acrescentou Emily, “eu sofrerei muito menos com a falta
disto, do que sofreria se esse ato de boa natureza a
submetesse ao desagrado de sua mãe”.
“Oh, Signora! Não há perigo nisso”, respondeu
Maddelina, “minha mãe não pode dar por falta das
frutas, porque eu as guardei da minha própria ceia. Você
me deixará muito triste se recusar comer, Signora.”
Emily ficou tão comovida com esse exemplo de
generosidade da boa menina, que continuou algum
tempo sem conseguir responder, e Maddelina a
observou, em silêncio, até que, compreendendo
erroneamente a causa da emoção dela, disse: “não chore
assim, Signora! Minha mãe certamente fica um pouco
zangada, às vezes, mas isso passa logo... eu não levo
isso pessoalmente. Ela ralha comigo muitas vezes
também, mas eu aprendi a aguentar isso e, quando ela
termina, se eu conseguir fugir para o bosque e tocar o
meu xilofone eu me esqueço de tudo imediatamente”.
Sorrindo por trás de suas lágrimas, Emily disse a
Maddelina que ela era uma garota boa, então aceitou a
sua oferta. Ela estava ansiosa para saber se Bertrand e
Dorina haviam falado de Montoni, ou de seus planos para
ela na presença de Maddelina, mas desdenhava tentar
uma garota inocente a adotar uma conduta tão maldosa
quanto revelar as conversas privadas de seus pais.
Quando ela estava saindo, Emily pediu que ela viesse ao
seu quarto quantas vezes quisesse, sem ofender a sua
mãe, e Maddelina, após prometer que faria isso, voltou
para o seu próprio quarto, silenciosamente.
Vários dias se passaram dessa forma, durante os
quais Emily permanecia em seu quarto, com Maddelina a
visitando somente durante a refeição, cujo rosto e
maneiras gentis a confortavam mais do que qualquer
circunstância que ela havia experimentado em muitos
meses. Passou a gostar de seu quarto coberto por
árvores e passou a sentir nele aqueles sentimentos de
segurança que nós naturalmente associamos a um lar.
Também nesse intervalo, a sua mente, não sendo
perturbada por nenhuma circunstância nova de
repugnância ou medo, recuperou o seu tom o suficiente
para permitir que ela aproveitasse os seus livros, em
meio aos quais ela encontrou alguns esboços inacabados
de paisagens, várias folhas de papel em branco com os
seus instrumentos de desenho, e assim ela pôde se
entreter selecionando alguns dos aspectos encantadores
da vista que sua janela comandava e combiná-los em
cenas nas quais a sua imaginação de bom gosto
acrescentou uma graça final. Nesses pequenos esboços
ela, geralmente, pintava grupos interessantes,
característicos dos cenários que eles animavam, e,
muitas vezes, criava e contava, com clareza, alguma
história simples e comovente, quando, enquanto uma
lágrima caía sobre os sofrimentos desenhados que a sua
imaginação havia criado, ela se esquecia por um
momento de seus sofrimentos reais. Dessa maneira
inocente entreteve-se nas horas de infortúnio e, com
uma paciência branda, ela esperava pelos eventos do
futuro.
Uma bela noite que havia se seguido a um dia
abafado, finalmente, levou Emily a caminhar, apesar de
saber que Bertrand deveria acompanhá-la, e com
Maddelina de acompanhante ela saiu do chalé seguida
por Bertrand, que deixou que ela escolhesse o seu
próprio caminho. O momento estava fresco e silêncioso e
ela não conseguia olhar para a província ao seu redor
sem deleite. Que encantador era o azul brilhante, que
coloria toda a região mais alta do ar e, desaparecendo de
lá para baixo, perdia-se no brilho açafrão do horizonte!
Não eram menos impressionantes as sombras variadas e
as cores quentes dos Apeninos, conforme o sol da tarde
lançava seus raios inclinados atravessando a sua
superfície irregular. Emily seguiu o curso do riacho
embaixo das sombras que ficavam sobre a grama em
suas margens. Na encosta do lado oposto, as pastagens
estavam animadas com rebanhos de gado de uma bonita
cor creme; e mais além estavam bosques de limoeiros e
laranjeiras com frutas brilhando nos galhos, quase tão
frequentes quanto às folhas que as cobriam
parcialmente. Ela seguiu seu caminho em direção ao
mar, que refletia o brilho morno do pôr do sol, enquanto
as colinas que se erguiam em sua margem estavam
coloridas com os últimos raios. O vale terminava à direita
com uma elevação alta, cujo topo, se impondo sobre as
ondas, era coroado com uma torre em ruínas, que agora
servia como um farol, cujas janelas danificadas e as asas
de alguma ave marinha, que circulava perto dele, ainda
estavam iluminadas pelos raios ascendentes do sol,
embora o seu círculo já estivesse mergulhado embaixo
do horizonte; enquanto a parte mais baixa da ruína, a
colina na qual ela ficava e as ondas aos seus pés
estavam escurecidas com as primeiras cores do
crepúsculo.
Tendo alcançado essa pequena elevação, Emily
contemplou com um prazer solene as colinas que se
estendiam em ambos os lados, ao longo das margens
desertas, algumas coroadas com bosques de pinheiros e
outras exibindo apenas precipícios nus de marfim
acinzentado, exceto onde os penhascos tinham tufos de
murtas e outros arbustos aromáticos. O mar dormia
numa calmaria perfeita; suas ondas, morrendo em
murmúrios nas costas, flutuavam com a ondulação mais
gentil, enquanto a sua superfície límpida refletia as cores
avermelhadas do oeste em uma beleza suavizada. Emily,
enquanto olhava para o oceano, pensava na França e em
tempos passados, e desejava – oh, tão ardentemente e
em vão – que as ondas a levassem para a sua terra natal,
distante!
“Ah! Aquele barco”, disse ela, “aquele barco que
desliza tão majestosamente, com suas velas altas
refletidas na água, talvez esteja indo rumo à França!
Feliz... feliz barca!” Ela continuou a contemplá-lo com
uma emoção terna, até que o cinza do crepúsculo
escureceu a distância e o escondeu da sua vista. O som
melancólico das ondas aos seus pés assistia a ternura
que causou as suas lágrimas e este foi o único som que
se ouviu no momento até que, tendo seguido as curvas
da praia por algum tempo, um coro de vozes no ar
passou por ela. Ela parou por um instante querendo ouvir
mais, porém com medo de ser vista e, pela primeira vez,
olhou para trás para Bertrand como seu protetor, que
estava seguindo-a de uma distância pequena na
companhia de alguma outra pessoa. Tranquilizada com
essa circunstância, ela avançou em direção aos sons, que
pareciam vir de trás de uma elevação alta que se
projetava cruzando a praia. Houve uma pausa repentina
na música, e, então, uma voz feminina foi ouvida
cantando um tipo de cântico. Emily acelerou seus passos
e, contornando o rochedo, viu dois grupos de
camponeses na baía extensa mais além, que era coberta
com bosques dos limites da praia até o pico das
montanhas, um estava sentado embaixo das sombras e o
outro estava de pé na beira do mar, em volta da garota
que estava cantando, a qual segurava em sua mão uma
grinalda de flores, que ela parecia estar prestes a colocar
nas ondas.
Escutando com surpresa e atenção, Emily distinguiu
a invocação seguinte, feita na linguagem pura e elegante
da Toscana e acompanhada por alguns instrumentos
pastoris.
PARA UMA NINFA DO MAR[18]
Oh, ninfa! Que ama flutuar na onda esverdeada,
Enquanto Netuno dorme embaixo do luar,
Embalado pelo poder melancólico da música,
Oh, ninfa, saia da tua caverna perolada!
Pois Hesper[19] está brilhando em meio à sombra do
crepúsculo,
E logo Cynthia[20] tremerá sobre a maré,
Brilhará sobre estas colinas, que contornam o orgulho do
oceano,
E o silêncio solitário impregnará o ar.
Então deixe que a sua voz doce ecoe na distância
E venha para esta encosta solitária,
Afunde com a brisa até desaparecer – não sendo mais
ouvida –
E acordarás a magia repentina de tua concha.
Enquanto a longa costa responde num doce eco,
Suas melodias calmantes entretem o coração pensativo,
E conjuram visões do sorriso futuro,
Oh, ninfa! De dentro de tua caverna perolada – apareça!
(Coro) – APAREÇA!
(Semi-coro) – APAREÇA!
Quando as últimas palavras foram repetidas pelo
grupo ao redor, a guirlanda de flores foi lançada às ondas
e o coro, diminuindo gradualmente até virar um cântico,
desapareceu no silêncio.
“O que isto quer dizer, Maddelina?”, indagou Emily,
despertando do transe agradável no qual a música havia
colocado-a. “Hoje é a véspera de um festival, Signora”,
respondeu Maddelina; “e os camponeses se divertem
com todo tipo de atividades”.
“Mas, eles estavam falando de uma ninfa do mar”,
disse Emily. “Como essas pessoas boas chegaram a
pensar numa ninfa do mar?”
“Oh, Signora”, replicou Maddelina, que entendeu
errado o motivo da surpresa de Emily, “ninguém acredita
nessas coisas, mas nossas músicas antigas falam delas
e, quando estamos em nosso lazer, às vezes, cantamos
para elas e jogamos guirlandas ao mar”.
Emily havia sido ensinada desde cedo a venerar
Florença como o berço da literatura e das belas artes;
mas, descobrir que o seu gosto por histórias clássicas
chegava até os camponeses do interior causou nela tanto
surpresa como admiração. O ar bucólico das garotas
atraiu a atenção dela em seguida. Suas vestes eram uma
saia cheia verde-clara bem curta, com um corpete de
seda branco, as mangas eram soltas e amarradas nos
ombros com fitas e arranjos de flores. Seus cabelos,
caídos em pequenos cachos em seus pescoços, também
eram ornamentados com flores e com um pequeno
chapéu de palha que, inclinado um pouco para trás e de
um lado da cabeça, dava uma expressão e animação e
vivacidade à figura completa. Quando a canção foi
concluída, várias das garotas se aproximaram de Emily e,
convidando-a para se sentar com elas, ofereceram a ela
e a Maddelina, que elas conheciam, uvas e figos.
Emily aceitou a cortesia delas muito contente com a
gentileza e a graça das suas maneiras, que pareciam ser
perfeitamente naturais a elas; e quando Bertrand se
aproximou, logo em seguida, e foi levando-a para longe
apressadamente, um camponês o convidou para beber
erguendo um cantil; uma tentação que Bertrand
raramente era valente o bastante para resistir.
“Deixe a jovem entrar na dança, meu amigo”, disse
o camponês, “enquanto nós esvaziamos esse cantil. Elas
vão começar logo. Toquem! Meus rapazes, toquem seus
tamborins e suas flautas animadas!”
Eles tocaram alegremente; e os camponeses mais
jovens formaram um círculo, no qual Emily teria entrado
prontamente, se seu espírito estivesse em harmonia com
a alegria deles. Maddelina, contudo, pulou felizmente e
Emily, enquanto olhava para o grupo contente,
esqueceu-se de seus infortúnios ao sentir aquele prazer
benevolente. Mas, a melancolia pensativa de sua mente
retornou, quando ela estava sentada longe do grupo,
escutando a música calma, que a brisa suavizava
enquanto a levava para longe, e observando a lua
lançando sua luz trêmula sobre as ondas e os picos
arborizados das colinas, que contornavam essas
encostas toscanas.
Enquanto isso, Bertrand estava tão contente com o
seu primeiro cantil que começou a atacar um segundo de
muito boa vontade, e já era tarde quando Emily, não sem
um pouco de apreensão, voltou para o chalé.
Depois dessa noite ela passou a caminhar com
Maddelina frequentemente, mas nunca sem ser
acompanhada por Bertrand; e sua mente ficou
gradualmente tão tranquila quanto às circunstâncias de
sua situação permitiriam. O silêncio, no qual ela era
forçada a viver, encorajava-a a ter esperança de que ela
não fora enviada para cá com um propósito perverso; e,
se não parecesse provável que Valancourt fosse um
habitante de Udolpho, naquele momento, ela teria
desejado permanecer no chalé até que houvesse uma
oportunidade de retornar para o seu país natal. Mas, com
relação ao motivo de Montoni para mandá-la à Toscana,
ela estava mais perplexa do que nunca, e não conseguia
acreditar que qualquer consideração pela segurança dela
havia o influenciado nessa questão.
Ela havia estado no chalé há algum tempo, quando
se lembrou de que, na pressa de sair de Udolpho, havia
esquecido os documentos sobre as propriedades em
Languedoc entregues a ela por sua falecida tia; mas,
apesar dessa lembrança ter causado muita agitação, ela
tinha alguma esperança de que eles escapariam da
descoberta de Montoni, no lugar secreto onde foram
colocados.
CAPÍTULO VIII

Minha língua tem um conto pesado a relatar.


Eu interpreto o carrasco, de pouco em pouco,
Prolongando o pior que deve ser dito.
RICARDO II [ 2 1 ]

Agora podemos voltar a Veneza por um instante,


onde o Conde Morano estava sofrendo com um acúmulo
de infortúnios. Logo após sua chegada à cidade, ele foi
preso por uma ordem do Senado e, sem saber do que ele
era suspeito, foi levado para alguma prisão onde as
investigações mais vigorosas de seus amigos não
conseguiram rastreá-lo. Quem era o inimigo que havia
causado essa calamidade ele não conseguiu adivinhar,
embora, de fato, as suas suspeitas caíssem sobre
Montoni, e não só com muita probabilidade aparente,
mas com justiça.
Na questão da taça envenenada, Montoni havia
suspeitado de Morano; mas, não conseguindo encontrar
as provas que seriam necessárias para condená-lo
culpado com intento, recorreu a outros meios de
vingança além dos que poderia esperar de uma
condenação. Ele encarregou uma pessoa, em quem ele
acreditava que podia confiar, de deixar uma carta de
acusação na Denunzie secrete, ou boca dos leões, que
ficava numa galeria, no palácio do magistrado,
funcionando como um receptáculo para informações
anônimas sobre pessoas que pudessem estar
descontentes com o Estado. Já que nessas ocasiões o
acusador não confronta o acusado, um homem poderia
acusar seu inimigo falsamente e conseguir uma vingança
injusta sem medo de punição, ou de ser descoberto. O
fato de Montoni recorrer a esse meio diabólico de
arruinar uma pessoa, que ele suspeitava ter atentado
contra a sua vida, não era de maneira alguma
surpreendente. Na carta, que ele havia usado como o
instrumento de sua vingança, acusava Morano de ter
planos contra o Estado, os quais ele tentava provar com
toda a simplicidade plausível na qual ele era um mestre;
e o Senado, para o qual uma suspeita era quase igual a
uma prova na época, prendeu o conde por consequência
dessa acusação; e, sem nem ao menos indicá-lo o seu
crime, o colocaram em uma das prisões secretas que
eram o terror dos venezianos, e nas quais as pessoas,
muitas vezes, definhavam, e, às vezes, morriam, sem
serem encontradas por seus amigos.
Morano havia trazido sobre si o ressentimento
pessoal de muitos membros do Estado; seus hábitos de
vida o tornaram desagradável para alguns; sua ambição,
a rivalidade audaciosa que ele descobriu em várias
ocasiões públicas – para outros; não era de se esperar
que a misericórdia suavizasse o rigor de uma lei que
seria administrada pelas mãos de seus inimigos.
Enquanto isso, Montoni foi atormentado por perigos
de outro tipo. Seu castelo estava sendo atacado por
tropas que pareciam estar dispostas a tentar de tudo e
aguentar dificuldades, pacientemente, na busca pela
vitória. A rigidez da fortaleza, contudo, resistiu ao ataque
deles e isto, juntamente com a defesa vigorosa da
guarnição e da escassez de provisões nessas montanhas
desertas, logo compeliu os assaltantes a suspenderem o
ataque.
Quando Udolpho foi deixado, mais uma vez, na
posse quieta de Montoni, ele despachou Ugo para a
Toscana para buscar Emily, a qual havia sido mandada
para um lugar mais seguro do que um castelo que, no
momento, estava ameaçado de ser tomado por seus
inimigos, em consideração à proteção pessoal dela.
Quando a tranquilidade foi restaurada em Udolpho, ele
ficou impaciente para garantir que ela estivesse embaixo
de seu teto novamente, e encarregou Ugo de ir assistir
Bertrand em escoltá-la de volta ao castelo. Forçada a
voltar dessa maneira, Emily se despediu da bondosa
Maddelina lamentando e, após a estadia de uma
quinzena na Toscana, onde ela havia experimentado um
intervalo de calmaria, que foi absolutamente necessário
para sustentar o seu espírito atormentado há muito
tempo, começou a subir os Apeninos mais uma vez, de
cujas colinas ela deu um olhar demorado e triste para a
bela província que se estendia aos seus pés e para o
Mediterrâneo distante, cujas ondas ela tantas vezes
desejou que a levassem de volta para a França. A aflição
que ela sentia em seu retorno ao lugar de seus
sofrimentos anteriores foi, entretanto, suavizada pela
suposição de que Valancourt estaria lá, e ela encontrou
algum conforto na ideia de estar perto dele, não obstante
a consideração de que ele provavelmente era um
prisioneiro.
Era meio-dia quando ela saiu do chalé e a tarde
havia acabado muito antes dela chegar perto das
redondezas de Udolpho. A lua estava aparecendo, mas só
brilhava em intervalos, pois a noite estava nublada e,
iluminados pela tocha que Ugo carregava, os viajantes
seguiram em frente silenciosamente; Emily refletindo
sobre a sua situação e Bertrand e Ugo antecipando os
confortos de uma garrafa de vinho e uma boa lareira,
pois eles já haviam percebido, há algum tempo, a
diferença entre o clima quente das planícies da Toscana e
do ar cortante dessas regiões mais altas. Enfim, Emily foi
despertada de seu devaneio pelo som distante do relógio
do castelo, ao qual ela não escutou sem um pouco de
temor, enquanto este passava pela brisa. Outra e outra
nota se seguiram e desapareceram num murmúrio
taciturno entre as montanhas. Para a sua imaginação
lúgubre parecia um toque de finados anunciando algum
período fatídico para ela.
“Sim, lá está o velho relógio”, disse Bertrand, “ele
ainda está lá: o canhão não o silenciou!”
“Não”, respondeu Ugo, “ele badalou tão alto quanto
os melhores deles em meio a tudo. Estava rugindo no
combate mais atribulado que eu já vi nesses tantos dias!
Eu achava que alguns atacariam o velho camarada, mas
escapou e a torre também.”
Quando a estrada contornou a base de uma
montanha, eles viram o castelo, que era mostrado na
perspectiva do vale, pelo brilho do luar, então
desaparecia nas sombras; mas, até mesmo uma visão
transitória dele despertou a mordacidade dos
sentimentos de Emily. Seus muros maciços e escuros lhe
deram ideias terríveis de confinamento e sofrimento.
Porém, à medida que ela avançada, um pouco de
esperança se misturou ao seu terror; pois, embora essa
pudesse ser a residência de Montoni, era possível que
também fosse a de Valancourt, e ela não podia se
aproximar de um lugar, onde ele poderia estar, sem
experimentar um pouco da alegria da esperança.
Eles continuaram pelo vale e, logo em seguida, ela
viu novamente as muralhas antigas e as torres
iluminadas pela lua se erguendo acima da floresta. Os
raios fortes também lhe permitiram ver os danos que o
ataque havia causado: com os muros quebrados e as
janelas estilhaçadas, pois eles estavam agora no pé da
colina em que Udolpho ficava. Fragmentos enormes
haviam rolado abaixo, por entre a floresta, através da
qual os viajantes começaram a subir, e lá eles se
misturaram com a terra revolvida e pedaços de rocha
que haviam sido trazidos consigo. A floresta também
havia sofrido muito com as baterias acima, pois o inimigo
tinha tentado se esconder do fogo aberto nos adarves.
Muitas árvores nobres foram trazidas para o nível do
chão e outras perderam grande parte dos seus galhos
superiores. “É melhor nós desmontarmos”, disse Ugo, “e
guiarmos as mulas na subida da colina, ou então
cairemos em alguns dos buracos que as balas deixaram.
Há muitos deles aqui. Dê-me a tocha”, continuou Ugo
despois de terem desmontado, “e tome cuidado para não
tropeçar em nada que esteja no caminho, pois o território
ainda não foi revistado para encontrar o restante do
inimigo.”
“Como!”, exclamou Emily, “Então, ainda há parte do
inimigo aqui?”
“Não, eu não sei quanto a isso”, ele respondeu,
“mas, quando saí eu vi um ou dois deles deitados
embaixo das árvores.”
Enquanto eles prosseguiam, a tocha lançava uma
luz escura no chão e nos recuos da floresta, ao longe, e
Emily tinha medo de olhar para frente com receio de que
alguma coisa horrível encontrasse os seus olhos. No
caminho, estavam espalhados muitas pontas de lanças
quebradas e pedaços de armaduras despedaçadas,
daquelas que na época eram misturadas às vestimentas
mais leves dos soldados. “Traga a luz aqui”, disse
Bertrand, “eu tropecei em alguma coisa que fez um
barulho bem alto.” Quando Ugo levantou a tocha, eles
viram uma couraça de aço no chão, a qual Bertrand
levantou, viram que ela estava perfurada, e que o
interior estava coberto de sangue; mas, com as súplicas
ansiosas de Emily, para que eles prosseguissem,
Bertrand, após fazer alguma piada sobre a pessoa
desafortunada, a quem aquilo pertencia, jogou-a no
chão, e seguiram em frente.
A cada passo que Emily dava, temia ver algum
vestígio de morte. Ao chegar, logo em seguida, a uma
abertura na floresta, Bertrand parou para inspecionar o
território, que estava obstruído com troncos enormes e
galhos das árvores que o adornavam até recentemente,
e que parecia ter sido um local particularmente fatal para
os atacantes; pois, era evidente pela destruição das
árvores, que foi ali direcionada a maior parte dos
disparos das tropas. Quando Ugo ergueu a tocha
novamente, o aço brilhou entre as árvores caídas; o chão
estava coberto de armamentos quebrados e vestes de
soldados rasgadas, cujas formas mutiladas Emily estava
quase esperando ver; e, novamente, implorou que seus
companheiros continuassem andando, os quais,
entretanto, estavam focados demais em sua inspeção
para prestar atenção a ela, que voltou seus olhos, dessa
cena desolada, para o castelo acima, onde viu luzes
deslizando sobre os adarves. Naquele instante, o relógio
do castelo marcou doze horas e uma trombeta tocou, da
qual Emily perguntou o motivo.
“Oh! Eles estão só trocando de guarda”, respondeu
Ugo.
“Eu não me lembro dessa trombeta”, disse Emily, “é
um costume novo.”
“É apenas um costume antigo revivido, Lady; nós
sempre a usamos em tempos de guerra. Temos tocado
ela à meia-noite desde que o lugar foi atacado.”
“Ah!”, disse Emily, quando a trombeta tocou
novamente; e, no instante seguinte, ela ouviu uma
batida de armas fraca, a palavra de comando foi
repassada ao longo do terraço acima, e foi transmitida de
uma parte distante do castelo; depois disso, tudo ficou
silencioso novamente. Ela reclamou do frio e implorou
para seguirem em frente. “Agora mesmo, Lady”, disse
Bertrand, virando algumas armas quebradas com a lança
que ele geralmente carregava. “O que nós temos aqui?”
“Ah!”, gritou Emily, “que barulho foi esse?”
“Qual barulho?”, disse Ugo se agitando e escutando.
“Silêncio!”, repetiu Emily. “Ele veio dos adarves lá
em cima com certeza”, e, ao olhar para cima, eles viram
uma luz se movendo ao longo dos muros, enquanto, no
instante seguinte, com a brisa aumentando, a voz foi
ficando mais alta do que antes.
“Quem está aí?”, gritou um guarda do castelo. “Fale
ou será pior para você”. Bertrand gritou de alegria. “Ha!
Meu camarada valente, é você?”, disse ele, e deu um
assobio estridente, um sinal que foi respondido por outro
do soldado de sentinela. Então, quando o grupo avançou,
eles emergiram da floresta, logo em seguida, na estrada
desnivelada que os levaram aos portões do castelo
imediatamente; Emily viu, como terror renovado, o todo
daquela estrutura estupenda. “Ah!”, disse ela a si
mesma, “eu estou indo para a minha prisão novamente!”
“Houve muito trabalho aqui, por São Marcos!”,
exclamou Bertrand movendo a tocha sobre o chão; “as
balas de canhão quebraram o chão com violência.”
“Sim”, respondeu Ugo, “elas foram disparadas
daquele baluarte ali e fizeram uma execução rara. O
inimigo conduziu um ataque furioso no portão principal;
mas, eles devem ter adivinhado que nunca conseguiriam
continuar dali; pois, além do canhão na muralha, os
nossos arqueiros, nas outras duas torres, caíram em cima
deles com tamanha velocidade que, por São Pedro! Não
havia como aguentar aquilo. Eu nunca tive uma visão
melhor em minha vida; eu ri até minhas costelas doerem
vendo os valetes se dispersando. Bertrand, meu bom
amigo, você deveria ter estado no meio deles; eu
garanto que você teria ganho a corrida!”
“Ha! Você está com as suas piadas velhas de novo”,
disse Bertrand num tom ranzinza. “É bom para você
estar tão perto do castelo; você sabe que eu já matei
meus próprios homens antes disso.” Ugo só respondeu
com uma risada, e, então, deu mais um relato do ataque,
que impressionou Emily, a qual escutava, com o forte
contraste entre a cena presente e aquela que havia sido
encenada ali recentemente.
O rugido misturado de canhões, tambores e
trombetas, os gemidos dos conquistados e os gritos dos
conquistadores tinham afundado em um silêncio tão
profundo que parecia a morte triunfando, igualmente,
sobre os vencidos e os vencedores. A condição
despedaçada de uma das torres do portão grande não
confirmava, de maneira alguma, o relato valente dado
por Ugo, sobre o grupo batendo em retirada, que,
evidentemente, não somente manteve a sua posição,
como também causou muitos danos antes de fugirem;
pois essa torre parecia, tanto quanto Emily podia julgar
através do luar fraco que caía sobre ela, estar
completamente aberta, e as janelas estavam quase
demolidas. Enquanto ela observava, uma luz brilhou
através de uma das aberturas mais baixas e
desapareceu; mas, no instante seguinte, ela viu, através
da parede quebrada, um soldado com um lampião,
subindo pela escada estreita em espiral dentro da torre
e, lembrando-se de que essa era a mesma pela qual ela
havia passado na noite em que Barnardine havia a
iludido com a promessa de ver Madame Montoni, sua
imaginação trouxe um pouco do terror que ela tinha
sofrido então. Estava bem próxima do portão, quando o
soldado, acima dele, abriu a porta do quarto do portão, o
lampião que ele carregava deu a ela uma visão escura
daquele cômodo terrível, e ela quase desmaiou com as
lembranças do momento em que ela abriu a cortina e
descobriu o que estava escondendo.
“Talvez”, disse ela para si mesma, “o quarto seja
usado para um fim semelhante agora; talvez aquele
soldado esteja indo, nesta hora deserta, velar o corpo do
seu amigo!” Os restos pequenos da sua fortaleza
cederam à força unida dos horrores lembrados e dos
antecipados, pois o destino triste de Madame Montoni
parecia prever o seu próprio. Ela pensou que, apesar das
propriedades em Languedoc satisfazerem a avareza de
Montoni, se ela os entregasse, talvez elas não
acalmassem a vingança dele, que raramente era
pacificada sem um sacrifício terrível; ela pensou até
mesmo que, se desistisse das propriedades, o medo da
justiça poderia estimulá-lo a capturá-la como uma
prisioneira, ou tirar a sua vida.
Eles chegaram ao portão, onde Bertrand, ao ver a
luz brilhar através de uma janela pequena, no quarto do
portão, chamou por alguém; e o soldado, olhando para
fora, perguntou quem estava lá. “Aqui, eu lhe trouxe um
prisioneiro”, disse Ugo, “abra o portão e deixe-nos
entrar.”
“Primeiro me diga quem é que está exigindo entrar”,
respondeu o soldado. “O quê! Meu velho camarada”,
exclamou Ugo, “você não me conhece? Não conhece o
Ugo? Eu trouxe para casa um prisioneiro, mãos e pés
amarrados, um sujeito que estava bebendo vinho da
Toscana, enquanto nós estivemos lutando.”
“Você não vai parar até encontrar alguém igual a
você”, disse Bertrand de maneira rabugenta. “Ha! Meu
camarada, é você?”, disse o soldado, “Eu já estarei
contigo.”
Emily ouviu os seus passos descendo as escadas, lá
dentro, a corrente pesada caindo e as trancas, de uma
porta dos fundos, destrancando-se, a qual ele abriu para
deixar o grupo entrar. Ele abaixou o lampião para
mostrar o degrau do portão, e ela se encontrou mais uma
vez debaixo da arcada sombria, ouviu a porta se fechar,
o que pareceu prendê-la do resto do mundo para sempre.
No instante seguinte, estava no primeiro pátio do
castelo, onde inspecionou a área solitária e espaçosa
com um tipo de desespero calmo; enquanto a hora
silenciosa da noite, a melancolia gótica das construções
ao redor, e os ecos vazios e imperfeitos, que retornaram
enquanto Ugo e o soldado conversavam juntos, ajudaram
a aumentar as premonições sombrias do seu coração.
Passando para o segundo pátio, um som distante e fraco
surgiu no silêncio e, gradualmente, ficou mais alto
enquanto eles avançavam, Emily distinguiu vozes de folia
e risada, mas para ela era algo muito além de sons de
alegria. “Oras, vocês tem um pouco de vinho toscano
entre si aqui”, disse Bertrand, “se alguém pode julgar
baseado na algazarra que está vindo de lá. Ugo bebeu
mais do que lutou, eu tenho certeza. Quem está
festejando a essa hora?”
“Sua Excellenza e os cavalheiros”, respondeu o
soldado. “Isso é um sinal de que você é um estranho no
castelo, senão você não precisaria perguntar. Eles são
espíritos valentes que não precisam dormir... geralmente
passam a noite numa boa farra; eu queria que nós, que
ficamos de vigia, partilhássemos um pouco disso! É um
trabalho frio, ficar andando pelos adarves por tantas
horas à noite, se não tivermos uma boa bebida para
aquecer o coração.”
“Coragem, meu garoto, a coragem deve aquecer o
seu coração”, disse Ugo. “Coragem!”, respondeu o
soldado rispidamente, com um ar ameaçador, o qual Ugo
percebeu e preveniu que ele falasse mais, voltando ao
assunto da festa. “Esse é um costume novo”, disse ele.
“Quando eu saí do castelo, os senhores ficavam
acordados em reunião.”
“Sim, e festejando também quanto a isso”,
respondeu o soldado, “mas, desde o ataque, eles não
fizeram nada além de celebrar; se eu fosse eles, teria me
recompensado por todo o combate duro da mesma
maneira.”
Eles tinham atravessado o segundo pátio e chegado
à porta do salão, quando o soldado os deu boa-noite e
correu de volta para o seu posto; e, enquanto eles
esperavam para entrar, Emily pensou em como ela
poderia evitar ver Montoni e ir para o seu quarto antigo
sem ser percebida, pois ela tremia com a ideia de
encontrá-lo, ou qualquer um do grupo dele, a essa hora.
O alvoroço dentro do castelo estava tão alto que, apesar
de Ugo bater na porta do salão repetidamente, ele não
foi ouvido por criado algum, uma circunstância que
aumentou o medo de Emily enquanto lhe dava tempo de
especular sobre como sair despercebida; pois, embora
ela talvez pudesse passar pela escadaria principal sem
ser vista, era impossível, para ela, encontrar o caminho
até o seu quarto sem uma luz, a dificuldade de procurar
por isso e o perigo de andar pelo castelo sem isso a
assustaram imediatamente. Bertrand só tinha uma tocha
e ela sabia que os criados nunca traziam uma vela até a
porta, pois o salão era iluminado suficientemente pelo
castiçal em tripé que ficava pendurado no teto
abobadado; e, enquanto ela estivesse esperando que
Annette a trouxesse uma vela, Montoni, ou algum de
seus companheiros, poderia vê-la.
A porta foi aberta por Carlo; e Emily, depois de pedir
que ele enviasse Annette com uma luz para a galeria
grande imediatamente, onde decidiu esperar por ela,
passou por ele com passos apressados em direção à
escadaria; enquanto Bertrand e Ugo, com a tocha,
seguiram Carlo até o salão dos criados, impacientes pela
ceia e pela chama quente de uma fogueira. Emily,
iluminada apenas pelos raios fracos que o lampião acima
lançava por entre os arcos desse salão extenso, esforçou-
se para encontrar o caminho até a escadaria, escondida
na escuridão; enquanto os gritos de celebração, que
vinham de um cômodo remoto, serviam para aumentar a
sua perplexidade ao elevar o seu terror, ela esperava ver
a porta daquele quarto se abrindo a qualquer instante, e
Montoni, com seus companheiros, vindo. Ao alcançar a
escadaria, enfim, e chegar até o topo, ela se sentou no
último degrau para esperar pela chegada de Annette;
pois, a escuridão da galeria a impossibilitou de seguir em
frente e, enquanto ela tentava escutar pelos seus passos,
só ouviu os sons distantes da folia que subiam em ecos
ranzinzas por entre as arcadas abaixo. Pensou ter ouvido
um som baixo vindo da galeria escura atrás dela; ao
voltar seus olhos para lá, imaginou ver algo luminoso se
movendo lá dentro; e, já que neste momento ela não
conseguia superar a fraqueza que causou os seus medos,
saiu de seu assento e desceu alguns degraus mais para
baixo, silenciosamente.
Como Annette ainda não havia aparecido, Emily
concluiu que ela devia ter ido dormir e que ninguém
decidiu buscá-la; então, o prospecto que se apresentou,
de passar a noite no escuro naquele lugar, ou em outro
igualmente desamparado (pois ela sabia que era
impraticável encontrar o caminho pelos meandros do
castelo até o seu quarto), causou lágrimas misturadas de
terror e desânimo em seus olhos.
Enquanto estava sentada dessa forma, pensou ter
ouvido, de novo, um som estranho vindo da galeria e
escutou, mal ousando respirar, mas as vozes,
aumentando lá embaixo, ficaram mais altas do que
qualquer outro som. Logo em seguida, ouviu Montoni e
seus companheiros entrando no corredor, os quais
falavam como se estivessem muito embriagados e
pareciam estar avançando em direção à escadaria. Ela se
lembrou de que eles tinham que passar por esse
caminho para os seus quartos e, esquecendo-se de todos
os terrores da galeria, ela correu naquela direção com a
intenção de se esconder numa de suas passagens, as
quais se abriam mais à frente, e, quando os cavalheiros
tivessem passado, tentar encontrar o caminho para o seu
próprio quarto, ou para o de Annette, o qual ficava numa
parte remota do castelo.
Com braços estendidos, ela andou pela galeria
cuidadosamente, ainda ouvindo as vozes das pessoas lá
embaixo, que pareciam ter parado para conversar no pé
da escada, então, parando por um instante para escutar,
em parte com medo de ir mais para dentro da escuridão
da galeria, onde ela ainda imaginava que houvesse uma
pessoa à espreita devido ao barulho que tinha ouvido.
“Eles já foram informados da minha chegada”, disse ela,
“e o próprio Montoni está vindo me procurar! No atual
estado dele, o seu motivo deve ser algo desesperado.”
Então, lembrando-se da cena que havia se passado no
corredor, na noite anterior à sua partida do castelo: “oh,
Valancourt!”, disse ela. “Eu devo desistir de você para
sempre. Enfrentar a injustiça de Montoni mais ainda não
seria fortaleza, mas insensatez.” As vozes lá embaixo
ainda não se aproximaram, mas ficaram mais altas e ela
distinguiu as de Verezzi e Bertolini acima das outras,
enquanto as poucas palavras que compreendeu a
fizeram escutar mais ansiosamente. A conversa parecia
dizer respeito a ela própria; e, tendo se aventurado a dar
alguns passos em direção à escadaria, descobriu que
eles estavam discutindo sobre ela, cada um parecendo
cobrar alguma promessa anterior de Montoni, quem
inicialmente parecia estar inclinado a apaziguar e
convencê-los a voltarem para o seu vinho, mas, depois
pareceu estar cansado da briga e, dizendo que ia deixá-
los decidirem a questão como pudessem, estava
retornando com o resto do grupo para o cômodo de onde
eles tinham acabado de sair. “Onde ela está?”, perguntou
alguém com uma voz de impaciência. “Diga-nos onde ela
está.” “Eu já lhes disse que não sei”, respondeu Montoni,
que parecia estar um tanto abalado pelo vinho; “mas ela
provavelmente foi para o quarto dela.” Verezzi e Bertolini
desistiram de suas perguntas e correram para a
escadaria juntos, enquanto Emily, que tinha tremido
tanto durante essa conversa e se mantido de pé com
dificuldade, pareceu ser inspirada com uma força nova,
no instante em que ouviu o som dos passos deles, e
correu pela galeria, apesar do quão escura ela estava,
com a agilidade de uma gazela. Mas, muito antes dela
alcançar a outra extremidade, a luz que Verezi carregava
brilhou nas paredes; ambos apareceram e, ao verem
Emily, instantaneamente correram atrás dela. Neste
momento, Bertolini, cujos passos apesar de serem ágeis
não eram estáveis, e cuja impaciência superou qualquer
cuidado que ele pudesse ter tido até então, tropeçou e
caiu no chão. O lampião caiu com ele e estava se
extinguindo no chão; mas Verezzi, sem se preocupar em
pegá-lo, aproveitou a vantagem sobre o seu rival, que
esse acidente lhe deu, e seguiu Emily, a quem, contudo,
a luz tinha mostrado uma das passagens que vinham da
galeria, ela entrou imediatamente. Verezzi quase não
conseguiu ver o caminho que ela tinha tomado e seguiu
por este; mas o som dos passos dela despareceu com a
distância, enquanto ele, menos familiar com a passagem,
foi obrigado a prosseguir pelo escuro com cuidado, a fim
de não cair de um lance de escadas, tal como terminava
um corredor frequentemente nesse castelo velho e
extenso. Essa passagem, enfim, levou Emily ao corredor
no qual o seu próprio quarto ficava e, não ouvindo passo
algum, parou para respirar e pensar em qual seria o
plano mais seguro a ser seguido. Ela havia seguido por
essa passagem apenas, porque foi a primeira que
apareceu, e agora que havia chegado ao final, estava tão
perplexa quanto antes. Para onde ir, ou como seguir mais
adiante no escuro, ela não sabia; estava ciente de que
não deveria procurar pelo seu quarto, pois lá certamente
seria descoberta e o seu perigo aumentava a cada
instante que ela permanecesse perto dele. Seu espírito e
seu fôlego, contudo, estavam tão exaustos que ela foi
forçada a descansar por alguns minutos no final da
passagem, e ainda não ouvia passo algum se
aproximando. Enquanto estava assim, uma luz brilhou
embaixo de uma porta no lado oposto da galeria e, pela
sua localização, soube que era a porta daquele quarto
misterioso, onde tinha feito uma descoberta tão
chocante que nunca relembrava sem horror extremo. O
fato de haver uma luz naquele quarto e àquela hora,
excitou uma forte surpresa nela, e sentiu um terror
momentâneo sobre isso que não lhe permitiu olhar
novamente, pois o seu espírito estava em tamanho
estado de fraqueza que ela quase esperava ver a porta
se abrir lentamente e alguma coisa horrível aparecer ali.
Continuou escutando por passos na passagem e olhou
para lá, onde, já que não aparecia nenhum raio de luz,
concluiu que Verezzi tinha voltado para buscar o lampião;
e, acreditando que ele logo estaria ali, pensou
novamente em para onde deveria ir, ou melhor, qual
caminho ela conseguiria encontrar no escuro.
Um raio claro ainda brilhava embaixo da porta
lateral, à frente, mas tão grande, e talvez tão justificado,
era o medo dela daquele quarto, que ela não tentaria os
seus segredos novamente, apesar de certamente obter a
luz que era tão importante para a sua segurança. Ela
ainda estava respirando com dificuldade e descansando
no final da passagem, quando ouviu o barulho de
sussurros, e, então, uma voz baixa, tão próxima dela que
parecia estar perto de sua orelha; mas, teve a presença
de espírito de controlar suas emoções e permanecer
imóvel; no instante seguinte, ela percebeu que era a voz
de Verezzi, que parecia não saber que ela estava ali, mas
estava falando consigo mesmo. “O ar está mais fresco
aqui”, disse ele. “Este deve ser o corredor.” Talvez ele
fosse um daqueles heróis cuja coragem pode derrotar um
inimigo maior do que a escuridão, e ele estava tentando
animar o seu espírito com o som de sua própria voz.
Independente disto, ele virou à direita e prosseguiu com
os mesmos passos rápidos em direção ao quarto de
Emily, aparentemente se esquecendo de que no escuro
poderia facilmente se enganar, até mesmo no quarto
dela; e, como qualquer pessoa embriagada, seguiu
obstinadamente a única ideia que tomou posse de sua
mente.
Assim que ouviu os passos dele se afastando, ela
deixou o seu posto e foi, silenciosamente, para o outro
final do corredor, decidida a confiar no acaso novamente
e sair dele através do primeiro caminho que ela
conseguisse encontrar; mas, antes que ela pudesse fazer
isto, uma luz brilhou nas paredes da galeria e, olhando
para trás, viu Verezzi o atravessando em direção ao seu
quarto. Ela deslizou para uma passagem à esquerda sem
ser vista, como ela pensou; mas, no instante seguinte,
outra luz, brilhando no lado mais distante dessa
passagem, deu-lhe um terror novo. Quando ela parou e
hesitou para qual lado ir, a pausa lhe permitiu distinguir
que era Annette quem estava vindo e ela correu para
encontrá-la. Contudo, a sua imprudência assustou Emily
novamente, ao ver que ela gritou de alegria, passaram-
se alguns minutos até que ela fosse convencida a ficar
em silêncio, ou a soltar a sua senhora do abraço ardente
no qual ela a segurava. Quando Emily, enfim, fez Annette
compreender o seu perigo elas correram para o quarto
da criada, que ficava numa parte distante do castelo.
Todavia, nenhuma apreensão podia silenciar a última.
“Oh, querida Ma’amselle”, disse ela enquanto elas
andavam, “que período terrível eu passei! Oh! Eu pensei
que tinha morrido umas cem vezes! Eu nunca pensei que
viveria para lhe ver novamente! E eu nunca fiquei tão
feliz em ver alguém na minha vida inteira como estou
por te ver agora.” “Ah!”, gritou Emily, “estamos sendo
perseguidas; aquele foi o eco dos passos!” “Não,
Ma’amselle”, disse Annette, “foi só o eco de uma porta
fechando; o barulho vem por essas passagens
abobadadas de tal forma que somos continuamente
enganados por ele; se alguém falar ou tossir, ele faz um
barulho tão alto quanto o de um canhão.” “Então há uma
necessidade ainda maior de que nós fiquemos quietas”,
disse Emily. “Por favor não diga mais nada até
chegarmos ao seu quarto. Aqui, enfim, elas chegaram
sem interrupções e, depois que Annette trancou a porta,
Emily se sentou na cama pequena dela para recuperar
seu fôlego e sua compostura. Quanto à sua pergunta, se
Valancourt estava entre os prisioneiros do castelo,
Annette respondeu que ela não conseguiu descobrir, mas
que sabia que havia várias pessoas presas. Então, ela
prosseguiu, do seu jeito tedioso, relatando o ataque, ou
melhor uma descrição detalhada de seus medos e vários
sofrimentos durante o ataque. “Mas”, acrescentou ela,
“quando ouvi os gritos de vitória dos adarves, eu pensei
que nós tivéssemos perdido e me dei por perdida, ao
invés disso nós fizemos o inimigo ir embora. Eu fui até a
galeria norte e vi muitos deles se dispersando entre as
montanhas; mas os muros dos adarves estavam todos
em ruínas, como se pode dizer, e havia uma imagem
terrível para se ver lá embaixo no bosque, onde os
pobres homens estavam caídos em montes, mas eram
carregados imediatamente por seus camaradas.
Enquanto o ataque estava acontecendo, o Signor estava
aqui, e ali, e em todo lugar ao mesmo tempo, como o
Ludovico me disse, pois ele não me deixou ver quase
nada e me trancou, como já fez muitas vezes antes, num
quarto no meio do castelo, ele costumava me trazer
comida e vir conversar comigo tanto quanto podia; devo
dizer que se não fosse por Ludovico eu teria certamente
morrido.”
“Bom, Annette”, disse Emily, “e como as coisas têm
estado desde o ataque?”
“Oh! Vários tumultos tristes, Ma’amselle”, respondeu
Annette; “os cavalheiros não fizeram nada além de
sentar, beber e jogar desde então. Eles ficam acordados
a noite toda e jogam entre si, apostando todas aquelas
riquezas e coisas finas que eles trouxeram há algum
tempo, quando costumavam sair para saquear, ou algo
bom assim, por vários dias; e depois eles têm brigas
longas sobre quem perdeu e quem ganhou. Aquele
Signor Verezzi, feroz, sempre perde, pelo que me dizem,
e o Signor Orsino ganha dele, e isso o torna muito
indignado, eles tiveram várias discussões difíceis sobre
Aquelas damas refinadas ainda estão no castelo; e eu
declaro que fico assustada sempre que encontro alguma
delas nas passagens.”
“Certamente, Annette”, disse Emily se assustando,
“eu ouvi um barulho. Escute.” Após uma pausa longa.
“Não, Ma’amselle”, disse Annette, “foi só o vento na
galeria; eu ouço isso muitas vezes quando ele sacode as
portas velhas na outra extremidade. Mas, você não vai
para a cama, Ma’amselle? Você certamente não vai ficar
acordada morrendo de fome a noite toda.” Emily se
deitou no colchão e pediu que Annette deixasse o
lampião aceso na lareira; ao fazer isso, a última se
posicionou ao lado de Emily, que, contudo, não
conseguia dormir, pois ela pensou ter ouvido um barulho
vindo da passagem de novo; e Annette estava tentando
convencê-la novamente de que era apenas o vento,
quando passos foram ouvidos distintamente perto da
porta. Annette estava se levantando da cama, mas Emily
a convenceu a ficar ali e escutou junto com ela num
estado de expectativa terrível. Os passos ainda se
demoraram na porta, quando foi feita uma tentativa na
maçaneta, naquele instante, e uma voz chamou. “Pelo
amor de Deus, Annette, não responda”, disse Emily em
voz baixa. “Fique bem quieta; mas eu acho que
deveríamos apagar o lampião ou o brilho dele irá nos
revelar.” “Santa Virgem!”, exclamou Annette, se
esquecendo da discrição, “eu não vou ficar no escuro
agora por nada no mundo.” Quando ela falou, a voz ficou
mais alta do que antes e repetiu o nome de Annette.
“Virgem abençoada!”, gritou ela de repente, “é só o
Ludovico.” Ela se levantou para abrir a porta, mas Emily
a impediu até que elas tivessem certeza de que ele
estava sozinho; Annette, enfim, conversou com ele por
algum tempo e descobriu que tinha vindo para perguntar
por ela, que havia destrancado para ir até Emily, e que
ele tinha voltado agora para trancá-la novamente. Emily,
com medo de que eles fossem ouvidos, se continuassem
conversando através da porta, consentiu que ela fosse
aberta e um jovem apareceu, cuja expressão facial
confirmou a opinião favorável dele, a qual o seu cuidado
com Annette já havia a levado a formar. Ela implorou
pela proteção dele caso Verezzi tornasse isso necessário;
e Ludovico se ofereceu para passar a noite num quarto
adjacente, antigo, que dava para a galeria e, ao primeiro
sinal, vir em defesa delas.
Emily ficou muito tranquilizada com essa oferta; e
Ludovico, após acender seu lampião, foi para o seu
posto, enquanto ela, mais uma vez, tentou repousar em
seu colchão. Mas, uma variedade de interesses
pressionaram sua atenção e preveniram o sono. Ela
pensou muito sobre o que Annette havia dito a respeito
do comportamento devasso de Montoni e seus
associados, e, mais ainda, sobre a atual conduta dele
para com ela própria, e, ainda, a respeito do perigo do
qual ela acabara de escapar. Contorceu-se com a visão
de sua situação atual como faria com uma nova pintura
de terror. Ela se viu em um castelo habitado pelo vício e
pela violência, situada além do alcance da lei ou da
justiça e sob o poder de um homem, cuja perseverança
era equiparada a cada situação, e em quem as paixões,
das quais a vingança não era a mais fraca, ficavam no
lugar dos princípios. Foi forçada, mais uma vez, a
reconhecer que seria insensatez, e não fortaleza,
continuar tentando o poder dele; e, desistindo de todas
as esperanças de uma felicidade futura com Valancourt,
decidiu que iria ceder a Montoni, na manhã seguinte, e
entregar suas propriedades, com a condição de que ele
lhe permitisse voltar imediatamente para a França. Tais
considerações a mantiveram acordada por muitas horas;
mas, a noite se passou sem nenhum outro susto de
Verezzi.
Na manhã seguinte, Emily teve uma conversa longa
com Ludovico, na qual ela ouviu circunstâncias sobre o
castelo e recebeu pistas dos planos de Montoni, que
aumentaram os seus medos, consideravelmente. Ao
expressar a sua surpresa de que Ludovico, que parecia
estar tão ciente dos males da situação, quisesse
continuar assim, ele a informou que essa não era a
intenção, e ela, então, perguntou-lhe se ele a ajudaria a
escapar do castelo. Ludovico lhe assegurou sua prontidão
em tentar isso, mas demonstrou fortemente a dificuldade
do projeto e a destruição certa que, se seguiria se
Montoni os alcançasse antes deles chegarem às
montanhas; contudo, prometeu ficar de olho em
qualquer circunstância que pudesse contribuir para o
sucesso da tentativa e pensar em algum plano de fuga.
Emily confiou a ele o nome de Valancourt e lhe
implorou que procurasse por tal pessoa entre os
prisioneiros do castelo; pois, a esperança fraca que essa
conversa despertou a fez voltar atrás em sua decisão de
ceder a Montoni imediatamente. Ela decidiu, se fosse
possível, adiar isto até ouvir mais notícias de Ludovico e,
se os planos dele fossem impraticáveis, desistir das
propriedades de uma vez. Seus pensamentos estavam
neste assunto quando Montoni, que estava recuperado
da embriaguez, da noite anterior agora, mandou chamá-
la, e ela obedeceu à ordem imediatamente. Ele estava
sozinho. “Eu descobri”, disse ele, “que você não estava
em seu quarto ontem à noite; onde você estava?” Emily
lhe contou alguns dos motivos de seu medo e pediu a
proteção dele se esses se repetissem. “Você sabe quais
são os termos da minha proteção”, disse ele; “se
realmente valoriza isso, você irá garanti-la.” A declaração
aberta de que ele só a protegeria condicionalmente,
desde que ela permanecesse uma prisioneira no castelo,
mostrou a Emily a necessidade de uma submissão
imediata aos seus termos; mas, primeiro ela exigiu saber
se ele a permitiria ir embora imediatamente caso ela
desistisse de seu direito às propriedades em disputa.
Então, de uma maneira bastante solene, ele lhe
assegurou que sim, e, imediatamente, colocou um
documento na frente dela, o qual transferiria o direito às
posses para ele próprio.
Ela foi incapaz de assiná-lo por um tempo
considerável e seu coração estava dividido com
interesses opostos, pois estava prestes a desistir da
felicidade de todos os anos de seu futuro: a esperança
que a havia sustentado durante tantos momentos de
adversidade.
Após ouvir de Montoni uma recapitulação das
condições da aceitação e uma demonstração de que o
seu tempo era valioso, ela colocou sua mão no papel;
quando o fez, caiu para trás em sua cadeira, mas, logo,
recuperou-se e pediu que ele desse ordens para a partida
dela e que deixasse que Annette a acompanhasse.
Montoni sorriu. “Foi preciso lhe enganar”, disse ele, “não
havia outra maneira de fazer com que você agisse
racionalmente; você irá, mas isto não será no presente.
Primeiro eu devo garantir essas propriedades tomando
posse; quando isso for feito, você poderá voltar para a
França, se quiser.”
A vilania deliberada com a qual ele violou o acordo
solene, no qual ele tinha acabado de entrar chocou Emily
tanto quanto a certeza de que ela havia feito um
sacrifício infrutífero e continuaria sendo prisioneira dele.
Não tinha palavras para expressar o que estava sentindo,
e sabia que elas teriam sido inúteis se ela as tivesse.
Quando estava olhando para Montoni, implorando
piedade, ele se virou e ao mesmo tempo pediu que ela
fosse para o seu quarto; mas, incapaz de sair do cômodo,
ela se sentou numa cadeira perto da porta e suspirou,
profundamente. Ela não tinha nem palavras, nem
lágrimas.
“Por que você permite essa tristeza infantil?”, disse
ele. “Se empenhe em fortalecer a sua mente, em
aguentar pacientemente o que não pode ser evitado;
você não tem nenhum mal real para lamentar; seja
paciente e você será mandada de volta para a França.
Agora vá para o seu quarto.”
“Eu não ouso ir, senhor”, disse ela, “para onde eu
ficarei exposta à intrusão do Signor Verezzi.” “Eu não
prometi que a protegeria?”, disse Montoni. “Você
prometeu, senhor”, respondeu ela depois de um pouco
de hesitação. “E a minha promessa não é suficiente?”,
acrescentou ele severamente. “Você pode se lembrar de
sua última promessa, Signor”, disse Emily tremendo, “e
decidir por mim, se eu deveria confiar nisto.” “Então,
você vai me forçar a declarar que eu não lhe
protegerei?”, disse Montoni, num tom de arrogância
descontente. “Se isso irá lhe satisfazer eu o farei
imediatamente. Vá para o seu quarto antes que eu volte
atrás em minha promessa; você não tem nada a temer
lá.” Emily saiu do cômodo e foi para o corredor
lentamente, onde o medo de encontrar Verezzi, ou
Bertolini, a fez acelerar seu passo apesar de mal
conseguir se manter de pé; e, logo em seguida, chegou
mais uma vez em seu próprio quarto. Após olhar em
volta de si com medo, para examinar se havia alguma
pessoa ali e checar cada parte do quarto, ela trancou a
porta e se sentou em uma das janelas. Ali, enquanto
olhava para fora, procurando alguma esperança para
apoiar o seu espírito que estava enfraquecendo, o qual
tinha sido tão atormentado e oprimido que, se ela não
tivesse lutado contra a desgraça agora, talvez ele a
tivesse deixado para sempre, ela se esforçou para
acreditar que Montoni realmente pretendia deixá-la
retornar à França, assim que ele garantisse a
propriedade dela, e que, no meio tempo, ele iria protegê-
la de abusos; mas, a sua principal esperança estava em
Ludovico, que ela não tinha dúvida, seria cuidadoso com
a causa, apesar de parecer quase ter medo do seu
sucesso. Contudo, ela tinha uma circunstância pela qual
se alegrar. A sua prudência, ou melhor, os seus medos a
haviam salvo de mencionar o nome de Valancourt para
Montoni, o que ela ficou a ponto de fazer várias vezes e
de especular pela soltura dele antes de assinar o
documento, se ele realmente fosse um prisioneiro no
castelo. Se ela tivesse feito isso, os medos cautelosos de
Montoni, provavelmente, teriam carregado Valancourt
com novas severidades e teriam sugerido para ele a
vantagem de mantê-lo preso por toda a sua vida.
Assim se passou o dia melancólico, como ela já tinha
passado muitos antes nesse mesmo quarto. Quando a
noite veio, ela teria se retirado para a cama de Annette
se um interesse em particular não tivesse a inclinado a
permanecer neste cômodo apesar de seus medos; pois,
quando o castelo ficasse quieto e a hora costumeira
chegasse, ela decidiu que ficaria atenta à música que
tinha ouvido antes. Embora os seus sons não a
permitissem determinar se Valancourt estava lá, talvez
eles pudessem fortificar a opinião dela de que ele estava
sim, e dar o conforto tão necessário ao seu estado
presente. Mas, por outro lado, se tudo ficasse em
silêncio! Ela mal ousava deixar seus pensamentos irem
naquela direção, mas esperou com uma expectativa
impaciente pela hora que se aproximava.
A noite estava tempestuosa; as ameias do castelo
pareciam se mover com o vento e, em intervalos,
murmúrios longos pareciam passar pelo ar, tais que
muitas vezes enganam a mente melancólica durante
tempestades e em meio a cenas de desolação. Emily
ouviu, como antes, os guardas passando ao longo do
terraço em direção aos seus postos e, ao olhar para fora
de sua janela, percebeu que a guarda estava dobrada;
uma precaução que pareceu bastante necessária quando
ela pôs seus olhos nos muros e viu suas condições
despedaçadas. Os sons familiares da marcha dos
soldados e de suas vozes distantes, que passavam por
ela com o vento e se perdiam novamente, trouxeram à
sua memória a sensação melancólica que ela havia
sofrido, quando ouviu os mesmos sons antes; e
causaram comparações quase involuntárias entre o seu
presente e o seu passado. Mas, isso não era motivo de
parabenizações, ela interrompeu o curso de seus
pensamentos, sabiamente, quando, enquanto a hora em
que ela estava acostumada a ouvir a música não
chegava, fechou a janela e se esforçou para esperar com
paciência. A porta da escada ela tentou fechar como
sempre, com alguns móveis do quarto; mas seus medos
mostraram-lhe que este meio era muito inadequado para
o poder e a perseverança de Verezzi; ela olhava, muitas
vezes, para um baú grande e pesado, que ficava no
quarto, desejando que ela e Annette tivessem força o
suficiente para movê-lo. Enquanto culpava a longa
demora da garota, que ainda estava com Ludovico e
alguns dos outros criados, ela aparou a sua lenha para
fazer o quarto parecer menos abandonado, e se sentou
ao lado dela com um livro, o qual seus olhos examinaram
enquanto seus pensamentos se desviaram para
Valancourt e para seus próprios infortúnios. Enquanto
estava sentada dessa forma, pensou ter distinguido uma
música numa pausa do vento e foi até a janela para
escutar, mas a rajada, que estava ficando mais forte,
ultrapassou qualquer outro som. Quando o vento
diminuiu de novo ela ouviu distintamente, na pausa que
se sucedeu, as cordas doces de um alaúde; mas,
novamente, a tempestade aumentando levou as notas
embora, e foi sucedida, de novo, por uma pausa solene.
Emily, tremendo de esperança e medo, abriu sua janela
para escutar e tentar ver se sua voz conseguiria ser
ouvida pelo músico; pois, aguentar esse estado de
suspense torturante, sobre Valancourt, por mais tempo
parecia ser absolutamente impossível. Havia um tipo de
calmaria sem fôlego nos aposentos, que lhe permitia
ouvir as notas doces do mesmo alaúde que ela havia
ouvido antes vindo lá de baixo, e com essas uma voz
lamentosa, tornada mais doce pelo barulho baixo do
farfalhar, que começou a passar pelos topos das árvores,
até que ela se perdeu com o vento aumentando.
Então, as suas cabeças começaram a se mover,
enquanto o vento, gemendo fortemente através de uma
floresta de pinheiros à esquerda, rolou sobre as árvores,
lá embaixo, curvando-as quase até as suas raízes; e,
conforme a ventania passou ressoando por muito tempo,
outra floresta, à direita, pareceu responder ao “lamento
alto”; então, outras, ainda mais longe, suavizaram o som
com um murmúrio, que morreu se transformando em
silêncio. Emily escutou com uma mistura de receio e
expectativa, esperança e medo; e, novamente, a doçura
liquescente do alaúde e a mesma voz foram ouvidas com
um ar solene. Convencida de que esses sons vinham do
quarto abaixo, ela se inclinou bastante, em sua janela,
para tentar descobrir se havia alguma luz lá; mas, as
janelas abaixo, assim como aquelas acima, ficavam tão
fundas, nas paredes grossas do castelo, que ela não pôde
vê-las, e, nem mesmo, o raio fraco que provavelmente
brilhava através de suas barras. Então, tentou um
chamado; mas o vento levou sua voz para o outro lado
do terraço, depois a música foi ouvida assim como antes,
na pausa da rajada de vento. De repente, ela pensou ter
ouvido um barulho em seu quarto, e se virou na janela;
mas, num instante, ao ouvir a voz de Annette na porta,
concluiu que era ela a quem tinha ouvido antes, e a
deixou entrar. “Venha silenciosamente, Annete, até a
janela”, disse, “e escute comigo; a música voltou.” Elas
ficaram em silêncio até que, com o ritmo mudando,
Annette exclamou: “Santa Virgem! Eu conheço bem essa
música; é uma canção francesa, uma das músicas
preferidas do meu país querido.” Essa era a canção que
Emily tinha ouvido numa noite anterior, apesar de não
ser a que ela ouviu pela primeira vez na cabine de pesca
na Gasconha. “Oh! É um francês que está cantando”,
disse Annette: “deve ser o Monsieur Valancourt.” “Ah!
Annette, não fale tão alto”, disse Emily, “alguém pode
nos ouvir.” “O quê! O cavalheiro?”, disse Annette. “Não”,
respondeu Emily tristemente, “mas, alguém que possa
nos delatar para o Signor. Que motivo você tem para
pensar que é o Monsieur Valancourt que está cantando?
Mas, ah! A voz está ficando mais alta! Você se lembra
dessas notas? Eu tenho medo de confiar no meu próprio
julgamento.” “Eu nunca ouvi o cavalheiro, Ma’amselle”,
respondeu Annette, quem, assim como Emily ficou
desapontada ao descobrir, não tinha uma razão mais
forte para concluir que este fosse Valancourt, além do
fato de que o músico deveria ser francês. Logo em
seguida, ela ouviu a música da cabine de pesca e
distinguiu o seu próprio nome, que estava sendo repetido
tão distintamente, o qual Annette ouviu também. Ela
tremeu, caiu numa cadeira próxima à janela, e Annette
chamou em voz alta: “Monsieur Valancourt! Monsieur
Valancourt!”, enquanto Emily se esforçava para impedi-
la, mas ela repetiu o chamado mais alto do que antes, de
repente, o alaúde e a voz pararam. Emily ficou escutando
por algum tempo num estado de suspense intolerável;
mas, quando nenhuma resposta foi devolvida. “Não faz
diferença, Ma’amselle”, disse Annette; “é o cavalheiro, e
eu vou falar com ele”. “Não, Annette”, disse Emily, “eu
acho que falarei eu mesma; se for ele, vai reconhecer a
minha voz e falar novamente.” “Quem é”, disse ela, “que
está cantando tão tarde?”
Um silêncio longo se seguiu e, depois de repetir a
pergunta, ela ouviu uma voz fraca misturada à rajada
que estava passando; mas, os sons estavam tão
distantes, e passaram tão de repente, que ela mal
conseguiu ouvi-los, muito menos distinguir as palavras
pronunciadas, ou reconhecer a voz. Após outra pausa,
Emily chamou novamente; e elas ouviram uma voz de
novo, mas era tão fraca quanto antes; e perceberam que
havia outras circunstâncias, além da força e da direção
do vento, para se lutar contra; pois, a profundidade, na
qual as janelas estavam fixadas dentro das paredes do
castelo, contribuía, ainda mais do que a distância, para
prevenir que sons articulados fossem compreendidos,
apesar de barulhos comuns serem ouvidos facilmente.
Emily, entretanto, tentou acreditar, pela circunstância de
que somente a sua voz foi respondida, que o estranho
era Valancourt, já que ele a conhecia; entregou-se a uma
alegria sem palavras. Ela retomou seus chamados, mas
não recebeu resposta; e Emily, temendo que mais uma
tentativa, a qual certamente era altamente perigosa no
momento presente, pudesse os expor aos guardas do
castelo, enquanto, talvez, não pudesse pôr fim ao seu
suspense, insistiu que Annette não procurasse saber
mais naquela noite; embora tivesse decidido perguntar a
Ludovico sobre o assunto, na manhã seguinte, mais
urgentemente do que havia feito antes. Naquele
momento, ela podia dizer que o estranho, que ela tinha
ouvido antes, ainda estava no castelo e dirigir Ludovico
àquele lado, onde ele estava preso.
Acompanhada de Annette, Emily continuou na janela
por algum tempo, mas tudo permaneceu em silêncio;
eles não ouviram nem um alaúde, nem uma voz, e Emily
ficou tão oprimida pela alegria ansiosa, quanto havia
estado recentemente pela noção de seus infortúnios.
Com passos apressados, ela andava pelo quarto, ora
chamando o nome de Valancourt, parando
repentinamente, ora indo até a janela para escutar,
onde, contudo, ela não ouvia nada além do balançar
solene das árvores. Às vezes, a sua impaciência para
falar com Ludovico a estimulava a mandar Annette ir
chamá-lo; mas, um senso da inapropriedade disso, à
meia-noite, a restringia. Enquanto isso, Annette,
impaciente como a sua senhora, ia para a janela tão
frequentemente quanto ela para escutar e voltava quase
tão desapontada. Ela, enfim, mencionou o Signor Verezzi
e seu medo de que ele entrasse no quarto pela porta da
escadaria. “Mas, agora a noite quase já acabou,
Ma’amselle”, disse pensando melhor; “lá está a luz da
manhã, começando a espiar sobre aquelas montanhas ao
leste.”
Emily havia se esquecido, até este momento, de que
uma pessoa chamada Verezzi existia e de todo o perigo
que havia aparecido para ameaçá-la; mas, a menção do
nome dele renovou o seu medo, e ela se lembrou do baú
antigo que queria colocar contra a porta, o qual tentou
mover com Annette, naquele momento, mas ele era tão
pesado que elas não conseguiram levantá-lo do chão. “O
que está neste baú velho e grande, Ma’amselle”,
perguntou Annette, “que está deixando-o tão pesado?”
Com a resposta de Emily, de que ela o encontrou no
quarto, quando veio para o castelo pela primeira vez e
nunca havia o examinado, a criada falou: “então eu vou,
Ma’amselle”, tentou levantar a tampa; mas, esta estava
presa com uma fechadura, para a qual ela não tinha uma
chave e, de fato, parecia ser aberta por uma chave
curvada dada a sua construção peculiar. A manhã estava
brilhando através das janelas e o vento havia diminuído
com uma calmaria. Emily olhou para fora em direção à
floresta escura e às montanhas na penumbra passando
por sua visão, viu a cena inteira depois da tempestade
numa quietude profunda, a floresta imóvel e as nuvens
acima, através das quais o nascer do sol tremia, mal
parecendo se mover ao longo do céu. Um soldado estava
andando pelo terraço, lá embaixo, com passos
calculados; e dois mais distantes estavam dormindo
inclinados no muro, exaustos da vigia noturna. Após
inalar, por algum tempo, o espírito puro do ar e da
vegetação, a qual as chuvas recentes havia tornado
proeminentes; e depois de escutar, mais uma vez, por
uma nota de música, ela fechou a janela e foi dormir.
CAPÍTULO IX

Assim nesse frio as terras tristes da Lapônia,


Perdidas na neve profunda por muitos longos
meses,
Quando o sol de Câncer envia as estações brandas,
E em sua caverna no norte as tempestades foram
presas;
De montanhas silenciosas, diretamente, com um
som assustador,
Correntezas são lançadas, colinas verdes
emergem, e olhai,
As árvores com a folhagem, as montanhas com
flores são coroadas;
Riachos puros vão gorjeando através de vales
verdejantes;
E a maravilha, o amor, e a felicidade transbordam
no coração do camponês.
BEATTIE [ 2 2 ]

Vários dos dias que se seguiram passaram em


suspense, pois Ludovico só conseguiu descobrir dos
soldados que havia um prisioneiro no cômodo, descrito
para ele por Emily, como sendo um francês que eles
haviam capturado em uma de suas escaramuças com um
grupo de seus conterrâneos. Durante este intervalo,
Emily escapou das perseguições de Bertolini e Verezzi se
mantendo em seu próprio quarto; exceto que, às vezes, à
noite, ela se aventurava a andar até o corredor
adjacente. Montoni parecia respeitar sua última
promessa, apesar de ter profanado a sua primeira, pois
ela só podia atribuir o seu descanso atual à proteção
dele; estava tão segura quanto a isso que não queria sair
do castelo até obter alguma certeza sobre Valancourt;
pela qual ela esperava, de fato, sem qualquer sacrifício
de seu próprio conforto, já que não havia ocorrido
circustância alguma para tornar a sua fuga provável.
No quarto dia, Ludovico a informou de que tinha
esperanças de ser admitido na presença do prisioneiro; já
que era a vez de um soldado, de quem ele havia sido
próximo por algum tempo, vê-lo na noite seguinte. Ele
não foi enganado nessa esperança, pois, sob o pretexto
de carregar um jarro de água, entrou na prisão,
entretanto, já que sua prudência o impediu de contar ao
guarda o motivo real da sua visita, ele foi obrigado a
tornar a sua conferência com o prisioneiro muito rápida.
Emily esperava pelo resultado em seu próprio
quarto, pois Ludovico havia prometido acompanhar
Annette até o corredor à noite; onde, após várias horas
contadas impacientemente, ele chegou. Tendo, então,
falado o nome de Valancourt, Emily não conseguia
articular mais nada, mas ficou hesitante numa
expectativa trêmula. “O cavalheiro não me confiou com o
nome dele, Signora”, respondeu Ludovico. “Mas, assim
que eu mencionei o seu nome ele pareceu ficar cheio de
alegria, apesar de não parecer tão surpreso quanto eu
esperava.” “Então ele se lembra de mim!”, ela exclamou.
“Oh! É o Monsieur Valancourt”, disse Annette, e
olhou impacientemente para Ludovico, que compreendeu
o olhar dela e respondeu para Emily: “Sim, Lady, o
cavalheiro de fato se lembra da Lady e, eu tenho certeza,
tem uma afeição enorme por você, eu ousei dizer que
você também tinha por ele. Ele, então, perguntou como
você descobriu que ele estava no castelo, e se você
ordenou que eu falasse com ele. A primeira pergunta eu
não soube responder, mas a segunda sim; e ele ficou em
êxtase de novo. Eu fiquei com medo de que a alegria
dele o denunciasse para o guarda na porta.”
“Mas, como está a aparência dele, Ludovico?”,
interrompeu Emily. “Ele não está triste e doente com
esse longo confinamento?”
“Oras, quanto à tristeza, eu não vi sintoma algum
disso, Lady, enquanto eu estava com ele, pois parecia
estar com a melhor disposição que eu já vi em toda a
minha vida. O rosto dele era todo alegria e, se alguém
pode julgar baseado nisso, estava muito bem; mas, não
lhe perguntei.”
“Ele não me mandou uma mensagem?”, perguntou
Emily.
“Oh sim, Signora, e algo além”, respondeu Lodovico,
que procurava em seus bolsos. “Certamente, eu não o
perdi”, acrescentou ele. “O cavalheiro disse que teria
escrito se tivesse caneta e tinta, e que teria mandado
uma mensagem bem longa, quando o guarda entrou no
quarto, mas não antes dele me dar isto.” Ludovico,
então, tirou uma pintura em miniatura de seu peito, a
qual Emily recebeu com uma mão trêmula e percebeu
ser um retrato dela própria: a mesma pintura que sua
mãe havia perdido tão estranhamente na cabine de
pesca em La Valée.
Lágrimas misturadas com alegria e ternura vieram
aos seus olhos, à medida que Ludovico prosseguia.
“‘Diga à sua Lady’, disse o Cavalheiro quando me
deu a pintura, ‘que isto tem sido a minha companhia e o
meu único consolo durante todos os meus infortúnios.
Diga a ela que eu trouxe isto perto do meu coração e que
eu o envio a ela como a promessa de uma afeição que
nunca morrerá; que eu não me desfaria disso, a não ser
por ela, pela riqueza de mundos e que agora eu me
desfaço somente pela esperança de poder recebê-lo das
suas próprias mãos, e logo. Diga a ela’... Bem, nessa
hora, Signora, o guarda entrou, e o cavalheiro não disse
mais nada; mas, antes ele tinha me pedido para planejar
uma entrevista para ele com você; e quando eu lhe
contei da pouca esperança que tinha de convencer o
guarda a me ajudar, ele me disse que talvez isso não
fosse tão difícil quanto eu imaginava, e me implorou para
trazer a sua resposta, depois me informaria de mais
coisas do que ele escolheu fazer no momento. Então, eu
acho que isso, Lady, é tudo que se passou.”
“Como eu lhe recompensarei pelo seu esforço,
Ludovico?”, disse Emily. “Mas, de fato, eu não possuo os
meios agora. Quando você poderá ver o cavalheiro
novamente?” “Isto é incerto, Signora”, respondeu ele.
“Depende de quem vai ficar de guarda em seguida. Não
há mais do que um ou dois entre eles de quem eu
ousaria pedir para entrar no quarto da prisão.”
“Eu não preciso pedir que você se lembre,
Ludovico”, continuou Emily, “do quão interessada eu
estou em ver o cavalheiro e logo; quando você o fizer,
diga a ele que eu recebi a pintura e os sentimentos que
ele desejou. Diga a ele que eu sofri muito, e ainda
sofro...” Ela pausou. “Mas, devo dizer que você o verá,
Lady?”, disse Ludovico. “Eu irei certamente”, respondeu
Emily. “Mas, quando, Signora, e onde?” “Isso vai
depender das circunstâncias”, replicou Emily. “O local e a
hora deverão ser regulados pelas oportunidades.”
“Quanto ao local, Ma’amselle”, disse Annette, “não
há outro lugar no castelo além desse corredor onde nós
podemos vê-lo em segurança, você sabe; e, quanto à
hora... deve ser quando todos os cavalheiros estiverem
dormindo, se é que isso acontece!” “Você pode
mencionar essas circunstâncias para o cavalheiro,
Ludovico”, disse ela, controlando a irreverência de
Annette, “e deixe-as ao julgamento e às oportunidades
dele. Diga-lhe que o meu coração não mudou. Mas,
acima de tudo, veja-o novamente assim que for possível;
e, Ludovico, acho que é desnecessário eu dizer o quão
ansiosamente eu procurarei por você.” Depois de desejá-
la uma boa-noite, Ludovico desceu a escada e Emily foi
descansar, mas, não dormir, pois agora a alegria a
deixou tão acordada quanto ela havia ficado pela
tristeza. Montoni e seu castelo haviam todos
desaparecido de sua mente, como a visão assustadora
de um necromante, e ela passeou, mais uma vez, pelas
cenas fantásticas da felicidade inalterável:
Como quando, sob os raios
Das luas de verão, entre a floresta distante,
Ou através de algum rio cheio, todo prateado com o
brilho,
As fadas de corpos suaves passam por portais etéreos.[23]
Uma semana se passou antes de Ludovico visitar a
prisão novamente, pois durante aquele período os
guardas foram homens nos quais ele não podia confiar e,
portanto, temia despertar curiosidade ao pedir para ver o
prisioneiro. Neste intervalo, comunicava a Emily os
relatórios terríveis do que estava se passando no castelo;
de revoltas, brigas, e de festas mais alarmantes do que
qualquer uma das outras; enquanto com algumas
circunstâncias, que ele mencionava, ela não apenas
duvidava, mas tinha medo de que ele tivesse outros
planos para ela, tais como ela havia temido antes. O
nome dela era mencionado, frequentemente, nas
conversas que Bertolini e Verezzi tinham juntos e, nesses
momentos, estavam, na maioria das vezes, brigando.
Montoni havia perdido somas grandes para Verezzi,
então havia uma grande possibilidade dele planejar que
ela fosse uma substituta para a dívida. Mas, como ela
estava ignorante de que ele antes também havia
encorajado as esperanças de Bertolini com relação a ela,
após este ter-lhe feito algum serviço marcante, ela não
sabia a que atribuir essas disputas entre Bertolini e
Verezzi. A causa delas, contudo, parecia ser de pouca
importância, pois ela pensava ver a destruição se
aproximando de várias formas, e os seus pedidos para
Ludovico conseguir planejar uma fuga e ver o prisioneiro
novamente se tornaram mais urgentes do que nunca.
Enfim, ele a informou de que havia visitado o
cavalheiro de novo, que o havia guiado a confiar no
guarda da prisão, de quem ele já tinha recebido alguns
exemplos de bondade, a quem tinha permitido que ele
fosse para o castelo por meia hora na noite seguinte,
quando Montoni e seus companheiros estariam ocupados
com sua farra. “Isso foi certamente bondoso”,
acrescentou Ludovico. “Mas, Sebastian sabe que não
corre risco algum em soltar o cavalheiro, pois, se ele
conseguir sair pelas barras e portas de ferro do castelo
deve ser de fato astuto. Mas, o Cavalheiro me pediu,
Signora, para vir até você imediatamente e implorar que
você o deixasse lhe visitar esta noite, mesmo que só por
um instante, pois ele não pode mais viver sob o mesmo
teto sem lhe ver; a hora, ele disse, não podia decidir,
pois ela vai depender das circunstâncias (assim como
você disse, Signora); e o local ele pediu que você
apontasse sabendo o que seria melhor para a sua própria
segurança.”
Emily ficou tão agitada com o prospecto próximo de
encontrar Valancour que se passou algum tempo antes
dela poder dar uma resposta a Ludovico, ou considerar o
local do encontro. Quando o fez, não viu nenhum local
que prometesse tanta segurança quanto o corredor perto
de seu quarto, do qual ela era impedida de sair pelo
medo de encontrar qualquer um dos convidados de
Montoni em seu caminho para os quartos; ignorou os
escrúpulos, aos quais a delicadeza se opôs, de que um
perigo sério seria evitado ao encontrá-los. Foi
combinado, portanto, que o cavalheiro a encontraria no
corredor na hora da noite que Ludovico, que estaria de
guarda, julgasse ser mais segura; e Emily, como pode se
imaginar, passou esse intervalo num tumulto de
esperança e alegria, ansiedade e impaciência. Desde a
sua residência no castelo ela nunca havia observado com
tanto prazer o sol se pondo atrás das montanhas, a
sombra do crepúsculo, e a escuridão encobrindo a cena,
quanto naquela noite. Ela contava as notas do grande
relógio só para comemorar que outra hora havia se
passado. “Oh, Valancourt!”, murmurou ela, “depois de
tudo que eu sofri; depois de nossa separação tão, tão
longa, quando pensei que nunca... nunca mais o veria...
ainda nos veremos novamente! Oh! Eu suportei a
tristeza, a ansiedade e o terror, então que eu não caia
com essa felicidade!” Esses eram momentos em que era
impossível para ela sentir emoções de arrependimento
ou melancolia por qualquer interesse ordinário; até
mesmo a reflexão de que tinha entregue as
propriedades, que deveriam ter sido uma provisão para
ela e Valancourt para a vida toda, só lançou uma luz
transigente sobre o seu espírito. Somente a ideia de
Valancourt, e que ela o veria tão em breve, ocupava seu
coração.
Finalmente o relógio marcou meia-noite; ela abriu a
porta para escutar se havia algum barulho no castelo, e
ouviu apenas sons distantes de festança e risada,
ecoando fracamente ao longo da galeria. Ela supôs que o
Signor e seus convidados estivessem no banquete. “Eles
estão ocupados pela noite”, disse ela; “e Valancourt logo
estará aqui.” Tendo fechado a porta silenciosamente, ela
andou pelo quarto com passos impacientes e foi até a
janela muitas vezes para escutar o alaúde. Mas, tudo
estava silencioso e, com a sua agitação crescendo a cada
momento, ela, enfim, não conseguia mais se manter em
pé e se sentou na janela. Annette, que ela fez ficar
esperando, estava tão tagarela quanto de costume, no
meio tempo; mas Emily mal ouviu algo do que ela disse
e, depois de ter ido até a janela, finalmente, distinguiu as
notas do alaúde tocadas com uma mão expressiva, e,
então, a voz que ela havia escutado antes o
acompanhando.
Eles se refrescaram ora com o amor crescendo, ora com
o destino agradável,
Respiraram reflexões ternas pelo coração;
E roubaram uma melodia mais grave, sagrada,
Como quando mãos de serafins transmitem um cântico!
[24]

Emily chorava com uma duvidosa alegria e muita


ternura; e, quando a música parou, ela considerou isso
um sinal de que Valancourt estava prestes a sair da
prisão. Logo em seguida, ouviu passos no corredor; eram
os passos leves e rápidos da esperança; ela mal
conseguia se manter em pé à medida que eles se
aproximavam, mas ao abrir a porta do quarto, avançou
para encontrar Valancourt e, no instante seguinte, caiu
nos braços de um estranho. A voz dele... o rosto dele a
convenceram imediatamente e ela desmaiou.
Ao acordar, encontrou-se sendo segurada pelo
estranho, que estava observando a sua recuperação com
uma expressão de ternura e ansiedade inefáveis. Ela não
tinha disposição para responder ou perguntar; não fez
pergunta alguma, mas caiu no choro e se soltou dos
braços dele; quando a expressão do rosto dele mudou
para surpresa e desapontamento, e ele se voltou para
Ludovico procurando uma explicação; Annette logo deu a
informação que Ludovico não tinha. “Oh, senhor!”, disse
ela, numa voz interrompida por soluços. “Oh, senhor!
Você não é o outro cavalheiro. Nós estávamos esperando
o Monsieur Valancourt, mas você não é ele! Oh,
Ludovico! Como você pôde nos enganar assim? A minha
pobre Lady nunca vai se recuperar... nunca!”, disse
Annette. O estranho, que pareceu ficar muito agitado,
tentou falar, mas suas palavras fraquejaram; e, então,
colocando a mão em sua testa como se estivesse em
desespero súbito, ele andou abruptamente até o outro
lado do corredor.
De repente, Annette enxugou suas lágrimas e falou
com Ludovico: “mas talvez”, disse ela, “afinal, o outro
cavalheiro não é este. Talvez o cavalheiro Valancourt
ainda esteja lá embaixo.” Emily ergueu sua cabeça.
“Não”, respondeu Ludovico, “Monsieur Valancourt nunca
esteve lá embaixo se este cavalheiro não for ele.” “Se
você, senhor”, disse Ludovico, dirigindo-se ao estranho,
“tivesse apenas tido a bondade de confiar o seu nome a
mim, esse erro teria sido evitado.” “É verdade”,
respondeu o estranho, falando em italiano
incorretamente, “mas é da maior importância para mim
que o meu nome seja escondido de Montoni. Madame”,
acrescentou ele, dirigindo-se a Emily em francês: “você
permitirá me desculpar pela dor que eu lhe causei, e
explicar apenas para você o meu nome e a circunstância
que me levou a este erro? Eu sou da França; sou seu
conterrâneo; nós estamos nos encontrando numa terra
estrangeira.” Emily tentou recompor o seu espírito,
porém ela hesitou em atender o pedido dele. Enfim,
pedindo que Ludovico esperasse na escada, e mantendo
Annette, ela disse ao estranho que sua criada entendia
muito pouco de italiano, e lhe pediu que comunicasse o
que ele queria dizer nessa língua. Após ir para uma
parte distante do corredor, ele disse, com um suspiro
longo: “você, Madame, não é uma estranha para mim,
embora eu tenha a infelicidade de ser um desconhecido
para você. Meu nome é Du Pont; eu sou da França, da
Gasconha, a sua província natal, e tenho lhe admirado há
muito tempo, e, por que eu deveria tentar esconder
isso? Eu tenho lhe amado há muito tempo.” Ele parou,
mas prosseguiu no instante seguinte. “A minha família,
Madame, provavelmente não é desconhecida por você,
pois nós vivíamos há poucas milhas de La Valée e, às
vezes, eu tive a felicidade de lhe ver em visitas pela
vizinhança. Não irei lhe ofender repetindo o quanto você
me interessava; o quanto eu amava passear pelos
cenários que você frequentava; quantas vezes eu visitei
a sua cabine de pesca preferida e lamentei a
circunstância que, naquela época, impediu-me de revelar
a minha paixão. Eu não irei explicar como cedi à tentação
e tomei posse de um tesouro, que era inestimável para
mim; um tesouro, o qual eu confiei ao seu mensageiro
alguns dias atrás, com expectativas muito diferentes das
minhas presentes. Eu não direi nada dessas
circunstâncias, pois sei que elas me conseguirão pouca
coisa; deixe-me apenas suplicar de você perdão e o
retrato. O meu crime foi a minha punição; pois o retrato
que roubei contribuiu para nutrir uma paixão que ainda
será o meu tormento.”
Emily o interrompeu: “Eu acho, senhor, que posso
deixar a sua integridade determinar, após o que acabou
de transparecer com relação ao Monsieur Valancourt, se
eu deveria lhe devolver o retrato. Eu acho que você irá
reconhecer que isso não seria generosidade; e você me
permitirá acrescentar que seria uma injustiça feita a
mim. Eu devo me considerar honrada pela sua boa
opinião, mas...” ela hesitou, “...o erro desta noite torna
desnecessário que eu diga mais”.
“Ele o torna, Madame... ah! Ele o torna!”, disse o
estranho que, após uma longa pausa, prosseguiu: “mas
você irá me permitir mostrar o meu desinteresse, não o
meu amor, e aceitará os serviços que eu oferecer. Porém,
ah! Quais serviços eu posso oferecer? Eu sou um
prisioneiro, um sofredor como você. Mas, tão querida
quanto a liberdade é para mim, eu não a buscaria
através de metade dos perigos que eu enfrentaria para
lhe livrar desse refúgio dos vícios. Aceite os serviços
oferecidos de um amigo; não me recuse a recompensa
de ter, no mínimo, tentado merecer o seu obrigada”.
“Você já o merece, senhor”, disse Emily; “o desejo
merece o meu agradecimento mais afetuoso. Mas, você
vai me perdoar por lhe lembrar do perigo ao que você se
expõe prolongando esta entrevista. Será um grande
consolo para mim, lembrar, quer as suas tentativas de
me libertar tenham sucesso ou não, que eu tenho um
conterrâneo, que me protegeria tão generosamente.”
Monsieur Du Pont pegou a mão dela, a qual ela tentou
puxar de volta fracamente, e a pressionou
respeitosamente contra os seus lábios. “Permita-me
respirar outro suspiro fervoroso pela sua felicidade”,
disse ele, “e me aplaudir por uma afeição que eu não
consigo superar.” Enquanto ele dizia isso, Emily ouviu um
barulho vindo de seu aposento e, se virando, viu a porta
da escada se abrir e um homem correr para dentro do
seu quarto. “Eu o ensinarei a superá-la”, gritou ele,
enquanto avançava pelo corredor, e pegou um punhal, o
qual ele mirou em Du Pont, que estava desarmado, mas
que, dando um passo para trás, evitou o golpe e então
correu para cima de Verezzi, de quem ele arrancou o
punhal. Enquanto eles lutavam se segurando um ao
outro, Emily, seguida por Annette, correu pelo corredor
chamando por Ludovico, que havia, entretanto, ido
embora da escadaria e, à medida que ela avançava,
apavorada e incerta do que fazer, um barulho distante
que parecia vir do salão a lembrou do perigo ao qual ela
estava se expondo; e, mandando Annette ir em busca de
Ludovico, voltou para o local onde Du Pont e Verezzi
ainda estavam lutando pela vitória. Era a sua própria
causa que seria decidida com a vitória do primeiro, cuja
conduta, independentemente desta circunstância, teria
se interessado no sucesso dele mesmo que ela não
tivesse tomado um desgosto e sentisse medo de Verezzi.
Ela se jogou em uma cadeira e suplicou que eles
parassem com mais violência até que, enfim, Du Pont
forçou Verezzi a ir ao chão, onde ele ficou deitado
chocado com a violência de sua queda; e ela então
implorou que Du Pont fugisse do cômodo antes que
Montoni, ou o grupo dele, aparecesse; mas ele ainda se
recusou a deixá-la desprotegida; e, enquanto Emily,
sentindo mais medo por ele do que por si própria agora,
reforçava a súplica, eles ouviram passos subindo a
escada secreta.
“Oh, você está perdido!”, exclamou ela. “São os
homens de Montoni.” Du Pont não respondeu, mas deu
apoio a Emily enquanto, com uma expressão firme,
porém ansiosa, ele esperava pela aparição deles, e no
instante seguinte Ludovico, apenas, subiu até o andar
dela. Olhando apressadamente em volta do quarto, ele
disse: “Sigam-me se vocês dão valor às suas vidas; nós
não temos um momento a perder!”
Emily perguntou o que havia acontecido, e para
onde eles estavam indo?
“Eu não posso lhe dizer isso agora, Signora”,
respondeu Ludovico: “Corra! Corra!”
Acompanhada por Du Pont, ela o seguiu
imediatamente escada abaixo e ao longo de uma
passagem abobadada, quando ela se lembrou de Annette
de repente e perguntou por ela. “Ela está nos esperando
mais à frente, Signora”, disse Ludovico, quase sem
fôlego de tanta pressa. “O portão foi aberto há um
segundo atrás para um grupo que acabou de chegar das
montanhas; ele será fechado, eu temo, antes que nós o
alcancemos! Por esta porta, Signora”, acrescentou
Ludovico, abaixando o lampião, “tenha cuidado, tem dois
degraus aqui”.
Emily o seguiu, tremendo ainda mais do que antes
de ter compreendido que a sua fuga do castelo dependia
do momento presente; ao passo que Du Pont lhe dava
apoio e se esforçava para animar seu espírito, enquanto
eles seguiam em frente.
“Fale baixo, Signor”, disse Ludovico, “essas
passagens mandam ecos pelo castelo inteiro”.
“Cuidado com a luz”, Emily exclamou, “você está
indo tão depressa que o ar vai extingui-la”.
Ludovico abriu outra porta, onde eles encontraram
Annette, e o grupo então desceu um curto lance de
escadas até uma passagem, a qual Ludovico disse que
levava em volta do pátio interno do castelo e dava para o
externo. Conforme eles avançavam, sons confusos e
tumultuosos, que pareciam vir do pátio interno,
assustaram Emily. “Não, Signora”, disse Ludovico, “nossa
única esperança está nesse tumulto; enquanto os criados
do Signor estiverem ocupados com os homens que
acabaram de chegar, talvez nós possamos passar
despercebidos pelo portão. Mas silêncio!”, ele
acrescentou, enquanto se aproximavam da pequena
porta que dava para o pátio externo. “Se você esperar
aqui um momento, eu irei ver se o portão está aberto e
se há alguém no caminho. Por favor, apague a chama,
Signor, se você me ouvir falando”, continuou Ludovico,
entregando o lampião para Du Pont, “e fiquem bem
quietos”.
Dizendo isso ele saiu para o pátio e eles fecharam a
porta, escutando os passos dele partindo ansiosamente.
Contudo, nenhuma voz foi ouvida no pátio externo, o
qual ele estava atravessando, embora uma confusão de
muitas vozes ainda estivesse vindo do interno. “Logo nós
estaremos além dos muros”, disse Du Pont para Emily,
em voz baixa, “aguente um pouco mais, Madame, e tudo
ficará bem”.
Mas, logo eles ouviram Ludovico falando alto e
também a voz de alguma outra pessoa, e Du Pont
extinguiu o lampião imediatamente. “Ah! É tarde
demais!”, exclamou Emily, “o que será de nós?” Eles
escutaram novamente, então perceberam que Ludovico
estava falando com um guarda, cujas vozes também
eram ouvidas pelo cachorro preferido de Emily, que havia
os seguido desde o quarto dela e agora estava latindo
alto. “Esse cachorro vai nos revelar!”, disse Du Pont, “eu
vou segurá-lo”, “Eu temo que ele já tenha nos
revelado!”, respondeu Emily. Mas Du Pont o segurou e,
ouvindo novamente o que estava acontecendo lá fora,
eles escutaram Ludovico dizer: “eu vou vigiar o portão
enquanto isso”.
“Fique um pouco”, respondeu o guarda, “e você não
precisa se incomodar, pois os cavalos serão mandados
para os estábulos exteriores, então os portões serão
fechados e eu poderei deixar o meu posto.” “Eu não me
importo com o incômodo, camarada”, disse Ludovico,
“você fará algo bom por mim outra vez. Vá... vá e pegue
o vinho; ou os canalhas que acabaram de entrar vão
beber tudo”.
Os soldados hesitaram, mas chamaram as pessoas
no segundo pátio, para saber por que eles não enviaram
os cavalos para que o portão pudesse ser fechado;
contudo eles estavam ocupados demais para responder-
lhes, mesmo que tivessem ouvido a voz deles.
“Sim... sim”, disse Ludovico, “eles são mais espertos
do que isso; estão dividindo-os entre si; se você esperar
até os cavalos saírem, você deve esperar até que o vinho
seja bebido. Eu já tomei a minha parte, mas, já que você
não liga para a sua, eu não vejo razão para que eu não
fique com ela também”.
“Espere, espere, não tão depressa”, exclamou o
guarda, “fique de vigia por um instante; eu estarei com
você logo”.
“Não se apresse”, disse Ludovico calmamente, “eu
já fiquei de vigia antes disso. Mas você pode deixar o seu
bacamarte comigo para que, se o castelo for atacado,
você sabe, eu possa defender a passagem como um
herói”.
“Aqui, meu bom amigo”, replicou o soldado, “aqui,
pegue-o... ele já teve alguma utilidade, embora possa
fazer pouco para defender o castelo agora. Mas, eu vou
lhe contar uma boa história sobre este mesmo
bacamarte”.
“Você vai contá-la melhor depois de ter bebido o
vinho”, disse Ludovico. “Lá! Eles já estão saindo do
pátio.”
“Mas, eu vou tomar o vinho”, disse o guarda
correndo para longe. “Eu não vou me demorar um
minuto.”
“Leve o tempo que precisar, eu não estou com
pressa”, respondeu Ludovico, que já estava correndo
pelo pátio quando o soldado voltou. Para onde você está
indo tão rápido, amigo... para onde está indo tão
rápido?”, disse o último. “O quê! Esta é a maneira que
você fica de vigia! Eu vejo que eu devo ficar no meu
posto eu mesmo.”
“Sim, bem”, respondeu Ludovico, “você me poupou
o trabalho de lhe seguir mais, pois eu queria lhe dizer
que, se você quiser beber o vinho da Toscana, você deve
ir até o Sebastian, ele está distribuindo-o; o outro que
Federico tem não vale a pena beber. Mas, eu vejo que
você provavelmente não vai beber nenhum, pois eles
todos já estão saindo”.
“Por São Pedro! Eles estão mesmo”, disse o soldado,
e saiu correndo novamente enquanto Ludovico, livre
mais uma vez, correu para a porta da passagem, onde
Emily estava cheia de ansiedade, causada por essa longa
conversa; mas, ao contar-lhes que o pátio estava livre,
eles o seguiram até o portão sem esperar mais um
instante, porém não antes dele ter pegado dois cavalos
que haviam fugido do segundo pátio e estavam
procurando uma refeição escassa na grama, que crescia
através do chão do primeiro.
Passaram pelos temidos portões sem interrupção e
tomaram a estrada que levava por entre a floresta,
Emily, Monsieur Du Pont e Annette a pé, e Ludovico, que
estava montado em um cavalo, guiando o outro. Ao
chegar à floresta eles pararam, enquanto Emily e
Annette foram colocadas nas costas dos cavalos com
seus dois protetores, quando, com Ludovico guiando o
caminho, eles partiram tão rápido quanto à estrada
irregular e a luz fraca, que uma lua subindo lançava
através da folhagem, permitia.
Emily estava tão atônita com essa partida repentina
que mal ousava acreditar que estava acordada; porém,
ela duvidava muito que essa aventura terminasse numa
escapatória, uma dúvida que tinha muita probabilidade
para justificá-la; pois, antes de sairem da floresta eles
ouviram gritos vindo com o vento e, ao emergirem de
dentro dela, viram luzes se movendo rapidamente perto
do castelo acima. Du Pont chicoteou seu cavalo e com
alguma dificuldade o forçou a se mover mais rápido.
“Ah! Pobre besta”, disse Ludovico, “ele está
bastante cansado; passou o dia todo fora; mas, Signor,
nós devemos correr agora; pois as luzes estão vindo
nesta direção”.
Depois de dar um açoite em seu próprio cavalo,
ambos saíram galopando rapidamente; e, quando
olharam para trás novamente, as luzes estavam tão
distantes que mal podiam ser discernidas e as vozes
haviam se perdido no silêncio. Os viajantes, então,
diminuíram a velocidade e, consultando para onde
deveriam dirigir o seu curso, foi determinado que
desceriam até a Toscana e se empenhariam em alcançar
o Mediterrâneo, onde poderiam embarcar para a França
prontamente. De lá Du Pont pretendia acompanhar
Emily, se descobrisse que o regimento que o havia
acompanhado até a Itália havia voltado para o seu país
nativo.
Eles estavam na estrada pela qual Emily havia
viajado com Ugo e Bertrand; mas Ludovico, que era o
único do grupo familiar com as passagens das
montanhas, disse que um pouco mais à frente, uma
estrada lateral que se ramificava desta os levaria até a
Toscana com pouca dificuldade; e que, a algumas léguas
de distância, ficava uma cidadezinha onde poderiam
obter o que precisassem para a jornada.
“Mas, espero eu”, acrescentou ele, “nós não
devemos encontrar nenhum grupo de bandidos
dispersos; alguns deles estão no exterior, eu sei disso.
Contudo, tenho um bom bacamarte que será de alguma
ajuda, se nós encontrarmos alguns desses espíritos
bravios. Você não tem alguma arma, Signor?” “Sim”,
respondeu Du Pont, “eu tenho o punhal do vilão que me
apunhalou... mas, vamos ficar alegres com a nossa fuga
de Udolpho e não nos atormentarmos ao nos preparar
para perigos que podem nunca chegar”.
A lua já havia subido até o alto, sobre a floresta, que
ficava nas laterais do vale estreito através do qual eles
passavam, e lhes dava luz suficiente para distinguir o seu
caminho e evitar as pedras soltas e quebradas que o
cruzavam, frequentemente. Eles viajavam sem pressa e
num silêncio profundo; pois, mal haviam se recuperado
do choque no qual essa fuga repentina os havia
colocado. A mente de Emily, em especial, após as várias
emoções que ela havia sofrido, caiu num tipo de
quietude reflexiva, a qual a beleza repousante do cenário
ao redor e o múrmurio baixo da brisa noturna entre a
folhagem acima contribuía para prolongar. Ela pensou
em Valancourt e na França com esperança, e teria
pensado neles com alegria se os primeiros eventos dessa
noite não tivessem atormentado o seu espírito demais
para permiti-la sentir uma sensação tão animada.
Enquanto isso, Emily era o único foco do pensamento
melancólico de Du Pont; com o desânimo que ele sentia,
enquanto refletia sobre a sua decepção recente, estava
misturado um doce prazer causado pela presença dela,
apesar deles não terem trocado uma palavra sequer.
Annette pensava na escapatória maravilhosa, no tumulto
no qual Montoni e seus homens deviam estar agora que
a fuga deles foi descoberta; no seu país nativo, para
onde ela esperava que estivesse retornando, e em seu
casamento com Ludovico, para o qual não parecia haver
mais impedimento algum, pois ela não considerava que a
pobreza fosse um. Ludovico, de sua parte, parabenizava-
se por ter resgatado a sua Annette e a Signora Emily do
perigo que as rodeava; pelo seu próprio livramento de
pessoas, cujos comportamentos ele havia detestado por
muito tempo; pela liberdade que ele havia propiciado ao
Monsieur Du Pont; pelo seu prospecto de felicidade com
o objeto de suas afeições, e não se parabenizava pouco
pela engenhosidade com a qual ele havia enganado o
guarda e conduzido esse plano todo.
Engajados em pensamentos variados dessa forma,
os viajantes seguiram silenciosamente por mais de uma
hora, uma pergunta só sendo feita de vez em quando por
Du Pont sobre a estrada, ou um comentário sendo dito
por Annette sobre coisas vistas imperfeitamente na
penumbra. Finalmente, luzes foram vistas cintilando no
lado de uma montanha e Ludovico não teve dúvida de
que elas procediam da cidade que ele havia mencionado,
enquanto seus companheiros, satisfeitos pela garantia
dele, mergulharam em silêncio de novo. Annette foi a
primeira a interromper: “São Pedro!”, exclamou ela.
“Como conseguiremos dinheiro em nossa jornada? Pois
eu sei que nem eu, nem a minha Lady, temos um
zecchino sequer; o Signor se apropriou disso!”
Esse comentário provocou uma pergunta séria, a
qual terminou num constrangimento tão sério quanto,
pois Du Pont teve quase todo o seu dinheiro roubado
quando ele foi feito prisioneiro; o restante fora dado ao
guarda que o deixava sair de seu quarto-prisão
ocasionalmente; e Ludovico, que por algum tempo havia
tido dificuldade em conseguir qualquer parte do salário
devido a ele, agora mal tinha dinheiro o suficiente para
conseguir a comida necessária na primeira cidade aonde
eles chegassem.
A pobreza deles era ainda mais angustiante já que
ela os deteria nas montanhas, onde, mesmo dentro de
uma semana, eles mal poderiam se considerar seguros
de Montoni. Os viajantes, contudo, só tinham de seguir
em frente e enfrentar o futuro. Continuaram em seu
caminho através dos vales solitários e escurecidos, onde
a folhagem acima ora admitia, ora excluía o luar;
paisagens naturais tão desoladas que pareciam, à
primeira vista, como se nenhum ser humano tivesse
andado por elas antes. Até mesmo a estrada, na qual o
grupo estava, contradizia esse erro fracamente, pois a
grama alta e outras vegetações luxuosas, com as quais
ela estava encoberta, diziam-lhes o quão raramente o pé
de um viajante passava por lá.
Enfim, um tanto distante, o tinir fraco do sino de
uma ovelha foi ouvido; e, logo em seguida, o balir de
rebanhos, e, então, o grupo soube que estavam perto de
alguma habitação humana, pois a luz que Ludovico tinha
pensado que vinha de uma cidade havia sido escondida
há muito tempo pelas montanhas que intervinham.
Animados com esta esperança, eles aceleraram seu
passo ao longo da passagem estreita que estavam
atravessando e ela se abriu para um daqueles vales
pastoris dos Apeninos, o qual poderia ser pintado para
uma cena da Arcádia, e cuja beleza e simplicidade
formam um fino contraste com a grandeza das
montanhas de topos enevoados acima.
A luz da manhã, brilhando sobre o horizonte,
mostrava fracamente um pouco ao longe sobre a encosta
de uma colina, a qual parecia espiar “debaixo das
pálpebras da manhã que se abriam”, a cidade que eles
estavam em busca e a qual eles alcançaram logo em
seguida. Não foi sem alguma dificuldade que eles
escontraram uma casa que podia oferecer-lhes abrigo,
inclusive para seus cavalos; e Emily queria que eles
pudessem não descansar mais do que fosse necessário
para o lanche. A sua aparência excitou alguma surpresa,
pois ela estava sem um chapéu, já que apenas teve
tempo de colocar seu véu antes de sair do castelo, uma
circunstância que a compelia a lamentar a falta de
dinheiro novamente, sem o qual era impossível conseguir
esse artigo de vestimenta necessário.
Ao examinar a sua bolsa, Ludovico descobriu que
isto era insuficiente até mesmo para fornecer a comida
presente e, enfim, Du Pont se aventurou a informar o
proprietário, cujo rosto era simples e honesto, de sua
situação exata e pediu que ele os ajudasse a seguir
viagem; um propósito com o qual ele prometeu
consentir, tanto quanto pudesse, quando descobriu que
eles eram prisioneiros fugindo de Montoni, o qual ele
tinha razões demais para odiar. Mas, apesar de ter
consentido em emprestar-lhes cavalos novos para levá-
los até a próxima cidade, ele era pobre demais para
entregar-lhes dinheiro e eles estavam lamentando a sua
pobreza novamente quando Ludovico, que havia ido com
seus cavalos cansados até a cabana que servia de
estábulo, entrou no quarto, meio frenético de alegria, da
qual os seus ouvintes logo participaram. Ao remover a
sela de um dos cavalos ele tinha encontrado embaixo
dela uma bolsa pequena contendo, sem dúvida, o lucro
de um dos mercenários, que havia retornado de uma
excursão para saquear logo antes de Ludovico deixar o
castelo, e cujo cavalo ao fugir do pátio interno, enquanto
seu mestre estava ocupado bebendo, havia levado para
longe o tesouro que o bandido tinha considerado a
recompensa de seu esforço.
Ao contar isso, Du Pont descobriu que seria mais do
que suficiente para levá-los todos para a França, para
onde ele decidiu acompanhar Emily, quer ele obtivesse
informações sobre o seu regimento ou não; pois, apesar
de ter muita confiança na integridade de Ludovico, tanto
quanto o seu pouco conhecimento lhe permitia, ele não
conseguia suportar a ideia de entregá-la aos cuidados
dele durante a viagem; talvez ele também não tivesse
resolução o bastante para se negar o prazer perigoso que
derivaria da presença dela.
Ele os consultou quanto ao porto marítimo para o
qual deveriam dirigir o seu caminho, e Ludovico, melhor
informado sobre a geografia do país, disse que Leghorn
era o porto importante mais próximo, o qual Du Pont
também sabia que seria mais provável do que qualquer
um na Itália de assisti-los em seu plano, já que navios de
todas as nações estavam partindo continuamente. De lá,
portanto, foi determinado que eles deveriam prosseguir.
Emily, depois de comprar um pequeno chapéu de
palha, tal como os que eram usados pelas camponesas
da Toscana, e alguns outros pequenos equipamentos
necessários para a jornada, e os viajantes, após terem
trocado seus cavalos por outros que pudessem carregá-
los melhor, recomeçaram em seu alegre caminho
enquanto o sol estava subindo sobre as montanhas e,
após viajarem pelo interior por muitas horas, começaram
a descer em direção ao vale de Arno. E lá Emily viu todos
os charmes da paisagem silvestre e pastoril, adornada
com as mansões elegantes da nobreza florentina e
diversificada com as riquezas variadas da plantação.
Quão vívidos eram os arbustos que se curvavam sobre as
encostas, com as florestas que se esticavam como
anfiteatros ao longo das montanhas! E, acima de tudo,
quão elegante era o contorno desses Apeninos
ondulantes, que agora ficavam mais suaves do que a sua
natureza selvagem nas regiões interiores exibia! Na
distância, ao leste, Emily descobriu Florença, com suas
torres se erguendo no horizonte brilhante e a sua planície
luxuosa, estendendo-se até os pés dos Apeninos,
salpicada com jardins e mansões magníficas, ou
coloridas com bosques de laranjeiras e limoeiros, com
videiras, milho, e plantações de azeitonas e amora;
enquanto, ao oeste, o vale se abria para as águas do
Mediterrâneo, tão distante que elas só eram vistas em
uma linha meio azul que aparecia no horizonte, e pela
leve névoa marinha, que manchava o ar acima
levemente.
Com um coração cheio, Emily saudou as águas que
a levariam de volta para o seu país nativo, a lembrança
do qual, entretanto, trouxe consigo uma dor; pois lá ela
não tinha mais um lar para recebê-la, não tinha pais para
acolhê-la, mas ela estava indo como uma peregrina
desamparada para chorar sobre o local triste onde ele,
que era o seu pai, estava enterrado. Seu espírito também
não ficou animado quando ela considerou quanto tempo
provavelmente ainda se passaria antes que ela visse
Valancourt, que podia estar estacionado com seu
regimento numa parte distante da França, e que, quando
eles se encontrassem, seria só para lamentar o sucesso
da vilania de Montoni; porém, ela ainda sentiria um
deleite inexprimível com a ideia de estar novamente no
mesmo país que Valancourt, mesmo se fosse certo que
ela não poderia vê-lo.
O calor intenso, pois já era quase meio-dia, obrigou
os viajantes a procurarem por algum recuo sombreado
onde eles pudessem descansar por algumas horas, e os
matagais vizinhos, abundantes com uvas silvestres,
framboesas e figos, prometia-lhes uma grata refeição.
Logo em seguida, eles saíram da estrada para um
bosque, cuja folhagem espessa excluía os raios de sol
inteiramente, e onde um riacho, jorrando de uma rocha,
dava frescor ao ar; e, depois de ter descido e levado os
cavalos para pastar, Annette e Ludovico correram para
colher frutas dos matagais ao redor, dos quais eles logo
retornaram com uma abundância. Os viajantes, sentados
sob a sombra de um pinheiro e de um cipreste, na relva,
enriquecida com tal profusão de flores fragrantes que
Emily nunca tinha visto antes, mesmo entre os Pirineus,
comeram o repasto simples e viram, com um novo
deleite, sob a folhagem escura de pinheiros gigantescos,
a paisagem brilhosa se esticando até o mar.
Emily e Du Pont, gradualmente, ficaram pensativos
e silenciosos; mas Annette era toda alegria e
loquacidade, e Ludovico estava feliz sem se esquecer da
distância respeitosa que era devida aos seus
companheiros. Quando o repasto terminou, Du Pont
recomendou que Emily tentasse dormir durante essas
horas abafadas e, pedindo que os criados fizessem o
mesmo, disse que ele ficaria de vigia enquanto isso; mas
Ludovico quis poupá-lo do incômodo; e Emily e Annette,
desgastadas pela viajem, tentaram repousar ao passo
que ele ficou de guarda com seu bacamarte.
Quando Emily despertou, renovada com o sono, ela
encontrou o sentinela dormindo em seu posto e Du Pont
acordado, mas perdido em pensamentos melancólicos.
Como o sol ainda estava alto demais para permitir-lhes
continuar sua jornada, e como era necessário que
Ludovico, após os esforços e complicações que havia
enfrentado, terminasse o seu sono, Emily usou essa
oportunidade para perguntar através de qual acidente Du
Pont se tornou prisioneiro de Montoni, e ele, contente
com o interesse que essa pergunta expressava e com a
desculpa que isso lhe dava para conversar com ela sobre
si mesmo, respondeu à curiosidade da dama
imediatamente:
“Eu vim para a Itália, Madame”, disse Du Pont, “a
serviço do meu país. Numa aventura pelas montanhas, o
nosso grupo, lutando com os bandos do Montoni, foi
derrotado e eu, junto com alguns de meus camaradas, fui
levado como prisioneiro. Quando me disseram de quem
eu era prisioneiro, o nome de Montoni me surpreendeu,
pois me lembrei que Madame Cheron, sua tia, havia se
casado com um italiano com aquele nome e que você os
havia acompanhado até a Itália. Contudo, não foi até
algum tempo depois que eu fiquei convencido de que
este era o mesmo Montoni, ou descobri que você,
Madame, estava debaixo do mesmo teto que eu. Não vou
lhe atormentar descrevendo quais foram as minhas
emoções com esta descoberta, a qual eu devo a um
guarda, que eu ganhei para o meu interesse a ponto dele
me permitir muitas indulgências, uma das quais foi muito
importante para mim e um tanto perigosa para ele; mas
ele persistiu em se recusar a entregar qualquer carta ou
notícia da minha situação para você, pois temia
justamente uma descoberta e a vingança subsequente
de Montoni. Contudo, ele me permitiu lhe ver mais de
uma vez. Você está surpresa, Madame, e eu vou me
explicar. Minha saúde e disposição sofreram
extremamente com a falta de ar e exercício e, enfim, eu
tive tanto sucesso com a piedade, ou a avareza do
homem, que ele me deu os meios de caminhar no
terraço”.
Emily escutava com uma atenção ansiosa a
narrativa de Du Pont, que prosseguiu:
“Ao me conferir essa indulgência, ele sabia que não
tinha nada a temer quanto a uma chance de eu escapar
de um castelo que era guardado tão vigilantemente, e
ele também me mostrou uma porta para o terraço mais
próximo, o qual fica sobre um rochedo perpendicular”,
continuou Du Pont, “uma porta escondida no lambril de
cedro do aposento onde eu estava confinado, a qual ele
me instruiu a abrir; e que, levando a uma passagem
formada dentro da espessura da parede que se extendia
ao longo do castelo, finalmente se abria em um canto
escuro do adarve leste. Desde então eu fui informado de
que há muitas passagens do mesmo tipo escondidas
dentro das paredes prodigiosas do edifício e que foram,
sem dúvida, arquitetadas para o propósito de facilitar
fugas em tempos de guerra. Através dessa passagem, na
calada da noite, eu fui até o terraço muitas vezes, onde
andei com o mais extremo cuidado a fim de que meus
passos não me expusessem para os guardas de vigia nas
partes distantes; pois essse canto, sendo guardado por
paredes altas, não era vigiado por soldados. Num desses
passeios à meia-noite, eu vi uma luz na janela que
sobreolhava o adarve e que, eu observei, ficava
imediatamente sobre a minha cela. Ocorreu a mim que
você pudesse estar naquele quarto e, na esperança de
lhe ver, posicionei-me do lado oposto à janela”.
Lembrando-se da figura que havia aparecido no
terraço anteriormente, e que a havia causado tanta
ansiedade, Emily exclamou: “então era você, Monsieur
Du Pont, que me causou tanto terror tolo; meu espírito,
naquela época, estava tão enfraquecido pelo sofrimento
duradouro que se assustava com tudo.” Du Pont, após
lamentar ter lhe causado qualquer apreensão,
acrescentou: “enquanto me apoiava na parede do lado
oposto a sua janela; vi uma pessoa lá, que eu acreditei
ser você. Oh! Eu não direi nada sobre a minha emoção
naquele momento; eu queria falar, mas a prudência me
restringiu, até que os passos distantes de um guarda me
forçaram a sair do meu lugar de repente”.
“Se passou algum tempo antes que eu tivesse outra
oportunidade de caminhar, pois só podia sair de minha
cela quando fosse o turno de um homem para ficar me
vigiando; enquanto isso eu fiquei convencido, por
algumas circunstâncias relatadas por ele, que o seu
aposento ficava sobre o meu, e, quando me aventurei a
sair de novo, voltei à sua janela, onde a vi novamente,
mas sem ousar falar. Acenei com a mão e você
desapareceu de repente; foi, então, que me esqueci de
minha prudência e cedi à lamentação; você apareceu de
novo – você falou – eu ouvi o sotaque familiar da sua voz!
E, naquele momento, minha discrição teria me
abandonado novamente se eu não tivesse ouvido
também os passos de um soldado se aproximando,
quando fui embora imediatamente, contudo não antes do
homem me ver. Ele me seguiu pelo terraço e se
aproximou de mim tão rápido que eu fui forçado a fazer
uso de um plano ridículo o bastante para me salvar. Eu
tinha ouvido sobre a superstição de muitos desses
homens e fiz um barulho estranho, com a esperança de
que meu perseguidor confundisse isso com algo
sobrenatural e desistisse da perseguição. Para a minha
sorte eu tive sucesso; o homem, ao que parece, era
sujeito a desmaios e o medo que ele sentiu o fez ter um,
através daquele acidente garanti a minha fuga. Uma
noção do perigo do qual eu havia escapado, e da vigia
intensificada, a qual a minha aparição causou entre os
guardas, deteve-me de caminhar pelo terraço desde
então; mas, na calada da noite, muitas vezes eu me
divertia com um alaúde velho, arranjado para mim por
um soldado, o qual eu, às vezes, acompanhava com a
minha voz, em outras ocasiões, reconheço, com a
esperança de ser ouvido por você; mas, foi há apenas
algumas noites atrás que essa esperança foi
correspondida. Então, pensei ter ouvido uma voz no
vento me chamando; porém, tive medo de responder,
com receio de que o guarda na porta da prisão me
escutasse. Eu estava certo nessa suposição, Madame...
era você que falava?”
“Sim”, disse Emily, com um suspiro involuntário,
“você estava de fato correto”.
Vendo as emoções dolorosas que essa pergunta
reavivou, Du Pont mudou de assunto. “Em uma de
minhas excursões pela passagem, que mencionei, eu
escutei uma conversa singular”, disse ele.
“Na passagem!”, perguntou Emily com surpresa.
“Eu a ouvi na passagem”, disse Du Pont, “mas ela
vinha de um aposento adjacente à parede, dentro da
qual a passagem se curvava, e a parede era tão fina lá, e
também estava um pouco destruída, que eu conseguia
ouvir distintamente cada palavra que era falada do outro
lado. Parecia que Montoni e seus companheiros estavam
reunidos no cômodo, Montoni começou a relatar a
história extraordinária da dama predecessora dele no
castelo. Ele, de fato, mencionou algumas circunstâncias
muito surpreendentes, e se elas eram estritamente
verdade a consciência dele deve decidir; eu temo que ela
vá decidir contra ele. Mas você, Madame, sem dúvida
ouviu o boato, que ele queria que circulasse no castelo
sobre o destino misterioso daquela dama.”
“Eu ouvi, senhor”, respondeu Emily, “e eu vejo que
você duvida dele.”
“Eu duvidava dele antes do período do qual estou
falando”, replicou Du Pont; “mas algumas circunstâncias
mencionadas por Montoni contribuíram em muito com as
minhas suspeitas. O relato que ouvi na época quase me
convenceu de que ele era um assassino. Eu tremia por
você; mais ainda por ter ouvido os convidados
mencionarem o seu nome de tal maneira que ameaçava
o seu descanso; e, sabendo que os homens mais imorais
geralmente são os mais supersticiosos, decidi tentar ver
se conseguiria despertar as consciências deles e os fazer
temer cometer o crime que eu temia. Escutei Montoni
atenciosamente e, nas partes mais impressionantes da
história dele, juntei a minha voz e repeti suas últimas
palavras numa voz disfarçada com um tom vazio”.
“Mas você não teve medo de ser descoberto?”, disse
Emily.
“Eu não tive”, respondeu Du Pont; “pois sabia que,
se Montoni conhecesse o segredo dessa passagem, ele
não teria me prendido no quarto ao qual ela levava. Eu
também sabia, de uma autoridade melhor, que ele era
ignorante sobre isso. Por algum tempo o grupo pareceu
estar inatento à minha voz; mas, finalmente, eles ficaram
tão assustados que saíram do cômodo; e, ouvindo
Montoni mandar seus criados o vasculharem, eu voltei
para a minha cela, que era muito distante dessa parte da
passagem”.
“Eu me lembro perfeitamente de ter ouvido sobre
essa conversa que você mencionou”, disse Emily; “ela
espalhou um medo geral entre os homens de Montoni, eu
vou admitir que fui fraca o bastante para partilhar nisto”.
Monsieur Du Pont e Emily continuaram a conversar
sobre Montoni dessa forma, e depois sobre a França e
sobre o plano para a viagem deles; quando Emily lhe
contou que a intenção dela era ficar em um convento em
Languedoc, onde ela havia sido tratada com muita
bondade antes, e de onde ela escreveria para o seu
parente Monsieur Quesnel, informá-lo-ia da sua conduta.
Lá, ela planejava esperar até que La Valée fosse dela
novamente, para onde esperava que a sua renda lhe
permitisse retornar; pois Du Pont a ensinou a esperar que
a propriedade, da qual Montoni havia tentado defraudá-
la, não estivesse perdida sem chances de ser
recuperada, e ele a parabenizou novamente em sua fuga
de Montoni, que, ele não tinha dúvida, pretendia mantê-
la presa a vida toda. A possibilidade de recuperar as
propriedades de sua tia para Valancourt e para ela
própria acendeu uma alegria no coração de Emily, tal
qual ela não havia visto em muitos meses; mas,
empenhou-se em esconder isso de Monsieur Du Pont, a
fim de que isso não o levasse a uma lembrança dolorosa
de seu rival.
Eles continuaram a conversar até que o sol
estivesse descendo no oeste, quando Du Pont acordou
Ludovico e eles seguiram em frente em sua jornada.
Descendo as enconstas mais baixas do vale
gradualmente, eles alcançaram Arno e serpentearam ao
longo de sua margem pastoril por muitas milhas,
maravilhados com o cenário ao redor deles e com as
lembranças que essas ondas clássicas reavivaram. A
certa distância, ouviram o som alegre dos camponeses
entre os vinhedos, e observaram o pôr do sol pintando as
ondas com um brilho amarelado, e o crepúsculo trouxe
uma cor púrpura sombreada sobre as montanhas, que,
finalmente, desapareceram na noite. Então o lucciola, o
vagalume da Toscana, foi visto acendendo seus brilhos
repentinos em meio à folhagem, enquanto a cicala, com
suas notas estridentes, ficou ainda mais barulhenta do
que durante o calor do meio-dia, preferindo o horário
quando o besouro-inglês, com um barulho menos
ofensivo,
Toca
Sua trombeta pequena, mas rabugenta,
Enquanto ele surge frequentemente em meio ao caminho
na penumbra
Contra o peregrino trazido com um murmúrio
descuidado.[25]
Os viajantes atravessaram o rio Arno no luar em um
ferry e, descobrindo que Pisa só estava a algumas milhas
de distância rio abaixo, eles quiseram prosseguir até lá
num barco, mas, como nenhum pôde ser arranjado,
partiram em seus cavalos cansados para aquela cidade.
Conforme se aproximavam, o vale se expandiu virando
uma planície colorida com vinhedos, milho, bosques de
oliveiras e amoreiras. Entretanto, ficou tarde antes deles
alcançarem os seus portões, onde Emily ficou surpresa
em ouvir o som de passos agitados e os tons de
instrumentos musicais, assim como quando viu os grupos
vivazes que preenchiam as ruas, e ela quase se imaginou
em Veneza novamente; mas, ali não havia um mar
iluminado pelo luar – nenhuma gôndola alegre correndo
pelas ondas – nenhum palácio paladino para lançar
encantamento na imaginação e levá-la aos cenários dos
contos de fada. O rio Arno rolava pela cidade, mas
nenhuma música vinha das varandas sobre as suas
águas; ele só trazia as vozes de marinheiros ocupados a
bordo de navios, que acabavam de chegar do
Mediterrâneo; o baixar melancólico da âncora e o assobio
estridente do contramestre; sons que, desde aquela
época, quase afundavam no silêncio. Eles serviram para
lembrar Du Pont que era provável que ele ouvisse falar
de um navio saindo para a França deste porto em breve,
e assim eles seriam poupados do trabalho de ir até
Leghorn. Logo que Emily chegou à hospedaria, foi até o
cais para fazer suas perguntas; mas, após todos os
esforços dele próprio e de Ludovico, eles não souberam
de barco algum destinado para a França imediatamente,
e os viajantes voltaram para o seu local de repouso. Du
Pont tentou descobrir onde o seu regimento estava, mas
não conseguiu obter informação alguma sobre isso. Os
viajantes foram dormir cedo após as fadigas do dia; e, no
seguinte, acordaram cedo e, sem parar para ver as
antiguidades aclamadas do lugar ou as maravilhas de
sua torre, seguiram sua jornada nas horas mais frescas
através de uma província charmosa, rica em vinho, milho
e azeite. Os Apeninos, não eram mais horríveis e nem
mesmo grandiosos, sendo suavizados com a beleza da
paisagem silvestre e pastoril; e Emily, enquanto descia
por elas, olhava para baixo com deleite, para Leghorn e
sua baía espaçosa, cheia de embarcações e coroada com
belas colinas.
Ela não ficou menos surpresa e entretida ao entrar
nessa cidade e encontrá-la povoada de pessoas vestidas
com roupas de todas as nações; uma cena que lhe
lembrou de um baile de máscaras em Veneza, tal que ela
havia testemunhado na época do Carnaval; mas ali havia
um alvoroço sem diversão, e barulho ao invés de música,
enquanto a elegância só era encontrada nos contornos
das colinas ao redor.
Monsieur Du Pont foi até o cais, imediatamente,
assim que eles chegaram, onde ele tinha ouvido falar de
vários navios franceses e de um que estava por partir,
em alguns dias, para Marseilles, de onde outro navio
poderia ser encontrado sem dificuldade para levá-los
atravessando o golfo de Lyon em direção à Narbonne, na
costa, não muitas milhas longe da cidade onde ele
entendia que o convento estava situado, no qual Emily
desejava se asilar. Portanto, ele conversou
imediatamente com o capitão para levá-los à Marselha, e
Emily ficou maravilhada ao ouvir que sua passagem para
a França estava garantida. Sua mente ficou aliviada do
terror da perseguição, e a agradável esperança de ver o
seu país nativo em breve – aquele país que continha
Valancourt – restaurou na disposição dela tanta alegria
tal que ela não havia sentido desde a morte de seu pai.
Em Leghorn, Du Pont teve notícias de seu regimento e de
que esse havia embarcado para a França; uma
circunstância que lhe deu uma grande satisfação, pois
agora ele podia acompanhar Emily até lá sem uma
reprovação de sua consciência, ou o medo do
descontentamento de seu comandante. Durante esses
dias, ele escrupulosamente evitava afligi-la mencionando
a sua paixão, e ela foi forçada a estimar e sentir pena
dele, apesar de não conseguir amá-lo. Ele se empenhou
em entretê-la mostrando os arredores da cidade,
andavam juntos pela margem do mar muitas vezes, e
nos cais cheios, onde Emily frequentemente ficava
interessada na chegada e partida de navios, participando
da alegria de encontrar amigos e, às vezes, derramando
uma lágrima de compaixão pela tristeza daqueles que
eram separados. Foi após ter testemunhado uma cena do
último tipo que ela organizou os versos seguintes:
O MARINHEIRO
Quieta veio a brisa da primavera; suave veio a maré;
E azul o céu sorriu em seu espelho;
A vela branca tremeu, cresceu, expandiu-se ampla,
Os marujos ocupados labutaram com a âncora.
Com amigos ansiosos, que derramaram a lágrima da
partida,
O convés ficou cheio – quão rapidamente os momentos
voam!
O navio se agita, os sinais de adeus aparecem;
Muda fica cada língua, e eloquente cada olho!
O temido último momento chega! – A juventude dos
marujos
Esconde a grande perda, então sorri em meio à dor,
Conforta a sua noiva triste, e promete a verdade eterna,
“Adeus, meu amor – nós iremos – iremos nos ver
novamente!”
Muito tempo na popa, com uma mão acenando, ele ficou;
A margem lotada afunda, diminuindo da visão dele,
Conforme desliza gradualmente o barco ao longo da
cheia;
Sua noiva não é mais vista – “Adeus! – Adeus!”
A brisa da tarde geme baixinho, o sorriso dela se foi,
As sombras trazem sua penumbra pelo oeste
avermelhado,
Ele escala o mastro mais alto, para procurar mais uma
vez
Pela costa vista ao longe, onde todos os seus desejos
estão.
Ele vê a linha escura da margem no céu distante,
E sua imaginação o leva até o seu lar simples,
Ele vê o seu amor chorando, ele a ouve suspirar,
Ele conforta as dores dela, e lhe conta das alegrias por
vir.
A tarde cede à noite, a brisa à ventanias de inverno,
Em uma sombra vasta os mares e as encostas repousam;
Ele vira seus olhos doloridos, – sua disposição falha,
A lágrima fria cai; – triste ele vai para o convés!
A tempestade da meia-noite se intensifica e as velas são
enroladas,
O barco soa fortemente, mas não encontra uma encosta
amigável,
Rapidamente sobre as ondas a embarcação miserável é
arremessada,
“Oh, Ellen, Ellen! Não nos veremos mais!”
Relâmpagos, que mostram as profundezas vastas e
espumantes,
Os trovões rasgantes, enquanto continuam rolando em
frente,
Os ventos muito, muito altos, que varrem sobre as
névoas –
Sacodem os nervos firmes, amedrontam a alma mais
bravia!
Ah! No que resulta o cuidado laborioso dos homens do
mar!
As cordas tensionadas se rompem, o mastro fica
despedaçado;
Os sons do terror gemem pelo ar,
Eles somem na distância; – o barco é levado para os
rochedos!
Ferozes sobre os destroços as águas submergentes
passaram,
A tripulação indefesa afunda no oceano que ruge!
A voz farca de Henry tremeu no estouro –
“Adeus, meu amor! – Nunca mais nos veremos
novamente!”
Muitas vezes, na hora calma e silenciosa,
Quando a brisa de verão se demora na onda,
Uma voz melancólica é ouvida derramando
Sua doçura solitária sobre o túmulo do pobre Henry!
E muitas vezes, à meia-noite, melodias etéreas são
ouvidas
Em volta do bosque onde a forma de Ellen foi colocada;
O hino fúnebre não é temido pelas damas do vilarejo,
Pois os espíritos dos amantes vigiam a sombra sagrada!
[26]
CAPÍTULO X

‘Oh! A alegria
Das ideias juvenis, pintadas na mente
Em cores quentes e brilhantes que a imaginação
espalha
Em objetos ainda não conhecidos, quando tudo é
novo,
E tudo é encantador!’ [ 2 7 ]

Voltamos agora a Languedoc e à menção do Conde


de Villefort, o nobre que se sucedeu a uma propriedade
do Marquês de Villeroi situada perto do monastério de
Santa Clara. Pode-se lembrar de que este castelo estava
desabitado quando St. Aubert e sua filha estavam na
vizinhança, e que o primeiro ficou muito comovido ao
descobrir estar tão próximo de Chateau-le-Blanc, um
lugar sobre o qual o bom e velho La Voisin deu algumas
pistas, depois, as quais assustaram a curiosidade de
Emily.
Foi no ano de 1584, no começo dele, no qual St.
Aubert morreu, que Francis Beauveau, Conde De Villefort,
tomou posse da mansão e do terreno extenso chamado
Chateau-le-Blanc, situado na província de Languedoc, na
costa do Mediterrâneo. Essa propriedade, que, durante
alguns séculos havia pertencido à sua família, agora
descendeu até ele com a morte de seu parente, o
Marquês de Villeroi, que ultimamente havia sido um
homem de modos reservados e caráter austero;
circunstâncias que, juntamente com os deveres de sua
profissão, que muitas vezes o levava para o campo,
haviam prevenido qualquer grau de intimidade com seu
primo, o Conde De Villefort. Por muitos anos eles
souberam pouco um sobre o outro, e o conde recebeu a
primeira informação da morte dele, que aconteceu numa
parte distante da França, juntamente com os
instrumentos que lhe deram a posse do terreno de
Chateau-le-Blanc; mas, não foi até o ano seguinte que
ele decidiu visitar aquela propriedade, quando quis
passar o outono lá. As cenas de Chateau-le-Blanc vinham
à sua memória muitas vezes, acentuadas pelos toques
que uma imaginação carinhosa dá à lembrança de
prazeres juvenis; pois, muitos anos antes, durante a vida
da Marquesa e naquela idade, quando a mente fica
particularmente sensível às impressões de alegria e
deleite, ele havia visitado esse local uma vez e, embora
tivesse passado um longo período em meio aos
aborrecimentos e tumultos das tarefas públicas, que
corroem o coração demasiado frequentemente e viciam o
gosto, as sombras de Languedoc e a grandeza de seu
cenário distante nunca foram lembradas por ele com
indiferença.
Durante muitos anos o castelo ficou abandonado
pelo marquês falecido e, sendo habitado apenas por um
velho mordomo e sua esposa, foi se tornando muito
decadente. Supervisionar os reparos, que seriam
necessários para torná-lo uma residência confortável, foi
um dos principais motivos que fez o conde passar os
meses de outono em Languedoc; e nem os protestos,
nem as lágrimas da condessa, pois em ocasiões urgentes
ela chorava, foram poderosos o bastante para superar a
determinação dele. Portanto, ela se preparou para
obedecer ao comando que não conseguiria vencer, e
desistir das festas alegres de Paris, – onde a sua beleza
era geralmente incomparada e ganhava o aplauso, ao
qual a sua inteligência não teria nada além de uma fraca
reinvindicação – pela cobertura da floresta no entardecer,
a grandiosidade solitária das montanhas e a solenidade
dos salões góticos e galerias muito, muito longas, que
ecoavam só com os passos solitários de uma criada, ou o
clique medido que vinha do grande relógio – o monitor
antigo do salão abaixo. Dessas expectativas melancólicas
ela tentou aliviar a sua disposição ao se lembrar de tudo
que ela já havia ouvido sobre a beleza alegre das
planícies de Languedoc; mas lá, ah! Nenhuma forma
aérea se comparava à alegre melodia das danças
parisienses, e uma visão das festividades rústicas dos
camponeses dava pouco prazer a um coração, no qual
sentimentos de benevolência comum haviam decaído há
muito tempo sob as corrupções da luxúria.
O conde tinha um filho e uma filha, crianças de um
casamento anterior quem iriam, como ele planejava,
acompanhá-lo para o sul da França; Henri, que estava em
seu vigésimo ano, estava no serviço militar Francês; e
Blanche, que ainda não tinha dezoito anos, havia ficado
confinada no convento até então, onde havia sido
colocada imediatamente após o segundo casamento de
seu pai. A condessa presente, que não tinha abilidade
nem inclinação suficiente para supervisionar a educação
de sua enteada, havia aconselhado essa medida, e o
medo de uma beleza superior havia, desde então,
estimulado todo artifício que pudesse convencer o conde
a prolongar o período de reclusão de Blanche; portanto,
foi com mortificação extrema que ela compreendeu que
ele não cederia mais quanto a este assunto, porém ainda
dava algum consolo a ela considerar que, embora Lady
Blanche fosse emergir de seu convento, as sombras do
interior iriam esconder a beleza dela do olho do público
por algum tempo.
Na manhã que iniciou a jornada, os condutores
pararam no convento, por ordem do conde, para buscar
Blanche, cujo coração batia de alegria, com o prospecto
de novidade e liberdade à sua frente. Conforme o
momento de sua partida ficava mais próximo, sua
impaciência tinha aumentado, e a noite anterior, na qual
ela contou cada nota de cada hora, pareceu ser a mais
tediosa de todas as que ela já vivera. A luz da manhã
surgiu finalmente; o sino matinal tocou; ela ouviu as
freiras descendo de seus quartos e se levantou de um
travesseiro, sem sono, para receber o dia, que iria
emancipá-la das severidades de um convento e introduzi-
la a um mundo onde o prazer estava sempre sorrindo e a
bondade era sempre abençoada – onde, em resumo,
nada além do prazer e da bondade reinavam! Quando o
sino do portão principal tocou e esse som foi seguido
pelo de rodas de carruagem, ela correu, com um coração
palpitante, para sua varanda e, vendo a carruagem de
seu pai no pátio abaixo, dançou com passos leves ao
longo da galeria, onde foi encontrada por uma freira com
ordens da madre superiora. No instante seguinte, ela
estava no salão de entrada e na presença da condessa,
que agora parecia um anjo para ela, pois iria levá-la até a
felicidade. Mas, as emoções da condessa, ao vê-la, não
estavam em harmonia com aquelas de Blanche, que
nunca havia parecido tão amável quanto neste
momento, quando o seu rosto, animado pelo sorriso
iluminador da felicidade, brilhava com a beleza da
inocência feliz.
Após conversar por alguns minutos com a madre
superiora, a condessa se levantou para ir embora. Este
era o momento que Blanche havia antecipado com tal
expectativa ansiosa, o pico do qual ela olhava para baixo
sobre a terra da felicidade de contos de fadas e
inspecionava todo esse encantamento; seria então um
momento para lágrimas de arrependimento? Porém, era
sim. Ela se voltou com um rosto alterado e abatido para
suas jovens companheiras, que tinham vindo se despedir
dela, e chorou! Até mesmo a minha Lady madre
superiora, tão imponente e tão solene, ela saudou com
um grau de tristeza que, uma hora antes, teria
acreditado ser impossível de sentir, e o qual poderia ser
explicado ao considerar o quão relutantemente nós todos
nos separamos, até mesmo de coisas desagradáveis,
quando a separação é, conscientemente, para sempre.
Novamente ela beijou as pobres freiras e seguiu a
condessa, saindo com lágrimas daquele lugar, que ela
esperava deixar apenas com sorrisos.
Mas, a presença de seu pai e da variedade de coisas
na estrada logo tomou a atenção dela e dissipou a
sombra, que o lamento carinhoso havia lançado sobre a
disposição dela. Inatenta a uma conversa que estava se
passando entre a condessa e uma Mademoiselle Bearn,
amiga dela, Blanche ficou sentada, perdida num
devaneio agradável enquanto observava as nuvens
flutuando silenciosamente ao longo da expansão azul,
agora encobrindo o sol e estendendo suas sombras ao
longo do cenário distante, e, então, toda a sua claridade.
A jornada continuou a dar a Blanche um deleite
inexprimível, pois novas cenas da natureza estavam se
abrindo para a visão dela a cada instante, e sua
imaginação ficou estocada com imagens alegres e
bonitas.
Foi na noite do sétimo dia que os viajantes
conseguiram avistar Chateau-le-Blanc, a beleza
romântica de cuja localização impressionou a imaginação
de Blanche, que observou com admiração sublime as
montanhas dos Pirineus, que só eram vistas um tanto
distantes durante o dia, erguendo-se a algumas léguas
com seus penhascos e precipícios imensos, os quais as
nuvens da tarde, que flutuavam em volta deles, ora
revelavam, ora encobriam. Os raios poentes, que
manchavam seus picos enevoados com uma cor rosada,
tocavam os seus pontos mais baixos com coloridos
variados, enquanto o tom azulado, que impregnava os
seus recuos sombreados, dava a força do contraste ao
esplendor da luz. As planícies de Languedoc,
enrubescendo com os vinhedos púrpuras, eram
diversificadas, pois apresentavam bosques de amoreiras,
amêndoas e oliveiras, estendiam-se ao longe para o
norte e para o leste; ao sul aparecia o Mediterrâneo,
claro como um cristal e azul como os céus que ele
refletia, levando em seu peito navios cujas velas brancas
pegavam os raios do sol e davam animação à cena.
Numa península alta, banhada pelas águas do
Mediterrâneo, ficava a mansão de seu pai, quase
escondida do olho pela floresta de pinheiros, carvalhos e
castanheiros entremeados, que coroava a eminência e se
inclinava em direção às planícies de um lado; enquanto,
do outro, ela se estendia por uma distância considerável
ao longo das margens.
Conforme Blanche se aproximava, os aspectos
góticos dessa mansão antiga apareciam sucessivamente
– primeiro uma torre com ameias, erguendo-se acima das
árvores – então, a arcada quebrada de um portal imenso,
escondendo-se além delas; e ela quase imaginou estar
se aproximando de um castelo, tal como os que são
celebrados em histórias antigas, onde os cavalheiros
olham das ameias para algum campeão lá embaixo,
quem, vestido numa armadura preta, vem com seus
companheiros resgatar a dama, de seu amor, da
opressão do seu rival; o tipo de lenda à qual ela tinha
acesso, uma ou duas vezes, na biblioteca de seu
convento, que, como muitos outros, por pertencer aos
monges, estava estocado com essas relíquias de ficção
romântica.
As carruagens pararam em frente a um portão, o
qual levava até o terreno do castelo, mas que estava
trancado; e do grande sino, que antigamente havia
servido para anunciar a chegada de estranhos, tendo
caído de sua estação há muito tempo desde então, um
criado escalou uma parte em ruínas do muro adjacente
para avisar aqueles lá dentro da chegada do seu lorde.
Quando Blanche se inclinou, na janela da
carruagem, resignou-se às emoções doces e gentis, as
quais o momento e o cenário despertaram. O sol havia
deixado a terra e o crepúsculo começou a escurecer as
montanhas; enquanto as águas distantes, refletindo a
vermelhidão que ainda brilhava no oeste, pareciam uma
linha de luz contornando o horizonte. O murmúrio baixo
das ondas quebrando na margem veio com a brisa e, de
vez em quando, o correr melancólico de remos era
ouvido fracamente a certa distância. Ela se deixou
satisfazer a sua sensação pensativa, pois os
pensamentos do resto do grupo estavam ocupados
silenciosamente com os sujeitos de seus vários
interesses. Enquanto isso, a condessa, refletindo com
arrependimento sobre as festas animadas que ela havia
deixado em Paris, inspecionou com nojo o que ela pensou
serem os bosques sombrios e a natureza solitária da
cena; e, temendo o prospecto de ficar presa em um
castelo velho, estava preparada para ver tudo com
desprazer. Os sentimentos de Henri eram um tanto
semelhantes àqueles da condessa; ele deu um suspiro
melancólico para os prazeres da capital e para a
lembrança de uma Lady, que, ele acreditava, havia
tomado as afeições dele e que certemente fascinava a
sua imaginação; mas a província ao redor e o modo de
vida nos quais ele estava entrando tinham, para ele pelo
menos, o charme da novidade, e o seu lamento foi
suavizado pelas expectativas animadas da juventude.
Com os portões sendo finalmente abertos, a carruagem
seguiu em frente lentamente, sob castanheiros se
esticando que quase excluíam os restos do dia, seguindo
o que havia sido uma estrada anteriormente, mas que
agora, coberta de vegetação luxuosa, só podia ser
encontrada pelos limites, formados por árvores de ambos
os lados e que serpenteava por quase meia milha
através da floresta, antes de alcançar o castelo. Esta era
a mesma estrada na qual St. Aubert e Emily haviam
entrado anteriormente, em sua primeira chegada à
vizinhança, com a esperança de encontrar uma casa que
os recebesse pela noite, e a qual eles deixaram tão
abruptamente ao ver a desertidão do lugar e uma figura
que o condutor tinha pensado ser um assaltante.
“Mas que lugar sinistro!”, exclamou a condessa à
medida que a carruagem penetrava os recuos mais
internos da floresta. “Certamente, meu Lorde, você não
pretende passar o outono todo neste lugar bárbaro!
Alguém deveria trazer para cá uma xícara das águas de
Lethe, para que a lembrança de cenas mais agradáveis
não acentue, no mínimo, a insipidez natural dessas.
“Eu serei governado por estas circunstâncias,
Madame”, disse o conde, “este lugar bárbaro foi habitado
pelos meus ancestrais”.
A carruagem parou no castelo, onde, na porta do
salão principal, apareceu o velho mordomo e os criados
parisienses que haviam sido mandados para preparar o
castelo, esperando para receber o seu Lorde. Lady
Blanche percebeu que o edíficio não fora construído
inteiramente no estilo gótico, mas que ele tinha adições
de uma data mais moderna; entretanto, o salão grande e
escuro no qual ela estava entrando era completamente
gótico e a tapeçaria suntuosa, que estava escuro demais
para distingui-la naquele momento, estava pendurada
nas paredes e retratava cenas de alguns dos antigos
romances provençais. Um vitral gótico amplo, adornado
com ranúnculos e madressilva que ascendiam em
direção ao sul, guiavam os olhos agora que as janelas
estavam escancaradas através dessa sombra verdejante,
sobre um gramado inclinado, até os topos da floresta
escura, que ficava sobre a beirada da península. Mais
além, apareciam as águas do Mediterrâneo, esticando-se
ao longe para o sul e para o leste, onde elas se perdiam
no horizonte; enquanto, ao nordeste, elas eram cercadas
pelas margens luxuosas de Languedoc e Provença,
enriquecidas com florestas e alegres com vinhedos e
pastagens inclinadas; e, ao sudeste, pelos majestosos
Pirineus, que agora desapareciam dos olhos sob a
escuridão gradual.
À medida que atravessava o salão, Blanche parou
por um momento para observar essa vista encantadora,
que a penumbra do entardecer escurecia, porém não
encondia. Mas ela foi rapidamente desperta do prazer
complacente, que essa cena havia difundido em sua
mente, pela condessa, que, descontente com tudo ao
redor e impaciente por comida e repouso, apressou-se
em direção a um grande salão cujo lambril de cedro
baixo, janelas pontudas e teto escuro de cipreste
esculpido, davam-lhes um aspecto de escuridão peculiar,
o qual o veludo verde desbotado das cadeiras e sofás,
com franjas douradas manchadas, outrora havia sido
designado para animar.
Enquanto a condessa perguntava por comida, o
conde, acompanhado de seu filho, foi olhar alguma parte
do castelo, e Lady Blanche relutantemente ficou para
testemunhar o descontentamento e mau humor de sua
madrasta.
“Há quanto tempo você mora neste lugar
desolado?”, disse a Lady para a velha governanta, que
vinha cumprir o seu dever.
“Fará mais de vinte anos, Lady, na próxima festa de
São Jerônimo.”
“Como é que você tem vivido aqui por tanto tempo,
e quase sozinha também? Eu entendi que o castelo ficou
fechado por alguns anos?”
“Sim, Madame, foi durante muitos anos depois que o
meu Lorde falecido, o conde, foi para as guerras; mas já
faz mais de vinte anos desde que eu e meu marido
viemos para esse serviço. O lugar é tão grande, e tem
sido tão solitário ultimamente, que nós ficamos perdidos
nele e depois de algum tempo fomos morar num chalé
no final da floresta, perto de alguns dos inquilinos, e
vínhamos tomar conta do castelo de vez em quando.
Quando o meu Lorde voltou das guerras para a França
ele tomou um desgosto pelo lugar e nunca mais voltou a
morar aqui, então ele ficou satisfeito com a gente
permanecendo no chalé. Ah... ah! Como o castelo mudou
do que era antes! Que alegria a minha Lady falecida
costumava ter com ele! Eu bem me lembro quando ela
veio para cá noiva e o quão fino ele era. Agora, foi
negligenciado por tanto tempo e ficou tão decadente! Eu
nunca verei aqueles dias novamente!”
Quando a condessa pareceu ficar um tanto ofendida
pela simplicidade impensada, com a qual a velha
lamentava tempos passados, Dorothee acrescentou:
“mas, agora o castelo será habitado e ficará alegre
novamente; o mundo inteiro não me tentaria a viver nele
sozinha”.
“Bom, o experimento não será feito, creio eu”, disse
a condessa, descontente que o seu próprio silêncio não
conseguiu amedrontar a loquacidade dessa velha
governanta rústica, que agora foi poupada de continuar
fazendo-lhe companhia pela entrada do conde, o qual
disse que estava vendo parte do castelo e descobriu que
ele iria requerer reparos consideráveis e algumas
alterações antes de ficar perfeitamente confortável como
um local de residência. “Eu lamento ouvir isso, meu
Lorde”, respondeu a condessa. “E lamentas por que,
Madame?” “Porque o lugar mal vai recompensar o seu
trabalho; e mesmo que fosse um paraíso, ele seria
insuportável a tal distância de Paris.”
O conde não respondeu, mas andou abruptamente
até uma janela. «Há janelas, meu Lorde, mas elas nem
admitem entretenimento, nem luz; elas mostram apenas
uma cena de natureza selvagem.”
“Eu estou perdido, Madame”, disse o conde,
“tentando supor o que você quis dizer com natureza
selvagem. Essas planícies ou essa floresta, ou esta bela
expansão de água merecem o nome?”
“Aquelas montanhas certamente merecem, meu
Lorde”, replicou a condessa, apontando para os Pirineus,
“e este castelo, embora não seja uma obra de natureza
rudimentar, é, pelo menos para o meu gosto, uma de
arte selvagem.” O conde ficou muito vermelho. “Este
lugar, Madame, foi obra dos meus ancestrais”, disse ele,
“e você deve me permitir dizer que a sua conversa
presente não demonstra nem bom gosto e nem boas
maneiras.” Blanche, chocada com essa briga, que
parecia estar aumentando e virando um
desentendimento sério, levantou-se para sair do cômodo,
quando a criada de sua mãe entrou nele; e a condessa,
imediatamente pedindo para ser levada até o seu
aposento, saiu, acompanhada pela Mademoiselle Bearn.
Como ainda não estava escuro, Lady Blanche usou
esta oportunidade para explorar cenas novas e, saindo
do salão, foi do corredor até uma galeria ampla, cujas
paredes estavam decoradas com pilastras de mármore
que suportavam um teto arcado, composto de um
trabalho rico de mosaicos. Através de uma janela
distante, que parecia terminar a galeria, eram vistas as
nuvens púrpuras da tarde e uma paisagens, cujos
aspectos, escondidos pelo véu fino do crepúsculo, não
aparecia mais distintamente, mas, misturada em uma
grande massa, estendia-se até o horizonte, colorido
apenas com uma cor de cinza solene.
A galeria terminou num salão, ao qual a janela que
ela tinha visto através de uma porta aberta pertencia;
mas, o entardecer em progresso só lhe permitia ter uma
visão imperfeita desse cômodo, que parecia ser
magnífico e de arquitetura moderna; embora tivesse ou
sido deixado se tornar decadente, ou nunca havia sido
concluído apropriadamente. As janelas, que eram
numerosas e grandes, desciam baixas e davam uma
vista muito extensa e, o que a imaginação de Blanche
representava ser, muito encantadora; ela ficou por algum
tempo inspecionando a escuridão cinza e retratando
bosques e montanhas imaginários, vales e rios, nessa
cena noturna; suas sensações solenes mais assistiram do
que interromperam, através do latido distante de um cão
de guarda e através da brisa, conforme ela tremia sobre
a folhagem leve dos arbustos. De vez em quando
aparecia por um instante, em meio à floresta, a luz de
um chalé; e, finalmente, o sino de um convento foi
ouvido, muito ao longe, desaparecendo no ar. Quando ela
removeu seus pensamentos desses objetos de
encantamento imaginário, a escuridão e o silêncio do
salão a assustaram um tanto; e, tendo procurado a porta
da galeria e seguido, durante um tempo considerável,
por uma passagem escura, ela chegou em uma sala, mas
uma totalmente diferente do que ela já havia visto antes.
Pelo entardecer admitido através de um pórtico aberto,
ela só conseguiu distinguir que este cômodo era de uma
arquitetura leve e arejada, e que era pavimentado com
mármore branco, pilares que suportavam o teto, que se
erguia em arcos construídos no estilo mourisco.
Enquanto Blanche ficou em pé nos degraus do pórtico, a
lua se ergueu sobre o mar e gradualmente revelou,
através da luz parcial, as belezas da eminência na qual
ela estava, de onde um gramado, agora rudimentar e
coberto pela grama alta, inclinava-se até a floresta que,
quase cercando o castelo, estendia-se numa grande
varredura pelos lados do sul da península até a margem
do oceano. Além da floresta, no lado norte, aparecia um
longo trato das planícies de Languedoc; e, ao leste, a
paisagem que ela havia visto antes na escuridão, com as
torres de um monastério iluminado pela lua, subindo
sobre os bosques escuros.
A cor suave e sombreada que se espalhava sobre a
cena, as ondas, tremendo no luar, e seus murmúrios
marcados na praia, eram circunstâncias que se uniam
para elevar a mente desacostumada de Blanche ao
entusiasmo.
“E eu tenho vivido neste mundo glorioso por tanto
tempo”, disse ela, “e nunca até agora admirei uma vista
assim – nunca experimentei essas maravilhas! Cada
camponesa no terreno de meu pai tem visto a face da
natureza desde a infância; expandiu-se, com liberdade,
em suas cenas da natureza românticas, que foram
criadas para encantar todos os olhos e despertar todos
os corações. Como podem as pobres freiras e freis
sentirem o fervor completo da devoção, se eles nunca
viram o sol nascer ou se pôr? Nunca, até esta noite, eu
soube o que a devoção verdadeira é; pois eu nunca havia
visto o sol afundar embaixo da terra vasta! Amanhã, pela
primeira vez em minha vida, eu o verei nascer. Oh, quem
moraria em Paris para olhar para paredes pretas e ruas
sujas quando, nesse interior, eles podem contemplar os
céus azuis e toda a terra verde!”
Este solilóquio entusiasmado foi interrompido por
um barulho do farfalho no salão; e, enquanto a solidão do
lugar a tornou sensível ao medo, ela pensou ter visto
algo se movendo entre as pilastras. Por um momento
continuou observando silenciosamente até que,
envergonhada de suas apreensões ridículas, reuniu
coragem o suficiente para perguntar quem estava lá:
“oh, minha jovem Lady, é você?”, disse a velha
governanta, quem tinha vindo fechar as janelas, “estou
feliz que seja você.” A maneira na qual ela disse isto com
um suspiro fraco surpreendeu Blanche um pouco, quem
disse: “você parece assustada, Dorothee, qual é o
problema?”
“Não, assustada não, Ma’amselle”, respondeu
Dorothee, hesitando e tentando parecer controlada, “mas
eu estou velha e... um problema pequeno já me assusta.”
Lady Blanche sorriu com a distinção. “Eu estou feliz que
meu Lorde veio morar no castelo, Ma’amselle”, continuou
Dorothee, “pois ele ficou muitos anos deserto e bastante
assustador; agora, o lugar vai parecer um pouco mais
com o que costumava ser quando a minha pobre Lady
era viva.” Blanche perguntou, quanto tempo fazia desde
que a marquesa morreu? “Ah! Minha Lady”, respondeu
Dorothee, “tanto tempo... que eu parei de contar os
anos! O lugar, para mim, esteve de luto desde então, e
tenho certeza que os vassalos do meu Lorde também!
Mas você se perdeu, Ma’amselle... eu devo levá-la até o
outro lado do castelo?”
Blanche perguntou há quanto tempo aquela parte
do edifício foi construída. “Logo após o casamento do
meu Lorde, Madame”, respondeu Dorothee. “O lugar era
grande o bastante sem essa adição, pois muitos quartos
do edifício antigo nunca foram nem mesmo usados, e o
meu Lorde tinha a criadagem de um príncipe também;
mas ele achava que a mansão antiga era sombria, e ela
é bem sombria!” Lady Blanche pediu para ser mostrada à
parte desabitada do castelo; e, como as passagens
estavam completamente escuras, Dorothee a conduziu
ao longo da beirada do gramado até o lado oposto do
edifício onde, com uma porta se abrindo para o salão
principal, ela foi encontrada pela Mademoiselle Bearn.
“Onde você estava por tanto tempo?”, perguntou ela.
“Eu tinha começado a pensar que alguma aventura
maravilhosa tinha acontecido a você e que o gigante
deste castelo encantado, ou o fantasma que sem dúvida
o assombra, havia lhe levado por um alçapão para
alguma cripta subterrânea de onde você nunca voltaria.”
“Não”, respondeu Blanche rindo, “você parece
gostar tanto de aventuras que eu as deixo para você
encontrá-las”.
“Bem, eu estou disposta a encontrá-las, desde que
me seja permitido descrevê-las.”
“Minha querida Mademoiselle Bearn”, disse Henri,
quando a encontrou na porta do salão, “nenhum
fastasma dos dias atuais seria tão selvagem a ponto de
lhe impor o silêncio. Nossos fantasmas são muito
civilizados para condenarem uma dama a um purgatório
ainda mais severo do que os deles próprios, seja lá o que
isso for”.
Mademoiselle Bearn respondeu apenas com uma
risada; e, com o conde entrando na sala, a ceia foi
servida, durante a qual ele falou pouco, parecia estar
frequentemente abstraído da companhia, e mais de uma
vez comentou que o lugar estava muito diferente desde
a última vez que ele o havia visto. “Muitos anos se
passaram desde aquele período”, disse ele; “e, apesar
dos aspectos grandiosos do cenário não admitirem
mudança alguma, eles me impressionam com sensações
muito diferentes daquelas que eu experimentei antes”.
“Essas cenas, senhor”, disse Blanche, “já foram
mais encantadoras do que agora? Para mim isso não
parece ser possível.” O conde, olhando para ela com um
sorriso melancólico, disse: “elas já foram tão
encantadoras para mim outrora quanto são para você
agora; a paisagem não mudou, mas o tempo me mudou;
da minha mente a ilusão que deu um espírito ao colorido
da natureza está desaparecendo rapidamente! Se você
viver, minha querida Blanche, para visitar esse local de
novo com a distância de muitos anos, talvez você se
lembre e entenda os sentimentos de seu pai”.
Comovida com essas palavras, Lady Blanche
permaneceu em silêncio; ela estava ansiosa pelo período
que o conde antecipava, e pensava que ele, que estava
falando agora, não estaria mais vivo, então seus olhos,
voltados para o chão, encheram-se de lágrimas. Ela deu
a mão para seu pai, que, sorrindo afetuosamente,
levantou-se de sua cadeira e foi para uma janela
esconder suas emoções.
As fadigas do dia fizeram o grupo se separar cedo,
quando Blanche foi através de uma longa galeria de
carvalho até o seu quarto, cujas paredes espaçosas e
imponentes, janelas antiquadas e altas e o seu ar
sombrio, que era um efeito disso, não a reconciliaram
com sua localização remota neste edifício antigo. A
mobília também era antiga; a cama era de um tecido
adamascado azul, aparado com uma renda dourada
manchada e o seu dossel alto subia no formato de uma
abóbada, de onde as cortinas desciam como aquelas de
tendas que às vezes são mostradas em pinturas antigas
e, de fato, lembrando muito aquelas exibidas na
tapeçaria pendurada no quarto. Para Blanche cada coisa
aqui era um motivo de curiosidade; e, pegando a luz de
sua criada para examinar a tapeçaria, viu que ela
mostrava algumas cenas de Tróia, embora a lã quase
sem cor zombasse das ações brilhantes que outrora
mostrara. Ela riu com o absurdo ridículo que estava
observando até que, lembrando-se de que as mãos que a
teceram estavam, como o poeta cujos pensamentos de
fogo elas tentaram expressar, moldadas em pó há muito
tempo, uma sequências de ideias tristes se passaram em
sua mente e ela quase chorou.
Depois de dar à sua criada uma instrução estrita
para acordá-la antes do sol nascer, ela a dispensou; e,
então, para dissipar a escuridão, que a reflexão havia
lançado sobre a sua disposição, abriu uma das janelas e
foi alegrada novamente pela face da natureza viva. A
terra nas sombras, o ar e o oceano – tudo estava quieto.
Ao longo da serenidade profunda dos céus, algumas
nuvens leves flutuavam lentamente, através de cujas
bordas as estrelas pareciam ora tremer, ora emergir com
um esplendor ainda mais puro. Os pensamentos de
Blanche ascenderam involuntariamente ao Grande Autor
das coisas sublimes que ela contemplava, e ela fez uma
oração com uma devoção mais pura do que já havia feito
antes sobre o teto abobadado de um convento. Nessa
janela ela permaneceu até que as sombras da meia-noite
se estenderam sobre a vista. Então, foi para o seu
travesseiro e, “com visões alegres do amanhã”, foi para
aquele doce sono, que somente a saúde e a inocência
feliz conhecem.
Amanhã para florestas frescas e pastos novos.[28]
CAPÍTULO XI

Que emoção é reviver nossas brincadeiras


antigas,
Nosso êxtase juvenil, quando a felicidade
acrescentava em tudo
A floresta, as montanhas e a confusão gorjeiante
Dos riachos agitados!
THOMSON [ 2 9 ]

O sono de Blanche continuou muito após a hora que


ela havia antecipado tão impacientemente, pois sua
criada, exausta da viagem, não a chamou até que o café
da manhã estivesse quase pronto. O seu
desapontamento, entretanto, foi esquecido
instantaneamente, quando, ao abrir a janela, ela viu de
um lado o mar brilhando com os raios da manhã, com
suas velas correndo e remos aparecendo rapidamente; e
do outro a floresta fresca, as planícies se estendendo e
as montanhas azuis, todas brilhando com o esplendor do
dia.
Quando inspirou a brisa pura, a saúde colocou uma
cor mais forte em seu rosto e o prazer dançava em seus
olhos.
“Quem foi o primeiro a inventar conventos!”,
exclamou ela. “E quem conseguiu convencer pessoas a
irem para eles primeiro? E também a tornar a religião
uma farsa, na qual tudo que deveria inspirá-la fica tão
cuidadosamente deixado de fora! Deus fica mais
contente com a reverência de um coração agradecido, e
quando nós vemos as suas glórias ficamos mais
agradecidos. Eu nunca senti tanta devoção durante os
muitos anos tediosos que passei no convento, quanto
senti nas poucas horas em que estive aqui, onde eu só
preciso olhar para tudo ao meu redor para adorar a Deus
no fundo do meu coração!”
Dizendo isso ela saiu da janela, seguiu ao longo da
galeria e, no instante seguinte, estava na sala de café da
manhã, onde o conde já estava sentado. A alegria de um
sol brilhante havia dispersado as sombras melancólicas
das reflexões dele, um sorriso agradável estava em seu
rosto e ele falava com Blanche com uma voz animadora,
cujo coração ecoava de volta o mesmo tom. Henri e, logo
depois, a condessa acompanhada pela Mademoiselle
Bearn, apareceram e o grupo inteiro pareceu reconhecer
a influência do cenário; até mesmo a condessa estava
bastante reanimada a ponto de receber as civilidades de
seu marido com complacência, e só se esqueceu de seu
bom humor uma vez, quando perguntou se eles tinham
vizinhos que pudessem tornar esse lugar bárbaro mais
tolerável, e se o conde acreditava ser possível que ela
vivesse ali sem algum entretenimento.
Logo após o café da manhã, o grupo se dispersou; o
conde, ordenando seu mordomo que o acompanhasse
até a biblioteca, foi avaliar as condições do local e visitar
alguns de seus inquilinos; Henri correu com
espontaneidade até a costa para examinar um barco,
que iria levá-los numa pequena viagem à noite e para
supervisionar o ajuste de um toldo de seda; enquanto a
condessa, acompanhada por Mademoiselle Bearn, foi
para um quarto no lado moderno do castelo, o qual era
equipado com elegância arejada; e, como as janelas se
abriam para varandas que ficavam de frente para o mar,
ela foi salva de uma visão dos Pirineus horrendos. Ali,
enquanto se reclinava num sofá e, colocando seus olhos
sobre o oceano, que aparecia além dos topos das
árvores, satisfazendo os luxos do tédio, sua companheira
lia em voz alta um romance sentimentalista sobre algum
sistema de filosofia elegante, pois a própria condessa era
um tanto filósofa, especialmente na questão da
infidelidade, e dentro de certo círculo as suas opiniões
eram aguardadas com impaciência e recebidas como
doutrinas.
Enquanto isso, Lady Blanche se apressou em
satisfazer seu novo entusiasmo em meio às trilhas
desertas da floresta ao redor do castelo onde, ao passo
que passeava sob as sombras, sua disposição alegre
gradualmente cedeu à complacência pensativa. Agora
ela se movia com passos solenes embaixo da escuridão
dos galhos entremeados, onde o orvalho fresco ainda
estava sobre cada flor que espiava entre a grama; e
agora ia saltando divertidamente ao longo do caminho,
no qual os raios de sol passavam e a folhagem
quadriculada tremia; onde os verdes ternos da faia, da
acácia e do eucalipto, misturando-se às cores solenes do
cedro, do pinheiro e do cipreste, exibiam um contraste de
cor tão fino quanto o carvalho majestoso e o plátano
oriental formam com a leveza do sobreiro e a graça
ondulante do álamo.
Tendo chegado a um banco rústico dentro de um
recuo na floresta, ela descansou um pouco e, quando
seus olhos capturaram através de uma abertura distante
uma visão rápida das águas azuis do Mediterrâneo, com
a vela branca deslizando em seu seio, ou da montanha
larga brilhando sobre o sol do meio-dia, sua mente
experimentou um pouco daquele prazer extraordinário, o
qual desperta a imaginação e leva à poesia. Só o
murmúrio de abelhas quebrava o silêncio ao seu redor
quando, junto com outros insetos de várias cores, elas
brincavam alegremente nas sombras, ou bebericavam
doçuras das flores frescas. À medida que Blanche
observava uma borboleta voando de flor em flor, ela se
permitiu imaginar os prazeres do seu dia tão curto até
que compôs os seguintes versos:
A BORBOLETA VOA PARA O SEU AMOR[30]
Que vale encoberto, que perfume cheiroso
Corteja-a para parar teu voo;
Sem buscar novamente os arbustos púrpuras,
Que tantas vezes foram a cena de um prazer alegre?
Por muito tempo eu observei no cálice do lírio,
Cuja brancura roubava o brilho da manhã;
Nenhum som flutuante teu vinha,
Nenhuma asa batendo brilhava na distância.
Mas a fonte fresca, não o bosque exalante,
Não o campo ensolarado, nem a árvore em flor,
Tão doce quanto o corpo do lírio provará ser,
O refúgio de amor constante e de mim.
Quando os botões começam a se abrir,
A prímula e a bluebell,
Que crescem no musgo da encosta verdejante,
Com cálices violetas, que choram com orvalho;
Quando temporais violentos respiram pelas sombras,
E balançam os brotos e roubam sua doçura,
E fazem aumentar a canção de toda clareira,
Eu percorro os refúgios verdes da floresta.
Lá, pela brincadeira de trilhas entremeadas,
Onde nenhum ouriço grosseiro passa por perto,
Onde o dia abafado espia escassamente,
E o orvalho leve refresca todo o ar.
No alto de um raio de sol eu me divirto muitas vezes
Sobre caramanchões e fontes, vales e colinas;
Muitas vezes sobre cada jardim florido envergonhado,
Que pendura sua cabeça sobre o riacho que serpenteia.
Mas eu deixarei que estes sejam os teus guias,
E lhe mostrem onde o jasmim espalha
As suas folhas enevoadas, onde várias flores de Maio se
escondem,
E botões de rosa erguem suas cabeças curiosas.
Escale o pico da montanha comigo,
E prove o mel da flor do tomilho selvagem,
Cuja fragância, flutuando na ventania,
Muitas vezes me leva até a sombra do cedro.
Porém, porém, nenhum som vem com a brisa!
Então qual sombra ousa lhe tentar a ficar parada?
Outrora só a mim desejavas agradar,
E somente comigo querias passear.
Mas, enquanto tua longa demora eu lamento,
E esbravejo com as doces sombras pela malícia delas,
Tu podes ser verdadeira, e elas desamparadas,
E favores das fadas cortejam teu sorriso.
A pequena rainha da terra das fadas,
Quem sabe de tua velocidade, mandou-a para longe
Para trazer, ou vigiar durante a noite,
Uma essência rica para o seu carro sombreado:
Talvez para encher seus cálices em forma de noz
Com o néctar da rosa indiana,
Ou coletar, perto de algum riacho assombrado,
O orvalho de Maio, que adormece as dores do amor:
Ou, sobre as montanhas lhe mandou voar,
Para dizer ao amor da fada para acelerar
Quando o entardecer toma conta do céu,
Para dançar ao longo da campina no crepúsculo.
Mas agora eu lhe vejo passando baixo,
Alegre como as flores mais claras da primavera,
Tua capa azul e preta eu conheço,
E conheço bem tua asa dourada e roxa.
Trazida pela ventania, tu vens para mim;
Oh, bem-vinda, bem-vinda ao meu lar!
No corpo do lírio nós viveremos em alegria,
Juntas passearemos sobre as montanhas!
Quando Lady Blanche voltou para o castelo, ao invés
de ir para o aposento da condessa, ela se entreteve
caminhando por aquela parte do edifício que não havia
examinado ainda, do qual a parte mais antiga atraiu sua
curiosidade primeiro; pois, embora o que ela tivesse visto
da moderna fosse alegre e elegante, havia algo na
primeira mais interessante para sua imaginação. Depois
de ter passado pela grande escadaria e pela galeria de
carvalho, entrou numa longa suíte de quartos, cujas
paredes ou tinham tapeçarias penduradas, ou lambris de
cedro, a mobília dos quais parecia quase tão antiga
quanto os próprios quartos; as lareiras espaçosas, onde
nenhuma marca de diversão social aparecia, apresentava
uma imagem de desolação fria; e a suíte inteira tinha
tanto um ar de negligência e deserção que parecia como
as pessoas veneráveis, cujos retratos estavam
pendurados nas paredes, haviam sido as últimas a
habitá-los.
Ao deixar esses quartos, ela se encontrou em outra
galeria, um lado da qual era terminado por uma escada
de trás, e o outro por uma porta, que parecia se
comunicar com o lado norte do castelo, mas que ao estar
trancada, ela desceu pela escada e, abrindo uma porta
na parede alguns degraus abaixo, encontrou-se em um
pequeno quarto quadrado que fazia parte da torre oeste
do castelo. Três janelas apresentavam uma vista linda e
separada cada uma; a do norte olhava sobre Languedoc;
outra a oeste, as colinas ascendendo em direção aos
Pirineus, cujos picos terríveis coroavam a paisagem; e
uma terceira, encarando o sul, mostrava o Mediterrâneo
e uma parte das margens desertas de Rousillon para os
olhos.
Depois de sair da torre e descer pela escadaria
estreita, ela se encontrou em uma passagem escura,
onde vagueou não conseguindo encontrar seu caminho,
até que a impaciência cedeu à apreensão e ela chamou
ajuda. Imediatamente passos se aproximaram, e uma luz
brilhou através de uma porta na outra extremidade da
passagem, a qual foi aberta com cautela por alguma
pessoa, que não se aventurou a ir além dela, e que
Blanche observou em silêncio até que a porta estava se
fechando, quando chamou em voz alta e, correndo em
direção a ela, viu a velha governanta. “Querida
Ma’amselle! É você?”, disse Dorothee. “Como você
conseguiu achar o caminho até aqui? Se Blanche
estivesse menos preocupada com seus próprios medos
ela provavelmente teria visto a expressão forte de terror
e surpresa no rosto de Dorothee, que a guiava através de
uma longa sucessão de passagens e quartos, que
pareciam que não eram habitados há séculos, até que
elas chegaram naquele apropriado para a governanta,
onde Dorothee pediu que ela se sentasse e comesse
algo. Blanche aceitou as carnes doces oferecidas a ela,
mencionou sua descoberta da torre agradável e o seu
desejo de se apropriar dela para o seu próprio uso. Quer
o gosto de Dorothee não fosse sensível às belezas da
paisagem quanto o de sua jovem Lady, quer a visão
constante do cenário encantador tivesse adormecido
este, ela evitou elogiar o motivo para o entusiasmo de
Blanche, o qual, todavia, o silêncio dela não reprimiu. À
pergunta de Blanche sobre para onde a porta que ela
havia encontrado trancada no final da galeria levava, ela
respondeu que aquela dava para uma suíte de quartos
nos quais não se entrava há muitos anos. “Pois”,
acrescentou, “a minha Lady falecida morreu num deles e
eu nunca consegui entrar lá desde então.”
Blanche, embora quisesse visitar esses quartos, ao
ver que os olhos de Dorothee estavam cheios de
lágrimas, evitou pedir a ela que os destrancasse e logo
em seguida foi se vestir para o jantar, no qual o grupo
inteiro se reuniu com boa disposição e bom humor,
exceto a condessa, cuja mente desocupada tomada pelo
langor da ociosidade não a deixava nem ficar feliz, nem
contribuir para a felicidade alheia. Mademoiselle Bearn,
tentanto ser perspicaz, dirigiu suas brincadeiras para
Henri, que respondeu por que não conseguiu evitá-lo, ao
invés de por qualquer inclinação a dar atenção a ela, cuja
vivacidade, às vezes, entretinha-o, mas cuja presunção e
insensibilidade muitas vezes o enojava.
A alegria com a qual Blanche se reuniu ao grupo
desapareceu quando ela alcançou a margem do mar;
contemplou com apreensão a expansão imensa das
águas, que de longe ela havia observado apenas com
deleite e surpresa, e foi com um forte esforço que
superou seus medos a ponto de seguir seu pai para
dentro do barco.
Enquanto ela examinava o horizonte vasto
silenciosamente, curvando-se ao redor da borda distante
do oceano, uma emoção do êxtase mais sublime lutou
para ultrapassar um senso de perigo. Uma brisa leve
brincava na água e no toldo de seda do barco, e
balançava a folhagem da floresta recendente que
coroava as colinas por muitas milhas, e que o conde
observou com orgulho de propriedade consciente,
também com o olhar do gosto.
Um tanto distante, em meio a essa floresta, ficava
um pavilhão, que já fora uma cena de divertimento social
e o qual a sua localização ainda o tornava um local de
beleza romântica. De lá o conde pediu que café e outros
lanches fossem trazidos, e os marujos mudaram seu
curso, seguindo as curvas da margem ao redor de muitas
penínsulas arborizadas e baías que as circulavam;
enquanto as notas pensativas de trompetes e outros
instrumentos de sopro, tocados pelos serventes em um
barco distante, ecoavam entre os rochedos e morriam ao
longo das ondas. Blanche havia subjugado seus medos;
uma tranquilidade maravilhosa tomou conta de sua
mente e a manteve em silêncio; ela ficou demasiado feliz
até mesmo em se lembrar do convento, ou de suas
tristezas antigas, como motivos de comparação com a
sua felicidade atual.
A condessa se sentiu menos infeliz do que havia se
sentido desde o momento em que deixou Paris; pois sua
mente estava sob algum grau de restrição agora; ela
temia satisfazer seus humores caprichosos e desejava
até mesmo recuperar a boa opinião do conde. Para a sua
família e para o cenário ao redor ele olhava com um
prazer temperado e uma satisfação benevolente,
enquanto seu filho exibia a disposição animada da
juventude, antecipando novos deleites e sem lamentar
aqueles que haviam passado.
Após quase uma hora remando, o grupo
desembarcou e subiu por um pequeno caminho, coberto
por vegetação. Um pouco distante da elevação dentro do
recuo sombreado da floresta aparecia o pavilhão, o qual
Blanche avistou ao ter uma visão rápida do seu pórtico
entre as árvores, que era feito de mármore matizado.
Enquanto seguia a condessa, ela muitas vezes voltava
seus olhos com êxtase para o oceano, visto sob a
folhagem escura muito abaixo, e de lá para a floresta
espessa, cujo silêncio e escuridão impenetrável
despertaram emoções mais solenes, mas não menos
maravilhosas.
O pavilhão havia sido preparado, tanto quanto era
possível com um aviso tão repentino, para a recepção de
seus visitantes; mas as cores desbotadas de suas
paredes e tetos pintados, e a tapeçaria decadente de sua
mobília outrora magnífica, declaravam há quanto tempo
ele havia sido negligenciado e abandonado ao império
das estações transitórias. Enquanto o grupo partilhava
uma refeição leve de café e frutas, os trompetes
quebravam suavemente o silêncio da cena, localizados
em uma parte distante da floresta, onde um eco
prolongava suas notas melancólicas e as deixava mais
doces. Esse lugar parecia atrair a admiração até mesmo
da condessa, ou talvez fosse meramente o prazer de
planejar mobília e decorações que a fez se demorar tanto
na necessidade de consertá-lo e adorná-lo; enquanto o
conde, nunca mais feliz do que quando sua mente estava
engajada com coisas simples e naturais, aquiesceu com
todos os desejos dela com relação ao pavilhão. As
pinturas nas paredes e o teto arcado seriam renovados,
os dosséis e sofás seriam de tecido adamascado verde
claro; estátuas de mármore de ninfas da floresta,
trazendo cestas de flores em suas cabeças, adornariam
os intervalos entre as janelas, as quais, descendo até o
chão, admitiriam a paisagem variada de toda parte do
salão, e este era de formato octogonal. Uma janela se
abria para uma clareira romântica, onde os olhos
vagavam pelos recessos dos bosques e a cena somente
era contornada por uma pompa de bosques comprida; de
outra, o bosque recendia exibindo os picos distantes dos
Pirineus; uma terceira ficava de frente para uma estrada,
além da qual as torres cinza de Chateau-le-Blanc e uma
parte pitoresca de suas ruínas eram vistas parcialmente
através da folhagem, uma visão rápida dos pastos verdes
e vilarejos que diversificavam as margens do rio Aude. O
Mediterrâneo, com as colinas audaciosas que
sobreolhavam suas encostas, era o grande foco de uma
quinta janela, e as outras ofereciam de diferentes pontos
de vista o cenário selvagem da floresta.
Após passear por algum tempo, o grupo retornou
para a margem e embarcou; com a beleza da tarde os
tentando a extender sua excursão, eles prosseguiram
baía acima. Uma calmaria silenciosa havia sucedido a
brisa leve que os soprava para lá, e os homens tomaram
seus remos. Ao redor, as águas estavam esticadas na
vasta expansão de um espelho polido, refletindo as
colinas cinzentas e a floresta que pendiam sobre a sua
superfície, o brilho do horizonte ocidental e das nuvens
escuras que vinham lentamente do leste. Blanche amava
ver os remos submergindo e deixando impressões na
água, e observar os círculos que se abriam formados por
eles, os quais davam um movimento trêmulo à paisagem
refletida sem destruir a harmonia de seus aspectos.
Sobre a escuridão da floresta, seus olhos viram um
aglomerado de torres altas, tocadas com o esplendor dos
raios poentes; e, logo em seguida, com os trompetes
ficando silenciosos, ela ouviu um fraco coro de vozes ao
longe.
“Que vozes são essas no ar?”, perguntou o conde,
olhando em volta e escutando; mas a melodia havia
parado. “Parecia ser um hino de missa, o qual eu ouvi
muitas vezes em meu convento”, disse Blanche.
“Então estamos perto do mosteiro”, observou o
conde; e quando o barco passou por um cabo alto logo
em seguida, o mosteiro de Santa Clara apareceu, situado
próximo à margem do mar onde as colinas, afundando de
repente, formavam uma encosta baixa dentro de uma
pequena baía, quase circulada por floresta, em meio à
qual aspectos parciais do edifício eram vistos; o portão
principal e a janela gótica do corredor, os corredores e a
lateral de uma capela mais remotos; enquanto uma
arcada venerável, que outrora levava para uma parte da
construção que agora estava demolida, ficava numa
ruína majestosa separada do prédio principal, além da
qual aparecia uma visão grandiosa da floresta. Nas
paredes cinzentas o musgo havia se espalhado e, ao
redor das janelas pontudas da capela, a hera e a bryonia
estavam penduradas em muitas grinaldas fantásticas.
Tudo lá fora estava silencioso e abandonado; mas,
enquanto Blanche contemplava esse conjunto venerável
com admiração, cujo efeito era acentuado pelas luzes
fortes e sombras eram formadas atravessando-a por um
pôr do sol nublado, o som de muitas vozes cantando
lentamente veio lá de dentro. O conde ordenou que os
homens descansassem seus remos. Os monges estavam
entoando o cântico da missa noturna e algumas vozes
femininas se misturavam à melodia, que aumentava
suavemente até o órgão alto e os sons do coral
crescerem numa harmonia completa e solene. A melodia,
logo depois, tornou-se um silêncio súbito e foi renovada
numa nota mais baixa e ainda mais solene até que,
finalmente, o coral sagrado sumiu e não foi mais ouvido.
Blanche suspirou, lágrimas tremiam em seus olhos e
seus pensamentos pareciam flutuar com os sons em
direção ao céu. Enquanto um silêncio extasiado tomou
conta do barco, uma sucessão de freis e depois de freiras
com véus brancos vieram dos corredores da capela e
passaram, sob a sombra das árvores, em direção à parte
principal do edifício.
A condessa foi a primeira de seu grupo a despertar
dessa pausa de silêncio:
“Esses cânticos funestos deixam as pessoas
bastante melancólicas”, disse ela; “a noite está vindo;
por favor, vamos voltar, ou ficará escuro antes de
chegarmos em casa.”
Olhando para cima, o conde viu que o crepúsculo da
tarde seria antecipado pela chuva que se aproximava. No
leste uma tempestade estava se formando; uma
escuridão densa veio, opondo-se e formando um contrate
com o esplendor brilhante do sol poente. As aves
marinhas clamorosas rasparam a superfície da água em
círculos ligeiros, molhando as pontas de suas asas na
onda, enquando fugiam em busca de abrigo. Os criados
no barco mexiam seus remos com força; mas o trovão
que murmurou ao longe, e as gotas grandes que
começaram a formar covinhas na água, fizeram o conde
decidir voltar ao mosteiro para conseguir abrigo e o
curso do barco foi mudado imediatamente. Conforme as
nuvens se aproximaram do oeste, sua escuridão sinistra
mudou para um brilho avermelhado forte, que através do
reflexo parecia incendiar os topos da floresta e as torres
despedaçadas do mosteiro.
A aparência dos céus assustou a condessa e
Mademoiselle Bearn, cujas expressões de medo afligiram
o conde e deixaram seus criados perplexos; enquanto
Blanche continuava em silêncio, ora agitada de medo,
ora de admiração, ao ver a grandeza das nuvens e o seu
efeito sobre o cenário, e escutava os estrondos muito,
muito longos dos trovões que rolavam pelo ar.
Quando o barco alcançou o gramado em frente ao
mosteiro, o conde enviou um criado para anunciar a sua
chegada e pedir abrigo para o superior, que logo em
seguida apareceu no portão principal, acompanhado por
vários freis, enquanto o criado voltava com uma
mensagem expressando de uma vez hospitalidade e
orgulho, mas o orgulho escondido na submissão. O grupo
imediatamente desembarcou e, depois de atravessar o
gramado apressadamente, pois a chuva estava forte,
foram recebidos no portão pelo superior, que, enquanto
eles entravam, estendeu suas mãos e lhes deu a sua
benção; eles foram para o salão principal onde a madre
abadessa aguardava, acompanhada por várias freiras,
vestidas, como ela, de preto e com véus brancos. O véu
da madre abadessa, contudo, estava parcialmente
jogado para trás e revelava um rosto cuja dignidade
casta era suavizada pelo sorriso de boas-vindas, com o
qual se dirigiu à condessa, que ela guiou, com Blanche e
Mademoiselle Bearn, para a sala de estar do convento,
enquanto o conde e Henri eram conduzidos ao refeitório
pelo superior.
Fatigada e descontente, a condessa recebeu a
educação da madre abadessa com uma arrogância
descuidada e a seguiu com passos indolentes até a sala
de estar, na qual as janelas pintadas e o lambril de
madeira de lariço lançavam uma sombra melancólica o
tempo todo, e onde as trevas da noite quase produziam
escuridão completa.
Enquanto a madre abadessa pedia lanches e
conversava com a condessa, Blanche foi para uma
janela, cujos vidros mais baixos, por não serem pintados,
permitiram-lhe observar o progresso da tempestade
sobre o Mediterrâneo, cujas ondas escuras que haviam
dormido recentemente agora cresciam audaciosamente
em longa sucessão em direção à costa, onde elas se
quebravam em espuma branca e lançavam um spray alto
nos rochedos. Um vermelho sulfúrico se espalhou sobre a
longa linha de nuvens que estava sobre o horizonte
ocidental, embaixo de cujas bordas escuras o sol olhava
para fora, iluminando as margens distantes de
Languedoc tal como os tufos das florestas mais próximas,
e lançava um brilho parcial nas ondas do ocidente. O
resto da cena estava numa escuridão profunda, exceto
onde um raio de sol, correndo entre as nuvens, olhava
rapidamente para as asas da ave marinha que circulava
no alto sobre elas, ou tocava a vela de um barco que era
visto passando pela tempestade com esforço. Durante
algum tempo, Blanche observou o progresso da barca
ansiosamente, enquanto esta lançava as ondas ao seu
redor na espuma e, quando os relâmpagos brilhavam,
olhava para os céus se abrindo com muitos suspiros pelo
destino dos pobres marinheiros.
O sol, finalmente, pôs-se e as nuvens carregadas,
que há muito tempo estavam pairando, sumiram com o
esplendor do curso dele; o barco, todavia, ainda era visto
pelo escuro e Blanche contuinuou a observá-lo até que a
sucessão rápida de clarões, iluminando a escuridão do
horizonte inteiro, alertou-a a sair da janela e ela se
juntou à madre abadessa, que, tendo gasto todos os seus
assuntos para conversa com a condessa, teve o lazer de
reparar nela.
Mas, a conversa delas foi interrompida por estrondos
tremendos de trovão; e o sino do mosteiro, tocando logo
em seguida, convocou os habitantes à oração. Enquanto
Blanche passava pela janela, deu outra olhada para o
oceano onde, com o clarão momentâneo que iluminou o
corpo de água vasto, ela distinguiu o barco que havia
visto antes, partindo as ondas em meio a um mar de
espuma, quando o mastro se curvava em direção a elas,
e depois se erguia alto no ar.
Ela suspirou fervorosamente enquanto observava, e
então seguiu a madre abadessa e a condessa até a
capela. Enquanto isso, alguns dos criados do conde,
depois de irem por terra até o castelo para procurar
carruagens, voltaram logo após a missa ser concluída
quando, já que a chuva havia diminuído um pouco, o
conde e sua família voltaram para casa. Blanche ficou
surpresa ao descobrir o quanto as curvas das margens
haviam a enganado quanto à distância do castelo até o
mosteiro, cujo sino missal ela havia ouvido na noite
anterior das janelas do salão oeste, e cujas torres ela
também teria visto de lá se o crepúsculo não as tivesse
encoberto.
Em sua chegada ao castelo, a condessa, fingindo
mais fadiga do que realmente sentia, foi para o seu
aposento e o conde, com sua filha e Henri, foi para o
salão de jantar, onde eles não haviam ficado por muito
tempo quando ouviram, numa pausa da rajada de vento,
armas atirando, as quais o conde, entendendo que eram
sinais de apuros de algum barco na tempestade, foi até
uma janela que se abria em direção ao Mediterrâneo
para observar melhor; mas o mar estava envolto em
escuridão absoluta e os uivos altos da tempestade
haviam ultrapassado qualquer outro som. Lembrando-se
do barco que havia visto antes, Blanche juntou-se a seu
pai tremendo de ansiedade. Em alguns instantes o
barulho de armas foi trazido novamente com o vento, e
foi soprado para longe tão repentinamente quanto; uma
explosão tremenda de trovão se seguiu e, no clarão que
a precedeu e o que pareceu tremer sobre toda a
superfície das águas, uma embarcação foi descoberta
sendo jogada em meio à espuma branca das ondas um
pouco longe da margem. A escuridão impenetrável
envolveu a cena novamente, mas logo um segundo
clarão mostrou o barco com uma vela desenrolada,
dirigindo em direção à costa. Blanche se segurou no
braço de seu pai com olhares cheios da agonia do terror
e da pena unidos, os quais foram necessários para
despertar o coração do conde, que olhou para o mar com
uma expressão de piedade e, percebendo que nenhum
barco poderia sobreviver à tempestade, não enviou um;
mas deu ordens a seus criados que carregassem tochas
para as colinas, esperando que eles funcionassem como
um tipo de farol para a embarcação, ou, no mínimo, que
alertassem a tripulação sobre os rochedos que estavam
se aproximando. Enquanto Henri saiu para dirigir em qual
parte da colina as luzes deveriam aparecer, Blanche ficou
com seu pai na janela, vendo o barco rapidamente,
quando os relâmpagos brilhavam de vez em quando; e
logo ela viu, com esperança renovada, as tochas
brilhando no escuro da noite, e lançando um brilho
avermelhado sobre as ondas que arfavam, enquanto
balançavam sobre as colinas. Quando o disparo de armas
foi repetido, as tochas foram jogadas para cima no ar,
como se respondendo ao sinal, e os disparos foram então
redobrados; mas apesar do vento ter levado o som para
longe enquanto os relâmpagos brilhavam, ela pensou
que o barco estava muito mais perto da costa.
Os criados do conde eram vistos correndo de um
lado para o outro nos rochedos; alguns se aventuravam
quase até a ponta dos precipícios e, curvando-se para
frente, estendiam suas tochas presas a postes longos;
enquanto outros, cujos passos só podiam ser seguidos
pelo curso das luzes, desciam o caminho íngreme e
perigoso que serpenteava até a margem do mar e com
gritos altos chamavam os marinheiros, cujo assobio
estridente e vozes fracas eram ouvidos em intervalos se
misturando com a tempestade. Gritos repentinos das
pessoas nos rochedos aumentaram a ansiedade de
Blanche para um grau quase intolerável, mas o seu
suspense, com relação ao destino dos marinheiros, logo
acabou quando Henri, entrando na sala correndo e sem
fôlego, disse que o barco estava ancorado na baía
abaixo, mas, numa condição tão despedaçada que temia
que ele se partisse antes que a tripulação conseguisse
desembarcar. O conde deu ordens, imediatamente, para
que os seus próprios barcos fossem ajudar a trazê-los
para a costa e que aqueles dentre os estranhos
desafortunados que não pudessem ser acomodados no
vilarejo adjacente fossem mantidos no castelo. Entre os
últimos estavam Emily St. Aubert, Monsieur Du Pont,
Ludovico e Annette, que, tendo embarcado em Leghorn e
alcançado Marselha, de lá foram cruzando o Golfo de
Lion, quando essa tempestade os tomou. Eles foram
recebidos pelo conde com a sua bondade de costume,
que, apesar de Emily querer prosseguir imediatamente
para o mosteiro de Santa Clara, não a deixou sair do
castelo naquela noite; e de fato, o terror e a fadiga que
ela havia sofrido não teriam a permitido ir mais longe.
Monsieur Du Pont e o conde descobriram um antigo
conhecido, muita alegria e congratulação se passou
entre eles, após as quais Emily foi apresentada à família
do conde por nome, cuja benevolência hospitaleira
dissipou o pequeno constrangimento que sua situação
havia causado nela, o grupo logo se sentou à mesa de
jantar. A bondade genuína de Blanche e a alegria
animada que ela expressava quanto ao salvamento dos
estranhos, por quem a sua piedade havia se interessado
muito, gradualmente reavivou a disposição lânguida de
Emily; e Du Pont, aliviado desses terrores por ela e por si
próprio, sentiu o contraste completo entre a sua última
situação em um oceano escuro e tremendo, e o seu
presente, em uma mansão alegre onde ele estava
rodeado de fartura, elegância e sorrisos de boas-vindas.
Enquanto isso, na sala dos criados, Annette estava
contando todos os perigos que havia enfrentado e se
parabenizando tão sinceramente pelo seu próprio
resgate e o de Ludovico, e pelos seus confortos atuais,
que muitas vezes fez aquela parte inteira do castelo
ressoar com diversão e risada. A disposição de Ludovico
estava tão alegre quanto a dela própria, mas ele tinha
discrição o suficiente para se conter e tentava controlar a
sua alegria, apesar disso ser em vão, até que a risada
dela, enfim, subiu até o aposento de minha Lady, que
enviou alguém para descobrir o que causava tanto
tumulto no castelo e comandar que fizessem silêncio.
Emily saiu cedo para procurar o repouso de que
tanto precisava, mas seu travesseiro ficou sem sono por
muito tempo. Com o retorno ao seu país nativo, muitas
lembranças interessantes foram despertadas; todos os
eventos e os sofrimentos que ela havia experimentado
desde que o deixou vieram a sua mente numa longa
sucessão e só foram afastados pela imagem de
Valancourt, com quem ela acreditava estar no mesmo
país, mais uma vez, após ficarem separados por tanto
tempo e com tamanha distância, o que lhe deu emoções
de uma alegria indescritível, mas que depois cederam à
ansiedade e apreensão, quando ela considerou o longo
período que havia se passado desde que qualquer carta
havia sido trocada entre eles, e o quão mais podia ter
acontecido neste intervalo para afetar a sua paz futura.
Mas, a ideia de que Valancourt poderia não estar vivo,
ou, se estivesse vivo, que poderia ter se esquecido dela,
era tão terrível para o seu coração que não se deixou
pausar nessa possibilidade. Ela decidiu informá-lo no dia
seguinte sobre a sua chegada à França, o que não era
possível que ele soubesse sem uma carta dela própria e,
após acalmar seu espírito com a esperança de ouvir em
breve que ele estava bem e que suas afeições estavam
inalteradas, ela enfim caiu no sono.
CAPÍTULO XII

Muitas vezes o brilho de Cynthia [ 3 1 ] cortejava,


prateado-claro,
Em corredores escuros, longe das assombrações da
loucura,
Com a liberdade ao meu lado, e a melancolia de
olhos suaves. [ 3 2 ]

Lady Blanche ficou tão interessada em Emily que, ao


ouvir que ela iria morar no convento vizinho, pediu ao
conde que a convidasse para estender sua estadia no
castelo. “E você sabe, meu querido senhor”, acrescentou
Blanche, “o quão feliz eu ficarei com uma companheira,
pois atualmente eu não tenho uma amiga com quem
caminhar ou ler, já que Mademoiselle Bearn só é amiga
de minha mama”.
O conde sorriu para a simplicidade juvenil com a
qual sua filha cedia às primeiras impressões; e embora
tivesse escolhido alertá-la sobre o perigo destas,
silenciosamente, aplaudiu a benevolência que poderia se
espandir tão prontamente na confiança em uma
estranha. Ele havia observado Emily com atenção na
noite anterior e ficou tão satisfeito com ela quanto era
possível que ficasse com qualquer pessoa que
conhecesse em tão pouco tempo. A menção dela, feita
pelo Monsieur Du Pont, também havia dado a ele uma
impressão favorável de Emily; mas, sendo extremamente
cuidadoso para com aqueles que ele introduzia a
intimidade de sua filha, decidiu, ao ouvir que a primeira
não era uma estranha no convento de Santa Clara, visitar
a madre abadessa e, se o relato dela correspondesse
com o desejo dele, convidar Emily para passar algum
tempo no castelo. Neste assunto, foi influenciado pela
consideração do bem-estar de Lady Blanche, mais ainda
do que por um desejo de satisfazê-la ou de ficar amigo
da órfã Emily, por quem, contudo, ele se sentia
consideravelmente interessado.
Na manhã seguinte, Emily estava exausta demais
para aparecer; mas Monsieur Du Pont estava na mesa de
café da manhã, quando o conde entrou na sala, quem o
pressionou, como seu conhecido de tempos atrás e filho
de um amigo muito antigo, para prolongar sua estadia no
castelo; um convite que Du Pont aceitou de bom grado,
já que isso lhe permitiria ficar perto de Emily; e, embora
ele não estivesse conscientemente encorajando uma
esperança de que algum dia ela retribuiria sua afeição,
não tinha fortaleza o suficiente para tentar superá-la no
momento presente.
Quando estava um pouco recuperada, Emily
passeou com sua nova amiga pelas terras que
pertenciam ao castelo, tão encantada com as vistas ao
seu redor quanto Blanche, na benevolência de seu
coração, havia desejado; de lá ela viu as torres do
mosteiro além da floresta e comentou que era para este
convento que ela pretendia ir.
“Ah!”, disse Blanche com surpresa. “Eu acabei de
sair de um convento e você quer entrar em um? Se você
soubesse qual prazer eu sinto em passear por aqui, em
liberdade, e em ver o céu, os campos e a floresta me
rodeando, eu acho que você não o faria.” Sorrindo com o
carinho com o qual Lady Blanche falava, Emily observou
que não pretendia se confinar em um convento para o
resto da vida.
“Não, você pode não pretender isso agora”, disse
Blanche; “mas você não sabe ao que as freiras podem te
persuadir a consentir; eu sei o quão bondosas e o quão
felizes elas parecerão ser, pois eu já vi os artifícios delas
demais”.
Quando voltaram para o castelo, Lady Blanche
conduziu Emily até a sua torre preferida e de lá elas
perambularam através dos quartos antigos, que Blanche
tinha visitado antes. Emily ficou entretida ao ver a
estrutura desses aposentos e a moda da mobília antiga,
porém ainda magnífica, e ao compará-las com aquelas
do castelo de Udolpho, que eram ainda mais antiquadas
e grotescas. Ela também ficou interessada em Dorothee,
a governanta que as acompanhava, cuja aparência era
quase tão antiga quanto à dos objetos ao redor dela e
quem não parecia menos interessada em Emily, em
quem ela frequentemente fixava o olhar com uma
atenção tão profunda a ponto de mal ouvir o que era dito
a ela.
Quando Emily olhou por uma das janelas, viu com
surpresa algumas coisas que eram familiares à sua
memória: os campos e a floresta com o riacho brilhante,
pelo qual ela havia passado com La Voisin uma noite em
seu caminho do mosteiro para o seu chalé; e ela
descobriu que este era o castelo que ele havia evitado na
época e sobre o qual havia dado algumas pistas
extraordinárias.
Chocada com essa descoberta, porém mal sabendo
o porquê, ela refletiu por algum tempo em silêncio e
lembrou-se da emoção que seu pai havia demonstrado
ao se encontrar tão perto daquela mansão, e de algumas
outras circunstâncias da conduta dele que a
interessavam muito. A música que ela havia ouvido
antes, a respeito da qual La Voisin tinha dado um relato
tão estranho, também lhe ocorreu e, querendo saber
mais sobre isso, perguntou a Dorothee se ela voltaria à
meia-noite como de costume e se o músico já havia sido
descoberto.
“Sim, Ma’amselle”, respondeu Dorothee, “a música
ainda é ouvida, mas o músico nunca foi encontrado, nem
nunca será, creio eu; apesar de haver algumas pessoas
que tem palpites”.
“Mesmo!”, exclamou Emily. “Então, por que eles
não continuam procurando?”
“Ah, jovem! Procurou-se muito, mas quem pode
perseguir um espírito?”
Emily sorriu e, lembrando-se do quão recentemente
ela mesma havia se deixado ser levada pela superstição,
decidiu resistir ao seu contágio agora; porém, apesar de
seus esforços sentiu um medo misturado à sua
curiosidade quanto a esse assunto; e Blanche, que havia,
até então, escutado em silêncio, perguntou que música
era essa e há quanto tempo ela era ouvida.
“Desde a morte de minha Lady, Madame”,
respondeu Dorothee.
“Oras, certamente o lugar não é mal-assombrado?”,
perguntou Blanche, entre brincadeira e seriedade.
“Eu ouço aquela música quase desde que minha
Lady faleceu”, continuou Dorothee, “e nunca antes disso.
Mas, isso não é nada comparado a algumas coisas que
eu poderia contar”.
“Então, por favor, conte-as”, pediu Lady Blanche,
agora com mais sinceridade do que zombaria. “Eu estou
muito interessada, pois ouvi a irmã Henriette e a irmã
Sophie, no convento, falando de aparições estranhas que
elas mesmas haviam testemunhado!”
“Eu suponho, minha Lady, que você nunca soube o
que nos fez sair do castelo e ir morar em um chalé”,
disse Dorothee. “Nunca!”, respondeu Blanche com
impaciência.
“Nem a razão pela qual meu Lord, o Marquês...”
Dorothee se interrompeu, hesitou e então tentou mudar
de assunto; mas a curiosidade de Blanche estava muito
atiçada para deixar o assunto escapar dela tão fácil
assim, pressionou a velha governanta para prosseguir
com seu relato, que, entretanto, não foi convencida com
pedido algum; e era evidente que ela estava com medo
por causa da imprudência que já havia cometido.
“Eu percebo”, disse Emily, sorrindo, “que todas as
mansões antigas são mal assombradas; eu vim
recentemente de um lugar de maravilhas; mas, desde
que saí de lá, ouvi que quase todas foram explicadas”.
Blanche ficou em silêncio; Dorothee estava séria e
suspirou; e Emily se sentiu inclinada a acreditar em mais
do maravilhoso do que queria reconhecer. Naquele
momento, ela se lembrou do espetáculo que havia
testemunhado em um quarto em Udolpho e, através de
um tipo de coincidência estranha, as palavras
assustadoras que ela tinha visto acidentalmente nos
documentos que tinha destruído, em obediência à ordem
de seu pai; e ela estremeceu com o significado que elas
pareciam transmitir, quase tanto como com a aparição
horrível revelada pelo véu preto.
Enquanto isso, sem conseguir convencer Dorothee
a explicar o motivo de suas indicações ao chegar à porta
que terminava a galeria, e a qual ela encontrou
trancada no dia anterior, Lady Blanche pediu para ver a
suite de quartos além dela. “Querida senhorinha”, disse
a governanta, “eu lhe disse o meu motivo para não abri-
los; eu não os vejo desde que a minha querida Lady
morreu; e seria difícil para mim vê-los agora. Por favor,
madame, não me peça novamente”.
“Certamente não irei”, respondeu Blanche, “se
essa é realmente a sua objeção”.
“Ah! É sim”, disse a velha mulher. “Nós todos a
amávamos muito e eu sempre lamentarei por ela. O
tempo passa! Agora já faz muitos anos que ela morreu;
mas eu me lembro de tudo que aconteceu na época
como se fosse ontem. Muitas coisas que se passaram em
anos recentes se foram de minha memória, enquanto
aquelas de muito tempo atrás eu consigo ver como se
através de um vidro.” Ela pausou, mas depois, enquanto
andavam até a galeria, acrescentou sobre Emily: “essa
jovem, às vezes, traz a marquesa falecida à minha
mente; eu me lembro como ela era quando estava
florescendo assim, e é muito igual a ela quando sorri.
Pobre Lady! Como ela era feliz quando veio para o
castelo pela primeira vez!”
“E ela não foi feliz depois?”, disse Blanche.
Dorothee balançou a cabeça; e Emily a observou,
com olhos muito expressivos do interesse que ela sentia.
“Vamos nos sentar nessa janela”, disse Lady Blanche, ao
alcançar o lado oposto da galeria; “e, por favor,
Dorothee, se não for doloroso para você, nos conte algo
mais sobre a marquesa. Eu gostaria de olhar pelo vidro
do qual você falou agora mesmo e ver algumas das
circunstâncias que você viu se passarem muitas vezes”.
“Não, minha Lady”, respondeu Dorothee; “se você
soubesse tanto quanto eu, você não iria querê-lo, pois lá
você encontraria uma sucessão sombria delas; muitas
vezes eu queria poder bloqueá-las, mas elas vêm à
minha mente. Eu vejo a minha querida Lady em seu leito
de morte... o próprio olhar dela... e me lembro de tudo
que disse... foi uma cena terrível!”
“Por que foi tão terrível?”, perguntou Emily com
emoção.
“Ah, querida senhorinha! A morte não é sempre
terrível?”, respondeu Dorothee.
Depois de mais algumas perguntas de Blanche,
Dorothee ficou em silêncio; e Emily, vendo as lágrimas
nos olhos dela, deteve-se de insistir no assunto e se
esforçou para trazer a atenção de sua jovem amiga para
algum objeto nos jardins, onde apareceu o conde com a
condessa e Monsieur Du Pont, e elas foram até lá se
juntar a eles.
Quando avistou Emily, ele avançou para encontrá-la
e apresentou-a para a condessa, de uma maneira tão
bondosa que trouxe à mente dela a lembrança forte de
seu pai falecido, e ela sentiu mais gratidão para com ele
do que constrangimento com relação à condessa, que,
contudo, recebeu-a com um daqueles sorrisos
fascinantes que o capricho, às vezes, permitia-lhe
assumir, e o qual era o resultado de uma conversa que o
conde havia tido com ela dizendo respeito a Emily, que
experimentou aquela doce emoção que vem da
consciência de ter a aprovação da bondade; pois ela
havia ficado inclinada a ceder sua confiança ao valor do
conde quase desde o primeiro momento em que ela o
havia visto.
Antes que pudesse terminar seus agradecimentos
pela hospitalidade que havia recebido e mencionado seu
desejo de ir imediatamente para o convento, ela foi
interrompida por um convite para estender sua estadia
no castelo, o qual foi pressionado pelo conde e pela
condessa com tal aparência de sinceridade amigável
que, apesar de querer muito ver seus amigos antigos no
mosteiro e suspirar mais uma vez sobre o túmulo de seu
pai, ela consentiu em permanecer por alguns dias no
castelo.
Para a madre abadessa, entretanto, ela escreveu
imediatamente mencionando sua chegada em
Languedoc e seu desejo de ser recebida no castelo como
uma integrante; ela também mandou cartas para
Monsieur Quesnel e Valancourt, que, meramente,
informou de sua chegada à França; e, como não sabia
onde o último poderia estar estacionado, ela dirigiu sua
carta à base do irmão dele na Gasconha.
À noite, Lady Blanche e M. Du Pont caminharam com
Emily até o chalé de La Voisin, do qual ela teve um
prazer melancólico em se aproximar, pois o tempo havia
suavizado o seu pesar pela perda de St. Aubert, embora
ele não pudesse aniquilá-lo, e ela sentiu uma tristeza
reconfortante em satisfazer as memórias que essa cena
trazia. La Voisin ainda estava vivo e parecia curtir, tanto
quanto antes, a noite tranquila de uma vida inocente. Ele
estava sentado na porta de seu chalé, observando alguns
de seus netos brincando na grama, na sua frente e, de
vez em quando, com uma risada ou um elogio,
encorajando suas brincadeiras. Ele se lembrou de Emily
imediatamente, a quem ele ficou muito satisfeito em ver,
e ela ficou igualmente alegre ao ouvir que não havia
perdido ninguém de sua família desde a partida dela.
“Sim, Ma’amselle”, disse o velho, “nós todos ainda
vivemos juntos alegremente, graças a Deus! E eu não
acredito que haja uma família mais feliz do que a nossa a
ser encontrada em Languedoc”.
Emily não se garantia a ir até o quarto onde St.
Aubert havia morrido; e, após meia hora de conversa
com La Voisin e sua família, ela deixou o chalé.
Durante esses primeiros dias de sua estadia em
Chateau-le-Blanc, ela ficou muito comovida ao ver a
profunda, porém silenciosa melancolia que tomava conta
de Du Pont, às vezes; e, sentindo pena da autoilusão que
o desarmava do desejo de ir embora, Emily decidiu se
retirar assim que o respeito que ela devia ao conde e à
condessa de Villefort permitisse. O abatimento de seu
amigo logo preocupou a ansiedade do conde, a quem Du
Pont, enfim, confiou o segredo de sua afeição incorrigível,
o que, contudo, o primeiro pôde apenas lamentar, apesar
de secretamente decidir apoiar seu objetivo, se ocorresse
uma oportunidade de fazê-lo. Considerando a situação
perigosa de Du Pont, ele só se opôs fracamente à sua
intenção de deixar Chateau-le-Blanc no dia seguinte, mas
extraiu dele uma promessa de uma visita mais longa,
quando pudesse retornar à sua paz com segurança. A
própria Emily, embora não pudesse encorajar a afeição
dele, estimava-o tanto pelas muitas virtudes que ele
possuía quanto pelos serviços que havia recebido dele; e
não foi sem emoções carinhosas de gratidão e pena que
ela o viu partir para a residência de sua família na
Gasconha; enquanto ele se despediu dela com um rosto
tão expressivo de amor e pesar que interessou o conde
na causa dele ainda mais profundamente do que antes.
Em alguns dias, Emily também foi embora do
castelo, mas não antes do conde e da condessa terem
recebido dela uma promessa de repetir sua visita muito
em breve; e ela foi recebida pela madre abadessa com a
mesma bondade maternal que havia experimentado
antes, e pelas freiras com muitas expressões de afeto. As
cenas familiares do convento lhe causaram muitas
lembranças melancólicas, mas com estas estavam
misturadas outras que inspiravam gratidão por ter
escapado de vários perigos que haviam perseguido-a
desde que ela havia saído de lá, e pelo bem que ela
ainda possuía; apesar de ter chorado mais de uma vez
sobre o túmulo de seu pai, com lágrimas de gratidão
terna, a sua dor foi suavizada de sua agudez anterior.
Algum tempo depois do seu retorno para o mosteiro,
ela recebeu uma carta de seu tio, M. Quesnel, em
resposta à informação de que ela havia chegado à
França, e às suas perguntas sobre os seus negócios tais
que ele havia tomado a tarefa de conduzir durante a
ausência dela, especialmente quanto ao período pelo
qual La Valée havia sido alugada, para onde ela desejava
voltar se parecesse que a renda dela lhe permitisse fazê-
lo. A resposta de M. Quesnel foi fria e formal, como ela
esperava, não expressando nem preocupação pelos
males que ela sofrera, nem prazer por ela ter sido tirada
deles; ele também não deixou passar a oportunidade de
repreendê-la por sua rejeição do conde Morano, que ele
ainda fingiu acreditar ser um homem de honra e fortuna;
nem a de declamar-se veementemente contra Montoni, a
quem ele sempre havia se sentido inferior até então.
Quanto às preocupações monetárias de Emily não foi
muito explícito; informou-a, contudo, de que o período,
pelo qual La Valée havia sido alugada estava quase
expirando; mas, sem convidá-la para a sua própria casa,
acrescentou que essas circunstâncias não lhe
permitiriam morar lá de maneira alguma e a aconselhou,
sinceramente, a permanecer, durante o momento
presente, no convento de Santa Clara.
Às perguntas dela sobre a pobre velha Theresa, a
criada de seu pai falecido, ele não deu resposta. No post
scriptum de sua carta, Monsieur Quesnel mencionou M.
Motteville, em cujas mãos o falecido St. Aubert havia
colocado a maior parte de suas propriedades pessoais,
dizendo ser provável que ele organizasse seus negócios
para a satisfação de seus credores e que Emily
recuperaria muito mais de sua fortuna do que ela tinha
motivos para esperar antes. A carta também incluía uma
ordem feita com um comerciante em Narbonne para
Emily, referindo-se a uma pequena soma de dinheiro.
A tranquilidade do mosteiro e a liberdade que ela
pôde aproveitar, ao caminhar pela floresta e pelas costas
dessa província encantadora, gradualmente, restauraram
a disposição de Emily de volta ao seu tom natural, exceto
por aquela ansiedade com relação a Valancourt, que, às
vezes, intrometia-se, conforme o tempo passava, quando
era possível que ela recebesse uma resposta à sua carta.
CAPÍTULO XIII

Como quando uma onda, que pende de uma


nuvem,
E, aumentada com a tempestade, desce sobre o
navio,
Brancos ficam os convés com a espuma; os ventos
Uivam altos acima dos mastros, e cantam através de
toda cobertura:
Pálidos, tremendo, cansados, os marujos ficam
paralisados de medo,
E a morte instantânea aparece em cada onda. [ 3 3 ]

Enquanto isso, Lady Blanche, que fora deixada


sozinha por muito tempo, ficou impaciente pela
companhia de sua nova amiga, que queria ver
compartilhando do deleite que ela própria recebia do
lindo cenário ao redor. Agora não tinha pessoa alguma
para quem expressar sua admiração e comunicar seus
prazeres, nenhum olho que brilhasse para o seu sorriso,
ou rosto que refletisse a sua felicidade; ficou indisposta e
pensativa. Vendo o descontentamento dela, o conde
cedeu aos seus pedidos prontamente, e lembrou Emily
de sua visita prometida; mas, o silêncio de Valancourt,
que agora se prolongava muito além do período, quando
uma carta poderia ter chegado de Estuviere, oprimiu
Emily com uma ansiedade severa e, tornando-a avessa à
sociedade, ela teria adiado a aceitação desse convite
com prazer até que sua disposição ficasse aliviada. O
conde e sua família, contudo, pressionaram-na para vê-
la; e como as circunstâncias que estimulavam o seu
desejo por solidão não podiam ser explicadas, havia uma
aparência de capricho em sua recusa, na qual ela não
poderia perseverar sem ofender os amigos, cuja estima
era valiosa para ela. Portanto, finalmente, ela voltou em
uma segunda visita ao Chateau-le-Blanc. Aqui as
maneiras amigáveis do conde de Villefort encorajaram
Emily a mencionar para ele sua situação com respeito às
propriedades de sua tia falecida e a consultá-lo quanto
aos meios de recuperá-las. Ele tinha poucas dúvidas de
que a lei decidiria a favor dela e, aconselhando-a a
solicitar isso, ofereceu-se para escrever para um
advogado em Avignon primeiro, em cuja opinião ele
achava que podia confiar. Sua bondade foi aceita por
Emily gratamente, que, aliviada pela cortesia que
experimentava diariamente, teria ficado feliz, mais uma
vez, se pudesse ter certeza do bem-estar e da afeição
inalterada de Valancourt. Ela havia ficado no castelo por
mais de uma semana sem receber notícias dele e, apesar
de saber que, se ele estivesse ausente na residência de
seu irmão, mal era provável que sua carta já o tivesse
alcançado, ela não conseguia evitar admitir dúvidas e
medos que destruíam a sua paz. Novamente,
considerava tudo que podia ter acontecido no longo
período desde o seu primeiro isolamento em Udolpho, e,
às vezes, a sua mente ficava tão sobrecarregada com o
medo de que Valancourt não estivesse vivo, ou de que
ele não vivesse mais para ela, que se sentava sozinha
em seu aposento por horas a fio, quando os
compromissos da família lhe permitiam fazer isso sem
indelicadeza.
Numa dessas horas solitárias, ela abriu uma caixa
pequena, que continha algumas cartas de Valancourt
com alguns desenhos que ela havia feito durante sua
estadia na Toscana, os últimos não eram mais
interessantes a ela; mas nas cartas, com uma
indulgência melancólica, ela pretendia recordar a ternura
que a havia reconfortado tantas vezes e tornado, por um
instante, insensível quanto à distância que a separava do
escritor. Mas, o efeito delas havia mudado; a afeição que
elas expressavam apelava tão fortemente ao seu
coração, quanto ela considerava que essa afeição talvez
tivesse cedido aos poderes do tempo e da ausência, e,
até mesmo, ver a caligrafia trouxe tantas lembranças
dolorosas, que ela se encontrou incapaz de terminar a
primeira e sentou-se refletindo, com sua face
descansando em seu braço, e lágrimas vindo aos seus
olhos, quando a velha Dorothee entrou no quarto para
informá-la de que o jantar ficaria pronto uma hora antes
do horário de costume. Emily se assustou ao vê-la e
pegou os papéis apressadamente, mas não antes de
Dorothee ter visto tanto a sua agitação quanto suas
lágrimas.
“Ah, Ma’amselle”, disse ela, “você, que é tão nova,
você tem algum motivo para tristeza?”
Emily tentou sorrir, mas não conseguiu falar.
“Ah! Querida senhorinha, quando chegar à minha
idade você não chorará por coisas sem importância; e
certamente você não tem nada sério para lhe
atormentar.”
“Não, Dorothee, nada de importante”, respondeu
Emily. Parando para pegar algo que ela havia deixado
cair dos papéis, Dorothee exclamou de repente: “Santa
Maria! O que é isto que eu estou vendo?”, e então,
tremendo, sentou-se em uma cadeira que ficava perto da
mesa.
“O que é que você está vendo?”, disse Emily,
assustada com o comportamento dela e olhando em
volta do quarto.
“É ela mesma”, disse Dorothee, “a própria!
Exatamente como ela era um pouco antes de morrer!”
Ainda mais assustada, Emily começou a temer que
Dorothee estivesse tomada por um delírio repentino, mas
lhe pediu que se explicasse.
“Aquele retrato!”, disse ela, “onde você o encontrou,
Lady? É a minha patroa abençoada!”
Ela colocou na mesa a miniatura que Emily havia
encontrado há muito tempo entre os papéis que seu pai
havia pedido que ela destruísse, e sobre a qual ela
outrora o vira derramando lágrimas tão ternas e
afetuosas; e lembrando-se de todas as circunstâncias da
conduta dele, que haviam deixado-a perplexa por tanto
tempo, suas emoções aumentaram com um excesso que
a deteve de fazer todas as perguntas que ela temia
serem respondidas, e só conseguiu perguntar se
Dorothee estava certa de que o retrato parecia com a
marquesa falecida.
“Oh, Ma’amselle!”, disse ela. “Como ele poderia ter
me impressionado tanto no instante que o vi, se não
fosse parecido com a minha Lady? Ah!”, acrescentou ela,
pegando a miniatura, “estes são os próprios olhos azuis
dela... tão doces e tão calmos; e esta é a aparência exata
dela, tal como eu já vi muitas vezes, quando se sentava
pensando, por um longo tempo, e muitas vezes as
lágrimas corriam pelas bochechas dela... mas ela nunca
reclamava! Era aquele olhar tão brando e resignado
como se só que costumava partir meu coração e me
fazer amá-la tanto!”
“Dorothee!”, disse Emily solenemente. “Eu estou
interessada na causa dessa triteza, talvez mais do que
você possa imaginar; e imploro que você não se recuse
mais a satisfazer minha curiosidade; não é algo comum.”
Enquanto Emily dizia isso, ela se lembrou dos papéis
com os quais o retrato havia sido encontrado e mal teve
dúvida de que eles eram sobre a Marquesa de Villeroi;
mas com essa suposição veio um escrúpulo, se ela
deveria perguntar sobre um assunto que se provaria ser
o mesmo que seu pai havia tentado esconder tão
cuidadosamente. À sua curiosidade sobre a marquesa,
poderosa como esta era, ela provavelmente teria
resistido, assim como havia feito anteriormente ao
observar descuidadamente as palavras terríveis nos
papéis que nunca foram apagadas de sua memória
desde então, se ela estivesse certa de que a história
daquela Lady era o assunto daqueles papéis, ou que
somente os particulares simples tais que era provável
que Dorothee pudesse relatar estivessem incluídos nas
ordens de seu pai. O que ela sabia não podia ser um
segredo para muitas outras pessoas; e já que parecia
muito improvável que St. Aubert tentasse esconder o que
Emily pudesse descobrir através de meios comuns, ela
enfim concluiu que, se os papéis estivessem relacionados
à história da marquesa, não eram as circunstâncias que
Dorothee poderia revelar que ele considerava
suficientemente importantes para querer ter escondido.
Portanto, ela não hesitou mais em fazer as perguntas que
pudessem levar à gratificação de sua curiosidade.
“Ah, Ma’amselle!”, disse Dorothee, “é uma história
triste e ela não pode ser contada agora, mas o que estou
dizendo? Eu nunca irei contá-la. Muitos anos se passaram
desde que aconteceu; e eu nunca gostei de falar da
marquesa para ninguém exceto meu marido. Ele morava
com a família naquela época, assim como eu, e soube de
muitos particulares através de mim que ninguém mais
sabe; pois, eu estava perto do atendente de minha Lady
em sua última doença e vi e ouvi tanto quanto, ou mais
do que o meu próprio Lord. Santos! Quão paciente ela
era! Quando ela morreu, eu pensei que poderia ter
morrido com ela!”
“Dorothee”, disse Emily, interrompendo-a, “o que
você dirá, pode ter certeza, nunca será revelado por
mim. Eu tenho, repito, razões particulares para querer
ser informada desse assunto e estou disposta a me
comprometer, da maneira mais solene, a nunca
mencionar o que você quiser que eu esconda.”
Dorothee pareceu ficar surpresa com a sinceridade
do comportamento de Emily e, após olhar para ela por
alguns instantes em silêncio, disse: “jovem! Esse seu
olhar implora por você... é tão parecido com o da minha
querida senhora que eu quase posso imaginar que a vejo
na minha frente; se você fosse filha dela você não
poderia me lembrar mais dela. Mas, o jantar ficará
pronto... não é melhor você descer?”
“Primeiro você vai prometer conceder o meu
pedido”, disse Emily.
“E você não deveria me contar primeiro,
Ma’amselle, como esse retrato caiu em suas mãos e as
razões para a sua curiosidade quanto à minha Lady?”
“Oras, não, Dorothee”, respondeu Emily,
recompondo-se, “eu também tenho motivos particulares
para manter o silêncio nesses assuntos, pelo menos até
saber mais; e lembre-se, eu não prometi falar sobre isso;
portanto, não me deixe induzi-la a satisfazer minha
curiosidade, com uma expectativa de que eu gratificarei
a sua. O que eu possa julgar correto esconder não diz
respeito somente a mim, ou eu teria menos escrúpulos
em revelá-lo. Deixe que somente uma confiança em
minha honra a convença a revelar o que eu peço”.
“Bem, Lady”, disse Dorothee após uma pausa longa,
durante a qual seus olhos ficaram fixos em Emily, “você
parece tão interessada, esse retrato e essa expressão em
seu rosto me fazem achar que você tem razões para
estar assim... que eu confiarei em você... e contarei
algumas coisas que nunca contei para ninguém exceto
meu marido, apesar de haver pessoas que suspeitaram
disso. Eu lhe contarei os particulares da morte de minha
Lady também além de algumas das minhas próprias
suspeitas; mas, primeiro você deve jurar por todos os
santos...”
Interrompendo-a, Emily jurou solenemente nunca
revelar o que seria confiado a ela sem o consentimento
de Dorothee.
“Mas, lá vem a trombeta, Ma’amselle, anunciando o
jantar”, disse Dorothee; “eu devo ir embora”.
“Quando eu a verei novamente?”, perguntou Emily.
Dorothee refletiu, e, então, respondeu: “oras,
madame, as pessoas podem ficar curiosas se souberem
que eu fico tanto no seu quarto e eu lamentaria isso;
então, virei quando é menos provável que eu seja vista.
Eu tenho pouco lazer durante o dia e terei muito a dizer;
então, se lhe convir, madame, eu virei quando a família
toda estiver na cama.”
“Isso me convém muito bem”, respondeu Emily.
“Lembre-se então, hoje à noite”.
“Sim, isso é bem lembrado”, disse Dorothee, “eu
temo que não possa vir esta noite, madame, pois haverá
a festa da colheita das uvas e será bem tarde quando os
criados forem descansar; pois, quando eles começam a
dançar, continuam no frescor do ar até de manhã; pelo
menos costumava ser assim na minha época”.
“Ah! É a festa da colheita dos vinhedos?”, disse
Emily, com um suspiro profundo, lembrando-se que foi na
noite desse festival, no ano anterior, em que St. Aubert e
ela haviam chegado à vizinhança de Chateau-le-Blanc.
Ela parou por um momento, tomada pela lembrança
súbita, e, então, recompondo-se, acrescentou: “mas,
essa festa é na mata aberta; portanto, você não será
necessária e poderá vir até mim facilmente”.
Dorothee respondeu que ela havia se acostumado a
estar presente na festa da colheita e não queria se
ausentar agora; “mas, se eu conseguir sair, madame, eu
irei”, disse ela.
Emily, então, correu para a sala de jantar, onde o
conde se conduzia com a cortesia que é inseparável da
verdadeira dignidade e da qual a condessa
frequentemente praticava muito pouco, embora o seu
comportamento para com Emily fosse uma exceção ao
seu hábito de costume. Mas, se ela retinha poucas das
virtudes ornamentais, estimava outras qualidades, as
quais parecia considerar sem valor. Ela havia dispensado
a graça da modéstia, mas sabia perfeitamente bem como
lidar com o olhar fixo de segurança; suas maneiras
tinham pouco da doçura temperada que é necessária
para tornar o caráter feminino interessante, mas
ocasionalmente ela poderia colocar nelas uma afetação
de sua disposição que parecia triunfar sobre todos que se
aproximavam dela. No interior, entretanto, ela fingia um
langor elegante, que a convencia a quase desmaiar
quando sua preferida lia para ela uma história de dor
fictícia; mas, seu rosto não mostrava mudança alguma
quando motivos vivos de aflição solicitavam a sua
caridade e o seu coração batia sem nenhuma emoção
com a ideia de dá-los alívio imediato; ela era uma
estranha para o luxo mais alto do qual a mente humana
talvez seja capaz, pois a sua benevolência nunca havia
trazido sorrisos ao rosto da miséria.
À noite, o conde, com toda a sua família exceto a
condessa e Mademoiselle Bearn, foi para a floresta para
testemunhar a festividade dos camponeses. A cena era
em uma clareira, onde as árvores se abrindo formavam
um círculo ao redor da relva, que elas cobriam do alto
formando sombras; entre seus galhos, vinheiras, cheias
de cachos maduros, estavam penduradas em festões
alegres; e embaixo havia mesas com frutas, vinho,
queijos e outros alimentos rurais, e assentos para o
conde e sua família. Um pouco ao longe, ficavam bancos
para os camponeses idosos, poucos dos quais, contudo,
conseguiam evitar se unir à dança prazerosa que
começou pouco depois do pôr do sol, quando vários
daqueles de sessenta anos a pularam com quase tanta
animação e leveza quanto aqueles de dezesseis.
Os músicos, que se sentaram descuidadamente na
grama, no pé de uma árvore, pareciam inspirados pelos
sons de seus próprios instrumentos, os quais eram, em
sua maior parte, flautas e um tipo de violão comprido.
Atrás estava um garoto tocando um tamborim e
dançando um solo, exceto que, às vezes, quando jogava
o instrumento, ele tropeçava entre os outros dançarinos,
quando seus gestos esquisitos causavam uma risada
mais alta e acentuavam o espírito rústico da cena.
O conde ficou muito encantado com a felicidade que
estava testemunhando, para a qual sua doação havia
contribuído imensamente, e Lady Blanche se juntou à
dança com um jovem cavalheiro do grupo de seu pai. Du
Pont pediu a mão de Emily, mas a disposição dela estava
deprimida demais para permiti-la entrar na festividade
presente, o que trouxe à sua memória aquela do ano
anterior, quando St. Aubert era vivo, e as cenas tristes
que haviam se seguido imediatamente.
Subjugada com essas lembranças, ela finalmente
saiu do local e caminhou lentamente para a floresta,
onde a música mais baixa, flutuando na distância,
acalmou sua mente melancólica. A lua lançava uma luz
suave entre a folhagem; o ar estava perfumado e fresco,
Emily, perdida em pensamentos, andou em frente sem
ver para onde, até que percebeu os sons desaparecendo
ao longe e um silêncio profundo ao seu redor, exceto nas
vezes em que o rouxinol seduzia o silêncio com
notas líquidas que encerravam o dia.[34]
Finalmente, ela se encontrou perto da estrada pela
qual, na noite da chegada de seu pai, Michael havia
tentado passar procurando por uma casa, que ainda era
tão deserta e abandonada quanto parecera na época;
pois o conde havia estado tão ocupado dirigindo outros
melhoramentos que foi negligente em dar ordens para
essa entrada extensa, e a estrada ainda estava
desnivelada e as árvores sobrecarregadas com sua
própria exuberância.
Enquanto ela a inspecionava e se lembrava das
emoções que havia sofrido ali anteriormente, de repente,
lembrou-se da figura que foi vista correndo entre as
árvores e que não havia respondido aos chamados
repetidos de Michael; e ela experimentou um pouco do
medo que a atacou na época, pois não parecia ser
improvável que essa floresta espessa fosse assombrada
por bandidos ocasionalmente. Portanto, ela deu meia-
volta e estava indo apressadamente até os dançarinos,
quando ouviu passos se aproximando da estrada; e como
ainda estava longe demais para chamar os camponeses
da clareira, pois não conseguia nem ouvir suas vozes,
nem sua música, acelerou seus passos; mas, as pessoas,
que a seguiam a alcançaram rapidamente e, finalmente
distinguindo a voz de Henri, caminhou vagarosamente
até ele chegar. Ele expressou alguma surpresa em
encontrá-la tão longe da companhia; e, quando ela lhe
disse que o luar agradável a havia seduzido a ir mais
longe do que pretendia, uma exclamação veio dos lábios
do companheiro dele, e ela pensou ter ouvido Valancourt
falando! Era de fato ele! E o reencontro foi como pode se
imaginar, entre pessoas tão afetuosas e separadas por
tanto tempo quanto eles foram.
Na felicidade desses momentos, Emily se esqueceu
de todos os seus sofrimentos do passado, e Valancourt
parecia ter se esquecido de que qualquer pessoa existia
além de Emily; enquanto Henri foi um espectador da
cena calado e espantado.
Valancourt fez mil perguntas com respeito a ela
própria e a Montoni, às quais não havia tempo para
responder agora; mas, ela descobriu que sua carta havia
sido encaminhada para ele em Paris, de onde ele havia
saído e estava retornando para a Gasconha, para onde a
carta também tinha voltado, a qual, finalmente,
informou-o da chegada de Emily, e, ao recebê-la, ele
imediatamente partiu para Languedoc. Ao chegar ao
mosteiro, de onde ela havia datado sua carta, descobriu
que os portões já haviam sido fechados pela noite, para o
seu extremo desapontamento; e acreditando que não
veria Emily até a manhã, ele estava voltando para sua
pequena hospedaria com a intenção de escrever para
ela, quando foi alcançado por Henri, com quem havia
ficado íntimo em Paris, e assim foi levado até ela, quem
ele estava secretamente lamentando que não
conseguiria ver até o dia seguinte.
Emily voltou para a clareira com Valancourt e Henri,
onde o último apresentou Valancourt para o conde, que,
ela pensou que o recebeu com menos do que a sua
bondade costumeira, apesar de parecer que eles não
fossem estranhos um para o outro. Entretanto, ele foi
convidado para partilhar das diversões da noite; e
quando havia prestado seu respeito ao conde e enquanto
os dançarinos continuavam sua festividade, ele se sentou
ao lado de Emily e conversou sem restrições. As luzes,
que estavam penduradas entre as árvores sob as quais
eles se sentaram, permitiram-lhe uma visão mais perfeita
do rosto que ela havia se esforçado para relembrar tão
frequentemente durante a sua ausência, percebeu com
um pouco de tristeza que este não era o mesmo desde a
última vez que ela o vira. Toda a sua inteligência e ardor
estavam lá; mas, ele havia perdido muito da simplicidade
e um tanto da benevolência aberta que costumava
caracterizá-lo. Contudo, ainda era um rosto interessante;
mas, Emily pensou ver em intervalos a ansiedade
contraindo, e a melancolia fixando as feições de
Valancourt; às vezes, ele também caía numa reflexão
momentânea, e, então, parecia ansioso para dissipar
esses pensamentos; enquanto, outras vezes, quando ele
fixava seus olhos em Emily, um tipo de distração súbita
parecia cruzar a sua mente. Ele via nela a mesma
bondade e simplicidade bonita que lhe encantaram
quando eles se conheceram. A flor de seu rosto havia
desaparecido um pouco, mas toda a sua doçura
permanecia, e ela foi tornada mais interessante do que
nunca pela expressão fraca de melancolia que às vezes
se misturava ao sorriso dela.
A pedido dele, ela relatou as circunstâncias mais
importantes que lhe ocorreram desde que havia deixado
a França, e emoções de piedade e indignação tomaram
conta da mente dele, alternadamente, quando soube o
quanto ela sofreu com a vilania de Montoni. Mais de uma
vez, enquanto ela estava falando da conduta dele, da
qual a culpa foi suavizada ao invés de exagerada pela
representação dela, ele se agitou em seu assento e
andou para longe, aparentemente sobrecarregado tanto
com a autoacusação quanto com o ressentimento.
Somente os sofrimentos dela eram mencionados nas
poucas palavras que ele conseguia dirigir-lhe, e ele não
escutou ao relato, que ela foi cuidadosa para dar, o mais
distintamente possível, sobre a perda presente das
propriedades de Madame Montoni, e sobre as poucas
razões para esperar recuperá-los. Enfim, Valancourt
continuou perdido em pensamento, então alguma causa
secreta pareceu enchê-lo de angústia. Novamente, ele a
deixou abruptamente. Quando voltou, ela percebeu que
ele tinha chorado e implorou, ternamente, que ele se
recompusesse. “Meus sofrimentos já passaram agora”,
disse ela, “pois eu escapei da tirania de Montoni e vejo
que você está bem... deixe-me lhe ver feliz também”.
Valancourt ficou mais agitado do que antes. “Eu sou
indigno de você, Emily”, disse ele, “eu sou indigno de
você”; palavras que, pela maneira que foram faladas,
fizeram Emily ficar mais chocada com elas do que com o
seu significado. Ela fixou um olhar pesaroso e
questionante nele. “Não me olhe assim”, disse, virando-
se e apertando a mão dela; “eu não consigo suportar
esses olhares”.
“Eu perguntaria”, disse Emily numa voz gentil,
porém agitada, “qual o significado das suas palavras;
mas percebo que a pergunta lhe afligiria. Vamos falar de
outros assuntos. Talvez amanhã você esteja melhor. Veja
essa floresta acesa com o luar e as torres que aparecem
escuras na paisagem. Você costumava ser um grande
admirador de paisagens e eu lhe ouvi dizer que a arte de
derivar consolo das vistas sublimes em meio ao
infortúnio, o que nem a opressão, nem a pobreza tiram
de nós, era a benção particular dos inocentes.”
Valancourt ficou profundamente comovido. “Sim”,
respondeu ele, “antes eu tinha um gosto por deleites
inocentes e elegantes... antes eu tinha um coração
incorrupto.” Então, se contendo, ele acrescentou: “você
se lembra de nossa jornada juntos nos Pirineus?”
“Eu poderia esquecer?”, disse Emily. “Eu o faria se
pudesse!”, ele respondeu. “Aquele foi o período mais feliz
de minha vida. Eu amava com entusiasmo tudo que era
verdadeiramente grandioso ou bom.” Passou-se algum
tempo antes de Emily conseguir reprimir suas lágrimas e
tentar controlar suas emoções. “Se você quer esquecer
aquela viagem”, disse ela, “certamente também deve
ser o meu desejo esquecê-la.” Ela pausou e acrescentou:
“você está me deixando muito inquieta; mas este não é o
momento para mais perguntas; contudo, como eu posso
suportar acreditar, mesmo que por um instante, que
você é menos digno da minha estima do que antes? Eu
ainda tenho confiança suficiente em sua sinceridade para
acreditar que, quando eu pedir uma explicação, você me
dará.” “Sim”, disse Valancourt, “sim, Emily; eu não perdi
a minha sinceridade; se tivesse, eu poderia ter disfarçado
minhas emoções ao descobrir quais foram os seus
sofrimentos... suas virtudes, enquanto eu... eu... mas não
direi mais nada. Eu não pretendia nem ter dito tanto... Eu
estou surpreso por entrar em autoacusação dessa forma.
Diga-me, Emily, que você não se esquecerá daquela
viagem... que não vai querer se esquecer dela e eu
ficarei calmo. Eu não perderia a memória dela pela terra
inteira”.
“Como isso é contraditório!”, disse Emily; “mas,
podem estar nos ouvindo. A minha lembrança dela
dependerá da sua; eu me esforçarei para esquecê-la ou
recordá-la, assim como você fizer. Vamos nos juntar ao
conde.” “Diga-me primeiro”, disse Valancourt, “que você
perdoa o desconforto que lhe causei esta noite e que
você ainda me amará.” “Eu lhe perdoo sinceramente”,
respondeu Emily. “Você sabe melhor se eu continuo lhe
amando, pois você sabe se merece a minha estima. No
presente, eu acreditarei que você sabe. É desnecessário
dizer”, acrescentou ela, vendo o abatimento dele,
“quanta dor irá me causar acreditar no contrário. A
jovem, que está se aproximando, é a filha do conde”.
Valancourt e Emily se juntaram à Lady Blanche; e
logo em seguida o grupo se sentou com o conde, seu
filho e o cavalheiro Du Pont num banquete posto sob
uma tenda alegre, embaixo das árvores. Na mesa,
também estavam sentados vários dos mais veneráveis
inquilinos do conde, e foi uma refeição festiva para todos
menos para Valancourt e Emily. Quando o conde foi para
o castelo ele não convidou Valancourt para acompanhá-
lo, que, portanto, despediu-se de Emily e foi para a sua
hospedaria solitária passar a noite. Enquanto isso, ela
logo foi para o seu aposento, onde refletiu com
ansiedade profunda e preocupação sobre o
comportamento dele e a maneira com que foi recebido
pelo conde. Dessa forma, sua atenção estava tão
ocupada que ela esqueceu-se de Dorothee e de seu
encontro, até que a manhã já estava bem avançada,
quando, sabendo que a boa senhora não viria, ela foi
repousar por algumas horas.
No dia seguinte, quando o conde tinha
acidentalmente se juntado a Emily em uma das trilhas,
eles falaram sobre o festival da noite anterior e isto o
levou a mencionar Valancourt. “Aquele é um jovem de
talentos”, disse ele; “você o conhecia antes, eu vejo.”
Emily disse que sim. “Ele foi apresentado a mim em
Paris”, disse o conde, “e eu fiquei muito satisfeito com
ele quando nos encontramos pela primeira vez.” Ele
pausou e Emily tremeu, entre o desejo de ouvir mais e o
medo de mostrar para o conde que ela sentia um
interesse no assunto. “Eu posso perguntar”, disse ele
finalmente, “há quanto tempo você conhece o Monsieur
Valancourt?” “Você vai me permitir perguntar a sua razão
para a pergunta, senhor?”, disse ela; “e eu a responderei
imediatamente.” “Certamente”, disse o conde, “isso é
apenas justo. Eu lhe direi a minha razão. Eu não posso
deixar de perceber que Monsieur Valancourt lhe admira;
nisso, contudo, não há nada de extraordinário; toda
pessoa que a vê deve fazer o mesmo. Eu estou acima de
dar elogios vulgares; eu falo com sinceridade. O que eu
temo é que ele seja um admirador predileto.” “Por que
você teme isso, senhor?”, perguntou Emily,
empenhando-se em esconder sua emoção. “Porque”,
respondeu o conde, “eu não acho que ele seja digno da
sua escolha.” Emily, muito agitada, pediu uma explicação
melhor. “Eu a darei”, disse ele, “se você acreditar que
nada além de um forte interesse no seu bem-estar me
induziria a arriscar essa afirmação.” “Eu tenho que
acreditar nisso, senhor”, respondeu Emily.
“Mas, vamos descansar embaixo dessas árvores”,
disse o conde, vendo a palidez do rosto dela; “há um
assento aqui... você está cansada.” Eles se sentaram e o
conde prosseguiu: “muitas jovens nas suas
circunstâncias considerariam a minha conduta nesta
ocasião, e após um relacionamento tão curto,
impertinente ao invés de amigável; pelo que eu tenho
observado do seu temperamento e discernimento, eu
não temo tal retorno de você. Conhecemo-nos há pouco
tempo, mas foi tempo o bastante para me fazer lhe
estimar e sentir um interesse vívido em sua felicidade.
Você merece ser muito feliz e eu confio que você será.”
Emily suspirou baixinho, e se curvou em agradecimento.
O conde pausou novamente. “Eu estou em circunstâncias
desagradáveis”, disse ele; “mas uma oportunidade de
lhe fazer um serviço importante ultrapassa
considerações inferiores. Você vai me informar sobre
como você conheceu o cavalheiro Valancourt, se o
assunto não for muito doloroso?”
Emily relatou brevemente o encontro acidental deles
na presença do pai dela, e então pediu ao conde que não
hesitasse em declarar o que ele sabia tão ansiosamente,
que ele percebeu a emoção violenta com a qual ela
estava lutando e, contemplando-a com um olhar de
compaixão, pensou em como poderia comunicar sua
informação com o mínimo de dor para a sua ouvinte
ansiosa.
“O cavalheiro e meu filho”, disse ele, “foram
apresentados na mesa de um irmão oficial, em cuja casa
eu também o conheci, convidei-o para a minha própria
casa sempre que ele estivesse desocupado. Eu não
sabia, na época, que ele havia formado uma amizade
com um grupo de homens, uma desgraça para a sua
espécie, que vivem do roubo e passam suas vidas em
devassidão contínua. Eu conhecia várias pessoas da
família do cavalheiro, morando em Paris, e os considerei
como motivo suficiente para apresentá-lo à minha. Mas,
você está se sentindo mal; eu deixarei o assunto.” “Não,
senhor”, disse Emily, “eu imploro que você prossiga; eu
só estou aflita.” “Só!”, disse o conde com ênfase;
“contudo, eu prosseguirei. Logo, descobri que esses
associados dele haviam o levado para um rumo de
dissipassão, do qual ele não parecia ter nem o poder,
nem a inclinação, para se desenredar. Ele perdeu somas
grandes na mesa de jogos; ficou apaixonado pelo jogo; e
foi arruinado. Eu falei ternamente sobre isso com um dos
amigos dele, que me assegurou que eles haviam
argumentado com ele até ficarem cansados. Depois,
descobri que, em consideração pelos talentos dele no
jogo, que geralmente obtinham sucesso quando não
eram contrapostos pelos truques da vilania, que por
consideração a isso o grupo havia iniciado ele nos
segredos do seu ofício e distribuído para ele uma parte
dos seus lucros.” “Impossível!”, disse Emily de repente;
“mas... perdoe-me, senhor, eu mal sei o que estou
dizendo; considere a aflição de minha mente. Eu devo,
de fato, eu devo acreditar que você não foi informado
verdadeiramente. Sem dúvida o cavalheiro tem inimigos
que o difamaram.” “Eu ficaria muito feliz em acreditar
nisso”, respondeu o conde, “mas, não posso. Nada
menos do que a convicção e uma preocupação com a
sua felicidade teriam me feito repetir esses relatos
desagradáveis”.
Emily ficou em silêncio. Ela se lembrou do que
Valancourt havia dito na noite anterior, o que havia
revelado as dores da autocensura, e isso parecia
confirmar tudo que o conde havia relatado. Porém, ela
não tinha fortaleza o bastante para ousar convicção. Seu
coração estava sobrecarregado de angústia com a mera
suspeita da culpa dele, e ela não conseguia suportar
acreditar nisso. Após um silêncio, o conde disse: “eu vejo
e posso entender a sua falta de convicção. É necessário
que eu dê alguma prova do que afirmei; mas, isso eu não
posso fazer sem colocar alguém que é muito querido a
mim em perigo.” “De qual perigo você tem medo,
senhor?”, disse Emily; “se eu puder previni-lo, você pode
confiar na minha honra com segurança.” “Em sua honra
eu estou certo que posso confiar”, disse o conde; “mas
posso confiar na sua fortaleza? Você acha que pode
resistir à solicitação de um admirador favorecido, quando
ele implorar, em aflição, pelo nome daquele que o
roubou de uma benção?” “Eu não ficarei exposta a tal
tentação, senhor”, disse Emily com um orgulho modesto,
“pois não posso favorecer alguém que não devo mais
estimar. Contudo, eu dou a minha palavra prontamente.”
Lágrimas, no meio tempo, contradisseram a primeira
afirmação dela; e ela sentiu que somente o tempo e o
esforço poderiam erradicar uma afeição, que havia sido
formada sobre a estima virtuosa e acalentada pelo hábito
e pela dificuldade.
“Então, eu confiarei em você”, disse o conde, “pois,
a convicção é necessária à sua paz e esta não poderá, eu
percebo, ser obtida sem essa revelação. Meu filho foi
testemunha do mau comportamento do cavalheiro vezes
demais; ele estava próximo de ser atraído para isso; de
fato, ele foi levado a cometer muitas loucuras, mas eu o
resgatei da culpa e da destruição. Julgue então,
Mademoiselle St. Aubert, se um pai que quase perdeu
um filho pelo exemplo do cavalheiro não tem razões de
convicção para alertar aqueles que ele estima sobre
confiar a sua alegria a tais mãos. Eu mesmo vi o
cavalheiro ocupado no jogo com os homens, os quais eu
quase tremi ao ver. Se você ainda duvida, eu lhe
encaminharei para o meu filho”.
“Eu não posso duvidar do que você mesmo
testemunhou”, respondeu Emily, caindo em tristeza, “ou
do que você afirma. Mas, talvez o cavalheiro tenha sido
levado apenas para uma loucura transitória que ele pode
nunca repetir. Se você conhecesse a justiça dos
princípios antigos dele você entederia a minha
incredulidade presente”.
“Ah!”, observou o conde, “é difícil acreditar naquilo
que vai nos deixar miseráveis. Mas eu não lhe confortarei
com bajulações e falsas esperanças. Nós todos sabemos
o quão fascinante o vício do jogo é, e também o quão
difícil é vencer hábitos; talvez o cavalheiro possa se
reformar por um tempo, mas ele logo teria um relapso de
volta à devassidão, pois eu temo que não apenas os
laços do hábito sejam poderosos, mas que as morais dele
estejam corrompidas. E... por que eu deveria esconder de
você que o jogo não é o único vício dele? Ele parece ter
um gosto por todo prazer viciante”.
O conde hesitou e pausou; enquanto Emily se
esforçava para se manter em pé quando, com a sua
perturbação aumentando, ela já esperava o que mais ele
poderia dizer. Uma longa pausa de silêncio se seguiu,
durante a qual ele ficou visivelmente agitado; finalmente
disse: “seria uma delicadeza cruel que me convenceria a
ficar calado... e eu vou lhe informar que a extravagância
do cavalheiro o levou às prisões de Paris duas vezes, de
onde ele foi libertado a última vez, como me foi dito por
uma autoridade da qual eu não posso duvidar, por uma
condessa Parisiense muito conhecida, com quem ele
continuava a morar quando eu deixei Paris”.
Ele pausou novamente; e, olhando para Emily,
percebeu que o rosto dela mudou e que ela estava
caindo de seu assento; pegou-a, mas ela havia
desmaiado e ele gritou pedindo ajuda. Porém, eles
estavam longe de serem ouvidos por seus criados no
castelo e ele temia deixá-la, enquanto ia até lá procurar
assistência, mas, não sabia de outra maneira para obtê-
la; até que a fonte não muito distante chamou sua
atenção, esforçou-se para apoiar Emily contra a árvore
sob a qual ela havia se sentado, enquanto ia até lá
buscar água. Mas, novamente ficou perplexo, pois não
havia nada perto dele para poder trazer água; enquanto
a observava com sua ansiedade aumentando, ele pensou
ter visto no rosto dela sintomas da vida retornando.
Passou-se muito tempo, entretanto, antes dela
reviver, e, então, ela se encontrou sendo segurada, não
pelo conde, mas por Valancourt, que estava observando-
a com olhares de apreensão sincera e quem falou com
ela num tom trêmulo de ansiedade. Com o som da sua
voz familiar ela ergueu seus olhos, mas os fechou no
mesmo instante e uma fraqueza tomou-lhe conta de
novo.
O conde, com um olhar um tanto severo, acenou
para que ele se afastasse; mas ele apenas suspirou
profundamente e chamou o nome de Emily, enquanto
novamente levava a água que havia sido trazida aos
lábios dela. Quando o conde repetiu sua ação e a
acompanhou com palavras, Valancourt lhe respondeu
com um olhar de ressentimento profundo, e se recusou a
sair do local até que ela acordasse, ou a deixá-la aos
cuidados de qualquer outra pessoa. No instante seguinte,
sua consciência pareceu informá-lo de qual fora o
assunto da conversa do conde com Emily e a indignação
brilhou em seus olhos; mas, ela foi reprimida
rapidamente e sucedida por uma expressão de angústia
séria, o que induziu o conde a olhar para ele com mais
pena do que ressentimento, essa visão afetou tanto
Emily, quando ela acordou novamente, que cedeu à
fraqueza das lágrimas. Contudo, logo ela as restringiu e,
exercendo sua resolução de parecer recuperada,
levantou-se, agradeceu ao conde e Henri, com quem
Valancourt havia entrado no jardim, pelos seus cuidados
e andou em direção ao castelo sem reparar em
Valancourt, que, atingido no coração pelo
comportamento dela, exclamou em voz baixa: “bom
Deus! O que eu fiz para merecer isto? O que foi dito para
causar essa mudança?”
Emily, sem responder, mas com sua emoção
aumentando, acelerou seus passos. “O que lhe deixou
mal assim, Emily?”, perguntou ele enquanto ainda
caminhava ao lado dela. “Dê-me alguns instantes de
conversa, eu lhe imploro; eu estou muito agoniado!”
Apesar de isso ter sido falado em voz baixa, foi
ouvido pelo conde, que imediatamente respondeu que
Mademoiselle St. Aubert estava indisposta demais para
ter qualquer conversa, mas que ele se aventuraria a
prometer que ela veria Monsieur Valancourt na manhã
seguinte, se estivesse se sentindo melhor.
As faces de Valancourt enrubesceram; ele olhou
para o conde arrogantemente e depois para Emily com
expressões sucessivas de surpresa, dor e súplica, as
quais ela não podia compreender errado ou resistir, e
disse fracamente: “eu estarei melhor amanhã e se você
desejar aceitar a permissão do conde, eu lhe verei
então”.
“Ver-me-á!”, exclamou Valancourt, enquanto dava
um olhar de orgulho e ressentimento misturados para o
conde; e então, parecendo se recompor, ele acrescentou:
“mas eu virei, madame; eu aceitarei a permissão do
conde.”
Quando eles chegaram à porta do castelo, ele se
demorou por um instante, pois seu ressentimento havia
fugido; com um olhar tão expressivo de ternura e aflição
do qual o coração de Emily não era à prova, ele a
desejou um bom-dia e, curvando-se levemente para o
conde, desapareceu.
Emily foi para o seu aposento com uma opressão em
seu coração, que ela raramente havia sentido, então,
esforçou-se para se lembrar de tudo que o conde havia
contado, para examinar a probabilidade das
circunstâncias e, que ele mesmo acreditava e para
considerar a sua conduta futura com respeito a
Valancourt. Mas, quando tentou pensar, sua mente
recusou o controle e ela só conseguia sentir que estava
infeliz. Num momento, foi oprimida pela convicção de
que Valancourt não era mais o mesmo que ela havia
amado tão ternamente, o pensamento em quem havia
sido o suporte dela em meio à aflição e a animado com a
esperança de dias mais felizes, mas um caráter
destruído, sem valor, quem ela deveria se ensinar a
desprezar, se não conseguisse o esquecer. Então,
incapaz de suportar essa suposição terrível, rejeitou-a e
desdenhou acreditá-lo capaz de uma conduta tal como o
conde havia descrito, para quem ela acreditava que ele
havia sido difamado por algum inimigo ardiloso; e havia
momentos em que ela ousava até mesmo duvidar da
integridade do próprio conde e a suspeitar que ele fora
influenciado por algum motivo egoísta para quebrar a
conexão dela com Valancourt. Contudo, esse foi o erro de
um instante apenas; o caráter do conde, sobre o qual ela
tinha ouvido de Du Pont e muitas outras pessoas, e ela
mesma havia observado, permitiu-lhe julgar e proibir a
suposição; se de fato a confiança dela nele fosse menor,
não parecia haver uma tentação para fazê-lo adotar uma
conduta tão traiçoeira e tão cruel. A reflexão também
não a deixou preservar a esperança de que Valancourt
havia sido difamado para o conde, quem havia dito que
estava falando principalmente de sua própria observação
e da experiência de seu filho. Portanto, ela deveria se
separar de Valancourt para sempre, pois o que de
felicidade ou tranquilidade ela poderia esperar de um
homem cujos gostos foram degenerados a inclinações
baixas, e a quem o vício se tornou habitual? Quem ela
não deveria estimar mais, embora a lembrança do que
ele fora outrora e o longo hábito de amá-lo tornava muito
difícil desprezá-lo. “Oh, Valancourt!”, ela exclamava,
“tendo sido separados por tanto tempo... nós nos
encontramos só para ficarmos infelizes... só para nos
despedirmos para sempre?”
Em meio a todo o tumulto em sua mente, ela se
lembrou, obstinadamente, da aparente sinceridade e
simplicidade da conduta dele na noite anterior; e se
tivesse ousado confiar em seu próprio coração, este a
teria levado a ter muitas esperanças quanto a isso. Mas,
ela ainda não conseguia se decidir a dispensá-lo para
sempre sem obter mais provas de sua má conduta;
porém, não viu probabilidade de obtê-las se, de fato,
provas mais certas fossem possíveis. Contudo, era
necessário decidir algo e ela quase determinou ser
guiada em sua opinião apenas pela maneira na qual
Valancourt recebesse suas indicações sobre a conduta
recente dele.
Assim, passaram-se as horas até o jantar, quando
Emily, lutando contra a pressão de sua aflição, enxugou
suas lágrimas e juntou-se à familia na mesa, onde o
conde manteve nela a mais delicada atenção; mas a
condessa e a Mademoiselle Bearn, depois de olhar por
um momento para a expressão abatida dela com
surpresa, começaram, como de costume, a falar sobre
coisas triviais, enquanto os olhos de Lady Blanche
perguntavam muito de sua amiga, quem só conseguia
responder com um sorriso triste.
Emily saiu depois do jantar, tão cedo quanto
possível, e foi seguida por Lady Blanche, cujas perguntas
ansiosas, contudo, ela se encontrou bastante incapaz de
responder, e quem ela implorou que a poupasse do
motivo de sua aflição. Conversar sobre qualquer outro
assunto era de fato tão extremamente doloroso para ela
que logo desistiu da tentativa, e Blanche a deixou com
pena da tristeza que ela percebeu que não tinha o poder
de aliviar.
Emily, secretamente, decidiu ir para seu convento
em um ou dois dias; pois, companhia, especialmente
aquela da condessa e de Mademoiselle Bearn, era
intolerável para ela no seu atual estado de espírito; e, no
retiro do convento tal como na bondade da madre
abadessa, ela esperava recuperar o controle de sua
mente e ensiná-la a resignação ao evento que, como ela
percebeu claramente demais, estava se aproximando.
Ter perdido Valancourt para a morte, ou ver ele se
casando com uma rival, teria, ela achava, dado-lhe
menos angústia do que uma convicção da indignidade
dele, a qual deveria terminar em miséria para ele
próprio, e que a roubava até mesmo a imagem solitária
que seu coração havia estimado por tanto tempo. Essas
lembranças dolorosas foram interrompidas
momentaneamente por um bilhete de Valancourt, escrito
com evidente distração de mente, pedindo que ela lhe
permitisse vê-la naquela noite ao invés de na manhã
seguinte; um pedido que lhe causou tanta agitação que
ela foi incapaz de respondê-lo. Queria vê-lo e pôr fim ao
seu estado atual de suspense, porém temia a entrevista
e, incapaz de decidir por si própria, ela finalmente
mandou alguém implorar por alguns minutos de
conversa com o conde na biblioteca, onde ela lhe
entregou o bilhete e pediu a orientação dele. Após lê-lo,
ele disse que, se ela acreditasse estar bem o bastante
para aguentar a entrevista, a opinião dele era que, pelo
bem de ambas as partes, esta deveria acontecer naquela
noite.
“A afeição dele por você é, sem dúvida, uma muito
sincera”, acrescentou o conde; “e ele está parecendo tão
aflito, e você, minha amiga, está tão inquieta... que
quanto mais cedo a questão for decidida melhor.”
Portanto, Emily respondeu a Valancourt que ela o
veria, então, desgastou-se com tentativas de obter
fortaleza e compostura para suportá-la durante a cena
que se aproximava, uma cena tão agonizantemente,
oposta a qualquer uma pela qual ela havia esperado
ansiosamente!
PARTE IV
CAPÍTULO I

Todos os conselhos que nós trocamos,


As horas que passamos juntos,
Quando ralhamos com o tempo apressado
Por ter nos afastado – oh! E tudo foi esquecido?
E você deixará nosso amor antigo ser separado?
SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO [ 3 5 ]

À noite, quando Emily foi finalmente informada que


o Conde De Villefort pedia para vê-la, ela adivinhou que
Valancourt estivesse lá embaixo e, empenhando-se para
assumir compostura e recompor seu espírito, ela se
levantou e deixou o aposento; mas ao chegar à porta da
biblioteca, onde imaginava que ele estivesse, sua
emoção voltou com tanta energia que, temendo confiar
em si mesma dentro do quarto, ela voltou para o salão,
onde ficou por um tempo considerável, incapaz de
controlar seu espírito agitado.
Quando conseguiu se acalmar, encontrou Valancourt
na biblioteca, sentado com o conde, ambos se
levantaram com sua entrada; mas ela não ousava olhar
para Valancourt, e o conde, tendo a conduzido até uma
cadeira, saiu imediatamente.
Emily continuou com seus olhos fixos no chão,
sentindo tanta opressão em seu coração que ela não
conseguia falar e respirava com dificuldade; Valancourt,
contudo, jogou-se em uma cadeira ao lado dela e,
suspirando profundamente, continuou em silêncio
quando, se ela tivesse erguido seus olhos, teria
percebido as violentas emoções com as quais ele se
agitava.
Finalmente, com uma voz trêmula, ele disse: “eu
pedi para vê-la esta noite, para que eu pudesse pelo
menos ser poupado de mais tortura desse suspense que
o seu comportamento alterado me causou, e o qual as
pistas que acabei de receber do conde explicaram em
parte. Eu percebo que tenho inimigos, Emily, que
invejam a minha felicidade recente e que ficaram
ocupados procurando meios de destruí-la. Eu também
percebo que o tempo e a ausência enfraqueceram a
afeição que você outrora sentia por mim, e que agora
você consegue ser facilmente ensinada a me esquecer”.
As últimas palavras dele fraquejaram e Emily,
menos capaz de falar do que antes, continuou em
silêncio.
“Oh, que encontro é esse!”, exclamou Valancourt,
pulando de seu assento e andando pelo quarto com
passos apressados, “que encontro é esse depois de
nossa longa... tão longa separação!”
Ele se sentou de novo e, após um momento de luta
interna, acrescentou num tom firme, porém desesperado:
“isso é demais... eu não consigo aguentar isso! Emily,
você não vai falar comigo?”
Ele cobriu seu rosto com sua mão, como se para
esconder sua emoção, e pegou a de Emily, a qual ela não
puxou de volta. As lágrimas dela não puderam mais ser
contidas. E quando ele ergueu seus olhos e viu que ela
estava chorando, toda a sua ternura voltou e um brilho
de esperança pareceu cruzar a sua mente, pois ele
exclamou: “oh! Você tem pena de mim, então você
realmente me ama! Sim, você ainda é a minha Emily...
deixe-me acreditar nessas lágrimas que me dizem isso!”
Emily fez um esforço para recuperar a sua firmeza e,
enxugando-as rapidamente: “sim”, disse ela, “eu
realmente tenho pena de você... eu choro por você...
mas eu devo pensar em você com afeição? Você deve se
lembrar que na noite passada eu disse que ainda tinha
confiança o suficiente em sua sinceridade para acreditar
que, quando eu pedisse uma explicação de suas
palavras, você a daria para mim. Essa explicação é
desnecessária agora, eu entendo suas palavras
demasiado bem; mas prove pelo menos que a sua
sinceridade é merecedora da confiança que eu lhe dei
quando eu lhe perguntar se você está consciente de ser
o mesmo estimável Valancourt... a quem eu amei
outrora”.
“Amou outrora!”, gritou ele, “... o mesmo... o
mesmo!”, ele pausou com emoção extrema, então
acrescentou, numa voz ao mesmo tempo solene e
abatida: “não... eu não sou o mesmo! Eu me perdi... eu
não sou mais digno de você!”
Ele escondeu seu rosto novamente. Emily ficou
comovida demais com essa confissão para responder
imediatamente e, à medida que lutava para superar as
súplicas de seu coração, e agir com a firmeza decisiva
que era necessária para a sua paz futura, ela percebeu
todo o perigo de confiar em sua resolução por muito
tempo na presença de Valancourt, portanto, ficou ansiosa
para concluir uma entrevista que torturava a ambos.
Entretanto, quando ela considerou que esse era
provavelmente o último encontro deles, sua fortaleza
caiu de uma vez e ela só experimentou emoções de
ternura e desânimo.
Valancourt, enquanto isso, perdido em emoções de
remorso e aflição que ele não tinha nem o poder, nem a
vontade de expressar, ficou sentado quase insensível à
presença de Emily, suas feições ainda escondidas e seu
peito agitado com suspiros convulsivos.
“Poupe-me da necessidade”, disse Emily, retomando
sua fortaleza, “poupe-me da necessidade de mencionar
as circunstâncias de sua conduta que me obrigam a
terminar nossa conexão para sempre. Nós devemos nos
separar, eu estou lhe vendo agora pela última vez”.
“Impossível!”, gritou Valancourt, desperto de seu
silêncio profundo. “Você não pode querer dizer isso!
Você não pode pretender me afastar de você para
sempre!”
“Nós devemos nos separar”, repetiu Emily, com
ênfase, “e isso é para sempre! A sua própria conduta
tornou isso necessário”.
“Essa é a decisão do conde”, disse ele
arrogantemente, “não a sua, e eu pergunto com qual
autoridade ele interfere entre nós.” Ele se levantou e
andou pelo quarto com grande emoção.
“Deixe-me salvá-lo desse erro”, disse Emily, não
menos agitada, “é a minha decisão e, se você refletir
sobre a sua conduta por um momento, verás que a
minha paz futura requer isso”.
“A sua paz futura requer que nós nos separemos...
separemo-nos para sempre!”, disse Valancourt. “Como
eu não esperava ouvir você dizer isso!”
“E como eu não esperava que fosse necessário que
eu dissesse isso!”, replicou Emily, ao passo que sua voz
suavizou com ternura e suas lágrimas fluíram
novamente. “Que você... você, Valancourt, fosse perder a
minha estima!”
Ele ficou em silêncio por um instante, como se
estivesse sobrecarregado com a consciência de não
merecer mais essa estima, tal como pela certeza de ter
perdido-a, e então, com uma aflição apaixonada,
lamentou a criminalidade de sua conduta recente e a
infelicidade à qual ela havia o reduzido até que, tomado
por lembranças do passado e uma convicção do futuro,
ele caiu no choro e só falava em suspiros profundos e
fraquejantes.
O remorso que ele havia expressado e a aflição que
sofria não podiam ser testemunhados por Emily com
indiferença e, se ela não tivesse trazido à sua memória
todas as ircunstâncias, das quais o Conde De Villefort a
havia informado e tudo que ele havia dito sobre o perigo
de confiar no arrependimento formado sob a influência
da paixão, talvez ela pudesse ter confiado nas garantias
de seu coração e ter perdoado a conduta ruim dele, em
meio à ternura que aquele arrependimento excitou.
Voltando para a cadeira ao lado dela, Valancourt
finalmente disse, numa voz calma: “é verdade, eu caí...
caí em minha própria estima! Mas você poderia desistir,
Emily, tão rápido, tão de repente, se você não tivesse
deixado de me amar, ou se a sua conduta não fosse
governada pelos desejos, eu direi isso, pelos desejos
egoístas de outra pessoa! Do contrário você não estaria
disposta a ter esperança pela minha reabilitação... e você
aguentaria, ao me estranhar de você, abandonar-me na
miséria... sozinho!”
Emily chorava alto. “Não, Emily... não... você não
faria isso se ainda me amasse. Você encontraria a sua
própria felicidade ao salvar a minha.”
“Há muitas probabilidades contra essa esperança”,
disse Emily, “para me justificar confiar o conforto de
minha vida inteira a ela. Eu também não poderia
perguntar, se você iria querer que eu fizesse isso se
realmente me amasse?”
“Realmente lhe amasse!”, exclamou Valancourt.
“Será possível que você duvida do meu amor! Porém é
razoável que você o faça, já que eu estou menos
disposto a sofrer o horror de me separar de você do que
envolvê-la em minha ruína. Sim, Emily... eu estou
arruinado... irreparavelmente arruinado... estou
envolvido em dívidas que nunca conseguirei quitar!” O
olhar de Valancourt, que estava selvagem quando ele
disse isso, logo assentou com uma expressão de
desespero sombrio; e enquanto foi compelida a admirar a
sinceridade dele, Emily viu com uma angústia
inexprimível, novas razões para temer a brusquidão dos
sentimentos dele e o tamanho da miséria na qual esses
poderiam envolvê-lo. Após alguns minutos, ela pareceu
batalhar contra sua aflição e lutar pela fortaleza para
concluir a entrevista. “Eu não prolongarei esses
momentos”, disse ela, “com uma conversa que não pode
ter um propósito bom. Valancourt, adeus!”
“Você não vai embora?”, disse ele, interrompendo-a
ferozmente. “Você não irá me deixar assim... você não
irá me abandonar antes mesmo que minha mente possa
sugerir alguma possibilidade de entendimento entre uma
última indulgência do meu desespero e o suportar de
minha perda!” Emily ficou apavorada com a severidão no
olhar dele e disse, em uma voz apaziguante: “você
mesmo reconheceu que é necessário que nós nos
separemos; se você deseja que eu acredite que você me
ama, você repetirá esse reconhecimento. “Nunca...
nunca”, gritou ele. “Eu estava distraído quando o fiz. Oh!
Emily... isto é demais; apesar de não estar enganada
quanto às minhas falhas, você deve ter sido iludida para
ter esse agravamento contra elas. O conde é a barreira
entre nós; mas, ele não continuará sendo.”
“Você está distraído de fato”, disse Emily, “o conde
não é seu inimigo; pelo contrário, ele é meu amigo e isso
poderia, de certa forma, induzir-lhe a considerá-lo um
dos seus.”
“Seu amigo!”, disse Valancourt apressadamente.
“Há quanto tempo ele é seu amigo para conseguir lhe
fazer esquecer-se de seu amor? Foi ele que lhe
recomendou favorecer o Monsieur Du Pont, que, como
você diz, acompanhou-a da Itália e quem, eu digo,
roubou suas afeições? Mas, eu não tenho o direito de
lhe questionar; você é a sua própria mestra. Talvez Du
Pont não triunfe sobre as minhas graças perdidas por
muito tempo!” Mais assustada do que antes com os
olhares frenéticos de Valancourt, Emily disse num tom
quase não audível: “pelo amor de Deus, seja racional...
recomponha-se. Monsieur Du Pont não é seu rival, nem
o conde é o defensor dele. Você não tem um rival;
nenhum, exceto você mesmo, como seu inimigo. Meu
coração está torcido de angústia, o que vai aumentar já
que o seu comportamento frenético me mostra, mais do
que nunca, que você não é mais o Valancourt a quem
eu me acostumei a amar”.
Ele não respondeu, mas se sentou com seus braços
descansando na mesa e seu rosto coberto por suas
mãos; enquanto Emily ficou em pé, calada e tremendo,
lamentando por si mesma, e temendo deixá-lo nesse
estado de mente.
“Oh, excesso de miséria!”, ele exclamou
repentinamente, “que eu nunca lamente meus
sofrimentos sem acusar a mim mesmo, ou sem me
lembrar de você, sem me lembrar da loucura e do vício
pelos quais eu lhe perdi! Por que eu fui forçado a ir para
Paris e por que eu cedi a atrações que iriam me tornar
desprezível para sempre! Oh! Por que eu não posso
olhar para trás, sem interrupção, para aqueles dias de
inocência e paz, os dias do início de nosso amor!” A
memória pareceu derreter o seu coração e o frenesi de
desespero cedeu às lágrimas. Após uma longa pausa,
voltando-se para ela e pegando a sua mão, ele disse
numa voz mais baixa: “Emily, você consegue aguentar
que nós nos separemos... você pode decidir desistir de
um coração que lhe ama como o meu... um coração
que, apesar de ter errado... ter errado muito, não é
irrecuperável do erro, assim como você sabe bem,
nunca pode se recuperar do amor?” Emily não
respondeu, a não ser com suas lágrimas. “Você
consegue”, continuou ele, “consegue se esquecer de
todos os nossos dias de felicidade e confiança de
antes... quando eu não tinha um pensamento que
desejasse esconder de você... quando eu não tinha
gosto algum... nenhum prazer do qual você não
participasse?”
“Oh, não me leve à lembrança daqueles dias!”, disse
Emily, “a não ser que você possa me ensinar a esquecer
o presente; eu não quero lhe repreender; se o fiz, eu
deveria ser poupada dessas lágrimas; mas, por que você
vai tornar os seus sofrimentos atuais mais óbvios ao
contrastá-los com as suas virtudes antigas?”
“Aquelas virtudes”, disse Valancourt, “talvez
pudessem ser minhas novamente se a sua afeição, a
qual as nutria, não mudasse; mas, eu temo, de fato, eu
vejo que você não pode mais me amar; senão as horas
felizes que passamos juntos suplicariam por mim e você
não conseguiria relembrá-las sem se comover. Porém,
por que eu deveria me torturar com a lembrança... por
que eu continuo aqui? Eu estou arruinado... não seria
loucura lhe involver nos meus infortúnios, mesmo que o
seu coração ainda fosse meu? Eu não lhe incomodarei
mais. Mas, antes que eu vá”, acrescentou ele numa voz
solene, “deixe-me repetir que, qualquer que seja o meu
destino... o que quer que eu esteja condenado a sofrer,
eu sempre lhe amarei... amar-lhe-ei afetuosamente! Eu
vou, Emily, eu vou deixá-la... deixá-la para sempre!”
Quando falou essas últimas palavras, sua voz tremeu e
ele se jogou novamente na cadeira da qual havia
levantado. Emily ficou completamente incapaz de sair do
aposento, ou de dizer adeus. Toda impressão da conduta
criminosa dele e quase as das suas loucuras foi
obliterada da sua mente, e ela só sentia pena e aflição.
“Minha fortaleza se foi”, disse Valancourt
finalmente; “eu não consigo mais alcançá-la. Eu não
consigo lhe deixar agora... eu não consigo lhe dar um
adeus eterno; diga pelo menos que você me verá outra
vez.” O coração de Emily ficou um tanto aliviado com o
pedido e ela se esforçou para acreditar que não deveria
recusá-lo. Porém, ela ficou constrangida ao se lembrar
de que era uma visitante na casa do conde, que não
poderia ficar satisfeito com o retorno de Valancourt.
Contudo, outras considerações superaram essa e ela
concedeu o pedido dele, na condição de que ele não
pensaria no conde como seu inimigo, nem em Du Pont
como seu rival. Ele a deixou então, com um coração tão
aliviado por esse descanso curto que ele quase perdeu
qualquer noção anterior de sua miséria.
Emily foi para o seu quarto para poder recompor seu
estado de espírito e remover as marcas de suás lágrimas,
as quais trariam os comentários de censura da condessa
e sua favorita, assim como excitariam a curiosidade do
resto da família. Contudo, ela descobriu que era
impossível tranquilizar sua mente, da qual ela não
conseguia tirar a lembrança da cena recente com
Valancourt, ou a consciência de que ela o veria
novamente pela manhã. Esse encontro parecia mais
terrível para ela do que o último, pois a confissão
ingênua que ele havia feito sobre sua má conduta e
suas circunstâncias vergonhosas, com a força e a
ternura de afeição que essa confissão expôs, haviam
impressionado-a profundamente e, apesar de tudo que
ela havia ouvido e acreditado para desvantagem dele, a
estima por ele começou a retornar. Frequentemente,
parecia impossível para ela que ele pudesse ser
culpado das depravações relatadas sobre ele, as quais,
se não fossem inconsistentes com o fervor e a
impetuosidade dele, eram com a sua sinceridade e sua
sensibilidade. Qualquer que fosse a criminalidade que
havia dado origem aos rumores, agora ela não
conseguia acreditar que estes fossem completamente
verdadeiros, nem que o coração dele estivesse fechado
definitivamente contra os charmes da virtude. A
consciência profunda que ele sentia bem como
expressava sobre seus erros pareciam justificar essa
opinião; e como ela não entendia a instabilidade das
disposições juvenis quando contrariadas pelo hábito, e
que profissões frequentemente enganam aqueles que
as fazem tanto quanto aqueles que as ouvem, ela
poderia ter cedido às persuasões bajuladoras de seu
próprio coração e às súplicas de Valancourt, se não
tivesse sido guiada pela prudência superior do conde.
Ele mostrou para ela de maneira bem clara o perigo da
sua situação presente, de escutar promessas de
melhoramentos feitas sob a influência de uma forte
paixão, e a esperança fraca que podia se associar a
uma conexão, cujas chances de felicidades dependiam
da recuperação de circunstâncias arruinadas e da
reforma de hábitos corrompidos. Quanto a isso, ele
lamentou que Emily tivesse consentido com uma
segunda entrevista, pois ele viu o quanto isso iria
sacudir a resolução dela e aumentar a dificuldade da
sua vitória.
A mente dela ficou tão ocupada com interesses
mais próximos, que se esqueceu da velha governanta
e da história prometida, que havia excitado sua
curiosidade tão recentemente, mas a qual Dorothee,
provavelmente, não estava tão ansiosa para revelar,
pois a noite veio; as horas se passaram; e ela não
apareceu no quarto de Emily. Para esta foi uma noite
sombria e sem descanso; quanto mais ela fazia sua
memória se demorar nas cenas recentes com
Valancourt mais a sua resolução diminuía, e foi
obrigada a recordar todos os argumentos que o conde
havia usado para fortificá-la e todos os preceitos que
havia recebido de seu pai falecido quanto ao
autocontrole, para possibilitá-la agir com prudência e
dignidade nesta ocasião, que era a mais severa de sua
vida. Havia momentos quando toda a sua fortaleza a
abandonava e quando, lembrando-se da confiança de
tempos antigos, ela pensou ser impossível conseguir
renunciar a Valancourt. A reabilitação dele parecia
certa, então; os argumentos do Conde De Villefort
eram esquecidos; ela acreditava prontamente em tudo
que quisesse e estava disposta a enfrentar qualquer
mal que não fosse aquele de uma separação imediata.
Assim, passou-se a noite em lutas inefetivas entre
afeição e razão, e ela se levantou na manhã com uma
mente enfraquecida e irresoluta, e um corpo trêmulo
de fraqueza.
CAPÍTULO II

Venha, chore comigo; – sem esperança, sem


cura, sem auxílio!
ROMEU E JULIETA [ 3 6 ]

Enquanto isso, Valancourt sofria os terrores do


remorso e do desespero. Ver Emily havia renovado todo o
ardor com o qual ele a amava inicialmente, e que havia
sofrido um abatimento temporário pela ausência e pelas
cenas passageiras da vida corrida. Quando ele foi para
Languedoc, ao receber a carta dela, soube, então, que a
sua própria insensatez o havia involvido na ruína e não
era parte do plano dele esconder isso dela. Mas ele só
lamentava o atraso que sua má conduta traria ao
casamento deles e não previu que a informação poderia
induzi-la a terminar a conexão para sempre. Enquanto o
prospecto dessa separação tomava conta de sua mente,
ferida anteriormente com a autocensura, ele aguardava a
segunda entrevista deles num estado pouco longe da
distração, porém ainda estava inclinado a ter esperança
de que suas súplicas a convenceriam a não exercer isso.
Pela manhã, ele enviou alguém para saber quando ela o
veria; e o seu bilhete chegou quando ela estava com o
conde, que havia buscado uma oportunidade de
conversar com ela novamente sobre Valancourt, pois
percebeu a aflição extrema da mente dela e temia, mais
do que nunca, que a fortaleza a abandonaria. Quando
Emily dispensou o mensageiro, o conde voltou para o
assunto de sua última conversa, insistindo em seu medo
das súplicas de Valancourt e observando para ela
novamente a infelicidade contínua que se seguiria, se ela
se recusasse a enfrentar alguns desconfortos no
presente. De fato, os argumentos repetidos dele por si só
poderiam conseguir protegê-la da afeição que ela ainda
sentia por Valancourt, e ela decidiu ser controlada por
eles.
Contudo, a hora da entrevista chegou. Emily foi para
esta pelo menos com compostura em seu
comportamento, mas Valancourt estava tão agitado que
não conseguiu falar por vários minutos, e suas primeiras
palavras foram alternadamente de lamentação, súplica e
autocensura. Depois, ele disse: “Emily, eu te amei...
amo-te, mais do que a minha própria vida; mas eu fui
arruinado pela minha própria conduta. Porém, preferiria
lhe prender numa conexão que será miserável para você
ao invés de me submeter à punição, que me é devida,
perdê-la. Eu sou um desgraçado, mas não serei mais um
vilão. Não vou tentar abalar a sua resolução com as
súplicas de uma paixão egoísta. Eu a resigno, Emily, e
tentarei achar um consolo em pensar que apesar de eu
estar miserável, pelo menos você poderá ser feliz. O
mérito do sacrifício, de fato, não é meu, pois eu nunca
teria atingido a força de mente para desistir de você se a
sua prudência não tivesse exigido isso”.
Ele pausou um instante, ao passo que Emily tentava
esconder as lágrimas que vieram aos seus olhos. Ela
teria dito: “agora você está falando como deveria”, mas
se conteve. “Perdoe-me, Emily”, disse ele, “por todos os
sofrimentos que lhe causei e às vezes quando você
pensar no Valancourt miserável, lembre-se que o único
consolo dele seria acreditar que você não está mais
infeliz por causa da insensatez dele.” As lágrimas corriam
rápidas pela face dela e ele estava persistindo no frenesi
do desespero, quando Emily se esforçou para retomar
sua fortaleza e pôr fim à entrevista que só parecia
aumentar a aflição de ambos. Vendo as lágrimas dela e
que ela estava se levantando para ir embora, Valancourt
lutou para superar seus sentimentos mais uma vez e
acalmar os dela. “A lembrança dessa tristeza”, disse ele,
“será a minha proteção no futuro! Oh! Nunca mais o
exemplo ou a tentação terão o poder de me seduzir para
o mal, exaltado como eu ficarei com a lembrança da sua
aflição por mim”.
Emily ficou um tanto reconfortada com essa
garantia. “Estamos nos despedindo para sempre”, disse
ela; “mas, se a minha felicidade for importante para
você, sempre se lembrará de que nada pode contribuir
mais para ela do que acreditar que você recuperou a sua
própria estima.” Valancourt pegou a mão dela; os olhos
dele estavam cheios de lágrimas, e o adeus que ele teria
dito foi perdido em suspiros. Após alguns momentos,
Emily disse, com dificuldade e emoção: “adeus,
Valancourt, que você seja feliz!” Ela repetiu seu “adeus”
e tentou puxar sua mão; mas ele ainda a segurava e a
banhou de lágrimas. “Por que prolongar esses
momentos?”, disse Emily, em uma voz quase não
audível, “eles são dolorosos demais para nós dois.” “Isto
é demais... demais!”, exclamou Valancourt, deixando a
mão dela e se jogando em uma cadeira, onde escondeu
sua face com suas mãos e foi tomado por alguns
instantes por suspiros convulsivos. Após uma pausa
longa, durante a qual Emily chorou em silêncio e
Valancourt parecia estar lutando com a dor, ela se
levantou novamente para se despedir dele. Então, se
empenhando em recuperar sua compostura: “eu estou
lhe afligindo novamente”, disse ele, “mais deixe que a
angústia que eu sofro implore por mim.” Então,
acrescentou, com uma voz solene que tremia
frequentemente com a agitação de seu coração: “adeus,
Emily, você sempre será a única dona de minha ternura.
Às vezes, você pensará no Valancourt infeliz e será com
pena, embora não possa ser com estima. Oh! O que é o
mundo inteiro para mim, sem você... sem a sua estima!”
Ele se conteve. “Estou caindo novamente no erro que
acabei de lamentar. Eu não devo me impor mais sobre a
sua paciência, ou terei um relapso de desespero.”
Ele deu outro adieu para Emily, pressionou a mão
dela contra seus lábios, olhou para ela pela última vez, e
correu para fora do aposento.
Emily permaneceu na cadeira onde ele a havia
deixado, oprimida com uma dor em seu coração que mal
a deixava respirar, e escutando os passos dele indo
embora, ficando mais e mais fracos, conforme ele
atravessava o corredor. Ela foi levantada finalmente pela
voz da condessa no jardim e, quando sua atenção foi
desperta, o primeiro objeto que impressionou sua visão
foi a cadeira vazia onde Valancourt havia sentado. As
lágrimas, que por algum tempo haviam sido reprimidas
pelo tipo de choque que se seguiu à partida dele, vieram
para aliviá-la, e, enfim, ficou suficientemente recomposta
para voltar para o seu quarto.
CAPÍTULO III

Isto não é algo mortal, nem é algum som


Que a terra produza!
SHAKESPEARE [ 3 7 ]

Agora voltamos a mencionar Montoni, cuja raiva e


desapontamento, logo foram perdidos para interesses
mais próximos do que qualquer um que a infeliz Emily
tenha despertado. Suas depravações excederam os seus
limites de costume e chegaram a um ponto, no qual nem
a timidez do, então, Senado Comercial de Veneza, nem a
esperança deles da assistência ocasional dele lhes
permitiu serem coniventes, e foi decidido que o mesmo
esforço deveria completar a supressão do poder dele e a
correção de seus atos ultrajes. Enquanto uma tropa de
força considerável estava a ponto de receber ordens para
marchar a Udolpho, um oficial mais jovem, estimulado
em parte por ressentimento por alguma ofensa recebida
de Montoni, e em parte pela esperança de ganhar
distinção, solicitou uma entrevista com o Ministro que
dirigia a iniciativa. Ele explicou-lhe que a localização de
Udolpho o tornava forte demais para ser tomado por
força aberta, exceto após algumas operações tediosas;
que Montoni havia, recentemente, mostrado como era
capaz de acrescentar à sua força todas as vantagens
derivadas da habilidade de um comandante; que um
corpo de tropas tão considerável quanto o designado
para a expedição não conseguiria se aproximar de
Udolpho sem o conhecimento dele e que não contribuiria
para a honra da república ter uma grande parte de suas
forças normais empregadas, por tanto tempo quanto a
tomada de Udolpho requeresse, para o ataque a um
grupo de bandidos. O objetivo da expedição, acreditava
ele, poderia ser alcançado muito mais segura e
rapidamente misturando engenhosidade com força. Era
possível encontrar Montoni e seu grupo fora de seus
muros e atacá-los; ou, se aproximando da fortaleza com
o sigilo consistente com a marcha de tropas menores,
tirar vantagem da deslealdade, ou da negligência de
alguns no grupo dele e conquistar tudo
inesperadamente, mesmo dentro do castelo de Udolpho.
Esse conselho foi ouvido seriamente e o oficial que o
deu recebeu o comando das tropas exigidas para o seu
propósito. Conformemente, seus primeiros esforços
foram aqueles de apenas estratégia. Na vizinhança de
Udolpho ele esperou até ter garantido a assistência de
vários dos mercenários, dos quais ele não encontrou um,
a quem se dirigiu, que não estivesse disposto a punir seu
líder imperialista e assegurar o seu próprio perdão do
Senado. Ele também descobriu o número das tropas de
Montoni e que este havia aumentado muito desde seus
últimos sucessos. A conclusão de seu plano logo foi
efetuada. Depois de retornar com seu grupo, que
recebeu a palavra de comando e mais assistência de
seus amigos lá dentro, Montoni e seus oficiais foram
surpresos por uma divisão que havia sido dirigida para o
aposento deles, enquanto as outras mantinham o
combate leve que precedeu a rendição da guarnição
inteira. Entre as pessoas capturadas com Montoni estava
Orsino, o assassino que havia se unido a ele em sua
primeira chegada a Udolpho, e cujo acobertamento havia
sido revelado para o Senado pelo Conde Morano, após
sua tentativa fracassada de levar Emily embora. De fato,
foi em parte para o propósito de capturar esse homem,
através de quem uma pessoa do senado fora
assassinada, que a expedição foi posta em prática, e o
seu sucesso foi tão aceitável para eles que Morano foi
liberado imediatamente, não obstante as suspeitas
políticas que Montoni, através de sua acusação secreta,
havia excitado contra ele. A rapidez e facilidade com que
essa transação toda foi completada a preveniu de atrair
curiosidade, ou até mesmo de obter um lugar em
qualquer registro publicado daquela época; tal que Emily,
que permanecia em Languedoc, estava ignorante da
derrota e humilhação notável de seu antigo opressor.
A mente dela estava ocupada com sofrimentos que
nenhum esforço da razão havia sido capaz de controlar
até então. O Conde De Villefort, que sinceramente
tentava o que quer que a benevolência sugerisse para
acalmá-la, às vezes lhe concedia a solidão que ela
desejava, e em outras a levava para festas amigáveis e a
protegia constantemente, tanto quanto possível, das
perguntas astutas e da conversa crítica da condessa.
Muitas vezes ele a convidava para fazer excursões
consigo e sua filha, e assim tentava distraí-la
gradualmente do motivo de sua dor e despertar outros
interesses em sua mente. Emily, para quem ele parecia
ser o amigo sábio e protetor de sua juventude, logo
sentiu por ele a feição terna de uma filha, e o seu
coração se expandiu para sua jovem amiga Blanche
como para com uma irmã, cuja bondade e simplicidade
compensavam pela falta de qualidades mais brilhantes.
Passou-se um tempo antes que ela pudesse abstrair sua
mente suficientemente de Valancourt para escutar a
história prometida pela velha Dorothee, pela qual sua
curiosidade havia se interessado tanto outrora; mas
Dorothee, finalmente, lembrou-a disto e Emily pediu que
ela viesse para o seu quarto naquela noite.
Seus pensamentos estavam tomados por
considerações que despertavam sua curiosidade, e a
batida de Dorothee na porta, logo após a meia-noite,
surpreendeu-a quase tanto quanto se eles não tivessem
combinado. “Eu vim, finalmente, Lady”, disse ela; “eu me
pergunto o que é que faz meus membros velhos
tremerem tanto esta noite. Eu pensei que iria desmaiar
uma ou duas vezes enquanto estava vindo.” Emily a
sentou em uma cadeira e pediu que ela retomasse sua
disposição antes de entrar no assunto que a havia
trazido até lá. Ah”, disse Dorothee, “é pensar nisso, creio
eu, que me perturbou tanto. Em meu caminho até aqui
eu também passei pelo quarto onde a minha querida
Lady morreu, e tudo estava tão quieto e sombrio à minha
volta, que quase pensei tê-la visto, do jeito como ela
estava em seu leito de morte”.
Emily trouxe sua cadeira para perto da de Dorothee,
que continuou: “faz perto de vinte anos desde que minha
Lady Marquesa virou a noiva do castelo. Oh! Eu me
lembro bem de sua aparência, quando entrou no salão
principal, onde os criados estavam todos reunidos para
recebê-la, e o quão feliz o meu Lorde Marquês parecia.
Ah! Quem teria imaginado! Mas, como eu estava
dizendo, Ma’amselle, eu pensei que a Marquesa, com
todos os seus olhares doces, não parecia estar feliz de
coração e eu disse isso para meu marido, e ele disse que
era tudo imaginação; então, não disse mais nada, mas fiz
meus comentários quanto a tudo aquilo. Minha Lady
Marquesa tinha perto da sua idade na época e, como eu
pensei várias vezes, parecia muito com você. Bom! Meu
Lorde, o Marquês, manteve a casa aberta por muito
tempo e dava tais festas que havia tantas coisas
animadas acontecendo como nunca mais se viu no
castelo desde então. Eu me lembro que dancei com
Philip, o mordomo, num vestido rosa com fitas amarelas
e uma touca, não como as que elas usam agora, mas
com pregas no alto, com fitas nela toda. Caía muito bem,
de verdade; meu Lorde, o Marquês, reparou em mim.
Ah! Ele era um cavalheiro de boa índole então... quem
pensaria que ele!...”
“Mas a Marquesa, Dorothee”, disse Emily, “você
estava me falando dela”.
“Ah, sim, minha Lady Marquesa, eu achei que ela
não parecia estar feliz de coração, e uma vez, pouco
depois do casamento, eu a encontrei chorando em seu
quarto; mas quando ela me viu, enxugou as lágrimas e
fingiu sorrir. Eu não ousei perguntar qual era o problema;
mas, na próxima vez que a vi chorando, eu o fiz e ela
pareceu ter ficado chateada; então, não falei mais nada.
Eu descobri, algum tempo depois, como era. O pai dela,
ao que parece, tinha ordenado que ela se casasse com o
meu lorde, o Marquês, pelo dinheiro dele, e havia outro
nobre, ou um cavalheiro, de quem ela gostava mais e
que gostava muito dela, e ela lamentava pela perda dele,
imagino eu, mas nunca me contou. Minha Lady sempre
tentava esconder suas lágrimas do Marquês, pois eu a vi,
muitas vezes, depois dela ficar triste parecendo tão
calma e doce quando ele entrava no quarto! Mas, o meu
lorde de repente se tornou tenebroso e agitado, e muitas
vezes ele era bastante rude com a minha lady. Isso a
afligia muito, como eu via, pois ela nunca reclamava e
costumava tentar agradá-lo tão docemente e deixá-lo de
bom humor, que muitas vezes meu coração doía de ver.
Contudo, ele era teimoso e dava respostas ásperas para
ela, então, quando via que tudo era em vão, ela
costumava ir para o seu quarto e chorar! Eu costumava
ouvi-la da antessala, pobre Lady! Mas, eu raramente me
atrevi a ir vê-la. Às vezes, achava que meu lorde tinha
ciúmes. Por certo a minha lady era muito admirada, e
boa demais para receber suspeitas. Dentre os muitos
cavalheiros que visitavam o castelo, havia um que eu
sempre pensei que fosse perfeitamente adequado para
minha lady; ele era tão cortês, porém, tão espirituoso, e
sempre havia uma graça em tudo que ele fazia ou dizia.
Eu sempre observei que, sempre que ele estava lá, o
Marquês ficava mas taciturno e a minha lady mais
pensativa, e veio à minha mente que este era o
cavalheiro com que ela deveria ter se casado, mas eu
nunca consegui descobri com certeza.”
“Qual era o nome do cavalheiro, Dorothee?”,
perguntou Emily.
“Oras, isso eu não vou contar nem para você,
Ma’amselle, pois algum mal pode sair disto. Uma vez eu
ouvi de uma pessoa, já falecida, que a Marquesa não era
esposa do Marquês por lei, pois já havia se casado
secretamente com o cavalheiro a quem ela era tão
apegada e depois teve medo de assumir para o seu pai,
um homem muito severo; mas isso parece ser muito
improvável, nunca pus muita fé nisso. Como eu estava
dizendo, o Marquês ficava de mau humor a maioria das
vezes, penso eu, em que o cavalheiro, de quem falei,
estava no castelo, e, enfim, o tratamento ruim dele para
com minha lady a deixou muito infeliz. Ele raramente
recebia qualquer visitante no castelo, e a fez viver quase
sozinha. Eu era a companheira constante dela e vi tudo o
que sofreu, mas ainda assim ela nunca reclamava.
Depois que as coisas continuaram assim por quase um
ano, minha lady adoeceu e eu pensei que a choradeira
constante dela havia causado isso... mas, ah! Eu temo
que tenha sido pior que aquilo.”
“Pior! Dorothee”, exclamou Emily. “Isso pode ser
possível?”
“Eu temo que sim, Madame, havia aparências
estranhas. Mas, eu só lhe contarei o que aconteceu. Meu
Lorde, o Marquês...”
“Silêncio, Dorothee, que barulhos foram esses?”,
perguntou Emily.
O rosto de Dorothee mudou e, enquanto ambas
escutavam, elas ouviram na calada da noite uma música
de doçura incomum.
“Eu certamente já ouvi essa voz antes!”, disse Emily
finalmente.
“Eu já a ouvi muitas vezes e nessa mesma hora”,
disse Dorothee solenemente, “e, se os espíritos trazem
música... essa é com certeza a música de um deles!”
Conforme os sons se aproximavam, Emily soube que
eles eram os mesmos que ela ouvira antes, na época da
morte de seu pai e, quer fosse a lembrança destes
revivida naquele momento, pelo evento melancólico;
quer ela estivesse tomada por medo supersticioso, é
certo que ficou tão afetada que quase desmaiou.
“Eu acho que já lhe contei uma vez, Madame”, disse
Dorothee, “que eu ouvi essa música pela primeira vez,
logo depois da morte de minha lady! Eu me lembro bem
da noite!”
“Ah! Está vindo de novo!”, disse Emily. “Vamos abrir
a janela e escutar.”
Elas fizeram isso; mas, logo os sons flutuaram para
longe gradualmente, e tudo ficou quieto de novo; eles
pareciam ter se perdido em meio às árvores, cujos topos
em tufos eram visíveis no horizonte límpido, enquanto
todos os outros aspectos da cena estavam envoltos na
escuridão da noite, a qual, contudo, permitia aos olhos
uma visão indistinta de alguns objetos abaixo, no jardim.
Enquanto Emily se inclinava na janela,
contemplando, com um tipo de medo emocionante, a
escuridão, e depois o côncavo sem uma nuvem acima
iluminado apenas pelas estrelas, Dorothee continuou sua
narrativa em voz baixa:
“Eu estava dizendo, Ma’amselle, que me lembro
bem de quando ouvi essa música pela primeira vez. Foi
numa noite, logo após a morte de minha lady, quando
fiquei acordada até mais tarde do que de costume e, não
sei como foi, mas eu havia pensado bastante sobre
minha pobre senhora e sobre a cena triste que eu havia
testemunhado. O castelo estava bem silencioso e eu
estava no quarto a uma boa distância do resto dos
criados, isso, juntamente com as coisas pesarosas nas
quais eu estava pensando, suponho, deixaram-me triste,
pois eu me sentia muito sozinha e desamparada daquela
forma, ficava escutando muitas vezes querendo ouvir
algum som no castelo, pois você sabe, Ma’amselle,
quando se ouve pessoas se mexendo, nós não nos
importamos muito com nossos medos. Mas, todos os
criados tinham ido dormir e eu fiquei acordada, pensando
e pensando, até que quase fiquei com medo de olhar em
volta do quarto e o rosto de minha pobre lady vinha à
minha mente muitas vezes, do jeito que eu a vi, quando
ela estava morrendo e, uma ou duas vezes, quase pensei
ter visto ela na minha frente, quando de repente ouvi
uma música tão doce! Parecia que estava bem na minha
janela e nunca esquecerei do que senti. Eu não consegui
sair de minha cadeira, mas quando pensei que fosse a
voz de minha lady, as lágrimas vieram aos meus olhos.
Eu já havia ouvido ela cantar muitas vezes quando era
viva, e certamente tinha uma voz muito bonita; ouvi-la
havia me feito chorar muitas vezes, quando ela sentava
em sua janela à noite, tocando músicas tão tristes em
seu alaúde e cantando também. Oh! Tocava o nosso
coração! Eu já escutei da antessala, durante uma hora
inteira, e, às vezes, ela se sentava tocando, com a janela
aberta, quando era verão, até ficar bem escuro, e
quando eu entrava para fechá-la ela nem parecia saber
que horas eram. Mas, como eu disse, Madame”,
continuou Dorothee, “quando escutei a música que veio
agora mesmo, pensei que era a minha lady falecida e
pensei isso de novo, frequentemente, quando a ouvi,
como tem acontecido em intervalos, desde então. Às
vezes, passam-se muitos meses, mas ela ainda volta.”
“É extraordinário”, observou Emily, “que ninguém
tenha descoberto o músico ainda.”
“Sim, Ma’amselle, se fosse algo terrestre isso teria
sido descoberto há muito tempo atrás, mas quem teria
coragem de seguir um espírito, e se tivesse, o que
resultaria de bom? Pois espíritos, você sabe, Madame,
podem tomar qualquer forma, ou forma nenhuma, e eles
ficam aqui num minuto e, talvez, no outro estejam num
lugar muito diferente!”
“Por favor, continue a sua história da Marquesa”,
pediu Emily, “e me conte sobre a maneira da sua morte”.
“Eu o farei, Madame”, disse Dorothee, “mas vamos
sair da janela?”
“Esse ar fresco me refresca”, respondeu Emily, “e eu
adoro o som da floresta e olhar para sua paisagem
escurecida. Você estava falando do lorde, o Marquês,
quando a música nos interrompeu”.
“Sim, Madame, meu lorde, o Marquês, ficou mais e
mais sombrio; e minha lady foi ficando pior e pior até
que, uma noite, ela ficou muito doente mesmo. Eu fui
chamada e, quando cheguei perto de sua cama, fiquei
chocada ao ver o rosto dela... estava tão mudado! Ela
olhou para mim piedosamente e pediu que eu chamasse
o Marquês novamente, pois ele ainda não havia vindo, e
que eu o dissesse que ela tinha algo em particular para
falar com ele. Ele veio, finalmente, e parecia muito triste
em vê-la, mas falou muito pouco. Minha Lady lhe disse
que sentia estar morrendo, e queria falar com ele a sós,
então, eu saí do quarto, mas nunca me esquecerei do
olhar dele enquanto eu estava indo.”
“Quando voltei, aventurei-me a relembrar meu lorde
de chamar um médico, pois supus que ele tivesse se
esquecido de fazer isso em meio à sua dor; mas minha
lady disse que era tarde demais. Meu lorde, entretanto,
longe de pensar isso, parecia considerar a doença dela
algo leve... até que foi tomada por umas dores terríveis!
Oh, eu nunca me esquecerei do grito dela! Meu Lorde,
então, enviou um homem e um cavalo para buscar o
médico e caminhou pelo quarto e por todo o castelo na
maior aflição; eu fiquei ao lado de minha querida lady e
fiz o que pude para aliviar seu sofrimento. Ela tinha
intervalos de tranquilidade, e, num desses, chamou meu
lorde novamente; quando ele chegou eu estava saindo,
mas ela pediu que eu não a deixasse. Oh! Eu nunca me
esquecerei da cena que se passou... mal consigo
aguentar pensar nisso agora! Meu Lorde quase se
distraiu, pois minha lady se comportou com tanta
bondade e fez tantos esforços para confortá-lo que, se
ele já tivesse deixado alguma suspeita entrar em sua
mente, teria ficado convencido de que estava errado. E
certamente ele pareceu ficar abismado com o
tratamento dela e aquilo o afetou tanto que ele passou
mal.
“Então, nós tiramos meu lorde do quarto; ele foi
para a sua biblioteca e se jogou no chão, lá ficou, e não
ouvia a razão que era dita a ele. Quando minha Lady se
recuperou, perguntou por ele, mas depois disse que não
conseguia aguentar ver o seu sofrimento e pediu que nós
a deixássemos morrer calmamente. Ela morreu nos meus
braços, Ma’amselle, e se foi tão tranquilamente quanto
uma criança, depois que toda a violência de sua doença
havia passado.”
Dorothee pausou e chorou, Emily chorou com ela,
pois ficou muito comovida pela bondade da Marquesa
falecida e pela paciência mansa, com a qual ela havia
sofrido.
“Quando o médico veio”, continuou Dorothee, “ah!
Ele chegou tarde demais; pareceu ficar muito chocado ao
vê-la, pois logo após sua morte uma cor escura se
espalhou por toda a sua face. Depois de mandar todos os
criados saírem do quarto, ele me fez várias perguntas
estranhas sobre a Marquesa, particularmente com
respeito à maneira pela qual ela foi tomada pela doença.
Muitas vezes ele sacudia sua cabeça com as minhas
respostas e parecia querer dizer mais do que escolhia
falar. Mas eu o compreendi bem demais. Contudo,
mantive meus comentários para mim mesma e só os
contei para o meu marido, que me ordenou que
segurasse minha língua. Alguns dos outros criados,
entretanto, suspeitavam do que eu fiz e rumores
estranhos eram sussurrados pela vizinhança, mas
ninguém ousava causar nenhuma comoção quanto a
isso. Quando meu lorde ouviu que minha lady estava
morta, ele se trancou e não viu ninguém, a não ser o
médico, que costumava ficar a sós com ele, às vezes, por
uma hora inteira; depois disso, o doutor nunca mais falou
comigo sobre minha Lady. Quando ela foi enterrada, na
igreja do convento, um pouco distante daqui, se a lua
estivesse no céu, você poderia ver as torres daqui,
Ma’amselle, todos os criados do meu lorde seguiram o
funeral e não havia um olho seco entre eles, pois ela
havia feito um bem enorme entre os pobres. Meu Lorde,
o Marquês, eu nunca vi alguém tão melancólico quanto
ele ficou depois, e, às vezes, tinha tais ataques de
violência que nós quase achamos que ele tivesse perdido
a razão. Não ficou no castelo por muito tempo, mas se
juntou ao seu regimento, e, logo em seguida, todos os
criados, exceto meu marido e eu, receberam um aviso
para irem embora, pois meu lorde havia ido para as
guerras. Eu nunca o vi depois disso, pois não voltou para
o castelo, apesar de ser um lugar ótimo, e nunca
terminou aqueles belos quartos que ele estava
construindo na ala oeste, de certa forma, o castelo ficou
fechado, desde então, até que meu lorde, o então conde,
veio para cá.”
“A morte da Marquesa parece extraordinária”, disse
Emily, que estava ansiosa para saber mais do que
ousava perguntar.
“Sim, Madame”, respondeu Dorothee, “foi
extraordinária; eu lhe contei tudo que vi e você pode
adivinhar facilmente o que eu penso, não posso falar
mais, porque não espalharia boatos que pudessem
ofender meu lorde, o conde.”
“Você está muito correta”, disse Emily. “Onde o
Marquês morreu?”
“No norte da França, creio eu, Ma’amselle”,
respondeu Dorothee. “Eu fiquei muito contente quando
soube que meu lorde, o atual conde, estava vindo, pois
este foi um lugar triste e desolado durante esses anos e,
às vezes, nós ouvíamos tais barulhos estranhos depois
da morte de minha Lady que, como eu lhe disse antes,
meu marido e eu fomos para um chalé na vizinhança. E
agora, Lady, eu lhe contei toda essa triste história e
todas as minhas opiniões e você prometeu, você sabe,
nunca contar uma coisa mínima sobre isso.”
“Eu prometi”, disse Emily, “e serei fiel à minha
promessa, Dorothee; o que você me contou me
interessou mais do que você pode imaginar. Eu só queria
poder lhe convencer a me contar o nome do cavalheiro
que você achava que merecia tanto a Marquesa”.
Entretanto, Dorothee se recusou a fazer isso,
firmemente, e, então, voltou a reparar na semelhança
entre Emily e a Marquesa falecida. “Há outro retrato
dela”, acrescentou, “pendurado num quarto da suíte que
estava fechada. Ele foi pintado, como eu ouvi dizer,
antes dela se casar e parece muito mais com você do
que a miniatura.” Quando Emily expressou um forte
desejo de vê-lo, Dorothee respondeu que ela não gostava
de abrir aqueles quartos; mas Emily a lembrou de que o
conde havia falado, outro dia, em mandar que eles
fossem abertos; sobre o que Dorothee pareceu pensar
muito, então ela admitiu que sentiria isso menos, se
entrasse neles com Emily primeiro do que de outra
forma, e enfim prometeu mostrar-lhe o retrato.
A noite estava muito avançada e Emily estava
comovida demais pela narrativa das cenas, que se
passaram naqueles aposentos, para querer visitá-los
naquela hora, mas pediu que Dorothee voltasse na noite
seguinte, quando elas, provavelmente, não seriam vistas,
e a conduzisse até lá. Além do seu desejo de examinar a
pintura, ela sentia uma curiosidade vibrante em ver o
quarto, no qual a Marquesa havia morrido, e o qual
Dorothee tinha dito que continuava, com a cama e a
mobília, exatamente como quando o corpo foi removido
para o enterro. As emoções solenes, que a expectativa
de ver tal cena havia despertado, estavam em harmonia
com o tom atual de sua mente, deprimida pelo
desapontamento severo. Coisas alegres na verdade
contribuíam ao invés de removerem essa depressão;
mas, talvez ela tivesse cedido demais à sua inclinação
melancólica e lamentava o infortúnio imprudentemente,
o que nenhuma virtude dela própria podia ter a ensinado
a evitar, apesar de nenhum esforço da razão conseguir
fazer com que ela ficasse indiferente com a degradação
daquele que ela outrora havia estimado e amado.
Dorothee prometeu voltar na noite seguinte com as
chaves dos quartos, então desejou um bom repouso para
Emily e partiu. Contudo, Emily continuou na janela
refletindo sobre o fim melancólico da Marquesa e
escutando, com expectativa extrema, pelo retorno da
música. Mas, o silêncio da noite permaneceu intacto por
muito tempo, exceto pelos sons murmurados da floresta,
conforme eles flutuavam na brisa, e depois pelo sino
distante do convento marcando uma hora da manhã. Ela
saiu da janela e, enquanto estava sentada em sua cama
satisfazendo devaneios melancólicos que a solidão de
sua mente assistia, o silêncio foi interrompido não
apenas por música, mas por sons incomuns que
pareciam vir ou do quarto adjacente ao dela, ou de um
abaixo. A catástrofe terrível que lhe fora relatada,
juntamente com as circunstâncias misteriosas que teriam
ocorrido no castelo, desde então, haviam chocado seu
espírito, tanto que ela caiu na fraqueza da superstição
por um instante. Porém, como os sons não voltaram, foi
dormir para se esquecer da história desastrosa, que
havia ouvido, com o sono.
CAPÍTULO IV

Agora é a hora da noite,


Quando todos os túmulos se escancaram,
Cada um deixa seu rancor sair,
Para deslizar pelos corredores da igreja.
SHAKESPEARE [ 3 8 ]

Na noite seguinte, perto da mesma hora que na


anterior, Dorothee veio para o quarto de Emily com as
chaves para aquela suíte de quartos que era,
particularmente, apropriada para a Marquesa falecida.
Estes se estendiam ao longo do lado norte do castelo,
formando parte do prédio antigo; e, como o quarto de
Emily ficava no lado sul, elas tiveram que passar por uma
grande extensão da fortaleza e pelos quartos de vários
membros da família, cujas observações Dorothee estava
ansiosa para evitar já que estas poderiam incitar
perguntas e levantar rumores, tais que iriam desagradar
o conde. Portanto, pediu que esperassem meia hora
antes de seguirem adiante, para que pudessem ter
certeza de que todos os criados tivessem ido para a
cama. Era quase uma da manhã antes do castelo ficar
perfeitamente quieto, ou de Dorothee achar que fosse
prudente sair do quarto. Nesse intervalo, a sua
disposição pareceu ficar muito afetada com a lembrança
de eventos passados e do prospecto de entrar
novamente em lugares onde esses haviam ocorrido, e
nos quais ela não havia estado por muitos anos. Emily
também estava comovida, mas seus sentimentos eram
mais de solenidade e menos de medo. Elas, enfim,
despertaram do silêncio, no qual a reflexão e a
expectativa haviam as colocado, e saíram do quarto.
Dorothee primeiramente carregava o lampião, mas sua
mão tremia com tanta fraqueza e medo que Emily o
tomou dela e ofereceu seu braço para apoiar os seus
passos débeis.
Elas tiveram que descer a escadaria grande e, após
passarem por uma vasta extensão do castelo, tiveram
que subir por outra, que levava até a suíte de quartos da
qual elas estavam à procura. Andaram cuidadosamente
ao longo do corredor aberto, que corria pelo grande
salão, e para o qual os quartos do conde, condessa e
Lady Blanche davam, e de lá, descendo a escadaria
principal, elas cruzaram o próprio salão. Procedendo
através da sala dos criados, onde as chamas da lenha,
apagando-se, ainda brilhavam na lareira e a mesa de
jantar estava rodeada por cadeiras que obstruíam a
passagem, elas chegaram ao pé da escadaria dos
fundos. A velha Dorothee pausou e olhou em volta:
“vamos escutar, se alguma coisa está se mexendo;
Ma’amselle, você ouve alguma voz?”
“Nenhuma”, disse Emily, “certamente não há
pessoa alguma acordada no castelo, além de nós.”
“Não, Ma’amselle”, disse Dorothee, “mas eu nunca
estive aqui antes a essa hora e, dado o que sei, meus
medos não são infundados.”
“O que você sabe?”, perguntou Emily.
“Oh, Ma’amselle, nós não temos tempo para
conversar agora; vamos continuar. Aquela porta, à
esquerda, é a que devemos abrir.”
Elas prosseguiram e, tendo chegado ao topo da
escada, Dorothee colocou a chave na fechadura. “Ah”,
disse ela enquanto tentava virá-la, “tantos anos se
passaram desde que ela foi aberta que eu temo que não
vá se mexer.” Emily teve mais sucesso e elas
imediatamente entraram num quarto espaçoso e antigo.
“Ah!”, exclamou Dorothee enquanto entrava, “a
última vez que passei por essa porta... eu seguia o corpo
de minha pobre Lady!”
Impressionada com a circunstância e comovida pelo
ar empoeirado e solene do aposento, Emily permaneceu
em silêncio e elas seguiram em frente por uma longa
suíte de quartos, até que chegaram a um mais espaçoso
do que o resto, e rico com os restos do esplendor
desbotado.
“Vamos descansar aqui um pouco, Madame”, disse
Dorothee fracamente, “estamos entrando no quarto onde
minha Lady morreu! Aquela porta dá para ele. Ah,
Ma’amselle! Por que você me convenceu a vir?”
Emily puxou uma das poltronas pesadas, com a qual
o aposento era mobiliado, e implorou que Dorothee se
sentasse e tentasse se recompor.
“Como a visão desse lugar traz tudo que se passou
antes à minha mente!”, disse Dorothee; “parece que
foi somente ontem que todo aquele evento triste
aconteceu!”
“Ah! Que barulho é esse?”, perguntou Emily.
Dorothee, levantando-se parcialmente de sua
poltrona, olhou em volta do aposento, e elas
escutaram, mas, como tudo continuava silencioso, a
velha senhora falou novamente no motivo de sua
tristeza. “Este salão, Ma’amselle, era o aposento mais
fino do castelo na época de minha Lady e foi arrumado
de acordo com o próprio gosto dela. Toda essa mobília
grandiosa, mas agora você mal consegue ver o que é
por causa da poeira e nossa luz não é das melhores...
ah! Como eu via esse quarto iluminado na época de
minha Lady! Toda essa mobília grandiosa veio de Paris
e foi feita à moda de algumas peças do Louvre lá,
exceto aqueles espelhos grandes, e eles vieram de
algum lugar distante, e aquela tapeçaria rica. Como as
cores já se desbotaram desde que eu o vi pela última
vez!”
“Eu entendi que isso foi há vinte anos”, observou
Emily.
“Perto disso, Madame”, disse Dorothee, “e bem
lembrado, mas todo o tempo, desde então até agora,
não parece nada. Aquela tapeçaria costumava ser muito
admirada, ela conta a história de algum livro famoso ou
outro, mas eu me esqueci do nome”.
Emily se levantou para examinar as figuras que a
tapeçaria exibia e descobriu, através dos versos, na
língua Provençal, bordados embaixo de cada cena, que
ela mostrava histórias de alguns romances antigos mais
célebres.
Como a disposição de Dorothee estava mais
recomposta, ela se levantou e destrancou a porta que
levava para o aposento da Marquesa falecida, Emily
entrou num quarto alto, com tapeçarias escuras
penduradas, e tão espaçoso que o lampião, que ela
levantava, não mostrava a sua extensão; enquanto
Dorothee, ao entrar, caiu em uma cadeira onde,
suspirando profundamente, mal confiava em si mesma
com a visão de uma cena tão comovente, para ela.
Algum tempo se passou antes que Emily avistasse
através da escuridão a cama na qual foi dito que a
Marquesa havia morrido; quando, andando até o lado
superior do quarto, ela viu o dossel abobadado de
tecido adamascado verde-escuro, com as cortinas
descendo até o chão, como uma tenda, meio abertas e,
aparentemente, permanecendo assim como foram
deixadas vinte anos atrás; e, sobre toda a cama, fora
colocada uma coberta, ou mortalha, de veludo preto
que pendia até o chão. Emily estremeceu, quando
levantou o lampião sobre ela e, olhando para dentro
das cortinas escuras, onde quase esperava ver um
rosto humano, e se lembrando de repente do horror que
havia sofrido ao ver Madame Montoni moribunda no
quarto da torre de Udolpho, seu espírito enfraqueceu e
ela estava se virando da cama quando Dorothee, que
havia chegado perto dela, exclamou: “Santa Virgem! Eu
acho que estou vendo minha Lady estendida sobre
aquela mortalha... como a vi pela última vez!”
Chocada com essa exclamação, Emily olhou para
dentro das cortinas de novo involuntariamente, mas só a
escuridão da mortalha aparecia; enquanto Dorothee foi
forçada a se apoiar na lateral da cama e imediatamente
lágrimas lhe trouxeram um pouco de alívio.
“Ah!”, disse ela, após ter chorado por um tempo, “foi
aqui que eu me sentei naquela noite terrível e segurei a
mão de minha Lady, ouvi suas últimas palavras e vi todo
o seu sofrimento... aqui ela morreu nos meus braços!”
“Não se deixe reviver essas lembranças
dolorosas”, disse Emily, “vamos embora. Mostre-me a
pintura que você mencionou, se isso não for lhe
comover demais”.
“Está pendurada na janela”, disse Dorothee se
levantando e indo em direção a uma pequena porta
próxima à cabeceira da cama, a qual ela abriu, e Emily
seguiu com o lampião para o vestiário da Marquesa
falecida.
“Ah! Lá está ela, Ma’amselle”, disse Dorothee
apontando para um retrato de uma Lady, “lá está ela
própria! Justamente como ela era quando veio para o
castelo pela primeira vez. Você vê, Madame, ela estava
desabrochando como você na época... e foi cortada tão
cedo!”
Enquanto Dorothee falava, Emily estava
examinando a pintura atenciosamente, a qual tinha
uma forte semelhança com a miniatura, apesar da
expressão facial em cada uma ser um tanto diferente;
mas, ainda assim, ela pensou ter visto algo daquela
melancolia pensativa no retrato, o que era uma
característica tão forte da miniatura.
“Por favor, Ma’amselle, fique do lado da pintura para
que eu possa olhar para vocês juntas”, pediu Dorothee,
que, quando o pedido foi atendido, exclamou novamente
com a semelhança. Quando olhou para ela, Emily
também pensou já ter visto uma pessoa muito parecida
com a Lady em algum lugar, embora ela não conseguisse
se lembrar de quem era.
Nesse vestiário estavam muitas memórias da
Marquesa falecida; um roupão e vários artigos de seu
vestuário estavam espalhados sobre as cadeiras, como
se tivessem acabado de serem jogados ali. No chão
estava um par de sapatos de cetim preto e, na
penteadeira, um par de luvas e um longo véu preto que,
quando Emily o pegou para examiná-lo, ela viu que
estava se desfazendo com o tempo.
“Ah!”, disse Dorothee, observando o véu, “a mão de
minha Lady o colocou aí; ele nunca foi movido desde
então!”
Estremecendo, Emily o colocou de volta,
imediatamente. “Eu me lembro bem de vê-la o tirando”,
continuou Dorothee, “foi na noite anterior à sua morte,
quando ela havia voltado de uma pequena caminhada,
que eu a convenci a fazer nos jardins, e parecia ter ficado
renovada com isso. Eu lhe disse o quão melhor ela
parecia e me lembro do sorriso lânguido que me deu;
mas, ah! Mal imaginávamos, que ela estava para morrer
naquela noite.”
Dorothee chorou, novamente, e, levantando o véu,
colocou-o sobre Emily repentinamente, que estremeceu
ao vê-lo em volta de si, descendo até os seus pés e,
enquanto tentava tirá-lo, Dorothee implorou que ela
ficasse com ele por um instante. “Eu pensei”,
acrescentou ela, “em como você ficaria parecida com a
minha querida patroa com esse véu; que a sua vida,
Ma’amselle, seja mais feliz do que a dela!”
Depois de se libertar do véu, Emily o colocou na
penteadeira novamente e inspecionou o vestiário, onde
cada objeto no qual ela fixava seu olhar parecia falar da
Marquesa. Numa grande janela de sacada com vitrais
ficava uma mesa com um crucifixo prata e um livro de
orações aberto; Emily se lembrou com emoção do que
Dorothee havia mencionado sobre o costume dela de
tocar seu alaúde nesta janela, antes de ter visto o próprio
alaúde num canto da mesa, como se ele tivesse sido
colocado ali descuidadamente pela mão que havia o
despertado tão frequentemente.
“Este é um lugar triste e desolado!”, disse Dorothee,
“pois, quando minha querida Lady morreu, eu não tive o
coração para arrumá-lo, nem mesmo o quarto; e meu
Lorde nunca entrou nos quartos depois daquilo, então
eles permaneceram exatamente como estavam, quando
minha Lady foi retirada para o enterro.”
Enquanto Dorothee falava, Emily ainda estava
olhando para o alaúde, que era espanhol e
notávelmente grande; então, com uma mão hesitante,
ela o pegou e passou seus dedos pelas cordas. Elas
estavam desafinadas, mas produziram um som cheio e
profundo. Dorothee se assustou com as notas
familiares e, vendo o alaúde na mão de Emily, disse:
“esse era o alaúde que minha Lady Marquesa amava
tanto! Eu me lembro da última vez que ela o tocou...
foi na noite que ela morreu. Eu vim despi-la como de
costume e, quando entrei no quarto, ouvi o som da
música vindo da janela, vendo que era minha Lady
quem estava sentada ali, eu andei silenciosamente até
a porta, que estava um pouco aberta, para escutar;
pois a música... apesar de ser triste... era tão doce! Eu
a vi ali com o alaúde em suas mãos, olhando para
cima, e as lágrimas caíam em suas faces, enquanto ela
cantava um cântico de missa tão suave e tão solene! E
a sua voz tremia naquele momento, ela parava por um
instante, enxugava suas lágrimas, e continuava de
novo mais baixo do que antes. Oh! Eu havia escutado
minha Lady muitas vezes, mas nunca ouvi algo tão
doce quanto aquilo; ela quase me fez chorar ao ouvir.
Ela havia rezado, eu imagino, pois o livro estava aberto
na mesa ao seu lado... sim, e ali ele ainda está aberto!
Por favor, vamos sair da sacada, Ma’amselle”,
acrescentou Dorothee, “este lugar é de partir o
coração!”
Tendo voltado para o quarto, ela quis olhar mais
uma vez para a cama quando, ficando em frente à porta
aberta que dava para o salão, Emily pensou ter visto algo
deslizar na parte mais escura do cômodo, através da luz
parcial, que o lampião jogava nele. Seu espírito havia
sido muito afetado pela cena ao seu redor, ou é provável
que esta circunstância, seja real ou imaginária, não teria
a afetado tanto quanto o fez; mas ela se esforçou para
esconder sua emoção de Dorothee, que, contudo, vendo
o seu rosto mudar, perguntou se ela estava passando
mal.
“Vamos embora”, disse Emily fracamente, “o ar
desses quartos é prejudicial à saúde”; mas, quando
tentou fazer isso, considerando que teria que passar pelo
quarto onde o fastasma de seu terror havia aparecido,
esse medo aumentou e, sentindo-se fraca demais para
manter-se em pé, ela sentou no lado da cama.
Acreditando que ela só estava afetada por pensar na
catástrofe melancólica que havia acontecido naquele
local, Dorothee se empenhou em animá-la; enquanto
estavam sentadas na cama, ela começou a contar outros
particulares com respeito a Marquesa, sem pensar que
isso poderia aumentar a emoção de Emily, porque estes
eram, particularmente, interessantes para ela própria.
“Um pouco antes da morte de minha Lady”, disse ela,
“quando as dores haviam passado, ela me chamou e
estendendo sua mão para mim, sentei-me bem ali...
onde a cortina cai na cama. Quão bem eu me lembro de
sua aparência na hora... a morte estava nela! Eu quase
consigo imaginar que a vejo agora. Ela estava deitada lá,
Ma’amselle... seu rosto estava no travesseiro, ali! Essa
coberta preta não estava sobre a cama; foi posta depois
de sua morte, e ela foi colocada sobre ela”.
Emily se virou a fim de olhar para dentro das
cortinas escuras, como se pudesse ter visto o rosto do
qual Dorothee falava. Somente a ponta do travesseiro
branco aparecia sobre o preto da mortalha, mas,
conforme seus olhos se moviam sobre a própria
mortalha, ela imaginou vê-la se mexer. Sem falar, pegou
o braço de Dorothee, que, surpresa pela ação e pelo
olhar de terror que a acompanhava, voltou seus olhos de
Emily para a cama, onde, no instante seguinte, ela
também viu a mortalha ser levantada, lentamente, e cair
de novo.
Emily tentou ir embora, mas Dorothee ficou
transfixada contemplando a cama; e, finalmente, disse:
“é só o vento que está a mexendo, Ma’amselle; nós
deixamos todas as portas abertas, veja como o ar faz o
lampião oscilar também. É só o vento”.
Ela mal tinha pronunciado estas palavras, quando a
mortalha foi agitada mais violentamente do que antes;
Emily, um tanto envergonhada de seus medos, voltou
para a cama disposta a ser convencida de que somente o
vento havia causado o seu susto; quando, conforme ela
olhou para dentro das cortinas, a mortalha se mexeu de
novo e, no instante seguinte, a aparição de um rosto
humano se ergueu sobre ela.
Gritando de terror, ambas correram e saíram do
quarto tão rápido quanto seus membros fracos
aguentavam, deixando as portas de todos os quartos
abertas, através das quais elas passaram. Quando
chegaram à escada, Dorothee abriu a porta de um
quarto escancaradamente, onde algumas das criadas
dormiam, e caiu na cama sem fôlego; enquanto Emily,
destituída de toda presença de mente, só fez um débil
tentativa de esconder o motivo do terror das criadas
atônitas; e, apesar de Dorothee ter tentado rir de seu
próprio susto, quando conseguiu falar, e de Emily ter se
juntado a ela, nenhum protesto conseguiu convencer as
criadas, que haviam partilhado do medo rapidamente, a
passarem o restante da noite em um lugar tão próximo
àqueles quartos terríveis.
Dorothee, tendo acompanhado Emily até o seu
aposento, começou a conversar com algum grau de
calma sobre a circunstância estranha que acabara de
ocorrer; e Emily teria quase duvidado de suas próprias
percepções, se não fossem as palavras de Dorothee
atestando a veracidade delas. Tendo mencionado o que
tinha observado no quarto externo, perguntou à
governanta se ela estava certa de que a porta não fora
deixada destrancada, através da qual alguma pessoa
poderia ter entrado nos quartos secretamente. Dorothee
respondeu que ela havia mantido as chaves das várias
portas em sua própria posse; que, quando fazia suas
rondas pelo castelo, como fazia frequentemente para
examinar se tudo estava seguro, havia testado aquelas
portas dentre o restante e sempre havia as encontrado
trancadas. Portanto, era impossível, ela acrescentou, que
qualquer pessoa tivesse conseguido entrar nos quartos;
e, se alguém conseguisse... era muito improvável que
tivesse escolhido dormir em um lugar tão frio e
desamparado.
Emily observou que talvez a visita delas àqueles
quartos tivesse sido vista, e que alguma pessoa,
querendo fazer uma travessura, tivesse as seguido até os
quartos com um desejo de assustá-las e, enquanto elas
estavam na sacada, havia usado a oportunidade de se
esconder na cama.
Dorothee concedeu que isso fosse possível, até se
lembrar de que, ao entrar nos aposentos, ela havia
girado a chave na porta externa e isso, o que havia sido
feito para impedir que a visita delas fosse percebida por
alguém da família – que pudesse estar acordado – deve
ter efetivamente excluído todos, exceto elas mesmas,
dos quartos; e ela persistiu em afirmar que o rosto
medonho que havia visto não era algo humano, mas
alguma aparição pavorosa.
Emily estava comovida muito solenemente. De
qualquer natureza que fosse a aparição, que elas
haviam testemunhado, seja humana ou sobrenatural, o
destino da Marquesa falecida era uma verdade que
não se deveria duvidar; e essa circunstância
inexplicável, ocorrida na cena exata dos sofrimentos
dela, afetou a imaginação de Emily com um medo
supersticioso ao qual, depois de ter descoberto as
ilusões de Udolpho, ela talvez não tivesse cedido, se
fosse ignorante da história infeliz relatada pela
governanta. Assim, jurou solenemente esconder a
ocorrência dessa noite, e fazer pouco caso do terror
que ela já havia revelado, para que o conde não fosse
incomodado com rumores, que certamente
espalhariam medo e confusão entre a sua família. “O
tempo”, ela acrescentou, “poderá explicar esse caso
misterioso; enquanto isso, vamos observar o evento
em silêncio”.
Dorothee concordou prontamente; mas se lembrou
de que havia deixado todas as portas da suíte norte
abertas e, não tendo a coragem de voltar sozinha para
trancar, mesmo a mais exterior, Emily, após algum
esforço, venceu seus medos a ponto de se oferecer
para acompanhá-la até o pé da escada dos fundos, e
esperar lá, enquanto Dorothee subia, cuja resolução foi
reanimada por essa circunstância; consentiu a ir e elas
deixaram o aposento de Emily juntas.
Nenhum som perturbava o silêncio, enquanto elas
passavam pelos salões e galerias; mas, ao chegar ao
pé da escada dos fundos, a resolução de Dorothee
falhou novamente; contudo, depois de pausar, por um
momento para escutar, e, como nenhum som foi
ouvido lá em cima, subiu, deixando Emily embaixo e,
mal permitindo que seus olhos vissem o primeiro
quarto, ela trancou a porta que fechava toda a suíte de
quartos e voltou para Emily.
Conforme elas andavam pela passagem que
levava até o grande salão, um som de lamentação foi
ouvido, ele parecia vir do próprio salão, e elas paravam
para escutar com um medo novo, quando Emily
distinguiu, imediatamente, a voz de Annette, que ela
encontrou atravessando o salão com outra criada, tão
apavorada pelo boato, o qual as outras criadas haviam
espalhado, que, acreditava só estar segura onde sua
Lady estivesse, estava indo procurar refúgio no
aposento dela. Os esforços de Emily para rir, ou
convencê-la a deixar esses medos de lado, foram
igualmente em vão e, em compaixão à sua aflição,
consentiu que ela ficasse em seu quarto durante a
noite.
CAPÍTULO V

Salve, solidão parcialmente agradável!


Companheira dos sábios e bons...
Este é o perfume balsâmico da manhã,
Enquanto nasce a rosa banhada em orvalho.
Mas principalmente quando as cenas noturnas
se apagam
E a paisagem fraca desaparece,
Seu é o declínio duvidoso e suave,
E aquela melhor hora de reflexão é sua.
THOMSON [ 3 9 ]

As ordens de Emily, para que Annette ficasse quieta


quanto ao motivo de seu pavor, foram ineficazes, e a
ocorrência da noite anterior espalhou tal medo entre os
criados, que, naquele momento, confirmavam que
haviam ouvido barulhos inexplicáveis frequentemente no
castelo, assim, um relato logo chegou até o conde: o de
que o lado norte do castelo era mal-assombrado.
Primeiramente, ele tratou aquilo com gozações, mas
percebendo que isso podia produzir um mal grave, e a
confusão que havia causado entre a criadagem, proibiu
qualquer pessoa de repeti-lo com a dor da punição.
A chegada de um grupo de seus amigos logo tirou
seus pensamentos desse assunto por completo, e seus
criados tiveram o lazer de meditar sobre isso, exceto, de
fato, nas noites após a ceia, quando todos se reuniam no
salão e contavam histórias de fantasmas até que
ficassem com medo de olhar ao redor da sala;
assustados se o eco de uma porta se fechando
murmurasse ao longo do corredor, e recusavam-se a ir
sozinhos a qualquer parte do castelo.
Nestas ocasiões, Annette era uma figura distinta.
Quando ela não somente contava todas as coisas
fantásticas que havia testemunhado, mas todas as que
havia imaginado no castelo de Udolpho, a história do
estranho desaparecimento da Signora Laurentini, deixou
uma impressão nada insignificante na mente de seus
ouvintes atentos. As suas suspeitas com relação a
Montoni ela também teria relatado abertamente se
Ludovico, que trabalhava a serviço do conde agora, não
tivesse interrompido a sua loquacidade, prudentemente,
sempre que ela apontava para aquele assunto.
Entre os visitantes do castelo estava o Barão de
Saint Foix, um velho amigo do conde, e seu filho, o
cavalheiro St. Foix, um jovem sensato e agradável que,
tendo visto Lady Blanche em Paris, no ano anterior, havia
se tornado um admirador declarado dela. A amizade que
o conde havia mantido, há muito tempo, com o pai dele,
e a igualdade de suas circunstâncias o faziam aprovar
essa conexão secretamente; mas, achando que sua filha
fosse muito nova para decidir sua escolha de vida
naquele momento, e querendo provar a sinceridade e a
força da afeição do cavalheiro, ele havia rejeitado o
pedido, embora sem proibir uma esperança futura. Esse
jovem veio, então, com o Barão, seu pai, reivindicar a
recompensa de uma afeição firme, uma reivindicação
que o conde permitiu e a qual Blanche não rejeitou.
Enquanto esses visitantes estavam no castelo, este
se tornou uma cena de animação e esplendor. O pavilhão
na floresta foi arrumado e era frequentado nas noites
bonitas, como um salão para a ceia, quando o momento,
geralmente, era concluído com um concerto, no qual o
conde e a condessa eram artistas peritos, e os
cavalheiros Henri e St. Foix, com Lady Blanche e Emily,
cujas vozes o gosto fino compensava pela falta de uma
execução mais habilidosa, normalmente assistiam. Vários
dos criados do conde tocavam trombetas e outros
instrumentos, alguns dos quais, localizados um pouco
longe, em meio às árvores, falavam com a harmonia que
vinha do pavilhão em uma doce resposta.
Em outro período, essas festas teriam sido
maravilhosas para Emily; mas sua disposição estava
deprimida com uma melancolia, da qual, percebeu ela,
nenhum tipo do que é chamado de divertimento poderia
dissipar, e a qual a doce e, geralmente, triste melodia
desses concertos, às vezes, aumentava até um grau
muito doloroso.
Ela gostava particularmente de andar na floresta,
que ficava numa península sobre o mar. As sombras
luxuosas eram reconfortantes para a sua mente
pensativa e, nas vistas parciais que ela fornecia do
Mediterrâneo, com suas margens curvadas e velas
passando, a beleza tranquila era unida à grandiosidade.
As trilhas eram rudimentares e frequentemente cobertas
pela vegetação, mas o seu proprietário de bom gosto só
deixava que pouco fosse feito a ela e mal permitia que
um único galho fosse podado de suas árvores
veneráveis. Numa elevação, em uma das partes mais
desertas dessa floresta, estava um banco rústico, feito do
tronco de um carvalho caído, que, outrora, havia sido
uma árvore nobre, e do qual muitos galhos altos ainda
floresciam unidos à faia e aos pinheiros para formar uma
cobertura no local. Embaixo de sua sombra escura, o
olhar passava pelos topos de outras árvores até o
Mediterrâneo e, à esquerda através de uma abertura,
uma torre de vigia era vista num rochedo perto do mar,
erguendo-se em meio à folhagem em tufos.
Emily ia para lá sozinha, muitas vezes, no silêncio da
noite e, acalmada pelo cenário e pelo murmúrio fraco
que vinha das ondas, sentava-se até que a escuridão a
obrigasse a voltar para o castelo. Ela também visitava a
torre de vigia, a qual comandava a vista inteira, e,
quando se inclinava em suas paredes quebradas e
pensava em Valancourt, ela não imaginou uma única vez
o que era tão verdade, que esta torre havia sido o refúgio
dele quase tão frequentemente quanto o dela, desde o
seu afastamento do castelo, na vizinhança.
Uma noite, ela ficou ali até bem tarde. Havia se
sentado nos degraus da construção, observando, numa
melancolia tranquila, o efeito gradual da noite sobre a
vista extensa, até que as águas cinzentas do
Mediterrâneo e a floresta maciça fossem quase os únicos
aspectos da cena que permaneciam visíveis; quando,
enquanto ela olhava alternadamente para estes e para o
azul suave dos céus, onde a primeira estrela pálida da
noite apareceu, personificou o momento nos seguintes
versos:
CANÇÃO DA HORA NOTURNA
A última das horas, que segue o dia que desbota,
Eu passo pelas regiões do ar do crepúsculo,
E ouço, ao longe, a música em coro desaparecendo
De ninfas irmãs, que dançam em volta do carro dele.
Então, enquanto sigo através do vazio azul,
O esplendor parcial dele em meu olho esforçado
Afunda na profundeza do espaço; meu único guia
O raio fraco dele brilhando no céu mais distante;
Guarde aquela melodia doce e contínua de horas mais
alegres,
Cujo final a minha voz prolonga em notas que morrem,
Enquanto mortais na terra verde possuem seus poderes,
Conforme ele flutua para baixo na ventania da noite.
Quando desaparece no Oeste o último raio do Sol,
E, cansado, ele vai para o mundo subterrâneo,
E picos de montanhas pegam o brilho púrpura,
E o oceano adormecido brilha mais e mais fraco,
Silencioso sobre a ampla sombra do globo eu passo,
E sobre sua relva seca derramo o orvalho refrescante,
E cada erva febricitante e cada florzinha curadora,
E toda a sua fragrância no ar elas difundem.
Aonde quer que eu vá, um prazer tranquilo reina;
Sobre toda a cena eu envio cores escuras,
Tal que florestas selvagens e montanhas, planícies se
estendendo
E cidades povoadas se misturam em suave confusão.
Vastamente sobre o mundo eu sopro o vento refrescante,
Passando baixo pelas florestas e vales no crepúsculo,
Em sussurros baixos, que seduzem a mente pensativa
Daquele que ama saudar meus passos solitários.
Sua flauta pastoril suave eu observo para escutar,
Enquanto passa sua doçura sobre algum ribeiro singelo,
Ou acalmando a onda do oceano quando as tempestades
estão próximas,
Ou crescendo na brisa de uma colina distante!
Eu acordo as fadas elfas, que se esquivam da luz;
Quando, de suas camas de botões, elas espreitam
astutamente,
E espiam minha estrela pálida guiando a noite
Para suas brincadeiras e folia elas saltitam;
Enviam toda a doçura aprisionada para longe pelo ar,
Que dormia com elas na cela da florzinha;
Então para as margens e riachos no luar vão reparar,
Até que as cotovias cantem seu coral matinal.
As ninfas dos bosques saúdam minhas brisas e sombras
temperadas,
Com cantigas doces e danças leves e brincalhonas,
Na margem do rio de alguma clareira encoberta,
E espalham seus botões de flor frescos conforme meus
passos avançam:
Mas eu passo rapidamente, e percorro regiões distantes,
Pois raios de lua deixam toda a esfera do oriente
prateada,
E o vestígio do último vermelho do dia desaparece
rapidamente;
Pelo oeste íngreme eu fujo do sudário da meia-noite.[40]
A luz estava subindo para fora do mar, ela observou
o seu progresso gradual, a linha radiante se estendendo
lançava sobre as águas, os remos brilhantes, a vela
levemente prateada, os topos das árvores e as ameias
da torre de vigia, no pé da qual ela estava sentada,
tingidos fracamente com os raios. O espírito de Emily
estava em harmonia com essa cena. Enquanto ela estava
sentada meditando, sons passaram por ela no ar, o que
imediatamente soube que era música e a voz que ela
havia ouvido antes à meia-noite, a emoção de admiração
que ela sentiu, a qual não estava separada do terror,
quando considerou sua localização remota e solitária. Os
sons se aproximaram. Ela teria se levantado para ir
embora, mas eles pareciam vir do caminho que ela
tomaria para ir em direção ao castelo, então esperou
pelo evento em expectativa trêmula. Os sons
continuaram a se aproximar por algum tempo e pararam.
Emily se sentou escutando, observando e incapaz de se
mexer, quando viu uma figura emergir da floresta e
passar pela margem, um pouco ao longe, na sua frente.
Ela passou rapidamente, e o seu espírito ficou tão
tomado por medo que, apesar de tê-la visto, não a
observou.
Tendo saído do local com uma resolução de nunca
mais visitá-lo sozinha numa hora tão tarde, ela começou
a se aproximar do castelo, quando ouviu vozes a
chamando da parte da floresta que estava mais próxima
dele. Eram os gritos dos criados do conde, que foram
enviados para procurá-la; e, quando entrou na sala de
jantar, onde o conde estava sentado com Henri e
Blanche, ele a repreendeu, gentilmente, com um olhar,
com o qual ela corou por ter merecido.
Essa pequena ocorrência deixou uma impressão
profunda em sua mente, e quando foi para o seu próprio
quarto, ela recordou tão forçadamente as circunstâncias
que havia testemunhado algumas noites atrás, que mal
teve a coragem de ficar sozinha. Ficou acordada até
tarde quando, já que nenhum som havia renovado seus
medos, finalmente foi repousar. Mas, este foi de
continuidade rápida, pois ela foi perturbada por um
barulho alto e incomum, que parecia vir da galeria, para
a qual seu quarto dava. Grunhidos foram ouvidos
distintamente e, imediatamente depois, um peso morto
caiu contra a porta com uma violência que ameaçava
escancará-la. Ela gritou para saber quem estava ali, mas
não recebeu resposta alguma, apesar de que, em
intervalos, ela ainda pensava ouvir alguma coisa
parecida com um gemido baixo. O medo a destituiu do
poder de se mexer. Logo depois, ouviu passos numa
parte remota da galeria e, conforme eles se
aproximaram, chamou mais alto do que antes, até que os
passos pausaram em sua porta. Ela, então, distinguiu as
vozes de vários dos criados, que pareciam muito
ocupados com alguma circunstância lá fora para
responder aos chamados dela; mas, quando Annette
entrou no quarto, logo em seguida, trazendo água, Emily
compreendeu que uma das criadas havia desmaiado, que
ela pediu imediatamente que fosse trazida para o seu
quarto, onde Annette ajudou a acordá-la. Quando essa
garota recuperou a fala, afirmou que, quando estava
subindo a escada dos fundos, no caminho para o seu
quarto, havia visto uma aparição no segundo andar; ela
estava segurando o lampião baixo, disse, para poder
acelerar seus passos, vários degraus estavam frouxos e
até mesmo deteriorados, e foi ao levantar seus olhos que
ela viu essa aparição. Aquilo ficou no canto do andar do
qual estava se aproximando, por um instante, então,
deslizando escada acima, desapareceu na porta do
aposento que foi aberto recentemente. Ela ouviu um som
oco depois.
“Então, o diabo tem uma chave para aquele
aposento”, disse Dorothee, “pois não poderia ser
ninguém além dele; eu mesma tranquei a porta!”
Indo escada abaixo e subindo pela grande
escadaria, a garota havia corrido com um grito fraco até
chegar à galeria, onde caiu gemendo na porta de Emily.
Censurando-a gentilmente pelo alarme que havia
causado, Emily tentou fazê-la ter vergonha de seus
medos; mas, a garota persistia em dizer que havia visto
uma aparição até ir para o seu próprio quarto, para onde
ela foi acompanhada por todos os criados presentes,
exceto Dorothee, que, a pedido de Emily, ficou com ela
durante a noite. Emily estava perplexa e Dorothee estava
aterrorizada, e esta mencionava muitas ocorrências de
tempos anteriores, que haviam confirmado suas
suspeitas há muito tempo; dentre estas, de acordo com
sua crença, ela havia testemunhado uma aparição, uma
vez, como aquela que acabara de ser descrita e no
mesmo local, e foi a lembrança desta que a havia feito
parar, quando ia subir as escadas com Emily, e a qual
havia aumentado sua relutância em abrir os aposentos
ao norte. Quaisquer que fossem as opiniões de Emily, ela
não as revelou, mas escutou atentamente a tudo que
Dorothee comunicou, o que lhe causou muita reflexão e
perplexidade.
A partir dessa noite, o pavor dos criados aumentou
com tal excesso que vários deles decidiram sair do
castelo, e pediram sua dispensa ao conde, que, se
tivesse qualquer crença no motivo do medo deles, achou
apropriado destruí-lo e, ansioso para evitar a
inconveniência que o ameaçava, empregou a zombaria e
depois o argumento para convencê-los de que eles não
tinham nada a temer de uma atividade sobrenatural.
Mas, o medo havia tornado suas mentes inacessíveis
para a razão; e foi naquele momento que Ludovico
provou, de uma vez, sua coragem e gratidão pela
bondade que havia recebido do conde, ao se oferecer
para vigiar, durante a noite, a suíte de quartos com a
reputação de ser mal-assombrada. Ele não tinha medo
de espírito nenhum, disse, e se qualquer coisa de forma
humana aparecesse, ele provaria que temia essas tão
pouco quanto.
O conde pensou na oferta, enquanto os criados que
a escutaram, olharam uns para os outros em dúvida e
admiração, e Annette, apavorada pela segurança de
Ludovico, usou lágrimas e súplicas para dissuadi-lo de
seu propósito.
“Você é um camarada audaz”, disse o conde
sorrindo, “pense bem no que você irá enfrentar antes de
se decidir finalmente. Contudo, se você perseverar em
sua resolução, eu aceitarei sua oferta e a sua intrepidez
não ficará sem recompensa”.
“Eu não desejo recompensa alguma, sua
Excellenza”, respondeu Ludovico, “além de sua
aprovação. Sua Excellenza já foi bom o suficiente para
mim; mas, eu queria ter armas, para poder ficar igual ao
meu inimigo, se ele aparecer”.
“Sua espada não pode lhe defender contra um
fantasma”, respondeu o conde, lançando um olhar de
ironia para os outros criados, “nem barras ou flechas;
pois um espírito, você sabe, pode deslizar tão facilmente
através de uma fechadura quanto de uma porta”.
“Dê-me uma espada, meu Lorde Conde”, pediu
Ludovico, “e eu colocarei todos os espíritos que me
atacarem no mar vermelho”.
“Bem”, disse o conde, “você terá uma espada e uma
boa torcida também; e talvez seus bravos camaradas
aqui tenham coragem o suficiente para permanecer mais
uma noite no castelo, já que sua audácia certamente
trará toda a malícia do espectro para você mesmo, pelo
menos nesta noite”.
A curiosidade lutava com o medo nas mentes de
vários de seus amigos criados e, finalmente, eles
resolveram esperar pelo resultado da precipitação de
Ludovico.
Emily ficou surpresa e preocupada, quando ouviu
sobre a intenção dele, ficou inclinada a mencionar o que
ela havia testemunhado nos aposentos ao norte para o
conde, muitas vezes, pois não conseguia se despojar,
completamente, dos medos pela segurança de Ludovico,
embora sua razão mostrasse que estes eram absurdos.
Contudo, a necessidade de esconder o segredo que
Dorothee havia confiado a ela, e o qual deveria ser
mencionado com a ocorrência recente como uma
desculpa por ter visitado tais aposentos tão
secretamente, manteve-a completamente calada quanto
ao motivo de sua apreensão; só tentou acalmar Annette,
que achava que Ludovico seria certamente destruído; e
quem foi muito menos comovida pelos esforços
consolantes de Emily do que pelo comportamento da
velha Dorothee, que muitas vezes, ao exclamar por
Ludovico, suspirava e erguia seus olhos ao céu.
CAPÍTULO VI

Vós, deuses do silêncio e do sono profundo!


Cujo domínio ameno sobre este castelo oscila,
E sobre todos os lugares silenciosos ao redor,
Perdoe-me se minha caneta trêmula expõe
O que nunca fora cantado antes em camadas
mortais.
THOMSON [ 4 1 ]

O conde deu ordens para que os aposentos do norte


fossem abertos e preparados para a recepção de
Ludovico; mas Dorothee, lembrando-se do que havia
testemunhado lá, recentemente, temeu obedecer e,
como nenhum dos criados ousou ir, os quartos
permaneceram fechados até a hora em que Ludovico foi
passar a noite lá. Um momento pelo qual a criadagem
inteira esperava com impaciência.
Após a ceia, Ludovico, por ordem do conde,
acompanhou-o até o seu vestiário onde eles ficaram por
quase meia hora e, ao deixar o local, o Lorde lhe
entregou uma espada.
“Ela já me serviu em brigas mortais”, disse o conde
jocosamente, “você a usará honradamente, sem dúvida,
numa briga espiritual. Que eu ouça amanhã que não há
mais um fantasma no castelo”.
Ludovico a recebeu com uma reverência respeitosa.
“Você será obedecido, meu Lorde”, disse ele; “eu
cuidarei para que nenhum espectro perturbe a paz do
castelo depois desta noite”.
Eles voltaram para a sala de jantar, onde os
convidados do conde esperavam para acompanhá-los até
a porta dos aposentos norte e Dorothee, sendo
convocada por causa das chaves, entregou-as a
Ludovico, que, então, guiou o caminho seguido pela
maior parte dos habitantes do castelo. Depois de
alcançarem a escada dos fundos, vários criados se
afastaram e se recusaram a ir mais além, mas o resto o
seguiu até o topo da escada, onde um patamar largo
permitiu que eles formassem uma multidão ao seu redor,
enquanto ele colocava a chave na porta, e eles o
observavam com tanta curiosidade ansiosa como se ele
estivesse fazendo algum ritual mágico.
Não estando acostumado com a fechadura, Ludovico
não conseguiu girá-la e Dorothee, que havia ficado para
trás, foi chamada à frente, com cuja mão a porta se abriu
lentamente e, quando seu olho viu o interior do quarto
escuro, ela soltou um grito repentino e recuou. Com esse
sinal de medo a maior parte da multidão correu para
baixo das escadas e o conde, Henri e Ludovico foram
deixados sozinhos para continuar a investigação,
correram para dentro do aposento imediatamente,
Ludovico com uma espada empunhada, a qual ele mal
teve tempo de retirar da bainha, o conde com o lampião
em sua mão e Henri carregando uma cesta contendo
provisões para o corajoso aventureiro.
Depois de olhar em volta do primeiro quarto,
apressadamente, onde nada parecia justificar o medo,
eles foram para o segundo; e como tudo também estava
quieto, eles prosseguiram até um terceiro, com passos
mais moderados. O conde agora teve o lazer de sorrir por
causa da descompostura, na qual ele se encontrou com
surpresa, e de perguntar a Ludovico em qual quarto ele
queria passar a noite.
“Há vários quartos além desses, sua Excellenza”,
disse Ludovico, apontando para uma porta, “e num deles
há uma cama, eles dizem. Eu passarei a noite lá e
quando ficar cansado de vigiar, posso me deitar”.
“Bom”, disse o Conde; “vamos embora. Você vê que
estes quartos não mostram nada além de paredes
úmidas e mobília apodrecida. Eu estive tão ocupado
desde que cheguei ao castelo que não entrei neles até
agora. Lembre-se, Ludovico, de dizer à governanta
amanhã para abrir essas janelas. As coberturas de tecido
adamascado estão se desfazendo, eu mandarei que elas
sejam arrancadas e que esses móveis antigos sejam
removidos”.
“Querido senhor!”, disse Henri, “aqui há uma
poltrona tão cheia de dourado que parece mais com um
dos tronos no Louvre do que qualquer outra coisa”.
“Sim”, disse o conde, parando por um instante para
inspecioná-la, “há uma história sobre esta cadeira, mas
eu não tenho tempo de contá-la. Vamos seguir em frente.
Essa suíte tem uma extensão maior do que eu tinha
imaginado; faz muitos anos desde que estive nela. Mas,
onde está o quarto que você falou, Ludovico? Essas são
só antessalas até a grande sala de estar. Eu me lembro
delas em seu esplendor!”
“A cama, meu Lorde”, respondeu Ludovico, “eles me
disseram que ficava num quarto que se abre depois do
salão e termina a suíte”.
“Oh, aqui está o salão”, disse o conde, quando
entraram no aposento espaçoso onde Emily e Dorothee
haviam descansado. Ele ficou parado por um instante,
inspecionando as relíquias da grandeza desbotada que o
quarto exibia, a tapeçaria suntuosa, os sofás de veludo
longos e baixos, com bordas muito esculpidas e
banhadas a ouro, o chão incrustado com quadrados
pequenos de mármore fino e coberto no centro com um
pedaço muito rico de tapeçaria, as janelas de vitrais e os
espelhos venezianos grandes, de um tamanho e
qualidade tal que a França não conseguia produzir
naquele período, os quais refletiam, de todos os lados, o
aposento espaçoso. Esses haviam refletido,
anteriormente, uma cena alegre e brilhante, pois esta
havia sido a sala de estar do castelo, e ali a Marquesa
havia recebido as recepções que eram parte das
festividades de seu casamento. Se a varinha de um
mágico pudesse ter trazido de volta os grupos
desaparecidos – muitos deles até mesmo sumiram da
Terra – que outrora passaram por esses espelhos polidos,
qual imagem variada e contrastante eles teriam formado
com a presente!? Agora, ao invés do esplendor de luzes,
eles só refletiam os raios do único lampião brilhando, o
qual o conde levantava, e que mal servia para mostrar as
três figuras desamparadas que estavam examinando o
quarto e as paredes espaçosas e escuras ao redor deles.
“Ah!”, disse o conde para Henri, despertando-o de
sua reflexão profunda, “como essa cena mudou desde a
última vez que a vi! Eu era um jovem na época, e a
Marquesa era viva e na flor da idade; muitas outras
pessoas, que não estão mais vivas, também estavam
aqui! A orquestra ficava lá; aqui nós pulávamos numa
alegre confusão... as paredes ecoavam com a dança!
Agora, elas só ressoam uma voz fraca... e mesmo essa
logo não será mais ouvida! Meu filho, lembre-se de que
eu já fui jovem como você e que você morrerá assim
como aqueles que lhe precederam... como aqueles que,
enquanto cantavam e dançavam neste quarto outrora
alegre, esqueceram-se de que os anos são feitos de
momentos, e de que cada passo que davam os levava
mais para perto de seus túmulos. Mas tais reflexões são
inúteis, eu quase diria criminosas, a não ser que elas nos
ensinassem a nos prepararmos para a eternidade já que,
de outra forma, elas encobrem nossa felicidade presente
sem nos guiar para uma futura. Mas, chega disto; vamos
seguir em frente”.
Ludovico abriu a porta do quarto de dormir, e o
conde, ao entrar, ficou atônito com a aparência fúnebre
que a tapeçaria preta dava-lhe. Ele se aproximou da
cama com uma emoção de solenidade e, vendo que ela
estava coberta com uma mortalha de veludo preto,
parou: “o que isto quer dizer?”, perguntou ele enquanto a
contemplava.
“Eu ouvi dizer, meu Lorde”, disse Ludovico,
enquanto ficava no pé da cama olhando para dentro das
cortinas do dossel, “que a Lady Marquesa de Villeroi
morreu neste quarto, e que ficou aqui até que foi retirada
para ser enterrada; e talvez isso explique a mortalha,
Signor”.
O conde não respondeu, mas ficou parado por
alguns instantes, perdido em pensamentos e
evidentemente muito comovido. Então, virando-se para
Ludovico, perguntou-lhe, com um ar sério, se ele achava
que sua coragem o sustentaria durante a noite: “se você
duvida disso”, acrescentou o conde, “não tenha vergonha
de admitir; eu o liberarei de seu compromisso sem o
expor ao triunfo de seus companheiros criados”.
Ludovico parou; orgulho e algo parecido com medo
pareciam lutar em seu peito; o orgulho, contudo, foi
vitorioso; ele enrubesceu e sua hesitação parou.
“Não, meu Lorde”, disse ele, “eu irei em frente com
o que comecei; e estou grato por sua consideração.
Acenderei um fogo naquela lareira e, com a bonança
nessa cesta, não tenho dúvidas de que ficarei bem”.
“Assim seja”, disse o conde; “mas como você vai se
entreter no tédio da noite, se você não dormir?”
“Quando eu ficar cansado, meu Lorde”, respondeu
Ludovico, “eu não temerei dormir; no meio tempo, eu
tenho um livro que irá me entreter”.
“Bem”, disse o conde, “eu espero que nada o
perturbe; mas se ficar seriamente assustado à noite,
venha para o meu quarto. Eu tenho confiança demais em
seu bom senso e coragem para acreditar que você ficará
assustado por qualquer motivo; ou deixar que a
escuridão desse quarto, ou a sua localização remota, o
tomem com medos fantasiosos. Amanhã eu deverei lhe
agradecer por um serviço importante; esses quartos
serão abertos e meu pessoal ficará convencido de seu
erro. Boa noite, Ludovico; quero vê-lo de manhã cedo e
lembre-se do que eu lhe disse recentemente”.
“Eu farei isso, meu Lorde; boa noite à sua
Excellenza; deixe-me acompanhá-lo com a luz.”
Ele iluminou o caminho do conde e de Henry através
dos cômodos, até a porta externa; no patamar estava um
lampião, que um dos criados apavorados havia deixado,
e Henri, quando o pegou, desejou uma boa-noite para
Ludovico novamente, que, depois de devolver o desejo
respeitosamente, fechou a porta, quando eles saíram e a
trancou. Então, quando foi para o quarto principal,
examinou os cômodos pelos quais passava com mais
minúcia do que antes, pois temia que alguma pessoa
pudesse ter se escondido neles com o objetivo de
assustá-lo. Contudo, ninguém além dele estava nos
cômodos e, deixando abertas as portas pelas quais ele
passava, chegou à grande sala de estar novamente, cujo
espaço e escuridão silenciosa o assustaram um pouco.
Ele ficou parado por um instante, olhando para trás pela
longa suíte de quartos que havia deixado e, quando se
virou, ao ver uma luz e a sua própria figura refletida em
um dos espelhos grandes, assustou-se. Outros objetos
também eram vistos, obscuramente, em sua superfície
escura, mas ele não parou para examiná-los e voltou
para o quarto principal, apressadamente, enquanto
examinava este, ele observou a porta da sacada e a
abriu. Tudo estava silencioso lá dentro. Ao olhar em volta,
seu olhar foi pego pelo retrato da Marquesa falecida, o
qual ele contemplou por um tempo considerável, com
muita atenção e alguma surpresa; então, depois de
examinar o vestiário, voltou para o quarto, onde acendeu
uma fogueira, a chama brilhante, que renovou seu
espírito, havia começado a ceder à escuridão e ao
silêncio do lugar, pois só rajadas de vento quebravam
esse silêncio em intervalos. Então, puxou uma cadeira
para perto do fogo, pegou uma garrafa de vinho e
algumas provisões frias de sua cesta, deliciou-se.
Quando havia terminado sua refeição, ele colocou sua
espada na mesa e, não se sentindo disposto a dormir,
tirou de seu bolso o livro do qual havia falado. Era um
volume de contos provençais. Depois de atiçar o fogo na
lareira, começou a ler, e sua atenção logo foi
completamente tomada pelas cenas que a página
descrevia.
Enquanto isso, o conde havia retornado para a sala
de jantar, onde aqueles do grupo, que o haviam
acompanhado até os aposentos do norte, tinham voltado
ao ouvir o grito de Dorothee. Quando o conde chegou
eles estavam ansiosos em suas perguntas sobre aqueles
cômodos. O conde repreendeu seus convidados por sua
retirada precipitada e pela inclinação supersticiosa que a
havia causado, e isto levou à seguinte questão, se o
espírito, após ter deixado o corpo, seria permitido visitar
a Terra novamente; e se fosse, se era possível que
espíritos se tornassem visíveis para os sentidos. O Barão
era da opinião de que a primeira hipótese era provável e
a última hipótese era possível, ele se empenhou em
justificar sua opinião através de autoridades respeitáveis,
tanto antigas quanto modernas, as quais ele citou.
Contudo, o conde era decididamente contrário, e uma
longa conversa se seguiu, na qual os argumentos típicos,
nesta questão, foram trazidos à tona, de ambos os lados
com habilidade e debatidos com franqueza, mas sem
converter nenhum dos lados à opinião de seu oponente.
O efeito da conversa em seus ouvintes foi variado.
Apesar do conde ter muita superioridade com relação ao
Barão em pontos de argumento, ele tinha
consideravelmente menos aderentes, pois aquele amor,
tão natural à mente humana, ao que quer que seja capaz
de distender suas capacidades com admiração e
espanto, atraiu a maioria da companhia para o lado do
Barão; e, embora muitas das proposições do conde
fossem irrespondíveis, seus oponentes ficaram inclinados
a acreditar que isto era a consequência da sua própria
falta de conhecimento num assunto tão abstrato, ao
invés de admitirem que não existia argumentos fortes o
bastante para vencer os dele.
Blanche estava pálida de atenção, até que a
zombaria no olhar de seu pai trouxe uma vermelhidão ao
seu rosto, então ela se empenhou em se esquecer das
histórias supersticiosas que haviam contado para ela em
seu convento. Enquanto isso, Emily havia escutado com
atenção profunda à discussão do que era uma questão
muito interessante a ela, e, lembrando-se da aparição
que havia testemunhado, no aposento a falecida
Marquesa, ela ficava gelada de medo frequentemente.
Várias vezes, ficou a ponto de mencionar o que havia
visto, mas o medo de ferir o conde e o temor da
zombaria dele a restringiram; esperando, em expectativa
ansiosa, pelo evento da intrepidez de Ludovico, ela
decidiu que seu silêncio futuro dependeria disso.
Quando o grupo se separou, pela noite, e o conde foi
para o seu vestiário, a lembrança das cenas desoladas,
que ele havia testemunhado, em sua própria mansão,
comoveram-no profundamente, mas, enfim, ele foi
despertado de seu devaneio e de seu silêncio. “Que
música é esta que eu ouço?”, perguntou para seu criado
particular, de repente. “Quem está tocando tão tarde
assim?”
O homem não respondeu e o conde continuou a
escutar, então acrescentou: “esse não é um músico
qualquer; ele toca o instrumento com uma mão delicada;
quem é, Pierre?”
“Meu Lorde!”, disse o homem hesitantemente.
“Quem está tocando o instrumento?”, repetiu o
conde.
“Então o Lorde não sabe?”, disse o criado.
“O que você quer dizer?”, disse o conde, um tanto
severamente.
“Nada, meu Lorde, eu não quis dizer nada”, replicou
o homem submissamente. “Só que... essa música...
passa pela casa à meia-noite, frequentemente, eu
achava que o Lorde já tinha a ouvido antes.”
“Música passa pela casa à meia-noite! Pobre
camarada! Ninguém dança com a música?”
“Ela não toca no castelo, creio eu, meu Lorde; os
sons vêm da floresta, dizem, apesar de parecerem tão
próximos; mas um espírito pode fazer qualquer coisa!”
“Ah, pobre camarada!”, disse o conde, “eu vejo que
você é tão tolo quanto o resto deles; amanhã você será
convencido de seu erro ridículo. Mas ah! Que voz é
aquela?”
“Oh meu Lorde! Essa é voz que nós ouvimos
frequentemente com a música.”
“Frequentemente!”, disse o conde. “Quão
frequentemente, diga-me? É uma voz muito fina.”
“Oras, meu Lorde, eu mesmo não a ouvi mais de
duas ou três vezes, mas há aqueles que viveram aqui por
mais tempo, que já a ouviram muitas vezes.”
“Que melodia foi aquela!”, exclamou o conde
enquanto ainda escutava. “E agora, que cadência
diminuindo! Isto é certamente algo mais que mortal!”
“Isso é o que eles dizem, meu Lorde”, disse o criado;
“eles dizem que não é nada mortal que a canta; e se eu
puder dar voz aos meus pensamentos...”
“Silêncio!”, disse o conde, e ele continuou
escutando até que a melodia desapareceu.
“Isso é estranho!”, disse ele quando virou da janela.
“Feche as janelas, Pierre.”
Pierre obedeceu e o conde o dispensou logo em
seguida, mas não perdeu a lembrança da música, tão
rápido, que vibrou por muito tempo em sua imaginação,
com tons de doçura derretida, enquanto surpresa e
perplexidade tomavam seus pensamentos.
Enquanto isso, Ludovico, em seu quarto remoto,
ouvia de vez em quando o eco fraco de uma porta se
fechando conforme a família estava indo dormir, e então
o relógio do salão, a uma distância grande, marcando
doze horas. “É meia-noite”, disse ele e olhou ao redor do
cômodo espaçoso suspeitosamente. O fogo na lareira
estava quase se extinguindo, pois sua atenção havia sido
tomada pelo livro à sua frente e ele havia se esquecido
de tudo restante; mas, logo adicionou lenha fresca, não
porque estava com frio, apesar da noite ser chuvosa,
mas por estar desanimado; e depois de arrumar seu
lampião novamente, serviu uma taça de vinho, trouxe
sua cadeira mais para perto do fogo estalando, tentou
ficar surdo para o vento que uivava tristemente nas
janelas, tentando abstrair sua mente da melancolia que
estava tomando-lhe conta, e pegou seu livro novamente.
Ele havia sido emprestado por Dorothee, que o pegou,
anteriormente, num canto obscuro da biblioteca do
Marquês, e quem, depois de abri-lo, e visto algumas das
maravilhas que ele relatava, havia o preservado,
cuidadosamente, para o seu próprio entretenimento, o
local onde ele estava deu a criada uma desculpa para
detê-lo. O canto úmido, no qual ele havia caído, tinha o
desfigurado e mofado, as páginas ficaram descoloridas
com manchas, tal que não era sem dificuldade que as
letras conseguiam ser vistas. As ficções dos escritores
provençais, quer fossem vindas das lendas árabes,
trazidas pelos sarracenos para a Espanha, ou
recontassem as expedições cavalheirescas feitas pelos
cruzados, que os trovadores acompanhavam até o
oriente, eram geralmente esplêndidas e sempre
maravilhosas, tanto em cenário quanto em incidentes; e
não é espantoso que Dorothee e Ludovico ficassem
fascinados por invenções que haviam cativado a
imaginação descuidada de todas as classes da
sociedade, numa época antiga. Entretanto, alguns dos
contos, no livro, diante de Ludovico, eram de estrutura
simples e não exibiam nada da esquematização
magnífica e comportamentos heroicos que,
normalmente, caracterizavam as fábulas do século doze,
e desta descrição era uma história que ele, por acaso,
abriu, a qual, em seu estilo original, era muito comprida,
mas que pode ser relatada brevemente da seguinte
forma. O leitor perceberá que ela é fortemente colorida
pela superstição da época.
O CONTO PROVENÇAL
“Lá vivia, na província da Bretanha, um nobre Barão,
famoso por sua hospitalidade magnífica e cortesia. Seu
castelo era agraciado com damas de beleza
extraordinária e um aglomerado de cavaleiros ilustres,
pois a honra que ele dava a feitos cavalheirescos
convidava os valentes de países distantes para entrar em
suas listas, e sua corte era mais esplêndida do que
aquelas de muitos príncipes. Oito trovadores ficavam
detidos a seu serviço, que costumavam cantar para suas
arpas ficções românticas tiradas dos povos árabes, ou
aventuras de bravura que aconteceram a cavaleiros
durante as cruzadas, ou os feitos de guerra do Barão,
lorde deles; enquanto ele, rodeado por seus cavaleiros e
damas, dava um banquete no grande salão do castelo,
onde a tapeçaria cara, que adornava as paredes com
pinturas das expedições de seus ancestrais, as janelas de
vitrais enriquecidas com armaduras, os belos
estandartes, que balançavam ao longo do teto, os
dosséis suntuosos, a profusão de ouro e prata, que
brilhava nos aparadores, os pratos numerosos que
cobriam as mesas, o número de uniformes alegres dos
serventes, com as vestes nobres e esplêndidas dos
convidados, unidos para formar uma cena de
magnificência, tal que nós não podemos esperar ver
nesses tempos depravados.
“Sobre o Barão, a aventura a seguir é contada. Uma
noite, depois de sair tarde do banquete, para o seu
quarto, e de dispensar seus criados, ele ficou surpreso
pela aparência de um estranho com um ar nobre, mas
com um rosto aflito e abatido. Acreditando que essa
pessoa estivesse se escondendo no aposento sem ser
visto pelos pajens de serviço, que teriam o visto e
impedido essa intrusão de seu Lorde, o Barão, chamando
seus criados, pegou sua espada, a qual ele ainda não
tinha retirado do seu lado, e ficou em posição de defesa.
O estranho se aproximou, lentamente, e lhe disse que
não havia nada a temer; que ele não viera com planos
hostis, mas para comunicá-lo um segredo terrível que era
necessário que ele soubesse.
“O Barão, aplacado pelas maneiras cordiais do
estranho, após examiná-lo por algum tempo em silêncio,
devolveu sua espada para a bainha, e pediu que ele
explicasse como teve acesso ao quarto, e o propósito
dessa visita extraordinária.
“Sem responder a nenhuma dessas perguntas, o
estranho disse que não podia se explicar no momento
presente, mas que se o Barão o seguisse até os limites
da floresta, um pouco além dos muros do castelo, ele
poderia convencê-lo de que tinha algo de importância a
revelar.
“Essa proposta assustou o Barão novamente, não
conseguia acreditar que esse estranho pretendesse atraí-
lo para um local tão isolado, àquela hora da noite, sem
ter um desejo contra a vida dele, e se recusou a ir,
observando, ao mesmo tempo, que, se o propósito do
estranho fosse honrável, ele não persistiria em se
recusar a revelar o motivo de sua visita no quarto, onde
estavam.
“Enquanto falava isto, ele viu o estranho mais
atentamente do que antes, mas não viu mudança
alguma em seu rosto, ou qualquer outro sintoma que
pudesse intimar uma consciência de um propósito
maligno: estava vestido como um cavaleiro, era de uma
estatura alta e majestosa, e de modos dignos e corteses.
Contudo, ainda assim ele se recusava a comunicar o
motivo de sua missão em qualquer lugar exceto o que
ele havia mencionado e, ao mesmo tempo, dava pistas
sobre o segredo que iria revelar que despertaram um
grau de curiosidade solene no Barão, o que, finalmente,
induziu-o a consentir em seguir o estranho, com certas
condições.
“‘Senhor cavaleiro’, disse ele, ‘eu o acompanharei
até a floresta e só levarei comigo quatro de meus
criados, que testemunharão nossa conferência.’
“A isto, contudo, o cavaleiro fez uma objeção.”
“‘O que eu revelarei’, disse ele solenemente, ‘é
somente para você. Só há três pessoas vivas que sabem
da circunstância; é de mais importância para você e sua
casa do que eu explicarei agora. Em anos futuros você
olhará para trás, para esta noite, com satisfação ou
arrependimento, de acordo com o que você determinar
agora. Se você quiser prosperar daqui para frente... siga-
me; eu lhe prometo com a honra de um cavaleiro que
nenhum mal cairá sobre você; se estiver satisfeito em
arriscar o futuro... permaneça em seu quarto e eu partirei
assim como vim.’
“‘Senhor cavaleiro’, respondeu o Barão, ‘como é
possível que a minha paz futura possa depender da
minha decisão no presente?’”
“‘Isto não deve ser dito agora’, disse o estranho, ‘eu
me expliquei ao máximo. Está tarde; se você me seguir
deve ser depressa; você fará bem em considerar a
alternativa’”.
“O Barão refletiu e, quando olhou para o cavaleiro,
percebeu que o seu rosto assumiu uma solenidade
singular.”
[Aqui Ludovico ouviu um barulho e olhou ao redor do
quarto, então levantou o lampião para auxiliar sua
observação; mas, não vendo nada que confirmasse seu
susto, pegou o livro novamente e continuou a história.]
“O Barão andou pelo seu aposento por algum
tempo, em silêncio, impressionado pelas últimas palavras
do estranho, cujo pedido extraordinário ele temia
conceder, e também temia recusar. Finalmente, disse:
‘Senhor cavaleiro, você é completamente desconhecido
para mim; diga-me você mesmo, é sensato que eu vá
sozinho com um estranho, a esta hora, para uma floresta
deserta? Diga-me pelo menos quem você é e quem lhe
ajudou a se esconder neste quarto.’”
“O Barão franziu a testa com essas últimas palavras,
e ficou em silêncio por um momento; então, com um
rosto um tanto severo, disse:”
“‘Eu sou um cavaleiro inglês; chamo-me Sir Bevys
de Lancaster, e meus feitos não são desconhecidos na
Cidade Sagrada, de onde eu estava voltando para a
minha terra natal, quando a noite caiu e eu estava na
floresta vizinha.’”
“‘Seu nome não me é desconhecido’, disse o Barão,
‘eu já ouvi falar dele.’ (O cavaleiro mostrou um olhar
altivo). ‘Mas, já que meu castelo é conhecido por receber
todos os verdadeiros cavaleiros, por que o seu
mensageiro não lhe anunciou? Por que você não
apareceu no banquete, onde sua presença teria sido bem
vinda, ao invés de se esconder em meu castelo e entrar
em meu quarto à meia-noite?’”
“O estranho franziu a testa e se virou em silêncio;
mas o Barão repetiu as perguntas.”
“‘Eu não vim’, disse o Cavaleiro, ‘para responder
perguntas, mas para revelar fatos. Se você quiser saber
mais, siga-me, e novamente eu juro pela honra de um
cavaleiro que você retornará em segurança. Seja rápido
em sua decisão, eu preciso ir embora.’”
“Após mais alguma hesitação, o Barão decidiu seguir
o estranho e ver o resultado de seu pedido
extraordinário; ele, portanto, desembainhou sua espada
novamente e, pegando um lampião, pediu que o
cavaleiro guiasse o caminho. Este obedeceu e, abrindo a
porta do quarto, foram para a antessala, onde o Barão,
surpreso ao encontrar todos os seus pajens dormindo,
parou e, com uma violência precipitada, ia repreendê-los
por sua falta de cuidado, quando o cavaleiro acenou com
sua mão, e olhou para o Barão, tão expressivamente, que
este restringiu seu ressentimento e seguiu em frente.”
“O Cavaleiro, tendo descido uma escada, abriu uma
porta secreta, a qual o Barão acreditava que só ele
conhecia e, seguindo através de várias passagens
estreitas e sinuosas, chegaram finalmente em um portão
pequeno, que se abria além dos muros do castelo.
Enquanto isso, o Barão o seguiu em silêncio e espanto,
ao ver que aquelas passagens secretas eram tão bem
conhecidas por um estranho, e se sentiu inclinado a
voltar de uma aventura que parecia ter uma parte de
traição, assim como de perigo. Então, considerando que
ele estava armado e vendo o ar nobre e cortês de seu
condutor, sua coragem voltou, ele enrubesceu por ela ter
falhado, por um instante, e resolveu seguir o mistério até
a sua fonte.”
“Agora ele se encontrava na plataforma de
vegetação rasteira em frente aos grandes portões do
castelo, onde, ao olhar para cima, viu luzes brilhando nas
diferentes janelas dos convidados, que estavam indo
dormir; e, quando tremeu com a rajada de vento e olhou
para a cena escura e desamparada, ao seu redor, ele
pensou nos confortos de seu quarto quente, tornado
alegre pela chama da lenha, e por um instante sentiu o
contraste completo de sua situação presente.”
[Aqui Ludovico pausou, por um instante e, olhando
para o seu próprio fogo, deu uma mexida nele para
acendê-lo.]
“O vento estava forte e o Barão observava seu
lampião com ansiedade, esperando vê-lo se extinguir a
cada momento; mas, embora a chama oscilasse, ela não
expirou e ele continuou seguindo o estranho, quem
suspirava conforme ia, mas não falava.”
“Quando eles chegaram aos limites da floresta, o
Cavaleiro se virou e levantou sua mão, como se
pretendesse se dirigir ao Barão, mas então, fechando
seus lábios em silêncio, ele seguiu em frente.”
“Quando eles entraram sob os galhos escuros e
estendidos, o Barão, comovido pela solenidade da cena,
hesitou quanto a prosseguir, e perguntou o quão mais
longe eles teriam que ir. O Cavaleiro só respondeu com
um gesto, e o Barão, com passos hesitantes e um olhar
suspeitoso, seguiu através de um caminho escuro e
complexo, até que, tendo andado uma porção
considerável, perguntou novamente para onde eles
estavam indo e se recusou a prosseguir, a não ser que
fosse informado.”
“Quando disse isso, olhou para a sua própria espada
e para o Cavaleiro alternadamente, o qual balançou sua
cabeça, e cujo rosto abatido desarmou o Barão de
suspeitas, por um instante.”
“‘Um pouco mais a frente fica o lugar para onde eu
lhe levarei’, disse o estranho; ‘nenhum mal cairá sobre
você... eu o jurei pela honra de um cavaleiro.’
“O Barão, tranquilizado, seguiu-o em silêncio
novamente, e logo eles chegaram em um recuo profundo
da floresta, onde os castanheiros escuros e altos
excluíam o céu completamente, e o qual estava tão
coberto de vegetação rasteira que eles prosseguiram
com dificuldade. O Cavaleiro suspirava profundamente
enquanto passava e, às vezes, parava; chegando
finalmente num local onde as árvores se espalhavam
formando um nó, ele se virou e, com um olhar terrível,
apontando para o chão, o Barão viu ali o corpo de um
homem, estendido em seu comprimento e encharcado de
sangue; um machucado horrendo estava em sua testa e
a morte parecia já ter contraído as suas feições.”
“O Barão, ao ver o espetáculo, assustou-se, olhou
para o Cavaleiro querendo uma explicação, e estava
prestes a levantar o corpo e examinar se ainda havia
algum sinal de vida; mas o estranho, balançando sua
mão, deu-lhe um olhar fixo tão sincero e pesaroso, que
não apenas o surpreendeu muito, mas o fez parar.”
“Mas, quais foram as emoções do Barão quando, ao
segurar o lampião perto das feições do cadáver, viu a
semelhança exata do estranho, que era seu condutor,
para quem ele agora olhou em espanto e dúvida?
Enquanto olhava, viu o rosto do Cavaleiro mudar e
começar a desaparecer, até que seu corpo inteiro sumiu
gradualmente diante de seus sentidos atônitos!
Enquanto o Barão estava parado, fixado ao local, uma
voz foi ouvida dizendo essas palavras:...”
[Ludovico se assustou e colocou o livro de lado, pois
ele pensou ter ouvido uma voz no quarto, olhou em
direção à cama, onde, contudo, ele só viu as cortinas
escuras e a mortalha. Escutou em silêncio, mal ousando
inspirar, mas só ouviu o rugir distante do mar na
tempestade e a rajada de vento que corria pelas janelas;
quando, ao concluir que havia sido enganado pelos
suspiros deste, pegou o livro para terminar a história.]
“Enquanto o Barão estava parado, fixado ao local,
uma voz foi ouvida dizendo essas palavras...”
“‘O corpo de Sir Bevys de Lancaster, o nobre
cavaleiro da Inglaterra, jaz diante de você. Ele foi, nesta
noite, atacado de surpresa e morto, enquanto viajava da
Cidade Sagrada para sua terra natal. Respeite a honra
dos cavaleiros e a lei da humanidade; enterre o corpo em
solo cristão, e faça que seus assassinos sejam punidos.
Conforme verás, ou negligenciarás isto, a paz e a
felicidade, ou a guerra e a miséria, cairão sobre ti e tua
casa para sempre!’”
“O Barão, quando se recuperou do medo e do
espanto, no qual esta aventura o havia colocado, voltou
para seu castelo, de onde ele ordenou que o corpo de Sir
Brevys fosse removido; e, no dia seguinte, foi enterrado,
com as honras dos cavaleiros, na capela do castelo,
acompanhado por todos os cavaleiros e damas nobres
que agraciavam a corte do Barão de Brunne.”
Ludovico, tendo terminado essa história, colocou o
livro de lado, pois se sentia sonolento e, após colocar
mais lenha no fogo e tomar outra taça de vinho,
descansou na poltrona da lareira. Em seu sonho ele ainda
observava o quarto onde realmente estava e, uma ou
duas vezes, acordou agitado de sonos imperfeitos,
imaginando que viu o rosto de um homem olhando sobre
o encosto alto de sua poltrona. Essa ideia o impressionou
tão fortemente que, quando ergueu seus olhos, ele quase
esperava encontrar outros olhos fixos nos seus próprios,
e saiu de seu assento, olhou atrás da cadeira, antes de
se sentir perfeitamente convencido de que não havia
outra pessoa lá.
Assim se encerrou a hora.
CAPÍTULO VII

Aproveita o orvalho do sono denso como mel;


Não tens nenhuma figura, nenhuma fantasia,
Que deixa os cérebros dos homens preocupados;
Por isso dormes tão tranquilo.
SHAKESPEARE [ 4 2 ]

O conde, que havia dormido pouco durante a noite,


acordou cedo e, ansioso para falar com Ludovico, foi até
o aposento norte; mas já que a porta externa foi
trancada na noite anterior, ele foi obrigado a bater bem
alto para poder entrar. Nem as batidas, nem a sua voz
foram ouvidas. Entretanto, considerando a distância
dessa porta até o quarto, e que Ludovico, exausto da
vigília, havia provavelmente caído num sono profundo, o
conde não ficou surpreso ao não receber resposta
alguma e, se afastando da porta, desceu para caminhar
por seu terreno.
Era uma manhã cinzenta de outono. O sol, subindo
sobre a Provença, só fornecia uma luz fraca, enquanto
seus raios se forçavam através dos vapores, que
subiam do mar, e flutuavam pesadamente sobre os
topos das árvores, que agora estavam variadas com
muitas cores brandas de outono. A tempestade havia
passado, mas as ondas ainda estavam violentamente
agitadas e seu curso estava marcado por longas linhas
de espuma, ao passo que nenhuma brisa flutuava nas
velas dos barcos perto da costa, que estavam
levantando âncora para partir. A escuridão quieta do
momento era agradável para o conde e ele seguiu seu
caminho pela floresta, imerso em pensamentos
profundos.
Emily também acordou cedo e fez sua caminhada
costumeira ao longo da beirada da península, que
ficava sobre o Mediterrâneo. A sua mente não estava
tomada pelas ocorrências do castelo, pois Valancourt
era o motivo de seus tristes pensamentos. Ela ainda
não tinha se ensinado a pensar nele com indiferença,
embora seu julgamento a repreendesse
constantemente pela afeição que permanecia em seu
coração, após a sua estima por ele ter partido. A
recordação lhe trazia frequentemente seu olhar de
despedida, e os tons de sua voz, quando ele lhe deu
um último adeus; e quando algumas associações
acidentais trouxeram essas circunstâncias à sua mente,
com uma energia peculiar, ela derramou lágrimas
amargas com a lembrança.
Tendo chegado à torre de vigia, ela se sentou nos
degraus desnivelados e, com um abatimento
melancólico, observou as ondas meio escondidas no
vapor, à medida que elas vinham rolando em direção à
costa e lançavam seu spray leve nos rochedos abaixo.
O murmúrio vazio delas e a névoa obscura que subia
pelas colinas em espirais, deram uma solenidade à
cena, que estava em harmonia com o temperamento
de sua mente, e ela ficou sentada, entregue à
lembrança de tempos passados, até que aquilo se
tornou doloroso demais, e ela saiu do lugar
abruptamente. Ao passar pelo portão pequeno da torre
de vigia, viu letras gravadas na entrada de pedra, as
quais ela parou para examinar e, embora parecessem
terem sido cortadas rudemente com um canivete, os
caracteres lhe eram familiares. Finalmente,
reconhecendo a letra de Valancourt, ela leu, tremendo
de ansiedade, os versos seguintes intitulados:
NAUFRÁGIO[43]
Até a meia-noite solene! Nesta colina íngreme solitária,
Sob o muro desta torre de vigia desolada,
Onde formas místicas amedrontam o pensador,
Eu descanso; e observo as profundezas desertas
abaixo,
Assim como através de nuvens tempestuosas a luz fria
da lua
Brilha na onda. Sem visão, os ventos da noite
Varrem as ondas com uma força barulhenta e
misteriosa,
E as erupções rugem taciturnas ao longe lá embaixo.
Nas pausas quietas das rajadas eu ouço
A voz de espíritos, aumentando doces e lentas,
E muitas vezes em meio às nuvens suas formas
aparecem.
Mas, ah! Que grito de morte vem com a ventania,
E no raio distante, que vela brilhante
Se curva para a tempestade? – Agora as notas do medo
somem!
Ah! Pobres marinheiros! – O dia não abrirá mais
Seus olhos animadores para iluminar o seu caminho!
Com esses versos parecia que Valancourt havia
visitado a torre. Que ele provavelmente havia estado
ali na noite anterior, pois era uma noite assim que eles
descreviam, e que ele havia saído da construção muito
recentemente, já que não estava claro antes e sem luz
era impossível que essas letras tivessem sido
gravadas. Dessa forma era até mesmo provável que ele
ainda estivesse nos jardins.
Conforme essas reflexões passaram rapidamente
pela mente de Emily, elas trouxeram uma variedade de
emoções em disputa, que quase sobrecarregaram seu
espírito; mas, seu primeiro impulso foi evitar vê-lo e,
saindo da torre imediatamente, ela retornou com
passos apressados em direção ao castelo. Enquanto
passava, lembrou-se da música que havia ouvido
recentemente perto da torre, assim como da figura que
havia aparecido, e neste momento de agitação ela
ficou inclinada a acreditar que tinha visto e ouvido
Valancourt; mas outras recordações logo a
convenceram de seu erro. Ao entrar numa parte mais
espessa da floresta, viu uma pessoa andando devagar
na escuridão um pouco ao longe, e como sua mente
estava tomada pelo pensamento nele, ela se assustou
e parou, imaginando que fosse Valancourt. A pessoa
seguiu em frente com passos mais rápidos e, antes que
ela pudesse se recompor o bastante para evitá-lo, ele
falou, ela reconheceu a voz do conde, que expressou
alguma surpresa ao encontrá-la caminhando tão cedo e
fez um esforço fraco para zombar dela, por seu gosto
pela solidão. Mas, ele logo percebeu que esse era mais
um motivo de preocupação do que de risada e,
mudando seu comportamento, advertiu Emily
afetuosamente por se permitir lamentações inúteis;
que, apesar de reconhecer a justiça de tudo que ele
disse, não pôde reprimir suas lágrimas enquanto o
fazia, e ele terminou o assunto imediatamente.
Expressando surpresa em ainda não ter ouvido de seu
amigo, o advogado em Avignon, sobre a resposta às
questões propostas a ele a respeito das propriedades
da falecida Madame Montoni, o conde, com um zelo
amigável, empenhou-se em animar Emily com
esperanças de estabelecer o seu direito a elas;
enquanto ela sentia que as propriedades contribuiriam
pouco para a felicidade de uma vida na qual Valancourt
não tinha mais interesse.
Quando voltaram para o castelo, Emily foi para o
seu quarto e o Conde De Villefort para a porta dos
aposentos ao norte. Esta ainda estava trancada, mas
agora, decidido a acordar Ludovico, ele renovou seus
chamados, mais altos do que antes, após isso um
silêncio total se seguiu e o conde, descobrindo que
todos os seus esforços para ser ouvido foram
ineficazes, finalmente começou a temer que algum
acidente pudesse ter acontecido a Ludovico, que o
medo de um ser imaginário poderia ter destituído de
seus sentidos. Portanto, ele deixou a porta com a
intenção de chamar seus criados para abri-la à força,
alguns dos quais ele ouviu se movendo na parte mais
baixa do castelo.
Às perguntas do conde, se eles haviam visto ou
recebido notícias de Ludovico, eles responderam
apavorados que ninguém havia se aventurado a ir para
o lado norte do castelo desde a noite anterior.
“Então ele está dormindo profundamente”, disse o
conde, “e está tão longe da porta externa, trancada,
que para entrar nos quartos será necessário abri-la à
força. Tragam algum instrumento e sigam-me”.
Os criados ficaram mudos e deprimidos, e não foi
antes de quase toda a criadagem estar reunida que as
ordens do conde foram obedecidas. Nesse meio tempo,
Dorothee estava contando sobre uma porta que se
abria em uma galeria, levando da grande escadaria até
a última antessala do salão e, como esta ficava muito
mais próxima do quarto, parecia provável que Ludovico
pudesse ser acordado facilmente por uma tentativa de
abri-la. Para lá, portanto, o conde foi, mas sua voz foi
tão ineficaz nesta porta quanto ela tinha provado ser
na porta mais distante; interessado seriamente em
Ludovico, ele próprio ia acertar a porta com o
instrumento quando viu a beleza singular dela e
impediu o impacto. À primeira vista, ela parecia ser de
ébano, suas veias pareciam ser tão escuras e próximas,
seu brilho tão forte; mas ela se provou ser apenas de
madeira de lariço, dos que crescem na Provença,
famosa por suas florestas de lariços. Entretanto, a
beleza de sua cor brilhante e de seus talhos delicados
fez o conde decidir poupar essa porta, e voltou para
aquela que vinha da escada dos fundos, a qual foi
finalmente aberta à força, ele entrou na primeira
antessala, seguido por Henri, e alguns dos mais
corajosos de seus criados, o restante esperando pelo
resultado da investigação, nas escadas e no patamar.
Tudo estava silencioso nos quartos através dos
quais o conde passava e, tendo chegado à sala de
estar, ele chamou Ludovico com uma voz alta; após
isso, ainda não recebendo resposta alguma, abriu a
porta do quarto e entrou.
O silêncio profundo lá dentro confirmou seus
medos por Ludovico, pois nem mesmo a respiração de
uma pessoa dormindo era ouvida; e essa incerteza não
terminou logo, já que todas as persianas estavam
fechadas e o quarto estava escuro demais para que
qualquer coisa fosse vista nele.
O conde ordenou que um criado as abrisse, que,
ao atravessar o quarto para fazer isso, tropeçou em
algo e caiu no chão, quando seu grito causou tanto
pânico em meio aos colegas que haviam vindo até lá,
os quais fugiram imediatamente, o conde e Henri foram
deixados sozinhos para terminarem a aventura.
Então, Henri correu através do quarto e, ao abrir a
veneziana de uma janela, viram que o homem havia
tropeçado em uma cadeira perto da lareira, na qual
Ludovico havia se sentado; pois ele não estava mais
sentado lá e não era visto em lugar algum, na luz
imperfeita que entrava no aposento. O conde,
seriamente preocupado, abriu outras venezianas para
que ele pudesse examinar mais e como Ludovico ainda
não havia aparecido, ficou parado por um instante
suspenso em espanto e mal confiando em seus
sentidos até que, quando seus olhos olharam para a
cama, ele avançou para examinar se estava dormindo
ali. Contudo, nenhuma pessoa estava lá e ele
prosseguiu para a sacada, onde tudo permanecia assim
como na noite anterior, mas Ludovico não foi
encontrado em lugar algum.
O conde conteve seu espanto, considerando que
Ludovico poderia ter saído dos quartos durante a noite,
tomado por terrores, o que a desolação solitária e os
rumores sobre eles haviam inspirado. Porém, se esse
fosse o fato, o homem naturalmente teria procurado
companhia, e todos os seus colegas criados declararam
que não tinham o visto; e, além disso, a porta do
quarto mais externo foi encontrada trancada com a
chave do lado de dentro; portanto, era impossível que
ele tivesse passado por lá e que todas as portas
externas dessa suíte fossem encontradas, após serem
examinadas, fechadas e trancadas, com as chaves
também do lado de dentro delas. Sendo compelido a
acreditar que o rapaz havia fugido pelas janelas, o
conde as examinou em seguida, mas, aquelas que se
abriam o bastante para admitir o corpo de um homem,
foram encontradas fechadas cuidadosamente por
barras de ferro ou por persianas, e não apareceu
nenhum vestígio de qualquer pessoa ter tentado passar
por elas; e, também, não era provável que Ludovico
tivesse corrido o risco de quebrar seu pescoço ao pular
de uma janela, quando ele poderia ter passado por
uma porta em segurança.
O choque do conde não admitia palavras; mas, ele
voltou mais uma vez para examinar o quarto, onde não
havia aparência alguma de desordem, exceto aquela
causada pela derrubada recente da cadeira, perto da
qual ficava uma mesinha, e nesta ainda estavam a
espada de Ludovico, seu lampião, o livro que ele estava
lendo e o resto de seu cantil de vinho. No pé da mesa
também estava a cesta com alguns fragmentos das
provisões e lenha.
Henri e o criado, agora, pronunciaram seu espanto
sem reservas e, apesar do conde ter dito pouco, havia
uma seriedade em seu comportamento que expressava
muito. Parecia que Ludovico tinha saído desses quartos
através de alguma passagem escondida, pois o conde
não podia acreditar que algum meio sobrenatural havia
causado esse evento, porém, se houvesse alguma
passagem assim, parecia inexplicável o porquê dele
sair através dela e era igualmente surpreendente que
nem mesmo o menor dos vestígios aparecesse, através
dos quais o progresso dele pudesse ser rastreado. Tudo
nos quartos permanecia tanto em ordem, como se ele
tivesse acabado de sair pelo caminho comum.
O próprio conde ajudou a levantar as tapeçarias,
que ficavam penduradas pelo quarto, na sala de estar e
numa das antessalas, para que eles pudessem
descobrir se havia alguma porta escondida atrás delas;
mas, após uma busca laboriosa, nenhuma foi
encontrada e ele finalmente saiu dos aposentos depois
de trancar a porta da última antessala, cuja chave
manteve em sua própria posse. Então, ele deu ordens
para que uma busca rigorosa por Ludovico fosse feita
não somente no castelo, mas na vizinhança, e, indo
com Henri para o seu vestiário, eles ficaram lá
conversando por um tempo considerável, e o que quer
que fosse o assunto, depois disso, Henri perdeu muito
da sua vivacidade e seu comportamento ficava
particularmente grave e reservado sempre que o
tópico, que agitava a família do conde com surpresa e
alerta, era introduzido.
Com o desaparecimento de Ludovico, o Barão St.
Foix pareceu ficar fortalecido em todas as suas
opiniões anteriores sobre a probabilidade de aparições,
embora fosse difícil descobrir qual conexão podia
existir possivelmente entre os dois assuntos, ou
explicar esse resultado de outra maneira além de supor
que o mistério rodeando Ludovico, ao excitar medo e
curiosidade, reduziu a mente a um estado de
sensibilidade que a tornou mais sujeita à influência da
superstição em geral. Contudo, é certo que a partir
desse período, o Barão e seus aderentes se tornaram
mais fanáticos com seus próprios sistemas do que
antes, enquanto os medos dos criados do conde
aumentaram excessivamente, o que fez com que
muitos deles deixassem a mansão imediatamente, e o
resto só permaneceu até que outros pudessem ser
conseguidos para ficar em seus lugares.
A busca mais estrênua por Ludovico se provou sem
sucesso e, após vários dias de investigação incansável,
a pobre Annette se entregou ao desespero e os outros
habitantes do castelo ao espanto.
Emily, cuja mente havia sido afetada
profundamente pelo fim desastroso da Marquesa
falecida e com a condição misteriosa, que ela
imaginava existir entre ela e St. Aubert, ficou
particularmente impressionada pelo evento
extraordinário recente e muito preocupada com a
perda de Ludovico, cuja integridade e serviços leais
ganharam tanto a sua estima quanto a sua gratidão.
Ela ficou muito desejosa de voltar para o retiro calmo
de seu convento, mas toda indicação disso era
recebida com pesar real pela Lady Blanche e
afetuosamente colocada de lado pelo conde, por quem
ela sentia muito do amor e admiração respeitosos de
uma filha, e para quem, com o consentimento de
Dorothee, ela finalmente mencionou a aparição que
elas haviam testemunhado no quarto da Marquesa
falecida. Em qualquer outro período, ele teria sorrido
com tal relação e acreditado que isso só existia na
imaginação destemperada do contador; mas agora ele
ouvia Emily com seriedade e, quando ela concluiu, ele
pediu uma promessa, que essa ocorrência descansasse
em silêncio. “O que quer que seja a causa e a
consequência dessas ocorrências extraordinárias”,
acrescentou o conde, “somente o tempo pode explicá-
las. Eu manterei um olho cauteloso em tudo que se
passa no castelo e tentarei todo meio possível de
descobrir o destino de Ludovico. Enquanto isso, nós
devemos ser prudentes e ficar quietos. Eu mesmo
ficarei de vigia nos aposentos do norte, mas não
falaremos nada disto até a noite cair, quando eu
pretendo fazê-lo”.
O conde chamou Dorothee e exigiu dela uma
promessa de silêncio sobre o que ela já tinha
testemunhado, ou o que ela possa vir a testemunhar
no futuro, de natureza extraordinária; e essa criada
anciã lhe contou os particulares da morte da Marquesa
de Villeroi, com alguns dos quais ele parecia ser
familiar, enquanto com outros ele ficou evidentemente
surpreso e agitado. Após escutar essa narrativa, o
conde foi para o seu vestiário, onde ficou sozinho por
várias horas; e quando apareceu novamente, a
solenidade de seu comportamento surpreendeu e
preocupou Emily, mas ela não deu voz a seus
pensamentos.
Na semana seguinte ao desaparecimento de
Ludovico, todos os convidados do conde se despediram
dele, exceto o barão, seu filho Monsieur St. Foix e
Emily. Esta logo ficou constrangida pela chegada de
outro convidado, Monsieur Du Pont, o que a fez decidir
voltar para o convento imediatamente. O deleite que
apareceu em seu rosto, quando ele a viu, dizia que
ainda tinha o mesmo ardor da paixão, que o havia
expulsado de Chateau-le-Blanc anteriormente. Ele foi
recebido com reserva por Emily e com prazer pelo
conde, que o apresentou a ela com um sorriso que
parecia pretender lutar pela causa dele, e quem não
teve menos esperanças para seu amigo pelo
constrangimento que ela demonstrou.
Mas M. Du Pont, com uma comiseração mais
verdadeira, pareceu entender o comportamento dela e
seu rosto logo perdeu sua vivacidade, e caiu no langor
do abatimento.
Entretanto, no dia seguinte, ele procurou uma
oportunidade de declarar o propósito de sua visita e
renovou seu pedido; uma declaração que foi recebida
com preocupação real por Emily, que tentou diminuir a
dor que ela poderia causar através de uma segunda
rejeição com garantias de sua estima e amizade;
porém o deixou em um estado de mente que
reivindicava e excitava a sua compaixão mais terna; e
estando mais ciente do que nunca da impropriedade de
permanecer no castelo por mais tempo, ela procurou o
conde, imediatamente, e lhe comunicou sua intenção
de voltar para o convento.
“Minha querida Emily”, disse ele, “eu observo, com
preocupação extrema, a ilusão que você está
encorajando; uma ilusão comum a mentes jovens e
sensíveis. Seu coração recebeu um choque severo;
você acredita que nunca conseguirá recuperá-lo
completamente, e irá encorajar isso até que o hábito
de se permitir a tristeza subjugue a força de sua
mente, e descolore suas visões para o futuro com
melancolia e arrependimento. Deixe-me dissipar essa
ilusão e abrir os seus olhos para uma noção de seu
perigo”.
Emily sorriu tristemente: “eu sei o que você vai
dizer, meu querido senhor”, disse ela, “e estou
preparada para respondê-lo. Eu sinto que meu coração
nunca conhecerá uma segunda afeição; e que eu nunca
devo ter esperanças de recuperar a sua tranquilidade;
se eu me fizer entrar num segundo compromisso”.
“Eu sei que você sente tudo isso”, respondeu o
conde; “e também sei que o tempo irá superar esses
sentimentos, a não ser que você os nutra em solidão e,
perdoe-me, com ternura romântica. Dessa forma, de
fato, o tempo só confirmará o hábito. Eu tenho uma
capacidade particular para falar sobre este assunto e
de compreender seus sofrimentos”, acrescentou o
conde com um ar de solenidade, “pois eu soube o que
é amar e lamentar o alvo do meu amor. Sim”,
continuou ele, enquanto seus olhos se enchiam de
lágrimas, “eu sofri! Mas esses tempos se passaram...
há muito tempo! E agora eu consigo olhar para trás
para eles sem emoção”.
“Meu querido senhor”, disse Emily timidamente,
“qual é o significado dessas lágrimas? Elas falam, eu
temo, em outra língua... elas imploram pela minha
causa”.
“Elas são lágrimas de fraqueza, pois são inúteis”,
respondeu o conde as enxugando, “eu queria que você
fosse superior a tal fraqueza. Contudo, elas são apenas
vestígios fracos de uma dor que, se não tivesse sido
combatida com um esforço longo e contínuo, poderia
ter me levado à beira da loucura! Então, julgue se eu
não tenho motivos para alertá-la de uma indulgência,
que poderá produzir um efeito tão terrível, e que se
não for combatida, irá certamente encobrir os anos que
de outra forma poderiam ser felizes. M. Du Pont é um
homem sensato e agradável, que tem uma afeição
terna por você há muito tempo; sua família e sua
fortuna são excepcionais; após o que eu disse, é
desnecessário acrescentar que eu ficaria jubiloso com a
sua felicidade e que acho que M. Du Pont a promoveria.
Não chore, Emily”, continuou o conde pegando a mão
dela, “a felicidade está reservada para você”.
Ele ficou em silêncio por um instante; e
acrescentou, numa voz mais firme: “eu não quero que
você faça um esforço violento para superar seus
sentimentos; tudo que lhe peço no presente, é que
você reprima os pensamentos que a levariam a uma
lembrança do passado; que você deixe que sua mente
fique ocupada com coisas do presente; que você se
permita acreditar que ainda pode ser feliz; e que você,
às vezes, pense no pobre Du Pont com complacência e
não o condene ao estado de depressão do qual, minha
querida Emily, eu estou me esforçando para tirá-la”.
“Ah! Meu querido senhor”, disse Emily enquanto
suas lágrimas ainda escorriam, “não deixe que a
benevolência de seus desejos leve M. Du Pont a uma
expectativa errada de que eu poderei aceitar a mão
dele algum dia. Se eu compreendo o meu próprio
coração, isso nunca poderá acontecer; a sua orientação
eu posso obedecer em quase todos os detalhes, exceto
aquele de adotar uma crença contrária”.
“Deixe que eu compreenda o seu coração”,
respondeu o conde com um sorriso fraco. “Se você me
fizer a graça de ser guiada pelos meus conselhos em
outras instâncias, eu perdoarei a sua incredulidade com
respeito à sua conduta futura para com M. Du Pont. Eu
não a pressionarei a permanecer no castelo por mais
tempo do que a sua própria satisfação permitirá; mas
apesar de evitar me opor ao seu retiro presente, eu
usarei as reivindicações da amizade para estimular
suas visitas futuras.”
Lágrimas de gratidão se misturaram àquelas de
lamentação terna, enquanto Emily agradecia ao conde
pelos muitos exemplos de amizade que ela havia
recebido dele; ela prometeu ser guiada pelos seus
conselhos em todos os assuntos exceto um, e o
assegurou do prazer com o qual ela aceitaria o convite
da condessa e dele próprio em algum período futuro; se
M. Du Pont não estiver no castelo.
O conde sorriu com essa condição: “que seja
assim”, disse ele, “até lá, o convento é tão próximo do
castelo que minha filha e eu lhe visitaremos
frequentemente; e se, algumas vezes, nós ousarmos
lhe trazer outro visitante, você nos perdoará?”
Emily pareceu ficar aflita e permaneceu em
silêncio.
“Bem”, replicou o conde, “eu não continuarei
nesse assunto e agora devo lhe implorar seu perdão
por tê-la pressionado e ter ido tão longe. Contudo, você
me fará a justiça de acreditar que eu só fui motivado
por um carinho sincero pela sua felicidade, e aquela do
meu querido amigo Monsieur Du Pont.”
Quando Emily deixou o conde, ela foi mencionar
sua partida intencional para a condessa, que se opôs a
isso com expressões educadas de lamento; após as
quais, ela enviou um bilhete para notificar a madre
abadessa que ela voltaria para o convento; e para lá foi
na noite do dia seguinte. M. Du Pont, extremamente
desapontado, viu-a partir, enquanto o conde se
esforçava para animá-lo com a esperança de que
Emily, às vezes, pensaria nele com uma visão mais
favorável.
Ela ficou feliz ao se encontrar mais uma vez no
retiro tranquilo do convento, onde experimentou uma
renovação da bondade maternal da abadessa e das
atenções fraternais das freiras. Um boato da ocorrência
extraordinária recente no castelo já havia chegado a
elas e, depois da ceia, na noite de sua chegada, esse
foi o assunto da conversa na sala de estar do convento,
onde foi pedido a ela que contasse alguns particulares
daquele evento inexplicável. Emily foi reservada em
sua conversa neste assunto e relatou brevemente
algumas poucas circunstâncias com relação a Ludovico,
cujo desaparecimento as ouvintes dela concordaram
quase unanimemente que fora causado por algum meio
sobrenatural.
“Uma crença permaneceu por tanto tempo”, disse
uma freira que era chamada irmã Frances, “de que o
castelo era mal-assombrado, que eu fiquei surpresa
quando ouvi que o conde teve a temeridade de habitá-
lo. O seu proprietário anterior, eu temo, tinha algum
ato de consciência a reparar; vamos esperar que as
virtudes do atual o protejam da punição devida aos
erros do último, se, de fato, ele era um criminoso”.
“Então, de qual crime ele era suspeito?”,
perguntou Mademoiselle Feydeau, uma interna do
convento.
“Vamos rezar pela alma dele!”, disse uma freira,
que, até então, havia ficado sentada em atenção
silenciosa. “Se ele era um criminoso, sua punição nesse
mundo foi suficiente.”
Havia uma mistura de agitação e solenidade no
seu modo de dizer isso que impressionou muito Emily;
mas a Mademoiselle repetiu sua pergunta sem reparar
na ansiedade solene da freira.
“Eu não ouso presumir qual foi o crime dele”,
respondeu a irmã Frances; “mas eu ouvi muitos
rumores de natureza extraordinária com respeito ao
falecido Marquês de Villeroi e, dentre outros, que, logo
após a morte de sua Lady, ele saiu de Chateau-le-Blanc
e nunca mais voltou para lá. Eu não estava aqui na
época, então, só posso falar através de boatos, e
muitos anos se passaram desde que a Marquesa
morreu, tal que poucas de nossa irmandade, creio eu,
possam falar mais do que isso”.
“Mais eu posso”, disse a freira que havia falado
antes, e a quem elas chamavam de irmã Agnes.
“Então você”, disse Mademoiselle Feydeau,
“provavelmente sabe das circunstâncias que lhe
permitem julgar se ele era um criminoso ou não, e qual
foi o crime atribuído a ele”.
“Eu sei”, respondeu a freira; “mas quem ousará
escrutinar meus pensamentos; quem ousará extrair a
minha opinião? Só Deus é o juiz dele, e ele foi para
esse juiz!”
Emily olhou com surpresa para a irmã Frances, que
a devolveu um olhar significativo.
“Eu só pedi a sua opinião”, disse Mademoiselle
Feydeau calmamente; “se o assunto é desagradável
para você, eu o abandonarei”.
“Desagradável!”, disse a freira enfaticamente.
“Nós somos faladoras indolentes; nós não medimos o
peso das palavras que usamos; desagradável é um
termo fraco. Eu vou rezar.” Enquanto dizia isso ela se
levantou de seu assento, e com um suspiro profundo
saiu do local.
“Qual pode ser o significado disto?”, disse Emily
quando ela havia ido embora.
“Não é nada extraordinário”, respondeu a irmã
Frances, “ela fica assim muitas vezes; mas ela não quis
dizer nada com o que falou. Às vezes o intelecto dela
fica demente. Você nunca a viu assim antes?”
“Nunca”, disse Emily. “De fato, algumas vezes eu
pensei que a melancolia da loucura estava no olhar
dela, mas nunca a vi em suas palavras antes. Pobre
alma, eu rezarei por ela!”
“Então, às suas orações, minha filha, se unirão às
nossas”, observou a madre abadessa, “ela necessita
delas”.
“Querida Lady”, disse Mademoiselle Feydeau se
dirigindo à abadessa. “Qual é a sua opinião sobre o
Marquês falecido? As circunstâncias estranhas que
ocorreram no castelo despertaram tanto a minha
curiosidade que eu serei perdoada pela pergunta. Qual
foi o crime atribuído a ele e qual foi a punição, a qual a
irmã Agnes fez alusão?”
“Nós devemos ter cuidado ao avançar nossas
opiniões”, disse a abadessa, com um ar de reserva
misturado com solenidade. “Nós devemos ter cuidado
ao avançar nossa opinião num assunto tão delicado. Eu
não me encarregarei de proclamar que o Marquês
falecido era um criminoso, ou de dizer qual foi o crime
do qual ele era suspeito; mas, quanto à punição a qual
nossa filha Agnes aludiu, eu não sei de nada do que ele
sofreu. Ela, provavelmente, referiu-se àquela punição
severa que uma consciência exasperada pode impor.
Tomem cuidado minhas crianças, não fiquem sujeitas a
uma punição tão terrível; é o purgatório desta vida! A
Marquesa falecida eu conhecia bem; ela era um padrão
para aqueles que vivem no mundo; não, nossa ordem
sagrada não precisa se envergonhar de copiar as suas
virtudes! Nosso santo convento recebeu a parte mortal
dela; seu santo espírito, eu não tenho dúvida,
ascendeu para o seu santuário!”
Quando a abadessa falou isso, o último sino missal
tocou e ela se levantou. “Vamos, minhas crianças”,
disse ela, “vamos interceder pelos miseráveis; vamos
confessar nossos pecados e nos empenhar em purificar
nossas almas para o céu, para onde ela foi!”
Emily ficou comovida com a solenidade desse
sermão e, lembrando-se de seu pai, “o céu, para onde
ele também foi!”, disse ela fracamente, enquanto
reprimia seus suspiros e seguia a abadessa e as freiras
até a capela.
CAPÍTULO VIII

Sejas um espírito de saúde, ou um duende


condenado,
Que tragas consigo os ares do céu, ou as chamas
do inferno,
Sejam tuas intenções maléficas, ou caridosas,
Eu falarei contigo.
HAMLET [ 4 4 ]

O Conde de Villefort, finalmente, recebeu uma carta


do advogado em Avignon encorajando Emily a reivindicar
seu direito às propriedades da falecida Madame Montoni;
e perto do mesmo período, um mensageiro do Monsieur
Quesnel chegou com informações que tornavam um
apelo à lei desnecessário neste assunto, já que parecia
que a única pessoa que poderia ter se oposto ao direito
de Emily não estava mais viva. Um amigo do Monsieur
Quesnel, que morava em Veneza, havia lhe enviado um
relato da morte de Montoni, que fora levado a
julgamento com Orsino como seu suposto cúmplice no
assassinato do nobre de Veneza. Orsino foi declarado
culpado, condenado e executado na roda do
desmembramento[45], mas como nada foi descoberto
para incriminar Montoni e seus colegas quanto a essa
acusação, todos foram liberados, exceto Montoni, que, ao
ser considerado uma pessoa perigosa pelo Senado, foi
preso novamente por outros motivos, pelos quais, era
dito que ele morreu de uma maneira duvidosa e
misteriosa, e não sem suspeitas de que fora envenenado.
A autoridade, de quem M. Quesnel havia recebido essa
informação, não o permitia duvidar de sua veracidade, e
ele disse a Emily que agora ela só tinha que reivindicar
as propriedades de sua tia falecida para garanti-las,
acrescentou que ele mesmo a assistiria nos formulários
necessários para essa questão. O período pelo qual La
Valée havia sido alugada também estava quase expirado,
ele a informou dessa circunstância e a aconselhou a
pegar a estrada até lá, passando por Toulose, onde ele
prometeu encontrá-la, e onde seria apropriado que ela
tomasse posse das propriedades da falecida Madame
Montoni. Acrescentando que ele a pouparia de quaisquer
dificuldades que pudessem ocorrer na ocasião, pela falta
de conhecimento sobre o assunto, e que acreditava que
seria necessário que ela estivesse em Toulouse dentro de
aproximadamente três semanas depois do momento
presente.
O aumento na fortuna parecia ter despertado essa
bondade repentina em M. Quesnel para com sua
sobrinha, e parecia que ele tinha mais respeito pela
herdeira rica do que pela órfã pobre e sem amigos.
O prazer com o qual ela recebeu essas informações
foi encoberto, quando considerou que, aquele por cujo
bem ela outrora havia lamentado a falta de fortuna, não
era mais digno de partilhá-la com ela; mas, lembrando-se
da censura amigável do conde, ela interrompeu essa
reflexão melancólica e se empenhou em sentir apenas
gratidão pelo bem inesperado que veio a ela; enquanto
não era uma parte desprezível de sua satisfação saber
que La Valée, sua casa natal, que era querida para ela
por ter sido a residência de seus pais, logo voltaria à sua
posse. Ela pretendia fixar sua residência futura lá, pois,
apesar de não ser comparável ao castelo em Toulouse
tanto em extensão quanto em magnificência, suas cenas
agradáveis e as lembranças ternas que as permeavam
tinham um lugar em seu coração, o qual ela não estava
disposta a sacrificar à ostentação. Escreveu
imediatamente para agradecer M. Quesnel pelo interesse
ativo que ele tomou nas suas questões, e para dizer que
ela o encontraria em Toulouse na época marcada.
Quando o Conde de Villefort, com Blanche, veio ao
convento para dar a Emily o conselho do advogado, ele
foi informado do conteúdo da carta de M. Quesnel e lhe
deu suas felicitações sinceras pela ocasião; mas ela
observou que, quando a primeira expressão de satisfação
havia desaparecido do rosto dele, uma gravidade
incomum se sucedeu e ela nem hesitou em perguntar
qual era a causa disto.
“Não há nenhuma causa nova”, respondeu o conde;
“eu estou atormentado e perplexo pela confusão na qual
minha família foi jogada por sua superstição tola.
Rumores descuidados estão flutuando à minha volta, os
quais eu não posso nem admitir que são verdadeiros,
nem provar que são falsos; e eu também estou muito
ansioso pelo pobre camarada, Ludovico, sobre quem não
consegui obter informações. Cada parte do castelo e
cada parte da vizinhança, creio eu, foi vasculhada e eu
não sei o que mais pode ser feito, visto que eu já ofereci
grandes recompensas pela descoberta dele. As chaves
do aposento norte eu não deixei saírem de minha posse
desde que ele desapareceu, e eu mesmo pretendo ficar
de vigia naqueles quartos esta noite mesmo”.
Preocupada seriamente com o conde, Emily uniu
seus pedidos àqueles de Lady Blanche, para dissuadi-lo
de seu propósito.
“O que eu deveria temer?”, perguntou ele. “Eu não
tenho fé em combates sobrenaturais, e para uma
oposição humana eu estarei preparado; não, eu vou até
prometer não ficar de vigia sozinho.”
“Mas quem, querido senhor, terá coragem o
suficiente para ficar de vigia com você?”, disse Emily.
“Meu filho”, respondeu o conde. “Se eu não for
levado embora durante a noite”, disse ele sorrindo, “você
saberá o resultado de minha aventura amanhã”.
O conde e Lady Blanche se despediram de Emily,
logo em seguida, e voltaram para o castelo, onde ele
informou Henri de sua intenção, que, não sem alguma
relutância secreta, consentiu em ser seu parceiro na
vigília; e quando o plano foi mencionado após a ceia, a
condessa ficou apavorada, o barão e M. Du Pont
juntaram-se a ela em implorar que ele não tentasse seu
destino como Ludovico havia feito. “Nós não sabemos”,
acrescentou o barão, “a natureza ou o poder de um
espírito maligno; e mal pode se duvidar, creio eu, que um
espírito assim esteja assombrando aqueles quartos.
Cuidado, meu Lorde, em como você atrai a vingança
dele, pois ele já nos deu um exemplo terrível de sua
malícia. Eu concedo que possa ser provável que aos
espíritos dos mortos só seja permitido voltar a Terra em
ocasiões de grande importância; mas a consequência
presente pode ser a sua destruição”.
O conde não pôde evitar sorrir: “então você acha,
barão”, disse ele, “que a minha destruição é de
importância suficiente para atrair de volta para a Terra a
alma dos mortos? Ah! Meu bom amigo, não há motivo
para tais meios conseguirem a destruição de qualquer
indivíduo. Onde quer que o mistério esteja, eu acredito
que esta noite eu conseguirei detectá-lo. Você sabe que
não sou supersticioso”.
“Eu sei que você é incrédulo”, interrompeu o barão.
“Bem, chame isso do que você quiser, eu quero
dizer que apesar de você saber que eu sou livre de
superstição, se qualquer coisa sobrenatural apareceu, eu
não duvido que aparecerá para mim, e se algum evento
estranho paira sobre minha casa, ou se qualquer
transação extraordinária foi conectada com ela,
anteriormente, eu provavelmente descobrirei. De
qualquer forma eu encorajarei a descoberta; e para que
eu esteja preparado para um ataque mortal, o que em
verdade, meu amigo, é o que mais estou esperando, eu
tomarei o cuidado de estar bem armado.”
O conde se despediu de sua família, pela noite, com
uma animação assumida, a qual mal escondia a
ansiedade que deprimia sua disposição, e ele foi para os
aposentos ao norte acompanhado por seu filho e seguido
pelo barão, M. Du Pont e alguns dos domésticos, todos os
quais lhe deram boa-noite na porta externa. Nesses
cômodos tudo estava como da última vez que ele esteve
ali; até mesmo no quarto, nenhuma alteração era visível,
onde ele acendeu o seu próprio fogo, pois nenhum dos
criados foi convencido a ir até lá. Após examinar,
cuidadosamente, o quarto e a sacada, o conde e Henri
trouxeram suas cadeiras para a lareira, colocaram uma
garrafa de vinho e um lampião à sua frente, puseram
suas espadas na mesa e, mexendo no fogo para criar
uma chama, começaram a conversar sobre tópicos
indiferentes. Mas, Henri, frequentemente, ficava
silencioso e abstraído e, muitas vezes, lançava um olhar
misto de medo e curiosidade ao redor do aposento
escuro; enquanto o Conde parou de conversar,
gradualmente, e ficava sentado ou perdido em
pensamento, ou lendo um volume de Tácito, o qual ele
havia trazido para entreter o tédio da noite.
CAPÍTULO IX

Não dê língua a teus pensamentos.


SHAKESPEARE [ 4 6 ]

O Barão St. Foix, cuja ansiedade por seu amigo o


havia mantido acordado, levantou cedo para perguntar
pelo resultado da noite, quando, enquanto passava pelo
vestiário do conde, ao ouvir passos lá dentro ele bateu
na porta e esta foi aberta pelo seu próprio amigo.
Regozijando ao vê-lo em segurança e curioso para saber
dos ocorridos da noite, ele não teve a oportunidade
imediata de ver a gravidade incomum que cobria as
feições do conde, cujas respostas reservadas o fizeram
perceber isso em primeiro lugar. O conde, sorrindo em
seguida, se empenhou para tratar o assunto da
curiosidade dele com leviandade, mas o barão estava
sério e continuou suas perguntas tão rapidamente que o
conde, voltando à sua gravidade, finalmente disse: “Bem,
meu amigo, não pressione mais o assunto, eu lhe
imploro; e deixe-me também lhe pedir que daqui em
diante você fique quieto sobre qualquer coisa que você
achar extraordinária em minha conduta futura. Eu não
tenho escrúpulos em lhe dizer que estou infeliz e que a
vigília da noite anterior não me ajudou a encontrar
Ludovico; quanto a todas as ocorrências da noite, você
terá que perdoar a minha reserva.”
“Mas onde está Henri?”, perguntou o barão com
surpresa e desapontamento pela recusa dele.
“Ele está em seu próprio quarto”, respondeu o
conde. “Você não o questionará neste assunto, meu
amigo, já que você sabe qual é o meu desejo.”
“Certamente não”, disse o barão, um tanto
contrariado. “Já que isso não lhe agradaria; mas eu acho,
meu amigo, que você pode confiar na minha discrição e
deixar dessa reserva incomum. Contudo, você deve me
permitir suspeitar que você viu razões para se converter
ao meu sistema e não é mais o cavalheiro incrédulo que
parecia ser antes.”
“Não vamos falar mais nesse assunto”, disse o
Conde. “Você pode ter certeza de que nenhuma
circunstância comum me impôs esse silêncio para com
um amigo, a quem eu chamei assim por quase trinta
anos; e minha reserva presente não pode lhe fazer
questionar nem a minha estima, nem a sinceridade de
minha amizade.”
“Eu não duvidarei de nenhuma das duas”, disse o
barão, “embora você deva me permitir expressar minha
surpresa com esse silêncio.”
“Para mim eu o permitirei”, respondeu o conde,
“mas eu o imploro sinceramente que evite observar isso
com a minha família, tal como qualquer coisa
extraordinária que você observar em minha conduta para
com eles.”
O barão prometeu prontamente e, após conversar
por algum tempo sobre assuntos gerais, eles desceram
para a sala de café da manhã, onde o conde encontrou
sua família com um rosto alegre e desviou de suas
perguntas empregando uma zombaria leve e assumindo
um ar de animação incomum, enquanto os assegurava
que eles não precisavam temer nenhum mal dos
aposentos norte, já que Henri e ele próprio foram
permitidos voltar deles em segurança.
Henri, entretanto, teve menos sucesso em esconder
seus sentimentos. Uma expressão de terror não havia
desaparecido completamente de seu rosto; ele muitas
vezes ficava calado e pensativo, e quanto tentava rir das
perguntas ansiosas de Mademoiselle Bearn, era
evidentemente apenas uma tentativa.
À noite, como havia prometido, o conde visitou o
convento e Emily ficou surpresa ao ver uma mistura de
zombaria brincalhona e reserva em sua menção do
aposento norte. Sobre o que havia ocorrido lá, contudo,
ele não falou nada, e quando ela se aventurou a lembrá-
lo de sua promessa de contar-lhe o resultado de sua
investigação, e a perguntar-lhe se ele havia recebido
alguma prova de que aqueles quartos eram mal
assombrados, o olhar dele ficou solene por um momento,
então, parecendo se recompor, sorriu e disse: “minha
querida Emily, não deixe que a madre abadessa contagie
o seu bom discernimento com essas fantasias; ela vai lhe
ensinar a esperar ver um fantasma em cada quarto
escuro. Mas acredite em mim”, acrescentou ele com um
suspiro profundo, “a aparição dos mortos não vem com o
propósito, ou com a missão brincalhona de aterrorizar ou
surpreender os tímidos.” Ele pausou e caiu numa
reflexão momentânea, então acrescentou: “nós não
falaremos mais nesse assunto”.
Logo em seguida, ele se despediu e, quando Emily
se juntou a algumas das freiras, ela ficou surpresa ao
encontrá-las sabendo de uma circunstância que ela
própria havia evitado mencionar cuidadosamente, e
expressando sua admiração pela intrepidez dele em ter
ousado passar uma noite no aposento onde Ludovico
havia desaparecido; pois ela não tinha considerado com
qual rapidez uma história de fantasia circula. As freiras
haviam conseguido sua informação de camponeses que
traziam frutas para o mosteiro, e cuja atenção completa
havia sido fixada, desde o desaparecimento de Ludovico,
no que estava acontecendo no castelo.
Emily escutou em silêncio as várias opiniões das
freiras com relação à conduta do conde, a maioria das
quais o condenaram como grosso e presunçoso,
afirmando que isso estava provocando a vingança de um
espírito maligno por se intrometer em suas
assombrações dessa forma.
Irmã Frances discutiu que o conde havia agido com
a bravura de uma mente virtuosa. Ele sabia que não era
culpado de nada que afrontaria um espírito bom, e não
temia os feitiços de um maligno, já que ele podia contar
com a proteção do Poder superior d’Ele, quem pode
comandar os maus e protegerá os inocentes.
“Os culpados não podem contar com essa
proteção!”, disse irmã Agnes, “que o conde tome conta
de sua conduta para não perder o seu direito a ela! Mas
quem é ele, que ousa se chamar de inocente! Toda
inocência terrestre é relativa. Mas, ainda assim, quão
distantes estão os extremos da culpa e quão
horrivelmente nós podemos cair! Oh!...”
Quando concluiu, a freira pronunciou um suspiro
trêmulo que assustou Emily, a qual, ao olhar para cima,
viu os olhos de Agnes fixos nos dela, depois disso a irmã
se levantou, pegou sua mão, olhou sinceramente em seu
rosto, por alguns momentos, em silêncio, e disse:
“Você é jovem... é inocente! Eu quero dizer que você
ainda é inocente de qualquer crime grande! Mas tem
paixões em seu coração... escorpiões; eles estão
dormindo agora... cuidado quando você os despertar...
eles irão ferroá-la, mesmo, até a morte!”
Comovida por essas palavras e pela solenidade com
as quais elas foram ditas, Emily não conseguiu reprimir
suas lágrimas.
“Ah! É mesmo?”, exclamou Agnes, seu rosto se
suavizando de sua severidade. “Tão nova e tão
desafortunada! Então, nós somos mesmo irmãs. Mas,
não há ligação de bondade entre os culpados”, ela
acrescentou, quando seus olhos assumiram novamente a
sua expressão agitada, “não há gentileza... não há paz,
não há esperança! Outrora eu experimentei tudo isso...
meus olhos poderiam chorar... mas agora eles ardem,
pois agora minha alma está reparada e destemida! Eu
não lamento mais!”
“Ao contrário, vamos nos arrepender e rezar”, disse
outra freira. “Nós fomos ensinadas a ter esperança de
que a oração e a penitência trarão a nossa salvação. Há
esperança para todos que se arrependem!”
“Que se arrependem e se voltam para a verdadeira
fé”, observou irmã Frances.
“Para todos menos para mim!”, respondeu Agnes
solenemente, que pausou e então acrescentou
abruptamente: “minha cabeça está queimando, eu acho
que não estou bem. Oh! Se eu pudesse apagar de minha
memória todas as cenas antigas... as figuras que se
levantam como Fúrias[47] para me atormentar... eu as vejo
quando estou dormindo e, quando estou acordada, elas
ainda estão diante de meus olhos! Eu as vejo agora...
agora!”
Ela ficou parada com uma atitude de horror, seus
olhos apertados se moviam lentamente ao redor da sala,
como se estivessem seguindo algo. Uma das freiras
pegou a mão dela gentilmente para tirá-la da sala de
estar. Agnes ficou calma, esfregou sua outra mão em
seus olhos, olhou novamente e, suspirando
profundamente, disse: “elas se foram... elas se foram! Eu
estou febril, não sei o que estou dizendo. Eu fico assim,
às vezes, mas vai acontecer de novo, logo eu estarei
melhor. Aquele não foi o sino missal?”
“Não”, respondeu Frances, “a missa noturna já
passou. Deixe Margaret levá-la até a sua cela”.
“Você está certa”, respondeu irmã Agnes, “eu ficarei
melhor lá. Boa noite, minhas irmãs, lembrem-se de mim
em suas orações”.
Quando elas haviam saído, Frances, vendo a
emoção de Emily, disse: “não fique assustada, nossa
irmã fica demente assim muitas vezes, embora eu não
tenha a visto tão frenética assim recentemente; seu
humor de costume é melancólico. Esse ataque estava
vindo há vários dias; a reclusão e o tratamento de
costume a restaurarão”.
“Mas, como ela conversava tão racionalmente no
início!”, observou Emily, “as suas ideias se seguiam uma
atrás da outra em uma ordem perfeita”.
“Sim”, respondeu a freira, “isto não é nada novo;
não, eu já a vi às vezes discutindo não apenas
metodicamente, mas com perspicácia e, num instante,
ela entra na loucura”.
“A consciência dela parece estar aflita”, disse Emily,
“você já soube qual foi a circunstância que a reduziu a
essa condição deplorável?”
“Eu soube”, respondeu a freira, que não disse mais
nada até Emily repetir a pergunta, quando ela
acrescentou em voz baixa e olhando significativamente
para as outras internas: “não posso lhe contar agora,
mas se você achar que vale o seu tempo, venha à minha
cela esta noite, quando nossa irmandade estiver
dormindo, e você saberá mais; mas lembre-se de que
nós nos levantamos para as preces da meia-noite, venha
antes, ou depois da meia-noite.”
Emily prometeu se lembrar disso e, quando a
abadessa apareceu logo em seguida, elas não falaram
mais sobre a freira infeliz.
Enquanto isso, o conde, em sua volta para casa,
havia encontrado M. Du Pont em um daqueles ataques
de tristeza, causado, frequentemente, pela sua afeição
por Emily, um afeto que havia subsistido por tempo
demais para ser subjugado facilmente e o qual já havia
sobrevivido à oposição de seus amigos. M. Du Pont viu
Emily pela primeira vez na Gasconha, quando seu pai
ainda era vivo, que, ao descobrir a parcialidade de seu
filho pela Mademoiselle St. Aubert, inferior a ele em
termos de fortuna, proibiu-o de declarar isso à família
dela ou de pensar ainda nela. Durante a vida de seu pai,
ele havia observado a primeira ordem, mas descobriu
que era impraticável obedecer à segunda, e havia
acalmado sua paixão ao visitar os passeios preferidos
dela, às vezes, dentre os quais estava a cabine de pesca
onde, uma ou duas vezes, ele se dirigiu a ela em versos,
escondendo o seu nome em obediência à promessa que
tinha dado a seu pai. Lá, ele, não só, tocava a melodia
penosa, a qual ela havia ouvido com tanta surpresa e
admiração; mas também, encontrou a miniatura que
havia nutrido, desde então, uma paixão fatal ao
descanso dele. Durante sua expedição à Itália, seu pai
morreu; contudo, ele recebeu sua liberdade num
momento em que era menos capaz de se beneficiar dela,
já que aquilo que a tornava mais valiosa não estava mais
dentro do alcance de seus votos. Através de qual
acidente ele encontrou Emily, e assistiu em sua
libertação de uma prisão terrível, já foi mostrado,
também foi mostrada a esperança em vão com a qual ele
encorajou seu amor e os esforços infrutíferos que fez
para superá-lo.
O conde ainda se esforçava, com um zelo amigável,
para tranquilizá-lo com a crença de que a paciência,
perseverança e prudência finalmente lhe dariam a
felicidade e Emily. “O tempo”, disse ele, “vai levar
embora a impressão melancólica que o desapontamento
deixou na mente dela, que se sensibilizará com o seu
mérito. Seus serviços já despertaram a gratidão, e seus
sofrimentos a piedade; e confie em mim, meu amigo,
num coração tão sensível quanto o dela, gratidão e
piedade levam ao amor. Quando a imaginação de Emily
for resgatada de sua ilusão presente, ela aceitará
prontamente a honra de uma mente como a sua”.
Du Pont suspirava enquanto escutava essas
palavras; e, tentando ter esperanças no que seu amigo
acreditava, cedeu a um convite para prolongar sua visita
ao castelo de bom grado, o qual nós agora deixamos
para ir ao mosteiro de Santa Clara.
Quando as freiras foram dormir, Emily correu para
seu encontro com irmã Frances, a qual foi encontrada em
sua cela, ocupada com orações, diante de uma pequena
mesa, onde aparecia a imagem para a qual ela se dirigia
e, acima, o lampião fraco que dava luz ao local. Voltando
seus olhos, quando a porta se abriu, pediu que Emily
entrasse, tendo o feito, sentou-se e ficou em silêncio ao
lado do pequeno colchão de palha da freira, até que as
preces dela fossem concluídas. Esta logo se ergueu de
seus joelhos e, trazendo o lampião para baixo,
colocando-o na mesa, Emily viu uma caveira e ossos
humanos lá, postos ao lado de uma ampulheta; mas a
freira, sem perceber a emoção dela, sentou-se no
colchão ao seu lado dizendo: “a sua curiosidade, irmã, fê-
la ser pontual, mas você não ouvirá nada de
extraordinário na história da pobre Agnes, de quem eu
somente evito falar na presença de minhas irmãs leigas,
porque não quero tornar o seu crime público para elas”.
“Eu considerarei sua confiança em mim um favor”,
disse Emily, “e não abusarei dele”.
“A irmã Agnes”, continuou a freira, “é de uma
família nobre, como a dignidade de sua postura já deve
ter lhe informado, mas eu desonraria o nome deles ao
revelá-lo. O amor foi a causa de seu crime e de sua
loucura. Ela era amada por um cavalheiro de fortuna
inferior e quando seu pai, como eu ouvi dizer, entregou-a
para um nobre de quem ela não gostava, uma paixão
desgovernada se provou ser a destruição dela. Todas as
obrigações da virtude e do dever foram esquecidas, e ela
profanou seus votos de casamento; mas, sua culpa logo
foi detectada, e ela teria sido sacrificada pela vingança
de seu marido, caso seu pai não tivesse tentado tirá-la
do poder dele. Através de quais meios ele fez isso, eu
nunca consegui descobrir; mas a escondeu neste
convento, onde ele depois a convenceu a adotar o véu,
enquanto um rumor circulava no mundo de que ela
estava morta, e o pai, para salvar sua filha, contribuiu
com o rumor e empregou tais meios para induzir o
marido dela a acreditar que ela havia sido vítima do
ciúmes dele. Você parece surpresa”, acrescentou a freira,
observando o rosto de Emily; “eu admito que a história é
incomum, mas não sem paralelos, creio eu”.
“Por favor! Prossiga”, disse Emily, “eu estou
interessada”.
“A história já foi contada”, continuou a freira, “eu só
tenho a mencionar que a longa batalha aguentada por
Agnes, entre o amor, o remorso e uma noção dos
deveres que ela tinha adotado ao se tornar parte de
nossa ordem, enfim perturbaram sua razão. No início,
ficava frenética e melancólica em alternações rápidas;
depois caiu numa melancolia profunda e constante, que,
às vezes, entretanto, ainda é interrompida por ataques
de loucura e, recentemente, estes se tornaram
frequentes de novo”.
Emily ficou comovida com a história da irmã,
algumas partes da qual trouxeram à sua memória aquela
da Marquesa de Villeroi, que também fora forçada por
seu pai a desistir do alvo de suas afeições por um nobre
de escolha dele. Mas, pelo que Dorothee havia contado,
não parecia haver razão para supor que ela havia
escapado da vingança de um marido ciumento, ou para
duvidar por um momento da inocência de sua conduta.
Mas Emily, enquanto suspirava pela miséria da freira,
não pôde evitar derramar algumas lágrimas pelos
infortúnios da Marquesa; e, quando voltou a mencionar a
irmã Agnes, perguntou se Frances se lembrava dela
jovem e se era bonita.
“Eu não estava aqui na época, quando ela fez os
votos”, respondeu Frances, “o que foi há tanto tempo
atrás que poucas da irmandade presente, creio eu, foram
testemunhas da cerimônia, quando a irmã Agnes era
uma mulher muito bonita. Ela ainda mantém aquele ar
de alta classe que sempre a distinguiu, mas a sua beleza,
como você pode ver, desapareceu; eu mal consigo ver
um vestígio sequer da doçura que outrora animava suas
feições.”
“É estranho”, disse Emily, “mas há momentos
quando o seu rosto parece familiar à minha memória!
Você vai achar que estou imaginando e acho que estou,
pois certamente nunca vi a irmã Agnes antes de vir para
este convento e, portanto, devo ter visto alguma pessoa
que se parece muito com ela, embora eu não me lembre
disso”.
“Você ficou interessada na melancolia profunda do
rosto dela”, disse Frances, “a impressão dele
provavelmente iludiu a sua imaginação; pois eu poderia
pensar que vejo uma semelhança entre você e Agnes tão
razoavelmente quanto você, que pensa que a viu em
qualquer lugar exceto neste convento, já que este foi o
local de refúgio dela por quase tantos anos quanto a sua
idade”.
“É mesmo!”, disse Emily.
“Sim”, replicou Frances, “e por que essa
circunstância excita a sua surpresa?”
Emily pareceu não perceber essa pergunta, mas
continuou pensativa por alguns instantes, e então disse:
“é perto do mesmo período em que a Marquesa de
Villeroi expirou”.
“Essa é uma observação estranha”, disse Frances.
Emily, desperta de seu devaneio, sorriu e deu outro
rumo para a conversa, mas logo voltou para o assunto da
freira infeliz, e Emily continuou na cela de irmã Frances
até que o sino da meia-noite a agitou; quando,
desculpando-se por ter interrompido o repouso da irmã
até tão tarde, elas saíram da cela juntas. Emily voltou
para o seu quarto e a freira, levando um círio brilhando,
foi para a sua devoção na capela.
Vários dias se seguiram, durante os quais Emily não
viu nem o conde, nem ninguém da família dele; e quando
ele finalmente apareceu, ela comentou com preocupação
que o jeito dele parecia estar incomumente perturbado.
“Meu espírito está atormentado”, disse ele em
resposta às perguntas ansiosas dela, “e eu quero trocar
de residência por algum tempo, um experimento que,
espero eu, irá restaurar minha mente para a sua
tranquilidade costumeira. Minha filha e eu
acompanharemos o Barão St. Foix até o castelo dele, que
fica num vale nos Pirineus, o qual dá para a Gasconha, e
eu estive pensando, Emily, que quando você for para La
Valée, nós podemos ir juntos em parte do caminho; seria
uma grande satisfação para mim lhe proteger em direção
ao seu lar.”
Ela agradeceu o conde por sua consideração
amigável e lamentou que a necessidade de ir primeiro
para Toulouse tornasse esse plano impraticável. “Mas,
quando você estiver na residência do barão”, ela
acrescentou, “estará a apenas uma pequena jornada de
distância de La Valée, e eu acho, senhor, que você não
sairá do país sem me visitar; é desnecessário dizer com
qual prazer eu os receberei”.
“Eu não duvido”, respondeu o conde, “e não negarei
a mim nem a Blanche o prazer de lhe visitar, se seus
afazeres lhe permitirem estar em La Valée perto de
quando nós pudermos lhe encontrar lá.”
Quando Emily disse que ela também esperava ver a
condessa, não lamentou descobrir que essa Lady estava
indo, acompanhada de Mademoiselle Bearn, fazer uma
visita de algumas semanas a uma família no baixo
Languedoc.
O conde se despediu após um pouco mais de
conversa sobre a jornada planejada dele e sobre a
organização da de Emily; e não muitos dias se
sucederam à visita dele antes que uma segunda carta de
M. Quesnel a informou de que ele estava em Toulouse,
que La Valée estava livre, e que ele desejava que ela
fosse para o primeiro lugar, onde ele esperava pela
chegada dela com toda a pressa possível, já que seus
próprios negócios o pressionavam a voltar para a
Gasconha. Emily não hesitou em obedecê-lo e, tendo se
despedido comoventemente da família do conde, na qual
Du Pont ainda estava incluído, e de suas amigas no
convento, partiu para Toulouse, acompanhada pela infeliz
Annette e protegida por um criado do conde.
CAPÍTULO X

Ninados nas incontáveis câmaras do cérebro,


Nossos pensamentos são conectados por muitas
correntes escondidas:
Desperte apenas um e veja! Quantos miríades se
levantam!
Cada um mostra sua imagem enquanto o outro
voa!
OS PRAZERES DA MEMÓRIA [ 4 8 ]

Emily seguiu sua jornada sem nenhum acidente ao


longo das planícies de Languedoc em direção ao
noroeste; e durante este retorno para Toulouse, que ela
havia deixado pela última vez com Madame Montoni,
pensou muito no fim triste de sua tia, que, se não fosse
por sua própria imprudência, poderia estar vivendo feliz
ali agora! Montoni também vinha à sua mente muitas
vezes, tal como ela o havia visto em seus dias de triunfo,
audacioso, vivaz e autoritário; e também da forma como
ela o havia visto desde então em seus dias de vingança;
e agora, só alguns meses curtos haviam se passado, e
ele não tinha mais o poder, ou a vontade de afligir; ele
havia se tornado um pedaço de terra e sua vida tinha
desaparecido como uma sombra! Emily poderia ter
chorado pelo seu fim, se não se lembrasse de seus
crimes; pelo fim de sua tia desafortunada ela realmente
chorou, e toda a noção dos erros dela foi ultrapassada
pela lembrança de seus sofrimentos.
Outros pensamentos e outras emoções se
sucederam, conforme Emily se aproximava das cenas
familiares do início de seu amor e pensava que
Valancourt estava perdido, eternamente, para ela e para
si próprio. Finalmente, ela chegou à beirada da colina, de
onde, em sua partida para a Itália, havia dado um olhar
de adeus à paisagem querida, em meio a cujas florestas
e campos ela havia caminhado tantas vezes com
Valancourt, e onde ele morava, enquanto ela estava tão,
tão distante! Ela viu mais uma vez a cadeia dos Pirineus,
que ficavam sobre La Valée, erguendo-se como nuvens
apagadas no horizonte. “Lá também está a Gasconha,
estendida aos pés deles!”, disse ela. “Oh meu pai, minha
mãe! E lá também está o Garona!”, ela acrescentou,
enxugando as lágrimas que obscureciam sua visão. “E
Toulouse e a mansão de minha tia... e os bosques em seu
jardim! Oh meus amigos! Todos vocês estão perdidos
para mim... eu nunca, nunca mais os verei!”
Lágrimas vieram aos seus olhos novamente e ela
continuou a chorar até que uma curva abrupta na
estrada quase fez com que a carruagem virasse, quando,
ao olhar para cima, ela viu outra parte do cenário familiar
ao redor de Toulouse, e todas as reflexões e antecipações
que ela havia sofrido no momento em que lhe deu um
último adeus vieram ao seu coração, com a força da
lembrança. Ela se lembrou do quão ansiosamente havia
esperado pelo futuro, que decidiria a sua felicidade com
relação a Valancourt, e quais medos deprimentes a
atacaram; as mesmas palavras que ela havia dito,
quando parou de olhar pela última vez para a vista,
vieram à sua memória. “Se eu pudesse ter certeza”, ela
havia dito, “que eu voltarei e que Valancourt ainda viverá
por mim... eu iria em paz!”
Agora aquele futuro esperado tão ansiosamente
havia chegado, ela tinha voltado, mas que vazio triste
aparecia! Valancourt não vivia mais por ela! Ela não tinha
mais nem mesmo a satisfação melancólica de
contemplar a imagem dele em seu coração, pois ele não
era mais o mesmo Valancourt que ela havia mantido ali,
o consolo de muitas horas pesarosas, o amigo animador
que a havia permitido aguentar a opressão de Montoni, a
esperança distante que havia brilhado sobre suas visões
sombrias! Ao perceber que essa imagem amada foi uma
ilusão de sua própria criação, Valancourt parecia ter sido
aniquilado e a alma dela ficou enjoada com o vazio que
ficou. O casamento dele com uma rival, ou até mesmo a
morte dele, ela pensou que teria aguentado com mais
fortaleza do que esta descoberta; pois dessa forma em
meio a toda a sua dor, ela poderia ter olhado em segredo
para a imagem de bondade dele que sua imaginação
havia desenhado, e o conforto teria se misturado ao
sofrimento!
Enxugando suas lágrimas, ela olhou mais uma vez
para a paisagem que os havia animado, e percebeu que
estava passando pela mesma margem onde havia se
despedido de Valancourt, na manhã de sua partida para
Toulouse, e agora ela o via, através de suas lágrimas,
que retornavam, tal como ele parecia quando ela olhou
da carruagem para dar-lhe um último adieu, viu-o se
inclinando pesarosamente nas árvores altas e se lembrou
do olhar fixo, misto de ternura e angústia, com o qual ele
havia olhado para ela na época. Essa recordação foi
demais para o seu coração e ela voltou a se sentar na
carruagem, não olhou para cima uma vez sequer até
parar nos portões do que, agora, era a sua própria
mansão.
Quando estes foram abertos pelo criado, a cujos
cuidados o castelo fora entregue, a carruagem entrou no
pátio, onde, descendo, ela passou pelo grande salão
apressadamente, agora silencioso e solitário, até uma
grande sala de carvalho, a sala de estar comum da
falecida Madame Montoni onde, ao invés de ser recebida
por M. Quesnel, ela encontrou uma carta dele
informando-a de que negócios importantes o obrigaram a
deixar Toulouse dois dias antes. Em geral, Emily não
lamentou ser poupada da sua presença, já que a sua
partida abrupta parecia indicar a mesma indiferença com
a qual ele a tratava antes. Essa carta também a informou
sobre o progresso nas decisões de seus negócios e ele
concluía com orientações com relação a algumas
transações que ela ainda deveria fazer. Mas a
indelicadeza de M. Quesnel não ocupou seus
pensamentos por muito tempo, os quais voltaram às
lembranças das pessoas que ela havia se acostumado a
ver nesta mansão e principalmente a equivocada e
desventurada Madame Montoni. Na sala onde estava
sentada agora, Emily havia tomado café da manhã com
ela no dia de sua partida para a Itália; e essa visão
trouxe forçadamente à sua memória tudo que ela própria
havia sofrido naquela época e as muitas expectativas
alegres, que sua tia tinha formado com respeito à
jornada diante dela. Enquanto a mente de Emily estava
ocupada dessa forma, seus olhos se voltaram
inconscientemente para uma janela grande que dava
para o jardim e aqui novos memoriais do passado
falaram ao seu coração, pois ela viu estendida à sua
frente a mesma estrada na qual havia se despedido de
Valancourt na véspera de sua viagem; e toda a
ansiedade, todo o interesse carinhoso que ele havia
demonstrado na sua felicidade futura, seus protestos
sinceros contra ela se entregar ao poder de Montoni e a
verdade de sua afeição vieram frescas à sua memória.
Neste momento, parecia quase impossível que
Valancourt tivesse se tornado indigno do seu carinho, ela
duvidava se tudo que tinha ouvido recentemente para a
desvantagem dele, e duvidava até mesmo das próprias
palavras dele, as quais haviam confirmado o relado do
Conde De Villefort. Subjugada com essas recordações
que a vista dessa estrada causou, virou-se da janela
abruptamente e afundou numa cadeira ao seu lado, onde
se sentou entregue ao pesar, até que a entrada de
Annette, trazendo café, despertou-a.
“Querida Madame, como esse lugar está
melancólico agora”, disse Annette, “comparado a antes!
É horrível chegar em casa quando não há ninguém para
lhe receber!”
Esse não foi o momento em que Emily conseguiu
aguentar esse comentário; suas lágrimas escorreram
novamente e, assim que havia tomado o café, ela foi
para o seu quarto, onde se empenhou em recompor sua
disposição fatigada. Mas, a memória agitada ainda lhe
dava visões de tempos passados: ela viu Valancourt,
interessante e benevolente como ele tinha parecido ser
no início do amor deles e em meio aos cenários onde ela
havia acreditado que passariam seus anos juntos! Mas,
finalmente, o sono tirou essas cenas de aflição de sua
visão.
Na manhã seguinte, uma ocupação séria a
recuperou das reflexões melancólicas; pois, desejosa de
sair de Toulouse e correr para La Valée, ela fez algumas
perguntas sobre a condição da propriedade e
imediatamente concluiu algumas das questões
necessárias com relação a isso de acordo com as
orientações de M. Quesnel. Levou um esforço forte para
abstrair seus pensamentos de outros interesses o
suficiente para que lidasse com este, mas foi
recompensada por seu esforço ao experimentar
novamente que a ocupação é o antídoto mais certeiro
para a tristeza.
Este dia foi completamente dedicado aos negócios;
e dentre outras preocupações, ela usou seus meios para
descobrir a situação de seus pobres inquilinos, para que
ela pudesse aliviar suas necessidades ou confirmar seus
confortos.
À noite, sua disposição estava tão fortalecida que
ela achou que conseguiria aguentar os jardins, onde
havia caminhado com Valancourt tantas vezes; e
sabendo que, se ela demorasse em fazê-lo, as cenas só a
afetariam mais, sempre que fossem vistas, ela usou a
vantagem do seu estado de mente atual e entrou neles.
Passando apressadamente pelo portão, que levava
do pátio para os jardins, ela correu pela estrada grande,
mal permitindo que sua memória se demorasse por um
instante sequer na circunstância de ter se despedido de
Valancourt ali, e logo saiu desta para outra menos
interessante ao seu coração. Essas a trouxeram,
finalmente, ao lance de escadas que levava do jardim
baixo para o terraço, ao ver o qual ela ficou agitada e
hesitou se deveria subir, mas quando sua resolução
voltou, prosseguiu.
“Ah!”, disse Emily enquanto subia, “essas são as
mesmas árvores altas que costumavam balançar sobre o
terraço e os mesmos arbustos de flores, a corrente de
ouro[49], a rosa selvagem e a cerinthe, que cresciam
embaixo delas! Ah! E ali também, naquela encosta, estão
as mesmas plantas que Valancourt plantou tão
cuidadosamente! Oh, quando eu as vi pela última vez!”,
ela interrompeu o pensamento, mas não conseguiu
conter suas lágrimas e após andar devagar por alguns
instantes, sua agitação com a visão dessa cena tão
familiar aumentou tanto que foi obrigada a parar e se
apoiar no muro do terraço. Era uma tarde fresca e bonita.
O sol estava se pondo sobre a paisagem extensa, sobre a
qual seus raios, se inclinando sob uma nuvem escura que
cobria o oeste, dava um colorido rico e parcial, e tocava
os topos dos bosques que se erguiam do jardim abaixo
com um brilho amarelado. Emily e Valancourt admiraram
essa cena juntos muitas vezes na mesma hora; e foi
exatamente neste mesmo local que, na noite anterior à
partida para a Itália, ela ouviu os argumentos dele contra
a viagem e as súplicas da afeição apaixonada. Algumas
observações que ela fez sobre a paisagem trouxeram
isso à sua memória, e todos os particulares daquela
conversa; as dúvidas alarmantes que ele havia
expressado quanto a Montoni, dúvidas que, desde então,
foram confirmadas fatalmente; as razões e pedidos que
ele empregou para convencê-la a consentir com um
casamento imediato; o carinho de seu amor, os
paradoxos de sua dor e a convicção que ele expressou
repetidamente: de que eles nunca se encontrariam
novamente em felicidade! Todas essas circunstâncias
vieram frescas à sua mente e despertaram as várias
emoções que ela havia sofrido então. Seu carinho por
Valancourt se tornou tão poderoso quanto nos momentos
quando ela pensou que estava se despedindo dele e da
felicidade juntos, quando a força de sua mente a havia
permitido triunfar sobre o sofrimento presente, ao invés
de merecer a repreensão de sua consciência por ter um
casamento clandestino. “Ah!”, disse Emily, “e o que eu
ganhei com a fortaleza que pratiquei? Eu estou feliz
agora? Ele disse que nunca mais nos encontraríamos
com felicidade; mas, oh! Ele mal imaginava que a sua
própria conduta ruim poderia nos separar e levar ao mal
que ele temia!”
Suas reflexões aumentaram a sua angústia, quando
ela foi forçada a reconhecer que a fortaleza que tinha
exercido anteriormente, se não tivesse a conduzido para
a felicidade, havia salvado ela de uma desgraça
irrecuperável, do próprio Valancourt! Mas, nesses
momentos ela não conseguia se parabenizar na
prudência que a salvou; só conseguia lamentar com a
angústia mais amarga as circunstâncias que conspiraram
para colocar Valancourt num curso de vida tão diferente
daquele que as virtudes, os gostos e os interesses de sua
juventude haviam prometido; mas ela ainda o amava
demais para acreditar que mesmo agora o seu coração
estivesse depravado, apesar de sua conduta ter sido
criminosa. Uma observação que havia vindo de St.
Aubert mais de uma vez, ocorreu a ela agora. “Esse
jovem”, disse ele, falando de Valancourt, “nunca foi a
Paris”; um comentário que a surpreendeu quando foi
dito, mas o qual ela entendeu agora, e ela exclamou
tristemente: “oh Valancourt! Se um amigo como o meu
pai tivesse estado com você em Paris... sua natureza
ingênua não teria se perdido!”
O sol havia se posto e, removendo seus
pensamentos de seu foco melancólico, ela continuou sua
caminhada; pois a sombra pensativa do crepúsculo lhe
era agradável, e os rouxinóis dos bosques ao redor
começaram a responder uns aos outros em notas
demoradas e lamuriosas que sempre tocavam o seu
coração; enquanto toda a fragrância dos arbustos floridos
que cercavam o terraço foi despertada pelo ar fresco da
noite, que flutuava tão levemente em meio às suas
folhas que elas mal tremiam enquanto ele passava.
Emily, finalmente, chegou aos degraus do pavilhão
que terminava o terraço e onde foi o seu último encontro
com Valancourt antes de sua partida de Toulouse, que
havia ocorrido tão inesperadamente. A porta estava
fechada e ela tremeu enquanto hesitava em abri-la; mas
quando o seu desejo de ver novamente um lugar que
havia sido a principal cena de sua felicidade passada
finalmente superou a sua relutância em enfrentar o
arrependimento que isso renovaria, ela entrou. A sala
estava obscura com uma sombra melancólica; mas
através das sacadas abertas, escurecidas pelas
folhagens das vinhas penduradas, aparecia a paisagem
sombria, o Garona refletindo a luz noturna e o Oeste
ainda brilhando. Uma cadeira estava posicionada perto
de uma das varandas, como se alguma pessoa tivesse se
sentado ali, mas os outros móveis do pavilhão
permaneciam exatamente como de costume, e Emily
pensou que parecia que eles não haviam sido movidos
uma vez sequer desde que ela foi para a Itália. O ar
silencioso e deserto do lugar acrescentou solenidade às
suas emoções, pois ela só ouvia o sussurro baixo da
brisa, conforme esta sacudia as folhas das vinhas, e o
murmúrio muito fraco do Garona.
Ela se sentou numa cadeira perto da sacada e cedeu
à tristeza de seu coração, enquanto se lembrava das
circunstâncias de seu encontro de despedida com
Valancourt, naquele local. Também foi ali que ela havia
passado as horas mais felizes de sua vida com ele,
quando sua tia favorecia a conexão, pois frequentemente
sentava e trabalhava ali enquanto ele conversava ou lia;
e agora ela se lembrou bem com qual julgamento
discriminante, com qual energia temperada ele
costumava repetir algumas das passagens mais sublimes
dos seus autores preferidos; quantas vezes ele pausava
para admirar com ela a excelência deles, e com qual
deleite terno ele ouvia os comentários dela e corrigia o
seu gosto.
“E é possível”, disse Emily, quando essas
recordações voltaram, “é possível que uma mente tão
suscetível a tudo que é grandioso e belo, possa descer a
interesses baixos e ser subjugada por tentações
frívolas?”
Ela se lembrou de quantas vezes viu uma lágrima
repentina brotar no olho dele, e ouviu a voz dele tremer
de emoção enquanto relatava alguma ação grandiosa ou
benevolente, ou repetia um sentimento do mesmo
caráter. “E que mente”, disse ela, “que coração, foram
sacrificados pelos hábitos de uma cidade grande!”
Com essas recordações se tornando dolorosas
demais para serem suportadas, ela saiu do pavilhão
abruptamente e, ansiosa para escapar dos memórias de
sua felicidade perdida, voltou para o castelo. Enquanto
passava pelo terraço, viu uma pessoa caminhando com
um passo lento e um ar abatido sob as árvores ao longe.
A penumbra, que agora estava espessa, não a permitiu
distinguir quem era e ela imaginou que fosse um dos
criados até que, com o som dos seus passos parecendo
tê-lo alcançado, ele se virou parcialmente e pensou ver
Valancourt!
Quem quer que fosse, correu pelos arbustos à
esquerda, imediatamente, e desapareceu, enquanto
Emily, com seus olhos fixos no lugar de onde ele tinha
desaparecido, e seu corpo tremendo tão excessivamente
que ela mal conseguia ficar de pé, permaneceu incapaz
de sair do local por alguns instantes e pouco consciente
da existência. Quando se recompôs, sua força retornou e
ela correu em direção a casa, onde não se aventurou a
perguntar quem estava nos jardins a fim de não expor
sua emoção; ficou sentada sozinha, esforçando-se para
lembrar a figura, o ar e as feições da pessoa, que ela
acabara de ver. Contudo, a sua visão havia sido tão
transigente e a escuridão havia a tornado tão imperfeita,
que ela não conseguia se lembrar de nada com exatidão;
porém, a aparência geral da figura dele e sua partida
abrupta ainda a fizeram acreditar que essa pessoa era
Valancourt. De fato, às vezes, ela pensava que sua
imaginação, que havia estado tomada por pensamentos
nele, havia sugerido essa imagem à sua visão incerta.
Mas, essa suposição foi transitória. Se fosse ele mesmo
quem ela tinha visto, surpreenderia muito que estivesse
em Toulouse e mais ainda que tivesse conseguido entrar
no jardim; mas, tão frequentemente quanto sua mente a
estimulava a perguntar, se algum estranho havia sido
admitido, ela era reprimida por uma falta de vontade de
mostrar suas dúvidas; e a noite foi passada em
especulações ansiosas e em esforços para tirar o assunto
de seus pensamentos. Porém, esses esforços foram
ineficazes e mil emoções inconsistentes a atacaram
sempre que ela imaginava que Valancourt pudesse estar
por perto; ora ela temia que isso fosse verdade, ora ela
temia que fosse mentira; e enquanto, constantemente,
tentava se convencer de que ela queria que a pessoa
que ela havia visto não fosse Valancourt, seu coração
contradizia a sua razão tão constantemente quanto.
O dia seguinte foi ocupado pelas visitas de várias
famílias vizinhas, anteriormente íntimas de Madame
Montoni, que vieram dar a Emily as condolências pela
morte dela, parabenizá-la pela aquisição dessas
propriedades e perguntar sobre Montoni, e sobre os
boatos estranhos que eles tinham ouvido sobre a
situação dela própria; tudo isso foi feito com extremo
decoro e os visitantes partiram com quase tanta
compostura quanto haviam chegado.
Emily ficou exausta com essas formalidades e
enojada com o comportamento subserviente de muitas
pessoas, que mal pensavam que ela era digna de
atenção geral quando se acreditava que fosse apenas
uma dependente de Madame Montoni.
“Certamente”, disse ela, “há alguma magia na
riqueza, que consegue fazer as pessoas a servirem dessa
forma quando ela nem beneficia a elas mesmas. Como é
estranho que um tolo ou um servente com riquezas
sejam tratados com mais respeito pelo mundo, do que
um homem bom ou um homem sábio na pobreza!”
Anoiteceu antes que ela ficasse sozinha, e quis
refrescar seu espírito no ar fresco de seu jardim; mas
temia ir lá com medo de encontrar novamente a pessoa
que ela havia visto na noite anterior, e que ela provasse
ser Valancourt. O suspense e a ansiedade que sentiu com
este assunto, fê-la descobrir que todos os seus esforços
não foram capazes de controlar o seu desejo secreto de
ver Valancourt mais uma vez, mesmo não sendo vista
por ele, o que a estimulou poderosamente a ir, mas a
prudência e um orgulho delicado a restringiram e ela
decidiu evitar a possibilidade de se colocar no caminho
dele evitando visitar os jardins por vários dias.
Quando, depois de quase uma semana, ela se
aventurou lá novamente, fez de Annette sua
companheira e confinou sua caminhada à parte mais
baixa, mas ela se assustava muitas vezes quando as
folhas faziam barulho na brisa, imaginando que alguma
pessoa estava entre os arbustos; e na curva de cada
trilha, olhava para frente com uma expectativa
apreensiva. Ela continuou sua caminhada pensativa e
silenciosamente, pois sua agitação não a permitiu
conversar com Annette, para quem, entretanto, o
pensamento e o silêncio eram tão intoleráveis que ela
não teve escrúpulos em finalmente falar com sua
senhora.
“Querida Madame”, disse ela, “por que você se
assusta assim? Poderia se pensar que você soube do que
aconteceu”.
“O que aconteceu?”, disse Emily com uma voz
fraquejante e tentando controlar sua emoção.
“Na penúltima noite, você sabe, Madame...”
“Eu não sei de nada, Annette”, respondeu sua Lady
numa voz mais apressada.
“Na penúltima noite, Madame, havia um ladrão no
jardim.”
“Um ladrão!”, disse Emily num tom ansioso, porém
duvidoso.
“Eu suponho que ele era um ladrão, Madame. O que
mais ele poderia ser?”
“Onde você o viu, Annette?”, replicou Emily, olhando
à sua volta e voltando em direção ao castelo.
“Não fui eu quem o viu, Madame, foi Jean, o
jardineiro. Era meia-noite quando ele estava
atravessando o pátio para ir para a casa, pelos fundos,
então viu alguém andando na estrada que fica em frente
ao portão do jardim! Com isso, Jean adivinhou o que
estava acontecendo e entrou na casa para pegar a arma
dele.”
“A arma dele!”, exclamou Emily.
“Sim, Madame, a arma dele; e então ele foi para o
pátio para observá-lo. Imediatamente o viu descendo
pela estrada lentamente, se inclinando no portão do
jardim, e olhando para a casa por um longo tempo; eu
garanto que ele a examinou bem e decidiu por qual
janela iria invadir.”
“Mas a arma”, disse Emily, “a arma!”
“Sim, Madame, tudo a seu tempo. Logo em seguida,
diz Jean, o ladrão abriu o portão e estava entrando no
pátio, então ele achou que fosse apropriado perguntar-
lhe o que ele queria. Chamou-o novamente e pediu que
ele dissesse quem era e o que queria. Mas, o homem não
respondeu nenhuma das duas perguntas; só deu meia
volta e entrou no jardim de novo. Então Jean soube bem
o que ele queria e atirou.”
“Atirou!”, exclamou Emily.
“Sim, Madame, atirou com sua arma; mas, Santa
Virgem! O que lhe fez ficar tão pálida, Madame? O
homem não foi morto... eu ouso dizer; mas se ele foi,
seus camaradas o carregaram para longe; pois, quando
Jean saiu de manhã para procurar pelo corpo, ele havia
desaparecido e não se via nada além de um rastro de
sangue no chão. Jean o seguiu para tentar descobrir para
onde o homem foi no jardim, mas ele se perdeu na
grama e...”
Annette foi interrompida, pois Emily desfaleceu e ela
teria caído no chão se a garota não tivesse a pego e a
levado para um banco perto delas.
Quando, após uma longa ausência, seus sentidos
retornaram, Emily pediu para ser levada ao seu
aposento; e apesar de tremer de ansiedade para
perguntar mais sobre o motivo de sua agitação, ela se
sentia mal demais, no momento, para ousar obter a
informação que pudesse receber sobre Valancourt. Tendo
dispensado Annette para que pudesse chorar e pensar
com liberdade, Emily se empenhou em relembrar o ar
exato da pessoa que ela havia visto no jardim e sua
imaginação ainda lhe dava a figura de Valancourt. De
fato, ela não tinha uma dúvida de que era ele quem ela
tinha visto e em quem o jardineiro atirou, pois o
comportamento da pessoa, assim como foi descrito por
Annette, não era o de um ladrão; nem parecia ser
provável que um ladrão tivesse vindo sozinho para
invadir uma casa tão espaçosa quanto esta.
Quando Emily pensou que estava suficientemente
recuperada para escutar o que Jean pudesse ter a relatar,
ela o chamou; mas ele não conseguiu informá-la de
nenhuma circunstância que pudesse levar à descoberta
da pessoa que foi atingida, ou da consequência do
ferimento; e, após repreendê-lo severamente por ter
atirado com balas e ordenado que uma investigação
assídua fosse feita na vizinhança para encontrar a
pessoa ferida, ela o dispensou e permaneceu no mesmo
estado de suspense terrível. Todo o carinho que já sentiu
por Valancourt foi trazido à tona pelo senso do perigo
dele; e quanto mais ela pensava no assunto, mais a sua
convicção se fortalecia de que era ele quem havia
visitado os jardins com o propósito de acalmar a miséria
da afeição desapontada em meio às cenas de sua
felicidade passada.
“Querida Madame”, disse Annette quando voltou,
“eu nunca lhe vi tão afetada antes! Eu ouso dizer que o
homem não foi morto”.
Emily estremeceu e lamentou amargamente a
precipitação do jardineiro ao ter atirado.
“Eu sabia que você ia ficar com raiva por isso,
Madame, ou eu teria lhe contado antes; e ele também
sabia; pois, diz ele, ‘Annette, não diga nada sobre isso
para a minha Lady. Ela dorme do outro lado da casa,
então, talvez não tenha ouvido a arma; mas ficaria com
raiva de mim se soubesse, visto que há sangue. Mas,
então’, disse ele, ‘como vamos manter o jardim livre se
tivermos medo de atirar num ladrão quando o virmos?’”
“Chega disto”, disse Emily, ”por favor, me deixe.”
Annette obedeceu e Emily voltou aos pensamentos
agonizantes que a atacaram antes, mas os quais ela,
enfim, esforçou-se para acalmar com uma nova
observação. Se o estranho fosse Valancourt, era certo
que ele viria sozinho, e, portanto, parecia que ele tinha
conseguido sair dos jardins sem assistência; uma
circunstância que não parecia provável se o seu
ferimento fosse perigoso. Com esta consideração, ela
tentou se manter de pé durante as perguntas que eram
feitas por seus criados na vizinhança; mas, dia após dia
vinha e ainda terminava em incerteza quanto à essa
questão. Emily, sofrendo em silêncio, finalmente se
prostrou e afundou com a pressão de sua ansiedade. Ela
foi atacada por uma febre leve, e quando cedeu à
insistência de Annette para procurar auxílio médico, os
médicos prescreveram pouco além de ar, exercícios
gentis e entretenimento, mas como esse último seria
conseguido? Contudo, ela se esforçou para abstrair seus
pensamentos do motivo de sua ansiedade ao empregá-
los em promover nos outros a felicidade que ela mesma
havia perdido; e quando a noite era bonita, geralmente
tomava um ar, incluindo em seu passeio os chalés de
alguns de seus inquilinos, sobre cujas condições ela fez
algumas observações, tão frequentemente quanto podia
sem ser pedida, para realizar os desejos deles.
A sua indisposição e a questão na qual ela tomou
parte com relação à propriedade, já haviam prolongado
sua estadia em Toulouse além do período que ela tinha
marcado para sua partida para La Valée; e agora ela não
queria deixar o único lugar onde parecia possível que
alguma certeza fosse obtida quanto ao motivo de sua
aflição. Mas, havia chegado o momento em que sua
presença era necessária em La Valée, com uma carta de
Lady Blanche a informando de que o conde e ela própria,
estando então no castelo do Barão de St. Foix,
pretendiam visitá-la em La Valée durante o seu retorno
para casa, assim que ela os informasse de sua chegada
lá. Blanche acrescentou que eles fariam essa visita com a
esperança de induzi-la a voltar com eles para Chateau-le-
Blanc.
Tendo respondido à carta de sua amiga e dito que
ela deveria estar em La Valée em alguns dias, Emily fez
preparativos corridos para a jornada; e deixando
Toulouse dessa forma, esforçou-se para se apoiar na
crença de que, se algum acidente fatal tivesse
acontecido a Valacourt, ela já teria ouvido sobre isso
nesse intervalo.
Na noite antes de sua partida, ela foi se despedir do
terraço e do pavilhão. O dia havia sido abafado, mas uma
chuva leve que caiu pouco antes do pôr do sol havia
refrescado o ar e dado aquele verde suave às florestas e
pastos, o que é tão refrescante para os olhos; enquanto
as gotas de chuva, ainda tremendo nos arbustos,
brilhavam com o último clarão amarelo que iluminava a
cena, e o ar estava cheio de fragrâncias, exaladas pela
chuva recente, das ervas e flores e do próprio solo. Mas,
a visão encantadora que Emily tinha em seu terraço não
era mais vista por ela com deleite; suspirava
profundamente, enquanto seu olhar passeava sobre ela e
sua disposição estava num estado de tamanha
depressão que não conseguia pensar em seu retorno
para La Valée, que se aproximava sem lágrimas, e
parecia lamentar novamente a morte de seu pai como se
fosse um evento de ontem. Tendo chegado ao pavilhão
ela se sentou na sacada aberta e, enquanto seus olhos
se assentavam nas montanhas distantes que ficavam
sobre a Gasconha, ainda brilhando no horizonte, apesar
do sol ter saído das planícies abaixo: “ah!”, disse ela, “eu
voltarei para as suas cenas perdidas há tanto tempo,
mas não encontrarei os pais que eram necessários para
torná-las maravilhosas! Não verei mais o sorriso de boas-
vindas, ou ouvirei a voz de ternura tão familiar... agora
tudo será frio e silencioso no que outrora foi o meu lar
feliz.”
Lágrimas correram por suas faces, quando a
lembrança do que aquele lar havia sido voltou para ela;
mas, depois de satisfazer sua tristeza por algum tempo,
ela a reprimiu, acusando-se de ingratidão ao se esquecer
dos amigos que ela possuía, enquanto lamentava
aqueles que haviam partido; e finalmente saiu do
pavilhão e do terraço sem ter visto a sombra de
Valancourt ou de qualquer outra pessoa.
CAPÍTULO XI

Ah, montanhas felizes! Ah, sombra agradável!


Ah, campos amados em vão!
Onde outrora minha infância descuidada vagueava,
Eu ainda era um estranho para a dor!
Sinto as ventanias, que de suas rajadas
Conferem um êxtase momentâneo,
Enquanto balança sua asa contente,
Minha alma exausta elas parecem acalmar.
GRAY[50]

Na manhã seguinte, bem cedo, Emily saiu de


Toulouse e chegou a La Valée perto do pôr do sol. A
melancolia que ela experimentou ao reaver o lugar que
havia sido a residência de seus pais, e o cenário do seu
deleite mais jovem, foi misturado, depois que o primeiro
choque tinha diminuído, com um terno e indescritível
prazer. O tempo havia atenuado tanto a agudeza de sua
dor, que agora ela cortejava cada cena que despertava a
memória de seus queridos; em cada quarto, onde ela
estava acostumada a vê-los, eles quase pareciam viver
novamente; e sentiu que La Valée ainda era o seu lar
mais feliz. Um dos primeiros quartos que ela visitou foi
aquele que havia sido a biblioteca de seu pai, e lá ela se
sentou na poltrona e, enquanto contemplava com
resignação moderada a pintura de tempos passados que
sua memória fez, as lágrimas que ela derramou mal
poderiam ser chamadas de lágrimas de sofrimento.
Logo após sua chegada, ela foi surpreendida por
uma visita do venerável M. Barreaux, que veio
impacientemente receber a filha de seu respeitoso
vizinho falecido em sua casa há muito abandonada.
Emily ficou reconfortada pela presença de um velho
amigo e eles passaram uma hora interessante,
conversando sobre tempos antigos e relatando algumas
das circunstâncias que haviam ocorrido a cada um desde
que eles se despediram.
A tarde já estava tão avançada quando M. Barreaux
deixou Emily que ela não pôde visitar o jardim naquela
noite; mas, na manhã seguinte, seguiu suas cenas há
muito lamentadas com uma impaciência carinhosa; e à
medida que andava sob os bosques que seu pai plantou,
e onde ela havia passeado tantas vezes conversando
afetuosamente com ele, o rosto dele, seu sorriso e até
mesmo os tons da voz do pai voltaram à mente dela com
exatidão e seu coração se derreteu com as recordações
ternas.
Essa também era a estação preferida dele, na qual
eles admiravam juntos, muitas vezes, as cores ricas e
variadas dessa floresta e o efeito mágico das luzes de
outono sobre as montanhas; e agora a visão dessas
circunstâncias tornou a memória eloquente. Enquanto
caminhava pensativamente, ela imaginou o versinho
seguinte:
AO OUTONO
Doce outono! Como tua graça melancólica
Toma conta de meu coração, conforme percorro essas
sombras!
Tranquilizada por teu suspiro exalante, eu
carinhosamente vejo
Cada imagem solitária da mente pensativa!
Cenas amadas, amigos amados – há muito perdidos! Ao
meu redor se erguem,
E despertam o pensamento comovente, a lágrima terna!
Essa lágrima, esse pensamento, que eu valorizo mais
que a alegria –
Doces como a cor gradual que colore o teu ano!
Teu sorriso de adeus, com um lamento afetuoso, eu vejo,
Tuas luzes brilhantes, deslizando suavemente sobre a
floresta;
Tua paisagem distante, tocada com um matiz amarelo
Enquanto o clarão estendido cai; teus rios sinuosos,
Agora encobertos nas sombras, exceto onde as velas
brancas do esquife
Crescem com a brisa e capturam teu raio corrente.
Mas agora, até mesmo agora – a visão parcial falha,
E a onda sorri enquanto a nuvem vai para longe!
Emblema da vida! – Quadriculado desta forma é o seu
plano,
Assim a alegria se sucede à dor – assim sorriem homens
diferentes![51]
Uma das primeiras perguntas de Emily, após sua
chegada em La Valée, foi com relação à Theresa, a velha
criada de seu pai que M. Quesnel havia despejado da
casa, quando esta foi alugada sem nenhuma provisão.
Entendendo que ela vivia num chalé não muito longe,
Emily andou até lá e, ao se aproximar, ficou contente em
ver que sua habitação era situada agradavelmente em
uma verde encosta, coberta por um tufo de carvalhos, e
que tinha uma aparência de conforto e extrema
arrumação. Ela encontrou a mulher de idade lá dentro,
catando videiras, que, ao ver sua jovem senhora, ficou
quase sobrecarregada com felicidade.
“Ah! Minha querida senhorinha!”, disse ela. “Eu
achava que nunca mais a veria de novo nesse mundo,
quando ouvi que você tinha ido para aquele país
distante. Eu mal tive utilidade desde que você foi; eu
não imaginava que eles teriam me despedido da família
do meu antigo mestre em minha avançada idade!”
Emily lamentou a circunstância, e assegurou-lhe que
ela tornaria seus últimos dias confortáveis, expressou
satisfação ao vê-la numa habitação tão agradável.
Theresa a agradeceu com lágrimas, acrescentando:
“sim, Mademoiselle, é um lar muito confortável, graças
ao bom amigo que me tirou de meus apuros, quando
você estava longe demais para me ajudar, e me colocou
aqui! Eu mal imaginava! Mas chega disso...”
“E quem foi esse bom amigo?”, perguntou Emily.
“Quem quer que seja, eu devo considerá-lo meu amigo
também.”
“Ah, Mademoiselle! Esse amigo me proibiu de
proclamar a boa ação... eu não devo dizer quem foi. Mas,
como você está diferente desde que lhe vi da última vez!
Você está tão pálida agora e tão magra também; mas, lá
está o sorriso do meu antigo mestre! Sim, isso nunca vai
lhe deixar, não mais do que a bondade que costumava
fazê-lo sorrir. Ah mas que dia! O coitado realmente
perdeu uma amiga quando morreu!”
Emily ficou comovida com a menção de seu pai,
quando Theresa viu, mudou de assunto. “Eu ouvi dizer
Mademoiselle”, disse ela, “que Madame Cheron se casou
com um cavalheiro estrangeiro no fim das contas e lhe
levou para o exterior. Como ela está?”
Emily mencionou a morte dela. “Ah!”, disse Theresa.
“Se ela não fosse a irmã do meu mestre, eu nunca a teria
amado; ela era sempre tão rabugenta. Mas, como está
aquele jovem cavalheiro, M. Valancourt? Ele era um
jovem bonito e bom; ele está bem, Mademoiselle?”
Emily ficou muito agitada.
“Que ele seja abençoado!”, continuou Theresa. “Ah,
minha querida jovem Lady, você não precisa ficar
envergonhada; eu sei de tudo. Você acha que eu não sei
que ele lhe ama? Oras, quando você estava longe,
Mademoiselle, ele costumava vir até o castelo e
caminhar por ele, tão desconsolado! Entrava em cada
quarto da parte mais baixa da casa e, às vezes, sentava-
se em uma cadeira com seus braços cruzados e seus
olhos no chão, e ficava lá sentado e pensando, e
pensando, por uma hora inteira. Ele costumava gostar
muito da sala de estar sul, porque eu lhe disse que ela
era sua; e ele ficava lá, olhando para as pinturas que eu
disse que você desenhou e tocando seu alaúde, que
ficava pendurado perto da janela, e lendo seus livros até
o pôr do sol, então ele tinha que voltar para o castelo de
seu irmão. E ...”
“Já chega, Theresa”, disse Emily. “Há quanto tempo
você mora nesse chalé... e como eu posso lhe servir?
Você vai continuar aqui, ou vai voltar e morar comigo?”
“Não, Mademoiselle”, disse Theresa, “não seja tão
tímida com sua pobre e velha criada. Eu tenho certeza
que não é desgraça alguma gostar de um jovem
cavalheiro bondoso.”
Um suspiro profundo escapou de Emily.
“Ah! Como ele gostava de falar de você! Eu o
amava por isso. Não, quanto a isso, ele gostava de me
ouvir falar, pois ele mesmo não dizia muita coisa. Mas
eu logo descobri por que ele vinha para o castelo. Então,
ele entrava no jardim e ia para o terraço, e se sentava
embaixo daquela árvore grande lá o dia inteiro com um
dos seus livros na mão; mas ele não lia muito, imagino
eu; pois um dia eu acabei indo para aquele lado e ouvi
alguém falando. Quem poderia estar aqui? Eu disse:
tenho certeza de que não deixei ninguém entrar no
jardim exceto o cavalheiro. Então eu fui lá
silenciosamente para ver quem poderia ser; e imagine!
Era o próprio cavalheiro, falando consigo mesmo sobre
você. E ele repetia o seu nome e suspirava tanto! E dizia
que tinha lhe perdido para sempre, pois você nunca
voltaria para ele. Eu pensei que ele estava fora de sua sã
consciência quanto a isso, mas não falei nada e fui
embora.”
“Chega dessas banalidades”, disse Emily, acordando
de seu devaneio. “Está me desagradando.”
“Mas, quando o M. Quesnel alugou o castelo, eu
achei que isso ia partir o coração do cavalheiro.”
“Theresa”, disse Emily seriamente, “você não deve
falar mais sobre o cavalheiro!”
“Não falar sobre ele, Mademoiselle!”, exclamou
Theresa. “O que aconteceu agora? Oras, eu amo o
cavalheiro tanto quanto amo o meu antigo mestre e
você, Mademoiselle.”
“Então, talvez o seu amor não tenha sido bem
colocado”, respondeu Emily, tentando esconder suas
lágrimas; “mas, independente disso, nós não nos
veremos mais”.
“Não se verão mais! Não tenha sido bem colocado!”,
exclamou Theresa. “O que estou ouvindo? Não,
Mademoiselle, meu amor foi bem colocado, pois foi o
cavalheiro Valancourt quem me deu esse chalé e me
amparou em minha velhice, desde que o M. Quesnel me
expulsou da casa de meu mestre.”
“O cavalheiro Valancourt!”, exclamou Emily
tremendo extremamente.
“Sim, Mademoiselle, ele mesmo, apesar de ter me
feito prometer não contar; mas como eu pude evitar,
quando lhe ouvi falando mal dele? Ah! Querida jovem
Lady, você deve mesmo chorar se o tratou
grosseiramente, pois nenhum jovem cavalheiro tem um
coração mais terno do que o dele. Ele me encontrou em
meus apuros quando você estava longe demais para
me ajudar; e M. Quesnel se recusou a fazer isso e me
mandou ir trabalhar de novo... Ah! Eu estava velha
demais para isso! O cavalheiro me encontrou e me
trouxe para este chalé, deu-me dinheiro para mobiliá-lo
e mandou procurar outra mulher pobre para morar
comigo; ordenou que o criado de seu irmão me pagasse
a cada trimestre, o que tem me amparado com
conforto. Então pense, Mademoiselle, se eu não tenho
razão para falar bem do cavalheiro. E há outros que
poderiam ter me amparado melhor do que ele; eu tenho
medo que ele tenha se prejudicado com sua
generosidade, pois o dia do pagamento já passou há
muito tempo e nenhum dinheiro veio para mim! Mas,
não chore tanto, Mademoiselle; certamente você não
está triste em ouvir sobre a bondade do pobre
cavalheiro?”
“Perdão!”, disse Emily, e chorou mais ainda. “Mas,
faz quanto tempo desde que você o viu?”
“Não faz muitos dias, Mademoiselle.”
“Quando você teve notícias dele?”, perguntou
Emily, com sua emoção aumentando.
“Ah! Não desde que ele foi para Languedoc tão
repentinamente; tinha acabado de chegar de Paris, ou
então eu teria o visto, tenho certeza. O dia do
pagamento já passou há muito tempo e, como eu
disse, não veio dinheiro algum para mim; comecei a
temer que algum mal tenha acontecido a ele; e se eu
não estivesse tão longe de Estuviere e tão mal, eu
teria ido lá perguntar antes; e não tenho ninguém para
enviar.”
A ansiedade de Emily quanto ao destino de
Valancourt quase não era suportável agora e, já que o
decoro não a deixaria enviar alguém ao castelo do
irmão dele, ela pediu que Theresa contratasse alguém
imediatamente para ir até o criado dele em nome dela
e, quando ele pedisse o pagamento trimestral, que
fizesse perguntas sobre Valancourt. Mas, primeiro ela
fez Theresa prometer nunca mencionar o nome dela
nessa questão, ou associá-lo com o do cavalheiro
Valancourt; e a sua antiga lealdade a M. St. Aubert
levou Emily a confiar em suas garantias. Theresa foi
procurar uma pessoa para essa tarefa alegremente,
então Emily, após dar a ela uma soma de dinheiro para
ampará-la com confortos presentes, voltou para sua
casa com seu espírito extremamente oprimido,
lamentando mais do que nunca que um coração cheio
de tanta benevolência quanto o de Valancourt fosse
contaminado pelos vícios do mundo, porém comovida
com a afeição delicada por ela que a bondade dele
para com a criada idosa dela expressava.
CAPÍTULO XII

A luz se torna turva e o corvo


Voa para a colônia na floresta:
As coisas boas do dia começam a cair e
adormecer;
Enquanto os agentes do escuro da noite despertam
para suas presas.
MACBETH [ 5 2 ]

Enquanto isso, o Conde de Villefort e Lady Blanche


haviam passado uma quinzena agradável no castelo de
St. Foix com o barão e a baronesa, durante a qual eles
fizeram excursões frequentes pelas montanhas e ficaram
maravilhados com a natureza romântica do cenário dos
Pirineus. Foi com tristeza que o conde deu adeus aos
seus velhos amigos, mas com a esperança de estar unido
com um deles em breve em uma só família; pois foi
decidido que M. St. Foix, que agora os acompanhava até
a Gasconha, receberia a mão de Lady Blanche quando
chegassem ao Chateau-le-Blanc. Como a estrada da
residência do barão até La Valée ficava sobre um dos
tratos mais desertos dos Pirineus, e onde a roda de uma
carruagem nunca havia passado, o conde comprou mulas
para si mesmo e sua família, assim como dois condutores
robustos, que estavam bem armados, informados sobre
todas as passagens pelas montanhas e que também se
gabavam de serem tão familiares com cada mata e vale
do caminho, que eles podiam dizer os nomes de todos os
pontos mais altos dessa cadeira dos Alpes, pois
conheciam cada floresta que se espalhava ao longo de
seus vales estreitos, a parte mais rasa de cada rio que
eles teriam que atravessar, e a distância exata de cada
rebanho de cabras e cabines de caçadores pelos quais
eles passariam; este último artigo de conhecimento não
precisava de uma memória muito capaz, pois até mesmo
habitantes simples eram escassos nessas bandas.
O conde saiu do castelo de St. Foix de manhã cedo
com a intenção de passar a noite numa pequena
hospedaria nas montanhas perto da metade do caminho
para La Valée, da qual seus guias o informaram; e apesar
desta ser frequentada principalmente por condutores
espanhóis em sua jornada pela França, e, é claro, de só
providenciar um alojamento muito lamentável, o conde
não tinha outra alternativa, pois era o único lugar
parecido com uma hospedaria na estrada.
Após um dia de admiração e fadiga, os viajantes se
encontraram num vale arborizado por volta do pôr do sol,
que era coberto de todos os lados por picos abruptos.
Eles haviam prosseguido por muitas léguas sem ver uma
habitação humana e só ouviam, de vez em quando, ao
longe, o tilintar melancólico do sino de um carneiro; mas
agora eles ouviram as notas de uma música alegre e
imediatamente viram, dentro de um recuo verdejante em
meio aos rochedos, um grupo de montanheses saltitando
em uma dança. O conde, que não conseguia não olhar
para a felicidade, tal como para a miséria alheia, com
indiferença, parou para aproveitar essa cena de prazer
simples. O grupo diante dele consistia de camponeses
franceses e espanhóis, os habitantes de um vilarejo
vizinho, alguns dos quais estavam fazendo uma dança
animada, as mulheres com castanholas em suas mãos,
ao som de um alaúde e um tamborim, até que, da
melodia vivaz da França, a música se suavizou com um
movimento lento, com o qual duas camponesas
dançaram o Pavão Espanhol.[53]
O conde, comparando esta com as cenas de
tamanha animação que ele havia testemunhado em
Paris, onde o gosto falso pintava as feições do rosto e, ao
tentar suprir o brilho da natureza em vão, escondia os
charmes da animação, onde o fingimento distorcia o ar
tão frequentemente e o vício permeava os modos,
suspirava ao pensar que as graças naturais e os prazeres
inocentes floresciam na natureza da solidão, enquanto
decaíam em meio à multidão da sociedade polida. Mas as
sombras ficando mais compridas lembraram os viajantes
de que eles não tinham tempo a perder; e, deixando esse
grupo alegre para trás, seguiram seu caminho em
direção à pequena hospedaria que iria abrigá-los durante
a noite.
Os raios do sol poente lançavam um brilho
amarelado sobre as florestas de pinheiros e castanheiros,
que varriam a região mais baixa das montanhas e davam
cores resplandecentes aos picos enevoados acima. Mas,
logo, até mesmo essa luz desapareceu rapidamente, e o
cenário assumiu uma aparência mais tremenda,
investida com a escuridão do crepúsculo. Onde uma
correnteza havia sido vista, agora ela só era ouvida; onde
as colinas desertas haviam mostrado cada variedade de
forma e atitude, agora só uma massa escura de
montanhas aparecia; e o vale, que muito, muito ao longe
abria o seu abismo temível, os olhos não conseguiam
mais medir. Um brilho melancólico ainda permanecia nos
picos dos Alpes mais altos, sobreolhando o repouso
profundo da tarde e parecendo tornar o silêncio do
momento ainda mais terrível.
Lady Blanche viu a cena em silêncio e escutou com
entusiasmo o murmúrio dos pinheiros, que se estendiam
em linhas escuras ao longo das montanhas, e a voz fraca
da camurça-dos-pirineus em meio aos rochedos, que
vinha pelo ar em intervalos. Mas, seu entusiasmo virou
apreensão quando, conforme as sombras desapareciam,
ela olhou para o precipício duvidoso que beirava a
estrada, assim como para as várias fantásticas formas de
perigo, que brilhavam através da escuridão além dela; e
perguntou a seu pai o quão longe eles estavam da
hospedaria e se ele não achava que a estrada era
perigosa tão tarde assim. O conde repetiu a primeira
pergunta para os guias, que devolveram uma resposta
duvidosa, acrescentando que quando estivesse mais
escuro seria mais seguro descansar até que a lua
subisse. “Não é muito seguro prosseguir agora”, disse o
conde; mas os condutores, assegurando-lhe que não
havia perigo, seguiram em frente. Blanche, revivida por
essa garantia, satisfez um prazer pensativo novamente,
enquanto observava o progresso do crepúsculo
gradualmente espalhando suas cores sobre a floresta e
as montanhas, e roubando dos olhos cada detalhe
minucioso da cena, até que somente os contornos
grandiosos a natureza permaneceram. Então, o orvalho
silencioso caiu e cada flor selvagem e planta aromática,
que brotava em meio às colinas, exalou a sua doçura;
então, quando a abelha montanhesa havia voltado para
sua cama de botão de flor e o zumbido de cada inseto
pequeno que flutuava alegremente nos raios de sol foi
silenciado, o som de muitos riachos, que não eram
ouvidos até agora, murmurou ao longe. Só os morcegos,
de todos os animais habitando essa região, pareciam
estar acordados; e quando eles voaram cruzaram o
caminho silencioso que Blanche estava seguindo, ela se
lembrou dos versos seguintes, os quais Emily havia dado
para ela:
AO MORCEGO[54]
Da assombração do homem, do brilho intrometido do dia,
Tu te escondes nas ruínas da torre com hera.
Ou na cobertura romântica de alguma clareira sombria,
Onde formas feiticeiras preparam seus encantos
místicos,
Onde o Horror fica à espreita, e o Cuidado sempre
agourento!
Mas, na hora doce e silenciosa da noite,
Quando fechada no sono fica toda flor lânguida,
Tu amas brincar no ar do crepúsculo,
Zombando dos olhos que seguiriam o teu curso,
Em muitas curvas travessas, elásticas, alegres,
Tu voas cruzando o caminho do viajante pensativo,
Enquanto os passos solitários dele marcam o orvalho da
montanha.
De ilhas Indianas tu vens, com o veículo do Verão,
O crepúsculo é teu amor – teu guia é a sua estrela
brilhante!
Para uma imaginação ativa, as formas duvidosas
que flutuavam meio escondidas da escuridão davam um
prazer maior do que o cenário mais distinto que o sol
poderia mostrar. Enquanto a imaginação vagueia dessa
forma sobre paisagens em parte de sua própria criação,
uma doce complacência toma conta da mente e
A refina para o sentimento mais sutil,
Comandando que a lágrima do êxtase escorra.[55]
A nota distante de uma correnteza, o tremor fraco
da brisa em meio à floresta, ou o som distante de uma
voz humana, ora ouvida ora perdida novamente, são
circunstâncias que aumentam o tom entusiasta da mente
maravilhosamente. O jovem St. Foix, que via as
apresentações de uma imaginação ardente e sentia o
que quer que o entusiasmo sugerisse, interrompia o
silêncio, às vezes, o que o resto do grupo parecia
preservar com um consentimento mútuo, comentando e
mostrando para Blanche o efeito mais impressionante do
momento sobre o cenário; enquanto ela, cujas
apreensões foram distraídas pela conversa de seu
amado, cedeu ao gosto tão parecido com o dele e eles
conversaram em voz baixa e reprimida, um efeito da
tranquilidade pensativa que o crepúsculo e a cena
inspiraram, e não de qualquer medo de que eles
pudessem ser ouvidos. Mas, enquanto o coração foi
tranquilizado com ternura, St. Foix gradualmente
misturou à sua admiração da província uma menção de
sua afeição; e ele continuou a falar e Blanche a escutar,
até que as montanhas, a floresta e as ilusões mágicas da
penumbra não foram mais lembradas.
As sombras da tarde logo se transformaram no
escuro da noite, o que foi um tanto antecipado pelos
vapores que, juntando-se ao redor das montanhas
rapidamente, rolavam em espirais ao longo de suas
laterais; e os guias propuseram descansar até que a lua
subisse, acrescentando que achavam que uma
tempestade estava vindo. Enquanto olhavam em volta
procurando por um local que pudesse servir como um
tipo de abrigo, um objeto foi visto parcialmente, através
das sombras, na ponta de um rochedo, um pouco abaixo
da montanha, o que eles imaginaram ser a cabine de um
caçador ou pastor, e o grupo, com passos cuidadosos,
prosseguiu para lá. O esforço deles, entretanto, não foi
recompensado, nem suas apreensões foram
tranquilizadas; pois, ao alcançarem o objeto de sua
busca, eles descobriram uma cruz monumental que
marcava que o local havia sido poluído com assassinato.
A escuridão não os permitia ler a inscrição; mas os
condutores sabiam que essa era uma cruz erguida em
memória de um Conde de Beliard, que havia sido morto
ali por uma horda de bandidos que infestava essa parte
dos Pirineus alguns anos atrás; e o tamanho incomum do
monumento parecia justificar a suposição de que foi
erguido para uma pessoa de alguma distinção. Blanche
estremeceu enquanto escutava alguns particulares
horríveis do fim do conde, que um dos guias relatava em
um tom baixo e restrito, como se o som de sua própria
voz o assustasse; mas, enquanto eles se demoravam na
cruz escutando a narrativa dele, um clarão de relâmpago
brilhou sobre os rochedos, o trovão murmurou ao longe,
e os viajantes, assustados, saíram dessa cena de horror
solitário à procura de abrigo.
Tendo voltado ao seu caminho anterior, os guias,
enquanto seguiam em frente, se esforçaram para
interessar o conde com várias histórias de assaltos e até
mesmo de assassinato, que haviam sido cometidos nos
mesmos lugares pelos quais eles deveriam passar
inevitavelmente, com relatos da sua própria coragem
destemida e escapatórias fantásticas. O condutor
principal, ou melhor, aquele que estava armado mais
completamente, pegando uma das quatro pistolas que
estavam presas em seu cinto, jurou que tinha atirado em
três assaltantes naquele ano. Então, ele brandiu um
canivete de um comprimento enorme, e ia contar a
execução fantástica que este havia feito, quando St. Foix,
percebendo que Blanche estava apavorada, interrompeu-
o. O conde, enquanto isso, rindo secretamente das
histórias e da bazófia extravagante do homem, resolveu
brincar com ele e, contando para Blanche em um
sussurro o seu plano, começou a contar algumas de suas
próprias aventuras, que excediam, infinitamente,
qualquer uma relatada pelo condutor.
A essas circunstâncias surpreendentes ele deu o
colorido da verdade tão habilmente que a coragem dos
guias foi visivelmente afetada, tal que eles continuaram
em silêncio muito depois do conde ter parado de falar.
Com a loquacidade do principal herói sendo posta para
dormir dessa forma, a vigilância de seus olhos e ouvidos
pareceu ficar mais acordada, pois ele escutava, com
muita aparência de ansiedade, ao trovão profundo, que
murmurava em intervalos e pausava muitas vezes,
enquanto a brisa, que estava aumentando, corria pelos
pinheiros. Mas, quando ele fez uma parada súbita diante
de um tufo de sobreiros que se projetavam sobre a
estrada, e estendeu uma pistola antes de se aventurar a
enfrentar os bandidos que poderiam se esconder atrás
deles, o conde não conseguiu mais evitar rir.
Contudo, tendo chegado a um local nivelado, um
tanto protegido do ar pelas colinas acima e por uma
floresta de lariços que se erguia sobre o precipício à
esquerda, e como os guias ainda estavam ignorantes
com relação a quão longe eles estavam da hospedaria,
os viajantes decidiram descansar até que a lua subisse
ou a tempestade se dispersasse. Blanche, trazida de
volta a uma noção do momento presente, olhou para a
escuridão ao redor com terror; mas dando sua mão a St.
Foix, ela desceu e o grupo inteiro entrou num tipo de
caverna, se ela podia ser chamada disso, a qual era
apenas uma cavidade superficial formada pela curva dos
rochedos impendentes. Com uma luz sendo acendida,
uma fogueira foi feita, cuja chama dava um tanto de
animação e não pouco conforto, pois, apesar do dia ter
sido quente, o ar noturno dessa região montanhosa era
frio; uma fogueira também era em parte necessária para
afastar os lobos, com os quais essa vegetação era
infestada.
Quando as provisões foram espalhadas sobre uma
projeção de rocha, o conde e sua família partilharam de
uma ceia, a qual, numa cena menos rudimentar, teria
certamente sido considerada menos excelente. Quando a
refeição foi terminada, St. Foix, impaciente pela lua,
passeou pelo precipício em direção a uma ponta que
dava para o leste; mas, tudo ainda estava envolvido em
escuridão e o silêncio da noite só era quebrado pelo
murmúrio da floresta que balançava distante lá embaixo,
ou pelo trovão ao longe e, de vez em quando, pelas
vozes fracas do grupo que ele havia deixado. Viu com
emoções extremas de sublimidade os volumes longes de
nuvens sulfúricas, que flutuavam ao longo das regiões
mais altas e médias do ar, e os relâmpagos que
brilhavam nelas, algumas vezes silenciosamente, e
outras seguidos pelos estrondos carrancudos do trovão
que as montanhas prolongavam fracamente, enquanto o
horizonte inteiro e o abismo no qual ele estava eram
revelados na luz momentânea. Na escuridão que se
sucedeu, o fogo que foi aceso na caverna lançou um
brilho parcial, iluminando alguns pontos dos rochedos do
lado oposto e os picos das florestas de pinheiros que
ficavam salientes nas colinas abaixo, enquanto seus
recessos pareciam se curvar na sombra mais profunda.
St. Foix parou para observar a figura que o grupo na
caverna formava, onde a forma elegante de Blanche era
contrastada finamente com a figura majestosa do conde,
que estava sentado ao lado dela numa pedra rudimentar,
e cada um era tornado mais impressionante pelos
hábitos grotescos e feições fortes dos condutores e dos
outros criados, que estavam no fundo da cena. O efeito
da luz também era interessante; nas figuras ao redor ela
lançava um brilho forte, porém pálido, e brilhava em suas
armas resplandecentes; enquanto na folhagem de um
lariço gigante, que impendia sua sombra sobre o
penhasco acima, aparecia um matiz vermelho escuro,
que ficava mais espesso até se tornar o escuro da noite
quase imperceptivelmente.
Enquanto St. Foiz contemplava a cena, a lua, ampla
e amarela, ergueu-se sobe os picos orientais de dentro
de nuvens alinhadas e mostrou vagamente a grandeza
dos céus, a massa de vapores que rolava da metade para
baixo do precipício abaixo e as montanhas duvidosas.
Que prazer terrível! Ficar ali parado e sublime
Como um náufrago numa costa deserta,
E ver o desperdício enorme de névoa,
Jogada em ondas se esticando para contornar o
horizonte!
O TROVADOR[56]
Desse devaneio romântico ele foi despertado pelas
vozes dos guias repetindo seu nome, a qual reverberava
de colina para colina até que cem línguas pareciam estar
chamando-o; quando ele logo acalmou os medos do
conde e de Lady Blanche ao voltar para a caverna.
Contudo, como a tempestade parecia estar se
aproximando, eles não saíram de seu local de abrigo; e o
conde, sentado entre sua filha e St. Foix, empenhou-se
em distrair os medos da primeira e conversar sobre
assuntos relacionados à história natural da cena pela
qual eles passearam. Ele falou das substâncias minerais
e fósseis encontradas nas profundezas dessas
montanhas, as veias de mármore e granito com as quais
elas abundavam, as camadas de conchas descobertas
perto de seus picos, milhares de braças acima do nível
do mar e a uma distância vasta de sua costa presente;
das gargantas tremendas e cavernas das rochas, a forma
grotesca das montanhas e os vários fenômenos que
parecem estampar no mundo a história do dilúvio. Da
história natural ele desceu à menção de eventos e
circunstâncias conectados com a história civil dos
Pirineus; nomeou algumas das fortalezas mais
extraordinárias que a França e a Espanha haviam erguido
nas passagens dessas montanhas; e deu um relato breve
de algumas tomadas e conflitos célebres de tempos
antigos, quando a Ambição deixou a Solidão apavorada
nesses seus recessos profundos, fez suas montanhas,
que antes só ecoavam com o rugido da correnteza,
tremerem com o tinido das armas e quando os primeiros
passos do homem em suas trilhas sagradas havia
deixado um rastro de sangue!
Enquanto Blanche escutava atentamente à
narrativa, que tornava as cenas duplamente
interessantes, e se resignava à emoção solene, enquanto
considerava que estava no mesmo chão que outrora foi
poluído por esses eventos, seu devaneio foi interrompido
de repente por um som que veio no vento. Era o latido
distante de um cão de guarda. Os viajantes escutaram
com esperanças ansiosas e, quando o vento soprou mais
forte, pensaram que o som não vinha de muito longe; e
como os guias tinham poucas dúvidas de que o som
procedia da hospedaria da qual eles estavam em busca,
o conde decidiu continuar seu caminho. Agora a lua dava
uma luz mais forte, porém ainda incerta, enquanto ela se
movia entre nuvens quebradas; e os viajantes, guiados
pelo som, recomeçaram sua jornada ao longo da beira do
precipício, precedidos por uma única tocha que agora
disputava com a luz do luar; pois os guias, acreditando
que eles chegariam à hospedaria logo depois do pôr do
sol, haviam sido negligentes em providenciar mais de
uma. Com cautela silenciosa eles seguiram o som, que só
era ouvido em intervalos, e o qual, após algum tempo,
cessou completamente. Os guias, entretanto,
esforçaram-se para apontar o curso deles na direção de
onde isso havia vindo, mas o rugir profundo de uma
correnteza logo tomou a sua atenção e eles chegaram
imediatamente ao abismo tremendo de uma montanha,
o que parecia proibir qualquer progresso adiante.
Blanche desceu de sua mula, assim como o conde e St.
Foix, enquanto os guias examinaram a beirada
procurando por uma ponte, a qual, apesar de rudimentar,
pudesse levá-los ao lado oposto, e eles, enfim,
confessaram o que o conde havia começado a suspeitar,
que eles tinham estado duvidosos do caminho por algum
tempo e que agora só estavam certos de que haviam se
perdido.
Um pouco ao longe uma passagem rudimentar e
perigosa foi descoberta, formada por um pinheiro
enorme, que, jogado atravessando o abismo, unia os
precipícios opostos, e o qual provavelmente foi
derrubado pelo caçador para facilitar sua caçada da
camurça-dos-pirineus ou do lobo. O grupo inteiro, exceto
os guias, estremeceu com o prospecto de cruzar essa
ponte alpina, cujas laterais não tinham nenhum tipo de
defesa, e da qual cair significaria morrer. Contudo, os
condutores, prepararam-se para atravessar com as
mulas, enquanto Blanche ficou tremendo na beirada e
escutando o estrondo das águas, que eram vistas
descendo dos rochedos acima cobertos de pinheiros
altos, e de lá se precipitando para dentro do abismo
profundo, onde suas ondas brancas brilhavam
fracamente com o luar. Os pobres animais prosseguiram
sobre essa ponte perigosa com cautela instintiva, nem
assustados pelo barulho da catarata, nem enganados
pelas sombras que a folhagem impendente jogava sobre
o seu caminho. Foi agora que a tocha solitária, que havia
ajudado pouco até então, foi revelada como um tesouro
inestimável; e Blanche, apavorada, gritando, mas se
esforçando para retomar toda a sua firmeza e presença
de mente, precedida por seu amado e apoiada por seu
pai, seguiu o brilho avermelhado da tocha até a colina do
lado oposto em segurança.
Conforme eles seguiram em frente, os picos se
contraíram e formaram uma passagem estreita, no fundo
da qual a correnteza que haviam acabado de cruzar era
ouvida retumbando. Mas, eles foram estimulados
novamente pelo latido de um cachorro, talvez vigiando
os rebanhos nas montanhas para protegê-los da descida
noturna dos lobos. O som estava muito mais próximo do
que antes e, enquanto eles se alegraram com a
esperança de alcançar um lugar de repouso em breve,
uma luz foi vista brilhando ao longe. Parecia estar a uma
altura considerável do nível do caminho deles, e ela era
perdida e vista novamente, conforme os galhos das
árvores, às vezes, balançando excluíam e depois
admitiam seus raios. Os condutores gritaram com todas
as suas forças, mas nenhum som de voz humana foi
ouvido em resposta e, finalmente, como um meio mais
eficaz de se anunciarem, dispararam uma pistola. Mas,
enquanto escutavam em expectativa ansiosa, só o
barulho da explosão foi ouvido ecoando entre os
rochedos e desapareceu no silêncio gradualmente, o qual
nenhuma indicação agradável dos homens perturbou.
Contudo, a luz que foi vista antes se tornou mais forte
agora e, logo em seguida, vozes indistintas foram
ouvidas no vento; mas, quando os guias repetiram o
chamado, as vozes cessaram subitamente e a luz
desapareceu.
Agora Lady Blanche estava quase desmaiando com
a pressão da ansiedade, fadiga e apreensão, e os
esforços unidos do conde e de St. Foix mal conseguiram
ajudar a disposição dela. Conforme eles continuaram a
avançar, um objeto foi visto na ponta de um rochedo
acima, o qual, quando os raios fortes da lua caíram sobre
ele, parecia ser uma torre de vigia. Dada a localização
dela e algumas outras circunstâncias, o conde se
empenhou em reanimar o espírito de sua filha pelo
prospecto próximo de abrigo e repouso, o que,
independente de quão rudimentar o alojamento fosse,
uma torre de vigia em ruínas poderia oferecer.
“Várias torres de vigia foram erguidas entre os
Pirineus”, disse o conde, ansioso somente para tirar a
atenção de Blanche do motivo de seus medos; “e o
método com o qual eles informavam sobre a
aproximação do inimigo é, você sabe, através de
fogueiras acesas nos picos desses edifícios. Assim, sinais
eram comunicados algumas vezes de posto em posto ao
longo de uma linha de frente de centenas de milhas de
comprimento. Então, dependendo do que a ocasião
necessite os exércitos à espreita emergem de suas
fortalezas e das florestas e marcham em frente, talvez
para defender a entrada de alguma passagem
importante de onde, ao se plantarem nos penhascos,
eles atacam seus inimigos espantados, que passam pelo
vale abaixo, com fragmentos da colina despedaçada e
jogam a morte e a derrota sobre eles. Os fortes antigos e
as torres de vigia cobrindo as grandes passagens dos
Pirineus foram preservados cuidadosamente; mas,
algumas daquelas em localizações inferiores ficaram
decadentes, e, muitas vezes, foram convertidas para a
habitação mais pacífica do caçador ou do pastor que,
após um dia de trabalho duro, vai para lá e com seus
cães fiéis se esquece do labor da caçada perto de uma
fogueira alegre, ou da ansiedade de reunir seus rebanhos
espalhados enquanto fica protegido da chuva noturna”.
“Mas elas são sempre habitadas tão pacificamente
assim?”, disse Lady Blanche.
“Não”, respondeu o conde. “Às vezes, elas são o
asilo de contrabandistas franceses e espanhóis, que
atravessam as montanhas com produtos
contrabandeados de seus respectivos países, e os
últimos são particularmente numerosos, contra quem
grupos fortes das tropas do rei são enviados algumas
vezes. Mas, a resolução desesperada desses
aventureiros, que, sabendo que se forem pegos expiarão
a violação da lei com a morte mais cruel, viajam em
grupos grandes e bem armados, muitas vezes intimida a
coragem dos soldados. Os contrabandistas que só
querem segurança, nunca atacam quando podem evitá-
lo; os militares também, que sabem que nessas disputas
o perigo é certo e a glória quase inatingível, são
igualmente relutantes em lutar; uma briga, portanto,
acontece muito raramente, mas quando acontece, ela
nunca termina antes do conflito mais desesperado e
sangrento. Você não está atenta, Blanche”, acrescentou
o conde. “Eu lhe cansei com um assunto tedioso. Mas,
veja ali no luar, lá está o edifício que estivemos à
procura, e temos sorte de estar tão perto dele antes da
tempestade cair.”
Olhando para cima, Blanche viu que eles estavam
no pé da colina em cujo pico ficava a construção, mas
nenhuma luz vinha dele; o latido do cachorro também
havia cessado por algum tempo e os guias começaram a
duvidar se este era mesmo o alvo de sua procura. Na
distância da qual eles a inspecionaram, mostrada
imperfeitamente por uma lua encoberta, ela parecia ser
mais extensa do que uma única torre de vigia; mas, a
dificuldade era como subir o precipício, cujas
declividades abruptas não pareciam permitir nenhum
tipo de caminho.
Enquanto os guias levavam a tocha em frente para
examinar a colina, o conde, ficando com Blanche e St.
Foix em seu pé, na sombra da floresta, empenhou-se
novamente em passar o tempo com conversa, mas a
ansiedade abstraiu a mente de Blanche novamente;
então ele consultou St. Foix separadamente,
perguntando se seria aconselhável se aventurar em um
edifício que podia esconder bandidos. Eles consideraram
que o seu próprio grupo não era pequeno e que vários
deles estavam bem armados; e após enumerar os
perigos aos quais eles ficariam sujeitos ao passar a noite
a céu aberto, possivelmente, expostos aos efeitos de
uma tempestade, não sobrou uma dúvida de que eles
deveriam se esforçar para conseguir entrar no edifício
acima, respeitando os habitantes que ele pudesse
esconder, apesar de qualquer perigo; mas, a escuridão e
o silêncio profundo, que o cercava, pareciam contradizer
a probabilidade de ele ser habitado por qualquer pessoa.
Um grito dos guias despertou a atenção deles, após
o qual, dentro de alguns minutos, um dos criados do
conde voltou com a informação de que um caminho foi
encontrado e eles imediatamente se apressaram para se
juntar aos condutores, quando todos subiram por uma
pequena trilha sinuosa cortada nas rochas entre bosques
de árvores-anãs e, após muito esforço e algum perigo,
eles alcançaram o topo, onde várias torres em ruínas,
rodeadas por um muro maciço, ergueram-se na visão
deles, iluminadas parcialmente pelo luar. O espaço em
volta da construção estava quieto e aparentemente
abandonado, mas o conde foi cauteloso; “andem
silenciosamente”, disse ele em voz baixa, “enquanto nós
fazemos o reconhecimento do edifício”.
Após prosseguir silenciosamente por alguns
instantes, eles pararam em um portão, cujos portais
eram assustadores até mesmo em ruínas e, após um
momento de hesitação, foram para o pátio de entrada,
mas pararam novamente na entrada de um terraço, o
qual, ramificando-se dali em diante, passava ao longo da
beira de um precipício. Sobre este se erguia o corpo
principal do edifício, o que agora podia ser visto que não
era uma torre de vigia, mas uma daquelas fortalezas
antigas que, com o tempo e a negligência, haviam ficado
em ruínas. Contudo, muitas partes dela pareciam ainda
estar inteiras; ela era feita de pedras cinzas no estilo
pesado do Gótico Saxão, com torres redondas enormes,
contrafortes que proporcionavam força e a arcada do
portão grande, que parecia se abrir para o salão do
prédio, era arredondada assim como a de uma janela
acima. O ar de solenidade, que deve ter sido uma
característica marcante do todo, até mesmo em seus
dias de força, no passado, era acentuado
consideravelmente com suas ameias despedaçadas e
muros parcialmente demolidos, e pelas massas grandes
de ruínas espalhadas em sua área vasta, agora silenciosa
e coberta de grama. Neste pátio de entrada, ficavam os
restos gigantes de um carvalho que parecia ter florescido
e morrido com o edifício, o qual ele ainda parecia
proteger de maneira rabugenta com os galhos restantes,
sem folhas e cobertos de musgo, que coroavam seu
tronco e cuja extensão vasta mostrava o quão enorme a
árvore havia sido em tempos anteriores. Essa fortaleza,
evidentemente, já fora muito forte e, dada a sua
localização, na ponta de um rochedo, impendendo-se
sobre um vale profundo, ela havia tido um grande poder
para incomodar, assim como para resistir; o conde,
portanto, enquanto ficou parado examinando-a, ficou um
tanto surpreso que ela tivesse sido deixada ficar em
ruínas, antiga como era, e o seu atual ar solitário e
abandonado excitou no peito dele emoções de admiração
melancólica. Enquanto satisfazia essas emoções por um
momento, ele pensou ter ouvido o som de vozes
distantes passando pela calmaria, vindas de dentro do
prédio, a frente do qual ele inspecionou novamente com
olhos minuciosos, mas ainda não havia luz alguma
visível. Ele decidiu andar ao redor do forte até uma parte
remota dele, de onde ele achava que as vozes tinham
vindo, para que pudesse examinar se alguma luz podia
ser vista lá antes de se atrever a bater no portão; para
isto, ele entrou no terraço, onde os restos de um canhão
ainda estavam aparentes nos muros grossos, mas ele
não tinha prosseguido por muito tempo quando seus
passos foram subitamente interrompidos pelo latido de
um cachorro, lá dentro, e o qual ele pensou ser o mesmo
cuja voz foi o meio que trouxe os viajantes até aqui.
Agora parecia certo que o castelo estava desabitado e o
conde voltou para perguntar a St. Foix novamente, se ele
deveria tentar entrar, pois o aspecto vazio dele havia
abalado um pouco a sua decisão anterior; mas, após uma
segunda consulta, ele cedeu às considerações que o
haviam determinado antes e as quais foram fortalecidas
pela descoberta do cachorro que guardava o forte, assim
como pela quietude que o permeava. Portanto, ele
ordenou que um de seus servos batesse no portão, o
qual estava avançando para obedecê-lo, quando uma luz
apareceu no buraco de uma das torres, e o conde
chamou alto, mas, ao não receber resposta, ele mesmo
foi até o portão e bateu nele com uma estaca com uma
ponta de ferro, que o havia ajudado a subir a colina.
Quando os ecos que essa batida causou pararam, o
latido recomeçou, e agora havia mais de um cachorro,
esse foi o único som que ouviram. O conde recuou alguns
passos para ver se a luz estava na torre e, vendo que ela
havia sumido, ele voltou para o portão e tinha levantado
a estaca para bater de novo, quando pensou ouvir o
murmúrio de vozes lá dentro novamente e parou para
escutar. Essa suposição foi confirmada, mas eles
estavam longe demais para serem ouvidos a não ser por
um murmúrio, e o conde deixou a estaca acertar o portão
fortemente; quando, quase imediatamente, um silêncio
profundo se seguiu. Era aparente que as pessoas lá
dentro tinham ouvido o som, e a sua cautela em deixar
estranhos entrarem deu-lhe uma opinião favorável deles.
“Ou eles são caçadores ou pastores”, disse ele, “que,
como nós, provavelmente, procuraram abrigo da noite
dentro desses muros e estão com medo de admitir
estranhos, com receio de que eles sejam bandidos. Eu
me empenharei em tirar seus medos”. Dizendo isso, ele
gritou alto: “nós somos amigos que pedem abrigo
durante a noite.” Em alguns instantes, passos foram
ouvidos lá dentro, os quais se aproximaram, então uma
voz perguntou: “quem está aí?” “Amigos”, repetiu o
conde; “abra os portões e você saberá mais.” Agora se
ouviu trancas pesadas serem abertas e um homem
apareceu, armado com uma lança de caça. “O que é que
você quer a essa hora?”, perguntou ele. O conde chamou
seus criados, e respondeu que queria perguntar qual era
o caminho até a cabine mais próxima. “Você conhece
essas montanhas tão pouco”, disse o homem, “para não
saber que não há nenhuma aqui dentro de várias léguas?
Eu não posso lhe mostrar o caminho; você deve procurá-
lo, você tem a lua.” Dizendo isto, ele estava fechando o
portão e o conde estava se virando, meio desapontado e
meio assustado, quando outra voz foi ouvida lá de cima
e, ao olhar cara cima, ele viu uma luz e o rosto de um
homem na grade do portão. “Fique, amigo, você se
perdeu?”, disse a voz. “Eu suponho que vocês sejam
caçadores, como nós. Eu estarei com vocês agora
mesmo.” A voz cessou e a luz desapareceu. Blanche
tinha ficado assustada com a aparência do homem, que
abriu o portão, e agora ela implorava a seu pai que eles
fossem embora; mas, o conde havia visto a lança do
homem, que ele carregava; e as palavras vindas da torre
o encorajaram a esperar pelo evento. Logo o portão foi
aberto e vários homens em uniformes de caçadores, que
tinham ouvido o que se passou lá embaixo, apareceram
e, tendo escutado o conde por algum tempo, disseram-
lhe que ele poderia descansar lá, durante a noite. Eles,
então, pressionaram-no para entrar com muita cortesia e
para partilhar da refeição, que eles estavam prestes a se
sentar para comer. O conde, que os havia observado
atentamente enquanto falavam, foi cuidadoso e ficou um
tanto desconfiado; mas, também estava exausto, com
medo da tempestade que se aproximava e de enfrentar
penhascos alpinos na escuridão da noite; também
ficando um tanto confiante na força e no número de seus
acompanhantes, após um pouco mais de consideração,
ele decidiu aceitar o convite deles. Com esta decisão,
chamou seus criados que, avançando ao redor da torre,
atrás da qual alguns deles tinham escutado a essa
reunião silenciosamente, seguiram o seu Lorde, Lady
Blanche e St. Foix para dentro da fortaleza. Os estranhos
os levaram até um salão grande e rudimentar, visto
parcialmente através do fogo aceso em uma de suas
extremidades, em volta do qual, quatro homens com
vestes de caça estavam sentados, e na lareira havia
quatro cachorros esticados dormindo. No meio do salão
ficava uma mesa grande e sobre o fogo uma parte de
algum animal estava cozinhando. Quando o conde se
aproximou, os homens se levantaram e os cachorros,
erguendo-se parcialmente, olharam ferozmente para os
estranhos, mas ao ouvir as vozes de seus mestres,
mantiveram seus postos na lareira.
Blanche olhou em volta desse salão escuro e
espaçoso; então olhou para os homens e para seu pai,
que, sorrindo para ela alegremente, dirigiu-se aos
caçadores: “essa lareira é hospitaleira”, disse ele, “a
chama de um fogo é revigorante depois de se ter
passado tanto tempo nessa natureza deserta e sombria.
Seus cachorros estão cansados; vocês tiveram muito
sucesso?” “O mesmo que temos normalmente”,
respondeu um dos homens que estavam sentados no
salão. “Nós matamos nossos alvos com uma certeza
tolerável.” “Estes são colegas caçadores”, disse um dos
homens que havia trazido o conde até lá, “que se
perderam, e eu os disse que há espaço o bastante no
forte para todos nós.” “Bem verdade, bem verdade”,
respondeu seu companheiro. “Vocês tiveram sorte na
caçada, irmãos? Nós matamos duas camurças-dos-
pirineus e isso, vocês dirão, é muito bom.” “Erro seu,
amigo”, disse o conde, “nós não somos caçadores, só
viajantes; mas, se vocês nos derem a refeição dos
caçadores, ficaremos muito contentes e retribuiremos a
sua bondade.” “Então sente-se, irmão”, disse um dos
homens. “Jacques, coloque mais lenha no fogo, logo o
garoto estará pronto; traga um assento para a Lady
também. Ma’amselle, você provará do nosso conhaque?
É um Barcelona verdadeiro e tão límpido quanto qualquer
um que já passou por um barril.” Blanche sorriu
timidamente e ia recusar, quando seu pai a impediu, ao
pegar a taça oferecida à sua filha com um ar bem-
humorado; e Monsieur St. Foix, que estava sentado ao
lado dela, apertou a sua mão e lhe deu um olhar de
encorajamento, mas a atenção dela estava tomada por
um homem que estava sentado ao lado do fogo,
silenciosamente, observando St. Foix com um olhar fixo e
ansioso.
“Vocês tem uma vida alegre aqui”, disse o conde. “A
vida de um caçador é agradável e saudável; e é doce o
repouso que se sucede ao seu trabalho.”
“Sim”, respondeu um de seus anfitriões. “Nossa vida
é bem agradável. Nós só moramos aqui durante os
meses de verão e outono; no inverno o lugar fica
lúgubre, e as correntezas cheias que descem dos
precipícios põem um fim à caçada.”
“É uma vida de liberdade e diversão”, disse o conde.
“Eu gostaria muito de passar um mês como vocês.”
“Nós também encontramos trabalho para nossas
armas”, disse um homem que estava em pé atrás do
conde. “Há muitos pássaros aqui de sabor delicioso, que
se alimentam do tomilho selvagem e ervas que crescem
nos vales. Agora que estou pensando nisso, há uma
braça de pássaros pendurados na galeria de pedra; vá
buscá-los, Jacques, nós iremos temperá-los.”
O conde perguntou sobre o método de perseguir a
caça em meio aos rochedos e precipícios dessas regiões
românticas, e estava ouvindo detalhes curiosos quando
uma trombeta foi tocada no portão. Blanche olhou para
seu pai timidamente, que continuou a conversar sobre o
assunto da caça, mas cuja face expressava um tanto de
ansiedade, e quem muitas vezes voltava seus olhos para
a parte do salão mais próxima do portão. A trombeta
soou novamente e uma saudação alta se sucedeu.
“Esses são alguns de nossos companheiros voltando de
seu dia de trabalho”, disse um homem, indo de seu
assento em direção ao portão preguiçosamente; e em
alguns minutos dois homens apareceram, cada um com
uma arma em seu ombro e pistolas em seus cintos. “Que
alegria, meus amigos? Que alegria?”, disseram eles
enquanto se aproximavam. “Que sorte?”, responderam
seus companheiros. “Vocês trouxeram seu jantar para
casa? Vocês não comerão nada além disso.”
“Há! Quem diabos você trouxe para casa?”,
disseram eles em um espanhol rudimentar ao ver o
grupo do conde. “Eles são da França ou da Espanha?
Onde vocês os encontraram?”
“Eles nos encontraram e foi um encontro alegre”,
respondeu seu companheiro em Francês correto. “Este
cavalheiro e seu grupo haviam se perdido, e pediram
uma noite de alojamento no forte.” Os outros não
responderam, mas jogaram no chão um tipo de mochila e
trouxeram várias braças de pássaros. A mochila fez um
barulho pesado quando caiu no chão e o brilho de algum
metal polido lá dentro passou pelos olhos do conde, que
examinou com um olhar mais cuidadoso o homem que
segurava a mochila. Ele era uma figura alta e robusta, de
um rosto fechado, e tinha cabelos pretos curtos,
cacheados em seu pescoço. Ao invés da roupa de caça,
ele vestia um uniforme militar desbotado; as sandálias
estavam amarradas em suas pernas largas e um tipo de
calça curta caía de sua cintura. Em sua cabeça ele usava
um chapéu de couro, um pouco semelhante a um
capacete romano antigo em formato; mas as
sobrancelhas que se franziam embaixo dele teriam
caracterizado os bárbaros que conquistaram Roma, ao
invés de serem as de um soldado romano. O conde
finalmente desviou seus olhos, e ficou em silêncio,
pensativo, até que, erguendo-os novamente, viu uma
figura de pé numa parte escura do salão com o olhar fixo
e atento em St. Foix, que estava conversando com
Blanche e não via isso; mas, logo em seguida, o conde
viu o mesmo homem olhando por cima do ombro do
soldado para ele próprio da mesma forma atenciosa. Ele
desviou seu olhar quando o do conde o encontrou, o qual
sentiu a desconfiança se acumulando rapidamente em
sua mente, mas temia mostrá-la em seu rosto e,
forçando suas feições a assumirem um sorriso, dirigiu-se
a Blanche com algum assunto indiferente. Quando olhou
em volta novamente, ele percebeu que o soldado e seu
companheiro haviam ido embora.
O homem que se chamava Jacques voltou da galeria
de pedra agora. “O fogo foi aceso lá”, disse ele, “e os
pássaros estão temperando; a mesa também foi posta lá,
pois aquele lugar é mais quente do que este”.
Seus companheiros aprovaram a mudança e
chamaram seus convidados para segui-los até a galeria,
dos quais Blanche parecia estar aflita e permaneceu
sentada, e St. Foix olhou para o conde, que disse que
preferia a chama confortável do fogo que estava ali
perto. Contudo, os caçadores recomendaram o calor do
outro cômodo e insistiram em sua transferência com
tamanha cortesia aparente que o conde, em parte
duvidando e em parte temendo mostrar suas dúvidas,
consentiu em ir. As passagens longas e em ruínas
através das quais eles foram o intimidaram um pouco,
mas o trovão que retumbou agora em estrondos altos lá
em cima tornou perigoso sair desse lugar de abrigo, e ele
evitou provocar seus condutores ao mostrar que não
confiava neles. Os caçadores guiaram o caminho com um
lampião; o conde e St. Foix, que queriam agradar seus
anfitriões com alguns exemplos de familiaridade,
carregando uma cadeira cada um, e Blanche os seguiram
com passos fraquejantes. Enquanto ela passava, seu
vestido ficou preso em um prego na parede e, ela parou
para soltá-lo, um pouco cuidadosamente demais, o conde
estava conversando com St. Foix, e como nenhum dos
dois viu a circunstância, continuaram seguindo seu
condutor em volta de um ângulo abrupto na passagem,
assim Blanche foi deixada para trás na escuridão. O
trovão os impediu de ouvir o chamado dela e depois de
liberar seu vestido, ela os seguiu rapidamente pelo
caminho que eles haviam tomado, conforme pensava.
Uma luz que brilhava ao longe confirmou essa suposição
e ela prosseguiu em direção a uma porta aberta, de onde
esta vinha, supondo que o cômodo em frente fosse a
galeria de pedra da qual os homens haviam falado.
Ouvindo vozes enquanto avançava, ela pausou alguns
passos antes da sala para que pudesse ter certeza de
que estava certa, e com a luz de um lampião, que estava
pendurado no teto, observou, de lá, quatro homens
sentados ao redor de uma mesa, sobre a qual eles
estavam inclinados aparentemente em reunião. Num
deles ela distinguiu as feições daquele que ela havia
observado olhando para St. Foix com tanta atenção
profunda; e quem agora estava falando com uma voz
ansiosa, porém contida, até que, quando um de seus
companheiros pareceu se opor a ele, eles falaram juntos
em um tom alto e mais severo. Blanche, assustada ao
perceber que nem seu pai, nem St. Foix estavam lá, e
apavorada com os rostos ferozes e comportamentos
daqueles homens, estava se afastando apressadamente
da sala para procurar a galeria, quando ouviu um dos
homens dizer:
“Que toda a discussão termine aqui. Quem está
falando em perigo? Sigam meu conselho e não haverá
perigo algum; prendam eles e o resto será uma presa
fácil.” Blanche, impressionada com essas palavras,
pausou por um momento para ouvir mais. “Não há nada
a ser ganho com o descanso”, disse um de seus
companheiros, “eu nunca sou a favor de sangue quando
posso evitá-lo, dispense os outros dois e nosso trabalho
está feito; o resto pode ir”.
“Eles podem ir?”, exclamou o primeiro bandido,
praguejando tremendamente. “Para quê? Para contar que
nós demos conta de seus mestres e mandar as tropas do
rei para nos arrastar para a roda da tortura! Você sempre
foi o conselheiro escolhido, eu lhe garanto que nós ainda
não nos esquecemos da noite de São Tomás ano
passado.”
O coração de Blanche doeu de horror. Seu primeiro
impulso foi se afastar da porta, mas, quando ela deveria
ter ido embora, seu corpo trêmulo se recusou a apoiá-la
e, depois de cambalear por alguns passos até uma parte
mais obscura da passagem, ela foi compelida a escutar
os debates terríveis daqueles que, ela não podia mais
duvidar, eram bandidos. No instante seguinte ouviu as
palavras: “por que você não mata o grupo inteiro?”
“Eu lhe garanto que nossas vidas são tão boas
quanto às deles”, respondeu seu camarada. “Se nós não
os matarmos, eles irão nos enforcar. É melhor que eles
morram do que nós sermos enforcados.”
“Melhor, melhor”, exclamaram seus camaradas.
“Cometer assassinato é uma maneira esperançosa
de se escapar da forca!”, disse o primeiro bandido. “Mas,
muitos camaradas honestos enfiaram suas cabeças no
laço dessa forma.” Houve uma pausa de alguns
instantes, durante a qual eles pareciam estar pensando.
“Danem-se esses camaradas”, exclamou um dos
bandidos impacientemente. “Eles já deveriam estar aqui
a essa hora; eles vão voltar com a mesma velha história
e nenhum lucro; se estivessem aqui, nosso trabalho seria
simples e fácil. Eu estou vendo que não conseguiremos
fazer o trabalho esta noite, pois nossos números não são
iguais aos do inimigo, e de manhã eles vão querer ir
embora, e como poderemos detê-los sem usar a força?”
“Eu estive pensando num plano que vai funcionar”,
disse um de seus camaradas. “Se nós conseguirmos nos
livrar dos dois cavalheiros silenciosamente, será fácil
controlar o resto.”
“É um esquema plausível, em boa fé”, disse outro
com um sorriso de desprezo. “Se eu conseguir comer as
paredes da prisão eu estaria em liberdade! Como
poderemos nos livrar deles silenciosamente?”
“Com veneno”, responderam seus companheiros.
“Bem pensado! Isso vai funcionar”, disse o segundo
bandido. “Isso também causará uma morte lenta e irá
satisfazer minha vingança. Esses barões vão tomar
cuidado para não tentar nossa vingança novamente.”
“Eu reconheci o filho no momento em que o vi”,
disse o homem, que Blanche havia visto olhando para St.
Foix, “embora ele não me conheça; do pai eu havia
quase me esquecido.”
“Bem, você pode dizer o que quiser”, disse o
terceiro bandido, “mas eu não acredito que ele é o barão,
e tenho tantas chances de conhecê-los quanto qualquer
um de vocês, pois eu era um dos que o atacou com
nossos garotos valentes que sofreram”.
“E eu não era outro?”, disse o primeiro bandido.
“Estou lhe dizendo que ele é o barão; mas o que importa
se ele for ou não? Devemos deixar esse tesouro sair de
nossas mãos? Não é sempre que temos tanta sorte
assim. Enquanto corremos o risco de ir para a roda por
contrabandear um pouco de tabaco para fraudar a
produção do rei e de quebrar nossos pescoços nos
precipícios durante a caça de nossa comida; e de vez em
quando roubar um irmão contrabandista ou um peregrino
isolado, o que mal nos paga a pólvora que atiramos nele,
devemos deixar um prêmio desses passar? Oras, eles
têm o suficiente para nos manter por...”
“Eu não apoio isso, eu não apoio isso”, respondeu o
terceiro ladrão. “Vamos aproveitá-los ao máximo; só que,
se ele for o barão, eu gostaria de dar mais uma olhada
nele, por nossos camaradas valentes que ele levou para
a forca.”
“Sim, sim, olhe o quanto você quiser”, replicou o
primeiro homem, “mas eu lhe digo, o barão é o homem
mais alto”.
“Danem-se os seus trocadilhos”, disse o segundo
bandido. “Vamos deixá-los ir embora ou não? Se ficarmos
aqui por muito mais tempo eles vão suspeitar e marchar
para fora sem nossa permissão. Quem quer que eles
sejam, são ricos, ou por que todos esses criados? Você
viu o anel, que aquele que você diz ser o barão tinha em
seu dedo? Era um diamante; mas ele não está o usando
agora. Ele me viu olhando para ele, eu garanto, e o
tirou.”
“Sim, e também há a pintura; você viu aquilo? Ela
não a tirou”, observou o primeiro ladrão, “está
pendurada no pescoço dela; se não brilhasse tanto eu
não a teria descoberto, pois ela estava quase escondida
pelo vestido; aqueles também são diamantes e muitos
deles devem ser raros para ficarem ao redor de uma
pintura tão grande”.
“Mas como iremos fazer isso?”, disse o segundo
bandido. “Vamos falar disso, não há medo do lucro ser
pouco, mas como iremos consegui-lo?”
“Sim, sim”, disseram seus camaradas, “vamos falar
disso e lembrando que não há tempo a perder”.
“Eu ainda sou a favor de veneno”, observou o
terceiro, “mas considere o número deles; oras, há nove
ou dez deles, e também estão armados; quando eu vi
tantos assim no portão eu não quis deixá-los entrar, e
você também não”.
“Eu pensei que eles pudessem ser alguns de nossos
inimigos”, respondeu o segundo, “eu não me importei
muito com os números”.
“Mas você deve se preocupar com eles agora”,
replicou seu camarada, “ou será pior para você. Nós não
somos mais de seis, e como poderemos vencer dez
através de conflito aberto? Eu lhe digo, temos que dar
uma dose para alguns deles, e então o restante poderá
ser controlado”.
“Eu lhe direi uma forma melhor”, replicou o outro
impacientemente, “aproxime-se”.
Blanche, que havia escutado essa conversa numa
agonia que seria impossível de descrever, não conseguiu
mais distinguir o que era dito, pois agora os bandidos
falavam numa voz mais baixa; mas a esperança de que
ela poderia salvar seus amigos do plano, se conseguisse
encontrar o caminho até eles rapidamente, reanimou sua
disposição subitamente e a emprestou força o bastante
para voltar seus passos em busca da galeria. Contudo, o
pavor e a escuridão conspiravam contra ela e, tendo
andado por algumas jardas, a luz fraca que vinha do
cômodo nem mesmo lutava contra a escuridão mais e,
quando seu pé tropeçou sobre um lance de escadas que
atravessava a passagem, ela caiu no chão.
O barulho agitou os bandidos, que ficaram em
silêncio de repente, e então todos eles correram para a
passagem para ver se havia alguém lá que pudesse ter
ouvido as suas ideias. Blanche os viu se aproximando e
reparou em seus olhares ferozes e ansiosos, mas, antes
que ela pudesse se levantar, eles a viram e a pegaram,
e, enquanto a arrastavam em direção ao cômodo do qual
tinham saído, os gritos dela resultaram em ameaças
terríveis deles.
Tendo chegado ao quarto, eles começaram a
debater o que deveriam fazer com ela. “Primeiro vamos
descobrir o que ela ouviu”, disse o ladrão chefe. “Há
quanto tempo você estava na passagem, Lady, e o que
lhe trouxe aqui?”
“Primeiro vamos pegar aquela pintura”, disse um de
seus camaradas, se aproximando da trêmula Blanche.
“Bela Lady, com a sua licença essa pintura é minha;
vamos, dá-me, ou eu irei tomá-la.”
Blanche, implorando pela misericórdia deles,
entregou a miniatura imediatamente, enquanto outro
bandido a interrogou intensamente, quanto ao que ela
havia ouvido da conversa deles, quando, com a confusão
e o pavor dela os dizendo claramente o que sua língua
temia confessar, os bandidos olharam uns para os outros
expressivamente e dois deles foram para uma parte mais
distante do quarto, como se fossem debater mais.
“Isso são diamantes, por São Pedro!”, exclamou o
camarada que estava examinando a miniatura, “e é uma
pintura muito bonita também, verdade; um jovem
cavalheiro tão bonito, assim como você gostaria de ver
sob o sol do verão. Lady, esse é o seu marido, eu
garanto, pois ele tem o brilho daquele que estava em sua
companhia agora mesmo”.
Blanche, morrendo de medo, suplicou-lhe que
tivesse piedade dela e, entregando-lhe sua bolsa,
prometeu não contar nada do que se passou se ele a
deixasse voltar para seus amigos.
Ele sorriu ironicamente e estava prestes a
responder, quando sua atenção foi tomada por um
barulho distante; enquanto escutava, ele segurou o braço
de Blanche mais firmemente, como se tivesse medo de
que ela escapasse dele, e ela gritou pedindo ajuda
novamente.
Os sons se aproximando trouxeram os bandidos da
outra parte do quarto. “Nós fomos descobertos”,
disseram eles; “mas, vamos escutar por um instante,
talvez sejam só nossos camaradas chegando das
montanhas, e se for isso, nosso plano será garantido.
Escutem!”
Um disparo distante confirmou essa suposição por
um momento, mas, no instante seguinte, os sons
anteriores ficaram ainda mais próximos, a colisão de
espadas misturada às vozes altas da briga e grunhidos
fortes foram distinguidos no corredor levando até o
quarto. Enquanto os bandidos preparavam suas armas,
eles ouviram seus nomes serem chamados por alguns de
seus camaradas lá longe, então uma trombeta estridente
foi tocada fora da fortaleza, um sinal, ao que parecia, que
eles entenderam muito bem; pois três deles, deixando
Lady Blanche aos cuidados do quarto, correram do
quarto imediatamente.
Enquanto Blanche, tremendo e quase desmaiando,
suplicava para ser libertada, ouviu, em meio ao tumulto
que se aproximava, a voz de St. Foix, ela mal tinha
começado a gritar de novo, quando a porta do quarto foi
escancarada e ele apareceu, desfigurado com sangue e
sendo perseguido por vários bandidos. Blanche não via
nem ouvia mais; sua cabeça estava girando, sua visão
falhando e ela perdeu os sentidos nos braços do homem
que a havia prendido.
Quando se recuperou, ela viu que estava no mesmo
quarto através da luz obscura que tremia ao seu redor,
mas nem o conde, nem St. Foix, nem qualquer outra
pessoa aparecia, e ela continuou completamente parada
por algum tempo, quase num estado de estupefação.
Mas, quando as imagens apavorantes do passado
voltaram, ela tentou se levantar para poder procurar
seus amigos, quando um grunhido um, pouco ao longe,
lembrou-a de St. Foix e da condição na qual ela tinha o
visto entrar neste quarto; então, levantando-se do chão
agitadamente com um esforço repentino de pavor,
avançou até o local de onde o som havia vindo, onde um
corpo estava deitado no chão e onde, através da luz
brilhante de um lampião, ela viu o rosto pálido e
desfigurado de St. Foix. Seu horror naquele momento
pode ser facilmente imaginado. Ele estava calado; seus
olhos estavam parcialmente fechados e, na mão que ela
segurava, na agonia do desespero, havia uma umidade
fria. Enquanto ela repetia o seu nome em vão e pedia
ajuda, passos se aproximaram e uma pessoa entrou no
quarto, quem ela logo percebeu que não era o conde,
seu pai; mas qual foi o espanto dela quando, ao suplicá-
lo que ele desse sua assistência a St. Foix, ela viu
Ludovico! Ele mal parou para reconhecê-la, mas atou os
ferimentos do cavalheiro imediatamente e, vendo que
ele provavelmente havia desmaiado pela perda de
sangue, correu para buscar água; mas havia ficado
ausente por apenas alguns instantes quando Blanche
ouviu outros passos se aproximando e, enquanto ela
ficou quase frenética de medo dos bandidos, a luz de
uma tocha brilhou nas paredes e então o Conde De
Villefort apareceu, com um rosto assustado, e sem fôlego
de tanta impaciência chamando sua filha. Com o som da
sua voz ela se levantou e correu para seus braços,
enquanto ele, deixando cair a espada ensanguentada
que carregava, apertou-a contra seu peito num êxtase de
gratidão e felicidade, então perguntou por St. Foix
apressadamente, que dava alguns sinais de vida agora.
Quando Ludovico voltou, logo em seguida, com água e
conhaque, a primeira foi colocada nos lábios dele e o
último foi aplicado em suas têmporas e suas mãos,
Blanche finalmente o viu abrir os olhos, e o ouviu
perguntar por ela; mas a alegria que ela sentiu nessa
ocasião foi interrompida por novas preocupações,
quando Ludovico disse que seria necessário levar
Monsieur St. Foix dali imediatamente, e acrescentou: “os
bandidos que estão fora, meu Lorde, eram esperados em
casa há uma hora atrás, e eles nos encontrarão, se
demorarmos. Eles sabem que a trombeta estridente
nunca é tocada por seus camaradas, a não ser em
ocasiões extremamente desesperadoras, e ela ecoa
pelas montanhas por muitas milhas. Eu soube que eles já
voltaram para casa do Pied de Melicant por causa dela.
Alguém está de vigia no portão principal, meu Lorde?”
“Ninguém”, respondeu o conde. “O resto do meu
pessoal está espalhado por aí, eu mal sei onde. Vá,
Ludovico, reúna eles, tome cuidado, e fique escutando
para ouvir os cascos das mulas.”
Então, Ludovico foi correndo e o conde debateu a
melhor maneira de mover St. Foix, que não poderia
aguentar o movimento de uma mula, mesmo que a sua
força o segurasse na sela.
Enquanto o conde estava contando que os bandidos,
que eles haviam encontrado no forte, estavam presos na
masmorra, Blanche viu que ele estava ferido e que seu
braço esquerdo estava completamente sem movimento;
mas, ele sorriu para a ansiedade dela, a garantiu que o
ferimento não era sério.
Os criados do conde apareceram, exceto por dois
que continuaram vigiando o portão, e logo em seguida
veio Ludovico. “Eu acho que ouvi mulas passando pelo
vale, meu Lorde”, disse ele, “mas o barulho da
correnteza lá embaixo não me deixou ter certeza;
contudo, eu trouxe o que vai ajudar o cavalheiro”, ele
acrescentou, mostrando uma pele de urso presa a dois
postes longos, que havia sido adaptada para trazer para
casa os bandidos que se ferissem em seus combates.
Ludovico a esticou no chão e, colocando peles de várias
cabras sobre ela, fez um tipo de cama sobre a qual o
cavalheiro, que agora estava bem acordado, foi
levantando gentilmente; e quando os postes foram
colocados nos ombros dos guias, cujo conhecimento
terrestre desses precipícios era o mais confiável, ele foi
levado com um movimento calmo. Alguns dos criados do
conde também estavam feridos, mas não
profundamente, e quando suas feridas haviam sido
atadas, eles seguiram para o portão principal. Enquanto
passavam ao longo do corredor, um tumulto foi ouvido
ao longe e Blanche ficou apavorada. “São só aqueles
vilões na masmorra, minha Lady”, disse Ludovico. “Eles
parecem estar tentando arrebentá-la”, disse o conde.
“Não, meu Lorde”, respondeu Ludovico, “ela tem uma
porta de ferro; nós não temos nada a temer deles; mas
deixe-me ir à frente e olhar do adarve”.
Eles o seguiram rapidamente e encontraram suas
mulas explorando na frente do portão, onde o grupo
escutou ansiosamente, mas não ouviu som algum,
exceto aquele da correnteza abaixo e da brisa da manhã,
suspirando em meio aos galhos do antigo carvalho que
crescia no pátio; ficaram contentes ao ver as primeiras
cores do nascer do sol sobre os picos das montanhas.
Quando tinham montado em suas mulas, Ludovico,
tomando a função de ser o guia deles, guiou-os pelo vale
por um caminho mais fácil do que aquele pelo qual eles
subiram antes. “Devemos evitar aquele vale no leste,
meu Lorde”, disse ele, “ou podemos encontrar os
bandidos; eles foram naquela direção de manhã”.
Logo em seguida, os viajantes deixaram esse vale e
se encontraram numa depressão estreita, que se
estendia na direção noroeste. A luz da manhã se
intensificou rapidamente sobre as montanhas, e revelou,
gradualmente, os montes verdes que rodeavam os pés
sinuosos das montanhas, coroados com sobreiros e
azinheiras. Quando as nuvens de tempestade se
dispersaram, elas deixaram o céu perfeitamente sereno
e Blanche ficou revivida com a brisa fresca e a visão do
verde, que a chuva recente havia acentuado. Logo em
seguida, o sol se levantou, quando os rochedos
gotejantes, com os arbustos que contornavam seus picos
e muitas encostas de relva abaixo, brilharam com seus
raios. Uma espiral de névoa foi vista flutuando ao longo
da extremidade do vale, mas a ventania a trouxe para
frente dos viajantes e os raios de sol, gradualmente,
levaram-na para cima, em direção aos topos das
montanhas. Eles haviam prosseguido por mais ou menos
uma légua quando, depois de St. Foix se queixar de
fadiga extrema, eles pararam para dar-lhe algum
refresco, e para que os homens que o carregavam
descansassem. Ludovico havia trazido algumas garrafas
de um caro vinho espanhol do forte, que se provou ser
um tônico renovador não só para St. Foix, mas para o
grupo todo, apesar de só ter dado um alívio temporário a
ele, pois isso alimentou a febre que queimava em suas
veias, e ele não conseguiu nem disfarçar a dor que
sentia, ou reprimir o desejo de que já tivesse chegado à
hospedaria, onde eles haviam planejado passar a noite
seguinte.
Enquanto descansavam sob a sombra dos pinheiros
verde-escuros, o conde pediu que Ludovico explicasse
brevemente através de quais meios ele havia
desaparecido do aposento norte, como ele caiu nas mãos
dos bandidos, e como tinha sido uma ajuda essencial
para salvar a ele e a sua família, pois o conde atribuiu a
sua escapatória atual a ele com justiça. Ludovico ia
obedecê-lo, quando de repente eles ouviram o eco do tiro
de uma pistola vindo do caminho que haviam tomado e
se levantaram assustados, correndo para continuar seu
caminho.
CAPÍTULO XIII

Ah, por que o destino seduziu seus passos,


Para percorrer caminhos turbulentos,
Longe de toda a felicidade congenial!
BEATTIE [ 5 7 ]

Enquanto isso, Emily ainda sofria com ansiedade


pelo destino de Valancourt; mas, quando Theresa,
finalmente, encontrou uma pessoa a quem pôde confiar
sua missão com o mordomo, ela a informou de que o
mensageiro voltaria no dia seguinte; e Emily prometeu
vir ao chalé, já que Theresa estava muito cansada para
visitá-la.
Portanto, à noite, Emily foi até o chalé, sozinha, com
um pressentimento melancólico sobre Valancourt,
contudo, a escuridão da hora talvez estivesse
contribuindo para deprimir sua disposição. Era uma noite
cinzenta de outono perto do fim da estação; névoas
densas cobriam as montanhas parcialmente e uma brisa
arrepiante, que suspirava entre os bosques de faias,
espalhava algumas de suas últimas folhas amarelas pelo
caminho. Estas, circulando na rajada de vento e
prevendo o fim do ano, causavam uma imagem de
desolação à sua mente e, em sua imaginação, pareciam
anunciar a morte de Valancourt. De fato, ela teve um
pressentimento disso mais de uma vez, tão forte que
estava a ponto de voltar para casa se sentindo
despreparada para um encontro com a certeza que ela
antecipava. Porém, lutando contra suas emoções, ela as
controlou o bastante para conseguir prosseguir.
À medida que caminhava tristemente,
contemplando os volumes longos de névoa que jorravam
do céu, e observando as andorinhas sacudidas com o
vento, desaparecendo em meio às nuvens de
tempestade, e emergindo por um instante em círculos no
ar mais calmo, as aflições e as mudanças de sua vida
pareciam estar retratadas nessas imagens inconstantes.
Assim, ela foi jogada num mar tempestuoso de
desgraças do último ano, com apenas intervalos breves
de paz, se de paz podia-se chamá-los, que eram apenas
o retardo de males. E agora, quando ela tinha escapado
de tantos perigos, havia se tornado independente dos
desejos daqueles que a oprimiram, e se encontrava como
a dona de uma grande fortuna, agora, quando ela
poderia racionalmente esperar a felicidade, via que isso
estava tão distante dela como sempre. Ela teria se
acusado de fraqueza e ingratidão ao deixar que a noção
das muitas bênçãos que ela tinha fosse superada por
uma única desgraça desse jeito, se essa desventura só
afetasse a ela mesma; mas, quando ela havia chorado
por Valancourt, mesmo estando vivo, lágrimas de
compaixão se misturaram àquelas do arrependimento, e
enquanto ela lamentava um ser humano degradado ao
vício, e consequentemente à miséria, a razão e a
humanidade reivindicaram essas lágrimas e a fortaleza
ainda não tinha a ensinado a separá-las das de amor.
Contudo, nos momentos presentes, não era a certeza da
culpa dele, mas o medo pela sua morte (uma morte na
qual, além disso, ela parecia ter sido instrumental até
certo ponto, apesar do quão inocentemente isso tenha
sido) que a oprimia. Esse medo aumentou conforme os
meios de ter certeza quanto a isso se aproximavam; e
quando viu o chalé de Theresa, ficou tão desorientada e
sua resolução falhou tão completamente que, incapaz de
ir em frente, sentou-se numa encosta ao lado do
caminho; onde, enquanto estava sentada, o vento que
gemia carrancudamente entre os galhos altos acima
parecia trazer sons distantes de lamentação para sua
imaginação, e nas pausas da rajada, ela pensou que
ainda ouvia as notas de aflição baixas e distantes. A
atenção a convenceu de que aquilo não era mais do que
a imaginação; mas, a escuridão que aumentava,
parecendo terminar o dia repentinamente, logo a alertou
para ir e, com passos vacilantes, ela foi em direção ao
chalé. Através da janela aparecia a chama alegre de um
fogo de chão e Theresa, que havia visto Emily se
aproximar, já estava na porta para recebê-la.
“É uma noite fria, Madame”, disse ela,
“tempestades estão se aproximando e eu achei que você
fosse gostar de uma fogueira. Fique nesta cadeira perto
da lareira”.
Emily, agradecendo-a por essa consideração,
sentou-se e então, ao olhar para o rosto dela, no qual a
fogueira lançava um brilho, ficou impressionada com a
sua expressão e, sem conseguir falar, recostou em sua
cadeira com um rosto tão cheio de aflição que Theresa
compreendeu a razão disso, imediatamente, mas
permaneceu em silêncio. “Ah!”, disse Emily, finalmente,
“não é necessário que eu pergunte o resultado de sua
procura, o seu silêncio e esse olhar explicam
suficientemente... ele está morto!”
“Ah! Minha querida senhorinha”, respondeu Theresa,
enquanto lágrimas enchiam seus olhos, “esse mundo é
feito de problemas! Os ricos têm a sua porção assim
como os pobres! Mas nós todos devemos tentar aguentar
o que o Céu deseja”.
“Então ele está mesmo morto!”, interrompeu Emily.
“Valancourt está morto!”
“Oh, céus! Eu temo que ele esteja”, respondeu
Theresa.
“Você teme!”, disse Emily. “Você só teme?”
“Ah! Sim, Madame, eu temo que ele esteja! Nem o
mordomo, nem ninguém da família Epourville teve
notícias dele desde que saiu de Languedoc, e o conde
está muito aflito sobre ele, pois diz que sempre foi
pontual em escrever, mas que não havia recebido uma
linha dele desde que deixou Languedoc; ele marcou de
estar em casa três semanas atrás, mas nem veio, nem
escreveu, e eles estão com medo de que algum acidente
tenha lhe acontecido. Ah! Imagine eu viver para lamentar
a morte dele! Eu sou velha e poderia morrer sem que
sentissem minha falta, mas ele...” Emily se sentiu fraca e
pediu um pouco de água, e Theresa, assustada com a
voz dela, correu para ajudá-la e, enquanto segurava a
água perto dos lábios de Emily, continuou: “minha
querida jovem senhora, não se deixe ficar tão afetada; o
cavalheiro pode estar vivo e bem apesar de tudo; vamos
esperar pelo melhor!”
“Oh não! Eu não posso ter esperanças”, disse Emily,
“eu sei de circunstâncias que não me deixam ter
esperança. Eu estou um pouco melhor agora e consigo
ouvir o que você tem a dizer. Eu lhe peço, conte-me os
particulares do que você sabe”.
“Espere até que você esteja um pouco melhor,
Mademoiselle, você parece tão triste!”
“Oh, não, Theresa, conte-me tudo enquanto eu
ainda tenho o poder de ouvi-la”, disse Emily, “conte-me
tudo, eu lhe imploro!”
“Bem, Madame, então eu vou lhe contar; mas o
mordomo não falou muita coisa, pois Richard disse que
ele parecia constrangido em falar sobre Monsieur
Valancourt, e o que ele soube foi de Gabriel, um dos
criados, que disse que ouviu isso do criado de meu
Lorde.”
“O que ele ouviu?”, disse Emily.
“Oras, Madame, Richard tem uma memória ruim e
não conseguiu se lembrar de metade, e se eu não o
tivesse feito muitas perguntas, eu realmente teria
descoberto muito pouco. Mas, ele falou que Gabriel disse,
que ele mesmo e todos os outros criados estavam muito
preocupados com o M. Valancourt, pois ele era um jovem
cavalheiro tão bondoso, todos eles o amavam como se
ele fosse um irmão deles... e pensar no que pode ter lhe
acontecido! Pois, costumava ser tão cortês com todos e,
se algum deles fosse culpado de algo, M. Valancourt era
o primeiro a convencer meu Lorde a perdoá-los. Então, se
alguma família pobre estivesse com problemas, M.
Valancourt também era o primeiro a ajudá-los, apesar de
outros camaradas não muito longe poderem ajudar muito
mais do que ele. Logo, disse Gabriel, ele era tão gentil
com todo mundo e, mesmo com aquele olhar nobre que
tinha, nunca comandava ou ordenava aqueles à sua
volta, como algumas pessoas de qualidade fazem, e nós
nunca gostamos menos dele por isso. Não, disse Gabriel,
isso nos fazia gostar ainda mais dele, e nós todos
corríamos para obedecê-lo com uma palavra, mais rápido
do que se algumas pessoas nos ordenassem algo
completamente; sim, e também tínhamos mais medo de
desagradar a ele do que a aqueles que usavam palavras
grosseiras conosco.”
Emily, que não achava mais que era perigoso
escutar elogios dados a Valancourt, não tentou
interromper Theresa, mas ficou sentada, atenta às suas
palavras, embora estivesse quase sobrecarregada de
sofrimento. “O meu Lorde”, continuou Theresa, “fica
atormentado por causa de M. Valancourt, e mais ainda
porque, dizem eles que ele tem sido um tanto duro com
ele ultimamente. Gabriel disse que ele soube do criado
de meu Lorde que M. Valancourt se comportou de
maneira selvagem em Paris e gastou muito dinheiro,
muito mais do que meu Lorde gostaria, pois ele ama o
dinheiro mais do que ama M. Valancourt, que
infelizmente foi desvirtuado. Não, quanto a isso, M.
Valancourt foi posto na prisão em Paris e meu Lorde,
Gabriel disse, se recusou a libertá-lo e disse que ele
merecia sofrer; e quando o velho Gregoire, o mordomo,
soube disso, ele comprou uma bengala para levar
consigo até Paris para visitar seu jovem mestre. Oh, foi
um dia feliz quando ele foi; mas infelizmente ele estava
mudado e meu Lorde o tratou muito friamente, ele ficou
muito triste mesmo. E, logo depois, foi para Languedoc
novamente e, desde aquela época, nós nunca mais o
vimos.”
Theresa pausou e Emily, suspirando profundamente,
permaneceu com seus olhos fixos no chão sem falar.
Após uma pausa longa, ela perguntou o que mais
Theresa tinha ouvido. “Mas, por que eu deveria
perguntar?”, ela acrescentou. “O que você já disse foi
demais. Oh, Valancourt! Você se foi... se foi para sempre!
E eu... eu lhe matei!” Essas palavras e a expressão de
desespero que a as acompanhou assustaram Theresa,
que começou a temer que o choque das informações que
Emily tinha acabado de receber tivesse afetado seu
senso. “Minha querida senhorinha, se recomponha”,
disse ela, “e não fale palavras tão apavorantes. Você
matar M. Valancourt... meu coração!” Emily só respondeu
com um suspiro profundo.
“Querida Lady, parte o meu coração lhe ver assim”,
disse Theresa, “não fique com seus olhos fixos no chão e
tão pálida e melancólica; está me assustando lhe ver
assim.” Emily ainda permaneceu calada e parecia não
ouvir nada do que era dito a ela. “Além disso,
Mademoiselle”, continuou Theresa, “M. Valancourt ainda
pode estar vivo e feliz, pelo que nós sabemos.”
Com a menção do nome dele Emily ergueu seus
olhos e os fixou em Theresa com um olhar selvagem,
como se ela estivesse se esforçando para compreender o
que foi dito. “Sim, minha querida Lady”, disse Theresa,
entendendo errado o significado desse ar de
consideração: “M. Valancourt ainda pode estar vivo e
feliz.”
Com a repetição dessas palavras, Emily
compreendeu sua implicação, mas ao invés de
produzirem o efeito desejado, elas só pareciam acentuar
a sua aflição. Ela se levantou de sua cadeira
apressadamente, andou pela sala pequena com passos
rápidos e, suspirando profundamente muitas vezes,
juntou suas mãos e estremeceu.
Enquanto isso, Theresa, com uma afeição simples,
porém honesta, empenhou-se em reconfortá-la. Colocou
mais lenha no fogo, mexeu nele para aumentar a chama,
varreu a lareira, colocou a cadeira que Emily havia
deixado numa posição mais quente, e então tirou de um
armário uma garrafa de vinho. “É uma noite de
tempestade, Madame”, disse ela, “e o vento está frio...
venha para mais perto do fogo e tome uma taça desse
vinho; vai lhe confortar, assim como fez comigo muitas e
muitas vezes, pois esse não é um vinho que uma pessoa
consegue todo dia; é um Languedoc rico, e o último de
seis garrafas que M. Valancourt me enviou na noite antes
de sair da Gasconha para Paris. Eles me serviram de
tônicos desde então e eu nunca o bebo, mas penso nele
e nas palavras bondosas que ele me disse quando os deu
para mim. ‘Theresa, disse ele, você não é jovem e
deveria tomar uma taça de vinho de vez em quando. Eu
vou lhe enviar algumas garrafas e, quando você provar
deles, você se lembrará de mim, seu amigo, algumas
vezes’. Sim... essas foram as palavras exatas dele... de
mim, seu amigo!” Emily continuava andando pela sala,
sem parecer ouvir o que Theresa dizia, que continuava
falando. “E eu me lembrei dele muitas vezes, pobre
jovem cavalheiro! Pois ele me deu esse teto de abrigo e
isso que tem me amparado. Ah! Ele está no céu com o
meu mestre abençoado, se já existiu um santo!”
A voz de Theresa fraquejou; ela chorou e colocou a
garrafa de lado, incapaz de servir o vinho. Seu pesar
pareceu despertar Emily do seu próprio, que foi em
direção a ela, mas então parou e, tendo olhado para ela
por um instante, virou-se repentinamente, como se
estivesse atormentada pela reflexão de que era
Valancourt a quem Theresa estava lamentando.
Enquanto ela ainda andava pela sala, a nota calma e
suave de um oboé, ou de uma flauta, foi ouvida se
misturando à ventania, a doçura do qual comoveu o
espírito de Emily; ela parou por um momento em
atenção; os tons ternos, que aumentavam com o vento e
que se perdiam novamente com a rajada mais rude,
vinham com uma tristeza que tocou o seu coração e ela
se derreteu em lágrimas.
“Sim”, disse Theresa enxugando seus olhos, “lá está
Richard, filho de nosso vizinho, tocando o oboé; é triste
demais ouvir essa música tão doce agora.” Emily
continuou a chorar sem responder. “Ele toca à noite
frequentemente”, acrescentou Theresa, “e às vezes os
jovens dançam ao som do oboé dele. Mas, querida Lady!
Não chore assim; e por favor, tome uma taça desse
vinho”, continuou ela, servindo uma taça e a entregando
a Emily, que a pegou relutantemente.
“Prove ele pelo bem de M. Valancourt”, disse
Theresa enquanto Emily levava a taça aos lábios, “pois
ele o deu para mim, você sabe, Madame.” A mão de
Emily tremeu e ela derramou o vinho quando o tirou de
seus lábios. “Pelo bem de quem! Quem lhe deu o
vinho?”, perguntou ela com uma voz fraquejante. “M.
Valancourt, querida Lady. Eu sabia que você gostaria
dele. É a última garrafa que eu tenho.”
Emily colocou o vinho na mesa e se debulhou em
lágrimas, enquanto Theresa, desapontada e preocupada,
tentava consolá-la; mas ela só balançava sua mão, pedia
que fosse deixada sozinha e chorava mais.
Uma batida na porta do chalé impediu que Theresa
obedecesse a sua senhora imediatamente e ela estava
indo abri-la quando Emily, parando-a, pediu que ela não
deixasse ninguém entrar; mas, lembrando-se em seguida
que ela tinha ordenado que seu criado a acompanhasse
até a casa, ela disse que era apenas Philippe e se
esforçou para restringir suas lágrimas enquanto Theresa
abria a porta.
A voz que falou lá fora chamou a atenção de Emily.
Ela escutou, voltou seus olhos para a porta quando a
pessoa apareceu e imediatamente um brilho forte que
vinha do fogo revelou Valancourt!
Ao vê-lo, Emily se levantou de sua cadeira agitada,
tremeu e, ao cair nela novamente, ficou inconsciente de
tudo ao seu redor.
Um grito de Theresa mostrou que agora ela sabia
que era Valancourt, que a sua visão imperfeita e a
escuridão do local a preveniram de reconhecê-lo
imediatamente; mas a atenção dele imediatamente se
voltou dela para a pessoa que ele viu caindo de uma
cadeira perto do fogo; e correndo para ajudá-la, ele viu
que estava segurando Emily! As várias emoções que o
atacaram ao se encontrar com ela tão inesperadamente
assim, de quem ele achava que havia se despedido para
sempre, e ao segurar a forma pálida e sem vida dela em
seus braços, talvez possam ser imaginadas, apesar delas
não poderem ser expressadas no momento, ou descritas
agora mais do que as sensações de Emily, quando
finalmente ela abriu seus olhos e, ao olhar para cima, viu
Valancourt novamente. A ansiedade intensa com a qual
ele olhava para ela mudou instantaneamente para uma
expressão mista de alegria e ternura, quando os olhos
dele encontraram os dela e ele viu que ela estava
revivendo. Mas, ele só conseguiu exclamar: “Emily!”,
enquanto observava a recuperação dela em silêncio,
quando ela desviou seu olhar e tentou retirar sua mão
fracamente; mas nesses primeiros momentos que se
sucederam às dores que a suposta morte dele lhe
causaram, ela se esqueceu de toda culpa que havia
causado indignação antes, e ao ver Valancourt da mesma
forma como quando ele conquistou a afeição dela no
início, ela só experimentou emoções de ternura e alegria.
Ah, mas isto só foi o raio de sol de alguns momentos
breves; memórias vieram como nuvens na mente dela e,
escurecendo a imagem ilusória que a possuía, ela viu
Valancourt degradado novamente: Valancourt indigno da
estima e ternura que ela havia dado a ele outrora; a
disposição dela fraquejou e, puxando sua mão de volta,
virou-se para esconder sua tristeza, enquanto ele, ainda
mais constrangido e agitado, continuou em silêncio.
Uma noção do que ela devia a si mesma reprimiu
suas lágrimas e logo a ensinou a superar, até certo
ponto, as emoções mistas de alegria e dor que lutavam
em seu coração, quando levantou e, tendo o agradecido
pela assistência que lhe prestou, deu boa-noite para
Theresa. Quando ela estava saindo do chalé, Valancourt,
que parecia ter despertado de um sonho de repente,
implorou pela atenção dela por alguns instantes, numa
voz que argumentava por compaixão poderosamente.
Talvez o coração de Emily argumentasse tão
poderosamente quanto, mas ela teve resolução o
bastante para resistir a ambos, juntamente com os
pedidos clamorosos de Theresa para que ela não fosse
para casa sozinha no escuro, e ela já tinha aberto a porta
do chalé quando a tempestade forte a forçou a obedecer
aos pedidos deles.
Calada e envergonhada, ela voltou para a lareira
enquanto Valancourt, com sua agitação aumentando,
andava pela sala, como se quisesse, porém temesse
falar, e Theresa expressou sem restrições a sua alegria e
surpresa ao vê-lo.
“Meu coração! Senhor”, disse ela, “eu nunca fiquei
tão surpresa e tão cheia de alegria em minha vida. Nós
estávamos numa aflição enorme antes de você chegar,
pois pensávamos que você estivesse morto e estávamos
conversando e lamentando por você, bem quando você
bateu na porta. Minha senhorinha aqui estava chorando,
pronta para ter seu coração partido...”
Emily olhou para Theresa muito descontente, mas
antes que ela pudesse falar, Valancourt, incapaz de
reprimir a emoção que a revelação imprudente de
Theresa havia causado, exclamou: “oh, minha Emily!
Então eu ainda sou querido por você! Você me honrou
mesmo com um pensamento... uma lágrima? Oh céus!
Você está chorando... você está chorando!”
“A Theresa, senhor”, disse Emily com um ar
reservado e tentando vencer suas lágrimas, “tem
motivos para se lembrar de você com gratidão e estava
preocupada, pois não teve notícias de você
recentemente. Permita-me lhe agradecer pela bondade
que você mostrou para com ela e dizer que, já que eu
voltei, não precisa mais ficar endividada com você”.
“Emily”, disse Valancourt, não controlando mais
suas emoções, “é assim que você encontra aquele, que
você outrora pretendia honrar com a sua mão... é assim
que você encontra aquele que lhe amou... que sofreu por
você? Mas, o que eu estou dizendo? Perdoe-me, perdoe-
me, Mademoiselle St. Aubert, eu não sei o que digo. Eu
não tenho mais nenhum direito sobre as suas
lembranças... eu perdi todas as pretensões à sua estima,
ao seu amor. Sim! Não deixe que eu me esqueça que
outrora eu tinha as suas afeições, embora saber que eu
as perdi seja a minha aflição mais severa. Aflição... eu
chamo disso! Esse é um termo brando.”
“Meu coração!” disse Theresa impedindo que Emily
respondesse, “falar de ter tido as afeições dela outrora!
Oras, minha querida Lady lhe ama agora mais do que a
qualquer outra pessoa no mundo, apesar dela tentar
negar isso.”
“Isto é insuportável!”, disse Emily; “Theresa, você
não sabe o que está dizendo. Senhor, se você respeita a
minha tranquilidade, você me poupará da continuação
desse tormento”.
“Eu respeito a sua tranquilidade demais para
interrompê-la voluntariamente”, respondeu Valancourt,
em cujo seio o orgulho lutava com a ternura; “e não serei
um intruso voluntário. Eu teria lhe pedido alguns
momentos da sua atenção, mas não sei com qual
propósito. Você parou de me estimar, e lhe contar dos
meus sofrimentos só me degradará mais, sem conseguir
nem mesmo a sua pena. Mas eu estive, oh Emily, eu
estou tão miserável!”, acrescentou Valancourt numa voz
que foi suavizada da solenidade para a dor.
“O quê! Meu jovem mestre vai sair com essa chuva
toda!”, disse Theresa. “Não, ele não deverá se mover um
passo. Ai, ai, e pensar como esses nobres conseguem
jogar fora a sua felicidade! Agora, se vocês fossem
pobres, não haveria nada disso. Falar de não ser digno e
de não se importar mais um com o outro, quando eu sei
que não há uma Lady e um cavalheiro de corações tão
bondosos em toda a província, ou que se amem tanto, se
a verdade for dita!”
Emily se levantou de sua cadeira agora com
aborrecimento extremo: “Eu devo ir embora”, disse ela,
“a tempestade passou”.
“Fique, Emily, fique, Mademoiselle St. Aubert!”,
disse Valancourt conjurando toda a sua resolução. “Eu
não lhe atormentarei mais com a minha presença.
Perdoe-me por não ter lhe obedecido antes e, se você
puder, sinta pena algumas vezes daquele que ao lhe
perder... perdeu toda a esperança de ter paz! Que você
seja feliz, Emily, apesar do quão miserável eu continuarei
sendo, seja feliz como o meu desejo mais carinhoso quer
que você seja!”
A voz dele fraquejou com as últimas palavras e seu
rosto mudou quando, com um olhar de ternura e tristeza
inefáveis, ele a contemplou por um instante e saiu do
chalé.
“Meu coração! Meu coração!”, gritou Theresa
seguindo-o até a porta. “Oras, Monsieur Valancourt!
Como está chovendo! Que noite para colocá-lo para fora!
Oras, isso vai causar a morte dele; e foi agora mesmo
que você estava chorando, Mademoiselle, porque ele
estava morto. Bom! Jovens damas mudam de ideia em
um minuto, como se pode dizer!”
Emily não respondeu, pois ela não ouviu o que foi
dito enquanto, perdida em pensamento e em tristeza, ela
permaneceu sentada em sua cadeira perto da lareira,
com seus olhos fixos e a imagem de Valancourt ainda
diante deles.
“M. Valancourt está mudado infelizmente! Madame”,
disse Theresa; “ele parece tão mais magro do que era, e
tão melancólico, e ele está com seu braço em uma
tipoia.”
Emily ergueu seus olhos com essas palavras, pois
ela não havia percebido essa última circunstância e
agora ela não tinha dúvidas de que Valancourt havia
recebido o tiro de seu jardineiro em Toulouse; com essa
convicção a pena dele voltou, e ela se culpou por tê-lo
feito sair do chalé durante a tempestade.
Logo em seguida, seus criados chegaram com a
carruagem e, tendo censurado Theresa por sua conversa
descuidada com Valancourt, ordenou-lhe severamente
que nunca mais desse indicações do mesmo tipo para
ele, Emily foi embora para sua casa, pensativa e
inconsolável.
Enquanto isso, Valancourt havia voltado para uma
pequena hospedaria do vilarejo, onde havia chego
apenas alguns momentos antes de sua visita ao chalé de
Theresa, no caminho de Toulouse até o castelo do Conde
de Duvarnye, onde ele não tinha ido desde que deu
adeus a Emily em Chateau-le-Blanc, na vizinhança do
qual ele havia se demorado por um tempo considerável,
incapaz de atingir a resolução suficiente para sair de um
lugar que continha aquilo que era mais querido pelo seu
coração. De fato, havia momentos quando a tristeza e o
desespero o incitavam a aparecer diante de Emily
novamente e, apesar de suas circunstâncias arruinadas,
renovar o pedido pela mão dela. Contudo, o orgulho e a
ternura de sua afeição, a qual não conseguia mais
aguentar a ideia de envolvê-la em suas desgraças,
finalmente triunfou sobre a paixão, e ele desistiu de seu
plano desesperado e deixou Chateau-le-Blanc. Mas, sua
mente ainda passeava pelas cenas que testemunharam o
início de seu amor e, em seu caminho para a Gasconha,
ele parou em Toulouse, onde permaneceu quando Emily
chegou, escondendo-se, mas satisfazendo sua
melancolia nos jardins onde ele havia passado tantas
horas felizes com ela; recorrendo muitas vezes, com
arrependimento em vão, à noite antes da partida dela
para a Itália, quando tinha o encontrado no terraço tão
inesperadamente, e se esforçando para trazer à sua
memória cada palavra e cada olhar que havia o
encantado, os argumentos que ele usou para dissuadi-la
da viagem e a ternura do último adeus deles. Ele estava
satisfazendo tais lembranças melancólicas quando Emily
chegou inesperadamente para ele nesse mesmo terraço,
na noite após a sua chegada em Toulouse. As suas
emoções ao vê-la daquela forma mal podem ser
imaginadas; mas ele conseguiu superar os primeiros
impulsos do amor a ponto de não se revelar, e saiu dos
jardins abruptamente. Contudo, a visão que ele viu ainda
assombrava sua mente; ficou mais miserável do que
antes e o único consolo para sua tristeza era voltar no
silêncio da noite; para seguir pelos caminhos onde
acreditava que os pés dela haviam passado durante o
dia; e vigiar a residência onde ela repousava. Foi num
desses passeios lúgubres que ele foi recebido pelo tiro do
jardineiro, que o confundiu com um ladrão, um ferimento
em seu braço que o deteve em Toulouse até muito
recentemente nas mãos de um cirurgião. Lá, sem pensar
em si mesmo ou se importar com seus amigos, cuja
grosseria recente o levou a acreditar que eles eram
indiferentes quanto ao seu destino, continuou sem
informá-los de sua localização; e agora, recuperado
suficientemente para aguentar viajar, havia parado em
La Valée em seu caminho para Estuviere, a residência do
conde, em parte pelo propósito de saber sobre Emily e
estar perto dela novamente, e em parte para descobrir
como estava a situação da pobre velha Theresa, quem
ele tinha razões para acreditar que havia sido destituída
de seu estipendio, modesto como era, e tal propósito o
trouxe ao chalé dela, quando Emily por acaso estava lá.
Esse encontro inesperado, que ao mesmo tempo
havia mostrado a ele a ternura do amor dela e a força da
sua resolução, renovou toda a agudez do desespero que
acompanhou a separação deles, e o qual nenhum esforço
da razão poderia ensiná-lo a vencer nesses momentos. A
imagem dela, o seu olhar, os tons de sua voz, tudo
permanecia na mente dele tão poderosamente quanto
haviam aparecido para seus sentidos recentemente, e
baniram de seu coração todas as emoções exceto o amor
e o desespero.
Antes da noite estar concluída, ele voltou para o
chalé de Theresa para que pudesse ouvi-la falar de Emily
e ficar no local onde ela havia estado tão recentemente.
A alegria sentida e expressada pela criada fiel logo
mudou para tristeza quando ela viu, num momento, o
olhar selvagem e frenético dele, e no outro, a melancolia
sombria que estava sobre ele.
Depois que escutou tudo que ela tinha a relatar
sobre Emily, e por um tempo considerável, ele deu a
Theresa quase todo o dinheiro que tinha consigo, apesar
dela recusar repetidamente, declarando que sua senhora
já havia suprido as necessidades dela amplamente;
então, tirando um anel de valor de seu dedo, ele o
entregou a ela com uma tarefa solene de apresentá-lo a
Emily, de quem ele pedia, como um último favor, que ela
o mantivesse por ele e que, às vezes, quando olhasse
para ele, se lembrasse do infeliz que o deu.
Theresa chorou quando recebeu o anel, mas era
mais por compaixão do que por qualquer mau
pressentimento; e, antes que ela pudesse responder,
Valancourt saiu do chalé abruptamente. Ela o seguiu até
a porta, chamando o nome dele e lhe pedindo que
voltasse; mas ela não recebeu resposta alguma e não o
viu mais.
CAPÍTULO XIV

Chame aquele que foi embora sabendo apenas


metade
Da história do audaz Cambuscan.
MILTON [ 5 8 ]

Na manhã seguinte, enquanto Emily estava sentada


no salão adjacente à biblioteca, refletindo sobre a cena
da noite anterior, Annette entrou correndo com um ar
selvagem e, sem falar, caiu em uma cadeira, sem fôlego.
Algum tempo se passou até que ela conseguisse
responder às perguntas ansiosas de Emily quanto ao
motivo de sua emoção, mas, finalmente, exclamou: “eu
vi o fantasma dele, Madame, eu vi o fantasma dele!”
“De quem você está falando?”, perguntou Emily
com extrema impaciência.
“Ele entrou pelo corredor, Madame”, continuou
Annette, “enquanto eu estava cruzando para o salão”.
“De quem você está falando?”, repetiu Emily. “Quem
entrou pelo corredor?”
“Ele estava vestido exatamente como eu o via,
muitas e muitas vezes”, acrescentou Annette. “Ah! Quem
teria pensado...”
Agora a paciência de Emily ficou exausta e ela
estava repreendendo-a por essas fantasias ociosas,
quando um criado entrou no quarto e a informou de que
um estranho pediu para falar com ela.
Imediatamente, ocorreu a Emily que esse estranho
fosse Valancourt, e ela pediu ao criado que o informasse
de que estava ocupada e não poderia ver ninguém.
O criado, tendo entregue essa mensagem, retornou
com uma do estranho, insistindo em seu primeiro pedido
e dizendo que ele tinha algo de importância para
comunicar; enquanto Annette, que, até então, havia
ficado calada e estupefata, levantou agitada e gritando:
“É o Ludovico! É o Ludovico!”, correu para fora do
cômodo. Emily ordenou que o criado a seguisse e, se
fosse realmente Ludovico, que o trouxesse até o salão.
Em alguns minutos, Ludovico apareceu,
acompanhado por Annette, que, conforme a alegria a fez
se esquecer de todas as regras de decoro para com sua
senhora, não deixou que nenhuma outra pessoa fosse
ouvida por algum tempo exceto ela mesma. Emily
expressou surpresa e satisfação ao ver Ludovico em
segurança, e as primeiras emoções aumentaram quando
ele entregou cartas do Conde de Villefort e de Lady
Blanche, informando-a de sua aventura recente e de sua
localização atual numa hospedaria em meio aos Pirineus,
onde eles ficaram detidos pela condição ruim de St. Foix
e a indisposição de Blanche, a qual acrescentava ainda
que o Barão St. Foix havia acabado de chegar para levar
o filho para seu castelo, onde ele permaneceria até a
recuperação completa de seus ferimentos, então
retornaria para Languedoc, mas que seu pai e ela própria
pretendiam estar em La Valée no dia seguinte. Ela
acrescentou que a presença de Emily seria esperada no
casamento próximo e implorou que ela estivesse
preparada para ir para Chateau-le-Blanc em alguns dias.
Um relato da aventura de Ludovico, Blanche preferiu que
o próprio o fizesse; e Emily, apesar de estar muito
interessada em como ele desapareceu dos aposentos do
norte, teve a paciência de suspender a gratificação de
sua curiosidade até que ele tivesse feito um lanche e
conversado com Annette, cuja felicidade ao vê-lo em
segurança não poderia ter sido mais extravagante, se ele
tivesse se erguido do túmulo.
Enquanto isso, Emily examinou novamente as cartas
de seus amigos, cujas expressões de estima e bondade
eram consolos muito necessários ao seu coração,
despertado com emoções agudas de mágoa e
arrependimento como ele foi pela entrevista recente.
O convite para Chateau-le-Blanc foi pressionado com
tanta afabilidade pelo conde e sua filha, que o fortificou
com uma mensagem da condessa, e a ocasião era tão
importante para sua amiga que Emily não podia se
recusar a aceitá-lo, nem podia evitar perceber como era
inapropriado, apesar de querer ficar sob as sombras
calmas de sua casa natal, permanecer lá sozinha, já que
Valancourt estava na vizinhança novamente. Às vezes,
ela também pensava que a mudança de ares e a
companhia de seus amigos poderiam contribuir para
restaurar a sua tranquilidade mais do que o isolamento.
Quando Ludovico apareceu novamente, ela pediu
que ele detalhasse sua aventura no Chateau e contasse
como se tornou um companheiro dos bandidos, com os
quais o conde o encontrou.
Ele obedeceu imediatamente, enquanto Annette,
que ainda não tinha pensado em fazer muitas perguntas
para ele sobre esse assunto, preparou-se para ouvir com
uma expressão de curiosidade extrema, atrevendo-se a
lembrar sua Lady da incredulidade dela quanto à
espíritos no castelo de Udolpho e de sua própria
sagacidade em acreditar neles. Enquanto Emily,
enrubescendo com a consciência de sua credulidade
recente, observou que se a aventura de Ludovico
pudesse justificar a superstição de Annette, ele
provavelmente não estaria ali para relatá-la.
Ludovico sorriu para Annette e fez uma reverência a
Emily, então começou da seguinte maneira:
“Você deve se lembrar, Madame, que na noite em
que eu fiquei acordado no aposento do norte, meu Lorde,
o conde, e M. Henri me acompanharam até lá e que,
enquanto eles estavam lá, nada aconteceu para causar
alarme. Quando eles saíram, eu acendi o fogo no quarto
e, como não estava inclinado a dormir, sentei-me perto
da lareira com um livro que havia trazido comigo para
distrair minha mente. Confesso que olhei em volta do
quarto algumas vezes com algo parecido com
apreensão...”
“Oh, muito parecido com isso, eu ouso dizer”,
interrompeu Annette, “e eu também ouso dizer que, se
dissesse a verdade, você tremia da cabeça aos pés”.
“Não foi tão ruim assim”, respondeu Ludovico
sorrindo, “mas, várias vezes, quando o vento
assobiava ao redor do castelo e fazia as janelas velhas
tremerem, eu imaginei que ouvia barulhos estranhos e,
uma ou duas vezes, levantei-me e olhei ao meu redor;
mas, nada era visto a não ser as figuras sinistras na
tapeçaria, que pareciam franzir para mim quando eu
olhava para elas. Fiquei acordado dessa forma por
mais de uma hora”, continuou Ludovico, “quando
pensei ter ouvido um barulho de novo e olhei em volta
do quarto para descobrir de onde ele veio, mas, não
vendo nada, comecei a ler novamente e, quando havia
terminado a história, senti-me sonolento e caí no sono.
Mas, imediatamente fui acordado pelo barulho que
tinha ouvido antes e ele vinha daquela parte do quarto
onde a cama ficava; então, quer tenha sido a história
que eu estava lendo que afetou minha disposição, ou
os boatos estranhos que foram espalhados sobre
aqueles quartos, eu não sei, mas quando olhei para a
cama novamente, pensei que estava vendo o rosto de
um homem dentro das cortinas escuras.”
Com a menção disto, Emily tremeu e ficou
ansiosa, lembrando-se do espetáculo que ela mesma
havia testemunhado lá, com Dorothee.
“Eu confesso, Madame, meu coração me falhou
naquele instante”, continuou Ludovico, “mas a volta do
barulho tirou a minha atenção da cama, ouvi
distintamente um som, como o de uma chave abrindo
uma fechadura, mas o que me surpreendeu mais foi
que eu não vi porta alguma de onde o som poderia ter
vindo. Contudo, no instante seguinte, a tapeçaria perto
da cama foi levantada lentamente e uma pessoa
apareceu atrás dela, entrando por uma porta pequena
na parede. Ele ficou parado por um momento como se
estivesse recuando um pouco, com sua cabeça
inclinada sob a tapeçaria que escondia a parte superior
de sua face, exceto seus olhos se franzindo sob a
tapeçaria, enquanto ele a segurava; então, quando a
levantou mais alto, eu vi o rosto de outro homem atrás
dele, olhando sobre o seu ombro. Eu não sei como,
mas apesar de minha espada estar na mesa à minha
frente, não tive o poder de pegá-la, fiquei imóvel,
observando eles com meus olhos meio fechados como
se eu estivesse dormindo. Suponho que eles também
pensaram isso e estavam debatendo o que deveriam
fazer, pois eu os ouvi sussurrando na mesma postura
por um minuto, depois pensei ter visto outros rostos na
escuridão atrás da porta e ouvido sussurros mais
altos.”
“Essa porta me surpreende”, disse Emily, “pois eu
soube que o conde levantou a tapeçaria e as paredes
foram examinadas, suspeitando que ela pudesse
esconder uma passagem pela qual você tivesse saído”.
“Não parece tão extraordinário para mim,
Madame”, respondeu Ludovico, “que essa porta não
tenha sido encontrada, porque ela era formada de um
compartimento estreito que parecia ser parte da
parede externa e, se o conde não tivesse passado por
ela sem vê-la, ele poderia ter pensado que era inútil
procurar por uma porta onde não parecia que
passagem alguma poderia se comunicar com ela. Mas,
a verdade é que a passagem era formada dentro da
própria parede. Contudo, voltando aos homens que eu
vi no escuro além da porta, e que não me deixaram
ficar em suspense por muito tempo quanto à sua
intenção. Todos eles correram para dentro do quarto e
me cercaram, mas não antes que eu tivesse pego
minha espada para me defender. Mas, o que um
homem poderia fazer contra quatro? Eles me
desarmaram logo e, após amarrar meus braços e
amordaçar minha boca, forçaram-me a passar pela
porta secreta, deixando minha espada na mesa para
ajudar aqueles que viessem me procurar de manhã a
lutar contra os fantasmas, como eles disseram. Então,
levaram-me por muitas passagens estreitas dentro das
paredes, como eu imaginei, pois nunca tinha as visto
antes, e descemos vários lances de escadas até
chegarmos nas criptas embaixo do castelo; ao abrir
uma porta de pedra, a qual eu teria pensado que era a
própria parede, nós passamos por uma passagem
longa e descemos mais degraus de rocha sólida,
quando outra porta nos levou a uma caverna. Após
virar e virar por algum tempo, nós chegamos à boca
dela e eu me encontrei na praia ao pé das colinas com
o castelo acima. Um barco estava esperando, no qual
os bandidos entraram e me forçaram a ir junto com
eles, logo, nós chegamos a um navio pequeno, que
estava ancorado, onde outros homens apareceram, os
quais me trouxeram a bordo, quando dois dos
camaradas que haviam me pegado nos seguiram e os
outros dois remaram de volta para a costa enquanto
partimos. Logo, eu descobri o que tudo isso significava
e o que esses homens queriam no castelo. Nós
chegamos em Rousillon e, depois de nos demorarmos
na costa por vários dias, alguns dos camaradas deles
vieram das montanhas e me carregaram com eles para
o forte, onde eu fiquei até que meu Lorde chegou tão
inesperadamente, pois eles haviam tomado cuidado
para impedir que eu fugisse tendo me vendado
durante a jornada e, se eles não tivessem feito isso, eu
acho que nunca teria conseguido encontrar o caminho
para qualquer cidade através da província cheia de
natureza selvagem que atravessamos. Depois de
chegar ao forte, eu fui vigiado como um prisioneiro, e
nunca me deixavam sair sem dois ou três
companheiros, fiquei tão exausto da vida que muitas
vezes quis me livrar dela.”
“Bem, mas eles o deixaram falar”, disse Annette,
“eles não o amordaçaram depois que lhe tiraram do
castelo, então eu não vejo qual razão havia para ficar
tão extremamente cansado de viver; sem falar na chance
de me ver de novo”.
Ludovico sorriu e Emily também, ela perguntou
qual foi o motivo daqueles homens para levá-lo.
“Eu logo descobri, Madame”, resumiu Ludovico,
“que eles eram piratas que, durante muitos anos,
escondiam seus tesouros nas criptas do castelo, o
qual, por estar tão próximo do mar, era muito
adequado para o seu propósito. Para prevenir serem
detectados, tentaram fazer com que se acreditasse
que o castelo era mal assombrado e, após descobrir a
passagem secreta para os aposentos do norte, que
haviam ficado trancados desde a morte da Lady
Marquesa, eles tiveram muito sucesso. A governanta e
seu marido, que eram as únicas pessoas habitantes do
castelo por alguns anos, ficaram tão apavorados com
os barulhos que ouviam nas noites, que não quiseram
mais morar lá; logo, um boato se espalhou de que ele
era mal assombrado e o país inteiro acreditou nisso,
ainda mais prontamente porque, creio eu, era dito que
a Lady Marquesa morreu de uma maneira estranha, e
porque meu Lorde nunca quis voltar para o lugar
depois disso”.
“Mas por que”, disse Emily, “esses piratas não
ficaram satisfeitos com a caverna... por que eles
acharam necessário depositar seus lucros no castelo?”
“A caverna, Madame”, respondeu Ludovico,
“ficava aberta para qualquer um, e os tesouros não
teriam ficado escondidos lá por muito tempo, mas nas
criptas eles estavam seguros desde que o boato delas
serem mal assombradas continuasse. Assim, parece
que eles traziam à meia-noite o tesouro que roubavam
nos mares e o mantinham até que tivessem
oportunidades de depositá-lo vantajosamente. Os
piratas eram ligados a contrabandistas espanhóis e
bandidos que viviam entre as selvas dos Pirineus e
faziam vários tipos de tráfico, tal que ninguém nunca
imaginaria; e com essa horda de bandidos
desesperados eu fiquei até que meu Lorde apareceu.
Nunca me esquecerei do que senti quando o vi pela
primeira vez... eu quase o revelei na hora! Mas, sabia
que, se me expusesse, os bandidos descobririam quem
ele era e provavelmente matariam todos nós para
impedir que seu segredo no castelo fosse descoberto.
Portanto, fiquei fora da vista de meu Lorde, mas
mantive uma vigia estrita sobre os malfeitores e decidi
que, se eles oferecessem violência a ele ou à sua
família, eu me revelaria e lutaria por nossas vidas.
Logo em seguida, ouvi alguns deles armando um plano
diabólico para o assassinato e roubo do grupo inteiro,
quando consegui falar com alguns dos criados de meu
Lorde, dizendo a eles o que iria acontecer e nós
discutimos o que seria o melhor a ser feito; enquanto
isso, meu Lorde, assustado com a ausência de Lady
Blanche, exigiu vê-la, e quando os bandidos deram
alguma resposta insatisfatória, ele e M. St. Foix
ficaram furiosos, então, nós pensamos que fosse uma
boa hora para revelar o plano e correndo para a sala,
gritei: “traição! Meu Lorde conde, defenda-se!” O
Lorde e o cavalheiro empunharam suas espadas
imediatamente, e tivemos uma batalha dura, mas
finalmente vencemos, como você, Madame, já foi
informada pelo meu Lorde conde.”
“Essa é uma aventura extraordinária”, disse Emily,
“e muitos elogios são devidos, Ludovico, à sua prudência
e intrepidez. Contudo, há algumas circunstâncias sobre
aqueles aposentos que ainda me deixam perplexa; mas,
talvez, você possa explicá-las. Alguma vez você ouviu os
bandidos relatarem algo de extraordinário sobre esses
quartos?”
“Não, Madame”, respondeu Ludovico. “Eu nunca os
ouvi falando sobre os quartos, exceto quando riram da
superstição da velha governanta, que quase viu um dos
piratas uma vez; foi depois da chegada do conde no
castelo, ele disse, ele ria com vontade enquanto contava
do truque que armou.”
Uma vermelhidão se espalhou pelas bochechas de
Emily e ela pediu impacientemente a Ludovico que se
explicasse.
“Oras, minha Lady”, disse ele, “uma noite quando
esse camarada estava no quarto, ele ouviu alguém se
aproximando pelo quarto seguinte, e como não teve
tempo de levantar a tapeçaria e destrancar a porta,
escondeu-se na cama ali perto. Ele ficou deitado por
algum tempo com um medo tão grande, eu suponho,
quanto...”
“Quanto você sentiu”, interrompeu Annette,
“quando ficou acordado tão corajosamente para vigiar
sozinho”.
“Sim”, disse Ludovico, “com um medo tão grande
quanto ele já fizera qualquer outra pessoa sentir; e na
mesma hora a governanta e outra pessoa vieram até a
cama, quando ele, pensando que eles iriam examiná-la,
considerou que a sua única chance de não ser
descoberto seria aterrorizá-los; então, ele levantou a
coberta, mas, isso não foi suficiente até que ele ergueu
seu rosto sobre ela e então ambos saíram correndo, disse
ele, como se tivessem visto o demônio e ele saiu dos
quartos sem ser visto”.
Emily não pôde evitar sorrir com essa explicação da
farsa, que havia dado a ela tanto medo supersticioso, e
ficou surpresa em ter se deixado assustar assim, até
considerar que, quando a mente começa a ceder à
fraqueza da superstição uma vez, banalidades a
impressionam com a força da convicção. Contudo, ela se
lembrou com temor da música misteriosa que foi ouvida
à meia-noite perto de Chateau-le-Blanc, e perguntou a
Ludovico se ele podia dar alguma explicação para isso;
mas ele não podia.
“Eu só sei, Madame”, ele acrescentou, “que não era
dos piratas, pois eu os ouvi rindo sobre isso e dizendo
que acreditavam que o demônio estava aliado a eles”.
“Sim, eu digo que ele está”, disse Annette, seu rosto
se iluminando, “eu tive certeza, o tempo todo, de que
ele, ou os seus espíritos, tinha algo a ver com os
aposentos ao norte, e agora você vê, Madame, enfim eu
estou certa.”
“Não pode se negar que os espíritos dele estavam
muito ocupados naquela parte do castelo”, respondeu
Emily sorrindo. “Mas, eu estou surpresa, Ludovico, que
esses piratas tenham perseverado em seus esquemas
após a chegada do conde; o que eles poderiam esperar a
não ser a descoberta certa?”
“Eu tenho razão para acreditar, Madame”,
respondeu Ludovico, “que a intenção deles era não
continuar além do que fosse necessário para esvaziar
seus estoques, que estavam depositados nas criptas; e
parecia que eles tinham sido empregados nisso pouco
tempo depois da chegada do conde; mas como só
tinham poucas horas da noite para isto e estavam
conduzindo outros planos ao mesmo tempo, as criptas
não estavam mais do que esvaziadas pela metade
quando me capturaram. Eles acharam uma glória
imensa essa oportunidade de confirmar os boatos
supersticiosos que circulavam sobre aqueles
aposentos, foram cuidadosos para deixar tudo lá como
eles haviam encontrado, para promover melhor a
farsa, e em seu humor zombeteiro, riam
frequentemente da consternação que acreditavam que
os habitantes do castelo haviam sofrido com o meu
desaparecimento, e foi para prevenir a possibilidade
de que eu revelasse o seu segredo que eles me
levaram para tão longe. A partir daquele período eles
consideraram o castelo quase como deles próprios;
mas eu descobri, pelas conversas de seus camaradas,
que, apesar de serem muito cuidadosos no início, ao
exibir o seu poder lá, eles quase se incriminaram uma
vez. Uma noite, indo como de costume aos aposentos
do norte para repetir os barulhos que tinham causado
tanto susto em meio aos criados, eles ouviram vozes
no quarto, quando estavam prestes a abrir a porta
secreta. Meu Lorde me contou que ele e Henri estavam
no aposento no dia, e ouviram sons de lamentos muito
extraordinários, que parece que foram feitos por esses
camaradas com seu intuito típico de espalhar terror; e
meu Lorde admitiu que, na hora, sentiu um pouco mais
do que surpresa; mas como era necessário para a paz
de sua família que nada fosse dito, ficou calado quanto
ao assunto e impôs silêncio ao seu filho.”
Emily, lembrando-se da mudança que tinha
aparecido na disposição do conde depois da noite em
que ele tinha ficado de vigia no aposento do norte,
entendeu agora a causa disso; e após fazer mais
algumas perguntas sobre essa questão estranha, ela
dispensou Ludovico e foi dar ordens para o alojamento
de seus amigos no dia seguinte.
À noite, Theresa, doente como estava, veio entregar
o anel que Valancourt havia confiado a ela e, quando o
mostrou, Emily ficou muito comovida, pois se lembrava
de tê-lo visto o usando, frequentemente, em dias mais
felizes. Contudo, ela ficou muito descontente que
Theresa tivesse o recebido, e se recusou a aceitá-lo
decididamente, embora fazer isso a teria dado um prazer
melancólico. Theresa pediu, implorou, e, então,
descreveu a aflição de Valancourt quando ele lhe havia
dado o anel, e repetiu a mensagem com a qual ele a
incumbiu de entregá-lo; Emily não conseguiu esconder a
tristeza extrema que esse relato lhe causou, mas chorou
e ficou perdida em pensamentos.
“Ah! Minha querida jovem Lady!”, disse Theresa.
“Por que tudo isso? Eu lhe conheço desde sua infância e
pode-se supor bem que eu lhe amo como se fosse minha
própria filha, e quero lhe ver feliz da mesma forma.
Certamente não conheço M. Valancourt há muito tempo,
mas tenho motivos para amá-lo como se fosse meu
próprio filho. Sei o quanto vocês se amam, senão por que
todo esse choro e lamentação?” Emily balançou sua mão
para que Theresa ficasse quieta, que, ignorando o sinal,
continuou: “E o quanto vocês são parecidos em seus
temperamentos e maneiras e que, se vocês se casassem,
seriam o casal mais feliz em toda a província... então, o
que é que impede que vocês se casem? Ai, ai! E ver
como algumas pessoas jogam fora sua felicidade depois
choram e lamentam por isso, como se não fosse através
de seus próprios atos e como se houvesse mais prazer
em lamentar e chorar do que em ficar em paz. A
instrução certamente é uma coisa boa, mas se não
ensina às pessoas nada além dela mesma, oras eu
preferia ficar sem ela; se as ensinasse a serem mais
felizes eu diria algo mais sobre, pois, então, seria
instrução e sabedoria também.”
A idade e o serviço de muito tempo haviam dado a
Theresa um privilégio para falar, mas agora Emily se
empenhou em reprimir a loquacidade dela e, embora
tenha sentido a justiça de alguns de seus comentários,
escolheu não explicar as circunstâncias que haviam
determinado a sua conduta com relação a Valancourt.
Portanto, só disse a Theresa que a desagradaria muito
ouvir o assunto outra vez e que o anel deveria ser
devolvido com uma garantia de que ela não poderia
aceitá-lo com decoro; e, ao mesmo tempo, proibiu-a de
repetir qualquer mensagem futura de Valancourt, já
que ela dava valor à estima e à bondade de sua Lady.
Theresa ficou aflita e fez outra tentativa, embora tenha
sido fraca, de interessá-la em Valancourt, mas o
descontentamento incomum, expressado no rosto de
Emily, logo a obrigou a desistir, e ela saiu com espanto
e lamentação.
Para aliviar sua mente, de alguma forma, das
lembranças dolorosas que haviam se intrometido nela,
Emily se ocupou com os preparativos para a jornada a
Languedoc e, enquanto Annette, que a assistiu, falava
com alegria e afeição do retorno em segurança de
Ludovico, ela estava pensando em como poderia
promover a felicidade deles da melhor forma e decidiu
que, se parecesse que a afeição dele fosse tão
inalterada quanto a da simples e honesta Annette, ela
lhes daria uma soma de casamento e os colocaria em
alguma parte de sua propriedade. Esses pensamentos
a levaram à lembrança das terras paternas de seu pai,
cujos negócios antigos o obrigaram a entregar para M.
Quesnel e as quais ela quis retomar muitas vezes, pois
St. Aubert lamentava que a maior parte das terras de
seus ancestrais tivesse passado para outra família, e
porque elas foram o local de nascimento dele e os
passeios de sua infância. À propriedade em Toulouse
ela não tinha nenhum apego em particular, e era seu
desejo desfazer-se desta para que pudesse comprar
suas terras paternais se M. Quesnel pudesse ser
convencido a deixá-las, o que, já que ele falava
bastante em morar na Itália, não parecia ser muito
improvável.
CAPÍTULO XV

Doce é o perfume da chuva de primavera,


Os tesouros coletados das abelhas doces são,
Doce é o fim da música se derretendo, porém
ainda mais doce
É a calma e baixa voz da gratidão.
GRAY[59]

No dia seguinte, a chegada de sua amiga


reanimou a abatida Emily e La Valée se tornou mais
uma vez o cenário da bondade social e da
hospitalidade elegante. O mal-estar e o terror que ela
havia sofrido tinham roubado de Blanche uma grande
parte de sua vivacidade, mas toda a sua simplicidade
afetuosa permaneceu e, embora parecesse menos
alegre, ela não estava menos agradável do que antes.
A aventura desafortunada nos Pirineus havia deixado o
conde ansioso para voltar a casa e, depois de pouco
mais de uma semana de estadia em La Valée, Emily se
preparou para ir com seus amigos para Languedoc,
passando os cuidados da casa para Theresa durante a
sua ausência. Na noite anterior à sua partida, essa
criada idosa trouxe o anel de Valancourt novamente e,
com lágrimas, pediu que sua senhora o recebesse, pois
ela não tinha nem visto, nem ouvido falar de
Valancourt desde a noite em que ele o entregou para
ela. Enquanto dizia isso, o seu rosto expressava mais
medo do que ela ousou falar; mas Emily, reprimindo a
sua própria propensão ao medo, considerou que ele
havia provavelmente retornado à residência de seu
irmão e, novamente se recusando a aceitar o anel,
ordenou que Theresa o preservasse até que ela o visse,
o que prometeu fazer com extrema relutância.
A comitiva, contendo o Conde De Villefort, Emily e
Lady Blanche, deixou La Valée no dia seguinte, e na
próxima noite chegou a Chateau-le-Blanc onde a
condessa, Henri e M. Du Pont, que Emily ficou surpresa
ao encontrar lá, receberam-na com muita alegria e
congratulações. Ela ficou preocupada ao perceber que
o conde ainda encorajava as esperanças de seu amigo,
cujo rosto declarava que sua afeição não fora abatida
pela ausência; e ficou muito aflita quando, na segunda
noite após a sua chegada, o conde, tendo a afastado
de Lady Blanche, com quem ela estava caminhando,
renovou o assunto das esperanças de M. Du Pont.
Como a brandura com a qual ela escutou as
intercessões dele de início o enganaram quando aos
sentimentos dela, ele começou a acreditar que, depois
de sua afeição por Valancourt ter sido superada, ela
finalmente estava disposta a pensar em M. Du Pont
favoravelmente; e quando ela o convenceu de seu erro,
na sinceridade de seu desejo de promover o que ele
considerava ser a felicidade de duas pessoas que ele
estimava tanto, atreveu-se a protestar gentilmente
com ela, por deixar que uma afeição inapropriada
envenenasse a felicidade de seus anos mais valiosos.
Observando o seu silêncio e o abatimento
profundo no rosto dela, ele concluiu dizendo: “eu não
direi mais nada agora, mas ainda acreditarei, minha
querida Mademoiselle St. Aubert, que você não
rejeitará eternamente uma pessoa tão
verdadeiramente estimável quanto meu amigo Du
Pont.”
Ele a poupou da dor de responder ao deixá-la; e
ela continuou andando, um tanto descontente com o
conde por ter insistido em argumentar por uma causa
que ela havia rejeitado repetidamente, e se perdeu em
meio às lembranças melancólicas que esse tópico
havia revido, até que chegou inconscientemente aos
limites da floresta que cobriam o mosteiro de Santa
Clara, quando, percebendo para quão longe tinha ido,
decidiu estender sua caminhada um pouco mais e
perguntar pela abadessa e por algumas de suas
amigas entre as freiras.
Apesar da tarde estar perto de terminar, ela
aceitou o convite do frei que abriu o portão e, ansiosa
para encontrar algumas de suas conhecidas antigas,
prosseguiu em direção à sala de estar do convento.
Enquanto atravessava o gramado que se inclinava da
frente do mosteiro em direção ao mar, ela ficou
impressionada com a pintura de repouso exibida por
alguns monges sentados nos claustros, que se
estendiam sob os limites da floresta, que coroava essa
elevação; onde, enquanto meditavam sobre assuntos
sagrados nesse horário do crepúsculo, eles, às vezes,
deixavam que sua atenção fosse aliviada pela cena à
sua frente, e não achavam profano olhar para a
natureza que havia trocado as cores brilhantes do dia
pelos tons sóbrios da noite. Contudo, na frente dos
claustros ficava um castanheiro ancião, cujos galhos
amplos eram designados para cobrir a magnificência
completa de uma cena que poderia tentar o desejo de
prazeres mundanos; mas, ainda assim, embaixo da
folhagem escura e extensa brilhava uma porção vasta
do oceano e muitas velas passageiras; enquanto, à
direita e à esquerda, florestas espessas eram vistas se
estendendo ao longo das margens sinuosas. Talvez
tudo isso houvesse sido admitido para dar aos votos de
reclusão uma imagem dos perigos e das vicissitudes
da vida, e para consolar o homem, agora que havia
renunciado a estes prazeres, com a certeza de ter
escapado de seus males. Enquanto Emily caminhava
pensativamente, considerando de quanto sofrimento
ela poderia ter escapado se tivesse feito um voto na
ordem e permanecido nesse retiro desde a época da
morte de seu pai, o sino da missa noturna tocou e os
monges foram lentamente em direção à capela,
enquanto ela, seguindo seu caminho, entrou no salão
principal, onde um silêncio incomum parecia reinar. A
sala de estar, pela qual se entrava, ela também
encontrou vazia, mas, como o sino da noite estava
tocando, pensou que as freiras tivessem ido para a
capela e se sentou para descansar por um momento
antes de voltar para o castelo onde, entretanto, ela
estava ansiosa para chegar devido à escuridão que
aumentava.
Não muitos minutos se passaram antes de
aparecer uma freira, entrando com pressa,
perguntando pela madre abadessa, e ela estava indo
embora sem se lembrar de Emily, quando esta se
anunciou, então descobriu que uma missa seria
celebrada pela alma da irmã Agnes, que vinha
piorando de saúde há algum tempo, e que agora elas
acreditavam que estava morrendo.
A irmã deu um relato melancólico dos sofrimentos
dela e dos horrores com os quais ela havia ficado
agitada frequentemente, mas que agora haviam
cedido a um abatimento tão sombrio que nem as
orações, nas quais a irmandade se juntava a ela, ou as
certezas de seu confessor, tinham o poder de tirá-la
desse estado ou de animar sua mente até mesmo com
um brilho momentâneo de conforto.
A este relato Emily ouviu com preocupação
extrema e, lembrando-se do comportamento frenético
e das expressões de horror, que ela mesma havia
testemunhado em Agnes, juntamente com o histórico
que a irmã Frances tinha comunicado, sua compaixão
foi acentuada a um nível muito doloroso. Como a noite
já estava bastante avançada, Emily não quis vê-la ou
se juntar à missa e, após deixar lembranças muito
gentis com a freira para suas velhas amigas, deixou o
mosteiro e voltou pelas colinas em direção ao castelo,
meditando sobre o que tinha acabado de ouvir, até
que, finalmente, forçou sua mente a ir para assuntos
menos interessantes.
O vento estava forte e, conforme se aproximava
do castelo, ela parava muitas vezes para escutar seu
som terrível, quando ele varria sobre as ondas que
quebravam abaixo, ou murmurava ao longo da floresta
ao redor; e, enquanto descansava numa colina a uma
pequena distância do castelo e olhava para as águas
vastas, vistas na escuridão sob a última sombra do
crepúsculo, ela pensou no poema a seguir:
AOS VENTOS
Sem visão, pela cúpula vasta do céu teu curso tu
segues,
Desconhecido é de onde vindes, ou para onde ides!
Poderes misteriosos! Ouço vosso murmúrio baixo,
Até que vossa rajada alta cresce em minha orelha
assustada,
E parece dizer, esplêndido! Deus está perto!
Eu amo listar vossas vozes à meia-noite flutuando
Na tempestade terrível, que passa sobre o oceano,
E, enquanto a onda zangada controla seus charmes,
Misturados com seu rugido carrancudo, e afundam ao
longe.
Então, crescendo durante a pausa, uma nota mais
doce,
O hino fúnebre de espíritos que lamentam vossos atos,
Uma nota mais doce surge muitas vezes enquanto a
ventania dorme!
Mas logo, vossos poderes cegos! Vosso descanso
acabou,
Solene e devagar vos ergues no ar,
Falais nas mortalhas e amedrontais o menino do mar,
E então o hino fúnebre murmurado baixo não é mais
ouvido!
Oh! Então eu desaprovo de vosso reinado terrível!
O lamento alto não traga em vosso fôlego!
Não tragais a batida do barco na ilha lá longe,
Não tragais os gritos dos homens, que gritam em vão,
O coro do temor da tripulação afundando para a
morte!
Oh! Não causais isso, vossos poderes! Eu somente
peço,
Enquanto escalo esses penhascos românticos,
A guerra dos elementos, o gemido da onda;
Eu peço a calma e doce lágrima, que a mente chora ao
escutar![60]
CAPÍTULO XVI

Feitos anormais
Geram problemas anormais: mentes infectadas
Revelarão seus segredos a travesseiros surdos.
Mais necessita ela do divino, do que do médico.
MACBETH [ 6 1 ]

Na noite seguinte, a visão das torres do convento se


erguendo em meio à floresta nas sombras, lembrou Emily
da freira, cuja situação a havia comovido tanto. Ansiosa
para saber como ela estava, assim como para ver
algumas de suas amigas antigas, ela e Lady Blanche
estenderam sua caminhada até o mosteiro. No portão
estava uma carruagem que, dado o calor dos cavalos,
parecia ter acabado de chegar; mas uma quietude
incomum permeava o pátio e os claustros, através dos
quais Emily e Blanche passaram em seu caminho até o
salão principal, onde uma freira, que estava o
atravessando em direção à escada, respondeu às
perguntas da primeira dizendo que Agnes ainda estava
viva e consciente, mas que pensava que ela não
sobreviveria à noite. Na sala de estar, elas encontraram
várias das internas, que ficaram jubilosas ao verem
Emily, e lhe contaram muitas circunstâncias que haviam
acontecido no convento desde a sua partida, e que só
eram interessantes para ela porque eram relacionadas a
pessoas em quem ela pensava com afeição. Enquanto
elas conversavam assim, a madre abadessa entrou na
sala e expressou muita satisfação ao ver Emily, mas seu
comportamento estava incomumente solene e seu rosto
abatido. “Nossa casa”, disse ela, depois que as primeiras
saudações terminaram, “é realmente uma casa de luto...
uma filha está pagando o débito da natureza agora.
Talvez você tenha ouvido que nossa filha Agnes está
morrendo?”
Emily expressou sua preocupação sincera.
“A morte dela apresenta uma lição importante e
terrível para nós”, continuou a madre abadessa; “que ela
nos ensine a nos preparar para a mudança que espera a
todos nós! Vocês são jovens e ainda têm o poder de
garantir a ‘paz que passa por todo discernimento’ – a paz
da consciência. Preserve-a em sua juventude para que
ela possa lhe confortar na velhice; pois ah, em vão e
imperfeitas são as boas ações de nossos últimos anos, se
aquelas de nossa vida jovem tiverem sido más!”
Emily teria dito que esperava que boas ações nunca
fossem em vão; mas ela considerou que era a madre
abadessa quem havia falado e permaneceu em silêncio.
“Os últimos dias de Agnes”, continuou a abadessa,
“têm sido exemplares; quisera que eles expiassem os
erros de seus dias passados! Ah, os sofrimentos dela
agora são grandes; vamos crer que eles lhe trarão a paz
futuramente! Eu a deixei com seu confessor e um
cavalheiro, que ela esteve ansiosa para ver por muito
tempo e que acabou de chegar de Paris. Eu espero que
eles consigam administrar o repouso do qual a mente
dela tem sentido falta até então”.
Emily se juntou ao pedido fervorosamente.
“Durante sua doença ela falou o seu nome algumas
vezes”, continuou a madre abadessa; “talvez ver você
lhe traria conforto; quando os seus visitantes atuais a
deixarem nós iremos até o quarto dela, se a cena não for
triste demais para o seu espírito. Mas, de fato,
independente do quão dolorosas sejam, a tais cenas nós
devemos nos acostumar, pois elas são benéficas para a
alma e nos preparam para o que nós mesmas
sofreremos”.
Emily ficou grave e pensativa, pois esta conversa
trouxe à sua memória os momentos da morte de seu
querido pai, e ela quis chorar mais uma vez sobre o local
onde os restos mortais dele estavam enterrados. Durante
o silêncio que se seguiu ao discurso da abadessa, muitas
circunstâncias específicas sobre as últimas horas dele
ocorreram a ela: a sua emoção ao perceber que estava
na vizinhança de Chateau-le-Blanc; seu pedido para ser
enterrado num local em particular da igreja deste
mosteiro; e a ordem solene que ele deu a ela de destruir
certos papéis sem examiná-los. Ela também se lembrou
das palavras misteriosas e horríveis naqueles
manuscritos, sobre os quais o seu olhar havia passado
involuntariamente; e apesar de que agora, e de fato
sempre que ela se lembrava dele, elas reviviam um
excesso de curiosidade doloroso sobre o significado
completo delas e o motivo para a ordem de seu pai, foi o
principal consolo dela ter obedecido ele estritamente
nesse particular.
Pouco mais foi dito pela abadessa, que parecia estar
comovida demais pelo assunto que eles haviam
terminado para estar disposta a conversar, e suas
companheiras haviam ficado caladas por algum tempo
pela mesma causa, quando esse devaneio geral foi
interrompido pela entrada de um estranho, Monsieur
Bonnac, que acabara de sair do quarto de irmã Agnes.
Ele parecia muito perturbado, mas Emily pensou que o
seu rosto tinha mais da expressão de horror do que da de
tristeza. Tendo levado a madre abadessa para uma parte
distante da sala, ele conversou com ela por algum
tempo, durante o qual ela parecia escutar com atenção
sincera e ele parecia falar com cautela e um grau de
interesse acima do comum. Quando havia concluído, ele
fez uma reverência silenciosa para o resto do grupo e
saiu da sala. Logo em seguida, a abadessa propôs ir até
o quarto de irmã Agnes, ao que Emily consentiu, embora
não sem alguma relutância, e Lady Blanche permaneceu
no andar de baixo com as internas.
Na porta do quarto elas encontraram o confessor,
que, ao levantar sua cabeça quando as viu se
aproximarem, Emily observou, era o mesmo que havia
atendido seu pai quando ele estava morrendo; mas, ele
seguiu em frente sem reparar nela e elas entraram no
aposento onde, num colchão, irmã Agnes estava deitada
com uma freira tomando conta dela na cadeira ao seu
lado. O rosto dela estava tão mudado que Emily mal teria
a reconhecido, se ela não estivesse preparada para isso:
seu rosto estava medonho e cheio de um horror sombrio;
seus olhos escurecidos e vazios estavam fixados num
crucifixo que ela segurava sobre seu peito; e ela estava
tão perdida em pensamentos a ponto de não perceber a
abadessa e Emily até elas ficarem do lado da cama.
Então, voltando seus olhos pesados, ela os fixou em
Emily com um horror selvagem e, gritando, exclamou:
“ah! Essa visão vem para mim quando estou morrendo!”
Emily recuou aterrorizada e olhou para a abadessa
querendo uma explicação, que a fez um sinal para não
ficar assustada e disse para Agnes calmamente: “filha,
eu lhe trouxe a Mademoiselle St. Aubert para visitá-la. Eu
achei que você ficaria feliz em vê-la”.
Agnes não respondeu; mas, ainda olhando para
Emily freneticamente, exclamou: “é ela mesma! Oh! Lá
está toda aquela fascinação no seu olhar, que foi a minha
destruição! O que você quer... o que você veio exigir...
retaliação? Logo você a terá... você já a tem. Quantos
anos se passaram desde que a vi pela última vez! É
como se o meu crime tivesse sido ontem. Mas eu
envelheci sob isto; enquanto você ainda está jovem e
bela... tão bela como quando você me forçou a cometer
aquele ato abominável! Oh! Se eu pudesse me esquecer
disso somente uma vez! Mas o que isso conseguiria? O
ato já foi feito!”
Extremamente chocada, Emily teria saído do quarto;
mas a madre abadessa, tomando sua mão, tentou dar
forças ao seu espírito e implorou que ela ficasse por
alguns instantes, quando Agnes provavelmente teria se
acalmado, a quem ela tentava tranquilizar agora. Mas a
última parecia ignorá-la enquanto seus olhos
permaneciam fixos em Emily e ela acrescentou: “o que
são anos de oração e penitência? Eles não podem
remover a impureza do assassinato! Sim, assassinato!
Onde ele está? Onde ele está? Olhe lá! Olhe lá! Está
vendo onde ele está andando pelo quarto! Por que você
veio me atormentar agora?”, continuou Agnes, enquanto
seus olhos estavam voltados para o ar com esforço. “Por
que eu não fui punida antes? Oh! Não olhe para mim tão
severamente! Hah! Lá está de novo! É ela própria! Por
que você olha para mim com tanta pena... e sorri
também? Você sorri para mim! Que gemido foi esse?”
Agnes caiu para trás, aparentemente sem vida, e
Emily se inclinou na cama sem conseguir se manter em
pé, enquanto a madre abadessa e a freira acompanhante
estavam dando os remédios de costume para Agnes.
“Paz”, disse a abadessa quando Emily ia falar, “o delírio
está se dissipando, logo ela irá acordar. Quando ela ficou
assim antes, filha?”
“Não faz muitas semanas, Madame”, respondeu a
freira, “mas o espírito dela ficou muito agitado com a
chegada do cavalheiro que ela queria tanto ver.”
“Sim”, observou a madre abadessa, “sem dúvida
isso causou esse frenesi paradoxo. Quando ela estiver
melhor nós a deixaremos para repousar”.
Emily consentiu muito prontamente, mas, embora
pudesse dar pouca assistência agora, ela não quis sair do
quarto enquanto alguma ajuda pudesse ser necessária.
Quando Agnes voltou aos seus sentidos, ela fixou
seus olhos em Emily novamente, mas a expressão
descontrolada neles havia ido embora e uma melancolia
sombria tinha se sucedido. Passaram-se alguns
momentos antes que ela recuperasse sua disposição o
bastante para falar; então, disse fracamente: “a
semelhança é incrível! Por certo deve ser algo mais do
que a imaginação. Diga-me, eu lhe imploro”, ela
acrescentou, dirigindo-se a Emily, “apesar de seu nome
ser St. Aubert, você não é a filha da Marquesa?”
“Que Marquesa?”, perguntou Emily com surpresa
extrema, pois ela havia imaginado que o intelecto de
Agnes estivesse restaurado, dada a calma em seu
comportamento. A abadessa lhe deu um olhar
expressivo, mas ela repetiu a pergunta.
“Que Marquesa?”, exclamou Agnes. “Eu só conheço
uma... a Marquesa de Villeroi.”
Lembrando-se da emoção de seu pai com menção
inesperada dessa Lady e seu pedido para ser colocado
perto do túmulo dos Villerois, Emily ficou muito
interessada e pediu que Agnes explicasse o motivo de
sua pergunta. A madre abadessa teria tirado Emily do
quarto, que, entretanto, detida por um forte interesse,
repetiu suas perguntas.
“Traga-me aquela caixinha de joias, irmã”, disse
Agnes. “Eu lhe mostrarei ela; mas você só precisa olhar
naquele espelho e você a contemplará; você é filha dela
com certeza. Tal semelhança impressionante só é
encontrada entre parentes próximos.”
A freira trouxe a caixa de joias e Agnes, após ter a
instruído sobre como abri-la, tirou de lá uma pintura em
miniatura, na qual Emily viu a semelhança exata da
pintura que ela havia encontrado em meio aos papéis de
seu falecido pai. Agnes estendeu sua mão para recebê-
la; contemplou-a ansiosamente, por alguns instantes, em
silêncio; e então, com uma expressão de desespero
profundo, lançou seus olhos para o Céu e rezou para
dentro de si. Quando terminou, ela deu a miniatura a
Emily. “Fique com ela”, disse, “eu a deixo para você, pois
acredito que é seu direito. Eu observei a semelhança
entre vocês frequentemente; mas nunca, até este dia,
isso veio em minha consciência tão poderosamente!
Fique, irmã, não leve a caixa... há outra pintura que eu
devo mostrar”.
Emily tremeu de expectativa e a abadessa quis levá-
la embora novamente. “Agnes ainda está perturbada”,
disse ela, “você vê como ela está refletindo. Nesse
estado ela diz qualquer coisa e não tem escrúpulos,
como você testemunhou, em se acusar dos crimes mais
terríveis.”
Emily, contudo, pensou ter percebido algo a mais do
que a loucura nas inconsistências de Agnes, cuja menção
da Marquesa e a sua pintura havia a interessado tanto
que ela decidiu obter mais informações, se possível, com
respeito a esse assunto.
A freira voltou com a caixa e, quando Agnes apontou
para uma gaveta secreta, ela tirou de lá outra miniatura.
“Aqui”, disse Agnes quando a ofereceu a Emily, “pelo
menos aprenda uma lição para a sua vaidade; olhe bem
para essa pintura e veja se consegue descobrir alguma
semelhança entre o que eu fui e o que eu sou”.
Emily pegou a miniatura impacientemente, a qual
seus olhos mal tinham visto antes de suas mãos trêmulas
quase a deixarem cair, pois era a cópia do retrato de
Signora Laurentini que ela havia visto anteriormente em
Udolpho: a Lady que desapareceu de uma maneira tão
misteriosa, e de cujo assassinato Montoni era suspeito de
ter ordenado.
Em perplexidade silenciosa, Emily continuou a olhar
alternadamente para a pintura e para a freira moribunda,
esforçando-se para ver uma semelhança entre elas, a
qual não existia mais.
“Por que você está olhando para mim tão
severamente?”, disse Agnes, compreendendo mal a
natureza da emoção de Emily.
“Eu já vi esse rosto antes”, disse Emily finalmente;
“é mesmo o seu semblante?”
“Você tem razão em fazer essa pergunta”,
respondeu a freira, “mas outrora isto tinha uma
semelhança a mim impressionante. Olhe bem para mim
e veja no que a culpa me tornou. Eu era inocente na
época; as paixões más de minha natureza estavam
adormecidas. Irmã!”, ela acrescentou solenemente e
estendendo sua mão fria e úmida para Emily, que
estremeceu com o seu toque: “irmã! Cuidado com a
primeira indulgência das paixões; cuidado com a
primeira! O curso delas é rápido se não for interrompido
desde então... a força delas é incontrolável... elas nos
levam para onde nem sabemos... talvez elas nos levem a
cometer crimes, os quais anos inteiros de oração e
penitência não podem expiar! Tal pode ser a força de
uma única paixão, que supera todas as outras e queima
todo e qualquer caminho ao coração. Possuindo-nos
como um demônio, ela nos leva aos atos de um demônio,
tornando-nos insensíveis à piedade e à consciência. E,
quando seu propósito é cumprido, como um demônio ela
nos deixa à tortura daqueles outros sentimentos que o
seu poder havia suspendido... não aniquilado... às
torturas da compaixão, do remorso e da consciência.
Então, nós acordamos como de um sonho e vemos um
novo mundo à nossa volta... nós olhamos com espanto e
horror... mas o ato já foi feito; nem todos os poderes do
céu e da terra unidos podem desfazê-lo... e os espectros
da consciência não irão embora! O que são riquezas...
grandeza... a própria saúde, comparadas ao luxo de uma
consciência pura, da saúde da alma; e o que são os
sofrimentos da pobreza, da decepção, do desespero...
comparados à angústia de uma alma afligida! Oh!
Quanto tempo faz desde que eu conhecia esse luxo! Eu
acreditava que já havia sofrido as dores mais
agonizantes da natureza humana, no amor, no ciúmes e
no desespero... mas essas dores eram fáceis,
comparadas às ferroadas da consciência que eu tenho
suportado desde então. Eu também provei do que era
chamado de doce vingança... mas isso foi transigente,
isso acabou juntamente com o que a provocou. Lembre-
se, irmã, que as paixões são as sementes de todos os
vícios, assim como as das virtudes, das quais qualquer
um dos dois pode brotar conforme forem alimentados.
Infelizes são aqueles que nunca foram ensinados a arte
de controlá-los!”
“Ah! Infelizes!”, disse a abadessa. “E mal informados
sobre a nossa religião sagrada!”, Emily escutava a Agnes
em admiração silenciosa, enquanto ainda examinava a
miniatura, e teve sua opinião confirmada sobre a
semelhança forte com o retrato em Udolpho. “Esse rosto
me é familiar”, disse ela, querendo dar à freira uma
explicação, porém temendo revelar o seu conhecimento
de Udolpho abruptamente demais.
“Você está enganada”, respondeu Agnes, “você
certamente nunca viu esta pintura antes”.
“Não”, respondeu Emily, “mas vi uma
extremamente parecida com essa.” “Impossível”, disse
Agnes, que agora poderia ser chamada de Lady
Laurentini.
“Foi no castelo de Udolpho”, continuou Emily,
olhando para ela firmemente.
“De Udolpho?”, exclamou Laurentini. “De Udolpho,
na Itália?”
“O próprio”, respondeu Emily.
“Então, você sabe quem eu sou”, disse Laurentini,
“e você é a filha da Marquesa.” Emily ficou um tanto
surpresa com essa afirmação abrupta. “Eu sou a filha do
falecido M. St. Aubert”, disse ela; “e a Lady de quem
você fala é uma completa estranha para mim.”
“Pelo menos isso é o que você pensa”, replicou
Laurentini.
Emily perguntou que razões ela poderia ter para
acreditar no contrário.
“A semelhança de família que você tem para com
ela”, disse a freira. “A Marquesa, como se sabe, era
apaixonada por um cavalheiro da Gasconha na época em
que ela aceitou a mão do Marquês, a mando de seu pai.
Que mulher infeliz e lamentável!”
Lembrando-se da emoção extrema que St. Aubert
havia revelado com a menção da Marquesa, Emily teria
sentido algo além de surpresa, se sua confiança na
integridade dele fosse menor; mas como não era, ela não
pôde acreditar no que as palavras de Laurentini
insinuavam por um momento sequer; porém ela ainda se
sentia muito interessada nelas e implorou que ela as
explicasse melhor.
“Não me pressione neste assunto”, disse a freira, “é
algo terrível para mim! Eu queria poder removê-lo de
minha memória!” Ela suspirou profundamente e, depois
de pausar por um instante, perguntou a Emily, como ela
havia descoberto o seu nome?
“Através de seu retrato no castelo de Udolpho, com
o qual esta miniatura tem uma semelhança
impressionante”, respondeu Emily.
“Então você esteve em Udolpho!”, disse a freira com
muita emoção. “Ah! Quais cenas o nome dele traz de
volta à minha mente... cenas de felicidade... de
sofrimento... e de horror!”
Neste momento, o espetáculo terrível que Emily
havia testemunhado em uma das câmaras daquele
castelo ocorreu-lhe, e ela estremeceu, quando olhou para
a freira e se lembrou de suas palavras, que “anos de
oração de penitência não podem remover a impureza do
assassinato.” Agora ela foi forçada a atribui-las a outra
causa além do delírio. Com um grau de horror que quase
a destituiu de seu senso, ela acreditou que estava
olhando para uma assassina; o comportamento de
Laurentini parecia confirmar essa suspeita, mas Emily
ainda estava perdida num labirinto de perplexidades e,
sem saber como fazer as perguntas que poderiam levá-la
à verdade, ela só conseguiu indicá-las em frases
incompletas.
“A sua partida repentina de Udolpho”, disse ela.
Laurentini gemeu.
“Os boatos que se seguiram”, continuou Emily. “O
quarto oeste... o véu fúnebre... o objeto que ele
escondia! Quando assassinatos são cometidos...”
A freira gritou. “O quê! Lá está de novo!”, disse ela,
tentando se levantar enquanto seus olhos agitados
pareciam seguir alguma coisa em volta do quarto. “Vindo
do túmulo! O quê! Sangue... sangue também! Não houve
sangue... não podes dizer isto! Não, não sorria... não
sorria com tanta pena!”
Laurentini entrou em convulsões, quando falou as
últimas palavras; e Emily, incapaz de suportar o horror
da cena, correu para fora do quarto e enviou algumas
freiras para dar assistência à abadessa.
Lady Blanche e as internas, que estavam na sala de
estar, agora se reuniram ao redor de Emily e, assustadas
com o seu comportamento e seu rosto apavorado,
fizeram umas cem perguntas, as quais ela evitou
responder além de dizer que achava que irmã Agnes
estava morrendo. Elas receberam isto como uma
explicação suficiente de seu terror, então tiveram a
brilhante ideia de oferecer-lhe tônicos restauradores que
finalmente reanimaram Emily, cuja mente, entretanto,
estava tão chocada com as suposições terríveis e
perplexa com as dúvidas de algumas palavras da freira,
que ela ficou incapaz de conversar, e teria saído do
convento imediatamente, se ela não quisesse saber se
Laurentini sobreviveria ao último ataque. Após esperar
por algum tempo, foi informada de que, como as
convulsões haviam parado, Laurentini parecia estar
acordando. Emily e Blanche estavam indo embora,
quando a madre abadessa apareceu e levou a primeira
para um canto, disse que tinha algo importante para
dizer a ela, mas, como estava tarde, não iria mantê-la ali,
pediu para vê-la no dia seguinte.
Emily prometeu visitá-la e, depois de se despedir,
voltou com Lady Blanche em direção ao castelo, no
caminho até o qual a escuridão profunda da floresta fez
Blanche lamentar que a noite estivesse tão avançada;
pois, a quietude ao redor e a escuridão a tornaram
sensível ao medo, apesar de haver um criado para
protegê-la; enquanto Emily estava ocupada demais, com
os horrores da cena que tinha acabado de testemunhar,
para ser afetada pela solenidade das sombras além do
fato de que elas contribuíam com seu devaneio
melancólico, do qual ela foi, enfim, tirada por Lady
Blanche, que mostrou duas pessoas avançando
lentamente ao longe, no caminho escuro que elas
estavam seguindo. Era impossível evitá-las sem entrar
numa parte ainda mais afastada da floresta, para onde
os estranhos poderiam segui-las facilmente; mas, toda
apreensão desapareceu, quando Emily distinguiu a voz
de M. Du Pont e viu que seu companheiro era o
cavalheiro que ela tinha visto no mosteiro, e que estava
conversando com tanta ansiedade a ponto de não
perceber que elas se aproximavam. Quando Du Pont se
juntou às damas, o estranho se despediu e eles
prosseguiram para o castelo, onde o conde, quando
ouviu sobre M. Bonnac, disse que ele era seu conhecido
e, ao descobrir a razão melancólica de sua visita a
Languedoc, e que ele estava alojado em uma pequena
hospedaria no vilarejo, implorou a M. Du Pont o favor de
convidá-lo para o castelo.
O último ficou feliz em fazê-lo e, quando os
escrúpulos do resguardo que fizeram M. Bonnac hesitar
em aceitar o convite foram, enfim, deixados de lado, eles
foram para o castelo, onde a bondade do conde e a
vivacidade de seu filho foram exauridos para dissipar a
escuridão que encobria a disposição do estranho. M.
Bonnac era um oficial no serviço Francês e parecia ter
perto dos cinquenta anos; sua figura era alta e
autoritária, suas maneiras haviam recebido o polimento
da última característica e havia algo em seu rosto
notavelmente interessante; pois, sobre as feições, que
deveriam ter sido extraordinariamente bonitas na
juventude, fora espalhada uma melancolia, que parecia
ser o efeito do infortúnio duradouro, ou invés do da
constituição ou do temperamento.
A conversa que ele teve durante a ceia foi
evidentemente um esforço de educação e houve
intervalos quando, incapaz de lutar contra os
sentimentos que o deprimiam, ele teve um relapso de
silêncio e abatimento, dos quais, contudo, o conde o
tirava, às vezes, de uma maneira tão delicada e
benevolente que Emily, enquanto o observava, quase
imaginava estar olhando para seu falecido pai.
O grupo se separou cedo e então, na solidão de seu
aposento, as cenas que Emily havia testemunhado mais
cedo voltaram à sua mente com uma energia terrível. Ter
descoberto na freira moribunda a Signora Laurentini,
que, ao invés de ter sido morta por Montoni, era culpada
de algum crime terrível ao que parecia, excitou tanto
horror quanto surpresa em níveis altos; as indicações que
ela havia dado com relação ao casamento da Marquesa
de Villeroi e as perguntas que ela fez sobre o nascimento
de Emily não lhe causaram um nível de interesse menor,
apesar de este ser de uma natureza diferente.
A história que irmã Frances havia relatado
anteriormente, que ela tinha dito ser sobre Agnes, agora
parecia errônea; mas, por qual motivo ela foi inventada,
a não ser para esconder a história verdadeira mais
efetivamente, Emily não podia nem adivinhar. Acima de
tudo, seu interesse estava exaltado com a relação que a
história da falecida Marquesa de Villeroi parecia ter com
a de seu pai; pois, que havia alguma relação entre eles, a
tristeza de St. Aubert ao ouvir o nome dela, o seu pedido
de ser enterrado perto dela e a miniatura dela, que fora
encontrada entre os seus papéis, certamente provava. Às
vezes, ocorria a Emily que ele poderia ser o amante por
quem se dizia que a Marquesa era apaixonada, quando
foi forçada a se casar com o Marquês de Villeroi; mas,
que ele tivesse mantido uma paixão por ela depois, ela
não podia se deixar acreditar por um momento sequer.
Agora pensava que os papéis que ele a encarregou de
destruir tão solenemente eram relacionados a essa
conexão, e mais ansiosamente do que nunca, ela queria
saber os motivos que o fizeram pensar que a ordem
fosse necessária, a qual, se a sua fé nos princípios dele
fosse menor, a teria levado a acreditar que havia um
mistério desonroso para seus pais com respeito ao
nascimento dela, o que aqueles manuscritos poderiam
ter revelado.
Reflexões semelhantes a essas tomaram conta de
sua mente durante a maior parte da noite e, quando ela
finalmente caiu no sono, foi somente para ter uma visão
da freira morrendo e para despertar em horrores como
aqueles que ela havia testemunhado.
Na manhã seguinte, estava indisposta demais para
comparecer ao seu compromisso com a madre abadessa
e, antes do dia terminar, soube que irmã Agnes não
estava mais viva. M. Bonnac recebeu essa informação
com preocupação; mas, Emily observou que ele não
pareceu tão comovido quanto na noite anterior,
imediatamente após sair do quarto da freira, cuja morte
era provavelmente menos terrível para ele do que a
confissão que ele havia sido chamado para receber. O
que quer que fosse, talvez ele estivesse consolado até
certo ponto pelo conhecimento do legado deixado para
ele, já que sua família era grande e a extravagância de
uma parte dela havia sido o meio de envolvê-lo em
grandes apuros recentemente, e até mesmo nos horrores
de uma prisão; foi a tristeza que ele sofreu pela carreira
selvagem de um filho preferido com as ansiedades
monetárias e os consequentes infortúnios que tinham
dado ao seu rosto o ar de abatimento que tanto
interessou Emily.
A seu amigo M. Du Pont, ele recitou alguns
particulares de seus apuros recentes, quando
aparentemente ele havia ficado preso por vários meses
em uma das prisões de Paris, com poucas chances de ser
libertado e sem o conforto de ver sua esposa, que havia
ficado ausente do país se empenhando em conseguir
assistência de seus amigos, apesar de ter sido em vão.
Quando ela, finalmente, conseguiu uma ordem para ser
admitida lá dentro, ficou tão chocada com a mudança
que o longo confinamento e a tristeza haviam trazido à
sua aparência que foi tomada por ataques que, devido à
sua duração longa, ameaçaram sua vida.
“Nossa situação afetou aqueles que a
testemunharam por acaso”, continuou M. Bonnac, “e um
amigo generoso, que estava em confinamento na mesma
época, empregou seus primeiros momentos em liberdade
em esforços para obter a minha. Ele conseguiu; a dívida
pesada que me oprimira foi dispensada; e, quando eu ia
expressar meu senso de obrigação pelo que havia
recebido, meu benfeitor desapareceu. Eu tenho razões
para crer que ele foi vítima de sua própria generosidade
e que voltou para o estado de confinamento do qual me
libertou; mas toda e cada pergunta por ele não tinha
sucesso. Bondoso e desafortunado Valancourt!”
“Valancourt!”, exclamou M. Du Pont. “De qual
família?”
“Os Valancourts, do Conde Duvarney”, respondeu M.
Bonnac.
A emoção de Du Pont ao descobrir que o generoso
benfeitor de seu amigo era o rival de seu amor só pode
ser imaginada; mas, tendo superado sua surpresa inicial,
ele dissipou as apreensões de M. Bonnac ao informá-lo
de que Valancourt estava em liberdade e que havia
estado em Languedoc recentemente. Depois disso a sua
afeição por Emily o estimulou a fazer algumas perguntas
com relação à conduta de seu rival durante sua estadia
em Paris, da qual M. Bonnac parecia estar bem
informado. As respostas que ele recebeu eram tais que o
convenceram de que Valancourt havia sido muito mal
representado e, tão doloroso quanto fosse o sacrifício, ele
formou o plano justo de desistir de Emily para um
amante que, pelo que parecia agora, não era indigno da
afeição com a qual ela o honrava.
A conversa com M. Bonnac revelou que Valancourt,
algum tempo depois de sua chegada em Paris, foi levado
para armadilhas que o vício decidido havia posto para
ele, e que suas horas foram divididas, principalmente
entre os grupos da cativante Marquesa, e daqueles
grupos de jogatina, para os quais a inveja, ou a ganância,
de seus irmãos oficiais não poupou nenhum artifício para
seduzi-lo. Nesses grupos ele perdeu grandes somas de
dinheiro em esforços para recuperar somas pequenas, e
de tais perdas o Conde De Villefort e M. Henri foram
testemunhas frequentes. Enfim, seus recursos se
esgotaram; e o conde, seu irmão, irritado com a conduta
dele, recusou-se a manter os suprimentos que eram
necessários ao seu modo de vida atual, quando
Valancourt, por consequência das dívidas acumuladas, foi
jogado na prisão, onde seu irmão o deixou ficar na
esperança de que a punição pudesse efetuar uma
reforma da conduta que ainda não havia sido confirmada
pelo hábito duradouro.
Na solidão de sua prisão, Valancourt teve
oportunidade para reflexão e causa para
arrependimento; aqui a imagem de Emily, que ficou
escurecida em meio à devassidão da cidade, porém,
nunca foi obliterada de seu coração, também foi revivida
com todos os charmes da inocência e beleza, para
repreendê-lo por ter sacrificado sua felicidade e
rebaixado seus talentos através de atividades, as quais
suas capacidades mais nobres o teriam ensinado
anteriormente a considerar tão de mal gosto quanto
degradantes. Mas, apesar de suas paixões terem sido
seduzidas, seu coração não ficou depravado e o hábito
não havia apertado as correntes que estavam pesadas
sobre sua consciência; e quando ele encontrou aquela
força de vontade que era necessária para quebrá-las,
finalmente se emancipou das amarras do vício, mas não
antes de muito esforço e severos sofrimentos.
Após ser libertado da prisão por seu irmão, onde ele
testemunhou o encontro comovente entre M. Bonnac e
sua esposa, que ele havia conhecido há algum tempo, o
primeiro uso de sua liberdade foi um exemplo
impressionante de sua humanidade e sua imprudência;
pois com quase todo o dinheiro que acabara de receber
de seu irmão, ele foi para uma casa de jogos e o usou
como um último risco pela chance de trazer seu amigo
de volta à liberdade e à sua família aflita. O resultado foi
bem-sucedido e, enquanto esperava pelo fruto desse
risco grave, ele fez um voto solene de nunca ceder ao
vício destrutivo e fascinante do jogo novamente.
Tendo restaurado o venerável M. Bonnac à sua
família jubilosa, correu de Paris para Estuviere; e no
deleite de ter feito o miserável feliz, esqueceu-se, por um
instante, de seus próprios infortúnios. Contudo, logo se
lembrou de que havia jogado fora a fortuna sem a qual
ele nunca poderia ter esperanças de se casar com Emily;
então, a vida mal parecia ser suportável, a não ser que
fosse passada com ela; pois a bondade, refinamento e
simplicidade do seu coração tornavam a sua beleza ainda
mais encantadora para a mente dele, se isso fosse
possível, do que já fora antes. A experiência havia o
ensinado a compreender o valor completo das
qualidades que ele admirava antes, mas que os caráteres
contrastantes que ele tinha visto no mundo o fizeram
adorar; e essas reflexões, aumentando as dores do
remorso e do arrependimento, causaram o abatimento
profundo que o acompanhou até mesmo na presença de
Emily, de quem ele não se considerava mais digno. À
vergonha de ter recebido obrigações monetárias da
Marquesa Chamfort ou de qualquer outra Lady de intriga,
tal como o Conde De Villefort foi informado, ou de ter se
metido em planos criminosos de máfias, Valancourt
nunca havia se submetido; e esses eram alguns dos
escândalos que muitas vezes se misturam à verdade
contra os desafortunados. O Conde De Villefort soube
desses através de uma autoridade da qual ele não tinha
razão para duvidar, e o que a conduta imprudente que
ele mesmo testemunhou em Valancourt havia
certamente o induzido a acreditar mais prontamente.
Como Emily não podia dar o nome do cavalheiro, ele não
teve a oportunidade de contradizer os escândalos; e
quando ele mesmo se confessou não ser digno da estima
dela, ele mal suspeitava estar confirmando para ela as
calúnias mais terríveis. Assim o erro havia sido mútuo e
continuava sendo tal, quando M. Bonnac explicou a
conduta de seu generoso, porém imprudente jovem
amigo a Du Pont, que, com uma justiça severa, decidiu
não apenas desenganar o conde quanto a isso, mas a
desistir de todas as esperanças com Emily. Tal sacrifício,
no que o seu amor havia transformado sua atitude,
merecia uma nobre recompensa e, se fosse possível para
ele se esquecer do benevolente Valancourt, M. Bonnac
teria desejado que Emily aceitasse o justo Du Pont.
Quando o conde foi informado do erro que havia
cometido, ficou extremamente chocado com a
consequência de sua credulidade, e o relato que
Monsieur Bonnac deu da situação de seu amigo em Paris
o convenceu de que Valancourt havia sido apanhado
pelas armadilhas de um grupo de jovens devassos, com
quem a sua profissão o havia obrigado em parte a se
associar, ao invés de por uma inclinação ao vício; e
encantado com a humanidade e a generosidade nobre,
embora precipitada, que a sua conduta para com M.
Bonnac mostrava, ele o perdoou pelos erros transigentes
que mancharam sua juventude e o restaurou ao grau alto
de estima com o qual ele o via no início de sua
convivência. Mas, como a última reparação que ele podia
fazer era dar a Valancourt uma oportunidade de explicar
a Emily sua conduta anterior, ele lhe escreveu
imediatamente para pedir seu perdão pelo mal não
intencional que lhe causou e convidá-lo para Chateau-le-
Blanc. Motivos de indelicadeza impediram o conde de
informar Emily sobre essa carta, e motivos de bondade o
impediram de contar a ela a descoberta a respeito de
Valancourt até que a chegada dele poupasse-a da
possibilidade de ansiedade quanto ao resultado; e esta
precaução a poupou de uma inquietação ainda mais
severa do que o conde previu, já que ele estava
ignorante sobre os sintomas de desespero que a conduta
recente de Valancourt havia causado.
CAPÍTULO XVII

Mas nesses casos,


Ainda temos discernimento aqui; que nós só damos
Instruções sangrentas, que, sendo ensinadas,
retornam
Para atormentar o inventor. Assim a justiça
imparcial
Traz os ingredientes de nosso cálice envenenado
Aos nossos próprios lábios.
MACBETH [ 6 2 ]

Algumas circunstâncias, de natureza extraordinária,


excitaram em Emily emoções tanto surpresa quanto de
horror.
Alguns dias depois de Signora Laurentini morrer, seu
testamento foi aberto no mosteiro, na presença dos
superiores e de M. Bonnac, quando foi descoberto que
um terço de suas propriedades seria entregue ao parente
vivo mais próximo da falecida Marquesa de Villeroi, e que
Emily era essa pessoa.
A madre abadessa sabia o segredo da família de
Emily há muito tempo e foi em obediência ao pedido
sincero de St. Aubert, um conhecido do frei que o
atendeu em seu leito de morte, que a filha dele
permaneceu ignorante de sua relação com a Marquesa.
Mas, algumas pistas haviam saído da Signora Laurentini
durante sua entrevista recente com Emily, e uma
confissão de uma natureza muito extraordinária, feita em
suas últimas horas, fez a abadessa pensar que fosse
necessário conversar com sua jovem amiga sobre o
assunto que ela não havia se aventurado a introduzir
antes; e foi para esse fim que pediu para vê-la na manhã
seguinte à sua entrevista com a freira. A indisposição de
Emily havia prevenido a conversa pretendida; mas,
depois do testamento ser examinado ela recebeu uma
convocação, que foi obedecida imediatamente, e foi
informada de circunstâncias que a afetaram
poderosamente. Como a narrativa da abadessa era
deficiente em muitos particulares, dos quais o leitor pode
querer ser informado, e a história da freira é
significativamente conectada ao fim da Marquesa de
Villeroi, nós omitiremos a conversa que se passou na sala
de estar do convento e misturaremos ao nosso relato a
breve história de...
LAURENTINI DI UDOLPHO,
...a filha única de seus pais e herdeira da antiga
casa de Udolpho, no território de Veneza. Foi o primeiro
infortúnio de sua vida, e o que levou à sua miséria
subsequente, que os amigos que deveriam ter
restringido suas paixões fortes, e a instruído
moderadamente na arte de governá-las, as tivessem
nutrido desde cedo através da indulgência. Mas, eles
estimularam, nela, as suas próprias falhas, pois a
conduta deles não foi o resultado da bondade racional e,
quando permitiam ou se opunham às paixões de sua
filha, eles gratificavam as suas próprias. Assim,
mimavam-na com fraqueza e a repreendiam com
violência. A disposição dela ficou irritada com a
veemência deles, ao invés de ser corrigida pela sua
sabedoria, e seus desentendimentos se tornaram
disputas por vitória, nas quais o carinho devido dos pais
e os deveres afetuosos da filha eram igualmente
esquecidos. Mas, quando a ternura voltava, e logo
desarmava o ressentimento dos pais, Laurentini era
deixada a acreditar que ela havia vencido, e suas paixões
se tornavam mais fortes com cada esforço que era
empregado para subjugá-las.
A morte de seu pai e de sua mãe no mesmo ano a
deixou à sua própria discrição, sob as circunstâncias
perigosas que acompanham a juventude e a beleza. Ela
gostava de companhia, deleitava-se com a admiração,
mas era desdenhosa da opinião do mundo quando ele
contradizia as suas inclinações. Tinha uma inteligência
alegre e brilhante e era mestra em todas as artes da
fascinação. Sua conduta era muito como se podia
esperar da fraqueza de seus princípios e da força de suas
paixões.
Dentre seus muitos admiradores estava o falecido
Marquês de Villeroi, que, durante seu tour pela Itália, viu
Laurentini em Veneza, onde ela morava normalmente, e
se tornou seu adorador apaixonado. Igualmente cativada
pela figura e pelos talentos do Marquês, que naquela
época era um dos nobres mais distintos da corte
francesa, ela teve o artifício de esconder dele os traços
perigosos de seu caráter, e as deformidades de sua
recente conduta tão efetivamente, que ele pediu a sua
mão em casamento.
Antes do casamento ser concluído ela foi para o
castelo de Udolpho, para onde o Marquês a seguiu e
onde a sua conduta, relaxando do decoro que ela havia
assumido recentemente, revelou o precipício onde ele
estava. Uma investigação mais minuciosa, do que ele
tinha achado necessário antes, convenceu-o de que ele
fora enganado quanto ao seu caráter, e ela, que ele
pretendia que fosse sua esposa, se tornou sua amante
depois.
Tendo passado algumas semanas em Udolpho, ele
foi chamado abruptamente para a França, para onde ele
voltou com extrema relutância, pois seu coração ainda
estava fascinado pelos truques de Laurentini, com quem,
entretanto, ele havia adiado seu casamento usando
várias desculpas. Mas, para reconciliá-la com essa
separação, ele lhe fez promessas repetidas de voltar
para concluir o casamento, assim que a questão na
França o permitisse.
Um tanto tranquilizada por essas promessas, ela o
viu partir; e logo em seguida, seu parente Montoni, ao
chegar a Udolpho, renovou os pedidos de casamento que
ela havia recusado antes, e que rejeitava novamente
agora. Enquanto isso, seus pensamentos estavam
constantemente com o Marquês de Villeroi, por quem ela
sofria todo o delírio do amor italiano, nutrido pela solidão
à qual ela confinou a si própria; pois, tinha perdido todo o
gosto pelos prazeres da sociedade e a alegria do
entretenimento. Suas únicas indulgências eram suspirar
e chorar sobre uma pintura em miniatura do Marquês;
visitar as cenas que testemunharam a felicidade deles,
derramar seu coração para ele em cartas e contar as
semanas, os dias que interviriam antes da época que ele
havia mencionado como seu retorno provável. Mas, esse
período passou e não o trouxe; e semana após semana
se seguiu em expectativa pesada e quase insuportável.
Durante esse intervalo, a mente de Laurentini, ocupada
incessantemente por um uma única ideia, ficou doente; e
como todo o seu coração era devoto a apenas uma coisa,
a vida se tornou odiosa para ela, quando pensava que
esta coisa estava perdida.
Vários meses se passaram, durante os quais ela não
teve notícia alguma do Marquês de Villeroi, e seus dias
eram marcados em intervalos pelo frenesi da paixão e a
rabugice do desespero. Ela se isolava de todos os
visitantes e, às vezes, permanecia em seu aposento por
semanas a fio, recusando-se a falar com o mundo todo,
exceto com sua criada preferida, escrevendo fragmentos
de cartas, lendo e relendo aquelas que ela havia recebido
do Marquês, chorando sobre o seu retrato e falando com
ele por muitas horas, censurando-o e acariciando-o
alternadamente.
Finalmente um boato chegou a ela, o de que o
Marquês havia se casado na França e, após passar por
todos os extremos de felicidade, ciúmes e indignação, ela
tomou a decisão desesperada de ir para aquele país em
segredo e, se o boato fosse verdade, tentar uma
vingança profunda. Ela só confiou o plano à sua criada
preferida e a encarregou de participar dele. Depois de
juntar todas as suas joias, que eram de um valor imenso
por terem descido até ela de muitos ramos de sua
família, e todo o seu dinheiro em uma quantia grande,
esta foi colocada em uma mala levada até a uma cidade
vizinha, para onde Laurentini seguiu só com essa criada,
e de lá prosseguiram em segredo para Leghorn, onde
elas embarcaram para a França.
Quando, em sua chegada a Languedoc, ela
descobriu que o Marquês estava casado há alguns
meses, seu desespero quase a destituiu de sua razão e
ela alternadamente planejou e abandonou a ideia de
matar o Marquês, sua esposa e a si própria. Enfim,
conseguiu se colocar no caminho dele, com a intenção de
repreendê-lo por sua conduta e se esfaquear na presença
dele; mas, quando ela o viu novamente, aquele que
havia sido o foco constante de seus pensamentos e
afeições, por tanto tempo, o ressentimento cedeu ao
amor; sua resolução então falhou; ela tremia com o
conflito de emoções que atacavam seu coração e
desmaiou.
O Marquês não era à prova de sua beleza e
sensibilidade; toda a energia com a qual ele amou pela
primeira vez voltou, pois sua paixão tinha sido resistida
pela prudência, ao invés de ser superada pela
indiferença; e já que a honra de sua família não o
permitira se casar com ela, ele havia tentado subjugar
seu amor, e tinha conseguido a ponto de escolher a,
então, Marquesa para ser sua esposa, a quem ele amou
primeiramente com uma afeição temperada e racional.
Mas, as virtudes moderadas daquela Lady amável não o
recompensava pela indiferença dela, que era aparente
não obstante os esforços dela para escondê-la; e ele
havia suspeitado por algum tempo que as suas afeições
estavam tomadas por outra pessoa quando Laurentini
chegou em Languedoc. Essa italiana astuta, logo
percebeu que tinha retomado sua influência sobre ele e,
tranquilizada pela descoberta, decidiu viver e empregar
todos os seus encantos para conquistar o consentimento
dele quanto ao ato diabólico que ela considerava ser
necessário para a segurança de sua felicidade. Ela
conduziu seu plano com dissimulação profunda e
perseverança paciente e, depois de afastar
completamente as afeições do Marquês de sua esposa,
cuja bondade gentil e maneiras comedidas não o
agradavam mais, comparadas aos fascínios da italiana,
ela procedeu despertando na mente dele o ciúme do
orgulho, pois não era mais o do amor, e até mesmo
mostrou para ele a pessoa por quem ela afirmou que a
Marquesa havia sacrificado sua honra; mas,
primeiramente Laurentini havia conseguido dele uma
promessa solene de não se vingar de seu rival. Essa era
uma parte importante de seu plano, pois sabia que se o
desejo de vingança dele ficasse restrito de um lado, este
só queimaria mais ferozmente em direção ao outro, e
talvez, então, ele pudesse ser convencido a ajudá-la no
ato terrível que o libertaria da única barreira que o
impedia de fazer dela sua esposa.
Enquanto isso, a Marquesa inocente observava com
tristeza extrema a alteração no comportamento de seu
marido. Ele se tornou reservado e pensativo na presença
dela; sua conduta era austera e, às vezes, até mesmo
rude; deixava-a sozinha por muitas horas, chorando pela
grosseria dele e formando planos para recuperar sua
afeição. Sua conduta a afligia mais ainda porque, em
obediência a seu pai, ela havia aceitado a mão dele,
embora suas afeições fossem de outro, cuja disposição
agradável teria garantido a sua felicidade, como ela tinha
razões para crer. Laurentini havia descoberto essa
circunstância logo após sua chegada à França, e tinha
feito uso amplo dela para assistir em seus planos em
relação ao Marquês, para quem ela apresentou provas
aparentes da infidelidade de sua esposa afim de que, na
raiva frenética da honra ferida, ele consentisse em
destruir sua esposa. Um veneno lento foi administrado e
ela foi vítima do ciúme e da sutileza de Laurentini, e da
fraqueza e culpa de seu marido.
Mas, o momento do triunfo de Laurentini, o
momento pelo qual ela havia esperado ansiosamente
para completar seus desejos, provou ser apenas o
começo de um sofrimento que nunca a deixou até a hora
de sua morte.
A paixão da vingança, que a estimulou em parte a
cometer esse crime abominável, morreu no mesmo
momento em que foi gratificada e a deixou com os
horrores do remorso e da pena em vão, que
provavelmente teriam envenenado todos os anos que ela
tinha se prometido com o Marquês de Villeroi, se as suas
expectativas de uma união tivessem sido realizadas.
Mas, ele também descobriu que o momento de sua
vingança foi o momento do remorso consigo próprio e do
ódio de sua parceira de crime; o sentimento que ele
havia confundido com convicção não existia mais; e ele
ficou atônito e horrorizado, quando não havia mais
nenhuma prova da infidelidade de sua esposa agora que
ela havia sofrido a punição da culpa. Mesmo quando foi
informado de que ela estava morrendo, ele se sentiu
repentina e inexplicavelmente certo de sua inocência, e a
promessa solene, que ela lhe fez em seu leito de morte,
não foi capaz de dar-lhe uma convicção mais forte da
conduta irrepreensível dela.
Nos primeiros horrores do remorso e do desespero,
ele se sentiu disposto a entregar a si mesmo e a mulher
que o havia jogado nesse abismo de culpa nas mãos da
justiça; mas, quando o paradoxo de seu sofrimento havia
acabado, a sua intenção mudou. Contudo, ele só viu
Laurentini uma vez depois disso, e foi para condená-la
como a instigadora de seu crime e dizer que ele só
pouparia sua vida se ela passasse o resto de seus dias
em oração e penitência. Sobrecarregada com decepção
ao receber desdém e repugnância do homem por quem
não teve escrúpulos em manchar sua consciência com
sangue humano, e tocada com o horror do crime
irreparável que tinha cometido, ela renunciou ao mundo
e foi para o mosteiro de Santa Clara, uma terrível vítima
da paixão não resistida.
Imediatamente após a morte de sua esposa, o
Marquês saiu de Chateau-le-Blanc, para o qual ele nunca
retornou, e se esforçou para perder a noção de seu crime
em meio ao tumulto da guerra ou da devassidão da
capital; mas os seus esforços foram em vão; uma
depressão profunda sempre tomou conta dele, a qual o
mais íntimo de seus amigos não conseguia explicar, e ele
finalmente morreu com um grau de horror quase igual
àquele que Laurentini havia sofrido. O médico que havia
visto a aparência singular da Marquesa depois de sua
morte teve seu silêncio comprado; e como as suposições
de alguns dos criados não foram mais longe do que um
suspiro, o caso nunca fora investigado. Se esse suspiro
em algum momento chegou ao pai da Marquesa e, se
esse foi o caso, se a dificuldade em obter provas o
impediu de processar o Marquês de Villeroi, não é certo;
mas a morte dela foi lamentada profundamente por uma
parte de sua família e particularmente por seu irmão, M.
St. Aubert; pois esta era a relação que existia entre o pai
de Emily e a Marquesa; e não há dúvidas de que ele
suspeitava do modo de sua morte. Muitas cartas se
passaram entre o Marquês e ele logo após o falecimento
de sua irmã querida, os assuntos das quais não se sabe,
mas há razões para crer que estas eram relacionadas à
causa da morte dela; e esses eram os papéis,
juntamente com algumas cartas da Marquesa, que havia
revelado para seu irmão o motivo de sua infelicidade,
que St. Aubert havia encarregado sua filha tão
solenemente de destruir. A ansiedade pela tranquilidade
dela o fez a proibir de perguntar sobre a triste história, a
qual eles aludiam. De fato, tal foi a sua aflição com a
morte prematura de sua irmã preferida, cujo casamento
infeliz havia despertado uma pena carinhosa em primeiro
lugar, que ele nunca conseguia ouvir o nome dela ou
mencioná-la ele mesmo depois de sua morte, exceto
para Madame St. Aubert. Ele havia escondido o nome e a
história de Emily, cuja sensibilidade ele temia afetar, de
maneira tão cuidadosa que até agora ela esteve
ignorante de que tinha por parente a Marquesa de
Villeroi; e por esse motivo ele havia imposto o silêncio à
sua única irmã viva, Madame Cheron, que respeitou seu
pedido escrupulosamente.
Era sobre uma das últimas cartas tristes da
Marquesa que St. Aubert estava chorando quando foi
visto por Emily, na véspera de sua partida de La Valée, e
era a pintura dela que ele acariciava tão ternamente. A
morte desastrosa dela pode explicar a emoção que ele
demonstrou ao ouvir o seu nome ser mencionado por La
Voisin e o seu pedido de ser enterrado perto do
monumento dos Villerois, onde os restos mortais dela
estavam depositados, mas não aqueles do marido dela,
que foi enterrado onde ele morreu, no norte da França.
O confessor que atendeu St. Aubert em seus últimos
momentos lembrou-se de que ele era o irmão da
Marquesa falecida, quando St. Aubert, devido ao seu
carinho por Emily, implorou-lhe que escondesse essa
circunstância e que pedisse à madre abadessa, aos
cuidados de quem ele recomendou Emily
particularmente, que fizesse o mesmo; um pedido que foi
obedecido com exatidão.
Em sua chegada à França, Laurentini havia
escondido seu nome e sua família cuidadosamente e ao
entrar no convento, para disfarçar melhor a sua
verdadeira história, fez com que a história que foi
imposta à irmã Frances circulasse, e é provável que a
madre abadessa, que não presidia o convento na época
de sua iniciação como noviça, também estivesse
completamente ignorante da verdade. O remorso
profundo que tomou conta da mente de Laurentini, junto
com os sofrimentos da paixão decepcionada, pois ela
ainda amava o Marquês, perturbou o seu intelecto
novamente e, depois que as primeiras contradições do
desespero haviam passado, uma melancolia pesada e
silenciosa se assentou em sua disposição, a qual sofreu
algumas interrupções de ataques frenéticos até a hora
de sua morte. Durante muitos anos o seu único
entretenimento foi caminhar pelas florestas perto do
mosteiro, nas horas solitárias da noite, e tocar seu
instrumento preferido, ao qual ela, às vezes, unia a
melodia de sua voz nas músicas mais solenes e tristes de
sua terra natal, moduladas por todo o sentimento
enérgico que estava em seu coração. O médico que a
atendeu recomendou a superiora que lhe permitisse essa
indulgência, o único meio de acalmar sua mente
desmoderada; e a ela foi permitido caminhar nas horas
solitárias da noite, acompanhada da criada que tinha
vindo com ela da Itália; mas, como essa indulgência era
uma transgressão das regras do convento, ela foi
mantida tão secreta quanto possível; e assim a música
misteriosa de Laurentini se combinou com outras
circunstâncias para produzir um rumor de que não
apenas o castelo, mas a sua vizinhança era mal
assombrada.
Logo após sua entrada nessa comunidade sagrada,
e antes de demonstrar quaisquer sinais de insanidade,
ela fez um testamento no qual, após deixar um legado
considerável para o convento, dividiu o restante de sua
propriedade pessoal, o que as joias haviam tornado
muito valiosa, entre a esposa de M. Bonnac, que era uma
dama italiana parente dela, e ao parente vivo mais
próximo da falecida Marquesa de Villeroi. Como Emily St.
Aubert não era somente a mais próxima, mas a única
parenta, esse legado desceu para ela e, dessa forma,
explicou-lhe todo o mistério sobre a conduta de seu pai.
A semelhança entre Emily e sua tia desafortunada
foi observada frequentemente por Laurentini e causou o
comportamento singular que a assustou; mas, foi no leito
de morte da freira, quando sua consciência lhe trazia a
ideia da Marquesa perpetuamente, que ela ficou mais
sensível do que nunca a essa semelhança e, em seu
frenesi, ela não a considerou parecida com a pessoa que
ela tinha ferido, mas com a própria original. A afirmação
audaz que se seguiu ao recuperar seus sentidos, de que
Emily era a filha da Marquesa de Villeroi, surgiu de uma
suspeita de que ela realmente era tal; pois, sabendo que
sua rival era apaixonada por outro quando se casou com
o Marquês, ela não teve escrúpulos em acreditar que a
sua honra houvesse sido sacrificada por uma paixão não
resistida, assim como a dela própria.
Contudo, de um crime no qual Emily suspeitava que
ela havia sido instrumento no castelo de Udolpho, dada a
sua confissão de assassinato frenética, Laurentini era
inocente; e ela própria havia sido enganada quanto ao
espetáculo que lhe causou tanto terror antes, e que,
desde então, havia a compelido, por algum tempo, a
atribuir os horrores da freira à consciência de um
assassinato cometido naquele castelo.
Pode-se lembrar que, num quarto em Udolpho, havia
um véu preto pendurado, cuja localização singular havia
excitado a curiosidade de Emily, e que depois revelou um
objeto que a encheu de terror; pois, ao levantá-lo, ao
invés da pintura que ela esperava, havia uma figura
humana com uma palidez medonha dentro de um recuo
na parede, estendida em seu comprimento e vestida com
o traje do túmulo. O que acrescentou ao horror do
espetáculo foi que o rosto estava parcialmente
deteriorado e desfigurado por vermes, que eram visíveis
nas feições e nas mãos. Pode-se acreditar, rapidamente,
que ninguém conseguiria aguentar olhar para tal coisa
duas vezes. Emily, como se pode lembrar, havia deixado
o véu cair após a primeira olhada e o seu medo a
impediu de renovar um sofrimento, tal como o que ela
havia experimentado. Se ela tivesse ousado olhar
novamente, sua ilusão e seus medos teriam
desaparecido e ela teria percebido que a figura à sua
frente não era humana, mas feita de cera. A história dela
é um tanto extraordinária, porém não sem outros
exemplos parecidos nos registros daquela severidade
forte que a superstição monástica já infligiu na
humanidade algumas vezes. Um membro da casa de
Udolpho, após cometer alguma ofensa contra a
prerrogativa da igreja, foi condenado à pena de
contemplar uma imagem de cera durante certas horas
do dia, feita para assemelhar um corpo humano no
estado ao qual ele é reduzido depois da morte. Essa
pena, servindo como um aviso da condição na qual ele
mesmo chegaria, foi designada para repreender o
orgulho do Marquês de Udolpho, que havia irritado tanto
o orgulho da igreja católica romana; e ele não apenas
obedeceu essa pena supersticiosamente, mas fez uma
condição em seu testamento de que seus descendentes
deveriam preservar a imagem, com medo de ter que
ceder parte de seus domínios para a igreja como multa,
para que eles também pudessem se beneficiar da
humilhação moral que ela transmitia. Portanto, a figura
foi deixada em sua estação na parede do quarto, mas os
descendentes dele dispensaram observar a penitência.
Essa imagem era tão horrivelmente natural, que não
é surpreendente que Emily tenha a confundido com o
que ela assemelhava, nem que ela houvesse acreditado
que este fosse o corpo assassinado de Lady Laurentini, já
que havia ouvido um boato tão extraordinário sobre o
desaparecimento da falecida Lady do castelo e tido tais
experiências com o caráter de Montoni, e que ele fosse o
mandante da morte dela.
O local onde ela descobriu a figura lhe causou muita
surpresa e perplexidade primeiramente; mas, a vigilância
com a qual as portas do quarto, onde ela estava
colocada, foi mantida a fizeram crer que, como Montoni
não teria ousado contar o segredo da sua morte à pessoa
alguma, ele tinha deixado os restos mortais dela para
apodrecerem naquele quarto obscuro. Contudo, a
cerimônia do véu e a circunstância das portas terem sido
deixadas abertas, mesmo que só por um instante,
deixaram-na muito surpresa e com algumas dúvidas;
mas, essas não foram suficientes para superar sua
suspeita de Montoni; e foi o medo de sua terrível
vingança que selou os lábios dela, em silêncio, quanto ao
que ela viu no quarto oeste.
Ao descobrir que a Marquesa de Villeroi era a irmã
de Monsieur St. Aubert, Emily foi afetada de várias
maneiras; mas, em meio à tristeza que havia sentido
com a sua morte inoportuna, ela ficou livre de uma
suposição ansiosa e dolorosa, causada pela afirmação
precipitada da Signora Laurentini, quanto ao seu
nascimento e quanto à honra de seus pais. A sua fé nos
princípios de St. Aubert não lhe permitiu suspeitar que
ele tivesse agido desonrosamente; e ela sentiu muita
relutância em acreditar que ela própria pudesse ser filha
de qualquer outra mulher, além daquela que sempre
havia considerado e amado como mãe, tanto que mal
admitia que tal circunstância pudesse ser possível. Mas,
a semelhança que foi frequentemente afirmada que ela
tinha com a Marquesa, o comportamento de Dorothee, a
velha governanta, a afirmação de Laurentini e a afeição
misteriosa que St. Aubert havia revelado despertaram
dúvidas quanto à sua conexão com a Marquesa, o que
sua razão não conseguia nem reprimir, nem confirmar.
Contudo, agora ela ficou livre destas e todas as
circunstâncias da conduta de seu pai foram explicadas
completamente. Seu coração, contudo, ficou oprimido
com a triste catástrofe de sua parenta bondosa e com a
lição terrível que a história da freira mostrava; a
indulgência daquelas paixões foi o que gradualmente a
levou a cometer um crime, uma profecia da qual ela teria
se afastado com horror em seus anos mais jovens e
exclamado, que isso não podia ser verdade, um crime,
que anos de penitência da pena mais severa não foram
capazes de obliterar da consciência dela.
CAPÍTULO XVIII

E então, lágrimas frescas


Ficaram na face dela, como o orvalho mel
Sobre um lírio colhido quase murcho
SHAKESPEARE[63]

Após as descobertas recentes, Emily foi distinguida


no castelo pelo conde e sua família, como uma parenta
da casa de Villeroi, e recebeu, se isso fosse possível,
ainda mais atenção amigável do que já havia lhe sido
mostrado.
A surpresa do Conde De Villefort com a demora de
uma resposta à sua carta, que foi dirigida a Valancourt
em Estuviere, misturou-se à satisfação com a prudência
que havia salvo Emily de uma parte da ansiedade que
ele estava sofrendo, apesar de que, quando ele a viu
cabisbaixa com o efeito de seu erro anterior, toda a sua
resolução foi necessária para impedi-lo de contar a
verdade que lhe daria um alívio momentâneo. O
casamento próximo, de Lady Blanche, dividia a atenção
dele com esse outro motivo de ansiedade, pois os
habitantes do castelo já estavam ocupados com os
preparativos para esse evento e a chegada de M. St. Foix
era esperada diariamente. Emily tentava, em vão,
participar da animação que a rodeava, sua disposição
estava deprimida, com as descobertas recentes e com a
ansiedade quanto ao destino de Valancourt, que foi
causada pela descrição de seu comportamento quando
ele havia entregue o anel. Ela via nisso a imprudência
sombria do desespero; e, quando considerava o que esse
desespero pode tê-lo levado a fazer, seu coração
murchava de medo e tristeza. O estado de suspense
quanto à sua segurança, ao qual ela acreditava estar
condenada até voltar para La Valée, parecia ser
insuportável e nesses momentos ela não conseguia nem
se esforçar para assumir a compostura que havia
deixado sua mente, mas muitas vezes saía
abruptamente do grupo, com o qual estava, e tentava
acalmar seu espírito na solidão profunda da floresta, que
contornava a costa. Ali, o rugido fraco das ondas
espumantes, que se quebravam lá embaixo, e o
murmúrio ranzinza do vento, entre os galhos ao redor,
eram circunstâncias em harmonia com o temperamento
de sua mente; e ela se sentava numa colina ou nos
degraus quebrados de sua torre de vigia preferida,
observando as cores mudando nas nuvens da noite e a
escuridão do crepúsculo espalhada sobre o mar até os
topos brancos das ondas que, vindo em direção à
margem, mal podiam ser discernidos em meio às águas
escurecidas. Ela repetia frequentemente os versos
entalhados nessa torre por Valancourt, com um
entusiasmo melancólico, e, então, empenhava-se para
interromper as lembranças e a tristeza que eles
causavam e voltar seus pensamentos para assuntos
indiferentes.
Uma noite, após caminhar com seu alaúde até esse
local favorito, ela entrou na torre em ruínas e subiu uma
escada em espiral, que levava até um cômodo pequeno,
que estava menos destruído do que o resto da
construção, e de onde ela tinha olhado muitas vezes com
admiração para a vista ampla do mar e da terra, que se
estendia abaixo. O sol estava se pondo naquele trato dos
Pirineus, que dividia Languedoc de Rousillon, e se
posicionando do lado oposto a uma pequena janela com
grade que, como os topos das árvores abaixo e as ondas
ainda mais para baixo, brilhavam com a luz vermelha do
oeste, ela tocou os acordes de seu alaúde numa sinfonia
solene, e, então, acompanhou-o com sua voz em uma
das melodias mais simples e emocionantes, a qual, em
dias mais felizes, Valancourt havia ouvido
frequentemente em êxtase, e que ela adaptou para os
versos seguintes.
À MELANCOLIA[64]
Espírito de amor e tristeza – salve!
Tua voz solene de longe eu ouço,
Misturando-se com a ventania da noite que morre;
Salve, com essa lágrima tristemente agradável!
Ó, nesta hora quieta, nesta hora solitária,
Tua própria doce hora do dia que termina,
Desperta teu alaúde, cujo poder encantador
Chamará a imaginação para obedecê-lo:
Para pintar o sonho da natureza romântica,
Que encontra os olhos do poeta refletindo,
Enquanto na margem do riacho escuro,
Ele dá para ela o suspiro ardente.
Ó espírito solitário! Deixa que tua música
Leve-me por todos os teus locais sagrados,
Pelos corredores do ministro iluminados pelo luar,
Onde espectros entoam o canto da meia-noite.
Eu ouço os seus hinos fúnebres aumentando!
Então desaparecem de repente nas sombras
Enquanto, da cela com pilares no claustro,
As suas formas deslizantes aparecem vagamente!
Leve-me onde os pinheiros balançam nas alturas,
Cuja relva sem trilhas é vista escuramente,
Florestas vastas, planícies e vilarejos espalhados,
E as badaladas do sino missal soam tristes,
Ou guie-me onde o remador impetuoso
Quebra o silêncio do vale,
Enquanto contorna lentamente a costa sinuosa,
Para chegar ao veleiro distante no oceano:
Para margens pedregosas que Netuno banha,
Com ondas medidas, altas e profundas,
Onde a colina escura se curva sobre as ondas,
E os ventos de outono varrem fortes.
Pare lá na hora assombrada da meia-noite,
E liste a ventania que ainda ressoa;
E capture o poder do luar fraquejante,
Sobre mares espumantes e o veleiro distante.
A tranquilidade suave da cena abaixo, onde a brisa
da noite mal rolava sobre a água ou estufava o
passageiro barco a vela, que pegava o último brilho do
sol, e onde um remo mergulhando na água, de vez em
quando, era tudo que perturbava o resplendor trêmulo,
conspirando com a melodia terna do alaúde para formar
um estado de tristeza gentil, e ela cantou as canções
tristes de tempos antigos até que as lembranças que elas
despertaram se tornaram fortes demais para o seu
coração, suas lágrimas caíram no alaúde, sobre o qual
ela se curvou, sua voz tremeu e ela foi incapaz de
continuar.
Embora o sol já tivesse afundado atrás das
montanhas, e até mesmo sua luz refletida estava
desaparecendo de seus pontos mais altos, Emily não saiu
da torre de vigia, mas continuou a satisfazer seu
devaneio melancólico até que passos um pouco ao longe
a assustaram e, ao olhar através da grade, ela viu uma
pessoa andando lá embaixo, que ela logo percebeu ser
M. Bonnac, e, então, voltou para a reflexão silenciosa que
os passos dele haviam interrompido. Após algum tempo,
ela tocou seu alaúde novamente e cantou sua música
preferida; mas, um passo a incomodou novamente e,
quando parou para escutar, ela o ouviu subindo as
escadas da torre. Talvez a escuridão da hora tivesse a
tornado sensível a algum grau de medo, o que do
contrário ela poderia não ter sentido; pois, havia visto M.
Bonnac passar há apenas alguns minutos. Os passos
eram rápidos e ressaltados e, no instante seguinte, a
porta do quarto se abriu e uma pessoa entrou, cujas
feições estavam escondidas na penumbra; mas, sua voz
não pôde ser escondida, pois era a voz de Valancourt!
Com o som que nunca era ouvido por Emily sem emoção,
ela se assustou, com espanto e um prazer duvidoso, mal
tinha o visto a seus pés, quando caiu num assento,
sobrecarregada com as várias emoções que disputavam
em seu coração e quase inconsciente daquela voz, cujos
chamados ansiosos e trêmulos pareciam estar tentando
salvá-la. Enquanto estava sobre Emily, Valancourt
deplorou sua própria impaciência precipitada em tê-la
surpreendido daquela maneira, pois quando ele chegou
ao castelo, ansioso demais para esperar pelo retorno do
conde, que ele entendeu que estava no terreno, ele
próprio foi procurá-lo quando, ao passar pela torre, foi
pego pelo som da voz de Emily e subiu imediatamente.
Um tempo considerável se passou antes dela
acordar, mas, quando sua memória voltou, ela rejeitou as
atenções dele com um ar de reserva e perguntou, com
tanto desgosto, quando ela podia sentir nesses primeiros
momentos da presença dele, o motivo de sua visita.
“Ah Emily!”, disse Valancourt. “Esse jeito, essas
palavras... Ah! Então, eu tenho pouco a esperar... quando
você deixou de me estimar também deixou de me
amar!”
“É a maior verdade, senhor”, respondeu Emily,
esforçando-se para controlar sua voz trêmula; “e se você
valorizasse minha estima, não me daria essa nova
ocasião para me sentir desconfortável”.
O rosto de Valancourt mudou de repente, das
ansiedades da dúvida para uma expressão de surpresa e
desânimo. Ele ficou em silêncio por um instante, e disse:
“eu fui levado a esperar uma recepção muito diferente!
Então, é verdade, Emily, que eu perdi o seu afeto para
sempre? Devo acreditar que, embora sua estima por mim
possa voltar... sua afeição nunca o fará? O conde pode
mesmo ter meditado a crueldade que me tortura agora
como uma segunda morte?”
A voz, com a qual ele falou isso, assustou Emily
tanto quanto suas palavras a surpreenderam e, tremendo
de impaciência, ela pediu que ele as explicasse.
“Alguma explicação é necessária?”, perguntou
Valancourt. “Você não sabe o quão cruelmente a minha
conduta foi difamada? Que as ações das quais você
acreditava que eu fosse culpado (e, ó Emily, como você
pôde me degradar tanto em sua opinião por um
momento sequer!) aquelas ações... que eu vejo com
tanto desdém e repugnância quanto você mesma? Você
está mesmo ignorante de que o Conde De Villefort
descobriu as calúnias que me roubaram tudo que me é
mais querido no mundo, e me convidou a vir aqui para
me justificar por minha conduta anterior? Certamente, é
impossível que você esteja desinformada dessas
circunstâncias, e agora eu estou me torturando
novamente com falsas esperanças!”
O silêncio de Emily confirmou essa suposição, pois o
crepúsculo escuro não permitia que Valancourt
distinguisse o espanto e a alegria duvidosa que se
fixaram nas feições dela. Por um instante, ela continuou
incapaz de falar; então, um suspiro profundo pareceu
trazer algum alívio a seu espírito e ela disse:
“Valancourt! Até este momento eu estive ignorante
de todas as circunstâncias que você mencionou; a
emoção que estou sentindo agora pode lhe garantir que
isso é verdade e que, apesar de ter deixado de lhe
estimar, eu não me ensinei a lhe esquecer
completamente.”
“Este momento”, disse Valancourt, em uma voz
baixa e se apoiando contra a janela. “Este momento me
traz uma convicção de que está me subjugando! Então,
eu sou querido por você... ainda sou querido por você,
minha Emily!”
“É preciso que eu lhe diga isso?”, ela respondeu. “É
preciso que eu diga... que esses são os primeiros
momentos de felicidade que experimentei desde a tua
partida e que eles me recompensam por todos aqueles
momentos de dor que eu sofri no intervalo?”
Valancourt suspirou profundamente e não conseguiu
responder; mas, quando levou a mão dela aos lábios, as
lágrimas que caíram sobre ela falaram numa linguagem
que não podia ser confundida e para a qual palavras
eram inadequadas.
Um tanto tranquilizada, Emily propôs voltar para o
castelo e então, pela primeira vez, lembrou-se de que o
conde havia convidado Valancourt para explicar sua
conduta e que nenhuma explicação havia sido dada
ainda. Mas, enquanto reconhecia isso, seu coração não a
deixou pensar por um instante na possibilidade da
indignidade dele; o seu olhar, sua voz, seu
comportamento, tudo falava da nobre sinceridade que o
distinguia antes; e ela se permitiu novamente satisfazer
as emoções de uma felicidade mais surpreendente e
poderosa do que ela já havia sentido antes.
Nem Emily, nem Valancourt estavam conscientes de
como chegaram ao castelo, para onde eles poderiam ter
sido transportados até mesmo pelo feitiço de uma fada,
pelo pouco que eles conseguiam se lembrar; e não foi
até eles chegarem ao salão principal que se lembraram
de que havia outras pessoas no mundo além deles. O
conde, então, aproximou-se com surpresa e com a
alegria da benevolência pura para receber Valancourt e
pedir o seu perdão pela injustiça que lhe fez; logo depois,
Monsieur Bonnac se juntou a esse grupo feliz, no qual ele
e Valancourt ficaram mutuamente jubilosos em se
encontrarem.
Quando os primeiros parabéns haviam acabado e a
alegria geral ficou um pouco mais tranquila, o conde foi
com Valancourt para a biblioteca, onde uma longa
conversa se passou entre eles, na qual o último se
justificou tão claramente das partes criminosas da
conduta atribuída a ele, confessou tão sinceramente e
lamentou tão ardentemente as loucuras que havia
cometido, que o conde foi confirmado em sua crença de
tudo que ele havia esperado; e, enquanto via tantas
virtudes nobres em Valancourt e que a experiência tinha
o ensinado a detestar as loucuras que antes ele somente
não admirava, não teve escrúpulos em acreditar que ele
passaria pela vida com a dignidade de um homem bom e
sábio, ou em confiar aos cuidados dele a felicidade futura
de Emily St. Aubert, por quem ele sentia a preocupação
de um pai. Logo, informou-a disso numa conversa rápida,
quando Valancourt o deixou. Enquanto Emily escutava
um relato dos serviços que Valancourt havia feito para M.
Bonnac, seus olhos transbordaram com lágrimas de
prazer e a segunda conversa com o Conde De Villefort
dissipou perfeitamente toda dúvida, quanto a conduta
passada e futura dele, por quem ela restaurou, sem
medo, a estima e o afeto com o qual ela o recebera
antes.
Quando eles voltaram para a sala de jantar, a
condessa e Lady Blanche receberam Valancourt com
congratulações sinceras; e, de fato, Blanche estava tão
alegre ao ver Emily com sua felicidade restaurada a
ponto de se esquecer, por um momento, que M. St. Foix
ainda não havia chegado ao castelo, embora ele fosse
esperado há algumas horas; mas, sua compaixão
generosa foi recompensada, em seguida, pela chegada
dele. Agora ele estava perfeitamente recuperado dos
ferimentos recebidos durante sua aventura perigosa nos
Pirineus, a menção da qual servia para acentuar a noção
de sua felicidade presente naqueles que estiveram
envolvidos. Novas congratulações se passaram entre
eles, e, ao redor da mesa de jantar, estava um grupo de
rostos sorrindo de felicidade, mas com uma felicidade
que tinha um caráter diferente em cada um. O sorriso de
Blanche era sincero e animado, o de Emily era terno e
pensativo; o de Valancourt era exultante, terno e alegre
alternadamente; o de M. St. Foix era jubiloso e o do
conde, ao olhar para o grupo ao seu redor, expressava a
complacência temperada da benevolência; enquanto as
feições da condessa, de Henri e M. Bonnac mostravam
traços mais fracos de animação. O Pobre M. Du Pont não
trouxe uma sombra de lamentação para o grupo com sua
presença; pois, quando havia descoberto que Valancourt
não era indigno da estima de Emily, ele se decidiu
seriamente a se empenhar em vencer sua própria
afeição incorrigível e saiu de Chateau-le-Blanc, uma
conduta que Emily compreendeu e recompensou com
sua admiração e pena.
O conde e seus convidados continuaram juntos até
tarde, cedendo aos deleites da animação social e às
doçuras da amizade. Quando Annette soube da chegada
de Valancourt, Ludovico teve dificuldade em impedi-la de
ir até a sala de jantar para expressar sua alegria, pois ela
declarou que nunca ficou tão feliz com um acidente como
este desde que encontrou o próprio Ludovico.
CAPÍTULO XIX

Agora minha tarefa foi cumprida


tranquilamente,
Eu posso voar, ou posso correr
Velozmente até o fim da terra verdejante,
Onde o firmamento côncavo se curva,
E, de lá, posso me elevar
Até os cantos da lua.
MILTON [ 6 5 ]

Os casamentos, de Lady Blanche e Emily St. Aubert,


foram celebrados no mesmo dia e com a magnificência
antiga dos barões em Chateau-le-Blanc. Os banquetes
foram dados no salão principal do castelo, que nessa
ocasião estava decorado com tapeçarias novas e
esplêndidas, representando as aventuras de Carlos
Magno e seus doze cavaleiros; aqui os mouros eram
vistos avançando para a batalha com suas viseiras
assustadoras; e ali eram mostradas as solenidades
bárbaras da feitiçaria e os atos necromânticos realizados
pelo mago Jarl diante do imperador. Os estandartes
suntuosos da família De Villeroi, que há muito tempo
dormiam na poeira, foram desenrolados mais uma vez
para balançarem sobre os picos góticos das janelas de
vitrais; e música ecoava em várias melodias longas,
através de cada galeria sinuosa e de cada colunata do
amplo edifício.
Quando Annette olhou para baixo, para o corredor
que entrava no salão, cujas arcadas e janelas estavam
iluminadas com festões brilhantes de lampiões, e
contemplou as vestes esplêndidas dos dançarinos, os
uniformes caros dos criados, os dosséis de veludo roxo e
dourado, e ouviu as melodias alegres que flutuavam ao
longo do teto abobadado, ela quase se imaginou em um
castelo encantado e declarou que nunca havia
encontrado um lugar que a encantasse tanto desde que
leu os contos de fadas; não, que as próprias fadas, em
suas festas noturnas nesse velho salão, não poderiam
exibir nada mais fino; enquanto a velha Dorothee
suspirava ao inspecionar a cena, e disse que o castelo
parecia como costumava ser na época de sua juventude.
Após agraciarem as festividades de Chateau-le-
Blanc por alguns dias, Valancourt e Emily se despediram
de seus amigos e voltaram para La Valée, onde a leal
Theresa os recebeu com uma alegria genuína e as
sombras agradáveis lhes deram as boas-vindas com mil
lembranças ternas e comoventes; e, enquanto
passeavam juntos pelas cenas habitadas há muito tempo
por Monsieur e Madame St. Aubert, e Emily mostrava os
locais preferidos deles com uma afeição pensativa, a sua
felicidade atual aumentou ao pensar que ela seria digna
da aprovação deles, se eles pudessem testemunhar
aquilo.
Valancourt a levou até o plátano no terraço, onde
ele ousou declarar seu amor pela primeira vez, e onde
agora a lembrança da ansiedade que ele sentira, e o
retrospecto de todos os perigos e infortúnios que cada
um deles havia enfrentado desde que se sentaram juntos
sob seus galhos amplos pela última vez, exaltou o senso
de sua felicidade presente, a qual, neste local santificado
pela memória de St. Aubert, eles juraram solenemente
tentar merecer, o quanto fosse possível, ao tentar imitar
a benevolência dele, ao se lembrar de que realizações
superiores de qualquer tipo trazem consigo deveres de
exaustão superior, e ao dar a seus companheiros,
juntamente com aquela porção de confortos comuns que
a prosperidade sempre deve aos desafortunados, o
exemplo de vidas passadas em alegre gratidão a Deus e,
portanto, em ternura cuidadosa com suas criaturas.
Logo após o retorno deles para La Valée, o irmão de
Valancourt veio parabenizá-lo por seu casamento e
homenagear Emily, com quem ele estava tão satisfeito,
assim como com o prospecto de felicidade racional que
esse casamento oferecia para Valancourt, que
imediatamente lhe deu uma parte de suas ricas terras, a
totalidade das quais, como ele não tinha família, iria, é
claro, ser de Valancourt com a sua morte.
As propriedades em Toulouse foram vendidas e
Emily comprou de M. Quesnel, as terras antigas de seu
falecido pai, onde, dando a Annette uma parte delas para
o seu casamento, ela a acomodou como sua governanta
e Ludovico como o mordomo; mas, já que tanto
Valancourt quanto ela mesma preferiam as sombras
agradáveis e muito amadas de La Valée do que o
esplendor de Epourville, eles continuaram a residir lá,
embora passassem alguns meses ao ano no local de
nascimento de St. Aubert em respeito carinhoso à sua
memória.
O legado que fora deixado para Emily pela Signora
Laurentini, ela implorou a Valancourt que a deixasse dar
para M. Bonnac; e quando ela fez o pedido, Valancourt
sentiu todo o valor do elogio que ela transmitia. O
castelo de Udolpho também desceu para a esposa de M.
Bonnac, que era a parente viva mais próxima da casa
daquele nome, e assim a abundância restaurou a paz no
espírito dele, oprimido por muito tempo, e restaurou o
conforto da família.
Ó! Quão alegre é contar de uma felicidade tal como
a de Valancourt e Emily; contar que, após sofrer com a
opressão dos perversos e o desdém dos fracos, eles
finalmente foram trazidos de volta um para o outro, para
as paisagens amadas de sua terra natal, para a felicidade
mais segura dessa vida, aquela de aspirar à moral e ao
esforço para o melhoramento intelectual, para os
prazeres da sociedade educada e para o exercício da
benevolência que sempre animou seus corações;
enquanto as árvores de La Valée se tornaram mais uma
vez o refúgio da bondade, da sabedoria e das bênçãos
domésticas!
Ó! Que isto possa ter mostrado que, embora, às
vezes, os maus possam trazer aflição aos bons, o seu
poder é transigente e sua punição é certa; e que a
inocência, apesar de ser oprimida pela injustiça, ao ser
apoiada pela paciência deverá finalmente triunfar sobre
os infortúnios!
E, se a mão fraca que registrou esta história distraiu
o sofredor de uma hora de tristeza com suas cenas, ou o
ensinou a suportá-la com sua moral, o esforço, apesar de
ser humilde, não foi em vão, e o autor não ficou sem
recompensa.
FIM
Copyright © 2018 by Pedrazul Editora Ltda.
Todos os direitos reservados à Pedrazul Editora.
Texto adaptado à nova ortografia da Língua
Portuguesa,
Decreto n° 6.583, de 29 de setembro de 2008.

Direção geral: Chirlei Wandekoken


Direção de arte: Eduardo Barbarioli
Tradução: Bianca Costa Sales
Revisão: Josiane De Nardi

R125m Radcliffe, Ann Ward (1764 — 1823)


Os mistérios de Udolpho : volume II / Ann Radcliffe. –
Domingos Martins, ES : Pedrazul Editora, 2018.
Título original: The Mysteries of Udolpho
CDD – 823

Reservados todos os direitos desta tradução e


produção. Nenhuma parte desta obra poderá ser
reproduzida por fotocópia, microfilme, processo
fotomecânico ou eletrônico sem permissão expressa da
Pedrazul Editora, conforme Lei n° 9610 de 19/02/1998.

PEDRAZUL EDITORA
Rua Professora Zilda Andrade, 260 B, Bairro de
Lourdes
Vitória – ES – Cep: 29042-751
www.pedrazuleditora.com.br
contato@pedrazuleditora.com.br

[1] - Tradução livre dos versos de Ann Radcliffe.

[2]
- Livre tradução da obra de William Shakespeare, Macbeth.

[3] - Livre tradução de trecho da obra de John Milton, Il Pensoroso.

[4]
- Livre tradução de trecho da obra de John Milton, Comus.

[5]
- Livre tradução de trecho de Júlio Cesar, de William Shakespeare.

[6]
- Livre tradução de trecho da obra de William Mason, Elegy: On the Death of a Lady.

[7]
- Mais com pena do que com raiva – citação intertextual. Vide nota no capítulo 1.

[8]
- Domenico Zampieri foi um pintor barroco italiano.

[9]
- “Agradável... colina.” – citação de trecho da obra de James Macpherson, The Poems

of Ossian.

[10]
- Livre tradução de trecho de Comus, de John Milton.

[11]
- Livre tradução da citação “her place of dearest residence”, de Elfrida, de William

Mason.

[12]
- Palavra de comando usada para estimular cães de caça a entrarem em ação.
[13]
- Livre tradução da citação de The Bard, de Thomas Gray.

[14]
- Vide as obras de Abbé Berthelon sobre a eletricidade (nota da autora).

[15]
- Livre tradução de trecho da obra The Castle of Indolence, de James Thomson.

[16]
- Livre tradução do poema, The Pilgrim, da própria Radcliffe. (Este poema e aquele

chamado O Viajante, no volume II, que já apareceu em um periódico). [nota da autora no

original].

[17]
- Lady de Loreto – a Virgem Maria.

[18]
- Tradução livre do poema de Ann Radcliffe, To A Sea-Nymph.

[19]
- Hesper – o sol. As três ninfas associadas ao pôr do sol na mitologia grega eram

chamadas de Hespérides, por isso Ann Radcliffe nomeia do astro de tal forma.

[20]
- Cynthia – nome dado tradicionalmente à deusa grega da lua.

[21]
- Livre tradução de trecho de King Richard II, de William Shakespeare.

[22]
- Livre tradução de trecho de The Minstrel, de James Beattie.

[23]
- Livre tradução de trecho de The Castle of Indolence, de James Thomson.

[24]
- Livre tradução livre dos versos de Ann Radcliffe.
[25]
- Livre tradução da obra de trecho de Ode To Evening, de William Collins.

[26]
- Livre tradução dos versos de Ann Radcliffe.

[27]
- Livre tradução de trecho de David and Goliath, de Hannah More.

[28]
- Livre tradução de trecho de Lycidas, de John Milton.

[29]
- Livre tradução de trecho de The Castle Of Indolence, de James Thomson.

[30]
- Livre tradução dos versos de Ann Radcliffe, The Butter-Fly to His Love.

[31]
- Nome dado a uma personificação da deusa da lua na mitologia grega, Artemis.

Também era chamada de Diana na mitologia romana.

[32]
- Livre tradução de trecho de Ode For Music, de Thomas Gray.

[33]
- Livre tradução de trecho da obra de Homero (baseado na tradução de Alexander

Pope), A Ilíada.

[34]
- Livre tradução de trecho de O Nightingale, de John Milton.

[35]
- Livre tradução livre de trecho de Sonho de Uma Noite de Verão, de William

Shakespeare.

[36]
- Livre tradução de trecho de Romeu e Julieta, de William Shakespeare.

[37]
- Livre tradução de trecho de The Tempest, de William Shakespeare.

[38]
- Livre tradução livre de trecho de Sonho de Uma Noite de Verão, de William

Shakespeare.
[39]
- Livre tradução de trecho de Hymn On Solitude, de James Thomson.

[40]
- Livre tradução dos versos de Ann Radcliffe, Song Of The Evening Hour.

[41]
- Livre tradução de trecho de The Castle Of Indolence, de James Thomson.

[42]
- Livre tradução de trecho de Julius Caesar, de William Shakespeare.

[43]
- Livre tradução livre do poema Shipwreck, de Ann Radcliffe.

[44]
- Livre tradução de trecho de Hamlet, de William Shakespeare.

[45]
- Antigo método de tortura medieval usado comumente como punição a criminosos

condenados pelo Estado na época em que a história se passa.

[46]
- Livre tradução de trecho de Hamlet, de William Shakespeare.

[47]
- As Fúrias (Erínias na mitologia grega) são figuras da mitologia romana que

personificavam a vingança, encarregadas de punir os mortais por seus erros e pecados.

[48]
- Livre tradução de trecho de The Pleasures of Memory, de Samuel Rogers.

[49]
- Nome popular dado à flor Laburnum.

[50] - Livre tradução de trecho da Ode on a Distant Prospect of Eton College, de

Thomas Gray.

[51]
- Livre tradução do poema To Autumn, de Ann Radcliffe.

[52]
- Livre tradução de trecho de Macbeth, de William Shakespeare.
[53]
- Dança lenta e processional muito comum na Europa no século XVI.

[54]
- Livre tradução de To The Bat, de Ann Radcliffe.

[55]
- Citação não identificada.

[56]
- Livre tradução de trecho de The Minstrel, de James Beattie.

[57]
- Livre tradução de trecho de Retirement, de James Beattie.

[58]
- Livre tradução de trecho de II Penseroso, de John Milton.

[59] - Livre tradução de trecho de Ode for Music, de Thomas Gray.

[60]
- Livre tradução dos versos To The Winds, de Ann Radcliffe.

[61]
- Livre tradução de trecho de Macbeth, de Shakespeare.

[62]
- Livre tradução de trecho de Macbeth, de William Shakespeare.

[63] - Livre tradução de trecho de Titus Andronicus, de William Shakespeare.

[64] - Livre tradução de To Melancholy, de Ann Radcliffe.

[65]
- Livre tradução de trecho de Comus, de John Milton.

Você também pode gostar