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Direção Espiritual (Parte I)

Definindo com maior clareza esta imensa graça

“Vê bem com quem te aconselhas; informa-te primeiro quais são os seus
interesses, porque ele pensa neles dentro de si próprio. Isto, para que não
suceda talvez que finque na terra uma estaca, e te diga: O teu caminho é
bom — enquanto se põe do outro lado, para ver o que te acontecerá.
Consulta sobre santidade um homem sem religião, um injusto sobre
justiça, uma mulher sobre outra de quem ela tem ciúme, um covarde a
respeito de guerra, um negociante acerca do tráfico de mercadorias, um
comprador sobre a venda, um invejoso sobre o reconhecimento. um ímpio
sobre a piedade, um desonesto sobre a honestidade, um operário do
campo sobre qualquer trabalho um jornaleiro por ano sobre o que ele
deve fazer durante um ano, um servo preguiçoso a respeito dum grande
trabalho!... Nunca te aconselhes com estes sobre tais coisas. 15 Comunica,
sim, continuamente com um homem santo, que tu reconheceres fiel ao
temor de Deus, 16 cuja alma é segundo a tua alma, e que se condoerá de
ti, quando andares titubeando nas trevas. Forma dentro de ti um coração
de bom conselho, porque não tens outra coisa de maior preço do que ele.
A alma dum homem santo descobre algumas vezes melhor a verdade, do
que sete sentinelas postadas num lugar elevado para atalaiar. Mas sobre
tudo pede ao Altíssimo que dirija o teu caminho em verdade” (Eclesiástico
37: 10-15)

Há alguns bons anos atrás, eu encontrei essa passagem na Sagrada


Escritura e tive a certeza de que ela falava sobre a direção espiritual, sobre
a figura do que chamamos aqui no Ocidente de “diretor” ou “orientador”
espiritual. Em nossa tradição ortodoxa comumente falamos de “pai
espiritual” ou “mãe espiritual”, ou ainda como os eslavos, “staretz” e os
gregos, “geron” ou “geronda”.
Viver é escolher! E, mesmo que como sacerdotes e religiosos
tenhamos sido escolhidos por uma eleição divina, a cada momento da
vida vamos fazendo opções que confirmam (ou não) tal escolha. Faz
sentido? A cada instante a vida humana é feita de escolhas e de caminhos
a serem percorridos. Mas qual caminho devemos seguir diante da vontade
de Deus para nós?
A Tradição da Igreja parte do pressuposto básico de que Deus, de
alguma maneira, dirige-se aos homens para ajudá-los, agindo algumas
vezes diretamente na alma e outras, por meio de outra pessoa que será
como que um canal ou instrumento da sua graça. Faz sentido?
Ninguém nasce sozinho, caminha sozinho e, provavelmente, não
morre sozinho, porque a história de cada um de nós é profundamente
interligada ao passado, ao presente e ao futuro. A história nos mostra
como Deus não só criou o ser humano, mas, com sua palavra, com seus
profetas e com uma pedagogia de amor, conduziu-o até a experiência da
sua presença de Pai. A direção espiritual encontra o seu lugar na história
da salvação, na qual a palavra de Deus é luz que ilumina os nossos
caminhos, em que Jesus, palavra feita carne, se faz nosso amigo e
companheiro de viagem. É possível ao ser humano fugir de uma ajuda
educativa?
Cultivar uma vida com Deus é uma dimensão essencial da jornada
cristã. O objetivo da nossa vida cristã ortodoxa é a ‘theosis’, ou seja, nossa
comunhão santificante com a Trindade Santa. Como viveremos sozinhos
nossa vocação rumo à eternidade? E nós a cultivamos melhor quando
fazemos esta jornada espiritual com outras pessoas que se doam uma a
outra através da oração, do discernimento e do encorajamento. O
ministério da direção espiritual é uma forma de relacionamento que
responde a essa necessidade!
A direção espiritual é uma prática histórica da Igreja pela qual um
cristão caminha ao lado de outro, ajudando-o a ouvir em espírito de
oração a presença e a atividade de Deus na vida, a crescer em intimidade
com Deus e a viver à luz desse relacionamento. Neste momento de grande
dificuldade que a humanidade está passando, muitas pessoas precisam de
um conselheiro ou um diretor espiritual com as competências necessárias
para melhor auxiliar. Como falaremos depois, este carisma não é apenas
exclusivo dos monges ou clérigos. O Espírito Santo dá a certos fiéis o dom
da sabedoria, do entendimento, da inteligência espiritual e do
discernimento dirigidos a esse bem comum que é a direção espiritual.
Aqueles e aquelas que foram dotados de tais dons e carisma são
verdadeiros servidores da tradição viva da oração. Nós temos percebido
essas pessoas em nossas Comunidades?
A expressão "direção” ou “acompanhamento espiritual" visa
descrever a relação existente entre um cristão que deseja crescer em sua
fidelidade à vocação e à santidade e outro cristão que o ajuda em sua
jornada em direção ao Senhor. Hoje quando pensamos neste serviço
ministerial da direção espiritual, a entendemos como a ajuda dada por um
cristão a outro, ajuda essa que capacita este outro a prestar atenção à
comunicação pessoal de Deus com ele, a responder a esse Deus
pessoalmente comunicante, a aumentar a sua intimidade com ele e a viver
as consequências desse relacionamento.
A Sagrada Escritura nos concede várias fundamentações da direção
espiritual (Cf. Tb 4:18; Eclo 37: 23; At 8: 30-31.35; I Tim 4:6). O Evangelho
detalha a conversão e o seguimento de muitas pessoas que tiveram um
encontro pessoal com o Senhor Jesus e precisavam de alimentar tal
discipulado (Cf. Jo 3:1-21; Lc 19:2-10; 24:32). A começar pelos próprios
apóstolos, que deixaram tudo para segui-lo, até a conversão de São Paulo
mediada por Ananias (Cf. At 9: 6-11; 22:10). Estas passagens bíblicas
relatam como o coração destes homens e mulheres emudeceram e se
abrandaram com as palavras e gestos de amor do Senhor e seus
colaboradores.
Além disso, os Atos dos Apóstolos, bem como, as Cartas do Novo
Testamento nos dão indícios da preocupação paternal pelos recém-
nascidos na fé cristã. Desta forma, em cada comunidade, os apóstolos iam
deixando pessoas dignas e com autoridade para que os substituíssem
como guias espirituais: “Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom
ministro de Jesus Cristo, criado com as palavras da fé e da boa doutrina
que tens seguido” (I Tm 4:6) E ainda: “Pois, ainda que venhais a ter dez mil
tutores em Cristo, não teríeis, entretanto, muitos pais. Porquanto em
Cristo Jesus eu mesmo os gerei por intermédio do Evangelho” (I Cor 4:15).
Na Igreja primitiva, as cartas de São Inácio de Antioquia, por
exemplo, são provas de como viver o Cristianismo como caminho de
radicalidade, a fim de nos identificarmos com o Jesus Cristo. Contudo, a
direção espiritual cresce e se solidifica na história da Igreja, a partir do
Monaquismo e dos Pais do Deserto, tais como, os Santos Pacômio,
Dositeo, Sabas, Doroteu, João Clímaco, João Damasceno, etc. A Filocalia
também nos traz muitos exemplos sobre essa santa realidade.
Nosso pai Basílio um dia ensinou e escreveu: “Ponde sempre a
maior diligência e a maior atenção em encontrar uma pessoa que vos
possa servir de guia seguro na tarefa que quiserdes empreender para
alcançar uma vida santa; escolhei alguém que saiba indicar às almas de
boa vontade pelos verdadeiros caminho que conduzem a Deus”.
Os Santos Padres e os autores espirituais, e a própria regra e
dinâmica de vida eclesial falam da necessidade deste aconselhamento ou
direção, sobretudo no itinerário formativo, como também em algumas
circunstâncias da vida cristã. Existem momentos na vida que necessitam
de um discernimento especial e de um acompanhamento fraterno!
Alguém duvidaria dessa verdade tão existencial?
São João Cassiano, tem um claro entendimento sobre o tema ao
escrever: “Aquele que segue a sua inspiração pessoal e se fia
demasiadamente no seu próprio juízo, nunca poderá alcançar os cumes da
perfeição. É impossível que não sucumba às perigosas ilusões pelas quais
conspira o demônio [...] ninguém está autorizado, por mais sábio que seja,
a acreditar que poderá prescindir dos conselhos de um irmão. As ilusões
de Satanás o levaram ao engano e ele não escapará dos laços que estará
atado pela presunção da soberba (Conferências II, 16).
No Ocidente, Catarina de Sena, ensinou: “Uma coisa vos peço: não
andeis a procura de muitos conselheiros. Escolhei um, que vos oriente
santamente, e obedecei-lhe [...], portanto, o melhor e mais necessário é
que a pessoa escolha um conselheiro e procure ser perfeita naquilo que ele
disser”
A par da pregação da Palavra de Deus e da santificação do homem
nos Sacramentos, a direção espiritual é um dos importantes aspectos da
missão da Igreja no que diz respeito à nossa salvação. Consiste ela na
solicitude pelos filhos espirituais no seu crescimento espiritual, que
determina todo o caminho da vida cristã verdadeiramente ortodoxa.
No que diz respeito a este ministério da direção espiritual, pessoas
com maior experiência espiritual orientam as pessoas com menor
experiência no caminho da perfeição espiritual. A direção espiritual
realiza-se pela graça do Espírito Santo, que inspira o diretor e ilumina o
discípulo. Nunca haverá essa graça fora da presença do Espírito de Deus! A
direção espiritual é a guia da pessoa pelos caminhos de Deus: Ensina-se o
discípulo a ouvir a voz do Senhor e viver segundo os Seus mandamentos e
Sua Santíssima Vontade. Seguindo o conselho do pai espiritual, o filho
espiritual faz a opção de vida à luz da vocação de Deus, definindo assim a
sua missão na vida, descobre e vivencia o “plano de Deus” na sua vida
cotidiana em busca da deificação!
Uma figura característica no monasticismo ortodoxo é o "ancião" ou
"homem velho" (no grego geron; no russo staretz, no plural startsi). O
ancião é um monge de discernimento espiritual e sabedoria, a quem os
outros — monges ou pessoas de fora — adotam como seu guia e diretor
espiritual. Ele é as vezes um padre, mas frequentemente um monge leigo;
ele não recebe ordenação especial ou indicação para o trabalho de
presbítero, mas é dirigido a ele pela inspiração direta do Espirito. O ancião
vê de um modo prático e concreto qual é o desejo de Deus em relação a
cada pessoa que vem consultá-lo: este é o dom especial do ancião ou
carisma. O mais antigo e mais celebrado dos startsi monásticos foi Santo
Antão. A primeira parte de sua vida, de dezoito aos cinquenta e cinco
anos, passou-a em retiro e na solidão; então, embora ainda vivendo no
deserto, abandonou esta vida de clausura total e começou a receber
visitantes. Um grupo de discípulos reuniu-se em torno dele, e além desses
discípulos havia um grande círculo de pessoas que vinham
frequentemente de longa distância pedir seus conselhos; tão grande era o
volume de visitas que, como escreveu Atanásio o biógrafo de Antão,
tornou-se o médico de todo o Egito. Antão teve muitos sucessores, e na
maioria deles encontra-se o mesmo modelo exterior de eventos — um
retiro para retornar. Um monge deve primeiro retirar-se, e em silêncio
deve aprender a verdade a seu respeito e a respeito de Deus. Então, após
essa longa e rigorosa preparação na solidão, tendo recebido os dons do
discernimento necessários a um ancião, ele pode abrir a porta de sua cela
e receber o mundo do qual ele anteriormente fugiu.
O pai ou a mãe espiritual cumpre sua missão com a bênção da
Igreja! Recebem essa bênção pessoas que são chamadas por Deus para
conduzir outras pessoas à santidade, e que têm a experiência pessoal
necessária de vida espiritual. O cristão escolhe livremente o pai espiritual
como guia no comum caminho da salvação, pelo qual ambos seguem num
clima de amizade e confiança. A experiência espiritual permite ao pai
espiritual discernir os dons da graça divina e apontar os meios concretos
para o desenvolvimento espiritual da pessoa. Em nosso último Sínodo, por
exemplo, dois dos nossos sacerdotes foram designados a acompanhar
espiritualmente nossos seminaristas africanos.
Em Fevereiro de 2024, nosso amado Vladyka Teofano, escrevendo
sobre eles, registrava: “Eles, os STARETZ, a última fronteira entre os
abismos e a escada para o céu. Nessa fronteira, estamos onde nossas
sombras se erguem, cobrindo a luz interior de uma alma em guerra. Mas
está aí, o olhar do Staretz, que com seus olhos de eternidade, nos ensina,
nos guia, com o sussurro da noite, e nos nossos sonhos, o caminho para a
Escala Sagrada”.
Perceberam que na nossa realidade ortodoxa eslava o termo mais
utilizado é “Staretz”, que significa “ancião” ou “mestre espiritual”? Father
Alexander diz que “Toda a sua vida e todas as suas atividades se moviam
em torno de Deus e da Santa Igreja, como a roda em torno de seu eixo. O
Staretz não conseguia falar sobre a Igreja sem verter lágrimas”.
São Gregório Magno disse que: “A orientação espiritual é a arte de
guiar as almas, é a arte das artes”
Para Ortodoxia O staretz é visto como um mentor espiritual que
ajuda os fiéis a se aproximarem de Deus e a crescerem em sua vida de
oração e devoção. Eles oferecem conselhos e direção espiritual, ajudando
as pessoas a superar seus desafios e a encontrar significado e propósito
em suas vidas. Eles são geralmente monges ou eremitas que são
reconhecidos por sua sabedoria e santidade, e são procurados por aqueles
que buscam orientação espiritual.
Os ensinamentos dos Staretz foram registrados em diversos
escritos, que se tornaram uma riqueza de literatura espiritual para os fiéis
ortodoxos. Entre os mais conhecidos, podemos citar “A Vida de São
Serafim de Sarov”, escrita por seu discípulo Nikolai Motovilov, e “Minha
Vida em Cristo”, escrito por São João de Kronstadt em forma de diário
espiritual. Leiam, por favor, estes textos!
Vivemos um contexto bem diferente do que viveram nossos Santos
Padres e Patriarcas. É um tempo de mudanças antropológicas profundas.
A cultura hodierna não favorece a nossa identidade cristã ortodoxa; muito
menos o chamado à santidade. Os fiéis ortodoxos enfrentam hoje muitos
desafios, como a secularização, a influência da cultura ocidental e a perda
de tradições espirituais. Nesse contexto, o exemplo dos Staretz pode ser
uma fonte de inspiração e orientação. Os ensinamentos dos Staretz nos
lembram da importância da simplicidade, da humildade e da vida de
oração em nossa jornada de fé. Eles também nos incentivam a cultivar
uma relação pessoal com Deus e a confiar em sua providência.
A base da direção deve estar no desejo sério e constante de fazer a
vontade de Deus, que é um ato de amor e comporta o risco da liberdade.
É um estar disposto a entrar em um confiante relacionamento
interpessoal com Deus e em uma dinâmica de discernimento. A direção
espiritual é uma experiência pedagógica, uma escola de discernimento
espiritual cotidiano, um conhecimento diário da Vontade de Deus no
concreto da própria vida e existência. É educação à liberdade interior e
docilidade ao Espírito. Por isto, tem um início, um itinerário com etapas,
um crescimento progressivo, um caminho ordenado a partir da realidade
histórica, com saltos de qualidade e talvez até momentos de conflitos.
Mesmo que o objetivo da direção espiritual não seja exclusivamente
fazer um discernimento sobre algum aspecto da vida, não se pode ignorar
a prática do discernimento espiritual no interno do processo da direção
espiritual própria. Para resolver as questões pessoais e comunitária, é
necessário recorrer ao conselho dos irmãos sacerdotes, sobretudo
daqueles que devem exercê-lo pela missão a eles confiada, conforme a
graça de estado, recordando que o primeiro «conselheiro» ou «diretor» é
sempre o Espírito Santo, ao qual se deve recorrer com uma oração
constante, humilde e confiante e o dom de uma escuta atenta e
profética...
Ninguém tem todas as respostas, como se fosse alguém
autossuficiente. É preciso enxergar a vida, os conflitos e também muitas
dimensões de benefícios que precisam ser trilhadas com a ajuda de
alguém que nos dirija espiritualmente e nos leve ao crescimento e à
vivência das virtudes. O diretor espiritual é aquele que ajuda a pessoa na
descoberta da vontade de Deus para ela. Não é necessário que seja
somente um sacerdote. Outra pessoa pode também ser um diretor
espiritual, como um religioso, um monge, um consagrado e até mesmo
um leigo pode exercer essa direção espiritual. Só que é necessário haver
uma clareza nesta questão de que essa função vai exigir, sim, requisitos e
preparo.
Em geral, nossos Santos Padres falam de três qualidades
fundamentais para o diretor espiritual: a caridade, a ciência e a prudência.
A caridade que consiste em ter de dispensar tempo para atender àquela
pessoa na direção espiritual. A ciência que consiste no conhecimento da
espiritualidade, da vida dos santos, das realidades da alma, justamente
para conseguir identificar as questões íntimas que a pessoa vive e
discernir qual caminho ela deve seguir. E a prudência também é
necessária para que a direção espiritual não se torne um “mero trato de
dois amigos” que partilham algo.
A direção espiritual deveria ser vista como um processo de
transformação profunda e abrangente centrada na pessoa de Cristo, que
atinge o homem interior e também o comportamento exterior enquanto
manifestação da vida interior, e resulta na própria semelhança de Cristo.
Ela depende claramente da ação do Espírito Santo, que é aquele que
caminha conosco, dentro de nós, inclinando nossa vontade na direção da
vontade de Deus. Buscar a direção espiritual é importante, porque, desde
que nascemos, precisamos da ajuda do outro. No nascimento, precisamos
dos cuidados de nossos pais, precisamos do alimento, do leite materno
que não pode ser descartado ou substituído por outro, pois este tem sua
riqueza em vitaminas. Para a criança recém-nascida, não tem jeito, ela
precisa do leite humano.
Um equívoco a ser evitado é o de não confundir Direção Espiritual
com “ter um confessor”. É certo que ter um confessor fixo já é um sinal de
retidão de intenção. Incorreta é a atitude de fugir do sacerdote que nos
acompanha, para não ter que confessar a ele talvez “os mesmos pecados
de sempre”. No caso da Direção Espiritual damos um passo a mais na
direção da humildade. Embora nem sempre esteja no contexto de uma
confissão, para ser bem-feita a Direção Espiritual pede a mesma
sinceridade. E aparece um elemento novo: não queremos apenas uma
absolvição e talvez um “conselhinho piedoso e animador”, mas sim um
verdadeiro auxílio para entender e pôr em prática a Vontade de Deus em
nossa vida. Isto é um processo que pode levar muitos meses ou até vários
anos! Alguém abriria mão de ter um diretor espiritual?
Por mais que já tenhamos um bom tempo de caminhada ao lado de
Deus e na Igreja, para que possamos dar algo precisamos também
receber, precisamos de alguém que nos instrua, que nos ilumine nas
decisões. Por isso, há a necessidade não só de formação, mas de alguém
que caminhe conosco e nos ajude a discernir quais passos devem ser
dados.
Durante o processo de acompanhamento espiritual, pode haver um
momento de “tirar as dúvidas”; contudo, nesse sentido, o dirigido deve
buscar formação pessoal, por isso o acompanhamento trata-se de um
diálogo, uma partilha diretor e dirigido, para que tal situação seja
iluminada. A direção espiritual não pode se transformar em uma aula
particular de teologia ou uma catequese mais sofisticada.
É importante entender também o que não é a direção espiritual. O
aconselhamento pastoral e a direção espiritual são realidades distintas,
pois o aconselhamento é esporádico e de aspecto mais prático, pastoral,
missionário. A direção espiritual também não é fazer pessoas
dependentes e sem critério próprio. Também não é feito de ordens e
coação, mas é composta de indicações que o diretor espiritual leva o
dirigido a perceber. Essa direção é composta por conselhos, sinalizações
que respeitam a liberdade e a iniciativa pessoal de cada um.
Alguns sacerdotes julgam sinceramente que uma boa confissão
acolhida e orientada com espírito de fé e de caridade, pode e deve ser
também direção espiritual. Porém, lembremos que a confissão não deve
substituir a direção espiritual mensal!
Outro ponto importante: A direção espiritual não é uma terapia. A
direção espiritual é justamente uma condução da alma para Jesus Cristo.
Porque ninguém se dirige sozinho. Ninguém se “resolve” sozinho. A
direção espiritual vai tratar das coisas do espírito, das coisas da alma,
tocando na dimensão da espiritualidade. É claro que existem aspectos
humanos que são tratados na direção espiritual, mas não é uma terapia. A
terapia vai tratar especificamente das dificuldades humanas da pessoa,
trabalhando a psique, com dados científicos, comportamentais, emotivos,
fazendo com que a pessoa encontre o seu próprio caminho de mudança,
proporcionando saúde mental, emocional. Já na direção espiritual, mesmo
que sejam tocados aspectos humanos, o objetivo é sempre o de apontar
para a espiritualidade da pessoa. O diretor espiritual não vai tocar na
parte humana para simplesmente permanecer nela. Ele não é um
psicólogo. O diretor espiritual é um especialista na alma, nas coisas do
espírito.
E se o sacerdote for também psicólogo? É claro que se um
sacerdote que exerce a direção espiritual também é formado em
Psicologia, ele pode muito bem associar as duas coisas. Mas sempre tendo
o cuidado, preferencialmente em outro ambiente, de explicar ao dirigido
(caso seja necessário atuar como terapeuta): “Aqui eu estou fazendo um
trabalho na área psicológica com você, neste aspecto da sua vida”. Isso
com o intuito de não confundir as coisas. É importantíssimo que as áreas
estejam bem definidas dentro da direção espiritual.
A direção espiritual não é simplesmente uma partilha de alma.
Direção espiritual é a ajuda que um cristão oferece a outro cristão para
alcançar a maturidade espiritual. Ela é um momento no qual eu “abro” a
minha alma para me deixar conduzir. E, muitas vezes, essa condução não
será de acordo com as minhas vontades. O diretor espiritual precisa ter o
cuidado de não atrair a pessoa para si, ou seja, passar a ser a referência da
vida da pessoa [atendida por ele]. Pelo contrário, o diretor espiritual
precisa fazer a pessoa crescer em Jesus Cristo.
Não se trata de “decisões espirituais”. O termo já diz: é uma
direção. Nela a pessoa recebe elementos para discernir a própria vida. O
diretor espiritual não deve “decidir” a vida da pessoa, mas sim conceder
esses elementos para que ela possa tomar as próprias decisões. Sempre
será preciso que o diretor espiritual traga esta firmeza paterna para
corrigir a pessoa nos seus defeitos e dificuldades. A direção espiritual não
pode ser conduzida pelo “respeito humano”, no qual o diretor não fala o
que precisa ser realmente dito com receio de que a pessoa se sinta
ofendida. Esse processo precisa ser feito com sinceridade e transparência.
Quem está sendo dirigido precisa ser obediente. Tem que haver esta boa
vontade em obedecer ao que o diretor espiritual indica. Se não existe
docilidade, a direção espiritual é uma perda de tempo, a pessoa recebe as
direções, mas não as coloca em prática. Daí não adianta nada. É preciso
levar a sério e se comprometer com a direção espiritual.
Muitas vezes, o diretor espiritual vai tocar, sim, nas feridas do
coração daquela pessoa. E vai doer. Doer muito. Mas é melhor a dor que
liberta do que a covardia da ferida escondida, que nunca é tocada, nunca
é mexida, mas que está ali, doendo e influenciando a vida daquela pessoa.
O diretor espiritual é um instrumento nas mãos do Espírito Santo. É
importante também que ele [diretor espiritual] seja sempre uma pessoa
discreta e não exponha a ninguém, sabendo guardar sigilo e tratar o
“sagrado” que as pessoas trazem dentro de si.
Um grande benefício de quem faz direção espiritual é que a pessoa
passa por um processo de se olhar profundamente. E nós vivemos num
mundo de superficialidades. As pessoas querem resolver situações e
problemas, mas, infelizmente, não querem crescer. O principal benefício
dessa prática consiste em crescer na fé e na intimidade com Deus.
Conhecer-se profundamente. Então, na direção espiritual, acontecem
estes dois conhecimentos: o conhecimento de quem somos
(autoconhecimento) e o conhecimento de quem é Deus.
Sobre a frequência? Recomenda-se que estes atendimentos
aconteçam ao menos uma vez por mês. É claro que pode haver algum
momento que haja necessidade do dirigido. É evidente que se a pessoa
está enfrentando conflitos mais sérios, ela talvez necessite ser atendida
num espaço de tempo menor entre uma direção e outra. Mas isso não
significa que toda a direção espiritual aconteça nessa frequência.
Entende? Não existe uma regra quanto a isso. O diretor espiritual vai
observando a necessidade daquela pessoa, como também a profundidade
do exercício passado a ela, pois a pessoa precisa de um tempo para ir
“diluindo” aquilo que lhe foi passado. Do contrário, fica uma coisa “em
cima” da outra. Este tempo é necessário para o diretor espiritual verificar
como a pessoa está correspondendo àquilo que lhe foi orientado.
O dirigido deve colaborar e dar o seu melhor, ser consciente de que
carece dessa ajuda, a sinceridade é importantíssima no crescimento
espiritual. A docilidade em seguir as orientações, a perseverança na luta
diária, pois será assim que crescerá nas virtudes. Alguns aspectos práticos
são importantes para um bom resultado na direção espiritual: O primeiro
deles é a frequência. O encontro não deve passar de um mês, pois assim
não corre o risco de esquecer ou de deixar de resolver alguma
adversidade que tenha surgido. O segundo aspecto é a duração. O tempo
de cada atendimento é relativo, contanto que seja aproximadamente
entre trinta minutos e no máximo uma hora. E o terceiro é o local. Um
local honesto e no mínimo discreto pode ser usado. Sempre deve-se ter
diante dos olhos a mãe das virtudes que é a prudência para evitar
constrangimentos futuros. Embora hoje, também estejamos abertos a
realizar esse serviço espiritual de forma “on line”.
O Bispo teólogo Kallistos Ware falando sobre a direção espiritual,
também toca na questão daqueles que não conseguem ter um pai
espiritual. Vale a reflexão: “Nem todos os ortodoxos possuem um pai
espiritual próprio. O que devemos fazer se nós buscamos um guia e não
conseguimos encontrar um? É óbvio que é possível aprender com os
livros: quer tenhamos ou não um starets, olhamos para a Bíblia como
orientação constante. Mas a dificuldade com os livros é saber exatamente
o que me é aplicável pessoalmente, neste ponto específico da minha
jornada. Além dos livros, e também da paternidade espiritual, há também
fraternidade ou irmandade espiritual - a ajuda que nos é dada, não
pelos mestres em Deus, mas pelos nossos irmãos discípulos. Não devemos
negligenciar as oportunidades oferecidas a nós nesta forma. Mas aqueles
que se comprometem seriamente com o Caminho devem, além disso, fazer
todos os esforços para encontrar um pai no Espírito Santo. Se eles
procurarem humildemente, a eles sem dúvida será dado a orientação que
exigem. Não é que eles frequentemente irão encontrar starets como São
Serafim ou Pe. Zacarias. Devemos tomar cuidado pois, com nossa
expectativa por algo exteriormente mais espetacular, ignoramos a ajuda
que Deus realmente está nos oferecendo. Alguém que, nos olhos dos
outros, não é interessante, talvez seja o único pai espiritual que pode falar
comigo, pessoalmente, as palavras de fogo que, acima de tudo, preciso
ouvir”.
Irmãos, os tempos são difíceis e desafiadores para todos,
especialmente para nós presbíteros ortodoxos. Os fiéis têm direito à
santidade dos padres. A Igreja sempre recomendou a direção espiritual e
não temos dúvida que ela seja um recurso imprescindível no caminho
rumo à santidade! Nessa direção espiritual, irmãos, mostrai-vos sempre
muito sinceros; não vos façais nenhuma concessão sem dizê-lo; abri por
completo a vossa alma, sem medos nem vergonhas. O fruto de uma boa e
madura direção espiritual não pode ser outro senão a santidade. Diretores
santos tendem a formar dirigidos santos. Oremos ao Espírito Santo, para
que na IOBE/AOCC, nenhum de nós negligencie esse chamado à direção
espiritual, e que nossos bispos, sacerdotes, diáconos e servos do altar,
nossos leigos e leigas recebam a graça da paternidade e da maternidade
espiritual! Amém?
Pelo Patriarcal Ateneu São Marcos
Padre Simeão do Espírito Santo
Direção Espiritual (Parte I) Uma Introdução; Abril de 2024

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