Você está na página 1de 37

UNIDADE 3

Cultura Surda e Língua


BRASILEIRA DE SINAIS

Organizadores:
Giorgia dos Santos | Luciane Schutz Kruche | Márcia Beatriz Cerutti Müller
unidade

3
Aspectos Linguísticos da
Libras e Suas Interfaces com
a Língua Portuguesa
Prezado estudante,
Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram organizados
com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo completo e atualizado
tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e tire suas dúvidas com os
tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos propostos para essa disciplina.

Objetivo Geral
Compreender aspectos linguísticos relacionados à comunicação em Libras, considerando-a como uma
Língua com sistema próprio e fazendo uma análise da sua relação com a Língua Portuguesa.

Objetivos Específicos
• Conhecer as modalidades da Libras, comparando seu sistema sintático com o da Língua Portuguesa;
• Conhecer componentes linguísticos, semânticos e estruturais da LIBRAS (iconicidade e arbitrariedade,
classificadores, expressões faciais e corporais, tipos de sinais, expressão facial e corporal);
• Refletir sobre a estrutura da Libras como modalidade viso-gestual ou espacial-visual em relação à
Língua Portuguesa como modalidade oral-auditiva.

Questões Contextuais
• O que entendemos por cultura e identidade surda?
• Quais são os marcadores que as caracterizam?
• Como a utilização de estratégias comunicativas pode evitar as barreiras ambientais e atitudinais?
52 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

3.1 Conhecendo a Libras


Figura 3.1 – Pessoas Sinalizando.

Fonte: Freepik (2020).

É importante destacar que as línguas de sinais são consideradas pela linguística como
naturais ou um sistema linguístico legítimo, e não como um problema do surdo ou uma
patologia da linguagem. Em 1960, William Stokoe, importante linguista norte-americano,
comprovou, através de suas pesquisas, que a Língua de Sinais Americana possuía todas as
características das línguas orais, e seus trabalhos auxiliaram pesquisas de diversos países
sobre esta temática. Ele percebeu e comprovou que a língua dos sinais atendia a todos os
critérios linguísticos de uma língua genuína: no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar
uma quantidade infinita de sentenças (QUADROS; KARNOPP, 2004). Dessa forma, pode-
se afirmar que a língua de sinais é natural das comunidades de pessoas surdas, pois ela
possui o mesmo status linguístico das línguas orais.

É importante destacar que a Libras – Língua Brasileira de Sinais não é


universal. Cada país possui a sua própria língua de sinais. Por exemplo: salienta-se que,
em um mesmo país, ela pode apresentar variações regionais dos sinais. Assim como na
língua falada encontramos palavras diferentes para representar um conceito ou objeto,
na língua de sinais também há essas diferenças. É o caso da variação existente em
relação à sinalização dos números em Libras, no exemplo a seguir, retirado do dicionário
de Libras, confeccionado no Rio de Janeiro.
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 53

Figura 3.2 – Variações de Sinalização dos Números em Libras.

Fonte: Felipe e Monteiro (2007, p. 29).

Figura 3.3 – Exemplo utilizado pelos usuários da Libras no Rio Grande do Sul.

Fonte: Domínio Público (2020).

Até mesmo o alfabeto manual, que é utilizado basicamente para soletrar nomes
próprios ou palavras que ainda não possuem sinais correspondentes na língua oral,
diferem de país para país. Na imagem a seguir podemos observar um comparativo entre
o alfabeto manual brasileiro com o americano e britânico.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre o dicionário da Língua Brasileira de Sinais, acesse:


http://gg.gg/ncyhn.
54 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

DESTAQUE

Figura 3.4 – Alfabeto Manual Brasileiro.

A B C Ç D E

F G H I J K L

M N O P Q R

S T U V W X

Y Z

Fonte: Adaptado por Universidade La Salle (2020).

Figura 3.5 – Variações de Alfabeto Manual.

Alfabeto Manual Americano

A B C D E F

G H I J K L

M N O P Q R

S T U V W X

Y Z

Fonte: Wikimedia Commons (2020) com base em FADERS (2020) com base em FADERS (2010).
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 55

As línguas de sinais são denominadas línguas de modalidade espaço-visual ou


gestual-visual, pois a informação linguística é produzida pelas mãos, movimento do
corpo, expressão facial e recebida pelos olhos, enquanto que as línguas faladas são orais
auditivas, ou seja, são produzidas pelo aparelho fonador e recebidas pelo canal auditivo.

SAIBA MAIS

Para saber mais, entre no site do Instituto Nacional de Educação de Surdos


(INES), disponível em: http://gg.gg/m3ex4. Você terá acesso a diversos
materiais, incluindo vídeos, publicações, dicas de aplicativos e notícias.

A principal diferença entre as línguas de sinais e as orais está na modalidade


de percepção e produção da linguagem, visto que ambas seguem os mesmos princípios
linguísticos, pois são produzidas por cérebros humanos e compartilham da mesma
função, que é a linguagem.

Apesar da diferença existente entre línguas de sinais e línguas orais,


ambas seguem os mesmos princípios com relação ao fato de que têm
um léxico, isto é, um conjunto de símbolos convencionais, e uma
gramática, ou seja, um sistema de regras que rege o uso e a combinação
desses símbolos em unidades maiores (PEREIRA et al., 2011, p. 5).

Figura 3.6 – Conversando em Sinais.

Fonte: Freepik (2020).


56 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

A língua de sinais está relacionada com a cultura surda, e essa com a


construção da identidade dos sujeitos surdos. Perlin (2000) destaca que a identidade
surda é uma forma política na qual o sujeito incorpora, em graus variados, a
representação de sua identidade e o contato do surdo com a sua própria cultura, com os
movimentos sociais e com as suas expressões culturais que facilitam a aprendizagem
e a motivação dos estudantes. Por isso, destaca-se a importância das pessoas surdas
terem suas aprendizagens com enfoque na visualidade através da língua de sinais e
do contato com os seus pares, possibilitando, assim, identificar-se e desenvolver-se
plenamente (KRUCHE, 2016).

As potencialidades e capacidades visuais dos surdos não podem ser


entendidas somente em relação ao sistema linguístico próprio da
língua de sinais. A surdez é uma experiência visual [...], e isso significa
que todos os mecanismos de processamento da informação, e todas as
formas de compreender o universo em seu entorno, se constroem como
experiência visual (SKLIAR, 2013, p. 28).

Como já vimos no início desta Unidade, o pesquisador americano William Stokoe


dedicou-se a estudar as línguas de sinais, comparando as estruturas e a organização
dos elementos essenciais para as línguas, tanto de sinais quanto orais. Seus estudos
comprovaram que os sinais são como as partes de um todo (fonemas que compõem
morfemas e sinais).

Atualmente, sabe-se que as línguas de sinais possuem os mesmos princípios


estruturais que as línguas orais. A seguir, veremos mais alguns aspectos importantes
da Língua Brasileira de Sinais.

3.2 Componentes Linguísticos e


Estruturais da Libras
Vamos conhecer um pouco sobre sobre alguns aspectos importantes das
línguas de sinais. A seguir aprenderemos sobre a arbitrariedade e a iconicidade da
Libras. Sabe-se que, antigamente, muitas pessoas acreditavam que a Libras fosse uma
representação concreta dos objetos e que por isso não fosse capaz de expressar ideias
abstratas, sentimentos e emoções.

Hoje, estudos realizados por diversos linguistas comprovaram que a língua de


sinais segue os padrões linguísticos das línguas orais. Sendo assim, comprovou-se que
não são uma espécie de mímica ou teatro e que podem representar os mais diversos
conceitos e possibilitar múltiplas conversações.
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 57

3.2.1 Arbitrariedade
A Libras é a língua natural das comunidades de pessoas surdas, de modalidade
viso-espacial. Apesar de ser uma língua visual, ela é arbitrária. Ou seja, a sinalização
não é uma representação concreta dos objetos e não é restrita à ligação entre forma e
significado. Os sinais utilizados são arbitrários, pois não é possível prever uma conexão
entre a palavra e o que ela simboliza.

Observe o sinal referente à palavra domingo. Nele, não há uma ligação entre a
palavra e o que simboliza, e não há relação de semelhança com o seu referente. Por isso,
diz-se que as línguas de sinais são arbitrárias.

Figura 3.7 – Sinal da Palavra Domingo.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

3.2.2 Iconicidade
Muitos estudos concluíram que as línguas de sinais não são icônicas, isto é:
elas não são uma representação do seu referente e os sinais não são uma reprodução ou
representação exata e fidedigna das palavras.

Alguns sinais da Libras até podem fazer menção à imagem do seu significado,
como, por exemplo, o sinal das palavras “casa” e “bebê”, conforme figuras a seguir.
58 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Figura 3.8 – Exemplo: Casa.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Figura 3.9 – Exemplo: Bebê.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Outro sinal que podemos utilizar como exemplo é o da palavra “não”, que aqui
no Brasil, apesar de ser considerado icônico, apresenta um significado diferente na
língua de sinais americana.
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 59

Figura 3.10 – Exemplo da palavra Não no Brasil.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Nesse sentido, pode-se concluir que:

Acrescenta-se a isto o fato de que toda arbitrariedade é convencional,


pois quando um grupo seleciona um traço como característica do sinal,
outro grupo pode selecionar outro traço para identificá-lo. Assim,
pode-se dizer que a aparência do sinal é enganosa, já que cada língua
pode abordar um aspecto visual diferente em relação, por exemplo,
ao mesmo objeto, diferenciando a representação lexical de língua para
língua (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 32).

SAIBA MAIS

Neste roteiro de estudos vimos diversos aspectos linguísticos da Libras e suas


interfaces com a Língua Portuguesa. Para ampliar os seus conhecimentos
sobre a Libras, observando as nuances comunicativas, sugerimos que você
assista a série Crisálida, que é a primeira série de ficção realizada no Brasil
de forma bilíngue: em Libras e Português. Disponível em: http://gg.gg/m3f2g.
60 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Figura 3.11 – Série Crisálida.

Fonte: Divulgação (2020).


Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 61

3.3 Parâmetros Fonológicos


Estudaremos, agora, os parâmetros fonológicos da Língua de Sinais. Conforme
Quadros e Karnopp (2004), um sinal é formado a partir da combinação de cinco
parâmetros: configuração de mão (CM), ponto de articulação (PA) ou locação (L),
orientação (O), movimento (MOV), expressão facial e/ou corporal.

Figura 3.12 – Parâmetros.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 51).

Perceba que a alteração de um parâmetro altera o significado dos sinais. Observe,


também, os pares mínimos da língua brasileira de sinais:

• As palavras “pedra e queijo” possuem o mesmo ponto de articulação e o


mesmo movimento, mas opõem-se quanto à configuração de mão.

• As palavras “trabalhar e vídeo” apresentam a mesma configuração de mão


e o mesmo ponto de articulação, mas diferem quanto ao movimento.

• As palavras “aprender e sábado” apresentam a mesma configuração de mão


e o mesmo movimento, mas divergem quanto ao ponto de articulação.
62 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Confira nas figuras a seguir os sinais que se opõem à configuração de mão.

Figura 3.13 – Queijo.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 52).

Figura 3.14 – Pedra.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 52).

Confira nas figuras a seguir os sinais que se opõem ao movimento.

Figura 3.15 – Trabalhar.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 52).
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 63

Figura 3.16 – Vídeo.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 52).

Confira nas figuras a seguir os sinais que se opõem à locação.

Figura 3.17 – Aprender.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 52).

Figura 3.18 – Sábado.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Quadros e Karnopp (2004, p. 52).
64 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

A configuração de mão (CM) é a forma que a mão assume ao realizar o sinal.


Pode ser uma letra do alfabeto manual ou outras formas feitas pela mão dominante
(direita para destros e esquerda para canhotos), ou pelas duas mãos do sinalizador.
De acordo com Ferreira-Brito (1995), na Libras, existem 46 CM, conforme podemos
observar na figura a seguir, a partir da visão de Quadros e Karnopp (2004):

Figura 3.19 – As 46 CMs da Libras.

Fonte: Quadros e Karnopp (2004, p. 53).


Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 65

3.3.1 Ponto de Articulação (PA) ou Locação (L)


O ponto de articulação (PA) ou locação (L) é o lugar onde a mão realiza o sinal. Este
local pode tocar alguma parte do corpo ou estar em frente ao corpo do emissor no espaço de
enunciação (do meio do corpo até a cabeça), conforme podemos observar na figura a seguir.

Pelo fato das línguas de sinais serem organizadas espacialmente, diferentemente das
línguas orais, elas apresentam uma estrutura diferente do português falado e, por isso, deve-
se ficar atento para a compreensão das relações sintáticas da frase. A Libras apresenta uma
ordenação sintática espacial, isto é, os sinais são produzidos no espaço e as referências
nominais devem ser estabelecidas em um local de sinalização, o qual pode utilizar diversos
mecanismos espaciais.

Figura 3.20 – Espaço Utilizado para a Realização dos Sinais.

Fonte: Ferreira-Brito (1995, p. 33).

Deve-se prestar atenção para o fato de que existem PA exatos em pontos específicos
e tocados no corpo. Como exemplo de ponto específico, pode-se citar o sinal da palavra
“mãe”, que tem um ponto exato, encostando o dedo indicador na lateral da narina.
66 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Figura 3.21 – Exemplo: Mãe.


Fonte: Universidade La Salle (2020).

Também existem PA abrangentes, como aqueles realizados em frente do tórax.


Observe abaixo o sinal da palavra “hoje”.

Figura 3.22 – Exemplo: Hoje.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 67

3.3.2 Movimento (MOV)


Outro parâmetro para a realização dos sinais é o movimento, que pode estar nas
mãos, pulsos e antebraços. Podem ser unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais.
A maneira é a categoria que descreve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento;
a frequência refere-se ao número de repetições de um movimento. Observe a imagen a
seguir, onde há a presença de movimentos.

Figura 3.23 – Exemplo: Amarelo.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


68 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

3.3.3 Orientação (O)


A orientação é a direção para a qual a palma da mão aponta na realização de um
sinal. Segundo Ferreira-Brito (1995), existem seis tipos de orientações da palma da mão
na língua brasileira de sinais: para cima, para baixo, para dentro, para fora e para
o lado. Confira no quadro a seguir:

Quadro 3.1 – Orientações de Mão.

PARA PARA
CIMA BAIXO

PARA PARA
DENTRO FORA

PARA O LADO
PARA O LADO (IPSILATERAL)
(CONTRALATERAL)

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Marenette (1995, p. 204).

Observe na figura a seguir o sinal da palavra estudar. Nele, a orientação da


palma, na produção do sinal, é para cima.

Figura 3.24 – Exemplo: Estudar.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 69

3.3.4 Expressões Faciais e/ou Corporais


No que diz respeito às línguas de sinais, as expressões faciais representam
um aspecto comunicacional importante, pois é através delas que muitos sinais são
contextualizados. As expressões faciais podem determinar o significado de uma
palavra, pois na língua de sinais, um mesmo sinal pode ter diversas representações e
variar o seu significado dependendo do contexto em que está sendo utilizado. Sendo
assim, o movimento da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco podem traduzir alegria,
tristeza, raiva, amor, encantamento etc.

Figura 3.25 – Exemplo “silêncio”: dedo indicador em G sobre a boca,


com a expressão facial calma.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Figura 3.26 – Exemplo “cale a boca”: dedo indicador em G sobre a boca,


mais rápido e expressão brava.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


70 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Observem as imagens a seguir, as quais representam as expressões “amor” e de “ódio”.

Figura 3.27 – Amor.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Figura 3.29 – Odiar.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

As expressões faciais revelam a importância dos marcadores não manuais


para o entendimento do contexto textual. É através desses marcadores que os diversos
contextos podem ser compreendidos, revelando as marcas de medo, alegria, satisfação
etc. É através deles que as exclamações, interrogações, negações e dúvidas podem ser
expressas no contexto da sinalização em Libras.

As expressões não manuais (movimento da face, dos olhos, da


cabeça ou do tronco) prestam-se a dois papéis nas línguas de sinais:
marcação de construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais.
As expressões não manuais que tem função sintática marcam
sentenças interrogativas sim não, interrogativas QU-, orações relativas,
topicalizações, concordância e foco... As expressões não-manuais
que constituem componentes lexicais marcam referência específica,
referência pronominal, partícula negativa, advérbio, grau ou aspecto
[...] (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 60).
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 71

DESTAQUE

Observe que, na Libras, você deve sinalizar com a mão de dominância.

Nela, há sinais realizados apenas com uma mão, como pode-se verificar
na imagem a seguir, a qual representa a palavra “pai”, no qual utiliza-
se apenas uma mão.

Figura 3.29 – Exemplo: Pai.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Há, também, aqueles que devem ser sinalizados com as duas mãos, alguns
com as duas mãos configuradas na mesma forma. Há sinais em que cada mão
está configurada de uma forma diferente. Visualize o sinal da palavra “fazer”,
o qual é realizado com as duas mãos em um mesmo movimento.

Figura 3.30 – Exemplo: Fazer.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


(Continua)
72 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

(Continuação)

Agora, observe o sinal da palavra “feijão”, que é realizado com as duas mãos,
em formas diferentes:

Figura 3.31 – Exemplo: Feijão.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 73

3.4 Conhecendo o Sistema Sintático da Libras


Para compreender um pouco mais sobre a sintaxe da língua de sinais, é
importante que este conceito seja esclarecido. A sintaxe é a área da gramática que
estuda a estrutura das sentenças (frases), isto é, as funções, formas e partes do
discurso e a relação entre cada uma de suas partes. Sabe-se que, na língua de sinais,
assim como na língua oral, há uma possibilidade infinita de criação de sentenças em
estruturas básicas, que combinam palavras em múltiplas possibilidades.

Na organização frasal, a ordem das palavras pode possibilitar diversas


interpretações e variações. Entretanto, apesar dessas variações, a competência para a
linguagem dos seres humanos é a mesma, a qual nos permite identificar rapidamente
frases gramaticais daquelas que não são gramaticais.

Essa competência é que permite aos seres humanos fazer julgamentos


sobre a formação das sentenças. Por exemplo, qualquer pessoa que
domine o português terá condições de julgar a gramaticalidade das
seguintes sentenças:
a) João gosta muito de Maria.

b) João de muito Maria gosta (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 21).

Pelo fato das línguas de sinais serem organizadas espacialmente, diferentemente


das línguas orais, elas apresentam uma estrutura diferente do português falado e, por isso,
deve-se ficar atento para a compreensão das relações sintáticas da frase. A Libras apresenta
uma ordenação sintática espacial, isto é, os sinais são produzidos no espaço e as referências
nominais devem ser estabelecidas em um local de sinalização, o qual pode utilizar diversos
mecanismos espaciais, conforme podemos verificar na citação a seguir:

A. Fazer o sinal em um local particular (se a forma do sinal permitir;


por exemplo, o sinal de CASA pode acompanhar o local estabelecido
para o referente);
B. Direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma
localização particular simultaneamente com o sinal de um substantivo
ou com a apontação para o substantivo;
C. Usar a apontação ostensiva antes do sinal de um referente específico
(por exemplo, apontar para o ponto “a” associando esta apontação com
o sinal CASA; assim o ponto “a” passa a referir CASA);
D. Usar um pronome (a apontação ostensiva) numa localização particular
quando a referência for óbvia;
E. Usar um classificador (que representa aquele referente) em uma
localização particular;
F. Usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os
referentes previamente introduzidos no espaço (QUADROS;
KARNOPP, 2004, p. 127-128).
74 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Segundo as autoras, tanto na Língua Portuguesa falada quanto na Libras, a


ordem básica da frase é Sujeito (S) - Verbo (V) - Objeto (O). Essa ordenação pode ser
mudada, mas é o elemento principal da estrutura dessas línguas.

SVO

Exemplos:

• Eu querer água.
• Bernardo gostar futebol.
Entretanto, na Libras, as frases também podem ser estruturadas em outras
ordenações na ordem Sujeito - Objeto - Verbo (SOV), Objeto - Sujeito - Verbo
(OSV), Verbo - Sujeito - Objeto (VSO) e Verbo - Objeto - Sujeito (VOS), derivadas
da ordem básica SVO.

Três exemplos de SOV, OSV e VOS:

SOV

• Eu água querer.
• Bernardo futebol gostar.

OSV

• Água eu querer.
• Futebol Bernardo gostar.

VOS

• Querer água eu.


• Gostar futebol Bernardo.
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 75

DESTAQUE

As construções de sentenças negativas apresentam marcações de expressões


faciais associadas à ideia de negação.

Figura 3.32 – Importância da Expressão Facial: Gostar.

Figura 3.33 - Importância da Expressão Facial: Gostar-Não.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 132).

REFLETINDO

Todas essas estruturas frasais são consideradas gramaticais na Libras.


Importante destacar que a complexidade e riqueza da língua de sinais merece
um maior aprofundamento e detalhamento. Espera-se que a discussão
apresentada possa instigar a continuar seus estudos sobre esta temática.
76 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

3.5 Classificadores
Na Libras, há sinais que se formam incorporando mais de um sinal, possibilitando
uma descrição e detalhando e ampliando as possibilidades de entendimento daquilo que
se quer comunicar através do uso dos classificadores. Confira o exemplo abaixo.

Figura 3.34 – Exemplo: casa + cruz = igreja.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Os classificadores também podem expressar diversas características ao sinal


principal, unindo configurações de mão, expressões faciais ou corporais, movimentos
que darão a compreensão tanto de objetos quanto de pessoas, ou ações e movimentos.

Figura 3.35 - Movimentos: Pessoa.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 26).
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 77

Figura 3.36 - Movimentos: Veículo.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 26).

Figura 3.37 - Movimentos: Animal.

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 26).

VÍDEO

Para compreender melhor sobre a importância da visualidade na língua de


sinais, acesse o vídeo “Aula de Libras – Animais e Classificadores”, do canal
TV INES. Disponível em:
http://gg.gg/m3xj1.
78 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

3.6 Transcrição da Libras


Para realizar a transcrição da Libras para a língua portuguesa escrita, devemos
observar alguns aspectos importantes.

• Na Libras, vale lembrar, não há marcação para as desinências nominais (masculino


e feminino). O sinal representado por uma palavra da língua portuguesa que
possui essas marcas está terminado com o símbolo @ para reforçar a ideia
desta ausência.

Exemplos:

• AMIG@ = amiga (s) ou amigo (s);

• ME@ = meu (s) ou minha (s);

• EL@= ele (s) ou ela (s) (FELIPE; MONTEIRO, 2007).

Quando há a necessidade de especificar, incorpora-se outros sinais que darão a


compreensão do que se quer comunicar. Também são chamados de sinais classificadores
quando utilizados nesse contexto. Confira nas figuras a seguir:

Figura 3.38 – Exemplo: av@ + mulher = avó.

Fonte: Universidade La Salle (2020).

Figura 3.39 – Exemplo: av@ + homem = avô.

Fonte: Universidade La Salle (2020).


Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 79

Outro aspecto importante é para as desinências de número (singular e plural).


Costuma-se incorporar outros sinais que darão a compreensão da ideia de quantidade,
como podemos observar na imagem a seguir, na qual a palavra “árvores” é representada
pela repetição do sinal de “árvore”.

Figura 3.40 – Exemplo: Uma árvore/muitas árvores.

ÁRVORE ÁRVORES

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 26).

3.6.1 Pronomes Pessoais


A Libras possui um sistema pronominal que é utilizado para representar as
pessoas do discurso, utilizando o espaço e a apontação para delimitar os sujeitos. No
singular: “eu”, mão configurada na letra “D” apontando para o peito de quem está
falando. Confira a seguir alguns exemplos.
80 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

DESTAQUE

• “Ele/ela”: Mão configurada em “D”, apontando para a pessoa de quem


se está falando;

• “Nós dois”: Mão configurada na letra “V”, apontando para o emissor e o


receptor da mensagem;

• “Nós três”: Mão em “W”, em movimento circular apontando para o emissor


e para os receptores da mensagem;

• “Nós quatro”: Mão configurada no número 4, em movimento


circular apontando para o emissor e para os receptores da
mensagem (FELIPE; MONTEIRO, 2007, p. 82).;

Figura 3.42 – Mais exemplos de Pronomes.

TU/ VOCÊ VOCÊS DOIS

VOCÊS TRÊS VOCÊS QUATRO

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 82).
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 81

DESTAQUE

• “Ele/ela”: Mão configurada em “D”, apontando para a pessoa de quem


se está falando;

• “Nós dois”: Mão configurada na letra “V”, apontando para o emissor e o


receptor da mensagem;

• “Nós três”: Mão em “W”, em movimento circular apontando para o emissor


e para os receptores da mensagem;

• “Nós quatro”: Mão configurada no número 4, em movimento


circular apontando para o emissor e para os receptores da
mensagem (FELIPE; MONTEIRO, 2007, p. 82).

Figura 3.41 – Pronomes Pessoais.

ELE/ELA NÓS DOIS

NÓS TRÊS

NÓS QUATRO

Fonte: Universidade La Salle (2020) com base em Felipe e Monteiro (2007, p. 82).
82 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

REFLETINDO

Vimos que a Libras é a língua natural das pessoas surdas e que é através dela
que os surdos garantem o seu direito de comunicação. Ela possui similaridades
e diferenças da língua oral e, por isso, deve ser respeitada e valorizada. É essa
a marca que diferencia os surdos para terem as condições necessárias à sua
acessibilidade plena: “[...] as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser
iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a
igualdade os descaracteriza” (SANTOS, 1997, p. 122).

Finalizando os nossos estudos, enfatizamos que a Libras tem uma estrutura tão
complexa quanto a língua oral, com uma gramática própria. Desejamos que os estudos
possam ter ampliado a compreensão sobre a importância da visualidade da língua de
sinais para os surdos.

VÍDEO

Para fechar com chave de ouro nossa Unidade 3, assista o vídeo “Estrutura
Gramatical da Libras”, produzido pela professora Ronice Muller de Quadros, e
aprofunde seus conhecimentos sobre tudo que vimos até agora. O link está aqui:
http://gg.gg/nevz4
Aspectos Linguísticos da Libras e suas Interfaces com a Língua Portuguesa | UNIDADE 3 83

Síntese da Unidade
Esta Unidade buscou compreender que a língua de sinais é a língua natural das
pessoas surdas. Que a sua estrutura é de modalidade viso-gestual ou espacial-visual,
diferente da Língua Portuguesa, que é de modalidade oral-auditiva.

Verificamos, também, que a língua de sinais não é dependente da língua oral, e


nem uma representação concreta dos referentes, pois ela consegue representar os mais
diversos contextos comunicacionais.

Compreendemos que cada país possui a sua própria língua de sinais, utilizando
vários sistemas de transcrição, de acordo com a sua modalidade viso-gestual.

Percebemos que, assim como a língua portuguesa, a língua de sinais brasileira


possui sistema semântico próprio. Vimos, também, as construções sintáticas possíveis
na língua brasileira de sinais.

Também apresentamos os parâmetros para a realização dos sinais, esclarecendo a


importância das configurações de mão (CM), movimento (MOV), ponto de articulação
(PA) ou locação (L), orientação da mão (O) e das expressões faciais e/ou corporais.

Estudamos, ainda, a importância dos classificadores da língua de sinais para a


comunicação e compreensão dos sentidos e significados dentro de diversos contextos.
Sendo assim, podemos concluir que a Libras apresenta aspectos linguísticos próprios e
independentes da Língua Portuguesa.
84 CULTURA SURDA E LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS | Márcia Beatriz Cerutti Müller

Bibliografia
DIAS SILVA, R. Língua brasileira de sinais: Libras. São Paulo: Pearson, 2016.

FADERS - FUNDAÇÃO DE ARTICULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E ALTAS HABILIDADES NO
RIO GRANDE DO SUL. Mini Dicionário. Porto Alegre: Secretaria da Justiça e dos
Direitos Humanos, 2010. Disponível em: http://gg.gg/m3yjd. Acesso em: 25 jul. 2020.

FELIPE T. A.; MONTEIRO M. S. Libras em Contexto: Curso Básico - Livro do


Professor. Brasília: Ministério da Educação, 2007. Disponível em: http://gg.gg/m3yrf.
Acesso em: 03 ago. 2020.

FERREIRA-BRITO, L. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro:


Tempo Brasileiro: UFRJ, Departamento de Linguística e Filosofia, 1995.

INES – INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DOS SURDOS. Dicionário


de Libras. Brasília, Portal, 2020. Disponível em: http://gg.gg/m3yrm. Acesso em:
20 jul. 2020.

KRUCHE, L. S. Língua portuguesa para surdos: estratégias e adaptações de materiais


acessíveis em Libras. Dissertação (Mestrado em Diversidade Cultural e Inclusão Social)
– Feevale, Novo Hamburgo – RS, 2016.

LACERDA, C. B.; SANTOS, L. F.; MARTINS, V. R. de O. Libras: aspectos


fundamentais. Curitiba: Intersaberes, 2019.

QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B. Língua de Sinais Brasileira: Estudos


Linguísticos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2004.

MARENTETTE, P. F. It’s in her hands: a case study of the emergence of phonology.


Ph.D. Thesis. McGill University, Department of Psychology, Montreal, 1995.

PEREIRA, M. C da C. et al. Libras: conhecimento além dos sinais. São Paulo: Pearson
Prentice Hall, 2011. Disponível em: http://gg.gg/m4h0w. Acesso em: 22 jul. 2020.

PERLIN, G. Identidade Surda e Currículo. In: LACERDA, C. B. F. de; GÓES,


M. C. R; de (org). Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo:
Editora Lovise, 2000.

SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. São


Paulo: Cortez, 1997.

SKLIAR, C. B (org). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2013.
CONTRIBUA COM A QUALIDADE DO SEU CURSO

Se você encontrar algum problema nesse material, entre em contato pelo


email eadproducao@unilasalle.edu.br. Descreva o que você encontrou e
indique a página.

Lembre-se: a boa educação se faz com a contribuição de todos!


Av. Victor Barreto, 2288 | Canoas - RS
CEP: 92010-000 | 0800 541 8500
eadproducao@unilasalle.edu.br

Você também pode gostar