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Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Cezar-Ferreira, Verônica A. da Motta

Família, separação e mediação : uma visão psicojurídica / Verônica A. da Motta


Cezar-Ferreira. 3.ª ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2011.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-309-3944-1

1. Família. 2. Separação (Direito). 3. Direito de família. 4. Psicologia da Família.


Psicologia Jurídica. Visão Psicojurídica. I. Título.

CDU-347.61
04-1155
O Direito de Família é o lugar de
onde o Direito transcende seu
objetivo primário – organizar a
sociedade de uma forma justa – para
atingir o âmago dos cidadãos, em seu
desiderato: a possibilidade de ser
feliz.

A Psicologia é o lugar do
autoconhecimento e da compreensão
do outro, o que permite organizar de
forma mais justa as relações na
procura da realização do desejo
existencial: ser feliz.
Para
minha família,
com todo o meu amor.
AGRADECIMENTOS

N a primeira edição deste livro, eu falava da realização do sonho de


aproximar duas ciências em benefício da família: Direito e Psicologia.
Sem a primeira, não há ordem no mundo; sem a segunda, não há ordem na
vida.
Nesta terceira edição, quero agradecer àqueles que mais de perto me
têm ajudado na realização do sonho de ver famílias em crise menos
infelizes.
Quero expressar meus agradecimentos aos colegas, destacados mestres
da Psicologia da Família, pelo interesse demonstrado em conhecer mais e
mais sobre Direito e Justiça.
Quero expressar, também, meus agradecimentos a todos que me deram
retorno sobre a internalização da mentalidade psicojurídica, como juízes de
família que me disseram: “A primeira vez que a ouvi falar em
interdisciplinaridade psicojurídica, mal entendi o que era; hoje, não concebo
trabalhar em Vara de Família sem a aplicação desse conceito”. E, dos
muitos alunos que participaram de nossas aulas, a quem revejo com
frequência ou encontro ocasionalmente, e que, em sua fala, denotam a
absorção dessa mentalidade.
Quero agradecer, particularmente, a uma insigne familiarista, a mais
entusiasta e fiel defensora da interdisciplinaridade psicojurídica no Direito
de Família, desde que pela primeira vez lhe falei desse tema, Dra. Kátia
Boulos, que, apesar de seus incansáveis afazeres como advogada militante e
Vice-Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB-SP, ainda
encontrou tempo para ser minha interlocutora nesta terceira edição.
Kátia, sua espontaneidade em propagar o poema Casais se separam;
pais e filhos são para sempre, declamando-o em conferências e palestras, e
sua generosidade em proclamá-lo, publicamente, “o símbolo da guarda
compartilhada”, me honram e comovem, vindas de pessoa tão respeitada e
reconhecida, humana e profissionalmente.
Quero, de novo, agradecer a minha família, sempre incansável em
compreensão e afeto.
E, como fecho, agradecer ao meu editor pela elegância no trato e
esmero para que esta edição saísse modernizada e ainda mais agradável à
leitura.
Sem vocês, não teríamos chegado até aqui.
A todos, muito obrigada.
APRESENTAÇÃO À 3.ª
EDIÇÃO

D esde a realização da pesquisa acadêmica em que propusemos a visão


psicojurídica das causas judiciais de família, concluída no ano 2000,
até hoje, muitos avanços ocorreram na direção da prevenção e minimização
de conflitos emocionais e relacionais na área judicial da família.
O interesse pelo estudo da Mediação – enquanto Modelo pós-moderno,
que acredita na interconexão de diferentes linguagens, provenientes de
divergentes opiniões, e investe na criatividade para trabalhar as diferenças e
construir soluções inéditas; Metodologia para resolução adequada de
disputas; e Processo pelo qual os litigantes resolvem seus próprios conflitos,
com intervenção qualificada de um terceiro imparcial – vem aumentando
consideravelmente, e a instalação de Cursos de capacitação,
aperfeiçoamento e, mesmo, especialização vem sendo incrementada.
A sensibilização do Judiciário, como prevíamos, foi significativa.
A Escola Paulista da Magistratura incrementou seus cursos de métodos
e técnicas em meios não adversariais de resolução de conflitos, hoje
chamados de meios adequados de resolução de conflitos, disseminando-os
no Estado de São Paulo e demais estados da federação.
Os tribunais de justiça de várias unidades da federação têm apoiado
suas escolas de magistratura a criar cursos nessa direção, o que, certamente,
terá grande impulso a partir da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), de 29 de novembro de 2010, que determina que “compete ao
Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de
promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação
social por meio da conciliação e da mediação” (art. 4.º).
Frise-se, ainda, que, na citada Resolução 125/2011, o CNJ indica,
inclusive, grade curricular básica para os cursos de capacitação a serem
ministrados.
As universidades e faculdades, em seus departamentos de pós-
graduação, têm implementado cursos de mediação e conciliação. E mesmo
os cursos de graduação iniciam seus bacharelandos nessa nova visão e
prática.
Todas essas instituições abrem, em seus cursos de capacitação,
formação e especialização, espaço especial para a mediação familiar, e o
fazem dando ênfase à interdisciplinaridade psicojurídica. Há cursos
específicos de mediação familiar.
O conteúdo programático sugerido para os cursos coincide com o que,
há anos, todos os que nos dedicamos a essa docência ministramos, o que
indica estarmos no caminho certo.
Os últimos anos trouxeram avanços legislativos importantes para a área
da família, como a promulgação da chamada Lei da Guarda Compartilhada,
Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, e da Lei de Alienação Parental, Lei
nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Ambas as leis são instrumentos
legislativos que vão exigir profunda atenção psicojurídica para melhor
índice de aproveitamento a favor da minimização ou dissolução de conflitos
emocionais nos menores, filhos de pais separados.
Além disso, em 13.07.2010, o Congresso Nacional promulgou a
Emenda Constitucional nº 66, que torna o divórcio imediato, facilitando a
dissolução do casamento.
Algumas leis, como a que permite a presença de psicólogos nas
audiências de família, ainda não se tornaram realidade, embora se saiba
que, na prática, juízes de família têm convidado esses profissionais para
estarem presentes às audiências.
Outra introdução na legislação, a possibilidade de o juiz determinar
atendimento psicológico para os casos de que a mediação não possa dar
conta é altamente desejada, e espera-se que o legislador atente para tal
necessidade, visto que já há muitos juízes de família, indicando que a parte
passe por processo psicológico, particularmente em ações de manutenção
ou modificação de guarda, como condição para obtenção da mesma. Tal
indicação é forma indireta de determinação. Um passo para ela.
Nesta edição, continuamos a priorizar a expressão separação, enquanto
crise psicoemocional que atinge a família como um todo, pela força
emocional que a palavra encerra, e, por isso, a usar o termo separação,
genericamente, só falando em divórcio, de forma pontual.
Os psicólogos e assistentes sociais têm aprofundado seus estudos e
pesquisas na área, interessando-se, sobremaneira, pela mediação familiar,
como instrumento não terapêutico que pode gerar efeitos terapêuticos
iniludíveis. Pesquisas em Psicologia Clínica avançam pelos meandros do
sofrimento de pais e filhos em razão da separação, e trazem importantes
propostas. Os advogados já não veem com ceticismo essa proposta, o que se
pode depreender do apoio que as OABs vêm prestando à mediação familiar,
como a paulista, que já conta com uma Coordenadoria de Mediação
Familiar em sua Comissão de Direito de Família.
É notório que as leis referidas, bem como as iniciativas e pesquisas
acadêmicas mencionadas, de um modo ou de outro, visam ao bem-estar dos
filhos dos separados, o que inclui um desenvolvimento biopsicossocial
adequado para seu saudável crescimento em direção à vida adulta.
Esta continua sendo nossa preocupação em tempo de tanto
desentendimento.
A estrada nada mais é do que o resultado do primeiro passo. E, nesse
caminho, os passos mostram-se cada vez mais largos em direção à
consecução do objetivo de proteger nossas crianças e adolescentes, e evitar-
lhes prejuízos emocionais resultantes do fim do vínculo conjugal de seus
pais.
Por falar em pais, estes, em especial, mais e mais se interessam pelo
uso de recursos que os ajudem a evitar prejuízo aos filhos, e os leigos, de
modo geral, estão atentos e interessados, porque sempre veem ao seu lado
um casal se separando, dado o aumento do número de separações.
Mantivemos, nesta edição, os prefácios psicológicos e jurídicos das
anteriores pela clareza, precisão e brilhantismo de seus autores. E, ainda, as
apresentações às 1.ª e 2.ª edições não apenas para servir de norte ao leitor,
como, também, para ajudá-lo a acompanhar a trajetória evolutiva percorrida
pelos profissionais e instituições empenhados na busca da minimização dos
prejuízos emocionais dos filhos dos separados.
Reiteramos que este não é um livro jurídico, mas sim psicojurídico.
Que ele continue dando margem às reflexões dos profissionais e alívio às
famílias em estado de separação.

A Autora
PREFÁCIO JURÍDICO
À 3.ª EDIÇÃO

F oi com imensa honra que recebi o convite da competente Verônica


Cezar­-­Ferreira para prefaciar esta 3.ª edição – registro desde já meus
agradecimentos pelo chamamento.
A primeira edição, nos idos de 2004, possibilitou o início da reflexão
de como a separação de pais está intimamente ligada ao desenvolvimento
daquele núcleo familiar. Além disso, permitiu que não apenas esses pais,
mas também a sociedade jurídica voltassem os olhos para esse tipo de lide,
que é deveras peculiar.
Com isso, fez-se importante o lançamento, mas, sobretudo, a sua
perpetuação na segunda e, agora, na terceira edição da obra.
É salutar a todos nós, magistrados, a constante busca do entendimento
da dor, que está descrita em folhas, das discussões que envolvem famílias
inteiras. Desse modo, adotar o Direito, com olhos voltados à Psicologia,
contribui para a humanização da Justiça. Notadamente, no Direito de
Família, a relação entre essas duas ciências se faz imprescindível.
Na incessante busca da essência da conduta do ser humano, a
Psicologia e o Direito concorrem para o esclarecimento das complexidades
da personalidade humana.
O psicanalista Henrique Torres1 tece percucientes considerações a
respeito da interface da Psicologia com o Direito:

Psicologia e Direito confundem-se quando o tema é acordo. A


relação da Psicologia com o Direito é mais do que colaborar como
um instrumento de perícia na produção de uma sentença. A
compreensão de certos mecanismos psicológicos vai revelar uma
dimensão em que lei e saúde mental se misturam, e que pode dar à
atuação jurídica um sentido de desenvolvimento cultural e
individual, além da aplicação técnica da lei (sem destaques no
original).

Prossegue Torres2:

Que mais psicólogos possam ajudar na construção do Direito e que


mais juristas interessem-se pela construção psicológica do
indivíduo e da cultura. Salomão misturou a lei com sua teoria a
respeito da psicologia materna. Por isso, fez-se notável. E é isso,
afinal, o que fazemos todos: misturamo-nos à técnica que usamos
(sem destaques no original).

Dessa forma, o desenvolver integrativo entre o racional e o emocional


conduz à autenticidade e à consciência, ao caminho da autonomia, à
autodeterminação para que a vivência e a convivência sejam fundamentos
da dignidade da pessoa humana.
O intercâmbio da Psicologia com o Direito, em síntese, permite que, ao
finalmente levar em consideração o emocional em simetria com o racional,
sem jamais prescindir dos valores da alma, o jurídico encontre o caminho
natural e lógico da Justiça.
É nesse quadro que este livro é de extrema importância. A ilustre
Verônica Cezar-Ferreira, além de nos informar, emociona-nos com sua
escrita primorosa dos meandros que envolvem a separação de casais.
Esta obra está dividida em oito capítulos, sendo o último reservado a
Considerações Finais.
Nos capítulos iniciais, a autora apresenta-nos que a família é a “pré-
escola” do indivíduo, no sentindo de que alicerça e fortalece a
personalidade da criança. Com isso, discorre sobre os efeitos, jurídicos e
emocionais, da separação de pais para os seus filhos, mas sempre
abordando que não necessariamente podem daí advir momentos de angústia
e sofrimento para essa família; o que tem de ocorrer é um acompanhamento
adequado.
A par disso, Verônica Cezar-Ferreira realça que a mediação tem grande
valia na resolução de conflitos familiares. São meritórias as palavras da
autora: “não é função do mediador levar as partes a um acordo, mas é
função da mediação cooperativa-transformativa propiciar espaço
psicorrelacional para construção de uma nova realidade pelas partes,
realidade essa que permitirá que cheguem a um consenso sobre a questão
conflitiva” (item 4.3). Nesse sentido, propõe-nos um verdadeiro guia da
maneira mais adequada para que a separação seja menos dolorosa por meio
dessa forma alternativa de resolução de conflitos.
Em seguida, a autora mostra-nos os desafios e as conquistas que o
Judiciário brasileiro tem experimentado ao longo desses anos, quando se
depara com a separação de casais.
Ao encerrar sua obra, a autora comove-nos em suas Considerações
Finais com sua Carta aos Pais, em que nos leva à reflexão de qual será o
melhor caminho a percorrer, se o do “tentar mais uma vez” ou o, de fato, da
separação.
Na hipótese de o casal escolher a primeira opção, aventurar-se-á nos
constantes desafios que envolvem o convívio familiar e nas alegrias que
estão envoltas nele. Se escolher a segunda, terá no presente livro uma
excelente maneira de deixar esse caminho o menos nebuloso e doloroso
possível.
Desejo a você, caro leitor, que aproveite as próximas páginas, as quais
estão repletas de consistência de um estudo sério e delicado acerca de
família, separação e mediação.

Com carinho,
Ministra Nancy Andrighi
Brasília, agosto de 2011

1 Citado por SOUZA NETO, João Baptista de Mello e. A prática da moderna mediação: uma
integração da Psicologia com o Direito. In: ZIMERMAN, David; COLTRO, Antônio Carlos
Mathias (Orgs.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 2. ed. Campinas: Millenium, 2007.
p. 516.
2 Idem, p. 517.
PREFÁCIO
PSICOLÓGICO À
3.ªEDIÇÃO

A presentar esta nova edição de Família, separação e mediação – Uma


visão psicojurídica, de Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira, foi uma
grande honra e prazer, mas significou um enorme desafio.
Frente a uma vida veloz na qual quase tudo é fugaz, um livro que chega
à sua terceira edição apresenta-se por si só. Refere sua relevância e sua
pertinência em relação ao tema, bem como sua capacidade de indicar
caminhos, explicitar condutas. E, mais do que isso, uma autora que, em vez
de reeditar um trabalho, o reorganiza, atualiza e amplia, não precisa de
apresentações que descrevam sua competência e seriedade.
Assim, honrando mais o convite do que cumprindo qualquer
necessidade acadêmica ou editorial, procurarei fazer jus ao texto com uns
poucos comentários.
O divórcio vem modificando significativamente o perfil das famílias
brasileiras. Não é somente um instrumento jurídico que sela um
rompimento amoroso. Trata-se de crise individual e familiar, que envolve
um número grande e impreciso de atores. Minimamente, estarão
implicados: o casal, os filhos, as famílias de origem dos cônjuges, seus
amigos, a escola e os amigos dos filhos, os advogados das partes, o juiz e,
quem sabe, assistentes técnicos e mediadores. O que liga todos esses atores
é um drama em muitos atos.
A frequência com que casais de todas as faixas etárias chegam ao
divórcio, bem como o tempo decorrido desde sua legalização em nosso
país, favoreceu a diminuição do preconceito em relação àqueles que
vivenciam o rompimento conjugal, o que é uma grande vantagem, mas não
mudou o fato de estar em pauta um profundo sofrimento.
Considero, então, que o maior mérito de Verônica não é sua
competência e precisão teórica indiscutíveis e sim sua sensibilidade. Só
quem é particularmente sensível e empático ao sofrimento, tanto dos casais
quanto dos filhos envolvidos em um rompimento conjugal, consegue
traduzi-lo para profissionais de diferentes formações.
Mavis Hetherington, autora norte-americana que dedicou 40 anos de
sua vida a um estudo longitudinal de famílias divorciadas, afirma que “todo
divórcio é uma tragédia única, porque todo divórcio põe fim a uma
civilização única, construída sobre centenas de experiências, memórias,
esperanças e sonhos compartilhados”1. Atuar com casais que se separam
exige compreender as múltiplas desilusões dos ex-parceiros: com o projeto
social do casamento atemporal, com o outro que o rejeitou ou não satisfez
seus desejos e, consigo mesmo, incompetente e impotente frente à finitude.
Alguns cônjuges vão saindo da relação durante o próprio casamento.
Outros, só depois do anúncio do companheiro. Muitos se mantêm
aprisionados em tentativas auto ou heterodestrutivas de reter o objeto
amado. Mas muitos também ultrapassam a crise, exibem o que hoje
conceituamos como resiliên-cia, ou seja, além de evitar os efeitos mais
negativos, a situação de crise potencializa a atualização ou aquisição de
novas competências, de modo que o indivíduo passa a demonstrar um
funcionamento existencial adequado ou melhor que o inicial.
Quando imperava nas ciências um modelo linear de pensamento,
considerava-se que o divórcio era uma situação de trauma com efeitos
deletérios e irreversíveis para os filhos. Os estudos mais completos e atuais,
sob uma perspectiva de risco e resiliência, têm demonstrado que se trata de
uma situação que abalará o equilíbrio psicológico de todos os envolvidos,
mas crise pode tanto produzir resultados negativos quanto superação.
Alguns anos atrás, pesquisei a perspectiva dos filhos acerca do divórcio
dos pais, e certos aspectos desta experiência merecem rápida consideração.
O primeiro é que a partir de cerca de seis anos as crianças não concebiam
que o casamento era para sempre; explicavam que os casais se separavam
porque o amor acabava e/ou porque brigavam, brigavam muito e não se
entendiam nas brigas – o que, diga-se de passagem, as espantava muito,
porque sempre ouviam de qualquer adulto que não se deve brigar ou
quando se briga, deve-se fazer as pazes... O segundo aspecto se referia ao
grau de imprevisibilidade que a separação dos pais agregava ao cotidiano
dos filhos – mudança de escola, de moradia, menor acesso a familiares e
amigos, mudança de cidade, perda de poder econômico e saída de
atividades complementares, como natação, línguas – além de todo o
impacto emocional da saída de casa de um dos pais. Se a separação em si é
uma possibilidade, ao menos no nível da aceitação cognitiva, sofrer todas
estas mudanças de vida quase inviabiliza uma saída saudável por parte dos
filhos, pois, além de tudo, diminui seu acesso a outras fontes de apoio que
não os pais, superenvolvidos com a própria angústia.
Nem eu, nem as crianças com quem trabalhei, acreditam que os pais
tenham qualquer intenção de feri-las, mas muitas delas são varridas para
dentro do conflito conjugal ou ficam desamparadas à mercê das próprias
perdas. De fato, o fiel da balança da qualidade de vida, da qualidade de
cuidado parental é o nível de conflito conjugal. Nem sempre a separação
põe fim aos conflitos, insatisfações e hostilidade; muitas das vezes, ela só é
mais um ato em um drama que se repete indefinidamente e mantém os
filhos reféns.
Sabemos hoje que, em geral, os fatores que favorecem a saúde têm
mais impacto sobre o desenvolvimento infantil e adolescente do que os
eventos disruptivos e que, no caso do divórcio, a saúde mental dos filhos
está associada à quantidade e qualidade de contato com cada um dos pais.
É considerando tudo isso que este livro traz uma grande contribuição
para aqueles que trabalham com famílias que vivem o divórcio.
Família, separação e mediação – Uma visão psicojurídica aborda os
temas que permitem a todos os profissionais compreender a complexidade
da situação, que traz um lado jurídico, um lado social e um lado
psicológico. Somente uma pessoa com formação em Direito e em
Psicologia, temperada com uma preocupação social e com a formação de
profissionais mais capazes, além de dotada de sensibilidade ao sofrimento
de pais e filhos, é capaz de traduzir, transitar, estabelecer a interface e
promover o diálogo.
Verônica vai mais além, ainda. Media a conversa psicojurídica e indica
caminhos ao introduzir a Mediação, talvez um dos métodos mais
revolucionários na promoção da saúde no divórcio. A mediação atua em
diferentes níveis: detém o confronto e contém a escalada dos conflitos;
resolve questões subjacentes; recupera aspectos positivos de confiança e
colaboração. O mediador garante a equidade de poder, facilita a
comunicação e a reflexão sobre a complexidade da situação, de modo que
todos os envolvidos recuperem sua capacidade de escolha para além da
cegueira produzida pela dor, frustração e decepção que o divórcio pode
trazer, mas que não precisa preponderar.
A mediação é uma prática multidisciplinar que exige uma formação
transdisciplinar, e este volume seleciona um conjunto precioso de
informações para apoiar esta formação. O uso da mediação familiar no
Brasil vem crescendo a cada ano, o que significa que cada vez mais se
assume que é fundamental criar condições para que a separação do casal
não impossibilite a coparentalidade. Por meio da mediação, os ex-cônjuges
são ajudados a negociar um acordo mutuamente favorável, o que evita que
os conflitos se reeditem indefinidamente nas disputas de guarda, pensão e
visitas, podendo, inclusive, facilitar negociações autônomas, futuramente.
Em sua apresentação à 2ª edição, Verônica comenta sua surpresa frente
à leitura de seu livro por leigos. Eu não. Mesmo que este livro seja técnico,
as pessoas em geral, não só os divorciandos, mas avós, amigos, professores
de crianças e adolescentes, buscam informações e necessitam de alguém
que as comunique de forma acessível, mas precisa.
E não há só informação, há a disponibilidade de seus poemas que
acolhem e educam. Minha experiência clínica e de pesquisa com crianças e
adolescentes garante a certeza de que todos eles agradecem sua poesia, pois
comunica o sentimento, traduz a necessidade e a esperança.
Longe de ter um único resultado previsível, o divórcio é uma transição,
individual e familiar, longa e em aberto. Nem todos os filhos viverão o
mesmo impacto. O sistema familiar atravessará um período de
desorganização imediatamente após ser deflagrada a crise (normalmente
quando da saída de um dos cônjuges da casa), seguido de uma recuperação,
reorganização e eventualmente atingindo um novo padrão de
funcionamento mais flexível. Ele traz um lado obscuro de perda de
autocontrole, de grande impacto emocional e desconhecimento do que se
pode fazer, mas também um lado iluminado, uma janela para mudança, para
a saúde e ampliação dos potenciais.
Apropriar-se de seu livro é minha indicação para todos aqueles,
cônjuges, ex-cônjuges, psicólogos, advogados, juízes, assistentes sociais,
professores, estudantes, voltados para o lado da luz.

Rosane Mantilla de Souza


Coordenadora do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Psicologia Clínica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

1 Hetherington, M. E. & Kelly, J. For better or for worse: divorce reconsidered. New York: W.W.
Norton, 2003, p. 2.
APRESENTAÇÃO À 2.ª
EDIÇÃO

A s separações não ocorrem ao acaso. Para compreendê-las e lidar com


elas, devem ser levados em consideração fatores de ordem geográfica
e cultural, tempo de casamento, idade dos cônjuges e dos filhos, bem como
outros mais específicos.
A separação, como qualquer outra situação relacional, vai sendo
construída no tempo por seus protagonistas. Nada acontece ao acaso ou de
forma absolutamente unilateral. Não importa, também, a dimensão que se
dê aos motivos, sejam intransigências tidas como mínimas, como o casal ter
gostos diferentes, sejam fatos tidos como intoleráveis pela maioria, como a
transgressão do dever de fidelidade.
Atualmente, o instrumento que melhor concretiza a aproximação entre
as ciências Direito e Psicologia é a Mediação.
A Mediação pode ser considerada um instrumento que se coloca entre
as práticas tradicionais jurídicas de operar em causas judiciais de família,
mesmo em separações consensuais, e a gama de tratamentos existentes para
ajudar o casal a rever sua relação e compreender seu vínculo psicológico.
A Mediação é, ao mesmo tempo, modelo, técnica e processo. Faz parte
do poder de decisão da família sobre seu destino e de sua prole, sendo o
mediador um facilitador da comunicação que procura levar o casal a
retomar o diálogo em nível razoável o suficiente para reestruturar sua vida e
planejar o futuro, de modo a redimensionar sua relação no que seja
necessário para criar os filhos e organizar sua vida diária e relacional.
A mediação com casais em separação, ou separados, que têm filhos,
tem­-se mostrado um instrumento útil à reorganização dessas famílias e a
evitar ou minimizar prejuízos emocionais perfeitamente administráveis na
maioria dos casos em que a família passa por essa crise acidental em seu
ciclo de vida.
Já vem sendo aplicada no Judiciário de Família, embora com outras
nomenclaturas e de modo não uniforme. O Tribunal de Justiça de São Paulo
oficializou seu emprego no Setor de Conciliação/Mediação das Varas de
Família.
No dia 21 de junho de 2006, o Senado Federal aprovou o Projeto de
Lei da Câmara 94, de 2002 (n. 4.827, de 1998, na Casa de origem), que
institucionaliza e disciplina a mediação como método de prevenção e
solução consensual de conflitos. Foi relator o Senador Pedro Simon. A ideia
do Projeto original de autoria da Deputada Zulaiê Cobra nasceu na
Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares
de Direito de Família e teve participação, na elaboração e na redação, do
ministro do Supremo Tribunal Federal Antonio Cezar Peluso, então
desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Por outro lado, a mediação não deve ser vista como solução para todos
os problemas familiares. Ela não é um processo terapêutico nem pode
substituir a terapia de casal e de família, nos casos indicados.
O importante, no contexto da separação, é procurar prevenir prejuízos
emocionais na família, principalmente os que podem atingir os filhos dos
separados. Para tanto, todos os instrumentos de ajuda cabíveis devem ser
considerados e aqueles que convivem com famílias que passam por essa
importante crise não previsível devem estar suficientemente sensibilizados
e capacitados para poder oferecer ajuda.
A finalidade de uma obra escrita é a divulgação das ideias do autor e,
com isso, o aumento da possibilidade de que um número maior de pessoas
entre em contato com essas ideias.
Depois da publicação da 1.ª edição do Família, Separação e Mediação
– uma visão psicojurídica, muito se fez em consonância com suas
propostas, como as iniciativas do Poder Judiciário integrando técnicas de
mediação às conciliações judiciais. Isso não significa que tenha acontecido
em função da publicação e sim que é um tempo de florescimento de ideias
novas nessa área. Algumas iniciativas sabemos, pelo relato de pessoas
envolvidas, que decorreram diretamente da leitura do livro, o que é muito
alentador.
A utilização do livro em cursos de graduação, de pós-graduação e de
instituições de Mediação e Arbitragem retrata a importância que se tem
dado aos prejuízos emocionais que atingem os filhos de pais separados e à
implementação de uma outra mentalidade nas novas gerações de
profissionais em formação.
Surpreendeu-me saber da leitura por leigos, uma vez que a proposta era
ser um livro científico, embora com linguagem acessível – e os leigos não
costumam buscar leituras científicas, quando estão em meio a uma crise.
Pessoas contaram-me como suas vidas, ou de alguém próximo, foram
afetadas pela leitura.
Colegas falaram-me sobre o uso profissional que fizeram do poema
Casais se separam; pais e filhos são para sempre e da Carta aos Pais, em
seus escritórios e consultórios. E isso me fez sentir que o trabalho valeu a
pena.
Enfim, foi bom ter notícias de que juízes de família têm encontrado
subsídios psicológicos para seu trabalho, e psicólogos, subsídios jurídicos;
que advogados têm podido mudar seu olhar acerca das ações de separação;
e que pais e suas famílias extensas têm mudado seu relacionamento e
conduta por amor aos descendentes. Alguns relatos foram feitos por escrito.
Assim, é com alegria que vejo surgir a 2.ª edição do Família,
Separação e Mediação – uma visão psicojurídica, revisto, atualizado e
ampliado, trazendo acréscimos aos temas apresentados e relatos de
experiências bem-sucedidas no Judiciário nacional e de outros países.
Esta edição reforça a ideia de que o contato dos filhos com ambos os
pais, após a separação, mais do que um direito é uma necessidade, de modo
que nenhum familiar ou profissional envolvido no conflito pode eximir-se
da responsabilidade de colaborar para a resolução do mesmo.
Litígios sempre existirão, mas quem sabe se com a nova mentalidade a
respeito do bem-estar dos menores, filhos dos separados, e com os novos
instrumentos de ajuda, não irão diminuir em intensidade e número?
A promulgação da Lei de Mediação provavelmente trará impulso à
harmonização familiar, na Justiça.
Pela nova lei, se promulgada conforme o Projeto aprovado no Senado,
a comediação será obrigatória nos casos de família. Rezam o art. 16, caput
e § 1.º, do mencionado Projeto:

Art. 16. É lícita a comediação quando, pela natureza ou pela


complexidade do conflito, for recomendável a atuação conjunta do
mediador com outro profissional especializado na área do
conhecimento subjacente ao litígio.

§ 1.º A comediação será obrigatória nas controvérsias submetidas à


mediação que versem sobre o estado da pessoa e Direito de Família,
devendo dela necessariamente participar psiquiatra, psicólogo ou
assistente social.

Esse pode ser o grande diferencial.


Volto a dizer o que afirmei na 1.ª edição: este não é um livro jurídico, é
psicojurídico. Espero que continue dando margem às reflexões dos
profissionais e alívio às famílias em estado de separação.
A “Apresentação à 1.ª edição” vem reproduzida nesta nova edição,
porque traz um pouco do caminho percorrido para promover a aproximação
entre as Ciências Psicologia e Direito tendo como foco a crise da separação,
bem como os referenciais teóricos que devem nortear a leitura. Sua leitura
poderá ser útil à melhor compreensão deste trabalho.

A Autora
PREFÁCIO JURÍDICO
À 2.ª EDIÇÃO

Novamente, uma visão jurídica

Confesso que me surpreendi diante do honroso convite para prefaciar


obra já consagrada, desde sua inicial edição, com autoria de respeitada
especialista, minha fraternal amiga e contemporânea dos bancos
acadêmicos, Dra. Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira. Foi num de nossos
encontros comemorativos de formatura que Verônica – assim me seja
permitido chamá-la, sem maior cerimônia, como deve ser entre as pessoas
que se querem bem –, de inopino, indagou o que achava da possibilidade de
assumir a tarefa, na edição seguinte de seu trabalho, amiúde festejado e
fonte de consulta pelos estudiosos, Família, Separação e Mediação – Uma
Visão Psicojurídica, estudo tanto mais valioso e sobranceiro, já não só por
originário de pena tão qualificada, mas primordialmente pela virtude
inusitada de nascer da lavra de quem houvera amalgamado, em sua
experiência profissional, os vislumbres desanuviados da bacharel em
Direito, da advogada e da mestra em Psicologia Clínica, para não dizer
também de suas incursões produtivas, na hodierna área das técnicas de
mediação.
Bem sabia do conteúdo referencial do trabalho de Verônica, prefaciado
em sua primeira edição pelo também conspícuo Euclides de Oliveira,
familiarista emérito, antes magistrado da melhor cepa, hoje advogado e
conferencista brilhante, dedicado à seara da Família e das Sucessões, que
ilumina com a ciência garimpada por anos a fio e com a acuidade de sua
inteligência. Precedente que, afinal, havia por resultado imediato o de
incrementar a responsabilidade do meu próprio encargo, a ser cumprido em
tão exigente companhia.
Nada obstante, encantado com a sugestão, tive a ousadia de dizer
“sim”, pelo que a mim mesmo faço louvação, num exercício constante de
autogratificação, a cada dia, a cada página, lida e relida, a cada ideia,
pensada e sentida, a cada linha ou entrelinha da obra de Verônica, na
essência da sua maneira perspicaz e sutil de ver as coisas, apetrechada,
ainda, do conhecimento e da experiência que amealhou ao longo do tempo,
persistindo a mesma Verônica sensível, meticulosa, intuitiva, aureolada por
candente inteligência e por fina dialética, como na época da Velha e Sempre
Nova Academia do Largo de São Francisco.
Pus-me a campo e a obra.
Foi quando, de plano, se descortinou a poética Verônica, que me
emocionou, com seus versos que, sob introito Casais se Separam; Pais e
Filhos são para Sempre, chamava docemente à ordem os assim chamados
ex-cônjuges, para lembrá-los daquilo que nem sempre vem a lume, com a
clareza e a intensidade esperadas, ao cabo das separações de casais:

“(...) Se fomos meio de procriação,


Que na criação sejamos timoneiros,
Guiando com firmeza, a quatro mãos,
O barco da vida de nossos herdeiros.
E até que, sós, o possam conduzir,
E, para sempre, em evento, idade ou estado,
Possamos nós, ainda que ex-casal,
Enquanto pais, andarmos, lado a lado”.

Vaticinou a autora serem esses versos a síntese de seu trabalho, “seu


início e seu fim, no desejo de que casais que se separam possam encontrar,
enquanto pais, um ponto de intersecção: o amor pelos filhos. E que o
Direito, na área da Família, e a Psicologia, por meio de sua vasta gama de
possibilidades sistêmicas, possam contribuir para a construção da ponte que
lhes permitirá fazer aquela passagem”.
Afinal, se há ex-casais, ex-cônjuges, ex-amorosos até, não haverá
jamais, pela graça de Deus, ex-pais, ex-mães, muito menos ex-filhos...
Lastimavelmente, porém, nem todos se apercebem disso, não
conseguem ou não querem fazê-lo, a ponto de verificar Euclides de
Oliveira, do alto de seu profícuo exercício como Juiz de Família em São
Paulo, partindo da experiência sofrida do magistrado que não é estátua de
pedra, nem se limita ao triste papel de burocrático espectador, somente
ávido por dar cabo do processo, nem tanto por resolver o conflito, por
apaziguá-lo, por minorar-lhe, quando menos, os efeitos perversos, no
comportamento dos pares em conflito:

“Digladiam-se em dolorosas e insistentes disputas de arena os


sofredores sujeitos desse nefasto evento. Em muitos casos, o litígio
pode evoluir e converter­-se em sangrento festim de mútua
destruição. Há riscos de serem atingidas, por seus deletérios efeitos,
pessoas outras, ainda que inocentes, situadas nas proximidades do
círculo familiar em chamas”.
“São as vítimas do jogo insensato ou do macabro circo de miséria
humana mal resolvida. Homens e mulheres em explosões de ódio e
intermináveis disputas por patrimônio ou guarda de filhos, ou em
gritos lancinantes de ajuda e meios para seu próprio sustento e
alcance de uma vida digna. São também os filhos menores
colocados no epicentro da disputa paterna, como se fossem meros
objetos numa relação de forçada convivência em que se lhes nega a
posição de sujeitos de direito.”

É nesse cenário que terá de intervir o Estado-juiz, em prol de alcançar


soluções de conforto e de apaziguamento, meta não raro inglória diante da
belicosidade dos personagens envolvidos no enredo, bem assim diante da
precariedade do instrumental – por que não dizer do arsenal de meios, de
que dispõe o Judiciário, para pacificar combatentes tão irados? –, não
fossem utilizados, a cada dia mais, recursos proporcionados por
metodologia multidisciplinar de enfrentamento das questões de família, que
lhe municia de terapêutica eficaz, à custa da ciência e do esforço de
variegadas classes de profissionais, aptas a prestar contributo ao desate de
divergências, as mais complexas e intrincadas, quanto mais as persigam
torná-las assim, ninguém menos que os próprios atores principais de tramas,
as quais nem mesmo os mais imaginosos ficcionistas lograriam engendrar.
Nessa linha, e acudindo a tal chamamento, foi que surgiram
experiências, em busca do acumpliciamento de profissionais de diversos
campos de atuação, dentre juízes, promotores, advogados, psicólogos,
assistentes sociais, religiosos, enfim, tantos quantos poderiam, dentro de
enfoques peculiares e específicos, divisar alguma luz, por mais tênue,
suscetível de alumiar o caminho da pacificação duradoura das aflições dos
descasados, prevenindo reflexos negativos para suas proles, às quais se
subtraía, de alguma forma, um pedaço da convivência e do apoio familiar.
Quando ocupei o cargo de Diretor da Escola Paulista da Magistratura,
entre 2002 e 2003, procurando dar sequência ao trabalho de meu valoroso
antecessor, o hoje Ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal,
tive ocasião de organizar grupos de estudo e de encaminhamento de
soluções, sempre com multifacetária composição dentre profissionais do
setor, em prol de colaborar para um melhor encaminhamento das questões
de família, nas Varas competentes, que não eternizasse demandas e
sofrimentos das partes e de todos os envolvidos nos conflitos subjacentes,
por simples louvor ao formalismo, à burocracia, aos obstáculos menores e
superáveis, mas que convolavam os processos, tanto quanto noutras áreas
menos sensíveis, em verdadeiras gincanas judiciais.
Foi nessa ocasião que reencontrei Verônica, hoje especialista
consagrada nos círculos do Direito de Família e da Psicologia Clínica,
manifestando o entusiasmo de sempre pelas causas abraçadas, a dedicação
que, invariavelmente, ornou seu modo de ser e de agir, a vontade férrea de
dar de si, em favor dos necessitados de auxílio.
Com essa concepção e fiel a esse ideário, foi que pesquisou, estudou e
escreveu, oferecendo-nos trabalho exemplar, rico de conteúdo, modelo de
método e de forma, instigante à leitura e à meditação, produtor de dúvidas e
indagações, nascedouro do aprimoramento das soluções, que não se limitem
à reprodução insossa de remédios de há muito experimentados sem sucesso,
na seara dos conflitos familiares.
Daí a incursão menos comum, em busca de instrumentos heterodoxos,
com vista à resolução extrajudicial dos desencontros ou, quando não, ao
desate final das lides já instauradas, pela via do consenso entre os próprios
interessados, que por sua essência a eles satisfaz, com grau de probabilidade
imensamente maior do que o que houvesse sido imposto, pela via
intervencional da autoridade judiciária, fenômeno produtor da
probabilidade, também muito maior, do cumprimento das obrigações
assumidas, dispensando execuções gravosas e arrastadas.
Os métodos, as técnicas, os instrumentos, enfim, os meios em geral,
aos quais se recorre, nas diversas instâncias judiciais, são objeto de trato
inspirado e criterioso pela autora, que não se perde da dimensão dos fatos
na abordagem dos princípios e do sistema, pois, afinal, é de gente que se
cuida, de pessoas que nem todas são iguais, tampouco necessariamente
parecidas, para sugerir o emprego de standards à guisa de remates, na
costura de todos os acordos ou de todas as modalidades de transigência.
Aborda, objetiva e meticulosamente, a instituição da família, sua
importância e complexidade, a gravidade dos efeitos de seu rompimento, os
prejuízos emocionais que deste advêm, para os ex-cônjuges e para os filhos,
os reflexos psicojurídicos, os interesses dos menores afetados, as formas
evoluídas de resolução não adversarial dos conflitos, a mentalidade
renovada de uma magistratura moderna e sensível, que não mais dispensa o
trato interdisciplinar dos conflitos que se lhe põem a dirimir.
É, enfim, obra preciosa e consistente, porque se não lhe escapam,
dentre os meandros do trato complexo da matéria, os aspectos mais
recônditos, todos merecendo análise exemplar e provocativa de reflexão
para o leitor, como é da índole dos escritos, que não se amarram a
reproduções fastidiosas e ao exercício insípido de sublinhar o óbvio; quanto
a estes, já os há em demasia, produtos de uma visão lavoisieriana do
Direito, mas, certamente muito distantes de se ombrearem com a magnitude
da obra de Verônica, real e efetiva contribuição para a tarefa ingente dos
profissionais empenhados na solução das dificuldades opostas na lida
diuturna com as questões de família e de separação.
Como rematou Euclides de Oliveira, em seu prefácio de maio de 2004,
Verônica busca e alcança, com rara felicidade, “o intercâmbio científico e
operacional entre os agentes encarregados de iluminar conflitos humanos no
agrupamento em fase ou em risco de ruína, para solução do emocional e do
jurídico, objetivando o reequilíbrio das relações e o restauro da paz dentro
da célula familiar que é a base da sociedade”.
Só resta deixar boas-vindas à nova edição de Família, Separação e
Mediação – Uma Visão Psicojurídica, atualizada consoante a evolução
normativa mais recente, preocupada com as mudanças em processo de
gestação, contribuição que, bem por isso também, nossos legisladores não
podem desconhecer.
Os operadores compromissados agradecem, as pessoas auxiliadas
agradecem, a sociedade, como um todo, também agradece.

Helio Quaglia Barbosa


Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
PREFÁCIO
PSICOLÓGICO À 2.ª
EDIÇÃO

Da Visão Psicojurídica

A multiplicidade de compartimentos estanques nos quais se dividiram os


conhecimentos a partir do século XVI, se por um lado contribuiu para
o progresso das ciências em cada área específica, por outro não ajudou a
resolver problemas gerais mais complexos como a fome, a pobreza, a
violência, a deterioração do planeta, dos costumes...
O que tem isso a ver com um livro que trata de Família, Separação e
Mediação? São assuntos que dizem respeito à Sociologia, à Psicologia, ao
Direito e cada qual tem suas regras para falar deles e agir em relação a eles.
No entanto, na contemporaneidade tem ficado cada vez mais demonstrado
que a dificuldade em resolver problemas básicos que afetam o mundo não é
falta de competência dos especialistas, mas sim falta de uma visão de
mundo que leve em consideração a inter-relação que existe entre todos os
fenômenos. A necessidade de um novo paradigma.
Como muito bem aponta a Autora deste livro, esta visão foi proposta
por Von Bertalanffy, desde os anos 1940, e defende que todos os fenômenos
observáveis, de qualquer campo científico, podem ser vistos como sistemas,
pelas características idênticas de suas estruturas quando entendidas como
um todo caracterizado pela inter-relação de suas partes.
Sistemas vivos como os fenômenos sociais e humanos, dentre outros,
são extremamente complexos para serem compreendidos a partir de um
único ponto de vista. O progresso das ciências e, consequentemente, dos
conhecimentos sobre a vida e o universo exige cada vez mais uma
multivisão e uma polifonia de vozes que indicam o caminho da
transdisciplinaridade na abordagem dos seus fenômenos pelas contínuas
trocas que realizam em função das interações que os constituem como
fenômenos observáveis e dos problemas resultantes dessa complexa teia
relacional.
Sendo assim, ao enfocarmos os fenômenos Família e Separação, temos
uma miríade de conexões implicando diferentes realidades de acordo com
os diferentes campos da ciência já mencionados.
Cada um deles tem seus objetivos claramente definidos, teorias
próprias para explicar os fatos, e procedimentos técnicos para conduzir o
encaminhamento das questões de sua alçada às instâncias apropriadas.
No entanto, por maior que seja a competência de cada profissional na
sua especialidade e por melhor que sejam suas intenções, quem deve
resolver a questão é um Magistrado, que recebe os autos com descrições
sobre o fenômeno elaboradas pelas partes envolvidas: os advogados do
caso. Estes representam pessoas com interesses divergentes, envolvimentos
diferentes e expectativas em geral contraditórias sobre o resultado.
Por mais bem elaboradas que sejam essas peças, elas são versões
construídas sobre o problema, próprias de cada pessoa envolvida e,
portanto, apresentam os significados dos fatos de acordo com visões de
mundo de cada um, suas experiências pessoais, sua formação profissional,
isto é, são relativas e subjetivas.
Assim, cabe ao Magistrado decidir sobre o rumo das vidas de várias
pessoas de acordo com o que é de direito, o que é legal, com muito poucos
recursos de outras áreas a não ser a jurídica, embora muitos reconheçam
que nesses casos o problema é muito mais emocional, relacional, do que
legal.
Isso porque, como ser humano, percebe o quanto tais situações
envolvem sofrimento, angústia, perdas, competição, enfim, sentimentos
variados que não são da alçada do Direito.
Situações de separação podem ser conduzidas apenas como a quebra de
um contrato? E as vidas das pessoas envolvidas nesse contrato?
A perda emocional de investimentos afetivos numa relação de amor
com um parceiro, na construção de uma família, no cuidado e proteção dos
filhos, requer dos Juízes considerações que vão além do julgamento legal.
Reconhecem que precisam usar de sua sensibilidade e bom-senso em
relação ao conteúdo dos autos, na certeza de que aspectos pessoais, de
ordem emocional, portanto de outra natureza que não jurídica, não estão ali
contemplados.
Psicóloga, Especialista em Terapia Familiar e Advogada, Verônica Ce-
zar-Ferreira apresenta neste livro uma pesquisa que propõe aos profissionais
do Direito uma reflexão sobre a complexidade do assunto e a proposta de
um diálogo entre os conhecimentos das Disciplinas: Direito e Psicologia,
ampliando assim o foco do estudo do fenômeno para aumentar o alcance
dos aspectos considerados. Dessa forma, poderá abranger tanto os aspectos
legais como emocionais e relacionais numa visão sistêmica, complexa, mais
próxima do paradigma da ciência nesta pós-modernidade.
A proposta da Dra. Verônica se baseia na experiência que tem nos dois
campos, a qual lhe permite uma integração de pontos a serem considerados,
que enriquecem enormemente a análise e permitem levar em conta, ao
interpretar a letra fria da lei, os aspectos subjetivos, emocionais dos
envolvidos: o melhor interesse das crianças, dos filhos, as competências e
ligações afetivas de cada progenitor com cada filho, as relações dos irmãos,
o sentimento de pertencimento desses filhos a uma família, sua família,
buscando, assim, um diálogo aberto, mediado profissionalmente. Com isso,
a posição de um ganha outro perde é substituída pela posição ganha-ganha.
Como isso é possível?
Considerando os aspectos pessoais das relações existentes entre os
membros das famílias na busca de propostas alternativas a serem tratadas
dialogicamente, de modo que o resultado seja razoável para todas as partes
envolvidas.
Ninguém perde, todos ganham algo.
E, o que é melhor, não se trata de negar competências adquiridas, mas
de levar a cabo pequenas mudanças que já estão sendo experimental e
voluntariamente testadas, com a criação do Setor de Mediação citado pela
Autora. Com a atuação de um profissional de Direito e um de Psicologia
treinado em técnicas de Mediação, é possível serem ouvidos sigilosamente
pelos profissionais os anseios, as mágoas, as razões de cada implicado e,
com isso, embasar um parecer com posições muito mais fundamentadas nos
aspectos que constituem os fatos e assim preservar ao máximo os aspectos
psicológicos envolvidos.
Uma criança, embora nunca queira, pode até suportar que seus pais se
separem, vivam em casas separadas e até venham a constituir novas
famílias. No entanto, desorientam-se completamente, ficam inseguros, com
a identidade comprometida, se esses pais não são capazes de manter um
diálogo como pais, sem ataques destrutivos, sem animosidade... Um filho
jamais pode ser leal a um dos pais contra o outro. Isso o dilacera.
Não fosse por tantos outros aspectos, só esse, a meu ver, seria
suficiente para que os profissionais das áreas implicadas façam coro à
proposta apresentada neste excelente livro e fortaleçam a mobilização para
que a Lei de Mediação seja aprovada e implementada nos tribunais.
Será uma pequena mudança na rotina do judiciário, mas uma
verdadeira revolução na forma de encaminhar problemas que abalam tantas
vidas humanas. Vale lembrar o que muito bem coloca Dra. Verônica:

Pais se separam
Filhos são para sempre...

Rosa Maria Stefanini de Macedo


Doutora em Psicologia – Coordenadora do Núcleo
Família e Comunidade PUC-SP.
APRESENTAÇÃO À 1.ª
EDIÇÃO

P ara haver comunicação e entendimento entre pessoas, é preciso que os


interlocutores detenham algumas informações que lhes permitam
decodificar o que está sendo dito. Se não se conhece o código, fica difícil.
Isso me fez lembrar a seguinte estorieta do anedotário jurídico:

Um cidadão detido como suspeito de um crime foi levado à


presença do Delegado de Polícia, que lhe apresentou um
determinado objeto e perguntou: “Reconheces o instrumento
pérfuro-cortante com que seccionaste a vida de um burguês incauto
numa das principais artérias de nossa urbe chique?” O homem olhou
para ele aparvalhado e nada respondeu. De pronto, um funcionário
da Delegacia veio ao socorro de ambos e disse para o homem: “O
que o Dr. Delegado está perguntando é se o senhor reconhece este
punhal, com que teria matado um homem numa rua da cidade?” Ao
que o homem retrucou, aliviado: “Ah! Agora posso responder.
Nunca vi esse punhal”.

Este é meu objetivo: ser um elo, como o funcionário, e tentar


aproximar as linguagens da Psicologia e do Direito em torno do tema da
separação, supondo que a aproximação das linguagens possa facilitar o
entendimento e abrir espaço para a interdisciplinaridade psicojurídica na
Justiça de Família, e, com essa aproximação, dar um passo a mais em
direção à realização do sonho do poema apresentado.
Na verdade, todo este trabalho é a realização de um sonho, no seguinte
sentido: há muito tempo os problemas das famílias separadas me
preocupavam. Comecei a trabalhar, psicojuridicamente, lá pelos anos 1980,
como decorrência de minha formação jurídica e psicológica. Talvez a
maturidade tenha trazido a inspiração. No entanto, era um trabalho solitário,
sem ter com quem conversar, tanto que foi fora do país que, pela primeira
vez, ao ouvir sobre minha forma de trabalhar certos casos, alguém me disse
“mas você é uma mediadora de divórcios”. Até então, eu não conhecia a
expressão.
Amparada por um caminho que passou pela Psicanálise, como teoria
psicológica, e chegou à visão sistêmica, como epistemologia, achava que os
casos de família, principalmente os de separação, deveriam ter uma
abordagem que não só a jurídica. Meus atendimentos o comprovavam e eu
sempre comentava com colegas sobre essa preocupação.
Em 1993, escrevi uma monografia, falando sobre o funcionamento
mental da família, chamada Leis são feitas para serem mudadas – Estudo
de um projeto preventivo do sistema familiar, e a apresentei a alguns
colegas do Direito, que se mostraram interessados pela questão relacional,
do ponto de vista psicológico.
Então, um fenômeno interessante aconteceu. Colegas, terapeutas
familiares que estavam atendendo, em terapia, casais às voltas com
problema de separação, começaram a me perguntar como funcionava a lei
em relação à família.
Nessa ocasião, eu era presidente do Centro de Estudos da Família de
São Paulo, uma instituição sem fins lucrativos, que gosto de definir como
semeadora. Nós não nos preocupávamos em ter escola ou dar longos cursos.
Éramos estudiosas dos assuntos emocionais/relacionais de casais e famílias
e nosso prazer era semear ideias novas, em que houvesse terreno fértil à
espera dessas sementes.
Foi assim que, em 1994, reunidas para organizar mais um evento do
Cefasp, minhas colegas de diretoria, todas terapeutas familiares, lembraram
das consultas que eu recebia e sugeriram que convidássemos alguém do
mundo jurídico para falar sobre Direito de Família a terapeutas familiares.
Imediatamente pensei em um desembargador que havia sido juiz de
Família por vários anos e que era um juiz humano e uma pessoa com a
atenção voltada para os aspectos emocionais do ser humano. Ele aquiesceu
ao convite.
Ao mesmo tempo, entusiasmada com a oportunidade de unir minhas
duas ciências, contei o fato para colegas do Direito e, embora lhes tivesse
dito que a palestra versaria sobre aspectos básicos, como eles gostavam de
ouvir o desembargador, também professor, interessaram-se em comparecer
e, de fato, foram.
Assim, circunstancialmente, pela primeira vez reunimos esses dois
mundos. Durante a apresentação, observamos que o interesse de cada grupo
pela visão do outro foi crescendo, sobretudo pela abertura dada pelo
palestrante.
A semente vingou rapidamente e, uma semana depois, estava criado o
Instituto de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família. Recebi
cumprimentos, embora meu mérito tenha sido o de reunir as pessoas certas
na hora certa.
Aliás, o evento não foi meu, foi iniciativa do Cefasp, mas fiquei
contente, sim. Meu sonho começava a realizar-se. E foi nas reuniões
científicas do Instituto – o qual, sugeri que pela coerência com seus ideais
tivesse o nome mudado para Instituto Brasileiro de Estudos
Interdisciplinares de Direito de Família – que tive oportunidade de trocar
ideias com colegas de ambas as áreas. Essa é uma instituição de que só
podemos nos orgulhar e que, até onde sabemos, foi o berço da
interdisciplinaridade psicojurídica em matéria de Família, no país.
O IBEIDF teve uma atuação primorosa, difundindo as ideias
interdisciplinares por várias partes do Brasil, e uma produção profícua, com
aulas, cursos, eventos, três obras publicadas – os Cadernos de direito de
família – e participação maciça de seus membros nos dois tomos da obra
Nova realidade do direito de família.
O IBEIDF construiu o perfil de um Instituto semeador e disseminador
de ideias. Cumpriu sua missão, encerrando as atividades no ano 2000, em
seu momento de glória. Suas sementes multiplicaram-se. O IBEIDF foi um
grande estímulo para que eu procurasse me aprimorar, a partir daquelas
primeiras ideias, por isso o menciono. Essas ideias não são apanágio de
nenhum de nós, mas de todos aqueles que sonham com uma Justiça de
Família mais humana, num país cujas leis dão espaço à humanização.
Fui vice-presidente do IBEIDF, na gestão da Dra. Kátia Boulos.
No contato com os colegas – advogados, juízes, psicólogos, médicos e
assistentes sociais – percebi que minhas antigas e próprias ideias já
poderiam ter alguma repercussão e ingressei na pós-graduação stricto
sensu, com a ousada proposta de fazer uma pesquisa interdisciplinar, tendo
como sujeitos de pesquisa juízes de Família, com o objetivo de conhecer
seu pensamento sobre a separação e a Justiça, ampliar ainda mais o diálogo
e tentar implementar a nova mentalidade no contexto social.
A pesquisa acadêmica que embasou este trabalho foi realizada na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área da Psicologia
Clínica, no Núcleo de Família e Comunidade. Esse Núcleo tem o condão de
permitir que se veja e reveja a visão sistêmica aplicada à família de forma
diferenciada, até porque conta com a sensibilidade de uma coordenação e
de professores que continuamente pesquisam e aprofundam os
conhecimentos, e, como tais, apoiam iniciativas inéditas, mesmo quando
ousadas. A pesquisa foi realizada antes da promulgação do atual Código
Civil. O referido diploma legal veio sacramentar as transformações sociais e
denotar o amadurecimento da sociedade para entrar em contato com as
ideias aqui expendidas.
Recentemente, entramos em contato com participantes da pesquisa para
atualizar suas opiniões.
Fico feliz em trazer esta pequena contribuição, pois, se o fato de ficar
tanto tempo focada no tema, me deu a oportunidade de estender o círculo de
amizades e a satisfação de entrar em contato com estudantes de Direito de
diferentes Universidades, inclusive da minha, a Universidade de São Paulo,
também me deu a tristeza de perceber que, apesar de todos os avanços
havidos, como um grande investimento no ensino da prática jurídica e na
simplificação da linguagem, pouco ou nada se fez dos anos 1960 para cá
para a introdução de conhecimentos psicológicos mínimos no ensino de
uma ciência que trata de divergências nas relações humanas e decide sobre
elas.
Este livro é a realização do sonho relatado. Ele foi capitulado, visando
a fornecer subsídios que favoreçam a aproximação entre o Direito e a
Psicologia. Sua proposta é de abertura, por isso não se fecha nos conceitos
de uma teoria psicológica específica, antes, prioriza a epistemologia da pós-
modernidade, a visão sistêmica, que, como visão epistemológica, permite a
releitura das relações em quaisquer teorias que abordem o ser humano e
suas relações.
Assim, três ideias centrais devem nortear a leitura do texto:
Primeira: grupos humanos, quando convivem por um certo tempo,
circunscritos a um espaço, deixam de ser um somatório de pessoas e passam
a funcionar como uma unidade, mais precisamente, uma unidade sistêmica
ou, simplesmente, um sistema. Essa unidade, inconscientemente, cria regras
de comunicação, isto é, de comportamento, tanto para serem seguidas na
relação entre seus membros, quanto entre eles e outras unidades sistêmicas.
Tais regras, que gosto de chamar de “código secreto”, são conhecidas dos
membros do sistema, ainda que não estejam expressas.
A família, por exemplo, é mais facilmente compreendida em suas
relações quando entendida como uma unidade dessa ordem, e não como
apenas um grupo aleatório de pessoas. Numa família, as pessoas sabem o
que é permitido, o que é proibido e como as coisas devem ser feitas, sem
que, necessariamente, se precise falar sobre isso. Seus membros conhecem
as coreografias familiares e sabem dançar conforme a música.
Esse conceito aplica-se desde o par, digamos, até a comunidade
internacional e, em função de serem uma unidade e de terem
interdependência, todo acontecimento que atinge um membro do sistema,
atinge o grupo, enquanto tal, e seus membros, em particular. Uma vez
ocorrido o evento, nada voltará a ser exatamente como antes, e, seja a
comunidade internacional, seja uma família, terá que reorganizar sua vida e
suas relações.
É em função da interdependência que, quando alguém fica seriamente
doente, numa família, todo o grupo familiar se altera, e as pessoas, em
maior ou menor escala, vão modificar seu funcionamento habitual. A
separação dos pais, de um jeito ou de outro, abalará os filhos e a vida será
modificada. O princípio é o mesmo.
Segunda: a realidade é subjetiva; ela é uma construção nossa.
Isso pode soar estranho e é claro que não estamos negando a existência
de uma realidade objetiva: a Mona Lisa existe, está no museu do Louvre,
em Paris, e qualquer um de nós poderá vê-la.
A diferença é que, além dos olhos físicos, externos, cada um de nós
verá essa obra de arte com os “olhos internos”, porque somos dotados de
aspectos psíquicos constitucionais e de um repertório de valores, crenças e
mitos que nos foram transmitidos de geração a geração e que nos tornam
únicos. Nesse sentido, a Mona Lisa que eu vejo será uma e a que você vê,
será outra, porque a realidade externa estará impregnada por nossa
subjetividade.
Terceira: as inter-relações coconstroem realidades.
No exemplo da Mona Lisa, se duas ou mais pessoas conversarem sobre
o quadro, é provável que, ao fim da conversa, tenham surgido algumas
ideias diferentes das várias ideias iniciais dos interlocutores. Terá havido,
então, uma coconstrução.
Na vida cotidiana, ocorrem coconstruções o tempo todo, sem que
tomemos consciência delas.
Essas três ideias são centrais em nosso raciocínio, ao falar de sistemas
como família, Poder Judiciário, operadores do Direito, terapeutas familiares
e outros, nas relações dentro do próprio grupo de referência e nas de uns
com outros. Elas estão aqui colocadas de maneira breve e coloquial, mas
você lerá um pouco mais a respeito no Capítulo 6, onde encontrará outras
informações.
À medida que você for internalizando essa forma de pensar, vai poder
perceber com mais clareza, porque pessoas, famílias, instituições e
sociedades adoecem ou florescem, em função de suas relações. E porque
toda a família se desestrutura, quando ocorre a separação do casal.
Essa forma de pensar pode ajudá-lo, também, a encontrar um novo
sentido ao refletir sobre os objetivos da negociação, da conciliação, da
mediação, da intervenção especializada, dos processos judiciais e dos
processos terapêuticos.
Gostaria de fazer uma última observação.
No convívio diário, os grupos de convivência vão construindo modos
de pensar, de agir e de falar, tão íntimos ao respectivo grupo, que chegam a
lhes parecer óbvios.
Uma família tende a achar que é óbvia sua maneira de ser e que as
outras devem ser iguais; uma comunidade científica ou profissional
considera que seus conhecimentos e pontos de vista são suficientemente
claros e coerentes para que os demais membros da sociedade possam
transitar entre eles com naturalidade e aceitá-los como incontestáveis. Em
suma, cada grupo de referência tem um código e acredita tanto nele, que lhe
parece óbvio que todas as pessoas pensem da mesma maneira.
É provável, por exemplo, que os operadores do Direito que leiam este
livro e vejam que eu explico que existem varas especializadas em família,
pensem “mas que bobagem ela está dizendo, todo mundo sabe disso”. E
também é possível que terapeutas familiares ao me verem falar do
funcionamento dos sistemas familiares, pensem “que bobagem mencionar
isso, qualquer um sabe”. Aí é que está a questão. Não é todo mundo que
sabe, não. Vocês não imaginam o número de pessoas que não têm ideia
sobre conhecimentos que a outros parecem banais. Isso é devido aos
diferentes sistemas de significados que norteiam a vida dessas pessoas.
Ao conjunto de ideias, conhecimentos, modos de pensar e de agir, em
suma, de se comunicar, próprio de um certo grupo de referência, é que
chamamos de sistema de significados.
Este livro, em última análise, propõe-se a aproximar os sistemas de
significados da Psicologia e do Direito, bem como os dos profissionais que
militam em uma e outra área, tendo como foco a separação. O intuito é
trazer alguma colaboração às tentativas de minimizar os prejuízos
emocionais que esse momento crítico pode provocar nos “filhos da
separação”.
Foi à luz do interesse dos operadores jurídicos e de alguns professores
de Direito por entrar em contato com uma nova visão das questões de
família, e do crescente interesse dos terapeutas familiares por conhecer um
pouco do Direito de Família, que ele nasceu, ele não é jurídico, é
psicojurídico. Espero que possa dar margem a suas reflexões e alívio para
as famílias em estado de separação.

A Autora
PREFÁCIO JURÍDICO
À 1.ª EDIÇÃO

Da visão jurídica

E m aprofundada análise dos conflitos familiares e fazendo adequada


simbiose entre as ciências do Direito e da Psicologia, a autora Verônica
A. da Motta Cezar-Ferreira demonstra que os desacertos observados no
âmbito da comunidade familiar apresentam aspectos emocionais que
superam e ultrapassam as raias do simples ritual jurídico observado nas
ações judiciais.
Sua valiosa experiência profissional, como bacharel em Direito, mestre
em Psicologia Clínica, estudiosa e operadora das técnicas de mediação, leva
a uma incursão pelos ínvios caminhos do relacionamento humano, em
busca de soluções que certamente dependem muito mais do próprio
reencontro das partes envolvidas do que de uma superior decisão do
distante órgão julgador.
Não obstante, é inarredável que os litígios familiares, quando mal
conduzidos e sem solução dentro no seu âmbito interno, tornam
indispensável a intervenção do Estado pelos seus agentes responsáveis
dentro da órbita do Poder Judiciário e pelos demais partícipes da relação
jurídico-processual, com destaques para o representante do Ministério
Público, os advogados e os peritos das áreas da psicologia e da assistência
social, que atuam como auxiliares do Juízo, quando sejam assim nomeados.
Ao lado dos verdadeiros sujeitos da relação conflituosa, posicionam-se
aqueles personagens de fora, compelidos, por dever de ofício e expressa
previsão legal, ao difícil encargo de participar como árbitros das guerrilhas
domésticas, a invadir licitamente a privacidade das pessoas envolvidas no
conflito e buscar uma solução de autoridade, nem sempre aceita de bom
grado, que se imponha como vontade do Estado a ser cumprida com os
meios coercitivos do direito positivo.
É o que se chama de justiça familiar, fundada na lei civil e nas normas
processuais. Mas o que importa, de verdade, são os personagens de dentro:
pais, filhos e demais componentes da entidade familiar em descontrole.
Digladiam-se em dolorosas e insistentes disputas de arena os
sofredores sujeitos desse nefasto evento. Em muitos casos, o litígio pode
evoluir e converter-se em sangrento festim de mútua destruição. Há riscos
de serem atingidas, por seus deletérios efeitos, pessoas outras, ainda que
inocentes, situadas nas proximidades do círculo familiar em chamas.
São as vítimas do jogo insensato ou do macabro circo de miséria
humana mal resolvida. Homens e mulheres em explosões de ódio e
intermináveis disputas por patrimônio ou guarda de filhos, ou em gritos
lancinantes de ajuda e meios para seu próprio sustento e alcance de uma
vida digna. São também os filhos menores colocados no epicentro da
disputa paterna, como se fossem meros objetos numa relação de forçada
convivência em que se lhes renega a posição de sujeitos de direito.
Assim se delineia o triste cenário em que operam os agentes
interventores do Estado, no intuito de apaziguar ânimos e encontrar
adequadas soluções para os envolvidos nesses lamentáveis entreveros
humanos relacionados à vivência familiar.
Por isso é que a referência a “questões de família” logo faz com que se
imaginem as terríveis querelas entre os cônjuges visando à separação
judicial e ao divórcio. São essas as causas mais comuns, mas não as únicas
ou as mais importantes. Outras questões se relacionam ao mesmo tema, no
amplo espectro das correlatas “ações de estado” e “ações de família”.
São ações várias, que dizem respeito a casamento (inexistência,
anulação e nulidade), filiação (reconhecimento, investigação, contestação
ou negatória da paternidade, reprodução assistida, inseminação artificial),
adoção (procedimento judicial tanto para menores quanto para maiores de
18 anos), tutela, curatela (interdição), alimentos, guarda de filhos e visitas,
união estável (reconhecimento e dissolução, para fins de meação, alimentos
e sucessão hereditária) etc.
A esse notável acervo de demandas em busca de uma solução judicial,
como tem respondido o Estado-Juiz? Nem sempre a contento. Afora as
dificuldades inerentes às novas questões atinentes ao grupo familiar,
subsiste o crônico emperramento da máquina judiciária por falta de
estrutura e de recursos indispensáveis ao seu melhor desempenho.
Bem salienta a autora, nas conclusões de seu valioso estudo, que a
sobreposição do aspecto emocional aos litigiosos, em confronto com a
solucionática jurídica, constitui formidável desafio aos operadores do
Direito. Exigível, em tais condições, uma aproximação das ciências do
Direito e da Psicologia, uniformizando suas linguagens e procedimentos,
em trato interdisciplinar que ambiente os litigantes ao encontro do caminho
perdido.
Com efeito, a insuficiência da resposta estatal torna mais evidente a
necessidade da busca de novos mecanismos de solução das controvérsias,
tanto nas relações de cunho familiar como em outras áreas da vivência
humana.
Tem se preocupado, o legislador brasileiro, na criação de instrumentos
hábeis à solução extrajudicial dos conflitos ou finalização de lides judiciais
por via de consenso dos próprios interessados. Nesse sentido, apontam-se
como relevantes a Lei 9.307, de 23.09.1996, que deu novo tratamento
jurídico ao instituto da arbitragem, e a Lei 9.958, de 12.01.2001, que
instituiu as Comissões de Conciliação Prévia, com a atribuição de tentar
conciliar os conflitos individuais de trabalho. A conciliação também foi
cuidada com ênfase na Lei 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre os
Juizados Cíveis e Criminais.
No campo específico das questões de família, mais avulta a
imperiosidade de uma fase conciliatória dos lamentáveis desencontros que,
por causas imprevisíveis, porém recorrentes, assolam a vida do casal, dos
filhos ou de terceiros que acabam sendo atingidos pela ruína do ente
familiar. Nesse sentido os diversos dispositivos da lei processual,
estabelecendo fases preliminares de conciliação das partes, mediante
audiência especialmente designada pelo juiz.
Afora as hipóteses legais de conciliação obrigatória, cumpre repisar
que o juiz de família tem largo campo de atuação discricionária para a
busca da almejada conciliação ou reconciliação das partes. Pode convocá-
las para audiência a qualquer tempo, ainda que em reiteração, sempre que
vislumbre possível um acerto amigável, seja pelas circunstâncias do caso ou
por requerimento dos advogados ou do Ministério Público, assim como por
sugestão dos auxiliares nos trabalhos de campo, que são os assistentes
sociais e psicólogos designados como peritos do Juízo.
Louve-se, neste passo, recente decisão do Tribunal de Justiça de São
Paulo, criando comissões de juízes conciliadores em segundo grau.
Milhares de processos represados no aguardo de distribuição estão sendo
tirados das prateleiras para esse fim específico, de convocação das partes
para audiência de conciliação. A expectativa é de grande êxito, em vista de
precedentes obtidos por iniciativas isoladas de dedicados julgadores,
esperando-se, com isso, aliviar sensivelmente o trabalho acumulado que se
verifica nos tribunais.
Importante ressaltar, de outro lado, que as questões relativas à guarda
de filhos exigem do magistrado uma especial cautela no definir quem, se o
pai, a mãe ou terceira pessoa, tem melhores condições para cuidar do
menor. A previsão que se contém a esse respeito no art. 1.584 do CC exige
que se colham todos os elementos de informação sobre as pessoas
envolvidas, para o que se mostra indispensável não apenas o exame da
prova dos autos, mas também investigações mais amplas, como a inquirição
particular das partes, inclusive dos filhos que já estejam capacitados a
expressar vontade. No aspecto da evidência probatória, por certo que será
de maior relevância, conforme o caso, a informação técnica de psicólogos e
de assistentes sociais.
A autora aponta novos caminhos. Dentre eles, com especial relevo,
indica o instituto da Mediação, como instrumento de apoio aos agentes do
conflito para que cheguem à solução de seu melhor interesse. Não há lei
especial sobre a mediação, mas apenas projeto de sua implementação no
país. Independentemente de sua regulamentação legal, porém, a mediação
já vem sendo utilizada e merece incremento, por iniciativa dos advogados
no encaminhar seus consulentes a essa modalidade de assistência, ou por
determinação judicial, facultativa, quando se revele conveniente no
intercurso da demanda.
Para o exame dessas relevantes questões de família, que envolvem
aspectos emocionais e afetivos de profunda repercussão no mundo íntimo
das pessoas envolvidas, devem estar conscientes e preparados os agentes de
aplicação do Direito.
Em primeiro lugar situam-se os advogados, que ouvem e assistem seus
clientes, dando-lhes o suporte jurídico para solução dos problemas em
efervescência. Difícil tarefa, trabalho de trincheira, na primeira linha do
confrontamento doméstico da parentalidade. Como deve atuar um advogado
familiarista? Além de ouvir, cumpre-lhe aconselhar? Melhor conciliar ou
ajuizar desde logo uma ação que ponha na parede a parte adversária? Não
haverá tentação de iniciar logo o litígio forense como vantagem de quem dá
o primeiro lance? E também a cobiça dos honorários periódicos não
aconselha um procedimento judicial que se arraste por longos anos?
As respostas não se colhem do simples direito de acionar a lei, mas
extravasam para aspectos da ciência antropológica, da sociologia e da
psicologia inerentes ao problema. É o que diz Rodrigo da Cunha Pereira, de
forma muito apropriada, lembrando que a primeira atitude do advogado é
“ouvir o discurso do cliente”, freudianamente, isto é, “escutando o que está
por detrás do discurso”, ou, como Lacan, “o que está entre o dito e o por
dizer” (Prefácio em A sedução de ser feliz, de Marcos Colares, Brasília:
Letra viva, 2000, p. 21). Seu objetivo deve ser, prioritariamente, o de
manter a família, salvando o casamento, e o de proteger o bem-estar de seus
membros. Por isso, lembra Rodrigo, cabe ao advogado apurar o verdadeiro
motivo do litígio e nunca aconselhar o cliente ao litígio, mas deixar que o
próprio interessado descubra e busque, com a ajuda do profissional, a
providência que melhor convier ao seu caso. Concluindo, “os advogados
não podem ser agentes de separação”, não devem “induzir ou influenciar as
pessoas a que se separem, ou mesmo a que não se separem”, mas, tão
somente, de modo atento e cuidadoso, acompanhar todo o processo, que se
inicia mesmo antes de interposta a ação judicial, visando a composição das
partes ou o encontro do rumo que seja efetivamente do interesse de ambas e
dos demais componentes da entidade familiar (os filhos, nas questões de
guarda e visitas).
Igual atitude de preservação dos legítimos interesses das partes
compete ao Promotor de Justiça, que intervém nos processos de família
com a finalidade de velar pelo cumprimento da lei e por sua justa aplicação
em benefício das partes envolvidas, especialmente os filhos incapazes.
Na direção do processo, sua instrução e responsável pela decisão final,
caso não se consiga acordo, está o juiz de família. Por primeiro, como
ocorreu ao advogado, também ao juiz compete ouvir as partes, designando
audiência de conciliação, que é obrigatória nos casos de separação judicial e
de alimentos. Cabe-lhe indagar dos motivos e das circunstâncias do
conflito, em audiência reservada que lhe permita saber de quanto mais se
ache por detrás das frias letras de uma petição ou de qualquer outro
arrazoado forense. O propósito maior é o de que estejam os litigantes
abertos ao diálogo para o caminho de redenção da vivência familiar ou do
encontro de uma vereda pessoal que lhes resguarde a própria dignidade de
uma existência feliz.
Nem sempre, contudo, estará o juiz em condições de assim agir.
Impede-o a reconhecida pletora dos serviços judiciários. Pode ocorrer,
também, a falta de treinamento específico ou mesmo de vocação para
conciliar. Demais disso, o magistrado pode acautelar-se nas suas colocações
para não ser interpretado como parcial. Faltará, ainda, ambiente menos
descontraído, ante a solenidade da Corte, para que as partes se livrem do
natural receio em se abrir perante estranhos. Sem falar nos rancores mal
contidos e até mesmo nos propósitos de vingança que não raro insuflam os
ânimos dos litigantes.
Postado na cabeceira dessa formidável arena, muitas vezes se vê
impotente o juiz para um encaminhamento bem-sucedido de solução
amigável. Mandará seguir o processo com sua regular instrução, para
proferir final veredicto que dificilmente trará contento a ambas as partes.
Decisão de força, a resultar no encerramento meramente formal do
processo, mas com litigiosidade latente, a remanescer ou renascer dentro
em pouco, visualizada em intermináveis recursos, difíceis medidas de
execução e sofridas ações revisionais. Em meio ao vendaval jurídico-
forense, o triste espetáculo de famílias desagregadas, homem e mulher sob
descontrole emocional e desarvorados quanto ao seu futuro, os filhos,
maiores vítimas dessa verdadeira tragédia, infelicitados pelo trauma da
agoniante disputa ao seu redor.
A prática de um trabalho conjunto, que já se exercita em casos de
maior dificuldade, mas ainda depende da iniciativa do juiz, teve sua
importância enfatizada por Antonio Cezar Peluso, em candente observação:
“Já ninguém é dono de verdades absolutas. De modo que tentar
compreendê-lo em estado de sofrimento, como costuma apresentar-se aos
profissionais do Direito, nos conflitos que lhe vêm da inserção familiar, é
tarefa árdua e, para usar de paradoxo, quase desumana, porque supõe não
apenas delicadeza de espírito e disposição de ânimo, mas preparação
intelectual e técnica tão vasta e apurada que já não entra no cabedal
pretensioso dalgum jurista solitário” (Direito de Família e Ciências
Humanas, Cadernos de Estudos n. 1, 1997, Ed. Jurídica Brasileira, p. 7).
De outra parte, a iluminar decisões relacionadas à integração das
pessoas no meio parental, acha-se o princípio fundante de seu efetivo bem-
estar individual e social, somente possível numa convivência marcada pelo
afeto e pela mútua satisfação de seus legítimos interesses.
Como assinala Sérgio Rezende de Barros, em admirável sintonia com
Maria Berenice Dias, há que se substituir a ideologia da família patriarcal
pela ideologia do afeto, para que não se mascarem uniões servidas de meros
interesses patrimoniais. Aponta como pior consequência daquele sistema
patriarcal a indébita intervenção do Estado “a invadir a liberdade individual,
para impor condições que constrangem a relação de afeto”, configurando-se
como uma ideologia negativa, “desde que e na medida em que passou a
negar, esconder e mascarar a realidade da vida social” (A ideologia do
afeto, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese,
IBDFAM, vol. 14, p. 5, 2002).
Mais avulta a responsabilidade dos encarregados de operacionalizar o
direito diante dessa nova ideologia que permeia os laços de família. O
instrumental jurídico, para que se revista de calor humano, há de munir-se
desses princípios fundamentais ligados à equalização dos direitos e ao
respeito à dignidade da pessoa humana, seiva indispensável à utilização dos
mecanismos de alcance da almejada paz no ente familiar.
Todos esses considerandos e os fatos que se mesclam no emaranhado
das demandas judiciais são bem expostos e analisados pela autora Verônica
A. da Motta Cezar-Ferreira, pondo em relevo a enormidade da tarefa
judicante, que obriga o magistrado a buscar apoio em outras áreas do
conhecimento.
Ordenamento jurídico mesclado à ciência da alma humana e dos efeitos
no núcleo social é o que se propõe: Psicologia e técnicas de mediação para
encontro de solução ao litígio, informando a aplicação do Direito, com
tratamento multidisciplinar abrangendo, no aparelho judiciário, os laudos
técnicos de especialistas atuando como copartícipes da decisão judicial.
Enfim, como enfatizado neste livro e em anteriores trabalhos da autora,
busca-se o intercâmbio científico e operacional entre os agentes
encarregados de iluminar conflitos humanos no agrupamento em fase ou em
risco de ruína, para solução do emocional e do jurídico, objetivando o
reequilíbrio das relações e o restauro da paz dentro da célula familiar que é
a base da sociedade.

São Paulo, maio de 2004.

Euclides de Oliveira
Advogado especializado em
Direito de Família e Sucessões.
PREFÁCIO
PSICOLÓGICO À 1.ª
EDIÇÃO

Da visão da psicologia

E xistem interlocutores especiais na vida de quem ousa colocar suas


ideias a público e a autora de Família, Separação e Mediação – uma
visão psicojurídica é um deles.
Tive a satisfação de manter um diálogo longo e profícuo com Verônica
e acompanhei passo a passo a construção de sua identidade de
pesquisadora/autora.
Não sei se nascemos autores ou poetas ou se vamos nos tornando assim
no contato com a realidade. Acho que posso me arriscar a dizer que
escrever ou criar é uma espécie de elaboração psíquica necessária para
algumas pessoas.
Ser autor é se expor! Ser autor/poeta é se expor um pouco mais e ser
autor/pesquisador é uma tarefa árdua.
Ser autor/pesquisador na interdisciplinaridade foi a tarefa a que
Verônica se propôs na universidade e o sucesso dessa empreitada que chega
hoje em forma de livro é que tenho a honra de prefaciar.
Na obra de Verônica podemos fazer uma viagem epistemológica, pois
ela traz para o leitor a compreensão da família como um sistema que se
articula com outros sistemas, formando a matriz social de Bateson e
Ruesch, articulada pela comunicação que foi uma das raízes da terapia
familiar nos meados dos anos 1950.
A obra chega até a visão do paradigma socioconstrutivista de uma
realidade construída na intersubjetividade, mostrando o pesquisador
participando ativamente dessa construção que se insere na pós-
modernidade.
A autora consegue ainda uma articulação interdisciplinar almejada pela
universidade, que só foi possível pela sua dupla inserção no Direito e
Psicologia e sua prática como mediadora e terapeuta familiar.
Como se não bastasse, ainda temos um trabalho cheio de sensibilidade,
uma leitura poética e um estilo elegante e acessível.
Família, Separação e Mediação – uma visão psicojurídica cumpre a
função de preencher o vazio que existia na terapia familiar quando nos
deparávamos com os problemas familiares, principalmente a separação e o
divórcio, inseridos no âmbito da lei, e também de ampliar o diálogo com os
representantes do Direito.
Como advogada, psicóloga e terapeuta familiar, Verônica foi inúmeras
vezes acionada para dar aulas e consultas para terapeutas familiares e
traduzir para a linguagem da Psicologia as questões do Direito de Família.
Acredito que também tenha sido tradutora para os advogados dos
problemas emocionais que as famílias viviam quando estavam em conflitos.
Mais que traduzir, a autora se propõe em Família, Separação e
Mediação – uma visão psicojurídica a aprofundar as questões emocionais
da família e direito com a competência que sua longa e consistente prática
interdisciplinar lhe outorga.
O poema Casais se separam; pais e filhos são para sempre, de sua
autoria, que é introduzido no início da obra, tem sido usado pelos terapeutas
de casal e família nos atendimentos de conflitos familiares. A leitura do
poema está auxiliando muitos pais e filhos na construção das relações que
fazem parte do sonho da autora, poeta e pesquisadora!
Nesse sentido, ganha a terapia familiar um instrumento terapêutico
referendado por especialistas quando da defesa pública do trabalho da
autora.
Família, Separação e Mediação – uma visão psicojurídica termina
com uma carta dirigida às pessoas que vivem juntas nessa relação especial
que chamamos casamento e que podem encontrar nas palavras da autora a
descrição de um cotidiano que é quase universal.
Parabéns à Verônica e parabéns ao leitor que pode usufruir desta obra
tão carinhosamente construída.

Prof. Dra. Ceneide Maria de Oliveira Cerveny


Doutora em Psicologia Clínica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
SUMÁRIO

Casais se separam; pais e filhos são para sempre

INTRODUÇÃO
1. A família é a “pré-escola” da vida
2. O direito e a justiça privilegiam cuidados com a família
3. A psicologia destaca a importância da família
4. Pesquisando psicologia em direito
5. Operadores do direito perguntam
6. A pessoa como valor-fonte de todos os valores

1. A FAMÍLIA E O EVENTO DA SEPARAÇÃO


1.1 A complexa família que ingressa na justiça
1.2 A importância dos pais no desenvolvimento dos filhos
1.3 A separação como fenômeno transicional
1.4 O despertar para a crise da separação
1.5 Crise: Um momento decisivo
1.6 Separação: Uma crise não previsível das mais sérias
1.7 Os filhos e os prejuízos emocionais
1.8 Lealdade filial, sentimento de culpa e os prejuízos
1.9 Os menores dentre os menores
1.10 Operadores jurídicos e não jurídicos e os conflitos
1.11 Os operadores jurídicos e a construção do processo judicial

2. O DIREITO DE FAMÍLIA E OS REFLEXOS PSICOJURÍDICOS


2.1 Direito e justiça: Considerações introdutórias
2.2 O tripé jurídico e a construção inevitável
2.3 A lei e os reflexos psicojurídicos
2.4 A separação como processo judicial
2.4.1 Emenda constitucional 66, de 2010 – discussões
2.5 A separação e as ações correlatas: Alimentos, guarda e visitas
2.6 A lei que protege pode ensejar prejuízos
2.7 Quando os conflitos emocionais comandam a ação
2.8 As novas organizações de família

3. O INTERESSE DO MENOR E AS PRÁTICAS SISTÊMICAS


3.1 Considerações introdutórias
3.2 Perícia: O recurso psicológico previsto em lei
3.3 Um terapeuta na audiência: As diferentes escutas
3.4 Ajuda especializada: Uma realidade possível

4. A RESOLUÇÃO NÃO ADVERSARIAL DE CONFLITOS


4.1 Negociação
4.2 Conciliação
4.3 Mediação: Uma proposta atual
4.4 Mediação na separação: Noções sobre técnica
4.5 O mediador
4.6 Os limites da mediação
4.7 Há casos que não são mediáveis
4.8 O melhor mediador
4.9 O processo de mediação
4.10 O dinheiro
4.11 As informações
4.12 Do acordo em mediação
4.13 Mediação e terapia
4.14 Autoconhecimento

5. A MENTALIDADE RENOVADA DA MAGISTRATURA


5.1 Justiça e sensibilidade
5.2 Um juiz mais transparente
5.3 A intersecção com o mundo emocional
5.4 A letra da lei pode ser fria, não os seus executores

6. FAZENDO HISTÓRIA
6.1 O judiciário põe-se em ação
6.2 A experiência do setor de conciliação do TJSP
6.3 A prática de uma coconstrução
6.4 Fatos curiosos e gratificantes
6.5 Setor de mediação/conciliação da família
6.6 A experiência piloto da 11.ª Vara da Família e das Sucessões
6.7 Um sorriso denunciador
6.8 Breve nota sobre processo e procedimento
6.9 Em outras palavras
6.10 A resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça
6.11 Tribunal de Cochem
6.12 Das pequenas e grandes comarcas

7. COMPREENDENDO O SISTEMA FAMILIAR


7.1 A família como um sistema de relações
7.2 Acreditando na realidade como construção

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
8.1 Conclusões e recomendações
8.2 A mentalidade interdisciplinar
8.3 Carta aos pais
8.4 Fecho

BIBLIOGRAFIA

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS

ANEXO
Substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei 4.827-B, de 1998
Emenda 1 – CCJ (substitutivo)
Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010
Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010
Lei 11.965, de 3 de julho de 2009
Lei 11.698, de 13 de junho de 2008
Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007
CASAIS SE SEPARAM;
PAIS E FILHOS SÃO PARA SEMPRE

É possível que eu já não te queira mais,


Como você a mim. Não é o que importa.
Dá dor e dói, mas a dor se suporta,
Nem que seja preciso analgisar.
É possível que apenas um de nós
Não queira ao outro e isso ainda é mais triste,
Deixando num dos dois a frustração,
No outro, um fogo fátuo de alívio,
Pelo desmoronar do duplo sonho.
O que não é possível é que nos acusemos,
Que nos apontemos, dedo em riste,
Que nos fulminemos com o olhar,
Esquecendo tudo o que de bom já houve.
O que não é possível é que nos destruamos,
A nós, que, em outros tempos, nos amamos,
E cada qual, a si, p’ra ver o outro morto,
Desmerecendo os braços que, um dia, foram um porto,
Jogando pelo ar tudo o que construímos.
E construímos mais que sonhos, nessa estrada,
Transportamos amor por esses trilhos,
Deixamos marcas, por onde passamos,
E a mais viva delas são os nossos filhos.
Que continuarão nossos, vida toda,
Precisando de nós, em cada idade,
Como seu norte e bússola, rumo à felicidade,
Sua rosa dos ventos, o seu cais.
Seremos pai e mãe por todo o sempre,
Mesmo entrando p’ro rol dos ex-casais.
Isso nada nos tirará, nem mesmo a morte,
Relação eterna e sem corte,
Que a nossos filhos só beneficiará.
Se fomos meio de procriação,
Que na criação sejamos timoneiros,
Guiando com firmeza, a quatro mãos,
O barco da vida de nossos herdeiros.
E até que, sós, o possam conduzir,
E, para sempre, em evento, idade ou estado,
Possamos nós, ainda que ex-casal,
Enquanto pais, andarmos, lado a lado.

Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira

DO POEMA

Se os fatos se passassem como nesse poema, este trabalho não teria


nenhum sentido.
Colocar o objetivo nesse ideal é como colocar um ideal nas estrelas,
pelo incentivo de procurar chegar ao meio do caminho.
Uma coisa é certa: os casais separados que conseguiram aproximar-se
do sonho do poema têm conseguido manter-se na comunicação com os
filhos, mais integrados e inteiros, todos prontos para novas construções.
Um poema é um poema e é sempre a expressão de um sonho. Mas não
há realidade que não seja construída a partir do encontro de vários sonhos.
Quem sabe, um dia, possamos acordar e ver que o sonho já não existe;
que, em seu lugar, há uma nova realidade, inventada a partir dele.
O poema é uma espécie de síntese deste trabalho. Ele é seu início e seu
fim, no desejo de que casais que se separam possam encontrar, enquanto
pais, um ponto de intersecção: o amor pelos filhos. E que o Direito, na área
da Família, e a Psicologia, por meio de sua vasta gama de possibilidades
sistêmicas, possam contribuir para a construção da ponte que lhes permitirá
fazer aquela passagem.
INTRODUÇÃO

A maior vitória em ações de separação está em


ajudar as famílias a sair delas menos infelizes.

A belicosidade que se expressa nas causas de família torna-se cada vez


mais preocupante, pois a dor que gera nos filhos do casal que se separa
não traduz apenas um sofrimento momentâneo, mas tem a possibilidade de
provocar prejuízos emocionais que podem se estender pela vida toda.
As transformações sociais ocorridas da segunda metade do século XX
até esta data, o grande desenvolvimento da ciência psicológica,
especialmente na área das relações familiares e a queda das barreiras entre
as ciências vieram a exigir mudanças no sentir, no pensar e no atuar de
todos aqueles que entram em contato com famílias em situação de crise.
De fato, as transformações sociais têm sido muitas e rápidas, e as
mudanças legais não costumam acompanhar o ritmo, haja vista que, no
Brasil, a lei tratada por Lei do Divórcio data de 1977 e as leis relativas à
união estável, uma segunda forma de constituição de entidade familiar,
datam, respectivamente, de 1994 e de 1996.
Não podemos deixar de considerar que mudanças legais são
importantes para alterações no encaminhamento dos processos, uma vez
que os operadores do Direito atuam de acordo com as normas legais e que a
preocupação do juiz, em particular, tem que estar voltada para o
cumprimento da lei. Nesse sentido, portanto, novas leis podem vir a ser
importantes desencadeantes de mudança de olhar ante uma determinada
situação relacional.
Exemplo disso foi a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que, determinando que prevaleça o melhor interesse do menor,
tem levado o Judiciário a estar mais atento a esse aspecto.
Mas não é só a lei expressa, como fonte geral de Direito, que tem esses
efeitos. Fontes do Direito, como costumes, jurisprudência e doutrina,
também traduzem o pensamento de uma época e começam a refletir uma
certa necessidade interdisciplinar psicojurídica, nas questões da Família. De
outra parte, o atendimento especializado a casais e famílias com problemas
emocionais/relacionais começa a ocupar espaço profissional. É recorrente:
transformações sociais vêm modificando as leis e o Direito e novas leis vêm
transformando a sociedade.
A propósito de mudanças sociais, se separações conjugais não são
exceções, como era há algumas décadas – antes se arrolam entre os
fenômenos sociais frequentes desta passagem de século –, isso deve
significar, pelo menos numericamente, mais problemas de filhos de pais
separados ou em separação. Consequentemente, tal problemática traz a
necessidade de intensificação dos cuidados para que o prejuízo decorrente
da passagem por essa crise seja o menor possível.

1. A FAMÍLIA É A “PRÉ-ESCOLA” DA VIDA

A s Ciências Sociais e Humanas, de um modo geral, enfatizam a


importância da família como meio de desenvolvimento do ser
humano.
Barros Monteiro, eminente civilista contemporâneo, no volume de
Direito de Família de seu Curso de direito civil, já em 1962, dizia a respeito
da família:

“Realmente, no seio desta originam-se e desenvolvem-se os hábitos,


as inclinações e os sentimentos que decidirão, um dia, da sorte do
indivíduo”.1

E, na Parte Geral da mesma coletânea, afirmava:

“Obrigados a viver necessariamente uns ao lado dos outros,


carecemos de regras de proceder”.2
E, mais adiante:

“Indispensável é, portanto, determinada ordem. Pressupõe esta,


certas restrições ou limitações à atividade de cada um de nós, a fim
de que possamos realizar nosso destino. O fim do direito é
precisamente determinar regras que permitam aos homens a vida em
sociedade. A ordem jurídica não é outra coisa, senão o
estabelecimento dessas restrições, a determinação desses limites, a
cuja observância todos os indivíduos se acham indistintamente
submetidos, para que se torne possível a coexistência social. O
direito domina e absorve a vida da humanidade”.3

A propósito, quando o autor afirma que “o fim do direito é


precisamente determinar regras que permitam aos homens a vida em
sociedade”, o pensar psicojurídico não se pode furtar à lembrança de que a
família é precisamente o lugar onde se inicia o treino da convivência e da
inter-relação sociais.
A família funciona como uma “pré-escola” desse exercício. É o lugar
onde são dadas as primeiras informações, estabelecidas as primeiras regras
e os primeiros limites.
A família é a primeira promulgadora de leis da vida do indivíduo. É o
núcleo em que, no dizer do civilista Silvio Rodrigues (1998), se aprendem
desde regras de etiqueta, de menos valor social, até normas morais, mais
importantes, porque afetam mais diretamente a sociedade.
É no grupo familiar que a pessoa vai receber a transmissão de valores,
crenças e mitos, desenvolver uma visão de mundo e começar a adquirir seu
conhecimento tácito. E esse conhecimento advindo da infância e mesclado,
mais tarde, a outros conhecimentos adquiridos pelo indivíduo, terá peso
significativo nas ações e relações de sua vida. Isso, portanto, não pode ser
desconsiderado, quando uma família recorre à Justiça, porque, retomando a
metáfora, pode-se dizer que por “pré-escolas”, embora diferentes, passaram
todos, tanto os membros do casal em separação, quanto os profissionais que
os assistem.
As pessoas são diferentes e isso faz toda a diferença.
2. O DIREITO E A JUSTIÇA PRIVILEGIAM CUIDADOS COM A FAMÍLIA

N o curso do tempo, a família, como instituição, tem sofrido


modificações e adotado diferentes formas de organização social e
jurídica.
No Brasil, hoje, há duas formas de estabelecimento de família, do
ponto de vista jurídico: o casamento e a união estável. Isso, sem considerar
as demais formas de entidade familiar.
A Carta Magna de 1988 dispõe sobre o casamento e a entidade
familiar, o que é um avanço, e estimula a conversão da união estável em
casamento, o que denota uma conservadora preferência por esse instituto e
a dificuldade que qualquer transição encerra. Como socióloga, Fukui (1999)
aprecia ambas as designações, família e entidade familiar, e considera a
expressão entidade familiar “menos poluída” (sic). De qualquer modo, tanto
o fato de se manter o interesse das pessoas pelo casamento, como o fato de
se estabelecerem novas formas de organização familiar, estão a confirmar
que a família, enquanto instituição socioafetiva, não perdeu seu peso para a
sociedade.
A família é tão importante para o Direito que, tanto o Código Civil de
1916 trazia, quanto o Código de 2002 traz, na Parte Especial, um Livro
destinado a normatização do Direito de Família.
O Brasil, como o “disco de Newton” multirracial que é (Cezar-Ferreira:
1993), há tempos vem sofrendo o impacto das transformações sociais
internacionais combinadas a suas diversas influências culturais, de modo
muito peculiar, de tal sorte que, como diz Souza (1994): “os ideais
igualitários que se fizeram sentir em todo o mundo nos últimos trinta anos
foram então novamente absorvidos de forma particular, pela família
brasileira”.4
Nessa direção, a sétima Constituição Brasileira, promulgada em 5 de
outubro de 1988, consagrou algumas importantes transformações sociais:
equiparou homem e mulher (art. 226, § 5.º) e ampliou o conceito de família
(art. 226, § 4.º). Dois pequenos parágrafos, dentre outros, provocaram uma
autêntica revolução no Direito de Família, com reflexos no casamento, na
separação e nas relações concubinárias. O novo Código Civil incorporou
tais conceitos.
Igualmente no Poder Judiciário a preocupação pela família se faz notar.
Na medida do possível, há Varas especializadas no atendimento de
ações de família. Nem todas as Comarcas contam com essa possibilidade,
mas para as Comarcas onde há Varas de Família, são distribuídas as ações
referentes. Os juízes lotados nessas varas dedicam-se, exclusivamente, a
tais ações.
De modo geral, cada Vara conta com um juiz titular e um juiz auxiliar.
A competência funcional para julgamento das ações de família é igual para
titulares e auxiliares (Amorim & Oliveira: 1997). Na Comarca de São
Paulo, há Varas de Família no Foro Central e nos Foros Regionais.
A existência de Varas especializadas aponta para os conceitos de que a
família merece cuidados especiais e de que trabalhar com questões
familiares requer especialização, o que o juiz, provavelmente, vai
adquirindo em seu cotidiano operacional.
Toda a importância de que a família se reveste em nosso país e o
cuidado de que é alvo, estão expressos no largo espaço que a lei civil deixa
para a humanização da Justiça de Família.

3. A PSICOLOGIA DESTACA A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA

A Psicologia também tem na família um eixo significativo. Diferentes


teorias da personalidade buscam referência na relação entre pais e
filhos para explicar a formação e o desenvolvimento do psiquismo
individual. A que aceitamos, entende que o psiquismo individual decorre de
relações interpsíquicas.
A família vem sendo cada vez mais objeto de atenção sob diferentes
pontos de vista. Do prisma psicológico, tornou-se objeto de estudo na
medida em que o raciocínio linear foi dando lugar a uma visão interacional
circular das relações.
As primeiras alusões à importância da família foram indiretas, uma vez
que o objeto de estudo era a mente humana, vista de um ponto de vista
médico e, portanto, como algo estritamente individual.
A psicanálise freudiana enfatiza a relação do bebê com a mãe; fala no
triângulo edípico, formado pela criança, a mãe e o pai, este, o introdutor da
“lei”, das normas sociais. Melanie Klein fala em relações de objeto (parcial
e total), seio bom e seio mau, destacando até na metáfora, a importância da
relação entre mãe e filho. Expressões como “cena primária”, “imago
parental” e outras dão mostra de como as relações familiares estão na base
de uma das mais conhecidas e respeitadas teorias sobre a compreensão do
ser humano.
Mais recentemente, particularmente na segunda metade do século XX,
em matéria de importância psicológica da família, as alusões deixaram de
ser indiretas, passando-se a considerar a entidade familiar como o eixo em
torno do qual se desenvolve a saúde e a doença psíquica de seus membros.
Na década de cinquenta, conforme lembra Lynn Hoffman (1987), com o
chamado grupo de Palo Alto, liderado por Gregory Bateson, teve início uma
mudança significativa, que veio a priorizar a família – agora pensada como
sistema – como objeto de estudo em saúde mental.
Essa mudança representa mais que um enfoque diferente, em terapia. É
uma forma distinta de se considerar o comportamento e pode ser descrito
como “uma classe de investigação de comunicações que enfoca as relações
das pessoas, frente a frente, em grupos vivos”.5 O intrapsíquico, hoje, é
visto como fruto do interpsíquico (Macedo: 1995); o indivíduo vem
deixando de ser considerado o continente único da patologia (Boscolo et
alii: 1993) e, em função da inter-relação, a identidade é conferida por uma
pessoa a outra.
As teorias de personalidade enfatizam as funções materna e paterna
como fundamentais ao desenvolvimento emocional e à formação da
personalidade dos filhos. Autores como Carter e McGoldrick (1995),
citando a escala de Holmes e Rahe (1967), têm apontado a gravidade da
separação conjugal, situando-a como um dos eventos mais estressantes da
vida familiar, o que sugere a necessidade de se cuidar dos aspectos
emocionais dos envolvidos, nesse momento de passagem de ciclo vital.
A ciência psicológica vem evoluindo substancialmente, neste momento
da História. No Brasil, sua jovem prática profissional – cerca de cinquenta
anos – vem cada vez mais sendo reconhecida como fundamental à melhora
de qualidade de vida, pela conscientização de que o equilíbrio psíquico
exerce papel preponderante naquela condição de viver. E viver é viver em
relação. Além disso, ao lado de outras práticas sistêmicas, inter-relacionais,
já existe suficientemente desenvolvida uma especialidade psicoterapêutica
voltada à compreensão das dificuldades de relacionamento no âmbito
familiar e das disfunções familiares.
Esse avanço não pode mais ser desconsiderado por qualquer segmento
institucional ou profissional que tenha a família como objeto de sua atuação
ou de suas preocupações. Já não se pode nem se deve, portanto, advogar ou
julgar, como se fazia há quarenta anos, quando não havia nem
conhecimento nem recursos para fazê-lo diferentemente.

4. PESQUISANDO PSICOLOGIA EM DIREITO

N os dias que correm, separações conjugais não são mais exceções. Isso
significa que, pelo menos numericamente, deve haver mais problemas
relativos a filhos de pais separados ou em separação. E, de fato, o aumento
da demanda clínica para atendimento de problemas familiares decorrentes
de separações indica nessa direção. Como, de outro lado, a lei civil deixa
espaço para a humanização da Justiça de Família, pensamos que algo
deveria ser tentado no sentido de minorar tanto sofrimento.
Na verdade, o interesse por uma investigação que aliviasse os
problemas da separação resultou de uma antiga inquietação, em que, pelo
contato com o Direito de Família e a Psicologia, particularmente na área da
Terapia Familiar, fomos fortalecendo a ideia de que as causas de família
mereceriam ser examinadas com um olhar psicojurídico.
A literatura do campo da Psicologia tem confirmado que a separação
constitui uma crise emocional que acarreta desestabilização da família,
produzindo, frequentemente, prejuízos emocionais nos filhos,
particularmente nos menores. Isso ocorre, em função de que qualquer
evento que atinja algum membro do sistema familiar acarretará efeitos
sobre os demais e sobre o grupo como tal. A separação conjugal, evento dos
mais estressantes na vida de uma família, provoca efeitos
desestabilizadores. A literatura e a clínica têm mostrado, também, que
cuidados emocionais com a família podem atenuar tais efeitos.
No campo do Direito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 227,
priorizou a proteção ao menor, o que está minuciosamente especificado no
Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual determina que se atente para o
maior interesse da criança e do adolescente.
Que caminho seguir?
Ora, a consecução legal da separação e a discussão legal sobre temas
decorrentes daquela, que afetem os filhos, passam forçosamente pelo
encontro entre o juiz de Direito e o casal, no Juízo da Família. Isso propicia
oportunidade para que esse momento processual seja mais bem aproveitado
a favor da minimização de prejuízos emocionais nos filhos envolvidos.
Assim, um corolário dessas afirmações seria a busca das possibilidades
existentes na construção de uma nova realidade de auxílio à família que se
separa, quando o Poder Judiciário (representado pelo juiz de Direito) se
encontra com o casal parental, em Vara da Família.
Para que se pudesse, porém, pretender fazer qualquer reflexão acerca
de alternativas de ajuda que demandassem uma ação direta da autoridade
judicial, seria preciso que, antes, tomássemos ciência das convicções que o
conhecimento do campo e a experiência na área, haviam gerado na referida
autoridade.
A nosso ver, esse era um tema que estava a merecer investigação
acadêmica urgente.
A forma como os juízes se colocassem diante das ações de separação e
correlatas, e como as percebessem, seria crucial para a abertura de um
diálogo, ou não, considerando que o Direito tem suas normas e princípios, e
a Justiça suas próprias regras de funcionamento. Daí surgiu a necessidade
de investigação do pensamento de juízes de Família, a respeito da separação
de casais com filhos menores.
A convicção do assunto, como relevante, veio, em primeiro lugar, de
nossa experiência pessoal, pela formação em Direito e em Psicologia;
adveio, também, da experiência clínica, pela convivência com o sofrimento
alheio, através dos problemas trazidos à clínica, e das consultas feitas;
confirmou-se, ainda, em conversas informais com pessoas separadas.
A constatação prática de que os problemas da separação não terminam
pela sentença de homologação do acordo ou pela sentença decisória, mas
que ações de guarda, alimentos e regulamentação de visitas podem
estender-se ad aeternum, em função de razões emocionais do casal – o que
já foi confirmado por pesquisa científica – constituiu outro importante
elemento de convicção.
Restava, então, saber o que profissionais do campo jurídico pensavam
sobre o assunto. Um pré-teste foi elaborado com tal propósito.

5. OPERADORES DO DIREITO PERGUNTAM

C onversamos, informalmente, com juízes de diferentes instâncias e com


advogados com diferentes tempos de experiência, sugerindo que eles
dissessem o que gostariam de perguntar a uma terapeuta familiar. As
perguntas e as considerações deles denotaram que estavam preocupados
com aspectos muito parecidos do mesmo tema, e como se sentiam isolados
e sem espaço de interlocução. Suas falas confirmaram nossas preocupações
e evidenciaram a relevância social e a oportunidade do trabalho.
A inclusão de advogados nessa investigação prévia pareceu-nos
indispensável, dada sua importância crucial nos rumos do processo. Sua
participação é tão determinante junto à parte quanto a do juiz dentro do
Judiciário.
Foi relevante o fato de um desembargador, que durante anos fora juiz
de Família, perguntar:

– “Como ajudar o juiz a olhar o que está por trás do fato da crise?”
– “De que métodos um juiz pode se valer para obter certos fins, como
tentar uma conciliação do casal?”
– “Como encaminhar para que as perdas não sejam tão violentas, para
que o desfecho seja menos prejudicial para as partes e os filhos?”

Também demonstrou que a magistratura é capaz de abrir-se para novos


conhecimentos e pensar em mudanças, o fato de um juiz de Tribunal de
Alçada, que também fora juiz de Família, dizer:

– “O contato com a nova visão da família me tem feito ver a


importância de, antes de decidir alguns casos, o juiz de Família
enviar o casal ou a família a uma terapeuta familiar para redefinir o
problema e, ele próprio, poder conversar com ela sobre isso para
melhor poder conduzir o caso”.

Indicou, na mesma direção, o fato de um juiz de Família, em exercício,


ponderar:

– “Fico pensando que os terapeutas familiares têm mais experiência


para ver como evitar problemas com os filhos dos separados. Eu
gostaria de perguntar a uma terapeuta familiar como o juiz pode
ser ajudado a participar disso.”

O fato de advogados de Família, com cerca de dez anos de experiência,


fazerem as perguntas que se seguem, denotou interesse por compreender
melhor as questões inter-relacionais:

– “Como conduzir um casal em que um dos dois é muito agressivo,


prepotente? Porque a gente se abala diante disso. Nós não temos
esse preparo”.
– “Como ajudar o casal a vencer a dependência que um precisa que o
outro tenha dele, porque acaba o processo e nós vemos que quase
nada mudou? Dali a pouco, estão nos procurando para alguma
outra ação.”

Finalmente, o fato de uma advogada, baseada em mais de trinta anos de


experiência na área de Família, fazer as perguntas e ponderações, abaixo,
pareceu-nos bastante significativo:

– “O que eu perguntaria a uma terapeuta familiar é como funciona uma


família, psicologicamente?”
– “Como entender que o relacionamento dentro de uma família pode
ou ajudar ou prejudicar seus membros?”
– “Como o advogado pode fazer a intermediação, a mediação, entre os
separados, sem se envolver, em ações de alimentos, guarda,
regulamentação de visitas, por exemplo, para tentar ajudá-los a
chegar a acordo sem grandes brigas, de forma consensual?”
– “Como se pode trabalhar as relações entre a primeira e a segunda
família de uma pessoa, de modo que possam encontrar um termo de
convivência que não prejudique os filhos?”
– “O Direito de Família é uma área diferente das demais e requereria
especialização para advogados, juízes e promotores e que eles
fossem sensíveis à vida das pessoas”.

Essas perguntas refletidas e essas manifestações ponderadas vieram


denotar que profissionais das lides jurídicas vêm se sensibilizando para os
aspectos emocionais do ser humano, reconhecem que têm limitações quanto
ao conhecimento da ciência psicológica e querem saber como ajudar as
pessoas que recorrem à Justiça, na área da Família.
Em resumo, o surgimento do interesse do mundo jurídico pelo assunto,
gerado pelas novas necessidades, aliado ao fato de operadores do Direito
começarem a se mostrar interessados no conhecimento do psiquismo
humano e a se perguntar, “Afinal, de que (ou de quem) deve ser a defesa em
causas de família?”, mais o fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente
determinar que se atente sempre para o maior interesse do menor, tudo isso
veio demonstrar a relevância social da pesquisa e embasar sua realização.
Os resultados foram além do esperado e indicaram a conveniência da
mudança da mentalidade dos operadores jurídicos, de jurídica para
psicojurídica. Indicaram, também, a urgência de amparo legal para a
introdução de técnicas terapêuticas e não terapêuticas, como a mediação,
vindo em auxílio ao casal separando ou separado. Mostraram, ainda, a
necessidade premente de modificações na grade curricular das Faculdades
de Direito e, principalmente, nos cursos de Especialização em Direito de
Família.
Dessa pesquisa nasceu este livro, cujas ideias partem das seguintes
premissas:

– a família é um sistema: tudo que afeta a um, afeta aos demais e ao


todo;
– a separação é uma crise não previsível do ciclo vital;
– crises, inevitavelmente, geram mudança;
– crises são oportunidade para crescimento;
– casais separam-se, pais são para sempre e seu relacionamento com o
filho é enfatizado por diferentes teorias da personalidade, como
fundamental para a formação e o desenvolvimento da personalidade
daquele;
– sistemas sociais intra e interagem, construindo realidades;
– “falar do outro é falar de si com o outro”6 e, em questões judiciais de
família, se fala do outro de uma forma peculiar;
– o sistema judiciário e o sistema familiar encontram no processo
judicial, espaço de interação oficial e imposto, em que construções
de significado poderão ocorrer;
– além de conhecimentos teóricos e técnicos, a atuação dos
profissionais também decorre de seu conhecimento tácito e de suas
ressonâncias;
– a queda das barreiras entre as ciências e a aplicação da
interdisciplinaridade psicojurídica pode ser um facilitador de
soluções na Justiça de Família;
– a introdução de práticas relacionais, durante o processo judicial,
poderá vir a minimizar os conflitos emocionais subjacentes ao
conflito jurídico;
– a potencial elaboração dos conflitos, pelo casal, poderá minimizar
prejuízos emocionais nos filhos;
– uma mudança de olhar do casal, a respeito de sua relação e do
relacionamento com os filhos, poderá tornar mais consistentes e
eficazes os acordos realizados;
– um conhecimento mínimo sobre aspectos emocionais do ser humano
e da família, poderá ser útil aos operadores jurídicos, em sua
atividade profissional.

As seguintes disposições legais complementaram nossas premissas:

– a Constituição Federal, de 05.10.1988, não só abriu espaço, mas


determinou que se veja o cidadão e a família sob a ótica da
dignidade, da igualdade e da liberdade, o que implica preservar seu
bem-estar;
– “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum”;7
– “quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais de Direito”;8
– o Estatuto da Criança e do Adolescente privilegia o interesse do
menor;
– as normas que regem separação de casais com filhos menores ou
incapazes são cogentes.

Os operadores do Direito – advogados, promotores e juízes – têm igual


importância na construção dos processos judiciais de Família. Dentro da
hierarquia judiciária, porém, pela autoridade de que está revestido, como
executor da lei, o magistrado pode ser um importante agente de influência
na construção de uma nova realidade com o casal em separação ou
separado. Ele pode, desde já, ser o introdutor das práticas psicológicas de
auxílio à família na Justiça, se acompanhado pelos demais operadores
jurídicos atuantes no processo, auxílio esse que poderá determinar, de
plano, assim que a lei o ampare. Essa é uma possibilidade que não deve ser
desperdiçada.
Este livro pretende trazer um benefício social:

– pela introdução de operadores jurídicos, nos conceitos e


funcionamento da família no campo psicológico, e de profissionais
não jurídicos, nas noções básicas do Direito de Família e do
funcionamento da Justiça;
– pela abertura para a comunidade jurídica – advogados, promotores e
juízes de Família – da oportunidade de reflexão sobre a
problemática apresentada;
– pela oportunidade de pesquisar junto a esses últimos a possibilidade
de ampliação de seu campo de visão e de atuação, pelo diálogo com
profissionais de outras áreas, viabilizando o encontro de formas de
intervenção intermediadoras no processamento da ação, que
agilizem o feito, colaborem com o Judiciário e favoreçam sentenças
homologatórias ou decisórias, das quais decorram menos recursos
judiciais ou novas ações;
– pela possibilidade de, a partir da introdução da abordagem
interdisciplinar psicojurídica na área de Família, repensar-se, não só
a atuação dos juízes, mas, também, a de advogados e de promotores
de Varas de Família;
– pela possibilidade de se repensar o conteúdo programático dos
cursos jurídicos e dos cursos de preparação à Magistratura;
– pela possibilidade de aprofundar o diálogo reflexivo com os
operadores forenses não jurídicos.
– pela possibilidade de levar elementos de reflexão para outros
profissionais que trabalhem com conflitos conjugais, como os
terapeutas familiares.
– pela possibilidade de alertar os pais para os riscos que a forma de
separar-se pode acarretar para o futuro emocional de seus filhos.

A palavra de ordem deste trabalho é diálogo, e o fio condutor, também.


A empreitada foi árdua, mas altamente alentadora e trouxe à baila a
experiência e muito do lado humano dos profissionais que estão sob as
togas.

6. A PESSOA COMO VALOR-FONTE DE TODOS OS VALORES

R eale (1998) entende que a justiça “somente pode ser compreendida


plenamente como concreta experiência histórica, isto é, como valor
fundante do Direito ao longo do processo dialógico da história”. “Em
virtude dessa conexão” (...) a justiça implica “constante coordenação
racional das relações intersubjetivas, para que cada homem possa realizar
livremente seus valores potenciais visando a atingir a plenitude de seu ser
pessoal, em sintonia com os da coletividade”. Por todas essas razões, a
justiça “funda-se no valor da pessoa humana, valor-fonte de todos os
valores”.9
Em consonância com a concepção desse filósofo do Direito, também
vemos a pessoa como valor-fonte de todos os valores.
A Constituição Federal de 1988 explicita, em seu art. 1.º, III, que a
dignidade humana é um dos princípios cardeais de sua aplicação e deve ser
a base de toda interpretação legal, sendo fundamental, portanto, a
consideração ao conceito do referido valor-fonte. Nessa direção, a tentativa
de implementação da linguagem compartilhada, a partir da abertura de um
diálogo interdisciplinar, pode ser mais um passo para ajudar a pessoa
humana a atingir a plenitude de seu ser biopsicossocial ou, pelo menos,
tentar minimizar os prejuízos de sua realização como ser humano, no
contexto da separação.

1 BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil. Direito da Família. vo1. 2, p. 1.
2 Idem, ibidem, vol. 1. p. 1.
3 Idem, Parte Geral, vol. 1, p. 2.
4 SOUZA, Rosane M. de. Paternidade singular. p. 28.
5 HOFFMAN, Lynn. Fundamentos de la terapia familiar – Um marco conceptual para el cambio
de sistemas. p. 27.
6 MACEDO, Rosa M. S. de. Sobre o método. Comunicação pessoal. PUC-SP. 1997.
7 Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-lei 4.657/1942), art. 5.º.
8 Idem, art. 4.º.
9 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 379.
A FAMÍLIA E O EVENTO
DA SEPARAÇÃO

1.1 A COMPLEXA FAMÍLIA QUE INGRESSA NA JUSTIÇA

O fato de a família ser um sistema vivo a torna vulnerável a situações


críticas vividas por um ou alguns de seus membros.
O grupo familiar, no curso do tempo, mesmo sem perceber, vai
estabelecendo regras de convivência e um padrão de interação que lhe darão
certa estrutura.
A convivência íntima, durante os anos de casamento, entre o casal e
entre pais e filhos advindos dessa união gera normas de comportamento,
implícitas e explícitas, valores, crenças, mitos, comprometimentos e
compromissos. Essas pessoas vivem uma interdependência financeiro-
econômica e uma interdependência afetiva, têm necessidades recíprocas e
estão ligadas por compromissos de lealdade. De alguns desses aspectos elas
têm consciência; de outros, não.
A construção resultante desse relacionamento será a estrutura que dará
especificidade a essa família e toda família precisará de uma estrutura
viável para desempenhar tarefas essenciais, como facilitar a individuação de
seus membros e, ao mesmo tempo, propiciar-lhes sentimento de pertinência.
Acontece que, embora os membros de uma família possam sentir-se
pertencentes a ela, não vivenciam a si mesmos como parte daquela estrutura
familiar, ou seja, não percebem sua contribuição no sentido de que sua
família seja como é. Tal dificuldade de percepção decorre da tendência de o
ser humano considerar-se sempre uma unidade, isto é, um todo em
interação com outras unidades. Mesmo que cada qual saiba, com maior ou
menor grau de consciência ou de detalhes, o que é permitido, o que é
proibido, conheça os sinais de “SIGA” e “PARE”, saiba das forças que se
opõem às condutas atípicas, saiba da índole e da eficácia do sistema de
controle, é muito raro que o indivíduo vivencie a rede familiar como um
todo. E, no entanto, a família é um todo, que é maior que a soma de suas
partes e diferente do seu somatório.
A família assemelha-se a uma colônia animal, como o formigueiro, no
qual cada formiga é uma forma de vida, exercendo papéis e funções, mas
em que o formigueiro, enquanto tal, também é uma forma de vida. Há,
portanto, uma forma de vida composta de outras formas de vida.
Cada todo (família) contém as partes (membros) e cada parte contém
também o “programa” que o todo impõe. Essa ideia deu origem à palavra
hólon, que é uma forma composta de holos, do grego, que significa “todo”,
mais o sufixo “on”, que evoca uma partícula ou parte, como em próton ou
nêutron, na Química. A palavra foi cunhada por Arthur Koestler para
designar essa relação todo/parte (Minuchin: 1982). Trata-se de um conceito
útil para quem trabalha com famílias, porque, nesse trabalho, a unidade a
ser considerada é sempre um hólon, seja o hólon individual, seja o hólon
conjugal, seja o hólon parental, seja o hólon fraterno.
Em situações de crise, a estrutura da família fica abalada, o que implica
dizer que a dor de um aparecerá, sob diferentes formas, como dor, nos
outros. A família sofrerá mudanças em sua dinâmica relacional e precisará
mudar a qualidade de suas relações. O equilíbrio emocional de seus
membros será afetado, as pessoas ficarão fragilizadas, tenderão a regredir,
emocionalmente, e seus impulsos tenderão a exacerbar-se.
Numa separação, uns familiares podem reagir com mais tranquilidade,
outros podem desesperar-se; um pode ficar deprimido, outro pode ficar
enraivecido; uma criança pode começar a ter problemas escolares; um
adolescente pode mostrar-se revoltado em circunstâncias que,
aparentemente, não guardam nenhuma proximidade com a situação. O
sistema de significados da família começa a ser questionado. Tudo precisará
ser reorganizado.
A separação, especialmente numa família com filhos, não é uma crise
tão simples de ser superada. O sofrimento é muito grande para todos e a
possibilidade de se chegar a uma solução razoável fica mais distante.
Experiências e estudos vêm cada vez mais confirmando que as relações
familiares, particularmente entre pais e filhos, são fundamentais na
estruturação do psiquismo destes, pela transmissão de crenças, mitos e
valores. Os fenômenos psíquicos como constructos hipotéticos
reconhecidos somente por seus efeitos, na clínica psicológica, hoje podem
ser entendidos como produções interpsíquicas.
Os filhos, quanto mais tenra a idade, mais dependem dos pais para
desenvolver-se biológica, psíquica e socialmente, de forma adequada.
Diante da compreensão do psiquismo como fruto de inter-relações, a
separação não pode mais ser considerada uma questão de leis, apenas. A
separação não envolve, tão somente, uma discussão quanto a direitos e
deveres. Os efeitos psicoindividuais e psicossociais que a separação pode
acarretar levam-nos a perceber que ela é mais que mero resultado de
manifestação de vontade e/ou vontades.
O compromisso da família, enquanto instituição jurídica, não é tão
difícil de ser desfeito; difícil é desfazer seu comprometimento como
unidade psicoafetiva, porque, como tal, o elo não se desprende tão
facilmente sem deixar atrás de si um rastro de prejuízos emocionais.
O fato de a família desestruturar-se momentaneamente, todavia, não
significa que vá ficar destruída ou seriamente prejudicada. A separação
também pode representar desafio e oportunidade para crescimento pessoal
de seus elementos. Nem sempre, porém, isso é possível sem ajuda externa;
frequentemente, não o é.
Esse é um momento em que os membros da família necessitarão de
todo o auxílio possível da rede social, desde a família extensa até os
profissionais que, em função de ofício, entrem em contato com eles, nessa
situação.
Daí pensar-se na interdisciplinaridade entre Direito e Psicologia, como
ciências a serviço da família, na Justiça.
Como propõe Peluso (1997), é tarefa quase desumana esperar que os
profissionais do Direito possam compreender o homem em “estado de
sofrimento”, nos conflitos que advêm de sua inserção na família, uma vez
que a ninguém é dado ser detentor da verdade absoluta e, para tanto, não
bastam delicadeza de espírito e disposição de ânimo, mas há exigência de
“preparação intelectual e técnica tão vasta e apurada, que já não entra no
cabedal pretensioso de algum jurista solitário”.1
Alguma dor sempre é inevitável nas separações, porém a forma como o
ex-casal se conduz no processo judicial e a forma como se conduzem os
profissionais envolvidos no caso poderão minimizar ou maximizar
eventuais prejuízos emocionais para os filhos. E, do ponto de vista do
trabalho na Justiça, a consideração dessas questões pelos profissionais
estabelecerá, em grande parte, o rumo que o processo tomará.

1.2 A IMPORTÂNCIA DOS PAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS

A importância da participação dos pais no desenvolvimento emocional


dos filhos é conceito tradicional. A possibilidade de leitura da família
como um sistema aberto veio confirmar e ampliar essa compreensão,
trazendo mais subsídios para o entendimento de que, em certas
circunstâncias, nos cuidados com os pais estão os benefícios dos filhos.
Nesse sentido, mesmo os juristas, que não estão habituados a ocupar-se
com sentimentos e emoções, devem começar a preocupar-se, uma vez que
do bem-estar dos pais depende o bem-estar dos filhos, e o bem-estar dos
filhos está implícito na norma constitucional que protege o superior
interesse das crianças e adolescentes.
O fato é que em razão da intensificação da problemática conjugal e de
seus efeitos sobre o desenvolvimento dos filhos, um número significativo
de autores contemporâneos, estudiosos dos aspectos psicossociais da
família, tem se preocupado em pesquisar e escrever sobre a importância da
família para o desenvolvimento emocional de seus membros e sobre a
importância das situações de crise na desestabilização do grupo familiar,
além de ressaltar a necessidade de ajuda especializada nesses momentos.
Para Célia Falicov (1991), “a família é tudo, menos estática; no caso
ideal, proporciona uma variedade de experiências que fomentam o
crescimento”.2 Pelo mesmo raciocínio, em condições distantes da “ideal”, a
família pode servir como instrumento de manutenção da infantilização e de
promoção de disfunção emocional em seus membros.
Todas as etapas do ciclo vital são importantes para o desenvolvimento
da família e de seus membros, individualmente, e isso inclui períodos de
transição, como divórcio e novas núpcias, conforme lembram Carter e Mc
Goldrick (1980) e a própria Falicov (1991).
Entendendo a família como um sistema social, é possível estabelecer-se
a conexão entre o princípio da interdependência das partes e o
desenvolvimento familiar. Isso não deve ser compreendido de forma
estática, determinista e inflexível, mas considerando a interdependência
como uma variável, cujo grau varia conforme o momento do ciclo de vida
da família e os eventos específicos (Falicov: 1996).
Assim, em função do fenômeno da interdependência, o evento da
separação conjugal afetará os membros da família, em algum grau, e
requererá cuidados para que a crise, se inevitável, leve a família a se adaptar
à nova situação. Ela vai ter que experimentar novas pautas de interação na
direção de uma mudança qualitativa em suas relações e isso lhe favorecerá
caminhar rumo ao crescimento e à estabilidade emocional de seus
componentes.
Nesse sentido, a preocupação com a estabilidade do ex-casal deve-se
ao fato de que sua evolução rumo ao crescimento e realização pessoais
dependerá de atitudes amadurecidas no papel de pais. Tais atitudes, em
princípio, poderão minimizar efeitos emocionais desfavoráveis nos filhos,
especialmente os menores, os “interdependentes mais dependentes”, mais
frágeis e, por conseguinte, mais vulneráveis da família.
Lidz e Fleck (1985) falam da importância da família para os filhos:
“(...) é a unidade social primária, a principal fonte de segurança da criança e
o agente básico da socialização e da aculturação”.3 Essa concepção,
consagrada também pela cultura brasileira, traduz os sentimentos que as
crianças costumam expressar em relação a seus pais, em situação de crise.
É claro que as formas de manifestação dos sentimentos variam,
conforme a idade. As crianças, quanto menores mais expressam sua
angústia por meio de atitudes e de outros sinais não verbais. Podem ficar
tristes, arredias ou doentes, por exemplo. Os adolescentes podem falar sobre
o assunto, mas isso não impede que também apresentem reações não
verbais, como ficar excessivamente irritados ou isolados, apresentar baixa
no rendimento escolar ou até comportamentos transgressores.
Em perícias psicológicas realizadas a partir da avaliação relacional da
família, os sentimentos dos filhos e os conflitos referentes a eles
manifestam-se de forma bastante evidente.
O leitor ficaria surpreso de saber que, num atendimento pericial, uma
criança de quatro ou cinco anos de idade já é capaz de, na presença da mãe,
fazer críticas ao pai e dizer que quer morar com a mãe, e, na presença dele,
mostrar-se carinhosa, alegre e participativa e dizer que quer morar com ele.
É triste que uma criança de tão tenra idade já saiba dizer o que se espera
dela, mas, ao mesmo tempo, se bem avaliado o contexto, é possível que ela
esteja expressando exatamente o que sente. Bastaria a complexidade dessa
situação e a percepção da angústia gerada na criança para levar à
conscientização de que ela precisa ser ajudada para que se livre deste
sentimento e para que se adapte à nova realidade de sua vida, pois sozinha e
sem apoio dos pais ela não conseguirá.
Haley et alii (1974) consideram que o início dos sintomas está
relacionado com crises de desenvolvimento da família, especialmente as
que alteram sua composição, como é o caso das perdas.
A separação é uma crise que traz muitas perdas, mas não significa a
destruição da família. Dessa crise, a família pode sair tanto desorganizada e
sintomática, quanto evoluída e fortalecida, porque crises também são
oportunidade para crescimento.
Na Justiça de Família, a perícia costuma confirmar a existência de
sintomas e a desorganização das famílias; no entanto, os atendimentos
psicoterápicos em casos dessa natureza têm confirmado a possibilidade de
os membros dessas famílias saírem da crise fortalecidos.
Nichols (1990) lembra que “o desenvolvimento da criança testa a
capacidade de flexibilidade dos pais”.4 Capacidade de flexibilizar requer
maturidade e equilíbrio emocional. O mesmo autor afirma: “O divórcio é
uma forma de mudança de segunda ordem, uma forma revolucionária. O
problema com as revoluções é que a gente nunca sabe o que vem depois”.5
Com seu jeito informal de transmitir ideias fundamentadas na ciência e na
experiência clínica, o autor deixa entrever a importância dos cuidados nesse
momento, em que com muita facilidade, a flexibilidade pode ceder lugar à
rigidez.
Minuchin (1995) refere um caso clínico, em que o casal se separou: “A
única coisa de maior consequência que eu disse a Tom e Honey foi lembrá-
los de que, independentemente do que acontecesse com eles como casal,
jamais deixariam de ser pais”. E mais adiante: “Sei que o meu trabalho não
é ‘salvar’ as famílias da separação, mas fico inclinado nesta direção quando
estão envolvidas crianças pequenas. Se eu pudesse, convidaria (...) para um
trabalho de rede”.6
A propósito de redes sociais, elas são formadas por pessoas, por
famílias, por comunidades e dependem do espírito de solidariedade de
quem as compõe, o que só pode ser conseguido a partir de uma construção
desenvolvida dentro de cada um. Essa construção é resultado de exercício
constante no sentido de desapegar-se do egoísmo em relação às próprias
posições, cargos e funções, para operar em prol do bem alheio e do bem-
comum.
É difícil que algum profissional, estudioso do comportamento humano
e das relações familiares, fique alheio às dificuldades causadas pela
separação.
Minuchin (1985) propõe que não se transforme a separação em drama,
não se pense que a família esteja acabando e não se fique aconselhando as
pessoas, individualmente, mas que, numa atitude positiva, se ajude o grupo
a centrar-se nas possibilidades criativas de sua nova organização.
Os membros da família em separação podem continuar a desenvolver-
se, saudavelmente, se a família puder fazer a transição de forma criativa,
redefinindo os significados de sua experiência de vida.
Para Shapiro (1991), aos pais cabe, em grande parte, ajudar os filhos,
durante o crescimento, a administrar seu próprio processo de mudanças. Em
seu estudo, mostra que jovens mães, por vezes, não conseguem
flexibilidade suficiente para ajudar seus bebês a passar do esquema de
totalmente dependentes para minimamente independentes, porque elas
próprias não assimilaram esse novo esquema, na qualidade de mães, ou
seja, ainda não puderam passar da identidade da mãe de um bebê para a
identidade da mãe de uma criança maior.
Esse estudo parece caber como uma luva no que se refere às situações
de separação.
Passar de uma etapa a outra requer informações e continência. Daí ser
importante que pai e mãe sejam pessoas emocionalmente adultas para
ajudar seus filhos nessa transição.
É comum os pais não conseguirem ajudar os filhos a mudar de padrão,
porque eles próprios não estão preparados para mudar a qualidade de sua
relação, por exemplo, passar da identidade de casal que se desentende, mas
coabita e cria os filhos, para a identidade de pais separados que têm dever
moral, social e legal de criar os filhos da melhor maneira possível, num
novo esquema de convivência, num novo padrão de comunicação.
Quanto mais rápida for a necessidade de mudança, mais problemática
tenderá a ser.
Assim, cuidados especializados durante o processo de separação
judicial, antes da sentença homologatória de separação consensual ou de
decisão por alimentos, guarda e visitas, por exemplo, podem propiciar um
clima de segurança, um sentido de competência pessoal e a vivência de
certo controle sobre o ambiente, necessários para que as pessoas aprendam
com suas experiências.
Fazer uma breve revisão de seu relacionamento e ajudar essas pessoas
a compreender a seriedade e a importância de seu papel na individuação dos
filhos, para seu próprio bem-estar e o destes, é algo possível de ser tentado
durante o processo de separação conjugal, como oportunidade que não deve
ser perdida. Quem sabe não será essa a única oportunidade que algumas
famílias terão, devido à desinformação ou ao preconceito?
Atendi um casal que estava se separando e a mãe insistia em que não
deixaria o pai ter contato com a filha única. Esse caso estava fadado a se
transformar numa longa contenda, se fosse proposta uma ação litigiosa.
Foi necessário um trabalho profundo, embora não longo, para que essa
mãe percebesse que, em sua raiva, ela queria punir o marido, e, em sua dor
pela perda do casamento, aliada a outras dores sofridas na vida e a um
sentimento de inferioridade que a tornava onipotente, ela acreditava que a
filha fosse apenas sua, e que mantê-la exclusivamente junto a si, fosse uma
forma de não perdê-la, o que, segundo pensava, garantiria que a menina não
viesse a gostar mais do pai que dela.
Esse caso terminou de forma satisfatória e, anos depois, ao encerrar
uma palestra num local público, aproximou-se de mim uma moça bonita,
jovial, alegre e bem vestida. Não a reconheci. Ela me disse quem era. Nem
parecia a pessoa deprimida, rancorosa e mal-arrumada que eu atendera. Foi
então que ela me disse que, na ocasião, fora grande o sacrifício para deixar
que a filha convivesse com o pai e que só o fizera, convencida de que era o
melhor para a menina, mas que só com o tempo percebera como aquilo fora
bom para os três e que, agora, a filha não apenas estava feliz com ambos,
mas também com a nova mulher do pai, e que ela havia refeito sua vida e
estava começando um namoro.
Parece sensato pensar-se em cuidados especiais com a separação, uma
vez que se trata de passagem de ciclo vital, em que as mudanças são
descontínuas e, portanto, mais difíceis de ser conseguidas. A par disso,
parece pacífico entre os terapeutas familiares que a superação satisfatória
das transições familiares é crucial para o bem-estar da família. Nessa
direção, várias práticas inter­-relacionais podem ser utilizadas.
A prática a ser utilizada, dependendo do acolhimento do Juízo, poderá
referir-se a qualquer das técnicas psicológicas existentes – desde que
indicada para o caso – podendo situar-se em qualquer ponto de um
continuum, que abranja desde os procedimentos mencionados até a
presença de psicoterapeuta familiar, durante a audiência, para posterior
troca de percepções com o juiz sobre o ocorrido, a partir das respectivas
escutas psicológica e jurídica.
O caso citado teve atendimento extrajudicial, mas é um caso típico dos
que entram no Fórum e poderiam receber esse apoio em qualquer momento
do processo, desde o seu início. O pior que poderia acontecer seria a
intervenção não ser bem sucedida e o processo judicial seguir seu rumo.
A propósito, uma prática sistêmica transdisciplinar está para ser
introduzida na legislação. O Projeto de Lei 94, de 2002 aprovado pelo
Senado Federal, em 11 de julho de 2006, deverá seguir os trâmites normais
para ser transformado na Lei de Mediação. Ele prevê a obrigatoriedade de
comediação em casos de família, com a presença de psiquiatra, psicólogo
ou assistente social, nos conflitos familiares judiciais. É um grande avanço
em termos de auxílio às famílias, na Justiça.
De todo modo, a sensibilização dos operadores do Direito para os
aspectos emocionais da separação e a assimilação de uma mentalidade
psicojurídica, poderão ser suficientes, na maioria dos casos, para minimizar
prejuízos emocionais nos filhos dos separados e evitar a aplicação de
procedimentos psicológicos específicos.
Algumas famílias acreditam que autonomia e domínio sejam
alcançados pela perda das relações íntimas. Isso é inaceitável, pois seria o
mesmo que acreditar que atirar uma criança à piscina seja a melhor técnica
para ensiná-la a nadar, posição com a qual é difícil concordar.
É sempre possível buscar-se um ponto de equilíbrio entre o
desconhecido que se oferece e o conhecido que confere segurança e alguma
certeza. A dependência segura, decorrente da relação entre pais e filhos, é
que poderá possibilitar a esses últimos, a autonomia e o domínio diante de
situações que a vida lhes imporá (Ainsworth, in Parkes, Hinde e Marris:
1991).
A transmissão de uma dependência segura, porém, também será função
da capacidade dos pais em avançar rumo a novos padrões de organização de
forma segura e adaptada, o que, não raramente, requer algum tipo de ajuda.
Quando essas transições, por algum motivo, não podem ser
administradas satisfatoriamente, criam-se impasses relacionais que
impedem a família de continuar seu processo evolutivo. E essas crises,
sejam previsíveis ou não previsíveis, é o que abordaremos a seguir.

1.3 A SEPARAÇÃO COMO FENÔMENO TRANSICIONAL

A separação conjugal é uma crise não previsível do ciclo vital da família.


Faz parte das transformações sociais e não é um fenômeno isolado,
nos dias que correm. Como crise familiar, desestrutura o grupo e seus
membros, ainda que momentaneamente. Trata-se de situação complexa e
delicada, em que as transações, se possível, devem levar a mudanças na
qualidade das relações.
Segundo Rosa Maria de Macedo (1997):
“Enquanto instância de articulação entre o individual e a
coletividade, o privado e o público e modelo da vida de relação, a
família hoje se coloca como aquela organização que, ao mesmo
tempo em que sofre, espelha o impacto dessas transformações e
constitui-se no locus do redimensionamento individual nas suas
interações com o contexto mais amplo”.7

O entendimento de que o desenvolvimento psicoemocional dos filhos


depende muito da maturidade e do equilíbrio emocional dos pais, aliada à
esperada desestabilização daqueles pela situação de separação, vem também
despertando no mundo científico a necessidade de estudar a separação
como um fenômeno de transição.
Observou-se que na rigidez das interações está a fonte das disfunções
pessoais e relacionais e que flexibilidade e capacidade de adaptação a
situações novas são conditio sine qua non, ou seja, são condições
indispensáveis para promoção e manutenção de bem-estar individual e
grupal. Em outras palavras, quanto mais rígidas as pessoas ou famílias,
maior a possibilidade de atraírem problemas sérios; quanto mais flexíveis,
maior a possibilidade de superarem quaisquer problemas.

1.4 O DESPERTAR PARA A CRISE DA SEPARAÇÃO

A utores da área psicossocial voltam seu olhar para as separações


conjugais como eventos críticos carentes de atenção específica.
Autores da área jurídica que compartilham dessa preocupação aparecem em
um contingente menor.
A Segunda Grande Guerra pode ser considerada um marco em relação
ao advento dessa nova problemática social.
Em razão do grande aumento de divórcios, alguns governos
começaram a preocupar-se em produzir mudanças nas legislações para
minimizar os problemas matrimoniais, sobretudo na situação de separação,
embora, em 1919, os Estados Unidos já dedicassem atenção especial aos
conflitos familiares, tendo criado lei e estendido o conceito de conciliação
matrimonial, implementada a partir do Poder Judiciário (Gorvein: 1996).
Em 1949, o Japão criava seus Tribunais de Família.
Segundo Kaslow (1995), com o aumento dos divórcios nos Estados
Unidos, mais pessoas tomaram conhecimento das consequências
devastadoras dos divórcios litigiosos. Os Tribunais de Conciliação da
Califórnia, por exemplo, envidaram muitos esforços na tentativa de
amenizar a situação. E, segundo ela, o trabalho do advogado e terapeuta
familiar Coogler foi determinante para o desabrochar da área de mediação
de divórcios. Foi a partir de sua iniciativa que surgiu a possibilidade de as
partes escolherem entre um divórcio litigioso e um mediado.
A França, igualmente, tem-se preocupado com os problemas
emocionais da separação e seu correlato suporte jurídico. Nesse país, Lyon
tem-se destacado com um trabalho de vanguarda (Neder et alii: 1997).
A mediação vem sendo uma tentativa de minimização do impacto da
separação.
A Argentina, em 1995, viu promulgada sua lei de mediação. Naquele
país, a mediação vinha sendo exercitada há algum tempo, oficiosamente,
em moldes nitidamente interdisciplinares, nos casos de família. A lei
circunscreveu-a como prática jurídica.
No Brasil, observa-se aumento do número de profissionais do mundo
jurídico interessados em receber informações sobre a ciência psicológica,
particularmente no que diz respeito a funcionamento mental, emocional e
relacional do ser humano.
As discussões sobre mediação familiar, em eventos oficiais, como
Congressos de Psicologia, de Terapia Familiar e de Direito de Família,
ganharam espaço e instituições interessadas no estudo e na prática da
mediação começaram a aparecer, dando ênfase à interface psicojurídica nas
questões de família. Foi o caso do Instituto Brasileiro de Estudos
Interdisciplinares de Direito de Família (IBEIDF), pioneiro nessa iniciativa,
e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Um projeto de lei
de mediação foi discutido e uma comissão formada por juristas notáveis
dedicou-se ao seu estudo para oferecer propostas e subsídios. Esse trabalho
resultou no Projeto de Lei da Câmara 94, de 2002. Observe-se que a
Câmara dos Deputados aprovou, em 2002, o Projeto de Lei 4.827/1998, que
no Senado foi substituído pelo texto do citado Projeto de Lei do Senado
94/2002, aprovado em julho de 2006. Tendo em vista a mudança no texto, o
Substitutivo foi enviado à Câmara para nova votação, tendo sido aprovado
pela CCJC desta Casa em julho de 2011.
Observe-se que em seu Relatório, pela Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania, por ocasião da avaliação do Substitutivo acima
mencionado, o senador Pedro Simon refere diálogos com instituições
públicas e representantes da sociedade civil, dando destaque às sugestões do
Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul, da Secretaria
de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, do Grupo de Pesquisa e
Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação da Universidade de
Brasília, do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil e do Centro de
Administração de Conflitos.
O Projeto de Lei 94, de 2002, e agora o Substitutivo citado, introduz a
interdisciplinaridade na área da família, como mencionamos.
O tema é bastante complexo, porém trata-se de iniciativa promissora,
que merece empenho e dedicação.
A lei pátria parece ter despertado para o caráter interdisciplinar das
causas de Família e para as necessidades que esses conflitos geram, mas
ainda não está atenta a todas as possibilidades de ajuda, o que é relevante na
área judicial de Família. A legislação não prevê qualquer recurso de auxílio
emocional aos casais separandos ou separados. A formação jurídica, por
tradição, é adversarial. Na área da Família, em particular, um dos fatores
que podem estar mantendo tal dinâmica é a não inclusão no currículo dos
cursos de Direito, de noções básicas de Psicologia, de informações mínimas
sobre o desenvolvimento psicoemocional do ser humano ou de informações
elementares acerca do funcionamento emocional da família. A Lei de
Mediação deve abrir caminho para a reflexão e o estudo, uma vez que a
mediação se propõe a facilitar uma comunicação cooperativa entre as partes
litigantes.
O único recurso de cunho psicológico, previsto em lei, é a perícia, não
aproveitada suficientemente em suas possibilidades atuais de ajuda indireta,
que são muitas.
Os juízes de Família buscam a realização de acordos, o que, embora
muitas vezes seja conseguido, nem sempre produz efeitos concretos, no
sentido amplo, uma vez que, sem a minimização dos conflitos emocionais
subjacentes, os conflitos jurídicos tendem a reanimar-se.
Na interface psicojurídica, como se viu, os operadores jurídicos contam
com a perícia psicológica, cada vez mais viva e ativa no sentido da ajuda,
como a perícia relacional proposta por Martins (1999), mas não contam
com nenhum recurso preventivo de problemas emocionais da família,
previsto em lei, para auxiliá-los, visto que a mediação representa uma
guinada a favor da família, na Justiça, mas não é um recurso psicológico, o
que, em alguns casos, pode ser indispensável. Os recursos com que contam
os operadores do Direito são seu bom-senso e sua capacidade de
flexibilizar, o que é bastante.
O Judiciário, no entanto, na interface psicojurídica, pode ser um locus
apropriado como intermediário da utilização dos modernos recursos de
ajuda psicológica, viabilizados por meio de práticas sistêmicas conduzidas
dentro da visão sistêmico-construtivista. Essa é uma abordagem indicada,
desde que se pretenda ajudar o ex-casal a abandonar a rigidez relacional –
que o processo judicial tende a acentuar – para poder negociar com mais
flexibilidade, favorecendo a mudança na qualidade de sua relação. Essa
mudança é indispensável ao encontro de novos padrões relacionais, entre si,
enquanto pais, e com os filhos, particularmente em benefício destes.
Famílias que passam por crises podem ser ajudadas. A futura Lei de
Mediação vem de encontro a essa necessidade, mas a possibilidade de haver
ajuda especializada é, também, altamente desejável, pois há conflitos que
podem ser minimizados ou dirimidos por meio dessa forma de intervenção
e não o seriam por aquela.
O ano de 2010 constitui um marco significativo na mudança de rumo
em direção à prevenção na área judicial de família.
A ABRATEF, Associação Brasileira de Terapia Familiar, apresentou
sugestão à reforma do Código de Processo Civil, recomendando a inclusão
da intervenção especializada por especialistas em dissolução de conflitos
emocionais/relacionais no rol das ferramentas jurídicas dirigidas à
prevenção ou dirimência de conflitos na Justiça.
Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça instituiu
a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses,
tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios
adequados à sua natureza e peculiaridade, determinando que aos órgãos
judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença,
oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os
chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim
prestar atendimento e orientação ao cidadão.
Foram avanços importantes.

1.5 CRISE: UM MOMENTO DECISIVO

O Dicionário Aurélio8 ao conceituar a palavra crise relativamente à


saúde, cultura, economia, política, religião, família, fenômenos
sociais, relações internacionais, por exemplo, utiliza-se de expressões,
como: “agravamento de um estado crônico”, “manifestação violenta e
repentina de ruptura de equilíbrio”, “manifestação violenta de um
sentimento”, “estado de dúvidas e incertezas”, “fase difícil grave na
evolução das coisas, dos fatos, das ideias”, “momento perigoso ou
decisivo”, “lance embaraçoso”, “crise amorosa”, “tensão, conflito”,
“deficiência, falta”, “ponto de transição”, “complicação e agravamento da
intriga que leva a ação dramática a uma catástrofe ou a consequência grave
e decisiva”, “situação grave em que os acontecimentos da vida social,
rompendo padrões tradicionais, perturbam a organização de alguns ou de
todos os grupos integrados na sociedade”.
A própria conceituação léxica, referida a diferentes sistemas e
contextos, deixa subjacentes as ideias de algo grave, de propensão a
manifestações impetuosas, de momento de transição de vida, de quebra de
equilíbrio, de necessidade de tomada de decisões e de ruptura de padrões.
Denuncia, portanto, estados de instabilidade, de desestruturação, de
fragilidade, de impotência e onipotência, de mudança.
Sugere a possibilidade paralisante do desenvolvimento que toda crise
encerra, eivada de impulsividade, medos, insensatez, ausência de lucidez,
mas permite perceber, também, a ocorrência em si desestabilizadora, como
uma oportunidade para a manifestação da potencialidade criativa que a
situação de crise igualmente encerra, ao deixar um espaço vazio que precisa
ser ocupado.
Por outro lado, krisis,9 crise, em grego, significa momento decisivo,
estado em que não é possível não se fazer. Num momento decisivo, o
próprio não fazer é uma forma de ação, uma vez que do não fazer, do fazer
e do como se fizer, efeitos surgirão.
A crise representa um momento de guinada. Isso quer dizer que, se
compreendida a “multifacetada crise cultural” dentro de uma perspectiva
mais ampla e considerada a situação dos indivíduos, em sociedade, dentro
do “contexto da evolução cultural humana”, a crise poderá ser entendida
como um “aspecto da transformação”10 (Capra: 1982).
Aliás, foi o próprio Capra que vitalizou e otimizou o conceito de crise,
trazendo ao Ocidente a lembrança de que os chineses, com “sua visão
inteiramente dinâmica de mundo e uma percepção aguda da história”, usam
o termo wei-ji, formado pelos caracteres “perigo e oportunidade”, para
significar crise.11
A crise é, de fato, um perigo e uma oportunidade, na medida em que,
da maneira como suas crises forem superadas, os indivíduos poderão sair
fracassados ou fortalecidos.
O fracasso leva à paralisia da produção, ao fechamento, à falência
emocional. A superação criativa da crise levará ao fortalecimento, vale
dizer, à possibilidade de nova equilibração psíquica, ao desenvolvimento,
ao crescimento.
Pittman (1990), referindo-se à separação conjugal, afirma: “Poucas
crises familiares produzem mudanças tão profundas em tantas vidas”.12
Chega a considerar que a separação é mais traumática que a morte, porque
separa violentamente os membros da família, enquanto que a morte tende a
unir os remanescentes.

1.6 SEPARAÇÃO: UMA CRISE NÃO PREVISÍVEL DAS MAIS SÉRIAS

A crise que leva o casal, que tem filhos menores, a buscar a separação,
no âmbito legal, não é diferente das demais, ressalvadas suas
especificidades. Apenas, em relação às crises macrossociais, afunila-se,
atingindo um microuniverso, o familiar, em princípio, de modo mais
contundente e dirigido. Em relação às crises pessoais, a crise da separação
apresenta a agravante de estender seus efeitos aos filhos, tanto no presente
da agudez do momento processual, quanto no futuro, no que diz respeito à
criação deles, com a inerente manipulação de ligações, vínculos e afetos.
As separações conjugais são uma das crises não previsíveis mais
frequentes destes tempos. Elas estão se tornando crônicas e afetando, direta
ou indiretamente, quase todas as famílias, na sociedade. Ora são as próprias
famílias nucleares que se veem atingidas por esse evento, ora são as
famílias extensas que veem as famílias de seus filhos desfazer-se. E, em
ambos os casos, o estresse é inevitável e o risco de perturbação no processo
de desenvolvimento das crianças e adolescentes envolvidos é significativo.
A crise inerente à separação conjugal deve ser encarada como uma
crise não previsível, porque ela não é indispensável ao crescimento. Não
deixa, no entanto, de ser crise que, como qualquer outra, pode ser útil ao
desenvolvimento. Frequentemente, porém, traz problemas para os filhos,
em razão do posicionamento dos pais.
A crise conjugal afeta diretamente o vínculo estabelecido entre o par e
o vínculo de cada um dos pais com seus filhos. Para Ainsworth (in Parkes,
Hinde e Marris: 1991), por definição, vínculos afetivos se referem a
relacionamentos diádicos com uma pessoa específica, sendo essa pessoa
valorizada como única, de tal sorte que a ninguém será dado tomar-lhe o
papel.
Ao se proteger o vínculo do ex-casal, por ocasião da separação, na
condição de pais, o que se está fazendo é trabalhar em benefício da
manutenção e desenvolvimento do vínculo de cada um deles com os filhos.
Não há como a separação conjugal não gerar crise. Soa mesmo
impróprio falar-se em gerar, se a própria separação é um evento crítico.
Geração, aqui, refere-se mais ao movimento de agravamento de uma
situação, em si desorganizadora, e crise pode ser lida, também, no sentido
coloquial.
A mudança de estado civil, o afastamento de um dos pais –
comumente, o pai – do contato íntimo diário com os filhos, o acúmulo para
a mulher da perda da proteção do companheiro e aumento de
responsabilidades como mãe e chefe de família, o fato de os membros do
casal enfrentarem os próprios conflitos e de enfrentarem as redes familiares
extensas e a rede social são alguns dos elementos que se conjugam para
desestabilizar emocionalmente a família. Isso sem esquecer que a idade dos
filhos, à época do processo de separação, conforme estudos de Peck e
Manocherian (1995), determina diferentes efeitos psíquicos e que questões
de ordem socioeconômica não são absolutamente desconsideráveis.
Isaacs et alii (1986) mostram como a separação coloca exigências
extremas. A separação cria necessidades radicais. As pessoas devem ser
capazes de fazer frente a sentimentos de raiva, perda, culpa, alívio,
encontrar novos marcos de intimidade, recuperar a confiança em si, manter-
se envolvidas com os filhos. E tanto mais complexo é o encontro do foco da
disfunção, “quanto maior a incongruência entre separação formal e
separação psicológica”,13 como lembra Saccu (1985, in Andolfi e Angelo:
1987).
Não é fácil separar-se, na medida em que tal atitude implica integrar-se
e recuperar partes suas que foram colocadas sob responsabilidade e
proteção do outro.
O divórcio legal e, antes dele, a separação judicial e, antes desta, a
separação de fato são antecedidos por um distanciamento afetivo, o qual
Kaslow (1995) chama de “divórcio emocional”, em que ocorre a quebra do
vínculo amoroso, mas não a separação psicológica, que envolverá a
necessidade de modificação dos vínculos estabelecidos, ou seja, dos
vínculos mais profundos como casal.
Salvo casos específicos, que nem sempre são os arrolados na lei civil,
as separações legais, apesar do alívio imediato, costumam trazer muito
sofrimento para o casal e sua família, além de não proporcionarem nenhum
entendimento do que se passou e prepararem terreno para novos desastres.
Isso porque são precedidos de afastamento afetivo, do divórcio emocional,
o que gera sofrimento, uma vez que, em nossa cultura, os motivos que
levam ao casamento são, acentuadamente, de ordem sentimental.
Casais que se casaram por amor sempre passam pelo sofrimento do
divórcio14 de seus sentimentos antes de enfrentarem o estresse da separação
legal. Vai havendo distanciamento afetivo e físico, denunciadores da
ruptura.
A separação legal, em si, não é nem problema nem problemática. É
apenas a contrapartida do casamento. Na verdade, é o distrato de que o
casamento é o contrato, cumpridas, tanto num caso quanto em outro, certas
formalidades.
O que acarreta tanta dor são os sentimentos que envolvem uma
separação, o luto que cobre as pessoas em questão. Se aqueles sentimentos
estivessem elaborados no ex-casal e em seus filhos não haveria tanto espaço
para sofrimento nem, consequentemente, para excesso de dificuldades
quanto aos aspectos materiais da separação, de guarda de filhos ou de
regulamentação de visitas.
O casamento, por tradição, se reveste de rituais de passagem que
facilitam a mudança de estado de vida, o que não ocorre na separação.
Nessa, todo o procedimento é jurídico e se dá ou de forma muito rápida ou
de forma delongada e sofrida.
Contou-nos uma juíza participante da pesquisa, que uma senhora muito
simples, ao término da separação, que durou cerca de quinze minutos,
perguntou a ela: “Já acabou? Não vai ter nem fotografia?”
Certamente o ritual de passagem da separação não seria festivo como o
do casamento, mas deveria contemplar a dor e os ressentimentos,
rememorar os pontos positivos da união e preparar o ex-casal para o novo
estado de vida.
A vida transcorre num suceder-se de vinculações e desligamentos. Mas,
mesmo que se saiba que vinculações e separações ocorrerão durante todo o
processo vital, como decorrência de mudanças por desenvolvimento ou de
forma acidental (Simon: 1986), nem por isso deixam de ser críticas, e a
separação conjugal, particularmente num casal parental, é uma crise de
relevante importância, como passagem de ciclo vital.
A esse respeito, vale a pena conhecer as experiências que Bowlby
realizou, em 1990, com bebês e crianças pequenas acerca dos fenômenos de
apego e separação, pois elas se reeditam em diferentes momentos da vida
do ser humano.
Whitaker (1990) lembra que a capacidade de o casal se separar dentro
do casamento, no sentido de manter a própria identidade, tende a aumentar
sua capacidade de estar junto e ter intimidade. Isso faz supor, também, que
da capacidade de desenvolver e exercer a individualidade advirá a
possibilidade de se superar a crise de maneira mais adequada.
Situações de ruptura sempre acarretam perdas e desgaste emocional.
Separações remetem a reflexões sobre vínculos, como resultante de
dinâmicas relacionais. Como diz Saccu (1995): “o conflito é um vínculo
que satisfaz instâncias profundas, que não podem ser preenchidas pela
separação física”.15
A separação ou a ameaça dela gera grande ansiedade; o risco de perda
provoca imensa dor. Mas mesmo esse tipo de crise, como situação de perigo
que instala, se bem administrada na preocupação com o provimento de
proteção e cuidados, pode reorganizar o vínculo do ex-casal,
independentemente da ruptura do relacionamento conjugal e fortalecer os
vínculos com os filhos, reassegurando que o fim do casamento não significa
necessariamente, para eles, a perda do pai ou da mãe.
Em psicoterapia individual, pessoas separadas frequentemente falam
sobre como foi importante o acompanhamento psicológico, a orientação
jurídica de um advogado humanitário e o apoio das redes familiar e social,
durante o momento agudo da crise, quando o mundo parecia ter virado “de
pernas p’ro ar”. Elas relatam que apesar de terem firmado convicção quanto
a não querer mais o ex-cônjuge como tal, puderam encontrar canais de
comunicação, antes bloqueados entre si. Dizem que, agora, sentem um ao
outro como amigo e companheiro confiável, na condição de pais, o que lhes
tem facilitado o contato sobre os cuidados e proteção dos filhos de forma
mais amistosa e razoável do que na vigência do casamento.
É possível que, em casos como esses, a compreensão de como o
vínculo afetivo fora estabelecido e manejado durante o relacionamento
conjugal e a compreensão da importância de uma efetiva parceria para o
desenvolvimento dos filhos tenham permitido o rompimento de um vínculo
“doente” – o conjugal – e o estabelecimento de uma outra vinculação, – a
parental – com menos prejuízos e, certamente, em alguns casos, com mais
benefícios emocionais para todos. Isso implica transformação na qualidade
da relação, o que é indispensável ocorrer na passagem por uma crise não
previsível tão grave como a separação.
É relativamente frequente, numa separação bem preparada, que os pais
– sobretudo o pai – reconheçam que se tornaram melhores pais do que o
eram na vigência do casamento. Nesses casos, numa boa relação
guarda/visita, o pai acaba por assumir tarefas cotidianas de cuidados com os
filhos, o que não fizera até então.
Lembro-me de um caso, em que o pai era relativamente distante e em
que a mãe sofria muito para deixar as crianças com ele, por ocasião das
visitas.
O fato é que como ambos consideravam a mãe mais competente, ele
nunca havia tomado qualquer iniciativa e ela, embora se queixando, arcava
com toda a responsabilidade. Com a separação, tiveram que experimentar
uma nova forma de relação, desde que não havia motivo que justificasse o
temor.
As crianças, então, passaram a pernoitar na casa paterna, uma vez por
semana, e a estar com ele por todo o fim de semana, a cada quinze dias,
além de viajarem juntos em feriados prolongados e nas férias.
A experiência comprovou que os temores eram infundados: o pai
confirmou sua capacidade para cuidar dos filhos, a mãe viu dissolvidos seus
medos e aliviou-se da sobrecarga, tanto que, após alguns meses, já pedia,
vez ou outra, ao ex-marido que ficasse com as crianças para que ela pudesse
cumprir algum compromisso e sentir-se tranquila.
Esse casal havia construído um sistema de significados baseado na
cultura que sempre indicou a mulher como mais competente que o homem
no que se refere à criação dos filhos; confirmaram-no, na fantasia e na
rigidez dos papéis, e, na vigência do casamento, nunca se haviam dado
outras oportunidades.
Trabalhos como esses passam pela descoberta dos elementos de união,
porque só é possível a separação psicológica, a partir da identificação do fio
que une (Andolfi: 1987), o que, dito de outro modo, implica o
reconhecimento de certo conjunto de significados e a alteração deles.
Por outro lado, mesmo pacientes separados cuja separação transcorreu
de forma razoavelmente harmoniosa, afirmam que, ainda assim, fora difícil
e que algum auxílio psicológico, sobretudo em relação ao trato com os
filhos, possivelmente teria evitado alguns erros.
Segundo Pittman (1991), “uma crise não é mais que a situação em um
período de mudança iminente, o ponto em que as coisas poderiam melhorar
ou piorar, mas, inevitavelmente, mudarão”.16
Realmente, a mudança é drástica e, para os filhos, o luto pela perda da
união entre os pais é quase intolerável. Daí, a importância de todos os
participantes do processo – inclusive os pais – terem claro que quem se
separa é o casal e não os pais.
Enquanto parte de um processo de mudança inevitável, a separação
fatalmente trará desestabilização e desorientação aos parceiros e a sua
família.
Mesmo que não advenha de acontecimento agudo e traumático, como
uma infidelidade, e até seja resultado de decisão por consenso, ainda assim,
em algum grau, a separação guardará características de golpe inesperado
para uma das partes, surpreendida que é pela iniciativa da outra, a qual,
supõe-se, já poderá ter ultrapassado o ponto crucial de desorientação, visto
que a ideia vinha amadurecendo há mais tempo.
A separação alterará a organização da família. Os filhos passarão a ter
duas famílias: a que formarão com o pai e a que formarão com a mãe. De
outra parte, alterará seu modo de funcionar, até então. Novas formas de
funcionamento e normas de conduta deverão ser encontradas. E, da maior
flexibilidade da estrutura decorrerá uma probabilidade maior de a crise vir a
ser superada com menores prejuízos, perdas e danos emocionais para todos
e, eventualmente, ser um impulso ao desenvolvimento de seus membros.
Acontece que, como apontamos, situações de crise são situações de
desequilíbrio e, nesse sentido, a experiência tem comprovado e a literatura
reiterado que seria recomendável que toda crise interpessoal, toda crise que
se refere à intimidade das pessoas, pudesse ser objeto de atenção
especializada. De um lado, porque, ainda que uma família tenha estrutura
flexível e seja encabeçada por um casal de pessoas coerentes e sensatas,
nem por isso deixará de viver emoções ligadas ao próprio estado de separar-
se e a sentimentos de inconformismo, rejeição, raiva, inferioridade ou
superioridade, competição, ou a desejos de retaliação, dentre outros. De
outro lado, porque a crise, em si mesma, é fonte de desestabilização e
gerará mudanças (para melhor ou para pior), queira­-se, ou não. Nessas
circunstâncias, sensibilidade, cuidados e um conhecimento mínimo do
assunto serão indispensáveis.
Além disso, Gergen (1993) lembra muito oportunamente que a família
é um lugar de enfrentamento, em que os problemas se instalam facilmente e
em que as soluções são mais difíceis de ser encontradas.
Isso sugere uma superposição de crises. Entendendo-se que as crises,
em si, são desestruturantes do sistema e fragilizam as relações, mais e mais
elas tendem a se agravar, se o contexto a ser considerado é o familiar.
A ruptura, que vem como auge de situação crítica, antiga e crônica, é
demasiado complexa para ser tratada de forma simplista. É uma bola de
neve que, ao atingir o casal, afeta os filhos e, pelas paredes desmoronadas
da casa, rola para fora e se esparrama pela rede social que envolve, direta
ou indiretamente, a família.
Os efeitos da separação são distribuídos, injustamente (Kaslow, 1995),
uma vez que sofrem a interferência das mais diversas variáveis: idade, sexo,
tempo de casamento, situação econômica, autoimagem, recursos
emocionais, filhos e suas idades, relacionamento com a família extensa e
com amigos e recursos da rede social, dentre outras.
Cuidar desse momento de transição é um desafio que vale a pena
enfrentar, já que o custo da prevenção é sempre menor.
Aliás, por falar em desafio, é de Eduardo Cárdenas, ex-juiz de Família
portenho, a frase: “Cada processo em uma Vara de Família constitui a
manifestação de uma crise”.17 (T.A.). E, também: “O que a família
necessita do sistema judicial é uma resposta estruturante frente ao desafio
da crise”.18
De qualquer forma, desligamentos e separações produzirão crises na
pessoa ou pessoas envolvidas e precisarão ser superadas. Da maneira como
forem superadas essas crises, os indivíduos poderão sair fracassados ou
fortalecidos. Esta segunda alternativa supõe mudança na qualidade das
relações a partir de uma superação criativa da crise e possibilidade de uma
nova equilibração psíquica num estágio de maior desenvolvimento.
Frequentemente, os recursos psicológicos da família são insuficientes
para enfrentar tão aguda situação. A eles devem aliar-se os recursos da rede
social – família extensa, amigos, profissionais e Estado – no sentido de
prevenir um desastre e propiciar o levantamento de novas paredes.
A esse respeito, um olhar especial deve ser voltado para as famílias
menos favorecidas, social, instrucional e economicamente, as quais, mais
que as outras, podem desconhecer os recursos de ajuda que têm à
disposição, sobretudo no meio universitário.
O Estado, em sua função de proteger a família e a dignidade dos
cidadãos, talvez não requeira mais que informação e vontade política para
implementar os recursos que também estão à sua disposição, para ajudar a
minorar os efeitos indesejáveis dessa importante crise não previsível, que é
a separação, e que pode acarretar prejuízos nos filhos, como veremos a
seguir.

1.7 OS FILHOS E OS PREJUÍZOS EMOCIONAIS

U ma separação não é um desastre, nem precisa ser. É, apenas, a


tentativa de dar solução a um casamento infeliz.
A experiência tem mostrado que os filhos nunca aceitam bem a
proposta, ainda que convivendo numa casa com clima de relacionamento
difícil. Mesmo filhos adultos que, ante o sofrimento dos pais, tenham
apoiado a decisão, vivem fantasias de reconciliação e podem mudar o
comportamento com um e outro, denotando dificuldade de adaptação rápida
à nova situação. Crianças e adolescentes, nem se diga!
Um evento de tal intensidade afetiva sempre provoca impacto sobre os
filhos, podendo acarretar, desde desestruturação emocional momentânea até
interferência de sentimentos em sua vida diária. Essa passa por mudanças
radicais, tanto dentro da família como em relação ao ambiente externo: a
unidade familiar rompe-se, a Justiça passa a fazer parte de seu repertório de
vida, alterações sociais e psicológicas ocorrem, a disponibilidade financeira
pode ficar menor, a adaptação à sua condição de filhos de separados precisa
ser implementada e muito mais. Não raro, a saúde física também é afetada.
A esse respeito, há que se ter em mente os danos emocionais, presentes
e futuros, que podem sofrer os menores, em razão dos sentimentos
negativos dos pais, como interesse financeiro, raiva ou desejo de vingança.
O egocentrismo dos genitores, ou de um deles, pode fazê-los colocar seus
interesses acima do de seus filhos, prejudicando-os, às vezes, para sempre.
Apesar de todas essas dificuldades, no entanto, não é axiomático que
precisem ocorrer danos irreversíveis. Se os pais demonstrarem flexibilidade
e capacidade de adaptação e forem orientados sobre como lidar com a crise,
a situação crucial poderá ser mitigada.
A experiência tem mostrado, também, que quando a separação e o
relacionamento de pais e filhos conseguem ser bem administrados durante o
processo judicial e no período da pós-separação, com o tempo os laços
parentais tendem a estreitar-se e os filhos acabam por reconhecer aquilo que
quando jovens ou crianças não lhes havia sido possível admitir: que a
separação havia sido a melhor solução para sua família.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe que, antes de
tudo, seja atendido o que for de interesse do menor. Operadores do Direito
frequentemente comentam que, apesar de tratar-se de diploma legal
avançado, vem sendo mal interpretado, mal aplicado ou mal utilizado.
Talvez não se trate de má utilização, mas de utilização insuficiente pela
falta de uma pergunta preliminar: “O que significa atender ao melhor
interesse do menor, em situação de separação?”
Esta é uma pergunta para ser respondida interdisciplinarmente, após
reflexões conjuntas, pela simples consideração de que seres humanos, logo,
seres biopsicossociais e inter-relacionais, não deveriam ser objeto de estudo
de uma única ciência ou de uma única disciplina.
Ainda que diferentes áreas do conhecimento se dediquem ao estudo de
crianças e adolescentes, se esse estudo for dirigido apenas a algum dos
aspectos de sua unidade pessoal, por melhores que sejam os resultados,
necessitarão integrar-se aos resultados dos estudos de outros segmentos
científicos, para verificação da possibilidade de uma aplicação social mais
efetiva.
Com relação à separação, está faltando mais integração psicojurídica e
um efetivo trabalho de rede, na consideração do que se possa fazer de
melhor por crianças e jovens enredados no drama da separação, em sua
família.
Vimos que a família é uma unidade psicoafetiva e socioafetiva, na qual
eventos significativos, em algum grau, atingirão seus membros e a própria
estrutura familiar, e que a participação direta e efetiva dos pais é
fundamental ao saudável desenvolvimento dos filhos. O fato de a separação
ser uma crise significa que trará transformações ao grupo familiar, ainda
que enfrentada da maneira mais flexível, amadurecida e harmoniosa
possível.
Na prática, uma separação raramente se processa, tanto no sentido
psicológico quanto no jurídico, em clima harmonioso. E, mesmo quando
isso aparentemente ocorre, o frequente advento de ações de alimentos,
guarda e regulamentação de visitas, mesmo após separações consensuais,
revela que não houvera tanta flexibilidade de negociação e que a harmonia
era só aparente.
A maior dificuldade na resolução da fase crítica é a continuidade dos
desentendimentos entre os pais, sejam manifestos ou latentes.
Uma forma, portanto, de viabilizar a determinação do ECA, nesses
casos, seria refletir sobre esses prejuízos, numa posição empática com os
sentimentos e os conflitos da criança e do jovem.

1.8 LEALDADE FILIAL, SENTIMENTO DE CULPA E OS PREJUÍZOS

A lguns sinais indicadores de prejuízos na área afetiva começam a ser


dados pelas crianças, já na fase dos desacertos anteriores à separação.
As crianças dão indicações de vivência do luto pela perda da condição
anterior. Frequentemente, revelam sentimentos de tristeza, de rejeição e de
privação, medos, desnorteamento, inibições, agressividade, regressão,
depressão. Se essas manifestações puderem ser entendidas e atendidas,
nenhuma consequência mais séria precisará sobrevir.
A esse propósito, Kaslow e Schwartz (1995) referem que, como a saída
do pai ou da mãe, por ocasião da separação, é sempre abrupta, e alguns se
afastam de fato, a criança fica com a percepção de que adultos não são
pessoas confiáveis nem honestas. Tal situação desperta nela medo de que o
outro genitor também desapareça, de repente, abandonando-a.
Pela dificuldade em separar-se do conflito conjugal, as crianças e os
adolescentes podem começar a mostrar dificuldades no desempenho
escolar, quando, anteriormente, isso não ocorria; a apresentar problemas de
saúde física; disfunções comportamentais e tantos outros, com o objetivo
não consciente de desviar a atenção dos pais daquele conflito.
Manifestações de sentimento de culpa merecem atenção, pois como as
crianças são predominantemente egocêntricas, essa característica pode
voltar­-se contra elas, fazendo-as sentir-se responsáveis pelos
desentendimentos e pela separação.
O fato, em si, não será preocupante se bem administrado pelos pais. Se
estes, porém, em sua dor, usarem da circunstância para confirmar aquele
sentimento, como lembra Teyber (1995), as consequências poderão ser
graves e estender-se à vida adulta.
Uma visão inter-relacional da situação pode levar à percepção de que
elementos conflitivos na relação do ex-casal podem estar interferindo na
determinação de tais comportamentos. Essa é uma razão importante para
que os operadores jurídicos entrem em contato com conceitos e práticas
psicológicos de auxílio à família.
Não se deve esquecer que o ser humano é sensivelmente sujeito a
culpas, as quais o acometem desde tenra infância. Esses sentimentos vêm
expressos no comportamento. No caso de os filhos se sentirem culpados e
responsáveis pela separação, surgirão dúvidas conscientes e, sobretudo,
certezas inconscientes: “Fui eu o culpado? Foi por minha causa que meu pai
saiu de casa? Que fiz para ser abandonado? Posso continuar gostando de
meu pai, agora que ele não gosta mais de minha mãe? Por que continuo a
me sentir bem junto a ele/ela, se por sua causa o outro está sofrendo? Devo
ter feito algo muito grave para que meu pai não queira dar o dinheiro que
minha mãe diz que precisamos para viver”.
Os pais, algumas vezes, como referem Wallerstein e Kelly (1998),
movidos por forças psicológicas presentes em sua inter-relação, criam times
entre seus filhos, festejando os de seu time e hostilizando os do time
adversário; ou rejeitam o filho que guarda semelhança com traços psíquicos
ou físicos do ex-cônjuge. Tais comportamentos confundem, enraivecem e
deprimem os filhos, podendo acarretar efeitos bastante graves.
Os filhos, muitas vezes, identificam-se com o genitor percebido como
sendo mais fraco; ou sentem-se abandonados, mesmo que o genitor ausente
esteja mais presente em sua vida do que nunca; sentem-se, eles, os
separados; ou se sentem na obrigação de tomar o lugar do que saiu de casa;
ou se sentem “obrigados” a não gostar das visitas, pelo sentimento de
traição ao que ficou em casa; ou, ainda, experimentam mais de um desses
sentimentos, simultaneamente.
A circunstância de ter que escolher entre pai e mãe gera um conflito de
lealdade, que dificulta a adaptação da criança à nova organização de sua
família que, na verdade, não é mais uma, mas duas, às quais ela pertence.
Nenhuma transição de vida é fácil e, no caso da separação, em especial,
é impositivo que pai e mãe autorizem expressamente os filhos a continuar
gostando do outro e a não se separarem dele, para que a mudança no padrão
de relação seja a menos traumática possível (Wallerstein e Kelly: 1998).
O conflito de lealdade é responsável por grande parte do sofrimento
dos filhos, na situação de separação. As lealdades ficam divididas, uma vez
que os filhos sentem que ser leal a um significa ser desleal ao outro
(Boszormenyi-Nagy e Spark: 1983). Não é raro que o tema da lealdade seja
manipulado pelos pais em sua “guerra particular”, embora sem total
consciência disso e, sobretudo, sem consciência do mal que estão causando
aos filhos, já bastante afetados pela situação em si. A palavra tema deve ser
entendida, aqui, num duplo sentido: no sentido do vernáculo e no sentido de
“uma questão específica emocionalmente carregada, em torno da qual há
um conflito periódico”19 (Papp: 1992).
As lealdades divididas e os conflitos dos filhos em relação aos pais são
as maiores fontes de sofrimento das crianças envolvidas. Por sua vez, o
conflito entre os pais, na condição de sócios na função parental, constitui a
fonte das fontes do sofrimento dos filhos.
Boszormenyi-Nagy e Spark (1983) lembram que a proximidade entre
os membros da família se desenvolve como resultado de compromissos de
lealdade firmados pela convivência e que é possível dar-se um ponto final a
qualquer relação, menos àquela fundada na parentalidade.
Relação entre pais e filhos não se extingue por nenhuma razão e de
nenhuma forma, ainda que as aparências possam contrariar essa afirmativa.
É possível ouvir de um filho adulto que ele não se relaciona com seu
pai, que não o vê há anos e que o odeia. Quem nunca ouviu um caso
desses? Pois bem, isso não significa que a relação parental inexista. Esse
pai continua a ser uma referência na vida do filho, nem que seja como
símbolo de tudo aquilo que ele não quer ser, de que não quer lembrar ou
que odeie. Algo, na relação, deve ter dado causa a esse sentimento.
Assim, tentar quebrar os compromissos de lealdade construídos na
relação entre pais e filhos, ainda que a quebra seja iniciativa dos próprios
genitores, é algo tão sério do ponto de vista de saúde mental e do
comportamento humano, que, no plano psicológico, mereceria ser
comparado a “um crime”.
Acontece que nem o implemento dos compromissos nem o dos
conflitos de lealdade é tão claro ou consciente. Compromissos e conflitos
de lealdade decorrem da estrutura comunicacional da família, como fruto de
funcionamento predominantemente inconsciente, de tal modo que nem
sempre é possível ao agente perceber seu ataque àqueles compromissos.
Os reflexos da “guerra particular”, travada pelo casal que se separa,
ficam evidentes para os juízes que trabalham nas causas de família. Durante
nossas conversas, eles comentaram sobre isso, em vários momentos,
deixando claro que consideram um absurdo o que os pais fazem aos filhos,
pela raiva que sentem um do outro. E já não se sentem obrigados a ser tão
formais, como o fez este juiz que, ao ter indícios da boa situação financeira
de um pai que oferecia uma pensão miserável aos filhos, chamou-o para
uma conversa particular, de homem para homem, como disse:

“Aqui, nem um de nós é bobo. O senhor está usando seus filhos para
prejudicar sua mulher. O senhor está semeando”.

O conhecimento do conceito de conflito de lealdades pelos


profissionais que atuam em casos de família é fundamental para que ajudem
os pais a compreender melhor sua própria posição e a revê-la, sempre que
esteja prejudicando seus filhos.
Esses profissionais precisam ter conhecimento dos riscos corridos pelas
crianças e adolescentes em sua nova condição de filhos de separados, para
poder proteger esses filhos de participar de um conflito que não é seu ou
sofrer as consequências dele.

1.9 OS MENORES DENTRE OS MENORES


A separação dos casais tem ocorrido cada vez mais cedo. Uma das razões
talvez seja que do conceito “até que a morte nos separe”, tenha-se
migrado para o “se não der certo, a gente se separa”. Outra razão pode ser o
individualismo que se foi impondo, ultimamente, fazendo com que as
pessoas pensem mais em si do que nos outros, numa espécie de “primeiro
eu, depois, eu, sempre, eu”. Outra, quem sabe, seja a independência
financeira de ambos, mais usada para dividir que para somar. E, até mesmo,
o desejo não revelado de ter o filho só para si. Tantas podem ser as razões!
O fato é que nos deparamos com filhos de pais separados, ainda não
nascidos, com poucos meses, com um ano ou pouco mais, com relativa
frequência, nos dias que correm. A esse propósito cabe uma breve reflexão.
Dir-se-á que, nessas fases, a criança não entende, não sabe o que se
passa e não vai sofrer. Ledo engano. A criança pode não entender, do ponto
de vista do pensamento secundário, porque ainda não percebe, não
raciocina e não compreende nada, nem minimamente. Ela, porém, tem o
registro dos sentimentos e das emoções. Começa aí a formação dos
vínculos, a representação mental de pai e mãe e o pertencimento a uma
família. É aí que nasce sua forma de ver o mundo, sua confiança na vida,
seu sentimento de segurança e sua capacidade de amar.
Maternidade e paternidade biológicas não são tudo, embora sejam o
início. É na convivência íntima do dia a dia, que vai ser construída uma
outra forma de parentalidade: a parentalidade psicológica. A maternidade e
a paternidade psicológicas, também conhecidas por maternagem e
paternagem, são diferentes das biológicas. Elas dizem respeito,
respectivamente, à interação materno-filial e paterno-filial.
Para reconhecer pai e mãe, como tais, o bebê precisa de contato muito
próximo com essas figuras, em sua vida, desde o princípio. Nos cuidados
materiais, físicos e psíquicos contínuos é que se vão estabelecer os laços de
maternagem e de paternagem, constitutivos da parentalidade psicológica.
Tais cuidados diretos são expressões de afeto, indispensáveis à felicidade de
qualquer ser humano.
É desse todo parental, biológico e psicológico, que vão depender o
equilíbrio emocional do bebê e seu bom desenvolvimento. Qualquer ação
voluntária contra a saudável formação da maternagem ou da paternagem é
muito grave e totalmente insensível ao bem-estar do menor.
Nas separações, em geral, a guarda fica com a mãe e o pai costuma
entender que é assim que deve ser. Há casos, porém, em que a guardiã cria
tantos obstáculos aos contatos entre pai e bebê – esperamos que na
ignorância dos riscos que inflige ao filho – que pai e bebê acabam
afastando-se e o filho tornando-se órfão de pai vivo. Para evitar que isso
ocorra, o pai acaba tomando medidas judiciais de força, a violência vai
gerando violência e o ódio, se não existia, nasce, ou vai se acirrando. Essa é
a razão de muitos pedidos de mudança de guarda, pelo pai.
Referimo-nos aos casos mais comuns, mas nada impede que se dê o
contrário, se a guarda estiver em poder do genitor varão.
Só se separa filho de pai ou mãe por razões realmente imperativas,
confirmatórias de que uma ou outra presença – ou ambas – é prejudicial à
criança. Com exceção do período de aleitamento ao peito, em que o bebê
não pode ser afastado da mãe, nada impede que um bebê possa estar com
um genitor sem a presença do outro e estabelecer laços de afeto com ambos.
Ser mãe ou pai é fruto de aprendizagem no desenvolvimento da capacidade
de amar e nada tem de instintivo. Deve haver disponibilidade e bom-senso,
os pais precisam conversar sobre isso e, se isso os deixar mais seguros,
podem consultar, juntos, um especialista. Posturas contrárias a essa podem
ser decorrentes de medo ou preconceito. Os pais devem cuidar para que tal
não ocorra, pois sob alegação de amor pelo filho, podem estar dando uma
demonstração de desamor.
Essa é uma situação em que advogados, juízes, promotores, peritos
judiciais e assistentes técnicos não devem perder a oportunidade de intervir
a favor desses pequeninos que mal acabaram de nascer e já podem estar
conhecendo o pior que o mundo tem a oferecer, em sua própria casa.

1.10 OPERADORES JURÍDICOS E NÃO JURÍDICOS E OS CONFLITOS

O ex-casal ressentido, enraivecido e magoado tem dificuldade em


confirmar o outro, na relação com os filhos. Como lembra Teyber
(1995), porém, esse favorecimento “é a maior dádiva de amor que os
divorciados podem dar a seus filhos”.20 Para tanto, é provável que,
frequentemente, haja necessidade de auxílio externo.
Aos pais, mais que a ninguém, cabe não inculpar os filhos. Ao
contrário, devem tentar ajudá-los a dissolver as culpas existentes e evitar
implementar-lhes conflitos de lealdade. Um modo de buscar esse objetivo é
a tentativa de negociação em torno de seus desentendimentos. Essa
negociação é uma necessidade efetiva, se houver intenção de prevenir
maiores prejuízos emocionais para os filhos.
Nesse sentido, todo esforço possível da rede social, incluindo a família
extensa, deve ser mobilizado no sentido de ajuda aos ex-cônjuges, visto
estarem, também, muito fragilizados pela situação.
Nesse ponto, cabe papel importante à rede de profissionais que assiste
o casal e sua família, no trânsito legal. Profissionais vocacionados e
humanitários podem vir a ser altamente benéficos para a solução dos
conflitos – emocional e jurídico – da forma menos prejudicial possível.
Assim, independentemente do apoio psicológico especializado que se
faça necessário, os operadores do Direito – advogados, juízes e promotores
– e os operadores não jurídicos – psicólogos, médicos psiquiatras e
assistentes sociais – que atuem no caso, podem ser de muita valia para os
rumos que o processo judicial e a vida da família tomarão. Para melhor
desempenho, devem atentar para que seus valores pessoais não impeçam
que se chegue ao que for melhor, especialmente para os filhos do casal que
se separa, e devem evitar posturas radicais, que apenas reproduzirão e
intensificarão a contenda em que o casal se envolveu (Cezar-Ferreira:
1999).
Se o profissional puder ajudar o casal a tomar decisões de maneira mais
tranquila e com sensatez, isso será muito útil, porém impor seus valores, por
mais bem-intencionados que sejam, só vai piorar a situação.
Lembro-me do caso de uma paciente individual, cujo marido era tão
cruel que a separação para ela era alternativa para a morte. Pois bem, ela
contratou um advogado que, quando se encontravam os quatro – o casal e
os dois advogados – para tratar da separação, ele ficava dizendo que coisas
de casal se resolviam e que ele era casado há trinta anos e sabia que separar
não era a solução.
Igualmente, em uma de minhas entrevistas, um juiz contou sobre um
advogado que assumia causas de família e, depois, não queria deixar o casal
se separar.
Ora, a intenção devia ser a melhor possível, nos dois casos, mas o fato
é que os casais não estavam sendo ajudados, porque os profissionais
estavam tomando como referência seus próprios valores e não a
necessidade das partes.
Boas intenções, como essas, podem ser tão prejudiciais ao caso quanto
as atitudes belicosas de profissionais que “querem ver sangue” e não
facilitam em nada os acordos.
Na Justiça, a postura da rede de profissionais é importante pela
colaboração que podem emprestar na busca de solução do problema
relacional familiar, que é muito mais complexo que a causa judicial em si.
Ao mesmo tempo, tal postura beneficiará a própria Justiça, pois a
adequação relacional dos ex-cônjuges, em princípio, poderá pôr fim efetivo
à demanda e evitará o ingresso de novas ações de ordem familiar.

1.11 OS OPERADORES JURÍDICOS E A CONSTRUÇÃO DO PROCESSO


JUDICIAL

A propósito do que foi dito a respeito das construções interacionais, os


operadores jurídicos, formados para defender direitos individuais,
representar a sociedade ou executar a lei, nem sempre têm o alcance da
força de sua influência na determinação do destino daqueles que lhes
submetem os conflitos jurídicos.
Em áreas em que a questão humana interpessoal é o centro das
discussões, a forma de conduta dos profissionais jurídicos não só será
determinante do encaminhamento do processo, mas de importância
expressiva nos rumos existenciais que a vida dos litigantes tomará.
Na formação de um processo judicial, as manifestações das partes,
pessoalmente ou por meio de seus advogados, as intervenções do Ministério
Público e as decisões do magistrado vão construindo o caminho que a ação
percorrerá, e vão escrevendo histórias de vida, não de forma independente
pela participação individual de cada um, como se poderia imaginar, mas de
forma interdependente pela tessitura de uma rede de subjetividades. Nesse
sentido, o resultado final será a construção de uma determinada realidade,
que se materializará no desfecho que o processo tiver.
O profissional está inteiro dentro do caso que atende. Assim, quando
juízes pensam “com certos advogados nunca dá para fazer acordo” ou,
quando advogados pensam “certos juízes são excessivamente formalistas”,
ou quando ambos pensam “Fulano tem tendência humanitária”, estão se
referindo a características de personalidade, maior rigidez ou maior
flexibilidade relacional, menor ou maior facilidade para agir
empaticamente. O profissional é quem ele é, enquanto pessoa, e fará aquilo
que acredite ser o melhor no exercício de suas funções, movido muito mais
por razões de ordem subjetiva do que por razões “objetivas”, como pode
acreditar. Por outro lado, as partes em litígio também são pessoas e,
particularmente em causas de família, seus aspectos emocionais é que
estarão no comando de suas iniciativas.
Nesse contexto, a tomada de consciência pelos profissionais de que o
processo judicial não é algo externo a eles e a consideração por fenômenos
psíquicos frequentemente presentes no evento da separação, poderão ser
úteis à reflexão e à reformulação das próprias tendências e da mentalidade
formalista a que a formação jurídica encaminhou.
Na Justiça de Família, o fato de os operadores jurídicos poderem agir
com sensibilidade em relação às questões emocionais da família, cujo par
parental está em litígio, não implica que se afastem de suas funções, mas
que possam exercê-las, tendo em vista que, mais que os temas que
aparecem como objeto da disputa, são sentimentos não elaborados que estão
no centro da cena.
Reitere-se: a construção do processo não se dá de forma determinística.
Os participantes comunicam-se nos autos e suas interações irão edificar um
sistema de relações, o qual poderá ou reproduzir o modelo relacional
beligerante das partes ou apresentar-lhes uma outra forma de relacionar-se.
Nesta última hipótese, uma atitude flexível por parte dos construtores do
processo terá a função, nem dita nem escrita, de contrapor-se ao modelo
utilizado pelos litigantes, no qual expressar opiniões diferentes ou colocar-
se em posições distintas é visto como sinônimo de inimizade. Tal postura,
certamente, terá mais condições que a primeira de ajudar as partes a lidar
com suas diferenças e desentendimentos de forma menos prejudicial para
todos.
1 PELUSO, Antonio C. Apresentação, em Direito de família e ciências humanas, caderno n. 1, p. 7.
2 FALICOV, Celia J. Contribuiciones de la sociología de la familia y de la terapia familiar al
“esquema del desarrollo familiar”: análisis comparativo y reflexiones sobre de las tendencias
futuras. p. 38. (T.A).
3 LIDZ, T. e FLECK, S. Algunas fuentes exploradas y parcialmente explotadas de la
psicopatología. p. 61.
4 NICHOLS, Michael P. O poder da família. p. 220.
5 Idem, ibidem, p. 207.
6 MINUCHIN, Salvador. A cura da família. p. 156.
7 MACEDO, Rosa Maria S. de. Prefácio, em Família e ciclo vital, nossa realidade em pesquisa. p.
9.
8 BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Novo dicionário da língua portuguesa. p. 402.
9 SIMON, F. B. et alii. Vocabulário de terapia familiar. p. 94.
10 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente.
p. 24.
11 Idem, ibidem, p. 24.
12 PITTMAN III, F. S. Momentos decisivos. Tratamientos de familias en situaciones de crisis. p.
174. (T.A.).
13 ANDOLFI, M. e ANGELO, C. Tempo e mito nella psicoterapia familiare. p. 184. (T.A.).
14 A palavra divórcio, aqui, é empregada no sentido vernacular.
15 SACCU, Carmine, ob. cit., p. 184.
16 PITTMAN III, Frank S. Crisis familiares previsibles. Transiciones de la familia. p. 357. (T.A.).
17 CÁRDENAS, Eduardo. J. Crisis familiares: un modelo experimentado de abordaje ecologico y
transdisciplinario en un jusgado de familia de la ciudad de Buenos Aires. p. 3.
18 Idem, ibidem, p. 5.
19 PAPP, Peggy. O processo de mudança. p. 28.
20 TEYBER, Edward. Ajudando as crianças a conviver com o divórcio. p. 157.
O DIREITO DE FAMÍLIA E OS
REFLEXOS PSICOJURÍDICOS

2.1 DIREITO E JUSTIÇA: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

D ado o caráter psicojurídico deste trabalho, parece-nos que breves


informações de ordem jurídica e sobre o processamento da justiça
poderão ser úteis para o leitor não familiarizado com o mundo do Direito.
Entramos, neste ponto, num aspecto mencionado na Apresentação à 1.ª
edição: o das obviedades. É possível que os operadores do Direito
considerem elementares algumas das noções aqui expendidas. É possível
que não saibam, porém, que para a maioria das pessoas de outras áreas de
atividade, as mesmas “obviedades” são novidades absolutas.
O Direito é uma ciência normativa, que objetiva organizar a vida em
sociedade. O indivíduo, ao nascer, torna-se titular de direitos e deveres.
A lei maior, à qual todas as demais se submetem, é a Constituição
Federal. A Constituição brasileira atual foi promulgada em 1988.
Há duas espécies de Direito: o Direito Público e o Direito Privado.
“Direito Público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da
coletividade.”1 A esse ramo pertencem áreas como Direito Constitucional,
Direito Administrativo, Direito Judiciário e Direito Penal.
“Direito Privado é o que regula as relações entre os homens, tendo em
vista o interesse particular dos indivíduos, ou a ordem privada.”2 O Direito
Civil pertence ao ramo do Direito Privado e o Direito de Família, que é
parte do Direito Civil, destina-se a regular, notadamente, as relações entre
os membros da família: casal, pais e filhos.
A vida civil dos brasileiros é regida pelo Código Civil brasileiro. Neste
momento, temos um novo Código Civil.
O Código Civil que vigorou até então data de 1916, tendo sido relator
de seu Projeto o eminente jurista Clóvis Beviláqua. O Código Civil atual
teve como relator-geral o deputado Ricardo Fiúza.
O atual Código Civil brasileiro – Lei 10.406 – foi promulgado em 10
de janeiro de 2002, e entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003. No período
compreendido entre 10 de janeiro de 2002 e 10 de janeiro de 2003, o
Código permaneceu em vacatio legis, período de tempo reservado às
correções mais inadiáveis ou mais urgentes.
O novo Código resultou de trabalho da Comissão Revisora e
Elaboradora do Código Civil, supervisionada pelo eminente jurista Miguel
Reale, e da qual participaram José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim,
Sílvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clovis do Couto e Silva, Torquato
Castro e o próprio Prof. Reale.
Segundo Reale (2003), o trabalho inicial da Comissão converteu-se em
obra coletiva, uma vez que o anteprojeto foi publicado pelo governo por
quatro vezes, e o Projeto e suas emendas foram fartamente divulgados, o
que propiciou contribuições de toda a sociedade, desde operadores do
Direito e entidades de classe até o cidadão comum. O novo Código não
abandonou as linhas mestras de codificação do Código de 1916, antes,
manteve-as quanto à estrutura, com exceção da introdução do Livro
intitulado Direito das Empresas, inexistente no Código anterior.
Com o objetivo de aclimatar o leitor leigo à leitura e ao entendimento
do Direito para falar de separação judicial, faremos algumas articulações
entre o Código Civil de 1916, que esteve em vigor por oitenta e sete anos, e
o Código Civil de 2002. Nesse ínterim, várias mudanças ocorreram na
legislação.
As eventuais comparações da lei entre um diploma legal e o outro
permitirão ao leitor retomar algumas de nossas afirmações e perceber como
o Direito é dinâmico e resultado de determinada construção social da
realidade numa certa época, bem como que a Justiça resulta de construções
interpessoais. Permitir-lhe-ão, também, entrar em contato com a lei e as
demais fontes do Direito e perceber como as transformações sociais vão
sendo incorporadas ao Direito, por meio de leis complementares. Em
resumo, o leitor poderá perceber que nossa vida civil, em matéria de
Família, não vinha sendo pautada por um Código vetusto que, embora
brilhante para a época de sua promulgação, já estava bastante alterado, em
função dos interesses e das necessidades que se impuseram e dos avanços
ocorridos nessas quase nove décadas.
O advento do novo Código não significou ruptura abrupta. Na verdade,
ele veio integrar princípios e valores do Código Civil de 1916 com
princípios e valores dos novos tempos, num processo em que a tramitação
no Congresso Nacional levou vinte e seis anos, mas cuja transformação
imperceptível começou muito antes, em nosso processo de construção
histórica e social.
O Código Civil de 1916 era tipicamente dispositivo; o Código Civil de
2002 também o é, embora não tanto quanto seu antecessor. E ambos são
expressão do Direito positivo, aquele que é escrito.
No curso desses oitenta e sete anos, leis especiais modificaram o
Código Civil de 1916, atualizando-o e conformando-o a novas necessidades
sociais. O Código Civil de 2002 também modificou algumas leis especiais,
pela revogação expressa de alguns de seus artigos. Essa é a principal forma
de transformação da legislação.
Ao tratar-se de Direito Civil é necessário registrar que embora o Direito
Privado tenha em vista o interesse particular dos indivíduos, nem tudo o que
pertence ao Direito Privado pode ser convencionado exclusivamente por
particulares.
Por que isso? Porque há normas que se considera interessarem mais
diretamente à coletividade que aos particulares. Observar tais regras,
portanto, passa a ser de interesse coletivo.
Aí estão enquadradas normas legais que apesar de serem de Direito
Privado, são consideradas de ordem pública. Nesse caso não podem ser
derrogadas pela vontade das partes, sendo nulas, de pleno direito, quaisquer
disposições que as contrariem. São as chamadas normas cogentes ou
imperativas, expressões consagradas por grandes juristas brasileiros, entre
eles Barros Monteiro (1962).
Em tal situação jurídica está o Direito de Família. O fato de ele regular
relações entre indivíduos não significa que esses indivíduos possam
estabelecer todas as regras que irão reger sua relação. Se a lei, por exemplo,
diz que pessoas casadas não podem casar, mesmo que os interessados
entendam de outra maneira, seu entendimento não terá nenhum valor legal.
Assim também, as normas legais que determinam que a separação
conjugal sempre se dará por sentença judicial e que as resoluções sobre
alimentos, guarda e regulamentação de visitas também serão objeto de
sentença judicial para que produzam efeito jurídico são cogentes ou
imperativas.
Essa afirmação significa que as disposições legais a respeito do término
da sociedade conjugal, da dissolução do casamento ou do divórcio não
podem ser alteradas pela vontade do casal, no que diz respeito ao caminho
legal a ser seguido para que a união se dissolva, no âmbito do Direito. Esse
caminho está previsto em lei e terá que ser seguido, para adquirir força
legal.
Assim, um casal não poderá, ainda que de comum acordo, resolver
terminar legalmente seu casamento por um documento particular firmado
entre ambos.
Para casais sem filhos ou com filhos maiores e capazes, ou
emancipados, a Lei 11.441, de 2007, admite que a dissolução consensual se
dê em Cartório, ou seja, por via administrativa, podendo o casal dispor,
inclusive, sobre pensão alimentícia, alteração do nome e partilha de bens.
Se houver filhos menores ou incapazes, porém, será obrigatório haver
sentença judicial que homologue o acordo realizado pelos pais, ou
determine, a respeito dos itens alimentos, guarda e regulamentação de
visitas.

2.2 O TRIPÉ JURÍDICO E A CONSTRUÇÃO INEVITÁVEL

P eluso (1997) lembra que o Direito Positivo é, na verdade, uma


reconstrução semântica, uma vez que só o reconhecimento das normas
como conteúdos significativos, pelos seus intérpretes, as configura como
tais. Afirma que a interpretação se dá perante a realidade física que aquelas
normas tendem a reger e que:
“(...) esta tarefa, a produção do significado, como condição
necessária da aplicação normativa, a qual é nada mais nada menos
que a conformação do mundo físico às prescrições jurídicas,
envolve toda a pessoa do intérprete e, portanto, a cultura, a condição
econômica, as paixões, as inclinações profundas, enfim, o seu modo
de ser. Tal é a razão por que os resultados dos experimentos
hermenêuticos nem sempre coincidem com as induções sustentáveis
a partir da observação científica das pessoas e das relações sociais”.3

Advogados, juízes e promotores são os operadores jurídicos que


constituem o tripé sobre o qual a Justiça se sustenta. São intérpretes da lei e,
saibam ou não, estarão com todo o seu ser envolvido no olhar que lançam a
ela e no significado que lhe atribuem.
Cada indivíduo interpreta a lei com um determinado entendimento,
buscando apoio em outros textos legais para convalidar sua convicção,
recorrendo a técnicos do Judiciário ou de fora dele, socorrendo-se da
doutrina e da jurisprudência, e, dessa forma, lutando, desde seu ângulo de
ação e de visão, em busca da Justiça.
A construção está sempre ocorrendo, desde a metafórica, do intérprete
com a norma jurídica, viva e atuante que é, até a construção dos operadores
jurídicos, o que não implica, absolutamente, alianças e, muito menos,
coalizões.
Os advogados sempre procuraram exercer sua função defensiva,
debruçando­-se sobre o estudo da lei, dos costumes, da jurisprudência e da
doutrina, aliando a síntese desse estudo ao bom-senso, no melhor interesse
de seu cliente, o que é dever do causídico.
Os juízes sempre buscaram, criteriosa e conscienciosamente, nos autos
do processo, elementos de convicção para decidir, cuidando para não julgar
nem extra, nem ultra petita, ou seja, não julgar nem diferentemente, nem
além do pedido, atendo-se ao que consta dos autos, para dar a sentença e
levar a Justiça a fazer justiça. Isso significa que, em sendo a ciência do
Direito considerada como objetiva, ainda que o juiz, subjetivamente,
considere que certa determinação legal não seria a mais justa ou a mais
ética, ou a mais humana, não pode contrariar a disposição legal,
restringindo-se ao que está nos autos. São limitações que a lei impõe. Pode
o juiz, no entanto, valer-se de seu poder de atenuar os efeitos da lei,
conforme seu entendimento.
Os promotores de Justiça são os representantes da sociedade, no
processo, no sentido de contrapartida dos interesses individuais.
As funções interpenetram-se. É importante que advogados de certa
convicção, desde que esta não seja frontalmente contrária à Constituição ou
lei ordinária, com a liberdade que lhes dá sua função, insistam e
argumentem a favor de determinada posição, peticionem nesse sentido, o
que abrirá espaço para que a situação vá sendo decidida em consonância
com aquele entendimento, até que, nos Estados, por exemplo, o Tribunal de
Justiça, órgão máximo da Justiça estadual, comece a gerar acórdãos
(decisões do Tribunal) naquela direção, de modo a criar jurisprudência. É
importante que juízes fundamentem acuradamente suas decisões, baseando-
se não apenas na ciência do Direito, mas também nas ciências afins e em
suas ressonâncias pessoais.
A fonte mais geral do Direito é a lei. Lei, aqui, deve ser entendida no
sentido de norma legal ou conjunto de normas legais escritas e constitutivas
de direito. A lei tem origem certa e predeterminada e emana de um órgão
competente para editá-la (Reale: 1998).
O Direito consuetudinário ou costumeiro é outra fonte. É formado por
usos e hábitos sociais, que não se sabe onde ou quando surgiram, e que, aos
poucos, foram se convertendo em hábitos jurídicos.
A jurisprudência é uma terceira fonte. Segundo Reale (1998), é uma
“forma de revelação do direito que se processa através do exercício da
jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos
tribunais”.4 Em outras palavras, a jurisprudência advém de decisões dos
tribunais numa certa direção.
Os acórdãos são citados pelos operadores do Direito para justificar suas
posições. A estrada que leva à formação de jurisprudência não é linear. Na
ausência de lei expressa e diante de transformações sociais, advogados
dependerão de que juízes lhes acatem os fundamentos e juízes, em certas
circunstâncias, dependerão de que advogados peticionem, para que possam
se manifestar. A jurisprudência, em última instância, é fruto de
interpretações das normas jurídicas e é, portanto, uma forma viva e atuante
de transformação da lei, como adaptação à realidade social.
O poder negocial pode ser considerado uma quarta fonte. Os contratos
privados fazem lei entre as partes, desde que não prejudiquem uma ou
outra, nem a sociedade (Reale: 2002).
Indiretamente, a doutrina poderia ser considerada uma quinta fonte do
Direito. Doutrina são escritos sobre temas jurídicos, que permitem maior
transparência do pensamento do autor sobre o assunto. Conforme Reale
(1998), o argumento, para que ela não seja considerada propriamente fonte,
é que dela não emanam modelos jurídicos, e sim, modelos dogmáticos,
esquemas teóricos. Não se há de negar, porém, que a doutrina tenha um
efeito transformador, fundada que está no reconhecimento da autoridade do
autor como jurista, cujo trabalho científico é importante como antecedente
na elaboração e atualização de uma lei.
A mudança pelo Poder Legislativo é, muitas vezes, posterior aos
costumes, à jurisprudência e à doutrina.
Os componentes do tripé jurídico, em interação, utilizam as fontes do
Direito e participam da construção da Justiça.
Sistemicamente falando, o processo judicial, em princípio, é uma
construção inevitável do prisma da comunicação humana. Na prática, os
operadores do Direito necessariamente se comunicam por meio do
processo; a fala de um serve como via de acesso para que o outro possa
trazer sua contribuição ao feito. O processo judicial é um diálogo peculiar,
que se volta na direção dirimente de um conflito jurídico.
A verticalidade inerente ao funcionamento da máquina judiciária é
necessária e incontestável, porém o tripé jurídico – não necessariamente
todos ao mesmo tempo – é indispensável à realização da Justiça. No que diz
respeito à função, as dos advogados, juízes e promotores são,
horizontalmente, de igual significado e importância para a Justiça e o bem-
estar social, não havendo hierarquia entre esses profissionais (Lei
8.906/1994).
Intrassistemicamente, aquelas três funções jurídicas constituem os
elementos básicos na construção da Justiça. A produção de significado de
cada profissional, no exercício de sua função, interagirá com a produção de
significado dos demais, gerando novas produções, que poderão ser
consensuais ou não.

2.3 A LEI E OS REFLEXOS PSICOJURÍDICOS

O intérprete da lei está presente no momento da interpretação. Seria uma


falácia supor-se o intérprete como um observador ascético, totalmente
separado da lei, o objeto observado. O repertório vivencial (valores, crenças
e mitos), porém, que constitui a pessoa do intérprete, depende sempre de
construções que o ampliem, levando o intérprete pelo caminho da
transformação, o que significa, antes de tudo, ressignificar-se.
A própria existência de lei que, em si, já denota transformação social,
pode ser um importante ressignificante.
Até 1988, qualquer ação referente a concubinato deveria ser proposta
em Vara Cível e não em Vara de Família. Isso podia ser considerado um
desdouro para a postulante (diz-se “a”, porque, geralmente, se tratava da
mulher), uma vez que as Varas Cíveis se destinam a solucionar conflitos de
interesse de natureza não familiar entre particulares, no âmbito do Direito
Privado. Assim, mesmo que se tratasse de concubinato sólido, antigo, de
convivência anterior estável e respeitosa, não mereceria da lei o
reconhecimento de entidade familiar.
Por quê?
Porque antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, não
havia lei que desse suporte àquele reconhecimento. Com a nova
Constituição o conceito de família foi ampliado, estendendo às uniões
estáveis a proteção dada pelo Estado ao casamento. A partir de então, o
assunto poderia ser objeto de reflexões e interpretações jurídicas diversas, o
que, de fato, aconteceu.
Dentre os Judiciários estaduais, o do Rio Grande do Sul de imediato
aplicou o comando constitucional, equiparando união estável a casamento,
quanto a seus efeitos. Além disso, conforme Silveira Guimarães (1998), “o
mesmo Tribunal, em 1990, definiu a competência das Varas de Família para
decidir as questões decorrentes da união estável”,5 de tal sorte que os
pedidos referentes a concubinato passaram a ser apresentados e acolhidos
pelas Varas de Família. Isso decorreu de uma interpretação uniforme da
norma constitucional pela maioria dos membros do Tribunal.
Não sendo a mesma a orientação dos Tribunais de Justiça de outros
Estados, e em face da inexistência de lei expressa, o acolhimento das ações
de concubinato por Varas de Família dependeria de pleitos de advogados a
juízes de Família, na expectativa de que fossem acolhidos por estes, o que
poderia provocar manifestações jurisprudenciais.
Por que são importantes as manifestações jurisprudenciais?
Porque à medida que os Tribunais vão julgando numa certa direção, as
decisões, chamadas de acórdãos, irão formando um corpo de julgados, a
jurisprudência, que, como se viu, constitui uma das fontes do Direito.
Quanto às hipóteses acima aventadas, na primeira, a convicção dos
membros do Tribunal os fez tomar uma medida facultada na lei e na
segunda, a interpretação dos advogados é que colaboraria na formação dos
elementos de convicção necessários para que o juiz decidisse.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, denominação
dada à antiga Lei de Introdução ao Código Civil pela Lei 12.376, de 30 de
dezembro de 2010, recomenda que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” e também
lhe faculta decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de Direito, em casos omissos. Em razão disso, alguns juízes de
Família poderiam atender o pleito dos advogados e acolher as ações, outros
não, conforme sua convicção.
Isso denota que parte da instrução dos processos judiciais e das
decisões está afeita a entendimento subjetivo, em feitos supostamente
objetivos. Os valores e as crenças dos profissionais, certamente subjazem às
razões que fundamentam sua argumentação.
É provável que muito desse esforço de reflexão e de ação tenha sido
desencadeado pela nova Constituição, desde que o pensamento dos
operadores do Direito é jurídico e precisa de amparo legal para atuar na
Justiça. Em havendo lei, os valores familiares e culturais que investem a
personalidade daqueles profissionais, no entanto, são acionados e vão
encaminhar sua interpretação legal.
No exemplo das ações de concubinato referidas, fica nítido que foi o
todo (subjetivo/objetivo) dos profissionais que permitiu que se evitasse, em
muitas mulheres, um desconforto emocional inevitável, caso o feito se
processasse em Vara Cível, isso porque os direitos da mulher, referentes à
sociedade conjugal, assumiam, nas Varas Cíveis, caráter comercial. Isso
afastava muitas ações do Judiciário, provocando, por vezes, injustiças
gritantes.
Nesses casos, os profissionais do Direito, com o bom-senso construído
durante sua história de vida e reconhecendo uma transformação social,
preocuparam-se com aspectos de reflexo social para as concubinas. E,
embora o foco tivesse sido colocado na questão legal, veio a produzir
efeitos psicológicos incontestáveis e benéficos. Juridicamente, no entanto,
isso só foi possível pela existência da lei, que ampliou o conceito da
realidade social da família.
A Lei 9.278/96, que reconheceu a união estável como uma forma de
entidade familiar, convalidou aquele entendimento e estabeleceu, em seu
art. 9.º, que pendências a ela relativas seriam resolvidas em Varas de
Família e em segredo de Justiça. Desse modo, determinando o locus do
processamento, a lei dirimiu controvérsias e trouxe conforto emocional,
quanto àquele aspecto, aos interessados. A colocação do conflito jurídico
sob segredo de Justiça confirmou a configuração daquela entidade como
família.
O advento da lei, porém, não ocorreu ao acaso: foi resultado de
negociações e ajustes inter-relacionais da sociedade, durante décadas. E, se
ela colaborou na mudança de mentalidade dos operadores jurídicos,
recursivamente ela própria resultou da mudança qualitativa na mentalidade
social e, concretamente, da Constituição de 1988, também produto de
processo construtivo semelhante.
No novo Código Civil, a união estável foi incluída no Título III do
Livro do Direito de Família, arts. 1.723 a 1.726.
Outro exemplo elucidativo de que a lei pode ser um importante
ressignificante é o do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Essa lei determina que se atenda sempre ao melhor interesse do menor
e sua existência tem mobilizado os juízes no sentido de buscar entender o
que seria o maior interesse para as crianças e os adolescentes, incluindo
aspectos emocionais.
Em algumas Varas de Família, juízes têm determinado que equipes
formadas por psicólogos e assistentes sociais elaborem seus respectivos
laudos periciais. Alguns desses técnicos, derrubando barreiras disciplinares,
começam a trocar informações sobre sua própria visão da problemática e,
por iniciativa do juiz, conversam com ele sobre os conteúdos psicológicos e
sociais dos laudos.
Tais procedimentos estão sendo mais utilizados em ações de guarda e
de regulamentação de visitas ou durante um processo de separação, quando
algum evento grave ocorre, como é o caso de um dos pais ser acusado pelo
outro de algo seriamente prejudicial ao filho. É o caso de acusação de
alienação parental, cuja definição, caracterização, procedimentos e sanções
têm previsão legal na recente Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010.
Ao que consta, tanto em uns quanto em outros casos, o processo só
costuma chegar à equipe inter e multidisciplinar, quando já se esgotaram
outras formas de o magistrado obter elementos de convicção.
Parece ainda não haver um intuito especificamente preventivo, mas
esse posicionamento do magistrado já introduz um diferencial nada
desprezível em relação a outros tempos e em relação a Varas de Família de
diferente orientação.
Informações colhidas com advogados de família, membros do Poder
Judiciário e técnicos atuantes no Judiciário dão conta de que tal requinte de
cuidados só se dá em Varas em que o juiz seja uma pessoa voltada para
humanidades, o que é facilitado quando participam do feito advogados que
comunguem tais ideias.
De qualquer modo, ainda que possa não ser a mesma a sensibilidade
dos diversos operadores do Direito no que se refere ao trato com questões
emocionais, o fato é que foi importante a promulgação de uma lei
pontificando a prevalência do interesse do menor, para despertar a
consciência daqueles que, diante do imperativo de cumpri-la, passaram a
refletir sobre o assunto, o que acarretou, em maior ou menor grau,
imediatos reflexos psicojurídicos.
Quanto aos advogados, nossa experiência clínica dentro desse
intercâmbio é que tem aumentado significativamente o encaminhamento
dos envolvidos, antes ou durante o processo judicial, para uma prática
sistêmica, seja trabalho terapêutico, seja de mediação.
Isso parece dar-se pela conscientização daqueles profissionais quanto à
realidade de que sob o conflito jurídico existe um conflito emocional e de
que é muito mais difícil para o bacharel em Direito ter uma visão
interacional do conflito, devido à sua formação, o que talvez se agrave no
caso do advogado, em virtude das exigências de sua função, que o obriga a
defender seu cliente, ou seja, a tomar partido.
Nesse sentido, é fato que o maior número de encaminhamentos se
refere a casos em que um advogado único é procurado para fazer a
separação, embora não falte experiência de trabalho com casais que
constituíram advogados diferentes, e, nessas situações, o trabalho tem sido
realizado não só com o casal, mas também com os advogados, em sessões
distintas. É mais raro, mas profícuo. Aqui, também, os reflexos
psicojurídicos começam a surgir.
A Constituição de 1988 (ressaltando a dignidade da pessoa, ampliando
o conceito de família, equiparando pai e mãe no exercício do poder
familiar6 e determinando a igualdade filial), o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o interesse atual pelos aspectos emocionais do ser humano, o
crescente respeito pela Psicologia como ciência e o pensamento
interdisciplinar que se impõe à Ciência neste final de século, certamente
estão contribuindo para que o tripé jurídico esteja mudando seu olhar.
O decurso de tempo acarreta transformações sociais e mudança de
mentalidade, o que propicia a promulgação de novas leis. Novas leis
suscitam reflexões e ampliam aquela mudança, gerando outras
transformações. E, do ponto de vista jurídico, é fato inconteste que o caráter
patriarcal do Código Civil de 1916 não poderia subsistir em qualquer lei
promulgada após uma Constituição que privilegia a dignidade da pessoa e a
igualdade nas relações familiais. O Código de 2002 veio para confirmar
essa orientação, tornando desejável que se reveja o funcionamento da
Justiça a esse respeito.
2.4 A SEPARAÇÃO COMO PROCESSO JUDICIAL

E m edições anteriores desta obra, apresentamos detalhada digressão


sobre separação e divórcio, bem como seu processamento na Justiça
brasileira.
Nesta edição, com a intenção de respeitar o objetivo do trabalho,
optamos por manter na íntegra aquela exposição para melhor elucidar o
leitor que desconhecia tal entendimento e processamento, no intuito de
ajudá-lo a entender a mudança ocorrida na lei pelo advento da Emenda
Constitucional 66, de 2010, que alterou a Constituição Federal e
possibilitou o divórcio direto.

Texto anterior:
A lei que rege as separações é única para todo o território nacional.
A separação legal só ocorre por via judicial e se formaliza por meio de
sentença proferida por um juiz de Direito, o que significa que depende da
abertura de ação, na Justiça.
No Brasil, o instrumento jurídico para pôr fim à sociedade conjugal é a
separação judicial e o instrumento jurídico para a dissolução do
casamento é o divórcio.
A matéria sobre separação foi regida de 1916 a 1977, pelo Código Civil
de 1916. Até 1977 não havia divórcio no Brasil. Em 26 de dezembro de
1977, foi promulgada a Lei 6.515, conhecida como Lei do Divórcio.
Atualmente, o novo Código Civil rege a matéria, permanecendo em vigor
a Lei do Divórcio apenas em suas disposições processuais.
Designa-se separação judicial aquela que é formalizada pelo Poder
Judiciário, em contraponto à separação de fato, que decorre da simples
ruptura da vida em comum.
A legislação contempla duas formas básicas de separação judicial: a
separação consensual e a separação litigiosa.
A separação consensual, também chamada de amigável ou por mútuo
consentimento, como o nome diz, é a que decorre do consenso, do
acordo entre as partes, marido e mulher. Essa forma de separação só é
permitida para casais com mais de um ano de casamento.
A separação litigiosa, referida na lei simplesmente como separação
judicial, decorre da alegação de culpa de um dos cônjuges, que
impossibilite ao outro a vida em comum, conforme os motivos previstos
no art. 1.573 e seu parágrafo único.
Quanto à impossibilidade dessa comunhão de vida, a lei oferece um rol
de eventos que podem caracterizar tal impossibilidade. Faculta, porém,
ao juiz considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da
vida em comum, o que, entendemos, torna aquele rol pouco mais que
exemplificativo.
Assim, uma vez que os fatos enumerados no referido artigo de lei podem
ser compreendidos na hipótese genérica de conduta desonrosa ou grave
violação dos deveres conjugais, de que falava o art. 5.º da Lei do
Divórcio, temos que concordar com Euclides de Oliveira (2003) que a
alteração seria dispensável, até porque o dispositivo do novo Código
também será objeto de interpretação, caso a caso.
A separação litigiosa, em que não houver alegação de culpa, pode ser
proposta por cônjuge que prove ruptura da vida em comum por mais de
um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. É, ainda, motivo para o
pedido de separação a existência de doença mental grave, adquirida
pelo outro cônjuge, após o casamento, impossibilitando a continuação da
vida em comum. Neste caso, é condição para a ação que a doença
exista há dois anos e que sua cura tenha sido reconhecida como
improvável.
A separação consensual é processada em conformidade com os arts.
1.120 a 1.124 do CPC. Nela, a petição deve ser assinada pelos cônjuges
e seus advogados, ou um advogado único. A separação litigiosa tem
procedimento pelo rito ordinário. Nela, o pedido deve ser de iniciativa de
um dos membros do casal, representado por advogado.
Ambas as formas de separação requerem sentença judicial prolatada por
juiz de Direito, para que surtam efeito jurídico. No caso da consensual, o
juiz homologa por sentença o acordo firmado entre as partes; no caso da
litigiosa, ele decide por sentença, ao final. Da decisão judicial cabe
recurso ao Tribunal. A qualquer momento do processo, a separação
judicial pode ser convertida em consensual, a pedido das partes.
A separação judicial, em qualquer de suas duas formas, põe fim à
sociedade conjugal, mas não dissolve o casamento válido. Este só será
dissolvido pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. O art. 1.571,
§ 1.º, do CC/2002 dispõe sobre a matéria.
A separação judicial faz com que desapareçam os direitos e deveres
conjugais de coabitação e fidelidade recíproca, bem como o regime de
bens do casamento, mas não rompe o vínculo matrimonial. O divórcio
rompe o vínculo matrimonial e desfaz o casamento válido. É essa ruptura
que libera os ex-cônjuges para nova união legal.
Após um ano do trânsito em julgado da sentença que decretou a
separação judicial, ou da decisão que concedeu medida cautelar de
separação de corpos, qualquer das partes pode requerer que a
separação seja convertida em divórcio. Após dois anos da separação de
fato (separação sem ratificação legal), o divórcio pode ser pedido por
qualquer dos cônjuges. A conversão em divórcio ou o pleito após a
separação de fato podem ser consensuais ou litigiosos, conforme haja,
ou não, acordo dos separados em relação às medidas.
A possibilidade de os casais desfazerem, no sentido jurídico, seu
casamento, ficando livres do vínculo matrimonial e podendo realizar nova
união legal, foi a grande mudança sociojurídica trazida pela Lei do
Divórcio. Essa lei trouxe uma mudança de segunda ordem expressiva, no
Direito de Família brasileiro. Antes dela, não havia segundo casamento
legal, senão por viuvez.
Como nenhuma mudança de segunda ordem é simples, a promulgação
dessa Lei resultou de décadas de luta, encabeçada pelo deputado
Nelson Carneiro, durante a qual, simultaneamente, o concubinato foi
conquistando espaço e os concubinos, conquistando direitos. Tal
persistência culminou com a Emenda 9, de 28.06.1977, à Carta
Constitucional de 1967.
A Emenda 9/1977 retirou o caráter de indissolubilidade do casamento e
instituiu o divórcio, o qual foi, em seguida, regulamentado pela Lei
6.515/1977, a Lei do Divórcio. O Código Civil de 2002 consagrou
definitivamente esse instituto.
Vale observar que, como o divórcio ocorre um ou dois anos, pelo menos,
depois da separação, na ocasião em que ele é sentenciado, o casal já
ultrapassou o ponto apical da crise emocional, na maioria dos casos. Por
esse motivo, no Brasil, diferentemente de outras sociedades, parece
mais apropriado falar-se em crise da separação do que em crise do
divórcio.
Tanto a separação consensual quanto a litigiosa são passíveis de
reconciliação, fazendo retornar o casamento à condição anterior,
mediante requerimento ao juízo que decretou a separação que, após
ouvido o Ministério Público, será homologado pelo juiz. No Código Civil
de 2002, a matéria vem regulada pelo art. 1.577 e seu parágrafo único.
Com exceção do divórcio litigioso, as demais formas de separação –
separação consensual, separação litigiosa e divórcio consensual –
devem ser objeto de audiência prévia de conciliação, como tentativa de
reconciliar o casal, nos casos consensuais, e de reconciliar ou
transformar a ação litigiosa em consensual, nos de separação litigiosa. O
divórcio litigioso não está sujeito a essa regra, embora a doutrina não
seja pacífica. Segundo Amorim e Oliveira (1999): “Para muitos, sendo o
divórcio um plus em relação à separação judicial, haveria de seguir as
mesmas regras impostas ao procedimento judicial desta última”.7

Em 13 de julho de 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional 66, que


deu nova redação ao § 6.º do art. 226 da Constituição Federal, dispondo
sobre a dissolução do casamento civil pelo divórcio. Referida Emenda
passou a ser conhecida como PEC do Divórcio ou Nova Lei do Divórcio.

Õ
2.4.1 EMENDA CONSTITUCIONAL 66, DE 2010 – DISCUSSÕES

E menda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, foi assim


introduzida:

“Dá nova redação ao § 6.º do art. 226 da Constituição Federal, que


dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio,
suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1
(um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois)
anos.

Art. 1.º O § 6.º da Constituição Federal passa a vigorar com a


seguinte redação:

Art. 226. (...)

§ 6.º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”

A EC 66/2010 tem suscitado muita polêmica entre os juristas sobre se


terá acabado a separação e desaparecido a figura da culpa nas separações.
De pacífico, fica o entendimento de que a nova lei extinguiu o lapso
temporal para requerimento do divórcio, que pode se dar a qualquer tempo.
Eminentes juristas têm se manifestado a respeito.
Lôbo (2009) afirma a extinção do instituto da separação judicial e das
normas infraconstitucionais que a regulavam, dizendo que a Constituição
não mais tutela a separação judicial, que teria sido extinta. Assim, já não
mais existiria a distinção entre dissolução da sociedade conjugal e
dissolução do vínculo conjugal. E que a nova redação do § 6.º do art. 226 da
Constituição apenas admite a dissolução do vínculo conjugal.
Na mesma direção, Lagastra (2010) entende que a EC/1966 estabelece
o divórcio como causa de extinção da sociedade conjugal e do vínculo
matrimonial e que, portanto, desapareceu a separação judicial. Este mesmo
autor entende que desapareceu a culpa para efeito de consecução do
divórcio.
Tavares da Silva (2011) afirma que é imprescindível que haja normas a
reger as dissoluções do casamento, sob pena de os deveres se
transformarem em meros conselhos ou recomendações, cujo
descumprimento não acarretaria sanções e ensejaria a instalação do caos.
Na mesma direção, Nancy Andrighi (2011:12) ressalta que “é falaciosa
a premissa de que o advento da EC 66/2010 teria sepultado não só o
divórcio conversivo, como também toda e qualquer espécie dissolutória
culposa”.
Em denso artigo sobre a matéria, Euclides de Oliveira conclui: “Vale
repisar que essas considerações e outras mais decorrentes da EC 66 pendem
de apreciação e julgamento na esfera jurisprudencial, demandando algum
tempo para que se assente a poeira das discussões na incipiente doutrina,
em especial no que respeita à extinção da separação e à relevância do
exame da culpa para desate da sociedade conjugal e o fim do casamento
civil (e dos efeitos civis do casamento religioso)”. E afiança: “Sinaliza-se o
impostergável respeito à privacidade e aos direitos individuais dos que
pretendam o divórcio em vista da finitude da relação humana e da
incessante busca de uma nova chance de recomeço para o locus da
felicidade no encanto da vivência familiar” (2011, p. 1).
Especialmente a respeito da questão dos filhos, reafirma o citado autor
que, sempre que o casal tenha filhos menores ou incapazes, e não haja
acordo, o procedimento continuará sendo o judicial.
Boulos (2011), em consistente digressão sobre a matéria, referindo
manifestação do Conselho Nacional de Justiça ao pedido de supressão das
expressões “separação consensual” e “dissolução da sociedade conjugal”,
ainda que na via administrativa, lembra que, segundo aquele órgão, em
razão das divergências doutrinárias, suprimir a separação judicial no Brasil,
seria avançar além do recomendado.
A insigne autora, reconhecida por sua sensibilidade e espírito
humanitário, ainda acrescenta:

“Embora respeitáveis manifestações doutrinárias acerca dessa


questão apontem para a inutilidade desse instituto, não se pode
desprezar o fato de que, uma vez dissolvido o casamento pelo
divórcio, na hipótese de os ex-cônjuges desejarem restabelecer sua
sociedade conjugal, somente poderão fazê-lo se submetendo a novo
processo de habilitação perante o Registro Civil, independentemente
do prazo que tenha transcorrido, por diminuto que seja.
Não se pode olvidar que, em muitos casos, a separação é solução
satisfatória para crises conjugais pontuadas por turbilhões de
dificuldades de várias ordens, em cujo auge se vê o casal envolvido
e incapaz de dar seguimento à vida em comum. Não raras vezes,
semanas ou meses depois, reavaliando a situação, manifestam
ambos a intenção de retomar a conjugalidade.
Assim sendo, se apenas separados, poderão eles restabelecer a
sociedade conjugal, seja por simples petição conjunta em sede
judicial, invocando o artigo 1.577 do Código Civil, seja pela via
administrativa, mediante escritura pública, nos termos da Lei
11.441/2007 supracitada” (Boulos, 2011).

Essas são questões jurídicas, que estarão sujeitas à interpretação,


enquanto não houver pacificação.
Do ponto de vista psicojurídico, no entanto, no que tange aos filhos, o
importante é que, no caso de ex-casais que têm filhos menores ou
incapazes, os problemas emocionais e relacionais continuarão existindo, até
porque são existenciais e independentes de lei, e a eles terão que ser
oferecidos caminhos para dirimência ou minimização dos conflitos.

2.5 A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES CORRELATAS: ALIMENTOS, GUARDA E


VISITAS

A dissolução do casamento extingue os direitos e deveres relativos aos


cônjuges. Não extingue, porém, direitos e deveres referentes aos filhos
dos que desfizeram sua união. Esta é uma breve nota de caráter informativo,
para introduzir o leitor leigo no contexto legal.
O fim do vínculo conjugal não modifica os direitos e deveres dos pais
em relação aos filhos, logo, não põe fim à parentalidade, como alguns
comportamentos das partes em litígio fazem supor. Os direitos e deveres
dos filhos e dos pais permanecem protegidos em lei.
O legislador, sensatamente, entende que, independentemente do fim do
casamento ou outra forma de entidade familiar, os filhos dependentes
precisam continuar a ser mantidos. Os filhos menores, salvo casos
excepcionais, têm que morar com um dos genitores, mantendo contato filial
com o outro.
Quando houver filhos menores, o pedido, em ação judicial, além de
outros itens obrigatórios, explicitará o que pretendem os pais a respeito de
guarda, visitas e alimentos.
O acordo proposto pelas partes, o qual se deseja ver homologado pelo
juiz, explicitará a qual dos genitores será deferida a guarda dos filhos
menores, estabelecendo, ainda, as condições do direito/dever de visitas
assegurado ao genitor não detentor da guarda.
A disposição referente às visitas costuma e deve ser específica quanto
aos dias, intervalo entre elas, horário de retirada e de entrega das crianças.
Consta também dessa disposição, o acordo dos pais acerca de datas
importantes no calendário da família, como aniversário dos filhos, dos pais,
Dia dos Pais, Dia das Mães, festas religiosas, Ano Novo e férias escolares.
No que concerne à pensão alimentícia, estabelecerá quem prestará
alimentos, o valor destes, a data e a forma de entrega, e, ainda, a que
despesas se destina a pensão. A cláusula trará também especificações sobre
despesas excluídas da pensão alimentícia, como despesas médicas,
hospitalares, educação formal e informal, serviços odontológicos,
psicológicos e tudo o mais em que os postulantes tiverem acordado. A
petição será assinada pelo casal e pelos advogados, ou advogado único, que
representem as partes.
No litígio, quando há filhos menores ou incapazes, o autor faz
requerimento ao juiz quanto a alimentos, guarda e visitas, expondo as
razões de sua pretensão. O requerido poderá contestar a ação.
O Capítulo XI do Livro IV do Código Civil de 2002 trata da Proteção
da Pessoa dos Filhos, nos arts. 1.583 e seguintes. O art. 1.583 do CC prevê
que a guarda será unilateral ou compartilhada, sendo a primeira entendida
como aquela atribuída a apenas um dos genitores; e a segunda como “a
responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da
mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos
filhos comuns”. No art. 1.583, § 2.º, com a redação dada pela Lei
11.698/2008, o Código dispõe que, em não havendo acordo entre os pais, a
guarda dos filhos será, sempre que possível, compartilhada.
Tais dispositivos do Código Civil de 2002 merecem ser objeto de
reflexões por parte dos operadores do Direito, quanto a efeitos emocionais e
psicossociais.
Sobre o direito de visitas rezava a Lei do Divórcio, no art. 15: “Os pais
em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e
educação”. E o Código Civil de 2002, no art. 1.589, assim dispõe: “O pai ou
a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em
sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado
pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
Observe-se que a Lei 12.398/2011 incluiu no citado art. 1.589 do CC
um parágrafo único, com o seguinte teor: “O direito de visita estende-se a
qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou
do adolescente”.
Não são diferentes os objetivos de uma e outra lei, desde que pela Lei
do Divórcio, nos casos consensuais, em princípio, era homologado aquilo
em que as partes tivessem acordado sobre a matéria. O novo Código,
porém, embora preveja a possibilidade de acordo entre as partes, considera
em primeiro lugar o interesse dos filhos e o juiz poderá decidir
diferentemente do que as parte acordarem, “em atenção a necessidades
específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao
convívio deste com o pai e com a mãe” (art. 1.584, II, do CC).
As questões de guarda e de visita não são problemáticas, do ponto de
vista jurídico. São-no, porém, do ponto de vista emocional, e a isso
devemos estar atentos, a bem do menor, como pretende e preconiza a lei.
Os alimentos são regulados pelo art. 1.694 e seguintes, no CC/2002.
Ao contrário da maioria das decisões judiciais, que, na hipótese de
inexistência de recurso, implicam coisa julgada, ou seja, são em regra geral,
imutáveis, as decisões em matéria de guarda, visitas e alimentos são sempre
passíveis de revisão, ainda que definidas em sentença não recorrida. Isso
significa que é sempre possível, para pai e mãe, pedir revisão dos alimentos,
pleitear modificação de guarda e mudança na regulamentação das visitas.
Juridicamente, os advogados, juízes e promotores não encontram
grandes dificuldades em atuar em processos de Família. A lei lhes dá
suporte.
A ruptura do casal não altera o poder familiar, que é um direito-dever
dos pais. Esse poder é um instrumento para que os pais executem “o dever
de assistência, amparo, sustento e direção do processo de formação da
personalidade dos filhos. É equipamento de tutela e não de posse”8 (Peluso:
1983).
Os deveres e poderes dos pais em relação à pessoa dos filhos e aos bens
destes são mantidos e devem ser dirigidos à formação integral dos menores,
conforme reza o art. 3.º do ECA:

“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e dignidade”.

Se não há separação legal entre pais e filhos e se o fim da relação legal


dos pais, em princípio, não afeta o poder familiar, os institutos de guarda e
visita são soluções encontradas pelo legislador para que o filho continue a
ser atendido, uma vez que a família nuclear já não reside junto.

2.6 A LEI QUE PROTEGE PODE ENSEJAR PREJUÍZOS

A Constituição de 1988 sacramentou a dignidade da pessoa e trouxe um


modelo de família, ou famílias, igualitária e livre, retirando o caráter
patriarcal e deixando em segundo plano a questão patrimonial. Mas o fato
de a lei mudar não significa que a forma de pensar, que internalizamos,
mude imediatamente.
Assim, vamos usar a antiga Lei do Divórcio e o vigente Código Civil
para mostrar como a lei escrita pode propiciar prejuízos de ordem
emocional e, eventualmente, jurídica, e, a partir daí, tecer algumas
considerações. Nosso intuito, como em tudo o mais, não é dar interpretação
jurídica aos textos legais, mas utilizá-los como modelos para uma reflexão
psicojurídica.
Conforme a letra da Lei do Divórcio, para que a separação fosse
litigiosa, um cônjuge “precisava” fazer acusações graves a respeito do outro
e, para que a guarda deixasse de ser atribuída à mãe, salvo casos
específicos, seria necessário que os filhos corressem risco de “prejuízos de
ordem moral”, em sua companhia.
Do ponto de vista psicojurídico, há aspectos nesse texto legal que,
visando a proteger os filhos menores, podiam dificultar a solução do
conflito jurídico e a dissolução do relacional.
É de se ponderar que “ter” que acusar com o objetivo de “ganhar a
causa” é dar ensejo a extrapolações e asas à imaginação, o mesmo
ocorrendo com quem se defende das acusações. É incentivar a busca de
argumentos para inculpar, mesmo que a verdadeira razão do desejo de
separar-se tenha sido o fim do amor e que o consenso sobre a separação
tenha sido frustrado pela resistência do outro em aceitar o fato.
Esse estado de coisas tende a acirrar o conflito jurídico e a levar ao
mínimo a capacidade de flexibilizar e fazer acordos. Isso sem considerar
que, ainda que a ação se processe em segredo de Justiça, nenhum casal está
livre de que um filho venha, algum dia, a entrar em contato com os autos
daquele processo. E não deve haver ilusões: filhos vão atrás de sua história,
sobretudo se a história for difícil, e fazem o impossível para conhecê-la.
Ainda há mais. Nortear a determinação da guarda pelo princípio da
culpa é, de um lado, decretar que o filho sempre seja filho de um culpado;
de outro lado, supor-se que a mãe, em caso de responsabilidade conjunta
pela separação, só perderia a guarda se fosse causa de “prejuízos de ordem
moral” para o filho, era algo delicado, porque o instrumento que pretendia
privilegiá-la, como guardiã, era o mesmo que agia no sentido de
estigmatizá-la.
Visto sob esse ângulo, obter a guarda tornava-se ponto de honra para a
mulher. Em decorrência disso, os peritos sentiam-se menos livres em sua
avaliação, pois ninguém, em sã consciência, sente-se confortável em
contribuir para a retroalimentação de um estigma, e o juiz, pela mesma
razão, tendia a proteger-se numa postura legalista e formal.
Ora, a lei anterior estabelecia uma hierarquia para a concessão da
guarda e dava abertura ao juiz para dispor diferentemente, quando houvesse
motivos graves. Tais motivos, portanto, costumavam ser compreendidos e
interpretados como de ordem moral. E, no entanto, pode haver motivos
graves, sérios ou importantes que dizem respeito ao interesse do filho
menor que não têm qualquer fundamento de ordem moral. Além disso, a
pressuposição de que seja dogmático o fato de que a mãe tenha melhores
condições e seja dotada de qualidades especiais para criar um filho é um
estereótipo herdado do modelo patriarcal de família, que, ao pretender
privilegiar a figura materna, criava uma sobrecarga emocional para a
mulher e um preconceito com relação à competência do pai para vir a ser
guardião. Esse conceito está caindo em declínio.
O Código Civil de 2002 fala em motivos que impossibilitam a vida em
comum, estabelece um rol de causas graves para a separação, como o fazia
o Código Civil de 1916 e, em seu parágrafo único, permite a ampliação do
olhar do juiz. Este Código prevê que os filhos permaneçam sob a guarda do
genitor que tiver melhores condições para exercê-la. Nesse sentido, este
pode ser considerado um momento de mudança significativa, uma vez que a
lei não menciona os “prejuízos de ordem moral”. Ademais, a Lei 11.698, de
13 de junho de 2008, introduziu a guarda compartilhada no contexto legal,
alterando os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil. Assim, têm-se, hoje, no
Brasil, duas modalidades de guarda: a guarda unilateral e a guarda
compartilhada.
Nem todos os atos ou fatos que tornam impossível a convivência
conjugal tornam impossível ou mesmo desaconselhável o exercício da
parentalidade ou da guarda, em particular, mas nossa forma de pensar não
muda, imediatamente, só porque a lei mudou. Estamos todos acostumados a
pensar em termos de certo/errado e culpado/inocente, e impregnados pela
ideia de “prejuízos de ordem moral”, de modo que é possível que,
inconscientemente, pensemos nessa ideia, quando da busca de um critério.
Por esse motivo, devemos estar sempre atentos.
Além disso, a subjetividade permeia todos os nossos atos, mesmo os
aparentemente mais objetivos, por isso é sensato ter presente que, na
escolha por determinada modalidade de guarda, o único objetivo a ser
visado é o superior interesse dos filhos do ex-casal.

2.7 QUANDO OS CONFLITOS EMOCIONAIS COMANDAM A AÇÃO

A maior dificuldade na solução das causas de família está em que os


conflitos emocionais/relacionais entre os litigantes, frequentemente,
dão substrato à disputa. Os conflitos emocionais não elaborados da dupla
parental tendem a comandar a ação.
Costumeiramente, a guarda é entendida pelo genitor que a detém como
signo de poder familiar absoluto. Não é raro que o outro acompanhe esse
pensamento. Não raro, também, a visita é tida como de caráter social,
existindo apenas para que os filhos não deixem de ter contato com o genitor
que mora em outra casa. É comum a visita ser utilizada como momentos de
lazer e de prazer, em que “só se vê o lado bom da vida”.
A relação “guarda = poder” e “visita = lazer”, comumente, é
estabelecida em prejuízo dos filhos. Agravando o quadro, vê-se, com
frequência, o genitor detentor da guarda tentar dificultar a execução do
regime de visitas e o genitor visitador, que em geral é o alimentante, abster-
se do cumprimento da obrigação do pagamento da pensão alimentícia e/ou
ir-se afastando dos filhos. Essa cadeia de comportamentos não é linear e
pode iniciar-se concretamente por qualquer dos comportamentos. A
causalidade é circular e os comportamentos são recursivos.
No Brasil, o homem ainda é o principal arrimo da família. Na Justiça,
portanto, há uma tendência de que o pai seja o responsável pelos alimentos,
na separação, e mantém-se a tradição de a guarda dos filhos menores ficar
com a mãe.
Por outro lado, durante muito tempo, era quase que dogmático, do
ponto de vista psicológico, dizer-se que a mãe era a provedora de afeto e o
pai, o provedor material. A par disso, ainda é muito valorizada na sociedade
a figura da mãe que cuida e do pai que provê, como funções
compartimentalizadas, o que está em certo desacordo com as
transformações sociais.
Esse conjunto de crenças e valores e essa forma mítica e cindida de
encarar­-se a relação mãe/filhos e pai/filhos pode estar na base da relativa
facilidade com que o pai se distancia dos filhos e a mãe o afasta, também,
só lhe exigindo a presença relativa a provisões materiais. Pode, ainda, estar
na base da relativa facilidade com que alguns pais deixam de prover a
família, materialmente, para mostrar sua insatisfação, como se esse fosse
seu único valor.
Para Peluso (1983) “a guarda, enquanto manifestação operativa do
pátrio poder, compreende, em princípio, a convivência no mesmo local,
desdobrando­-se nas faculdades de autorização para sair de casa, de se
comunicar com o menor e sua regulamentação (direito de visitas), de
vigilância, o qual, em tema de responsabilidade civil, tem sérias
implicações, consistindo na necessidade de evitar que os filhos estejam
sujeitos a perigo de ordem pessoal e que ofereçam perigo a terceiros”.9
A rigor, a detenção da guarda não imprime privilégio nem define, em
princípio, que um dos pais seja melhor que o outro ou ame mais seus filhos.
Deter a guarda do menor não representa ganhar um troféu. O que importa
para a criança é ter pais que a ajudem a construir uma imagem edificante do
outro. A guarda vivida de maneira amorosa, complementada pela execução
serena do regime de visitas, é que proporciona equilíbrio emocional aos
filhos.
A guarda existe para que a criança tenha domicílio e tenha definido o
nome de quem assume os compromissos diuturnos em relação a ela. O
genitor visitador tem a fiscalização dos cuidados inerentes à guarda e à
educação, o que é previsto em lei, no art. 1.589 do CC: “O pai ou a mãe, em
cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo
juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. Na prática, porém,
guarda e regime de visitas, estabelecidos com afeto pelos filhos e respeito
entre os pais, complementam-se, formando o todo que vai delinear o espaço
vital da criança, sua estabilidade biopsicossocial, sua segurança, seu sentido
de pertinência e sua proteção.
Nem um pai é melhor pai, nem uma mãe é melhor mãe, por deter a
guarda do filho. Essa, como se frisou, não confere privilégios nem define,
em princípio, que um dos pais seja superior ao outro no amor aos filhos.
Numa guarda adequadamente complementada pela visitação, a criança
poderá sentir que ambas as casas são “seu lar”.
Em famílias separadas, para sentir-se estável, a criança precisa ter
sentimento de dupla pertinência, isto é, saber que pertence inteiramente a
suas duas famílias, a que ela constitui com o pai e eventuais irmãos e a que
ela constitui com a mãe e eventuais irmãos. A criança precisa sentir que
suas duas famílias são famílias inteiras, e precisa sentir, quando em estada
na casa do não guardião, que não é hóspede, mas filho pertencente à casa
daquele, que, durante esse período, deverá estar concretamente na prática
das funções de guardião, sem o que a vida não poderá fluir de modo
tranquilo.
O filho precisa sentir que ambos os pais cuidam dele e o protegem.
Naturalmente, quanto menor a criança, mais necessitará de vinculação
afetiva estável e de cuidados físicos e materiais, mas todos os menores
dependem, inevitavelmente, de cuidados básicos como saúde, educação e
sociabilidade, permeados por amor, independentemente da condição social,
financeira ou instrucional de seus genitores.
Atualmente, discute-se a conveniência de emprego de diferentes
modalidades de guarda: a guarda conjunta, em que há um exercício efetivo
da autoridade parental por ambos os pais, mas na qual os filhos têm uma
residência fixa (Teyber, 1996); a guarda alternada, em que o filho
permanece legalmente, por um tempo pactuado, com cada genitor que
assume as atribuições de educação, administração e posse legais (Strenger,
1998); e a guarda compartilhada, que é a que mais se aproxima do exposto
acerca da complementaridade guarda/visita, como é aqui compreendida.
Aliás, nos atuais termos do art. 1.583 do Código Civil, pode-se considerar
guarda conjunta e guarda compartilhada como sinônimos.
Em casos de separação, mais importante do que a modalidade da
guarda, de quem detém a guarda ou é visitador, é a maneira como os pais
lidam com sua própria interação no que diz respeito ao filho. Isso é que será
determinante da maior ou menor integração psíquica do filho.
O que acarreta prejuízos emocionais à criança, vindo, por vezes, a
afetar sua vida adulta afetiva e relacional, é o desentendimento entre os pais
e o fato de usá-la como “arma de combate”. Suas diferenças, mágoas e
ressentimentos é que geram no filho sentimento de insegurança e culpa pela
escolha de amor que lhe é imposta, implementando, assim, conflitos de
lealdade.
Confirmando a preocupação quanto ao encontro de soluções sensatas
nas separações, um estudo dos pesquisadores do Hospital Universitário
Hadasa, de Jerusalém, em Israel, concluiu que “o perigo de desenvolver
doenças psiquiátricas na fase adulta é quase quatro vezes maior entre
filhos de pais que se separaram antes de as crianças completarem 17 anos
do que entre os que não passaram por essa situação”.10 Trata-se de
afirmação séria por referir-se a efeitos remotos da separação, os quais, não
sendo avaliáveis à época do evento, podem não fazer parte do rol de
preocupações de pais e profissionais. E, em se tratando de seres humanos, o
risco não deve estar restrito às crianças israelenses, mas de qualquer parte
do mundo. Entre nós, mereceria uma investigação acadêmica.
Salvo casos gravíssimos que impeçam a guarda ou até ensejem
supressão de visitas, o importante é verificar, dentre os genitores, qual deles
reúne mais condições gerais, vocacionais, emocionais e funcionais, para o
atendimento das necessidades do filho, em seu cotidiano, o que o Código
prevê no art. 1.583, § 2.º, do CC, com a redação dada pela Lei 11.698/2008:
“A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores
condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos
filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o
grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação”. Isso não define um
genitor como melhor que o outro, nem deverá excluir o não guardião das
grandes decisões da vida do filho, a quem não importa com quem mora,
mas importa que ambos estejam inseridos em seu processo de
desenvolvimento. Tanto quanto possível, guarda e visita devem
complementar-se numa dinâmica salutar e respeitosa do bem-estar do filho.
Deve-se lembrar que aquelas condições podem variar com o tempo e
com relação a aspectos específicos, circunstâncias em que o
compartilhamento é desejável.
O exposto, entretanto, não implica que não seja explicitada na sentença
a modalidade de acordo. Essa modalidade deve ser explicitada para que
haja previsibilidade de ações, tanto para o filho, que necessita viver dentro
de padrões humanamente previsíveis, quanto para os pais, que precisam
dessa referência para organizar-se.
Dentre as modalidades de guarda apresentadas, a alternada parece ser a
mais discutível. Debaixo de uma aparência de equanimidade, encontram-se
variáveis que não podem ser desconsideradas, como mudança frequente de
residência, fator gerador de estresse, possíveis mudanças de escola e de
orientação de vida. Os pais precisariam ter visão de mundo muito
semelhante para que o processo fosse efetivo, o que não é de se esperar de
pessoas que precisaram separar-se, ainda que amigavelmente. E, de todo
modo, cada ser humano é único, e não há verdades absolutas.
O fundamental, dentro da concepção deste trabalho, para que qualquer
modalidade de guarda, inclusive unilateral, e visita se complementem
formando uma unidade, é que os pais tenham maturidade emocional,
tenham informações mínimas a respeito da importância de sua ação
conjunta para o desenvolvimento biopsicossocial dos filhos e tenham
flexibilidade suficiente para poder cumprir o acordo de forma criativa.
Quanto ao direito de visitas, embora haja controvérsias e seja
questionado o condicionamento do exercício desse direito ao pagamento da
pensão, sob pena de o filho ser penalizado pela falta dos recursos materiais
e pela ausência do genitor visitador, convém refletir sobre o que diz Peluso
(1983), quando afiança: “Ora, não se entende nem justifica que o pai,
capaz de assegurar a subsistência material do filho e que, culposamente,
desatende a essa obrigação primeira, possa afetar, na pretensão das visitas,
afeição e cuidados que não demonstra na ordem das prioridades da
vida”.11
O mero fato de o filho desfrutar de momentos de prazer junto ao
alimentante que não alimenta pode vir a ser mais grave do que a ausência
física daquele, devido à confusão mental que se instala na criança ou no
jovem, em função de uma comunicação disfuncional, em que a mensagem é
que se está fazendo algo que, na verdade, não se está: provendo afeto. A
mensagem paradoxal “Eu digo que te amo, mas demonstro que não te amo”
é extremamente nociva ao equilíbrio emocional.
De qualquer modo, em relação aos filhos, divergências judiciais na
interpretação tenderão a afetar menos, psicologicamente, que atitudes
unilaterais incoerentes de qualquer dos genitores.
A propósito do tema, os juízes com quem conversamos denotaram
perceber, em seu trabalho, que os litigantes aproveitam o espaço do
processo judicial para continuar a brigar, ou seja, que muito mais do que
para solucionar ou administrar seu conflito, eles estão no Fórum para
incrementá-lo. Hoje, passados mais de dez anos da realização dessas
entrevistas, certamente suas opiniões estariam um pouco modificadas, em
virtude de alterações legais recentes.
As assertivas de que filhos “são balas para se atirar”, de que “são
usados”, de que “são instrumentos de revide”, de que “são envolvidos num
turbilhão, sem ter culpa”, encerram a ideia de disputa de poder entre os pais
e de sofrimento para os filhos.
Os depoimentos revelam que uma forma concreta de constatar que há
uma “guerra” em andamento é a que se passa nas ações de Regulamentação
de Visitas e na intersecção das execuções de sentenças de Alimentos e de
Regulamentação de Visitas.
“As pessoas cultivam ressentimentos depois da separação e usam os
filhos. Coisas que beiram à loucura. Tive um caso em que o pai entrou com
pedido de alteração do regime de visitas. Pedia uma modificação de meia
hora e a mãe disse ‘não’.”
“O usual no regime de visitas é a visita quinzenal. A forma que eu
encontro para atender ao melhor interesse do menor é estabelecer um
regime de visitas mais amplo, por exemplo, uma vez por semana, o que
traria um benefício por via indireta. Porém, se a mãe insistir na recusa, não
há o que fazer. Aí é que entra a questão da Mediação Familiar. É o mais
importante, porque o problema é psicológico e as pessoas têm resistência a
fazer tratamento.”
“O juiz aquilata os prejuízos emocionais dos filhos, quando faz
convocação para acordo. As pessoas vêm e contam: A mãe: ‘Seus filhos
sentem falta de você’; o pai: ‘Eles querem me ver e você não deixa’. Tem
gente que respeita mais e gente que respeita menos. De vez em quando,
alguns gritam.”
Os juízes narram casos de seu dia a dia, aos quais nem a lei nem as
teorias dão solução. Eles buscam em sua experiência e bom-senso respostas
que ajudem as famílias e, sobretudo, protejam os menores, mas reconhecem
que, quando a guerra está deflagrada, há muito pouco a fazer, quando não se
conhece os processos emocionais que movem as pessoas. Atualmente, com
o advento de novas leis referentes à família e os aportes da ciência
psicológica, esta situação está minimizada.
“As ações de Visita são os piores processos, porque são os mais
difíceis, na prática, de o juiz fazer cumprir o seu julgado. Não há quem
ponha na cabeça das partes que não devem usar os filhos. Por exemplo, foi
sentenciado que o pai vai pegar a criança às nove horas da manhã. O pai
chega e a mãe dá desculpas para não deixar a criança sair.”
“Tive um caso em que a mãe casou com um homem e foram morar na
República Dominicana. Ela voltou ao Brasil. Ele dizia que ela o
abandonou; ela dizia que voltou por necessidade. O regime de visitas foi
adaptado às circunstâncias. Depois, ele voltou, definitivamente, para cá e
ela criou dificuldades. É difícil optar pelo que fazer que não prejudique,
ainda mais, a criança.”
“Veja um exemplo: ‘Execução de regime de visitas’. Qual o
enquadramento do Código? É uma ‘Obrigação de fazer’. Pode-se entender,
até, como ‘obrigação de entregar coisa certa’. Com qualquer outro objeto, é
possível o juiz mandar executar. Ele pode mandar entregar coisa, bens etc.,
mas, na Família, a coisa certa é uma criança. Como se pode fazer isso com
uma criança? O juiz vai mandar o oficial de Justiça tirar a criança, à força,
para entregar em uma visita que ela recusa? É uma violência.”
Os casos citados apontam as dificuldades que os pais criam, dentro da
situação de visitas. Os episódios mencionados referem maior rigidez da mãe
e um juiz chega a dizer, explicitamente, que é ela quem gera maiores
dificuldades e uma juíza é enfática ao afirmar “mas se a mãe não quiser...”.
A mensagem transmitida é referente a quão poderosa se torna a mãe, na
condição de guardiã. O fato de uma juíza ter sobre a mãe guardiã a mesma
visão que seus colegas homens sugere que a posição dos juízes homens não
encerra uma questão de gênero, mas que, no dia a dia, esse possa ser o
padrão mais comumente encontrado na relação dos ex-casais. Além disso,
quando a juíza afirma que o juiz fica sem ação e assevera “Aí é que entra a
questão da Mediação Familiar. É o mais importante, porque o problema é
psicológico e as pessoas têm resistência a fazer tratamento”, está
claramente referindo-se ao seu interesse por recursos de apoio ao juiz.
Ao falar da não possibilidade de controle sobre a questão das visitas, os
juízes estão trazendo uma limitação de sua função, o que ocorria à época da
pesquisa. E, quando um dos entrevistados discorre sobre a obrigação de
entregar coisa certa – a criança – está trazendo seu lado humanitário, pois é
essa sua face que o impede de transformar, juridicamente, a criança em uma
“coisa” ou em um “bem” e entregá-la, à força, a quem de direito.
Mas, em nossas prolongadas conversas, os juízes foram se
entusiasmando e, em sua indignação, trouxeram mais colaborações para a
reflexão de operadores jurídicos e não jurídicos sobre a guerra da separação
e os esforços do Judiciário:
“Quando o casal está muito ressentido, ele fica cego. Não vê o interesse
da criança. A criança é ‘bala’ para se atirar contra o outro: do pai, para não
pagar; da mãe, para receber mais. A vida se desenvolve fora. O juiz só tem
meios formais. Visita acontece na casa, não na sentença, e eu não sei o que
acontece fora daqui.”
“Os pais utilizam os filhos como instrumento de revide. Há dois
mecanismos que são básicos: o pai deixando de pagar e a mãe, dificultando
as visitas. O laudo acaba mostrando como os filhos ficam divididos.”
“É preciso tentar demover os pais de usar os filhos, mas a mãe, não sei
por que, mas é ela quem cria mais problemas. Minha pergunta é: É mais
importante quem começou ou é mais importante quebrar o ciclo, por
exemplo, numa batalha Alimentos versus Visitas?Acho que é quebrar o
ciclo e resolver.”
“Num caso em que não é paga a pensão, digo para a mãe: Se a senhora
não receber a pensão, não deve impedir o pai de ver o filho, porque a
senhora pensa que está castigando o pai, mas é a criança que é punida duas
vezes, uma, por não ter pensão, outra, por deixar de ver o pai, que é direito
dela.”
Vemos que eles abordam diretamente uma questão que consideram das
mais sérias: a verdadeira batalha que se trava entre os pais, em razão da
obrigação de prover, financeiramente, e o direito-dever de visitar.
Parece claro, na experiência judicante, que o pai ainda é o principal
provedor financeiro da família e que eles, os juízes, continuam a atribuir a
guarda, prioritariamente, à mãe. E que esses pais, por sua vez, parece que
acabam por utilizar sua condição legal como instrumento de retaliação e
como demonstração de força, sem perceber que é a seus filhos que dão
demonstrações de desamor: da parte do pai, tornando-os “mendigos de
pensão” e, da parte da mãe, negando a eles a convivência com o genitor
visitador.
Quando um juiz exprime preocupação com as lesões emocionais nos
menores, ao afirmar que a visita não deve ser condicionada ao pagamento,
sob pena de o filho ser punido duplamente, ele denota estar mais
preocupado com a minimização de prejuízos emocionais nos filhos dos
separados que com a questão jurídica, em si, que é controvertida.
Os juízes, porém, parecem não ver os filhos apenas como vítimas. Eles
se dão conta da força que esses adquirem, em meio ao conflito. Um
entrevistado lembra, oportunamente: “Um novo casamento pode complicar
a situação. E, quando um só se casa, o que não se casou vira vítima. O filho
escraviza o que não se casou, ‘proibindo-o’ de se casar”.
O juiz considera um dado relevante, socialmente: “Sempre há uma
queda de padrão, porque manter duas casas é diferente de manter uma, a
não ser no caso de milionários, o que é uma minoria”. “Mas os filhos são
usados na briga.”
“O dinheiro é muito usado na ‘guerra particular’. O pai pode encher
os filhos de coisas e a mãe diz que eles não têm tal coisa, porque o pai não
quer dar.”
Mais uma vez aparecem a luta e a retaliação. Segundo sua visão, por
mais que o pai ofereça, a mãe sempre estará a postos para mostrar aos filhos
o quanto ele os está lesando.
Os magistrados intuem que nas contendas judiciais, antes de tudo, estão
envolvidos conflitos emocionais preexistentes, disputa de poder, e a
inclusão de todos esses elementos numa rede de causalidade circular em
que os verdadeiros prejudicados são os filhos.
Eles exprimem a crença de que a condição financeira se transforma no
mais poderoso argumento do pai, durante o processo judicial, e que o
argumento paterno é combatido pela força que a mãe adquire ao tornar-se
guardiã. E parecem intuir que aí está uma guerra que, deflagrada entre os
pais, alcança a família como um todo. Um dos juízes, inclusive, traduziu o
pensamento de seus colegas, disperso nos diversos discursos, ao afirmar
que: “Se se consegue resolver o problema, evitam-se os recursos da decisão
e os filhotes”.12
Sabemos que a resolução do conflito jurídico é o objetivo do Judiciário
e que, na prática, dar solução é cumprir o objetivo, porque põe fim à
demanda. Os juízes, no entanto, reconhecem a inevitabilidade de algumas
ações, fundadas que estão na realidade social. É o caso das ações referentes
a Alimentos, que vêm atreladas à situação econômica atual. Elas vêm como
fruto da difícil realidade econômica do país e são agravadas pela realidade
interpessoal construída pelos litigantes.
“Ação de Alimentos é muito difícil evitar e é a que nós mais
desarquivamos, porque a parte financeira é a mais séria. O maior número
de ações é de Alimentos e de Execução de Alimentos. Existe uma
dificuldade real e o uso que se faz disso.”
“O volume de serviço da Vara tem aumentado. Os motivos maiores são
o econômico e o desemprego. O que mais tem aparecido é o
desarquivamento de ações de Alimentos, tanto para pedir mais, porque o
que recebe é insuficiente, quanto para oferecer menos, porque já não pode
pagar o que pagava.”
“O maior aumento é nas Revisionais de Alimentos, tanto para reduzir
quanto para majorar, por causa da situação econômica.”
“Agora, o que está aumentado, mesmo, é o número das Execuções de
Alimentos.13 Não há dúvida de que é por causa da crise econômica.”
De qualquer modo, qualquer que seja a ação e os motivos que a
ensejaram, o importante é usar de sensatez, na área da família, sobretudo
lembrando do que foi dito sobre compromissos e conflitos de lealdade.
Ao ensejo desta 3.ª edição, não podemos prescindir de lembrar que, em
26 de agosto de 2010 – mais de uma década, portanto, das manifestações
dos juízes na pesquisa acadêmica –, foi promulgada a Lei 12.318, Lei de
Alienação Parental, de suma importância para casos de regulamentação de
visitas e disputa de guarda.
Esta lei constitui-se em instrumento valioso para a prevenção de
prejuízos psicoemocionais nos filhos dos separados.
A alienação parental, fenômeno observado e descrito pelo psiquiatra
americano Richard Gardner, na década de 1980, é mais comumente
encontrada em causas judiciais de família, envolvendo filhos menores.
A lei mencionada conceitua alienação parental em seu artigo 2.º,
afirmando que se considera “ato de alienação parental a interferência na
formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida
por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou
adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie
genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este”. O parágrafo único do artigo traz rol de exemplos dessa
forma de alienação. Atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta
que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor serão
passíveis de sanções.
A alegação de que esteja ocorrendo alienação parental deve ser
avaliada com cautela para que, efetivamente, a lei sirva ao melhor interesse
dos filhos dos separados, e não como munição à guerra por disputa de poder
entre os pais ou outras figuras significativas da vida dos menores.

2.8 AS NOVAS ORGANIZAÇÕES DE FAMÍLIA

A s dificuldades dos ex-cônjuges no que concerne aos alimentos, à


guarda e à visita são as que, em geral, mais têm afetado os filhos na
separação. Mas há possibilidade de a situação relacional tornar-se ainda
mais complexa, se não forem tomados alguns cuidados.
No momento atual, é comum que os divorciados venham a constituir
outra família, donde estarem surgindo novas organizações de família: o pai
com filhos do casamento atual e dos casamentos anteriores, a mãe, idem, e
assim por diante. Nesses casos, é comum a rejeição, em diferentes graus, do
novo cônjuge a filhos dos casamentos anteriores do outro. Deve-se atentar a
isso.
A esse propósito, Carter e McGoldrick (1995) lembram que é
importante que se compreenda que os vínculos entre progenitores de
primeiro casamento e de marido e mulher, no segundo, são de níveis
diferentes, não havendo por que haver competição entre madrasta e enteada.
Os tradicionais papéis de gênero, exigindo que as mulheres assumam a
responsabilidade pelo bem-estar emocional da família, é que colocam a
madrasta e a enteada em posições antagônicas e a ex-mulher (ou ex-
mulheres) e a nova em posições adversárias, especialmente com relação aos
filhos.
Nesses novos casamentos, as responsabilidades de cuidar dos filhos
dele e dos filhos dela devem estar distribuídas de maneira que não exclua
ou combata a influência dos pais biológicos.
Cada cônjuge, em conjunto com seu ex-cônjuge, deve assumir
responsabilidade primária por criar ou disciplinar seus filhos biológicos. Os
novos cônjuges devem ser cooperadores, nesse sentido.
A lei é clara e fértil ao tratar do tema, explicitando sua posição e
determinando a respeito. O Código Civil, no art. 1.579, ao afirmar que “o
divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos
filhos”, acrescenta no parágrafo único que “novo casamento de qualquer
dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres
previstos neste artigo”.
No seu art. 1.588, afirma ainda: “O pai ou a mãe que contrair novas
núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser
retirados por mandado judicial, provado que não são tratados
convenientemente”.
E, não satisfeito quanto aos cuidados de que devem ser objeto os filhos,
o Código determina, no art. 1.636: “O pai ou a mãe que contrai novas
núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do
relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem
qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro”.
A criança ou jovem, filho de casamento anterior, poderá morar com o
progenitor recasado, se isso for do seu melhor interesse, o que implica essa
nova família ter espaço afetivo para acolhê-lo como filho, o que será
avaliado pelo juiz.
Uma preparação psicológica do genitor não guardião, do casal atual e
dos filhos é recomendável antes que se estabeleça a nova família, a fim de
que não seja dado espaço ao aparecimento de um fator de desajuste a mais
na vida das crianças e dos adolescentes.

1 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. vol. 1, p. 7.


2 Idem, ibidem, p. 8.
3 PELUSO, Antonio C. Direito de Família e Ciências Humanas, cit., caderno 1, p. 6.
4 REALE, Miguel. Lições..., cit., p. 167.
5 SILVEIRA GUIMARÃES, Marilene da. A união estável e a lei publicada em 13 de maio de 1996.
Caderno de Estudos, n. 2, p. 217.
6 A expressão “poder familiar” veio para substituir a expressão “pátrio poder”.
7 AMORIM, Sebastião e OLIVEIRA, Euclides. Separação e divórcio. Teoria e prática. p. 309.
8 PELUSO, Antonio C. O menor na separação. RJTJESP-Lex 80/16.
9 PELUSO, Antonio C. O menor na separação, cit., p. 16.
10 Conferir Estudo avalia impacto de separação nos filhos, jornal O Estado de S. Paulo, de
12.02.1999.
11 PELUSO, Antonio C. O menor na separação, p. 20.
12 Filhote – expressão coloquial para indicar ações, em geral, decorrentes da ação principal. Na
ação de separação, v.g., seriam ações de alimentos; de guarda; de regulamentação de visitas.
13 Ação de execução de alimentos – em que se pleiteia o cumprimento da sentença sobre alimentos.
O INTERESSE DO MENOR E AS
PRÁTICAS SISTÊMICAS

3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O ideal para os filhos é que sejam criados pelos pais num lar único e
harmonioso. No caso dos filhos de pais separados, o melhor interesse
também está em serem criados pelos pais, qualquer que seja a forma de
guarda, inclusive a unilateral.
A modalidade da guarda é o menos importante, desde que, como sócios
na função parental, os pais possam ter uma relação madura e equilibrada. Se
orientados, provavelmente exercerão de forma conjunta a autoridade
parental, separando as tarefas não pelo que está disposto no acordo ou
determinado na sentença decisória, e, sim, como quaisquer pais fariam.
Um casal emocionalmente amadurecido, salvo em situações de
exceção, dificilmente passaria por uma separação litigiosa e, se passasse,
pediria conversão em consensual assim que saísse do momento agudo da
crise e pudesse refletir.
O tema “interesse do menor” desperta controvérsias ricas de conteúdo e
inúmeras indagações.
Uma das formas de se entender a introdução do critério de interesse do
menor, pelo legislador, é pensar em tal interesse como uma estratégia
empregada pelos diferentes profissionais que intervêm na área judicial da
família, como juízes, advogados, assistentes sociais, psicólogos, clínicos e
psiquiatras diante de um contexto de indefinição e incerteza, no qual se
exige proteção social (Leite: 1997).
Essa posição é compreensível, sobretudo agora que, juridicamente, os
pais estão equiparados no exercício da autoridade parental e que, com as
transformações sociais, não há mais papéis rigidamente estabelecidos para
pai e mãe. Alguma estrutura de controle seria de se esperar. “O interesse do
menor serve, primeiramente, de critério de controle, isto é, de instrumento
que permite vigiar o exercício da autoridade parental sem questionar a
existência dos direitos dos pais. Assim, na família unida, o interesse
presumido da criança é de ser educado por seus dois pais; mas se um deles
abusa ou usa indevidamente suas prerrogativas, o mesmo critério permitirá
lhe retirar, ou controlar mais de perto, o exercício daquele direito. O
interesse do menor é utilizado, de outro lado, como critério de solução, no
sentido de que, em caso de divórcio, por exemplo, a atribuição da
autoridade parental e do exercício de suas prerrogativas pelos pais, depende
da apreciação feita pelo juiz do interesse do menor”1 (Leite: 1997).
Esse segundo critério revela o poder de que o juiz de Direito está não
apenas investido, mas, sobremaneira, revestido, nas causas que envolvem o
interesse do menor.
Tal poder implica agir com liberdade; agir com liberdade implica
responsabilidade. Agir com poder, liberdade e responsabilidade, porém, em
contextos específicos, requer conhecimento mais aprofundado sobre o
assunto em questão.
Em causas judiciais de família, a avaliação do casal e da relação
poderia iniciar-se no primeiro encontro do juiz com as partes, na audiência
de reconciliação, pois a primeira troca de olhares e de palavras começa a
narrar a história de uma vida.
Não se espera que o juiz seja também psicólogo, especialista em
conflitos emocionais e relacionais, mas entende-se que, agregado à
indispensável sensibilidade, à sua experiência de vida, à sua experiência
jurídica e à sua experiência como magistrado, ele precisaria ter algum
preparo para captar funções no relacionamento humano. Como diz Fukui
(1999), o conhecimento de uma outra disciplina não precisa ser profundo,
mas deve ser suficiente para que a pessoa possa, pelo menos, fazer
perguntas a respeito do outro campo.
Parece demasiado exigir-se que um juiz de Direito, cuja formação é
exclusivamente jurídica, tenha que decidir o que é melhor para os menores:
ficar com o pai ou com a mãe. Ele próprio, provavelmente, terá, em relação
a si mesmo, uma de duas posturas emocionais: ou negará a seriedade do
contexto em que está inserido e a responsabilidade a que o submetem ou
olhará de frente a situação e sentir-se-á muito preocupado por ter em suas
mãos o destino de alguém.
A lei sempre admite revisão dos itens relativos aos filhos, como
guarda, visita e alimentos. Essa abertura leva a inferir boa intenção no
legislador, deixando margem ao reparo de equívocos e ao advento de novas
necessidades.
Estabelecer uma listagem de interesses que estejam adequados à lei,
como critério de orientação quanto ao que é melhor para a criança ou o
adolescente, é um avanço dentro da mentalidade jurídica, mas pode ser
insuficiente, em termos relacionais familiares, com vistas ao
desenvolvimento biológico, psíquico e social do menor. Sem que se
considerem casos de maior gravidade, uma avaliação acurada poderá
indicar, por exemplo, que nem sempre é melhor uma menina ficar com a
mãe, independentemente de esta ser uma boa pessoa; ou a simples oitiva (a
escuta) de uma criança poderá não vir a apontar nada de significativo
quanto à sua relação com o pai e/ou mãe. A gradual queda das barreiras
entre as ciências e, particularmente, a interdisciplinaridade psicojurídica
aplicada ao Direito de Família pode ser uma sensível contribuição à
realização da intenção do juiz de fazer a melhor justiça.
A delicadeza das causas judiciais de família, em razão dos conflitos
emocionais que lhes dão base, aponta para o acordo entre os pais como a
melhor solução possível.
Para a realização do acordo, no entanto, o casal deveria ser preparado,
participando de alguma prática indicada por especialista, desde que
possibilitadora de ressignificações.
Essa prática poderia ser uma mediação psicojurídica, uma intervenção
focada na relação entre pais e filhos ou outra da mesma natureza. A busca
de auxílio deveria ser feita antes da separação consensual; se não por
iniciativa do casal, por indicação do advogado. Uma perícia relacional
também poderia contribuir para o conjunto das provas.
Atualmente, com exceção da perícia, ainda não há lei que permita
determinação nesse sentido, por parte do magistrado. Se ele próprio, porém,
estiver convencido da importância da intervenção para a realização de um
acordo que venha a mostrar-se eficaz, poderá recomendá-la nas ações
consensuais, na audiência de reconciliação e, com maior razão, nas ações
litigiosas, procurando a aquiescência dos advogados. O Projeto de Lei 94,
de 2002, atual Substitutivo ao PL 4.827-B/1998, afasta essa dificuldade,
tornando obrigatória a tentativa de mediação do conflito. A lei a ser
promulgada deverá confirmá-lo.
A propósito, reitere-se, o Estado deveria ser sensibilizado para essa
necessidade, a fim de poder propiciar auxílio psicológico, durante a
separação, às famílias menos favorecidas financeiramente. Não se têm
dados estatísticos sobre casais desse estrato social que chegam à Justiça
para se separar. É provável que um bom número não tome nenhuma
providência dessa ordem, até porque uma separação, mesmo integralmente
custeada pelo Estado, também implica despesas pessoais (condução, lanche,
perda de dia de trabalho). Essas famílias, no entanto, poderiam ser
beneficiadas com a assistência, pois sua capacidade de entrega e de confiar
em profissionais dispostos a ajudá-las é muito maior, no primeiro momento,
que a de classes diferenciadas instrucional e economicamente. O trabalho
com as chamadas famílias simples, em clínicas universitárias e em clínicas
de atendimento gratuito, vem demonstrando essa afirmação.
A problemática é diferente nas famílias dos diversos estratos sociais.
Os conflitos emocionais e os concretos variam, porém todas as famílias
necessitam de apoio preventivo, em benefício de seus filhos.
Para dirimir dúvidas quanto à possibilidade de o juiz interferir nas
separações consensuais, é de boa lembrança ouvir o que diz Peluso (1983),
referindo-se à audiência preliminar, nessa modalidade de separação:

“É indiscutível (...) a relevância da audiência preliminar, que, (...)


constitui expediente indispensável à aferição escrupulosa dos
requisitos legais das separações e divórcios e à deliberação
conscienciosa de formalização de fracassos matrimoniais.
Os interesses dos filhos, que predeterminam a sorte da decisão de
concessibilidade, ou não, da separação ou divórcio, são materiais e
morais, guardando estes prioridade em conflitos práticos. A
intervenção do fator de avaliação dos interesses de ordem material é
secundária, atuando apenas depois de ressalvadas as exigências de
natureza moral e psicológica”.2

Supondo-se que o casal necessite, nessa hora, de uma mudança de


olhar, a oportunidade de tentar-se uma intervenção psicológica não deve ser
perdida.
Como diz Leite (1997), “ninguém melhor que os pais conhece seus
filhos e sabe o que é melhor para o futuro dos mesmos”.3 Ajudar esses pais
a encontrar-se consigo mesmo, a deixar aflorar suas características de
flexibilidade amorosa e sua capacidade de negociar, poderá ser um
benefício, sobretudo, se considerado o fato de que nem todas as pessoas
conhecem os recursos que têm à disposição e também que o encontro com o
juiz poderá ser sua única possibilidade de vir a receber auxílio.
Para o exercício de tão árdua missão, o juiz necessita de todo um
instrumental pessoal e subsidiário. Diante da complexidade subjacente às
causas de família, já nem soa tão ousado imaginar os Juízos de Família
como um colegiado interdisciplinar psicojurídico.
Quase nada disso é possível, no momento, sem o assentimento dos
advogados, porque não há lei que suporte tais pretensões; quase nada disso
é possível, porque o processo corre em segredo de Justiça.
Não ser ainda possível não é o mais importante, até porque leis foram
feitas para serem mudadas. Por enquanto, parece que o importante é a
recomendação, a lembrança.
Essa é a vantagem do psicoterapeuta: ele não decide; aliás, é da
essência de suas funções não decidir; ele interage, ele reflete, ele intervém.
E isso, embora possa parecer pouco, é parte de uma construção, é fruto de
sua interpretação da situação, é a realidade (sempre subjetiva) como ele a
vê. E pode vir a fazer diferença, se puder contribuir para a construção de
novos olhares e para a observação do mesmo fenômeno, de um outro
ângulo.
Nessa questão, todo esforço conjunto de interpretação é bem-vindo.
Afinal não é difícil concordar com Neyrand (1994, in Leite: 1997) que “a
noção de interesse do menor permanece (...) abrindo espaço à interpretação
e à subjetividade (...) noção fluída que, em muitos casos, evita levar adiante
o problema da viabilidade de certas práticas, enfrentando-o de frente”.4 E é
fácil concordar com o próprio Leite (1997), para quem a dimensão e a
complexidade da noção de interesse do menor encobrem uma sensação de
perplexidade.
A pergunta, diante de tantas reflexões, é: pensarão assim os juízes de
Família?
De qualquer forma, é de se ter em mente a lição de Glasersfeld (1996):
“Depois de um tempo, chega-se à conclusão de que cada grupo pode estar
certo no que diz respeito ao próprio grupo, e de que não existe ‘certeza’
além dos grupos”.5
A Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, veio confirmar a
necessidade preventiva na Justiça, criando os Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos
litígios.
Por outro lado, a Emenda Constitucional 66, de 2010, chamada de “A
Nova Lei do Divórcio”, pode vir a alterar a ordem processual, mas, no
momento, ainda não tem interpretação pacífica entre juristas e operadores
do direito, especialmente os magistrados, salvo no que respeita ao
desaparecimento do prazo para requerimento de divórcio.

3.2 PERÍCIA: O RECURSO PSICOLÓGICO PREVISTO EM LEI

O juiz, para dar uma sentença decisória, forma sua convicção a partir das
provas que instruem o processo. Do elenco probatório faz parte a
perícia judicial, recurso de que o juiz pode se valer sempre que entender
que depende de conhecimentos teóricos ou técnicos especializados, sobre a
matéria em discussão, para formar sua convicção. A perícia materializa-se,
no processo, sob a forma de laudo.
O Código de Processo Civil, ao preceituar perícias de uma forma geral,
admitiu, obviamente, entre elas, a perícia psicológica. É comum, em causas
de família, a perícia ser determinada nas ações em que se discute guarda de
menores ou regulamentação de visitas.
O juiz nomeia o perito, dentre profissionais habilitados para tanto. O
perito não precisa ser um funcionário da Justiça, mas, durante a realização
do trabalho, ele adquirirá atribuições de auxiliar da Justiça. Como é
frequente a realização de perícias por psicólogos judiciários no auxílio às
Varas de Família, é comum operadores do Direito, e até juízes de Família,
identificarem psicólogo judiciário como um realizador de perícias, como se
elaborar perícias fosse sua única função. Na verdade, a Psicologia Clínica,
judiciária ou não, tem muito mais a oferecer em termos de recursos técnico-
científicos aos processos de família, que só a elaboração de laudos. A lei
também faculta às partes indicar profissionais da mesma especialidade,
chamados de assistentes técnicos que, em seu nome, acompanharão o
trabalho do perito judicial, confirmando, ou não, a avaliação realizada.
Conversamos, largamente, com juízes sobre o uso de recursos
psicológicos em Varas de Família. E foi importante e curioso ouvi-los a
respeito de laudos periciais. Um deles disse, textualmente: “Não utilizo
recursos psicológicos, nunca. A senhora quer saber, não gosto de
psicólogos, eles só atrapalham”. Outros afirmaram que só o utilizam em
casos extremos: “Só recorro aos assistentes técnicos em último caso”; “(...)
só em casos graves mando fazer perícia”.
Durante as conversas, sem distinção de gênero, alguns expressaram
uma certa desconfiança nos laudos. Uma juíza: “O próprio laudo pericial é
pobre, porque é escrito e só passa informações”. Um juiz: “Os laudos são
muito frios e muito imperfeitos”.
E, nessas conversas, os dois deram exemplos de laudos que não os
ajudaram em nada, na formação de convicção. Ela contou: “uma vez, por
indicação de uma das partes, enviei o casal para um terapeuta, que me
mandou um laudo, dizendo: ‘Isso interessa ao juiz, aquilo interessa ao
juiz’. Não me ajudou em nada, porque, além de muito pobre, como laudo, é
o juiz que tem que saber o que interessa a ele”. E o outro disse: “Tive um
caso em que tiraram uma fotografia de um menininho de cinco anos, à
beira de uma piscina, mostrando o ‘pipi’, e de uma menininha que o pai
estava abaixando a calcinha. O laudo foi muito bem escrito, citando
autores etc., mas só baseado na foto. O pai ficou como um ‘tarado’, sem ter
sido visto nem ouvido pela psicóloga. Isso é sério, porque, se um pai é
‘tarado’, não vai ter nem visitas”.
Ambos os magistrados deixaram claro que a decisão final é deles e que,
portanto, a responsabilidade é sua. Nesse sentido, lembraram que o juiz é
que tem que saber o que interessa a ele e que o perito deve ater-se à perícia
e não pretender tomar o lugar do magistrado, e que certas afirmações
podem ser muito graves e alterar profundamente a vida das pessoas e que,
depois, a responsabilidade pela decisão terá sido do juiz. Em contrapartida,
esses entrevistados enfatizaram a necessidade de conhecer outros recursos
psicológicos de auxílio à Justiça, e emprestaram total colaboração à
pesquisa, ela, convidando a pesquisadora a participar de audiências para
buscar novas formas de ajuda, e ele, dispondo-se a levantar o número de
separações, por não haver estatísticas a respeito.
Outros juízes referem-se ao laudo pericial de forma mais amigável, por
exemplo, lembrando que uma deficiência em relação a esse recurso é que só
chega até o diagnóstico e uma deficiência da utilização desse recurso, no
âmbito da Justiça, é haver prazo: “Às vezes, recorro à perícia psicológica.
O problema da perícia é que tem prazo. Um problema que surge é que as
partes querem solução, os advogados pressionam e o juiz tem que decidir.
Então, o juiz pede auxílio aos psicólogos e assistentes sociais da Vara, mas
não se pode fazer muito mais que o diagnóstico, (...)”. Ou então: “Os
profissionais são excelentes, fazem laudos bem profissionais. São laudos
para fixação ou alteração de guarda, para fixação ou modificação de
visitas, para ações subsequentes à ação de separação. O maior problema
que vê, no seu caso, é não haver esse serviço na Família e requerer
‘empréstimo’ da Vara da Infância”.6
Há, por outro lado, juízes que dizem utilizar esse recurso, com
regularidade: “No caso de estabelecimento de regime de visitas, por
exemplo, eu peço estudo social e laudo psicológico. O laudo acaba
mostrando como os filhos ficam divididos. Tive um caso em que ao invés de
dar a guarda definitiva, dei um tempo para ficar com os pais biológicos,
mandei reavaliar, fazer o laudo da família, para, depois, poder decidir”.
Ou: “Esses casos, só o Direito não resolve. Temos que ter a colaboração da
Psicologia e do Serviço Social”. E referiu-se a um caso, em particular:
“Nesse caso, foi feito um laudo que deixou bem claro que a mãe tinha um
desequilíbrio, que se manifestava como heteroagressividade, quando ela
era colocada sob pressão. Enquanto ela podia raciocinar, ela se
controlava. Não sei se é verdade, mas condiz com o laudo.
Em geral, os juízes mostram-se cautelosos quanto à fidelidade dos
resultados: “Não precisam acreditar que sejam verdades absolutas o que
está nos laudos, mas é alguma coisa para dirigir as discussões”.
Os juízes parecem não estar familiarizados com perícias psicológicas
em que todas as inter-relações familiares pertinentes ao caso são
investigadas, sem prejuízo de testagem individual, quando necessária, e nas
quais o relatório é redigido em linguagem o quanto possível coloquial e
acessível, oferecendo ao Juízo uma confiável referência sobre o
funcionamento emocional/relacional da família. Chama a atenção, no
entanto, que mesmo aqueles que fazem críticas e têm restrições acabam por
utilizar esse recurso, em determinados casos, por ser o que existe na lei.
Como a lei é importante para abrir caminhos!
É importante que haja lei, mas também é importante que os recursos
disponíveis sejam utilizados da melhor maneira possível e mereçam
credibilidade. Assim, na tentativa de sanar a má impressão dos magistrados
sobre as perícias psicológicas, vale registrar o seguinte:
As perícias psicológicas tradicionais visavam a levantar dados de
personalidade e a fazer prognósticos, fundamentando-se, sobretudo, na
aplicação de testes. As modernas perícias relacionais, na Família, visam a
investigar, contextualmente, as inter-relações familiares, a compreender a
estrutura de funcionamento da família e a verificar a flexibilidade para a
realização de mudanças.
As perícias relacionais modernas ampliaram e transformaram as
possibilidades da avaliação, não rejeitando a investigação do inconsciente
individual, mas colocando o foco nas relações familiares do sistema em
estudo.
Uma avaliação dessa natureza pode não apenas fornecer elementos de
reflexão para o juiz, mas também procurar devolver aos litigantes a
autonomia necessária para que ponham fim à pendência jurídica e à
emocional, podendo construir uma relação parental mais equilibrada e
coerente.
Deve-se ressaltar que, no exercício da função, o perito judicial é um
assessor do Juízo. Sua função é fazer a avaliação e oferecer o laudo pericial.
A desejável ajuda às partes deve vir das relações estabelecidas pelo técnico
e sob a forma de esclarecimentos e recomendações vindas por meio do
laudo
Em primorosa pesquisa sobre perícias psicológicas, Martins (1999)
“identifica na teoria sistêmica, subsídios teóricos que podem fundamentar
essa forma de trabalho, na medida em que propicia a ampliação no nível de
análise do individual para o relacional e, também, não admite uma visão de
verdade ontológica, mas relativa”.7
Diferentemente de perícias realizadas em outros campos do
conhecimento, as perícias psicológicas não visam a fornecer resultados
precisos ou a propor verdades absolutas. As perícias referentes a causas de
Família, particularmente, devem visar ao melhor interesse do menor. Por
serem, até o momento, o único recurso psicológico previsto em lei para
auxílio à Justiça de Família, podem ser, indiretamente, um recurso de
auxílio à família, na Justiça.
Os laudos periciais podem ser um excelente recurso de ação e os
psicólogos do Judiciário são profissionais incansáveis na busca do melhor
interesse do menor, até porque são especialistas extremamente conscientes
de que não se pode pôr em risco o saudável desenvolvimento
psicoemocional de crianças e jovens, em nenhuma situação de vida.
Os princípios que norteiam a perícia psicológica em Vara de Família
não guardam qualquer intimidade com o propósito de definir quem é
melhor ou pior, quem é bom ou mau, mas destinam-se a fornecer elementos
para reflexão sobre o que seria melhor para atender às várias necessidades
do menor.
A importância dos pais para o bem-estar mental e emocional dos filhos
é tida como pacífica na literatura psicológica e, dessa forma, a própria
função dos assistentes técnicos torna-se peculiar. Como psicólogos, eles
devem estar atentos ao bem-estar biopsicossocial dos menores envolvidos
na perícia, podendo ser muito úteis, tanto ao prestar assessoria ao advogado,
nos aspectos psicológicos do caso, quanto em auxiliar seu assistido, na
função parental. Os pais precisam tomar contato com o que seja benéfico e
com o que possa prejudicar, emocionalmente, o filho, e resgatar a
independência de decidir e gerir sua família. O assistente técnico deve
atender a essas necessidades sem comprometimento de sua condição de
psicólogo.
O trabalho do psicólogo é de extrema delicadeza e de grande
amplitude. Cabe a ele, na interface com outras ciências e profissões,
mostrar as possibilidades de que sua especialidade dispõe, como cabe a ele,
em relação a si mesmo no trato com a Justiça, cuidar para não assumir
postura de operador jurídico, o que, no convívio com os profissionais do
Direito e no entrelaçamento dos atos processuais, não seria difícil ocorrer.

3.3 UM TERAPEUTA NA AUDIÊNCIA: AS DIFERENTES ESCUTAS

A s ações de separação não dispensam a presença do magistrado, porém,


até para que este possa tomar a iniciativa de determinar certas
diligências, tais ações requerem uma escuta que transcende a oitiva das
partes e seus filhos.
Cada profissão requer uma escuta característica. Aquele que vai
exercê-la é preparado para desenvolver sensibilidade e acuidade necessárias
para uma compreensão que lhe permita chegar a termo satisfatório na
consecução dos objetivos profissionais. É esse o sentido da escuta.
O juiz é preparado para ter uma escuta; o psicoterapeuta, outra. Não se
pode pretender que psicoterapeutas ouçam seus pacientes com escuta
judicial nem exigir que juízes tenham escuta psicoterápica. Mas é de se
compreender que a escuta judicial, como tal, é insuficiente para a condução
de certos casos de Família, considerados com a devida amplificação de
sentido, ou seja, como conflitos jurídicos aos quais subjazem conflitos
emocionais/relacionais.
A autopercepção dessa limitação representa ganho significativo para o
juiz. É ela que vai possibilitar-lhe admitir a necessidade de recursos
adicionais à sua própria escuta e que vai mobilizá-lo a buscá-los, sempre
que o julgue necessário.
A esse propósito, ouvimos opiniões que nos surpreenderam e que
denotaram que os juízes não se sentem tão autossuficientes quanto possam
dar a impressão, mas que gostariam de receber um suporte efetivo ao
exercício de sua atividade.
Na verdade, o tema surgiu de nosso diálogo a respeito das questões
surgidas nas causas de Família. Ele refere-se ao concurso da escutas judicial
e psicológica, nas audiências.
Dentre as demonstrações de interesse pelo aprimoramento das
audiências de Família, está o desejo de vários juízes de, nelas, contar com a
presença de um terapeuta. De um modo geral, eles entendem que toda
interlocução que possa ajudá-los a compreender melhor o fenômeno
comunicacional com que se deparam, nas brigas familiares, é bem-vinda.
Alguns reconhecem, expressamente, a solidão em que sua função os
imerge. Dizem conversar, informalmente, com os funcionários da Vara e
trocar ideias. Isso, provavelmente, os ajuda a despoluir a mente das
projeções maciças a que as partes os submetem, e a dissipar a tensão gerada
por horas de arguição sob um clima, no mínimo, pesado. Os funcionários da
Vara, ainda que presentes, têm maior possibilidade de distanciar-se,
emocionalmente, da situação, o que traz um diferencial à troca de ideias
posterior.
A presença de um especialista em conflitos emocionais/relacionais de
família, certamente traria um acréscimo àquelas possibilidades. Além de
ajudar o magistrado a esvaziar a mente das projeções, trar-lhe-ia um outro
olhar da problemática e uma interpretação das falas, que poderia subsidiá-lo
no encaminhamento dos acordos ou na tomada de decisões.
Naturalmente, isso não pode ocorrer sem lei que o permita, uma vez
que o processo corre em segredo de Justiça, mas os juízes gostariam de ver
tal possibilidade amparada em lei. Outra razão pela qual pleiteiam a
legalização é o fato de que, a partir daí, o juiz poderia usar da escuta do
terapeuta, oficialmente, para embasar sua sentença, como o faz com o laudo
pericial.
Foi realmente incrível o entusiasmo e a espontaneidade com que os
magistrados expressaram sua opinião e aproveitaram para pleitear
mudanças na legislação. Eis algumas de suas colocações:
“Eu já pensei em como, em certos casos, seria bom contar com a
presença da terapeuta na audiência, como se pode contar com a presença da
promotora”.
“Também seria interessante ter uma terapeuta familiar do Tribunal de
Justiça, de plantão, para tentar fazer a aproximação das partes. Vamos ver
quando será possível. Tudo depende de vontade política. O Tribunal é lento.
Agora que está se democratizando, deve mudar. Quando o Tribunal for mais
afinado com suas bases, as mudanças poderão ocorrer mais rapidamente.
Medidas desse tipo são interessantes, porque, na área da Família, as
questões são para serem resolvidas de imediato.”
“Teria que haver uma mudança de estrutura. Poderia estabelecer-se
uma estrutura legal com a presença da terapeuta para conversar com o juiz
sobre suas impressões, porque todo envolvimento humano tem um lado
emocional que o afeta.”
“Seria ótimo ter um terapeuta familiar para fazer uma escuta
psicológica e depois poder conversar com o juiz, que teve uma escuta
judicial. Só que precisaria ser autorizado e ele não poderia falar. Num caso
como aquele da avó e dos genitores, por exemplo, seria ótimo.”
“Uma psicoterapeuta presente à audiência, para escutar e depois
conversar com o juiz, seria bom e esclarecedor, só que, por enquanto, não é
possível por tratar-se de ação que corre em segredo de Justiça. Teria que
haver uma alteração legislativa.”
“Acho que ter, na audiência, um terapeuta familiar que assistisse à
audiência, para depois conversar com o juiz, comparando a escuta judicial
com a psicológica, seria ótimo, porque eu já faço isso, conversando com o
meu promotor e com a minha escrevente, que é uma pessoa de bom nível. É
importante trocar impressões. Ter subsídio de outras visões é importante,
porque a Vara da Família é bem efetiva, no sentido de que se resolve logo.
Seria bom se houvesse lei e essa conversa pudesse ser utilizada para formar
convicção.”
“O juiz faz alguma coisa. É gratificante, mas aumenta a
responsabilidade e o peso. Por exemplo, as pessoas têm medo de prisão por
alimentos. O ato de decidir é um ato muito solitário. A possibilidade de
troca é importante, porque o juiz é muito solitário.”
“Seria fantástico, muito enriquecedor, ter uma terapeuta familiar
assistindo à audiência, para, depois, conversar com o juiz, numa espécie de
confronto entre a escuta judicial e a escuta psicológica; talvez facilitasse
muitas soluções.”
Esses depoimentos foram, sem dúvida, surpreendentes, e merecem ser
considerados com seriedade.
Transcorridos onze anos da propositura dessa inovação,
independentemente de ainda não haver lei a respeito, o que se pode
depreender de conversas com juízes e psicólogos judiciários é que houve
aumento de contato entre juízes de família e peritos encarregados de
avaliações psicológicas e sociais, para melhor compreender o teor dos
laudos periciais e discutir sobre eles. Além disso, é sabido que, por vezes,
alguns juízes convocam psicólogos judiciários para estarem presentes em
audiências, malgrado o fato de não poderem utilizar sua visão sobre a
dinâmica da audiência na prolatação da sentença.

3.4 AJUDA ESPECIALIZADA: UMA REALIDADE POSSÍVEL

A avaliação de itens como grau de afetividade, tipos de vínculo


emocional, aparência estável do menor, sentimento de pertinência, de
rejeição e outros poderá ser facilitada, em sentido amplo, por uma visão
circular das relações e, em sentido estrito, pela intervenção de especialista
em terapia familiar.
Há casos nos quais, ainda que para tentar apenas levantar os padrões
relacionais e fazer inferências (certezas e verdades absolutas não existem), é
necessária uma minuciosa análise dos grupos familiares de referência, em
diferentes condições terapêuticas e em sessões protegidas, realizadas em
locais a elas destinados. A situação é muito delicada, as variáveis que
podem interferir são inúmeras e, para chegar-se a uma proposição que
auxilie na decisão, deve-se tentar caminhar na direção do menor viés
possível.
Nem todas as causas de família merecem ser tratadas como casos
clínicos, até porque há diferentes gradações nas dificuldades
emocionais/relacionais de um casal. Mas há separações que são difíceis.
As ações que, sem um forte motivo aparente, só conseguem prosseguir
como litigiosas revelam dificuldade do casal em transigir, tanto no sentido
literal quanto no jurídico. Essas são as ações que se pode chamar de
difíceis. Nas ações difíceis, a disputa é acirrada, alguns pais se
desinteressam da criação dos filhos, outros se sentem inseguros quanto à
própria competência para desempenhar a função parental, a discussão em
torno da questão financeiro­-econômica fica travada. É preciso sair da
desorganização, para que a ação seja encerrada e para que a família
progrida.
Em casos de separação, o terapeuta deve dar prioridade ao bem-estar
dos filhos. Em casos de separação difícil, para o encontro desse bem-estar, o
esforço de reorganização das relações recíprocas entre os pais e destes com
seus filhos, é maior. Esses casos requerem intervenção especializada.
As práticas relacionais psicológicas voltam-se para os aspectos da
realidade social e da realidade emocional da separação. Devem realizar-se
numa interação terapeuta/família, nos vários subsistemas (ex-casal, pai com
filhos, mãe com filhos, irmãos), a qual possa vir a promover mudança na
qualidade das relações da família, em questão; devem interferir para que os
pais cumpram suas responsabilidades e não induzam nos filhos conflitos de
lealdade. As práticas sistêmicas voltam-se na direção da interrupção da
guerra parental (Isaacs, Montalvo e Abelsohn: 1988).
A ajuda especializada prestada por especialistas em conflitos
relacionais/emocionais é um instrumento que difere da mediação e da
perícia. Por suas características e objetivos específicos, também merece a
acolhida da lei como mais uma possibilidade de auxílio na dissolução dos
conflitos emocionais, nos casos de família.
Os juízes de Família sentem necessidade de recursos de ação que lhes
permitam obter melhores resultados em seu trabalho. Eles têm plena
consciência dos esforços que fazem e das limitações que têm, como
operadores do Direito, para ajudar as partes a chegar a bom termo na
solução de seus conflitos. E preocupam-se, de verdade, com o destino das
famílias em litígio:
“Nesses casos, em particular, seria necessário eles poderem ser
assistidos por um especialista, em vez de usarem esse tempo para pensar
sozinhos, porque quem precisa de terapia são os pais, só que eles não
entendem isso como preventivo”.
“Talvez casos como esse, [cita o caso], merecessem acompanhamento
de terapeuta familiar para tentar desentranhar. Minha pergunta é: ‘É mais
importante quem começou ou é mais importante quebrar o ciclo, por
exemplo, numa batalha alimentos versus visitas?’ Acho que é quebrar o
ciclo e resolver. Acho que deve ser mais possível para uma terapeuta
familiar ajudar a quebrar o ciclo que para o juiz.”
“A verdade é que a única solução seria trabalhar com o casal,
preventivamente, porque eles precisam saber que não é porque a relação
principal deu errado, que a secundária precisa dar. Digo para eles: ‘A
relação de vocês não pode se misturar com a relação com seus filhos.
Podem ser interdependentes, mas podem sobreviver, autonomamente.’”
“Nunca me ocorreu usar o tempo entre uma audiência e outra para
encaminhar para um trabalho preventivo com terapeuta familiar. Realmente,
nesse momento de crise, pensar sozinhos pode não ajudar muito. Como lhe
falei, já recomendei, mas pensando em tratamento, não em prevenção.”
“Nunca pensei na tentativa de ajudar as partes a chegar a um acordo,
usando o tempo entre a inicial e o início da instrução para propor ao casal
alguma forma de reflexão psicológica assistida.”
“O juiz não pode obrigar as pessoas a ir para atendimento psicológico,
só pode recomendar. São capazes de alegar que os estamos tachando de
loucos. Eu já indiquei e foi bom, mas só acontece se as partes quiserem.”
“(...). Então, o juiz pede auxílio, mas não se pode fazer muito, porque
um trabalho terapêutico que seria necessário, dependeria de as partes
fazerem acordo para suspender o feito por um ano, o que é raro.”
“Já me ocorreu enviar um casal para um trabalho preventivo com
terapeuta de família, depois da audiência inicial, como quando eu lhe falei
daquele terapeuta que fez o laudo. Quando a parte sugeriu, eu
imediatamente aceitei a sugestão. Só que não deu certo, porque não era de
laudo que eu precisava, era de um trabalho com o casal. Eu continuo
achando a ideia muito interessante. Lembro de uma colega sua, terapeuta
familiar, de quem fiz a separação, que, quando chegou com o marido, eles
haviam feito uma terapia de casal para preparar-se para a separação. É
muito diferente de a gente separar-se sem nenhum preparo. Ouvi crianças
nas diferentes situações e pude perceber que todas ficam tristes, mas que há
mais segurança, eu acho, em casos como aquele primeiro.”
“Às vezes, eu recomendo que procurem terapeuta familiar, mas não
posso obrigar. Quando vejo que há alguma dúvida, eu não homologo a
separação. Digo para eles pensarem melhor e marco outra audiência.”
É possível que alguns dos casos lembrados pelos magistrados fossem
casos para mediação. Dada a importância da saúde mental e emocional da
família para o desenvolvimento de seus membros, porém, bastaria que um
único caso se enquadrasse entre os de separação difícil e merecesse
intervenção especializada, para que justificasse a inclusão desse recurso na
lei.
No Brasil, foi bastante discutido um projeto de lei de mediação, o
Projeto de Lei sobre Mediação e outros Meios de Pacificação, que, segundo
seus autores, é uma versão consensuada dos projeto e anteprojeto
mencionados. Foi uma oportunidade ímpar para reflexões interdisciplinares,
levando em consideração tanto os aspectos psicológicos quanto os jurídicos
envolvidos nas questões de família visando a uma lei mais humana e com
possibilidades efetivas de ajuda.
Nesse sentido, a continuidade da prática privada da mediação e o relato
dos resultados, com o levantamento de erros e acertos de conteúdo e de
forma, também poderão ser de grande utilidade no aperfeiçoamento da lei
que, em casos como esse, tende a ser mais precisa e eficaz, quando
confirmadora de experiência.
De todo o histórico de estudos relativos à implantação da mediação, no
país, resultou uma coconstrução: o Projeto de Lei da Câmara 94, de 2002,
que, como Substitutivo ao Projeto de Lei 4.827-B/1998, foi aprovado pelo
Plenário do Senado Federal, em 11 de julho de 2006, retornando à Câmara
dos Deputados, onde já recebeu parecer favorável da CCJC (2011).
Conforme o art. 43 do Projeto de Lei mencionado, o art. 331, § 3.º, do
Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 1973), passaria a vigorar com a
seguinte redação:

“Art. 331. (...) § 3.° Segundo as peculiaridades do caso, outras


formas adequadas de solução do conflito poderão ser sugeridas pelo
juiz, inclusive a arbitragem, na forma da lei, a mediação e a
avaliação neutra de terceiro”.

O § 4.º da mesma norma, a seu turno, traria a previsão de que “A


avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser fixado pelo juiz, é
sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua
finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável
do conflito”.
Embora o § 4.º do art. 331 do CPC afirme que é finalidade exclusiva da
avaliação neutra de terceiro a orientação das partes na tentativa de
composição amigável do conflito, é de se supor que, na área da família, ela
possa ser interpretada de forma a incluir a ajuda especializada por
profissionais que atuam em conflitos de ordem emocional/relacional, os
quais, pelo trabalho sobre os vínculos psicológicos existentes, favorecem a
que as partes cheguem a acordo.
Em sendo essa a intenção do legislador, a lei estará trazendo auxílio
efetivo às famílias em crise, na Justiça. Tratar-se-á de uma verdadeira
revolução, pela mudança paradigmática que encerra.
A propósito da mediação, por requerer maiores detalhes, trataremos
dessa prática sistêmica no capítulo que segue.

1 LEITE, Eduardo de O. Famílias monoparentais. p. 195.


2 PELUSO, Antonio C. O menor na separação, cit., p. 16.
3 LEITE, Eduardo de O., ob. cit., p. 198.
4 Idem, ibidem, p. 194.
5 Glasersfeld E. Von. A construção do conhecimento. p. 76.
6 Afirmação de um juiz de Fórum Distrital.
7 MARTINS, Sheila R.de C. Perícias psicológicas judiciais e a família: proposta de uma avaliação
sistêmica. p. 71.
A RESOLUÇÃO NÃO
ADVERSARIAL DE CONFLITOS

E ste é um tempo de violência e, talvez, por isso, haja tantas tentativas de


se passar da cultura do litígio para a cultura da pacificação. Práticas
que procuram uma resolução para os conflitos, de forma não adversarial,
estão em alta, sobretudo dentro de uma perspectiva que compreende os
conflitantes como indivíduos, de um lado, e, de outro, como um todo em
interação.
A apreciação de uma determinada situação é um ato complexo por
pressupor a existência de realidades subjetivas, em outras palavras, de
diferentes realidades.
As pessoas entram em conflito pelas mais diversas razões, e sua
dificuldade em cooperar as leva a competir de forma pouco saudável. Elas
podem competir tanto por concordar como por discordar a respeito do
objeto da disputa. João e Maria podem competir, por exemplo, por gostar de
um mesmo bem e disputar sua propriedade; podem, por outro lado,
discordar a respeito de algo e a disputa será para estabelecer quem está com
a verdade.
A disfunção na comunicação é uma fonte inexorável de conflitos. Uma
situação de temor pode acarretar sentimento de ameaça. O temor pode levar
à frustração, essa, à violência e essa, à destruição. É importante, nesses
casos, tentar sair imediatamente da relação adversarial e partir para a
cooperação, numa atitude empática pelo outro.
A comunicação pode colocar algumas armadilhas, logo, para evitá-las,
é preciso que se criem condições para o diálogo.
Antes de tudo, alguns elementos pré-dialógicos devem estar presentes,
como o conhecimento da intenção de cada interlocutor ao abordar o tema
em discussão e o reconhecimento recíproco dessas intenções, ou seja, a
tentativa de compreensão da intenção alheia. O conhecimento e o
reconhecimento aludidos implicam posturas mentais dos participantes.
Para que o diálogo, propriamente dito, ocorra, é preciso que haja
coincidência de tema, que os interlocutores deem ao assunto a mesma
importância e que cheguem a uma definição comum dos termos utilizados
na conversação.
É frequente que os litigantes precisem ser ajudados a sair de uma
postura mental para a outra, e, nessa direção, práticas tradicionais, como a
negociação e a conciliação, estão sendo reestudadas sob nova perspectiva, e
práticas novas, como a mediação, estão sendo introduzidas, em benefício de
pessoas e comunidades. Negociadores indiretos (não pertencentes à
situação), conciliadores e mediadores funcionam como filtros da
comunicação para eliminar os elementos poluidores, ou disfuncionais, e
permitir que o diálogo prossiga. Nesse sentido, esses facilitadores da
comunicação passam a fazer parte do problema e, também, da solução.
Os princípios que norteiam esses procedimentos podem ser eficazes
nas dissidências entre sistemas vivos, desde conflitos interpessoais até
internacionais.
Para nós, há dois motivos a mais para o implemento dessas técnicas e o
aprimoramento de seu emprego: a lei civil brasileira determina que se tente
levar as partes a acordar a respeito dos pontos conflitivos e os juízes
denotam acreditar na regra que lhes impõe a tentativa de conciliação, tendo
no acordo seu grande objetivo, quando se trata dos conflitos de Família,
como deixaram claro em nossas conversações:
“Em noventa por cento das ações, eu consigo acordo. Noventa por
cento dos casos consegue-se transformar em separação consensual”.
“Tenho mais de noventa e nove por cento de acordos.”
“É bom fazer acordo, porque o acordo encerra certas coisas.”
“A decisão em Vara da Família, às vezes, não satisfaz nem a um nem a
outro.”
“O juiz de Família é orientado a fazer acordo.”
Com espontaneidade, nossos interlocutores falaram também sobre suas
estratégias para conseguir a conciliação:
“Quando tenho um caso em que não sai acordo, eu estendo o processo
para dar tempo a eles de pensar”.
“Vocês não são inimigos: namoraram, sonharam e apaixonaram-se. Se
vocês não aguentarem, separem-se, mas sem inimizade.”
“Eu tento estimular o lado emocional do casal para ver se os ajudo a
acabar com as brigas, os ressentimentos, as mágoas do passado.”
“Há um tempo atrás, eu comentei que a Justiça tem que ser célere, mas
em casos de Família nem sempre é o melhor. Tive um caso de duplo
adultério, que por conta de agravo ficou parado por um ano. Depois de um
ano, eles converteram a ação em consensual. Às vezes, o tempo é
importante.”
“Lembrem-se de que vocês têm filhos que precisam de vocês.”
“No interior, se o juiz atrasa uma audiência meia hora, ele dá tempo
para os advogados conversarem e eles já entram na audiência com um
acordo. Às vezes, eu atrasava, de propósito, para dar essa oportunidade.
Aqui, na Capital, quando pergunto aos advogados se conversaram, é
comum dizerem que estão se conhecendo naquele instante. Então, usam a
audiência para conversar, quando usam. O juiz do Cível, por exemplo – e
eu já fui do Cível – dá grandes sentenças, sentenças bonitas, bem
fundamentadas; o da Família, não, o trabalho é mais oral e menos
escritural. Esse trabalho oral demanda tempo, às vezes, leva duas, três
horas.”
Eles, por outro lado, também questionaram a eficácia de certos
acordos, tendo claro que sua vontade não é absoluta.
“É muito comum haver problemas, depois de acordado ou decidido,
mesmo nas separações consensuais.”
“A atuação dos advogados também influi. Há advogados com quem
não é possível acordo. São os que não são sensíveis. Esses entram com um
monte de ações antes da separação.”
“Eu sempre tento fazer acordo, mas o juiz não faz tudo, sozinho. Por
exemplo, com alguns advogados não dá para fazer acordo, nunca. Antes de
começar a ação, propriamente dita, eles já entram com várias medidas
cautelares.”
Além do perfil dos advogados, os participantes mencionam outras
dificuldades para a realização do acordo.
“O problema é que ‘pegar’ o pessoal no pico da crise, é difícil.”
“O juiz usa da sensibilidade e da experiência de vida, ajudando as
pessoas a encontrar outras saídas. Se a pessoa for reativa, não dá para
ajudar.”
“Quem não conhece, pensa que o trabalho na Família é simples,
porque, sempre que é possível, não há sentença.”
“A tentativa de resolver o problema é muito importante, porque se se
consegue resolver o problema, evitam-se os recursos da decisão e os
filhotes.”
“Eu tento ajudar as partes a chegar a um acordo que seja razoável para
ambos, na tentativa de resolver o problema.”
“Eu uso muito a audiência de tentativa de conciliação preliminar.”
“O juiz de Família não dando nenhuma sentença, é uma vitória. A
sentença tem um peso. Numa ação de alimentos, por exemplo, é muito
diferente ter ‘Condeno Fulano a pagar’ e ‘As partes acordam’. Até
psicologicamente é diferente.”
O fato é que os juízes de Família tentam ajudar as partes a chegar a um
acordo e encerrar a pendência. Provavelmente, a experiência na função
judicante e a sensibilidade mostram-lhes, todos os dias, que as melhores
soluções são aquelas que os próprios interessados dão a seus problemas. Por
outro lado, como juízes, eles precisam tentar encontrar soluções.
A experiência parece ter-lhes mostrado que as decisões judiciais não
são eficazes na área de Família, e a maioria aceita que não é fácil decidir
sobre questões íntimas alheias denotando sensibilidade com relação ao
sofrimento dos semelhantes. Além disso, é justo que se reconheça que
mesmo que os advogados façam todo o empenho em que os clientes tenham
uma separação consensual, nem sempre isso garante uma convivência, no
mínimo, sensata, entre os separados. E estes precisam de equilíbrio na
continuidade de seu relacionamento como pais.
Nesse sentido, o pensamento dos juízes converge para a introdução de
práticas de auxílio à família, na Justiça, e antevê a grande probabilidade de
sucesso do emprego da mediação que é, sem dúvida, um dos instrumentos
mais promissores dos tempos atuais. O aprendizado das técnicas
mencionadas também pode ser um diferencial significativo.
Em relação às práticas de auxílio à família, alguns juízes mencionam
explicitamente a mediação:
“Aí é que entra a questão da mediação familiar. É o mais importante,
porque o problema é psicológico e as pessoas têm resistência a fazer
tratamento”.
“Gostaria de enviar certos casos para mediação, suspendendo o
processo na audiência preliminar de conciliação, de seis meses a um ano.”
“Uma proposta que tem aparecido é da mediação. Tenho permitido
algumas. Não são muitos os advogados que pedem, aliás, são muito poucos,
e, nesses casos, tenho concordado.”
A mediação não é uma prática psicológica, seu procedimento costuma
ser muito mais rápido do que se imagina – compreende um número limitado
de encontros – mas é um instrumento que, por atuar em diversas interfaces
com o emocional, pode produzir efeitos terapêuticos.
Está para ser aprovado o projeto de lei de mediação, que, coerente com
os ideais de pacificação, resultou de duas propostas anteriores, um projeto e
um anteprojeto de lei.
O projeto propõe que “o juiz deverá buscar, prioritariamente, a
pacificação das partes, ao invés da solução adjudicada do conflito, sendo
sua dedicada atuação nesse sentido reputada de relevante valor social e
considerada para efeito de promoção por merecimento”. Propõe, ainda, que
“a comediação será obrigatória nas controvérsias que versem sobre direito
de família, devendo dela sempre participar psiquiatra, psicólogo ou
assistente social”. A obrigatoriedade da comediação nos casos de família é
um avanço incomensurável, denotando reconhecimento da existência de
conflitos emocionais nos conflitos jurídicos familiares.
A mediação é uma prática de pacificação social. Há entidades de
mediação e mediadores independentes.
Este capítulo trará noções sobre as práticas de negociação, conciliação
e mediação.

4.1 NEGOCIAÇÃO

A vida é uma constante negociação. Negocia-se, independentemente da


existência de conflitos, e só porque há negociação é que eles não
ocorrem. As pessoas podem não perceber que estão negociando, mas a vida
é a arte da convivência e ela não prescinde de negociações.
Podemos dizer que é na rigidez das relações que surgem os conflitos
insolúveis. Poderíamos dizer que ser rígido significa firmar-se numa
posição e não abrir mão dela. Mas se a negociação acontece o tempo todo,
ainda que imperceptivelmente, ela é também uma forma de se chegar a
acordos explícitos.
As pessoas têm tendência – cultural, provavelmente – de se apegar a
certas posições e querer negociar a partir delas. É um erro negocial discutir
a partir disso, tanto para as partes que negociam quanto para um negociador
profissional. Na verdade, as posições, como são chamadas pelos teóricos de
Harvard, encobrem os verdadeiros interesses das pessoas, de modo que
negociar com base nelas é um bom meio de não se chegar a um bom acordo
ou não se chegar a nada.
O Projeto de Negociação de Harvard preconiza o uso da negociação
direta, de forma amigável, buscando resultados sensatos e eficientes.
Propõe ele que a negociação se funde em quatro elementos básicos:

1) Os problemas devem ser separados das pessoas – não se negocia


sobre as pessoas com problemas, mas trabalha-se sobre o problema
que elas têm.
Essa forma de ver pressupõe que as pessoas têm aspectos
emocionais que vão influenciar sua percepção e suas decisões.
Nesse caso, a negociação pretende que as pessoas em litígio
ataquem o problema, e não uma a outra.
Separar pessoas de problemas significa, antes de tudo, que um
litigante leve em consideração os problemas que afetam o outro. São
esses problemas, de ordem pessoal, familiar ou social, que tornam as
pessoas tão defensivas e resistentes quanto a abandonar uma posição
rígida. A consideração pelos problemas do outro pode levá-lo a
admitir as diferenças e, a partir daí, a lidar com a divergência.
A Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”, é um péssimo
modelo de solução na negociação.

2) A negociação deve concentrar-se nos interesses e não nas posições.


Fixar-se numa determinada posição obscurece os verdadeiros
interesses que ela encobre. As pessoas têm interesses e necessidades
humanas e é a esses que elas buscam satisfazer. Assim, na
negociação, deve-se procurar levantar os interesses e as
necessidades dos litigantes.
Numa disputa de guarda, um pai ou mãe pode estar com medo de
perder o amor do filho caso diminua seu contato com ele. Por essa
razão, eles mantêm-se fixados em suas posições, agindo com
intransigência. Atacar a posição ou a pessoa em vez de ajudá-las a
vencer o medo de perda – o interesse subjacente – só vai agravar as
dissidências.

3) Deve-se criar um leque de opções de solução, antes de se chegar a


qualquer decisão.
Quando se busca um acordo, é muito difícil encontrar uma única
solução que seja correta. É difícil, também, decidir na presença do
adversário e ser criativo na busca de uma solução. Por esse motivo,
levantar uma série de opções, num exercício de brainstorming,
ajuda as pessoas a encontrar opções que sejam de interesse comum e
possam trazer benefícios recíprocos.
As opções são colocadas na mesa, indiscriminadamente, sem
qualquer compromisso ou julgamento, para, uma a uma, serem
descartadas pelas partes, ficando, num primeiro momento, aquelas
alternativas que fizerem sentido para todos e, num segundo
momento, as que trouxerem benefícios mútuos.

4) Deve-se estabelecer algum critério “objetivo”.


Muitas vezes os negociadores firmam-se em sua posição, por
teimosia, e até por ignorância da matéria, o que não lhes permite ter
clareza e lucidez para pensar. Caso lhes seja mostrado que há
critérios que devem ser obedecidos para satisfazerem seus interesses
e para a consecução do acordo, eles poderão perceber que não estão
fazendo concessões e terão mais probabilidade de chegar a um
acordo justo para ambos.
Por exemplo, num caso de Família em que a mãe seja guardiã e o
pai, visitador-alimentante, se lhes for colocado como critério
“objetivo” que ambos continuam a ser pais, detêm o poder familiar e
que a lei exige que o interesse do filho prevaleça, eles terão que
atender a isso, sem que se sintam cedendo ao outro, em nada, e
discutirão o acordo a partir desses pressupostos.

Em outras palavras, por esse método, os negociadores são


solucionadores de problemas, e não inimigos; eles estão discutindo para
tratar duramente o problema e, amavelmente, um ao outro, defendendo
interesses, e não posições; eles conversam para encontrar o piso mais amplo
possível para embasar seu diálogo e ir encontrando opções que beneficiem a
um e a outro; e, finalmente, vão se confrontar com padrões aos quais têm
que obedecer.
Esse é um método de negociação cooperativa, que tem dado bons
resultados em todo e qualquer tipo de impasse. Os litigantes podem
negociar, diretamente, sem a presença de terceiros, podem fazê-lo por meio
de seus representantes e até contar com a presença de um negociador
profissional que os ajude a passar pelas etapas mencionadas.
Naturalmente, diferentes tipos de conflito requererão algumas
variações de abordagem. Em situações, nas quais, após o acordo, as partes
terão que manter convivência em algum nível, como é o caso dos conflitos
familiares – questões relativas a separação, sucessão ou empresas de
família, por exemplo –, a negociação deverá poder propiciar uma
transformação nas relações, a fim de que as pessoas passem a perceber-se
na nova condição relacional e não na que foi objeto das dissidências. Nesses
casos, a técnica adequada é a chamada cooperativa-transformativa.
Um pressuposto básico da negociação cooperativa é que não se fala
para pessoas, mas com pessoas. A capacidade de escuta é outro elemento
essencial, portanto deve-se escutar, atentamente, o que o outro está dizendo
e pedir esclarecimentos, sempre que houver dúvidas. É bom lembrar que é
próprio do ser humano supor que ele já sabe o que o outro vai dizer e
interrompê-lo antes que acabe de expor seu pensamento.
Numa conversação, é sempre útil que nos coloquemos no lugar do
interlocutor, numa atitude empática, e que estejamos atentos aos seus
interesses.
Neste livro, um de nossos fios condutores é a questão da comunicação.
Ela é fundamental entre os humanos e, por isso, ela deve ser clara. Na
verdade, a forma como as pessoas se expressam costuma ser fonte de
disfunções na comunicação, e essas são uma das mais importantes fontes de
conflitos interpessoais.
O resultado da negociação depende da postura dos participantes e dos
movimentos que cada um fizer. Os movimentos tanto servem para manter a
negociação como para alterar os rumos da disputa.
A técnica exposta para o procedimento da negociação serve também de
base para outras formas de resolução de conflitos, como a conciliação e a
mediação.

4.2 CONCILIAÇÃO

A conciliação é uma outra forma não adversarial de resolução de


conflitos. Neste ponto, não estamos nos referindo à conciliação como
procedimento judicial previsto no ordenamento jurídico, mas como técnica
que visa à consecução de acordo. E essa serve para quaisquer formas de
conciliação.
A conciliação é intermediada por um terceiro imparcial e é mais
indicada quando aplicada a conflitos que não envolvem relacionamento que
se precisa ou se pretende continuar, como de família ou de sócios
comerciais.
No âmbito extrajudicial, a conciliação costuma ser mais superficial que
a mediação e, portanto, mais rápida e mais econômica. Aqui, também, o
conciliador procura aproximar as partes, tendo, porém como eixo da
discussão muito mais as posições do que os interesses e necessidades, uma
vez que se refere a situações de ordem meramente material às quais os
litigantes querem dar uma solução rápida.
O conciliador pode orientar o acordo e oferecer sugestões e o resultado
final costuma ser parcialmente satisfatório para as partes em litígio, como
propõe Vezzulla (2001). É por esse motivo que as conciliações operadas na
Justiça de Família dissolvem o conflito jurídico, mas, com frequência, não
dissolvem o relacional, razão pela qual novas ações são iniciadas entre as
mesmas partes.
É claro que o melhor, na área de Família, seria a possibilidade de
empregar­-se a mediação, mas mesmo nos moldes processuais atuais, os
resultados poderão ser diferentes, em termos de consistência dos acordos, se
os juízes forem preparados para aplicar a técnica de conciliar proposta. Nos
Juizados Especiais de Pequenas Causas já se observa diferença significativa
nos resultados, entre acordos feitos por conciliadores que utilizam as
técnicas tradicionais e aqueles que estão familiarizados com o novo modelo.

4.3 MEDIAÇÃO: UMA PROPOSTA ATUAL

N o campo do comportamento humano, entendendo-se que o


interpsíquico esteja sempre em ação, mesmo práticas não terapêuticas
podem levar a algum efeito terapêutico, vale dizer, à ressignificação que se
faça necessária dentro do próprio sistema de significados.
É menos importante dar nomes a certas práticas do que entender que
pressupõem que na comunicação haja unidades inter-relacionais em ação e
que a interação, nesse contexto, possa suscitar transformações.
Começa-se a falar, cada vez mais consistentemente, em mediação.
A mediação é uma prática não terapêutica que vem sendo largamente
difundida, mundialmente, e obtendo bons resultados, sobretudo em culturas
de tradição comunitária, nas quais as comunidades, há tempos, cultivam o
hábito de tentar resolver os próprios problemas, antes de entregá-los às
autoridades competentes. É o caso de certos Estados americanos e países da
Europa. Mediação não se confunde com negociação nem com conciliação.
Historicamente, a mediação, com essa denominação, surgiu na década
de setenta como resposta a uma situação de crise nas instituições
promotoras de socialização, em que se incluem, basicamente, família e
escola, em suas relações com outros setores da comunidade, como igreja,
hospital, bairro, vizinhança e clube recreativo, dentre outros.
A força comunicacional determinou uma avalanche de transformações.
Ocorreram mudanças nas formas de conceber a vida, nos comportamentos
relacionais, nas formas de dissolução de conflitos nos diferentes ambientes
e contextos, fazendo desabrochar o “Movimento da Mediação”.
Como processo pelo qual os litigantes resolvem seus próprios conflitos,
com intervenção qualificada de um terceiro neutro, a mediação pode ser
incluída entre as metodologias para a “resolução alternativa de disputas”
(R.A.D.) que, conforme Fried Schnitman (1999), “podem ser definidas
como práticas emergentes que operam entre o existente e o possível”1 em
um mundo cada vez mais complexo, no qual pessoas, famílias e, até, países,
estão vivendo importantes processos de mudança.
O Movimento é parte de um contexto científico-cultural emergente,
que procura articular a complexidade, questionando e reelaborando o
paradigma das lógicas binárias “vencedor-perdedor”. A mediação pode ser
entendida como um modelo pós-moderno, que acredita na interconexão de
diferentes linguagens, provenientes de diferentes opiniões, e investe na
criatividade para trabalhar as diferenças e construir soluções inéditas. Nela,
o centro organizador não está nos indivíduos, mas no “entre indivíduos”. O
mediador fica atento às opções e, “quando encontra o elemento articulador,
envolve-se, facilitando o diálogo e as oportunidades que emergem do
próprio processo”.2
Pode-se entender, em sentido amplo, a mediação, como “um processo,
frequentemente formal, pelo qual um terceiro imparcial, o mediador, busca
facilitar às partes que se opõem, o confronto de seus pontos de vista, de
modo a que possam compreender melhor as respectivas pretensões ou
necessidades, possibilitando mudanças direcionadas à dissolução do
conflito interpessoal”.3
Genericamente, já se pode dizer que há uma certa concordância em que
essa prática admite a existência de diferenças, respeita as individualidades e
ajuda as pessoas em conflito, ou outras entidades sociais, a encontrarem
soluções para seus problemas, sem que se revolva o passado. Ela põe o foco
no presente com vistas a um melhor relacionamento futuro. O acordo será
uma decorrência do processo mediativo, o qual deverá ter produzido
mudanças efetivas na qualidade da relação, de forma a evitar que o conflito
seja reeditado.
Atualmente, a mediação vem tomando lugar especialmente nos Estados
Unidos e na Europa. Na América do Sul, Brasil e Argentina merecem
destaque no estudo e na investigação dessa prática, tendo o primeiro o
Projeto de Lei 94, de 2002, que, como Substitutivo ao Projeto de Lei da
Câmara 4.827-B/1998, foi aprovado pelo Senado Federal e está em trâmite
na Câmara dos Deputados, e a segunda, a Lei de Mediação e Conciliação
(Lei 26.589/2010).
A mediação, como proposta de resolução não adversarial de conflitos
nos diversos segmentos sociais, certamente ainda será objeto de inúmeras
discussões, visto que não há uniformização de conceito nem consenso
metodológico ou técnico. As preciosas contribuições que nos vêm dos
escritos e das demonstrações práticas de norte-americanos, de europeus e de
outros latino-americanos são elementos que agregam valor a nossas
investigações e facilitam o aprofundamento de nossas reflexões. Tais
conceitos, métodos e técnicas, porém, não podem ser meramente
importados, por mais eficientes que sejam. Eles são produto de outra cultura
e é preciso criar um processo que seja apropriado à nossa realidade
sociocultural e jurídica.
A discussão é tão ampla e instigante que tem suscitado o aparecimento
de diferentes correntes teóricas e diferentes técnicas, inclusive entre autores
provenientes do mesmo contexto cultural e de formações profissionais
semelhantes.
A maioria das propostas de mediação, na separação, vem de autores de
áreas voltadas ao trabalho terapêutico, os quais têm formação sistêmica,
como é o caso de Haynes (1996) e Kaslow (1996), do hemisfério norte.
Autores oriundos do mundo jurídico, como Cárdenas (1996) e Gorvein
(1996), da Argentina, também têm formação em terapia familiar sistêmica.
Fica clara a importância que terapeutas e operadores jurídicos dedicados ao
estudo dessa matéria têm dado à formação sistêmica para o
desenvolvimento de ideias teóricas e práticas acerca da mediação.
No Brasil, a Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Estudos
Interdisciplinares de Direito de Família – constituída por advogados,
psicólogas, médico psiquiatra e assistente social – que integramos,
começou, em 1996, a desenvolver estudos sobre o tema, procedendo à
integração das visões dos diferentes profissionais, configurando,
conceituando e fazendo análise crítica dessa prática, de modo a encontrar
um eixo científico e ético que a tornasse eficiente e eficaz para o
atendimento a nossas famílias. Foi um esforço pioneiro.
Nada há de oficial a afirmar-se em termos de mediação no campo da
Família, no Direito pátrio. Nessa área, ainda há muito a se pesquisar sobre
essa prática sistêmica.
Pelas regras gerais, que começam a se impor, o mediador terá que ser
“neutro” e, até o momento, supõem alguns que o mediador jurídico deva ser
advogado ou, pelo menos, bacharel. Na primeira hipótese, no caso de uma
mediação originada de processo judicial em andamento, haveria que se
considerar, antes de tudo, que as partes já estão representadas por
advogados, ou por um apenas, o que levanta uma questão ética. Como
administrar? De outro lado, conteúdos emocionais ocupam um espaço
significativo na mediação familiar, o que implica ser essa uma modalidade
que requer participação de profissionais habilitados para o trato de
problemas emocionais e relacionais. Assim, para alcançar eficácia,
pressupõe-se que a mediação familiar de casos judiciais, ou de conflitos
familiares cujo resultado as partes pretendam que venham a valer como
título executivo judicial, precisará ter um procedimento psicojurídico.
A título de ilustração sobre as experiências que têm sido desenvolvidas
nessa área e os cuidados que estão sendo tomados, sabe-se que Eduardo
Cárdenas, ex-juiz de Família portenho, profundo estudioso da visão
sistêmica e da terapia familiar, passou a dedicar-se a um trabalho voluntário
de mediação e à mediação privada, ao deixar a Magistratura. Como
mediador familiar, em ambas as atividades, dedica-se ao favorecimento da
redefinição do conflito, pelos mediados, para posterior encaminhamento a
advogado ou terapeuta, conforme seja o caso. Ele não age como terapeuta,
que não é, nem como advogado, sua profissão de origem.
É realmente muito delicado o momento de formação de uma atividade
nova dessa natureza. O mediador não é um juiz, que decide, não é um
advogado, que orienta, e não é um terapeuta, que trata. Ele promove a
aproximação das partes, trabalha a favor da flexibilidade e da criatividade
dos mediados e procura favorecer a realização do acordo.
A área de mediação está em processo para se tornar uma profissão,
com corpo de conhecimentos, habilidades e padrões próprios (Highton e
Alvarez: 1999), embora se saiba que, provavelmente, não será simples a
uniformização uma vez que, integrada a sua identidade como mediador,
cada operador trará as marcas de sua profissão original.
Até por isso, falar em mediação jurídica sugere que se deem alguns
esclarecimentos preliminares.
O primeiro deles diz respeito ao fato de que, como instituto jurídico,
esse meio não adversarial de resolução de conflitos não tem existência legal
no Brasil. Deve tê-lo em breve. Isso não significa que o Direito pátrio não
contemple meios não adversariais de resolução de conflitos, como
negociação e conciliação, para chegar a acordos (manifestações de vontade)
enquanto transações, conforme conceituado pelo art. 840 do CC, que reza:
“É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante
concessões mútuas”.
O Direito brasileiro não é necessariamente adversarial. Falar em litígio
implica falar de conflito de interesses, implica discussão sobre direitos e
obrigações. A mentalidade é que, frequentemente, é adversarial: das partes
que, envoltas em suas emoções, por vezes tendem a ver-se como inimigas,
dos profissionais envolvidos, e não necessariamente só os jurídicos, que
muitas vezes se veem como adversários ou induzem as partes a sentir-se
como tais, quando seu papel social e sua obrigação funcional deveriam ser,
apenas, procurar o melhor para seu assistido, o que inclui as transações.
Nos casos judiciais, isto é, em processamento na Justiça, em que as
partes transigirem (CPC, art. 269, III), o acordo celebrado precisará ser
homologado e, salvo casos específicos, implicará coisa julgada. Como nada
impede que se chegue a essa transação por meio de um processo mediativo,
depreende-se que a mediação possa encontrar seu espaço e ser de muita
utilidade, até mesmo dentro de uma ação em andamento.
Considerados, contudo, a natureza e os objetivos dessa prática, lato
sensu, e baseados na tradição e na legislação, é de se supor que a mediação,
em Direito, possa vir a ser regulamentada como um processo desenvolvido
por profissionais da área jurídica para se chegar a uma transação,
observados certos critérios e resguardadas certas características. Parece
pretensão legítima, uma vez que, para maior respeitabilidade e
credibilidade, ela deverá ser exercida por um técnico especialista na área
objeto da intervenção. De outra parte, porém, há o risco de se manter o
paradigma das lógicas binárias.
As causas judiciais de Família merecem um destaque.
É relevante o pressuposto interacional de que todo litígio envolve um
problema de relacionamento ou acaba por desembocar em dificuldade
relacional, ao se discutirem questões aparentemente objetivas. No caso do
Direito de Família, em especial, área jurídica em que as dificuldades
emocionais tendem a exacerbar-se, os terapeutas familiares e os advogados
familiaristas terão muito a oferecer, uma vez que sejam capacitados como
mediadores familiares. Nessa área, a comediação apresenta-se como
instrumento desejável, e o mediador, terapeuta familiar, indispensável ao
processo, apesar do risco igual ao acima mencionado.
A institucionalização da mediação, juridicamente, seria oportuna num
momento como o atual, de turbulência e transição, pela existência de um
caminho judicial preestabelecido a ser trilhado, quando, em qualquer outro
dos fios da rede social, as tentativas de solução do conflito já tenham visto
esgotadas as possibilidades de levar as partes a chegarem a bom termo em
suas negociações. Uma das vantagens estaria na possibilidade de o juiz
poder determinar sua realização, nesse caso, de preferência, logo no início
do processo. Por outro lado, extrajudicialmente, como etapa anterior ao
pedido da separação e preventiva de litígio, pode ser altamente
recomendável.
Não é função do mediador levar as partes a um acordo, mas é função
da mediação cooperativa-transformativa propiciar espaço psicorrelacional
para construção de uma nova realidade pelas partes, realidade essa que
permitirá que cheguem a um consenso sobre a questão conflitiva. E,
juridicamente, esse consenso será explicitado sob forma de acordo escrito
que, em última análise, será a oficialização da manifestação das vontades,
consensualmente.
Ainda há muito que se construir e se aprender sobre essa prática: quem
pode exercê-la e quando? Como formar um mediador? Quais os requisitos
básicos para que alguém possa exercer tal função? Como dar aos resultados
de tão trabalhoso exercício um caráter oficial? Como remunerar a mediação
judicial, sem que o mediador tenha que se submeter a decisões judiciais e à
habitualidade das impugnações de honorários, o que levaria à perda da
independência e do distanciamento necessários e à reedição do paradigma
anterior com ênfase na disputa de poder? Como integrar diferentes sistemas
de significados nas comediações? Que conflitos não podem ser submetidos
à mediação? E outras indagações mais.
Algumas experiências têm sido relatadas,,tanto as institucionais, como
o Projeto de Mediação Familiar implantado no Judiciário do Rio Grande do
Sul (Kruger: 1998) e de Santa Catarina, quanto as da iniciativa privada, de
São Paulo e outros Estados, com especialistas não funcionários da Justiça.
Ambas as formas, a institucionalizada e a liberal, têm vantagens. Uma
vantagem da primeira é a facilidade de formação de equipe; uma vantagem
da segunda é o fato de os profissionais não pertencerem ao sistema a que se
dirige seu trabalho, o sistema judiciário, o que vale ser considerado como
um diferencial significativo.
A mediação, no campo judicial da família, não deve ser vista como
panaceia dos tempos modernos nem como solução para todos os problemas
da área de família, – até porque nem todos os conflitos são mediáveis,
segundo o conceito exposto – mas como uma prática promissora, como
mais um meio de a rede social promover apoio aos membros da família em
crise. Como vem sendo amplamente detalhado nesta exposição, é
necessário um trabalho profilático da saúde da família, nos casos de
separação, sobretudo em prol dos filhos, e a mediação pode fazer parte das
várias possibilidades.

4.4 MEDIAÇÃO NA SEPARAÇÃO: NOÇÕES SOBRE TÉCNICA

A mediação na separação é uma tentativa de evitar o litígio. Embora não


se possa evitar o ingresso no Judiciário, pode-se tentar evitar uma
guerra desnecessária.
As pessoas podem escolher entre entrar numa disputa que não se sabe
no que vai dar ou sentar-se com um mediador e procurar soluções pontuais
para suas divergências. Um mediador experiente pode ajudar o casal a
chegar a um acordo justo, com o mínimo de impasses possível.
A mediação tem várias vantagens, em relação ao litígio.
A mediação é menos dispendiosa e menos desgastante,
emocionalmente. Na família, as pessoas é que tomam as decisões sobre seu
futuro e o dos dependentes. Elas é que estabelecem as normas que regerão a
vida dos filhos, dividem o patrimônio e resolvem o que é mais justo a
respeito das próprias necessidades.
Na mediação, as pessoas são levadas a agir cooperativamente, diante de
opções realistas, e não a fazer acusações desmedidas ou pleitos baseados
unicamente em seu posicionamento pessoal.
A mediação favorece a flexibilidade e a criatividade. Além disso, é
efetivamente privada, de modo que o casal não precisa levar aos autos do
processo os problemas do casamento. Só leva as soluções.
A mediação, como dissemos, não é a panaceia dos tempos modernos,
mas é um meio eficiente e eficaz para se tentar evitar um confronto
interminável. Cabe ao casal decidir se essa é a melhor forma para a
dissolução e a solução de seus conflitos. E será, se os oponentes realmente
estiverem em busca de paz, na relação, principalmente no que concerne aos
filhos. Estatísticas de países que utilizam a mediação com regularidade
apontam para um percentual superior a oitenta por cento de casos bem-
sucedidos.

4.5 O MEDIADOR

O mediador, em última análise, é um facilitador da comunicação entre


partes que se opõem, quando precisam ou têm interesse em resolver
alguma pendência e pretendem chegar à solução, por acordo.
O mediador familiar, em especial, vai facilitar aos oponentes confrontar
seus pontos de vista quanto às questões familiares, ajudando-os a
discriminar seus interesses e necessidades e a se voltarem para o encontro
de soluções que os ajudem a dissolver os conflitos interpessoais e a dirigir
sua vida e de sua família, de forma adequada e saudável daí para frente. As
dificuldades decorrentes da separação são de ordem familiar.
O mediador é um terceiro imparcial. A imparcialidade é indispensável
para a consecução daqueles objetivos. Ele realmente precisará manter-se
equidistante dos interesses e necessidades dos mediados, sob risco de não
poder ajudá-los. Os valores pessoais do mediador, seus conceitos e crenças
não deverão interferir nos dos mediados, desde que os destes não firam
normas da lei, da moral e da ética. Deve ficar ciente o mediador de que os
mediados tentarão buscar­-lhe a aliança e chamá-lo a tomar partido, dando
razão a um ou a outro. Pode acontecer que o mediador se afine mais com
um dos modos de pensar, por isso deverá ter muito cuidado para não ceder à
tentação de pender para esse lado. É possível, também, que um dos dois
mediados seja melhor argumentador ou mais sedutor que o outro, e esses
são outros aspectos para os quais o mediador deve ficar atento em relação a
si próprio.
Como, em geral, o homem é mais experiente que a mulher em matéria
de negociações, ela pode se intimidar em levar seu conflito à mediação. Isso
não deve constituir um obstáculo à mediação nem atemorizar a mulher, pois
cabe ao mediador ajudá-los a trabalhar em cima das opções, e não a
confirmar posições preestabelecidas. O mediador é preparado para evitar
que as pessoas briguem em sua presença.
Por razões culturais, as esposas têm uma certa tendência de cuidar do
bem-estar do marido e têm medo de vê-lo bravo. Os maridos, por sua vez,
têm tendência de dominar e controlar sua mulher. Essas tendências podem
exacerbar-se, criando uma situação de difícil negociação, em que a mulher,
por exemplo, aceite propostas que não a satisfazem, e o homem não consiga
fazer concessões. Mas pode dar-se o contrário, com a mulher firmando-se
rigidamente numa posição, o que não acontecia durante o casamento, e o
homem se desnorteando pela perda do controle. Nesses casos, o mediador
vai ajudá-los a sair do padrão conhecido para que a negociação possa
ocorrer.
Por outro lado, as mulheres de hoje estão no mercado de trabalho e têm
denotado conhecimento e competência no mundo dos negócios. Em
empresas familiares, não é raro que essas qualidades sejam rejeitadas pelos
maridos, ainda que as iniciativas e métodos propostos beneficiem a
empresa. Esses casos frequentemente encobrem uma disputa de poder, em
que a mulher não se conforma por não ser considerada como uma igual e
considera uma irracionalidade a incompreensão do marido-sócio, e o
homem não pode abrir mão do papel de chefe, o qual nem a lei abriga mais.
Casos dessa natureza costumam ser deflagradores de conflitos acirrados que
levam à separação. A propósito, se o casamento já é uma sociedade difícil
de ser administrada, fica muito mais complexa a situação se a ele se alia
uma sociedade comercial entre os mesmos sócios.
Lembro-me de um caso em que o casal tinha uma empresa sólida e
promissora. Procuraram-me para dissolver a sociedade comercial e estavam
se separando. Eles tinham filhos menores.
Na opinião do marido, a esposa era impulsiva e ele ponderado. Ela, por
sua vez, dizia que eles pensavam de modo muito diferente e tinham estilos
de gerência que não combinavam.
Avaliada a situação, observamos que ela não era impulsiva, era
entusiasmada e cheia de iniciativas, porém bastante cautelosa no sentido de
que todos os detalhes da firma estivessem em ordem. Ela preocupava-se
com a aparência da empresa, o tratamento dado aos clientes pelos
funcionários e a relação dos funcionários entre si. Preocupava-se, ainda, em
que a parte legal estivesse perfeitamente organizada e sem falhas, por
exemplo, trabalhistas ou tributárias. Ele, por sua vez, não é que fosse mais
ponderado ou mais calmo: era, sim, mais moderado em suas iniciativas e
mais acomodado em relação aos detalhes dos aspectos relacionais e legais,
preferindo corrigir eventuais erros a preveni-los.
O fato de serem um casal impedia que ele aceitasse as observações da
mulher, por considerá-las uma intromissão em sua administração. Quanto a
ela, não tolerava não ser ouvida. Eles viviam uma disputa de poder, tanto de
gênero como familiar. Sob a aparência desse conflito havia, ainda, sérias
dificuldades conjugais não resolvidas e o fato de que só um dos dois queria
a separação.
Vimos nesse caso quantas variáveis interferem na eclosão de um
desentendimento. A mediação serviu para ajudá-los a retomar o diálogo,
compreender o que estava acontecendo e evitar a dissolução de uma
sociedade que, do ponto de vista comercial, ainda não fora afetada e
desenvolvia-se muito bem. Para discussão das questões conjugais o casal
foi encaminhado para uma terapia de casal.
Nesse caso, em especial, a decisão que o casal tomou foi a relatada,
porém se os dois continuassem convencidos de que o melhor seria a
separação, nos campos pessoal e profissional, a mediadora os teria ajudado
a procurar dissolver a empresa da forma menos prejudicial possível para
ambos e a separar-se de forma civilizada e harmoniosa.
O mediador não é um negociador, mas precisa ser experiente em
negociação cooperativa-transformativa para atuar em conflitos relacionais
familiares. Nas mediações familiares, em particular, ele deve estar apto a
administrar conflitos relacionais/emocionais, porque, principalmente após a
separação, os separados precisarão manter um bom relacionamento,
enquanto pais. A condição de pais implica que a convivência vai
permanecer, em certos aspectos, por toda a vida, e precisa ser saudável para
o bem de todos os envolvidos. Isso difere das transações comerciais não
familiares, nas quais, finda a negociação, os indivíduos ou empresas
poderão nunca mais vir a ter qualquer tipo de relacionamento, se assim o
decidirem. Nas empresas familiares, ressalvados os aspectos comerciais, a
problemática guarda as mesmas características de quaisquer questões de
família.

4.6 OS LIMITES DA MEDIAÇÃO

A mediação tem seus limites. Assim, mesmo na extrajudicial, se os


mediados já contarem com assistência de advogados, a eles caberá
orientar as partes quanto aos aspectos legais dos termos em que querem
acordar.
Não se pode negar que um advogado, capacitado a mediar, use seus
conhecimentos sobre comunicação e comportamento humano e as técnicas
adequadas para ajudar os clientes a chegar a um bom acordo. É também o
caso de juízes de Família de igual formação, na busca da conciliação do
casal. Isso faz parte do acervo cultural do profissional e constitui um plus
em sua formação pessoal, mas deve apenas ser considerado um recurso a
mais no atendimento, e não ser chamado de mediação, stricto sensu.
Nas mediações oficiais que brevemente deverão integrar a lei, o
advogado funcionará como tal e o mediador, ainda que advogado, idem.
Juízes, por força da função, não poderão atuar como mediadores.
4.7 HÁ CASOS QUE NÃO SÃO MEDIÁVEIS

C asos que tenham envolvido violência conjugal podem não ser


mediáveis. Por exemplo, se o marido era violento, física ou
psiquicamente, e a mulher se tornou tão atemorizada que não consegue
expor suas opiniões ou cuidar de seus interesses. Nesses casos, ela poderá
precisar que o advogado negocie por ela.
Pessoas que sempre sentem que não estão sendo atendidas em suas
reivindicações ou que se enraivecem e perdem o controle emocional quando
não são atendidas em todos os seus desejos, também não podem ser
mediadas. É, ainda, o caso de pessoas que depois de chegar a um acordo,
não o confirmam, e querem mudar tudo. Esses casos acabam em litígio
judicial e é preciso que um terceiro – o juiz – decida.
Além da tendência à violência e da dificuldade na aceitação desse
instrumento de resolução de conflitos, uma defasagem emocional acentuada
entre os oponentes também contraindica a mediação. Essa é igualmente
contraindicada para pessoas que, por qualquer razão, estejam
impossibilitadas de tomar decisões.
Naturalmente, pessoas que não desejem submeter-se ao procedimento
também não poderão ser mediadas, pois mesmo que a lei o imponha, a falta
de colaboração das partes levará a tentativa a não ser bem-sucedida, o que
determinará que o conflito de interesses continue a ser tratado pelas vias
tradicionais.

4.8 O MELHOR MEDIADOR

A mediação é uma transdisciplina e a profissão de mediador é nova,


sendo exercida por profissionais advindos das mais diversas áreas.
Advogados, psicólogos e assistentes sociais são os mais voltados à
mediação familiar. Não existe um melhor mediador, em termos de formação
profissional, mas é fato que um bom mediador familiar tem que ser
capacitado para mediar questões de família, o que implica levar em
consideração os aspectos emocionais da relação e saber, minimamente,
como lidar com elas.
Em casos de separação, espera-se que o mediador tenha o seguinte
perfil profissional:

nível superior
capacitação básica em mediação
noções de Direito de Família
experiência no emprego de técnicas de resolução de conflitos
relacionais 4
credibilidade das partes
imparcialidade

E seja:

favorecedor de cooperação
facilitador da comunicação entre os pais
facilitador de entendimento dos pais em prol dos filhos
facilitador do contato entre pais e filhos
equilibrador na disputa de poder
facilitador da troca de informações necessárias ao acordo

Atualmente, cabe aos Cursos de Capacitação em Mediação e


Arbitragem fornecer os subsídios básicos para o exercício da prática de
mediar. Neles, o candidato aprenderá técnicas de escuta, ajudará os
mediados a escutar, um ao outro, para escolher entre opções possíveis, e
aprenderá técnicas de resolução de conflitos. Enquanto não há
regulamentação da profissão, o CONIMA, Conselho Nacional das
Instituições de Mediação e Arbitragem, tem feito recomendações a respeito
dos Cursos de Capacitação em Mediação e Arbitragem.

4.9 O PROCESSO DE MEDIAÇÃO

A mediação é um processo que prima pela informalidade na interação, e


que deve manter-se assim, ainda que integrada à lei, uma vez que um
clima informal propicia a formação de vínculos mais rapidamente. Ser
informal não significa que mediador e mediados se tratem com uma
familiaridade que não existe. É conveniente, por exemplo, perguntar como
as pessoas gostam de ser chamadas, e respeitar sua vontade.
A informalidade refere-se à relação, na qual, porém, os lugares de cada
participante devem ser preservados: mediador é mediador e mediados são
mediados.
A procura pela mediação pode ser de livre iniciativa dos interessados,
embora, até o momento, o mais comum seja a recomendação por uma
pessoa de sua confiança. Da entrevista inicial pode participar a pessoa que
fez o contato ou podem estar presentes todos os interessados. No primeiro
caso, a pessoa participará da entrevista inicial e, posteriormente, os demais
serão convidados a fazer o mesmo, pois é importante que, desde o início, se
estabeleça uma relação de igualdade entre os futuros mediados.
Nos casos de separação, os interessados são os membros do casal.
Nesse caso, ao ser procurado por uma das partes, o mediador perguntará se
a outra está de acordo e fará contato com ela para receber ambos, desde a
primeira vez.
Esse primeiro contato pessoal é, na verdade, uma consulta, em que os
clientes costumam dizer que receberam a indicação e querem saber do que
se trata. A esse momento do processo dá-se o nome de pré-mediação.
Na pré-mediação, o mediador tomará os dados dos consulentes, e
perguntará o que os levou ali. As pessoas contam o porquê da consulta e o
mediador cuidará para que cada qual faça seu relato, com liberdade, sem ser
interrompido pelo outro.
Nessa entrevista, o mediador só ouvirá os relatos e fará uma exposição
sobre o trabalho, informando que o processo de mediação é sigiloso,
respeita a autonomia das vontades, prevê espírito de colaboração e se
destina a facilitar a comunicação entre os mediados para que eles possam
tomar suas decisões. O mediador explica sua função, deixa claro que o
processo se destina a trabalhar questões controversas do presente com vistas
a organizar sua vida para o futuro, estima o tempo do processo e os
honorários que, em princípio, são estabelecidos por hora de atendimento.
Em outras palavras, na entrevista inicial o mediador fala sobre o
processo de mediação, seus objetivos e regras; fala sobre seu papel
profissional, faz a escuta das pretensões e fecha o contrato.
Em instituições, a pré-mediação costuma ser feita por um mediador e a
mediação, por outro; na mediação privada, o mediador atende a ambas as
etapas.
No processo de mediação, propriamente dito, o mediador vai ajudar os
litigantes a definir o problema, a encontrar um conteúdo comum e a
perceber que seu problema não é nem tão pior que o de outras pessoas nem
tão singular que não possam chegar a um acordo benéfico a ambos. Vai
ajudar os mediados a arrolar os pontos de concórdia e usar a conotação
positiva para que eles percebam que têm aspectos em sua controvérsia sobre
os quais já puderam decidir.
O mediador deve estabelecer um plano de trabalho, começando por
identificar com os mediados suas áreas de concordância, passando, a seguir,
para a identificação das áreas conflitivas, partindo das menos contundentes
para as de maior atrito. Isso permite que vá havendo um aquecimento no
trabalho, que os resultados dele possam aparecer e que os mediados
percebam sua capacidade de acordar, o que os prepara para enfrentar
momentos mais delicados e difíceis.
Nas entrevistas seguintes, o mediador vai identificar pontos
discordantes, obter informações, ajudar as partes a encontrar alternativas
(opções), propiciando-lhes uma mudança de olhar sobre o problema que
favoreça a tomada de decisões.
Nas mediações de separação, as controvérsias quanto à partilha de
bens, alimentos, guarda e visita vão ser trabalhadas, ponto a ponto, com os
mediados.
Deve-se lembrar, como foi largamente exposto nos capítulos anteriores,
que as razões que embasam as dissidências estão mais no plano emocional
que no racional. Assim, as definições do problema oferecidas pelas partes
devem ser tomadas pelo mediador, com cautela. É possível, por exemplo,
que uma mágoa antiga esteja, agora, interferindo num acordo sobre visita.
Com sensibilidade, o mediador deve ajudar os mediados a perceber que há
um deslocamento de sentimentos de uma área para outra e ajudá-los a
mudar seu olhar em relação ao problema.
No curso deste livro, falamos sobre os temas ligados à separação e
apresentamos várias situações que podem elucidar esse ponto. Não nos
detivemos na questão do dinheiro, o que faremos neste momento.

4.10 O DINHEIRO

O dinheiro é um dos principais motivos de desavenças na intimidade do


casal e responsável por muitas separações.
Diz a cultura popular que “em casa que falta pão, todos gritam e
ninguém tem razão”. Não é bem assim. As discussões por dinheiro
independem do vulto da riqueza, do estágio social e do nível de instrução. A
forma como se dão as brigas é que podem ser diferentes, mas ele é um
instrumento eficientíssimo de ataque e um gerador de confusões e mágoas,
também dos mais poderosos.
As pessoas costumam referir-se a dinheiro com dados objetivos e a
considerar os problemas em relação a ele, como diferenças no modo de
pensar. Elas costumam achar que brigam porque um quer planejar a vida
financeira da família de uma forma e outro de outra, ou que um dos dois
quer o planejamento e o outro prefere viver o dia a dia, sem nada planejar.
Em geral, essas situações eclodem quando começa a surgir um problema
financeiro.
Um especialista na área suporia que fosse fácil resolver a situação.
Bastaria que os ajudasse a fazer um plano relativo a despesas, receitas,
investimentos etc., e que tudo voltaria à normalidade. Verdade? De jeito
nenhum. Esse especialista logo perceberia que o problema está aquém e
além de sua capacidade de planejar e de pôr a vida financeira do casal em
ordem.
Numa separação, o casal vai ter que decidir a respeito de alimentos,
num determinado momento. Ocorre que, na maciça maioria dos casos, o
dinheiro foi uma das mais fortes razões da separação e eles ficam
desnorteados e enraivecidos, mais pelo sentimento de impotência do que
por razões ditas objetivas. Assim, trazem todos os documentos necessários
à discussão, como o rol de despesas com os filhos, com a casa e outras
mais, e falam das possibilidades financeiras de cada um, tendo,
aparentemente, todos os elementos para chegarem a um acordo rápido.
Afinal, os filhos são de ambos, eles os amam e querem o melhor para todos.
Na prática, porém, discutem, discutem e só agravam a situação, sem tomar
decisões que agradem a ambos.
Por que isso acontece, seja para reorganizar as finanças, no casamento,
seja para decidir sobre a pensão, na separação? Porque aquilo que as
pessoas chamam de diferenças no modo de pensar encobrem histórias de
vida. Assim, ao lado da pasta contendo números, os membros do casal
trazem pastas contendo, valores, crenças, mitos, histórias de família, o jeito
do pai, o jeito da mãe, os sentimentos, os ressentimentos e os preconceitos.
Felton-Collins (1992) diz que na história financeira de cada pessoa
existem mensagens, lembranças e atitudes em relação ao dinheiro, que ela
foi acumulando durante a vida, denominados pela autora de “investimentos
ocultos”.
Os investimentos ocultos são uma metáfora para os valores, crenças,
mitos e preconceitos transmitidos pelos pais, pela escola, pela religião e
pela sociedade. A pessoa, com as próprias experiências positivas e
negativas, vai alimentando sua “carteira” de investimentos emocionais, os
quais podem permanecer adormecidos até que um evento os desperte,
provocando desentendimentos.
O dinheiro, em última análise, tem um significado na vida das pessoas
e um simbolismo muito particular. Em razão disso, o mediador deve ficar
atento quando os mediados trazem suas definições sobre o assunto, para
tentar entender o que os mantém em suas posições e ajudá-los a sair do
impasse para a decisão.

4.11 AS INFORMAÇÕES

D urante a mediação, deve-se tentar obter todas as informações


necessárias ao acordo, como um rol exato dos bens do casal e uma
lista das despesas com os filhos. A mentira não pode ser admitida e, caso
haja dúvidas, deve-se solicitar que as partes tragam documentos que
confirmem suas assertivas.
No caso de imóveis a serem partilhados, por exemplo, pode-se pedir às
partes que consultem um corretor experiente e tragam suas avaliações à
sessão, para servirem de base para a discussão.
Em qualquer aspecto do conflito, os mediados poderão consultar
especialistas para evitar que haja erros no acordo ou que esse se assente em
uma base falsa.
No que se refere às consultas jurídicas, deve-se recomendar que sejam
feitas a seus advogados, ou, na falta desses, que consultem um.

4.12 DO ACORDO EM MEDIAÇÃO

A cada ponto acordado, na separação, o mediador redige uma cláusula de


acordo, que os mediados assinam, para que não haja dúvidas no
futuro. Tais cláusulas são levadas aos advogados para que opinem sobre sua
pertinência legal.
Quando o acordo tiver contemplado toda a controvérsia e estiver
concluído, o mediador o redigirá em linguagem clara e simples, em três
vias, e o lerá para os mediados, para que vejam se está tudo conforme
acertaram. Dado o “de acordo” final, mediador e mediados assinarão todas
as vias, das quais uma ficará para o mediador e as demais para cada um dos
mediados. Os mediados as levarão a seus advogados ou advogado único,
para que seja feita a redação em termos jurídicos na formatação habitual do
processo judicial.
Recomenda-se que conste do termo de acordo o fato de este ter sido
alcançado por meio de processo de mediação.
O documento legal é que será levado à homologação judicial.

4.13 MEDIAÇÃO E TERAPIA

A o falarmos sobre mediação, referimo-nos a conflitos


emocionais/relacionais, porque eles estão subjacentes às questões de
família e devem ser considerados pelo mediador. Assim, embora não haja
semelhança entre mediação e terapia, é preciso que se estabeleça uma
distinção mínima entre as duas atividades com o escopo de evitar qualquer
confusão por parte do leitor, além de deixar claro que terapia só pode ser
exercida por profissionais habilitados por seus órgãos de classe,
especializados e largamente treinados para tanto.

Mediação
– Processo breve
– Focado no conflito
– Considera a emoção como um todo
– Considera os estados emocionais: choque, negação, permuta, culpa,
medo, depressão, raiva, aceitação e resolução5
– Trabalha presente e futuro
– Visa à mudança nas relações
– Visa à tomada de decisões

Terapia
– Processo de duração variável
– Focado na investigação do vínculo
– Trabalha os conteúdos emocionais
– Trabalha passado, presente e futuro
– Visa à transformação do vínculo

Nada impede que o processo de mediação acarrete efeitos terapêuticos


– é até provável que isso ocorra – na condução de um mediador sensível e
experiente. O surgimento de tais efeitos, no entanto, não o autorizam a
supor que tenha conduzido uma terapia.

4.14 AUTOCONHECIMENTO

N egociadores, conciliadores e mediadores não podem prescindir de


autoconhecimento, e isso significa reconhecer a construção de sua
história pessoal, familiar e social, seus conflitos e preconceitos, seus limites
e limitações, pois é disso que deriva sua possibilidade de aceitar as pessoas
como elas são, de respeitar seus motivos e motivações e de acatar suas
decisões.
1 FRIED SCHNITMAN, Dora. Novos paradigmas na resolução de conflitos. Novos paradigmas em
mediação. p. 19.
2 Idem, ibidem, p. 20.
3 NEDER, Mathilde et alii. A mediação como forma de resolução de conflito. p. 1.
4 Neste item, é altamente recomendável a especialização.
5 Estágios pelos quais o indivíduo costuma passar ao ter um conflito agudo e sofrer uma forte
emoção.
A MENTALIDADE RENOVADA
DA MAGISTRATURA

5.1 JUSTIÇA E SENSIBILIDADE

A justiça é um dever do Estado. O acesso à Justiça é direito do cidadão.


A função social do Poder Judiciário é fazer justiça. A Justiça deve
estar a serviço da justiça. E ser justo, juridicamente, não significa apenas
cumprir a lei, mas atender ao que ela dispõe, interpretando-a a favor do
equilíbrio e do bem-estar social.
A Justiça de Família requer tratamento especial e diferenciado por
fazer parte das crises de mudança de ciclo familiar em que, portanto, não há
como negar o alto potencial de desestruturação emocional inerente. Nessa
Justiça, quaisquer que sejam as razões alegadas e qualquer que seja o
desfecho, não há vencedor nem detentor pleno da razão.
O desejo expresso pelas partes ou a questão patrimonial devem ser
analisados, considerando-se que foram conflitos emocionais que levaram à
pendência ou à decisão consensual pela separação, tendo-se sempre em
vista, portanto, que não se trata de uma mera dissidência entre cônjuges,
mas de evento que afetará, queira-se ou não, os destinos da prole.
A situação de separação, em si, leva a família a um estado de
desorganização e de caos que, com apoio emocional, deve demandar cerca
de três anos para atingir novo patamar de estabilização (Hetherington: 1982,
in Kaslow e Schwartz: 1995) e, sem isso, pode estender-se pela vida toda.
Dito de outro modo, a angústia, por várias razões, pode continuar aguda por
um período que dura de dois a cinco anos e, se seu nível for mais baixo,
pode cronificar-se, perdurando por muitos anos (Kaslow: 1997).
É de se supor, então, que a falta de apoio da rede social, que inclui
desde a família extensa e amigos, até ajuda psicológica especializada,
tenderá a dificultar o reajustamento.
Na condição de executor da lei, mais que isso, de distribuidor de justiça
e não de simples aplicador, cabe ao juiz interpretá-la de forma a preencher
lacunas e tentar esclarecer dúvidas, valendo-se de tantos recursos quantos
lhe ofereçam as ciências jurídicas, sociais e afins, seu conhecimento tácito e
suas ressonâncias. Em outras palavras, o juiz de Família tem que ser
sensível.
Essa sensibilidade para atuar em causas de família vem a público, nas
próprias afirmações de nossos entrevistados:
“Em casos de família não há litígio, há problemas de família. O juiz
processualista se nega a sentir o outro. O juiz de Família tem que ser
atuante, não, imparcial. Ele vai ver os pontos de divergência. O juiz de
Família tem um trabalho diferente dos outros”.
“O juiz de Família tem que ser sensível. Embora ele deva julgar só pelo
que está nos autos, tem que ir mais além do que está no processo. O
processo, muitas vezes, é um meio de comunicação entre as partes.”
“As ações de Família são diferentes, requerem outro tipo de
sensibilidade. O juiz tem que ser sensível e ter vocação. A visão de um juiz
de Família tem que ser outra. Se a senhora perguntar a um juiz do Cível ou
a um do Crime se eles querem fazer Família, vão dizer que não. Da mesma
forma, o juiz de Família não gosta de Cível ou de Crime. Faz-se, quando é
preciso.”
“Eu costumo dizer que nas Varas de Família se lida com hipocrisia e
egoísmo. Sou um juiz que se preocupa em fazer Família. Um juiz de
Família está diante de problemas pessoais. A separação é momento de
crise. Na área de Família, dez por cento é jurídico e noventa por cento é
bom-senso e experiência. O juiz tem que ser sensível ao tema, porque senão
não vai aplicar a melhor justiça. As crianças ainda são, teoricamente,
atendidas pelo Estado; os adultos são abandonados.”
“O trabalho de família não é mais fácil, é muito mais difícil. Há casos
que são gravíssimos e precisariam de muito auxílio. A experiência nos
mostra que na separação litigiosa há tanto a perder e tão pouco a ganhar,
que não vale a pena o risco. Quando chega a hora da separação, ambos
acabaram errando. É bem verdade que estamos num tempo de crises, mas a
crise na família está na dificuldade das pessoas em lidar com sentimentos e
em ser uma época de individualismo. O que é sério, também, é que há
consequências de ordem prática. Primeiro, a separação gera angústia e
instabilidade emocional na família. Segundo, em primeira instância1 o
processo leva de oito meses a um ano. Vai para o Tribunal de Justiça. Uma
apelação2 leva de dois anos a dois anos e meio para ser julgada. Tudo isso
aumenta o estresse da família. Alguns casos são infindáveis.”
“Faço Família há muitos anos. O juiz de Família tem que ter vocação,
tem que gostar de fazer Família. Como eu disse, entendo pouco de
Psicologia, mas os problemas de família são problemas emocionais.”
“Na área de Família, os problemas de família é que estão aflorando.”
“São problemas de família. O juiz usa da sensibilidade e da
experiência de vida, ajudando as pessoas a encontrar outras saídas. Se a
pessoa for reativa, não dá para ajudar. No rompimento, sempre alguém
chega mais fragilizado. Aí é que entra o papel do advogado e do juiz, na
tentativa de reequilibrar a situação. Na prática, o juiz vai ter que
administrar a situação. Uma palavra pode mudar tudo. O que mais
preocupa é a questão dos filhos. O juiz tem que fazer com que isso vá sendo
administrado, no tempo, até para que tudo se reorganize em um novo
patamar.”
“Precisamos ter cuidado com o que nós sentimos e achamos para não
atrapalhar. Uma vez que a lei fala em proteger o interesse do menor, o juiz
tem obrigação de ressaltar esse interesse. É preciso tentar demover os pais
de usar os filhos.”
O que se tem que resolver não é o processo, mas a questão da família.
Quase todos os participantes falam de sua vivência profissional,
trazendo à baila a questão emocional subjacente às causas de Família.
Lembram que o juiz não pode ser processualista, ou seja, que não deve
seguir rigidamente o formalismo jurídico e que precisa tentar ler nas
entrelinhas do processo, para poder ser melhor juiz de Família, pois os
autos podem estar sendo o veículo de comunicação entre as partes. Referem
que a separação implica uma crise, mencionam a falta de recursos
psicológicos de ajuda aos adultos, na Justiça, e integram a seu raciocínio a
necessidade de o juiz ser sensível ao tema, para fazer boa justiça. São
incisivos em sua apreciação sobre a dificuldade do exercício em Varas de
Família, o que é congruente com sua concepção de causas de família, e
acentuam a preocupação quanto à necessidade de recursos de ajuda mais
eficazes.
Os juízes trazem uma visão inter-relacional das causas da separação e
sua visão interdisciplinar sobre os efeitos do processo, concluindo que é
muita perda emocional para pouco ganho. Dizem, reiteradamente, que, nas
Varas, o que existe são problemas de família, além de observar que “no
rompimento, sempre alguém chega mais fragilizado”, e constatam que o
juiz de Família só conta com sua sensibilidade e sua experiência de vida
para tentar ajudar as pessoas a “encontrar outras saídas”.
Um dos entrevistados deixou como marca de seu discurso o cuidado
para não atrapalhar, ou seja, para não colaborar para o agravamento da
situação, deixando implícita a pergunta: o que fazer, de que recursos se
valer, para não agravar a situação? Seus colegas reafirmam a falta de
recursos jurídicos para atender a questões relacionais familiares,
confirmando o entendimento de que o trabalho judicial com famílias é
muito difícil e discorrendo sobre a dificuldade do trabalho das Varas de
Família, como um trabalho típico de comunicação verbal. Eles parecem
atribuir a dificuldade maior ao fato de o juiz de Família só contar com sua
sensibilidade e experiência de vida, em suma, seu bom-senso e,
provavelmente, só poder ter como objetivo alguma espécie de
convencimento, e não qualquer mudança qualitativa na relação. Aliás, a
lacuna na possibilidade de uma atuação mais eficiente é mencionada como
uma das falhas da formação do magistrado de Família. Falta-lhe
conhecimento sobre como falar com pessoas afetadas, emocionalmente.
Mesmo um juiz, cuja fala está dentro de um entendimento de que tudo,
na Justiça de Família, está circunscrito ao universo jurídico, tanto os
processos quanto os profissionais, aborda a necessidade de o juiz ter
vocação, ser sensível e gostar do que faz. Ele não expressa qualquer
necessidade de integração com outros campos da ciência e não revela outra
concepção de causa judicial de família, senão que “as ações de Família são
diferentes e requerem outro tipo de sensibilidade”. Ainda assim, e, talvez,
por considerar a mediação como matéria afeita só a advogados, ele a
acolhe, abrindo espaço para sua realização, quando as partes o solicitam.
De diferentes maneiras, os participantes, de um modo geral, reclamam
da falta de instrumentos psicológicos que os ajudem a ajudar as famílias em
processos judiciais de separação. Sua angústia condiz com o que pensa
Gergen (1993), para quem a família é um lugar em que os problemas se
instalam facilmente e em que as soluções são mais difíceis de ser
encontradas. Condiz, também, com a percepção de que os problemas só
chegam a eles, porque não encontraram solução, antes.
Mas, a propósito da postura da rede de profissionais, os entrevistados
não se limitaram a falar de si e também se manifestaram a respeito de outro
pé do tripé jurídico, o advogado, confirmando a ideia de que o processo é
uma construção inter-relacional. Aparece, nos diversos discursos, o
reconhecimento de que a realização da justiça é uma construção conjunta.
Aparece, também, o reconhecimento das limitações de sua função, por
interdepender dos demais operadores jurídicos. Aparece, ainda, clara, a
necessidade de que os advogados sejam sensíveis aos problemas relacionais
familiares, para que se faça a boa Justiça.
A menção à colaboração dos advogados indica um fundamento
jurídico: em casos não previstos na lei, nem contrários a ela, o juiz, em
geral, só pode tomar iniciativa com a concordância das partes, o que, via de
regra, implica a concordância de seus patronos. O advogado é elemento
fundamental nos processos judiciais.
Casos de família, em Direito, são regulados pelo Direito de Família e
este, por excelência, deveria contar com intervenção interdisciplinar por
tratar-se de parte do Direito Civil que, mais que qualquer outra, se ocupa da
intimidade do cidadão, enquanto ser humano: seus sentimentos, suas
angústias, suas emoções, seu destino como pessoa. É nessa área que os
conhecimentos do Direito pátrio, os da ciência psicológica e os da ciência
social podem interligar-se, com fecundos reflexos no bem-estar dos
indivíduos e no bem-estar social. É o lugar de onde o Direito transcende seu
objetivo primário – organizar a sociedade de uma forma justa – para atingir
o âmago dos cidadãos, em seu desiderato: a possibilidade de ser feliz.
A Constituição Federal determina a promoção da dignidade da pessoa
humana e assegura, a todos, existência digna, conforme os ditames da
Justiça Social. E não é sem motivo que, em seu art. 226, prevê e provê
“especial proteção” à família, como base da sociedade, colocando a criança,
o adolescente e o jovem “a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, maldade e opressão” (art. 227).
Fica claro que esses dispositivos constitucionais não se referem apenas
a aspectos materiais, mas que as necessidades básicas de alimentação, teto,
educação se devam prover em ambiente, o quanto possível, mentalmente
saudável e harmonioso. É ponto pacífico, para os estudiosos da ciência
psicológica, que o primeiro ambiente dos filhos são seus pais.
Por análogo raciocínio, pode-se entender que discriminação,
exploração, violência, maldade e opressão não devem ser compreendidas
tão somente dentro do amplo espectro macrossocial, mas como eventos que,
de maneira mais, ou menos, sutil, ocorrem dentro do microcosmo familiar,
durante e após o processo de separação conjugal, independentemente do
desejo e do grau de consciência dos progenitores.
Assim, podem-se considerar como negligentes tanto ações humanas
que propiciem aquelas ocorrências (por exemplo, atitudes dos pais) quanto
inações em relação à tentativa de preveni-las ou desestimulá-las por parte
de quaisquer profissionais que, por força de ofício, estejam em contato com
famílias em situação de crise.
Em causas judiciais de família, não se deve privilegiar o tempo
material do andamento do processo, mas a qualidade de uso desse tempo,
uma vez que, em tais ações, não está em jogo meramente o patrimônio ou
“quem tem razão”. Numa separação está em jogo a própria vida das pessoas
e, particularmente, o crescimento dos filhos em direção a uma melhor ou
pior integração psicossocial na vida adulta. Por outro lado, as causas de
família também não podem estender-se demasiadamente, sob pena de os
menores terem os anos mais importantes de sua vida sacrificados.
Nos processos de separação judicial, os problemas relacionais do casal
e os aspectos emocionais de cada um aparecem sob a forma de
desentendimento, de acusações, de não possibilidade de conciliação quanto
à pensão alimentícia, quanto à guarda dos filhos e forma de visitas. Isso
implica algum grau de dificuldade em pensar na criação dos filhos,
conjuntamente.
Ao contrário, os filhos acabam sendo objetos de disputa do casal e a
questão econômico-financeira é usada como instrumento de poder, pondo
em risco o saudável desenvolvimento psíquico e, muitas vezes, a própria
subsistência daqueles.
O sentimento de solidariedade não aparece, muitas vezes, nem como
pano de fundo.
É importante considerar que aquilo que aparece como objeto do litígio
– discussão por alimentos, guarda, visitas ou o que quer que seja – na
verdade, não é o foco do conflito, pois este se encontra na disfunção
relacional dos parceiros e a estes será preciso socorrer, se se pretende
dirimir aquele conflito ou, ao menos, minimizar aquela disfunção.
Daí ser tão importante contarmos com juízes humanitários. A maioria
dos que conversamos falou sobre humanitarismo na Justiça de Família e
revelou a importância que dá à experiência pessoal:
“Um juiz de Família tem que ser diferente dos demais. Deveria ter
experiência matrimonial, saber como uma criança se sente, como é educar
um filho, saber que todo casamento tem altos e baixos, aprender o que é ter
tolerância, num casal, até para saber que, em alguns casos, separar-se é
salutar e, em outros, é trocar seis por meia dúzia. O juiz precisa sentir na
pele, porque em casos de Família ele está diante de problemas de família.
Junto a tudo isso, a formação é essencial”.
“O juiz é um ser humano e tem sua vivência. Sei como é sofrido para
um filho passar por tudo isso. Ver o pai ter que sair de casa, ficar vendo o
sofrimento da mãe. Isso, também, ajuda muito a pensar em como ajudar.”
“Ninguém obriga o ex-casal a ser inimigo. Eu sou separado e, de vez
em quando, em alguma comemoração, lá estamos, num restaurante, meus
filhos, a mãe deles e eu. É possível, sim. Todo filho gosta disso, porque o
pai continua sendo pai e a mãe, sendo mãe. É preciso saber conviver,
porque, hoje, os casais separam-se mais que antigamente.”
“Tive um caso que decidi, houve recurso e foi para o Tribunal. O
desembargador que cuidou do caso, suspendeu minha sentença, desceu
aqui, mandou chamar os filhos e conversou com eles. No fim, até deixou a
menina que queria ficar com a mãe, com ela, e os outros, com o pai. Foi
uma atitude humana, de muita sensibilidade, sair do Tribunal para ouvir as
crianças. Tive vontade de telefonar e lhe dar os parabéns.”
“Atitudes de flexibilidade e humanidade têm a ver com a história de
vida do juiz, seus valores e sua visão de mundo, porque a pessoa é aquilo
que ela é, em suas posturas. Até acho que a Justiça tem uma tendência
conservadora, porque o juiz, geralmente, é um homem que vem da classe
média, que é uma classe, nitidamente, mais conservadora.”
“As experiências de idade e de casamento enriquecem, porque a
história da pessoa faz parte de seu ser ideológico.”
“O juiz usa da sensibilidade e da experiência de vida, ajudando as
pessoas a encontrar outras saídas. Há uma expectativa das partes, de que o
juiz tenha uma certa vivência. O juiz mais velho já tem uma história de vida
que contribui para estabelecer uma relação de confiança. As pessoas se
identificam.”
“A história de vida do juiz tem um peso importante, porque é ela que
determina um certo olhar sobre as situações.”
“A interpretação vai variar de acordo com a vivência do juiz, com sua
visão. O juiz menorista, de Vara da Infância e Juventude, e o juiz de Família
vão interpretar de uma maneira; o juiz formalista vai interpretar de outra.”
A flexibilidade serve a todas as situações de vida.
Um dos juízes nos disse que, em geral, o juiz não fala com as partes, e
explicou essa atitude como sendo uma forma de proteção. Narrou-nos, no
entanto, o episódio seguinte:
“Quando eu estava em uma Comarca do interior, houve um caso em
que havia muito inconformismo de um pai por estar sem os filhos. Um dia,
ele me procurou na Vara e disse: ‘Doutor, fiz uma besteira.’ O que você
fez? ‘Fui à escola e raptei as crianças.’ Onde elas estão? ‘Na minha casa.’
Foi uma besteira, mesmo. Vá imediatamente para lá e as devolva”.
Aí está, novamente, o lado humanitário, sensível e menos formal do
juiz de Família. E é ele próprio quem afirma: “Em casos de Família, tem
que ser diferente”.
Em nossas conversas, as dificuldades para atuar com os conflitos
emocionais da família não foram esquecidas pelos magistrados, que
revelaram quão difícil é ser um juiz preocupado com aqueles conflitos. Até
por causa disso, no entanto, parecem ter muito orgulho de sua função social.
“O trabalho de família não é mais fácil, é muito mais difícil. Há casos
que são gravíssimos e precisariam de muito auxílio”.
“Na nossa área não se pode resolver tudo, juridicamente. O sistema
legal não nos dá todos os instrumentos para resolver. Essas são situações
que só se resolvem, processualmente, porque chega uma hora em que o juiz
tem que decidir, mas o problema continua.”
Essas são afirmações importantes, porque refletem a preocupação de
profissionais que se ocupam da função de decidir sobre crises de separação
e aos quais a lei propicia uma razoável liberdade de ação.
A independência do Judiciário é fundamental para a realização da
justiça. Essa independência não é mera conveniência dele, mas é do
interesse de todos os que dela se beneficiam: o indivíduo, os grupos sociais,
a sociedade. Para Dallari (1996) “A Magistratura independente é que pode
garantir a eficácia das regras de comportamento social inspiradas na busca
da justiça”.3
A independência da função do juiz, protegida pela Lei Maior, constitui
o magistrado peça-chave na construção de uma nova Justiça. Essa
independência tem que andar junto com seu comprometimento com a
Justiça, porque o juiz pode ser o último reduto oficial de proteção da
dignidade do indivíduo e da família e um elemento decisivo de renovação
da Justiça.

5.2 UM JUIZ MAIS TRANSPARENTE

A maior e mais transparente inserção no processo social está levando


mais e mais o juiz de Direito a agir na direção de efetivos benefícios à
comunidade que serve, com os recursos teóricos e técnicos deste tempo.
Os juízes de hoje tendem a não ser tão dogmáticos. Colocam-se como
seres ideológicos, que o são, sem receio de perder a autoridade ou a
imparcialidade. Dão entrevistas em veículos de comunicação, talvez por
perceberem que, ao se mostrarem como seres ideológicos e como cidadãos,
não lhes é retirada a possibilidade de serem isentos e imparciais em suas
decisões. Participam de cursos nacionais e internacionais, promovidos ou
intermediados por entidades de classe, representando um aval hierárquico
dado ao juiz para a busca de ampliação de seu cabedal de conhecimentos
em outros espaços culturais.
Os juízes, hoje, já não pretendem passar a imagem de oniscientes, tanto
que se afiliam a entidades científico-culturais, que não são as ligadas a sua
entidade de classe, o que faz pressupor seu interesse em realizar trocas com
outros segmentos culturais e profissionais.

5.3 A INTERSECÇÃO COM O MUNDO EMOCIONAL

A subjetividade do juiz começa a aparecer de forma menos revestida de


legalidade e as referências, mesmo que indiretas, a aspectos
psicológicos do ser humano, bem como a efeitos emocionais do
relacionamento familiar, já surgem em acórdãos, talvez pela maior
divulgação dos escritos psicológicos.
Eis alguns trechos de acórdãos, extraídos do Vademecum
jurisprudencial. Separação judicial e divórcio:
Verbete 429:4
“(...) não se deve, nunca, sobrepor ao relacionamento pais e filhos os
interesses individuais dos cônjuges”.
Verbete 252:5
“(...) buscar um consenso maduro e harmônico, evitando reflexos
desfavoráveis à própria formação do filho, (...)”.
“Cabe, pois, aos pais – até para minimizar as consequências da
separação perante o filho – buscar um consenso maduro e harmônico no
trato de tais questões, não fazendo da criança instrumento de suas próprias
frustrações.”
“A situação de animosidade entre o casal, (...) está provocando
divergências que atingem o menor (...).”
“Aos filhos não pode ser debitado o fracasso da convivência conjugal
de seus pais (...).”
“(...) Infelizmente, não percebem os pais dessas crianças o mal que
estão lhes causando. Degladiam-se entre si, destilando ódio e rancor por um
passado, por um casamento que não deu certo.”
“(...) os pais são como a vara guia do cego para que estes (os filhos)
possam se guiar pelas veredas da vida sem se machucarem.”
Acórdãos, como os citados, são sugestivos a respeito da importância
que o Judiciário está atribuindo a temas como prevalência do interesse dos
menores, dinâmica familiar, importância dos pais no desenvolvimento dos
filhos, o fato de os filhos serem atingidos pela crise por que passa o casal, a
importância da maturidade emocional dos pais e a necessidade de um
relacionamento saudável dos pais (não do casal), para minimizar, nos filhos,
os prejuízos inerentes à crise da separação.
São de tribunais brasileiros esses acórdãos que trazem em seu bojo a
semente do reconhecimento de um novo conhecimento, nascido de outra
ciência. Aqui, parece, a rega de informações pode encontrar um terreno
fértil.
Com o poder que lhe empresta sua função, o juiz é peça-chave na
renovação da Justiça de Família. É ele que conduz o processo; é ele que
conduz as provas; é ele que pode – e deve – procurar amenizar os efeitos da
lei, quando esta puder atingir, de forma prejudicial, ainda que indireta,
inocentes; é ele que toma decisões.
Em consonância com isso, os juízes nos disseram como entendem que
deve ser um juiz que trabalha com o destino das famílias que recorrem ao
Judiciário. E, contrariamente ao que se poderia imaginar, os entrevistados
destacaram aspectos afetivos da personalidade, como indispensáveis ao
exercício de sua função: sensibilidade, vocação, empatia e informalidade.
Eles consideram que:
“O juiz tem que ser sensível. Embora, ele deva julgar só pelo que está
nos autos, tem que ir mais além do que está no processo. Na minha opinião,
deveria ser obrigação do juiz de Família agir com sensibilidade. O juiz
processualista se nega a sentir o outro”.
“O juiz tem que ser amigável. As crianças, por exemplo, não podem ser
ouvidas na sala de audiências”.
“O juiz não precisa ser separado para entender as situações, porém um
juiz separado e maduro tem um elemento a mais para entender o problema
emocional das pessoas”.
“O sentimento tem que prevalecer. O juiz tem que ter sensibilidade,
tem que ser uma pessoa humana e tem que ter paciência.”
“Para lidar com tantas separações, alimentos, guarda e visitas, todos os
dias, o juiz de Família tem que ter vocação, senão não ajuda em nada”.
“O juiz de Família tem que ser vocacionado. O juiz não vocacionado
vai sofrer. Ele não vai fazer o que devia e vai ser infeliz.”
“O juiz tem que ter amor à Justiça e não ao processo.”
“Tem que ser um juiz vocacionado e muito bem assessorado.”
“Eles precisam sentir que o juiz está ouvindo o que eles estão dizendo.”
“O juiz precisa ter empatia, porque o que o juiz tem que fazer é se
colocar no lugar das partes. Não que tenham que ter os mesmos valores,
mas o juiz precisa ter empatia. Para o solteiro e para o muito jovem é mais
difícil.”
“O juiz tem que poder conversar com as pessoas. Ele tem um trabalho
diferente dos outros.”
“O juiz se protege não falando com as partes, mas em Família é
diferente.”
“A função do juiz é deixar a parte falar, desabafar, se sentir importante
por ser ouvida, e ter paciência.”
“O relacionamento do juiz com o advogado, o promotor e as partes tem
que ser mais aberto.”
“Às vezes, converso horas com as partes. Uma audiência pode levar
três horas. Falo bastante para amaciar e desarmar os espíritos. Exponho
os aspectos da própria separação e previno-os de que durante o processo
eles não vão lembrar do que falamos, aqui, e só vão lembrar das mazelas e
vão se agredir.”
“O juiz de Família tem que ser um juiz sensível, ter empatia,
capacidade de conciliar e capacidade de dar soluções.”
“Tive um pedido de pensão, em que, só na inquirição, vi que a menina
tinha vinte e um anos. Disse para ela que iria passar a chamá-la de você,
não mais de senhora, porque ela era muito jovem e começamos a conversar,
até que eu lhe disse que ia ver o que era possível fazer, mas que o que ela
estava querendo não era pensão, e sim, uma mesada do pai, para ter atenção
dele, estar mais perto. A isso a gente chega pela ‘máxima da experiência do
juiz’. A ‘máxima da experiência do juiz’ é tudo o que o juiz conhece, como
juiz e como experiência de vida. Vem de algo que a vida foi ensinando. E
tem a ver com sensibilidade.”
Mas os juízes falaram mais, muito mais, e nos parece indispensável que
o leitor saiba o que eles disseram, pois aquilo que não é divulgado se torna
quase inexistente. E é possível que pessoas que tenham autoridade para
ajudar a mudar o Judiciário, possam tomar conhecimento de suas
observações e reflexões tão sensatas e importantes, desde que baseadas na
experiência, e pensem em como utilizá-las na realidade que administram.
A respeito de formação, por exemplo, os juízes com que conversamos,
trouxeram contribuições valiosas:
“O juiz aprende a fazer, fazendo, porque na Faculdade de Direito só
aprendemos o jurídico e depois, no Curso de Formação, também vamos
retomar o que já tínhamos aprendido. A gente tenta suprir a falta de
formação específica. Às vezes, receio que uma parte tome uma atitude
desesperada, até por amor aos filhos”.
“Como falar com as partes? Aí está uma das deficiências da formação.
Na parte dos recursos psicológicos, está a falha da formação, porque a
formação repete o que já sabíamos e os recursos jurídicos nós já
conhecemos, mas a área de Família lida com problemas emocionais das
famílias, e não há preparo para isso. Algumas vezes, achei que seria
necessário um trabalho preventivo, mas sempre imaginei que a procura
deveria partir ou das próprias pessoas ou por indicação do advogado,
porque o juiz só pode resolver o problema formalmente. Mais uma vez, a
questão da formação.”
“Acho que a formação de todos nós da área jurídica deveria ser mais
voltada para os aspectos humanitários, especialmente quem trabalha na área
da Família. O ato de decidir é um ato muito solitário. A formação do juiz
deveria ter preocupação em desenvolver o lado humanitário.”
“Trabalhar em Vara da Família requer estudo especial. O mesmo vale
para juízes e promotores. Ser juiz em Vara Cível é uma coisa, em Família, é
outra. No caso de nossa área, aqui, é bom ler por conta própria, e seria
importante ter psicólogos, psiquiatras etc., dando palestras, passando
experiências, principalmente para os jovens, porque nós, alguma coisa já
aprendemos à força.”
“Na parte dos recursos psicológicos, está a falha da formação, a área de
família lida com problemas emocionais das famílias e não há preparo para
isso.”
“Falta preocupação na formação do juiz de Família. Na Alemanha, o
juiz de Família tem que ter uma formação específica, incluindo o estudo de
Psicologia.”
Entende-se que o juiz de Direito tenha essas preocupações, pois, pela
norma cogente, o casal em processo de separação precisa encontrar-se com
ele, judicialmente, e é ele que vai definir, por meio de sentença, o que é o
melhor para os menores. É ele, também, que pode ressignificar a audiência
preliminar de reconciliação para deixar de ser pouco mais que mera
formalidade e poder tornar-se um momento de efetiva importância no
processo, inclusive nas separações consensuais, pois o fato de serem
consensuais não implica que não guardem conflitos emocionais subjacentes,
haja vista as ações delas decorrentes.
Nesse sentido, e dada a direção que as conversas foram tomando, já
não nos surpreendeu que eles fizessem sugestões quanto a mudanças na
grade curricular dos cursos de preparação para a Magistratura e mesmo das
Faculdades de Direito:
“Acho importante o ensino de Psicologia nos cursos de Direito e nos
cursos de preparação de candidatos à Magistratura. É como nós termos tido
curso de Medicina Legal. Acho que deveria haver uma disciplina sobre
Psicologia voltada ao Direito de Família”.
“Na Escola Paulista da Magistratura, seria interessante ter noções
básicas de Psicologia, conhecimento de outras disciplinas.”
“No estágio inicial, as noções teriam que ser superficiais, porque se
está preparando o juiz como um todo e para todas as áreas. Na Escola de
Magistratura já se poderia fazer algo mais aprofundado para o juiz de
Família, com curso de Psicologia. Mesmo nos Centros de Estudos
regionais, poderia ser dada Psicologia para a área de Família.”
“A verdade é que, juridicamente, é difícil para o juiz minimizar os
prejuízos emocionais.”
“O sistema legal não nos dá todos os instrumentos para resolver.”
“Acho importante uma Cadeira sobre noções básicas de Psicologia,
desde o curso de Direito, e não só para juízes de Família. Todo mundo que
trabalha com o ser humano precisaria ter essas noções.”
“Seria importantíssimo o estudante de Direito e o candidato à
Magistratura saberem um pouco sobre Psicologia, sobre família, sobre
crianças. Em primeiro lugar, um juiz de Família tem que ser vocacionado;
em segundo lugar, ele se beneficiaria muito de conhecimento específico.”
“Eu acho que a introdução de um curso sobre Psicologia, na formação,
seria bom ou, pelo menos, de noções básicas que orientassem como
encaminhar certas situações.”
“Num tempo em que há uma preocupação de cuidados com a
cidadania, não haveria necessidade de um Direito de Família próprio ou de
um Código de Família, mas um Caderno de Psicologia seria muito
interessante, porque o juiz tem que atuar como um psicólogo, com bom-
senso.”
“Há casos que nem o juiz nem os advogados podem captar totalmente.
E há coisas que nós, do mundo jurídico, não podemos entender. Por
exemplo, às vezes, o que a parte alega, para ela é verdade e para o outro,
não.”
“Nesse sentido, o instituto da mediação de que vocês falam, lá no
IBEIDF,6 é espetacular. Eu comecei a ouvir falar sobre isso com vocês e a
ler seus artigos. Conhecer o funcionamento de famílias, como elas
funcionam, emocionalmente, seria indispensável, porque o conhecimento
tem que transbordar da gente. Por isso que agora que estou fazendo só
Família, estou procurando me informar dos aspectos emocionais. Foi por
isso que entrei para o IBEIDF. Além da experiência jurisdicional, é
necessário ter conhecimento teórico.”
“Acharia bom conhecer melhor os recursos psicológicos.”
“Eu mesmo comecei a ler sobre Psicologia. Foi engraçado o dia em
que eu percebi que entrava na Saraiva7 e ia direto para a seção de
Psicologia e não de Direito. Gosto de autores que escrevem simples,
falando de coisas do dia a dia.”
“O processo, muitas vezes, é um meio de comunicação entre as partes.
A letra da lei é fria. Psicologia é fundamental. Eu queria muito fazer um
curso intensivo.”
O fato é que, em nossos longos diálogos, os juízes deram a impressão
de efetivamente estar tendo um canal de expressão, o que era verdade, e
foram ampliando o contexto. Pareciam estar certos de que daquelas
conversas resultaria um livro – alguns o cobraram, expressamente – e
atitudes muito afetivas, esperançosas, colaboradoras e reasseguradoras
apareceram, como na fala desta juíza: “A criança não sabe discriminar se
papai e mamãe estão se separando, porque não se dão bem entre eles ou
por culpa dela, e se vão se separar dela, também”.
A mentalidade renovada da Magistratura abre um espaço precioso para
a reflexão sobre a família, na Justiça.
Uma maior consideração do juiz pelo fato de que a família, ao tempo
da separação, vive uma crise importante, está em processo de mudança
significativa de vida e necessita de ajuda para desprender os elos, legais e
psicológicos, que o casamento criou no casal, tanto quanto precisa de
auxílio para fortalecer os elos parentais, pode ser “a diferença que faz a
diferença” de que fala Bateson (1986). Essa abertura do Judiciário, aliada à
autoridade de que se reveste a função judicante, poderá ser decisiva para a
renovação da Justiça de Família.

5.4 A LETRA DA LEI PODE SER FRIA, NÃO OS SEUS EXECUTORES

O s juízes, de modo geral, são vistos pela sociedade como pessoas


formais e profissionais formalistas, que julgam os conflitos com os
olhos da lei. Os que entrevistamos reverteram essa imagem no que diz
respeito à área da Família. É possível que isso só tenha ocorrido agora, por
nunca ter havido uma pesquisa em que a amostra fosse composta de juízes,
como afirmou um titular antigo. Pode ter sido uma oportunidade ímpar,
porque, durante o processo judicial, a postura do juiz pode refletir seu lado
humanitário, mas ele é obrigado a se ater ao que dos autos consta, bem
como não lhe cabe expressar suas ideias, como cidadão.
Fez parte de nossos objetivos trazer uma ideia ampla sobre o
pensamento de juízes de Família acerca do fenômeno da separação
conjugal. Esse pensamento vem expresso em vários momentos, neste livro.
Aqui, lembramos, sob a forma de texto, algumas frases emblemáticas que
representam o pensamento da maciça maioria dos entrevistados.
O casamento é feito de dois. O casamento é um dar-se mútuo
espontâneo. O dia a dia do casamento traz desgaste. Todo casamento tem
altos e baixos, tem que aprender o que é ter tolerância, num casal. Hoje, o
grau de tolerância é muito menor. Há muito individualismo. Os dois são
independentes, financeiramente, o que, às vezes mais afasta do que
aproxima. Ser solteiro é ser solteiro, o casamento exige ajustes.
A importância da parte emocional é inegável na separação. Na maioria
dos casos, mesmo nos amigáveis, com tudo certinho aparentemente, há um
componente de sofrimento, de dor moral pelo fracasso do casamento. Os
problemas de família são problemas emocionais. Há um substrato
emocional preponderante. Há um “monte” de coisas debaixo das atitudes
das pessoas. A área de Família lida com problemas emocionais das famílias.
Um juiz de Família está diante de problemas pessoais. O juiz tem que
perceber que ele lida com temas, com problemas diferentes. Sentença não
resolve problema pessoal.
Causas de família são problemas de família, que chegaram ao juiz,
porque não encontraram outra solução, antes. O juiz, em si, é um órgão
jurisdicional. Chega-se a ele, quando já se esgotaram todas as
possibilidades de solução do conflito. As pessoas, muitas vezes, acham que,
aqui, vão resolver uma situação de vida, criando empecilhos. É uma
maneira de se agarrar a um casamento que já acabou. O instrumento do
juiz é jurídico. O contato com as partes é jurídico, curto, intermediado por
advogados. O juiz só tem meios formais.
Vejo que em qualquer classe há muitas coisas numa separação. Por
exemplo, um pai desvalorizado, um pai desempregado, pessoas com as
crises da idade. Muitas vezes, o casal está como na música do Chico,8 “se
adorando pelo avesso”, porque a gente nunca tem mágoa, ressentimento,
raiva de quem não significa nada para a gente. A obrigação do juiz é
resolver o conflito jurídico, mas, se a gente puder ajudar a prevenir os
problemas emocionais, isso, na área da Família, é importante.
Como problemas jurídicos, os problemas não são tão intrincados,
comparados a outras áreas do Direito: são problemas de família. São
situações que só se resolvem processualmente, porque chega uma hora em
que o juiz tem que decidir, mas o problema continua. O que se tem que
resolver não é o processo, mas a questão da família.
Na separação judicial, as vítimas são os filhos. É difícil, juridicamente,
o juiz minimizar esses prejuízos, porque depende da boa vontade das partes
em cumprir as determinações. O que mais preocupa é a questão dos filhos.
Acho que surge uma agravante nos casos de adolescentes.
Não tenho dúvidas de que os filhos saem muito machucados pelos
problemas dos pais. O problema é que os filhos ficam envolvidos num
turbilhão e não têm culpa. Uma vez que a lei fala em proteger o interesse
do menor, o juiz tem obrigação de ressaltar esse interesse. É preciso tentar
demover os pais de usar os filhos. É difícil calcular o impacto sobre as
crianças. É difícil optar pelo que fazer, que não prejudique, ainda mais, a
criança. Causa mais prejuízo para a criança, ter que escolher entre pai e
mãe. “Me preocupa” mais o direito da criança. A criança é punida duas
vezes, uma, por não ter pensão, outra, por deixar de ver o pai, que é direito
dela.
São os casais mal separados que geram problemas nos filhos. O
prejuízo varia com o comportamento dos pais depois da separação.
Aqueles que conseguem lidar com a separação de forma adulta, madura,
diminuem o prejuízo.
Quando o casal chega, eu deixo uma parte falar e esgotar todo o
“veneno” e não deixo a outra interromper. Depois, o mesmo com a outra.
Eles precisam sentir que o juiz está ouvindo o que eles estão dizendo.
“Aqui, nem um de nós é bobo. O senhor está usando seus filhos para
prejudicar sua mulher.” Eu não deixo passar, porque entendo que é até uma
ajuda.
O que o juiz tem que fazer é se colocar no lugar das partes. Não que
tenham que ter os mesmos valores, mas o juiz precisa ter empatia. O juiz
tem que se diferenciar, é em termos de sensibilidade e aí, às vezes, o tempo
e as experiências de vida fazem diferença. Para o juiz muito jovem, eu acho
um problema trabalhar com famílias, porque há uma expectativa das partes
de que o juiz tenha uma certa vivência. O juiz mais velho já tem uma
história de vida que contribui para estabelecer uma relação de confiança. As
pessoas se identificam. Um juiz muito jovem, de vinte e três anos, por aí,
acho um pouco complicado pela falta de experiência de vida e, também,
jurídica. Um juiz muito jovem em Vara especializada é meio difícil haver. O
tempo de trabalho no interior ajuda a aprender e, depois, no interior não tem
tanta separação. A carreira traz experiência.
O juiz precisa ter uma solução técnica. Precisa julgar só pelo que está
nos autos. O juiz de Família tem que acabar com as pendências, e a lei dá
espaço para ele. A lei deixa muito espaço para o juiz sensível. Diria que
muito pouco se usa a lei, porque a lei dá muita abertura. Existem muitas
brechas no processo.
Existem muitas brechas no processo para introdução de práticas que
ajudem o casal a se separar. Na separação judicial é possível,
principalmente, entre pessoas da classe “A”, que são mais informadas e
parece que consideram a ajuda providencial. Às vezes, as pessoas nem
sabem que existe um trabalho desse tipo.
De uma certa forma as decisões são irreversíveis. Quando é dada uma
decisão, demora tanto tempo para poder ser modificada, que, às vezes,
quando se consegue, já não é o mais importante para aquelas pessoas. Um
recurso, no Tribunal, demora dois anos. Numa ação de visitas ou de guarda,
dois anos pode ser muito tempo. Depois de dois anos, a solução dada pode
não ser a melhor, porque o problema já é outro.
Não há nada nesse sentido, de recursos de ajuda psicológica durante o
processo, no Código de Processo Civil. O juiz não pode determinar. A
posição legal é melhor. Ter lei que facilitasse o encaminhamento é mais
fácil, porém, enquanto não há, o juiz pode fazer uma recomendação. Se
houvesse lei, seria bom. A existência de lei faz as pessoas pensarem no
assunto. É o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente. Acho que o
auxílio preventivo para o casal deveria ser previsto em lei. Agora, seria um
bom momento.
A lei é um material muito importante, porque ajuda o juiz a pensar.
Mas veja o ECA: é um estatuto tão bem feito e nem sempre é aproveitado
no que tem de melhor. O juiz tem que ser uma pessoa humana. Aí, a
existência da lei vai facilitar para ele exercer sua sensibilidade. O
parâmetro que o Judiciário tem é o interesse do menor. Para aqueles que só
trabalham com a lei, se a lei avança, eles têm que avançar. Uma vez que a
lei fala em proteger o interesse do menor, o juiz tem obrigação de ressaltar
esse interesse.
Em casos de separação consensual é muito difícil fazer alguma coisa,
no Judiciário. Já vem tudo pronto. O juiz tenta a reconciliação, porque é
obrigatório, mas não há espaço para nada, o que não significa que o fato de
ser consensual seja bem resolvido, porque depois da separação é que
começam os problemas.
Na minha opinião, todos os operadores jurídicos que atuam em Varas
de Família precisam ser sensíveis, no sentido amplo do termo, e ter
paciência. Todos, o juiz de Família, o advogado, o promotor têm que ser
sensíveis, senão não sai acordo. O advogado é importante para trazer
benefícios ou malefícios ao caso. Há advogados com quem não é possível
acordo. São os que não são sensíveis. Esses entram com um monte de ações
antes da separação. Fui advogado de Família por mais de dez anos antes de
ingressar na Magistratura e nunca entrei com tanta ação. Os advogados
sensíveis não entram. Advogados sensíveis facilitam muito. Com
advogados que só estão preocupados com o seu cliente, que interferem
demais, as pessoas já chegam instruídas e, praticamente, não dá para fazer
nada.
O equilíbrio do advogado, na separação, é fundamental na segurança
dos filhos. Quando os advogados são sensíveis, o trabalho fica muito
facilitado. É muito mais desgastante, quando os advogados são legalistas.
Um advogado muito formalista pode até atrapalhar as pessoas. Nesses casos
de ajuda preventiva, para a acolhida da recomendação a participação dos
advogados também é muito importante. Há casos que nem o juiz nem os
advogados podem captar totalmente. Tem advogado de todo tipo: ativo e
passivo, para o bem e para o mal. Uma palavra de um advogado pode
destruir um acordo que levou tempo para ser conseguido. O perfil dos
advogados é básico em causas de Família. Quando os advogados
colaboram, isso facilita demais.
Quanto ao uso de recursos propriamente psicológicos podendo ser
aplicados ao processo, tenho receio de sugerir terapias. Pode criar um
monstro para as pessoas, porque o juiz precisa ter uma solução técnica. Não
há nada nesse sentido no Código de Processo Civil, o juiz não pode
determinar, então, só em casos graves, mando fazer perícia. Existem muitas
brechas no processo para introdução de práticas que ajudem o casal a se
separar. Só não sei como poderia ser. Nas separações consensuais é mais
complicado, porque não sei se você sabe como estão se processando essas
ações. A ação é distribuída e julgada no mesmo dia. Não sei como faria
isso. E, como lhe disse, os laudos não são satisfatórios. Uma proposta que
tem aparecido é da mediação. É interessante, porque, na área de Família,
dez por cento é jurídico e noventa por cento é bom-senso e experiência.
Como se poderia fazer, numa proposta como a sua, para atender casais que
não podem pagar? Vejo que em qualquer classe há muitas coisas numa
separação. Como poderíamos integrá-lo ao processo?
Acho que isso deveria ser previsto em lei. Eu nunca consegui uma
reconciliação. Talvez não me tenha sentido preparado para isso. É difícil a
reconciliação e nem sei se vale a pena reconciliar. Então, mandar para um
terapeuta familiar, até para ver se é caso de separação, é uma coisa que
poderia ser pensada. Às vezes, o tempo é importante. Não se poderia usar
esse tempo para um trabalho efetivo com a família? Acho que sim, seria
bom, mas como apareceria no processo? Talvez pudesse tomar por termo,
nos autos.
Precisamos encontrar outros meios, além dos que estão no Código,
para ajudar nessas situações [narra um caso]. Essa é uma típica situação
do Direito de Família, que é muito difícil de se executar. Esses casos, só o
Direito não resolve. Temos que ter a colaboração da Psicologia e do
Serviço Social. Chega uma hora em que o juiz tem que decidir, mas o
problema continua.
Gostaria muito de fazer essa experiência. Do início da ação, da
audiência prévia até o início da instrução dá uns quatro meses. Você acha
que é suficiente? Se o casal não está convicto, dá uns quatro meses para a
próxima audiência e poderíamos usar esse tempo para um trabalho de
preparação da ação.
Seria necessário cerca de um ano para uma terapia. E um tempo
menor? Se as partes estiverem de acordo, poderia, porque temos a audiência
prévia, a contestação prévia, o saneamento do processo e a audiência de
instrução e julgamento. Dá um tempo menor, mas dá.
Falamos da possibilidade de suspender o processo. As partes podem
pedir, por acordo, até seis meses de suspensão. Acho que, nos casos de
Direito de Família, o prazo poderia ser até maior, porque o que se tem que
resolver não é o processo, mas a questão da família. Só não pode ficar para
sempre, porque a Justiça é uma prestação do Estado e tem que ser realizada.
Sei que a senhora é advogada e psicóloga, sei que está fazendo uma
tese. Pensei como seria ter diferentes profissionais, pensando sobre os
mesmos problemas, e o mesmo profissional, com formação interdisciplinar.
Ao mesmo tempo, eu uso um escudo protetor, porque alguns casos são
muito pesados, a senhora sabe. A senhora está vendo estas pilhas de
processos? Hoje, eu despacho isso com facilidade, mas quando estava
começando, no interior, eu não tinha serviço nenhum e trabalhava o dia
todo, porque não tinha prática e ficava em cima de um processo só,
estudando ponto por ponto. As separações têm aumentado muito, sobretudo
as consensuais, que são em grande número. Não tenho dados estatísticos,
mas se a senhora quiser, podemos mandar fazer um levantamento. Espero
ter sido útil e, se quiser, poderemos voltar a falar sobre isso. Queria dizer
que acho muito importante que a senhora seja advogada. Isso facilitou
nossa conversa. Às vezes, é difícil para alguém que não seja da área,
compreender certos detalhes do Direito e do processo. Isso facilitou nossa
conversação. Espero ter sido útil e espero que todo esse seu trabalho
também seja, porque é a primeira vez que eu vejo enfocar-se diretamente o
juiz de Família. Acho que vai ser muito útil.
Nas falas que expressam como pensam os juízes de Família, a saída do
pensamento jurídico para a incursão gradativa no pensamento psicológico e
a reflexão conjunta, entre os juízes e a pesquisadora, confirmaram a
existência, neles, de vocação interdisciplinar subjacente à jurídica e de
flexibilidade para coconstruir. Eles estão preocupados com as questões
emocionais existentes nas situações de separação, com o bom
relacionamento entre os operadores do Direito e com o encontro de aportes
complementares às soluções jurídicas.
Tais posturas não preconizam que caiba ao juiz assumir, pessoalmente
ou como função sua, papel ou funções de terapeuta familiar ou de mediador
familiar, mas indicam que ele pode ser, dentro do Poder Judiciário, o mais
forte liame entre o casal em crise e o especialista, em benefício do casal, da
família e, notadamente, da prole.

1 Primeira instância – instância do Poder Judiciário, em que ingressam as ações.


2 Apelação – modalidade de recurso judicial.
3 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. p. 46.
4 BUSSADA, Wilson. Vademecum jurisprudencial. Separação judicial e divórcio. p. 1.182.
5 Idem, ibidem, p. 711-712.
6 Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família.
7 Nome de uma livraria e editora de São Paulo.
8 Chico Buarque de Holanda – compositor e cantor de música popular brasileira.
FAZENDO HISTÓRIA

6.1 O JUDICIÁRIO PÕE-SE EM AÇÃO

O compromisso da família, enquanto instituição jurídica, não é tão difícil


de ser desfeito; difícil é desfazer seu comprometimento como unidade
psicoafetiva, porque como tal o elo não se desprende tão facilmente sem
deixar atrás de si um rastro de prejuízos emocionais.
Esse é um momento em que os membros da família necessitarão de
todo o auxílio possível da rede social, desde a família extensa até os
profissionais que, em função de ofício, entrem em contato com eles, nessa
situação. Já o dissemos.
Dentro da família, os filhos da separação devem ser o alvo dos
cuidados possíveis, para que seu desenvolvimento seja saudável e sua
felicidade presente e futura seja preservada.
Não é fácil mudar a forma de ser e de agir pessoal e profissional. Isso é
válido, também, para o exercício da Justiça.
A leitura, as reflexões, o diálogo, a troca de informações, a experiência
diária com o drama alheio aliados à sensibilidade e coragem para inovar é
que vão promovendo transformações. E os caminhos podem ser os mais
diversos.
Membros do Judiciário, em diferentes sociedades, têm sido os
responsáveis pelas principais mudanças de atuação. E a iniciativa de juízes,
em razão da função que exercem, como prevíamos, tem sido determinante
para que se encontrem novos parâmetros de atuação.
É o caso do Tribunal de Cochem, na Alemanha, e do Tribunal de
Justiça de São Paulo, no Brasil. Neste último, o caminho para a instalação
do Setor de Conciliação das Varas de Família foi aberto pela instalação do
Setor de Conciliação das Varas Cíveis. Iniciativas isoladas, na capital
paulista, como de alguns Fóruns Regionais e da 11.ª Vara da Família e das
Sucessões da Capital, por sua vez, introduziram a Mediação Familiar, de
forma experimental.
Assim, dentre as experiências estrangeiras, destacamos a do Tribunal
de Cochem, nessa pequena cidade alemã, e, dentre as brasileiras, a de um
complexo Fórum de uma grande cidade, o Fórum João Mendes Junior, de
São Paulo.

6.2 A EXPERIÊNCIA DO SETOR DE CONCILIAÇÃO DO TJSP

E m setembro de 2004 foi instalado o Setor de Conciliação do Cível do


Fórum João Mendes Junior, em São Paulo.
Essa experiência é aqui trazida – embora este livro cuide, basicamente,
da dissolução de conflitos familiares, em especial os referentes à separação
– por ser mais um exemplo de como a intersecção entre os conhecimentos
psicológico e jurídico é útil à solução de quaisquer problemas interpessoais.
O Setor começou sob a coordenação da juíza de direito Maria Lúcia
Pizzotti, como um Setor Experimental.
No início, apenas cinco Varas Cíveis aderiram à ideia e somente três,
efetivamente, enviaram processos para o Setor.
Nessa altura, o que havia era o espaço físico de uma Vara, dividido em
seis salas para atendimento e fomos vinte e dois os conciliadores nomeados
pelo então presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Tâmbara,
nesse primeiro momento.
Não é fácil aderir a mudanças. Os advogados também estranharam e,
aos poucos, foram surpreendendo-se ao constatar que o clima relacional das
sessões, nesse Setor, era completamente diferente do que estavam
habituados, em audiências judiciais: não se abria espaço para a belicosidade
nem havia o objetivo de se chegar a acordo rápido.
Na verdade, o objetivo, no Setor, é ajudar as partes a chegarem a
acordos consistentes e, para isso, elas são convidadas a falar livremente,
trazendo sua versão, seu ponto de vista e seu sofrimento. E, para tanto, são
assessoradas por seus advogados, nos aspectos processuais e legais.
O Setor de Conciliação utiliza as técnicas de Mediação de que tratamos
neste livro e esse é seu diferencial.
Uma nova técnica está sendo criada, em conjunto, no Setor. Nela, a
possibilidade de fazer sugestões às partes, própria da conciliação, mescla-se
à técnica da mediação, que procura ajudar as partes litigantes a chegar ao
acordo. Tal procedimento trouxe, desde os primeiros meses, 30% de
resultados positivos nos casos em andamento e de 70 a 80%, nos casos
extraprocessuais.
A primeira coordenadora empenhou-se no aprimoramento do Setor e
na divulgação de sua existência e eficácia, por meio de conferências,
palestras, aulas e diálogos com os diferentes segmentos da sociedade, que
vivem às voltas com conflitos jurídicos.
O Setor é formado por profissionais experientes na área da mediação.
Após dois anos de funcionamento, os bons resultados obtidos levaram
a uma significativa ampliação do espaço físico e do corpo de
conciliadores/mediadores. Sete anos após a instalação, o Setor pode
considerar-se estabilizado.

6.3 A PRÁTICA DE UMA COCONSTRUÇÃO

A estrutura do Setor foi pensada, cuidadosamente, desde o início. Um


diferencial do Setor é a facilitação de soluções para a agilização do
feito. Outra característica é o empenho para que haja um juiz de plantão
para homologar os acordos, de modo que os interessados não precisem
retornar ao Fórum para obter cópia da Homologação.
Como parte dos princípios da Mediação, esse é um trabalho
transdisciplinar e não exige que o conciliador seja operador do Direito.
Nossa experiência de dois anos de trabalho no Setor, porém, levou-nos à
convicção de que é necessária uma introdução dos operadores não jurídicos
no conhecimento dos autos dos processos, nas normas processuais e na
linguagem própria do mundo jurídico, e dos operadores do Direito, nos
conhecimentos básicos da ciência psicológica.
Foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara 94, de
2002, Substitutivo ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados 4.827-
B/1998, que institucionaliza e disciplina a mediação, como método de
prevenção e solução consensual de conflitos. Por ele, advogados com
experiência mínima de três anos no exercício da profissão é que poderão ser
mediadores judiciais. Como, todavia, a lei abre espaço para a participação
de comediadores especialistas na área do conflito em questão, há que se ver
como poderá ser interpretada em relação às ações do Cível.
Por determinação do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o
Setor ater-se-á às questões pertinentes à área cível.

6.4 FATOS CURIOSOS E GRATIFICANTES

F atos curiosos estão se tornando cada vez mais raros, na medida em que
o tempo passa e os advogados se familiarizam com os objetivos do
Setor.
Houve um caso interessante em que uma advogada comentou, ao final
de uma sessão, que a única coisa de que ela não gostava na profissão era
que advogados, homens e mulheres, envelheciam muito rapidamente, por
viverem com a “cara amarrada” e a testa enrugada, como forma de contato,
e que ela havia descoberto uma diferença no Setor de Conciliação: eles
chegavam emburrados e saiam sorridentes.
Em outra oportunidade, uma jovem advogada se irritou com o colega,
pediu por cinco vezes à conciliadora que a audiência fosse dada como
infrutífera, o colega a chamou de “pirralha” e ambos tentavam fazer com
que seus clientes não acordassem. Estava claro que as partes queriam um
acordo, mas o advogado tentava dissuadir seu cliente e fazia ironias,
enquanto que a advogada chegou a dizer, bastante alterada, que se ela não
quisesse, seu cliente não faria acordo.
A conciliadora acalmou os ânimos, pediu respeito, explicou o objetivo
do Setor, deu força às partes para tomarem sua decisão e denotou
reconhecimento aos advogados, em sua função.
Por incrível que pareça, esse caso acabou em acordo. Não será tão
incrível, porém, se se souber que a conciliadora usou de recursos
psicológicos e jurídicos para auxiliar na conciliação. O mais notável, no
entanto, é que a advogada cumprimentou a todos, desculpou-se com a
conciliadora, disse que sua opinião sobre o Setor havia mudado
completamente, e que gostaria de voltar a atuar lá. Quanto ao advogado,
também se desculpou, inclusive com a colega, e disse à conciliadora que
tinha muitos casos e passaria a submetê-los, extraprocessualmente, ao Setor.
A propósito, esse foi um caso extraprocessual e era a primeira vez que
ambos os colegas advogados entravam no Setor de Conciliação do Cível.
O Fórum João Mendes Jr. é, talvez, o mais complexo Fórum do país em
número de causas, e seu Setor de Conciliação do Cível tem sido uma
experiência bem-sucedida. Referimo-nos a ele por sua característica
precursora e por vir denotando a importância da Psicologia como substrato
para a compreensão de conflitos, mesmo quando não há intenção de fazê-lo.
Já está em funcionamento, também, o Setor de Conciliação das Varas
de Família.

6.5 SETOR DE MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO DA FAMÍLIA

O Setor Experimental de Conciliação e/ou Mediação das Varas da


Família e das Sucessões do Foro Central de São Paulo foi criado em 7
de abril de 2005.
Foi estabelecido que o Setor teria um coordenador e um adjunto, tendo
sido designados para os cargos, respectivamente, os juízes de família
Maurício Fiorito e Cecília Pinheiro da Fonseca Amendolara. O setor
atenderia, inicialmente, processos judiciais de família, os conciliadores
seriam juízes de família e, para tanto, foram nomeadas duas juízas
conciliadoras. Os aspectos operacionais, como o auxílio de escreventes e
locais de atendimento, seguiriam os moldes do que foi estabelecido para o
Setor do Cível, anteriormente instalado.
O Setor destina-se à tentativa de acordo em casos de separação e
divórcio, de investigação de paternidade, de alimentos, de oferta de
alimentos, de revisionais de alimentos, de exoneração de alimentos, de
execução de alimentos, bem como de reconhecimento de união estável.
Em agosto de 2006, o Setor passou a ser coordenado pelo Dr. Francisco
Antonio Bianco Neto, também da área de Família, e estendeu sua atuação
para casos extraprocessuais, tendo sido determinado pelo então presidente
do Tribunal de Justiça de São Paulo que o Setor ater-se-á às questões
pertinentes à área da família. Passo seguinte, o Setor passou a contar com
conciliadores/mediadores não juízes.
Os mediadores credenciados poderão atuar tanto em casos judiciais
quanto extraprocessuais, sob a coordenação direta de um juiz designado
pelo Tribunal como juiz conciliador do Setor de Conciliação da Família,
que homologará os termos nos casos acordados. O primeiro juiz designado
para a nova função foi o Dr. Marcos Roberto de Souza Bernicchi.
A partir de outubro de 2006, o Setor recebeu local próprio e entrou em
efetiva atividade, introduzindo, experimentalmente, os princípios da
Mediação.
Provavelmente, assim que promulgada a Lei de Mediação, o Setor terá
todos os motivos para vir a ser tratado por Setor de Mediação da Família.
No que respeita à mediação, a criação de uma nova área de atividade é
algo delicado, quanto mais quando se trata de uma prática transdisciplinar e
envolve instituições e institutos que se devem harmonizar.
Há que se ter cuidado na coconstrução do Setor de Família, para que
não infrinja formas de processamento do Judiciário e para que os princípios
da Mediação não sejam feridos.
Pelos princípios da Mediação, as sessões devem ser sigilosas,
realizadas em salas fechadas, e restritas aos mediadores e às partes,
estendendo-se a presença, no caso dos atendimentos no Judiciário, a seus
advogados.
Mediadores advogados devem atuar, quando no exercício da função,
exclusivamente como mediadores, vetando-se-lhes a prática da advocacia,
na mesma causa, qualquer que seja o motivo alegado.
Da mesma forma, dado o caráter peculiar da Mediação, o juiz não deve
estar presente às sessões, ainda que ele presida a Vara.
O caráter sigiloso da Mediação assemelha-se ao da perícia judicial, da
qual o juiz recebe os resultados, mas não participa das sessões de avaliação.
É desejável que, no futuro, o Setor de Mediação seja totalmente
desvinculado das Varas, garantindo, assim, sua privacidade e autonomia. Ao
juiz de família caberá a homologação do acordo, uma vez cumpridas as
exigências da lei, da qual ele é o executor.
Mediação não é negociação, não é conciliação, não é aconselhamento
nem orientação. É um instituto autônomo com princípios e objetivos
próprios, que precisam ser atendidos para evitar desvirtuamento.
A Mediação é, ao mesmo tempo, um modelo, uma técnica e um
processo. A Mediação Familiar faz parte do poder de decisão da família
sobre seu destino e de sua prole, sendo o mediador um facilitador da
comunicação, que procura levar o casal a retomar o diálogo em nível
razoável o suficiente para reestruturar sua vida e planejar o futuro, de modo
a redimensionar sua relação no que seja necessário para criar os filhos e
organizar a vida diária e relacional deles.
A Mediação pode ser considerada um instrumento que se coloca entre
as práticas tradicionais jurídicas de se operar em causas judiciais de família,
mesmo em separações consensuais, e a gama de tratamentos existentes para
ajudar o casal a rever sua relação e compreender seu vínculo psicológico.
Em consonância com o que acima foi dito, é mais fácil para os
profissionais de formação psicológica do que para os de formação jurídica
entender que as recomendações feitas acima não são mera rigidez
doutrinária, mas cuidados fundamentais para que o processo mediativo
atinja seu desiderato. Exemplo disso é a falta de uniformização de
linguagem: os profissionais advindos do mundo “psi” falam em sessões de
mediação ou conciliação, e os do mundo jurídico, em audiências. Parece
elementar, porém, o fato é que a linguagem expressa um conceito
subjacente e este pode determinar a atuação do profissional.

6.6 A EXPERIÊNCIA PILOTO DA 11.ª VARA DA FAMÍLIA E DAS


SUCESSÕES
sociedade brasileira é vasta e complexa. O próprio Estado de São Paulo
conta com uma multiplicidade de Varas de Família, que requereriam

A detalhada investigação e estudo para serem mais bem conhecidas em


suas iniciativas.
Em nossas indagações, ouvimos menção a experiências que vêm sendo
realizadas em diferentes Comarcas do Estado e Fóruns regionais da Capital.
Assim, sem qualquer desdouro por iniciativas que certamente mereceriam
registro por enaltecerem o Judiciário, e, tendo que selecionar apenas
algumas experiências em curso, tomamos por critério a proximidade
pessoal e optamos por mencionar aquelas de que estamos participando,
podendo, portanto, apresentar uma reflexão crítica. É o caso do Setor de
Mediação/Conciliação da Família da 11.ª Vara da Família e das Sucessões
da Comarca de São Paulo.
O Setor de Mediação/Conciliação da Família, introduzido pela juíza de
direito Cecília Pinheiro da Fonseca Amendolara, então juíza da 11.ª Vara da
Família e das Sucessões do Fórum João Mendes Jr., em São Paulo, foi
experiência que integramos desde o início, e que bem expressa a efetividade
da proposta de auxílio às famílias, na Justiça.
A crença da juíza no concurso de mediadores familiares externos ao
Judiciário permitiu que aliasse sua experiência às novas possibilidades de
humanização da Justiça de Família, transformando o ideal em real.
Em um atendimento breve, por vezes, uma única sessão, o método
mostrou-se eficaz no encontro de acordos consistentes, do ponto de vista
psicoemocional.
Evidentemente, a experiência de mediadores e terapeutas familiares
indicou que os casos mais complexos necessitarão de várias sessões para se
chegar a acordo consistente, se esse for o objetivo das partes e houver
intenção em colaborar. Como processo voluntário que é, ainda que a
tentativa venha a se tornar obrigatória, a vontade das partes será
indispensável para o melhor desfecho do trabalho, o qual, na 11.ª Vara da
Família e das Sucessões, era realizado em comediação, com duplas
formadas por um(a) mediador(a) advogado(a) e um(a) mediador(a)
psicólogo(a).
As partes começavam colocando suas posições, e, gradativamente, ao
perceber que tinham espaço para serem escutadas, iam trazendo as
verdadeiras razões – estas, de ordem subjetiva – para justificar suas
pretensões. Aparecem, assim, as necessidades e os desejos de cada uma,
possibilitando o trabalho interdisciplinar sobre esses aspectos e viabilizando
a realização de acordos efetivos.
Cada vez mais, o trabalho realizado pelos mediadores chega à presença
da juíza (ou juiz), com todos os pontos conformes para a sentença de
homologação do acordo. Ela os formaliza, denotando conhecimento dos
aspectos psicológicos relativos à relação entre pais e entre pais e filhos,
confirma as partes do acordo quanto aos aspectos discutidos e acordados, e
homologa a avença.
A compreensão dos advogados para a importância social e familiar da
proposta e sua participação colaborativa tem sido fundamental para que se
priorize o melhor interesse dos menores envolvidos e para que a Justiça de
Família atinja esse objetivo primário.
Certamente, só o tempo, pelo não ingresso de novas ações referentes ao
tema, confirmará a consistência dos acordos. E isso dependerá de um
acompanhamento longitudinal.
Tratou-se de iniciativa baseada no intuito de atuação de mediadores
advogados e psicólogos, de forma interdisciplinar, para a solução dos
conflitos no âmbito do Direito de Família. A estrutura do Setor de
Mediação/Conciliação da 11.ª Vara da Família e das Sucessões, segundo
palavras da juíza responsável à época, não tem relação com os demais
Setores de Conciliação já existentes, seja na esfera cível, seja na esfera da
família.
O projeto foi iniciado em abril de 2006 e contou, inicialmente, com
cerca de vinte profissionais, que, além do atendimento, reuniam-se,
mensalmente, para discutir metodologia, experiências e resultados obtidos.
O projeto privilegiava o interesse do menor e, na apreciação da juíza
responsável, sobretudo nas lides que envolvem o interesse de menores, a
experiência tem sido deveras salutar, com amplo aproveitamento das
noções e diretrizes da área psicológica.
Os resultados foram efetivos (tendo a juíza idealizadora dado
continuidade ao trabalho em sua nova Vara de atuação) e apontaram para
uma crescente receptividade da proposta.
6.7 UM SORRISO DENUNCIADOR

O Fórum não precisa ser assustador para os filhos de pais separados, nem
a sala de audiências o monstro com que vão sonhar, à noite. Exemplo
disso foi uma sessão, seguida de audiência, em que se discutiam Alimentos.
Nessa ocasião, estavam presentes os pais e seu filho menor de 10 anos,
acompanhados da advogada.
Na medida em que os trabalhos se desenvolviam, o menino foi
mudando. Seu semblante, inicialmente sério e preocupado, foi se
transformando, enquanto via os pais conseguindo se entender.
Ao final, a mãe, no princípio séria e irascível, aceitou a realidade da
situação do ex-marido e concordou com a proposta.
A colaboração da advogada foi decisiva para a aceitação daquela
realidade.
Já na sala de audiências, a juíza confirmou com o ex-casal o que este
havia acordado e homologou o acordo. O clima amenizou-se. Aí, então, o
menino abriu um largo sorriso e começou a fazer sinais de positivo para
todos.
Pois é, o sorriso dessa criança denunciou o fato de que os filhos querem
os pais unidos, ainda que o casal esteja separado, e a compreensão dessa
realidade mental da criança é o objetivo de nosso trabalho.

6.8 BREVE NOTA SOBRE PROCESSO E PROCEDIMENTO

M ediadores ou conciliadores judiciais não operadores do Direito podem


nunca ter visto autos de processo ou não saber o que são honorários
de sucumbência ou procuração “ad juditia”. Isso não invalida sua atuação
como especialistas em dissolução de conflitos interpessoais, mas a dificulta.
É por esse motivo que, em sendo este um livro psicojurídico, trazemos,
em seguida, uma breve nota sobre essas questões para aqueles que não estão
familiarizados com as pendências judiciais.
Quando as partes não conseguem resolver suas diferenças diretamente,
recorrem ao Poder Judiciário para que ele as resolva em seu lugar, ou seja,
esperam que um juiz decida quem tem razão. Para tanto, precisam, em
geral, ser representadas por advogados.
O início de um processo dá-se pela Petição Inicial, redigida por aquele
que entra com a ação. Esse alguém, em geral, é chamado de Autor ou
Requerente. A outra parte tem um prazo para responder à Ação e dá-se o
nome de Contestação à peça da defesa.
Devem constar do processo as Procurações “ad juditia” dos respectivos
advogados, que são mandatos outorgados por seus clientes para que eles os
representem e os defendam, judicialmente, naquele específico processo.
Os mediadores ou conciliadores devem solicitar os documentos de
todos os presentes e confirmar que fazem parte do processo. Devem ficar
atentos às Procurações, não só para confirmar o mandato, mas, também,
para observar se os advogados têm poderes para transigir, ou seja, realizar
acordos.
Admitem-se o que convencionamos chamar de casos extraprocessuais.
Isso significa que o Autor pode ajuizar a ação e na petição inicial requerer o
seu prévio encaminhamento para o Setor de Conciliação, o qual enviará
intimação para a parte contrária comparecer à audiência de tentativa de
conciliação. Caso a mediação ou conciliação seja frutífera, o processo
encerrar-se-á, com o devido termo homologado por um juiz de direito. Caso
não o seja, a parte sairá citada para responder à ação e o processo seguirá o
curso processual normal.
Os processos encaminhados aos Setores de Conciliação são sempre
devolvidos às Varas de origem.
Algumas sessões de mediação ou conciliação não chegam ao acordo,
mas o encaminham de tal forma que as partes vêm a acordar fora do Setor.
Nesses casos, para efeitos estatísticos, tem-se pedido aos advogados que
levem o termo de acordo para ser homologado no respectivo Setor e cada
vez um número maior de causídicos tem tido essa consideração. Essa é uma
das maneiras de os Setores conhecerem os resultados de seu trabalho.
A Lei de Mediação, cujo projeto de lei ainda tramita na Câmara dos
Deputados (Substitutivo ao Projeto de Lei 4.827-B/1998), traz
especificações a respeito.
6.9 EM OUTRAS PALAVRAS

P or Provimento do presidente do Tribunal de Justiça, todas as Varas


devem encaminhar seus processos para a conciliação especializada. Em
2004, foi instalado o Setor de Conciliação do Cível com a participação de
conciliadores/mediadores nomeados pelo presidente do TJSP; em 2005, foi
criado o Setor de Conciliação e/ou Mediação das Varas da Família e das
Sucessões no Foro Central, com a nomeação de juízes conciliadores; em
2006, começou a experiência da 11.ª Vara da Família e das Sucessões do
Foro Central, já com a participação de mediadores externos ao Judiciário; e,
em agosto do mesmo ano, o Setor de Conciliação e/ou Mediação das Varas
da Família e das Sucessões no Foro Central foi reorganizado para também
vir a contar com a participação de mediadores. Foi instalado o Setor de
Família do Foro Regional de Santo Amaro e as experiências de Santana e
Itaquera têm sido consideradas pelos juízes implantadores como bem-
sucedidas.
O trabalho, como dissemos, é voluntário, no momento. Aprovando-se a
esperada Lei de Mediação, deverá vir a ser remunerado, e é provável que,
no futuro, até venha a exigir Concurso Público para o ingresso na carreira,
porque, sem dúvida, ser um conciliador/mediador judicial tem tudo para
tornar-se uma profissão de relevo e importância social.
Como ainda não foi aprovada a Lei, o Judiciário só conta com o
chamado Setor de Conciliação e/ou Mediação da área a que se destine.
Temos a considerar, todavia, que, como recomendamos nas Considerações
Finais da primeira edição deste livro, a Conciliação baseada nos princípios
e na técnica da Mediação, mas com a flexibilidade da sugestão – não
indicada na Mediação –, deve subsistir, no Judiciário, no que caiba, por
mesclar técnicas que viabilizam o encontro de acordos consistentes e
agilizam o processo.
Cada caso é um caso, cada Setor é um Setor, e só a experiência judicial
poderá comprovar a teoria e o que a experiência extrajudicial vem
demonstrando: a eficácia dessa forma de atuação.
O importante, porém, é lembrar que parece que as práticas inter-
relacionais de solução de conflitos não podem ser mais desprezadas. São
propostas advindas de uma leitura da ciência na Pós-Modernidade, com
aplicação comprovada.
A História é escrita pelos cidadãos, não devendo ser abandonada no
curso do tempo. Não devem ser esquecidos os conciliadores/mediadores
pioneiros, primeiros coconstrutores da nova realidade. É preciso que se
preserve a memória histórica.

6.10 A RESOLUÇÃO 125 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A o ensejo desta 3.ª edição, temos a registrar que a Resolução 125, de 29


de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, concretiza
muitas das ideias aqui expendidas e uniformiza o tratamento dado à matéria
pelo Poder Judiciário, em todo o território nacional.
Referida resolução dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder
Judiciário, considera a conciliação e a mediação como instrumentos
efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e reconhece
que sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem
reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade
de recursos e de execução de sentenças.
Conforme a Resolução, é imprescindível estimular, apoiar e difundir a
sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais.
Para tanto, dentre outros recursos, propõe a implantação de cursos de
capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos, para
servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores da solução
consensual de controvérsias, indicando conteúdo programático mínimo e
ações voltadas a essa finalidade.
Propõe a interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil,
Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua
participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania.
Em cumprimento ao que estabelece a Resolução 125/2010, do
Conselho Nacional de Justiça, Tribunais de Justiça, em todo o país, estão
instalando Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que
concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que
estejam a cargo de conciliadores e mediadores dos órgãos por eles
abrangidos.
Nesse sentido, é meritório o empenho da Ministra Nancy Andrighi,
grande incentivadora da aplicação, pela Justiça, dos métodos adequados de
resolução de conflitos.

6.11 TRIBUNAL DE COCHEM

E xistem algumas experiências comprovadas sobre a minimização dos


prejuízos emocionais nos filhos dos separados. E, não por acaso, de
iniciativa de juízes de família.
Uma dessas experiências é a do Tribunal da cidade de Cochem, na
Alemanha.
Nesse Tribunal – de primeiro grau – os casos são resolvidos com
rapidez, buscando harmonizar da melhor forma possível a relação entre os
pais, amenizando mágoas, revanchismos e problemas oriundos destas
situações. Nele, as pendências psicoemocionais e relacionais são tratadas
antes das financeiras. Certamente, a lei abre espaço para tanto.
Dessa forma, a partir da melhora do relacionamento dos genitores, os
filhos são mais bem assistidos e formados, por manterem convivência
equilibrada, regular e constante com pai e mãe. O direito e o acesso dos
filhos ao pai e à mãe são, assim, garantidos e preservados.
Essas soluções têm sido alcançadas por meio da atuação, em conjunto,
de juízes, psicólogos e advogados, todos comprometidos com esses
objetivos.
O Tribunal de Cochem estabeleceu um Código de Conduta para
advogados que atuam na área da família, em conformidade com a legislação
vigente.
Segundo o Código de Conduta do Tribunal de Cochem, os advogados

• aconselharão seus clientes, de modo a que as partes possam diminuir


suas diferenças de opinião;
• priorizarão o princípio de que a audiência é um lugar de busca de
soluções imparciais, e não de busca de ganhar ou perder;
• empenhar-se-ão em que seu cliente forneça informações corretas;
• conduzirão debates francos; e
• empenhar-se-ão na busca do consenso, priorizando o respeito ao
ponto de vista da outra parte.

O Tribunal tem preconizado, e conseguido, que os advogados adotem


uma postura conciliatória, e não combativa, em relação aos colegas, e que,
sempre que possível, substituam petições escritas por diálogo.
Além disso, os advogados têm assimilado a ideia de que as pretensões
dos pais nem sempre são o melhor para as crianças, e têm sido orientados a
aconselhar seus clientes nessa direção.
Como resultado das reuniões interdisciplinares, os advogados têm
entendido que a vontade da criança implica a necessidade de ser amada,
aceita, valorizada, favorecida, protegida em seu desenvolvimento e de ter
uma relação indissolúvel com pai e mãe. E, segundo consta, ações
extremamente violentas ao equilíbrio emocional e à dignidade humana,
como de Busca e Apreensão de Menor, são, praticamente, inexistentes.

6.12 DAS PEQUENAS E GRANDES COMARCAS

C ochem é uma pequena cidade, na região do Reno, e, como tal, supõe­-se


que seja mais fácil a formação de grupo de trabalho interdisciplinar,
consensuado em torno de um determinado objetivo.
Diferente é o caso de Varas de Família de grandes centros, como São
Paulo. Nestas, há que se pensar em grupos interdisciplinares psicojurídicos
em atividade, cujo trabalho e resultados práticos estimulem os juízes de
família e sensibilizem os advogados, para que esses, paulatina e
espontaneamente, possam internalizar os princípios do Código de Conduta
daquela pequena cidade alemã.
Isso, independentemente de haver obrigação legal.
A Lei de Mediação que, esperamos, seja aprovada em breve, se vier a
confirmar o Projeto de Lei 94, de 2002, aprovado pelo Senado, dispensará a
iniciativa dos juízes, por determinar a tentativa de mediação como meio de
se chegar a um acordo. Não dispensará, todavia, a sensibilização dos
profissionais envolvidos, pois só sua convicção quanto à necessidade de
harmonização ajudará as partes a sensibilizar-se, também, e a usufruir os
benefícios do método.
No âmbito do Judiciário, a Resolução 125, do Conselho Nacional de
Justiça, já antecipou essa iniciativa de aplicação da mediação.
COMPREENDENDO O
SISTEMA FAMILIAR

7.1 A FAMÍLIA COMO UM SISTEMA DE RELAÇÕES

E m pleno século XX, quando um excesso de valorização se voltou de


forma crescente para a especialização, em todas as áreas da atividade
humana, chegando à fragmentação do homem, em sua condição de ser total,
uno, chama a atenção a visão de um biólogo, Ludwig Von Bertalanffy, que,
antes da Segunda Grande Guerra, já voltava todo seu esforço e seu trabalho,
no sentido de tentar mostrar à comunidade científica, que as unidades
pertencentes às Ciências, em seus diversos ramos, de um modo geral
funcionam como sistemas e a importância disso para uma melhor
compreensão do mundo.
Bertalanffy acreditava nisso. Em 1940, ele escreveu sobre a teoria do
organismo como sistema aberto, um trabalho que quase não teve
repercussão. Insistiu. Em 1945, anunciou, pela primeira vez, a teoria geral
dos sistemas. Hoje, ele é aceito como um dos fundadores da teoria geral dos
sistemas, e, no Prefácio à edição de 1967 do livro Teoria geral dos sistemas
(T.G.S.), explica que, ali, retomava os trabalhos anteriores e trazia outras
contribuições. Nessa obra, ele se empenhou em dar a público suas
convicções, descrevendo sua teoria como “a formulação e derivação
daqueles princípios, que são válidos para os sistemas, em geral” (1977, p.
131).
Com apurada percepção, deu-se conta de que árdua seria sua tarefa, e
difícil a aceitação de sua proposta, num universo de tamanha estratificação
de conceitos. Na Introdução da referida obra, observa-se, por parte do autor,
uma necessidade, quase obsessiva, de justificar suas ideias, comprovando-
as a cada passo e declinando os nomes de seus predecessores, numa
tentativa de demonstrar que não vivia em pleno delírio, nem tirara suas
afirmações do nada, mas que elas eram fruto de muito esforço intelectual e
de muitas indagações.
Com o advento da teoria, estabeleceu-se um novo marco em termos do
pensamento científico. O pensar sistêmico acarretou uma nova cosmovisão
e surgiu uma nova hermenêutica. Ocorreu uma verdadeira transformação
nas categorias básicas do pensamento.
Essa teoria, ao propor o sistema como uma dinâmica de ordens e
processos, em que se exercem influências recíprocas, preconiza, em
decorrência, que o raciocínio linear ceda lugar a uma proposta que busca a
interação dos vários fenômenos. Por essa nova visão, o todo deixa de ser
compreendido como uma mera soma de suas partes, para ser entendido
como “maior que a soma de suas partes”, o que encerra a ideia de inter-
relação dessas partes e a ideia de uma causalidade circular em lugar da
tradicional linearidade “causa-efeito”.
Tratando-se de uma teoria geral, a T.G.S. se aplica às mais diversas
áreas da atividade, inclusive às da saúde mental e do comportamento
humano. E foi pelo caminho da pesquisa que ela veio a ser aplicada ao
estudo da família e, posteriormente, pôde embasar uma compreensão do
funcionamento dessa. Essa compreensão científica viria a ser de grande
importância para a avaliação das funções e disfunções de uma família e o
encaminhamento de técnicas destinadas a facilitar as mudanças, quando
necessárias.
Poder ler a família como um sistema implica compreendê-la como um
conjunto de elementos que se inter-relacionam e exercem influências
recíprocas para formar um todo único. Daí a razão de nos preocuparmos
com todos os membros da família, quando um evento atinge qualquer deles.
Para facilitar a compreensão de como a família chega a formar o ‘todo
único’ referido, pode-se propor o seguinte raciocínio: a família é uma
unidade psicoafetiva, da qual depende o desenvolvimento de seus membros.
Na intimidade, ela vai construindo um padrão relacional, que lhe confere
unidade e identidade, a si e aos seus. Na convivência contínua, em seu
espaço, os familiares vão estabelecendo interações, compartilhando
linguagem e construindo padrões de relação fundados em valores, crenças e
mitos. Esses padrões interacionais se reafirmam dentro da unidade familiar
e estabelecem trocas com o ambiente social, sendo transmitidos não só
direta, mas também transgeracionalmente, como observou Cerveny (1994).
Em função disso, todo e qualquer acontecimento interno ou externo à
família, que a afete, em algum grau afetará seus membros, individualmente,
alterará aquele padrão e provocará uma desestruturação momentânea, que
exigirá o encontro de um novo patamar de estabilização para cada um e
para a família, como tal.
Todos os dias pequenos eventos afetam o padrão de interação familiar.
Com flexibilidade e capacidade de adaptação, o grupo vai encontrando nova
estrutura de funcionamento e, na maioria das vezes, nem se dá conta de que
houve mudanças. Mudanças desse tipo, em geral, não alteram a organização
familiar; em outras palavras, o fato de esse grupo continuar a ser visto como
“uma família”.
Dessa perspectiva sistêmica, pode-se fazer a seguinte consideração. A
vida transcorre em sucessivas passagens pelo ciclo vital. Crescimento e
envelhecimento são exemplos dessas passagens, mas esses são eventos
ditos previsíveis, pelos quais, em princípio, todo ser humano passa. Por
outro lado, há eventos que não são previsíveis, o que inclui desde ganhar
uma soma inimaginável na loteria até sofrer uma doença grave. Nesse
continuum, alguns acontecimentos da ordem do ciclo vital, pela intensidade
afetiva, podem não apenas desestruturar a família, mesmo as mais flexíveis,
ainda que momentaneamente, mas, frequentemente, afetar sua organização,
requerendo, muitas vezes, atenção especializada para que se reorganize. A
crise da separação conjugal, que se inclui entre as crises não previsíveis,
costuma alterar literalmente a organização da família, por seu
desmembramento, e requerer cuidados especiais.
Por meio de pesquisas, observou-se que a família precisa de
estabilidade e, para desenvolver-se adequadamente, precisa caminhar num
interminável movimento de estabilidade e mudança. Assim, a integração do
conhecido e do novo favoreceria o encontro de um outro patamar de
estabilização.
Diante dessa compreensão nenhum evento é totalmente individual,
numa família, mas faz parte do padrão relacional1 e, de alguma forma, está
a serviço da manutenção desse padrão.
As interações, tanto intra quanto intersistêmicas, ou seja, tanto as que
ocorrem dentro da família quanto as que se dão entre ela e outros sistemas
obedecem ao princípio de interdependência, pelo qual nenhuma pessoa é
totalmente livre, em suas relações, no sentido de que as inter-relações é que
vão construindo os padrões de relação e criando realidades.
Ler a família como sendo um sistema significa aceitar que as
influências entre seus membros sejam recíprocas e circulares, ou seja, que
A afeta B e C, que B afeta A e C, que C afeta A e B, e assim por diante
(causalidade circular), e não que A cause determinado efeito apenas em B,
independentemente da participação deste (causalidade linear).
Esse entendimento nos permite afirmar que a separação não afeta
somente o casal, mas também os filhos, e justifica a preocupação com a
saúde mental e emocional desses últimos, principalmente se estiverem em
idade de formação.
As breves considerações feitas acima serviram para introduzir o
pensamento sistêmico, encaminhar o enfoque construtivista e trazer o
conceito de rede social.
A rede social é um conceito que possibilita pensar-se numa
abrangência maior de aplicação de práticas sistêmicas, lato sensu. A rede
social pode ser entendida como a interação dos vários sistemas
significativos na vida dos indivíduos e das famílias. Sua compreensão,
como propõe Sluzki (1997), é promover apoio, em diferentes níveis, aos
membros da unidade familiar a que se refere.
Em caso de separação, o apoio da família, de amigos, de grupos
comunitários, de profissionais envolvidos no processo e do Estado pode ser
decisivo para os rumos que a situação tomará.
Se estamos dizendo que houve uma revolução paradigmática na ciência
e que o novo paradigma mudou a forma de encarar as relações; e se estamos
dizendo que tal revolução atingiu a família, permitindo que seu
funcionamento emocional/relacional seja mais bem compreendido, e que os
novos conceitos podem ser úteis nos casos de separação, parece importante
iniciar o leitor no que significa a era da complexidade, de que se ouve tanto
falar, hoje em dia.
A passagem da ciência clássica à contemporânea, que o fim do século
XX veio consagrar, obriga a pensar o mundo em toda a sua complexidade.
Os avanços da ciência e da tecnologia trouxeram aos cientistas, de
diferentes áreas, dificuldades antes inexistentes. Deparavam-se eles com
problemas que não conseguiam explicar suficientemente a partir dos
postulados da visão mecanicista, linear, de causa e efeito.
A grande contribuição da Teoria Geral dos Sistemas foi demonstrar à
comunidade científica que em todos os campos científicos se encontram
problemas comuns, que podem ser formulados com uma visão de sistemas.
Por exemplo, no campo social, dizer que ocorrem enchentes, porque a
Prefeitura é relapsa ou porque as chuvas de verão são muito violentas é
empregar um raciocínio linear que, dificilmente, levará a soluções. Ao
contrário, se o problema for contextualizado e se considerar que há
simultaneamente uma questão física, uma questão política, uma questão de
infraestrutura da cidade, uma questão social ligada à superpopulação e à
educação do povo, que há uma questão econômica a ser equacionada e
assim por diante, e que essas questões estão inter-relacionadas, observar-se-
á que o problema é muito mais complexo. Observar-se-á que cada aspecto
não é responsabilidade de uma área da Administração, independentemente
das demais. Somente se contextualizado e encarado como um problema de
interação será possível pretender-se chegar a alguma solução.
Pois foi essa nova mentalidade que começou a se instalar no mundo
científico.

7.2 ACREDITANDO NA REALIDADE COMO CONSTRUÇÃO

O s significados vêm expressos na linguagem, composta, como tal, por


um modo verbal e um modo não verbal. Pressupõe-se que esses
significados sejam compartilhados por grupos significativos e de referência,
formando um sistema de significados. Na inter-relação com outros sistemas
de significados, forma-se a rede de significados.
Os sistemas de significados – uma certa linguagem comum – não vêm
do nada, mas são fruto do que é construído na convivência, tanto dentro do
grupo como com outros grupos. Isso vale para as famílias, para grupos
culturais, e ainda para grupos de profissionais.
Se a realidade é uma construção do ser humano num certo momento de
sua experiência, o que este indaga dependerá de como faça tal indagação.
Aquele que acredita que a realidade é uma construção sua, de seu modo
de ver o mundo, torna-se mais responsável, porque se torna mais livre. Por
outro lado, paradoxalmente, perde a liberdade primitiva de atribuir a outrem
o que vê ou lhe ocorre, bem como perde a onipotência de julgar certos e
errados, segundo sua própria referência. Ao contrário, acredita que a
realidade do outro também seja uma construção.
Assim sendo, ficam algumas indagações.
Como conciliará um juiz de Família, em si próprio, essa assertiva com
o fato de ter uma certa construção de hierarquia, exercer função de
autoridade julgadora, ter que cumprir a lei e ser protegido por ela nesse
cumprimento? Como perceberá ele o fato de a norma legal ter uma
fisionomia, mas com uma textura em aberto que ele preencherá com aquilo
que ele é? No mesmo sentido, como entenderá o advogado sua obrigação
funcional de defender os interesses de seu cliente?
Juízes, promotores e advogados têm seus sistemas de significados: um
sistema comum, advindo da formação jurídica; outros, diferentes, próprios
de cada função.
Assim, poder-se-ia perguntar: em que sua formação e experiência os
levaram a acreditar a respeito da separação conjugal e suas consequências?
Como constroem sua área de atuação? Têm eles percepção da relatividade
de sua própria percepção, isto é, da subjetividade envolvida em sua
percepção dos casos de família? Afinal, ao seu sistema de significados
profissional está incorporado o sistema de significados familiar, advindo da
família de origem, transgeracionalmente, e da família nuclear.
Aquele que indaga também tem seu sistema de significados
profissional e familiar. E aqueles de quem se fala têm seus sistemas de
significados. Trata-se de uma complexa rede de significados.
Nenhuma resposta “objetiva” é possível àquelas perguntas. O possível
é a construção de uma percepção a partir da relação, quando esta se
estabelece. O possível é o diálogo entre os diferentes sistemas de
significados (profissionais e outros), se o diálogo for aberto. A inter-relação
de pontos de vista diferentes é que pode vir a trazer mudanças de
significado.
A ciência contemporânea, a ciência da complexidade, visa à integração,
entendendo que os vários aspectos da vida, se a vida é uma, devem ter
alguma relação. Respaldada em Edgar Morin (1983), Esteves de
Vasconcellos (1995) afirma que isso “não significa realizar um acordo, nem
muito menos uma síntese redutora de diferenças, mas significa superar, de
fato, um antagonismo”.2
Como pedra de toque de nossa proposta, vale gravar a respeito dos
sistemas, que a mudança em qualquer elemento do sistema traz mudança
nos demais elementos e no sistema como um todo. E é dentro dessa
perspectiva que acreditamos que as ciências Direito e Psicologia podem
interagir.

1 Padrão relacional, interacional, comunicacional são usados, neste texto, como sinônimos.
2 ESTEVES DE VASCONCELLOS, Maria J. Terapia familiar sistêmica. Bases cibernéticas. p. 68.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

E ncerramos nosso trabalho pelas Considerações Finais, subdivididas em


quatro itens: as conclusões da pesquisa e as recomendações que
ensejaram, uma palavra sobre a mentalidade interdisciplinar, uma carta aos
pais, cujos filhos são o principal foco de nossas preocupações, e o fecho.
Observe-se que as “Considerações Finais” foram mantidas conforme
apresentadas à Academia, em 2000, e publicadas, em 2004, para permitir ao
leitor o cotejo entre as recomendações de então e o progresso havido.

8.1 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

N ossas convicções pessoais, baseadas em experiência profissional,


foram confirmadas em pesquisa acadêmica realizada com juízes de
família de São Paulo. Um trabalho de pesquisa dessa natureza chega a
certas conclusões e pode propiciar a oportunidade para que se façam
recomendações de ordem prática. Isso é que torna a investigação viva e,
eventualmente, útil, do ponto de vista social. Esse é o motivo pelo qual,
neste ponto, trazemos uma síntese das conclusões e fazemos algumas
recomendações.
A separação é uma crise não previsível das mais graves do ciclo de
vida familiar. Por isso, ela merece todo o empenho e dedicação da parte de
todos quantos entram em contato com a família nessa situação,
especialmente aqueles diretamente envolvidos no processo. Na separação,
portanto, não cabem estereótipos, estigmas ou preconceitos, visto que ela,
em si, já carrega tantos conflitos.
Este trabalho procurou quebrar as resistências de profissionais de duas
ciências que se ocupam diretamente com a questão e mostrar as
possibilidades positivas a partir do concurso de suas atuações. Ele revelou
que é um verdadeiro desafio aproximar duas ciências, como o Direito e a
Psicologia, por tratar-se da interpenetração de duas linguagens ou, como as
chamamos, sistemas de significados distintos, mas revelou, também, que
esse encontro é não apenas possível, como desejado.
Esses dois campos têm princípios e objetivos bem definidos, corpos
teóricos próprios, e valores, crenças e mitos adquiridos por seus estudiosos
na vivência do dia a dia, desde a formação acadêmica até a prática
profissional. Essas características conferem a cada uma dessas áreas uma
identidade clara e fundamentada.
Começamos esta investigação com a convicção pessoal de que a
separação era mais problemática do ponto de vista emocional do que do
jurídico e que as famílias precisariam ser ajudadas para que seus filhos não
tivessem prejuízos emocionais decorrentes dela. Conversamos com
advogados, juízes de primeiro grau, Tribunal de Alçada e Tribunal de
Justiça, de outros Estados, preliminarmente, e, oficialmente, com juízes de
Família de São Paulo para conhecer seu pensamento sobre o assunto.
Essas conversas produziram conhecimentos importantes que,
esperamos, possam ser úteis à construção de novas realidades na interface
psicojurídica do Direito de Família. Eles talvez possam abrir caminho para
que novas pesquisas sejam iniciadas, levando em consideração este recorte,
até que, na prática, a interdisciplinaridade proposta possa ser implementada
com convicção.
Neste caso, as conversas foram com juízes de Direito, mas seria
oportuno que fosse feita uma pesquisa com advogados para conhecer seu
pensamento sobre o assunto. Eles, certamente, trariam subsídios
importantes à construção de uma nova Justiça de Família. E, da mesma
forma, com os promotores públicos atuantes em Varas de Família, que
talvez nunca tenham tido ocasião de trazer, publicamente, sua visão sobre as
causas de Família. Esses três pontos de vista integrados poderiam trazer
diretrizes fundamentais ao redimensionamento das causas de Família na
Justiça.
Este trabalho pode servir de veículo de comunicação, não só entre o
Direito e a Psicologia, o que era a nossa proposta, mas também estimular o
diálogo entre os vários escalões do Poder Judiciário, e entre a Justiça, a
sociedade civil e o Poder Legislativo, formando uma rede de comunicações
que traga avanço e maior humanização para a legislação e a Justiça de
Família.
Acreditávamos que a dificuldade em aproximar as duas ciências
aparecesse em nossas entrevistas. Pensamos que seria necessário encontrar
uma linguagem psicológica acessível à classe jurídica, para podermos
conversar. Não foi necessário, mas só porque já havia entre nós uma
linguagem comum anterior, a jurídica. Ela foi o grande facilitador de nossa
comunicação, o ponto de contato na aproximação dos dois sistemas de
significados, porque, como em qualquer comunicação, algum ponto em
comum precisaria haver para que o diálogo fosse possível.
O diálogo foi desenvolvido na direção de uma construção efetiva, que
propiciou reflexão e amplificação da visão dos participantes. Essa
amplificação salta à vista quando se examinam dois momentos diferentes de
algumas das entrevistas e se observa o crescente entusiasmo pelo tema
jurídico visto de modo interdisciplinar. Os mesmos entrevistados que, num
momento, diziam que o juiz só tem meios formais e obrigação de resolver o
conflito jurídico, em outro estavam buscando alternativas que colaborassem
para a solução do conflito emocional subjacente àquele. Isto foi muito
estimulante, pois é de entusiasmo pelas ideias novas que se precisa, quando
se pretende conseguir alguma mudança.
Os juízes parecem estar pouco acostumados a que lhes peçam para dar
impressões pessoais sobre certos assuntos e possivelmente são orientados
profissionalmente a não emiti-las. Os juízes entrevistados, no entanto,
mostraram, com toda franqueza, a sua face humano-profissional, o que
contribuiu, definitivamente, para maior precisão dos resultados. Ficou
patente, o que foi muito importante, que eles estavam acreditando na
pesquisa como algo que poderia ajudá-los no auxílio às famílias que
dependiam deles, jurisdicionalmente, e, assim, se empenharam da melhor
forma possível. Alguns mencionaram que era a primeira vez que viam uma
pesquisa focada na figura do juiz, que tínhamos experiências acadêmicas
compartilháveis e que nossa linguagem jurídica comum estava facilitando o
diálogo. Isso, certamente, também favoreceu o espírito colaborador que
encontramos.
No curso das interações, os juízes entrevistados foram trazendo
colaborações significativas para o Direito de Família para os operadores do
Direito não juízes, para os psicólogos e para os demais profissionais não
jurídicos. Contaram suas experiências, discorreram sobre o que se faz e o
que se deve fazer em Direito de Família, em conformidade com as leis civil
e processual civil que norteiam suas ações, e trouxeram sugestões sobre o
que consideram que deveria ser feito, levando em consideração a vivência
de seu dia a dia em Varas de Família. Apresentaram-se como profissionais
competentes e pessoas sensíveis e humanitárias.
As causas de família requerem sensibilidade e conhecimentos
específicos para ajuda às famílias em separação. Nossas entrevistas nos
permitiram trazer a público uma nova realidade, mostrando juízes de
Direito com postura tendente a um menor formalismo que o
tradicionalmente associado à Magistratura, mostrando que a Psicologia se
vem firmando como ciência e profissão aos olhos de outras categorias
científicas e profissionais, e que a disseminação do conhecimento de
fenômenos psicológicos vem deitando raízes e trazendo informações, às
quais, parece, quase mais ninguém pode furtar-se, nem mesmo operadores
do Direito, como os juízes.
É um avanço alentador constatar que o juiz, a par da singularidade de
uma função que exige discrição e cautela, como ele próprio admite, pode,
hoje, mostrar-se como um cidadão que convive com toda a complexidade
do mundo moderno. Como profissional e pessoa deste tempo, não deixa de
perceber os fenômenos que ocorrem a sua volta e diante de si. Em função
de seu papel social, diz não saber, por vezes, em que poderia ajudar e quais
os limites da ajuda. Um dado, porém, apareceu nesta investigação: ele quer
ajudar e quer ser ajudado a ajudar.
Os juízes de Família da amostra concluíram que o conflito jurídico não
é o cerne das questões judiciais de família, e sim, o conflito
emocional/relacional preexistente entre os litigantes. Eles percebem a
existência de aspectos emocionais subjacentes à separação e que, em algum
grau, prejuízos emocionais alcançam os filhos do casal que se separa. Só
essa percepção já seria suficiente para indicar que surge um novo olhar no
juiz de Direito: menos “objetivo” e menos legalista.
O não saber, mencionado acima, não se refere à capacidade de decidir
ou dar soluções jurídicas, pois, para estas, os juízes entrevistados
apresentaram-se competentes legal, funcional e pessoalmente. Refere-se à
possibilidade de interferir nos conflitos emocionais subjacentes às causas
judiciais de família. Para esse tipo de ajuda, eles não se sentem
instrumentalizados, profissionalmente.
Ante sua conceituação emocional das causas de família, declararam
não se sentir preparados para lidar com o conflito relacional que se lhes
apresenta, nem mesmo para abordar as partes, sob esse prisma.
Reconheceram que bom-senso e sensibilidade, advindos da experiência de
vida, são os recursos de que se valem para instrumentalizar sua atuação e
que essas são condições necessárias, indispensáveis mesmo, mas não
suficientes, para que se enfrentem conflitos emocionais familiares de forma
mais efetiva.
Noventa por cento dos entrevistados identificaram as causas judiciais
de família com problemas emocionais/relacionais familiares e denunciaram
uma necessidade pessoal de conhecimento sobre a vida psíquica do ser
humano e sobre as relações interpessoais.
Tal necessidade vem expressa por meio de diferentes manifestações e
iniciativas: procura isolada de livros com temas psicológicos, ingresso em
instituições científico-culturais, onde são estudados temas de Direito de
Família sob ótica interdisciplinar, sugestão de que se elabore um Caderno
de Psicologia especialmente para juízes de Família, e sugestão de que se
organizem palestras e cursos com profissionais da Psicologia, da Psiquiatria
e afins.
Oitenta por cento dos juízes entrevistados declararam considerar
fundamental a introdução, no currículo dos cursos de preparação para a
Magistratura, de uma Cadeira em que sejam transmitidas noções básicas de
Psicologia e de funcionamento familiar, bem como orientações práticas
sobre como dialogar com as partes, em Vara de Família, e fazer
encaminhamentos.
Mencionamos, no corpo do livro, a pesquisa realizada no Hospital de
Hadassah, em Jerusalém, que concluiu que há alta probabilidade de filhos
de até dezessete anos, à época da separação dos pais, virem a ter problemas
psiquiátricos na idade adulta. Essa é uma conclusão muito séria, o que
confere ainda mais importância à sensibilização de nossos entrevistados
para a problemática da separação.
De fato, a análise dos resultados denota que eles inferem o quanto a
demanda emocional imerge os filhos do ex-casal, já afetados pela situação
de separação, em prejuízos emocionais, agravados, sobretudo, pelos
conflitos de lealdade em relação aos pais, gerados nas verdadeiras batalhas
que se travam nas ações de família.
A análise indica, também, que os juízes percebem a defasagem causada
pela lentidão da Justiça e angustiam-se, porque, em alguns casos, quando
sai a sentença ou o acórdão, todo o trabalho da máquina judiciária e dos
advogados, todo o desgaste emocional da família e todo o custo para o
Estado, poderão ter sido inócuos e não mais atender às necessidades atuais
do caso. A Justiça poderá ter operado sem qualquer eficácia social.
A rigidez e o conservadorismo das instituições jurídicas, o
tradicionalismo na formação de bacharéis, de modo geral, e de juízes, em
especial, são fatores que podem explicar a manutenção do status quo ante,
no exercício da Justiça de Família.
É curioso notar no que diz respeito aos juízes de Família, que embora a
maioria identifique causas judiciais de Família com problemas relacionais
familiares e reclame por formação específica para entendimento dos
conflitos emocionais, alegando que há falta de preocupação com a formação
do juiz, nenhuma menção aparece, nas entrevistas, sobre qualquer
reivindicação dentro do sistema judiciário. Talvez aqui esteja um fator de
inibição de mudanças no Poder Judiciário: possível tradição de obedecer
sem questionar, ou possível tradição oligárquica. Alusão a essa posição é
feita numa oportunidade, em que um participante pontua a necessidade de
serem ouvidas as bases para a consecução de mudanças, o que parece que
começa a acontecer. As suposições acima mereceriam maior
esclarecimento.
Apesar disso, as entrevistas evidenciaram a existência de uma
magistratura que sente necessidade de falar e sabe o que dizer, como
ocorreu na presente experiência.
Na interdependência familiar, as crianças e os adolescentes são os
membros mais vulneráveis da família, porque dependem do equilíbrio
emocional dos pais para alcançarem o próprio equilíbrio. Nesse sentido,
eles podem ser os mais sacrificados numa ação de separação.
Os juízes de primeiro grau, pelo fato de serem os primeiros
representantes do Judiciário a ter contato com os problemas do casal e os
únicos, em princípio, a ter contato pessoal com ele, são uma referência
importante para o aperfeiçoamento do trabalho, na área judicial da família.
Eles são o principal veículo para transmitir aos níveis superiores da
hierarquia, em sua classe, os problemas que descobrem no dia a dia, como a
constatação de quanto os conflitos emocionais do casal tornam ineficazes
muitas das soluções jurídicas. São eles que podem, também, sugerir
medidas para aprimoramento da própria formação e para a formação dos
futuros candidatos à Magistratura, e, até mesmo, influenciar o Legislativo
na direção de mudanças na lei, desde que falam a partir de experiência
pessoal.
De nossas longas conversas ficou a impressão de que no universo da
Magistratura não se fala, profissionalmente, de assunto que não seja
jurídico. Talvez a própria classe desconheça que seu mutismo a torna
coautora de alguns dos problemas que enfrenta, como ter que deparar com a
complexidade multifacetada das questões de família e estar preparada
apenas para uma ótica unidimensional. É provável que, com exceções, os
membros dos Tribunais, comumente responsáveis pela formação e
aperfeiçoamento dos juízes, desconheçam a força da problemática
emocional e as possibilidades interdisciplinares atuais de auxílio à Justiça,
na área da Família. Seria necessário que fossem informados para poder
refletir a respeito, e ninguém melhor para fazê-lo que os juízes que estão
convivendo, cotidianamente, com o problema. Conversas interdisciplinares
também seriam recomendáveis, nas instâncias superiores.
Uma ideia que ficou implícita foi a necessidade de advogados,
promotores e juízes terem uma convivência mais harmoniosa e menos
defendida. Da mesma forma que os juízes se queixam de advogados que
dificultam a realização de acordos, talvez os advogados pudessem queixar-
se de algum aspecto da conduta dos juízes, se tivéssemos podido ouvi-los.
Isso não foi possível, pois ampliaria demasiadamente o universo de nossa
investigação, mas insistimos em que seja realizada uma pesquisa com esses
profissionais, pois, na área de Família, toda a colaboração é bem-vinda e
advogados, juízes e promotores não podem esquecer-se de que são os
construtores da justiça e que, provavelmente, só com espírito colaborador
poderão construir uma Justiça mais humana.
Uma formação específica para os juízes de Família poderia ser um
primeiro fator de minimização dos efeitos da crise da separação. Advogados
e promotores também se beneficiariam com a oportunidade de um
aprimoramento em sua formação.
Assim, talvez uma das maiores contribuições deste trabalho, tenha sido
a confirmação da necessidade de que se reformule o currículo dos cursos de
Direito e, em particular, o da Escola de Magistratura, com introdução de
uma Cadeira voltada a oferecer noções básicas de Psicologia, especialmente
sobre o comportamento humano nas relações familiares e a importância
fundamental do relacionamento familiar no desenvolvimento psíquico dos
filhos e na manutenção do equilíbrio emocional das pessoas da família
envolvidas na separação. Uma disciplina que estude o Direito de Família
sob ótica interdisciplinar psicojurídica poderia ser objeto de especial
atenção, com vistas a compor a grade curricular dos cursos de Direito, no
que diz respeito ao Direito de Família, em atendimento à demanda
específica.
Como parte do conteúdo programático dos cursos de formação, ou de
outras formas de divulgação científica, sugerimos que alguns
conhecimentos sejam passados o quanto antes, mais com o propósito de
provocar tomada de consciência do que de transmitir teorias. Por exemplo:

1 – que a separação é uma das mais sérias crises emocionais que


podem atingir uma família;
2 – que os operadores do Direito e técnicos eventualmente convocados
para colaborar no processo, podem, por sua postura, ajudar a
minimizar prejuízos emocionais ou contribuir para que se reedite,
nos autos, o clima belicoso que vem da casa dos ex-cônjuges;
3 – que as partes estarão fragilizadas pelo evento da crise e poderão
precisar de apoio, talvez até especializado, para passar por esse
momento de transição do ciclo vital e para encontrar, em si, força e
flexibilidade suficientes para efetuar as transações necessárias à
superação e tentar chegar às mudanças qualitativas indispensáveis
ao equilíbrio emocional.

Em termos de formação e aperfeiçoamento, é possível implementar-se,


imediatamente, o contato dos magistrados com temas de Direito de Família,
estudados sob ótica interdisciplinar psicojurídica, por intermédio de
publicações, cursos e palestras ministrados por especialistas em psiquismo
humano e relacionamento familiar. Os participantes expressaram tal
necessidade. Algo já vem sendo feito.
Particularmente no que diz respeito aos jovens magistrados, seria
desejável que recebessem uma atenção especial na formação, visto estarem
mais próximos da condição de filhos que da de pais, por sua juventude. Para
eles, ser estudioso e dominar a lei e a doutrina não é suficiente, visto que
lhes falta experiência de vida adulta. Por outro lado, os jovens são idealistas
e, como tais, estão muito motivados para ajudar o próximo, o que é um
diferencial que deve ser valorizado.
É recomendável, também, que se ministrem aulas com orientações
práticas, sempre levando em conta que, sob o conflito jurídico pode existir
algum conflito de ordem emocional/relacional. A esse propósito, falamos,
recentemente, com um entrevistado, que lembrou como seria importante
que os jovens juízes fossem formados não apenas pelos mais antigos, mas,
também, por outros profissionais, para haver “mais arejamento” (sic).
Sabemos que algumas instituições jurídicas têm ministrado cursos e
palestras sobre o tema e que a própria Escola Paulista da Magistratura tem
aberto suas portas às novas possibilidades. Nós mesmas já demos palestra
no Instituto dos Advogados de São Paulo sobre a interdisciplinaridade
psicojurídica na área de família e participamos, como docente, de curso de
Mediação, na Associação dos Advogados de São Paulo. Instituições como o
– Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o Instituto de
Mediação e Arbitragem do Brasil (IMAB), e o Conselho Nacional das
Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA) têm dado grande
impulso à visão psicojurídica.
A mediação, além de todas as vantagens técnicas, tem um outro
condão: ela tem sido a porta de entrada para introduzir a questão
interdisciplinar, por trazer pontos de contato entre a experiência jurídica e a
psicológica, o que, como dissemos, facilita o diálogo. Nessas
oportunidades, pudemos observar como, apesar do interesse, o operador do
Direito tem dificuldade de sair da mentalidade jurídica inerente à formação
para pensar de uma outra maneira, não porque não queira, senão porque
ainda não está preparado para isso. Mas este é um tempo de semeadura das
ideias novas e é preciso dar tempo para que a semente possa brotar.
Os resultados deste trabalho também apontam que se reveja a Justiça
de Família, com reestruturação do Direito de Família, no que for necessário.
A Justiça de Família não pode ser entendida como meramente jurídica
e formal. Isso não lhe basta e seus executores o comprovam. Ela lida com
conflitos relacionais, com conflitos interpessoais de ordem afetiva e, para
tal, não está aparelhada, legalmente.
A audiência inicial de reconciliação é vista, de modo geral, pelos juízes
de Família, como mera formalidade legal, sem eficácia. A tentativa de
conciliação costuma ser bem sucedida, na maioria dos casos, porém a
continuidade das pendências mostra que não houve dissolução dos
problemas emocionais subjacentes. Assim, recomendamos que os juízes
aprendam técnicas relacionais de conciliação e que se introduzam recursos
psicológicos de auxílio à família que se separa, no processo, desde logo.
O magistrado não deve perder a oportunidade de fazer a indicação de
um desses recursos, quando julgue conveniente, pois é possível que, para
famílias que desconhecem a possibilidade de apoio psicológico nessas
crises, o encontro obrigatório entre o casal e o juiz seja a única
oportunidade de ajuda na minimização dos prejuízos emocionais dos filhos.
A conscientização dos advogados familiaristas quanto a essa
necessidade também parece ser de fundamental importância, tanto para
maior benefício das partes e de seus filhos quanto para tornar eficaz a
recomendação do juiz, uma vez que, sem lei prévia, este só pode
recomendar, e não, determinar.
O emprego de práticas sistêmicas, isto é, de práticas relacionais, pode
ser de auxílio significativo na Justiça de Família, trate-se de conflitos
referentes a casamento ou a outra entidade familiar.
Atualmente, a perícia judicial é o único recurso psicológico existente
na lei. Embora nem todos os entrevistados a considerem um recurso
eficiente, quase todos a utilizam, por estar prevista em lei. Em razão disso,
ninguém mais se sente “louco” ou é tachado de “louco” por ter que se
submeter a uma perícia.
As perícias vêm sendo aperfeiçoadas e as modernas perícias
relacionais, realizadas no âmbito do Direito de Família, são o que mais se
aproxima da possibilidade de ajuda psicológica à família, o que é um
avanço, embora sejam destinadas, primariamente, a nutrir o juiz de Família
de elementos probatórios.
Sugerimos que os advogados leiam com mais atenção o que dizem os
laudos, lembrando que os peritos são auxiliares da Justiça e não parte, no
processo.
Os peritos psicólogos procuram indicar o que a avaliação lhes aponta
como sendo o melhor para o bem-estar emocional dos menores envolvidos,
sendo que alguns laudos dão verdadeiras aulas para munir o juiz de
elementos de convicção e os pais de conhecimento sobre a infância e a
adolescência, para melhor poder orientar a criação de seus filhos no
caminho do equilíbrio emocional e da felicidade.
Entendemos que o advogado tem dever funcional de defender a parte
que o constituiu, mas também nesse ponto é necessária uma mudança de
mentalidade para que o advogado possa perceber o que é o melhor para os
filhos do ex-casal, e sensibilizar seu cliente, abandonando a lógica binária
pela qual ou se perde ou se ganha e reconhecendo que, em matéria de
família, o que é bom para os filhos é ganho para os pais.
A perícia e o trabalho preventivo com o par parental têm objetivos
diferentes: a primeira se destina, primeiramente, a oferecer elementos de
prova ao juiz, para decidir; o segundo, a ajudar o casal a mudar o olhar em
relação à sua conflitiva e chegar a acordos mais coerentes e mais
consistentes, sobretudo em benefício dos filhos.
Sabemos que recursos psicológicos específicos só podem ser utilizados
por profissionais devidamente habilitados, mas a possibilidade de seu
emprego não deve ser descartada por essa razão. Nos casos indicados, um
trabalho preventivo pode ser um acréscimo e um diferencial no atendimento
aos casos judiciais de família, além de introduzir, oficialmente, a
interdisciplinaridade psicojurídica, na área da Família. Assim, uma
recomendação que a pesquisa enseja é que sejam envidados esforços no
sentido de mudanças na estrutura legal pela inclusão, ao lado da perícia,
dessa segunda possibilidade de ajuda oficial.
Sugerimos que a redação do art. 26 do Projeto de Lei sobre Mediação e
outros Meios de Pacificação, que propõe a alteração do art. 331 e
parágrafos do CPC, tenha a seguinte redação no § 3.°:

“§ 3.° Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas


de solução do conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, inclusive a
arbitragem, na forma da lei, a mediação, a intervenção especializada
e a avaliação neutra de terceiro” (grifo nosso).

A inserção de um dispositivo legal que preveja o encaminhamento das


partes, quando necessário, para um trabalho de caráter inter-relacional por
especialista em terapia familiar, poderá vir a facilitar a realização de
acordos judiciais mais consistentes e mais duradouros, em virtude de essa
intervenção oferecer aos pais a oportunidade de elaborar dificuldades
pontuais, na condição parental.
A previsão em lei poderá acarretar, para o meio jurídico, pelo menos
dois benefícios: facultará ao juiz determinar a medida, sempre que julgar
conveniente, e, como ocorreu com a perícia, mitigará, e, com o tempo,
eliminará, nos cidadãos, o preconceito de que práticas psicológicas são
“coisa para louco”.
Outra reforma a ser recomendada na legislação é a permissão de
permanência de terapeuta familiar na Vara, durante a audiência, para
posterior cotejo da escuta judicial com a escuta psicoterapêutica, o que a
análise dos resultados revelou ser de valia como contribuição à formação da
convicção do juiz.
O acordo, objetivo maior da Justiça de Família, encerra a demanda
judicial, assim que é dada a sentença de homologação. Os juízes de Família,
porém, concordam com a evidência de que a demanda emocional
permanece, tanto que é comum o surgimento de ações sobre alimentos,
guarda e regulamentação de visitas, mesmo após a separação consensual.
A respeito do tema acordo, recomendaríamos aos operadores do Direito
que entrassem em contato com as novas técnicas de negociação e
conciliação, que, dado seu caráter interacional, poderão ser-lhes de muita
utilidade no exercício da função.
Segundo a experiência judicial, no ritmo atual da Justiça, uma
separação judicial litigiosa leva de seis meses a um ano e, se houver
recurso, poderá chegar a dois anos ou mais. Para uma criança, um ano ou
dois podem ser demasiado, dependendo de sua idade cronológica e de sua
fase de desenvolvimento psicoemocional. Na verdade, há causas que se
estendem por muito mais tempo.
Além disso, a literatura tem atestado que, sob cuidados especializados,
o trânsito emocional pela crise da separação, com a respectiva elaboração e
reorganização familiar, não se dá em menos de três anos e que, sem
cuidados, nada é possível prever. Assim, a provocação de ajuda pelo
Judiciário, já na audiência inicial, se possível amparada em lei, aliada a um
processo mais curto e menos estressante, pode vir a beneficiar,
emocionalmente, as famílias envolvidas.
Uma proposta de processos breves pode mostrar-se viável, com prazos
encurtados, desde que, simultaneamente, a família esteja sendo preparada
para essa penosa transição. Recomendamos pesquisa nesse sentido.
O pensamento dos juízes de Família entrevistados denota uma
tendência interdisciplinar. Parece-nos importante que essa tendência seja
conhecida pelo mundo jurídico e que, dentro do Poder Judiciário, seja
instalado um espaço dialógico, onde os pensamentos, as experiências e as
inquietações possam ser democraticamente debatidos, e as discussões não
se restrinjam à matéria jurídica.
Como há recursividade nas relações, se os juízes de primeiro grau não
costumam levar as questões emocionais da separação à discussão e se os
superiores não estão suficientemente familiarizados com as questões
emocionais da família, pelo desconhecimento de conceitos teóricos
mínimos sobre o assunto, não haverá como discutirem a temática.
Embora não tenha sido nosso objetivo, foi alentador saber que algumas
iniciativas foram tomadas no sentido da ampliação do olhar dos juízes a
respeito da Justiça de Família. Uma delas aconteceu em Santa Catarina, por
iniciativa do Desembargador Francisco Xavier Medeiros Vieira, na época
em que foi presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado. Outra, foi no
Pará, por iniciativa da Desembargadora Climeni Pontes, também na
qualidade de presidente do Tribunal de Justiça. Há informações sobre
iniciativas semelhantes, no Amapá.
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça criou o Plano Piloto de
Conciliação em Segundo Grau de Jurisdição, destinado a processos que
aguardam distribuição no Tribunal de Justiça há cerca de um ano e meio,
bastando que qualquer das partes peticione para que haja uma sessão de
conciliação. As audiências são presididas por conciliador designado pelo
Conselho Superior, dentre magistrados aposentados, advogados e
professores universitários. Se bem sucedida a conciliação, o acordo será
homologado pelo presidente do Tribunal.
Embora a iniciativa da Justiça paulista não se volte exclusivamente
para a área da Família, a inclui, e poderá vir a ser um marco na solução dos
conflitos familiares, se os conciliadores – profissionais de alto nível de
conhecimento e experiência jurídica – vierem a se apropriar, também, de
conhecimentos psicológicos básicos e das novas técnicas relacionais de
conciliação, conhecimentos e técnicas, aliás, que logo descobrirão, ser-lhes-
ão muito úteis nas ações empresariais e outras.
Outras possibilidades estão sendo estudadas pelo Tribunal.
A ampliação do olhar dos juízes pelo contato com profissionais de
outras áreas é parte de nossa proposta, pois se existe o hábito, dentro do
Poder Judiciário, de só se discutirem temas jurídicos e se a tradição manda
que as lições sobre a profissão de julgar sejam transmitidas pelos mais
antigos aos mais novos, ficarão todos presos numa rígida teia, de onde será
muito difícil sair.
Se não houver mudança de mentalidade, mesmo havendo lei, o
potencial de aplicação dela ficará minimizado. No caso do Estatuto da
Criança e do Adolescente, por exemplo, para melhor utilização, no que
tange ao Direito de Família, os intérpretes jurídicos deveriam poder contar
com um repertório mínimo de informações sobre o funcionamento
relacional da família e sua importância para o desenvolvimento
biopsicossocial dos filhos.
Dentro desse espectro, as políticas legislativas, em Direito de Família,
também parecem continuar preocupadas, exclusivamente, com a questão
jurídica.
Foi aprovado o novo Código Civil brasileiro. Traz mudanças
significativas para o Direito de Família, que se faziam necessárias, desde
que, na prática, muitas já vinham sendo implementadas. Nada refere,
porém, que, sequer, sugira a presença subliminar do pensamento
psicojurídico. Discussões sobre o Código de Processo Civil também
precisam tangenciar a interface psicojurídica, nas questões de Família. Os
especialistas em processo civil têm se empenhado nas discussões sobre a
futura lei de mediação. Um projeto foi elaborado e observa­-se que o
interesse pela questão emocional dos casos de família foi despertado pelas
contribuições vindas da parte de terapeutas familiares, o que confirma a
ideia da importância da conversa interdisciplinar.
A ausência de pensamento interdisciplinar psicojurídico, no Direito de
Família, pode ser atribuída, em princípio, à tradição de autossuficiência do
Direito e à juventude da Psicologia, como profissão, no Brasil. A falta de
informações sobre a visão sistêmico-construtivista, que é a pedra de toque
do pensamento pós-moderno, e sobre os conteúdos psicológicos do ser
humano, porém, podem estar também contribuindo significativamente para
a manutenção da situação.
A promulgação do novo Código Civil trará em seu rastro a necessidade
de reexame do Código de Processo Civil. Este é um momento apropriado
para recomendar-se a inserção, na lei, das propostas apresentadas, ou, se for
o caso, serem elas objeto de lei especial. Por isso, o fazemos.
Dissemos que noventa por cento dos entrevistados identificaram as
causas judiciais de família com problemas emocionais/relacionais
familiares, mas mesmo os membros do Judiciário, que preferiram não
abordar a conflitiva emocional, diretamente, tendem a ver com simpatia a
ideia da mediação nas questões de família.
Sem qualquer compromisso com nomenclatura, o presente trabalho
introduziu a questão da mediação na área judicial de família, visando a,
pelo fornecimento dos subsídios científicos que permeiam toda a exposição,
oferecer alguma contribuição para possíveis discussões sobre a matéria.
Com o projeto de lei em estudo no Congresso Nacional, foi dado um grande
passo no campo das resoluções alternativas de disputas, na área judicial da
família.
Mesmo correntes divergentes são concordes em afirmar que mediação
não pode ser confundida com psicoterapia, que é o meio apropriado para se
cuidar de problemas emocionais e relacionais de ordem psicológica.
Sabemos que não são os fenômenos que devem adequar-se às técnicas,
mas essas é que devem ser escolhidas adequadamente para tratar deles.
Assim, se há conflitos que não podem ser alcançados pela mediação, isso
não significa que não possam ser minimizados ou dirimidos por outra
prática sistêmica. Dessa forma, é de se pensar, seriamente, na inclusão de
especialistas em conflitos emocionais familiares na Justiça de Família, para
que as famílias vejam esgotadas todas as possibilidades de ajuda.
Nossa proposta é ousada em pretender que também o Legislativo se
sensibilize para a existência de casos não mediáveis, stricto sensu, mas
passíveis de dissolução do conflito emocional/relacional – ou de
minimização de seus efeitos – pela intervenção de especialista em conflitos
interpessoais de caráter emocional. Tal medida, além de colaborar, como as
demais, para a maior eficácia da Justiça de Família, poderá, de forma
singela, clarificar os marcos de cada atuação. As modalidades de
atendimento psicológico existentes para o auxílio a casais e famílias em
situação de separação poderão, ao lado de outras práticas relacionais, ser de
grande utilidade para o encontro de soluções mais definitivas para tão
doloroso conflito. Uma intervenção dessa natureza pode inclusive viabilizar
uma mediação com os pais ou, conforme seja regulamentada a lei, integrar
os passos preparatórios do processo mediativo, quando necessário.
O importante é lembrar que está provado, cientificamente, que, nas
separações, para haver solução global do conflito, é fundamental que haja
mudanças na qualidade das relações, para as quais conhecimentos
exclusivamente jurídicos, em princípio, são insuficientes. A pesquisa, por
outro lado, denotou toda a sensibilidade dos juízes participantes na
percepção de que sob conflitos jurídicos de Família estão subjacentes os
conflitos emocionais/relacionais das partes. Isso é um excelente começo.
Estamos muito perto de ter uma lei de mediação. Esperamos que as
ideias aqui expendidas tenham ajudado o leitor a penetrar no espírito do que
se pretende que a mediação seja, na área da Família.
As explicações teóricas, a literatura apresentada e as ideias expendidas
neste trabalho pretendem trazer uma modesta contribuição ao implemento
de uma nova mentalidade na Justiça de Família, cuja síntese fica registrada
no item que segue.

8.2 A MENTALIDADE INTERDISCIPLINAR

P ensar interdisciplinarmente implica ter uma visão sistêmica de mundo:


implica acreditar na fundamentalidade das interações.
Implica acreditar na interdependência dos sistemas vivos, sejam
humanos, sejam sociais como a família, como o sistema jurídico, como o
sistema judiciário.
Implica acreditar em histórias de vida – humanas ou sociais – não
lineares, mas como fruto de transformações.
Implica acreditar que relações geram transformações e constroem
realidades.
Implica acreditar que qualquer palavra ou ato de alguém, em
determinada situação, influenciará os demais, estará sendo influenciado
pelo que estes façam ou digam e só poderá ser compreendido no contexto
da situação.
Pensar interdisciplinarmente é poder conviver em rede.
Pensar interdisciplinarmente é diferente de trabalhar
multiprofissionalmente.
Trabalhar multiprofissionalmente pode simplesmente significar a
somatória da atuação de diferentes profissionais, cada um fazendo sua parte
de modo não necessariamente interdisciplinar.
Pensar interdisciplinarmente significa poder perceber a interpenetração
de diferentes conhecimentos, a inter-relação entre eles e levar isso em
consideração. Implica interação.
A inter-relação, enquanto fenômeno, trará suas consequências,
independentemente de ser levada em consideração ou não.
A interdisciplinaridade é uma mentalidade. A mentalidade
interdisciplinar implica a crença na possibilidade de construção de novas
realidades.
A interdisciplinaridade, no Direito de Família, depende de algumas
condições:
1 – Depende de como o advogado entenda seu dever funcional de
defesa do cliente. Depende de como juízes e promotores entendam sua
função pública.
O que é que se está protegendo, quando se defende ou se julga, em
causas de família?
Se o advogado familiarista entende que fazer o melhor possível pela
parte que o constituiu, significa satisfazer-lhe toda a demanda gerada pelo
conflito consciente de interesses e dos desejos gerados pelo sentimento de
fracasso no casamento, pela necessidade de vencer o ex-cônjuge, agora
visto como adversário, numa competição ou o que for, não conseguirá
pensar interdisciplinarmente.
Se o juiz de Direito, atuante em Vara de Família, é estritamente
legalista e se ele acredita que sempre um só dos cônjuges possa
efetivamente ter dado causa à separação, com responsabilidade exclusiva,
terá dificuldade em pensar interdisciplinarmente, pois seu pensamento é
linear.
Se os profissionais do Direito não acreditam na fundamentalidade das
interações, a ideia de interdisciplinaridade não lhes fará nenhum sentido. O
cliente estará ali para ganhar. O quê? É uma outra questão.
2 – Depende de os profissionais não jurídicos que auxiliam o Judiciário
entenderem que o Direito é constituído de leis, de regras, de normas que
têm que ser cumpridas, de uma determinada maneira.
Psicólogos podem ter seu próprio entendimento sobre certos conceitos
e sua forma própria de atuação. Mas, se tentarem entrar na Justiça com os
parâmetros de seu trabalho clínico privado, encontrarão uma barreira
necessária, porque a Justiça se funda primariamente nas leis, visa a certos
objetivos, tem profissionais habilitados, definidos legalmente, para exercê-
la e não pode ser manipulada pelos cidadãos, a seu bel-prazer, por mais que
bem-intencionados.
3 – Depende de que profissionais da Psicologia e demais profissionais
que se disponham a atuar junto a um Juízo de família, estejam
sensibilizados para o fato de que o Direito de Família constitui uma parte
muito especial do Direito Civil e de que os profissionais não jurídicos
busquem um mínimo de conhecimento sobre o campo, que lhes permita
transitar dentro dos parâmetros legais dos conflitos que se lhes apresentem.
4 – Depende de que os profissionais do Direito se interem,
minimamente, das descobertas da Ciência Psicológica e das Ciências
Sociais, para poderem perceber que, nas ações de separação, por trás dos
direitos, dos deveres, do patrimônio, está a potencialidade:

a) de as pessoas envolvidas poderem fazer ou refazer suas vidas;


b) do restabelecimento ou manutenção do equilíbrio emocional dessas
pessoas;
c) de um desenvolvimento psicoafetivo saudável para os filhos, no
sentido de uma vida infantil, juvenil e adulta, o quanto possível não
comprometidas, emocionalmente.

A perspectiva de causalidade circular permite entender que, no


desenrolar de um processo judicial, cada participante estará influenciando e
sendo influenciado pelo outro, dentro do contexto, com suas convicções
pessoais, em muito, determinadas pela realidade que construiu com sua
história de vida e suas experiências. Isso não exclui os operadores jurídicos
pelo fato de estarem atuando dentro da lei.
Essa é a base da construção que, se ocorre em qualquer processo
judicial, convém enfatizar em se tratando de causas de família, porque o
Direito de Família é especialíssimo em sua natureza e coloca sua ênfase na
proteção da família e de seus membros, na esfera jurídica.
A proteção da família é antes de tudo obrigação dos pais. A eles cabe
zelar pelo bem-estar dos filhos e por tudo o que seja de seu superior
interesse como seres humanos. Esta é a razão pela qual a esses pais
dedicamos nossa última mensagem.

8.3 CARTA AOS PAIS

Prezados pais,
Vocês que estão pensando em se separar, estão se separando ou já se
separaram? Não importa, a vida é sempre um eterno reiniciar.
Vocês têm filhos pequenos ou adolescentes? Aí, a situação complica
um pouco. Mas mesmo filhos adultos ficarão abalados com a separação,
não tenham dúvidas. Vocês pensam que é fácil? Imaginem seus pais
separando-se. Se vocês são filhos de separados, sabem muito bem o que é
isso.
Às vezes, a vida traz situações que não têm volta e, talvez, a sua seja
uma dessas.
Não se precipitem, porém, pensando em separar-se com pressa, ou por
entusiasmo ou por raiva. Lembram-se de que a pressa é a inimiga da
perfeição? Então... Será que seu caso é mesmo de separação? Será que os
sonhos foram todos destruídos mesmo? Será que vocês não estão falando
línguas diferentes e pensando que dizem a mesma coisa?
Cuidado! Quando se começa a brigar, entra-se por uma escalada
desenfreada que pode não ter fim. As paradas são apenas para tomar
fôlego e retornar de forma cada vez mais rancorosa e violenta.
Será que a situação financeira está complicada? Lembrem-se de que
em casa em que falta pão, todos gritam e ninguém tem razão.
Se for isso, pense, cada um, como o companheiro deve estar se
sentindo. Seu marido pode estar humilhado, sua mulher pode estar
insegura, ambos podem estar com medo do futuro. Tentem lembrar que
vocês, antes de serem marido e mulher, são amigos, são confidentes e
confiam um no outro. Ou será que a confiança acabou? Falem sobre isso.
Será que seus filhos estão crescendo e vocês estão se desentendendo
sobre como educá-los? É, não é fácil mesmo educar filhos que estão
crescendo, sobretudo os adolescentes. Criar um filho pequenininho é mais
fácil, claro, pois ele só faz o que vocês querem, mas quando ele começa a
pensar e os desafia, que complicado! Se vocês não tiverem firmeza e
equilíbrio, aí vai ser um problema.
Será que vocês se esqueceram um do outro?
Era tão fácil no tempo do namoro, e nos primeiros tempos de
casamento, chegar em casa, alegres, fazer um elogio à comida, aos
encantos da casa, à aparência pessoal, às conquistas profissionais e
encontrar graça em tantas pequenas coisas.
Lembram do tempo em que vocês riam à toa? Ou de quantas vezes um
consolou o outro em momentos de tristeza sem motivo aparente, de
aborrecimentos no trabalho, com um chefe injusto, um colega mau caráter
ou um cliente desagradável? Vocês diziam “deixa p’ra lá, isso passa”.
Lembram do tempo em que a escola reclamava de seu filho e vocês se
preocupavam, sofriam, mas sentavam-se para conversar, iam falar com a
professora e tocavam a vida? E quando algum de vocês se aborrecia com
os palpites e as alfinetadas da sogra e o outro dizia “não ligue, minha mãe
é assim mesmo, para mim está bem como você é, é assim que eu gosto de
você, a vida é nossa”, e que tais?
Lembram de quando ele procurava aquela camisa especial e o
colarinho estava mal passado ou quando ela se arrumava toda para
esperá-lo porque era o aniversário de casamento e ele se esquecera de
levar umas flores? Tudo se resolvia, rapidamente. A camisa logo era
substituída por outra e um pedido de desculpas carinhoso, um beijo e uma
declaração de amor substituíam as flores. Vocês conseguiam sorrir e saíam
para festejar. Não havia cansaço e até o florista do Largo do Arouche,1
acostumado com loucuras amorosas, ficava espantado com a braçada de
rosas que entrava no carro. E vocês riam, e tudo que os aborrecera era
logo esquecido.
O tempo passou e as coisas mudaram? As caras alegres ficaram
amarradas, o cansaço tomou conta da vitalidade e os elogios foram
arrefecendo? A comida virou “uma droga”, a casa virou um lugar para se
descarregar as desgraças do dia?
E as crianças? “Você nem acompanha as lições”. “E você, que nunca
está em casa e nem sabe em que ano estão”. “Pare com tanta tristeza, isso
já é depressão”. “Você implica com minha mãe, coitada, ela só quer
ajudar”. “Como a comida poderia ser melhor, se você não dá um tostão,
em casa”. “O quê? Você só gasta, parece um saco sem fundo”. “Nunca tem
uma roupa em ordem, nesta casa”. “Você nem se incomoda mais com nosso
aniversário de casamento”. “Dia dos Namorados? Nosso tempo já
passou”. “Esta casa é uma bagunça”. “Você não sabe o que é cuidar de
casa, de filhos e trabalhar fora”. “Ninguém pediu para você trabalhar”.
“Você quer ser dondoca”. “Você pensa que é um meninão”. “Você está
louca”. “Você está louco”.
O que será que aconteceu com vocês? Será que foi só o tempo que
passou? O tempo, sozinho, não tem esse poder todo.
Será que vocês esqueceram que plantas têm que ser cultivadas? Será
que vocês esqueceram de cultivar seu amor e esqueceram da frase que diz
que quem usa, cuida? Será que vocês não dão valor ao que têm e, portanto,
depois de conquistado, aquele bem já não interessa mais? Pode ser, pensem
nisso. Afinal, há alguns anos vocês eram tão apaixonados.
Lembram como vocês sonharam com a construção de uma família?
Como se entregaram de corpo e alma a essa relação, e quiseram ter filhos,
e conseguiram ter esses filhos? Como depositaram, um no outro, tantas
esperanças e expectativas? Como planejaram fazer o melhor que pudessem
para que o outro fosse feliz?
Para onde foi tudo isso?
Será que vocês foram endurecendo com o tempo e deixaram de sonhar
a dois? Será que vocês acreditaram que amor é coisa para jovens e estão
imaginando que poderão reencontrar a juventude em outros braços e que
em outra relação não terão problemas para serem solucionados?
Que bobinhos vocês podem estar sendo! Que ingênuos! Vocês não
sabem que o cachorrinho muda de lugar e carrega as pulgas?
Tentem pensar.
Será que seu caso é mesmo de separação ou vocês só estão precisando
recasar em seu próprio casamento, rever suas posições e reencontrar o
encanto que viam no outro, nos primeiros tempos?
Será que são realmente sérias as razões que os estão levando a
distanciar­-se ou está havendo uma falha de comunicação? Comunicação de
corpo, de alma e de palavras?
Já pensaram em fazer uma boa revisão de sua vida e encontrar o ponto
em que as coisas deixaram de ser boas e vocês passaram a se atacar para
defender-se?
Tentem fazer isso.
Eu sei que tudo isso é triste para vocês. É duro ver tantos castelos
desmoronando. Agora, imaginem com deve ser isso para seus filhos. Eles
os amam. Curioso, não? O tempo também passa para eles e, no entanto,
eles os amam cada vez mais. Por que será? Não será porque vocês são
amorosos, amáveis, compreensivos e cuidadosos com eles? Pensem nisso.
Vocês têm achado que seus filhos estão meio nervosos, irritados,
tristes, indo mal na escola, brigando com os irmãos ou com os amigos?
Antes de procurar tratamento para eles, perguntem a si mesmos se não
estará em vocês o problema.
Numa casa, as emoções correm como uma faísca elétrica, que vai
tomando conta de todo o ambiente. Se as pessoas forem calmas, estiverem
satisfeitas, e se derem bem, toda a casa tenderá a ser mais tranquila, e
mesmo que haja problemas – que casa não tem problemas? – eles serão
resolvidos também de forma mais serena, um a um, sem se transformarem
em tragédias. Serão apenas problemas e problemas existem para serem
solucionados. Se as pessoas, por outro lado, forem nervosas, irritadas,
briguentas, impacientes e grosseiras, umas com as outras, a casa toda irá
entrar nessa sintonia.
Como vocês, pais, são o eixo da família, sua boa ou má disposição terá
um efeito muito maior do que o das demais pessoas sobre a disposição de
todos, na casa.
Podem prestar atenção e verão como mesmo seu filho mais nervoso
ficará mais calmo, se vocês forem pessoas moderadas e amorosas, e mesmo
seu filho mais tranquilo ficará com o humor instável, se vocês estiverem
sempre se desentendendo.
Nem tudo na vida nós conseguimos resolver sozinhos. Assim, não
tenham preconceitos. O fato de vocês terem tentado conversar e não terem
chegado a nada, ou até visto a situação piorar, não significa que vocês não
tenham jeito. Insistam. Procurem uma terapia de casal, para procurar
descobrir o que os levou a tamanha mudança, na relação, e o que os estará
levando à destruição do casamento.
Pode ser que tudo se resolva e vocês reencontrem o prazer de amar e
de viver numa casa em que há bem-estar. Mas pode ser, também, que vocês
descubram que a separação, em seu caso, é a solução mais saudável.
Nesse último caso, procurem, também, por ajuda, pois isso os
beneficiará e a seus filhos.
Há muita gente querendo ajudá-los. Vocês nem imaginam a quantidade
de pessoas, no mundo todo, que se dedicam a estudar formas de fazer as
famílias saírem ilesas de uma separação.
Há muitos profissionais, de diferentes áreas de atividade, que estão
preocupados em se aprimorar para ajudar casais, como vocês.
Antes de entrar na Justiça, vocês poderão contar com a ajuda de
terapeutas familiares, se quiserem fazer uma terapia para prepará-los e a
seus filhos, para a separação; se se sentirem razoavelmente prontos para
separar-se e precisarem de um profissional que os ajude a decidir sobre os
detalhes da separação, levando em consideração seus sentimentos e
emoções, procurem um mediador familiar. Atualmente, a maior parte dos
mediadores familiares advém ou da Terapia de Família ou do Direito de
Família, como formações básicas, por serem profissionais que antes da
capacitação em Mediação, já se ocupavam das questões da separação.
Mediadores com outra formação profissional, no entanto, desde que
experientes na mediação familiar, poderão ser-lhes igualmente úteis.
Ao chegar o momento de formalizar a separação, porque vocês só
poderão fazê-la no Fórum, procurem advogados especialistas em Família,
cuja referência seja não apenas sobre a competência, mas também sobre os
traços de personalidade, pois uma pessoa moderada e branda, nas
relações, pode lhes transmitir mais serenidade para os difíceis passos que
terão que dar, do que uma mais voltada ao trato adversarial.
Lembrem-se: vocês, mais que ninguém, conhecem sua vida e sabem
que apesar de se encontrarem nessa difícil esquina da vida, deixaram muita
coisa boa construída no caminho, o que vale a pena preservar. Vocês não
estarão no Fórum para brigar. Pelo contrário, parece que vocês só
optaram por essa solução extrema de separar-se, justamente para evitar
que os desentendimentos e o desgaste emocional continuassem.
Lembrem-se de outra coisa: seus filhos dependem de vocês e
continuarão a depender até que se tornem independentes. E, ainda assim, a
interdependência afetiva não se extinguirá, de modo que é melhor preservá-
la, prevenindo qualquer arranhão nas relações. Então, procurem uma
forma harmoniosa de organizar sua nova vida, encontrando formas de
criá-los, de educá-los e de cuidar deles, que os levem a sentir que, apesar
de ter os pais separados, ambos estão preocupados com seu bem-estar
físico, psíquico e social e que se entendem a seu respeito. Seus filhos vão
ser filhos de separados, mas não precisam ser filhos de inimigos figadais.
Um mal-estar entre vocês, como pais, vai se refletir em seus filhos.
Pode ser que para magoar um ao outro, vocês acabem por magoar seus
filhos e, até, por afastar-se deles ou levar o outro a fazê-lo. Quem está se
separando são vocês, lembram? Seus filhos não pediram para separar-se
de ninguém. Além disso, vocês já ouviram falar em ex-filhos, ex-pai ou ex-
mãe? Não, não é? Claro, porque isso não existe. O que seus filhos esperam
e precisam é que vocês se lembrem de quem e de como já foram e que
passem boas mensagens sobre um e outro para eles. Hoje, eles se sentirão
melhor, e no futuro, já adultos, os admirarão e amarão mais, pela
compreensão de que vocês podem ter sofrido, mas os pouparam de ter que
ouvir alguém falar mal de seu pai ou de sua mãe.
Lembrem-se, nunca é demais: Há muita gente querendo ajudar vocês e
sua família. Os advogados, os psicólogos, os assistentes sociais, os
promotores e os juízes querem o melhor para vocês. Todos estão envolvidos
em seu bem-estar e empenhados em que sua família saia dessa crise, o
menos machucada possível. Ninguém tem interesse em aumentar seu
sofrimento, pelo contrário, mas eles também dependem de que vocês – pela
vontade de acertar e de fazer o melhor numa situação que não é nem boa
nem fácil – os ajudem a ajudá-los.
Lembrem-se: ganhar, numa ação de separação, só significa ganhar
sofrimento, dissabor, rugas e decepção. Palavras proferidas, e escritas, em
momentos de forte emoção, nem sempre são reconhecidas, tempos depois,
com a mesma coloração e intensidade mas, independentemente disso, são
irrecuperáveis.
Bem, Pais, eu só lhes contei essas coisas, para a hipótese de vocês
terem se decidido por uma separação, enquanto casal. Se, todavia, ainda
não estiverem convencidos de ser essa a melhor solução para seus
problemas, continuem lutando. Quem sabe, vocês ainda não se verão
dizendo um ao outro “que bonita você está” ou “como está bom seu
cabelo. Você foi ao barbeiro?”
Essas coisas acontecem sim, não é fala romântica.
De qualquer modo, se ainda houver alguma dúvida dentro de vocês,
percam mais um tempinho e leiam a primeira parte desta carta, de novo.
Felicidades!

8.4 FECHO

E ste trabalho não trouxe conclusões fechadas nem definitivas. Antes,


pretendeu abrir frentes e propor relações dialógicas. Ele visou a
ampliar o diálogo entre profissionais que trabalham com famílias em
situação de crise de separação e mais, atingir os pais para que também
possam refletir sobre o que aqui foi dito.
As “Considerações Finais”, como esclarecemos acima, foram mantidas
conforme apresentadas à Academia, em 2000, e publicadas, em 2004, para
permitir ao leitor o cotejo entre as recomendações de então e o progresso
havido.
Está havendo mais diálogo e mais atuação das ideias interdisciplinares.
Cada vez mais se firma a visão interdisciplinar psicojurídica,
admitindo-se que o conflito jurídico não é o cerne das questões judiciais de
família, mas sim o conflito emocional/relacional preexistente entre os
litigantes. Percebe-se a existência de aspectos emocionais subjacentes à
separação e que, em algum grau, prejuízos emocionais alcançam os filhos
do casal que se separa. Essa é a diferença que pode fazer a diferença e
trazer alento a quantos se veem envolvidos nessa grave crise não previsível
do ciclo vital da família.
É altamente alentador ver que tudo o que foi observado, por meio de
conversas com os profissionais das duas áreas, vem tomando vulto e
tornando-se quase uma praxe no trato com as questões judiciais de família.
Dissemos que os juízes de família teriam grande importância na
implementação dessas novas ideias por serem os profissionais do Judiciário
que primeiro têm contato com as partes, seus conflitos e sofrimento. Isso
aconteceu.
As conversações entre os vários graus da magistratura e destes, com os
especialistas na matéria, têm dado grande incentivo às recomendações da
pesquisa.
Ao fecho desta 3.ª edição, vê-se todo o Judiciário, realmente, em ação
para a sacramentação da importância de se utilizarem recursos preventivos
de conflitos jurídicos e psicológicos, e prova disso foi a Resolução 125, de
29.11.2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política
Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no
âmbito do Poder Judiciário.
A par disso, veem-se, com satisfação, advogados cada vez mais
interessados em cuidar da prevenção de prejuízos emocionais nos filhos dos
separados, sem descurar a exigência do cumprimento dos deveres, a quem
caiba, e de defenderem os direitos dos clientes. E vê-se, ainda, o promotor
de família, sensibilizado, integrando-se ao novo tempo.
Isso aumenta em importância num tempo em que o Direito de Família
vem sofrendo tantas transformações, em razão das novas leis que o afetam.
Os psicólogos e assistentes sociais, que sempre se empenharam no
estudo e compreensão das relações interpessoais, mostram-se cada vez mais
interessados em aprimorar seus conhecimentos no assunto em relação à área
judicial de família, e, particularmente no que tange à mediação, como
instrumento de pacificação que, sem ser instrumento terapêutico, tem
trazido efeitos terapêuticos consideráveis.
A caminhada está sendo rápida e tem havido progresso na área da
Justiça de Família, em particular no contexto das separações. Por isso,
reiteramos o que foi dito nas edições anteriores: o diálogo entre
profissionais que trabalham com famílias em situação de crise de separação
merece ser aprofundado para que a coconstrução de novos significados, na
prática, efetivamente reflita uma nova mentalidade na Justiça de Família.

1 Largo do Arouche – logradouro público paulistano, célebre por suas bancas de flores.
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Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069, de 13.07.1990. In:
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Lei da Alienação Parental – Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010.
Lei da Guarda Compartilhada – Lei 11.698, de 13 de junho de 2008.
Lei da União Estável – Lei 9.278, de 10.05.1996. Regula o § 3.º do art. 226
da CF.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Dec.-lei 4.657, de
04.09.1942.
Lei de Mediação e Conciliação Argentina – Lei 24.573, de 1995.
Lei do Divórcio – Lei 6.515, de 26.12.1977.
Lei 8.971, de 29.12.1994. Regula o direito dos companheiros a alimentos e
sucessão.
Projeto de Lei de Mediação – 94, de 2002, aprovado pelo Senado Federal,
em 11 de julho de 2006. Seguiu para a Câmara dos Deputados como
Substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei 4.827-B, de 1998.
Projeto de Lei de Mediação original – 4.827, de 1998. Diário do Senado
Federal, 7 dez. 2002, p. 23.780.
Projeto de Lei sobre Mediação e outros Meios de Pacificação. Versão
consensuada. 06.10.2003, Brasília, 2003.
Provimento 864/2004 TJSP – Autoriza a criação, objetivo e funcionamento
do Setor Experimental de Conciliação de Família no foro regional de
Santo Amaro.
Provimento 893/2004 TJSP (foi revogado pelo Provimento 953/2005) –
Autoriza a criação e instalação do Setor de Conciliação ou de
Mediação nas comarcas e foros do Estado.
Provimento 953/2005 TJSP – Autoriza e disciplina a criação, instalação e
funcionamento do Setor de Conciliação ou de Mediação nas comarcas
e foros do Estado.
Substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei 4.827-B, de 1998.
ANEXO

SUBSTITUTIVO DO SENADO FEDERAL AO PROJETO DE LEI


4.827-B, DE 1998

EMENDA 1 – CCJ (SUBSTITUTIVO)

Institucionaliza e disciplina a mediação, como


método de prevenção e solução consensual de
conflitos na esfera civil, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 1.º Esta lei institui e disciplina a mediação paraprocessual nos
conflitos de natureza civil.
Art. 2.º Para fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por
terceiro imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes interessadas, as
escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes
permitir a prevenção ou solução de conflitos de modo consensual.
Art. 3.º A mediação paraprocessual será prévia ou incidental, em
relação ao momento de sua instauração, e judicial ou extrajudicial,
conforme a qualidade dos mediadores.
Art. 4.º É lícita a mediação em toda matéria que admita conciliação,
reconciliação, transação ou acordo de outra ordem.
Art. 5.º A mediação poderá versar sobre todo o conflito ou parte dele.
Art. 6.º A mediação será sigilosa, salvo estipulação expressa em
contrário pelas partes, observando-se, em qualquer hipótese, o disposto nos
arts. 13 e 14.
Art. 7.º O acordo resultante da mediação se denominará termo de
mediação e deverá ser subscrito pelo mediador, judicial ou extrajudicial,
pelas partes e advogados, constituindo-se titulo executivo extrajudicial.
Parágrafo único. A mediação prévia, desde que requerida, será reduzida
a termo e homologada por sentença, independentemente de processo.
Art. 8.º A pedido de qualquer um dos interessados, o termo de
mediação obtido na mediação prévia ou incidental, poderá ser homologado
pelo juiz, caso em que terá eficácia de título executivo judicial.

CAPÍTULO II
Dos Mediadores
Art. 9.º Pode ser mediador qualquer pessoa capaz, de conduta ilibada e
com formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do
conflito, nos termos desta Lei.
Art. 10. Os mediadores serão judiciais ou extrajudiciais.
Art. 11. São mediadores judiciais os advogados com pelo menos três
anos de efetivo exercício de atividades jurídicas, capacitados, selecionados
e inscritos no Registro de Mediadores, na forma desta Lei.
Art. 12. São mediadores extrajudiciais aqueles independentes,
selecionados e inscritos no respectivo Registro de Mediadores, na forma
desta Lei.
Art. 13. Na mediação paraprocessual, os mediadores judiciais ou
extrajudiciais e os comediadores são considerados auxiliares da justiça, e,
quando no exercício de suas funções, e em razão delas, são equiparados aos
funcionários públicos, para os efeitos da lei penal.
Art. 14. No desempenho de suas funções, o mediador deverá proceder
com imparcialidade, independência, aptidão, diligência e confidencialidade,
salvo, no último caso, por expressa convenção das partes.
Art. 15. Caberá, em conjunto, à Ordem dos Advogados do Brasil, aos
Tribunais de Justiça dos Estados e às pessoas jurídicas especializadas em
mediação, nos termos de seu estatuto social, desde que, no último caso,
devidamente autorizadas pelo Tribunal de Justiça do Estado em que estejam
localizadas, a formação e seleção de mediadores, para o que serão
implantados cursos apropriados, fixando-se os critérios de aprovação, com a
publicação do regulamento respectivo.
Art. 16. É lícita a comediação quando, pela natureza ou pela
complexidade do conflito, for recomendável a atuação conjunta do
mediador com outro profissional especializado na área do conhecimento
subjacente ao litígio.
§ 1.º A comediação será obrigatória nas controvérsias submetidas à
mediação que versem sobre o estado da pessoa e Direito de Família,
devendo dela necessariamente participar psiquiatra, psicólogo ou assistente
social.
§ 2.º A comediação, quando não for obrigatória, poderá ser requerida
por qualquer dos interessados ou pelo mediador.

CAPÍTULO III
Do registro de mediadores e da fiscalização e controle
da atividade de mediação
Art. 17. O Tribunal de Justiça local manterá Registro de Mediadores,
contendo relação atualizada de todos os mediadores habilitados a atuar
prévia ou incidentalmente no âmbito do Estado.
§ 1.º Os Tribunais de Justiça expedirão normas regulamentando o
processo de inscrição no Registro de Mediadores.
§ 2.º A inscrição no Registro de Mediadores será requerida ao Tribunal
de Justiça local, na forma das normas expedidas para este fim, pelos que
tiverem cumprido satisfatoriamente os requisitos do art. 15 desta Lei.
§ 3.º Do registro de mediadores constarão todos os dados relevantes
referentes à atuação do mediador, segundo os critérios fixados pelo Tribunal
de Justiça local.
§ 4.º Os dados colhidos na forma do parágrafo anterior serão
classificados sistematicamente pelo Tribunal de Justiça, que os publicará
anualmente para fins estatísticos.
Art. 18. Na mediação extrajudicial, a fiscalização das atividades dos
mediadores e comediadores competirá sempre ao Tribunal de Justiça do
Estado, na forma das normas específicas expedidas para este fim.
Art. 19. Na mediação judicial, a fiscalização e controle da atuação do
mediador será feita pela Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio
de suas seccionais; a atuação do comediador será fiscalizada e controlada
pelo Tribunal de Justiça.
Art. 20. Se a mediação for incidental, a fiscalização também caberá ao
juiz da causa, que, verificando a atuação inadequada do mediador ou do
comediador, poderá afastá-lo de suas atividades relacionadas ao processo, e,
em caso de urgência, tomar depoimentos e colher provas, dando notícia,
conforme o caso, a Ordem dos Advogados do Brasil ou ao Tribunal de
Justiça, para as medidas cabíveis.
Art. 21. Aplicam-se aos mediadores e comediadores os impedimentos
previstos nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil.
§ 1º No caso de impedimento, o mediador devolverá os autos ao
distribuidor, que designará novo mediador; se a causa de impedimento for
apurada quando já iniciado o procedimento de mediação, o mediador
interromperá sua atividade, lavrando termo com o relatório do ocorrido e
solicitará designação de novo mediador ou comediador.
§ 2º O referido relatório conterá:
a) nomes e dados pessoais das partes envolvidas;
b) indicação da causa de impedimento ou suspeição;
c) razões e provas existentes pertinentes do impedimento ou suspeição.
Art. 22. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função,
o mediador informará o fato ao Tribunal de Justiça, para que, durante o
período em que subsistir a impossibilidade, não lhe sejam feitas novas
distribuições.
Art. 23. O mediador fica absolutamente impedido de prestar serviços
profissionais a qualquer das partes, em matéria correlata à mediação; o
impedimento terá o prazo de dois anos, contados do término da mediação,
quando se tratar de outras matérias.
Art. 24. Considera-se conduta inadequada do mediador ou do
comediador a sugestão ou recomendação acerca do mérito ou quanto aos
termos da resolução do conflito, assessoramento, inclusive legal, ou
aconselhamento, bem como qualquer forma explícita ou implícita de
coerção para a obtenção de acordo.
Art. 25. Será excluído do Registro de Mediadores aquele que:
I – assim o solicitar ao Tribunal de Justiça, independentemente de
justificação;
II – agir com dolo ou culpa na condução da mediação sob sua
responsabilidade;
III – violar os princípios de confidencialidade e imparcialidade;
IV – funcionar em procedimento de mediação mesmo sendo impedido
ou sob suspeição;
V – sofrer, em procedimento administrativo realizado pela Ordem dos
Advogados do Brasil, pena de exclusão do Registro de Mediadores;
VI – for condenado, em sentença criminal transitada em julgado.
§ 1.º Os Tribunais de Justiça dos Estados, em cooperação, consolidarão
mensalmente relação nacional dos excluídos do Registro de Mediadores.
§ 2.º Salvo no caso do inciso I, aquele que for excluído do Registro de
Mediadores não poderá, em hipótese alguma, solicitar nova inscrição em
qualquer parte do território nacional ou atuar como comediador.
Art. 26. O processo administrativo para averiguação de conduta
inadequada do mediador poderá ser iniciado de ofício ou mediante
representação e obedecerá ao procedimento estabelecido pelo Tribunal de
Justiça local.
Art. 27. O processo administrativo conduzido pela Ordem dos
Advogados do Brasil obedecerá ao procedimento previsto no Título III da
Lei n.º 8.906, de 1994, podendo ser aplicada desde a pena de advertência
até a exclusão do Registro de Mediadores.
Parágrafo único. O processo administrativo a que se refere o caput será
concluído em, no máximo, noventa dias, e suas conclusões enviadas ao
Tribunal de Justiça para anotação no registro do mediador ou seu
cancelamento, conforme o caso.
Art. 28. O comediador afastado de suas atividades nos termos do art.
19, desde que sua conduta inadequada seja comprovada em regular
procedimento administrativo, fica impedido de atuar em novas mediações
pelo prazo de dois anos.
CAPÍTULO IV
Da Mediação Prévia
Art. 29. A mediação prévia pode ser judicial ou extrajudicial.
Parágrafo único. O requerimento de mediação prévia interrompe a
prescrição e deverá ser concluído no prazo máximo de 90 dias.
Art. 30. O interessado poderá optar pela mediação prévia judicial.
Neste caso, o requerimento adotará formulário padronizado, subscrito por
ele ou por seu advogado, sendo, neste caso, indispensável à juntada do
instrumento de mandato.
§ 1.º Distribuído ao mediador, o requerimento ser-lhe-á encaminhado
imediatamente.
§ 2.º Recebido o requerimento, o mediador designará dia, hora e local
onde realizará a sessão de mediação, dando ciência aos interessados por
qualquer meio eficaz e idôneo de comunicação.
§ 3.º A cientificação ao requerido conterá a recomendação de que
deverá comparecer à sessão
acompanhado de advogado, quando a presença deste for indispensável.
Neste caso, não tendo o requerido constituído advogado, o mediador
solicitará à Defensoria Pública ou, na falta desta, à Ordem dos Advogados
do Brasil a designação de advogado dativo. Na impossibilidade de pronto
atendimento à solicitação, o mediador imediatamente remarcará a sessão,
deixando
os interessados já cientificados da nova data e da indispensabilidade
dos advogados.
§ 4.º Os interessados, de comum acordo, poderão escolher outro
mediador, judicial ou extrajudicial.
§ 5.º Não sendo encontrado o requerido, ou não comparecendo
qualquer das partes, estará frustrada a mediação.
Art. 31. Obtido ou não o acordo, o mediador lavrará o termo de
mediação, descrevendo detalhadamente todas as cláusulas do mesmo ou
consignando a sua impossibilidade.
Parágrafo único. O mediador devolverá o requerimento ao distribuidor,
acompanhado do termo de mediação, para as devidas anotações.
Art. 32. A mediação prévia extrajudicial, a critério dos interessados,
ficará a cargo de mediador independente ou daquele ligado à instituição
especializada em mediação.
Art. 33. Em razão da natureza e complexidade do conflito, o mediador
judicial ou extrajudicial, a seu critério ou a pedido de qualquer das partes,
prestará seus serviços em regime de comediação com profissional
especializado em outra área que guarde afinidade com a natureza do
conflito.

CAPÍTULO V
Da Mediação Incidental
Art. 34. A mediação incidental será obrigatória no processo de
conhecimento, salvo nos seguintes casos:
I – na ação de interdição;
II – quando for autora ou ré pessoa de direito público e a controvérsia
versar sobre direitos indisponíveis;
III – na falência, na recuperação judicial e na insolvência civil;
IV – no inventário e no arrolamento;
V – nas ações de imissão de posse, reivindicatória e de usucapião de
bem imóvel;
VI – na ação de retificação de registro público;
VII – quando o autor optar pelo procedimento do juizado especial ou
pela arbitragem;
VIII – na ação cautelar;
IX – quando na mediação prévia, realizada na forma da seção anterior,
tiver ocorrido sem acordo nos cento e oitenta dias anteriores ao ajuizamento
da ação.
Parágrafo único. A mediação deverá ser realizada no prazo máximo de
90 dias e, não sendo alcançado o acordo, dar-se-á continuidade ao processo.
Art. 35. Nos casos de mediação incidental, a distribuição da petição
inicial ao juízo interrompe a prescrição, induz litispendência e produz os
demais efeitos previstos no art. 263 do Código de Processo Civil.
§ 1.º Havendo pedido de liminar, a mediação terá curso após a
respectiva decisão.
§ 2.º A interposição de recurso contra a decisão liminar não prejudica o
processo de mediação.
Art. 36. A designação inicial será de um mediador, judicial ou
extrajudicial, a quem será remetida cópia dos autos do processo judicial.
Parágrafo único. As partes, de comum acordo, poderão escolher outro
mediador, judicial ou extrajudicial.
Art. 37. Cabe ao mediador intimar as partes por qualquer meio eficaz e
idôneo de comunicação, designando dia, hora e local para seu
comparecimento.
§ 1.º A intimação deverá conter a recomendação de que as partes
deverão se fazer acompanhar de advogados, quando indispensável à
assistência judiciária.
§ 2.º Se o requerido não tiver sido citado no processo judicial, a
intimação para a sessão de medição constituí-lo-á em mora, tornando
prevento o juízo, induzindo litispendência, fazendo litigiosa a coisa e
interrompendo a prescrição.
§ 3.º Se qualquer das partes não tiver advogado constituído nos autos
do processo judicial, o mediador procederá de acordo com o disposto na
parte final do § 3.º do art. 30.
§ 4.º Não sendo encontrado o requerido, ou não comparecendo
qualquer das partes, estará frustrada a mediação.
Art. 38. Na hipótese de mediação incidental, ainda que haja pedido de
liminar, a antecipação das despesas do processo, a que alude o art. 19 do
Código de Processo Civil, somente será devida após a retomada do curso do
processo, se a mediação não tiver resultado em acordo ou conciliação.
Parágrafo único. O valor pago a títulos de honorários do mediador, na
forma do art. 19 do Código de Processo Civil, será abatido das despesas do
processo.
Art. 39. Obtido ou frustrado o acordo, o mediador lavrará o termo de
mediação descrevendo detalhadamente todas as cláusulas do acordo ou
consignando sua impossibilidade.
§ 1.º O mediador devolverá a petição inicial ao juiz da causa
acompanhada do termo, para que seja dado prosseguimento ao processo.
§ 2.º Ao receber a petição inicial acompanhada do termo de transação,
o juiz determinará seu imediato arquivamento ou, frustrada a transação
providenciará a retomada do processo judicial.
Art. 40. Havendo acordo, o juiz da causa, após verificar preenchimento
das formalidades legais, homologará o acordo por sentença.
Parágrafo único. Se o acordo for obtido quando o processo judicial
estiver em grau de recurso, a homologação do mesmo caberá ao relator.

CAPÍTULO VI
Disposições Finais
Art. 41. A mediação será sempre realizada em local de fácil acesso,
com estrutura suficiente para atendimento condigno dos interessados,
disponibilizado por entidade pública ou particular para o desenvolvimento
das atividades de que trata esta Lei.
Parágrafo único. O Tribunal de Justiça local fixará as condições
mínimas a que se refere este artigo.
Art. 42. Os serviços do mediador serão sempre remunerados, nos
termos e segundo os critérios fixados pela norma local.
§ 1.º Nas hipóteses em que for concedido o benefício da assistência
judiciária, estará a parte dispensada do recolhimento dos honorários,
correndo as despesas às expensas de dotação orçamentária do respectivo
Tribunal de Justiça.
Art. 43. O art. 331 e parágrafos da Lei nº 5.869, de 1973, Código de
Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas


seções precedentes, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-
se no prazo máximo de trinta dias, para qual serão as partes
intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por
procurador ou preposto, com poderes para transigir.
§ 1.º Na audiência preliminar, o juiz ouvirá as partes sobre os
motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, mesmo
tendo sido realizada a tentativa de mediação prévia ou incidental.
§ 2.º A lei local poderá instituir juiz conciliador ou recrutar
conciliadores para auxiliarem o juiz da causa na tentativa de solução
amigável dos conflitos.
§ 3.º Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas de
solução do conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, inclusive a
arbitragem, na forma da lei, a mediação e a avaliação neutra de
terceiro.
§ 4.º A avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser
fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para
as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa
de composição amigável do conflito.
§ 5.º Obtido o acordo, será reduzido a termo e homologado pelo
juiz.
§ 6.º Se, por qualquer motivo, a conciliação não produzir resultados
e não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, na
mesma audiência, fixará os pontos controvertidos, decidirá as
questões processuais pendentes e determinará as provas a serem
produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se
necessário”. (NR)

Art. 44. Fica acrescentado à Lei n.º 5.869, de 1973, Código de


Processo Civil, o art. 331-A, com a seguinte redação:

“Art. 331-A. Em qualquer tempo e grau de jurisdição, poderá o juiz


ou tribunal adotar, no que couber, as providências no artigo
anterior”.

Art. 45. Os Tribunais de Justiça dos Estados, no prazo de 180 dias,


expedirão as normas indispensáveis à efetivação do disposto nesta Lei.
Art. 46. O termo de mediação, de qualquer natureza, frustrado ou não o
acordo, conterá expressamente a fixação dos honorários do mediador, ou do
comediador, se for o caso.
Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do mediador, no
termo de mediação, este constituirá título executivo extrajudicial; não
havendo tal estipulação, o mediador requererá ao Tribunal de Justiça que
seria competente para julgar, originariamente, a causa, que os fixe por
sentença.
Art. 47. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Comissão, 21 de junho de 2006.

ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, Presidente.


PEDRO SIMON, Relator.
LEI 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010

Dispõe sobre a alienação parental e altera o art.


236 da Lei n.o 8.069, de 13 de julho de 1990.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Esta Lei dispõe sobre a alienação parental.
Art. 2.º Considera-se ato de alienação parental a interferência na
formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida
por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou
adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie
genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental,
além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia,
praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no


exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência
familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes
sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de
endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste
ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança
ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a
dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com
familiares deste ou com avós.

Art. 3.º A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental


da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a
realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar,
constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento
dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou
guarda.
Art. 4.º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento
ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou
incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará,
com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias
necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do
adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou
viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor
garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há
iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou
do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz
para acompanhamento das visitas.
Art. 5.º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em
ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia
psicológica ou biopsicossocial.
§ 1.º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou bio-
psicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal
com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento
do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da
personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou
adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§ 2.º A perícia será realizada por profissional ou equipe
multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão
comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos
de alienação parental.
§ 3.º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a
ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para
apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial
baseada em justificativa circunstanciada.
Art. 6.º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer
conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor,
em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não,
sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla
utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos,
segundo a gravidade do caso:

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;


II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor
alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua
inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou
adolescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental.

Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço,


inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá
inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da
residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de
convivência familiar.
Art. 7.º A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao
genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o
outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.
Art. 8.º A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante
para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em
direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os
genitores ou de decisão judicial.
Art. 9.º (Vetado)
Art. 10.(Vetado)
Art. 11.Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 26 de agosto de 2010; 189.º da Independência e 122.º da
República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Paulo de Tarso Vannuchi
José Gomes Temporão

Este texto não substitui o publicado no DOU de 27.08.2010 e retificado


no DOU de 31.08.2010.
EMENDA CONSTITUCIONAL 66,
DE 13 DE JULHO DE 2010

Dá nova redação ao § 6.º do art. 226 da


Constituição Federal, que dispõe sobre a
dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio,
suprimindo o requisito de prévia separação judicial
por mais de 1 (um) ano ou de comprovada
separação de fato por mais de 2 (dois) anos.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos


do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional:
Art. 1.º O § 6.º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com
a seguinte redação:

“Art. 226. (...)

§ 6.º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (NR)

Art. 2.º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua


publicação.

Brasília, em 13 de julho de 2010.

Mesa da Câmara dos Deputados


Mesa do Senado Federal
LEI 11.965, DE 3 DE JULHO DE 2009

Dá nova redação aos arts. 982 e 1.124-A da Lei


n.o 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o
Código de Processo Civil.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Esta Lei dispõe sobre a participação do defensor público na
lavratura da escritura pública de inventário e de partilha, de separação
consensual e de divórcio consensual.
Art. 2.º Os arts. 982 e 1.124-A da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de
1973, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 982.........................................................
§ 1.º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as
partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou
advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja
qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 2.º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que
se declararem pobres sob as penas da lei”. (NR)
“Art. 1.124-A. ..................................................
.........................................................................................
§ 2.º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes
estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um
deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura
constarão do ato notarial.
.............................................................................”. (NR)

Art. 3.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Brasília, 3 de julho de 2009; 188.º da Independência e 121.º da
República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Tarso Genro
Este texto não substitui o publicado no DOU de 06.07.2009.
LEI 11.698, DE 13 DE JUNHO DE 2008

Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei n.o 10.406,


de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para
instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de
2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.


§ 1.º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos
genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5.º) e, por
guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de
direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,
concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2.º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele
melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão
para propiciar aos filhos os seguintes fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
§ 3.º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a
supervisionar os interesses dos filhos.
§ 4.º (VETADO)”. (NR)
“Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer
deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução
de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do
filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio
deste com o pai e com a mãe.
§ 1.º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o
significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude
de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo
descumprimento de suas cláusulas.
§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda
do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda
compartilhada.
§ 3.º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de
convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.
\§ 4.º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de
cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a
redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto
ao número de horas de convivência com o filho.
§ 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a
guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele
compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de
preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e
afetividade”. (NR)

Art. 2.º Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de
sua publicação.

Brasília, 13 de junho de 2008; 187.º da Independência e 120.º da


República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
José Antonio Dias Toffoli

Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.06.2008.


LEI 11.441, DE 4 DE JANEIRO DE 2007

Altera dispositivos da Lei n.o 5.869, de 11 de


janeiro de 1973 – Código de Processo Civil,
possibilitando a realização de inventário, partilha,
separação consensual e divórcio consensual por via
administrativa.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Os arts. 982 e 983 da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –
Código de Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-


á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá
fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual
constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se
todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado
comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e
assinatura constarão do ato notarial”. (NR)
“Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro
de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se
nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais
prazos, de ofício ou a requerimento de parte.
Parágrafo único. (Revogado)”. (NR)

Art. 2.º O art. 1.031 da Lei n.º 5.869, de 1973 – Código de Processo
Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1.031. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos
termos do art. 2.015 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 –
Código Civil, será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova
da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas
rendas, com observância dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei.
.........................................................................”. (NR)

Art. 3.º A Lei n.º 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a
vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:

“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não


havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os
requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por
escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à
descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e,
ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de
solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o
casamento.
§ 1.º A escritura não depende de homologação judicial e constitui
título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2.º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes
estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um
deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3.º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que
se declararem pobres sob as penas da lei”.

Art. 4.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Art. 5.º Revoga-se o parágrafo único do art. 983 da Lei n.º 5.869, de 11
de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Brasília, 4 de janeiro de 2007; 186.º da Independência e 119.º da


República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Márcio Thomaz Bastos
Este texto não substitui o publicado no DOU de 5.1.2007.
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