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Airton Sobreira - A Ilha - O Espelho Negro
Airton Sobreira - A Ilha - O Espelho Negro
O mundo que habitamos foi tirado dos sonhos do Tempo, portanto surgiu
de forma inspiradora, esculpidas pelos quatro ventos e desenhadas nas
correntezas das águas.
No momento em que o Tempo saiu de seu sono profundo todo mundo
imaginário começara a morrer, pois, nascera a matéria, é esta
acompanhada de consciência tornara-se mortal, a consumir os dias,
segundo, a cada despedida do poente. Surgia a partir dai, à noite, a senhora
que dentro das masmorras tecia as vestes do Tempo com fios cor de prata
vindo dos horizontes.
A cada noite o Tempo ia se deitar sobre as paredes de pedras dos castelos
imaginários, e os temores noturnos davam vida às sombras, que das tramas
tecidas pela noite despertaram a história dum rei e seus cavaleiros.
A História Do Tempo
Muito distante dos mundos, existia um tempo em que o próprio tempo não
existia.
Lá entre os pilares de Hércules, havia um casulo envolto em muita luz, e
dentro dele o Tempo dormia.
O universo vivia na total escuridão, a vastidão do vazio cheio de solidão.
O pensamento olhava tudo aquilo sem nunca ter sentido desejo de saber o
que era a vida, até que um dia a olhar um pequeno ponto de luz azulada a
pulsar dos confins do firmamento, resolveu ir ao seu encontro. Aproximou-
se lentamente, e pode então observar melhor do que aquilo era feita. Uma
trama de fios de prata tecido por mãos desconhecidas, sim, porque até no
universo existem mistérios que nada jamais será desvendado.
O pensamento viu um casulo gigantesco, capaz de preencher todos os
espaços vazios que ele ainda não havia passado, mas como abri-lo, se
desconhecia mãos que pudessem ajudá-lo.
Soube então da existência de uma grande estrela de diamante, e ao
transformá-la em viajante errante, fez com que cortasse os céus, e passar
de raspão rasgando as tramas prateadas do casulo. Ao ser abrir sentiu que
de lá saíra algo invisível, mas que mudaria tudo daqui pra frente, pois o era
o Tempo.
Foi numa noite de eclipse lunar que a história de um jovem rei de nome
Artur foi contada. Ele caminhava só em uma estrada de seixos
avermelhados, e ao longo de sua jornada parou para descansar sobre a
sombra de um carvalho milenar. Lá permanecera até adormecer.
O Tempo que se apossara do velho carvalho, posse a contar-lhe histórias
que ninguém ouvira falar. Por serem muito velhas suas raízes
aprofundaram-se nas entranhas das pedras. Em suas memórias guardara
os contos proibidos, revelando assim o que de misterioso havia num
espelho negro. O Tempo começou a contar histórias de estranhos mundos
escritos nas areias, que se apagaram pelas ondas, mas não esquecidas dos
olhos da noite.
Arthur sonhava com um céu mesclado de azul e verde das folhas do velho
carvalho, de onde surgira um poço aberto no céu. As folhar escureceu o
poço, e este se abriu, tomando forma dum lago de águas negras de
superfície bem lisa e polida, onde os reflexos se fundiam com o céu numa
noite estrelada. Dos ramos do carvalho, desenhavam formas curvas até
chegar a uma aparência do lago a flutuar sobre a cabeça de Arthur.
—O que é isto diante de meus olhos? Disse Arthur. -Ha pouco descansava
sobre este velho carvalho, e agora vejo um oceano de águas negras em cima
de minha cabeça! Existe outro mundo sobre minha cabeça! O que é isso?
Sentia-se atônito diante deste estanho universo surgido no céu, que há
pouco tempo, era só o azul, o branco das nuvens e o verde das folhas a
embalar seus pensamentos e devaneios acariciados pela brisa.
Sobre a superfície do espelho, teve um sentimento que só as noites de
escuridão trazem. Sentia-se esquecido, e as raízes daquela velha árvore que
servira de leito, agora lhe dava uma sensação angustiante, sem poder se
mover, apenas olhar e esperar o que viria.
O tempo foi passando e nada se movia sobre a superfície congelada na
presença da escuridão do espelho, mas quanto tudo parecia nada mudar,
num mergulho inverso, Arthur fora lançado dentro do universo da
escuridão.
Por mais estranho que sentia alguns segundos atrás, neste momento,
parecia que o mundo havia lhe tirado o chão, e de fato isto estava
acontecendo.
Arthur caíra do mastro para o centro do convés do navio, que por sorte
sofrera pequenas escoriações. As velas o amorteceram de uma queda mais
brusca, porém enquanto caia segurou instintivamente numa bandeira
negra, levando consigo ela até o convés.
Com certeza aquela não fora uma boa forma de se apresentar diante de
piratas, dos quais conhecemos muito bem suas reputações nada amigáveis.
Cercados por uma parte da tripulação, o silêncio e os olhares fixos e
penetrantes, sob uma noite pouco amigável. Neste momento ninguém sabia
o que fazer, mas foi quando que de dentro do convés, uma pequena porta se
abriu, e de lá uma voz rouca, mas cheia de energia quebrou o silêncio.
-O que está acontecendo, não posso mais beber meu rum em paz!
A voz era do lendário Cortez, procurado por diversos reinos de países dos
quais mantinham comércio além dos mares. Ele tinha ouro em todos os
dentes que reluziam pela luz do lampião. Suas sobrancelhas eram negras e
tenebrosas. Será que daria uma chance para Arthur?
—Olha o que fez com nossa bandeira! Você a arrancou do mastro principal.
Tem muita coragem, meu jovem, mas creio que não dá muito valor a vida!
Arthur pensou logo em um motivo tal situação, e disse:
—Na verdade, estava escondido nos porões do navio, mas fui para o
convés, e procurei chegar ao ponto mais alto e tentar avistar um navio
mercante, sabe, sempre quis ser um pirata, e quanto à bandeira, foi um
acidente, escorreguei com o balançar do navio, ela tampou meu rosto e ao
cair agarrei na primeira coisa que havia.
Cortez fitou o rapaz não acreditando muito, olhando seus trajes reais,
pensou em um bom resgate. Dava pra se ver nitidamente seus olhos
brilharem com sádicas ideias para a diversão de sua tripulação, e falou:
—Se deseja mesmo ser um pirata, terá de mostrar sua bravura. Se sair vivo,
então terá a oportunidade de se tornar um pirata.
—Essas coisas de bravura, não é bem uma qualidade de piratas, meu
capitão! Exclamou um de seus homens.
—Tem toda razão, marujo. Então que tal mostrar sua habilidade em
sobreviver? Afinal não queremos uma tripulação de maricas!
Naquele momento não tinha escolha, mas qualquer coisa seria melhor do
que ser atirado ao mar, sem que antes tivesse uma chance de lutar por sua
vida.
Amarraram Arthur com uma corda na cintura, e o puseram sobre a
prancha. Ali lhe parecia ser o último mergulho. Sentia que não estava na
hora de sua morte. Queria aprender muito sobre os mistérios da vida, sobre
os porquês dos marinheiros partirem para o desconhecido, sem a certeza
da volta. Queria saber bem qual a razão que os levavam para o mar. Quem
sabe por que deixavam suas vidas ordinárias. O que ele tanto procurava o
porquê de sua existência, agora, com certeza, saberia, ou simplesmente,
morreria sem saber.
O capitão Cortez então disse ao Arthur:
—Se é valente, mas não suficientemente tolo, toma este gancho preso à
outra corda, quem sabe talvez o salve dos dentes do tubarão. Se conseguir
fisgá-lo, será um de nós.
Arthur saltaria para enfrentar o desconhecido, com uma sensação de que a
partir daquela hora deixaria de ser um simples garoto.
Pelos movimentos das águas percebeu por sorte que não estava em alto-
mar. O navio pirata estava perto da costa, até achou que nada de grave
aconteceria naquelas águas, mas mal sabia que por ali a região era famosa
por avistarem tubarões devoradores de marinheiros.
Por enquanto ainda sentia seus pés sobre da prancha, e segurou
firmemente em sua mão o gancho; um passaporte para sua sobrevivência.
Foi empurrado fortemente por um dos marujos, e ao mergulhar, moveu os
braços e pernas freneticamente para não afundar ainda mais como o peso
do gancho. Sentiu um ligeiro deslocamento das águas sob suas pernas, e foi
nesse momento que levou o gancho bem pra debaixo das pernas,
esperando o momento certo. O tubarão abriu sua enorme boca, e por uma
fração de segundos, quando os dentes do tubarão roçaram o gancho, Arthur
bravamente empurrou o objeto com toda sua energia pra dentro daquelas
mandíbulas mortais, fisgando a fera marinha. Preso ao gancho a luta do
tubarão daí por diante seria com a tripulação.
—Podem puxar, gritou Arthur.
O Mapa
—Observem vocês, quando uma águia ataca uma perdiz, um pouco antes
e logo após a ação existe um silêncio mortal. Saibam que todo ser é avisado
pela natureza, quando chega sua hora, e ela executa seu ritual de morte,
embora muda e muitas vezes parecendo surda aos pedidos de misericórdia
presta uma homenagem a todas as vidas que já não pertençam mais a este
cenário.
—Ouça o silêncio que tem feito nestes dias, em breve os alimentos se
tornarão escassos, e ai o tempo tão precioso que possuímos para tomar
decisões terá ido, e o desespero tomará conta de nossas mentes, e atitudes
insanas então tomaremos.
—Fixando um olhar, em todos que estavam à volta do salão e disse:
—Eu, o rei o insano! Não, isso nunca, pelo menos enquanto puder decidir
nos momentos cruciais, decisões a tomar, e esta é a hora.
Naquela manhã, naquele salão do castelo, decisões eram tomadas, criando-
se uma atmosfera aterrorizadora, onde estavam em jogo muitas vidas. Um
momento único, e não só para os habitantes daquele reino, mas de toda
uma geração que viria, teria nesta fração do tempo a pesada mão da
decisão, e de uma coroa sobre a cabeça de um rei.
Depois daquela longa manhã de planos traçados, caiu à noite. As tochas
iluminavam as paredes de pedras, e dada à imaginação num universo
noturno e soturno a tecer as tramas das fantasias que habitam nas chamas
dos castiçais de prata. Criavam um mundo paralelo de sombras e destinos e
juntas com os ouvidos atentos ouviam histórias pertencentes à noite. Os
lares se esvaziariam em breve, e se tornariam sombrios, quando alguns de
seus habitantes partem, sem saber ao certo se iria tê-los novamente a
contar suas glórias vividas em outras terras.
Após a decisão tomada, o rei fora com a rainha para o leito real:
—Quando partir, e o navio não mais ser visto pelos meus olhos que te
seguem até a última onda subir e engolir a certeza tê-lo presente na luz da
manhã, e que irá se calar diante do vazio da solidão, estarei só dentro da
capela, e perto do ouvido do senhor implorando pelo seu retorno. Disse a
rainha em seu leito num tom tristonho ao rei que no tecido acima de seus
corpos, procurava visualizar rotas para essa viagem a cruzar mares
desconhecidos.
—Faça isso, disse o rei. Precisarei mais do que nunca de suas preces e o
reino de seus talentos e virtudes, para resistir firme, caso for preciso sem a
ajuda de alguns de nossos cavaleiros.
Muitas vezes a força bruta se torna frágil diante da perspicácia da mente
criativa, e de um braço que mal consegue levantar uma espada, para abater
seu inimigo.
—As armas invisíveis que possuímos são mais fortes do que se imagina.
A ouvir estas palavras do rei, a rainha dormiu em seus braços, enquanto ele
permanecia a olhar o vazio, e a traçar rotas imaginarias sobre a fraca
iluminação das chamas das velas que consumiam seus pensamentos, mas
logo veio o cansaço, e lhe restava poucas horas de sono que tinham pela
frente. Quando a última vela se apagou, e uma fina e fugaz fumaça sumiu no
quarto e ao findar, veio à luz da manhã.
A tripulação.
Nada se via naquela noite, quando negras nuvens encobriram a lua, ouvia
se apenas o barulho do vento e das águas do mar a bater violentamente
sobre as rochas. Foi então que de repente um clarão de um raio revelou as
paredes íngremes e cortantes do penhasco. No topo da encosta via-se a
silhueta de um cavaleiro negro, segurando firmemente o arreio do cavalo
ao pressentir o perigo do abismo em seus cascos nervosos e agitados,
indiferente por outro lado o cavaleiro permanecia ali, parado no
vertiginoso e belo cenário, a olhar fixo para o mar.
Tinha em sua mão um diamante negro, que ao estender o braço em direção
ao mar, abria a palma da mão, expondo uma luz acetinada numa bola azul
do tamanho de uma noz a flutuar, e repentinamente partiu em direção ao
mar.
Quanto mais uma vez se fez o clarão, o cavaleiro já havia partido.
A pequena lua azul seguiu pelo mar até próximo ao Corvo, que já estava
navegando em alto-mar. Pairou acima do navio a uma distância que
pudesse ser notada, então a tripulação que estava no convés começou a
comentar o que seria aquele ponto azulado navegando entre as estrelas.
Um dos marujos comentou.
—Veja capitão aquela luz parece nos seguir. Malenca com um olhar curioso,
comentou.
—Sempre me guiei pelas estrelas e agora uma está a nos seguir. Falou em
tom de brincadeira, mas com certa apreensão.
Aquela bola de aparência inocente e de brilho envolvente começou a subir
ao céu e a crescer até ficar do tamanho da própria lua, e ai então do azul
passou ao vermelho e numa explosão dividiu-se em bolas de fogo caindo
sobre o Corvo. As velas começaram a pegar fogo. Todos se apavoraram e
três dos marujos sentiram seus corpos em chamas e se atiraram ao mar.
O terror tomava conta da tripulação que foi pega desprevenida numa noite
aparentemente calma. O Mago que ouvira os gritos de horror subiu no
convés, e ao olhar o que acontecia gritou. –Fiquem calmos, o que vocês
estão vendo, não está de fato acontecendo!
O rei que confiava nos conhecimentos do Mago percebeu que era apenas
magia, enquanto o capitão nervoso, e apavorado tentava se proteger do
fogo, não dando ouvido ao Mago, e ordenava aos marujos que apagassem o
fogo.
O Mago fica parado no centro do convés e falou. -Vejam as chamas estão em
minhas vestes e, no entanto o fogo não as consome. Isto é pura ilusão!
Aos poucos foram se acalmando, enquanto do mar, ouviam-se os gritos dos
marujos.
O capitão ordenou que abaixassem as velas, e pelos gritos dos marujos
percebeu que estavam a uma distância que não dava pra atirar as cordas. O
mar não estava agitado, havia luar, e decidiu remar para resgatá-los.
—A corda não os alcança, Capitão!
—Vamos, desçam os botes. Não quero ver nenhum marujo sendo devorado
pelos tubarões.
Sir Breton se ofereceu para ir com os dois marujos.
—Por aqui, venha logo. -Remem mais rápido, aqui está infestado de
tubarões. Os marujos não sabiam nadar lá muito bem, mas o suficiente para
não se afogarem.
Ficaram juntos, um de costas para o outro, enquanto aos seus redores as
barbatanas de um desses peixões, nadava em círculo, e cada vez mais perto.
Um puxão repentino levou um deles para baixo. Foi uma forte pressão
duma mordida poderosa na perna, dilacerando parte da perna.
O marujo voltou à superfície, e num desespero de lutar até o último
instante pela vida, conseguiu se agarrar ao bote.
Sir Breton equilibrava-se no balançar do bote, e com o arpão empunhado
ao ver a enorme barbatana voltando em direção ao marujo que se debatia
desesperadamente para escapar de outra mordida que, com certeza, seria
fatal. Ser Breton lançou o arpão de uma forma certeira. Um frenesi entre os
tubarões fez com que atacassem o que estava ferido e assim puderam
regatar os três marujos com vida, embora um gravemente ferido na perna.
—Tua sorte é que o tubarão não apreciava muito carne de marujo. Falou
um dos companheiros que remava de volta ao Corvo.
Com todos no convés o marujo ferido foi levado ate a cabine do mago.
—Vamos ver o que posso fazer, disse o Mago já salvei muito dos cavaleiros
de cortes profundos, o que temos a fazer neste instante é parar com a perda
de sangue.
Abrindo a tampa do seu baú, retirou um frasco com uma porção para
aliviar a dor e acalmá-lo, e logo em seguida untou a parte do ferimento com
uma pasta feita de ervas usado para estancar o sangue, e com uma agulha
costurou, enquanto isso o rei entrava e olhando o marujo cair num sono
profundo, perguntou ao mago:
—Acredito que saiba quem no enviou aquela pequena lua azul, na verdade
não sei se teremos maiores problemas em enfrentar os perigos que vem
pela frente, ou tipo desses mandados atrás de nos.
O Mago desamarrou um saquinho feito de couro de ovelha, que estava
preso a sua cintura, e de lá retirou algumas pedras jogando-as ao chão, e
fixou seu olhar por alguns minutos. O assoalho do Corvo se abriu num
enorme redemoinho onde pode se ver umas câmaras do interior de uma
pirâmide asteca, e vários objetos de cerâmica pintadas com temas animais
e rituais de sacrifício. O Mago começou a falar sobre isso:
—Essa luz estava guardada dentro de uma urna a mais de mil anos,
saqueadores a roubaram, e não faziam ideia que aquela seria a luz da
ilusão. Ela faz com que as pessoas tenham visões horríveis se atirando de
penhascos, ou no caso dos marujos, ao mar. Verdade é que ela faz com que
as pessoas morram por si próprias. Muitas delas preferem morrer pela
ignorância a enfrentar por alguns breves momentos o horror.
A Ilha
Amanheceu e não se via o azul celestial, apenas brancas nuvens, indo além
do horizonte. A tripulação no convés se impressionara com um céu
inteiramente coberto por baixas nuvens tão alvas naquela manhã. O sol por
detrás criava nuanças de tons de prata. A brisa empurrava nuvens e velas
em direção ao novo mundo.
O Mago, ainda sonolento, subiu ao convés, após passar a noite tendo visões
do rumo a tomar. Sonhara com uma floresta muito além do reino, de tons
de verdes jamais vistos no reino. Dirigiu-se ao capitão mostrando o mapa
que havia desenhado, e Falou:
—Capitão, de acordo com este mapa, qual a distância que estamos desta
ilha?
—Sinceramente não sei onde estava meu juízo, quando aceitei levar vocês
para essa viagem insana.
—Sabe muito bem que nosso rei buscou o homem certo para nos levar, e
agora põe em xeque a credibilidade de sua majestade? Além do que deve
inúmeros favores ao rei, ou devo lembrá-lo disto?
—Mago o mar modifica o pensamento do homem, e muitos ficam loucos.
Acho que falei demais, não? O capitão com um olhar com mais atenção para
o mapa, pensou, coçou a barba e falou:
—Quer saber? Vamos todos cair no abismo quando cruzarmos esta linha.
Estamos condenados.
—Sabe de uma coisa capitão? O reino vem atravessando séculos, e se não
fosse gerações de reis arrojados, não estaríamos aqui agora, e não só de
reis, e rainhas, de magos também. Nossas visões raramente falham, e se
falharmos, será porque uma força maior assim determinou.
—Se esses desenhos no mapa forem realmente corretos, creio que antes do
sol se pôr, mas não se aflija, o marujo do alto do mastro de observação
avisará.
—Capitão não perca a esperança, e no final da jornada será devidamente
compensado.
Rei Arthur que estava na proa a observar alguns golfinhos acompanhado de
Sir Breton alheio à conversa do Mago com o capitão, falou para ele. –Meus
pensamentos estão voltados para o reino, penso na rainha. Só espero que
não sofram ataques durante nossa ausência, mas caso isso aconteça,
lutarão bravamente. Tenho certeza disto.
—Sim, meu Rei, sinto-me impotente nestas águas. Rezo ao Senhor a cada
momento que isso não ocorra, mas melhor que o nosso rei, sabe que a
rainha cuidara bem do reino.
—Vamos procurar manter nossos pensamentos direcionados adiante, pois
está nessa nova terra a esperança de vencermos nossos inimigos.
Monólitos de pedras.
A luz da manhã pousava sobre o convés vazio. Vinha da ilha o barulho dos
pássaros que começavam a despertar a tripulação. O primeiro a se levantar
foi o capitão, acompanhado de seu mau humor matinal, e já ordenando a
limpeza no convés aos marujos.
—Vamos bandos de imprestáveis, não se esqueçam de suas tarefas, só
porque acham que estamos na ilha do paraíso! Vou mostrar o paraíso a
vocês com estes esfregões!
A luz entrava pela escotilha na cabine do Rei Arthur, que aos berros do
capitão Malenca, o acordara.
Aquele seria o segundo dia. O Mago concentrava-se para desvendar a chave
do mistério que os levariam ao novo mundo, mas por onde começar?
—Capitão Malenca, ordene que baixem os botes, e deixe um de seus
marujos no navio. Vamos! Vamos desvendar esse mistério. Ordenou Arthur.
Ao descerem na praia, se embrenharem pelas matas, e o rei falou: -
Espalhem-se aos pares pela ilha, e ao final do dia retornem a praia. Se algo
merecer nossa presença, dê um sinal. Entenderam?
—O rei observava o capitão com um ar de pouco interesse, e em voz baixa
pediu: - Sir Carlton, Fique com o capitão, e quanto aos outros, deixem
decidirem com quem irão forma as duplas.
Desta forma atrapalhará os planos do capitão—bom já que existe uma
desconfiança, o melhor é não facilitar o sorrateiro plano do capitão.
O rei, o Mago, e Sir Adam, dirigiram-se ao platô onde havia as inscrições.
—Incrível majestade! O Mago olhou atento para todos aqueles gigantescos
monólitos, e continuou a falar: - Tenho a nítida impressão de que este
templo tem relação com os primeiros druidas de onde veio meus
conhecimentos de mago, mas quanto as inscrições, não posso afirmar sua
origem, talvez os primeiros druidas que estiveram aqui, adquiriram novos
costumes com povos desconhecidos. Sinto que essas pedras, não querem
apenas ser decifradas, mas nos dizer algo.
—Quem sabe exista algum mecanismo para despertar essas vozes, disse o
rei.
—Meu senhor, disse Sir Adam: Ontem quando Sir Breton pôs-se a tocar sua
flauta, pude notar uma estranha luz acima do platô, e depois que a música
parou essa mesma luz diminuíra sua intensidade.
—Faz sentido, Sir Breton, disse o Mago. A cultura de meus ancestrais vem
de forma oral, e a música acompanhada das canções vibra de forma a se
combinarem para ativar algum mecanismo. Espero que isto dê a resposta
ao enigma.
Ao findar este poema nas areias, a noite se fez com a primeira estrela
anunciando um cenário propicia para magia. Veio a maré e carregou para o
mar aquele poema, levando a esperança como uma onda que vem e vai, ao
reino de onde Arthur viera.
No caminho sem que percebessem, o capitão falava ao pé do ouvido de seus
marujos:
—Quanto chegar o momento oportuno, darei um sinal. Afastem-se do
templo, e fiquem na praia perto dos botes.
Estavam todos ali sobre a luz da lua e do fogo que ardia nas tochas, numa
noite de pura magia as esperas do momento em que o rei ordenasse a
subida ao platô.
Ali chegando puseram-se em círculos; Arthur, e os cavaleiros. O Mago ficou
bem ao centro, enquanto o capitão e seus marujos seguravam as tochas,
entre os monólitos, mas do lado de fora. A iluminação das chamas
desenhava sobre as laterais das pedras o movimento de suas mãos
trêmulas diante do desconhecido.
O Mago então proferiu certas palavras antes de iniciar o ritual:
—Seja o que virem aqui, não abandonem o interior do templo, muito das
visões irá levá-los a mundos e universos nunca visitados, apenas peço que
não desviem seus pensamentos.
—O que importará, será a frequência da vibração das vozes que irão ao
encontro das paredes. Continuou o mago a falar. – Cantem, e que todas as
vozes sejam harmônicas, e fortes para que possa despertar aqueles que
vivem dentro desses monólitos.
O mago pediu então ao cavaleiro Sir Carlton para iniciar uma canção com
sua flauta, e aos outros que primeiro ouvissem a canção para depois
acompanhá-lo.
Um palco com vidas invisíveis ali se manifestava. A sensação de bem-estar
se impregnava com perfumes de rosas ao redor do templo. A energia
criadora dava esperanças e promessas de que a longa viagem não seria em
vão.
Os corações dos cavaleiros dispararam quando do alto do firmamento,
algumas estrelas redesenhavam as constelações, e desceram para se
juntarem ao ritual de magia.
O templo ficou iluminado. Era um imenso palco a céu aberto, e ao som da
flauta deu-se o início. Da garganta do mago a voz vibrou arrepiando a alma
de qualquer mortal, e pôs-se a entoar uma canção que a muito não se
ouvira, e tão pouca conhecida além do rei e Sir Carlton. Vozes abafadas
foram ouvidas de dentro dos monólitos, vozes que estavam ali por muitos e
muitos séculos adormecidos entre pedras do templo. Elas eram fracas no
início e quase não se ouviam, mas aos poucos foram se tornando fortes, e
sincronizadas. Interagiam com as vozes humanas, criando formas de
corpos de luzes, que como fachos ligeiros, serpenteavam entre os
monólitos, seguidos aos olhos atentos e confiantes de Arthur.
A visão era magnífica, mas pensava Arthur: Até onde isso irá simplesmente
nos deslumbrar e quando trará as respostas?
Os fachos de luz iam pouco a pouco diminuindo sua intensidade, cada um
ficou com um monólito, e das inscrições que nelas havia, foram se diluindo
e transformando-se nas imagens dos cavaleiros do reino de Arthur, além do
próprio rei.
—O que é isso, pergunto o rei. Nossas imagens, inclusive dos que ficaram,
estão gravados nessas rochas! O que isso significa?
—A resposta é clara meu senhor, disse o mago: - Só será possível desvendá-
las, com a presença de todos os cavaleiros, sem isso nada vai acontecerá.
—Devemos voltar então antes de continuar a viagem, mas o reino ficará
desprotegido contra-ataques de invasores que rodeavam o castelo feitos
hienas.
-Meu senhor! Gritou Sir Breton ao constatar que o capitão e seus marujos
desapareceram.
—O que foi agora?
— Malenca não se encontra entre nós!
—Só isso que me faltava! Vamos voltar à praia, tenho um pressentimento
que algo de desagradável esta acontecendo.
Ao voltarem perceberam que os botes não estavam mais lá.
—Que a mão justa do senhor desça sobre esses vermes que nada de bom
trazem para esse mundo! Grito Arthur, indignado. Cofiamos nesse Capitão,
e infelizmente demos a ele o Corvo, mas agora todo foi em vão. Não ha como
partir dessa ilha do fim do mundo.
-Não perca as esperanças meu rei. Disse o Mago em tom consolador. Ainda
posso ter visões do futuro, e lhe garanto que ainda venceremos. Só uma
questão de tempo e paciência.
Aquela noite que seria de glória passara a ser de um enorme pesadelo.
Dormiram todos ao relento, olhando as estrelas se distanciarem, e voltando
para suas antigas posições.
Deveria ser uma manhã como outra qualquer, se não fosse da visão do cais
indo em direção ao horizonte. O Corvo aproximava-se lentamente trazendo
a má notícia sobre rei. Muitos não acreditavam que fosse o Corvo, pois a
viagem seria demorada, mas cada vez mais perto, tiveram a certeza quanto
viram a caravela do rei.
—O rei está voltado! Gritaram alguns pescadores.
Logo a mensagem chegava à rainha, que ansiosa tratou de se arrumar o
mais rápido possível para estar lá na praia quando o navio ancorasse.
O capitão em tom enérgico falou aos marujos: - Pela última vez, lembrem-se
bem de como foi que o rei e seus cavaleiros e cartógrafo desapareceram. Se
alguns de vocês contarem outra história, seremos todos enforcados.
A alma da rainha congelou quando desceu apenas um bote levando apenas
o capitão e alguns dos seus marujos. Rapidamente pediu a seus soldados
que escoltassem o capitão até ela para explicações.
—Capitão! Onde está Arthur! Você pode me disser qual o motivo? Onde
deixou o rei?
Malenca se ajoelhou diante da rainha e numa encenação dramática, e falou:
- Que o céu caia sobre minha cabeça, majestade! Uma desgraça pensei até
que não voltaria mais, mas talvez o senhor quisesse que alguns
sobrevivessem para dar essa terrível notícia.
—Diga logo, Malenca, meu coração está muito agoniado. Vamos, diga!
—Vivemos um inferno no mar, após alguns dias navegando em mares
desconhecidos, surgiram monstros, alguns até maiores que o Corvo, e o rei
e cavaleiros lutaram bravamente com suas bestas e espadas, mas o
infortúnio aconteceu. Um dos cavaleiros foi arrancado do navio por um
monstro feroz que numa só bocada, ficou com metade de seu corpo entre
suas enormes e poderosas mandíbulas, enquanto o rei deferia-lhe golpes de
espadas, mas o couro do monstro era mais resistente do que as armaduras
e impenetráveis até pelas flechas das bestas. Nesse dia perdemos Sir Adam,
e um dos meus marujos, mas não foi só isso. No dia seguinte avistamos uma
ilha, descemos os botes, mas onde estava o rei e seus dois cavaleiros, de
repente um redemoinho começou a se formar diante de nós, e infelizmente
o bote onde estava Arthur foi tragado para dentro das águas. Remamos
com todas nossas energias para sair dali, e escapamos.
—Meu coração não quer acreditar do que saiu de sua maldita boca
Malenca, apesar de ser uma rainha justa, o Corvo será confiscado e você e
seus homens irão para as masmorras, até que resolvam contar o que de
fato aconteceu ao rei.
—Mas majestade, essa é toda a verdade, e ainda bem que voltamos, pois
assim quis o senhor para noticiar o desaparecimento do rei.
—Guardas! Levem o capitão e seus marujos para a prisão lá nas torres.
A rainha estava sentindo seus pés perderem o contato com o solo, como se
fosse areias movediças encobrindo seus sonhos e esperanças na escuridão
onde habita o medo.
No castelo
A forte intuição feminina da rainha pressentia de que aquilo era tudo uma
farsa, ainda mais relatado por Malenca, e fosse o que fosse, descobriria toda
a verdade. Simplesmente não aceitava a ideia de que Arthur deixara esse
mundo.
Nada podia acalmá-la, e pensou que o melhor seria buscar forças para não
deixar sua alma padecer ao enorme infortúnio que abalou o reino e seu
coração.
O que podia fazer naquele momento de tristeza, se não orar pedindo
proteção para a alma de Arthur. Só, e distante de todos seus súditos, entrou
na capela para orar. Olhou para o crucifixo preso às paredes de pedras
acima de sua cabeça, pediu ao senhor forças para ir ao fundo de toda a
verdade, e que levasse uma luz de consciência para o capitão, e que se
arrependesse e dissesse toda a verdade.
Não sei se naquele momento o senhor ouvira seu pedido, mas uma pomba
branca pousara sobre a cruz por alguns segundos, depois voou até a janela.
Sua sombra se projetara sobre duas rosas vermelhas sobre o altar.
Sentia seu coração junto de Arthur, e ainda pulsava distante, porém,
inseparáveis.
Em seguida entraram os cavaleiros, e um a um se ajoelharam para rezar
por Arthur e seus companheiros.
—Ora, ora! Quem temos aqui, se não a velha raposa do mar, Malenca!
—Está feito Drakos, o rei e três dos seus cavaleiros estão fora do reino, e
isto me custou a perda da confiança da rainha e o Corvo. Espero ser bem
recompensado por toda essa desgraça que caiu sobre mim e meus homens.
Um capitão sem seu navio não é nada.
—Calma Malenca, agora com o reino mais fragilizado, cedo ou tarde terão
que fazer uma aliança comigo, e lhe asseguro que terá tudo o que deseja.
—Maldita hora em que me aproximei de seu castelo, estava bêbado e
perdido. Se tivesse recusado a ajuda de seu serviçal nada disso teria
acontecido.
O calabouço
A taberna
Castelo de Drakos
Malenca e Rainha
Capitão! Gritou Sir Gilbert para desviar o olhar de Malenca, assim que Sir
Hilton desceu do convés.
—O que há Sir, Gilbert?
—Como estamos indo?
—Sem problemas Sir Gilbert, eu tenho uma ótima memória e um bom faro
para não desviar o rumo.
—O faro de uma venha raposa do mar atrás das galinhas marinhas?
—Não existe tal tipo de bicho, Sir Gilbert.
—Se existem monstros nesses mares distantes do reino, por que não
galinhas marinhas? Disse num tom irônico. Uma parte da tripulação
começou a dar boas gargalhadas. Apesar do mau humor de Malenca, e não
esboçar nenhum tipo de amistosidade, muito pelo contrário, parecia que o
ódio aumentava para com a tripulação. Na verdade Malenca estava de
guerra com o mundo. Quais pensamentos ocultos passavam pela mente de
Malenca?
Dentro da cabine Sir Hilton abriu o mapa de navegação, e mostrando para
Igor disse:
—Este mapa foi feito pelo rei diante de uma visão, e dá pra perceber de que
esta deve ser a ilha a qual vossa majestade se encontra.
—Onde eu nasci e cresci, as viagens marítimas eram constantes, e nosso
povo havia adquirido um conhecimento de diversas rotas. – Esses mares,
como costumam dizer: nunca antes navegados e repletos de monstros
marinhos, - nunca intimidaram nossos ancestrais. Alguns navios vikings
partiram para lá, onde se encontra no mapa, mas a rota traçada era mais ao
norte. Costumavam voltar com mercadorias estranhas ao que estávamos
acostumados ver, mas um dia não voltaram. Alguns dizem que tiveram
sucesso e formaram uma nova tribo nessas novas terras.
—Com a posição do sol, a velocidade do Corvo, na noite com a posição das
estrelas, é possível supor em que dado momento passará perto dessa ilha.
Subirei e ficarei atento ao rumo tomado por Malenca, e tirarei algumas
informações, mas pela sua desconfiança não sei se terei sucesso.
—Malenca aqui não está em posição de negá-las. Caso não consiga, darei as
ordens diretamente a ele.
Votando ao convés, Igor tenta um dialogo com Malenca:
—Capitão, sinto que esta confiante sobre a rota tomada.
—Em toda minha vida no mar sempre fui e voltei de um porto ao outro,
sem nunca me perder. Vejo que esse não é o seu caso, Igor.
—Tem razão velho capitão, mas quando me perdi possuía apenas um
barco, e não um navio que tem mais condições em navegar em mares
tempestuosos. Por um bom tempo fiquei em deriva, até consertar a vela
rasgada e o mastro quebrado. Bom isso não vem ao caso, são situações
diferentes.
—Mas é fato, ou não que você se perdeu?
—Sim, foi o que aconteceu.
—Neste caso, não confiaria a você um navio como esse. Se sobreviveu foi
por pura sorte.
—São métodos diferentes de conhecimento de navegação capitão Malenca,
mas pode ter certeza que meu povo chegou a esse novo mundo em que
você nunca esteve antes. Nós fomos mais além do que esta ilha perdida
onde você abandonou o rei.
—Já me expliquei para rainha. O que pensa sobre mim não tem relevância.
—Sendo a velha raposa do mar que você é bem sabe que o mar sempre nos
revela uma surpresa, e isto é um sinal para não nos esquecemos de que
somos apenas humanos.
—Não sou um aventureiro como você Igor, e daria tudo que possuo para
voltar a navegar nas rotas comerciais novamente. Sua Majestade errou em
querer que um homem como eu fizesse uma viagem inconsequente como
essa.
Ouvindo a conversa Sir Hilton que estava atrás de Malenca respondeu: -
Sua majestade nunca comete erros, Malenca. Apesar de você ser cheio de
vícios, ainda assim é um navegador habilidoso. O errou foi você ter traído
nosso rei.
—Bem sabe que não o trai. Sua majestade ainda há de me perdoar, não agi
por minha própria vontade, uma força maior dominou minha mente.
—Foi isso que disse lá na taberna para sua amada? - traído pela sua própria
língua, estava também com a mente dominada? Dominada pelo excesso de
vinho, creio eu.
—Não me lembro de nada o que falei, delirava quando puseram essa
porção da verdade.
—Malenca, cabe ao rei e a rainha julgar seus atos e não a mim. Agora
responda: Quando chegaremos à ilha?
O capitão olhou para frente, melhorou sua postura, mantendo a espinha
ereta, e procurada não demonstrar algum tipo de rancor guardado, disse:
—Se as condições dos ventos forem favoráveis, mais dois dias.
A vontade de Malenca era de que esse dia nunca chegasse. O que ele menos
queria era voltar para aquela ilha, e olhar Arthur novamente. Pensou numa
possibilidade de Drakos enviar Cortez atrás do Corvo, mas sabia que um
navio cheio de cavaleiros e sem tesouro não interessaria a nenhum pirata.
Igor se afastando daquela discussão, voltou seus olhos para o mar em
direção ao Norte, buscando através da maresia o cheiro dos mares do
báltico, ou do silêncio quando envolvia seu barco ao passar pelas altas
encostas dos fiordes.
Sabia de que era capaz de avistar tal ilha bem antes do capitão, sentia ali a
presença de seus ancestrais indicando a direção através da pedra do sol que
mostrava diferentes tons de cores de acordo com a posição do cristal no
céu encoberto. Sim poderia ver este cristal presente em sua mente, quem
sabe um presente de Odin, ou de seus ancestrais. Lembrou-se do casco de
seu barco roçando o fundo das areias da praia. Foi assim com a ajuda da
pedra do sol que chegasse à costa da Irlanda, recebendo ajuda dos
pescadores locais. Deram-lhe água fresca e comida, salvando-o de morrer
desidratado por permanecer vários dias sem água fresca. Caso pressentisse
o desvio de rota por Malenca, iria imediatamente avisar um dos cavaleiros,
antes que se perderem neste imenso mar rumo ao novo mundo.
A noite já estava quase envolvendo o Corvo que permanecia soberano em
sua rota, voltando para resgatar Arthur.
Tempestade
O pensamento fala:
—Tua luz incide sobre o quarto e vence a escuridão da noite.
Uma simples chama que atrai meu olhar para ti.
Ensina-me de como através da magia, vencer o inimigo.
Estar diante de ti foi porque meu pensamento te trouxe da noite,
Na forma de uma estrela do norte a navegar nos mares da alma.
Quero a ti pedir o manto que me fará invisível diante dos inimigos.
A chama fala:
—Me comparas a algo que não sou; uma estrela que te orienta.
Perto de ti, dar-te-ei meu calor, mas longe deste quarto nada sou.
Entenda que tudo é ilusório. Estas paredes se alimentam do teu sonho,
E partirei tão cedo quando os grilos pararem seu canto da noite,
E as estrelas deixarem as montanhas surgirem no frescor da manhã.
Esta noite sonharas em minha companhia, e terás o que procuras.
A rainha e o plano
Lorde Franklin acordou com o plano mente. Tinha a certeza de que não fora
um simples sonho, mas uma visão concedida pelo senhor. Levantou, e foi
rapidamente até sua escrivaninha e com um pedaço de pergaminho e uma
pluma de falcão, começou a escrever o que acabara de sonhar.
Ao se apresenta a sua majestade, estava com um ar confiante, e de que não
a decepcionaria. Ela o esperava sentada em seu trono, com o olhar um
tanto cansado, demonstrando uma noite de muita conversa e pouco
resultado. Ao redor da rainha estavam os conselheiros, onde alguns
cochichavam entre si, esperando que não aprovasse tal plano, mas, de
qualquer forma, na situação em que se encontravam, nenhuma ideia
deveria seria descartada.
— Então Lorde Franklin, estamos ansiosos para ouvir seu mirabolante
plano.
— Sim Vossa Majestade, mas peço para ficarmos as sós para detalhá-lo.
Alguma desconfiança para com os conselheiros?
Vossa Majestade peço desculpas por ousar desconfiar de vossos
leais conselheiros, mas por saber que Drakos está usando de
magia, e homens com Malenca de total confiança do rei, o traiu. O
mais prudente é que essa conversa deva ser sigilosa.
O silêncio envolveu todo o salão principal, e por alguns momentos
pareciam que todos foram tomados por uma atmosfera pesada, onde antes
a confiança era inquestionável, mas agora estavam todos diante de uma
nova situação.
—Que todos saiam e deixem-nos a sós.
—Mas vossa majestade, devemos todos ouvir e opinar sobre tal plano de
lorde Franklin! -disse um dos conselheiros, esperando que a rainha não
concordasse com o pedido.
— Já disse, deixem-nos a sós!
Assim que todos deixaram o salão principal, a rainha olhou seriamente
para Lorde Franklin de uma forma severa, mas, ao mesmo tempo,
demonstrando grande curiosidade, e disse:
— Espero que esse tal plano seja muito bom para superar o
constrangimento entre os conselheiros.
-Sinto me constrangido por ter pedido que esse assunto seja sigiloso,
mas peço a.
Vossa Majestade que analise não como um simples plano, mas como uma
visão que me foi concebida por ordem divina.
—Sua majestade, o rei nunca foi um simples mortal, sinto que seja
especial, o mesmo digo isso do Mago. A verdade é que todo o reino está
sobre um solo privilegiado.
Este castelo tem vida que transpira em suas paredes.
-Também tive visões, lorde Franklin. Quanto fui orar pela alma do rei.
Acredito no que diz através dos seus olhos, percebo que suas palavras que
vem do coração.
Mas minha rainha, ainda não sabe a respeito do plano, por que
razão está tão confiante bem antes de saber?
Isso chama-se fé, Lorde Franklin, e quanto a ela não se deve
duvidar. Acredito em que vejo, e isto me basta. Parou por alguns
instantes de falar, fechou os olhos e respirou fundo, e ai então
continuou: - Vamos lá, diga-me em detalhes como será.
Lorde Franklin detalhou seu plano, mas caso perdessem a fé, tudo seria em
vão.
No dia seguinte Lorde Franklin, trocara suas vestis de nobre, por uma de
monge. Levava numa carroça, um enorme tonel de vinho para o castelo do
conde Baraniak.
—Olá! Assim gritou Lorde Franklin ao chegar às proximidades do portal do
castelo.
—O que vem trazendo ai, disse um dos soldados ao avistá-lo.
— O vinho, que mais poderia ser?
— Espere ai mesmo.
Da torre o soldado pediu que chamassem Ugheru.
Ugheru estava bem mal humorado ao se dirigir até lá, e perguntou ao
guarda.
— O que foi agora? Algum cobrador de taxas reais? Se for reviste-o. Se tiver
algum pertence pegue tudo e depois o joguem ao fosso.
— Não é isso Ugheru, é carregamento de vinho.
—Assim é melhor, mas antes de matá-lo, deixe-o entrar para descarregar
nosso vinho. Ao abrirem os portões, Lorde Franklin entrou no castelo, e
bem a sua frente estava Ugheru, com uma aparência nada amistosa,
bloqueando com seu corpanzil as mulas.
Lorde Franklin engoliu a saliva e seu estômago gelou ao ficar diante do
bárbaro.
— Para quem vai entregar esse vinho? Disse Ugheru.
—De tempos em tempos venho sempre entregar um vinho especial para o
conde. Aqui o consumo é grande, e todos adoram este vinho de sabor
incomparável.
— Deixe-me prová-lo, se for tão bom assim poderá partir e trazer mais,
caso contrário, não fabricará mais vinho e nem irá orar mais pelas almas
das pessoas. Não fora avisado de que este castelo pertence a mim agora?
—Sinto muito, mas vivo num isolamento total, e as notícias não correm tão
rápido assim para mim.
—Desça dessa carroça, e deixe-me provar. Lorde Franklin esperava que o
vinho fosse de ótima procedência, pois ficou estocado a um bom tempo nas
adegas do castelo da rainha.
Ugheru entornou a taça cheia de vinho, e lambendo os beiços, disse: - Por
enquanto agradeça ao seu Deus de que sua alma foi salva por um bom
vinho.
— Trata-se de um vinho especial, e deve ser descarregado de maneira
gentil na adega.
—Disse adega? E onde ela está? Meus homens estão sedentos por bebidas.
—Com certeza não as encontrou, pois é preciso percorrer uma passagem
secreta para chegar até os tonéis de vinhos.
—Homens, levem esse barril até o salão principal, e quero que dois homens
acompanhem o monge até onde estão os outros barris.
Enquanto isso os soldados da rainha aguardavam o momento certo de
atacar o castelo do conde e expulsar de vez seus invasores.
Lorde Franklin percorria pelas galerias estreitas em direção onde o conde
Baraniak estava confinado com seus soldados. Num dado momento
deparam-se com o fim da galeria, e um soldado desconfiado perguntou: - O
túnel termina aqui. Está tentando nos enganar?
—Ora! Disse que era uma passagem secreta, não disse? Pois bem, ela está
bem diante de nós atrás da parede.
Lorde Franklin procurava uma pedra solta na parede e ao encontrá-la,
empurrou fazendo com que se abrisse, revelando a continuação do túnel.
—Não sei se é certo ir mais além, pode ser uma armadilha. Disse um dos
guardas.
—Certamente que não. Pode sentir o aroma do vinho que vem no fim desse
túnel?
—Posso sentir.
—Pois então, um lugar que cheira a vinho, só pode vir de uma adega.
—Continue na frente, mas se algo der errado, morrerá com a lâmina desta
espada.
Lorde Franklin sabia que ao abrir a passagem secreta, o conde sentiria o
buque do vinho pela passagem de vento. Teria tempo suficiente para
posicionar alguns de seus guardas em pontos estratégicos a espera dos
invasores.
Escoltado, por dois guerreiros, Lorde Franklin só podia continuar a
prosseguir, sem despertar desconfiança, mas, de repente, um dos guardas
de Ugheru, foi imobilizado com uma chave de pescoço, seguido duma
punhalada no peito. Ao perceber que seu companheiro fora abatido,
levantou a espada dizendo ao Lorde Franklin: - Nos trouxe para uma
armadilha, monge dos infernos. Irá sentir o gosto da morte com a lâmina de
minha espada.
Ao levantá-la foi alvejado por flechas ante que atingisse a espada na cabeça
de lorde Franklin.
—Não me mate, sou Lorde Franklin.
—Certamente que não o farei, pensei que nunca viesse. Disse o conde
Baraniak, abraçando o fortemente.
—Temos que ser rápidos, antes que desçam mais homens de Ugheru atrás
de mim, parece que ele estava meio desconfiado, mas não resistiu ao vinho.
—Bravo lorde! Espero que os soldados da rainha devam estar prontos para
entrar no castelo?
—Sim, mas quero ter certeza se o pombo que trago comigo está bem,
passou um bom tempo por debaixo dessas roupas de monge.
—E o que pretende fazer com ele pombo?
—Será o sinal. Ao verem o pombo voando para fora de vosso castelo,
atacarão.
—Guarda, venha cá. Quero que escale a parede até aquela claridade e solte-
o por aquela fresta, disse o conde, colocando o pombo que ainda
permanecia preso a faixas de panos por segurança.
Os soldados ao verem o pombo sair voando de uma área perto do castelo,
avançaram gritando e a atirando flechas sobre os inimigos nas torres.
Ugheru ao ouvir os gritos, saiu da sala principal cambaleando bêbado e
espumando pela boca: Esta bebida está envenenada, fomos enganados, não
consigo enxergar. Onde esta minha espada? Parem de beber e vomitem
esse maldito vinho.
Desesperado e mal podendo ver o que estava a sua frente, dava ordens
cambaleando de um lado para o outro. Estava embriagado, ainda assim
tinha noção que de que seria facilmente derrotado, e num ato de desespero
ordenou a seus homens que fossem para as passarelas dos muros e torres,
e arremessassem flechas, lanças, e óleo quente, porém não imaginava que
os guardas do conde surgiriam de dentro do castelo. Os guardas da rainha
atacavam pela frente e flancos, esperando que alguém abrir os portões.
Ugheru que permanecia na sala com poucos homens foram surpreendidos
com o ataque pela retaguarda. Ugheru mal podia compreender de como os
guardas entraram.
—De que forma entraram no castelo? Maldito monge.
— Cale-se, falou o conde Baraniak, colocando bem diante de sua testa a
ponta da lâmina da espada.
—Onde está esse monge maldito?
—Já disse para se calar se não quiser sentir sua cabeça rolar pelo chão.
— Não posso ver, e nem lutar, estou completamente indefeso. Creio que
não mataria um homem nessas condições.
—Sempre pensei que os bárbaros preferiam a morte por uma questão de
honra para com seu Deus, ao invés disso, parece que está se comportando
como um fraco.
Ajoelhado diante do conde, implorou por sua vida:
—Tenha piedade não me mate.
—O que há com você Ugheru, já matou tanta gente sem se importar se
eram mulheres, crianças ou velhas. Por que motivo agora pede clemência?
— Nunca pensei em invadir vosso castelo, vivia bem de pequenos roubos e
emboscadas, mas Lorde Drakos ofereceu joias e moedas de ouro para que
pudesse aumenta o número de homens e atacar seu castelo.
—O conde olhou para lorde Franklin e falou: - Não posso compreender o
porquê sua majestade o rei Arthur, nunca puniu Drakos desde o começo, e
agora ele vem adquirindo mais poder e cada vez mais perigoso para com o
reino.
— Deve ter razões que desconhecemos, certamente: disse lorde Franklin.
— Levem Ugheru para o calabouço, e lancem as flechas naqueles que estão
nas passarelas dos muros e torres, enquanto aos outros desçam os portões
para os soldados de sua majestade entra.
Os homens de Ugheru aos serem acuados, largaram suas armas e se
rendera.
Do lado de fora os soldados eufóricos gritavam: - Os portões estão se
abrindo. Vencemos!
Ao receber notícias da vitória, a rainha dirigiu-se para a capela, e com um
olhar radiante, envolvida pela luz que atravessava os vitrais, a iluminava
seu semblante cheio de esperança e justiça para com o reino. O que mais
queria neste momento era que Arthur soubesse a batalha vencida sobre o
sorrateiro Drakos. A rainha não era de forma alguma tão indefesa assim,
aos olhos de alguns conselheiros e inimigos
Talvez não fosse assim uma vitória como esta, que colocasse o reino numa
situação fora de risco, mas, com certeza, traria a confiança e esperança
depositadas nas mãos de uma rainha que se fortalecera com a retomada do
castelo do Conde.
—Pela sua bravura, Lorde Franklin, eu rainha Vitória lhe concedo o título
de Barão.
De hoje em diante deverá jurar lealdade à coroa, e será o representante
mor de todos os conselheiros dessa corte. Que Deus te abençoe, e todo o
reino da Bretunia.
Ajoelhado diante da rainha, o barão Franklin jurou lealdade: - Eu, agora
Barão Mathias Franklin juro diante de Vossa Majestade, que serei leal e
protegerei o reino com minha própria vida se for preciso. – Que minha voz
seja ouvida nos corações puros, e minhas palavras como conselheiro,
expressas de maneira exata na vontade do Senhor no destino da Bretrunia.
A rainha olhou para o Barão e com um sorriso e gestos delicados, ordeno
que se levantasse dizendo:
—Que continue a olhar o futuro, e guiar o destino do reino com sabia
palavras.
Apos o cerimonial, um banquete os esperavam. A rainha queria reviver o
clima da vitória.
Por alguns momentos, deu se a impressão que os bons tempos de reinado
voltaram. As cores cinza das paredes contrastavam com o colorido das
vestes, e o brilho dos olhos que celebravam ao som das flautas, a viola de
arco, o organetto com os movimentos suaves da dança. Tudo era
harmonioso, até a paisagem bucólica que se via da janela, traziam as
nuvens para dentro do salão.
O momento era festivo, e o banquete servido. Ao lado da rainha estava o
Barão Franklin, porém havia um trono vazia ao seu lado direito, e este lugar
todos sabiam que pertencia a Arthur, o qual a rainha quis mantê-lo assim.
Sobre a mesa havia carne de javali, coelho, pães em formatos de castelos,
amêndoas, música, dança, e malabaristas, além de vinho.
O barão ao ter sua a caneca entornada de vinho levantou-se para brindar e
disser algumas palavras:
—Um brinde a rainha Vitória. Um brinde ao renascer da esperança. Um
brinde ao nosso amado rei, apesar de sua ausência neste momento de
gloria, que o Senhor faça com que regresse logo ao reino da Bretunia, e que
nossas forças se unam neste momento de longas apreensões e momentos
de felicidade.
—Só espero que esse vinho não venha do mesmo barril em que Ugheru
bebeu, disse um dos lordes, em tom de brincadeira, e gargalhadas.
O Conde Baraniak retrucou: - Com certeza não é, pois este tem o sabor do
sucesso, enquanto aquele teve o gosto da derrota.
Ouve até uma encenação por parte do bobo da corte, vestindo-se de
bárbaro, imitava Ugheru. Cambaleava bêbado de um lado para o outro, caia
de quatro, tentava achar sua espada, enquanto um anão vestido de monge
chutava-lhe o traseiro.
O Barão Franklin deu algumas risadas, mas parou um pouco de rir ao
lembrar-se do encontro com Ugheru, nada agradável e por um triz aquele
vinho poderia ter lhe custado à vida, mas aliviado em saber que ele agora
estava bem seguro nas masmorras aos cuidados dos guardas da rainha.
A corte voltara seus dias felizes, apesar de breve, porque sabia que no dia
seguinte deveriam estar mais atentos aos movimentos de Drakos, que
provavelmente aquela altura já fora informada da derrota de Ugheru.
No castelo de Drakos
A emboscada
Na ilha, Malenca queria ter a certeza de estar só. Foi para o templo, e
teve uma surpresa que seus olhos mal podiam acreditar. Deparou-se com
Arthur, o Mago e os cavaleiros imóveis, haviam se tornados estátuas de
pedras junto aos monólitos, mas Malenca não fazia ideia do que se passara
por ali, acreditava que uma maldição vinda dos seres que ali habitavam os
transformou em rochas.
Sozinho e diante de homens de pedras impossibilitados de esboçar algum
movimento, Malenca se viu diante de uma situação ímpar, e não perdendo a
oportunidade de se vingar, ergueu sua cabeça na altura do rei, e fitou em
seus olhos.
—Majestade! Nem imagina o prazer que me dá, ao te encarar sem temor ou
demonstrar remorso dos meus atos. Foi um rei amado e respeitado, mas
veja você como as coisas mudam. Não posso colocá-lo ao lado dos insetos
que rastejam, porque nem consegue se mover, ou ao menos compará-lo a
um vegetal, porque nem viço tem nessa pele endurecida de rocha. Em
breve levarei o ouro dessa ilha para o Corvo, e partirei rumo ao reino onde
reina uma rainha convencida, mas logo será derrotada por Drakos, e
quanto a mim, farei parte da corte, serei um nobre, terei terras. Quanto a
você, se é que vossa Majestade não se opõe a tal tratamento, ficará preso a
esse templo para sempre, e eu livre para navegar no navio que me foi
tomado.
Depois do longo monologo que teve com a estatua de Arthur, como se fosse
o de um rei para com outro, pensava em como carregar o ouro para dentro
do Corvo e seguir viagem, mas de repente lembrara-se dos marujos, Igor e o
cartógrafo. O semblante de Malenca mudou para um ar de preocupação, e
as coisas não estavam a seu favor. O olhar da velha raposa oportunista
volta a arquitetar planos de retomar o Corvo.
Drakos sabia que o Tempo era um fator decisivo para intervir na viagem de
Arthur. - Por onde anda esse rapaz que mandamos ao castelo de Arthur?
Dizia Drakos olhando seriamente para a difusa imagem do Corvo
navegando numa outra dimensão.
— Godofredo! Godofredo! Esbracejava Drakos exigindo a presença rápida
do criado.
— Senhor, que deseja, de tão urgente assim?
—Preciso dos manuscritos do Mago, mas esse rapaz que enviamos, até
agora não deu notícias. Terei que subir até o penhasco essa noite. Quero
que prepare meu cavalo.
Quando a noite chegou, Drakos do alto do penhasco retirou de sua
cintura uma pedra negra. Empunhando-a firme, levantou em direção ao
céu. Com seu pensamento, no brilho da Lua, a pedra em sua mão levitou
emanada uma luz de seu interior. De repente o brilho transformou-se num
vulto, desaparecendo na escuridão da noite, indo percorrer as paredes do
castelo a procura de Fininho, que dormia junto aos cães numa cama
improvisada de palhas.
O vulto que Drakos enviara, percorria as paredes. Sua silhueta era visível,
por onde as luzes dos archotes iluminavam.
—Acorde Fininho! Vamos acorde: dizia o vulto.
Fininho passou a ter sonhos terríveis. Os cães rosnavam com sua agitação,
acordando-o. Suava frio. Ouviu a voz que vinha da sombra de Drakos
projetada numa das paredes do pátio.
—O que é isso? Fantasma? Quem é?
— Sou eu, Drakos. Saia imediatamente. Preciso do manuscrito. Já se
apossou dele?
—Sim, mas sair agora a noite despertará desconfiança dos guardas.
—Terá que sair agora. Amanhã será tarde demais.
— Mas como?
— Encontre uma corda, saia pelo muro.
—Agora como?
—Isso é problema seu, e creio que não haverá dificuldades para quem já foi
de circo.
E se os guardas me pegarem?
— Darei um pequeno entretenimento a eles, iluminando os céus
com bolas de fogo.
Fininho deu uns pedaços de bolacha para os cães pararem de
rosnar, e foi atrás das cordas, encontrou um poço, e de lá desatou
o balde.
Dos céus começaram a explodir bolas de fogo, e os guardas
olharam aquilo, sem entender do que se tratava, e na distração,
Fininho escapou.
Do lado de fora Drakos o aguardava.
- Aqui esta, senhor, foi mais fácil do que eu imaginava.
—Bom trabalho, mas agora volte ao castelo.
— Mas como voltar?
— Não se faça de tolo. Creio que a corda ainda esteja amarrada no muro do
castelo. Não esta?
— Sim, ainda está lá.
— Pois bem, volte para o castelo, e não faça mais perguntas. Aproveite o
momento enquanto as bolas ainda estouram no céu.
—Sim meu senhor.
Sonho de Drakos
FIM