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Sasha Cottman O Duque de Strathmore 04 Meu Cavalheiro Espião
Sasha Cottman O Duque de Strathmore 04 Meu Cavalheiro Espião
Romance Histórico
O DUQUE DE STRATHMORE
BOOK IV
SASHA COTTMAN
EVELYN TORRE
Copyright © 2023 por Sasha Cottman
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de qualquer forma ou por
qualquer meio eletrônico ou mecânico, incluindo sistemas de armazenamento e
recuperação de informações, sem permissão escrita do autor, exceto para o uso
de citações breves em uma resenha de livro.
Contents
1. Capítulo Um
2. Capítulo Dois
3. Capítulo Três
4. Capítulo Quatro
5. Capítulo Cinco
6. Capítulo Seis
7. Capítulo Sete
8. Capítulo Oito
9. Capítulo Nove
10. Capítulo Dez
11. Capítulo Onze
12. Capítulo Doze
13. Capítulo Treze
14. Capítulo Quatorze
15. Capítulo Quinze
16. Capítulo Dezesseis
17. Capítulo Dezessete
18. Capítulo Dezoito
19. Capítulo Dezenove
20. Capítulo Vinte
21. Capítulo Vinte e Um
22. Capítulo Vinte e Dois
23. Capítulo Vinte e Três
24. Capítulo Vinte e Quatro
25. Capítulo Vinte e Cinco
26. Capítulo Vinte e Seis
27. Capítulo Vinte e Sete
28. Capítulo Vinte e Oito
29. Capítulo Vinte e Nove
30. Capítulo Trinta
31. Capítulo Trinta e Um
32. Capítulo Trinta e Dois
33. Capítulo Trinta e Três
34. Capítulo Trinta e Quatro
35. Capítulo Trinta e Cinco
36. Capítulo Trinta e Seis
37. Capítulo Trinta e Sete
38. Capítulo Trinta e Oito
39. Capítulo Trinta e Nove
40. Capítulo Quarenta
41. Capítulo Quarenta e Um
42. Capítulo Quarenta e Dois
Romances em português
Sobre o autor
Capítulo Um
G ibraltar, 1817
E foi assim que, uma hora após ter saltado do navio para o mar, a
senhorita Hattie Wright, disfarçada como Sarah Wilson, estava sob a
proteção do Sr. William Saunders, Escudeiro.
Ela também fora beijada com sofreguidão por ele em público.
Após fazer as perguntas corretas, Will conseguiu contratar os
serviços de uma costureira local que logo reuniu uma pequena
seleção de roupas já prontas para Hattie. O hotel arranjou uma
criada pessoal.
Em silêncio, Will parabenizou-se por ser tão hábil em garantir
que as necessidades de uma jovem de sua classe fossem sanadas.
A mãe dele ficaria orgulhosa. Entretanto, se o guarda-roupa de
Hattie era o mais recente da moda londrina, ele não sabia ao certo.
No entanto, qualquer coisa seria melhor do que o vestido original,
arruinado além da salvação.
Enquanto Sarah estava no andar de cima se trocando no quarto
que ele havia arranjado para ela, Will sentou-se no térreo, na
pequena alcova que cumpria a função de saguão do hotel.
Ele tentou ler uma cópia do The Times que chegou naquela
manhã, trazida por um navio de Londres, mas a mente dele se
recusava a dar qualquer atenção real às notícias. Ele dobrou o
jornal ao meio e o deixou de lado.
Os pensamentos em torno de Sarah se recusavam a sair da
cabeça dele. Seus longos cabelos cor de trigo, embora
emaranhados e presos à cabeça, eram fascinantes. Ele teve um
cavalo Palomino com a crina luxuriosa e semelhante. Ele suspeitava
que, quando estivessem secos e penteados, os cabelos de sua
nova companhia brilhariam à luz do sol do mesmo jeito.
— Quem é você? — ele murmurou.
Quando ele a chamou, mais cedo na feira daquela manhã, ela
não reagiu. Somente quando ele estendeu a mão e a segurou pelo
braço que ela registrou a presença dele. Com toda a certeza, o
nome verdadeiro dela não era Sarah Wilson. De que, ou de quem
ela estava se escondendo era ruim o suficiente para ela adotar um
nome falso.
Ela era um enigma envolvente. Bem-criada pelo soar do sotaque
e bem-educada pelo comportamento, mas com um toque de plebe.
A maneira como ela se dirigiu aos aldeões e até mesmo à equipe do
hotel a denunciava como alguém que não desprezava os de uma
classe social mais baixa.
Quanto ao noivo, Will se perguntou que tipo de homem atrairia
uma garota para longe da família e a arrastaria por meio mundo
para a África. Esse aspecto da história dela ainda não soava fiel à
verdade na mente dele. Ali estaria o cerne da mentira.
Portanto, com quem ela estava a bordo do Blade of Orion?
Ele lambeu os lábios, surpreso com o quão seca a boca de
repente se tornara. Os batimentos cardíacos aumentaram o ritmo
quando a peculiar empolgação envolvida em uma perseguição urgiu
em suas veias.
A emoção trazida pela perspectiva de perseguição foi parte do
motivo que o levou a se voluntariar como agente secreto do governo
britânico. Ele sabia que seus motivos não eram de todo patrióticos
ou nobres. O desejo de se aproximar do perigo corria forte no
sangue da família.
Desde a infância, explorar os lugares mais profundos e secretos
das mentes dos outros tinha sido sua habilidade especial. Extrair a
verdade, pouco a pouco, era um jogo demorado, mas em que ele
era um mestre.
Quando ele terminasse de sondá-la, ele saberia todos os seus
segredos. Iria devagar. Após ganhar a confiança dela, ela contaria
de bom grado tudo o que ele desejava saber. Ela revelaria tudo.
Distraído, ele esfregou os dedos na barba que cobria o queixo.
Ele não se encaixava muito bem na imagem do cavalheiro londrino
bem-criado, algo que ele precisaria consertar se quisesse ganhar a
confiança dela.
Recordando daqueles minutos passados na feira, quando ele a
segurou nos braços e a beijou sem pensar em mais nada, a lista de
desejos de Will começou a tomar forma.
Nomes e lugares poderiam ser verificados e confirmados com
facilidade. O que ele desejava saber mesmo era o que habitava os
meandros de sua alma. Beijá-la foi mais do que apenas uma tática
diversionista. Ele gostou bastante.
E valendo de seus gemidos de prazer, ela também.
Ele queria aprender tudo o que pudesse sobre ela. Uma mulher
que detém a coragem de saltar de um navio para um futuro perigoso
e desconhecido, era uma mulher que ele precisava entender.
Controlar, não é o que quer dizer?
O pensamento súbito o retesou. Ele tentou impedir Yvette de se
colocar em perigo por mais vezes do que conseguia se lembrar.
Engenhosa e teimosa, ela se salvara do perigo inúmeras vezes.
Todas, exceto a última vez.
Ele fechou os olhos e se recostou na cadeira. Ele havia se
prometido que só pensaria em Yvette duas vezes por dia enquanto
tentava reconstruir a vida. Uma vez ao se levantar e uma ao se
deitar. A memória dela estava arraigada em sua mente.
No entanto, hoje ele pensou em outra mulher. Pensamentos
lascivos que o levaram a beijá-la sem se refrear.
Perdoe-me.
Ambos sabiam do perigo. Um pacto feito no início do casamento
ainda se mantinha. Se alguma coisa acontecesse com o outro, o
sobrevivente não teria autorização para passar o resto da vida
chafurdando no luto. Foi apenas essa promessa vinculante que
manteve Will à margem da insanidade nos dias sombrios que se
seguiram à morte de Yvette.
Ele conseguia imaginar a conversa que teria com a esposa
acerca de sua nova encarregada. Yvette ficaria intrigada com essa
jovem e já teria listado várias perguntas pertinentes.
Por que ela pulou do navio?
— Não acredito na história de uma viagem repentina à África.
Esse conto tem mais buracos do que as catacumbas de Paris. —
ele murmurou.
Se ela está dizendo a verdade, por que se sentiria compelida a
dar um nome falso?
Ele abriu os olhos e sentou-se ereto, um sorriso malicioso e
consciente ameaçava no canto da boca.
Chegar à questão da verdadeira identidade de Sarah era a
chave para todo o mistério. Encaixe essa peça do quebra-cabeça e
o resto da imagem se revelaria.
Uma moeda brilhante escorregaria na mão da criada quando um
momento oportuno aparecesse. Em algum momento, a senhora
cometeria um deslize e, sem perceber, revelaria mais do que
pretendia. A criada pessoal em busca de renda complementar seria
o agente perfeito.
Pouco depois, Sarah desceu as escadas. Will levantou-se de sua
cadeira com uma sensação de satisfação. O dinheiro com a
costureira e a equipe do hotel foi bem gasto.
O rato afogado com cabelos desgrenhados e roupas arruinadas
desaparecera e em seu lugar estava a perfeição. Um vestido
esmeralda com renda branca no corpete, as saias agarravam-se ao
corpo bem-proporcionado. A sugestão de decote que o vestido
oferecia era uma mudança renovadora do modelito cinza, rígido e
de pescoço alto que ela usava ao ser resgatada da água.
Ele se viu sem palavras para descrever o traje daquela primeira
vez ao lado dela, no cais. Sem graça foi a primeira coisa em que
pensou. Sem elegância foi a segunda.
O novo traje revelava que ela era mais jovem e mais bonita do
que ele a julgou a princípio.
O olhar dele absorveu os cachos macios que beijavam as
laterais das bochechas. As madeixas de um tom castanho-claro
traziam ares dourados à medida que a luz do sol as apanhava. Ele
ficou grato por a moda local não incluir um gorro. Não gostava da
nova moda que muitas garotas inglesas adotaram de cobrir as
cabeças com gorros, e assim esconder seus encantos naturais.
Ele mergulhou em uma cortesia.
— Senhorita Wilson, estou ao seu dispor. — ele disse, um
sorriso abrindo os lábios.
O sorriso tímido que ele recebeu em resposta teria derretido o
coração de qualquer homem. Ele corrigiu seu primeiro pensamento.
Ela não era perfeição. Não, era algo diferente. Mais sedutora do que
a perfeição jamais poderia oferecer.
— Sr. Saunders. Não posso começar a expressar minha gratidão
por tudo o que fez por mim. Como posso reembolsá-lo? —
respondeu ela.
O coração dele afundou. A última coisa que ele queria era que
ela tivesse algum senso de obrigação para com ele.
— Seu retorno seguro à Inglaterra será toda a recompensa que
eu jamais precisarei. — ele respondeu.
Por dentro, ele se amaldiçoou por ser tão autoconfiante e suave
com ela. Ele temia que agora ela só o visse como alguém com o
senso de dever de ajudá-la, nada mais.
Foi um erro juvenil, um que ele sabia que não deveria ter
cometido. Com a guerra contra Napoleão agora terminada, ficou
claro que suas habilidades não utilizadas estavam ficando
enferrujadas.
Quando Sarah se sentou em um local sombreado perto da
janela, Will chamou um funcionário do hotel e foi falar com o
homem.
— Duas taças de vinho de Málaga e qualquer prato quente que o
chef possa preparar em pouco tempo, por favor. — ele disse.
Voltando, ele sentou-se na cadeira oposta a ela.
— Considerando o seu nado matinal, imagino que esteja mais do
que com um pouco de fome. Tomei a liberdade de pedir comida e
bebida para ambos.
Sarah olhou para baixo e, com delicadeza, ajeitou as saias de
seu novo vestido. Ele ouviu um suspiro incerto vir dela.
— Por que está me ajudando? Não me conhece e, mesmo
assim, comprou roupas novas para mim e me colocou em um quarto
de hotel. O Senhor poderia, como mesmo disse, ter me entregue às
autoridades locais e as deixado lidar com o assunto. Não me deve
nada, Sr. Saunders. — ela levantou a cabeça, e seus olhares se
encontraram. — Por quê?
A voz da mãe sussurrou na cabeça dele:
Porque você sempre se imaginou como um cavaleiro de
armadura brilhante, Will. Procurando a próxima donzela para
resgatar e proteger. É um dos seus traços mais nobres, e desses
você possui vários.
Não importa o quão desconfortável ele se sentisse quanto a isso,
Adelaide Saunders conseguia ler o filho mais velho melhor do que
ninguém. Onde quer que ela estivesse agora na Inglaterra, ele
suspeitava que um sorriso secreto já surgia naqueles lábios.
Ele deu de ombros.
— Porque ao longo da vida, todos passam por momentos em
que precisam desesperadamente da ajuda de alguém. Alguém para
protegê-los da dureza do mundo. Eu diria que a senhorita está
nesse ponto específico. — ele respondeu.
O funcionário do hotel trouxe mais duas taças e serviu uma dose
generosa de vinho em cada uma, antes de se retirar.
— Por sua boa saúde, senhorita Wilson, e por seu retorno
seguro à família. — Will disse. Ele entregou uma taça para Hattie, e
ergueu a própria taça em brinde a ela.
Ela olhou para a taça e hesitou por um instante.
— Quando regressarmos à Inglaterra, o senhor deve me permitir
reembolsá-lo por todas as despesas. Eu insisto. — ela disse.
Ela ergueu a taça e tomou um gole. Quando as primeiras gotas
desceram, tossiu. Hattie logo baixou a taça.
Will franziu a testa.
— Presumo que não bebe vinho com regularidade?
— Não, meu pai considera o vinho como um líquido maligno que
deve ser evitado a todo custo. Não temos vinho em nossa casa há
algum tempo. Meu pai trancou a adega há alguns anos e jogou a
chave fora. — ela respondeu.
Will tomou um gole, arquivando em sua mente essa pequena
revelação. Acrescentava muito à imagem que ele estava
começando a construir dela.
Pais religiosos, que nem sempre foram puritanos. Essa parte da
história ele estava inclinado a acreditar. A história poderia ser tão
simples quanto ter fugido com o noivo apenas para mudar de ideia.
Will suspeitava que não.
Ele a observou pegar a taça de novo e tomar um gole hesitante.
Coragem não estava em falta para essa jovem, e estava claro que
ela não compartilhava a mesma visão que o pai quando se tratava
de álcool.
— Prometo não contar aos seus pais que bebeu vinho em um
hotel comigo. — ele a tranquilizou.
Uma carranca apareceu na testa dela, e ela se moveu no lugar.
Foi o menor dos movimentos, mas bastou. Will empurrou os dedos
dos pés com força contra a sola interna das botas. Ela acabara de
mostrar um dos sinais clássicos de uma mentira.
— Como assim? — ela indagou.
— Falo de quando eu a devolver para a proteção deles. É claro
que a acompanharei até Londres e me certificarei de seu retorno
seguro ao seio amoroso de sua família.
Naquele instante, ele notou o som do vinho engasgado na
garganta dela. Ela sufocou uma tosse. O laço criado pelas mentiras
estava se apertando, aos poucos, em torno do pescoço dela.
Cuidado agora, não a faça levantar a guarda cedo demais.
Atraia-a para perto.
— Não posso aceitar que faça uma coisa dessas. É um longo
caminho de volta à Inglaterra. Tenho certeza de que um cavalheiro
como o senhor tem mais o que fazer. — ela respondeu.
Ela se mexeu com mais obviedade no lugar. Will virou um pé
para a direção da porta. Um olhar passou entre eles. Ela não daria
nem mais um passo à frente dele, e ambos sabiam disso. Gostando
ou não, ela precisaria aguentar a hospitalidade de Will.
O funcionário do hotel reapareceu com um grande prato nas
mãos e colocou-o na mesa entre Will e Sarah. Ela olhou para a
comida, mas não a tocou. Will sentiu o desconforto tácito. Ela
sentia-se ameaçada.
Will pegou a bandeja e ofereceu.
— É Calentita, o prato favorito de Gibraltar. Não é diferente de
uma panqueca assada. É muito bom. Nada muito ostensivo, então
estou certo de que seus pais aprovariam. — ele disse.
Não importa o que quisesse, o estômago de Sarah logo se
mostrou um traidor e resmungou. Will sorriu. A comida sempre
vencia.
Ela pegou um pedaço quadrado da Calentita e colocou-o na
boca. Will seguiu o exemplo. Resgatá-la do porto tão logo após um
mergulho matinal significou perder o café da manhã. A meia laranja
que ele chupou ainda nas docas foi a única refeição do dia. Só
agora, quando o cheiro de grão-de-bico cozido e azeite preencheu
seus sentidos, que ele percebeu que também estava faminto.
— É gostoso. — ela disse, antes de se servir de um segundo
pedaço.
Eles se sentaram em silêncio por um tempo, comendo e
tomando vinho. Quando Will pediu uma segunda garrafa de vinho, e
Sarah logo concordou, ele sentiu que ela enfim começava a relaxar.
Quer ela percebesse ou não, Will havia começado o jogo sutil de
ganhar a confiança de Sarah e chegar à verdade.
Capítulo Cinco
O guia trouxe o burro e a carroça para onde eles estavam. Will sabia
que Sarah não estava certa quanto ao que fazer.
— Uma curta parada na caverna. Caso se sinta desconfortável,
no instante que for, só precisa falar e vamos embora imediatamente.
Combinado? — ele ofereceu.
— Combinado.
Ele se parabenizou em silêncio por tê-la conquistado, mas sabia
ser preciso avançar com cuidado. Esta tarde, ela estava tão
desconfiada quanto um potro.
Eu adoraria muito saber o seu nome verdadeiro.
Na estrada voltando do Europa Point, ele fez o seu melhor para
manter um diálogo inofensivo.
— Cheguei a contar que o navio em que consegui passagens
para nós retornarmos para casa é um irmão do Blade of Orion?
Chama-se Canis Major e, embora eu seja levado a acreditar ser um
pouco menor do que o navio em que você chegou, nos servirá bem.
Tendo decidido acompanhá-lo até a caverna, Sarah parecia
contente em sentar-se em silêncio e apreciar a vista da baía de
Gibraltar. Após divagar em torno dos espanhóis e de como as
mercadorias eram levadas de um lado para o outro entre Espanha e
Gibraltar, e recebendo pouco em troca dela, Will decidiu ser melhor
não dizer nada.
Na caverna de São Miguel, o guia liderou o caminho. Will
segurou a mão de Sarah e levou-a até a entrada. Ali, um homem
vendeu-lhes dois ingressos e uma tocha de grama. Will acendeu-a
enquanto ele e Sarah caminhavam devagar para a caverna.
A mão dela agarrava-se a dele. Ele se virou, oferecendo um
sorriso reconfortante. A luz da tocha nos olhos dela. Ela estava com
medo, mas estava com ele. Ele a manteria segura.
Vários macacos se sentavam na parte de dentro da entrada da
caverna. Will os afastou. Quando ficou claro que nem ele e nem
Sarah carregavam comida, os macacos se afastaram.
— Está tudo bem? — ele aventurou-se a perguntar.
Sarah desviou o olhar dos macacos em retirada e voltou para
Will.
— Sim. Só estava pensando nos macacos. Eles são bastante
mansos, não são? Vi alguns na Torre de Londres uma vez, mas
eram bastante agressivos. — ela respondeu.
— Sim, bem, estes podem ser desagradáveis quando o humor
lhes convém. Eu advertiria contra a tentar acariciar qualquer um
deles. Venha, vamos nos aventurar na caverna e, em seguida,
procurar algo para cear. Estou faminto.
Ele a levou mais fundo na caverna. A tocha logo se tornou a
única fonte de luz. Sarah apertou a mão de Will com mais força.
Ele levantou a tocha, e Sarah ofegou ao contemplar todo o
mundo subterrâneo diante dela.
— Nossa, nunca imaginei que um lugar assim pudesse existir. —
ela murmurou.
— Foi a mesma reação que tive quando vim no início desta
semana. — ele respondeu.
O teto da caverna principal erguia-se muitos metros acima de
suas cabeças. Enormes estalactites, parecendo lanças, pendiam do
teto, enquanto estalagmites subiam em formações semelhantes a
torres desde o solo da caverna.
— É maravilhoso. Até onde vai essa caverna? — ela perguntou.
— Bem, existem mitos antigos de que seria uma porta de
entrada para o submundo, mas suponho parar um pouco antes.
Ninguém fez esforço real e determinado de explorar mais a fundo as
câmaras inferiores por medo de nunca mais voltarem a ver a luz. —
ele respondeu.
Sarah soltou a mão de Will. Seu medo dos macacos e da
caverna parecia ter desaparecido. A caverna estava vazia de outros
turistas.
— Você está certo, é como algo da mitologia grega. Eu meio que
espero que um deus antigo ou monstro apareça na parte de trás da
caverna.
Alcançando a estalagmite mais próxima, ela colocou a mão.
— Está molhado! — ela exclamou, puxando-a de volta.
Will riu.
— A água do teto precisa ir para algum lugar.
Ele apontou para o teto da caverna.
— A água da chuva se infiltra no calcário pela superfície superior
da rocha do lado de fora e, ao longo de muitos anos, desce para a
caverna. Essa água que acabou de tocar pode ter levado trinta anos
para chegar aqui.
Sarah olhou para a mão e sacudiu a água das pontas dos dedos.
Will bateu palmas de prazer.
— Parece minha irmã mais nova, Caroline, quando o gato lambe
a mão dela. É a visão mais engraçada que se pode ter. — ele riu, e
Sarah fungou.
— A gata da minha família, Brutus, é mais propensa a tirar um
pedaço da sua mão do que dar uma lambida amigável. Então, tem
muitos irmãos? — ela perguntou.
— Tenho duas irmãs e um irmão. Evelyn, que chamamos de
Eve, tem vinte e poucos anos. Caroline é três anos mais nova. E há
Francis, que se encaixa em algum lugar no meio, embora sinta
dificuldades de caber em qualquer lugar devido aos seus 1,93m de
altura. Estou bem ansioso para me reencontrar com eles.
A sensação de alegria na voz dele, quando ele falou da família,
iluminou o humor de Will. Sentia falta da família. Retornar de vez a
Londres era algo que deveria ter feito antes.
Outro grupo de turistas entrou na caverna e começou a olhar ao
redor. O momento em particular deles terminara.
Ela sabia ser inevitável. A única coisa que de fato a surpreendeu foi
Will ter esperado estarem já na jornada marítima para começar o
questionamento.
Desde que subiram a bordo, ela esperava que ele a
pressionasse mais a revelar de onde vinha, a falar da família.
Ao abrir os olhos, ela o viu sentado na cadeira, de frente para
ela, as mãos firmes no colo.
— Hattie, precisamos conversar. — ele disse.
— Sim.
A palavra saiu de sua boca, antes que percebesse o que havia
dito. Will a chamou pelo nome verdadeiro, e tola como só ela
poderia ser, ela respondeu.
O sentimento de gratidão por a porta da cabine ter uma
fechadura foi logo diminuído pela visão de Will segurando a chave.
Qualquer esperança de fuga desapareceu na hora.
Como Will descobriu seu nome verdadeiro?
O único sinal de emoção que ele demonstrou com a resposta
dela foi endireitar-se na cadeira e assoviar baixo. O rosto dele
permanecia implacável. A partir da postura indiferente dele, ela
soube que esta não era a primeira vez que ele interrogava alguém.
Dizer trabalhar com comércio era uma mentira conveniente.
O que ele disse do tempo vivido no continente? Ela quebrava a
cabeça. Apesar de toda a evasão, ele também conseguiu revelar um
pouco dele mesmo e de seu passado.
— Bom. Bem, pelo menos estabelecemos seu nome verdadeiro.
— ele disse.
— Como? — ela questionou.
Ele se levantou e colocou a chave no bolso do casaco.
— Esta manhã fui à Agência Marítima do Cais. Quando você e
seus pais desembarcaram, todos foram registrados pela autoridade
portuária local. Não demorou muito para eu encontrar seu nome
entre a lista de passageiros do Blade of Orion.
Hattie pressionou-se à parede da cabine. Embora fosse pouco
em um sentido físico, pelo menos a ajudou a criar distância mental
entre eles. Lágrimas quentes surgiram nos olhos dela, e as mãos
começaram a tremer. Ela se sentiu à beira de perder o controle. Ela
apertou as mãos juntas e puxou várias respirações profundas.
Hattie olhou para as próprias mãos, unidas com força. O que ela
deveria fazer agora?
— O que quer? — ela enfim respondeu.
Ele encontrou o olhar dela. Uma suavidade inesperada apareceu
no rosto dele. A mesma ternura que ela viu na Caverna de São
Miguel brilhava naqueles olhos. Ela cerrou os dentes, recusando-se
a se deixar enganar por esse teatro mais uma vez.
— Eu quero a verdade, Hattie. Como eu disse antes, não posso
ajudá-la caso se recuse a me deixar fazê-lo. Eu não preciso saber
tudo, guarde consigo todos os segredos que sentir que precisa. No
entanto, após tudo o que fiz por você, mereço alguma explicação.
Ela se sentou e olhou para as mãos enquanto contemplava as
palavras dele.
Eles estavam no mar. O próximo pedaço de terra era a
Inglaterra. Se ela contasse a verdade, não havia muito que ele
pudesse fazer até que o navio atracasse em Londres. Por tudo o
que ele fez por ela, ele merecia mesmo a verdade. Ou pelo menos
um pouco dela.
— O que quer saber?
— Bom. Permita-me sugerir que um bom ponto de partida seria
uma explicação de como acabou ficando à deriva na Baía de
Gibraltar. — ele respondeu.
Hattie saiu da cama e caminhou até a janela. Sob a janela havia
um pequeno banco de madeira acolchoado. Seria o lugar ideal para
se sentar e ler um livro em uma longa viagem marítima.
Ela se sentou, aliviada, quando Will não deu nenhuma indicação
de se mover de seu lugar perto da porta.
Por onde exatamente ela deveria começar? Por tanto tempo, a
vida dela foi servir aos outros. Ninguém jamais perguntou sua
história.
— Meus pais passaram por uma conversão religiosa há vários
anos. Meu pai renunciou à grande parte de nossa vida privilegiada,
sob a justificativa de ser perversa e indigna do caminho que ele
escolhera seguir. Passei grande parte dos últimos dois anos
trabalhando na torre de St. Giles tentando ajudar os menos
afortunados do que nós. Cerca de um ano atrás, papai conheceu o
Pastor Peter Brown e todo o foco dele mudou. Peter Brown
convenceu meu pai de que os pobres de Londres não eram o
bastante. Os planos dele eram mais grandiosos. Prestar assistência
terrena não significava nada, quando havia milhares de almas que
poderiam converter. Foi quando tiveram a ideia de que uma missão
na África seria o trabalho ideal para a vida.
Falar as palavras em voz alta fez seu pai e Peter Brown soarem
frios e calculistas, mas era a verdade. Eles agora viam o trabalho de
caridade como apenas um número. O número de pessoas que
poderiam trazer para a fé sob sua orientação espiritual em Serra
Leoa era o que impulsionava os dois homens.
— E você e sua mãe seguiram o plano, mas em algum
momento, você decidiu tomar um caminho diferente. Quando
percebeu que não queria o mesmo que eles? — perguntou Will.
A mãe dela, sim. Desde que Hattie passou a compreender as
coisas, ela viu a mãe fazer tudo como o marido a instruía. O
casamento dos pais era prático. Mesmo quando o pai tirou Hattie da
cena social londrina no meio de sua primeira Temporada, a mãe não
disse nada para detê-lo.
Quanto a ela mesma, Hattie esperou por um tempo que a missão
para a África fosse um plano que jamais sairia no papel, na pior das
hipóteses. Mas, à medida que o dia da viagem se aproximava cada
vez mais, medo começou a dominá-la.
O Pastor Brown começou a dar atenção especial a ela. Os pais
costumavam comentar do bom caráter dele, recomendando-o a ela.
Ela havia ignorado os sinais óbvios e lançou-se no trabalho.
Entretanto, no fim, nem ela pôde ignorar os planos claros dos
outros.
Hattie fechou os olhos quando lágrimas começaram a escorrer
livres pelo rosto. Ela fez parte de uma família, mas sentia-se tão
sozinha.
Will levantou-se da cadeira, mas ela o dispensou com a mão. Se
ela contaria tal história, seria em seus próprios termos. Ela ficou
surpresa com a raiva crescente que começou a ferver no fundo de
sua mente enquanto falava do pai e do Pastor Brown.
Quando o pai anunciou o noivado com Peter Brown, ela temeu
que a batalha estivesse perdida. A cada dia, sua força de vontade
era atacada com planos e pronunciamentos de futuros combinados.
Ela chegou tão perto de capitular.
— No dia em que minha mãe me disse que minha gata não viria
conosco, foi o dia que eu soube. — ela respondeu.
Um som nervoso escapou dos lábios dela. Era absurdo pensar
que a perda iminente da gata, Brutus, foi necessária para Hattie
enfim vislumbrar um pouco de bom-senso.
— Eles esperavam que eu desistisse de tudo. Minha casa, minha
vida e tudo o que eu prezava. Faz dois meses. Desde então, eu
venho tentando encontrar uma forma de evitar ir.
— Entrei em pânico na manhã em que partimos de Gibraltar. O
Pastor Brown pressionou meu pai a permitir que compartilhássemos
a cabine, e meu pai concordou. Eu sabia que se eu não pulasse,
talvez eu já estivesse grávida quando chegássemos à Serra Leoa.
Ao chegarmos, não sobraria nada para mim a não ser me tornar
esposa dele.
Hattie sentiu náuseas. Não era o movimento do navio. Ela
vislumbrou a vida que decidiram que ela teria, e soube que seria
uma vida de miséria e solidão.
Ignorando os protestos, Will a puxou para um abraço e a
segurou com força. Ela sentiu a ternura e o conforto desse abraço.
Seu coração esperava com desespero que alguém enfim a
entendesse.
— Muito obrigado. Sei que foi preciso uma enorme coragem para
me contar. Obrigado por confiar em mim o bastante e enfim me
permitir ter compreensão.
Capítulo Onze
Will acordou várias horas mais tarde. Ele e Hattie ainda estavam
entrelaçados. Em algum momento da noite, ele conseguiu jogar
alguns cobertores sobre os corpos nus dos dois. Hattie estava
quente. A respiração suave lhe disse que ela estava dormindo
levemente.
Ele se inclinou e deu um beijo terno na base do pescoço dela.
Ela se mexeu.
— Olá. — ele murmurou.
Hattie rolou e sentou-se. Os cobertores caíram, revelando seus
seios. Seu olhar foi atraído para seus bicos como rosas. No ar frio,
logo se tornaram pequenos brotos duros. Will sentiu o pau se
contorcer. Ele a queria de novo.
Ele a puxou e a beijou. Ela respondeu com naturalidade,
devolvendo o beijo com igual ternura e fome.
Quando eles enfim interromperam o beijo, ele viu os sinais de
um leve inchaço no lábio inferior dela. No calor do amor apaixonado
de mais cedo, ele mordeu o lábio dela.
Não seja um patife.
Eles já haviam feito amor esta noite, apenas um homem egoísta
pediria a uma mulher inexperiente para tomá-lo dentro dela mais
uma vez tão logo. Ele esperaria que Hattie viesse até ele quando
desejasse o corpo dele mais uma vez. Ele levantou o cobertor de
novo e envolveu-o em torno dela.
— Não vai querer pegar um resfriado, meu amor.
Hattie estendeu a mão e tocou-o no peito. Os dedos roçavam os
pelos finos e pretos em seu tronco superior.
— O que são? — ela perguntou.
Ele sabia que indagações acerca das tatuagens dele acabariam
por vir. Tatuagens não eram nada que as jovens solteiras costumam
ver, nem mesmo saber que existem. No entanto, eram comuns entre
os homens da nata social na Inglaterra.
Na França, apenas os dotados de extrema ousadia, ou aqueles
que viviam fora da lei, eram tentados a marcar os próprios corpos
com tinta. Yvette ficou indignada quando Will lhe mostrou a
tatuagem no ombro direito, pensando ter sido enganada, de alguma
forma, a se casar com um criminoso.
A tatuagem no ombro direito dele era de um cavalo rampante
com uma coroa acima, e abaixo do animal, três estrelas de quatro
pontas. Ele observou os dedos de Hattie traçarem o contorno das
marcas da tatuagem.
— O brasão Strathmore. Fiz em memória ao meu avô materno.
Eu teria um para a família do meu pai, mas sendo francês, meu pai
ameaçou me renegar se eu ousasse marcar o brasão da família
dele no corpo. — ele disse.
Ela tocou a pequena rosa tatuada em preto em seu outro ombro.
— E esta? — ela perguntou.
Will limpou a garganta. Ele não falara de seu estado civil até
agora, permitindo que Hattie presumisse que ele jamais se casou.
Informar as pessoas de que ele era viúvo, tendia a conversas
embaraçosas. Com Hattie, era algo que ele não podia mais
esconder.
— Essa é por minha esposa. Yvette. Ela morreu.
Hattie retirou a mão. Fez menção de se afastar, mas Will a
impediu. Yvette era parte de quem ele era, e Hattie precisava
entender.
Ela seria esposa dele pelo resto da vida, mas precisaria chegar a
um acordo com o fato de que Yvette conquistou o coração dele
primeiro.
— O que aconteceu com ela?
Ele havia praticado a mentira para a morte de Yvette por tanto
tempo, que às vezes quase se esquecia a verdade.
— Ficou doente, e os médicos não conseguiram salvá-la. — ele
respondeu.
A mentira era melhor do que tentar explicar como uma operação
nas ruas fora do Grande Arsenal de Paris deram terrivelmente
errado, resultando na morte de quatro agentes britânicos e de dois
apoiadores da monarquia francesa. Ninguém da sociedade educada
precisava ouvir como Yvette foi esfaqueada por um assassino e
deixada para morrer à beira do rio Sena.
— Lamento muito.
— Obrigado.
Ele se moveu para a parte de baixo da cama e sentou-se
recostado à parede. Ele estendeu a mão para Hattie, sorrindo
quando ela veio até ele. Ela se deitou nos braços dele com a cabeça
apoiada no peito dele.
Haveria tempo suficiente no futuro para falar do passado. Para
revelar, aos poucos, a verdade da vida que ele levou.
Eles se sentaram juntos em silêncio e observaram, através da
janela, os primeiros raios do sol da manhã anunciarem o
amanhecer.
Capítulo Quinze
C omo todas as coisas boas, Hattie sabia que seu tempo com Will
acabaria. Ela havia se concedido essa indulgência. A noite entre
eles foi tudo o que esperava que fosse, e muito mais. Will era um
amante apaixonado, terno e generoso. Mostrou prazeres além da
imaginação dela.
Agora, ela sabia o que uma mulher poderia experimentar com
um homem. Se amor estivesse em seu futuro, ela só entregaria o
coração a alguém que pudesse fazê-la se sentir como Will a fez
sentir-se.
Estavam perto do fim da longa jornada para casa. O Canis Major
seguia lentamente pelo Canal da Mancha. A bombordo, a costa
inglesa já estava à vista. Se tudo corresse bem, atracariam em
Londres no início da manhã seguinte.
Esta noite, seria a última noite deles juntos. Um último dia
vivendo a fantasia de ser a mulher de Will.
Assim que atracassem, ela voltaria à antiga vida. Voltaria a
ajudar as pessoas que tanto precisavam dela. Ela tentou colocar as
lembranças dos amigos no fundo da mente, sabendo não haver
nada que pudesse fazer até chegar a Londres. Agora, quando o
navio se aproximava da foz do rio Tâmisa, ela começava a se
perguntar o que encontraria ao retornar.
— Perdida em pensamentos de novo? — sussurrou Will.
Ela abandonou suas reflexões. Ela e Will estavam deitados na
cama, nus e nos braços um do outro. A longa tarde fazendo amor
terminava.
— Apenas pensando no que acontecerá quando voltarmos a
Londres. — ela respondeu.
Quando Will colocou um beijo quente em sua nuca, Hattie
estremeceu. O ar do navio estava, pouco a pouco, ficando mais frio
pelo avanço ao norte.
Ela desceu da cama, de repente, precisando colocar distância
física entre eles. Pegando as roupas, ela começou a se vestir. Hattie
tentou ignorar o sopro de decepção de Will quando ela o deixou. Will
saiu da cama e começou a se vestir.
— Eu esperava podermos discutir esse assunto hoje, embora
pudéssemos muito bem ter ficado na cama para o fazer. — Will
disse.
Hattie se apressou a amarrar as fitas na frente do vestido,
apesar da sensação de mau presságio que se apoderava dela
devagar. Quando Will se aproximou e segurou suas mãos, ela lutou
para encontrar seu olhar.
Não diga as palavras.
— Deve ser uma questão simples a de convencer seu tio acerca
da necessidade de nos casarmos. Após termos a permissão dele,
iremos para a casa de meus pais e os informaremos de nossas
boas novas. Tenha certeza de que minha família amará você.
Minhas irmãs ficarão encantadas com a minha escolha de nova
esposa. Estou certo de que ficará amiga de Eve e Caroline com toda
a pressa. Francis será como um filhotinho, ansioso para fazer o que
você mandar.
O coração dela afundou. O que Will diria quando descobrisse as
mentiras dela? Que seu tio Felix não estava em Londres. Não só
isso, nem mesmo na Inglaterra ele estava.
— Não creio que devemos nos apressar. — ela respondeu.
Will rosnou.
— Acredito que tempo é essencial. Você e eu temos
compartilhado a cama pela maior parte das duas últimas semanas.
Perdi a conta de quantas vezes já se entregou a mim. Pode estar
grávida.
As palavras dele a fizeram retesar. Não havia considerado o
risco de gravidez. Decerto demorava mais de duas semanas para se
engravidar. A esposa do irmão ainda não engravidou, apesar dos
seis anos de casamento.
— Não me sinto grávida. Com certeza, eu saberia se fosse o
caso. Então, como disse, podemos esperar. — ela respondeu.
O olhar no rosto de Will mostrava que ele não se sentia feliz com
a direção da conversa. Ele falou de casamento, e em vez de jogar
os braços ao redor dele e aceitar a proposta, ela estava recusando a
proposta, pedindo tempo.
Hattie pegou o casaco de Will, decidindo que uma volta no
convés poderia ser o mais sábio neste momento.
— Aonde vai? Não terminamos. — ele disse.
Ela endireitou a coluna e encontrou o olhar dele. Se ela não se
mantivesse firme, ele a obrigaria a fazer o que ele mandasse. Ela
colocou o casaco e se dirigiu para a porta.
Will estendeu a mão e a segurou pelo braço enquanto ela abria a
porta da cabine.
— Fique. Precisamos resolver isso. Não entendo por que diz que
devemos esperar. É quase como se estivesse dizendo não.
— Solte-me. E eu estou dizendo não. Não vou me casar com
você Will. — ela respondeu.
Ela saiu para o convés. Will a seguiu de perto.
— Não! O que quer dizer com não?
Hattie puxou o casaco para mais perto de si e continuou
andando. Will a alcançou e a agarrou pelo braço com firmeza. Ela
sabia que ele não fazia por mal, mas seu aperto estava um pouco
mais intenso do que o necessário.
— Ai! Está me machucando! Solte-me!
Ele suavizou a pegada, ainda segurando o braço dela. Nos olhos
dele, ela viu confusão e mágoa.
— Volte para a cabine. — ele implorou.
A última coisa que queria, era estar sozinha com Will. Ele era um
homem desacostumado a ouvir não, portanto, faria tudo o que
pudesse para dobrá-la à vontade dele.
— Solte-me. — ela exigiu.
O olhar dele subiu, focando em algo acima do ombro dela. Hattie
virou-se e viu boa parte da tripulação do Canis Major, trabalhando
no convés. Todos haviam parado suas tarefas e estavam
observando o desenrolar da discussão com grande interesse.
Lembranças dos comerciantes no mercado de Gibraltar vieram à
mente. Will conversou com a multidão e os conquistou. Ela poderia
fazer o mesmo?
Após tudo o que ele fez por ela, Will não merecia o que estava
por vir. No entanto, ele a havia encurralado tanto que ela não via
outra saída.
Desculpe-me.
— Não pode me obrigar a me casar com você! Sei que só me
quer pelo meu dote. Você é cruel e egoísta. — ela choramingou.
Um olhar de horror apareceu no rosto de Will.
— Não faça isso, Hattie. Esses homens não são simples
feirantes. — ele implorou.
— Não. Não, não vou mais ficar em silêncio. Quando chegarmos
a Londres, vou dizer ao meu tio exatamente o tipo de homem que
você é, seu monstro.
Todo o movimento no convés parou. A tripulação pareceu
fascinada com o desenrolar do drama.
Hattie se afastou do aperto de Will. Ela cambaleou em direção à
tripulação, fazendo seu melhor para se levar às lágrimas. O primeiro
imediato estendeu a mão e colocou um braço reconfortante em
torno dela.
— Tudo bem, senhorita, não vai se machucar. — ele disse.
Will, as mãos fechadas em punhos apertados, marchou. A
respiração era pesada, a postura reta. O mestre da ilusão estava
sendo esmagado em seu próprio jogo, e ele estava lívido.
— Senhores, estão sendo enganados por esta jovem mulher.
Agora, se a deixarem vir, ela e eu podemos voltar para a nossa
cabine e resolver esse assunto em particular. — ele disse.
Hattie se inclinou mais perto do primeiro imediato. Ela conseguiu
dar um soluço para efeito adicional.
— Sr. Saunders?
Quando Will se virou, Hattie avistou o capitão do navio. Os
acontecimentos no convés ganharam a atenção dele.
— Minha noiva e eu estamos tendo um pequeno
desentendimento. Lamento que ela tenha perturbado sua tripulação
e tenha interrompido o trabalho de todos. — explicou Will.
Will era um homem inteligente e melhor do que ninguém para se
retirar de qualquer situação. Hattie também sabia que o capitão
gostava dele. Nos últimos dias, ela e Will passaram bastante tempo
na companhia do velho marujo prestes a se aposentar. Em várias
ocasiões, os dois jantaram na cabine do capitão.
Como Will havia julgado a situação na cidade, Hattie sabia que
as apostas eram altas. Ela precisava estar à altura da ocasião.
— Desentendimento? Espere até que meu tio saiba das coisas
terríveis que fez comigo. Mostrarei os hematomas. Ele o verá pelo
bruto perverso que é, me salvará de você.
Ela enterrou o rosto no ombro do primeiro imediato e chorou alto.
— Ajude-me, eu imploro!
Dois outros membros da tripulação foram parar atrás do primeiro
imediato em uma clara demonstração de solidariedade.
— Isso é uma farsa maldita. — Will disse.
Hattie sentiu a mudança no humor. Will havia xingado na frente
de uma jovem. A dúvida de quanto cavalheiro ele era estaria agora
nas mentes da tripulação. Ela sentiu a vitória.
— Sr. Saunders, sugiro que você e eu nos retiremos para a
minha cabine. A moça pode se refugiar na de vocês até que tudo se
acalme. — o capitão pediu.
Hattie agarrava-se com firmeza ao primeiro imediato. O olhar de
medo logo substituído por esperança nas palavras do capitão.
Will encarou Hattie por um bom tempo. A mandíbula estava
tensa. Por fim, ele relaxou os dedos, abriu os punhos e se afastou.
— Vejo que não terei um julgamento justo aqui no convés.
Will seguiu o capitão até a cabine. O primeiro imediato
acompanhou Hattie de volta à sua cabine.
— Ficará bem, senhorita?. — ele perguntou, abrindo a porta.
Ela enxugou o rosto, afastando as lágrimas fingidas. Ela
esperava que ele não notasse a roupa de cama desarrumada,
evidência da atividade em que ela e Will fizeram naquela tarde.
— Não sei. Ainda falta um dia inteiro antes de atracarmos em
Londres. Quem sabe que mentira ele contará ao capitão para ter o
apoio dele. Temo o que o Sr. Saunders fará a seguir.
— Existe algo que os meninos e eu poderíamos fazer para
ajudá-la?
Hattie pensou por um instante. Ela fazia acordos regulares com
os mercadores em Covent Garden ao tentar garantir restos de
comida para a igreja paroquial. Ela sabia que as pessoas estavam
mais abertas a ajudar os outros se pudessem ver estarem tendo
algo em troca. Os comerciantes mãos-de-vaca ficavam felizes em
entregar legumes podres se seus nomes fossem lidos na igreja
todos os domingos, a benevolência em exibição para todos verem.
Além de se oferecer, o que não seria uma opção em nenhuma
circunstância, Hattie considerou o que mais a tripulação poderia
querer.
— O senhor tem uma senhora o esperando em Londres? — ela
aventurou-se.
Ela estava com uma mala cheia de vestidos e produtos de
higiene pessoal que Will comprou para ela. Embora os vestidos não
fossem do estilo correto para as senhoras da alta sociedade, eram
de excelente qualidade. Qualquer marinheiro esperto saberia que
encontraria uma recepção extra calorosa em casa, após a longa
viagem marítima, se trouxesse presentes.
— Há uma bela moça à minha espera. — ele respondeu.
Hattie sorriu.
— Então, acredito que podemos nos ajudar.
Capítulo Dezesseis
Will,
Você e eu vivemos em mundos diferentes. Por
favor, saiba que eu nunca quis mentir para você, e
estarei para sempre em sua dívida. Eu o amo de
todo o meu coração, nosso tempo juntos foi um sonho
que se tornou realidade, mas deve me deixar ir.
Eu te amo
Hattie
— W illiam!
Will baixou a mala.
O lacaio que abriu a porta da casa da família Saunders na Rua
Dover logo se moveu para o lado quando Caroline Saunders se
lançou contra o irmão mais velho. Ela lançou os braços ao redor de
Will e o abraçou com uma determinação deprimente. Ele gemeu
quando sentiu o ar ser forçado para fora dos pulmões e corpo:
— Senti sua falta. Onde esteve? Seu baú chegou ontem. Mamãe
está tão chateada. Por que não voltou para casa?
As palavras de Caroline choviam, ela nem se preocupou em
parar para respirar. A volta de Will para casa nunca seria tranquila.
Sua primeira recepção em casa, no início do ano, foi marcada por
lágrimas e longos abraços emocionados de todos os lados. Quando
voltou para casa em maio, já fazia quase cinco anos desde que
deixara a Inglaterra. Até mesmo o irmão Francis, um jovem
conhecido pela falta de exibição emocional, mostrou-se, e nas
palavras do próprio rapaz, um caos choroso.
Agora, ele estava de volta de vez.
Enquanto seu pai afastava Caroline do irmão com um puxão
gentil, ele e Will compartilharam um sorriso. Will ofereceu a mão ao
pai, que foi logo aceita quando Charles Saunders puxou o
primogênito para o próprio abraço de boas-vindas.
— É tão bom tê-lo em segurança em casa mon fils, tão bom. —
ele disse.
— Estávamos esperando sua chegada ontem. Mamãe enviou
missivas para metade de Londres exigindo saber onde você estava.
— Caroline observou.
Will encolheu os ombros, não fazia sentido entrar em detalhes.
— O navio foi detido no Canal da Mancha devido ao mau tempo.
Eu precisava fazer algumas coisas ao atracarmos e, quando
terminei, já era tarde. Passei a noite na casa de Bat e Rosemary. —
ele respondeu.
Ele se sentiu obrigado a explicar as circunstâncias plenas da
viagem de volta à Inglaterra para o pai, mas não era a hora. Agora
deveria permitir que os pais e irmãos se alegrassem pelo retorno
dele. Abraçar o início dessa nova vida em Londres.
— Mamãe está fora? A casa está muito quieta. — ele
questionou.
Ele não ouviu nenhum grito animado da mãe, o que conhecendo
Adelaide Saunders era muito incomum.
Caroline revirou os olhos, ação que recebeu um olhar de
desaprovação do pai.
— Estão na Residência Rosemount fazendo uma visita à
Condessa Rosemount. — o pai respondeu.
— Nossa querida irmã, Eve, colocou naquela cabeça confusa
que quer se casar com Freddie Rosemount. Ideia idiota se me
perguntar. — Caroline disse.
Eve estava apaixonada? Will fez uma pausa, surpreendido por
esta revelação inesperada. Em nenhuma linha em toda a
correspondência regular de Eve ela confidenciou tais sentimentos.
Seria decepcionante se a irmã se casasse e saísse da casa da
família logo após o retorno dele. Ele presumira que, ao menos nos
próximos anos, ele conseguiria ver toda a família sempre que
visitasse a casa. O noivado iminente de Eve foi um lembrete nítido
de que, nos anos ausentes, o irmão e irmãs haviam se tornado
adultos.
Eve, sempre pensando no irmão, obviamente decidiu não contar
a ele tal felicidade futura. Não enquanto pensava que ele ainda
estava de coração partido pela perda de Yvette.
Em questão de meros meses atrás, ela estaria perto da verdade,
mas a vida dele mudara. Uma visita recebida em Paris, no final do
verão passado, da prima Lady Lucy Radley e do marido dela, Avery
Fox, abriu os olhos dele para a possibilidade de encontrar o amor
mais uma vez.
Os dias passados com Hattie fizeram com que essa ideia agora
parecesse real. O fantasma de Yvette o libertava. Empurrava-o para
a felicidade que ele sabia que a falecida esposa desejaria, com todo
o coração, que ele buscasse.
— Bem, espero que ele a mereça e a faça feliz. — respondeu
Will.
Caroline ergueu uma sobrancelha. Ela estava com quinze anos
quando Will partiu. Nos anos seguintes, Caroline floresceu,
tornando-se uma beldade deslumbrante. No entanto, a maturidade,
às vezes, parecia não acompanhar a aparência. Com sorte, ele
ainda teria tempo de vê-la crescer e se tornar uma jovem sensata,
antes que ela também caísse nos braços de um amor.
— Não vou sair do seu antigo quarto. É meu! — uma voz berrou.
Will olhou para cima para ver o irmão mais novo, Francis
acenando para ele do alto das escadas. Ele as desceu apressado
para cumprimentar Will. A saudação consistiu em vários golpes
amigáveis nas costas de Will e um aperto de mão esmagador de
ossos.
Francis estava com cerca de 1,70m de altura quando Will, que
tem 1,80m, partiu pela primeira vez. Agora, com bem mais de
1,90m, Francis eleva-se acima do irmão mais velho.
Will colocou uma das mãos na nuca, fingindo desconforto.
— Está nevando aí em cima? — ele brincou.
Francis, que possuía chocantes cabelos quase brancos, riu.
— Muito engraçado. Não posso fazer nada se você é um
tampinha. Você deve ter se misturado bem com todos aqueles
franceses baixinhos. É de se perguntar como nunca o descobriram.
Will riu. Quem quer que começou o boato em torno da baixa
estatura dos franceses nunca viveu em Paris.
— Vamos, deixe seu irmão se acomodar e então poderá
provocá-lo o quanto quiser. Ele não vai a lugar nenhum. — Charles
disse.
Will notou o tom feliz na voz do pai. Era bom estar em casa com
a família mais uma vez.
No quarto, mais adiante no mesmo corredor do quarto antigo,
Will esvaziou o conteúdo da mala e guardou tudo na cômoda. Ao
fechar a gaveta, seu olhar se fixou na parede.
O mesmo papel de parede familiar cobria as paredes deste
cômodo. Listras vermelhas, brancas e azuis cobriam a maior parte
do padrão. No meio, havia uma faixa com uma rosa vermelha e uma
flor-de-lis dourada entrelaçadas. Significava a união da Casa
Escocesa de Strathmore com a Casa Francesa de Alexandre.
Charles Alexandre, mudou o nome de família para Saunders não
muito tempo após o banho de sangue começar em sua região de
origem, a Vendeia. O pai dele, François, foi um dos primeiros e mais
vigorosos apoiadores da Revolução Francesa. Então, vendo a
loucura que acabou por dominar sua amada nação pelas mãos de
Robespierre durante seu governo assassino, François voltou a ser
um monarquista. Após a Batalha de Savenay, que esmagou a
revolta na Vendeia com brutalidade, François Alexandre encontrou
seu fim sob a lâmina da guilhotina.
Após a morte violenta do seu pai, Charles deu as costas para
seu país de origem e tornou-se o mais inglês que pôde. Foi Will,
nascido e criado na Inglaterra, que acabou sucumbindo à atração da
Mãe França e prometeu ajudar a livrá-la de mais um tirano,
Napoleão.
Do lado de fora, na rua, Will podia ouvir o grito dos vendedores
ambulantes. Era estranho ouvir o sotaque do leste de Londres do
lado de fora da janela. Ele estava em casa, mas uma parte de seu
coração permaneceria para sempre em Paris.
Mais cedo naquela manhã, ele deu um passeio pela Rua Duke e
parou na loja de tortas mais próxima. O lojista lhe deu um olhar de
desaprovação quando Will respondeu à sua saudação matinal com
um educado bonjour. Assim, enraizado nos modos de vida
franceses, Will ainda pensava com frequência na língua materna de
seu pai.
Caminhando até a janela, ele olhou para a rua. Larga e com
pavimentação de pedra bem conservada, a Rua Dover era bem
diferente das ruas parisienses, minúsculas e estreitas, que ele
conhecia tão bem. As casas eram tão coladas que um homem ou
uma mulher de pés seguros, como no caso de Yvette, poderia
passar sem ser detectado pelos telhados. Muitas vezes, foi
exatamente isso o que fizeram para evitar as patrulhas regulares do
exército francês.
Ele estava ansioso para ver o resto da família, certo de que
alguns dias em casa o ajudariam a acalmar a mente. Bat assegurou-
lhe que, durante esse tempo, faria investigações sutis para descobrir
o paradeiro de Hattie Wright.
— Ela usou fatos o bastante na história para facilitar a busca,
basta seguirmos a trilha de migalhas. — o primo tranquilizou-o.
Capítulo Vinte
— S enhorita Hattie!
O guincho de uma menina soou pelo segundo andar da
casa alugada e suja na Rua Plumtree.
Annie Mayford se jogou nas saias de Hattie.
— Você voltou! Você voltou!
Hattie envolveu os braços com firmeza em torno da jovem
menina e deixou as lágrimas caírem. Durante semanas, ela só
conseguiu pensar nos Mayford, e em quão terrível a situação deles
seria desde a partida dela.
A Sra. Mayford, uma viúva de meia-idade, levantou-se com
dificuldade da frágil cama de madeira onde passava a maior parte
dos dias e deu um abraço em Hattie.
— Como está? — Hattie perguntou.
A Sra. Mayford assentiu devagar, o esforço necessário para falar
estava além dela. A batalha contínua contra a tuberculose e seu
curso fatal minava sua energia para todos, exceto os aspectos mais
vitais da vida. Ela comia pouco, e entre violentas crises de tosse
com sangue, dormia.
— Os meninos estão aqui?
Annie soltou as saias de Hattie e deu um passo para trás. O
rosto da menina foi de um de felicidade para um de raiva absoluta.
Ela levou as mãos em punhos aos quadris.
— Joshua e Baylee se tornaram perversos desde que foi
embora, se juntaram à gangue da Rua Belton. Estão com eles
agora.
Hattie e a Sra. Mayford trocaram um olhar de medo. A gangue
de Belton era uma das gangues criminosas mais violentas dos
cortiços de St. Giles. Joshua e Baylee morriam de medo da gangue.
Não fazia sentido. Ela não conseguia entender por que os dois
jovens gentis teriam se juntado a um bando de vilões e briguentos.
A porta do pequeno cômodo que servia como sala de estar e
cozinha da família Mayford se abriu, e Joshua Mayford a
atravessou. Ele carregava um pequeno saco em uma das mãos e
arrastava o irmão, Baylee, com a outra.
Ao ver Hattie, Joshua parou. Baylee bateu de frente com as
costas do irmão. O mudo Baylee, fez seu descontentamento
conhecido ao dar com o punho em Joshua. Ele, por sua vez, deu um
tapa forte no irmão.
— Sai de perto de mim, seu palerma.
O ato incaracterístico de violência, além das palavras duras,
pegaram Hattie de surpresa. Os irmãos Mayford costumavam ser
muito próximos. Era desnecessário dizer que Joshua costumava
proteger com unhas e dentes o irmão de mente atrasada, e Baylee
adorava o irmão.
— Baylee. Voltei. Vim vê-los. — Hattie disse.
Desde que conheceu a família, ela foi a única estranha que
Baylee já permitiu se aproximar dele. Ele confiava nela. Sempre que
ela vinha visitar a casa esparsa, ele a recebia de braços abertos.
Ela, em troca, sempre trazia uma maçã ou duas para ele.
Ela estendeu a mão para Baylee, mas ele balançou a cabeça.
Seu rosto estava contorcido de raiva. Lágrimas marejavam seus
olhos. Grunhiu com raiva para ela.
Annie se aproximou e pegou o irmão pela mão.
— Venha, tire o chapéu e sente-se comigo Baylee. Deixe-me
enxugar suas lágrimas. Não fique bravo com a senhorita Hattie. Ter
ido embora não foi culpa dela.
Hattie voltou o olhar para Joshua, que agora estava ocupado
esvaziando a sacola dele. Havia várias maçãs, duas cenouras finas
e um pedaço de carne seca. Era a maior quantidade de comida que
ela já viu entrar na casa dos Mayford.
— Bem-vinda de volta, senhorita Hattie. Nunca pensei que a
reveria. — Joshua disse.
Ele deslizou o boné da cabeça. Os belos cabelos castanho-
escuros que Hattie tantas vezes admirou, haviam sido raspados
rentes à cabeça. O corte deu-lhe um ar perigoso. Ele enfiou o boné
no bolso do casaco de lã preta suja e fungou.
— Nem eu. — ela gaguejou.
O coração dela batia no peito. Este não era o reencontro que ela
imaginava. A vida em Londres não parou no tempo em que ela se
foi. Ela limpou a garganta. Precisava de respostas.
— Sua irmã me contou que você e Baylee se envolveram com a
gangue de Belton. É isso mesmo? Pensei que os odiava.
Joshua a fixou com um olhar durão e jogou a sacola em um
canto mais próximo da porta. Ele chutou a porta para fechá-la.
— Bem, é a vida. Sem a comida que nos trazia todos os dias,
morreríamos de fome. Não houve muita escolha. Não é como se
existisse uma longa fila de senhoras finas, todas querendo entregar
comida para pessoas como nós. Pessoas como a senhorita são tão
raras quanto o ouro.
Ela uniu as mãos. O problema alimentar estava resolvido agora.
Ela estava de volta a Londres e poderia voltar a providenciar a
comida de que precisavam. Os meninos podiam se retirar da
gangue. Baylee poderia voltar a sentar-se com a mãe, e Joshua
poderia cuidar de Annie.
Ele leu a mente dela.
— Não se preocupe em me dizer que as coisas podem voltar a
ser como eram. Sabe tão bem quanto eu que não se pode apenas
levantar e ir embora, não se deixa a Gangue Belton assim.
Hattie sentiu-se nauseada. Entrar na gangue Belton era algo
para a vida, a morte a única saída. Ela rezou esperando pelo
melhor, com muito medo de pensar no pior cenário que poderia
saudá-la quando retornasse aos cortiços de Londres. Perder dois de
seus amigos para a gangue criminosa assassina foi de partir o
coração.
Joshua suspirou. Ele colocou um braço reconfortante ao redor do
ombro de Hattie.
— É bom vê-la de novo, Hattie. Não se culpe. Isso teria
acontecido mesmo se a senhorita não tivesse ido embora. A gangue
vem tentando nos recrutar há algum tempo. Precisei fazer algumas
escolhas difíceis, a fim de alimentar minha família. Entrar para a
gangue foi a mais difícil de todas.
— Por que você e Baylee estão brigando? Nunca ouvi você falar
com ele assim.
Joshua desviou o olhar, recusando-se a encontrar os olhos dela.
— Ele precisa ficar mais forte. Se não fizer isso, vai morrer. —
ele disse.
Annie começou a chorar.
— Eles fazem Baylee lutar. A multidão paga dinheiro para ouvi-lo
grunhir. A gangue o chama de Urso, e todos querem lutar contra o
Urso. — disse Annie.
Hattie sentiu como se tivesse levado um soco no estômago.
Bater na água após a queda do navio em Gibraltar não doeu tanto
quanto a revelação chocante de Annie. A gangue Belton estava
usando Baylee, um simplório, para ganhar dinheiro.
Joshua enfiou a mão no bolso e puxou um punhado de moedas
e as mostrou para Hattie. Eram poucas moedas, mas o suficiente
para cobrir o aluguel dos dois cômodos esfarrapados por várias
semanas. Nenhuma palavra foi trocada, mas ele saberia que ela
não o julgava pelo que estava fazendo. Joshua fazia o melhor que
podia para ajudar a família a sobreviver.
Hattie também não era tola a ponto de pensar que as situações
dela e a de Joshua eram iguais. Embora ela tenha sido forçada a
vender algumas das preciosidades da mãe desde que voltou, ela
teria opções. Ela poderia procurar o irmão, ou até mesmo Will
Saunders para pedir ajuda, se assim o escolhesse. Joshua Mayford
não tinha tais salvadores a quem recorrer.
— Acho melhor que vá embora. — ele disse.
Ele guardou as moedas no bolso. Hattie abriu a bolsa, pegou o
pão e as maçãs que trouxe e entregou a Annie.
Sem uma palavra, ela saiu.
Capítulo Vinte e Dois
— A situação é insustentável.
Hattie abriu os olhos e virou a cabeça na direção da voz. À
medida que o olhar ganhou foco, fixou-se na figura sentada em uma
cadeira ao lado da porta.
— Will? — ela disse, a voz ainda cheia de sono.
Ele se levantou da cadeira, mas ao fazê-lo, outra figura ali se
mexeu e chamou a atenção dela.
Sentada ao lado da lareira, a Sra. Little bocejou e se esticou.
Vendo que Hattie agora estava acordada, ela correu para a
cabeceira da cama.
— Como está, minha doce menina? Ficamos tão preocupados
quando Joshua a trouxe ontem à noite. Devo confessar que quando
a vi pela primeira vez, temi o pior.
Hattie tentou sentar-se reta na cama, mas uma pontada de dor
aguda em seu lado esquerdo, logo a fez decidir pelo contrário.
Colocando uma das mãos no peito, ela sentiu a maior parte das
ataduras enroladas em torno das costelas. Ela voltou a deitar-se na
pilha de travesseiros.
— O médico diz que contundiu pelo menos duas, talvez três
costelas. Levará alguns dias para o inchaço diminuir, e podermos
descobrir se alguma delas foi quebrada. Para ser honesto, nunca
achei que as quebradas fossem um problema tão grande, são as
contusões que sempre me deixam sem fôlego. — Will disse.
— Ah. — Hattie respondeu, lembrando-se dos eventos da noite
anterior.
As coisas na casa Mayford escalaram depressa. Em um minuto,
ela estava ajudando a Sra. Mayford banhando-a na cama, no
próximo ela estava face a face com o chefe furioso da gangue
Belton.
Membros da gangue acompanharam Joshua e Baylee até em
casa e decidiram que assistir à Sra. Mayford, uma inválida,
enquanto ela estava seminua era um bom esporte. Quando Hattie
pediu que respeitassem a privacidade da Sra. Mayford, seu campo
de visão foi logo tomado por vermelho e a boca se encheu de
dentes quebrados. O chefe da gangue da Rua Belton deu um
discurso aos berros, antes de atacar Hattie com punhos e botas
pesadas.
— Fiquei aborrecida por ele sentir que ele e seus bandidos
poderiam tratar a Sra. Mayford com tão pouca consideração pela
dignidade dela. O que não percebi, até ser tarde demais, era que eu
havia desafiado a autoridade dele com plateia.
Punhos a acertaram até que caiu inconsciente, sendo deixada no
chão. Com o fim do esporte de espancar uma mulher indefesa, a
gangue logo se cansou da casa dos Mayford e foi embora.
Quando Hattie recuperou a consciência, ela ficou de fato
surpresa ao descobrir ter sobrevivido ao ataque.
— Foi Joshua quem me ajudou a voltar para cá. Demorou algum
tempo porque eu continuava desmaiando.
A Sra. Little ocupou-se com o quarto, adicionando mais lenha ao
fogo e alisando as cobertas da cama. Após procurar qualquer outra
tarefa menor para ocupar seu tempo, ela veio ficar de pé, perto de
Will.
— Concordo com o Sr. Saunders, senhorita Hattie. Não pode
continuar assim, algo ainda mais terrível do que a noite passada
acontecerá com você sem a proteção da família. Há muitos neste
mundo que não apreciam seus excelentes esforços. — ela disse.
Will assentiu, em óbvio acordo.
Hattie fechou os olhos e desejou que ambos saíssem. A dor dos
ferimentos agora se infiltrava nos ossos. O corpo inteiro doía.
Quando um farfalhar de saias sinalizou a partida da Sra. Little,
Hattie abriu uma fresta em um olho.
— Não tem tanta sorte. Eu ainda estou aqui. — Will disse.
Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama.
— Quero que me ouça. Coloque seu orgulho teimoso de lado por
um segundo e pense na situação atual.
Considerando a dor que sentia, além das ataduras grossas,
Hattie teve pouca escolha além de se deitar e ouvi-lo. Ela levantou
os dedos das roupas de cama em aceitação silenciosa.
— Bom. — ele disse.
Will vasculhou o bolso da jaqueta e puxou um pedaço de papel
dobrado.
— Fiz uma lista enquanto estava dormindo.
Hattie gemeu em uma mistura de dor e nojo indisfarçável. Will
acenou uma dispensa a seus protestos.
— Primeira coisa. Entrarei em contato com seu irmão. Isso é
inegociável. Ao vivermos sob o mesmo teto sem acompanhantes,
fizemos o bastante para causar um grande escândalo.
Hattie franziu a testa. Ela pouco se importava com a sociedade,
e duvidava que fizesse qualquer comentário com o nome dela ou o
que ela fazia.
Will bufou.
— Pode não se importar com a própria reputação, mas eu tenho
uma para manter. Deus sabe o dano que os últimos acontecimentos
causariam às minhas chances de garantir um assento no
parlamento caso esse arranjo doméstico escandaloso se torne
público.
— E o resto da sua lista? — ela respondeu.
O que quer que ele tenha planejado, ela duvidava ser pior do
que lidar com Edgar.
Will amassou o pedaço de papel em uma bola apertada e jogou-
o na lareira.
— Na verdade, essa era toda a minha lista. Acredito que, assim
que seu irmão for informado de sua presença em Londres,
quaisquer outros planos que eu possa ter para você serão anulados
por ele. A partir daí, precisarei negociar com o Edgar. — ele disse.
Lágrimas quentes se formaram nos olhos dela. Um encontro com
o irmão estava fadado a acontecer, mas até agora somente ela
ditava a hora e o lugar. O sempre controlador Will, decidira tirar essa
decisão das mãos dela.
— Precisamos mesmo envolver meu irmão? Eu não poderia
apenas ir embora para algum lugar e enviar uma carta informando-o
da minha chegada segura? — ela ofereceu.
Will limpou a garganta.
— Precisarei de mais do que uma sugestão menos do que sutil
de “ficarei mais do que bem se partir sozinha” para me dissuadir de
falar com Edgar. Uma razão sólida e verdadeira talvez ajudasse em
sua causa.
A esperança dela se acendeu.
Se ela contasse para Will a causa real da divisão familiar, ele
poderia ser convencido da necessidade de encontrar outra solução
para o problema deles. Ao menos para ela, os arranjos atuais eram
mais do que satisfatórios.
Will era o inquilino perfeito. Ele mantinha a casa bem
administrada. A despensa estava sempre cheia de comida. E além
do desacordo contínuo no tocante à gata, Brutus, a harmonia
doméstica reinava. Ela era cem por cento a favor do status quo.
— Tudo bem, vou contar o que aconteceu entre mim e Edgar.
Após me ouvir, pode se ver mais inclinado a considerar me ajudar a
encontrar outra solução.
Ela fez alguns ajustes nos travesseiros e, em seguida, demorou
para ficar o mais confortável que os ferimentos permitiriam.
Enquanto isso, Will ficou em silêncio. Esperando.
Hattie o olhou bem nos olhos. Duas esferas quentes e
acolhedoras que a convidavam para se soltar e cair nelas. Ele deu-
lhe um sorriso encorajador.
Para sempre, ela marcaria esse instante como o segundo exato
em que ela percebeu com todo o seu ser que estava apaixonada por
Will. Pequenos lampejos de emoção vinham se agitando nela desde
aquele primeiro dia no mercado de Gibraltar. No navio, ela lutou com
bravura para não se apaixonar por ele. Contudo, ao olhar para Will,
tudo o que sentia por ele se fundiu em algo poderoso. Amor não era
mais um conceito, mas uma realidade inegável.
Ela desejou que ele a pegasse nos braços como naquele dia e a
beijasse mais uma vez.
Will ajeitou-se mais à frente da cadeira, as mãos entrelaçadas de
leve. Do lado de fora, a primeira luz do dia estava se rompendo. Via
de regra, Will não era um madrugador, então ela sabia que ele não
teria nenhum compromisso até mais tarde naquele dia. Ele agia
como se tivesse todo o tempo do mundo para ouvi-la, e ela ficou
grata.
Ele estava permitindo que ela tomasse as rédeas. Poderia ditar o
ritmo da verdade. Ela acolheu a confiança, sabendo que era difícil
conquistá-la após tudo o que disse e fez a ele.
— É uma longa história. — ela ofereceu.
— Não vou a lugar nenhum e nem você. — ele respondeu.
Hattie começou a rir do ridículo da situação, mas a gravidade
dos ferimentos nas costelas logo puseram fim à alegria. Ela se
perguntou se algum dia se sentiria inteira de novo.
Não havia mais nada a fazer a não ser contar a verdade e
esperar que ele entendesse.
Hattie seguiu Will casa adentro, para a antiga sala de estar do pai
dela. Will serviu um copo de conhaque para cada um. Ele se sentou
na cadeira oposta à dela e ficou em silêncio por um tempo.
— Por muitas razões, algumas delas remetem à segurança
nacional, não posso compartilhar a totalidade da história. Quando
nos casarmos, precisará aceitar que há algumas coisas do meu
tempo longe da Inglaterra, que eu nunca poderei compartilhar com
você. — ele disse.
Hattie ignorou a declaração teimosa quanto ao futuro casamento.
Não fazia sentido recomeçar essa discussão. Se eles não
conseguissem superar essas diferenças, não importa o que Will
exigisse, não haveria casamento.
— Durante a guerra, eu fui espião do governo britânico. Passei
três anos disfarçado em Paris, trabalhando para ajudar a derrubar
Napoleão. Após toda a confusão que ele fez tentando invadir a
Rússia, o governo britânico e seus aliados estavam esperançosos
de que a base de poder dele era fraca o suficiente para uma
tentativa de derrubada. Eu me ofereci para ir para a França.
Hattie permaneceu sentada, encarando o copo de conhaque. Ela
jamais acreditou completamente na história de que ele trabalhava
no ramo das importações, não correspondia ao que ela sabia dele
como verdade.
Ter sido um espião fazia muito mais sentido. A necessidade de
constante contato, de repassar os detalhes. A necessidade de se
sentar de frente para a porta. A necessidade de controle.
— Yvette era uma agente francesa, parte de uma equipe secreta
que trabalhava com vários governos estrangeiros, inclusive com a
Grã-Bretanha, para derrubar Napoleão. Eu a conheci pouco após
chegar à França. Sermos casados era uma boa fachada para nós.
Acabou que nosso casamento de conveniência se tornou real. Nós
nos apaixonamos.
O olhar dele permaneceu fixo no tapete. Uma linha profunda
marcando a testa. Hattie se perguntou se Will já havia tido essa
conversa com mais alguém.
— Ser espião é um jogo perigoso. Um movimento em falso e
você pode encontrar-se na extremidade errada de uma lâmina.
Yvette saiu sozinha para se encontrar com um informante.
Acabamos descobrindo que esse informante, na verdade, era um
dos agentes de Napoleão, e ele a assassinou.
Will fechou os olhos quando as lágrimas começaram a rolar
devagar pelas bochechas. Hattie permaneceu sentada, o instinto
dizendo-lhe que pena era a última coisa que ele precisava naquele
momento. Ela queria estender a mão e tocá-lo.
Ele enxugou as lágrimas.
— Ela era tão parecida com você que, às vezes, me tira o fôlego.
Fala de conhecer as ruas de Londres, bem, Yvette conhecia muito
bem as ruas e telhados de Paris. Ela era destemida, assim como
você. Nunca duvidei de sua bravura, Hattie. Mas há mais uma
característica que compartilha com ela que me mata de medo. Não
sente perigo até que seja tarde demais.
Hattie não poderia discutir com Will acerca desse ponto. Ela fez
algumas coisas tolas e quase não escapou delas. O espancamento
pela gangue Belton foi uma lição dolorosa de ser aprendida.
— No entanto, não sou ela. Não pode nos comparar em um nível
tão simplista. Ela era uma espiã, algo que vem com um conjunto
totalmente diferente de riscos do que o de trabalhar com os pobres
nos cortiços.
— No entanto, se eu ordenasse que você não fosse para a Rua
Plumtree, ainda iria, não iria? — ele a questionou.
Uma preocupação rastejou para a mente de Hattie. Será que Will
se culpava, de alguma forma, pela morte de Yvette. E daí surgia a
necessidade de ditar os termos da relação deles? Ela sentia
estarem perto da verdade. Ela decidiu apostar em fazer a pergunta
certa, mas temerosa.
— Onde você estava quando Yvette morreu? — ela perguntou.
Era uma pergunta cruel, e assim que as palavras deixaram sua
boca, Hattie desejou retirá-las, mas ela sabia que se não
abordassem esse aspecto da morte de Yvette, jamais teriam uma
chance. A pobre moça que sofrera uma morte tão terrível e
prematura ficaria para sempre entre eles.
Ela não sentia nada além de tristeza e luto pela jovem que nunca
conheceria, mas em algum lugar no fundo do coração, sempre
haveria espaço para Yvette. Compartilhavam um vínculo que
ninguém mais teria.
Ambas amavam Will.
Ele colocou a mão no rosto e ficou em silêncio por um longo
tempo. Hattie sentou-se, as mãos apoiadas de leve no colo, rolando
os dois polegares em um círculo infinito.
Will enfim se levantou.
— Existem eventos em sua vida que gostaria de poder voltar e
reviver? Momentos que, na época, não entendeu o significado
iminente, mas que mudaram sua vida para sempre? Eu revivi aquele
dia em minha mente mil vezes. Como nossas vidas poderia ter sido
diferentes se ela tivesse seguido ordens. Se, em vez de ficar
bêbado e acabar desmaiando em uma taverna qualquer a
quilômetros de Paris, eu tivesse ouvido meus instintos e ido para
casa, para garantir que ela faria como eu a instruí. Entretanto,
quando senti que algo terrível estava prestes a acontecer, já era
tarde demais para salvá-la. Ela já estava morta quando voltei para
Paris.
Hattie engoliu as lágrimas. Suas piores suspeitas foram agora
confirmadas. Will se culpava pela morte de Yvette. A culpa que ele
carregava, obscurecia tudo o que ele sentia por Hattie.
Ela precisava fazê-lo ver que amar alguém significava aceitar
suas falhas e erros. Também significava permitir que fizessem suas
próprias escolhas, mesmo que ele não concordasse.
Quando ela se levantou, seus olhares se encontraram. Ela se
manteve firme enquanto Will perscrutava seu rosto, o olhar de
súplica era de partir o coração.
— Obrigada. Não posso imaginar o quão difícil deve ser para
você, enfim, confiar em mim. Compartilhar a verdade. Agora que sei
o que aconteceu de verdade com Yvette, compreendo melhor sua
atitude para comigo. De certa forma, também sinto que a conheço
um pouco melhor agora. A missão de salvar o país significava muito
para ela, assim como meu trabalho com os pobres.
Ela estendeu a mão, ficou na ponta dos pés e o beijou. Quando
Will tentou aprofundar o beijo, Hattie se afastou.
— O que precisa acontecer agora, Will, é você fazer uma
escolha. Deve decidir se consegue viver com uma esposa que está
exposta ao perigo como parte de seu trabalho. Eu o amo, Will, o
faço com todo o meu coração. No entanto, nem mesmo por você, eu
desistirei do chamado de uma vida.
— T udo pronto?
Hattie deu um sorriso encorajador para Edgar.
— Sim. — ela respondeu.
Seu longo vestido branco ocupava um pouco mais da carruagem
do que ela esperava. A princípio, ela optara por um modelo simples
de vestido de noiva, mas Miranda a convenceu do contrário. Uma
mulher caminhava até o altar da Catedral de São Paulo para se
casar uma única vez na vida.
A multidão ao lado de fora da catedral quando a carruagem se
aproximou fez o coração dela batucar no peito. Ao sair para a
calçada, ela pôde ver muitos dos amigos que se afastaram da
família nos últimos anos.
De pé ao lado deles, estava alguém que ela agora chamava de
amigo. O Reverendo Severo Brown estava entre os simpatizantes,
as mãos calmas ao lado do corpo, segurando a amada Bíblia. Ela
soltou a mão de Edgar e foi até ele.
— Obrigada por vir. Significa muito para mim. — ela disse.
Ele beijou a mão dela.
— Ele é um bom homem, o seu Sr. Saunders. Escolheu bem. —
ele respondeu.
— Joshua pede desculpas por não poder vir ao seu casamento.
Ele não queria deixar a mãe, mas pediu para dar isso a você.
Ele abriu a bíblia e pegou um pedaço de papel dobrado, que
entregou a ela. Lágrimas se formaram nos olhos de Hattie, assim
que desdobrou o papel e viu o desenho simples de Annie, de uma
árvore e uma casa.
— O Sr. Saunders encontrou um lar para eles no interior. Em que
todos eles podem viver com segurança. A Sra. Mayford pode ser
feliz pelo tempo que lhe resta nesta terra por saber que a família
tem um futuro. Joshua será o aprendiz de um ferreiro local, e poderá
sustentar Annie e Baylee nos próximos anos.
Hattie dobrou o pedaço de papel e enfiou-o na manga do
vestido. Sabia que nunca conseguiria salvar todos os pobres de
Londres, mas ao ajudar a Família Mayford, ao menos uma família
teria um futuro melhor.
— Entrará para assistir a Will e eu nos casarmos? — ela
perguntou.
O Reverendo Brown olhou para a imponente magnificência da
catedral de São Paulo com uma careta. A capela da Paróquia de St.
John não era nada parecida com a maior catedral de Londres.
— Bem, creio que nada de desagradável venha disso. Além do
mais, está prestes a se casar com o sobrinho do Bispo de Londres,
talvez possa dizer uma ou duas palavras boas de mim.
Hattie pegou a mão de Edgar mais uma vez.
— Estou pronta para dar mais um salto para o desconhecido. —
ela disse.
De mãos dadas, o irmão a levou pelas escadas e para a catedral
até onde Will e uma nova vida a aguardavam.
Querida Harriet,
Seu pai e eu estamos aqui em nossa modesta casa de campo
em Freetown, abraçando-nos e agradecendo a Deus que esteja
segura e em casa em Londres. Sua carta foi o maior presente que
poderíamos ter recebido.
Filha, não precisa implorar nosso perdão por pular do navio,
somos nós que devemos oferecer nossas mais humildes desculpas
por tentar forçá-la a uma vida que estava tão claro que não queria.
O fato de se ver forçada a um ato tão perigoso, só nos mostrou a
profundidade de nosso fracasso como pais.
O luto que sentimos ao longo daqueles longos meses
acreditando que estava morta, nos fez questionar muitas escolhas
que fizemos. Por favor, acredite que, quando retornarmos à
Inglaterra, será com corações amorosos e a esperança de que você
e seu irmão possam encontrar nosso perdão em seus corações.
Escreveremos de novo em breve contando mais do nosso
trabalho e vida aqui, mas queria ter certeza de que este bilhete
fosse no navio que parte para a Inglaterra hoje.
Sua mãe e seu pai amorosos e muito aliviados.
PS: Também pode gostar de saber que Peter Brown se casou
com sua criada, Sarah Wilson. Eles formam um casal sensato e
adequado. Ele faz exatamente o que ela manda.
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O Duque de Strathmore
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