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Título Original The Lady's Guide to Escaping Cannibals Copyright © 2021 Emmanuelle de

Maupassant Copyright da tradução©2022 Leabhar Books Editora Ltda.

Tradução: Vanessa Rodrigues Thiago Revisão Soraya Defavari Gráficos: Victoria Cooper
Diagramação e Adaptação capa: Labellaluna Web®

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A V , I S
20 1899

A , brilhava ferozmente. O suor escorria de sua testa, mas o


capitão de Silva manteve a luneta firme.
— O que estamos fazendo aqui, Capitão? — Seu contramestre jogava
o fumo de mascar de um lado para o outro da boca. — Eu lhe digo, o lugar
é amaldiçoado.
Vários membros da tripulação se reuniram atrás deles no convés
central, ouvindo o que se passava entre o capitão e o Velho Tom.
Jorge entendia por que estavam inquietos. As águas eram sombreadas
por mais do que o vulcão da ilha em ebulição. Havia histórias sobre
Vanuaka — de selvageria, de magia de véu escuro, de morte.
Nenhum navio gostava de navegar muito perto — como se a mera
proximidade pudesse trazer mau-olhado.
Por que então estava ali? Jorge não tinha resposta, apenas um
sentimento.
Através da luneta, observou três gebos se lançarem — as canoas dos
ilhéus de Vanuaka, com seus toto isu montados na proa. Não havia como
confundir aqueles totens, com suas mandíbulas salientes e cabeças
alargadas, os lábios bem abertos para revelar dentes cinzelados tingidos de
vermelho.
Movendo-se rápido, não estavam pescando, nem transportando um
cadáver para a próxima ilha para o enterro, mas cortando a água como se
estivessem em perseguição. De quê, não sabia dizer. Mesmo os guerreiros
de Vanuaka não atacariam uma embarcação como a dele. Suas lanças e
flechas não eram páreo para pistolas.
A alguma distância, a canoa principal parou os remos e o ocupante da
frente se levantou, carregando uma única flecha em sua proa. Fazendo um
arco no ar, percorreu mil metros antes de atingir a água, a alguma distância
do Marguerite.
Um disparo de advertência?
Talvez.
Os ilhéus sentaram-se por um momento antes de pegarem seus remos
novamente. Virando o gebo, eles voltaram. Não havia mais nada para ver.
Seu intendente estava certo. Não tinha propósito trazê-los tão perto de
Vanuaka. Passando o lenço do pescoço nos olhos, Jorge deu a ordem.
— Oeste, Tom. Temos tempo sobrando.
— Sim, capitão. — Tom cuspiu o tabaco para o lado e deu sua
aprovação. — Baixar velas, rapazes. Olhar atento!
Ninguém precisava dizer duas vezes. Kofi e Aldrix já estavam na
metade do cordame, ansiosos para desfraldar a vela principal.
Jorge virou o rosto para o vento. Era justo, tudo bem; havia sido
imprudente em atrasá-los.
Caminhava para o arco quando o grito veio de cima.
— Adaro! — O jovem primo de Jorge, Afu, pendia do topo do mastro
principal, com o braço estendido, o corpo rígido. — Adaro! — Gritou
novamente.
Houve uma quietude repentina. Os homens cessaram seu trabalho,
lançando os olhos sobre a água.
Tom gritou de volta.
— É um golfinho, Afu. Desamarre as cordas e desça aqui.
— É adaro! — Os olhos de Afu estavam arregalados de medo.
Jorge voltou a erguer a luneta. O que seu primo estava vendo?
O mar estava cheio de mistérios. Ele testemunhou muitos que não
podia explicar para descartar totalmente a superstição, mas não acreditava
em adaro – aqueles espíritos malévolos do mar tentam enganar os incautos.
Com guelras atrás das orelhas, barbatanas e uma cauda em vez de pés,
dizia-se que eram mais peixes do que homens.
Jorge esquadrinhou as ondas.
Nada. Somente espuma. E algumas gaivotas sobrevoando a água.
E então apareceu por baixo, deslizando, a barbatana dorsal rompendo a
superfície.
Um tubarão cabeça chata.
— Eu vi isso, capitão. — Seu timoneiro, Erico, estava ao seu lado. —
Será uma boa refeição se pudermos arpoá-lo.
Jorge percebeu que estava prendendo a respiração. Quase riu.
E então eles ouviram o grito. Sobrenatural. Arrepiante.
Diante deles havia uma visão tão medonha que sentiu a bile subir na
garganta.
Viu o que não tinha percebido antes, que o tubarão carregava algo em
suas mandíbulas – um homem se debatendo para se libertar.
Outros também haviam visto, e Erico já pegava a besta. Afixando a
ponta da linha no calço do convés, apoiou a coronha no ombro e mirou.
— Senhor, salve-o! — O velho Tom se inclinou sobre a amurada. —
Nenhum homem deveria morrer assim.
Jorge lutou contra sua repulsa. Se Erico errasse o tubarão, esperava que
a lança atingisse o coração do homem. Melhor um fim rápido do que a
agonia de ser rasgado por dentes afiados.
A seta voou, chicoteando a linha atrás dela, curvando-se no ar, até que
chegou perto de seu limite e se esticou.
Havia encontrado seu alvo.

J o barco auxiliar sozinho para recuperar o pobre diabo,


deixando o tubarão para ser rebocado.
Um olhar lhe disse que não havia como se recuperar.
Seu torso estava profundamente perfurado onde o tubarão agarrou, mas
outro ferimento marcava o corpo: a haste de uma flecha, enterrada nas
costas do homem.
A mesma flecha que o guerreiro havia soltado? Jorge apostava cem
soberanos.
De cabelos louros e pele clara, o rosto virado para cima era o de um
europeu, ferozmente queimado de sol, o nariz e as bochechas descascando,
os lábios em carne viva.
Não havia sentido em dizer a ele que sobreviveria.
Seria uma mentira.
Melhor descobrir o que podia. O homem deveria ter uma família em
algum lugar, esperando por ele.
Jorge agarrou sua palma.
— Qual o seu nome?
As pálpebras do homem, vermelhas e inchadas, estremeceram
brevemente, mas não abriram.
— Irei dizer ao seu povo que encontrei você. Fale se puder.
Jorge manteve os olhos na boca do moribundo e inclinou a cabeça para
mais perto para captar qualquer coisa que pudesse dizer, mas ficou imóvel.
Ele estava longe demais; uma bênção, sem dúvida, pois estaria com
uma dor terrível.
Jorge olhou para a mão, frouxa dentro da sua. Os dedos eram longos e
elegantes, os menores adornados com um anel de ouro incrustado com um
pedaço de alguma pedra dourada. Topázio? Valia alguma coisa.
Se saísse facilmente, ficaria com ele. Caso contrário, deixaria onde
estava. Não tinha estômago para cortar o dedo do homem por causa de
algumas moedas.
Girando o anel, ele deslizou até a junta, revelando uma listra branca
embaixo. Jorge puxou novamente e o anel saiu totalmente. Supôs que
poderia também checar os bolsos do homem. Poderia haver algo mais de
valor.
Encontrou apenas um quadrado de papel, bem dobrado. Se fosse uma
carta, deveria conter alguma pista sobre a identidade do pobre coitado.
Abrindo-a, espiou o que restava. As bordas já estavam se
desintegrando, e a tinta havia borrado e aflorado, tornando o conteúdo
difícil de decifrar, mas não era uma carta.
Alguém havia feito um desenho — em forma de estrela do mar, com
uma colina no centro. Ele olhou de volta para a ilha, lembrando sua forma
nos mapas. Não uma colina, mas um vulcão, e os cinco braços eram seus
promontórios.
Um ponto de chegada foi marcado e, acima, um lugar para escalar —
mais ou menos como uma árvore ramificada.
Jorge franziu a testa. Foi isso que trouxe o estranho para Vanuaka?
Alguma ideia de tesouro, e esse era o mapa?
Se sim, então a avareza havia dado sua própria recompensa.
No entanto, Jorge sentiu-se inquieto. Independentemente de sua
intenção, dificilmente o homem se aventuraria ali sozinho.
Onde estavam seus homens e seu navio?
Alguém concordou em fazer papel de tolo ali.
De volta ao Marguerite, Afu ainda se agarrava ao cordame,
observando-o. Outros também olhavam — inclinados sobre a amurada.
Estariam se perguntando o que o detinha. Ou o homem estava vivo ou
ele estava morto. Se fosse o último, não teria propósito ficarem parados ali.
Com um suspiro, Jorge o ergueu sob os ombros. Quaisquer que fossem
seus pecados, um homem merecia alguns pensamentos gentis para segui-lo
até o túmulo. Por isso, falaria uma oração cristã; isso teria que fazer.
No entanto, quando a cabeça do homem se ergueu, carmesim
borbulhou de sua boca.
Inclinando-o rapidamente para o lado, dando ao homem a chance de
respirar, Jorge pressionou novamente.
— Quem é o seu povo?
A resposta foi um sussurro.
— Bath... she — O homem ofegou, se engasgando, tossindo mais
sangue no convés do pequeno barco. — Bahhhh. — Mais suspirou do que
falou, e um chiado baixo, expelido pelos lábios remendados, foi o último.
T F H , P M , N G B 12
1899

B abaixou na beirada da cama, passando o pano frio no rosto e


no pescoço. Ela deu um longo suspiro. Nunca se sentiu tão suja, com a
umidade escorrendo entre os seios e descendo pelas costas.
Era assim que o inferno era — ser eternamente cozida em um
ensopado de umidade tórrida?
Sebastian havia mencionado o calor, mas simplesmente não conseguia
imaginar. Agora, não precisava mais.
— Seu banho estará pronto em pouco tempo, m'lady. — Hattie
apareceu na porta da sala ao lado. — A água está bem limpa, e vou colocar
algumas gotas do óleo de hibisco que gosta.
Bathsheba sorriu em agradecimento. O que faria sem Hattie? A viagem
da Inglaterra teria sido muito desagradável sem sua fiel criada e
companheira.
Não que Bathsheba não se considerasse capaz. Nem se esquivava de
um pequeno desconforto.
A acomodação atual, por exemplo, arranjada por Sebastian, não era
nada luxuosa. Além da cama, havia apenas uma mesinha, com duas
cadeiras de vime para se sentar. No entanto, as duas janelas compridas, com
grandes persianas para fechar à noite, permitiam a entrada de muita luz e as
paredes eram lindamente pintadas de amarelo.
Sendo um quarto de canto, podia olhar tanto para o porto quanto para o
mercado, cheio de carroças puxadas por cavalos e mercadores vendendo
suas mercadorias — tecidos de cores vivas em pilhas oscilantes, uma
variedade de especiarias e frutas empilhadas. Parecia haver uma maré
interminável de clientes, e vendedores menores também — mulheres
carregando mangas e papaias empilhadas em cestas em cima de suas
cabeças, outras com bandejas de peixes ou ovos.
As janelas estavam abertas, permitindo que uma brisa suave agitasse os
véus mosquiteiros suspensos. Estando no andar superior, estavam um pouco
afastadas dos odores mais pungentes do porto e da rua, e os chamados dos
comerciantes subiam abafados.
As instalações no acampamento de seu pai provavelmente seriam ainda
mais primitivas, mas Bathsheba lembrou-se de que nada disso importaria,
apenas que finalmente se juntava a eles.
Ela telegrafou de Jacarta para confirmar a data aproximada da chegada
de seu navio e o hotel prometeu enviar uma mensagem ao acampamento,
em Vuru, algumas centenas de quilômetros abaixo da costa.
Seria apenas alguns dias antes de Sebastian buscá-la.
— Aqui, vamos ajudá-la a tirar essas roupas. — Hattie se moveu para
desabotoar o traje de viagem de sua patroa. — Em breve, se sentirá
revigorada. Um bom banho é exatamente o que precisa; então, poderemos
ver algo para comer.
Os dedos ágeis de Hattie trabalharam rapidamente, removendo todos
os empecilhos até que Bathsheba estava em sua camisa e calções.
Cuidadosamente, soltou o medalhão de prata de seu pescoço, que continha
o pequeno retrato de Sebastian.
— Vou descer e ver uma mesa. — Dando uma sacudida na saia e na
jaqueta, Hattie os colocou sobre um gancho largo que se projetava da
parede e dobrou a blusa sobre o braço. Era tão dedicada. Ela teria a camisa
lavada e pendurada para secar quase imediatamente. Não que Bathsheba
pretendesse vestir aquelas roupas novamente. Os vestidos de musselina que
trouxe seriam muito mais frescos. — E trarei chá quando voltar. É a melhor
coisa, dizem, mesmo quando está quente — Hattie tagarelava, claramente
sentindo-se muito mais enérgica do que Bathsheba.
Foi um alívio ouvir a porta se fechar. Por mais que apreciasse as
atenções de Hattie, Bathsheba ansiava por um pouco de paz e sossego.
Abaixando-se sob a água perfumada, Bathsheba fechou os olhos e
sentou-se em uma oração silenciosa pela generosidade do encanamento do
Fairfax.
A viagem durou semanas, e que jornada tinha sido.
Ela havia navegado apenas uma vez antes, quando tinha apenas cinco
anos, acompanhando sua mãe de volta à Inglaterra, voltando de Serra Leoa.
Esta viagem tinha sido completamente diferente. Com apenas Hattie
como acompanhante, teve tanta liberdade, até mesmo gerenciando algumas
excursões curtas em seus portos de desembarque. Atravessaram o Estreito
de Gibraltar e cruzaram o Mediterrâneo antes de chegarem a Port Said e ao
Canal de Suez. Fizeram a etapa final emergindo no Mar Vermelho e no
Golfo de Aden, passando pelo Ceilão e pelas Ilhas Filipinas, até Moresby.
Agora, lá estava ela, no lado oposto do mundo, e pronta para embarcar
na próxima etapa de sua aventura.
Deixar Biddingford tinha sido a decisão certa. Estivera à deriva desde a
morte de seu marido. O lugar que chamava de lar agora era do filho dele —
supervisionado por sua jovem esposa e preenchido com sua ninhada já em
crescimento.
O testamento de Lorde Asquith tinha feito provisão para ela, é claro:
um acordo financeiro de mais dinheiro do que jamais gastaria, e permissão
para ficar o tempo que desejasse em Biddingford Hall, ou em sua casa em
Londres. No entanto, sentira-se inadequada quase imediatamente, um
sentimento apenas consolidado por uma estada com a família de sua
falecida mãe.
Claro, ela tinha Hattie, e um grande número de primos, tios e tias: uma
multidão de pessoas ansiosas para aconselhá-la agora que estava viúva há
três anos. Conselhos que apontavam para uma única direção — para ela se
casar novamente o mais rápido possível.
Não parecia importar quem, contanto que se igualasse a ela em posição
social e financeira, alguém que a família pudesse aprovar. Mas já havia
percorrido esse caminho, e não trouxera felicidade, não mais do que trouxe
para seus próprios pais.
Supôs que sua mãe deveria ter sido arrebatada por seu pai, uma vez,
pois o casamento parecia um mau negócio. Ele vinha de uma longa
linhagem de acadêmicos, sem o tipo de renda que os manteria em grande
estilo em Londres e sem intenção de restringir seu trabalho por causa de
uma esposa. E, assim que se casaram, ele levou sua mãe para a Costa
Dourada da África Ocidental.
Qualquer que fosse o espírito aventureiro que habitasse sua mãe, fora
esmagado pelo calor e pelos insetos, pela falta de sociedade e, suspeitava
Bathsheba, pela indiferença do marido. Ela era completamente inadequada
para a vida que o pai de Bathsheba levava e, quando a menina tinha cinco
anos, sua mãe abandonara completamente a esperança e voltou para a
Inglaterra.
Como consequência, Bathsheba mal conhecera seu pai, suas viagens
para casa eram tão raras que o tornavam um estranho. Não tanto Sebastian,
que tinha sete anos na época do casamento. Entre os períodos em Eton e
Oxford, ele se juntava a Bathsheba e sua madrasta em Biddingford Hall.
Quando Sebastian se formou, seu pai passou de viver entre os Ashanti,
Fante e Ewe da Costa do Ouro, para fazer um estudo das tribos da Nova
Guiné, escrevendo algum estudo comparativo sobre a semelhança de seus
rituais e costumes, com Sebastian partindo para se juntar a ele.
Ela começou a procurar propriedades para aluguel de temporada em
Brighton e quase se conformou com a mudança quando a última carta de
Sebastian chegou — a primeira em meses. Parecia que estavam muito
ocupados. A força de seu pai não era mais a mesma, e Sebastian fora
encarregado de encontrar assistentes para seu trabalho.
A ideia veio a ela com tanta força que sentiu a sala balançar e girar.
As cartas de Sebastian a enchiam de admiração e inveja. Ela se
debruçava sobre cada detalhe, triste por nunca ver as coisas que ele
descrevia, nem experimentar as maravilhas daqueles lugares tão selvagens e
inexplorados.
Exceto, por que não deveria?
Não havia nada, agora, para detê-la.
Ela havia enviado um telegrama no mesmo dia e, dentro de um mês,
estava a bordo do S.S. Adelphine.
Emocionada e assustada em igual medida, não esperou por uma
resposta. Seu pai certamente encontraria alguma tarefa para ela realizar —
fazer anotações para seus estudos antropológicos ou ajudar a catalogar e
empacotar os artefatos que enviava para o Pitt Rivers Museum de Oxford.
Devia haver uma centena de pequenas maneiras pelas quais poderia
desempenhar algum papel.
E ela aprenderia!
Não poderia fazer contribuições mais significativas com o tempo?
Sentando-se, Bathsheba tirou o sabonete do prato. De repente, o calor
não parecia tão opressivo.
Nada parecia.
Algo maravilhoso e extraordinário estava prestes a acontecer, e não por
causa de um marido ou das conexões de sua família, mas porque ela mesma
estava fazendo isso acontecer.

V xale, Bathsheba afastou um dos mosquiteiros. A rua estava


mais silenciosa, exceto pelas gaivotas brigando por restos descartados e um
grupo de crianças brincando em cima do muro do porto. Estava mais frio
agora, com o sol mergulhando, mas ainda quente o suficiente para que não
tivesse pressa de se vestir novamente.
Hattie voltou com o chá e estava servindo uma xícara para ambas.
— Uma boa mistura perfumada e limão fresco fatiado para
acompanhar.
— Isso é adorável, Hattie. Exatamente o que eu preciso. — Bathsheba
se acomodou em uma das cadeiras de vime e tomou um gole.
— Não é tão ruim assim o lugar. O restaurante está decorado com
bastante capricho, com lustres e espelhos dourados, e toalhas apropriadas
nas mesas. E há um chef francês, de verdade!
Bathsheba sorriu em sua xícara. Hattie sempre era confiável para
descobrir o que era o quê.
— Agora, desfrute de seu chá, m'lady, pois irei preparar seu vestido de
seda rosa. Aposto uma nota de cinco libras que todas as cabeças se voltarão
para você esta noite.
— Realmente, Hatty. — Bathsheba deu-lhe um olhar de reprovação. A
garota estava sempre fazendo um estardalhaço sobre quem poderia cruzar
seu caminho, e se algum homem de aparência elegível poderia estar
olhando para ela.
Era muito constrangedor! Sem falar ridículo.
Bathsheba já tinha passado do seu vigésimo sétimo aniversário e um
casamento havia sido o bastante. Não que Lorde Asquith a tivesse
maltratado, muito pelo contrário. Ele a enchia de presentes caros e lhe dava
todas as coisas que as mulheres diziam desejar, mas, apesar da generosidade
material e gentileza de seu marido, Bathsheba encontrou o estado de
casada... lutou pela palavra certa entre tantas que surgiram para mente.
Insatisfatório era talvez a mais honesta.
Foi dito que o casamento era construído sobre respeito e compreensão
mútuos, e havia muito sentido nisso, Bathsheba sabia, então não deveria
importar que Reginald dificilmente visitasse seu quarto.
Mas seu descontentamento não resultou apenas de sua falta de
intimidade física.
Como esposa, imaginou maior liberdade, e ganhou isso, até certo
ponto, na administração de sua casa, mas essas liberdades não levaram a
lugar nenhum.
Participando dos mesmos eventos, encontrando as mesmas pessoas e
tendo mais ou menos as mesmas conversas, simplesmente o fizera em
vestidos mais caros e usando muito mais joias.
Na verdade, Bathsheba havia instruído Hattie a deixar suas melhores
roupas em Londres, junto com a maioria de suas joias.
Não haveria noites musicais elegantes nem soirées da sociedade para
participar na Nova Guiné, um fato que enchia Bathsheba de prazer absoluto.
Assistiu o suficiente dessas reuniões insípidas para durar uma vida.
De agora em diante, só seriam necessárias suas roupas mais práticas, e
nos tecidos mais leves, para se adequar ao clima a qual estavam chegando.
No entanto, uma vez a bordo do navio, Bathsheba descobriu um de
seus vestidos mais luxuosos dobrado dentro de seu baú. Seu adorno de
pequenas ametistas, costuradas ao longo do jugo e através do corpete, era
luxuoso demais, mesmo para os arranjos de jantar a bordo do S.S.
Adelphine, mas Hattie insistiu em não viajar sem aquele vestido.
— O Fairfax Hotel pode não ser o The Savoy, mas nunca se sabe quem
vai encontrar. Além disso, você fica muito bem nele, milady. — Hattie deu
uma fungada. — Ah! Quase esqueci! O simpático recepcionista da recepção
me deu isso... — Hattie tirou um envelope do bolso. Em letra rebuscada,
estava claramente endereçado “Lady Asquith”. — Foi deixado há algumas
semanas, quando seu irmão reservou os quartos para nós, milady.
Apressadamente, Bathsheba pôs de lado a xícara e pegou a carta.
Como Sebastian era bem organizado; é claro que deixou-lhe um
bilhete. Sem dúvida, continha as instruções para sua transferência para o
acampamento Vuru.
Abrindo o envelope, ela leu.

27 de julho de 1899

Querida B
Tanta coisa aconteceu desde a nossa última comunicação. Rezo para
que esta a encontre bem e chegue em segurança a Moresby depois de sua
longa viagem. Sabendo que já está no mar, deixo isso no Fairfax,
esperando que o encontre em sua chegada.
Há tanto para lhe contar, mas devo começar com a notícia mais triste
que qualquer irmão pode dar a sua irmã: que nosso pai passou para a
próxima vida há cerca de dez dias. A malária que contraiu quando jovem
sempre o atormentou, mas sua constituição enfraqueceu nos últimos meses.
Por favor, saiba que os últimos dias de sua doença foram rápidos e
sem dor, graças ao nosso pequeno suprimento de láudano.
Minha intenção é continuar seu trabalho, embora não em Vuru.
Um golpe feroz de sorte veio em meu caminho. Entre as muitas
histórias e superstições que registramos, há uma que não consigo tirar da
minha mente.
Talvez eu não tivesse vontade de atender a esse chamado se nosso pai
ainda precisasse de mim para seu próprio trabalho, mas sua morte traz
liberdade para explorar onde nenhum outro europeu se aventurou.
Começo minha própria jornada amanhã, para Vanuaka, um lugar
envolto em mistério, do qual os pescadores Vuru relutam em falar, e
nenhum barco me levará.
Assim, voltei a Moresby e encontrei uma tripulação disposta a zarpar,
levando-me com mais dois de nossa equipe Vuru. Mesmo assim, os homens
deverão me dar apenas uma semana, enquanto o barco permanece no mar.
Será suficiente, espero, descobrir algo dos moradores deste lugar remoto e
inexplorado, e dissipar o mito que outros temem.
Se eu puder criar um vínculo com os nativos, poderemos retornar —
você e eu.
Aconteça o que acontecer, devo estar de volta a Moresby antes do fim
de setembro, a tempo de sua chegada. No entanto, deixo esta nota, para
quem pode atestar o tempo, ou algum outro assunto que cause atraso.
Não falarei de outros desfechos, mas, se não voltar a vê-la, querida
irmã, por favor, entenda que um homem deve prestar atenção ao seu
coração, e o meu não pode descansar até que tenha se aventurado aonde
outros temiam ir.
Deixo uma quantia com o Fairfax, para fornecer-lhe acomodação e
comprar um leito de volta para a Inglaterra, caso eu não retorne.
Mas não desejo me deter em pensamentos tão sombrios.
As maiores aventuras ainda estão por vir, e minhas histórias serão
suas, quando nos encontrarmos novamente.
Seu, com amor Sebastian

Bathsheba ficou quieta por alguns momentos.


Seu pai morto? Como poderia ser?
Ele não sabia que estaria vindo? Não importa a doença, não poderia ter
encontrado forças para esperar por ela?
Todos esses anos, ele existira mais em sua imaginação do que na
realidade, mas estava prestes a mudar isso. Eles iriam se unir novamente.
Era para haver tempo.
E Sebastian.
Dissera que estaria lhe esperando também.
O que estava pensando, partindo sem ela? Deveriam estar juntos em
todas as suas aventuras.
Voltou ao início da carta: 27 de julho.
Mais de dez semanas atrás, e Sebastian havia prometido estar de volta
bem antes do final de setembro.
Sua mão tremia quando o papel caiu no chão.
Onde ele estava?
E , T F
H …

O do licor estava fazendo seu trabalho; depois de dois copos,


a dor em seu lado havia diminuído. Contanto que desse apenas respirações
superficiais, a dor era suportável. O álcool nunca resolvia nada, mas o fazia
se sentir melhor, e tinha sido um dia infernal.
Os homens de Goytacaz deram uns bons chutes em suas costelas assim
que o derrubaram, mas o pior foi que teve que ficar deitado e aguentar.
O navio em que embarcaram, indo para o lado alemão da Nova Guiné,
não carregava nem de perto tantas armas quanto a denúncia havia indicado.
Não o suficiente para liquidar a dívida de Jorge.
E ele teve apenas um breve adiamento para conseguir o resto.
Estava indo bem até que a rajada atingiu o leste de Cairns. Tinham
perdido o mastro principal e três tripulantes ao mar, sem falar nas
quatrocentas garrafas de brandy francês quebradas no porão.
Mancando no porto, vendeu o que restava do conhaque para pagar os
reparos, os deixando em uma posição impossível. Metade do lucro do
brandy ficou com o Sr. Goytacaz.
Jorge vinha fazendo pequenos trabalhos nos últimos três meses para
pagar o que devia, e as munições deveriam deixá-los em paz. E se não
conseguisse o dinheiro, perderia seu navio, e seria sua própria culpa.
Com raiva, derramou mais cinco dedos de Bourbon e os entornou,
estremecendo quando o licor lavou a fenda em seu lábio. Muitas pessoas
dependiam dele. Não apenas a tripulação, mas os ilhéus em Tukalu.
Além disso, aquele navio havia sido herdado por seu pai, e por seu avô.
Somente sobre seu cadáver que deixaria alguém levar o Marguerite.

—A rosa, Hattie, e não se preocupe com o espartilho.


— Mas, senhora, não é apropriado! — Hattie ficou espantada, de boca
aberta. —Não posso deixar que desça seminua.
Bathsheba dispensou seus protestos.
— Não tenho tempo para me preocupar com isso, Hattie. Agora, por
favor, apenas me ajude.
Enquanto Hattie procurava o vestido, Bathsheba vestiu roupas de baixo
limpas.
— Pode funcionar apertando. — Hattie franziu a testa enquanto a
sacudia. — Eu não estava esperando...
— Está bem. — Bathsheba vestiu as saias e virou as costas para deixar
Hattie lidar com os botões.
Não adiantaria entrar em pânico. Manteria a calma.

As pessoas não desapareciam assim, ou, pelo menos, não pessoas


como Sebastian.
Precisava apenas descobrir qual navio contratou. Se voltou, deve tê-lo
feito com ele a bordo. O mistério logo seria resolvido.
Alguém saberia, com certeza; e a ajudaria.
Descendo as escadas correndo, Bathsheba se apresentou na recepção.
Respirando fundo e lembrando-se de manter a calma, se forçou a criar
uma expressão agradável.
De sua cadeira, o velho recepcionista sorriu de volta, ajustando os
óculos no nariz.
— Boa tarde madame. Em que posso ajudar?
— Preciso descobrir algo... sobre navios que saem do porto... e quem
pode estar neles.
— Navios? — O recepcionista parecia preocupado. — Há muitos
navios.
— Sim, eu sei, mas... — Bathsheba cerrou os punhos em frustração.
Por onde deveria começar? — Preciso saber em qual navio meu irmão
partiu, cerca de dez semanas atrás.
— Seu irmão, ahhh... — O homem sorriu novamente, um olhar
indulgente em seu rosto. — É melhor perguntar a ele, não é? Pois saberá
qual era o navio.
— Não, você não entende. — Apesar do ventilador de teto acima
deles, Bathsheba sentiu uma onda de calor, fazendo sua cabeça latejar. —
Ele ainda está no navio. Pelo menos, espero que esteja. — Sua garganta
ficou grossa, tornando difícil de engolir, de modo que suas palavras saíram
meio estranguladas. — Eu... eu preciso descobrir.
— Há muitos navios. — O velho sorriu novamente, parecendo
confuso.
Bathsheba lutou contra o formigamento atrás de seus olhos.
Ela não iria chorar!
Haveria uma maneira de descobrir. Só precisava encontrar a pessoa
certa para perguntar. No porto, talvez. Haveria um capitão do porto, não?
Teria um registro dos navios entrando e saindo.
Mas não necessariamente os passageiros, nem os destinos.
A sala balançou, forçando-a a agarrar a borda da mesa.
— Está bem, madame? Parece que precisa se deitar. — O recepcionista
olhou para ela. — É o calor, provavelmente. Faz coisas estranhas ao
cérebro, esse calor.
— Sim... quero dizer, não. Não, eu não quero me deitar. — Bathsheba
engoliu em seco. — Eu ficarei bem.
O que uma pessoa deveria fazer nessas situações? O que ajudava? Ela
precisava de clareza.
Lorde Asquith jurava que uma dose de brandy restaurava os sentidos.
Brandy. É isso.
Reginald lhe dera um pouco depois que ela havia levado um tombo de
seu cavalo. Nada havia sido quebrado, mas ficou mole como geleia.
Bathsheba se sentia assim agora.
O hotel deveria ter brandy, ou algo parecido, certo? Ela se sentaria e
beberia uma dose, assim como Reginald a fez beber, e então organizaria
seus pensamentos novamente.
Dando passos cuidadosos, conseguiu cruzar o piso de mármore até as
portas de vidro da sala dos residentes. O relógio no vestíbulo soou seis
horas quando as abriu.
O crepúsculo caía, e o recinto estava quase escuro, suas cortinas de
veludo fechadas contra os raios ocidentais baixos e oblíquos.
Bathsheba piscou e olhou em volta.
Vários cavalheiros já estavam sentados, fumando seus charutos e lendo
seus jornais. Dois estavam jogando xadrez, mas olharam para cima quando
ela entrou.
Todas as cabeças se viraram em sua direção.
Mordendo o lábio, Bathsheba foi até um assento vazio. O que deveria
fazer? Um longo balcão de madeira polida se estendia por quase todo o
comprimento da sala. Atrás dele, havia uma série de garrafas e um barman
polindo copos. Ela não precisava se levantar e pedir o que queria. O
pensamento a encheu de pavor, ter todo mundo olhando enquanto pedia
bebida forte.
Deveria sair; pedir ao recepcionista para enviar algo para o seu quarto.
Mas a ideia de voltar para cima parecia pior do que ficar. Seria como se
esconder, e não tinha nada do que se envergonhar. Se os homens podiam
desfrutar de um copo de alguma coisa, por que ela não deveria?
Além disso, o brandy seria para fins medicinais.
Felizmente, foi poupada de mais dilemas pelo aparecimento de um
garçom, trazendo uma garrafa e quatro copos para um grupo de homens
jogando cartas.
Ao vê-la, se aproximou.
Bathsheba sentou-se muito ereta, obrigando-se a dizer isso, embora seu
pedido tenha saído abafado.
— Brandy, por favor.
— Claro; uma dose grande? — A voz do garçom era tudo menos
abafada. O homem sentado mais próximo definitivamente sorriu.
Bathsheba encolheu-se na cadeira.
— O que for de costume.
— Sim, senhora. — O garçom lançou um olhar avaliador sobre ela, seu
olhar demorando nas proximidades de seu seio, antes de se afastar, uma
sobrancelha levantada.
A audácia! Só porque não estava usando sua roupa de baixo!
Bathsheba se ergueu novamente, suas bochechas queimando. Isso não
a deixava desleixada, ou com a moral frouxa. Além disso, não interessava a
ninguém além dela mesma.
Era uma loucura amarrar-se em osso de baleia com a umidade que
estava. Deveria sentir-se desconfortável apenas para que outras pessoas não
fossem afetadas?
Para o inferno com isso!
Havia coisas mais importantes do que malditos espartilhos. Na
verdade, enquanto permanecesse na Nova Guiné, não haveria mais uso de
espartilho.
Quando o garçom voltou, ela lhe lançou um olhar desafiador, pegou o
copo da bandeja e bebeu o conteúdo em um grande gole.
Os efeitos foram imediatos. O fogo queimou em seu peito, fazendo-a
ofegar e tossir. Ela balançou a cabeça contra o choque, os olhos arregalados
de surpresa.
Reginald a fez beber devagar o brandy pela primeira vez. Agora sabia
por quê. Exceto que, era certamente animador. Uma risada estranha
borbulhou de dentro, fazendo-a tossir novamente.
— A senhora está bem? — O garçom estava olhando para ela
novamente.
— Perfeitamente, obrigada, e eu vou querer outro. Do mesmo
tamanho. — Ela sorriu com força para as costas dele, e ofereceu o mesmo
aos dois homens que olhavam por cima de seu tabuleiro de xadrez.
Um desejo terrível surgiu dela para colocar a língua para fora, mas o
esmagou rapidamente. Isso realmente seria ir longe demais. Tinha o direito
de não usar espartilho e de beber. Poderia até acender um charuto, se
quisesse, mas não havia desculpa para grosseria.
Crianças desobedientes mostravam a língua, não ladies do império
britânico – mesmo quando estavam lidando com situações de angústia
emocional aguda.
O brandy certamente estava fazendo com que se sentisse mais
corajosa, mais parecida com ela mesma, na verdade — ou com o que
deveria ser. Alguém que não deixaria esses homens de cara azeda
determinarem o que poderia fazer.
Dessa vez, quando o garçom voltou, Bathsheba olhou-o bem nos olhos,
inclinou-se para frente de forma conspiratória e fez a mesma pergunta que
fizera ao recepcionista: se havia alguém que conhecia as idas e vindas dos
navios do porto - alguém “com conhecimento”.
Eras atrás, lera um romance onde alguém disse isso e piscou. Ela
pensou em tentar e agitou um cílio, mas isso só fez seu nariz enrugar.
Rapidamente, tirou o lenço para esconder o estranho estrabismo.
O garçom parecia perturbado.
Droga. Ele realmente vai pensar que estou louca e me pedir para ir
embora. Bathsheba olhou desanimada para a bebida.
Mas o garçom não disse nada. E também não se afastou, exceto para se
inclinar ligeiramente e lançar os olhos para o fundo da sala. Bathsheba
apertou os olhos através da fumaça do charuto.
Curvando-se para limpar uma marca imaginária na mesa lateral, ele
murmurou algo.
— Silver? — Bathsheba prendeu a respiração. Ele queria pagamento?
Por que pediu prata em inglês? Isso era um pouco estranho, já que ainda
não havia contado nada a ela.
— Senhor de Silva — o garçom assobiou e sacudiu a cabeça. Não
havia dúvida de que estava indicando alguém do outro lado da sala. Alguém
sentado em um reservado em vez de uma poltrona, com apenas sua perna de
fora.
Uma perna de bota.
E, por um breve momento, um rosto escuro aparecendo.
— Oh, eu vejo. Muito bom, obrigada.
A piscadela realmente tinha funcionado.
Bathsheba acenou com a cabeça para o garçom e, um pouco vacilante,
ficou de pé. Levando o copo, caminhou pelo tapete macio do salão do
Fairfax Hotel. Os olhos julgadores ainda estavam sobre ela, mas ergueu o
queixo e fez o possível para parecer decidida.
Nada importava, exceto Sebastian.
Não lhe interessava quem fosse essa pessoa, mas se soubesse de algo
que ajudasse a encontrar seu irmão, tinha que falar com ele. Afinal, ela
tinha dinheiro — e dinheiro comprava informação.
Q que fosse, estava causando uma grande comoção.
Não que as camisas engomadas do Fairfax também estivessem
particularmente interessadas em tê-lo no meio deles, mas teve permissão de
ocupar a mesa do canto por conta de trazer uma boa quantidade de bebida
daquelas prateleiras elegantes. Esperava-se que se mantivesse sozinho
enquanto bebia, e isso lhe convinha muito bem. Não queria meter o nariz
onde funcionários do governo e empresários desonestos cuidavam de seus
negócios.
Mais um trago e planejava levar os seus problemas para a casa da
senhora Leonor. As garotas teriam que pegar leve, com suas costelas como
estavam, mas isso seria ótimo. Não era avesso a se deitar e deixar uma
mulher fazer o trabalho.
Antes que pudesse esvaziar seu copo, houve um estrondo de móveis
caindo no meio da sala e vozes levantadas, um dos engomadinhos, e a
anágua de aparência régia pedindo desculpas.
Que diabos?
Ela derrubou uma mesa, mas parecia ser sua própria bebida que saiu
voando.
Caindo no tapete, atrapalhara-se tentando encontrar quem sabe o quê,
erguendo seu delicado traseiro no ar, depois sentou-se de joelhos para
enxugar a virilha encharcada do homem com um guardanapo.
Jorge soltou um latido divertido e respirou fundo, segurando as
costelas.
Dolorido demais para rir. Não olhe.
Mas não pôde evitar.
O garçom, Carlos, tinha o braço dela enganchado sob o dele e estava
marchando com ela em sua direção.
Droga!
A senhorita poderia ser ruim para beber, mas isso não removeu a
expressão arrogante de seu rosto.
Ela era uma delas, tudo bem; sem dúvida relacionada a um dos altos
escalões que supervisionavam o Protetorado. Deveria ter fugido e com
problemas.
— Senhor, a senhora deseja falar. — Carlos não esperou que Jorge
respondesse, depositando-a diretamente no reservado, antes de partir
rapidamente.
Jorge fez uma careta. Isso era tudo que ele precisava.
Por precaução, empurrou a garrafa – ainda bem cheia – para o lado.
Tinha toda a intenção de esvaziar antes que a noite terminasse. Não seria
bom tê-la derrubada também.
O que quer que fosse, esperava que falasse logo, mas estava apenas
sentada, parecendo confusa, pálida, e com a cor aumentando em suas
bochechas.
Ela não era feia, agora que podia vê-la de perto. Rastejar pelo chão fez
com que algumas mechas caíssem dos grampos e lhe deu um ar levemente
ofegante. Seu cabelo também era de um tom incomum, embora fosse difícil
dizer exatamente qual. Um castanho avermelhado, mas com mechas em
vermelho. Nenhuma das mulheres da Madame Leonor tinha cabelo assim.
— Está doendo? — Ela se inclinou um pouco para frente, olhando para
o rosto dele.
A pergunta o desconcertou por um momento, até que se lembrou de
seu olho inchado.
— Nada que um toque a mais de Bourbon não resolva. — Ele a
examinou através das pálpebras semicerradas, silenciosamente carrancudo.
Era o tipo de olhar que dava a sua tripulação quando queria ficar sozinho,
mas ela não entendeu a dica.
— Provavelmente piore amanhã, mas isso vem da luta, não é? É
preciso viver com as consequências. — Ela disse isso alegremente, alheia
ao olhar dele.
— O que faz você pensar que estive em uma briga? — Embora fosse
verdade, e com base no estado lamentável que sem dúvida apresentava, a
suposição dela o irritou.
— Ah, eu já vi algumas. Meu irmão costumava lutar boxe para a
faculdade. Ele não era muito bom, então alguém estava sempre lhe dando
um olho roxo. — Ela parou de repente, parecendo perturbada. Descansando
as pontas dos dedos contra a testa, olhou para ele com uma expressão
sombria, totalmente arrependida. — Muito rude da minha parte. Esqueça
que mencionei isso, por favor.
Isso o pegou desprevenido, sua reviravolta de polidez e desconforto
genuíno. O que essa jovem estranha estava fazendo? Sua pele clara, fala e
maneiras mostravam que era uma dama, apesar de suas travessuras no
último quarto de hora.
Ela não estava acostumada com bebida, e isso explicava seu mau
julgamento, talvez, mas por que estaria ali, desacompanhada, e pedindo
para si doses de brandy?
Dando uma fungada e um sorriso incerto, ela estendeu a mão sobre a
mesa.
— Deveríamos começar de novo. Eu sou... Senhora Asquith.
Senhora, com certeza.
Se ela fosse casada, queria saber onde seu marido estava.
Quanto à mão estendida, não sabia se ela queria que a apertasse ou a
beijasse, como um cortesão medieval. Por isso não fez nada, apenas tomou
um gole de seu copo.
Ela estava sentada muito ereta, mas percebeu que seu lábio tremia
quando trouxe a mão de volta ao colo.
— Você deve me achar muito incômoda. Provavelmente sou. Peço
desculpas. É só que... tenho algo muito importante para falar, mas estou
nervosa e nada está acontecendo como quero.
Novamente, foi desarmado. A maioria das pessoas que conhecia não se
desculpava. E mesmo aqueles que conhecia bem não usavam essas
palavras. Geralmente apenas mudavam de assunto, esperando que fosse
esquecido, o que era.
Não faria mal ouvi-la. Isto provavelmente deveria ser um monte de
nada, mas como havia pedido gentilmente, e não era um bastardo que não
pudesse dar dez minutos de seu tempo, resolveu aguardar.
— É meu irmão, sabe.... Ele deveria me encontrar aqui no hotel, mas
ele está... ele está... — Ela olhou para baixo por um momento e, quando
ergueu os olhos novamente, estavam vidrados de lágrimas.
Uma sensação perturbadora o invadiu. Algo em seu rosto era familiar;
o jeito que estava olhando para ele... como se fosse o único que pudesse
ajudá-la.
Ele tinha o suficiente em sua mente sem adicionar uma donzela em
perigo às suas preocupações, mas não podia simplesmente ignorá-la.
— Seu irmão? — descansou os antebraços sobre a mesa. — O que
tem?
— Ele está longe há muito tempo; em um navio que partiu daqui. —
Ela mordeu o lábio, franzindo a testa. — Temo que algo tenha acontecido.
— Entendo. — Jorge não entendia nada. O que ela esperava que
dissesse? Havia acabado de atracar algumas horas atrás, e não era seu
costume fazer muitas perguntas sobre os movimentos de outras
embarcações. As pessoas preferiam assim. Viva e deixe viver.
— Ele escreveu uma carta. — Ela remexeu no bolso, extraindo um
envelope. — Aqui, você pode ler se... — Ela parou abruptamente, corando,
lentamente colocando o que havia estendido sobre a mesa entre eles.
Se você souber ler…
Presumivelmente, pensou que ele poderia não ser capaz. Nem todo
marinheiro podia, mas ele não era todo marinheiro. Seu pai lhe ensinara as
letras, além de muitas outras coisas. As prateleiras de sua cabana no
Marguerite estavam cheias de livros, mas essa jovem senhora não sabia
disso.
Era surpreendente que até se dignasse a sentar com ele. Deveria
parecer totalmente desonrado — mas não era isso que era. O comércio
honesto se tornara contrabando há muito tempo, e o navio que havia
retirado as munições, não as entregara sem luta.
Não importava os motivos, sua conduta era tão ilegal quanto a de
qualquer pirata.
Ela limpou a garganta, seus dedos se preocupando com a borda do
envelope.
— Posso dizer o que diz. — Seu olhar foi para cima, aventurando-se a
avaliar sua expressão.
— Vá em frente. — Ele reprimiu um suspiro. Se não a encorajasse,
ficariam ali a noite toda.
— Ele queria explorar este determinado lugar, sabe, e o navio deveria
esperar sete dias, e depois trazê-lo de volta, com seus dois membros da
equipe, exceto que ele está atrasado por quase duas semanas inteiras. —
Sua voz aumentou de tom enquanto galopava para o final de sua explicação.
— Mas não sabe qual tripulação o levou?
Ela balançou a cabeça.
— E não sabe o destino? — Ele pegou seu copo, girando o conteúdo.
— Ah, isso eu sei. — Ela deslizou várias folhas de papel do envelope.
— Vonaku, ou Veneta – algo assim.
Jorge acalmou a mão. Ela não queria dizer isso; não Vanuaka. Seria
coincidência demais.
— Aqui estamos. — Ela estava triunfante, acenando a carta
animadamente, satisfeita por ter algo útil para compartilhar.
Lá estava, na página, exatamente como temia.
— Van-u-aka — ela teve o cuidado de pronunciar, então sorriu. —Você
poderia perguntar, talvez, entre as outras tripulações que conhece? Alguém
pode ter ouvido alguma coisa de um cavalheiro britânico contratando o
navio para levá-lo até lá. Eles saberão, não saberão, se a tripulação voltou
ao porto?
Jorge lembrou-se daquele rosto angustiado, do homem que havia tirado
do mar. Chegou a ele, como na maioria das noites desde que deixaram
aquelas águas.
Maldito. Como isso foi possível? As chances tinham que ser de mil
para um.
Com um puxão, virou o Bourbon e recolocou o copo na mesa.
— Eu posso perguntar. —falou abruptamente. — Mas mesmo que
encontremos a tripulação, é provável que já tenham se lançado ao mar
novamente. Será um navio de trabalho, não um navio de recreio. Não iriam
ficar sentados esperando o próximo tolo mal orientado bater, para que
possam pegar o dinheiro dele e abandoná-lo no meio do nada.
Assim que as palavras saíram, arrependeu-se. Seu rosto caiu. Não
precisava ser tão direto, nem tão ofensivo. Ele se mexeu em seu assento.
— Como eu disse, irei perguntar.
— Abandonado? — Sua boca formou um círculo perfeito enquanto
segurava a longa vogal. Ela empalideceu visivelmente. Seus olhos estavam
redondos e arregalados, não desejando aceitar, mas acreditando.
— Foi apenas uma constatação. Uma possibilidade aleatória. — Ele
encolheu os ombros. Havia outras possibilidades também que o homem que
havia tirado da água fosse o irmão dela, ou um dos homens que levara com
ele.
Jorge havia feito uma espécie de promessa, de deixar a família do
pobre coitado saber o que havia acontecido. Se houvesse uma chance de
que fosse a irmã do homem sentada ali, nesta mesma mesa, Jorge deveria
dizer a ela... não é?
Por que, então, não conseguia fazer isso? Seria melhor ela pensar que
seu irmão estaria vivendo seus dias em alguma ilha tropical, em vez de estar
descansando seus ossos no fundo do mar?
Sem aviso, ela pegou a garrafa, abrindo-a para despejar um grande
gole em seu copo. De repente, levou-o aos lábios e, franzindo o rosto,
engoliu metade dele.
— Ei! — Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, ela virou o copo
novamente, fazendo uma careta enquanto o restante desaparecia.
Ela se sacudiu, franzindo os lábios antes de esfregar as mãos com força
no rosto.
Quando olhou para ele novamente, estava com os olhos mais abertos e
mais escuros do que antes.
— Leve-me lá. Assim que puder. Amanhã.
Não havia dúvida de que ela quis dizer o que disse. Como passou de
rastejar no chão com sua linda bunda no ar para isso? Dizendo-lhe o que
fazer. Teria rido, se não estivesse tão aborrecido. Quem ela pensava que
era?
Além disso, não havia como voltar para Vanuaka. O velho Tom estava
certo. Alguns lugares eram melhores deixados sozinhos. Não importava
quem fosse o homem que morrera, visitar a cena não o traria de volta.
— Eu posso te pagar! — Ela estava inclinada para frente, fixando-o
com aquele olhar ousado novamente. — O que precisar, eu posso encontrar
o dinheiro.
Ele riu então, embora isso o fizesse estremecer.
— Será impossível aportar. Mesmo se o fizéssemos, por onde
começaria a procurar? Irá vasculhar a ilha inteira? — Ele se recostou em
seu assento. — Além disso, não é seguro. Você nem pode começar a
entender. Não haverá nenhuma festa de boas-vindas, pelo menos, nenhuma
que gostaria de conhecer.
— Eles são selvagens, quer dizer! — A cor subiu abruptamente em
suas bochechas, enquanto sua boca se definia em uma linha determinada. —
Você pode dizer isso, mas não é minha opinião. Meu pai passou anos
estudando tribos, na África Ocidental e aqui. Meu irmão também. Eu li
quase tudo o que escreveram, então não me diga que não consigo entender.
Jorge cerrou os punhos.
— Você não sabe nada sobre “minha visão”. Eu nunca chamei
ninguém de “selvagem”. Essa é uma palavra que os europeus usam para
qualquer pessoa que não conseguem avaliar, embora haja muita coisa cruel
e brutal em seu próprio comportamento. Esses “selvagens” não recuam da
batalha, e algumas rixas de sangue duram gerações, mas eles têm seus
próprios códigos de honra e não se ferram por dinheiro.
Com raiva, sua voz ficou mais alta. Ouviram-se alguns murmúrios no
fundo da sala, e Carlos estava olhando.
Era hora de ir embora. Não precisava ouvir essa bobagem. Pegou a
garrafa e balançou as pernas para fora da cabine, tentando se levantar, mas
ela estendeu a mão, corajosamente, parando-o.
— Se meu irmão ainda estiver lá, eu tenho que ir. — Seus olhos
brilharam.
Ele hesitou apenas por um momento, olhando para a mão
impetuosamente colocada sobre a dele, para os dedos, tão longos e
elegantes, as unhas finamente formadas.
—Pode até ser, mas eu não tenho que levá-la. — Era o fim da conversa
no que lhe dizia respeito. Para o bem dela. Mesmo que o homem ainda
estivesse vivo, não seria por muito tempo, não em Vanuaka.
— Cem soberanos. — A palma dela estava quente nas costas da mão
dele. — Metade antes de embarcarmos e o resto quando trouxermos meu
irmão de volta.
A quantia foi suficiente para fazê-lo hesitar, mas precisava de mais de
cinco vezes para quitar sua dívida com Goytacaz.
— Há um perigo extra. Um vulcão. Se for seguro aportar, eu lhe darei
três dias para procurá-lo. Quinhentos soberanos... e precisarei de toda a
quantia, independentemente de encontrarmos seu irmão.
Ela empalideceu, recuando como se a tivesse golpeado. Por um ínfimo
momento, algo se contorceu em sua barriga, lembrando-o da desonestidade
que estava cometendo. A quantia que pedia era excessiva ao extremo, mas
permitiria que liquidasse sua dívida em breve. E o mapa em sua posse? Não
gostaria de voltar a Vanuaka, mas isso lhe daria a chance de descobrir se o
mapa era real, se realmente havia algo de valor que mudaria sua sorte; que
lhe permitiria deixar para trás a vida em que havia caído. Assim, poderia
voltar a negociar honestamente, se tivesse dinheiro suficiente.
Ele se levantou, olhando para ela. Esta era decisão dela. Não estava
forçando-lhe a nada.
— Quinhentos. — Ela assentiu com a cabeça. — Mas não até que eu
tenha três dias na ilha.
Pegando o Bourbon, ele tomou seu último gole direto da garrafa.
— Feito.
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O contramestre havia passado mais cedo para assegurar-lhe que não


havia nada com que se preocupar, que era apenas o tipo de tempestade usual
que explodia naquelas águas. Mas a instruiu a não ir ao convés até que
dissesse o contrário.
Com cada ondulação das ondas, seu estômago subia e descia em
movimento semelhante. Enquanto isso, o vento assobiava selvagemente, e
as tábuas se flexionavam e gemiam. O navio era uma coisa viva, suspirando
e se movendo, e ali estava ela, presa em seu interior sem sequer uma
portinhola para abrir.
Não que sua cabine não fosse aconchegante. Embora pequena,
continha tudo o que precisava. Usar o penico era uma provação, mas o
colchão era confortável e um tapete turco em tons de azul cobria as tábuas
nuas, combinando com a bacia florida colocada na parte superior do
armário.
Mas, enquanto no SS Adelphine, esteve livre para percorrer as partes
do navio designadas para passageiros, lá, tinha apenas meia hora de manhã,
para tomar ar, e outra no final da tarde.
Apesar do pagamento exorbitante com o qual concordou e de sua
aceitação dos termos do capitão de Silva, a tripulação a olhava com
desconfiança absoluta, se não com ressentimento total. Nunca sentira-se
tão, nem tão sozinha.
O quarto balançou novamente, enviando-a esparramada sobre a cama,
xingando por ter tentado se levantar. Era tarde o suficiente para dormir, mas
sua cabeça estava muito cheia, e não apenas com preocupação por
Sebastian.
Endireitando-se, Bathsheba sentou-se na beirada e tirou as meias,
plantando os pés descalços firmemente no tapete. Talvez tivesse mais sorte
se fosse capaz de antecipar o movimento e rolar com ele.
Com um suspiro, tirou a escova do conjunto de gavetas e soltou o
cabelo, puxando as cerdas prateadas lentamente pelo comprimento. Todas
as noites, esse era o ritual de Hattie, o cabelo castanho avermelhado de
Bathsheba e domar seus cachos.
Mas não havia Hattie para confortá-la agora, pois a deixou para trás.
Valente Hattie.
Mesmo que sua criada não tivesse estômago para outra viagem,
argumentou veementemente contra o plano, mas Bathsheba insistiu.
O capitão de Silva assegurou-lhe que ninguém no porto tinha
informações sobre o navio que levara seu irmão, mas se Sebastian de
alguma forma voltasse, Hattie deveria estar lá para explicar tudo — e cuidar
dele, se necessário. Quem sabia em que estado estaria se voltasse para Port
Moresby?
Bathsheba ficaria mais tranquila com Hattie esperando.
Se alguém pudesse chamar aquilo de “ficar tranquila”. Desde a
abertura da carta de Sebastian, tal coisa não era possível. E a convivência
com o capitão de Silva só aumentou esse sentimento.
Desde o início, ficou óbvio para Bathsheba que tipo de homem ele era.
Com o olho meio fechado e inchado e o lábio ensanguentado, claramente
havia brigado. Suas roupas estavam sujas e sua manga rasgada no ombro.
Na verdade, parecia completamente desarranjado, seu cabelo escuro
despenteado e seu rosto por barbear.
E o cheiro dele!
Bourbon, suor e sal.
Não que ela mesma houvesse apresentado a mais elegante das
impressões, o brandy subiu à cabeça, mas se comportou com todo o decoro
que conseguira reunir.
Enquanto isso, ele era todo angular, de sua mandíbula marcada até a
saliência de sua sobrancelha — e tão feroz em sua maneira.
A maneira como falava com ela!
Não como qualquer cavalheiro que conhecia.
Mas também, de fato não era um cavalheiro. Embora fosse dono de um
navio e falasse um inglês tolerável, era tudo, menos isso. Seu sotaque
parecia indicar uma influência mediterrânea, mas estava com um bronzeado
muito mais escuro do que qualquer europeu que conhecera, e sua pele era
densamente tatuada, visível quando arregaçou os punhos.
E, embora mal parecesse se barbear, tendo uma sombra perpétua de
barba áspera em sua mandíbula, os traços de seu rosto eram bonitos, de um
jeito brutalmente masculino e ameaçador. À medida que seu olho ficava
menos inchado, isso era óbvio, mas havia uma selvageria nele que era
totalmente desconcertante, sangue quente e faminto demais.
Sua presença era tão dominante, tão masculina, e diferente de qualquer
homem que conheceu antes. Ele era orgulhoso e distante, mas a examinava
com uma intensidade que ela achava enervante, seus olhos, escuros e
insondáveis.
Enquanto isso, embora confiasse sua segurança à sua guarda, não sabia
quase nada sobre ele.
O contrato deles fora uma escolha dela, se bem que, que escolha
realmente houve? Sebastian era tudo o que tinha e, onde quer que estivesse,
precisava de ajuda.
Quem, senão ela, viria em seu auxílio?
O navio rolou violentamente novamente, quase a derrubando no chão,
e seu estômago revirou.
Ah, Sebastian!
Não queria chorar, pois não mudava nada, mas ele poderia estar com
sede e fome, sem esperança de ser encontrado. Podia estar ferido. Ou já
podia estar…
Não. Recusava a se submeter a esse pensamento.
Bathsheba respirou fundo várias vezes e recostou-se nos travesseiros.
Estava quente na cabine; muito quente. Realmente sufocante — o ar
carregado com a eletricidade da tempestade que assolava lá fora.
Ela podia tirar a camisa. A porta estava trancada. Ninguém saberia se
dormisse nos lençóis sem nada.
A ideia de nudez era sedutora e perversa.
Não a nudez em si, talvez, mas a direção em que fez seus pensamentos
correrem.
Nas raras ocasiões em que Reginald foi para sua cama, ele preferira
que usasse sua camisola. Com a escova, ela acariciou o algodão leve da
camisa, formigando contra a pele delicada.
Ela queria lábios, dentes, língua onde a escova a provocasse; o calor da
boca de um homem — as mãos de um homem.
Outra onda atingiu a proa do navio, obrigando-a a agarrar os lençóis
com a outra mão e sacudindo as cerdas contra o broto macio de seu mamilo,
quase dolorosamente.
Qual homem?
Que Deus a ajudasse, mas não se atreveu a admitir seu nome, mesmo
na privacidade de seus pensamentos. Ele era grosseiro. Duro. Sujo. E
provavelmente se deitou com uma centena de amantes e nem se importou
em saber seus nomes. Não era assim que tais homens se comportavam?
Tomando o corpo de uma mulher puramente por prazer? Pagando-lhes para
fazer o que mulheres respeitáveis não fariam?
Não sabia por que o achava atraente.
Não deveria.
Claro que nada iria acontecer. Se isso acontecesse, que tipo de mulher
seria? Só porque não havia ninguém para testemunhar seu comportamento
não era uma desculpa para ignorar a moralidade com a qual fora criada.
Mordendo o lábio, parou a escova.
Isso era o que acontecia por ficar confinada por horas e horas, sem
nada para ocupar a mente.
Tinha sido um presente de casamento — a escova, com espelho
combinando; o último que sua mãe lhe dera, junto com aquele livro ridículo
— entregue um mês depois que Bathsheba fizera seus votos.
Durante o namoro, Reginald tinha sido bastante galante, até mesmo
jovial. Mas, com cinco filhos crescidos, ele não casou-se para ocupar um
berçário.
Ela mal sabia o que esperava, mas... era algo mais.
À medida que seu casamento avançava, não havia nada de novo;
apenas uma mudança de lugares dentro da mesma sala. Seus dias
continuaram como ser vista nos lugares certos, nas horas certas, usando a
vestimenta apropriada e de dizer a coisa certa — o que geralmente
significava o mínimo possível.
Não que sua mãe a tivesse forçado a se casar com Reginald; ninguém
tinha.
Mas ninguém parecia se importar se o casamento a faria feliz — o que
quer que isso significasse.
A morte de Reginald a libertou, e o alívio foi esmagador, exceto por
seu estado de viúva ter vindo com seu próprio conjunto de regras.
Estranho, como pensava naquela época, como se o casamento não
tivesse sido dela. Enquanto isso, as memórias de Bathsheba de sua mãe
pareciam estar ficando empoeiradas, embora tivessem passado apenas sete
anos desde sua morte.
Abrindo a gaveta novamente, tirou o volume de bolso com sua
encadernação de couro. Fora tolice trazer o livro, embora quase não
ocupasse espaço: O Guia para uma Lady com todas as Coisas Úteis.
Ela nunca se preocupou em ler aquela coisa miserável, com suas regras
e restrições, e nuances do que era aceitável e do que não era. Todas aquelas
lições banais, mascaradas sob conselhos úteis.
É claro que alguns elementos desse código eram simplesmente boas
maneiras — convenções destinadas a fazer com que outras pessoas se
sentissem à vontade —, mas parecia que toda a sua vida havia sido gasta
aprendendo essas regras. Uma dama não expressava opiniões, nem discutia.
Ela não levantava a voz, nem traia emoção. Deveria permanecer composta
em qualquer circunstância. Em todas as coisas, era modesta em seu modo
de se vestir e falar, e na maneira como se portava. Não exagerava, levando
apenas as menores porções para o prato.
Quaisquer que fossem os apetites que uma dama tivesse para viver,
deveriam ser controlados e subjugados.
O volume simbolizava tudo o que desejava deixar para trás, mas ali
estava, ainda com ela.
Deveria jogá-lo fora, mas sabia por que não o fez.
Sua mãe presenteara-lhe e, por mais que irritasse Bathsheba, fora dado
com boas intenções.
O navio subiu e então mergulhou, fazendo o livro voar de sua mão.
Com um grito, foi arremessada vários centímetros no ar antes de encontrar
o colchão novamente, perdendo o fôlego.
Acima de sua cabeça, a lanterna balançava precariamente, lançando
grandes sombras ao redor da cabine — escuro e claro se alternando.
O livro havia batido na parede e caído com a lombada dobrada para
trás. Correndo para recuperá-lo, olhou para a página aberta.
O capítulo era intitulado Medo.
Se não estivesse tão aterrorizada, poderia ter rido.
É você, mãe? Ainda cuidando de mim?
Bathsheba fechou os olhos com força. Não daria crédito a sessões
espíritas, mas se sua mãe pudesse ouvi-la, estava pronta para saber.
Vamos afundar?
Não — certamente não.
Ela não precisava de uma presença fantasmagórica para tranquilizá-la.
Era apenas uma tempestade, e o Velho Tom não parecia nem um pouco
preocupado. Não havia sons de angústia além da porta de sua cabine. A
tripulação conduziria o navio.
Acalmando-se, pegou o livrinho, e olhou para as letras pequenas.

Sua vida vem apenas uma vez. Não a desperdice, então.


Não conheça arrependimentos - em aventuras não vividas, nem amor
não provado.
Não recue da felicidade por medo de mágoa ou fracasso.
Você possui apenas este momento.
Abrace-o bem.

Que estranho. Ela passou para o próximo capítulo e descobriu que


detalhava os garfos: sua variedade e uso, e métodos adequados de limpeza.
O anterior citava leques.
Enquanto a cabine se inclinava, rapidamente colocou o livro de volta
na gaveta.
Vai ficar tudo bem. Nada a temer.
Ela agarrou o lençol em seus punhos, segurando fortemente enquanto a
sala se inclinava novamente.
Essa palavra — felicidade.
Eu já fui feliz?
Sabia o que era estar inquieta e entediada, sentir frustração e inércia;
mas o profundo contentamento da felicidade?
Estendendo a mão, apagou a lamparina.
Felicidade seria saber que Sebastian estava seguro.
Isso era tudo que precisava.
T …

J os pesos de papel para cada canto do gráfico, estendendo-o


sobre a grande mesa de mogno.
Eles estavam em águas mais calmas agora, a tempestade havia
passado. Navegando um pouco longe das ilhas, evitavam ser arremessados
em rochas traiçoeiras, como tantas vezes estavam à vista da terra, mas isso
os desviou do curso.
Felizmente, o céu estava claro o suficiente para usar o sextante —
medindo o ângulo das estrelas acima do horizonte. Precisava apenas fazer
referência ao gráfico para determinar sua posição.
— Diga-me novamente, capitão, por que estamos fazendo isso? —
Tom estava do outro lado da mesa, com os braços cruzados e uma carranca
no rosto.
— Você sabe muito bem. — Jorge moveu sua lupa para examinar os
cardumes de alerta esboçados no mapa. Estavam mais perto de San
Cristóbal do que esperava.
Tom se manteve firme.
— Eu ouvi bem o suficiente, e dei minha cabine para ela sem abrir a
boca, porque eu não tenho nenhum problema em me acomodar em uma
rede – mas não posso dizer que entendo, então talvez queira me explicar
novamente.
Jorge deu um suspiro interior e lembrou-se de manter a calma. Como
intendente, era dever de Tom interrogá-lo em nome da tripulação, para ter
certeza da prudência das decisões do capitão. Eles eram uma espécie de
democracia, cada homem não apenas recebendo uma parte dos espólios,
mas tendo o direito de falar o que pensava e ter sua missão explicada,
mesmo que Jorge tivesse a palavra final.
— Ela está nos pagando, Tom, e é dinheiro fácil. Vamos nos aproximar
da ilha no lado sudoeste e eu vou desembarcar. Só ela e eu. Ninguém mais
precisará pisar lá. Você leva o navio para longe e depois navega para nos
buscar ao amanhecer, quando ela tiver os três dias.
— Sim - tão fácil quanto isso! — Tom revirou os olhos. — Você vai
dar um pequeno passeio pela praia e depois pela selva, gritando por alguém
que não responderá de volta, e nós dois sabemos o porquê.
Um pequeno silêncio caiu entre eles, pontuado pelo som suave das
ondas encontrando o casco, e seu ranger de retorno.
Jorge não gostava de desonestidade. Seus homens não eram avessos a
pegar em armas para se defender e seguiriam qualquer comando que ele
desse, mas preferia uma troca justa a roubar os outros. Independentemente
de como os lucros beneficiavam aqueles com quem se importava, não sentia
prazer no ato.
O roubo e o contrabando pesavam o suficiente em seus ombros, mas
mentir descaradamente para o homem que conheceu toda a sua vida? Tom
era mais do que um companheiro de equipe. Mais que um amigo. Ele estava
no Marguerite desde o tempo do avô de Jorge, após sua libertação de um
navio de condenados que o levava a vinte anos de servidão penal. Por mais
rabugento que o velho pudesse ser, ele era como uma família.
Jorge tinha decidido, no entanto. Fariam a viagem e embolsariam a
taxa.
— Não temos certeza de que o irmão dela está morto. — Olhando para
cima, empurrou para baixo a torção interna de vergonha. — Havia outros
dois, e quem sabe qual deles eu tirei da água.
— Mesmo que não fosse ele, qual a chance que esses outros pobres
coitados têm? Todas essas semanas cercados por demônios guerreiros como
aqueles? — Tom balançou a cabeça. — Você alimentará uma fantasia se
disser o contrário.
Jorge engoliu uma réplica. Todos os seus anos nos Mares do Sul não
mudaram algumas das atitudes preconceituosas de Tom.
Não que Tom visse a tripulação de ilhéus do Marguerite da mesma
forma; nem ligava para o fato de Jorge ser ele próprio meio ilhéu. Eles eram
quarenta ao todo; homens fortes de braço e costas, vindos principalmente de
Tukalu. Outros se juntaram a ao longo do caminho — uma reunião
heterogênea de ex-escravos, amotinados e oportunistas: portugueses,
britânicos, alguns vindos da Costa do Marfim.
Quanto à chance de sobrevivência dos homens na ilha, é claro, era
verdade. Jorge não estava apenas mentindo para Tom, mas para si mesmo.
Deixando o mapa enrolar novamente, abriu a gaveta da escrivaninha e
tirou uma garrafa e copos. Tirando a rolha com os dentes, espirrou uma boa
medida para cada um deles.
— Deixe que eu me preocupo com isso. — Ele estendeu a oferta de
paz. — Vou satisfazer a necessidade da garota de procurar seu irmão, e
depois a suportar o mínimo quando chegar a hora.
— E isso será muito satisfatório para você, não é? — Tom cheirou o
rum com apreço. — Eu vi o jeito que olha para ela, ou tenta fingir que não
está olhando. — Ele deu um sorriso irônico. — Eu não o culpo você. Ela é
um pedaço saboroso, sem dúvida. Mas realmente precisa levá-la para a ilha
para seduzi-la?
— É um acordo comercial. Nada mais. — Jorge derrubou sua própria
garrafa e jogou o copo vazio sobre a mesa.
— Certo, claro! — A boca de Tom se curvou para cima, e ele virou o
licor, estalando os lábios. — Bem, vou deixar você pensar sobre o seu
“negócio”, e como pode parecer fora de suas anáguas. — Com um sorriso
de despedida, fechou a porta atrás de si.
Maldito!
Jorge pegou a garrafa. A tentação era forte de se servir de outra dose,
mas não tiraria o que estava sentindo. Com outra maldição, empurrou-a
para longe.
Há três semanas ela estava em seu navio, e trancada em sua cabine
durante a maior parte do tempo, mas isso não o impediu de estar ciente de
sua presença.
Sra. Asquith.
Claro, era uma transação financeira; um contrato. Tom podia especular
o quanto quisesse, mas Jorge não tinha intenção de se envolver com aquela
arrogante, por mais convidativos que fossem os lábios dela.
Se ele queria uma trepada, havia muitas mulheres em Moresby e em
vários outros portos. Mulheres que ficariam muito felizes em dar-lhe as
boas-vindas. Mulheres como Eloise Bisset.
A conjuração desse nome produziu um rosnado inesperado. jurou não
pensar nela, tirá-la de sua mente. Ainda assim, permanecia como se
estivesse rindo dele.
Ele se achava apaixonado; e pensou que o amava em troca. Pensava,
inclusive, que se casaria com ele. Mas suas artimanhas serviram a objetivos
muito mais superficiais. Ela teve o prazer que ele lhe deu quando estavam
nus, mas nunca tinha sido o que ele pensava. Nunca retornou os
sentimentos que abrigava. Tinha, aparentemente, querido mais do que podia
oferecer.
Cerca de dois anos atrás, voltou de uma longa viagem para Fiji para
encontrá-la se preparando para o casamento iminente, mas não com ele em
mente. Ela casou-se com um dos oficiais subalternos do vice-governador
britânico e partiu logo depois, para um posto para a Europa, nada menos.
Isso lhe ensinara muito.
A Sra. Asquith não era nenhuma Eloisa Bisset, mas, o que quer que
fosse, ele podia ver o suficiente para saber que era de um a qual ele não
habitava.
Sua vida era o mar e o The Marguerite, e a proteção de Tukalu. Sua
Majestade Real pode ter declarado um protetorado sobre o sul das Ilhas
Salomão, mas as ilhas estavam muito espalhadas para que essas autoridades
agissem com eficácia.
Jorge tinha ouvido muitas histórias horríveis e testemunhou as
consequências por si mesmo: aldeias brutalmente subjugadas, e homens
levados para fornecer trabalho nas plantações a milhares de quilômetros de
distância, para nunca mais ver seus entes queridos.
Quando o pai de Jorge se casou com sua mãe, ela própria de Tukalu,
prometera-lhe manter em segurança não apenas a família de sua esposa,
mas toda a ilha, usando os lucros de seu comércio para comprar pólvora e
pistolas. Tukalu agora tinha a reputação de ser capaz de se defender, e era
dever de Jorge garantir que continuasse assim. Mesmo que significasse
contrabando; mesmo que significasse pirataria. Ele não podia ter
escrúpulos.
Nos dias de seu pai, eles transportavam carga entre os portos
australianos e os de Xangai e Kowloon, mas agora os tempos eram mais
difíceis. Havia vários navios e muita concorrência. Foi obrigado a aceitar
carregamentos sabendo que não eram honestos, mas anos de pequenos
pagamentos garantiram que os portos fechassem os olhos.
Talvez, um dia, fizesse um lar com uma das jovens mulheres da ilha.
Suas tias estavam sempre dispostas a arrumar-lhe um casamento, dizendo-
lhe que era o que sua mãe queria — que seu belo filho criasse uma ninhada
de filhos fortes e felizes. Era verdade que era tão alto e de ombros largos
quanto qualquer Tukalun puro-sangue. Que seu pai fosse meio português e
meio inglês não importava para aqueles com quem crescera.
Sim, ela teria dado um sorriso ao vê-lo assentado, mas sabia também,
que ele era o filho de seu pai, mais familiarizado com a ondulação do
oceano do que com a firmeza da terra. Assim que teve idade suficiente,
Jorge juntou-se ao pai no Marguerite, mas, quando criança, lembrou-se dos
longos meses de espera pelo seu regresso, e da mãe olhando
melancolicamente para o oceano, à espera de um vislumbre de velas altas.
Que tipo de casamento foi aquele?
Jorge passou a mão pela testa. Não era seu costume se debruçar sobre o
que não poderia ter.
O Marguerite era tudo. Sempre foi. Ele e Tukalu. Apesar da tensão de
suas circunstâncias atuais, tinha seu navio e sua tripulação, e mais liberdade
do que a maioria dos homens poderia sonhar. O mar aberto era seu domínio.
Todo homem se sentia inquieto de vez em quando. Não significava
nada.
Melhor se concentrar no assunto em mãos.
Perguntando por aí, ele ouviu falar de um navio — o Felicidad — que
foi contratado por um pequeno grupo algumas semanas atrás, e um homem
britânico entre eles.
Quando o navio voltou, levava apenas tripulação.
Tirando a chave do bolso, Jorge destrancou a gaveta mais alta de sua
escrivaninha. Dentro, havia o pedaço de papel, as bordas enroladas e
esfarrapadas, a tinta desbotada, mas ainda legível.
E o anel.
Apenas mostraria para ela e ela confirmaria se era de seu irmão. Se
fosse, não haveria razão para aportar em Vanuaka.
E nem pagamento.
Haveria tempo suficiente para a verdade, mais tarde, e que diferença
isso faria, além de aliviar a passageira de algum dinheiro que parecia bem
capaz de se desfazer?
Enrolando o punho em torno do metal duro, lembrou-se do que era
necessário.
A - ...

B conseguia dormir.
Olhar para a escuridão, ouvir o lento ranger da madeira, estava
deixando-lhe louca. Compreendia que o capitão de Silva não a queria
perambulando à vontade, mas a tempestade havia passado e as horas
estavam cada vez mais difíceis de suportar.
Tão grande era seu tédio que até recorreu a conversar com Tom quando
ele trazia suas refeições em uma bandeja, ou água quente para lavar.
Embora a maior parte do que dissera fosse ininteligível, uma coisa estava
clara: seu grande respeito por seu capitão.
Qualquer que fosse a pergunta que Bathsheba lhe fizesse, sempre
parecia encontrar uma anedota do passado de Jorge de Silva para ilustrar
seu ponto de vista, embora nada tão sombriamente emocionante quanto
Bathsheba esperava ouvir.
— Ele é ágil o suficiente para correr com o mais novo até o topo do
mastro da mezena — disse Tom a ela, naquela mesma noite. — Não
acredita em pedir à tripulação para fazer algo que ele mesmo não faria. —
Tom parecia pensativo. — E é um mestre navegador, aprendeu sua arte de
marinheiro com o pai.
Por mais malandro que o capitão parecesse, parecia que merecia o
respeito de sua tripulação. No entanto, continuou a investigar, esperando
que Tom revelasse algo mais excitante do que a aptidão do Sr. de Silva para
escalar o cordame.
— Deve ser perigoso, tão longe do continente, aqui sozinho. —
Bathsheba adotou uma expressão ingênua. — Não há piratas para serem
cautelosos? Há pistolas, suponho, e espadas, para combate corpo a corpo?
— Aye. — Tom deu um sorriso torto. — Não só mataríamos alguém
sem que estivessem tentando fazer o mesmo conosco, mas é verdade que
eles iriam matá-lo e atirá-lo para o oceano se não tiver cuidado. — Ele a
olhou com atenção. — Na maioria das vezes, superamos os problemas, pois
Marguerite é de fabricação britânica, comprada pelo avô do capitão em
1855, e é rápida.
Com isso, ele encerrou a discussão sobre as tendências assassinas da
tripulação.
Ela deveria estar feliz que o homem que a acompanharia em Vanuaka
era capaz de defendê-la e, possivelmente, subir um coqueiro para verificar a
localização da terra. Isso poderia ser útil, para localizarem o acampamento
de Sebastian na selva.
A cada dia que passava, parecia mais provável que Sebastian estivesse
em perigo, e esse pensamento a fazia se sentir doente o suficiente, mas
estava impaciente para que chegassem ao seu destino por mais razões.
Quaisquer que fossem as dificuldades que a aguardassem na ilha, também
haveria liberdade para explorar — uma liberdade que se tornava mais
atraente a cada dia de seu confinamento. Desarrumado como estava, e um
rufião sem dúvida, o capitão não pensaria em despachar aqueles como ele,
mas certamente ela não sofreria nenhum dano, pois era de seu interesse
trazê-la de volta em segurança, se esperava ser pago.
Três noites e dias na ilha, sozinha com ele, será que ousaria tirar
vantagem disso? Usar sua força para dominá-la?
Não importa seu instinto básico; não importa a tentação...
Um turbilhão de possibilidades invadiu a mente de Bathsheba,
enviando uma onda de calor por seu corpo.
Pare!
Beliscando as costas de sua mão, repreendeu-se. Era ela que estava se
comportando de maneira inadequada, imaginando coisas que nunca
aconteceriam. O culpado era esse quarto. A falta de ar.
Ela tinha que sair.
Tirando a lanterna do gancho, Bathsheba acendeu o óleo.
Era o meio da noite — certamente uma boa hora para ir ao convés.
Apenas poucos membros da tripulação estariam trabalhando, poderia
facilmente encontrar algum canto sossegado para se sentar.
Por um momento, considerou simplesmente colocar o roupão sobre a
camisa, mas isso seria muito impróprio. Não havia nenhum espartilho para
se preocupar, pelo menos. Ela não usava um desde que deixou Moresby, e
não teve um momento de arrependimento por isso.
Impaciente, calçou as meias, depois a blusa e a saia, e amarrou as botas
robustas. Elas seguravam bem o convés, mesmo quando estava molhado.
Não iria demorar; apenas uma hora já a apaziguaria. Mas precisava do
ar fresco da noite e do espaço aberto. Precisava respirar livremente de novo.

E sonhando.
Uma mulher se despindo, botão por botão. Ela o queria, mas esse era o
jogo que faziam, fingindo se despir meio relutantemente, com olhares
tímidos.
Seda, renda e musselina foram retiradas, até que ela ficou nua, soltando
o cabelo, deixando as longas madeixas enroladas sobre o ombro nu.
Abrindo os braços, ela o convidou a deitá-la.
Lábios e línguas se encontraram em beijos de boca cheia. Suas curvas
e suavidade inchada eram dele para tocar e saborear.
Faminto, afundou na disposição de seu corpo, sua respiração
acelerando, empurrando mais forte. Ela enrolou as pernas sobre ele, e ele a
puxou para mais perto, enterrado profundamente no prazer.
Seus olhos estavam bem abertos; olhos âmbar, emoldurados por cílios
escuros, e um cacho de cabelo acobreado na bochecha.
Jorge acordou sobressaltado.
Os lençóis estavam úmidos, com suor, e sua mão em seu pênis.
Tudo estava quieto, e o céu escuro atrás de suas janelas.
Acendendo a lâmpada, localizou seu relógio de bolso. Mais três horas
até o amanhecer.
Deitando-se, fechou os olhos, retornando a mão para iniciar o ritmo
familiar. Ela estava esperando por ele, convidando-o de volta para onde
estava.
Mas, o que estava fazendo?
Fantasiando sobre a única mulher em centenas de quilômetros, que
dormia a poucos passos?
Uma mulher com quem ficaria sozinho em Vanuaka por três dias e três
noites. Uma mulher que esperava que a protegesse.
Um tipo estranho de proteção seria se acabasse seduzindo-a.
Ele nunca havia ido à casa de Madame Leonor, e fazia meses que não
entrava em uma mulher. Fora isso que provocou o sonho?
Acreditava que estava perdendo a cabeça.

E convés, Jorge respirou fundo, deixando o cheiro do ar


noturno encher seus pulmões. Era agradável, quase parado e silencioso,
exceto pelo suave rangido de cordames e madeiras, e o suave golpe das
ondas enquanto deslizavam adiante. Mesmo depois de todos esses anos, o
oceano ainda tinha o poder de surpreendê-lo — com sua beleza e seu
temperamento estranhamente mutável.
Sempre encontrou conforto no mar, por mais que pudesse ser um lugar
perigoso, era seu domínio, como em nenhum outro lugar — nem mesmo
Tukalu. Havia dado a maior parte de sua vida ao Marguerite e aos homens
que navegavam ao lado dele.
Passeando pelo convés, fez um breve levantamento dos que estavam de
guarda. Aldrix acenou para ele do leme, em seguida, inclinou o queixo para
estibordo, em direção à proa.
Era comum os golfinhos acompanharem um navio ou, até mesmo, um
bando de baleias, mas, ao se aproximar da proa, não viu nada desse tipo —
apenas a figura solitária parada na amurada.
Ela estava olhando para a água prateada, olhando a lua crescente
refletida e o brilho de mil estrelas brilhantes.
Naquele momento, uma brisa suave se levantou, agitando seus cabelos
e puxando o tecido de sua roupa para perto, e uma onda de desejo o atingiu.
E lembrou-se de como ela apareceu em seu sonho: nua, macia e dócil.
Talvez algum som tenha escapado dele, pois ela virou-se de repente,
assustada. Seus dedos agarraram com força o corrimão, dando deu um
passo para trás, então pareceu se controlar.
Sua voz, embora falada calmamente, era clara.
— Não estou incomodando ninguém. — Foi mais uma afirmação do
que pergunta.
Jorge pensou em repreendê-la, mandando-a voltar para a cabine. Ela
tinha suas horas no convés. Não eram suficientes? Não tinha motivos para
estar se escondendo ali.
Mas algo em sua expressão o deteve. Estava meio temerosa e meio
desafiadora, as emoções conflitantes cobertas de tristeza – assim como no
dia de seu primeiro encontro.
Ela estava muito sozinha, provavelmente, com excesso de tempo para
refletir sobre o que estava por vir.
Com pena, acenou com a mão com desdém.
— Não se preocupe. Não está incomodando ninguém.
Só eu... e já fazia antes de eu saber que estava no convés.
— Então, posso ficar mais um pouco? — Ela baixou o queixo, olhando
para cima através de cílios grossos.
Depois de uma hesitação fugaz, ele foi em direção a ela.
— Esta é a primeira de suas andanças noturnas? — Pretendia insinuar
censura, mas ela não entendeu como tal, respondendo simplesmente com
sua voz clara e vibrante.
— Sim, embora desejasse ter pensado nisso antes. Se eu soubesse o
quão deslumbrante tudo era ao luar, teria feito disso um hábito noturno.
Quão afortunado é, tendo seu próprio navio, e vagar onde quiser.
Seus dedos distraidamente acariciaram o carvalho polido do parapeito.
— Imagino que venha aqui com frequência, à noite, quero dizer. — Ela
olhou para o oceano novamente, quieta em sua contemplação.
— Não com tanta frequência quanto você pensa, mas às vezes, quando
estou inquieto. — Ele falou sem pensar, revelando mais do que pretendia.
Era sua embarcação, afinal, e não precisava dar nenhuma explicação.
Mesmo assim, Jorge sentiu seus lábios se contraírem. Ela era tão
audaciosa quanto suspeitava, mas também melancólica – suas emoções
borbulhando em uma direção e depois na outra.
— Você deve sentir uma liberdade maravilhosa, saindo para o mar,
embora eu me pergunte como é que consegue navegar por tão grandes
extensões de água, sem sequer ver terra para guiá-lo. — Ela parou
momentaneamente. — Admito ter ficado com medo ao passar pela
tempestade, mas o navio deve ser forte para nos fazer passar.
— Aquelas rajadas? — Ele mal conseguia esconder sua surpresa. —
Não eram nada perto de algumas tempestades que enfrentamos, mas está
certa em pensar que ele é robusto. Apenas uma vez foi severamente
danificado, precisando de grandes reparos…
Com uma carranca, parou. Foi essa tempestade e esses reparos que o
trouxeram a este ponto, de endividamento e incerteza, mas a admiração dela
o inspirou a falar mais do que desejava.
Estava fugindo, quando deveria permanecer em silêncio, deixando-a
em seu devaneio; ela veio ao convés para respirar, não para conversar. Mas,
seus olhos caíram sobre um cacho de cabelo solto contra a pele pálida de
sua nuca e descobriu que não queria se afastar ainda. Não havia nada ali
para desconcertá-lo, se apenas se lembrasse por que a trouxe a bordo.
Ele limpou a garganta.
— Quanto à navegação, existem instrumentos e cartas, como qualquer
um pode dominar se tiver vontade, embora ser um marinheiro seja mais do
que isso.
— As estrelas, me disseram, revelam muito. — Ela olhou para ele
antes de lançar os olhos de volta para o mar.
— Isso é verdade, como meu pai me ensinou. Mantêm posições
celestes fixas, mudando apenas o tempo de subida e de poente, fornecendo
orientação para a navegação. Você pode definir um rumo por uma única
estrela perto do horizonte, mudando para uma nova quando a primeira subir
muito alto e usando uma sequência específica de estrelas para uma rota
específica.
— Que habilidade maravilhosa. E isso por si só, é o suficiente para
guiar um navio? — Ela fez sua pergunta com animação, claramente
interessada em sua resposta.
— Os ilhéus viajam frequentemente de uma ilha para outra de canoa,
usando o mesmo método – embora haja outros sinais para ajudá-los. Eles
medem essas distâncias em “dias de canoa”.
— Capitão de Silva, peço que me conte mais. — Havia surpresa e
admiração em sua expressão, e ele descobriu que estava gratificado. Era um
assunto que lhe era caro, e se orgulhava de seu conhecimento, fruto não
apenas de seus próprios anos no mar, mas da experiência acumulada de seus
antepassados.
— Um marinheiro deve conhecer o vento e o clima, é claro, e pode
detectar águas rasas observando o reflexo na parte inferior das nuvens. —
Ele falou as mesmas palavras que seu pai lhe havia explicado quando tinha
apenas cinco anos de idade. — Tão importante é o movimento do oceano, já
que as estrelas nem sempre são visíveis. Existem muitas cadeias de ilhas,
que têm certos efeitos sobre as ondas e correntes. Você pode aprender a
forma do recuo das ondas e corrigir seu caminho de acordo. Também pode
identificar uma ilha ao avistar certos grupos de pássaros, já que
invariavelmente voam para longe da terra durante o dia e retornam quando
a noite cai.
— Que sensato. — Ela deu um sorriso de aprovação. — Usando tais
observações.
— De que outra forma alguém pode entender o mundo? — Ele
encolheu os ombros. — E onde as sinalizações naturais são menos
confiáveis, uma tripulação pode carregar um pássaro que avista a costa,
como a fragata. Sendo incapaz de pousar na água, ela tem que voltar ao
navio.
— Agora, você está compartilhando todos seus segredos! Irei deixar
meu irmão com muita inveja, contando tudo o que descobri... — Ela deu
uma pequena risada, mas sua voz falhou e abaixou a cabeça. Extraindo um
lenço de linho, enxugou os olhos.
O irmão dela.
Ela descreveu esse Sebastian como um acadêmico e um explorador,
mas Jorge não esqueceu o mapa que pegou do bolso do moribundo. Um
mapa que falava de algo mais do que um desejo aleatório de fazer amizade
com os habitantes de uma ilha distante.
Adotando um tom neutro, Jorge perguntou: — O que ele tinha em
mente, que o trouxe para um local tão remoto?
Ela guardou o lenço, tentando sorrir.
— Só posso adivinhar, mas tenho uma ideia pelas cartas que escreveu e
dos artigos que ele e meu pai publicaram ao longo dos anos sobre o estudo
das tribos da Nova Guiné.
Jorge mal conseguiu conter um bufo desdenhoso.
— Então deve saber que muitas dessas tribos não desejam contato, e
seu irmão deve estar ciente também, os ilhéus nem sempre gostam de
estranhos que aparecem em suas costas.
Levantando o queixo, ela encontrou seus olhos novamente, embora um
pouco trêmula.
— Isso não é uma justificativa para a missão dele? Que o mundo mais
amplo possa entender o que tão prontamente julga mal? E que esses ilhéus
possam aprender que nem todo estranho traz consigo uma ameaça.
Como ela era ingênua. Descobriu, de repente, que não tinha mais
vontade de ficar e, com os lábios franzidos, fez um desejo de boa-noite, mas
ela segurou seu braço como havia feito no primeiro encontro, recusando-se
a deixá-lo ir.
— Sebastian tinha um forte senso de dever, assim como meu pai. O
trabalho deles era tudo. O que quer que meu irmão esperasse descobrir, não
teria sido para glória ou riqueza pessoal, mas para aprofundar seu
conhecimento e construir pontes entre os homens.
— Se você diz. — Jorge se afastou. — Sendo irmã dele, deve entender
os motivos dele melhor do que eu.
Ela não sabia de nada; não tinha visto nada. E o irmão tinha aprendido
da maneira mais difícil. Sempre haveria ganância e crueldade, e homens
dispostos a usar sua força para apoderar-se de qualquer coisa que pudesse
ser facilmente tomada. Quem poderia culpar os ilhéus por se defenderem? E
quem poderia dizer que real intenção de seu irmão?
A própria consciência de Jorge não estava isenta de manchas, mas seus
delitos nunca haviam sido cometidos de forma egoísta. Ele deu um aceno
curto e deu um passo para o lado.
— Devo comparecer ao leme, e aconselho você a voltar para baixo.
Chegaremos à ilha amanhã, precisará de toda a sua força.
Com isso, a deixou.
N V

E estavam mais se movendo.


Atordoada, sentou-se, e tinha apenas começado a procurar suas roupas
quando ouviu uma batida na porta.
Tom estava do outro lado, dando a ela seu costumeiro despertar
matinal. Exceto que oferecia mais do que uma tigela de mingau.
— Eu fiz a bainha destes para você, e há um cinto. — Ele ergueu um
par de calças de cor parda.
—E espera que eu use isso? — Embora parecessem razoavelmente
limpos, Bathsheba mal conseguia esconder seu horror.
— Ordens do capitão. Há cobras e aranhas para onde vai. — Ele deu
um sorriso. — Algumas venenosas.
— Claro. Obrigada. — Bathsheba estremeceu.
— Aqui estão, meias compridas para usar com suas botas, e seria
melhor enfiar as calças para baixo. — Tom passou tudo nos braços dela. —
Sem enrolação. O capitão está esperando.
Sem perder tempo, se preparou e ficou surpresa ao achar as calças
bastante confortáveis. Apesar de seu ajuste confortável nas costas, elas
permitiam que se movesse de maneira muito mais livre. Enquanto isso,
dispensou todas as roupas íntimas, exceto as mais essenciais, então a camisa
permitiu que seus braços se movimentassem amplamente.
Não havia dúvida de que causaria um escândalo na sociedade
civilizada, mas, Bathsheba lembrou a si mesma, o mesmo aconteceria com
quase todas as decisões que tomara desde que chegara a Moresby.
Felizmente, não havia ninguém importante para vê-la.
Em seu recente tédio, ela lera o pequeno Guia da Dama de capa a capa,
e havia um capítulo sobre formas de se vestir para as várias ocasiões na
rotina de uma dama. Naturalmente, essas páginas não tinham nada a dizer
sobre o que vestir para uma caminhada na selva indomável. No entanto,
havia algo pertinente, sobre ser importante que uma senhora se sentisse “em
casa” em suas roupas.
Bathsheba não tinha ideia do porquê, mas os calções a faziam se sentir
mais ela mesma, como se o ato de os vestir lhe desse permissão para fazer o
que antes achava impossível.
Pensando nisso, rapidamente trançou o cabelo e prendeu em um coque
baixo. Então, com um sorriso determinado, deslizou o cinto pela fivela.
Estava tão pronta quanto jamais estaria...

O de Silva virou-se da amurada quando ela saiu para o convés,


seus olhos escuros avaliando-a, demorando-se mais particularmente sobre a
metade inferior de sua roupa.
Ele estava de pé com as pernas firmemente plantadas, suas próprias
calças abraçando suas pernas musculosas e os cachos de seu cabelo escuro e
pesado amarrado para trás. Um grande facão pendia de seu cinto, fazendo-o
parecer mais intimidador do que nunca.
Naturalmente, o terreno que estariam cobrindo era selvagem,
obrigando-os a cortar, mas ela não podia deixar de olhar para a lâmina,
meio esperando ver vestígios de sangue.
Na noite anterior, esperava que ele a mandasse de volta para sua
cabana, mas mostrou-se bastante amável — por um tempo. De alguma
forma, no entanto, ela despertara sua raiva, e se separou dela em sua
maneira rude de sempre.
Agora, acenava para se juntar a eles na amurada, olhando para a ilha, e
o que viu fez Bathsheba ofegar.
Do outro lado das águas azuis, não havia como confundir a pálida
nuvem de fumaça que subia para o céu do cume de Vanuaka.
— Está acordado, Capitão. — Tom estava olhando fixamente para o
vulcão. —Lembra-se do Red West, quando você era um menino?
Seus lábios formaram uma linha sombria, o capitão assentiu.
Bathsheba tinha lido sobre o Red West. Os tremores de Krakatau
começaram bem antes da erupção, crescendo em intensidade, até que o
vulcão finalmente explodiu. As consequências foram surpreendentes,
mesmo vistas a milhares de quilômetros de distância, pintando o céu de um
vermelho profundo por meses.
Este vulcão era infinitamente menor, mas quem conhecia o poder do
que estava por baixo? E era ali que Sebastian fora!
— Alguns chamam isso de retribuição divina. Será um fim selvagem
para os selvagens, e não irá demorar. — O contramestre estalou as gengivas
ao redor do fumo de mascar, claramente se divertindo com a possível
extinção.
— Nada dessa conversa, Tom. — O capitão falou bruscamente.
— É seguro? — Bathsheba tentou manter a voz trêmula. — Ainda
podemos aportar?
— Eu digo que podemos. — De Silva virou-se para seu contramestre.
— Abaixe o barco a remo e nós iremos. Assim que estivermos fora, levante
âncora e navegue para longe. Nos encontraremos logo após o amanhecer,
daqui a três manhãs.
— Sim, Capitão. — Os olhos de Tom se voltaram inquietos para a ilha,
depois para Bathsheba. — E que Deus esteja com vocês.

A do Marguerite, o estômago de Bathsheba se revirou violentamente.


Com o navio partindo, não havia como voltar atrás. Não importava quão
perigoso fosse, deveria ficar na ilha por três dias. Parecia uma eternidade e
nenhum tempo, pois a tarefa diante deles era assustadora. Densamente
coberta por uma selva exuberante e elevando-se em seu centro até o pico
vulcânico, como eles conseguiriam vasculhar mesmo uma pequena porção?
Sebastian poderia estar em qualquer lugar.
Qual era a probabilidade de o encontrarem?
O capitão de Silva remava com firmeza seu barco, suas mangas
arregaçadas, revelando os padrões de tinta cobrindo seus braços, seu rosto
estava em uma expressão de resistência e resignação. Ele tentou avisá-la da
tarefa sem sentido que ela estabeleceu, e se recusou a ouvir.
Agarrando o assento de prancha de madeira sobre o qual estava
empoleirada, Bathsheba olhou através das cintilantes águas azul-turquesa da
baía em direção à costa em que deveriam pousar, e a face íngreme das
rochas acima.
Como chegariam ao interior da ilha ela não conseguia entender, mas o
capitão lhe havia assegurado que tinha um jeito e que conseguiriam juntos.
Esperava apenas não ter que escalar aqueles penhascos terríveis, pois não
tinha cabeça para alturas. Até descer a escada de corda do navio para o
pequeno barco fez seu coração disparar.
E, apesar de sua apreensão, ela estava ciente de um pequeno puxão de
antecipação tensa. Mesmo sob essas circunstâncias intimidantes, uma onda
de excitação acompanhou seu medo, acenando para seguir em frente. Ela
queria aventura, não era? E uma estava sendo entregue. E mal podia
reclamar que não era o tipo exato que desejaria.
Embora o sol ainda não tivesse atingido seu ponto mais alto, já havia
uma névoa no horizonte, com tons de azul se misturando onde o oceano
encontrava o céu.
Aproximando-se da praia, o capitão de Silva deu um longo puxão nos
remos, permitindo que deslizassem os últimos metros, e a instruiu a pular
na água rasa. Sozinho, arrastou o barco para um lugar mais alto da areia,
puxando-o acima da marca da maré alta e o escondendo parcialmente
dentro de um cruzamento de rochas, depois jogou sua mochila de pano
encerado nas costas, prendendo as correias sob os braços. Também havia
um para Bathsheba, embora o dela contivesse a porção menor de água e
provisões para os próximos dias. Dificilmente podiam confiar inteiramente
no que pudessem obter na ilha.
— Por aqui. — Ele gesticulou para onde os penhascos se curvavam.
Parecia que deveriam escalar as rochas entre as quais haviam escondido o
barco. Seguindo na frente, ele voltou. — Segure minha mão e observe seus
passos; pode ser escorregadio.
Por um momento, ela olhou em silêncio, relutante em fazê-lo. Eles se
tocaram antes — duas vezes na verdade; mas, nas duas, o tocou com
frustração.
Mas, ali, se quisessem realizar alguma coisa, precisariam trabalhar
juntos, então aceitou ajuda. Não podia se dar ao luxo de ser rabugenta ou
afetada.
— Obrigada. — Colocando o pé contra a borda irregular, estendeu o
braço e permitiu que a puxasse para cima. Seu aperto era firme e quente, e
continuou a segurando até que dera passos suficientes para ficar no topo.
De seu novo ponto de vista, a vista parecia totalmente diferente. Onde
desembarcaram, as areias eram de um branco imaculado, suavemente
inclinando-se em águas cristalinas. Já do outro lado das rochas, havia
apenas uma pequena seção de cascalho. Além disso, embora os penhascos
continuassem escarpados, havia uma reentrância escura não muito distante.
Várias vezes, ela viajou para a costa de Dorset para tomar o ar do mar e as
falésias estavam repletas de formações semelhantes, cavernas que levavam
às profundezas da rocha, muitas vezes encontrando abismos de cima.
— É para lá que vamos?
— Há uma passagem, não muito íngreme, eu acho, que deve nos levar
para cima.
— Deve? Quer dizer que não sabe? — Sua voz soou estridente até
mesmo para seus próprios ouvidos, mas não pôde evitar. Se ele estivesse
apenas adivinhando, poderiam se encontrar presos em alguma entrada
estreita, incapazes de voltar ou avançar. Estaria totalmente escuro e frio, e
quem sabia o que estaria lá.
Seus olhos se estreitaram.
— Estou tão certo quanto posso estar. Se preferir, ficaremos na praia
até que o navio volte para nos buscar. — Um músculo se contraiu em sua
bochecha. — Sua escolha, Senhora Asquith.
Sim, a escolha dela mesmo.
— Acho que vamos ter que tentar. — Estava irritada, mal haviam
chegado, e já se encontrava perdida, sem saber o que fazer. Ele dissera que
não deveria ser “muito íngreme”, mas isso ainda inferia em uma escalada.
O pensamento das alturas envolvidas, mesmo que não pudesse vê-las...
Bathsheba apertou o estômago. E se congelasse, assustada demais para
ir mais longe? E se caísse?
Talvez devesse contar a ele sobre seu medo, mas parte dela se rebelou
contra isso. Tinha seu orgulho.
— Capitão de Silva, você deveria saber— Qualquer que seja fosse a
intenção que tinha, fora rudemente interrompida quando ele a ergueu pelos
joelhos. Balançando-a para baixo, levou os dois para um cume logo abaixo
de onde estavam.
— O que é isso? O que está fazendo? — Ela lutou, mas ele a puxou
com força contra seu peito e colocou a palma da mão sobre sua boca.
— Quieta. — Ele apontou com o queixo em direção à praia.
A princípio não viu nada, pois seu coração acelerado tornava
impossível focar em qualquer coisa além de sua proximidade. Ela provou a
salmoura em sua pele e sentiu o calor de seu corpo.
Então, viu as canoas, emergindo na baía mais abaixo na costa. Cada
uma tripulada por oito ou mais homens remando com força. Eles foram
vistos?
Parecia que não, pois os homens estavam se afastando da ilha,
movendo-se rápido e sem olhar para trás.
Ele relaxou a mão o suficiente para ela perguntar sem fôlego: — Onde
estão indo?
— Para o navio, talvez. Ele está bem longe, mas isso não irá impedi-
los de sair remando para mostrar seu descontentamento. Eu te disse. Eles
não recebem visitantes.
— Então, tivemos sorte. — Sua boca estava seca, pensando no que
poderia ter sido.
Ele acenou com a cabeça, mudando a mochila em seus ombros e
pisando no cascalho.
— Hora de me mostrar o quão bem escala.
T lamparina e o pavio da mochila, Jorge ergueu o lampião bem
alto, deixando-o iluminar as paredes próximas do interior da caverna. A
entrada era estreita, mas a passagem logo se abriu em uma caverna maior,
subindo muito alto para ser iluminada pela chama fraca.
Não apareceu nenhuma fonte de luz natural de cima, fazendo com que
a parte superior da caverna desaparecesse na escuridão. Tampouco havia
qualquer ruído que indicasse a abertura do espaço para fora. Seus próprios
passos arrastados e o ranger da alça da lâmpada eram os únicos sons no
espaço. A escuridão comeu não apenas a luz, mas os pequenos ruídos de
seu próprio movimento. Somente sua própria respiração e a da senhora
Asquith pareciam ampliadas.
Ela estava tremendo, não pôde deixar de notar, e não apenas pela
temperatura mais fria dentro da rocha, tinha certeza. Algo a assustava e,
sendo honesto consigo mesmo, nutria um desconforto semelhante.
Só podia esperar que o mapa, escondido no bolso interno de suas
calças, fosse confiável.
— Fique perto, e cuidado onde pisa. Pode ser escorregadio.
Ela deu um breve aceno de cabeça, cruzando os braços sobre o peito
enquanto o seguia.
Dentro de trinta passos, o chão abaixo deles subiu e o teto desceu, de
modo que ele teve que se curvar. As paredes se estreitaram novamente,
obrigando-o a mover o facão para o outro lado, para que ela não encostasse
nele.
À medida que prosseguiam, não havia obstáculos.
— Nada mal até agora, hmmm? — Ele segurou a lâmpada para que
pudesse ver seu rosto e o dela.
O aperto de sua mandíbula lhe disse que ela continuava ansiosa. Isso, e
o fato de que não ter dito uma só palavra desde que entraram no espaço
subterrâneo. Mais vinte passos e o caminho se fechou consideravelmente.
Logo, a passagem não seria mais do que uma fenda e seus ombros seriam
largos demais para permitir a passagem.
Voltou a pensar nos esboços no papel. Tinha perdido alguma coisa?
Uma abertura na parede em algum lugar atrás deles? À luz da lanterna, seus
olhos poderiam ter pregado peças. Onde estava a bifurcação?
Com sua distração, a lanterna estalou contra uma borda saliente e
roçou o nó do dedo, xingando.
Sua pausa a fez se esbarrar nele. Soltando um leve suspiro, ela prendeu
as mãos no braço dele, então as puxou para trás.
— O que é isso? — Sua voz estava rouca.
— É só um pouco estreito, mas iremos conseguir. Você está bem, sim?
— Ele deslizou a bolsa de seus ombros, movendo-a para o peito.
Ela acenou com a cabeça em resposta, os olhos arregalados, brilhando
um ouro mais profundo no brilho da lanterna.
Se alargasse…
Avançaria até onde pudesse. Se tivessem que voltar, não seria culpa
dele. E para que foi isso, afinal? Fora uma missão de tolos, não? Em seu
coração, sabia. Não encontrariam seu irmão no final desta passagem, nem
em nenhum outro lugar.
Por que então ele tinha a compulsão de continuar? Poderia facilmente
lhe dizer que tinha se enganado e que não havia caminho a seguir.
Mas ele sabia o porquê.
Era o mapa.
Alguém o havia desenhado por uma razão. Agora que estavam ali, ele
tinha que saber.
O mapa e algo mais.
Ela precisava disso.
Precisava saber que tentara encontrar seu irmão.
Mesmo que lhe dissesse a verdade, ainda iria querer seguir os passos
de seu irmão. Para ver o que o trouxe aqui.
De que outra forma ela seria capaz de entender sua morte, ou encontrar
um lugar de aceitação?
Espremendo-se em torno de uma ligeira curva na rocha, o teto subiu de
repente, permitindo que ficasse de pé corretamente, mas de repente havia
uma face sólida de rocha.
— Maldição! — Ele chutou a parede em frustração.
Um momento depois, ela estava atrás dele, espiando por cima de seu
braço torto.
— Um beco sem saída?
— Parece que sim. — Ele largou a bolsa no chão e colocou a lanterna
ao lado, depois esticou os ombros e o pescoço.
Com a luz concentrada a seus pés, o espaço parecia ainda mais
fechado.
— E agora? — Ela estava perto, olhando para cima, esperando que ele
tivesse uma resposta quando não havia uma.
Talvez nem tivessem aportado no lugar certo. Poderia haver outras
baías e outras cavernas.
— Meu erro. — Ele soltou um suspiro profundo. — Não há nada aqui.
Nenhum outro lugar para ir.
— Mas você pensou que havia... — Ela parecia desamparada.
— Informação ruim.
Não adiantava dizer nada a ela.
—Tem certeza? — Para sua surpresa, ela pegou a lâmpada, segurando-
a na altura do ombro, estudando cada uma das três paredes diante deles.
Assim, colocou a palma da mão contra a da frente, e esfregou os dedos. —
Está molhado, olhe.
Ele não tinha notado antes, mas o chão estava úmido, e a pequena poça
aos pés deles escorria pelo caminho que vieram. Pegando a lanterna,
segurou-a.
O que pensava ser uma parede escarpada nivelada, formando uma
saliência com um funil subindo quase verticalmente para frente.
— Você consegue ouvir? Gotejamento? — Ela tocou o braço dele
novamente.
Sim, poderia. Um respingo constante atingindo a borda, caindo do alto.
— Se a água pode passar... — ela hesitou, receosa em terminar o
pensamento. — talvez nós também possamos.
Pegando a bolsa dela, a jogou no parapeito e deu um passo com as
mãos unidas.
— Acalme-se, então escale. Há outro ponto de apoio no meio do
caminho e, a partir daí, poderá se alavancar.
Ela o encarou, imóvel.
— E se... e se eu ficar presa? — Sua voz subiu um tom. — Você não
vai me deixar, não é?
Querido Deus! Ele não era um modelo de boa pessoa, mas certamente
não deveria pensar tão mal dele!
— Eu não estou indo a lugar nenhum. Estou aqui para ajudar, lembra?
— Ele ofereceu as mãos novamente, e um aceno de encorajamento. —
Além disso, se eu não a levar de volta, quem vai me pagar?
Ela deu um pequeno suspiro de riso com sua piada.
— Claro. Como eu poderia esquecer? — Engolindo em seco, colocou a
bota como ele sugeriu, e a mão em seu ombro.
Não era uma grande distância, nem passos difíceis, mas bufou muito.
Ela estava quase lá, mas suas pernas tremiam.
— Basta colocar os cotovelos na borda, empurrar e rolar. Seu impulso
irá levá-la.
Ainda assim, não se moveu.
— Não consigo sentir minhas pernas.
— Não? — Ele apertou logo acima de seus tornozelos, fazendo-a
gemer. — Posso garantir que ainda estão aqui.
— É bom saber, mas não me ajuda. — Ela estava agarrada à borda,
ainda sem se mover.
— Não há nada a temer.
— Eu sei disso, e não estou com medo. — Não parecia convencida.
Podia ouvi-la ofegante. — É só que é muito alto...
Muito alto? Ela estava a apenas um metro do chão, colocando seu
traseiro, confortavelmente acomodado nas calças, bem nivelado com o rosto
dele.
— Que tal eu ajudar? — Se não o fizesse, parecia que ficariam presos
ali. — Vou levantar seu pé até que possa trazer seu joelho.
— Tudo bem. Podemos tentar. — Ela bufava novamente. — Mas, por
favor, vá devagar. — ajustou os dedos dos pés, fazendo seu traseiro se
mexer.
— Claro, e eu estou bem aqui, lembre-se. Você cai; eu a pego. — Ou a
seguraria firme, ou ela cairia de bunda na cara dele. — Irei contar com
você, pronta? — Colocou a mão sob a bota dela. — Um... dois…
No três, ele deu um poderoso empurrão sob seu calcanhar esquerdo e
um empurrão de equilíbrio sob sua ampla nádega direita, enviando-a para
cima.
Um grito curto em sua direção, então ela ficou quieta. Levantando a
lâmpada, olhou para cima para vê-la espiando por cima, o rosto pálido e
furioso.
— Muito bem! — Ele sorriu. — Você nasceu para isso.
Sem perder mais tempo, jogou seu próprio saco para cima e, pisando
no primeiro ponto de apoio, entregou-lhe a lâmpada. Quando ela recuou, ele
descansou os antebraços sobre a saliência e empurrou-se para cima em um
movimento suave.
Levantando-se, lhe ofereceu a mão.
— Mostre o caminho, Senhora.

A - rocha, Bathsheba carregando a lamparina e o capitão


de Silva atrás, primeiro assobiando e depois cantarolando de uma maneira
infinitamente irritante. Canções do mar, ela supôs, mas pelo menos não as
estava cantando. Ouvira que eram bastante obscenas.
Ele não se desculpou por tocá-la, nem por tê-la jogado no chão
molhado.
Não que não precisasse de ajuda, mas, sério?
Desde então, o caminho não foi tão árduo, precisando que subisse
apenas um ou dois degraus de cada vez. Principalmente, o chão se erguera
em uma inclinação constante.
Na verdade, estavam certos sobre a água. Em vários lugares, andaram
por piscinas rasas até que houvesse um riacho contínuo sob seus pés.
Por fim, o caminho se bifurcou.
— Esquerda ou direita? — Segurando a lanterna no alto, Bathsheba
virou-se para de Silva. Ele parou o zumbido fútil e seus olhos brilhavam
sombriamente à luz da lâmpada.
Deu um passo para trás. Lá estava o homem que a intimidara antes,
não mais sorrindo, sua expressão intensa.
Pegando a lanterna, ele avançou. À esquerda, a rocha se erguia,
desgastada pela passagem da água. Um som apressado e sussurrante vinha
de cima. A rocha estava escorregadia e sem apoio para os pés. Até mesmo
tentar escalar ali seria insano. Ela certamente deslizaria para trás e, se o
fizesse, até onde poderia cair? O que quebraria? Seu tornozelo? Um pulso?
Ou seu pescoço?
Para seu alívio, Silva pareceu concordar, pois virou resolutamente para
a direita, assumindo a liderança e andando mais rápido. Havia vários
lugares onde precisava de ajuda, mas conseguiu.
Assim, agradeceu silenciosamente por suas botas. Embora seus pés
estivessem úmidos, não escorregou. Na verdade, sentia-se mais confiante.
Contanto que se encontrasse algo para agarrar e um pedaço de rocha mais
áspero para enfiar os dedos dos pés, não era tão difícil quanto pensava
anteriormente.
Bathsheba sentiu-se bastante orgulhosa de si mesma.
Além disso, Silva certamente sabia do que se tratava, pois o ar estava
ficando mais fresco.
Eles estavam se aproximando de uma abertura; tinha certeza disso. De
Silva estava aumentando seu ritmo de tal forma que ficou sem fôlego para
acompanhar. E então, dobrando uma esquina, lá estava ela.
Outra caverna, como a que entraram pela primeira vez e, ao fundo, a
luz do sol!
Um soluço subiu, com força inesperada, de seu peito. Ela acreditava
que encontrariam a saída; realmente acreditava. Mas que alívio dava!
De Silva havia largado sua mochila e estava andando de um lado para
o outro, erguendo a lanterna em cada fenda e canto.
Claro! Sebastian poderia estar ali! Se estivesse ferido, procuraria um
lugar seguro para se abrigar. O capitão de Silva estava sendo
excepcionalmente meticuloso, vasculhando cada parte da caverna.
Bathsheba sentiu vergonha de si mesma. Ele estava levando seu dever
muito a sério, e por isso sentia-se absurdamente grata. Naturalmente,
deveria ajudar. Passando a mão pela parede, movendo-se em direção à luz,
ela gritou.
— Sebastian! — Sua voz ecoou pelo espaço. — Sebastian, onde você
está? — As palavras finais foram repetidas e repetidas. Ele certamente
ouviria. Tinha que ouvir!
Estava prestes a gritar novamente quando uma grande mão se fechou
sobre sua boca.
— Que diabos está fazendo? — De Silva assobiou em seu ouvido.
Sacudindo-o, fez uma careta para ele.
— Estou ajudando, é claro.
— Você quer trazer todas as malditas almas para este lugar? — Ele
franziu o cenho e então suspirou, passando a palma da mão sobre a testa,
parecendo subitamente cansado. — Além disso, irá acordar os morcegos.
Morcegos!
Ela soltou um grito e a mão dele veio sobre sua boca novamente.
— Maldição. Você é uma ameaça.
Revirando os olhos para cima, ela viu o que não vira antes. Bem acima
deles, o teto tremia e tremia. Ondas escuras mudavam de um lado para o
outro, acompanhadas por um chiado agudo, e mil pequenas gotas, brilhantes
na escuridão, refletiam de volta a iluminação da lâmpada.
Ela reprimiu outro grito, apontando para a luz.
— Se me prometer que não haverá mais gritos. — De Silva estreitou os
olhos.
— Prometo! Mas vamos! — E colocou a mão sobre a boca enquanto
ele removia a dele, mal confiando em si mesma.
Estavam dentro dos túneis há apenas algumas horas, mas a escuridão
parecia infinita. Ela precisava de luz solar novamente. Ansiava por isso.
Calor, luz e ar.
Ajoelhando-se para recuperar a lâmpada, cambaleou.
Que droga! Chegara até ali; suas pernas não deveriam falhar agora.
Não sentia-se fraca, mas havia algo estranho. Sua visão estava tremendo.
Ela estava se movendo, ou era a caverna?
Tentou se levantar, mas seus pés mal pareciam capazes de sentir o
chão. A estranheza foi crescendo, ficando mais forte, fazendo seu queixo
saltar e seu corpo inteiro tremer. Ao seu lado, Silva estava de joelhos,
estendendo a mão para ela, puxando-a para si, e envolvendo-a em seus
braços no chão trêmulo.
Bathsheba fechou os olhos para a massa sombria e estridente e o bater
de asas sem limites.
— E ... se foram? — Quando o tremor ao redor diminuiu, a caverna
ficou em silêncio, mas Bathsheba ainda não estava pronta para abrir os
olhos.
— Sim. Não há nada a temer. — Ele esfregou o braço dela. —
Levante-se.
Bathsheba apertou as têmporas. Embora o chão parecesse imóvel, o
interior de sua cabeça latejava.
— Tudo estava tremendo.
— Várias das ilhas fazem parte de cordilheiras que se comportam
assim. Isso não significa que algo está prestes a acontecer, mas... — A voz
do capitão de Silva sumiu. Estava claramente relutante em especular. —
Temos algumas horas até o anoitecer. Devemos ir, a menos que queira se
abrigar aqui. Os morcegos não voltarão até pouco antes do amanhecer.
Ficar? Seu peito se contraiu.
— Aqui não. Não consigo!
— Justo. — Entregando-lhe a lâmpada, ele pegou os dois pacotes e
lançou um último olhar ao redor.
Como ele parecia desapontado. Ocorreu a Bathsheba que deveria estar
esperando algum sinal de Sebastian.
Uma onda de gratidão brotou de dentro, por não estar sozinha, que ele
a estava ajudando; não importava que o estivesse pagando para isso. Um
homem menos digno poderia tê-la levado em uma caça ao ganso selvagem,
em alguma parte mais segura da ilha.
Por algum motivo, o capitão de Silva estava cumprindo seu dever de
forma literal.
— Obrigada, de verdade. — Ela deu um meio sorriso. — Eu não teria
chegado tão longe sem você.
— Não há nada para agradecer. — Por um momento, ele parecia que
poderia dizer mais, mas apenas fez sinal para que andasse na frente.
Do outro lado da caverna, ouviu-se novamente o ruído, muito mais alto
do que antes. Do lado de fora, os olhos de Bathsheba estavam ofuscados, de
modo que mal conseguia captar a vista à sua frente. Elas eram realmente
altas, no nível de uma enorme extensão de céu, a folhagem exuberante um
pouco abaixo – um domínio ininterrupto de verde texturizado.
O ar estava úmido.
Úmido, certamente, mas mais do que isso; havia uma névoa fina no ar.
Virando a cabeça, percebeu o porquê. Uma larga faixa de água jorrava
cheia e forte um pouco à sua esquerda.
Tão perto. Todo esse tempo. Ali estava a fonte da umidade que
encontraram nos túneis. O movimento da água era fascinante, mergulhando
imparável do precipício, nas profundezas do abismo.
Quão alto eles estavam? E sobre o que ela estava de pé?
Percebendo que o abismo não estava a mais do que três passos de
distância, e estava quase na beirada, ela balançou. Ofegando de medo,
queria dar um passo para trás, pressionar-se contra a rocha, mas suas pernas
pareciam que iriam desmoronar. Um som estrangulado escapou dela. Iria
cair de cabeça, e não havia nada que pudesse fazer para evitar isso.
— Maldição! — Mãos agarraram seus ombros, puxando-a para trás,
jogando-a não na rocha, mas no abraço de Silva. — Você quer morrer?
Inclinando-se para se maravilhar com a vista?
Fechando os olhos, ela lutou para recuperar o equilíbrio.
— Eu não queria. — Tentou engolir, mas sua garganta estava apertada.
— Está tudo bem. — Seus braços estavam ao redor dela, os pelos de
seu antebraço roçando sua bochecha. Ele apertou-lhe tão perto que podia
ouvir seu coração martelando.
— Eu sinto muito. Eu não deveria... — Ela foi interrompida pela palma
da mão dele cobrindo seu rosto, o polegar deslizando para a borda de seu
lábio. Quando levantou o queixo, ele a olhava com as pálpebras pesadas.
Sua cabeça mergulhou em uma fração de segundos e seus lábios se
separaram.
Dentro de seu peito, algo tremeu loucamente e esperou por sua boca,
mas ele recuou de repente, com uma expressão assustada.
Abruptamente, voltou a mão para o ombro dela.
— Sem danos.
Sem soltá-la, ele a levou para onde a saliência se alargou
consideravelmente e desceu em uma inclinação suave.
— Apenas mantenha-se andando.
Com ruídos calmantes, ele a persuadiu, apenas gradualmente,
afrouxando seu aperto. Estava vagamente consciente de colocar um pé antes
do outro, e o calor duro de seu peito, ao qual era pressionada.
Quando ele parou, soltando-a completamente, viu que tinham vindo
bem longe, abraçando a beira do penhasco – agora quase no nível das copas
das árvores – e que a luz estava desaparecendo.
— Vamos acampar aqui. — Ele começou a tirar itens do pacote. —
Esta saliência nos protegerá contra o clima.
— Clima? — O céu estava tão claro mais cedo, mas as nuvens haviam
se reunido, suas partes inferiores ameaçadoramente escuras.
Ele fez sinal para que se sentasse no lençol de oleado que havia
estendido.
— Basicamente biscoito de navio e queijo de cabra, um pouco de
inhame frio. Não muito emocionante; minhas tias não aprovariam.
Ela recebeu a comida com gratidão, obrigando-se a dar pequenas
mordidas para que durasse.
— Suas tias?
Claro que ele tinha família. Todo mundo tinha. Mas, simplesmente não
conseguia imaginar. Ele era tão a figura do homem poderoso, como
comandante de seu navio. A ideia de ser importunado por mulheres
irritantes a divertia.
— Elas são muito boas cozinheiras. — Ele mastigou pensativo. —
Ninguém faz poi como tia Malisa. Ela serve o dela com fruta-pão, batata-
doce e mahi-mahi frito, finalizado com leite de coco.
— Poi? O que é isso? — Fosse o que fosse, tudo parecia delicioso.
Estava com água na boca. Comeram muito peixe a bordo do Marguerite,
mas sempre como um ensopado bastante aguado.
— É feito de raízes de taro, amassadas e fermentadas. Parece com o
seu mingau, mas mais saboroso. — Ele olhou para o último bocado de
inhame melancolicamente.
Naquele momento, um estrondo longo e baixo veio de cima, fazendo-a
sobressaltar.
— O que é isso? O vulcão de novo? — Instintivamente, aproximou-se,
buscando sua proteção.
— Não dessa vez. — Ele deu um sorriso paciente. — Apenas trovão.
Veja.
O céu havia mudado muito nos últimos minutos. Uma nuvem,
diretamente acima, estava sinistramente preta. Quando o flash
acompanhante iluminou os céus, o dilúvio começou, um lençol pesado
descendo tão grosso que a visão ficou totalmente obscurecida. Ela dobrou
os pés, mas ele escolhera bem, pois a rocha os protegia.
Ainda assim, os pensamentos sobre o vulcão a perturbavam. O que
aconteceria quando explodisse — para os ilhéus e para Sebastian, se ainda
estivesse vivo?
— Capitão de Silva, as pessoas aqui, não podem ficar, certo?
Ele a olhou antes de se virar para observar a enxurrada de chuva.
— Isso não posso responder; cada ilha é diferente, em costumes e
dialeto. Mas, por gerações, viveram sob a sombra deste vulcão.
Uma sensação de mal-estar torceu seu estômago. Haveria famílias, e
crianças pequenas.
— Eles têm barcos, suponho, que podem levá-los a outro lugar. Das
centenas de ilhas, algumas devem ser desabitadas.
Ele assentiu.
— A mais próxima é Maratu, a quase um dia de canoagem. É para
onde levam seus mortos, para enterrá-los.
— Todo esse caminho? — Ela abraçou os joelhos. Como alguns
costumes eram estranhos. Dificilmente parecia prático.
— Muitos acreditam que os espíritos permanecem, sem vontade de se
separar dos entes queridos e da vitalidade da vida que representam. Levam
os corpos para Maratu, longe de sua comunidade, para que esses espíritos
não se tornem ciumentos ou travessos, causando danos. É um lugar de tabu,
onde apenas homens podem visitar.
— Não um lugar que gostariam de fazer um lar... — Era o tipo de coisa
que Sebastian acharia fascinante; talvez uma das razões pelas quais fora
atraído para lá.
— Mas tem razão. — De Silva se mexeu, ficando mais confortável. —
Há outras ilhas, mais distantes. Eles têm barcos; podem levar suas famílias
e seus pertences.
— Talvez estejam se preparando. — Ela queria pensar que agiriam
para se salvar.
De Silva não disse nada, apenas lhe ofereceu o cantil, e ficaram algum
tempo em silêncio, vendo a chuva. Ele acendeu a lanterna novamente.
Não pela primeira vez, Bathsheba ficou impressionada com o absurdo
de sua situação. O que estava fazendo? E o que sabia do homem que estava
ali para protegê-la e ajudá-la? Deveriam mesmo permanecer assim pelos
próximos dois dias, sendo quase estranhos um para o outro?
Ela poderia começar, supôs, perguntando sobre sua vida.

O era falso, provavelmente vendido para o irmão ingênuo da Senhora


por uma quantia estúpida, e fora atraído para em busca de um tesouro que
nunca existiu.
Era exatamente como suspeitava.
Esse irmão não era tão nobre quanto ela acreditava. Esperava encontrar
algo de valor e levá-lo embora. Algo que, se pertencesse a alguém,
pertencia a Vanuaka.
E estava quase feliz que o mapa tenha se mostrado inútil.
Sua própria curiosidade havia sido despertada e, a princípio ficou
desapontado por não encontrar nada, até que percebeu a armadilha em que
estava caindo.
Não tinha intenção de roubar outros ilhéus. Na primeira oportunidade,
destruiria o papel dobrado no bolso. Seria como se nunca tivesse existido.
— Você é casado? — A pergunta dela veio tão abruptamente que Jorge
cuspiu no cantil que acabara de levar aos lábios.
Ele enxugou a água do queixo. Pensou em não responder, mas ela
estava se inclinando para frente atentamente. Teria que agradá-la ou não lhe
daria paz.
— Não. — Ele adotou um tom sério. — Você se casa e depois se
arrepende até a morte. As pessoas não percebem no que estão se metendo
até que seja tarde demais.
Para sua surpresa, ela pareceu concordar.
— Eu sei o que quer dizer. Muito risco. Meus pais fizeram um ao outro
completamente miseráveis.
Ele grunhiu em consentimento.
Ela inclinou-se de modo que era quase impossível para ele olhar para
qualquer lugar, menos para ela. Não que fosse avesso a isso, mas a
proximidade era inquietante. Quanto do dia passou ajudando-a a escalar os
obstáculos dentro dos túneis? De uma forma ou de outra, continuava
terminando em seus braços, e ele era apenas carne e osso.
Quase a beijou, lá atrás, e mal se conteve. Ainda estava pensando sobre
isso, mas era para ser somente negócios, e por apenas três dias. Tudo o que
tinha que fazer era mantê-la viva e levá-la de volta para Moresby, então
pegar o dinheiro.
Não importava se sentia-se atraído, pois seria um erro, não seria, agir
assim?
Ela ainda estava falando, contando sobre todas as coisas sobre o
marido, como se estivesse interessado. Se o porco fosse mais do que uma
invenção de sua imaginação, ele deveria ser açoitado, deixando sua esposa
partir em uma expedição como essa, sozinha.
— Ele morreu há três anos.
Suas orelhas se levantaram de repente.
Ela fez uma pausa, e ele baixou os olhos. Havia apenas uma resposta
para tal afirmação.
— Sinto muito por ouvir isso.
— Obrigada, mas... —Ela limpou a garganta. — Foi realmente um
alívio.
Querido Deus! Não que realmente se importasse com o marido morto,
mas ela tinha algum pensamento que pudesse guardar para si mesma?
E, assim continuou.
— Não que eu nunca considere fazer isso novamente, mas eu teria que
sentir que a outra pessoa realmente me conhecesse, que me ame pelo que eu
sou e não pelo que que eu poderia ser. — Ela o olhou para
interrogativamente, como se pudesse ter uma opinião sobre o assunto. — É
importante que marido e mulher compartilhem seus sentimentos, não acha?
E para e entenderem o que o outro precisa para fazê-los felizes?
Ele não pôde deixar de bufar com isso.
— É uma tarefa difícil, já que a maioria das pessoas não sabe o que é
preciso para fazê-las felizes.
Ela se encolheu um pouco e se arrependeu imediatamente.
— Não quero ser rude. Cada um tem sua maneira de pensar. Mas um
homem só pode ser ele mesmo. Se isso não for bom o suficiente, então…
Suspirou, passando a mão sobre os olhos. Não pretendia desenterrar o
que preferia esquecer, mas supôs que seria melhor se explicar.
— Havia alguém por quem eu tinha sentimentos, e achava que se
importava comigo, mas era tudo uma farsa. Eu naveguei em um dia e ela
partiu com outro homem. Então resolvi aceitar que nunca poderemos saber
o que outra pessoa está pensando.
Ela estava olhando para ele, uma ruga entre as sobrancelhas. E quase
podia ver o vapor de uma centena de perguntas girando e a luta dela ao
decidir o que perguntar primeiro.
— E disse como se sentia? Que a amava?
Jorge esfregou o queixo.
— Claro. Ou pelo menos, eu estava bem certo disso.
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Planejaram seu futuro juntos? Propôs casamento?
— Bem... talvez não tão formalmente.
Ela se virou, sentando-se sobre os calcanhares, e inclinando-se tão
perto que quase podia contar as sardas em seu nariz.
— Aí estamos então. Como ela poderia saber? Ao menos perguntou
como ela se sentia por você estar tão longe?
— Espere só um minuto. — Como a conversa se transformara em um
interrogatório? — Não fui eu quem desistiu. Ela se levantou e foi embora,
sem se importar se partiu meu coração.
— Sério? — Ela cruzou os braços.
— Sério o quê? — Querido Deus, ela estava lhe enfurecendo.
— Seu coração está partido? —claramente esperava uma resposta, mas
seria amaldiçoado se lhe desse uma. Quem pensava que era? Ela o enganara
para falar sobre Eloisa quando não era da sua conta.
Cerrou os dentes.
— Eu superei.
Ela fez um som de hunf e se inclinou para trás novamente.
— Como posso ver que o assunto dói, então não irei mais perguntar.
Mas se quiser falar sobre isso, tem toda a minha atenção, caso esteja
querendo a perspectiva feminina.
Para o inferno que faria isso.
— Vou cuidar do assunto sem isso.
— Não há necessidade de rosnar. Estávamos apenas conversando.
Não importa o que dissesse, poderia dizer que ela ainda estava
pensando sobre isso.
Apenas três batimentos cardíacos se passaram antes que cutucasse a
ferida novamente.
— Você claramente não é um homem fácil de conviver, mas eu diria
que ela não era a pessoa certa. Se fosse, teria visto o seu valor.
Ele apertou os lábios com força, não confiando em si mesmo para
responder. Mesmo oferecendo algum tipo de simpatia, conseguira insultá-
lo. Aprendera a lição, e não precisava da senhora Asquith para iluminá-lo
ainda mais. E se fosse tomar uma esposa, seria alguém que não lhe pedisse
nada. Qualquer outra coisa estaria fadada ao fracasso.
— Agora, não direi mais uma palavra sobre ela. Amigos, espero, e
nenhum mal-entendido — Completou. — Podemos falar de minha vida,
mas temo que seria uma narrativa maçante. — Puxando a mochila menor,
procurou o ponto mais macio antes de se reclinar sobre o cotovelo, ficando
confortável. — Talvez queira saber mais sobre Sebastian. Sua vida tem sido
realmente interessante.
Jorge não ouviu tudo o que disse a seguir, divagando sobre algum sítio
de escavação na costa oeste da Nova Guiné, cacos de cerâmica, conchas e
ossos de animais e pedaços de lâmina de osso esculpida, cuja descoberta fez
seu querido Sebastian imaginar que as tribos locais residiam ali há três mil
anos.
Não que não fosse interessante. Supunha que sim, e não pôde evitar um
relutante respeito pelo irmão dela, se era, ou havia sido, tudo o que dizia,
mas foi a expressão dela que chamou a atenção de Jorge: o modo como seus
olhos brilhavam e corava de orgulho.
Ninguém nunca lhe parecera assim enquanto falava dele. Eloisa não
queria saber o que fazia quando não estava com ela, e isso lhe agradava,
mas agora lhe ocorreu que deveria pelo menos ter sido curiosa.
O que Eloisa sabia sobre ele?
Além do fato de que poderia fazer-lhe chegar ao clímax de três
maneiras diferentes em tantos minutos, ou mantê-la no limite até que
implorasse para a liberar.
A senhora Asquith ainda falava, embora parecesse estar ficando com
sono. Através da chuva, o crepúsculo havia ido embora.
Como ela estava relaxada. Imunda de suor e poeira, mas com a mesma
calma autocontrolada que notou no convés do navio. Quando não o estava
interrogando, era uma companhia bastante reconfortante, e muito mais
bonita do que o Velho Tom, com aquela boca de botão de rosa e cabelo
flamejante e aqueles olhos que tinham todos os tons dourados.
Não que se importasse com a conversa, nem com todas as suas
perguntas. Mas, ela pelo menos estava interessada em ouvir suas respostas.
E havia algo nela que não podia deixar de admirar.
Ela não era destemida; longe disso. Mas também não tinha medo de
enfrentar seus medos.
— Suponho que, depois de lhe contar tudo isso, deveria saber meu
nome. —Esticando o braço para trás, ela ergueu o rosto.
De alguma forma, não estava mais descansando com as costas contra a
rocha, mas inclinando-se para ela.
— E você deveria me dizer o seu. — Ela mordeu a plenitude de seu
lábio inferior enquanto olhava para cima. Seus lábios pareciam macios,
separados como estavam, convidando-o a prová-los.
Era isso que estava acontecendo? Ela queria que a beijasse?
Gentilmente, colocou a mão sobre a curva de seu quadril e ela não fez
nenhum protesto.
Assim, enfiou a outra mão em seu cabelo, meio caído de grampos, com
mechas encaracoladas emoldurando o oval suave de seu rosto.
Quando seus lábios roçaram, ela suspirou em sua boca. Inclinando a
cabeça para trás, estendeu-lhe a ponta da língua.
Ele recuou um momento, precisando ter certeza.
Não estava se afastando. Em vez disso, o olhava com os olhos
semicerrados, do jeito que uma mulher faz quando está convidando um
homem para se tornar mais íntimo.
Aproximando seus lábios novamente, estendendo a língua para
acariciar dentro de sua boca, aprofundando o beijo. Ela fez um pequeno
ruído quando segurou-lhe o seio através do algodão da blusa, e suas mãos
foram para o peito dele, mas não para afastá-lo.
Será que conseguia sentir quão rápido seu coração estava batendo?
Fazia muito tempo desde que tivera esse prazer, de beijar uma mulher,
tocá-la.
Muito tempo desde que deixou uma mulher pronta para fazer amor.
Era isso que essa Senhora inglesa queria?
Com isso, traçou o comprimento de seu pescoço até a base da garganta,
lambendo dentro do oco que ali se formava. Ela tinha gosto de sal e rosas.
Trazendo sua perna sobre a dela, a capturou entre suas coxas,
alcançando a exuberante redondeza de seu traseiro.
Ainda assim, ela não disse nada para detê-lo, fazendo apenas ruídos
que combinavam surpresa com encorajamento. Queria que ela o tocasse.
Tirando a mão de seu peito, a trouxe para frente de suas calças, guiando-a
para o cume de sua excitação. Ela estava hesitante, acariciando apenas com
as pontas dos dedos, mas seu toque o fez respirar mais forte.
Uma súbita e ardente onda de desejo ameaçou dominá-lo.
O que começou apenas com um beijo estava indo para outro caminho.
Queria toda sua suavidade, sugar e lamber até que ela arqueasse e
implorasse por ele. Queria se mover dentro dela, enterrando sua paixão em
seu calor.
— Tire isso. —Atrapalhou-se com os botões de sua camisa e ela
assentiu, ajudando-o a empurrá-la de seus ombros.
Quando afastou seu medalhão e puxou a fita de sua camisola, ela
sussurrou: — Seu nome? Diga-me, antes de nós... antes...
Ela parou de falar quando levou o seio em sua boca, sugando e
acariciando com a língua.
Assim, lhe deu seu nome, fazendo a palavra zumbir contra a carne
sedosa, marcando-a com a fala.
Seu nome sobre seu corpo.
— Jorge — ela repetiu. Em seus lábios, era uma súplica sem fôlego.
— Quer isso? — Sua voz estava áspera. Se dissesse não, não saberia o
que fazer.
— Eu te quero. — Seu peito subia e descia a cada respiração.
Era tudo o que precisava ouvir.
Desafivelou seu cinto e, levantando os quadris, empurrou para baixo as
calças. Apressado, deu um na sua roupa de baixo, revelando a palidez de
sua barriga e um vislumbre de pelos ruivos.
Rudemente, tirou suas botas e meias e jogou fora as calças.
Logo, ela já estava abrindo as pernas, convidando-o a vê-la, tocá-la.
Faminto, beijou a parte interna de sua coxa, tão suave e pálida, levando
a boca para seu sexo. Ele a procurou, empurrando profundamente, em
seguida, recuando para circundar sua ternura, fazendo-a se contorcer.
Naquele momento, tudo aquilo era dele.
Suas mãos estavam em seu cabelo, puxando sua cabeça para trás, então
soltando, presa em seu próprio tormento de prazer. Tão logo seus gritos
aumentaram e ela estremeceu, tremendo sob o longo golpe de sua língua.
Enquanto tirava suas próprias calças, seus olhos fixaram-se sobre ele e,
quando se deitou, ela tomou sua dureza em sua mão; aqueles dedos
delicados – envolvendo, acariciando, fazendo-o gemer. Foi ela quem o
guiou, esfregando-o dentro do lugar, abrindo-se para ele.
Ela moveu seus quadris, choramingando quando a ponta a penetrou,
mas puxando sua camisa para tocar suas costas nuas.
Assim, moveu-se mais fundo e seus olhos se arregalaram.
Embora quisesse se enraizar nela, se conteve. Sexo bom e duro era o
que precisava, mas ela era apertada. Se empurrasse do jeito que queria,
poderia machucá-la.
Tanto ele sabia de sua carne íntima, mas ainda não seu nome.
— Diga-me o seu; seu nome.
— Bath...sheba. —respirou fundo quando empurrou-lhe para frente,
tomando sua boca novamente, precisando de seu beijo tanto quanto
precisava do calor de seu sexo.
Ele se moveu lentamente, balançando os quadris, murmurando: —
Bathsheba. Bath... Sheba.
Quando a onda de liberação rasgou seu corpo, gritou o nome dela em
voz alta, mas a voz de outro ecoou em sua mente.
Estava mergulhando em um oceano de água escura, arrastando o que
estava perdido.
Quando ressurgiu, ela ficou imóvel em seus braços, respirando
suavemente. E, enrolados na escuridão, com a luz da lanterna há muito
extinta, se lembrou.
E momento da noite, havia parado de chover.
Ainda não estava amanhecendo, mas não precisava de luz para saber
onde estava e com quem estava.
Podia senti-lo, pressionado contra suas costas, com a mão descansando
na cintura dela.
Sabia o que tinha feito.
O que fizeram.
Entre suas pernas, ainda estava molhada, sua umidade e a dele. Um
pouco dolorida também, mas não o suficiente para que, se ele acordasse e a
quisesse, o recusasse.
Longe disso.
Se virasse e o persuadisse agora, até poderiam começar de novo.
Ela queria que ele...?
Sim. Ah, sim.
Sabia que era um desavergonhado, mas queria envolver suas pernas ao
redor dele e tomá-lo novamente. Tinha sido tão bom. E queria não apenas o
beijo, mas tudo: sua dureza e as carícias gentis. Queria que pertencesse a
ela, mesmo que fosse apenas por um curto período de tempo.
E, embora houvesse fantasiado enquanto estava deitada na cama da
cabine, nunca imaginou que fosse tão...
Satisfatório? Intenso? Alegre?
Todas essas coisas.
O que o Guia para uma Lady dizia? Algo sobre não se arrepender e ter
certeza de que experimentou a vida – em vez de ficar apenas onde se sentia
seguro.
Bem, certamente tinha feito isso.
Ela podia não ser uma verdadeira exploradora, como seu pai e
Sebastian, mas estava descobrindo coisas sobre si mesma que nunca poderia
ter imaginado; partes que estavam dormentes, esperando que o homem
certo as despertasse.
Deixou seu impulso guiá-la, seus sentimentos em vez de seus
pensamentos, e que revelação havia sido. Seus corpos tinham dado prazer
um ao outro, mas havia mais no que compartilharam. A nudez do ato, cru e
animalesco como era, revelou um lado do capitão que nunca teria
vislumbrado de outra forma.
E vira o mesmo em seus olhos, tinha certeza.
Era impossível colocar em palavras, mas algo havia mudado entre eles.

E com a queda de seu cabelo fazendo cócegas em sua


bochecha.
Quanto tempo fazia desde que dormira assim? Não conseguia se
lembrar.
— Eu estava observando você. — Sorrindo, ela arrastou os dedos pela
camisa dele até a cabeleira crespa ao redor de seu pênis. —Sempre acorda
assim?
Timidamente, tocou sua ereção, e os músculos atrás de suas bolas se
contraíram.
Claramente, não se arrependeu. Se fosse o caso, já estaria vestida e
fingindo que nada acontecera. Em vez disso, iniciava outra sedução.
Ele não estava em plena atenção, mas, se ela continuasse a acariciá-lo
assim, logo estaria.
Sexo matinal. Algo a qual não se entregava há algum tempo — pelo
menos não com companhia.
Longo, quente e lento.
Isso seria tão fácil.
Pegue aqueles seios gloriosos em sua boca novamente, vire-a, então
empurre para dentro.
Então, por que ainda estava deitado lá, sem fazer nada sobre isso?
Mas sabia muito bem por quê.
Porque por mais prazeroso que tenha sido, não deveria ter acontecido.
Ela era uma viúva rica de criação gentil, embora parecesse ter
redescoberto recentemente sua libido. Ouvira falar disso. Pessoas se
comportando de forma estranha depois de uma experiência de quase morte
– perdendo suas inibições no alívio de ainda estarem vivas.
Esperava que voltasse a si agora, depois de dormir, mas claramente
estava no meio de qualquer estado mental alterado que fosse.
E se ela fosse fértil?
Caramba!
Não esperava por isso. Não viera preparado.
Havia o outro assunto, também, do homem que tirou da água. Ele
havia falado o nome dela: Bathsheba.
Agora, por mais que quisesse, não havia como negar. Fora o irmão dela
que Jorge salvou.
O irmão que morreu.
Seu irmão, que escorregou de volta pela borda do barco, enviando o
corpo para seu túmulo aquático.
Dar a ela o que estava pedindo, por mais tentador que fosse, seria
errado. E tinha pecados suficientes em seus ombros sem adicionar isso ao
seu livro.
Quanto à como ela se sentiria em relação a ele uma vez que soubesse a
profundidade de seu engano...
Afastando a mão dela, sentou-se.
— Eu não acho que deveria fazer isso.
Afastando-se, encontrou suas calças e as vestiu. Mesmo enquanto fazia
isso, estava ciente do anel de seu irmão, enfiado no bolso interno, ao lado
do mapa.
— Mas... — Ela não se moveu, ainda sentada no oleado em nada além
de sua camisa de baixo, as rosas pálidas de seus mamilos empurrados contra
o tecido frágil.
Ela se ajoelhou, estendendo a mão, de modo que a camisa subiu,
revelando sua barriga macia e a pele no ápice de suas coxas.
Apesar de suas boas intenções, seu pênis saltou.
Levou toda a sua força para se afastar.
Recolhendo as roupas dela, as passou para ela.
— Podemos dar a volta até o fundo da cachoeira. Deve haver algum
lugar onde possa tomar banho. Suponho que queira isso, depois...
Com as bochechas coradas, ela imediatamente se cobriu com as mãos.
No entanto, notou uma pequena mancha de sangue em uma coxa. Ela não
era virgem, tinha certeza; pois sabia demais para ser. Nesse caso, o sangue
era culpa dele. Apesar do cuidado, havia sido muito áspero, ou
simplesmente muito grande para ela.
— Eu entendo. Eu estou... — Seus olhos estavam baixos. — Não tão
limpa quanto deveria.
Jorge cerrou os punhos. Se pudesse socar a si mesmo, o teria feito.
— Você não está suja, não mais do que eu. — Ele suspirou.
— Talvez encontremos algum sinal de Sebastian perto da água... as
marcas de suas botas... ou algo assim... — Sua voz sumiu.
Com toda a chuva, até ela deveria estar ciente de que não encontrariam
nada dessa natureza.
— Veremos.
Assim, começou a embalar seus pertences. Silenciosamente, ela
acenou com a cabeça, puxando suas roupas. Jorge nunca, em toda a sua
vida, se sentira tão canalha.

T chuva, houve um ressurgimento do calor, o mormaço subindo


preguiçosamente do solo, e uma névoa tropical sem brisa para oferecer
alívio.
Ele a conduziu para baixo, deixando os penhascos para entrar na linha
das árvores, imediatamente foram cercados pela vegetação densa, com o
dossel se fechando acima, deixando visíveis apenas as menores frestas do
céu. Até os pássaros cantando pareciam distantes.
Agachado, Jorge pesquisou os níveis mais baixos de vegetação rasteira.
Notaria se alguém estivera ali antes deles, mesmo que alguns meses atrás.
As samambaias e o bambu demoravam para se recuperar, e ainda havia
evidências de uma lâmina cortante.
No entanto, ao seguir o mesmo caminho, cortando videiras espinhosas
com seu falcão, seu progresso foi lento. Provavelmente levaria toda a
manhã só para chegar à base da cachoeira.
Ao redor deles, a selva estava zumbindo, o som agudo de insetos
pontuado pelo coaxar e farfalhar de criaturas invisíveis.
Eles se arrastaram e, atrás dele, Bathsheba caminhava como se
estivesse em transe. Parecia radiante quando o acordou; tão feliz. Agora,
estava pálida, seus olhos se desviando sempre que lhe passava o cantil.
Não era especialista em entender a mente de uma mulher, mas sabia
que ela havia se afastado dele. Estava com vergonha, talvez, de deixar seus
impulsos fugirem de controle. Ou com raiva. Ele a rejeitou; ferindo seus
sentimentos.
Mas, o que quer que estivesse sentindo, superaria.
Era melhor se fingissem que a noite passada nunca aconteceu. Quando
voltasse a si, ela agradeceria por isso.
Por fim, Jorge sentiu o cheiro da mudança de ar, mais úmido, com um
cheiro de lodo, coberto com aromas florais. Estavam perto.
Quando a vista se abriu, pegou-lhe de surpresa. Atrás, Bathsheba
ofegou e exclamou.
Estavam cerca de seis metros acima da cadeia de piscinas em que a
cachoeira desaguava. Ali havia uma selva diferente, as laterais do abismo
repletas de figueiras e orquídeas, hibiscos e frangipanis vermelhos, roxos e
amarelos, sua fragrância doentiamente doce.
E o céu estava visível novamente, o sol brilhando em uma névoa azul.
— Como é bonito. — Bathsheba deu um passo à frente. Sorrindo pela
primeira vez em horas, pressionou o rosto contra os lírios salpicados que
empurravam as samambaias, respirando profundamente e depois tossindo.
— Não faça isso. — Jorge falou bruscamente.
— Não cheirar as flores? — Ela esfregou o nariz. — É apenas pólen.
— Você não sabe o que tem lá. Não pode ver.
O vinco familiar apareceu entre suas sobrancelhas.
— Uma cobra?
— Não, provavelmente não — Ele suspirou. — Só não se incline tão
perto. E também não toque em nada.
Ela fez uma careta.
— Então não vou tocar em nada pelos próximos dois dias? Isso não é
muito prático, não é?
E lá estava. Já havia visto Eloisa com esse tipo de humor. Emburrada
no início, recusando-se a falar, e sua raiva borbulhando quando ele fazia
algum comentário inocente.
— Agradeço que tenha mais experiência neste terreno, capitão de
Silva, mas não estou desamparada. Posso cuidar de mim perfeitamente bem.
Erguendo altivamente o queixo, ela ajustou a mochila nas costas e
caminhou para frente. Havia uma espécie de caminho, bastante lamacento e
sem dúvida usado por animais, que descia através da folhagem até a água
abaixo.
— Vá com cuidado. — Ele cerrou os dentes. — Está chovendo, então
estará escorregadio.
Ela se virou, os olhos em chamas, claramente prestes a lhe dar outra
bronca, mas, antes que pudesse falar, a expressão em seu rosto a parou.
Seu olhar estava sobre o ombro dela.
— Faça o que eu digo e não se mova.

—O ?. O que há de errado? — Seus olhos caíram para o falcão que ele


estava levantando lentamente, direcionando-o para o lado esquerdo de seu
pescoço. Agora, mal parecia capaz de olhar para ela.
— Você pretende cortar minha garganta? — Seu coração pulou em seu
peito.
Ele a atraiu para a ilha simplesmente para matá-la e esconder seu
corpo? E o dinheiro? Não precisava mantê-la viva para receber?
E o que acontecera na noite anterior? Será que isso realmente
significava tão pouco para ele? Ele deixou seus sentimentos óbvios, que não
a desejava mais. Ouviu que era comum entre os homens, que uma vez que
se deitavam com uma mulher, perdiam todo o interesse. Havia sido uma
companhia adequada e nada mais, assim como as prostitutas que
provavelmente dormia. E nem tinha sido intrigante o suficiente para ele se
preocupar com uma segunda tentativa.
— Não seja ridícula. — Ela podia ver um músculo se contraindo em
sua mandíbula. — Há algo em seu ombro, provavelmente daquelas flores
que estava tão determinada a cheirar.
— Que tipo de coisa? — Ela girou os olhos, tentando ver, o tempo
todo consciente da lâmina tão perto de seu pescoço.
— Algo que vou arrancar com a ponta deste falcão. Então, não se
mova, ou eu posso cortar sua pele.
O pânico a atravessou. Era um ardil? Fora isso que aconteceu com
Sebastian? Assassinado por um guia que supostamente ajudava-o?
Realmente, não conhecia o capitão. A intimidade que compartilharam
havia sido uma farsa. Talvez esse tenha sido seu estratagema o tempo todo,
para acalmá-la em uma falsa sensação de confiança.
Ela não deveria correr?
Se chegasse às piscinas, poderia seguir a água rio abaixo. Poderia
nadar se necessário. Eventualmente, chegaria de volta ao mar, ou
provavelmente aos ilhéus. As aldeias não estavam sempre localizadas perto
de água corrente?
Ela lhes pediria proteção. Não importava o que o capitão dizia, não
machucariam uma mulher sozinha. Poderia até ter inventado tudo, sobre
serem hostis; poderia ter dito isso para mantê-la longe de qualquer um que
interferisse em seus planos.
O falcão tocou seu ombro e ela guinchou.
Movendo a cabeça um pouco, viu que havia algo ali.
Algo escuro.
Com pernas.
Pernas peludas.
Que estavam se movendo.
Quando a lâmina brilhou, Bathsheba gritou.
V criatura em seu ombro voar para a vegetação rasteira, Bathsheba
puxou suas roupas. Arrastando fora de sua mochila, ela abriu a camisa,
expondo o ombro.
— Isso me mordeu? Preciso que olhe, rápido.
Ela não havia sentido nada, mas e se sentisse? Quanto tempo levaria
para ficar roxa? Para sua garganta fechar até que não pudesse respirar, ou
para seu coração parar?
Abaixando o facão, ele estava imediatamente diante dela, seus dedos
roçando a pele sensível logo acima de sua clavícula.
Sua expressão era quase assustadora em sua intensidade.
Sua língua tocou seus lábios.
— O que é isso? — Ela não conseguia disfarçar seu pânico. — Está
vendo alguma coisa?
Imediatamente, ele se acalmou e deu um passo para trás, fechando o
rosto mais uma vez.
— Não. Nada. Você está bem.
Sua respiração deixou seu corpo em um grande suspiro de alívio, mas
sentiu as lágrimas transbordando mesmo assim. Assim, as empurrou
rapidamente, enxugando as bochechas e tentando sorrir.
— Bem, obrigada. Agradeço sua ajuda, Capitão de Silva. — Ela
fechou a camisa, os dedos trêmulos, fazendo um trabalho pesado nos
botões.
Ele não se mexeu, nem para lhe oferecer água, e nem para ajudá-la a
pegar a bolsa novamente.
No dia anterior, quando a puxou da beira do penhasco, a abraçou com
força, como se fosse preciosa. Agora, estava se comportando exatamente
como desde cedo, distante e indiferente, como se preferisse estar em
qualquer lugar, menos ali com ela. Era verdade que correu em seu auxílio,
mas isso não mudou seu humor.
Não havia nada a fazer a não ser manter a cabeça erguida e continuar
como se isso não a incomodasse.
Empurrando o cabelo para trás do rosto, virou-se e desceu a encosta.
Não era muito íngreme, mas, era escorregadio. Ela alcançou as
samambaias, pensando em se equilibrar, então lembrou-se do que ele disse:
não toque em nada.
Era bom que tivesse avisado, mas se não agarrasse algo, acabaria
escorregando. Supôs que ele acharia isso hilário – ou talvez não. Talvez não
se importasse mais com o que fazia, e apenas assistisse enquanto bancava a
boba novamente.
Com o maior cuidado possível, pegou um pedaço de videira. Parecia
bastante inofensivo. Sem aranhas, com certeza, nem formigas, nem
besouros, nem qualquer outra coisa com pernas. Parecia crescer ao longo
dos lados do abismo. Pode usá-lo como uma corda.
Olhando por cima do ombro, viu que ele ainda a observava, seu rosto
inescrutável.
Eu posso resolver as coisas por mim mesma.
Irei mostrar a ele.
Ele estava franzindo a testa ligeiramente, sem dúvida, prestes a lhe
dizer o que estava fazendo de errado.
De mão em mão, ela conseguiu dar quatro passos, mantendo os saltos
das botas enterrados.
Mais uma vez, ela lançou-lhe um olhar.
— Por acaso está me deixando ir na frente para lhe mostrar o melhor
caminho?
Ele cruzou os braços.
— Estou apenas dando espaço. A videira deve aguentar, mas se eu
acabar escorregando, levarei nós dois para o fundo. Não imagino que queira
que eu caia sobre você de vários metros acima.
Fez uma careta em resposta.
Ele poderia ir para o inferno.
Estava quase na metade do caminho quando um papagaio saiu
grasnando da vegetação rasteira. Com um grito, ela soltou a videira,
batendo direto em seu traseiro. O impacto a tirou do ar e, antes que tivesse a
chance de agarrar qualquer outra coisa, já deslizava para baixo. Com os
braços agitados, alcançou o fundo com força suficiente, fazendo-lhe rolar
por uma grande extensão de lama.
— Bathsheba!
Ela se virou para o lado, gaguejando, a tempo de vê-lo cair para trás e
escorregar propositalmente, embora tenha aterrissado com perfeição,
conseguindo ficar de pé.
Jogando sua mochila e facão no chão, ele caminhou até ela e se
agachou, levantando-a suavemente e sentá-la.
— Suponho que dirá que avisou — Ela tentou esfregar o rosto na
manga, mas foi um exercício inútil, pois estava toda imunda.
— Só estou verificando se está ilesa. Está, não? — Cuidadosamente,
tirou a mochila encharcada de lama de seus ombros.
— Tudo está arruinado. — Ela descobriu que seu lábio estava
tremendo.
— É apenas um pouco de comida. Vamos comer frutas em vez disso.
Temos muitas aqui.
— Mas... o lampião. — Ela engoliu em seco. — O vidro, eu o ouvi
quebrar.
Ele realmente estaria zangado agora, não estaria? Como conseguiriam
sem o lampião? Quase não havia lua. Estaria totalmente escuro, não
conseguiriam ver nada. E se uma aranha aparecesse, ou uma cobra? Não
saberia até que fosse tarde demais. Nem ele.
— Eu posso fazer uma pequena fogueira, algo que não crie muita
fumaça. — Com um sorriso, ele segurou o rosto dela com suas próprias
mãos enlameadas. — Você realmente precisa desse banho agora, Senhora
Ameaça.
Bathsheba fungou.
Ela o odiava.
Não?

E estar limpa novamente.


Não apenas da lama, mas da transpiração. Nunca tinha experimentado
um calor como aquele. A umidade encharcava qualquer um.
Torceu as calças, a camisa e as meias, depois as colocou sobre uma
pedra plana ao lado de um lagarto tomando sol; logo estariam secas.
Mas sua camisola e calções de baixo colocou de volta, assim que os
enxaguou. Quando de Silva voltasse, não queria que a encontrasse nua e
pensasse que estava se exibindo.
Havia perdido seus favores quando a repudiou naquela manhã. Se seus
desejos básicos mudassem de ideia, decidindo que valia outra tentativa, ela
lhe daria uma cutucada no olho.
Felizmente, as piscinas estavam separadas umas das outras por rochas,
a água rolando em cascatas sucessivas, e o capitão subira para a mais alta.
Bathsheba espremeu o excesso de água do cabelo e o penteou com os
dedos. O trançaria novamente quando estivesse mais seco.
Quando bateu no chão com um baque, tinha certeza de que seu traseiro
estava machucado, mas a água fria aliviava um pouco da dor, vigorosa o
suficiente para fazer sua pele formigar, mas sem se mover rápido o
suficiente para correr o risco de ser arrastada.
Pelo menos seu colar não havia quebrado. A grossa corda de elos de
prata manteve seu medalhão seguro.
Fechando os olhos, Bathsheba ouviu os sons da selva.
Uma árvore próxima estava cheia de papagaios de cores vivas, como
aquele que a havia assustado. Eles estavam se divertindo muito, acasalando,
pelo som que faziam, ou encontrando seus companheiros, o que fosse mais
barulhento. E havia alguma outra criatura por perto, tinha certeza, algum
tipo de porco selvagem, talvez, pois ouvia grunhidos.
Os olhos de Bathsheba se abriram.
Não apenas grunhidos, mas um gemido alto.
O mesmo som que de Silva havia feito ao fazer amor com ela.
Não, não fazendo amor. Sabia bem isso.
Estava enlouquecendo. Não significara mais do que significava para as
ovelhas e vacas da propriedade de seu falecido marido.
Outro gemido chegou até ela, quase angustiado.
Bathsheba mordeu o lábio.
E se estivesse com dor? Descera a encosta muito mais rápido do que
ela. Ele poderia ter se machucado e não ter lhe contado.
Ou poderia ter escorregado na água e batido com a cabeça? Isso seria
muito mais grave. Precisaria da ajuda dela.
Não podia simplesmente ignorá-lo.
Subindo na rocha plana, com a água fumegando da pele abaixo de sua
roupa íntima, arrastou-se para frente e olhou por cima da grande pedra que
dividiam as piscinas.
Ele estava de costas, de pé com as pernas afastadas, com água até nas
coxas, a cabeça jogada para trás e seus longos cachos molhados.
— Queridos Céus! — Ele era certamente algo para se ver.
Não tinha percebido a extensão das marcas em sua pele, tendo apenas
vislumbrado parcialmente, em seus antebraços. Agora, via que a tinta preto-
azulada cobria inteiramente a parte superior de seu corpo, um intrincado
padrão de quadrados, setas e linhas.
Nem tinha percebido o quão largos eram seus ombros, e suas costas –
firmes com músculos que se contraíam e flexionavam. Suas nádegas
também estavam tensas e firmes, flexionando enquanto ele movia o braço.
Ela o tocou em todos os lugares, mas não havia lhe visto inteiro, não
totalmente.
Queria tocá-lo agora.
Quanto a estar ferido, não parecia, embora continuasse gemendo e
grunhindo.
A água corrente o desequilibrou por um momento, obrigando-o a se
virar, e ela reprimiu um gemido.
Sob os planos de seu peito de pele bronzeada, modelado da mesma
forma que suas costas, sob a ondulação de seu estômago, e o rastro de
cabelo escuro que terminava em um corte mais grosso, sua mão agarrava
seu membro.
E estava totalmente excitado, e o membro pesado e cheio.
Paralisada, observou-lhe acariciando rápido e com força, quase
violentamente.
E então ele a viu.
Ela ofegou, de repente incapaz de se mover; incapaz até de respirar. A
selva ao redor dela, o zumbido dos insetos e o canto dos pássaros
desapareceram.
Olhos escuros encontraram dourados, cheios de necessidade.
E ele caminhou em direção a ela.

N o quão brava e magoada estivesse,, sabia bem que o queria.


Ela se aproximou, sentando-se na beirada da rocha. Se entrasse na
água, estaria dando seu consentimento.
Ele tiraria as roupas de baixo que separavam o corpo dela do dele e a
envolveria ao seu redor. A seguraria com força, com a água passando por
eles, sua dureza pressionada firmemente no lugar onde seus corpos se
juntariam.
Era inevitável que se entregasse novamente?
Que lhe deixaria fazer o que desejasse, sabendo que era apenas por um
momento?
Ele a alcançou antes que tivesse a chance de decidir.
Colocando as mãos sobre os joelhos dela, olhou para ela, seu rosto
angustiado.
— Bathsheba, perdoe-me.
Quando ela não respondeu, ele enterrou o rosto em seu colo e
murmurou súplicas enquanto os dedos dela se enroscavam em seu cabelo.
—Não precisa dizer essas coisas. — Mas seu coração saltou, no
entanto, por ter dito. —Não me deve promessas ou explicações.
Quando ele levantou a cabeça, pôde ver que contra o que estivesse
lutando, estava tão indefeso quanto ela.
— Eu não quero te machucar. — Sua voz era crua.
—Você não vai.
Em resposta, ele a ergueu e a abraçou, puxando-a para a proteção de
seu peito.
Quando mergulhou o rosto no dela, ela tomou o calor derretido de sua
boca, sabendo que queria se lembrar de cada parte dele, mas seus lábios
acima de tudo.
Importava o que estava por vir, em todos os meses e anos e décadas à
frente?
Pelo menos, teria aquilo: o conhecimento do que era ser fisicamente
adorada por um homem.
Não amor, sabia, pois o amor não nascia do capricho da atração, mas
algo parecido, um sentimento que torcia seu coração de uma maneira que
ela não entendia.
Ele a beijou longa e duramente, até que sua cabeça nadou com esse
sentimento.
Por que nunca soubera daquilo antes? Que um homem pudesse fazê-la
se sentir assim apenas com um beijo?
Desejando vê-lo, abriu os olhos.
Mas o que viu, parado atrás de Jorge, transformou seu sangue aquecido
em gelo.
Dois membros da tribo estavam na margem, cada um carregando um
arco. Vestidos com nada além de panos na cintura, seus peitos e braços
estavam fortemente escarificados e seus rostos pintados de branco.
Outros três haviam saído, com lâminas de osso levantadas.
Um segurava um porrete.
Quando o taco caiu na nuca de Jorge, seu atacante sorriu.
E seus dentes, afiados, manchados de vermelho profundo.
—A ,J !
Bathsheba sacudiu-o novamente, mas ele permaneceu curvado de lado,
sem responder.
Pressionou as mãos no rosto e na testa dele.
Ele não estava com febre. Nem havia sangue. Claramente tinha um
crânio grosso em mais de uma maneira.
Por que não conseguia acordá-lo?
Várias horas se passaram desde que ele ficara inconsciente. Na
cachoeira, pensou que haviam lhe matado e planejado o mesmo para ela.
Terríveis imaginações passaram por sua mente - que poderiam estuprá-la
primeiro, ou machucá-la de alguma outra forma, antes de descartar seu
corpo e o de Jorge.
Ela lutou, chorou e gritou; tentou nadar para longe, apenas para ser
puxada para trás por mãos fortes. A situação era desesperadora, mas não se
machucou.
Ainda não.
Os membros da tribo vasculharam suas roupas e mochilas antes de
jogar tudo de lado. Por algum motivo, não deixaram Jorge para trás, mas o
levaram de volta à aldeia, nu, pendurado em uma vara carregada nos
ombros de dois homens, com os tornozelos e pulsos amarrados.
Bathsheba foi obrigada a andar e agradeceu em silêncio por estar
parcialmente vestida, pelo menos, especialmente porque desfilaram pela
aldeia antes de serem trancados.
Diversas pessoas se aglomeraram ao redor — os homens a olhando
com olhos animados. Algumas das mulheres a haviam tocado quando
passou, as mãos estendendo-se para acariciar sua pele, uma tanto pálida
comparada a deles, tão lindamente lisas e marrons. Parecia que apenas os
homens marcavam seus corpos com cortes.
Houve um rascunho de conversa que ela não conseguia entender,
exceto que pareciam maravilhados com sua aparência, as crianças mais
novas principalmente, olhando para ela por trás das pernas de suas mães.
O chefe, vestido de forma mais elaborada do que aqueles que a
capturaram, usando um cocar de conchas e penas, enrolara o cabelo dela em
seu punho e depois o trouxera ao nariz e aos lábios, quase com reverência.
Caindo de joelhos, ela falou o nome de Sebastian, perguntando-lhes se
sabiam dele, mas ninguém parecia entender, nem se importar.
Ela e Jorge eram curiosidades, nada mais.
Parecia tudo um sonho horrível, exceto que estava acordada e
confinada a uma cabana sem janelas e sem meios de fuga. Ela cometera o
erro de abrir uma fresta da porta, apenas para ser saudada por sorrisos
maliciosos de dois de seus captores. Rapidamente, a fechou novamente, não
querendo lhes dar qualquer ideia de conhecê-la melhor.
Estava pensando em desatar os laços de Jorge, mas percebeu que seria
imprudente. Se a considerassem problemática, poderiam prendê-la também
– e então toda chance de escapar realmente desapareceria.
Desde então, estava sentada no escuro, ouvindo e esperando,
preparando-se para o que faria se viessem prendê-la. Ao contrário de Jorge,
ela não estava presa. Ainda podia chutar e socar.
Assim, ouvia vozes do lado de fora, no que parecia ser uma discussão
acalorada; sobre o que fazer com ela, supôs.
Mas ninguém abriu a porta. Ninguém fora até lá.
Com isso, encostou os joelhos no peito e tentou não pensar no que
poderiam fazer. Nem sobre os ruídos de arranhar na palha da cabana. Sem
luz, não podia ver, mas imaginava. A selva estava cheia de insetos; baratas
do tamanho da palma da sua mão, Sebastian lhe dissera uma vez.
Ela reprimiu um estremecimento.
Havia coisas piores do que baratas.
De alguma forma, por exaustão, cochilou um pouco, para ser acordada
por um toque suave em seu braço. Acordada, preparou-se para se defender.
Mas era apenas uma velha, enviada para trazer sua comida, um mingau
de algo pálido servido em uma folha. Embora seu estômago se revirasse de
medo e fome, Bathsheba não achava que conseguiria comê-lo.
A porta estava aberta, permitindo que visse um pouco do que estava
além: a luz do fogo e a multidão reunida.
— Ajude-me, por favor. — Bathsheba segurou a mão da mulher,
implorando, mas ela apenas sorriu. Seus dentes estavam gastos pela idade, e
seus olhos brilhavam.
Ela acariciou sua bochecha e tirou uma longa corda de conchas de sua
cesta, dando três voltas antes de passá-las sobre a cabeça de Bathsheba.
Seus dedos enrugados tocaram o medalhão, puxando-a.
— Não! — Bathsheba tentou pegar de volta. Não deixaria ninguém
levar o presente de Sebastian. Mas a velha apenas fez ruídos
tranquilizadores e a deixou.
Outras coisas emergiram da cesta: um cocar de coral e uma saia grossa
de grama, trançada no topo para formar um cinto ao redor dos quadris. A
velha puxou a camisola e os calções.
— Não! Eu não vou!
Como poderia? Tirar suas roupas íntimas e colocar essas coisas
primitivas?
Exceto que não eram realmente rústicas. Mesmo na penumbra, podia
ver que eram lindamente feitas com penas e conchas entrelaçadas na grama.
A velha os colocou no chão, acenando para Bathsheba ver por si
mesma.
A última coisa do cesto foi um pedaço de pano, que a velha passou a
estender na cintura de Jorge. Ela o virou, colocando-o de costas no chão e
exclamou, colocando uma mão apreciativa em seu estômago e virando seus
olhos maliciosos para Bathsheba.
Sim, era bonito e forte. Um homem que qualquer mulher admiraria,
pensou Bathsheba.
Assim, se agarrou à esperança de que talvez nenhum mal lhes
acontecesse. Se iam ser mortos, por que se dar todo esse trabalho? Ainda
havia uma chance de que tudo ficaria bem. Uma chance, até mesmo, de que
os aldeões soubessem onde Sebastian estava, ou que estivesse ali, em uma
das outras cabanas.
Bathsheba se esforçou para manter a calma, vestindo a fantasia.
Embora as conchas mal cobrissem seu peito, com o cabelo preso na frente
de cada ombro, estava decente o suficiente.
Acenando em aprovação, a velha sorriu novamente antes de mancar até
a porta.
Logo, Bathsheba voltou para o lado de Silva.
— Jorge! Acorda.
E se ele não o fizesse?
E se fosse deixada sozinha para enfrentar o que viesse a seguir?
Havia vozes do lado de fora novamente, e uma batida constante de
tambores. Um comando implacável para todos os que os ouviram.
Uma convocação.
O que quer que fosse acontecer, seria em breve.
Dentro de seu peito, seu próprio coração batia, mais rápido que o ritmo
sensual dos tambores, uma consciência palpitante da carne e do sangue de
seu corpo. O capitão nunca havia falado sobre isso abertamente, mas ela
sabia, lendo as publicações de seu pai, o que Silva havia sido muito político
para dizer abertamente, e o que tentou evitar admitir para si mesma.
Os Bughotu das Ilhas Salomão acreditavam que os deuses exigiam
sacrifícios de comida, mas não apenas de porcos, cabras ou pássaros. Em
alguns lugares, como nas terras altas da Nova Guiné, também sacrificavam
humanos, para ocasiões especiais, geralmente cativos de guerra ou
escravos.
E o que ela era?
— Jorge, por favor!
O que mais poderia fazer?
Inclinando-se, gentilmente roçou seus lábios nos dele.
Não houve qualquer resposta.
— Jorge, é hora de acordar! —Deu um soco no ombro dele em
frustração, então enterrou o rosto nas mãos. Não foi culpa dele, não é? Que
tenha ficado inconsciente e talvez nunca mais acordasse.
Se era culpa de alguém, era dela. Ele não queria ir; tinha deixado claro
desde o início. Foi ela quem insistiu, apesar de seu aviso de que a busca
seria inútil, apesar de ter lhe dito que a expedição era muito perigosa.
Se morressem ali, seria a culpada.
No entanto, um núcleo de raiva queimava dentro dela. Não poderia
fazer isso sozinha. Precisava dele!
Se não para ajudá-la a escapar, simplesmente para confortá-la, e
abraçá-la uma última vez antes que enfrentasse o que estava por vir.
Ela o beijou de novo, mas desta vez, mordendo seu lábio com força
suficiente para sentir gosto de sangue, e onde quer que ele estivesse, isso
não o trouxe de volta.
— Maldito seja, de Silva!
Só havia uma coisa para tentar.
Puxando a tanga, pegou seu membro na palma da mão e começou a
acariciar, assim como vira ele fazer na cachoeira. Enquanto movia a mão
mais rápido, ouviu-lhe murmurar algo. O nome dela? Tinha certeza de que
havia sido seu nome.
— Jorge. Estou aqui. —Fez uma pausa, ainda agarrando-o, agora com
força em sua mão. — Sou eu, Bathsheba. Dê-me um sinal de que pode me
ouvir. Por favor. Qualquer coisa!
Ele se mexeu novamente e ouviu-lhe dizer seu nome. Estava sonhando,
tinha certeza, chamando por ela daquele lugar de sono mais profundo.
Havia anseio em sua voz, um desejo atormentado pelo que estava fora de
alcance. Conhecia aquela fome, pois também a sentia, aquela necessidade
elementar.
Era errado tocá-lo enquanto permanecia daquele jeito?
Talvez fosse, mas sabia que a desejava. Ou pelo menos, sabia que seu
corpo procurava o dela.
Ela começou a mover a mão novamente e, desta vez, ele murmurou
não apenas o nome dela, chamando-a de “minha Bathsheba”, mas
murmurou “sim”.
— Ah, Jorge! —Estava tão perto de despertá-lo. O que mais poderia
fazer?
Estaria rígido o suficiente para que pudesse fazer amor corretamente?
Ele não poderia dormir com isso.
Mas, se seus papéis fossem invertidos, como se sentiria, tendo ele a
possuído dessa maneira? Seria uma imposição, tocá-la tão intimamente,
penetrá-la sem seu consentimento consciente, mover-se dentro dela
enquanto dormia.
Mesmo in extremis, não era uma decisão a ser tomada sem pensar. Mas
que escolha tinha? Precisava que acordasse e, se isso não funcionasse, nada
iria funcionaria.
Assim, apertou a mão com mais força sobre sua circunferência e, em
resposta, um gemido de profunda necessidade escapou dele.
Foi o suficiente.
Levantando as saias, montou nele, guiando a cabeça úmida de sua
ereção entre suas pernas. Pouco a pouco, o tomou, surpresa com o quão
fácil era que seu corpo aceitasse o que estava fazendo.
— Sinta isso, Jorge. Sinta e volte para mim. — Moveu os quadris em
um círculo, puxou o cabelo em seu peito, então correu as mãos para baixo,
para o plano de seu estômago. Resistiu, fazendo-o se mover dentro dela,
então mergulhou novamente, montando-o mais forte.
E mesmo assim, era capaz de lhe dar prazer, mas, embora seus
gemidos continuassem, ele ficou imóvel. Precisaria trazê-lo até sua
libertação? Com cada movimento de seu corpo, o amaldiçoou e implorou.
— Jorge! — Ela enxugou uma lágrima que derramou em seu nariz. —
Se me ama, acorda. Acorda. Acorda!
Com cada impulso, seus músculos internos se contraíam. Algo estava
crescendo dentro dela como as batidas de tambor lá fora. Com lágrimas
caindo, ofegou e empurrou seus quadris para frente novamente.
Era ela quem estava tendo sua libertação.
E, quando o prazer abrasador lhe atingiu, o homem abaixo dela
estremeceu e ofegou.
J ciente de um peso em sua pélvis e calor, mas não conseguia
ver nada.
Tinha uma dor de cabeça ofuscante, porém, sua boca estava seca como
poeira.
Teria bebido?
O peso aumentou e a voz de uma mulher assobiou em seu ouvido.
— Jorge, graças a Deus! Achei que nunca...
Uma mão veio ao seu rosto.
— Você está bem?
Há quanto tempo estaria assim? Mal podia sentir seu corpo. Molhando
os lábios, encontrou sua voz.
— Sim, mas não consigo me mexer.
— Você está amarrado. Eu queria desamarrar, mas estava preocupada
com o que poderia acontecer se o fizesse.
Ele respirou fundo, tentando novamente mover seus membros,
sentindo as amarras em torno de seus pulsos.
— Eu posso fazer um buraco na parede, talvez, o suficiente para nos
espremermos, mas vou precisar das minhas mãos, Bathsheba. E meus pés
também, se for sair daqui.
— Sim, claro. — A ouviu dizer.
Encontrando suas mãos, ela puxou os nós.
— Estou tão feliz que esteja acordado. Já se passaram horas, e eu
estava tão preocupada. Eu pensei... isto é... estava começando a pensar... —
Ela puxou os laços e ele sentiu algo se soltar. — Ah, é isso.
Ele estremeceu, esfregando para obter o sangue de volta.
— Vou nos tirar daqui, Bathsheba.
— Eu sei que vai. — Ela se moveu para seus tornozelos. — Nós vamos
conseguir, juntos.
Assim, flexionou os pés quando as amarras finais se soltaram. Mas
ainda estavam muito entorpecidos para ficarem de pé, porém podia rastejar
e cavaria para sair, se necessário.
No entanto, não conseguiu mais do que empurrar os cotovelos quando
a porta se abriu. Ele apertou os olhos contra a iluminação repentina da sala,
capaz de ver apenas as silhuetas daqueles que estavam na soleira.
Estava sem tempo.
E, enquanto o arrastavam para cima, viu a fantasia que deram a
Bathsheba para vestir.
O cocar de coral e o cinto cerimonial de uma noiva.
B os membros da tribo para longe e atacou com os pés
quando a ergueram entre eles.
Jorge foi arrastado atrás, ainda mal conseguindo ficar de pé, embora
permanecesse solto, pelo menos.
— Não o machuque! — O coração de Bathsheba disparou
descontroladamente. Nunca se sentiu tão impotente.
Através da escuridão, ouviu a batida do tambor: mais alto, mais forte,
mais insistente.
Centenas de olhos a encontraram —olhos que sabiam o que estava para
acontecer, embora ela não soubesse.
Carregada pela multidão, desta vez, ninguém a tocou. Recuaram
quando passou. Onde o chefe estava sentado, diante de uma fogueira
central, eles a baixaram ao chão, empurrando seus ombros para indicar que
deveria se ajoelhar. Depositado sem a menor cerimônia ao lado dela, Jorge
recebeu um tratamento mais rude, chutado atrás dos joelhos, depois puxado
pelos cabelos.
Aos pés do chefe estava sentada uma multidão de mulheres, esposas ou
filhas, ela não saberia dizer, mas seus olhares estavam longe de ser gentis.
Ao lado, estava um homem mais jovem cujos olhos, cercados de
branco, perfuravam-na.
Trinta ou mais os cercavam, cada um adornado com braceletes de
folhas em volta dos tornozelos e braços, e rostos escondidos por máscaras
esculpidas em exagero grotesco. Mas estava ciente de seus olhos, brilhando
atrás de fendas abertas na madeira.
Ao sinal de uma batida única e ressonante, se moveram em uníssono.
Com os pés batendo, se viraram, alcançando o alto e depois se agachando,
as mãos torcendo enquanto dançavam ao ritmo lento e ritmado do tambor.
Um deles recebeu um galho em chamas e, correndo para a borda
externa, acendeu algo no chão, uma substância que incendiou, correndo
rápido para envolvê-los.
Ao som do tambor, o bater dos pés ficou mais frenético e eles saltaram
através do fogo, dentro e fora do círculo, girando e girando, cada vez mais
rápido.
O que quer que estivesse alimentando as chamas, sua fragrância era
doce, um perfume inebriante e potente que fez a cabeça de Bathsheba ficar
pesada e sua visão embaçada. Faíscas e formas voadoras entraram em sua
visão e saíram novamente.
A batida pulsava através de seus ossos e seu coração, fazendo sua
cabeça latejar e seu sangue pulsar.
E então parou.
A noite estava quieta e não havia nenhum som, exceto o da floresta, o
sempre presente zumbido e coaxar da vida noturna.
— Jorge, estou com medo. — Mesmo para seu próprio ouvido, sua voz
era baixa, mas ele deve tê-la ouvido, pois sua resposta sussurrada veio.
— Não faça nada para se pôr em perigo. Sobretudo...
Antes que pudesse terminar, um pé em suas costas o fez cair no chão,
mas logo foi puxado novamente, e o homem cujo punho segurava o cabelo
de Jorge deu uma dura reprimenda.
— Não! — Bathsheba gritou, mas a visão da adaga de osso na garganta
de Jorge tirou sua voz completamente.
Aquele era o fim?
Ela ofegou com horror, mas o homem da tribo apenas a olhou e sorriu.
Aqueles dentes — tão pontudos e tão vermelhos!
Canibais!
Bathsheba choramingou quando a lâmina pressionou com mais força o
pescoço de Jorge, tirando sangue que escorria escuro. Por dentro, ela gritou,
mas não havia nenhum som, apenas o bater de seu coração, batendo
impotente em sua jaula.
A voz de um homem gritou e Bathsheba levantou a cabeça para ver
havia falado.
O chefe interviria? Poderia implorar?
Mas foi o jovem que deu um passo à frente. Em cinco passos ele pegou
a faca em suas mãos, seus olhos cheios de determinação e, para terror de
Bathsheba, voltou sua atenção para ela. Com pressão, sua mão varreu em
seu cabelo. Pegando um punhado grande, puxou com força e a ponta afiada
da lâmina brilhou.
Ela fechou os olhos com força, esperando o perfurar de sua pele, a
picada cortante que deveria vir.
Mas havia apenas o puxão da lâmina em seu cabelo. Abrindo os olhos
novamente, viu a longa meada que ele segurava, brilhando vermelho no
brilho da luz do fogo.
E, em seu dedo, uma chama dourada de outro tipo.
Uma pedra preciosa oval que ela conhecia tão bem.
Topázio.
O anel só poderia ser dele. Do irmão dela. Apenas de Sebastian. O anel
que usava desde seu vigésimo primeiro aniversário, uma herança passada
por sua família por gerações. O anel que estaria usando quando
desapareceu.
Ele estava morto, então, pois nunca teria abandonado seu anel se assim
não fosse.
Aquele homem o havia matado?
Quis pegar a faca e enfiá-la no seu coração, para vingar o assassinato
de seu irmão. Mas, ele foi rapidamente embora. E, com um grito de triunfo,
jogou as madeixas que havia cortado no fogo central. Brandindo a lâmina
com ousadia, apontou para ela e gritou para o chefe, que se levantou,
sacando sua própria faca, o rosto sombrio de desgosto.
— Jorge? — Bathsheba pegou sua mão.
Seu rosto estava pálido.
— Deverá se casar, e fazer conforme irão lhe dizer. Prometa-me!
Casar-me?
— Não entendo. — A fumaça perfumada estava ficando cada vez mais
espessa, e sua cabeça sonolenta.
Jorge apertou-lhe os dedos.
— Há uma chance de se salvar. É o seu cabelo, vermelho como o
coração do vulcão.
— Jorge! Não!
— O vulcão deve ser apaziguado. O chefe beberá meu sangue,
oferecendo-o como libação, prometendo seu primeiro filho às profundezas
do vulcão.
Bathsheba recuou. Como poderia existir tanta crueldade?
— Devemos ter esperança nisso. — Seus olhos imploraram a ela. —
Seu filho nos levaria imediatamente, nos jogando no vulcão.
Bathsheba balançou a cabeça descontroladamente, tentando entender o
que lhe dizia. Deveria ficar parada enquanto o matavam? Em seguida,
deitar-se com outro homem, possivelmente naquela noite.
Deitar-me com ele até que estivesse grávida, e então tirar o bebê e
entregar como sacrifício?
Era horrível demais.
Insano!
Não deixaria isso acontecer.
Como Jorge poderia lhe dizer para aceitar tal coisa? Ele era forte.
Poderia lutar contra eles. Lutariam juntos. Era melhor morrer rapidamente
do que suportar o que estava propondo.
— Eles agem apenas como acreditam que devem. — Jorge apertou a
mão dela com mais força. — Permaneça viva, então fuja quando puder.
Lembre-se, o navio retorna daqui a um dia inteiro, ao amanhecer.
— Não! — Com um grito, ela se levantou e, ao fazê-lo, sentiu um
tremor no solo, uma onda crescente de poder, um tremor que se moveu pela
terra e pelos ossos de seu corpo.
Seus olhos voaram para os de Jorge.
Estava acontecendo de novo.
Quando os tremores ganharam força, houve gritos de medo. As
mulheres gritavam para os filhos e os maridos para as esposas. Alguns
correram, cambaleando cegamente; outros caíram no chão, prostrados.
O mundo estava em comoção.
Com a fumaça do fogo ao redor ficando espessa e o pandemônio de
pânico, ninguém os observava.
Bathsheba deu a mão a Jorge e ele assentiu.

C mãos apertadas com firmeza, eles se jogaram pelo anel de fogo,


rolando em segurança para o outro lado.
— A praia; suas canoas... — Jorge ofegou com a fumaça que flutuava.
— Posso tentar segurar os remos. E poderá ajudar.
A mente de Bathsheba girou. Talvez pudessem, mas as canoas eram
grandes — projetadas para mais de duas pessoas remarem. Assim que os
tremores parassem, os ilhéus os perseguiriam. Quanto tempo levaria para
alcançá-los?
— Não, a cachoeira. — Bathsheba puxou Jorge. — Podemos nos
esconder mais facilmente na selva, depois nas cavernas.
Outro grande estrondo sacudiu o chão abaixo deles, como se o trovão
habitasse a própria terra. Bathsheba caiu, mas Jorge a ergueu novamente.
Com os braços em volta um do outro, tropeçando, cambaleando,
chegaram à beira da selva, avançando. Com pouco luar e o dossel denso
acima deles, era difícil ver o caminho, mas os membros da tribo a levaram
primeiro por uma ladeira íngreme, depois novamente para a aldeia, que
dava para a baía. Se ela e Jorge subissem o cume do morro, deveriam
encontrar os pequenos lagos do outro lado.
De trás vieram mais gritos, um lamento de criança, gritos que
chegaram até eles enquanto subiam, rastejando.
Por fim, alcançaram o cume e Bathsheba caiu no chão, os pulmões
queimando e as pernas doendo. As solas de seus pés estavam arranhadas e
cheias de bolhas, mãos e joelhos também, mas ainda faltavam muito, e o
chão ainda tremia sob eles, tornando cada passo quase impossível.
Respirando com dificuldade, Jorge olhou para fora, examinando a
silhueta escura das colinas contra o céu estrelado.
— Você está vendo?
Limpando o suor de seus olhos, seguiu para onde ele apontava.
Além das copas das árvores, do outro lado da ilha, onde o pico do
vulcão estava envolto em fumaça, agora iluminava o céu com um brilho
sinistro de laranja, dourado, rosa e vermelho ardente.
— A terra está se abrindo para derramar seu calor. — Jorge olhou para
ela, com o rosto ferido. — Precisamos sair da encosta, e rapidamente.
— Mas como? Onde? Não consigo…
Quantas horas levariam para refazer seu caminho? Muitas, e não sabia
até onde poderia correr.
Jorge a estava puxando para ficar de pé.
— Há outro caminho. Se eu estiver certo, a saliência passa por trás da
cachoeira e do outro lado. Podemos chegar até lá.
— Atrás?
Ele estava louco? Era verdade que a saliência continuava naquela
direção, mas andar atrás da água em movimento? A força disso iria dominá-
los, com certeza. Como poderiam tentar uma coisa dessas? E, se antes já
estava com medo o suficiente, pensar em voltar com a rocha tremendo até o
centro, era alarmante!
— Eu não posso. — Mais uma vez, balançou a cabeça.
—Pode, sim. — Jorge agarrou seus ombros. — Mesmo que eu tenha
que carregá-la.
Com isso, ele pegou a mão dela e avançaram pela selva novamente,
desta vez indo para os penhascos que cercavam o vale, Bathsheba seguindo
para onde a conduzia.
Conforme a folhagem diminuía, viu que ele estava certo. Estavam bem
acima das piscinas novamente, desta vez do outro lado, e a plataforma
corria como da primeira caverna, abraçando a curva do penhasco escarpado.
Abaixo, há centenas de pés, estava a água em que se banharam. Seus olhos
deslizaram para baixo, e seu estômago revirou.
Outro tremor veio de repente, jogando-a contra o peito de Jorge.
Fechando os olhos, se agarrou a ele.
— Eu não posso — choramingou. — Eu não posso.
— Eu sei que pode, ajudarei. Assim. — Ele a posicionou de frente para
a rocha, pegou as duas mãos dela e colocou-as espalmadas, enfiando os
dedos em torno das saliências na rocha, com os seus próprios, quentes,
sobre os dela. — Não há abismo, apenas a rocha sólida. Estou bem atrás de
você, Bathsheba. Quando minhas mãos se movem, as suas também.
Apenas a rocha, Bathsheba disse a si mesma. Não há mais nada,
apenas a rocha.
Lentamente, se arrastou com ele, deixando-o guiar suas mãos para
novas posições e, a cada novo tremor, ele pressionava seu corpo contra o
dela, segurando-a contra a face do penhasco, seus dedos curvados para
segurar firme, embora as bordas afiadas cortassem.
À medida que se aproximavam, o jato se tornava espesso,
encharcando-os em uma névoa fria. Bathsheba olhava para trás, olhando
para o caminho por onde haviam ido. Não muito longe, na verdade, mas o
mais que puderam.
O céu estava ficando mais claro.
Do sol nascente, ou da fúria do vulcão, ela não sabia dizer, mas luz
suficiente para vê-los: três figuras emergindo da selva. Três membros da
tribo, seus rostos pintados de branco e seus olhos selvagens, cada um
armado com um arco.
— Jorge!
Ao grito dela, ele se virou.
E a primeira flecha foi lançada.
Enquanto Jorge pressionava os dois contra a rocha, ela sentiu suas
flechas, tão perto que o ar roçou seu rosto. Viu os outros membros da tribo
erguerem seus arcos, mas um rugido poderoso encheu o ar e a rocha
pareceu se mover. O penhasco estava se partindo em dois, uma grande
fenda fazendo a saliência tombar.
— Não há tempo! — Jorge a envolveu em seus braços e a ergueu
rapidamente, correndo desesperado pela água.
J acreditar que haveria uma segunda caverna, um lugar
grande o suficiente para se abrigar atrás da cachoeira.
Não apenas a saliência atrás deles havia desaparecido, mas também a
do outro lado da cachoeira. O mundo estava caindo ao redor deles, e
precisava que o mapa de Sebastian fosse verdade. Tinha que haver uma
segunda caverna.
A princípio, perguntou-se se estariam mortos, se aquele era o além —
sem vida, frio e silencioso. Mas Bathsheba ainda estava em seus braços,
tremendo de medo, e seu próprio coração batia forte.
Ele os levou tão fundo na rocha quanto pôde, exausto, colocou-a no
chão e se deitou ao lado dela. Se estes eram seus últimos momentos, a
queria perto.
— Jorge. — Ela pressionou a bochecha contra o peito dele.
— Estou aqui. Estamos a salvo. —Precisava dizer isso, fosse verdade
ou não.
Quanto tempo ficaram nos braços um do outro ele não sabia dizer,
mas, finalmente, percebeu que o tremor ao redor havia cessado. O único
som era o correr da cachoeira e o sempre presente gotejar e correr de
riachos de umidade.
— Parou. — Ela se apoiou no cotovelo, alerta, escutando, espiando
através da escuridão.
Sentando-se, tentou ajustar os olhos. A câmara era quase do mesmo
tamanho que a outra, mas havia algo bem diferente nela.
Bathsheba ficou de pé, caminhando timidamente até a parede mais
próxima, passando as pontas dos dedos pela superfície, movendo-as em
todas as direções.
— Jorge, venha e veja. É... macio, mas também há marcas, como se
algo estivesse gravado.
Ela estava certa. Algo nas paredes era estranho.
Estava quase ao lado dela quando soltou um ganido, o dedo do pé
encontrando a ponta de algo afiado no chão. Amaldiçoando, se inclinou
para esfregar o pé e tateou para frente. Fosse o que fosse, não desejaria
encontrá-lo novamente. Seus dedos pousaram em metal e vidro — um
cilindro sólido com uma alça no topo. Um lampião?
— Você está bem? — A voz de Bathsheba ecoou.
Assim, procurou uma portinhola. Óleo ou vela?
Ele só podia esperar...
— Mais do que bem. — Seus dedos se fecharam ao redor do toco da
vela e da caixa de fósforos dentro. A questão era se permaneciam secos o
suficiente para acender.
Foram necessários quatro golpes antes que a chama e o pavio se
acendessem, mas os efeitos foram imediatos.
— Deus do céu! — Bathsheba deu um passo para trás da parede, então
se virou. — Jorge, por acaso já viu algo assim?
Tomando o lampião dele, ela procedeu a cada superfície, passando a
mão sobre os entalhes dentro das paredes. Do chão ao teto, a caverna havia
sido transformada, retratando não apenas a ilha em toda sua beleza
exuberante e os habitantes nativos, mas o próprio vulcão, esculpido em
detalhes intrincados no centro de cada parede.
— Que belo trabalho! — Bathsheba estava maravilhada. — Eu me
pergunto há quanto tempo está aqui. Séculos talvez... Um tesouro
escondido.
Jorge foi atrás dela, colocando as mãos em seus ombros, deixando seus
olhos vagarem por todo lado.
Tesouro.
Claro.
— Você acha... poderia ser... que isso era o que Sebastian veio
procurar? — Bathsheba ergueu a luz, olhando para o rosto de Jorge. — Que
o lampião era dele? E que viu tudo isso, assim como estamos vendo agora?
— Acho muito provável. — Jorge engoliu em seco.
— Eu gostaria que pudesse tê-lo conhecido. — Bathsheba agarrou o
medalhão em volta do pescoço. —Sei que ele não está mais vivo. — Ela fez
uma pausa, como se esperasse uma contradição. — Foi o anel, sabe; o anel
de topázio. — Ela mordeu o lábio. — O filho do chefe estava usando, e
onde mais poderia tê-lo encontrado, senão com Sebastian? — Seu rosto
enrugou quando as emoções vieram correndo. — Talvez eu soubesse o
tempo todo, mas eu tinha que vir. Precisava saber.
Envolvendo-a em si, Jorge apoiou a face no alto da cabeça dela.
Tinha visto – o anel. Seus captores vasculharam suas roupas, claro,
mas Bathsheba não sabia que ele estava com o anel o tempo todo. E
também não sabia do mapa.
Certificou-se disso, não fora? Uma mentira atrás da outra.
Por que a trouxe aqui?
Pelo dinheiro — sim. Mas outra coisa também. Naquele dia em
Fairfax, quando mostrou-lhe o que seu irmão significava, ele queria alguma
proximidade com esse amor. Não que tivesse percebido isso na época.
E agora?
Havia negado por tanto tempo o que ansiava que não o reconheceu
quando a chance de felicidade estava bem diante dele. Claro, não tinha
expectativas. Como poderia, quando o mundo dela era tão diferente do
dele?
Ele se orgulhava de sua herança e do dever que carregava para com
aqueles de quem se importava, mas também havia coisas das quais se
envergonhava. Coisas que havia sido obrigado a fazer. Coisas que queria
deixar para trás.
Uma mulher como Bathsheba Asquith poderia aceitar essa parte de sua
vida?
E as mentiras que contou a ela? Poderia perdoá-lo?
Ainda poderia esconder a verdade, e ela nunca saberia, mas, se
houvesse a possibilidade de um futuro, como iria viver consigo mesmo?
Uma coisa ele sabia; o amor nunca floresceria no engano.
Enxugando as lágrimas de suas bochechas, ela estendeu-lhe o
medalhão ao redor de seu pescoço e abriu o trinco, levantando-o. Dentro
havia o retrato de um jovem de cabelos louros. Tinha o mesmo olhar,
embora os olhos dele fossem azuis.
Jorge conhecia aquele rosto. Ele vira, não? Queimado e empolado pelo
sol, a centelha de vida escurecendo naqueles olhos. Ele ouviu as últimas
palavras do homem — o nome de sua irmã em seus lábios.
— Bathsheba. — A garganta de Jorge estava grossa, uma dor tão forte
que não sabia o que fazer, nem o que dizer.
Tinha que dizer a ela.
Lentamente, vacilante, contou a história — apenas omitindo os
detalhes que iriam causar-lhe sofrimento. Do resto, não omitiu nada: o
mapa, o anel, sua própria ocultação. A cada admissão, ele via a descrença e
o choque dela crescerem.
Por fim, não havia mais nada a dizer e seus olhos olharam para ele de
forma acusadora, seu rosto uma máscara branca.
— Você me deixou acreditar que havia uma chance... me trouxe aqui...
e o tempo todo, sabia da verdade.
Ela deu um passo para trás.
— Era tudo por dinheiro então. Tudo. Você nunca sentiu... — Seus
lábios pressionados em uma linha fina. — Que estúpido da minha parte.
— Não, você está errada. — Ele fechou a distância entre eles,
estendendo a mão para ela. — Eu cometi erros, é verdade, mas o sentimento
entre nós é real.
— Real? — Ela empurrou a mão dele e cuspiu a palavra, e foi como
uma adaga em seu coração. — Nada aqui é real.
— Bathsheba! — Seu peito estava tão apertado que ele mal conseguia
respirar. Precisava que ela acreditasse.
Ele estendeu a mão para novamente, mas ela saltou para frente,
batendo em seu peito.
— Te odeio. Odeio você. Odeio você. — Seu rosto se contorceu, seus
olhos cegos pelas lágrimas. — Eu gostaria de nunca ter lhe conhecido.
Nunca ter visto ou ouvido falar de você. Tudo foi uma mentira!
— Bathsheba, não... —Tentou segurar seus punhos, mas depois a
deixou em paz. Ele merecia sua raiva. Se bater nele aliviava sua dor, devia
isso a ela.

F , perdeu sua força, caindo contra ele novamente, soluçando


sua dor e tormento. Não sabia o que fazer com a miséria torcendo dentro
dela.
Se Jorge tivesse dito a ela, naquele primeiro dia, que acreditava que
Sebastian estava morto, teria feito alguma diferença? Não teria exigido que
a trouxesse ali, para ver com seus próprios olhos o que havia atraído seu
irmão para este lugar? Talvez de Silva também soubesse.
Queria odiá-lo, e o fez, mas parte dela o admirava também. Por mais
duvidosos que fossem seus motivos, manteve sua palavra desde que
chegaram à ilha. Provou ser corajoso. E tentou mantê-la segura. Em seu
coração, sabia que ele era honrado.
E, agora, ali estavam eles, presos na caverna enquanto a ilha se
desfazia, sem saber quanto tempo levaria até que o vulcão destruísse tudo.
Se morressem, queria encontrar seu fim assim, dizendo que não
poderia perdoá-lo, lutando com ele em vez de deixar que a abraçasse?
Conheciam-se há pouco tempo, mas tempo suficiente para ver que ele
era diferente de qualquer homem que havia visto.
Estava finalmente começando a se conhecer também – depois de todos
aqueles anos tentando ser o que as outras pessoas esperavam. Sem ele, isso
nunca teria acontecido.
Nos últimos dias, escalou túneis subterrâneos e nadou em piscinas de
cristal, enfrentou seu medo de altura e sobreviveu a um encontro próximo
com uma aranha mortal — sem mencionar a captura por canibais. Ela
enfrentou o perigo a cada passo, mas, apesar de tudo, nunca se sentiu mais
viva.
O Guia para uma Lady estava certo — o único caminho para a
felicidade era desafiando seus medos.
E do que estava com medo agora?
De morrer ali — sim.
Mas também de morrer quando sua vida havia apenas começado, uma
vida de aventura e liberdade, e de grande paixão, com um homem que a
emocionava profundamente.
Havia tantas coisas que ela queria.
— Bathsheba. — Jorge falou o nome dela baixinho. — Não importa o
que pensa de mim, não me arrependo de conhecê-la ou trazê-la aqui.
Mesmo que isso signifique o fim, estou feliz por estar comigo.
Assim, colocou a mão sobre o peito dele, onde seu coração batia, e o
dela lhe disse que ele estava falando a verdade.
Mas seria este o fim? Seria muito cruel se fosse. Os amantes corajosos
não mereciam um felizes para sempre? Talvez o dela ainda estivesse ao seu
alcance, se procurasse o suficiente.
— Não quero que seja o fim. — Bathsheba pegou a mão de Jorge na
sua. — Lembre-se do mapa de Sebastian. Duas cavernas lado a lado, sendo
a primeira marcada com uma cruz. Se isso não significava tesouro, então o
quê? A rota mais fácil pelos túneis para chegar à borda, provavelmente, de
onde esta segunda caverna era alcançável.
Jorge assentiu, deixando-a falar.
— Talvez não tenha sido o único caminho. — Quando a ideia lhe
ocorreu, Bathsheba mal podia conter sua esperança. — Nós estávamos em
uma bifurcação com uma inclinação íngreme desgastada pelo gotejamento
de água. — Ela levou Jorge mais adiante, até onde a caverna se estreitava e
o teto descia. — Isso não pode nos levar diretamente a este lugar? —
Segurando a lanterna para iluminar as sombras, inclinou-se.
Por onde a água fluiria?
Uma abertura perto do chão, provavelmente.
Com certeza, havia um buraco, e de tamanho grande o suficiente para
até Jorge se espremer. Mas, só teriam que esperar que não diminuísse ainda
mais, ou ficariam presos para sempre dentro da rocha – enquanto “para
sempre” durasse.
— Tem certeza disso? — Jorge olhou para a escuridão.
— Que eu não quero que este seja o fim? — Bathsheba levou a mão
dele ao rosto. — Com certeza.
— Então mostre o caminho Senhora Ameaça. A rocha é lisa o
suficiente para que a água nos ajude a deslizar.
Era um salto para o desconhecido, mas ela estava pronta.

F tempo desde que comeu. O corpo e a cabeça de Bathsheba


doíam, e suas pernas estavam pesadas, mas havia uma nova leveza em seu
coração quando deixaram os túneis, emergindo para o sol do final da tarde,
para uma brisa, quente e suave, e o mar azul safira.
Escavando o cascalho, eles recuperaram o barco, Bathsheba ajudando
Jorge a empurrá-lo para a beira da água. Somente quando a proa atingiu a
água o tremor começou novamente, enviando ondas da costa para encontrar
as ondas que se aproximavam.
— Rápido. — Jorge a mandou pular e pegou os remos. — Vamos
continuar remando, até onde pudermos.
Ao deixarem a baía, o cume da ilha apareceu, o vulcão exibindo uma
auréola ardente, expelindo uma nuvem de fumaça. A lava estava se
movendo rapidamente, engolindo tudo em seu caminho — uma força da
natureza sacudindo as fundações de tudo o que a ilha havia sido.
— Nós não somos os únicos a sair. — Ele assentiu para a popa e
Bathsheba viu uma frota de canoas movendo-se com firmeza pela água.
Os ilhéus tentaram apenas o que achavam necessário para proteger
aqueles que amavam. Quase custara a vida de Jorge e a dela, mas ela não
conseguia sentir raiva. Agora, com o vulcão em erupção, eles não tinham
escolha a não ser deixar para trás tudo o que conheciam, entrando em águas
desconhecidas.
— Espero que encontrem o que precisam. — Bathsheba observou
Jorge puxar os remos, seus pulsos roxos e roxos, e eles ficaram sentados em
silêncio por um tempo.
O que diriam os Asquith se pudessem vê-la agora, sentada apenas com
uma saia de grama e um colar de conchas, diante de um homem nu, exceto
pela tanga na cintura?
O suor brilhava em seus músculos enquanto ele remava – um brilho
fino nos padrões que marcavam sua pele.
Ele a viu, observando-o.
— Vou fazer uma nova tatuagem em sua homenagem, na parte de trás
do meu pescoço.
Ela inclinou a cabeça para um lado.
— O que irá escolher? Uma aranha?
Ele deu uma risada rouca.
— Só se você vier ver; para aprender como fazemos.
— Para sua ilha, quer dizer – e conheça suas tias? — Ela estava
brincando, mas a ideia a atraiu mais do que poderia dizer. Poderia escrever
seu próprio livro: O Guia de uma lady para escapar de canibais, ou talvez
algo menos dramático. Um guia para as Ilhas do Mar do Sul.
Quantas poderiam visitar? Havia anos pela frente. Mas teria que voltar
para Moresby primeiro, claro, para acertar as coisas com Hattie.
— Talvez eu faça, mas apenas se não tiverem incisivos pontiagudos.
Aqueles realmente eram bastante assustadores.
— Manchado de vermelho de mascar nozes de Bétele — Jorge sorriu,
mostrando-lhe os próprios dentes, brancos perolados contra a pele escura.
Ela riu disso.
— Você não é o homem que conheci no Hotel Fairfax; completamente
diferente.
— Acho que sim. Eu a conheci, afinal e... — Por um momento, houve
apenas o som dos remos mergulhando entre eles. — E me apaixonei.
— Você me ama? — Bathsheba sentiu suas bochechas esquentarem.
Era realmente a primeira vez que fazia essa pergunta? Certamente, a
primeira vez que se importava com a resposta.
— Fui um tolo sobre isso, tentando me convencer de que era um erro.
A vida que eu levava... — Ele franziu a testa. — Não posso pedir que faça
parte disso.
—Não precisa. — Ela teve uma visão de dias escaldantes de sol e
noites quentes e sensuais, estendendo-se sem parar, Jorge em seus braços,
dizendo-lhe todas as maneiras pelas quais queria amá-la. — Podemos
inventar uma nova vida. Algo mais.
Ela tinha dinheiro suficiente para fazer o que quisesse – contratar o The
Marguerite e sua equipe indefinidamente, mas esta não seria uma aventura
sozinha. O que quer que viesse a seguir, seriam parceiros. Teria tempo
suficiente para lhe dizer o quão rica realmente era.
Bathsheba empurrou o cabelo para trás e se reclinou na proa do
pequeno barco, esticando a panturrilha para cutucá-lo com os dedos dos
pés.
Ele colocou os remos em seus lugares, e puxou o pé dela em seu colo,
beijando seu caminho até sua perna.
— Distrair o timoneiro, Senhora Ameaça? Há um preço a se pagar por
isso.
Pelo olhar em seus olhos, sabia que ele não tinha arrependimentos, que
estava tão pronto quanto ela para saltar para o desconhecido. Era o que
vinham fazendo desde que se conheceram — e nenhum medo era grande
demais para não ser superado; não quando o amor queimava tão fortemente.
Com a luz do amanhecer, avistaram as velas do Marguerite e, desta
vez, Bathsheba pegou um remo para si. De que outra forma poderia orientar
seu caminho na direção certa?
Se você gostou desta história, vai adorar outros títulos desta série, cada
um cheio de aventura, paixão e suspense, heróis que sabem o valor de uma
mulher, e heroínas prontas para moldar seu próprio destino.
A H ,B , 25 1887
—R ,E , não precisa chorar por isso!
Ursula deu um grande suspiro. Ela apenas apontou que o soldado de
madeira de Eustace não estava usando o tipo adequado de botas e que sua
jaqueta não tinha o número correto de botões. Era apenas uma observação.
Não precisava chorar! Às vezes, ele era tão ruim quanto suas irmãzinhas.
— Olha, ele ainda pode se casar com a minha Penélope. Ela não vai se
importar com isso. Coloque-o de pé para que possam dizer seus votos.
Com uma fungada, Eustace fez o que lhe foi dito.
— Que tipo de botas devem ser então? — Ele tocou o feltro, franzindo
a testa.
— Couro, é claro, estendendo-se até o joelho. São necessários pelo
menos dois quilos de cera de abelha para polir. — Ursula estava bastante
orgulhosa de saber dessas coisas. —Perguntarei ao papai se pode vir
conosco na próxima vez que estiver na cidade e formos ao quartel. Não é
muito longe da casa da Eaton Square até o Hyde Park.
Lambendo o dedo, ela limpou uma mancha da bochecha de Penelope.
— Montei em um dos cavalos, embora precisei ser levantada, já que
são todos de dezesseis mãos. Podemos pedir para que dê uma volta, se
quiser.
Uma expressão de terror cruzou o rosto de Eustace.
— Eu... prefiro que não. Ainda estou com um pouco de medo para
falar a verdade, já que o pônei me jogou.
Ursula apertou a mão de Eustace.
— Me desculpe por isso. Esqueci.
Muitas coisas sobre ele eram bastante irritantes, mas não podia evitar,
supôs. Nem todos podiam ser corajosos o tempo todo, e ela tinha sorte,
afinal, por poder acompanhar seu pai a todos os tipos de lugares
interessantes.
Sua preceptora, a srta. Scratchley, partiu há alguns meses e papai
acabara levando Ursula para a fábrica por um tempo. Ela aprendeu todo tipo
de coisa, com papai lhe mostrando como o couro era cortado e as máquinas
que ajudavam a moldar e costurar os vários tipos de calçados que
produziam ali.
Em seguida, prometeu deixá-la ver o livro de pedidos e mostrar-lhe
como usar as várias colunas para descobrir quanto as coisas custaram e por
que as vendia. Disse que seria útil, um dia, quando estivesse administrando
sua própria casa.
Era tudo fascinante. Papai logo encontraria uma nova preceptora para
ela, mas preferia ir à fábrica com ele.
Mamãe, agora no céu, ficaria satisfeita, Ursula tinha certeza, embora o
vovô Arrington desaprovasse. No almoço de Natal, dissera a papai que não
queria ouvir nada sobre seu “trabalho de classe baixa” em Fairbury e
Berridge, e o tio dela concordou, chamando-o de “vulgar”.
Não fazia sentido para Ursula. Em uma visita anterior, tinha ouvido a
tia Philippa chamar sua mãe de "par desejável", porque Fairbury e Berridge
"se saíam muito bem", por isso parecia bastante ruim que o vovô e o tio
Cedric fizessem tanto barulho.
O negócio estava na família de sua mãe há mais de duzentos anos, e
Ursula não via por que ganhar dinheiro fazendo algo tão útil, deveria ser
desaprovado. Além disso, não eram quaisquer botas! A própria rainha uma
vez apertou a mão de papai, agradecendo-lhe por fornecer os calçados para
sua casa real, incluindo seu amado Regimento Montado.
Os adultos se preocupavam com as coisas mais estranhas.
Além disso, não havia nenhum Fairbury masculino para cuidar das
coisas, sua mãe não tinha irmãos ou tios, então o que mais poderia ser feito?
E papai parecia muito bom nisso.
— Vamos, Penélope. — Deu um beijo na testa da boneca. — Hora de
se casar com seu guarda, e então podem sair juntos em uma aventura.
Tirando dois caramelos do bolso, ela passou um para Eustace.
— Faça-o ficar em pé, agora.
Eustace enfiou o dele na boca e chupou pensativo.
— Suponho que irão querer que eu me case, um dia. Se for preciso,
pode ser com você, Ursula? Eu não me importaria tanto... se fosse você.
— Mas não sei se vou. — Ursula olhou de soslaio para Eustace. — Me
casar, quero dizer. — Ela reorganizou o babado de renda no pescoço de
Penelope. — As damas pegam maridos para terem alguém que cuide delas,
mas eu prefiro cuidar de mim mesma. Papai diz que irei herdar sua metade
da sociedade e posso fazer o que quiser.
— Ah! — Com um ar totalmente desanimado, Eustace tirou o chapéu
do guarda. — Acho que entendi errado. Imaginei que fosse cuidar de mim.
Ursula se inclinou para beijar o primo na bochecha.
— Não se preocupe, Eustace. Aconteça o que acontecer, sempre
cuidaremos um do outro.
— Promete? — Eustace parecia decididamente incerto.
— Sim, e nunca faremos nada que não queiramos.
— Nunca?
— Não se eu puder evitar. — Com um sorriso, ela desembrulhou outro
doce.
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O aventureiro selvagem, Burnell, é exatamente o tipo de "homem


perigoso" do qual jurou se afastar, e fazer-se passar por sua noiva só pode
significar problemas.
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Será que conseguiram convencer a todos de que estão loucamente


apaixonados?
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Amor é a única coisa da qual ela não pode fingir.


Deserdada pelo pai, um magnata do petróleo, a debutante Rosamund
Burnell está em apuros.
Com fundos limitados e muito longe do Texas, a resposta parece óbvia.
Fingir que ainda é uma herdeira para garantir um solteiro inglês
elegível.
Ao encontrar o duque de Studborne, suas orações parecem ter sido
atendidas.
A única pedra em suas sapatilhas?
Sua crescente atração pelo sobrinho do duque: o muito digno, muito
honrado e muito pobre, Benedict.
Contudo, os motivos do duque para cortejá-la não são o que parecem, e
Rosamund cai em uma armadilha.
Os misteriosos desaparecimentos na Abadia Studborne são uma mera
coincidência?
Ou algo perverso se esconde no interior das antigas paredes
monásticas?
Rosamund deve descobrir a verdade, e apenas uma pessoa na abadia
pode ajudá-la.
O quase coroinha e irritante Benedict!
E M vive com seu marido
(fabricante de chá e bolo de frutas) e seu pequeno
terrier peludo (perito em brinquedos barulhentos e
bacon).

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