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(DE) - Heather Graham - Tesouros de Natal
(DE) - Heather Graham - Tesouros de Natal
Heather Graham
Para todos que acreditam no espírito natalino...
Não importando qual possa ser sua crença!
Não as guirlandas e presentes, mas o carinho e a fraternidade!
Billy Bowe assistiu seu capitão sair e suspirou. Steven Mallory era um bom
capitão com quem trabalhar – e apesar do desprezo francês e espanhol por tão
talentoso inimigo, ele era um homem extraordinário. Eles sempre dispensaram
importância a todas as vidas humanas quando lutaram – primeiramente vinham
as vidas dos próprios homens, e depois o Capitão Mallory era convicto em
ganhar o máximo possível ao custo do menor número de vidas inimigas. E eles
tinham conseguido isso. O companheiro que ficava de vigília tinha um olho de
falcão, e ele podia ver navios a longa distância, determinar seus nomes, e – de
acordo com os constantes rumores e fofocas que eles ouviam nos portos de
escala – calcular quão fortes eles eram e quanto conseguiriam saquear.
De fato, o capitão era um bom homem...
E também era um muito atormentado!
Ah, bem, agora o tempo tinha chegado. A vingança estava ao alcance de
Steven Mallory. O que resultaria disso tudo?
Billy Bowe começou a assoviar. Ele havia se apressado até a galé, e com a
ajuda do cozinheiro, preparou uma bandeja para a prisioneira que era muito
ilustre para o navio a bordo. Havia um Chablis[9] enchendo uma delicada taça de
prata, uma recém pescada garoupa[10] temperada com limão; pão escuro,
bananas conseguidas no último porto de escalada, e café com creme – Bessie, a
única vaca leiteira no porão, nunca falhava em prover leite para eles. Com essa
bandeja em suas mãos, Billy fez uma visita à adorável cativa francesa.
Ele bateu na porta da cabine do Capitão e não recebeu resposta alguma.
Bateu de novo e ouviu um levemente embaraçado “Entre!”. Ele abriu a porta
com a bandeja – havia até uma flor – em sua outra mão.
Ele encontrou Lady Tessa sentada à mesa do Capitão, seu diário de bordo
fechado em cima dela, uma pluma, tinta, e papéis de carta próximos, ainda
intocados. Ela estava lendo o diário, Billy pensou. Jovem senhorita esperta.
Traçando sua própria fuga.
Ele dirigiu-se até a mesa, pegando o diário. — Eu devo tirar isso de seu
caminho, senhorita, — ele disse a ela. Mesmo sendo um homem do mar sem
instrução, Billy aprendeu a falar fluentemente francês, espanhol, alemão, italiano
e português, assim como seu inglês com sotaque de Liverpool. — E voila[11]! —
Ele disse, tirando a cobertura do prato. Ela olhou da bandeja para ele, estudando
sua face enrugada, e então seu corpo fino e arqueado. Ele lhe deu um sorrisinho
e ela sorriu de volta, provavelmente surpreendendo a si mesma com isso.
— Merci, — ela disse a ele. — É amabilidade sua. Eu não estou com muita
fome, eu temo.
— Oh, mas você deveria estar! — Ele disse a ela solenemente. — Este é um
navio no mar, milady. Você precisa manter suas forças desde que não sabe –
pois nunca se sabe para onde o vento soprará, e quais oportunidades surgirão à
sua frente.
Ela havia começado a pegar a taça de vinho, mas o encarou novamente. Ele
nunca havia visto olhos assim, ele pensou. Eles eram estranhos. Mais bonitos do
que qualquer exótica água verde azulada do Caribe. E os cabelos dela, pareciam
ouro. Não havia nada pálido neles, que resplandeciam com a luz do sol.
— Oportunidades... — ela disse suavemente. Então ela alcançou as mãos
dele. — Você parece ser um homem gentil, — ela disse rapidamente. — Se você
puder me ajudar a escapar de qualquer maneira, o recompensarei ricamente, eu
lhe juro isso!
Billy puxou sua mão com desdém. — Senhorita, eu sinto muito! Eu não
posso lhe ajudar. Eu sirvo a um bom mestre.
— Um bom mestre! Um que rapta mulheres inocentes! — Ela o acusou.
—Milady, eu só posso lhe dizer novamente, eu sirvo a um bom mestre.
Tome cuidado com ele. Fale gentilmente, e ele providenciará para que seja
rapidamente devolvida ao seu noivo.
— De fato! — Ela lamentou alto, raivosa e perturbadamente. Ela pegou sua
taça de vinho e bebericou seu conteúdo, então sorveu um longo gole. Bebeu até
que a taça estivesse vazia, e então a pousou na bandeja novamente.
— Se houver qualquer coisa que eu possa lhe trazer, milady, será um grande
prazer para mim.
— Você me tirará daqui? — Ela perguntou gentilmente.
Ele balançou tristemente a cabeça.
— Então não há nada que você possa me fazer. — Ela disse a ele.
— Mesmo assim, eu deixarei a bandeja, — ele disse a ela, o diário de bordo
em sua mão. Ela o observou, meio sorrindo com os olhos no diário. Ela não
queria que ele o levasse.
Mallory o enforcaria se ele não o levasse.
Billy Bowe deixou a cativa, fechando a porta da cabine do capitão atrás dele.
Ele se apoiou na porta, segurando o diário de bordo em seu peito.
Ah, mas seria um interessante Natal aquele ano! Ele se afastou andando
suavemente, pensando consigo mesmo, não totalmente certo do porquê tinha
sentido que o mau humor do Capitão, em breve, desapereceria com o vento...
Na cabine, Steven estremeceu quando ela saiu de sua presença. Bem, o que,
em nome de Deus, a mulher queria? Ele havia permitido que ela dormisse em
paz na noite anterior.
Ele havia permanecido acordado até o amanhecer, lutando contra o calor e a
agonia que havia o queimado por todas aquelas horríveis horas. Ela esteve tão
determinada em manter-se distante dele – ele deveria ter deixado. E daí se ela
tivesse caído no chão! Ela não teria sofrido metade da agonia que aquela noite
tinha causado a ele.
Ele falou a língua dela; tentou ser polido. Mas quando ela tinha acordado, ela
não queria nada mais do que não estar perto dele!
Mesmo que ele tenha se apressado em vestir sua camisa e botas, ele ficou
surpreso ao ouvir gritos assustados vindos do convés – e o som de uma pancada
na água. Ele saiu disparado da cabine, apenas para encontrar toda sua tripulação
o encarando como se houvessem crescido chifres e cascos fendidos nele durante
a noite.
— Ela pulou! — Thomas gritou em desalento.
— O que, em nome de Deus, você fez a ela? — Walt exigiu.
— Nada! Nenhuma maldita coisa! — Steven replicou rapidamente, pulando
em seus pés enquanto tirava as botas que havia acabado de calçar, lançando-se
para o topo da grade, e mergulhando diretamente na água.
Ele mergulhou facilmente no mar caribenho, sendo lançado para baixo até
que seus pés cessassem o ímpeto de sua movimentação. Ele submergiu, jogando
seus cabelos para trás, olhando e observando o horizonte. Lá! Ela estava à frente
dele, nadando bravamente em direção à ilha. Ela deveria imaginar que poderia
ser um refúgio; talvez ela não tenha percebido que havia um canal e que seus
navios estavam abordando a ilha como refúgio.
Ela simplesmente quis libertar-se, quis fugir... E novamente, talvez ela não
tenha percebido quão distante estava da ilha, pois ao passo que nadava
rapidamente, se aproximando dela, ele podia ouvir o quanto estava ofegante. Ela
era uma nadadora surpreendentemente boa, mas tinha se arremessado da proa
toda vestida, e suas saias e anáguas estavam afundando-a pesadamente.
Enquanto ele nadava determinado e estava quase a alcançá-la, ela começou a
afundar, um pequeno grito escapando dela.
Ele a alcançou, puxando-a para a superfície. Ela tossiu e cuspiu – e voltou
com todas as suas forças a lutar contra ele. — Deixe-me ir, seu patife!
— Você está se afogando, sua tolinha! — Ele a acusou.
— Eu não estou me afogando, eu nado muito bem, eu apenas – ela parou
com um grito assustado enquanto via-o tirar uma faca de sua panturrilha e
direcionar para ela.
— Fique quieta! — Ele ordenou ferozmente, cortando a saia pesada que
estava prestes a causar-lhes uma morte nas águas.
— Posso fazer isso eu mesma. — Ela arfou, completamente ciente de que
suas roupas estiveram prestes a matar os dois.
— Então você não estava tentando se matar!
— Matar-me? — Ela reclamou. — Por sua causa? Eu posso nadar
excepcionalmente bem, quero que saiba — ela começou a dizer, mas a cabeça
dele, subitamente, estava sob a água enquanto puxava as saias, afastando todo o
peso para longe dela, e as deixando cair no fundo do mar. Ela lutou novamente.
— Como eu estava dizendo, eu nado excepcionalmente bem – a não ser que
alguém esteja tentando me afogar!
— É uma longa distância até a ilha, milady. — Ele lhe disse.
Tessa pôs o pé na água enquanto observava, então olhou de volta para ele. A
saia dela tinha-se ido agora. Talvez ela estivesse pensando, imaginando se era
possível ela nadar para longe dele, direto para sua liberdade, mais uma vez.
— Você pode conseguir chegar à ilha. E se o fizer, logo eu e meus homens a
alcançaremos.
— O quê?
— É minha ilha. Bem, está certo, não é minha, mas eu considero como se
fosse. Está em poucos mapas, e para a maioria dos homens, é inacessível.
— Mas não para um pirata experiente! — Ela o acusou.
— É muito confortável, — ele assegurou a ela, ainda pisando a água
enquanto sua tripulação os observava, imaginando o que estaria acontecendo
entre eles. — Nós cnstruimos casas, nós...
— Você não pode ter feito isso! — Ela lamentou desconsolada.
— Mas nós construímos, — ele lhe disse gentilmente. — Devemos navegar
até lá? —Ele perguntou suavemente. — É muito longe para nadarmos até lá!
A derrota tocou seus olhos brevemente, então os fechou e os abriu
novamente, e ela começou a nadar determinadamente por ele. Em segundos ela
estava novamente no navio. Billy Bowe estava lá, pronto para jogar-lhes a escada
de corda para ambos subirem a bordo, também pronto para recebê-la com um
cobertor. A água do mar estava quente o suficiente, mas a brisa da manhã estava
fria.
Steven sentiu frio enquanto rastejava acima pela escada até o convés. Ela
permanecia em pé lá, envolta pelo cobertor, o encarando. Então voltou-se, seus
cabelos molhados jogando um jato d’água, e marchou de volta para sua cabine.
Ela bateu a porta com força. Ele a seguiu, mas então parou e sorriu. Bruxa.
Ele a seguiu, mas não entrou na cabine; deslizou o ferrolho da porta, fazendo
barulho e com segurança.
Capítulo 5
Steven fez um ponto ao não retornar para sua cabine. Quando eles estavam
seguros no porto e ancorados, ele enviou o primeiro bote para a ilha, ainda
encolerizado pelo último encontro com sua refém. Sua tripulação continuou a
lhe dar olhares horríveis, e até o último homem, estavam imaginando o que ele
havia feito à garota para que ela se jogasse ao mar. Era muito difícil explicar-lhes
que ela, provavelmente, nadasse muito melhor que a maioria deles,
especialmente desde que a metade deles, por mais estranho que fosse, tinha
medo da água, ponto final. Então ele decidiu que não daria explicação a nenhum
deles; eles poderiam pensar o que bem quisessem.
Dirigindo-se para sua própria casa na ilha, ele descobriu que havia sido
mantida limpa em sua ausência e pronta para seu retorno por Judith, a viúva e
mais velha matrona que havia viajado com ele há muito tempo da Inglaterra para
a Colônia da Virgínia, apenas para descobrir que tinha amado a ilha quando
passaram por ela; ela amou o sol, o mar, a brisa leve e fácil, o sentimento de
ociosidade de tudo aquilo. Alta e magra, com cabelos grisalhos e ainda com uma
bela face, perpetuamente vestida de negro, Judith estava contente em auxiliá-lo
enquanto ele estava lá, e cuidava de sua casa em sua ausência. Ela tinha sua
própria casinha na ilha e gostava de viver nela sozinha. Quando ele chegou na
praia, ele olhou ao alto no penhasco e sua própria casa e ficou contente por ter
deixado sua cativa no navio.
Maldita seja. Ele escreveria a própria carta para o Senhor Conde Raoul
Flambert e ele faria aquilo antes que a gata selvagem fosse trazida até ele. Ela
era, totalmente, uma distração.
Caminhando da praia até sua casa, ele acenou para mais alguns daqueles que
chamavam a Ilha Hidden de lar; Miles e Jake, pescadores que pirateavam com
ele ocasionalmente; John Hill, o irritável e pequeno irlandês que governava a
pequena comunidade na ausência de Steven e providenciava as idas e vindas dos
navios capturados por Steven; Bill Whaley, que mantinha a taberna local suprida;
e Rachel e Louise, as jovens filhas de John Hill, que estavam surfando,
esperneando no mar e na areia.
Ele irrompeu em sua própria pequena casa que era simplesmente composta
de dois cômodos separados por um corredor central, o quarto ficava à direita e a
sala principal onde ele tinha entrado. A sala principal era bem grande, com uma
enorme lareira e outra lareira para cozinhar ao longo da parede com uma mesa
grande de jantar de frente para ela, pesada, esculpida em carvalho, e do outro
lado da sala, um belo conjunto de cadeiras e poltronas, todas dispostas
confortavelmente em volta da sala com uma pequena mesa de cerejeira no
centro.
A atenção de Steven foi diretamente direcionada para a mesa, pois parecia
que Judith estivera bem ocupada em sua ausência, preparando a casa para o
Natal. Embora não tivessem folhas de azevinho para decorar a casa na ilha,
Judith tinha montado um presépio no meio das folhas selvagens e flores
perfumadas da ilha, todos dispostos no centro da mesa de cerejeira.
Steven parou para pegar uma das belas figuras construídas. O presépio era
espanhol; ele se lembrava do navio no qual tinham o conseguido. Segurando a
pequena figura de Cristo que ele havia pegado de seu berço de feno, Steven se
surpreendeu com a beleza incomum de uma peça que alguém tinha esculpido
com tanta paciência. Alguém tinha criado um angelical infante Jesus com um
rosto tranquilo. Ele esperava que a pessoa que tinha trabalhado no presépio
tenha sido bem recompensada por seu esforço, e que ele tenha sido perdoado
por ter roubado tal conjunto, mas também poderia ter sido feito para ser
vendido em algum porto espanhol, e ele estava certo de que ele daria ao belo
presépio um lar tão bom quanto qualquer outro. Ele o achou extraordinário, e
mesmo quando o segurava, sentiu uma onda de culpa o acometendo.
A garota tinha sido um presente de Natal para Flambert. Não que ele
pudesse sentir qualquer culpa ao que concernia a Flambert, mas... Ela seria livre
em breve e a tempo, com ou sem a participação dela.
Ele devolveu firmemente a pequena peça e voltou suas costas para ela e
sentiu como se os olhos da figura o estivessem seguindo. Maria provavelmente
estaria lhe dando um olhar dos mais condenadores, e até mesmo José deveria ter
seus olhos aborrecidos voltados para suas costas!
— Nenhum dano será causado a ela! — Murmurou alto. — Eu tentarei
mandá-la para longe dessa ilha o mais rápido que eu puder!
Ele andou a passos largos até seu quarto e foi até a grande mesa de capitão
perto da janela, sentando-se na cadeira giratória. Pegou um papel de carta, sua
pena e tinta da mesa e com uma determinação audaz começou a escrever a carta
com o pedido de resgate para Flambert:
Senhor Conde Flambert, se os rumores já o alcançaram, já deve estar ciente
de que o Red Fox capturou seu presente de Natal, sua noiva. Devo lhe
cumprimentar, senhor, pela rara beleza de sua noiva.
Parou de escrever por um momento, então lhe pareceu que a pena começou
a voar pela página.
A lady tem a mais macia pele, perfeita em seu tom de alabastro, sedosa para
tocar. Seus cabelos são como uma cascata radiante de luz do sol, seus olhos
competem com a cor azul esverdeada do mar à minha volta. Ela é puro fogo e
espirituosa também, e eu deveria estar relutante em devolvê-la a você por
qualquer preço, mas então, Senhor Conde, eu esperarei ansiosamente uma
palavra sua sobre o quanto pagará por ela. Sugiro-lhe urgência. Minha fascinação
pela senhorita cresce a cada hora.
Quando ele acordou, entrou em pânico ao descobrir que sua cativa se tinha
ido.
Ele levantou-se rapidamente da cama e correu para o corredor. Billy Bowe
estava sentado à mesa de jantar, sorvendo um café.
—Onde ela está? —Ele perguntou acaloradamente.
—Na cachoeira. —Billy disse.
—Na cachoeira? —Steven bramiu. —Sozinha?
—Agora, honestamente Capitão, como a garota escapará da ilha? Ela
acordou e pediu para apenas sentir a brisa da manhã, e eu disselhe sobre o
riacho e a cachoeira. Ninguém a perturbará lá, e a moça não podia continuar a
ser mantida confinada ao seu quarto o tempo todo, não é, senhor?
—Se os franceses puserem as mãos em nós, estaremos confinados em
espaços muito menores! — Steven assegurou com raiva. —Você não pode
confiar nela; ela sabe cada truque de manipulação. Se você não a encontrar, Billy
Bowe, descobrirá como é andar por pequenos espaços!
—Ela está lhe atingindo, eh, Capitão?
Steven jurou suavemte e deu passadas largas para fora da casa, rezando para
que ele a encontrasse, para que ela não tivessse desaparecido de alguma forma.
Ele havia dormido até tarde e o sol já estava alto no céu. Ele seguiu pelo
caminho acima ao longo do penhasco e através da folhagem rapidamente, quase
correndo, como se pudesse recompensar o tempo perdido. Ele invadiu o
terreno irregular onde uma grande palmeira se estendia à vista de uma nascente
de águas frescas. Ele se apoiou contra a árvore, tomando fôlego e olhando
abaixo.
Ela estava lá. Nua. Sob o lugar onde a água caia em cascata. Sua cabeça
estava inclinada, e a fria e clara água escorria por sua face e seus cabelos.
—Sua bruxa miserável! —Ele gritou para ela.
Ela não estava assustada; não estava nem um pouco surpresa ao vê-lo. Seus
olhos abriram-se e o olharam, seu queixo permaneceu elevado e uma delicada
sobrancelha arqueou apenas um pouco.
—O que foi agora, Senhor Pirata? — Ela perguntou.
—O que você fez, andou nua na frente de Billy Bowe, para fora de casa e
por toda a vila?
Um sorriso curvou os lábios de Tessa. —Minhas roupas estão estendidas no
galho logo ali, —ela disse a ele.
Ele queria olhar para o galho, mas não podia tirar os olhos dela.
Ela era mais bonita à luz do sol – e através de olhos sóbrios – do que ele
podia imaginar. Tudo nela era elegante, magro, assombroso, perfeito.
—Maldição, se você pensa que pode continuar a me fazer de tolo, milady,
está enganada! Você acena, provoca, e então chora fugindo! Bem, minha
senhora, tenha isso em mente! Eu sou um pirata e nosso único propósito na
vida é atacar e devastar.
—Ameaças! —Ela gritou para ele, se afastando da cachoeira, nua, dourada,
suas mãos nos quadris, seus olhos brilhantes em puro desafio. —Ameaças,
ameaças, ameaças! Bem, você é um pirata ou não?
—Ah, maldição, lady, pois eu sou!
E mais uma vez, antes que ele soubesse o que estava fazendo, estava se
movendo.
Do penhasco ele mergulhou na água límpida abaixo, e mesmo enquanto a
água o envolvia, ele sabia que daquela vez, quando ele a tocasse, não a deixaria
ir.
Capítulo 6
O que, em nome de Deus, ela estava fazendo? Tessa imaginou em um
momento de pânico. Não haveria retorno agora, ela soube pelo olhar dele, justo
antes dele pular do penhasco para mergulhar na água.
Mas mesmo quando ele emergiu das águas claras como o cristal,
completamente vestido e encharcado, ela sentiu o furioso batimento cardíaco
começar e percebeu exatamente o que ela estivera fazendo. Tinha ponderado
sobre a vida, ou ao menos sobre a sua vida, e tinha decidido que era muito
provável que ela fosse forçada a desperdiçar ano após ano com Raoul Flambert.
E se esse fosse o caso...
Ela quis aquilo, em primeiro lugar. E daí que ele era um pirata, e daí que
tinha capturado o navio dela, e pretendia vendê-la de volta para Raoul. Ele
odiava Raoul – o que ela não entendia completamente, mas tinha ficado
surpreendentemente claro para ela, durante o tempo que tinham passado juntos,
que o Red fox era um pirata cavalheiro. E ele era impressionante, musculoso
como aço, com um sorriso que compelia e assombrava, assim como os tons
profundos de sua voz. Se o resto de sua vida fosse ter que passá-la com
Flambert, então esse tempo seria dela. O tempo dela com este homem. Gostava
dele, o admirava, o achava fascinante, não importando as circunstâncias
ultrajantes. Além da fachada de pirata, ele era um homem excepcional. Ela podia
ter lutado bastante, provocado, tentado e fugido dele, mas na noite passada eles
chegaram muito perto...
Mas assim como ela descobriu que o desejava, que desejava alcançar aquele
pequeno pedaço de paraíso, não queria que ele acordasse no dia seguinte com
uma dor de cabeça saturada pelo rum, não lembrando uma única coisa sobre ela
quando seria um dos momentos mais importantes da vida dela. Ela queria
acordar sabendo que ele... Que havia vivido algo especial também.
Ah, bem, e agora ela tinha feito aquilo. E ele emergiu da água e vinha em
direção dela, e o dourado de seus olhos parecia brilhar como puro fogo, e os
delas pareciam vivos com a espera. E novamente, o buliço do pânico a
acometeu. O que ele lembraria dela? Ela não tinha ideia do que estava fazendo.
Apenas sabia que ele lhe afetou como ninguém antes, despertou um calor
estranho e excitante em seu sangue. De fato, ele havia lhe feito algo milagroso,
por que outro motivo ela estaria parada ali esperando...
Ele parou diretamente em frente dela, punhos apertados em seus lados, suas
roupas molhadas não disfarçavam em nada a tensão ou o ardor de seu corpo.
Ela tentou arduamente manter seus olhos nivelados com os dele e não os deixar
baixar na protuberância em suas calças encharcadas. —Lady, você provoca além
da compaixão. —Ele a alertou.
—Está com medo de mim, pirata? —Ela disse sem fôlego. Lutou por
controle, tentou abordá-lo com bravura quando na verdade estava tremendo
como uma folha ao vento. Mas logo ela deixou de tremer quando foi atraída
para seus braços com um vigoroso puxão e também estava dolorosamente
ciente dos batimentos acelerados de seu coração enquanto sentia sua nudez
sendo apertada contra ele. O fogo pareceu explodir entre eles, a aquecendo
enquanto suas mãos assolavam seus cabelos, seus lábios e língua assolavam sua
boca. Ela se agarrou a ele, saboreando cada sensação selvagem e doce,
descobrindo que estava trêmula novamente, que mal poderia se sustentar em pé,
e ainda assim não estava sentindo nenhum frio; apesar da água gelada, ela estava
em chamas.
Na verdade, ela começou a cair, mas os braços dele a seguraram e a
ergueram, os olhos dele brilhavam, o rosto tenso enquanto a carregava das águas
frescas até o gramado macio um pouco adiante. A brisa soprava suave e
gentilmente, ramos dançavam e balançavam, fazendo sombra na terra e na água.
Ela mal podia perceber o dia, mas estava ciente de cada sensação, de sentir o
solo em suas costas, a umidade das gotas de água que se apegavam à sua pele...
Ela sentiu os dedos dele em seus cabelos novamente, seus lábios sobre os
dela, suas mãos por toda sua nudez. Ela queria tirar sua camisa para tocar sua
pele, contudo não tinha confiança suficiente para o fazer, e em segundos, aquilo
não importou. Ele havia despido sua camisa e levantado de novo, tirando as
botas e as calças, e por um momento, olhando seu explendor nu e corajoso, ela
caiu novamente, como se a terra estivesse tremendo, como se ela mesma
estivesse caindo dela. Mas então, ele estava deitado com ela mais uma vez, e a
sensação da pele dele de encontro à dela era um fogo novo e excitante, e a
tempestuosidade de seu toque rapidamente aumentava selvagem e
exigentemente. Ela encontrou seu beijo, contorcendo-se com seu toque, e
perdeu o fôlego quando subitamente seus membros foram separados e ela sentiu
o peso do corpo dele entre eles, dentro dela. Ele a segurou em seus braços e ela
lutou contra a dor repentina e abrasadora, mordendo seu lábio inferior e
desejando não gritar. No entanto, lágrimas quentes e aturdidas afloravam de
seus olhos e ela o abraçou e enterrando sua face entre sua cabeça e seus ombros
para que ele não visse a repentina agonia que estava sentindo. Entretanto, ele
ficou parado, gemendo suavemente. E então suas palavras, sussurradas em
francês chegaram aos seus ouvidos. —Santo Deus, mas por que você me tentou
tanto? Agora é muito tarde. Eu nunca a teria machucado, ma belle, no entanto,
temo que já não posso deixá-la!
—Não me deixe! —Ela sussurrou, agarrando-se a ele.
—Tessa... —Seu nome nos lábios dele era muito macio, tão terno. Mas então
lhe pareceu que ele mudou de ideia, que ele tinha chegado muito longe... e não
havia nada a ganhar se parasse ali.
Ele segurou seu queixo, trazendo seus olhos aos dele. Ele beijou suas
pálpebras e lábios e começou a mover-se novamente, tão vagarosamente no
início, que ela descobriu que a dor já não existia e estava se movendo de
encontro ao corpo dele antes de vir, e mais uma vez a sensação de desejo, de
fome, de intenso querer a varreu. Cada segundo mágico parecia lhe trazer mais
da doce fome, uma necessidade maior. Ela alcançou e se esticou, e nem ao
menos soube o que buscava...
Até que veio em cascatas sobre ela. Belos e pequenos riachos prateados de
êxtase a envolveram; o mundo lhe pareceu preto exceto por aquelas explosões
prateadas. Ela estava vagamente consciente dele, seu pirata, o homem que lhe
trouxera aquela glória cintilante, e lhe pareceu que ele também havia alcançado
aquele doce e macilioso ápice, tornado-se tenso como um arco, e lhe dando um
novo calor, como mercúrio derretido dentro dela...
Amortecida, sem fôlego, lutando para recuperar sua razão novamente, Tessa
ficou quieta enquanto ele caia ao lado dela, silencioso e olhando as estrelas no
céu. Então, após um longo momento, ele resmungou e sentou-se, olhando para
ela com aspecto rígido e duro. O coração dela pareceu dar um pulo dentro dela
e ela mordeu o lábio inferior de novo, imaginando o porquê de ele estar tão
bravo quando ela era a cativa ali.
—Você não poderia simplesmente se comportar, não é, milady? —Ele
reclamou. —Você não será mais a noiva casta de Natal de homem nenhum
como está agora! Deus sabe, lady, que o seu desaventurado noivo deve lhe
recusar agora!
—Ah! E você não terá seu resgate! —Ela lamentou, sentando-se também,
lágrimas ardendo em seus olhos enquanto ela cruzava seus braços sobre seu
peito, sentindo-se tola e envergonhada. Ela o havia quisto tanto, e quis também
que ele a quisesse, esperou pela magia, mas agora...
Agora ela sabia que o que tinha sido importante para ela, não tinha sido para
ele – ele não era tão cavalheiro, estava meramente determinado a vendê-la pelo
preço mais alto!
Ela o atacou com uma fúria repentina, os punhos voando, seriamente
tentando acertá-lo. Ele grunhiu enquanto ela o acertava no peito, mas a segurou
pelos pulsos e a arrastando para baixo e embaixo dele.
—Sua pequena tola! —Ele a censurou. —Você não entende, minha disputa
era com seu miserável noivo, não com você! Eu nunca a quis prejudicar! Jesus,
mas você está me deixando louco! Na noite passada você chorou implorando e
hoje você fica nua em um riacho e me tenta até eu não poder suportar! E agora
estou consternado por eu ter arruinado sua vida.
—Você não arruinou minha vida! —Ela falou. Ele pausou, suas belas feições
ainda muito tensas, seus olhos dourados cautelosos e irritados.
—Se você começar – ele começou a dizer.
—Oh, seu estúpido! —Ela o atacou. —Eu não que me casar com Flambert;
eu o desprezo tanto quanto você! Meu pai arranjou esse casamento, tão
determinado a que eu fosse a noiva de Flambert como um presente de Natal.
Ela havia falado demais, então ficou em silêncio, muito quieta, o encarando,
engolindo com dificuldade.
—Ah... —Ele disse após um momento. —Que criatura incrível você é,
milady. Primeiro você estava tão furiosa quanto uma pantera enjaulada, e então
tão inocente e ultrajada quanto uma freira! Em seguida você se torna a sedutora
mais impressionante... todavia, agora eu entendo. Não foi nada pessoal, você me
seduziu para poder escapar dele!
Não, ela não o fez, mas contra a raiva dele, lhe pareceu a melhor defesa. Ela
estreitou os olhos e cuspiu, —Sim, e por que não? Supõe-se que você seja um
pirata; apenas serei acrescentada na sua espantosa reputação!
—Conde Flambert e eu fomos ambos conduzidos, milady! Por uma pequena
sirigaita que não queria nada além de sua liberdade para o Natal.
—Essa é uma coisa tão horrenda de se desejar? —Ela sussurrou.
Após um momento, ele acenou com a cabeça. Um pouco da raiva e da
tensão parecia ter deixado sua expressão rígida, ainda assim, seus olhos dourados
ardiam. Ela pensou que ele levantaria a soltando, mas ele não o fez. Ele abaixou
sua cabeça, tocando seus lábios novamente. Ele a beijou muito vagarosamente,
testando, saboreando. Ela tentou afastar sua cabeça, mas ele a prendeu com seu
beijo, e após um momento ela não desejava mais se afastar dele; ela podia sentir
o calor, a fome, o desejo crescendo nela mais uma vez. E a lembrança da mágica
que ele lhe causou ainda permanecia vividamente fresca e doce dentro dela...
—O que você está fazendo? —Ela murmurou desesperadamente quando a
face dele se ergueu acima da dela novamente.
—Bem, ma belle, nós chegamos até aqui. Não importa mais o quão longe
avançaremos.
Ela tremeu embaixo dele. —Importa! —Ela sussurrou. —Importa, porque...
—Porque...?
—Você tem que me desejar! —Conseguiu dizer.
—Oh, lady! Eu quero você! —Disse com dureza. — Querido Deus, mas eu
quero você. De fato, Tessa, o presente que foi negado a Flambert, eu guardarei
em meu coração como o meu incrível presente de Natal!
Os lábios dele tocaram os dela novamente, suas mãos provocaram sua
mágica em sua pele.
E ela o tocou. Acariciou os mísculos de seus ombros, plantou pequenos
beijos em sua pele quente e vibrante. O mundo girou novamente, e ela estava
perdida na paixão e no desejo, mais doce, mais alto desta vez, pois não havia
dor. Apenas a maravilha absoluta, o êxtase. E então estava acabado, ela percebeu
que o sol tinha abaixado e que as sombras tinham se aprofundado. Ele a segurou
em silencio por um longo momento, e então suspirou. —Nós devemos voltar.
Antes que sintam nossa falta e venham atrás de nós.
Ela não disse nada, mas levantou-se e procurou por suas roupas. Ficou
assustada quando ele insistiu em ajudá-la com os fechos, e de alguma forma
ficou tocada pela intimidade que sentiu com o toque de seus dedos em suas
costas. Ele segurou sua mão então, a guiando pela trilha que os levaria de volta
para a casa dele no paraíso.
—O que você fará agora? —Ela perguntou-lhe suavemente.
—Piratas não respondem a esse tipo de perguntas de seus cativos, —ele disse
brevemente.
—Mas...
—Tudo bem, milady. Nesse exato momento? Eu estou faminto. Eu espero que
Judith tenha ido até a casa e que ela tenha passado o dia cozinhando algo
formidável.
—Judith? —Tessa exigiu sem fôlego, tentando acompanhá-lo. —Judith? —
Ela repetiu.
Havia um brilho em seus olhos ao olhar para ela. —Minha mulher aqui, —
ele lhe disse.
Ela tentou se livrar dele, mas ele a trouxe mais próxima ainda, segurando-a
mesmo enquanto ela se debatia. —Bem, lady Tessa? E se eu tivesse uma mulher,
uma esposa, uma amante? Você não presumiu que eu havia passado a noite
passada na companhia de uma prostituta? Diga-me, você achou que um pirata
esperaria sua vida inteira para ser seduzido por você?
—Deixe-me ir. —Ela exigiu.
—Eu não posso deixá-la ir, porque você determinou esse rumo! —A
advertiu e virou-se de repente, andando novamente com suas longas passadas e
arrastando-a com ele.
—Pare, pirata! —Ela insistiu.
Ele parou, voltando-se para ela novamente. —Pirata? Eh? Mas então, tudo
bem! Você nem ao menos sabe meu nome.
—Eu não precisava saber seu nome! —Ela lamentou. —Eu precisava apenas
conhecer...
—O quê? —Ele exigiu.
Os olhos dela baixaram por um momento. —Você, — ela disse suavemente.
Ele suspirou suavemente. —Eu era uma opção melhor para uma primeira
experiência que Flambert, é isso, milady?
—Sim, — ela sussurrou.
Os dedos dele se entrelaçaram nos dela novamente. —Judith tem sessenta
anos, — ele lhe disse. —Você gostará muito dela e ela é uma cozinheira
maravilhosa. —Ele ficou em silêncio por um momento. —E meu nome é
Steven.
Ele começou a andar novamente, suas mãos ainda nas dela. Ela o seguiu sem
mais comentários. Billy Bowe estava sentado na pequena varanda da casa do
capitão, talhando. Ofereceu-lhe seu sorriso de gnomo. —Stew está lá dentro, —
disse em francês. —Desde que vocês dois saíram, há algum tempo, devem estar
famintos. —Levantou-se, olhando para Steven, então mudando suas palavras
para um inglês brando, pensando que Tessa não entenderia.
—Nós já tivemos notícias de Flambert. Ele soube que você capturou o navio
de sua noiva quase imediatamente e escreveu dizendo que pagará qualquer
resgate para obtê-la de volta – em qualquer condição – e implorou para que
você apressasse as negociações.
Tessa congelou, lutando para controlar sua expressão, determinada a que eles
não percebessesm que ela falava inglês fluentemente. Desse jeito ficaria sabendo
de muito mais coisas.
Mesmo que ela odiasse o que ficaria sabendo.
—O que nós faremos? —Billy Bowe perguntou a Steven.
Steven franziu o cenho, olhando para Tessa. —Faremos os arranjos depois,
— ele disse cortante. Levou Tessa para dentro da casa na frente dele. Na luz
fraca, levou um momento para ela ver a mulher que estava parada ao lado da
lareira.
Na verdade, se aquela fosse Judith, ela era uma mulher mais velha, ainda
assim era de alguma forma fascinante, uma muito atraente. Ela tinha uma
compleição magra e elegante, e estava vestida da cabeça aos pés de preto, um
vestido fora de moda com saias estreitas. Seus cabelos eram grisalhos, escovados
num coque atrás na nuca. Seus olhos também eram cinzentos, curiosos,
calculistas – e condenadores enquanto caíam sobre Steven.
—Ah, mas está cheirando muito bem aqui! —Steven disse em inglês.
—Sim, e eu os alimentarei agora, meu senhor Steven, mas teremos uma boa
conversa antes de eu fazê-lo novamente! —Judith disse.
—Agora, o que... —Steven começou.
—Você é um pirata comissionado pela rainha, espoliando os inimigos da
coroa, e isso está bem e certo. Mas agora, você raptou uma prisioneira e a trouxe
para sua cama! Meu Deus, eu estou aturdida!
—Você estaria mais atordoada se soubesse a metade disso! —Steven disse
cansado.
Judith bufou e passou por ele, pegando no braço de Tessa e a levando até a
mesa. —Ela fala inglês? —Judith disse. —Mas meu francês é tão pobre... ah,
bem, deixe-me pensar, Avez-vous faim?[12]
"Oui, J'ai faim,"[13] Tessa lhe assegurou, sentando-se no lugar oferecido a ela à
mesa. Ela estava com fome. Faminta. Judith rapidamente a serviu uma tigela de
guisado, e Tessa lhe agradeceu, ouvindo atentamente ao que estava sendo dito –
e não sendo dito - entre os dois.
—É melhor eu levá-la para minha casa, — Judith disse firmemente.
—Não, você não irá, — Steven argumentou. —Não seja enganada por essa
carinha de anjo. Ela fugirá de você.
—E para onde ela irá?
— Judith, posso ter algum guisado também, por favor? —Pediu irritado.
— Eu deveria fazer você servir-se sozinho! —Judith resmungou, mas parece
que Steven tinha autoridade na ilha, ou então Judith gostava mais dele do que
pretendia demonstrar sob as circunstâncias, pois ela lhe serviu uma tigela de
guisado e uma caneca de cerveja, ainda que tenha ficado lá de pé diante dele,
persistindo em sua postura.
—Steven.
—Ela não vai com você, Judith.
—Mas…
Ele suspirou. —Judith, seria trancar o estábulo após os cavalos terem fugido
há muito tempo.
—Realmente, Steven…
—Não se preocupe! Ela não ficará na ilha tanto tempo! —Steven disse com
firmeza.
Judith apertou os lábios. —Humm! —Ela bufou. —Bem, então, meu francês
é muito pobre para conversar com a garota, e eu não tenho nenhuma vontade
de falar com você! — E dirigiu-se até a porta e saiu. Steven sentou em sua
cadeira, vendo-a ir e então olhou para Tessa.
Ela não ficaria muito na ilha. Raoul já havia prometido pagar qualquer coisa
por ela – não importando nada. Steven a devolveria...
Ela mordeu o lábio, determinada a não desistir de forma alguma, tinha que
encontrar uma forma de escapar – logo. Antes que fosse devolvida a Raoul.
—Ela está brava comigo, — ele disse a Tessa.
—Por quê?
—Por que eu a violei.
Um rubor tocou suas bochechas.
—Ela quer levar você para sua casa.
—Oh.
—Você quer ir? —Perguntou-lhe.
Ela baixou os olhos e então olhou para ele de novo, com a maior expressão
de inocência possível. —Seria fechar o estábulo depois do cavalo ter fugido, não
é?
—Algo do tipo, — ele disse, seus olhos semicerrando os olhos e
permanecendo a olhá-la. —Não que isso importe. Eu não a deixarei ir para lá.
Não agora, — ele disse muito calmamente. Comeu outro bocado de seu guisado,
o mastigou e engoliu rapidamente e levantou-se rapidamente. —Billy Bowe está
na porta e eu lhe disse que não há mais passeios pela ilha para você. Eu tenho
que discutir algumas coisas com meus homens, retornarei em breve.
—Você discutirá meu retorno para Raoul? —Ela interrogou.
Ele sacudiu a cabeça. —Não esqueça, talvez ele não a queira mais, —ele
disse.
Mentiroso! Ela quase gritou, mas se conteve para não o fazer. Esperou até
que ele saísse, então pulou na frente da mesa e nervosamente começou a andar
pela agradável sala. Ela viu o presépio na mesa de centro e andou até ele.
Sentou-se, estudando as belas e pequenas figuras, pegou o pequeno menino
Jesus. —Você é o milagre! —Ela sussurrou suavemente. —Fé e perdão, paz...
Oh, querido Senhor, eu mesma rezei por um milagre, e isto foi o que você me
deu! Por favor, querido Senhor, mande-me um milagre, se essa for Sua vontade.
E se não for...
Ela se interrompeu. Bem, tinha passado todo o dia seduzindo um pirata, e as
freiras da escola dificilmente chamariam aquele comportamento de digno de um
milagre – especialmente um de Natal. Mas ela não estava arrependida, ainda não
conhecia muito bem o pirata dela – certamente conhecia muito melhor agora
que antes – e ainda assim não estava arrependida. Ela havia lhe dito a verdade.
Mesmo que ela tivesse ficado brava depois, sentiu que já o conhecia.
O dia tinha sido bonito e algo que ela lembraria por toda sua vida. Ela deu
um salto. Deus, haviam lhe dito, ajudava aqueles que ajudavam a si mesmos, e
estava na hora dela começar.
Ela abriu a porta um pouco e viu Billy Bowe talhando na varanda. Estava
certa de que poderia passar por ele e desaparecer no penhasco acima através da
cachoeira e do riacho, então ela poderia voltar para a costa... e pegar um dos
pequenos barcos e partir para o mar. E depois? Ela poderia morrer lá... não!
Com a misericórdia de Deus, algum navio a encontraria e com essa mesma
misericórdia, seria um navio inglês.
Ela aguardou na porta, observando Billy Bowe. Ele estava muito
concentrado trabalhando em sua peça de madeira. Ela escolheu um momento
em que ele estava de costas, para poder sair e se esgueirar pela parede até
alcançar o final da casa. Passou por baixo do corrimão de madeira e segurou seu
fôlego enquanto tentava seguir silenciosamente da folhagem até a trilha.
Ele não a viu e ela correu.
*
Ela não iria para Flambert. Steven encontrou-se com seus oficiais e a maioria
da tripulação na taverna e lhes disse francamente que ele ficou sabendo que a
cativa desprezava Flambert tanto quanto eles. —Eu não posso mandá-la para ele
por nenhum preço, —ele disse simplesmente — No entanto, eu recompensarei
vocês, pagarei a recompensa por ela com o que lucrei dos outros navios que
pirateamos, e pagarei o imposto para a rainha também.
Primeiramente, houve silencio na sala. Então Walt levantou sua caneca de
cerveja e clamou, — Isso, meu senhor capitão! Nós concordamos aqui, com um
homem, eu acho! —Então ele parou. —O que você fará com ela?
Steven encolheu os ombros. —Eu não sei. De alguma forma realizarei seu
desejo de Natal. Liberdade. Eu não posso mandá-la de volta para seu pai, pois
ele simplesmente a enviará para o Flambert novamente.
—Você poderia torná-la uma mulher decente e enfurecer Flambert além de
toda medida. Case-se com ela. —Walt sugeriu.
Steven sorriu. —Ela não deseja casar-se, quer sua liberdade. Eu devo pensar
na melhor forma de dar isso a ela.
Ele bebeu com seus homens, rindo, conversando, ainda assim tentando
resolver o problema sobre o que fazer com Tessa. Talvez ele pudesse levá-la
para Nova York ou para a Virgínia e ela estaria segura por lá. Mas isso também
significava problemas, pois ela uma mulher da nobreza, a filha de um conde e
estava acostumada com um estilo de vida muito diferente da vida nas colônias.
Então o que ele poderia fazer…
Mantê-la ali, ele disse a si mesmo. Mantê-la, amá-la, dormir com ela, acordar
e ver aqueles gloriosos olhos azuis, aquela face delicada, ouvir seus sussurros, a
tocar, fazer amor com ela. Passar o Natal no paraíso...
Exausto, ele voltou para sua casa, determinado a encontrar um navio para
colocá-la, um com um capitão de sua confiança e manda-la para Williamsburg
pelo tempo necessário. Ele tinha vários bons amigos, amigos que a ajudariam
por ele.
Ele andou até Billy Bowe e por seu sorriso, ele pôde dizer que o homem já
sabia que ele não devolveria a refém para Flambert.
—Ela está aqui, Billy, eu presumo? —Perguntou.
—Sim, capitão, está aí. —Billy lhe gantiu.
Steven passou por ele, abriu a porta e se surpreendeu com o silêncio lá
dentro. Ela estava dormindo? Chorando em algum lugar? —Tessa? —Ele
chamou. Atravessou o corredor até seu quarto e descobriu que ela não estava lá.
Furioso, ele voltou até Billy. —Ela fugiu!
A surpresa de Billy lhe garantiu que ele não sabia nada sobre a fuga da refém.
—Ela deve estar lá.
—Ela não está! Querido Deus, está escuro e a ilha pode ser perigosa à noite.
Encontre Walter e os outros; diga a eles que têm que a encontrar antes que lhe
aconteça algo!
Dito aquilo, ele mesmo partiu da casa, desesperado para encontrá-la.
*
Escapar tinha sido incrivelmente facil. Ela tinha seguido o caminho até o
penhasco, cruzou o rio, onde não havia nada além de um fio de água, fez seu
caminho até a praia e parou lá, olhando os pequenos botes puxados até a areia.
Havia marinheiros lá, falando, conversando, alguns limpando peixes, alguns
tirando as cracas de seus pequenos botes. No entanto, enquanto a escuridão
começou a descer, eles deixaram suas tarefas, guardaram seus pescados e
começaram a subir o penhasco.
Sempre havia homens ou guardas, Tessa pensou. Ela podia ver a silhueta de
um homem em uma das rochas altas que davam para observar a entrada do
porto. Mas ele estaria procurando por grandes navios inimigos. Ele talvez não
percebesse um pequeno bote à deriva no oceano. Ainda assim ela esperou,
esperou tanto que pensou que talvez quisesse ser pega. Era verdade que ela não
queria deixá-lo. Ela amou a ilha, com suas praias, com suas belas correntes de
água fresca, a cachoeira, a folhagem. Uma cativa ali, e tinha sido feliz como em
nenhum outro lugar, desde...
Desde que seu pai tinha ido à Inglaterra para buscá-la. Então tinha sido uma
verdadeira prisioneira. Agora... Ela ainda era uma cativa, e podia sonhar em
voltar para tudo o que queria, dormir nos braços dele novamente, o que não
significaria nada porque ele era ocupado, mesmo agora, fazendo os arranjos para
a devolver para Raoul.
Ela endureceu suas costas e assim que o último homem tinha ido há algum
tempo, se esgueirou de seu esconderijo de arbustos e rapidamente correu até um
dos pequenos barcos. Foi preciso um pouco mais do que ela tinha imaginado de
esforço, para tirar o barco da areia. E assim que estava sentada nele descobriu
que remar também não era tão fácil. Ainda assim, ela persistiu, empurrando com
força, forçando seus braços até que doessem e ela estivesse a ponto de chorar.
Ela estava começando a se mover para o centro do porto quando o primeiro
relâmpago cortou o céu. O pequeno barco foi lançado e jogado. Segundos
depois a chuva começou. Então o vento aumentou, chicoteando a água e seu
barco, selvagem e cruelmente. Ela gritou e lamentou quando o remo caiu de
suas mãos e o pequeno bote subitamente começou a rodar, ela não conseguia
mais controlá-lo. A chuva a cobriu, o vento batia nela. Parecia que o mundo
inteiro estava preto, com excessão de quando os raios cortavam e iluminavam o
céu.
Ela arrastou os remos, gritando e se esquivando quando o vento bateu forte
no barco novamente, o agitando em um círculo selvagem e quase o virando.
Então esse seria o seu milagre! Uma morte por afogamento!
Ela gritou de novo enquanto o bote começou a inclinar e empinar, a proa
quase encostando no mar. Então ela engasgou, muito aterrorizada para gritar,
pois parecia que algo estava se elevando do mar.
Não algo, mas alguém…
—Onde estão os remos? —Ele rosnou por cima dos rasgos das ondas e do
barulho do vento. —Tolinha, onde estão os malditos remos? Nós bateremos no
coral a qualquer momento!
Ela tateou pelos remos com seus dedos congelados enquanto ele subia no
barco e pegava os remos de suas mãos. Seus cabelos negros como a tinta,
encharcados contra sua pele. Suas roupas agarravam-se ao seu corpo. Ele estava
descalço e ela vagamente percebeu que ele havia tirado suas botas para nadar até
ela. Até aquilo. Naquela terrível tempestade.
—O que, em nome de Deus, fez você velejar nessas condições? —Ele
questionou. —Eu sou tão miserável assim para você? —Ele perguntou,
profunda emoção em sua voz.
—Não, —disse soluçando.
—Então…
—Você pretendia me tirar da ilha e me mandar para Raoul o quanto antes.
Eu disse a você – eu o odeio! Eu não me casarei com ele, eu...
—O que fez você pensar que a enviaria de volta para Raoul?
—Eu ouvi o que Billy te disse; ouvi o que você disse a Judith...
—Você entende inglês? —Ele disse devagar.
—É claro que eu entendo! —Ela disse em inglês. O vento bateu forte
novamente e ela foi jogada contra ele.
—Você quase nos mata! —Ele exclamou, tentando segurá-la e aos remos e
também manter o barco estável.
—Eu não tentei...
—Você fala inglês? —Ele bramiu.
—Eu sou inglesa! —Ela ostentou. —Se você quer saber – eu cresci na
Inglaterra, minha mãe era inglesa e eu fui criada sob os cuidados de meu avô
inglês a maior parte da minha vida. Meu pai me trouxe para a França um pouco
antes de estourar a guerra. Ele deve ter tido a intenção de me dar em casamento
a Flambert quando ele foi me buscar, mas não me disse nada então.
—E eu sei o que você pretendia fazer! —Ela murmurou.
—Pule! —Ele disse de repente. —Nós chegamos na praia.
Ele saltou sobre a borda do barco também, empurrando-o para a areia muito
mais facilmente do que ela o tinha empurrado para o mar. Ela saltou,
cambaleando pelo vento e pela água até a areia. Respirou fundo, tremendo
contra a chuva. Ela cambaleou de novo quando uma rajada a apanhou, mas
enquanto ela tentava se equilibrar, subitamente se encontrou carregada por seus
braços novamente.
Ambos estavam molhados e congelando da cabeça aos pés. Ela passou seus
braços em volta de seu pescoço, se segurando perto dele. Ele começou a andar,
gritando que a havia encontrado. Os homens correram até ele, dizendo que
estavam aliviados e gritando aos outros naquela miserável tempestade, fazendo-
os saber que a refém havia sido encontrada.
Sozinho, Steven continuou a carregá-la pelo caminho até a casa dele. Ela
sentiu que ele a olhava e ergueu seus olhos para ele.
—Você estava errada, — ele disse muito suavemente. —Eu nunca teria
devolvido você para Flambert uma vez que fiquei sabendo que você não
desejava ir para ele. Eu tive minhas dúvidas até mesmo antes disso, mas quando
eu confisquei seu navio... é uma longa história. Eu não a deixei para fazer
qualquer plano de devolvê-la por uma recompensa. Eu fui dizer aos meus
homens que pagaria seu resgate eu mesmo.
—Oh! —ela engasgou.
A porta da casa dele foi aberta e Judith, em sua roupa preta, esperava por
eles.
—Pobre moça, e olhe o que você fez a ela, Steven Mallory! Traga-a para
dentro; tenho um banho quente preparado. Ela morrerá de frio!
Steven sorriu, andando até a varanda onde a chuva não podia alcançá-los –
eles apenas gotejavam tudo que já havia para cair.
—E então ela vai querer levá-la para casa com ela, — Steven sussurrou na
orelha de Tessa.
—Mas eu sou sua cativa. —Tessa protestou alto.
—Ela fala inglês! —Judith exclamou.
—Perfeitamente, — Steven disse pesarosamente. —E você a ouviu, ela é
minha cativa. Banhe-a e a vista, Judith, mas ela ficará aqui!
Ele colocou Tessa para baixo e desapareceu na chuva mais uma vez, se
certificando que todos soubessem que ela havia sido encontrada. De fato. Sua
cativa “noiva de Natal” estava de volta.
Capítulo 7
—Sempre foi meu período favorito do ano, —Tessa disse duas semanas
depois, enrolada nos braços dele em seu quarto, limpa e aquecida, e muito mais
contente do que deveria estar na cama de um corsário inglês. Mas uma vez que
ela soube que não seria enviada para Flambert, ela se permitiu o luxo de não se
preocupar com nada mais além do fato de que havia recebido seu pequeno
milagre. E o havia recebido das mãos de Steven.
E ela estava se apaixonando profunda e intimamente por seu pirata. Era
muito fácil ficar com ele, conversar tolamente com ele após fazerem amor,
envolta em seus braços, sentindo-se serena e segura com sua força. Naquela
noite ela havia confessado a ele que havia rezado por um milagre de Natal, e
pensou que talvez ela tenha demorado um pouco para perceber isso, que ele
havia sido, na verdade, o milagre.
—O Natal é a época em que a magia pode acontecer, — ela disse
suavemente. Ele ficou em silêncio por um momento, e ela continuou a falar, —
Eu costumava amar a casa do meu avô no Natal. O salão ficava cheio de folhas
e galhos e sempre havia um tremendo banquete de Natal. Neve no chão, e
acendíamos muitas velas para espantar o frio e a escuridão. Sempre
começávamos o dia na capela, meu avô é um homem muito bom, e gosta de
seguir as tradições, então os pobres eram todos convidados e lavávamos seus
pés e lhes dávamos moedas. As músicas de Natal eram tão bonitas, e é
realmente a época para o amor fraterno e...
—E? —Ele perguntou a ela, após ela ter feito uma pausa.
—Eu não pude acreditar que seria a noiva de Raoul Flambert no Natal! —
Disselhe, se arrepiando.
—Tudo o que você queria para o Natal era sua liberdade, — ele disse
suavemente. —Voce terá liberdade, tenha certeza, eu nunca deixarei você ir para
ficar com Flambert, — ele prometeu, com paixão em sua voz.
— No Natal?
— Nem para o Natal e nem nunca!
Ela pensou que seu coração sacudiu dentro do peito com a pura felicidade
que a encheu quando ele a puxou para seus braços mais uma vez e seus lábios
tocaram os dela. Ela descobriu que estava apaixonda por ele, e esse amor
aumentava cada vez mais com o passar das horas ao lado dele.
A noite foi feliz, ainda que parecessse que ele estava insaciável, não que ele
tivesse muita necessidade de sono. Quando Tessa finalmente conseguiu dormir,
dormiu muito profundamente, e quando acordou pode ouvir o chilrear dos
pássaros e sentir a claridade da luz do sol vinda das janelas. Talvez já fosse tarde
na manhã, provavelmente próximo ao meio-dia. Pensou que nunca tinha
dormido até tão tarde.
Ela pulou da cama, se lavou e vestiu rapidamente, saindo para a sala, certa de
que se encontraria sozinha, que Steven tivesse saído para falar de negócios com
seus homens. Mas ela não estava sozinha, ficou surpresa ao encontrar Steven
acompanhado por um cavalheiro muito bem vestido e propriamente usando
uma peruca branca.
—Capitão Tyler, —Steven disse, —deixe-me apresentá-lo à lady em questão,
Tessa Dousseau. Tessa, Capitão Henry Tyler, aos serviços de sua majestade – e
ao seu.
—Me – perdoe? —disse Tessa.
—Ele veio buscá-la para levá-la para casa. Para a Inglaterra, na casa de seu
avô, — Steven disse, seus olhos sem demonstrar nenhuma emoção enquanto a
olhava.
—Oh! —Ela engasgou. Agarrou o batente da porta, rezando para que não
demonstrasse seu desânimo. Ele a estava mandando embora, enquanto ela se
apaixonava por ele, vivendo em um paraíso de tolos, em um sonho...
Bem, de fato, ela tinha sido a tola. Tinha seduzido um pirata, vivido com ele,
o amado. E o pirata tinha continuado a ser um cavalheiro, não a traindo, nem
mesmo por um fantástico resgate. Mas ele a estava mandando embora.
Ela levantou seu queixo. —Capitão Tyler, — ela o reconheceu polidamente.
—Senhor, quando partimos?
—Com a maré, — Disselhe. —Você talvez tenha uma hora ou quase para
arrumar suas coisas. Claro, os homens providenciarão para que seus baús sejam
levados até a praia e para o pequeno barco, e de lá nós cuidamos deles. Você, é
claro, ficará alojada em minha cabine.
—Obrigada, senhor.
—É um grande prazer, milady.
—Você pode ir e pegar suas coisas, — Steven disse brevemente. —Eu tenho
negócios a resolver com Capitão Tyler.
—De fato, temos outros negócios! —Capitão Tyler disse. Ele foi até Tessa,
curvou-se e beijou-lhe as mãos, um homem caloroso e cortês com olhos
agradáveis. Ela lhe sorriu em resposta, sentindo-se fraca.
Os homens saíram. Ela andou de volta ao quarto e sentou-se nos pés da
cama. Homens! Ele havia conversado com ela sobre o Natal, sobre liberdade.
Ele a havia segurado durante toda a noite. Ele havia feito ela se apaixonar por
ele, e agora...
Ela tinha se jogado para ele, isso era verdade. Nunca havia sequer pensado
em indagar-se se havia uma concumbina em algum lugar, uma mulher, uma
amante... Talvez houvessem muitas.
Ela lutou contra as lágrimas. Ela teve o que queria, seu milagre de Natal.
Talvez não chegasse em casa a tempo para o Natal, mas estaria de volta com seu
avô o mais cedo possível, e então comemorariam o Natal novamente. Os
menestréis tocariam os compassos, a neve continuaria a cair, o salão continuaria
cheia com os cheiros exuberantes, e o mundo estaria...
Vazio.
Estava acontecendo aquilo que ela havia quisto! Ela castigou a si mesma. Ela
estava indo embora.
Quando eles retornaram, ela estava pronta. Estava vestindo um dos seus
melhores vestidos; tinha arrumado cuidadosamente seus cabelos, estava tão
distante e magnificente quanto poderia ficar.
Ela quase afastou sua mão quando Steven a segurou para escoltá-la pelo
caminho e até o pequeno barco. Quando chegaram no barco, estava pronta para
subir rapidamente e muito perto de chorar. Mas ele segurou suas mãos,
puxando-a para trás enquanto os homens do capitão entravam no barco.
—Boa viagem à Inglaterra, para sua liberdade, — disselhe.
Ela acenou, não confiando em si mesma para falar. Então ela umedeceu os
lábios e disse a ele, — Obrigada. A liberdade é um maravilhoso presente.
—Amor é ainda um muito melhor, — disse a ela. Ele beijou sua mão,
parecendo relutante em deixá-la ir embora.
—Estamos prestes a perder a maré! —Clamou capitão Tyler.
Steven deu um passo para trás, escuro, alto, musculoso e esplêndido em suas
botas negras, calças e uma simples camisa branca de algodão. —Pense em mim,
milady, no Natal! —Ele gritou para ela.
Ela acenou com a cabeça novamente e entrou no pequeno barco, voltada de
costas para ele. Os homens começaram a remar para longe da praia. Ela não se
atreveu a olhar para trás.
Um pouco adiante, parado no porto, estava o navio do Capitão Tyler, o
Marianne. Ela manteve seu olhar fixo nele.
E ela não explodiria em lágrimas até que estivesse sozinha na cabine do
Capitão.
*
Como ele tinha permitido que ela partisse? Steven pensou, sentado sozinho
em sua casa, afundando-se em uma das cadeiras, encarando o fogo.
Ele deveria tê-la mantido prisioneira. Não tinha sido tão sombrio para ela –
ela havia rido e sorrido. Seus olhos o deslumbraram por seu brilho e ela o havia
segurado, tocado, feito amor com ele, certamente como ele a havia amado...
Era natal. Maldito Natal! Quando ela havia falado sobre seu avô, e a neve, e
as maravilhas da estação, tudo o que ele podia lembrar era que ela havia dito que
queria apenas uma coisa.
Liberdade.
E assim, ele a deixou partir, mesmo que tenha parecido que seu coração tinha
sido cortado com uma espada. Subitamente, ele percebeu que até o ultimo
minuto ele teve esperança... esperança de que ela viraria para ele e diria que não
queria partir, que ela não se importava com mais nada, que ela estava apaixonada
por ele...
Ele olhou o pequeno presépio e sorriu. —Isto é o que quero para o natal! —
Ele disse suavemente. —Mas eu tenho sido um corsário, servindo ao meu país;
o fazendo com compaixão, pelo menos foi o que sempre pensei! Não tenho sido
perfeito, de todo modo, mas é a estação para o perdão... —a voz dele falhou por
um momento. —Um pequeno milagre, querido Deus. Traga-a de volta. —Ele
disse suavemente.
A porta foi aberta de repente, mas não era tessa, não era seu milagre que
havia chegado.
Billy Bowe parou em pé, a face torcida e tensa. —Eles foram atacados! Os
franceses enviaram um navio bem próximo à enseada para a Ilha Hidden.
Certamente, eles estão procurando por ela desde que ele ouviram que sua noiva
havia sido raptada e seu navio confiscado. Pelo amor de Deus, Capitão, eles
estão bombardeando o navio do capitão Tyler, com lady Tessa a bordo!
Steven levantou correndo de sua cadeira. Antes que Billy pudesse dizer outra
palavra ele estava fora da casa, se dirigindo a um pequeno barco, gritando
ordens para qualquer um que estivesse próximo dele de que estariam navegando
imediatamente. Billy estava correndo atrás dele, com os membros de sua
tripulação tão apressados quanto eles. Quando ele chegou na praia, ele pulou no
primeiro barco seguido por Billy, Walt e dois de seus homens mais robustos e
saíram da baia Galway.
Steven remou o pequeno barco ele mesmo, cortando através da água com
incrível rapidez. Ele mal tinha embarcado em seu navio quando começou a
gritar ordens novamente, e estavam prontos para navegar mesmo antes do
último membro da tripulação conseguir saltar da escada de cordas para dentro
do navio e ter se juntado a eles.
Dentro de trinta minutos eles chegaram ao ponto onde uma batalha armada
estava acontecendo. O mastro do Marianne do capitão Tyler havia sido
destruído, mas o navio flutuante ainda estava revidando o fogo contra a
embarcação francesa, Aurora. O Aurora, entretanto, estava movendo-se no vento
e pronto para fazer a última varredura sobre o Marianne e tomá-lo como
prisioneiro o atacando com ganchos e armas.
—Conduza-o ao redor! —Steven gritou para Walter ao leme. —Artilheiros
em suas posições, apontem seus canhões rapidamente; acender e atirar à
vontade!
Seus canhões começaram a atirar, três tiros caindo perto, mas o quarto e
quinto dilaceraram o navio francês, um deixando seu equipamento em pedaços e
o próximo caindo em sua proa. O navio chafurdou e mesmo enquanto listava, o
barulho dos ganchos podia ser ouvido, e fortemente, foi de encontro ao
Marianne do Capitão Tyler.
—Doce Jesus, Walt, nos leve até aquele navio! Homens, afunilem as velas e
nos aproximem da proa deles!
O mar estava calmo em um estranho contraste com a cena caótica que
acontecia na frente deles. O navio francês tinha vindo equipado para guerra e
dúzias de homens invadiram a embarcação inglesa. Os minutos que demoraram
para o navio de Steven alcançar o Marianne pareceram eternos, mesmo quando o
primeiro gancho foi jogado para os prender no navio, o deixando entre seu
próprio navio e o francês, ele havia lançado o cordame ele mesmo e se preparou
para pular no convés.
Os navios se chocaram com um forte estrondo. Steven saltou para a luta
acontecendo no convés do Marianne. Os homens foram ao seu encontro com as
espadas em riste, pistolas foram disparadas, fumaça subindo, mas ele deu pouca
atenção aos que tentavam o atacar; ele procurava apenas por um homem, um
inimigo, e ele abriu seu caminho entre os demais, rezando para que não chegasse
muito tarde.
Ele ainda procurava por Flambert quando ouviu um grito.
Tessa.
Ele pulou sobre um rolo de corda e caminhou rapidamente sobre o mastro
caído. Quando ele chegou na proa, onde portas entalhadas davam passagem
para a cabine do capitão, ele a viu, seu braço sendo segurado num rígido aperto
de um francês vestido em brocado, bem vestido mesmo numa ocasião como
aquela. Um homem bonito e moreno com um sorriso curvado e cruel enquanto
olhava para Steven.
Uma neve suave e leve estava caindo enquanto o capitão Travis Aylwin
estava junto à janela do salão. Ele quase podia ver os flocos individuais dançar
contra o céu cinzento caindo na terra. Era uma imagem bonita, serena. Não
havia trombetas; nenhum soldado lançando gritos de guerra; nenhum cavalo
silvando; e nenhum sangue marcava a pureza e brancura do dia de inverno.
Era véspera de Natal, e desde aquela janela, no salão que ele havia assumido
como seu escritório, poderia ter havido paz na Terra. Era possível esquecer que
homens morreram no próprio terreno diante de casa, que os membros sem vida
cobertos de cinza haviam caído sobre membros sem vida vestidos de azul. A
serenidade do dia que escurecia fora completa. Um fogo queimando na lareira, e
o aroma do pinheiro estava pesado no ar, pois a casa estava vestida para a
estação com azevinho e ramos da floresta, fitas vermelhas brilhantes e arcos de
prata. Hawkins tinha assado castanhas na lareira naquela manhã, e seu cheiro de
inverno ainda se apegava levemente à sala, como a risada zombeteira de férias
vividas há muito tempo. Ele não pediu essa guerra! Não estava em casa para o
Natal em quatro longos anos, e nenhum aroma de castanhas ou spray de visco
curaria a dor assombrosa que o atormentava naquele dia.
Ela podia curar a ferida, pensou. Ela, que poderia passar o feriado em sua
própria casa, em seu próprio lado. Mas ela não queria, ele pensou. E nenhuma
palavra que dissesse mudaria seus sentimentos, pois era quase Natal, e não
importava o que havia passado entre eles, por mais que ele falasse gentilmente,
Isabelle pegou a batalha no Natal, como se lutasse por todos os soldados que
descansavam no campo.
Em algum lugar ele podia ouvir cantar. O cabo Haines estava tocando piano,
e Joe Simon, de Baltimore, Maryland, estava cantando — O, Holy Night — em
seu maravilhoso tenor. Havia uma qualidade pungente na música que soava tão
alta e clara. Duas pessoas estavam cantando, ele percebeu. Isabelle Hinton
juntou-se, sua voz subindo como um rouxinol, as notas verdadeiras e doces.
Ela perdoou os homens, pensou ele. Ela os perdoou por serem ianques; ela
perdoou-lhes a guerra. Era só a ele que não podia perdoar, não quando era
Natal.
Os sons da música desapareceram.
Ele fechou os olhos de repente, e foi a imagem do passado que viu, e não o
presente. Não a pureza da neve, o cinza suave do dia. Ele não podia esquecer o
passado, pensou, e tampouco ela o poderia fazer.
Ele ficou tenso, os músculos de seus braços e ombros se estreitando, sua
respiração chegando rapidamente. Ela estava lá. Ele sabia que ela estava lá. O
sargento Hawkins havia dito a ele que Isabelle pedira uma audiência com ele, e
agora sabia que ela estava esperando na porta. Ele podia cheirar seu sabão de
jasmim; podia sentir sua presença. Ela estava parada na entrada quando ele se
virou, esperando que ele lhe oferecesse para entrar. Ela ficaria orgulhosa e
distante, como fora no primeiro dia em que a conheceu. E, assim como
aconteceu pela primeira vez, o coração martelava dentro de seu peito enquanto a
observava. Ela era uma mulher extraordinária. Suas mãos apertaram os punhos
em seus lados. Estava quase acabado. A guerra estava quase acabada. Ele sabia
disso; Os soldados magros e famintos do Sul o sabiam; ela sabia disso, mas ela
nunca o admitiria.
Endireitou os ombros, com cuidado de colocar uma máscara de comando.
Ele se virou e, como sabia, ela estava lá. E, como suspeitava, estava vestida para
viajar. Seu vestido borgonha e rendas estavam usados; o seu pesado casaco preto
estava desgastado e, sob suas anáguas remendadas, sabia que ela estaria usando
uma calça estreita e reparada, pois ela não levaria nada dele, exceto a “renda”
pela casa, e isso ela guardava cada mês atrás de um tijolo na lareira. Antes ela
guardava isso para dois irmãos, mas agora um deles descansava na parcela
familiar que estava escondida pela neve, e então ela guardou o dinheiro para o
tenente James L. Hinton, Artilharia dos Estados Confederados, do Exército da
Virgínia do Norte, na esperança de que ele voltasse um dia para casa. Ela pegou
o dinheiro porque o Exército dos Estados Unidos tomou conta de sua casa. Por
estar determinada a não perder seu lar, não teve escolha senão deixá-los usá-la.
A plantação de Hinton estava muito perto de Washington, DC, e embora o
exército tivesse sido forçado a abandonar a propriedade na ocasião, quando as
forças de Lee chegaram perto, elas sempre voltavam.
Isabelle sabia disso. Que ele sempre voltaria.
Travis não falou imediatamente. Ele não tinha intenção de facilitar as coisas
para ela, não naquela noite, não quando sentia uma tempestade tão
desesperadora em sua alma. Cruzou os braços sobre o peito e ficou sentado no
assento da janela, observando-a educadamente, esperando. Os seus batimentos
cardíacos se aceleraram, como sempre acontecia quando estava perto. Tinha
sido assim desde a primeira vez que a viu, e agora que a conhecia tão bem...
Ela estava pálida naquela noite, e ainda mais bonita por sua falta de cor.
Poderia ter sido uma rainha de inverno enquanto estava parada, alta, magra,
coberta por seu manto, seus fascinantes olhos verde cinza enormes contra a
perfeição oval de seu rosto. Sua pele era como um alabastro, e a escuridão de
seus cílios varria sedutoramente a perfeição de sua aparência impecável. Seu
nariz era aquilino, os lábios da cor do vinho. Cachos de cabelos dourados
ondulados por baixo do capuz de sua capa, mal insinuando a profusão radiante
de longos e sedosos cabelos abaixo. Ao vê-la, ele estava tentado a atravessar a
sala, levá-la a seus braços, apertá-la até que ela clamasse por misericórdia, até
que ela prometesse que se renderia.
Mas ele não o faria, ele sabia. Antes a tocara com raiva, a sacudiu para
dissipar o gelo de seu coração. Ele tinha o poder, e às vezes o usava, em
desânimo, em desespero, e uma vez com a triste determinação para salvar sua
vida. Mas não a tocaria aquela noite. Ele a amava e não a forçaria a ficar.
— Boa noite, Isabelle — disse a ela. Não tinha intenção de ajudá-la. Ele a
deixaria ir, porque tinha que fazê-lo, mas não a ajudaria a abandoná-lo para o
vazio estéril de outro natal sem ela.
— Capitão — ela reconheceu.
Ele não disse uma palavra. Ela levantou o queixo, sabendo que ambos
estavam plenamente conscientes de por que ela tinha vindo e que ele não iria
facilitar a sua vida.
Com uma dignidade suave, ela falou novamente. — Eu gostaria de uma
escolta para o lugar de Holloway, por favor.
— O clima é severo — ele disse sem compromisso.
— Isso não importa, senhor. Irei com ou sem sua escolta.
— Você sabe que não vai dar dois passos sem minha permissão, senhorita
Hinton.
Seu lábio enrolado, e suas grossas pestanas cobriam suas faces. — Você me
impediria de ir, capitão?
Por que não o fez? Ele se perguntou. Poderia virar as costas para ela, poderia
negar o pedido dela. Se tentasse deixá-lo, se tentasse se afastar a nevasca, ele só
precisava acompanhá-la, capturá-la, arrastá-la para trás. Seria tão fácil.
Mas se apaixonou por ela e nunca poderia segurá-la pela força. Se quisesse ir,
ele iria selar o cavalo se necessário.
— Não, senhorita Hinton — ele disse suavemente. — Não vou impedir que
você vá, porque esse é o desejo do seu coração.
Ele se levantou e caminhou até a escrivaninha, a mesa do irmão, a
escrivaninha. Era uma mesa ianques agora, empilhada com a papelada, as
ordens, as cartas, os desejos de Natal que lhe chegavam, as cartas que ele havia
ditado aos pais, amantes, irmãos e noivas dos homens que havia perdido na
última escaramuça, cartas que ainda não foram enviadas. Ele procurou suas
formas de conduta seguras, tirou a cadeira, sentou-se e começou a preencher os
espaços em branco. Qualquer patrulha da União iria providenciar passagem
segura para a senhorita Isabelle Hinton para Holloway Manor, apenas cinco
quilômetros a sudoeste de sua própria localização no norte da Virgínia. Ela seria
acompanhada pelo sargento Daniel Daily e pelo cabo Eugene Ripley, e não
deveria ser interrompida, questionada ou encaminhada para qualquer propósito.
Ele assinou seu nome, então olhou para cima. Pensou detectar o brilho de
lágrimas por trás do deslumbramento de seus olhos cinza-verdes. Não faça isso!
Ele desejava lhe ordenar. Você não vê isso neste mesmo ato nega nosso amor?
Mas ela nunca disse que o amava. Nunca, nem enquanto ardia nas chamas do
desejo, nem nos poucos momentos roubados de ternura que tinham chegado a
ela. E nem, Deus o ajudasse, ele alguma vez sussurrou tais palavras, pois não
podia. A guerra estava entre eles e os inimigos não se amavam.
Ele ficou de pé, depois se aproximou dela com o passe. Suas mãos enluvadas
estavam bem dobradas, mas começaram a tremer contra a saia.
— Isabelle... — Ele começou a entregar o papel.
Ela procurou alcançar, mas seus dedos não conseguiram alcançá-lo e o passe
caiu no chão. Ele queria se inclinar para pegá-lo, mas não o fez. Seus olhos
escuros prenderam-se nos dela, e a sala pareceu encher com uma tensão
palpável. De repente, ele descobriu que era a mulher que ele procurava, e não o
papel. Puxou-a para dentro de seus braços e soube que ela não era feita de gelo,
que o calor aquecia e queimava dentro dela. Um grito suave escapou de seus
lábios, e sua cabeça caiu de volta. Seus olhos encontraram os dele com um
desafio deslumbrante, mas eles traíram coisas que ela não diria, que ela negaria
até à tumba se ele o permitisse.
— Isabelle! — ele repetiu, olhando-a nos olhos, devorando seus traços
perfeitos, seus dedos calosos descansando na suave inclinação de sua bochecha
e queixo. Mais uma vez, ele sussurrou seu nome e sentiu o bater frenético de seu
coração antes de a beijar. Ele tocou seus lábios contra os dela, e o fogo pareceu
rugir atrás dele enquanto mergulhava profundamente em sua boca, acariciando
os recantos internos com a língua e evocando memórias dentro deles. Seus
lábios acariciaram e consumiram os dela, e as chamas alojaram-se em seu peito,
suas coxas, seu corpo, até que pensou que não poderia suportar mais. Seus seios
empurraram explicitamente contra sua camisa de cavalaria enquanto se enchia
do gosto doce dela, um gosto que logo seria negado.
Se ela pensou em lutar contra o seu toque, ele rapidamente tirou esse
pensamento de sua mente. No poder de seus braços, ela não... não podia negá-
lo. O beijo evocava lembranças. Memórias de cegueira, paixão e necessidade
desesperadas, memórias de ternura, de sussurros, de momentos dourados e
preciosos fora do tempo, quando o amor tinha ousado e desafiado a realidade da
guerra.
O beijo era esfomeado e doce, e nesses segundos roubados significava tudo
que o Natal deveria significar para ele. Ele começou a ferver de paixão, lembrou
profundamente no seu coração dos tempos em que riram juntos. Dos tempos
em que ele a abraçou contra o mundo. Começou em tempestade, e no entanto
foi um sussurro de paz e compromisso da alma. Prometia anos juntos, noites
ante uma lareira com crianças em suas voltas e os sons doces de canções de
natal dançando em seus ouvidos. Era tudo o que um beijo de Natal deveria ser.
— Não! — Ela gemeu suavemente, afastando-se dele. Suas pequenas mãos
enluvadas estavam contra seu peito, e as lágrimas que tinham umedeciam seus
olhos agora molhavam suas bochechas. — Travis, não! Eu devo ir! Não
entende? Eu tenho que estar com minha gente para o Natal, não no seio do
inimigo!
— Por Deus, Isabelle! Você não vê? Você está em casa. Esta é a sua casa…
— Não com você, Travis! — Ela interrompeu, afastando-se dele. — Travis,
por favor! — O som desesperado de suas lágrimas estava em sua voz. — Por
favor, deixe-me ir!
Ele sentiu como se seu corpo fosse composto de aço, tenso e rígido, mas se
forçou a respirar e, observando-a, lentamente se forçou a retomar o papel.
Entregou-o a ela, e seus dedos roçaram quando ela o pegou.
— Não vá, Isabelle — ele disse simplesmente.
— Eu tenho que ir!
Ele balançou sua cabeça. — A guerra está quase acabada — Não posso ser
uma traidora.
— Amar-me não significa dar as costas ao seu próprio povo. A guerra vai
acabar. A nação deve começar a curar-se, sarar suas feridas — A guerra não
acabou.
— Isabelle! Os homens de Lee estão usando trapos e farrapos. Eles estão
desesperados por comida, por botas. Você não vê? Sim, eles lutaram e
morreram, e levaram a União ao chão, mas há mais e mais de nós, e temos rifles
de repetição quando metade dos meninos de cinza lida com mosquetes de um
único tiro! Eu não fiz essa guerra, e você também não! Isabelle...
— Travis, não! Eu não quero ouvir isso!
— Fique, Isabelle.
— Eu não posso.
— Você deve.
— Por quê? — Ela exigiu desesperadamente.
— Porque eu amo você.
Ela congelou enquanto ele falava as palavras simples, suas bochechas ficando
cada vez mais pálidas. Mas ela sacudiu a cabeça em uma feroz negação. —
Somos inimigos, Travis.
— Nós somos amantes, Isabelle, e nenhuma mentira, nenhum heroísmo,
nenhuma recusa pode mudar isso!
— Você é um ianque! — Ela ofegou. — E nenhum cavalheiro para dizer
essas coisas em voz alta!
Um sorriso dolorido tocou suas feições. — Eu tentei, mas um cavalheiro não
poderia ter tido você, e eu tinha que ter você. Não vá embora. É Natal. Você
deveria estar em casa para o Natal.
— Não! — Ela balançou a cabeça com fúria, girou e correu para a porta. Ela
a atravessou, depois a bateu em seu caminho.
— Isabelle!
Travis correu atrás dela. Ele a ouviu encostar-se contra a porta e fez uma
pausa, os dedos apertando e desapertando.
Não restava nada a dizer.
— Você deveria estar em casa para o Natal — repetiu suavemente.
Ele ouviu seu soluço suavemente, então afastou-se da porta.
E então ela se foi.
Finalmente Travis entrou na sala e sentou-se diante do fogo. As chamas
saltaram alto, e ele viu seu rosto no incêndio vermelho-dourado. Venha para
casa! Ele pensou. Venha para casa e fique comigo esta noite.
Ele se recostou. Era quase Natal quando se conheceram, pensou.
De longe, ouviu o piano novamente. As vozes dos homens se moldando em
uma versão de Noite silenciosa. O fogo continuou a queimar, e além da janela os
delicados flocos de neve continuaram a cair.
Ele poderia ir atrás dela, pensou. Talvez ele devesse.
Era quase Natal, uma noite como esta, quando eles se conheceram pela
primeira vez.
Ele fechou os olhos e pôde vê-la novamente. Ver como ela tinha parado nos
degraus da frente, uma mulher sozinha, pronta para desafiar todo o exército da
União.
Capítulo 1
Dezembro de 1862
A neve tinha parado de cair, mas a casa aparecia como um palácio de gelo,
como algo tirado de um conto de fadas. A chuva tinha gelado sobre a neve
branca, acabada de cair, e quando o sol saiu, a casa e os terrenos pareciam
deslumbrantes, como se estivessem cobertos com cem mil aparas de diamante.
A paisagem parecia estéril, uma pintura de um livro para crianças. Era um lugar
onde a rainha do inverno deveria viver, talvez, certamente era o que parecia, não
tivesse influência na vida real.
Mas a vida real era pelo que eles tinham vindo. Desde que os primeiros tiros
foram disparados em Forte Sumter, todos sabiam que o norte da Virgínia seria
um viveiro, e que certas áreas deveriam ser mantidas pelos Yankees para que
Washington DC fosse protegido.
Agora, com a guerra em disputa, tornou-se cada vez mais importante
solidificar a presença da União na Virgínia. A casa de Hinton era apenas um dos
lugares que tinham de ser tomados. O pequeno município já estava se enchendo
com seus homens e, ao estudar seus mapas à procura de locais estratégicos,
Travis sabia que a casa de Hinton seria o melhor lugar para sua sede. Sua
ocupação manteria os Rebeldes longe, enquanto ele ainda teria acesso fácil à
cidade nas proximidades se fosse necessário recuar. Além disso, estaria em boa
posição para se juntar ao exército principal, caso fosse chamado.
O dia parecia muito frio e quieto. Travis podia ouvir apenas o ruido de
arneses e os sons dos cavalos enquanto sua pequena companhia de vinte
homens se aproximava da casa. O sopro de homens misturou-se com a
respiração dos cavalos enquanto atravessavam a neve, criando rajadas de névoa
no ar. Ele parou de repente, sem saber por que, apenas olhando para a casa.
Era uma estrutura tão elegante, como uma grande dama na neve cristalizada.
As grandes colunas gregas se erguiam sobre a ampla varanda, alta e imponente.
A casa era branca, e os flocos de neve brancos e de diamantes pegavam no
telhado e nas janelas. Mesmo as dependências estavam cobertas de cristal.
Através de uma janela, ele podia ver uma cintilação de vermelho e ouro, e
percebeu que um fogo estava queimando, quente e reconfortante contra a neve
e o frio.
— Capitão? Está muito frio aqui fora — o sargento Will Sikes o lembrou.
— Sim. Sim, está um frio poderoso — disse ele. Ele cutucou Judgment, seu
grande puro-sangue preto, para a frente. Seus homens, frios e silenciosos,
sobreviventes de Sharpsburg e mais esse ano, seguiram em silêncio. Todos
pensaram que a guerra acabaria em maio. Algumas semanas. Os Yankees haviam
esperado uma vitória fácil, enquanto os Rebeldess haviam pensado que podiam
baixar as calças dos Yankees, o que eles haviam feito na ocasião, Travis teve que
admitir, mas eles não contaram com a tenacidade do Sr. Lincoln. O presidente
não tinha intenção de deixar a nação se desmoronar. Ele iria lutar contra a
guerra, não importa como. Assim, o Norte tinha aprendido que não havia uma
vitória fácil, e o Sul soube que a guerra poderia durar para sempre, e aqui estava,
apenas alguns dias antes do Natal, e todos estavam se preparando para dormir
na Virgínia, em vez de voltando para casa aos seus entes queridos.
Claro, para alguns, o Natal estava destinado a ser ainda mais sombrio. Para
alguns, a guerra já tomara seu preço. Pais, amantes, maridos e filhos, muitos já
haviam retornado para casa, retornados em caixas de pinho, envoltos em seus
sudários, e para o Natal eles ficariam em seus cemitérios familiares, em casa para
o feriado.
Ele estava ficando melancólico, se lembrou, algo que não podia se permitir.
Ele estava encarregado desse grupo de vinte jovens e dos cem que deixara na
cidade. Não tinha a intenção de deixar o moral cair, nem tinha a intenção de
atirar em nenhum dos seus homens por deserção.
— Parece um lugar bom o suficiente, hein? — Ele gritou, levantando-se da
sela para virar e ver as tropas. Recebeu vários sinais de cabeça, vários sorrisos e
voltou a virar para a casa.
Foi quando a viu.
Ela saiu para ficar na varanda. Provavelmente ouviu o ruido dos arreios dos
cavalos, e sabia que os homens estavam vindo. Deve ter esperado que fosse uma
empresa confederada, mas parecia que havia suspeitado de Yankees, porque ela
tinha saído com uma espingarda, e Travis estava certo de que estava carregada.
Para a vida dele, naquele momento, ele não podia se importar.
Ela estava vestida de veludo azul, um vestido rico e suntuoso com mangas de
sopro e um corpete ousado que deixava seus ombros abertos e provocava uma
sugestão dos seios de marfim que surgiam contra o tecido. Não usava casaco ou
manto contra o frio, mas estava no topo do alpendre, aquela arma pesada varreu
e apontou para ele, mesmo quando uma delicada madeixa de cachos de ouro
como o sol caiu em um rico redemoinho contra os olhos. Ela jogou o cabelo
para trás, e ele soube que era jovem, e embora não conseguisse ver a cor de seus
olhos, sabia que seriam fascinantes. Ele sabia que nunca tinha visto uma mulher
mais linda, mais impressionante, mais delgada e delicada. Durante alguns
segundos, perdeu de vista o dever e a honra, mesmo o fato de estarem em uma
guerra.
— Parece que ela pretende usar essa coisa — Will murmurou, lançando um
olhar rápido para Travis. — O que você acha, capitão?
Travis encolheu os ombros, sorriu. Ela não poderia estar a ponto de atirar
neles. Uma mulher solitária contra um grupo de vinte homens. Ele levantou
uma mão e se torceu na sela para falar. — Aguentem, homens. Vou conversar e
ver se não podemos manter isso de forma educada.
Ele incitou sua montada para a frente, deixando os outros na névoa de neve
pelos prados e portões. Ela apontou a espingarda direto para ele, e ele puxou seu
cavalo, levantando uma mão para ela em um gesto civil.
— Pare exatamente onde você está, Yank! — Ela ordenou. A voz
correspondia à mulher. Era de veludo e seda. Era forte, mas com tons brilhantes
que a tornavam ainda mais feminina.
— Senhorita Hinton, sou o capitão Travis Aylwin do...
— Você é um Yank, e eu quero você fora da minha propriedade.
Desmontou e dirigiu-se para o caminho que levava ao alpendre. Sua capa de
lã pesada flutuou atrás dele, pegada pela brisa. Ele puxou o chapéu sobre a testa,
reconhecendo que havia encontrado uma senhora, mas antes que pudesse dar o
primeiro passo, descobriu-se espantado. Ela disparou o rifle e apenas cortou a
pena no chapéu.
— Filho da puta! — Ele rugiu.
Atrás dele, vinte rifles estavam armados.
— Segure-o! Segure-o! — Ele gritou para seus homens. Ele tirou o chapéu e
o enviou voando sobre uma nevasca, e então olhou para este anjo do sul, seus
olhos escuros brilhando com fúria. — Que diabos é o problema com você? Se
você tivesse me atingido...
— Se eu tivesse a intenção de acertar em você, Capitão, você estaria morto
— ela prometeu suavemente, solenemente. — Agora, pegue seus homens e saia
de minha propriedade.
Ele jogou de volta a capa, colocou um pé no primeiro degrau, colocou as
mãos nos quadris e apertou os dentes. Não havia maneira fácil de assumir a
propriedade de uma pessoa, mas isso era guerra.
— Então você não pretendia me acertar, hein? — Ele demandou.
— Você não acredita em mim, capitão? — Uma testa requintada se elevou
com a questão.
— Oh, sim, senhora, eu acredito em você. Se eu não o fizesse, você estaria
amarrada e na parte de trás de um cavalo agora.
Ele observou seus olhos se estreitarem e um rubor lento subiu em suas
bochechas. Ela começou a apontar o rifle novamente e, embora quisesse
acreditar que não era estúpida ou suficientemente viciosa para atirar em um
homem, mesmo um ianque, não queria arriscar. Ele saltou os passos restantes,
varrendo um braço ao redor da cintura para arrancar o rifle de seu aperto. Um
suspiro suave escapou dela, mas seu aperto era forte, e seus esforços para
desalojar a arma os desequilibrou. De repente, eles caíram nos degraus e se
estatelaram na neve. Travis instintivamente tentou manter seu corpo alojado
debaixo do dela. Ele não sabia o porquê, afinal ela queria matá-lo. Talvez ele
simplesmente não pudesse suportar a idéia de que uma criatura tão bonita fosse
ferida de qualquer maneira.
Quando eles pousaram, ela ainda estava fervendo e lutando. Ele a prendeu
debaixo dele, segurando os pulsos e cuspiu um juramento. Não havia uma
maneira agradável de fazer isso, nenhum jeito agradável.
— Senhora, em nome do governo dos Estados Unidos — O governo dos
EUA será condenado! Esta é a Confederação! Não me ameace com o governo
dos EUA!
— Senhora — ele disse cansado — isso é guerra...
— Sai da minha propriedade!
— No nome…
— Saia de mim! Não vou ouvir um governo que...
Ele empurrou as mãos com força, arrastando-as acima da cabeça e
inclinando-se muito perto dela. — Não escute o governo, então, ouça-me.
Ouça-me porque eu tenho duas vezes seu tamanho, dez vezes sua força, e
porque tenho vinte homens armados atrás de mim. Isso é lógico o suficiente
para você? Ouça, agora, e escute bem. Estou tomando esta casa. É chamado de
confisco, e é algo que acontece em tempos de guerra. Desculpe-me pelo fato de
sua propriedade estar tão perto da fronteira, mas é assim que é.
Ela piscou, e ele notou flocos de neve agarrando-se firmemente sobre as
pestanas e esfolando suas bochechas. Ela era muito branca e estava tremendo
debaixo dele. Ele não sabia se era o frio que a fazia tremer, ou se tremia de raiva.
Ela humedeceu os lábios para falar, e ele se viu olhando fascinado pela boca, sua
língua rosa enquanto movia seus lábios. Eram lábios maravilhosos, bem
definidos, cheios, sensuais, lindos. Ele queria tocá-los. Ele queria sentir o calor
que sabia que iria encontrar dentro dos recessos de sua boca.
Ele piscou, erguendo-se contra o frio do dia.
Ela falou então, a respiração apressando-se dela em uma rajada. — Você não
vai queimar a casa?
Ele quase sorriu. Ela poderia odiar ter um grupo de ianques em sua
propriedade, mas queria que sua propriedade sobrevivesse.
Ele balançou sua cabeça. — Vou pegar a casa para a minha sede. Esses
companheiros ficarão aqui, tenho mais uma centena de homens na cidade.
Faremos o nosso melhor para compensar o que usamos.
Ela ainda estava olhando para ele, sem pestanejar agora. Seu vestido de
veludo estava molhado com a neve, seus cabelos dourados caídos como
curiosos raios de sol dourado contra ele, e seus olhos cinza-verdes eram
surpreendentemente brilhantes e profundos contra a palidez de suas bochechas.
Ele sentiu-a tremer novamente e viu que a neve estava tocando seus ombros nus
e seus seios onde eles se elevavam acima de seu corpete. Pequenos flocos caíram
profundamente no vale sombreado entre eles. Flocos de neve sortudos, Travis
pensou, então percebeu que estava congelando e silenciosa em sua miséria. Ele
pensou com uma fúria repentina e irracional de que ela era do que o Sul estava
feito, que ela sofreria qualquer agonia em silêncio, que seu orgulho valia tudo
para ela. Esta guerra continuaria até a eternidade por causa de todos os malditos
sulistas, assim como ela. Eles tinham algo que todos os armamentos e os
números dos ianques não podiam bater, esse sentido de orgulho, de honra.
— Levante-se! — Ele recomeçou de repente.
— Eu mal posso fazer isso, senhor, quando você está em cima de mim! —
Ela voltou, mas ele já se levantara e se abaixou para ajudá-la. Ela não queria
pegar sua mão, mas ele não permitiu que ela fosse sem sentido, pegou as dela
dela. Ele puxou-a para seus pés, varreu sua capa de seus ombros e atirou-a sobre
ela. — Eu não preciso do calor ianque! — Ela protestou.
— Quer você precise ou não, você vai pegar! — Ele rosnou e cutucou-a nos
degraus. — Quem mais está dentro?
— General Lee e todo o exército do norte da Virgínia — disse ela
docemente.
— Sargento! Realize um detalhe de cinco e atire em tudo que vive e respira
dentro daquela casa!
— Não! — Ela gritou em protesto. Ela girou ao redor, presa dentro de seus
braços, mas encontrou seus olhos novamente. — Eu vou te dizer quem está
dentro! — Ela respondeu. — Peter, o mordomo, Mary Louise, minha
empregada doméstica, Jeanette, Etta e Johnny Hopkins, todos eles domésticos.
No celeiro você encontrará Jeremias, o ferreiro e outros cinco, trabalhadores de
campo. É isso mesmo. Apenas os servos…
— Apenas os escravos?
Ela ergueu o queixo, sorrindo com um supremo senso de superioridade que
ele queria esbofetear. — Meus pais estão mortos; E meus irmãos estão lutando.
Os servos são todos homens e mulheres livres, Capitão. Meus irmãos
providenciaram assim antes de partirem para a luta. Todos livre para que eles
pudessem sair se chegassem problemas, e não ser atingidos por aqueles como
você!
Era muito mais provável que seus negros fossem baleados por Confederados
renegados, mas ele não iria discutir o assunto com ela. Ele se virou, confiando
nela de repente, porque não tinha mais motivos para mentir. — Sargento, traga
os homens para dentro. Está ficando maldito lá fora. Oh, com licença, senhorita
Hinton — Ele curvou-se para ela, então se inclinou para pegar o chapéu da
nevasca. Ele começou a subir os degraus, depois fez uma pausa, pois estava
olhando para ele com puro ódio. — Indique o caminho, senhorita Hinton.
— Por que, capitão? Eu não estou convidando você para entrar.
Ele caminhou e pegou seu braço, um som de rosnar pegou sua garganta.
Assumira que a beleza do sul, a quem tinha que retirar a casa, poderia ter os
vapores, ou desmaiar à vista de um grupo ianque. Ele não esperava que ela
viesse atrás dele com uma espingarda, nem esperava esse desafio.
— Tudo bem. Eu posso acompanhá-lo em outro lugar.
— O quê? — Ela disse.
— Posso ver que você seja enviada para outro lugar, se esse for o seu desejo.
Posso a enviar para sul, Srta. Hinton. Onde você gostaria de ir? Richmond,
Nova Orleans, Savannah, Charleston?
— Você pretende me tirar da minha própria casa?
Um fulgor de guerra estava acontecendo dentro de seus lindos olhos. Ela não
queria estar perto dele, mas também não queria abandonar sua casa. Ele sorriu.
— Senhora, a escolha é sua.
— Capitão, você não estará aqui o tempo suficiente para fazer qualquer coisa
por mim.
— Eu não estarei?
Ela sorriu serenamente. — Stonewall Jackson patrulha esta zona, senhor. E
Robert E. Lee. Eles voltarão, e eles irão derrota—lo.
Ele sorriu em troca. — Você guarde esse pensamento, Srta. Hinton. Mas por
enquanto... bem, pode conversar com Peter sobre algo para jantar, ou posso
enviar minha tropa para arruinar suas adegas. Meus homens são bons caçadores.
Eles podem a manter e aos seus comendo bem. Apenas não interfira.
— Interferir…
— Deus no céu, mulher, está frio aqui fora! — Ele agarrou seu braço
fortemente e empurrou-a, abrindo a porta da casa e empurrando-a para dentro.
Os criados de quem falara estavam ao longo da elegante escada esculpida que
levava do vestíbulo de mármore ao segundo andar. As portas se alinhavam em
um longo e elegante corredor à direita e outro à esquerda, mas Travis estava
certo de que não tinha mentido, de que os servos eram os únicos ocupantes da
casa. Todos estavam olhando para ele agora com os olhos arregalados. Esse
devia ser Peter, um homem alto, bonito vestido com farda impecável, e aquela
ao seu lado seria Mary Louise. Os outros estavam espiando por trás deles.
— Olá. — Ele tirou o chapéu para eles, sorrindo, ciente de que o sargento
Sikes estava vindo atrás dele com metade dos homens. Peter assentiu
gravemente, em seguida, olhou para a Srta. Hinton.
— Fale com eles, — Travis sugeriu.
Ela umedeceu os lábios. — Peter, este é, er, capitão Travis Aylwin. — Ele
pensou que ela estava prestes a cuspir no chão, mas as maneiras que tinha
aprendido há muito tempo no colo da mamãe a impediam de o fazer. — Oh, o
inferno! Os malditos ianques vieram ocupar a casa.
— Eles não são um… vão nos queimar… — Peter começou.
— Não! — Ela disse rapidamente, em seguida, atirou um olhar furioso a
Travis. — Pelo menos, o capitão prometeu que não vão.
— Eu não me lembro de prometer nada — disse ele agradavelmente. —
Mas, Peter, não é minha intenção de fazê-lo. A não ser que sua senhora seja uma
espiã. Ela não é, ou é?
Os olhos de Peter ficaram ainda maiores. — Não, senhor. Por que, você
pode ver como é aqui, inverno e tudo. Você dificilmente pode ir de casa em casa
nestas partes, muito menos encontrar um exército para espionar!
Travis riu. Ele teve de concordar. Eles estavam prestes a ficar presos pela
neve no momento, exceto que ele ia ter que ter a palavra por meio de
inteligência sobre a sua localização e a situação ali. — Há vinte de nós aqui,
Peter.
— E nós estamos com mais frio do que a teta de uma bruxa e com mais
fome do que um conjunto de ursos! — Disse o sargento Sikes.
— Sargento! — Travis latiu.
Mas Sikes já parecia horrorizado com suas próprias palavras. Ele estava
olhando para sua relutante anfitriã como se estivesse muito mortificada pelas
palavras. Travis encontrou-se sorrindo. — Tenho certeza de que a Srta. Hinton
já ouviu tais palavras antes, até mesmo usou algumas, talvez, mas um pedido de
desculpas está em ordem.
Ela lançou-lhe um olhar mordaz, mas seus lábios se curvaram em um sorriso
curioso. — Se eu não usei esse tipo de linguagem, Capitão, tenho certeza que
vou fazer antes de ver o último de vocês.
— Ceia, senhorita Hinton? — Peter perguntou.
Ela levantou uma mão. — Alimente a ralé, uma vez que temos que o fazer,
Peter. — Ela afastou-se do lado de Travis, deixando sua capa militar cair no
chão. — Desculpe-me, capitão, mas eu escolho não assistir seus rufiões arruinar
meu lar e minha casa.
Ela começou a subir a escada. Ele olhou para ela com cautela enquanto ela se
afastava, mas não a impediu. Ela poderia muito bem estar indo encontrar uma
faca bowie ou uma pistola, pelo momento ele só iria deixá-la ir. Era hora de se
instalar.
— Onde é o quarto da Srta. Hinton, Peter? — Ele perguntou.
— Segundo andar, segunda porta à esquerda, senhor — disse Peter, inquieto.
Travis apenas balançou a cabeça e sorriu. — Obrigado, Peter. Sikes, encontre
um quarto na casa e encontre um para mim, também. Quanto aos homens…
— O celeiro tem um barracão cheio, — Peter aconselhou. — Lareira, fogão
a lenha, todas as comodidades, senhor. Acomoda trinta facilmente.
— Mas isso deixa o sargento Sikes e a mim sozinhos em casa, não é, Peter?
Você não estaria planejando alguma coisa, não é?
Peter balançou a cabeça.
— Mas sua senhora pode estar.
Peter baixou a cabeça, mas não antes de Travis ver o reconhecimento em
seus olhos. Ela era perigosa, senhorita de conto de fadas, princesa Hinton. Mas
ele poderia lidar com o perigo. — Tudo bem, Peter, obrigado. Os homens vão
tomar o barracão. Sikes e eu vamos encontrar quartos aqui, e se você valoriza a
sua vida e a da Srta. Hinton, você vai ter o cuidado de ver se ela se comporta.
Peter acenou com a cabeça, mas Travis teve a sensação de que ele não tinha
certeza de estar à altura da tarefa.
— Eu com certeza vou tentar, capitão. Vou tentar certamente. — Peter disse
a ele.
Travis começou a caminhar ao longo do corredor para encontrar um quarto
que pudesse usar como escritório. Ele fez uma pausa, voltou atrás. — Por quê?
— Ele perguntou Peter.
Peter sorriu, seus dentes brancos piscando quando sorriu. — Eu não quero
vê-la abatida por vocês ianques, Capitão, e isso é um fato.
Travis assentiu, sorriu e começou a descer o corredor. Ele acenou com a
mão. — Veja os homens, Sikes. E por si mesmo. Peter, quando será o jantar?
— Eu posso conseguir em uma hora, capitão.
— Uma hora. Todos na casa. Não é bem véspera de Natal, mas vamos fingir
que é. Toda a gente na mesa de jantar, exceto uma guarda de dois.
— Apenas dois, senhor? — Sikes perguntou.
— Só dois. O inimigo se esconde dentro da casa esta noite — avisou, então
vagou pelo corredor.
*
Isabelle Hinton não apareceu para o jantar. Os homens comeram, aquecendo
suas mãos perto do fogo e olhando para os pratos finos, pratas e as taças de
cristal como se não vissem tal luxo em anos. Fazia tempo desde que se sentaram
para esse tipo de refeição. Era como se tivessem passado o ano inteiro na
batalha. O pior de tudo tinha sido em Sharpsburg, perto de Antietam Creek.
Travis nunca tinha visto tantos homens morrem, nunca vira os corpos
empilhados tão alto, nunca cheirara tanto sangue. Grandes campos de milho
tinham sido cortados pelos tiros. Ianques e rebeldes tinham morrido da mesma
forma, e apenas aquela batalha lhes havia ensinado a todos que a guerra era uma
coisa má.
Enquanto os homens estavam na sala de estar tocando piano e cantando
canções de Natal, Travis retirou-se para o cômodo que escolhera para usar
como seu escritório. Ele tomou um gole de uma taça de conhaque e descansou
as botas sobre a mesa, olhando para as chamas que ardiam na lareira. Fechou os
olhos, e, por um momento, sentiu o sol novamente como havia feito naquele dia
em Sharpsburg. Ele se lembrava como se sentira estranho por comandar uma
carga de cavalaria e depois ver como os homens foram ceifados à sua volta. Ele
próprio tinha tomado metralha no ombro e se perguntou se não seria mais fácil
apenas morrer do que esperar que a infeção se instalasse. Mas não tinha perdido
o braço, e não tinha morrido, ele viveu para lutar novamente.
Os homens estavam cantando uma interpretação empolgada de Deck the
Halls. O calor do fogo envolveu Travis, e a dor da batalha se apoderou
lentamente de sua memória. Ele se perguntou o que estaria fazendo se estivesse
em casa. Bem, ele não estaria em sua própria casa. Desde que sua esposa tinha
sucumbido à varíola, ele tinha evitado a sua própria casa na época de Natal, mas
nunca a sua família. Teria ido na cidade para a casa de sua mãe. Haveria um
enorme peru assando e o cheiro de presunto revestido de mel encheria a casa.
Sua irmã Liz estaria lá com as crianças, e Allen estaria perguntando-lhe tudo
sobre West Point, enquanto Eulalie iria querer um passeio a cavalo no joelho.
Jack, seu cunhado, iria falar sobre a lei com seu pai, e todas as vozes se
misturariam, a conversa, o riso, o amor. Eles iriam à igreja na véspera de Natal, e
todos se lembrariam, mesmo nas profundezas do desespero mais profundo, que
era Natal, porque uma criança tinha nascido para livrar o mundo da morte e do
sofrimento. E de alguma forma, não importa o quão escuro eles pareciam
enfrentar, ele iria acreditar novamente na humanidade. E mesmo agora, mesmo
aqui, longe de casa, ele sabia que o Natal sempre o convenceria de que poderia
amar novamente. Apenas queria estar em casa.
Os homens já não estavam cantando; a casa tinha ficado tranquila. Travis
colocou sua taça de conhaque sobre a mesa, levantou-se e espreguiçou-se. Ele
tinha uma pilha de mapas sobre a mesa, mas iria olhar para eles amanhã. Agora
queria ir para a cama.
Encontrou Peter no corredor, retornando o último dos copos de cristal para
uma prateleira de madeira esculpida na parede. — Lá em cima, capitão. Nós lhe
demos a suíte principal, terceira porta à direita.
— Obrigado, Peter. Sikes?
— Ele subiu, senhor. Terceiro andar, primeira porta à sua esquerda.
— É uma casa grande, Peter.
— Deus, sim. Precisava ser, antes da guerra. Houve festas em abundância,
primos vinham de todo o lado para dormir durante toda a semana. Por que, por
esta altura, no Natal...
A voz de Peter desvaneceu. Travis bateu um braço sobre o ombro do
homem. — O Natal é meio difícil agora, Peter. Boa noite.
Travis subiu as escadas e encontrou a porta de seu quarto. A suíte principal.
Era uma sala enorme, com uma cama de dossel contra a parede oposta, dois
grandes armários, uma secretária de frente para uma janela e uma mesa em
madeira de cerejeira com uma cadeira francesa generosamente estofada ao lado
dela, perto do fogo.
Colocou sua espada e a bainha sobre uma cadeira e tirou os fechos de sua
jaqueta, então a lançou também, sobre a cadeira. Sua camisa em seguida. Depois
sentou-se para puxar as botas e as meias antes de despir as calças. Ele teria
dormido em sua longa roupa interior, mas havia um grande jarro de água e uma
bacia em um pequeno lavabo perto de um dos armários, então se despiu por
completo e descobriu que a água ainda estava um pouco quente. Havia uma
barra de sabão lá, também, fornecida por Peter, ele estava certo e não sua
anfitriã. Não importava. Esfregou-se o melhor que podia, e depois secou-se,
tremendo, diante do fogo, antes de cair na cama. Não era bem sua casa, mas era
um bom colchão macio e um travesseiro ainda mais suave, e era, de fato, tão
confortável que não tinha certeza se seria capaz de dormir.
Ele fechou os olhos e estava começando a cochilar quando ouviu o som. Ele
abriu os olhos, em seguida fechou-os rapidamente, permitindo que se abrissem
um pouco. A luz do fogo dançava nas paredes, e por um momento ele não sabia
o que tinha ouvido. A porta para o corredor não tinha aberto.
Mas não estava sozinho. Ele sabia disso.
Ele esperou. Então sentiu a fragrância rosa suave de seu perfume e soube
que ela tinha invadido seu quarto, embora com que finalidade ele não sabia.
Podia vê-la através da cortina de seus cílios. Todo o exuberante cabelo loiro dela
estava livre, fluindo como uma cascata de ouro sobre os ombros e as costas. Ela
estava vestida com algo comprido e suave de flanela, mas a luz do fogo ignorou
a castidade de seu vestuário, jogando através do material e delineando a beleza
sedutora de suas formas. Seus seios eram altos e firmes, sua cintura fina e
tentadora, seus quadris e nádegas resplandecendo provocativamente abaixo dela.
Ela carregava alguma coisa, ele viu. Uma faca. E ela estava mesmo ao lado da
cama.
Ele serpenteou um braço, capturando seu pulso, puxando-a com força em
cima dele. Ela engasgou de surpresa, mas não gritou. Seus olhos verde-cinza
encontraram os dele com um medo que ela tentou desesperadamente esconder,
mas sem nenhum remorso. Ele apertou seu pulso e a faca caiu no chão.
— Que bem lhe traria me matar? — Ele perguntou.
Ela tentou se afastar dele. Ele não lhe deu trégua; de fato, algum demônio
malicioso dentro dele gostava de suas feições coradas e da maneira
desconfortável como ela se contorcia contra ele. Ele não a arrastara para o
quarto; ela tinha vindo de sua própria vontade.
— Eu não ia matá-lo! — Ela protestou.
Ele passou as duas mãos pelo comprimento dos seus braços, então
entrelaçou os dedos com os dela e puxou-a para o seu lado, inclinando-se
tensamente sobre ela. Ela engoliu em seco e se tencionou contra ele, mas ainda
assim não gritou e tentou com dificuldade, não olhar na direção dele. — Eu vejo
— disse ele gravemente. — Você veio oferecer um barbeado a seu hóspede, é
isso?
Seus olhos caíram para seu peito nu. Ele podia sentir o aumento dos seios, o
contorno de seus quadris, o calor impressionante vindo de sua pele. Ele sabia
que ela estava ciente do desejo subindo nele. Ela não podia deixar de sentir a
força dele contra ela.
— Eu… eu só... — A voz dela sumiu.
— Você veio aqui para me matar! — Ele estalou com raiva.
— Não, eu...
— Sim, maldição!
De repente, seus olhos se encontraram. Eles brilharam com fúria, com
consciência, depois com medo. Então algo mais. — Tudo certo! — Ela
sussurrou. — Eu… eu pensei que eu iria matá-lo antes que você viola—se
minha casa! Mas então...
— Então o quê? — Ele demandou.
Ela umedeceu os lábios. Seus cílios caíram, e ela era tão bonita que mal podia
se conter. Ele queria viver de acordo com a reputação que os soldados ianques
tinham no Sul; queria envolver seus braços em volta dela, para tê-la, para fazer
amor com ela a todo custo. Teria trocado toda a esperança que tinha no céu
apenas para preencher suas mãos com o peso de seus seios; teria vendido sua
alma ao diabo para sentir-se dentro dela.
— Eu percebi que você era um homem, carne e sangue... Eu... — As
palavras dela sumiram, e seus olhos se encontraram. Ela não vira as mortes em
Sharpsburg; não os vira cair em Manassas. Mas esta noite ela tinha jogado com a
morte, e tinha descoberto que não era gloriosa, nem honrosa.
Ela o havia reconhecido como um ser humano.
— Eu ainda queria que você estivesse morto! — Ela retrucou, surgindo
contra ele de repente, como se estivesse horrorizada por ter esquecido sua luta.
— Você ainda é um ianque maldito e… — Ela parou, respirando com
dificuldade. Ele sorriu, porque ambos estavam muito conscientes de que ele era
humano, e muito mais um homem.
— Por favor Capitão, se você for tão gentil, para me soltar agora...?
Ele começou a rir baixinho. Ela ainda poderia ser um elegante belle, digna,
tão real apesar de sua posição.
— Desculpe — disse ele.
— Desculpe! — Ela suspirou, percebendo que ele não tinha intenção de
deixá-la ir. — Mas, mas...
— Eu não posso correr o risco de você decidir que é capaz de me matar
apesar de tudo — disse ele, rolando e arrastando-a com ele. Teve que esquecer a
modéstia para trazê-la junto com ele e então poder encontrar um lençol. Ela
tentou lutar com ele, olhar para qualquer lugar menos para ele, mas ele foi
implacável quando a puxou consigo até que encontrou um lençol, então a trouxe
de volta para a cama, onde amarrou seus pulsos e a deitou com as costas contra
ele.
Ela jurou, chutou, protestou, se contorceu e lutou até o riso dele a advertir
que seus movimentos estavam puxando seu vestido precariamente alto nos
quadris.
Então ela simplesmente jurou. Como um condutor de mula. O sargento
Sikes poderia ter aprendido uma coisa ou duas.
— Durma! — Advertiu ele, por fim. — Você não tem medo que me lembre
que eu seja invasor, pilhador, assassino, estuprador ianque?
Ele a ouviu exalar ruidosamente. Ela não sabia o quão perto tinha chegado
de forçá-lo a descobrir que um monstro desesperado vivia em cada homem.
Mas com o tempo ela dormiu, e ele também, e quando acordou, seu braço
estava ao redor dela, sua mão descansando logo abaixo da plenitude de seu seio.
Sua perna nua descansava entrelaçada com as dela, enquanto a seda dourada de
seu cabelo brincava em seu nariz e queixo. Era tão bom segurá-la. Desejá-la,
ansiar por ela. Mesmo doendo. Apenas vê-la, bastava tocá-la, evocando sonhos.
Sonhos de um tempo distante, sonhos de um futuro pacífico. Naqueles
primeiros segundos da madrugada, ela parecia ser o mais maravilhoso presente
que ele já tinha recebido.
Ela torceu em seus braços, instintivamente procurando calor. Aconchegou-se
em seu peito, os dedos movendo levemente em toda a sua pele, seus lábios
roçando sua carne. Ele a puxou contra ele. Como a luz da manhã entrando no
quarto, seus lábios estavam entreabertos, ligeiramente úmidos, vermelhos como
vinho.
Cuidadosamente, ele desamarrou seus pulsos, liberando as mãos.
Então ele a beijou. Ele tocou seus lábios nos dela e a beijou. Um som suave
retumbou dentro de sua garganta, mas ela não acordou imediatamente. Seus
lábios se separaram mais afastados, e sua língua rapidamente dançou entre eles, e
ele provou, plena e avidamente, tudo o que sua boca tinha para oferecer. Calor
foi subiu dentro dele, rápido e combustível, inundando-o, ferindo-o, fazendo-o
doer e ansiar por mais. Seus dedos se curvaram sobre seu peito, e a achou tão
completa e fascinante como havia imaginado. Ele tocou seus mamilos sob a
flanela que ainda os guardava e sentiu sua agitação debaixo dele quando roçou
os lábios nos dela.
Seus olhos se abriram lentamente, e ele percebeu que ela estava perdida em
seus próprios sonhos. Seus olhares se encontraram, em seguida, um sussurro
horrorizado deixou seus lábios. De repente, ela pareceu perceber qual era a
situação e torceu violentamente para longe dele.
E ele deixou-a ir. Ela saltou longe da cama, os dedos trêmulos, ao tocarem os
lábios, seus braços apertados em torno de si mesma. Ela olhou para ele em fúria.
— Você... você ianque! Como você poderia, como você ousa, como…
— Você tentou me matar, minha senhora, lembra?
— Mas você tentou que… — Ela parou. Ele realmente não tinha usado
qualquer força contra ela. — Você sabe o que fez! Você não é um cavalheiro!
— Eu nunca tive qualquer pretensão de ser um cavalheiro quando estou no
meio de tentar permanecer vivo! — Ele disse a ela com raiva.
— Um virginiano, senhor, teria sido um cavalheiro até o fim. Um
virginiano…
Interrompeu-se quando seu olhar caiu sobre ele, sobre sua nudez, e ela se
virou para correr.
Ele a agarrou pelo braço e puxou-a com força contra ele. Seus olhos ardiam
nos dela. — Eu sou um virginiano, senhorita Hinton. E confie em mim, minha
senhora, nada está tão errado como esta guerra. Tenho primos de azul e primos
de cinza, e sabe de uma coisa, senhorita Hinton? Cada um deles é um cavalheiro,
um homem bom, decente. E às vezes eu acordo com tanto medo de não poder
suportar isso, porque poderia encontrar-me atirando em um dos meus muitos
decentes algum dia. Meus primos cavalheirescos. Na maioria das vezes eu
acordo com os meus pesadelos. Esta manhã eu acordei para vê-la, foi como um
vislumbre do paraíso.
O sangue drenara de seu rosto e quando seus olhos se encontraram
encheram-se de uma tempestade de emoção, mas ela não tentou se afastar.
Durante muito tempo eles só ficaram lá, então ele tocou levemente sua
bochecha. — Obrigado. Foi como um presente de Natal.
Ela não se mexeu mesmo com isso. Sua mão se levantou, e ela tocou seu
rosto, por sua vez. Sentiu a textura de sua pele, áspera por falta de barbear.
Então, de repente ele se foi, naquele momento curioso quando eles não eram
inimigos. Sua mão caiu, e ela pareceu se lembrar que estava enrubescida contra
um ianque nu. Com um grito suave ela se virou e atravessou a sala, e ele
descobriu que havia uma porta na parede, muito astuciosamente escondida pelos
painéis.
Ela desapareceu por ali sem uma palavra.
*
Mais tarde naquele dia, ela encontrou-o em seu recanto, que ele havia
tomado posse como seu escritório. Ela usava um gorro e casaco, e suas mãos
eram aquecidos por um regalo de pele elegante.
— Você disse que eu poderia ir onde eu escolhesse, capitão.
Seu coração batia e saltou quando ele olhou para cima de seu trabalho. Seria
melhor se ela fosse embora. Ele deixaria de sonhar e desejar; ele seria capaz de
se concentrar mais plenamente na guerra.
Não queria que ela fosse. Nunca saberia quando ela pretenderia puxar uma
faca de novo, mas estava disposto a lidar com o perigo apenas para apreciar a
batalha.
— Sim — ele disse a ela.
— Eu gostaria de ir a um vizinho.
— Oh? Você não vai ficar para proteger sua propriedade? — Ele disse,
tentando provocá-la. Seus olhos nunca deixaram os dela. Seus cílios caíram, e ela
corou encantadoramente. Ela estava lembrando aquela manhã, pensou ele, e ele
estava contente com o rubor que tocou seu rosto, assim como estava feliz dos
momentos totalmente inadequados que haviam compartilhado.
Seus olhos se encontraram novamente. — Não se preocupe, capitão. Eu vou
estar de volta. Apenas não quero passar o Natal com o inimigo.
Ele olhou para baixo rapidamente. Ela ia voltar. Abriu a gaveta, encontrou
uma folha e começou a escrever sobre ela. Olhou para cima. — Eu não sei o seu
nome.
— Isabelle — ela disse a ele.
Ele olhou para ela. — Isabelle, — ele murmurou, uma curiosa nota
melancólica em sua voz. Em aborrecimento, ele rabiscou duro. — Isabelle.
Isabelle Hinton. Bem, senhorita Hinton, onde está esse vizinho?
— Nem a dois quilômetros do lado oposto da cidade.
Ele assentiu. — O sargento Sikes e um outro soldado servirão como escolta
para você. Quanto tempo pretende ficar?
Ela hesitou. — Até dois dias depois do Natal.
— O sargento Sikes vai voltar por você.
— Eu quase não vejo por que isso será necessário.
— Eu vejo isso como muito necessário. Tenha um bom dia, senhorita
Hinton.
Ela virou-se e deixou-o.
*
O Natal amanheceu cinza e frio. Inquieto, Travis saiu para a neve com uma
espingarda. Ele derrubou um enorme Veado macho e ficou feliz, porque isso
significaria carne por muitas noites para vir.
Na casa, Peter e os servos estavam quase amigáveis. Houve uma longa e
solene oração antes de começarem a comer a ceia de Natal, e havia um bom
humor geral quando a refeição terminou. Travis tentou participar, mas quando
percebeu que seu clima era solene escapou da companhia de seus soldados e
voltou para o escritório. Ele não sabia quando o Natal se tornou tão sombrio.
Sim, sabia. Tinha-se tornado cinza e vazio quando Isabelle Hinton partira.
*
Ele não ouviu o seu regresso. Tinha passado o dia debruçado sobre as cartas
dos vales e montanhas, apontando as regiões onde Stonewall Jackson tinha feito
estragos com o Exército da União. Um mensageiro tinha chegado de
Washington com as ordens e todos os tipos de informações recolhidas de
espiões, mas Travis tendia a duvidar de muitas das coisas que ouviu.
Ao cair da noite, ele estava cansado de homens indo e vindo, bem como de
notícia da guerra. Peter lhe trouxera um prato de guisado de veado e uma xícara
de café, o que tinha sido o seu alimento para o dia. Exausto, ele subiu os degraus
para seu quarto, tirou o casaco de cavalaria e esfregou o rosto. Então pareceu
ouvir movimentos furtivos na sala ao lado.
Seu coração acelerou, mas, em seguida, seus olhos se estreitaram com
desconfiança. Ele não tinha esquecido como ela tinha vindo sobre ele naquela
primeira noite, mesmo se ela tivesse desistido de cortar sua garganta.
Silenciosamente, ele atravessou a sala, perguntando-se o que ela estava fazendo.
Ele encontrou o trinco da porta secreta e, lentamente, apertou-o. A porta se
abriu e ele entrou em seu domínio.
Um sorriso tocou suas feições, e ele se inclinou casualmente contra a porta,
observando-a, apreciando a vista. A Srta. Isabelle Hinton estava inundado de
bolhas, submersa até o queixo elegante, uma perna longa e bem torneada
levantada acima da tina de banho de madeira enquanto ela a ensaboava com
abandono. Vapor se levantava da banheira, sussurrando em torno de seus
cachos dourados, deixando-os agarrados a sua carne. Do seu ponto de vista, ele
podia distinguir o aumento dos seios, bastava ver a linha esbelta de sua garganta
e as linhas artísticas de seu perfil.
Depois virou-se, sentindo-o lá.
Sua perna espirrou na água, e ela começou a sentar-se direita, mas então ela
afundou, consciente de que estava exibindo se levantando. Ela ergueu o queixo,
percebendo que fora pega, e de sua postura ocasional contra a porta, ela sabia
que ele não estava prestes a virar educadamente e sair.
— Bem-vinda a casa — ele disse a ela.
Ela corou furiosamente. — O que você está fazendo no meu quarto,
capitão?
— Procurando um pouco de hospitalidade do sul?
Ela jogou o sabão para ele. Ele riu, abaixando.
— Nenhum cavalheiro iria entrar no quarto de uma senhora! — Ela retrucou
com raiva.
— Ah, mas nenhuma senhora iria se aventurar no quarto de um homem
Isabelle, e parece que você fez isso comigo. Na verdade, você não me deixou
entrar, mas você invadiu a minha, er, privacidade e segurança, no entanto.
Ignorando-o, ela exigiu — Saia, ou você se arrependerá gravemente.
— Será?
Assim desafiado, ele atravessou a sala em direção à banheira. Seus olhos se
arregalaram, e ela colocou os braços ao redor dos seios, afundando um tanto
quanto pôde em sua abundância de bolhas. Ele sorriu, agachando-se ao lado da
banheira. Ela olhou para ele em silêncio por um momento, em seguida, chamou-
o de todo nome desprezível que já tinha ouvido. Ele riu, e ela esfriou-o com um
punhado de água, mas ele não se importou nem um pouco, desde que seu
movimento exibira um pouco mais dela.
— Eu vou estrangular você! — Ela prometeu. Mas ele pegou seus pulsos
quando seus dedos se fecharam em torno de sua garganta, e depois, mesmo
enquanto ela lutava, ele beijou ambas as palmas das mãos. Então ele se levantou,
soltando-a e recuou.
— Droga, eu esqueci de ser um cavalheiro de novo — ele se desculpou. —
Mas eu só estava me perguntando se você tinha uma faca escondida sob a água
ou não. Você tem?
Ela respirou fundo. — Não!
— Eu poderia verificar, você sabe — alertou.
Seu olhar de indignação o fez rir. Deu-lhe sua melhor vênia, em seguida,
voltou para a porta que separava seus quartos.
— Eu estou mudando de quarto! — Ela o chamou.
Ele parou na porta, olhando para ela. — Não, você não está. Você escolheu-
o desta maneira a noite em que planejou minha morte precoce. Então agora vai
ficar.
— Vou me mudar se eu escolher.
— Se você se mudar, eu vou arrastá-la de volta. Depende disso. Se você
ficar, eu prometo que estamos quites. Não vou passar pela porta a menos que
seja convidado. Uma ameaça, e uma promessa, e vou realizar ambas, senhorita
Hinton.
Grossos cílios de mel caíram sobre os olhos. Ela era tão linda que ele doía da
cabeça aos pés olhando para ela. — Você nunca vai ser convidado a entrar,
Capitão — disse ela.
— Pobre de mim, você tem um convite permanente para entrar no meu
quarto, senhorita Hinton. Claro, eu peço que deixe suas armas para trás.
Seus olhos voaram para os dele. Ele ofereceu-lhe um sorriso terno,
curiosamente e ela não desviou o olhar, mas o observava. Ela estava tão quieta e
perfeita como um busto de alabastro. Seu pescoço era longo e brilhava da água.
Seus cachos dourados se agarrando firmemente a sua carne, e se ela se movesse,
ele sabia que ela seria fluida, graciosa, um redemoinho líquido de paixão e
energia.
Estava se apaixonando, pensou. — Eu senti sua falta no Natal, Isabelle, —
ele disse a ela. Ela não respondeu, e ele deslizou pela porta, fechando-a atrás
dele.
Capítulo 2
Isabelle Hinton nunca quisera gostar do comandante ianque que tinha vindo
ocupar sua casa. Ela passou horas lembrando-se que os rapazes de azul estavam
causando a guerra, que o Sul tinha só querido ir embora em paz. Ela lembrou-se
de todas as atrocidades que ocorreram; uma e outra vez se lembrou de que seus
irmãos estavam lá fora, enfrentando balas ianques diariamente, mas nada que ela
pudesse dizer a si mesma parecia ajudar muito. Ele nunca alegou ser um
cavalheiro, e de fato, seu comportamento tinha sido absolutamente ultrajante às
vezes. Mas ainda assim, com o passar dos dias, ele provou ser um verdadeiro
cavalheiro apesar de tudo.
Ela tentou ignorar todos eles em primeiro lugar. Mas uma noite, quando
soube que ele estava jantando sozinho, sua curiosidade levou-a para a mesa.
Embora ela tentasse provocá-lo, ele esteve calmo e tranquilo durante a refeição,
o brilho em seus olhos escuros foi a única indicação de que ela tocou sua
paciência. Ele era um homem com boa aparência, ela o admitira desde o início.
Seus olhos eram tão escuros como mogno que é quase carvão preto; o cabelo
também era escuro, cuidadosamente cortado na linha do colarinho. Ele era a
imagem perfeita de um oficial quando saía para montar, sua capa caindo sobre
os ombros, o chapéu de plumas puxado sobre a testa, protegendo aqueles olhos
dançantes. Por baixo da barba, suas feições eram limpas e nítidas, as maçãs do
rosto altas, seu queixo firme, os lábios cheios e rápidos a sorrir com uma
sensualidade que muitas vezes a deixou sem fôlego. Até mesmo seu tom de voz
fascinava; suas palavras eram claras e bem enunciadas, mas havia algo rude nele,
também, apenas o traço o lento falar virginiano. E, claro, ela estava muito
consciente do resto do corpo; mesmo que não visse muito diariamente, a
imagem estava vividamente em sua memória.
Ela não tinha tido muita experiência com os corpos dos homens, mas tinha
dois irmãos mais velhos, e depois de algumas batalhas tinha ido para os hospitais
improvisados para ajudar com os feridos. Ela foi do círculo das senhoras, onde
ela e outras tinham enrolado ataduras, para serem entregues na tenda de um
cirurgião de campo, e ela tinha aprendido em primeira mão uma grande dose do
horror da guerra. Limpara, acalmara e enfaixara muitos peitos masculinos, mas
nenhum deles tinha comparação com o peito muito bonito que pertencia ao
capitão Travis Aylwin. Seus ombros eram largos e tensos de músculos e tendões,
e a mesma onda de poder era evidente em seu tronco e braços. Sua cintura era
equilibrada e o pelo escuro criava um padrão bonito em seu peito, em seguida,
diminuía para uma linha fina antes de resplandecer novamente para... bem, ela
não queria pensar nisso. Fora educada muito apropriadamente, lembrou-se uma
e outra vez, mas isso não a impediu de se lembrar dele, tudo dele, uma e outra
vez. Ela não podia deixar de se perguntar sobre ele, nem podia impedi-lo de
invadir seus sonhos.
Ela sempre despertou antes de qualquer coisa poder acontecer, embora suas
bochechas escurecessem com um rubor vermelho brilhante, e houvesse um
ardor atrás de seus olhos enquanto desejava rastejar sob o piso em humilhação.
Ela se esforçou para ficar longe dele. Ele respeitava a distância, como havia
prometido quando saiu do quarto depois do Natal, mas ela sempre soube que
ele estava lá à noite, um pouco além de sua porta. Seus homens eram
perfeitamente corteses e educados, e eram bons caçadores; havia sempre muito
para comer. Tanto assim, ela sabia, que quando mencionou que alguns de seus
vizinhos estavam enfrentando tempos difíceis, os oficiais da União foram
rápidos para deixar uma parte do veado diante de uma porta, ou uma meia dúzia
de coelhos, ou o pássaro que se aventuraram perto demais dos caçadores. Fora a
liderança de Travis que levou à sua generosidade e carinho, ela sabia. Travis não
gostava da guerra.
Ela começou a vê-lo e a suas tropas não como inimigos sem rosto, mas
como homens, assim como os amigos que tinham vindo para suas festas, assim
como os jovens sulistas que tinham vindo à sua casa para rir e sonhar, se
apaixonar e planejar um futuro. Ela tinha que dizer a si mesma que eles eram o
inimigo, e que não queria que o inimigo fosse de carne e osso.
Era final de janeiro, quando ela desceu para jantar com ele novamente. Ele
estava lendo alguns papéis, mas uma vez que mascarou sua surpresa com seu
aparecimento, rapidamente os colocou de lado, levantou-se e estendeu a cadeira.
Ela sentou-se, rapidamente pegando o copo de vinho que tinha acabado de ser
cheio para ele e engoliu profundamente. Ele sentou-se novamente, um toque de
diversão em seus olhos. Deveria ter sido um verdadeiro conquistador em casa,
ela pensou. Estava cheio de calor e alegria, uma força tranquila e uma
masculinidade sutil, mas irresistível. Seus olhos tinham tanto, e seus lábios se
curvavam tão rápido para um sorriso. Mas ele podia ser cruel, também, que ela
sabia. Aprendera isso a primeira noite, quando ele segurou-a ao seu lado até o
amanhecer.
— A que devo esta honra? — Ele perguntou suavemente. Mal necessitou
levantar sua mão. Peter estava lá com um segundo copo quase que
imediatamente. Mais vinho foi derramado para ele. Peter olhou em sua direção
preocupado. Ela piscou, tentando assegurar seu servo que ela estava, como
sempre, no comando.
— A honra, senhor? Bem, na verdade, eu estava esperando que a neve
estivesse derretendo, que você possa estar marchando novamente para a batalha
em breve.
Ele sentou-se, observando-a. — Talvez nós estaremos. Será que realmente
dá-lhe tão grande prazer?
Ela se levantou, não acreditando que ele pudesse fazê-la sentir vergonha por
querer que o inimigo caísse em batalha. Ela caminhou ao redor da sala, fazendo
uma pausa perante a foto de sua família tomada pelo Sr. Brady pouco antes da
guerra. Seus irmãos estavam em um lado dela, e seus pais se sentavam diante
deles. Mas os rapazes já estavam vestidos com seus uniformes, e cada dia ela
orava para que eles voltassem. Se eles se estabelecessem em alguma casa do
norte, haveria uma menina desejando que eles fossem para o campo de batalha,
a sangrar, a morrer?
— Eu só quero você fora da minha casa — disse a ele, voltando-se.
Ele tinha se levantado e estava olhando para a foto, também. Ele caminhou
ao redor até lá. — Família bonita — disse ele. — Seus pais?
— Eles morreram em 1859, com poucos dias de intervalo. Eles pegaram
varíola. Meus irmãos e eu ficamos a salvo, eu acho, porque tivemos casos muito
leves na infancia. Nem a mãe nem o pai pegaram na altura, mas um dos bebês
vizinhos apanhou e então... — ela parou, encolhendo os ombros.
— Eu sinto muito.
— É uma morte horrível — ela murmurou.
— Eu sei — ele disse, afastando-se dela. Ele estava atrás de sua cadeira. —
Vamos jantar?
Ela sentou. Peter serviu-lhes o presunto curado nas adegas, conservas de
damasco e pequenas cenouras em conserva e beterraba.
— Onde é sua casa, capitão? — Ela perguntou a ele.
— Alexandria.
Alexandria. A bela cidade velha tinha sido mantida desde o início da guerra
por causa de sua proximidade com Washington, DC, mas muitos de seus
cidadãos eram unionistas. Era uma guerra curiosa. Já os municípios do oeste
haviam rompido e um novo estado tinha nascido, Virgínia Ocidental.
— Você irá ter sua casa de volta, você sabe, senhorita Hinton — ele disse a
ela.
— Vou?
— Claro.
Ela colocou o garfo. — Como eu sei que você não vai decidir incendiar a
casa quando sair?
Ele colocou o garfo para baixo, também. — Você realmente acredita que eu
pretendo fazer isso? — Ele perguntou.
Ela observou-o por vários momentos. Ele colocava manteiga em um dos
biscoitos especiais de Peter, então, ofereceu a ela.
— O general Lee perdeu Arlington House — disse ela. — E, eu admito,
estou muito surpresa que vocês ianques não a queimaram por inteiro.
Ele colocou o biscoito para baixo e tomou um gole de vinho. — É uma bela
casa — ele disse suavemente. — E tem vista para o Capitólio. O general Lee
soube, no momento em que escolheu lutar pelo Sul, que teria que deixar sua
casa. Sua esposa sabia, sua família sabia, e ainda assim ele tomou sua decisão.
Algumas pessoas foram amargas. Alguns dos homens que tinham lutado com
ele ou aprenderam com ele antes da guerra queriam queimar o lugar. É da Sra.
Lee que tenho pena, ela cresceu lá. E, como neta de George Washington, ela
sempre teve um grande senso de história. Ela é uma magnífica senhora. — Ele
fez uma pausa, como se tivesse falado demais. Então deu de ombros, colocando
sua taça de vinho. — Eles não vão incendiar a casa. Enterraram lá soldados da
União desde o início da guerra. A terra vai se tornar um cemitério nacional.
— E Lee irá sempre perder a sua casa.
— O Sul ainda pode ganhar a guerra — disse a ela.
Assustada, ela olhou para ele. Não tinha percebido que mostrara uma atitude
tão derrotada. — O Sul vai ganhar a guerra! — Ela assegurou a ele, mas, em
seguida, franziu a testa. — Você fala como se estivesse próximo dos Lees.
Ele empurrou a cadeira para trás. — O general é meu padrinho, senhorita
Hinton. Nós todos perdemos nesta guerra. Ele fez suas escolhas, e assim o fiz
eu. Um homem deve fazer o que sente que é certo. E contudo digo-lhe,
senhorita Hinton, que este fratricídio deve e vai acabar, e quando o fizer, se
formos abençoados por viver, então ele vai ser meu amigo e mentor de novo, e
eu serei o seu servo mais disposto.
Ela saltou para cima, envolvendo seus dedos ao redor das costas de sua
cadeira, olhando para ele em fúria. Era quase blasfêmia falar assim do general
Robert E. Lee; ele era adorado por suas tropas, pelo Sul como um todo.
Ele era um magnífico general e um senhor de fala suave.
— Como você ousa! — Ela cuspiu, tremendo.
Ele deu um passo em direção a ela, agarrando-lhe o pulso, segurando-a com
força quando ela teria fugido de sua presença. — Você faz de todos nós
monstros?
— Eu li sobre as coisas que aconteceram. Eu sei o que os ianques fazem.
— Sim, sim, e todos temos que ler Cabana do Pai Tomás, mas eu ainda
tenho que ver você chicotear, encadear ou aproveitar seus escravos. Por Deus,
sim, há injustiça, e alguns horrores sempre são verdade, mas nós devemos criar
mais do que nós mesmos?
— Eu não estou criando nada. — Ela se soltou dele e virou-se, correndo do
quarto, mas ele a chamou de volta.
— Isabelle!
Ela virou. Ele era alto e impressionante vestido em seu fraque e botas altas
de cavalaria, seu sabre pendurado na bainha amarrado na cintura. Seus olhos a
tocaram, quentes e escuros.
— Eu não sou um monstro — ele disse.
— Importa o que eu penso? — Ela exigiu.
Um sorriso triste tocou seus lábios. — Bem, sim, para mim importa. Você
vê, eu... importo-me.
Ela engasgou com espanto: — Bem, não, ianque, não! Não se atreva a se
importar por mim!
Ela fugiu e correu escada acima.
*
Naquela noite, e todas as noites depois em que ela ficou acordada ouviu seus
movimentos, mas ele nunca tocou sua porta, e nunca mencionou nada sobre
seus sentimentos novamente. Sempre foi infalivelmente educado com ela, e
embora sentisse que deveria manter distância dele, ela não podia. Ela desceu
para uma refeição de vez em quando, geralmente quando o sargento Sikes ou
um dos outros homens se juntava a ele.
Às vezes, ele desaparecia por dias, e ela suspeitava que ele tinha ido para
fornecer informações sobre movimentos de tropas, ou para recebê-las.
No início de abril, Isabelle despertou para descobrir que a casa estava cheia
de atividade. A forma como os homens estavam agitados, indo e vindo do
escritório, ela soube que algo estava acontecendo.
Desceu as escadas e se apresentou no escritório. A cabeça escura de Travis
estava debruçada sobre um mapa em um estudo sério. Ele sentiu a presença dela
e olhou para cima rapidamente.
— O que está acontecendo? — Ela perguntou sem preâmbulos.
Ele endireitou-se e estudou-a tão completamente quanto ele tinha estudado o
mapa, uma sombra curiosa escondendo alguma emoção em seus olhos. — Nós
estamos indo para fora. Há uma companhia de rebeldes vindo para este lado.
— Você está indo para a batalha? — Ela perguntou.
— É sobre isso que a guerra é, — ele voltou, e havia apenas um ligeiro traço
de amargura em sua voz. Ele se sentou na beirada da mesa, ainda olhando para
ela. — Você deve estar satisfeito. Talvez todos nós vamos morrer.
— Eu não quero que vocês morram — disse ela. — Eu só quero que vocês
vão embora.
Ele sorriu e ergueu a mão no ar, em seguida, deixou-a cair de volta para sua
coxa. — Bem, nós estamos fazendo exatamente isso. Diga-me, Isabelle, você vai
sentir minha falta?
— Não.
Ele se levantou e caminhou em direção a ela. Ela deu um passo para trás até
que ficou contra a porta. Fechou-se, e ela se encostou contra ela, mas ele
continuou vindo de qualquer maneira, até que ficou bem à sua frente. Não a
tocou, apenas pôs a palma da mão contra a porta junto a sua cabeça. — Você
está mentindo só um pouco, não é? — Ele sussurrou.
Ela balançou a cabeça, mas de repente descobriu que não podia falar, que
seus joelhos eram líquidos, que suas mãos estavam apoiadas contra a porta para
que ela pudesse ficar em pé. Cheirava a sabão, a couro e tabaco de cachimbo
rico. Seus olhos eram como ébano, assombrando-a; sua boca estava cheia e
móvel.
— Eu poderia morrer um homem feliz se você apenas sussurrasse que se
importa um pouco, — ele disse a ela, o calor de sua respiração criando uma
tempestade quente contra sua pele enquanto o tenor de sua voz evocou um
curioso incêndio dentro dela.
Ela manteve os olhos firmemente e sorriu docemente. — Tenho certeza que
você diz essas palavras para cada mulher cuja casa confisca.
Ele sorriu lentamente. — O seu é o único lar que eu já confisquei. — Ele se
inclinou mais perto. — E você sabe há algum tempo o que sinto por você.
Ela queria sacudir a cabeça novamente, mas descobriu que não podia. Seus
lábios roçaram os dela, e então sua boca consumiu a dela enquanto o barulho
dentro de sua alma veio correndo até abafar o resto do mundo. Ela caiu em seus
braços e sentiu a força masculina esmagadora de seus lábios se separando e
acariciando a sua própria; ela sentiu a invasão inebriante de sua língua, tão
profunda que parecia que ele poderia possuir toda a sua apenas com o beijo.
Suas mãos, desesperadas, ásperas, massagearam seu crânio, e seus dedos se
envolviam avidamente pelos cabelos, segurando-a perto. Mas ela não poderia tê-
lo deixado. Nunca conhecera qualquer coisa como aquele beijo, nunca sentira o
mundo a girar em tal movimento delirante, nunca conhecera a fome de tocar um
homem de volta, para sentir o cabelo, fresco e limpo, sob os dedos, para sentir
seu corpo, seu calor e seu coração pulsando ferozmente contra os seios. O sabor
doce, inebriante de sua boca a deixou sedenta por mais e mais, até que a
sanidade retornou a ela, uma voz da razão gritando dentro dela que ele era o
soldado ianque que havia ocupado sua casa, um ianque que ia partir finalmente.
Ela afastou-se dele, seus dedos tremendo quando ela os levou aos lábios.
Ele olhou para ela, seus olhos escuros e enigmático, e suspirou baixinho. Seu
sorriso triste tocou seus lábios novamente. — Você se importa se eu voltar,
Isabelle?
— Você é um ianque. Eu espero que você nunca mais volte — disse a ele.
Ela limpou a boca como se pudesse limpar a memória de seu beijo, então se
virou e saiu apressadamente da sala.
Mas, mais tarde, em seu quarto, estava deitada em sua cama e sabia que tinha
se apaixonado. Certo ou errado, ela estava apaixonada por ele. Apaixonada por
seus olhos, sua boca e sua voz... E por todas as coisas que ele disse. E ele estava
partindo. Talvez morresse.
Ela se levantou quando ouviu o sargento gritar as ordens e desceu correndo
as escadas de dois em dois. Obrigou-se a abrandar e caminhar modestamente
para a varanda. Lá estava ele, à frente de suas tropas, o seu chapéu de plumas
magníficas no lugar, sentado facilmente em sua montaria.
Ele a viu e chegou mais perto, seu cavalo empinando-se quando chegou
perto. Tocou o chapéu em saudação e esperou.
— Bem, eu espero que você não parta para ser morto — ela disse a ele.
Ele sorriu. — Não é exatamente uma declaração de devoção eterna, mas eu
suponho que terá que servir. — Ele se inclinou para mais perto dela. — Eu não
vou ser morto, Isabelle. E eu vou estar de volta.
Ela não lhe respondeu imediatamente. Não o lembraria de que ela
dificilmente poderia querer que ele voltasse, pois se o fizesse, isso significaria
que a União estava segurando fortemente grandes extensões da Virgínia.
— Como eu disse, espero que você sobreviva. E isso é tudo.
Seu sorriso se aprofundou quando ele apertou os calcanhares nos flancos de
seu cavalo e montou duro para a frente da sua linha.
Isabelle assistiu as tropas até que eles estavam muito longe.
*
Notícias chegaram a ela em abundância quando a primavera deu lugar ao
verão. Houve uma batalha horrível em Chancellorsville. A União tinha mais de
dezesseis mil soldados mortos, feridos ou capturados; o Sul perdeu mais de doze
mil, e embora o Sul fosse aceito como o vencedor, recebeu um duro golpe.
Stonewall Jackson foi erroneamente baleado por um dos seus próprios homens
e morreu no dia dez de Maio em resultado de suas feridas.
Isabelle orou por mais notícias. Ela se ofereceu para o serviço hospitalar
novamente. Trabalhou horas intermináveis, com medo de que cada soldado
confederado poderia ser um de seus irmãos, ansiosa que qualquer soldado da
união que caía em suas mãos, podesse ser Travis.
Ela estava trabalhando no hospital em julho quando chegou a notícia de que
uma batalha horrível tinha sido travada em uma pequena cidade na Pensilvânia
chamado Gettysburg. As perdas em vidas humanas foram surpreendentes. E o
General Lee e seu exército da Virgínia do Norte estavam em retirada. Homens
sussurraram que era o ponto de viragem da guerra. O Sul estava de joelhos.
Isabelle apressou-se para casa, ansiosa para ouvir sobre seus irmãos, ansiosa
para ouvir sobre Travis. Na cidade, ela esperou interminavelmente pelas listas de
mortos, feridos e capturados, e quando ela foi capaz de obter uma folha, ela
ansiosamente procurou os nomes de seus irmãos. Quando não os encontrou
agradeceu a Deus em uma oração silenciosa, encolhendo-se quando ouviu as
lágrimas horríveis daqueles que haviam perdido filhos, pais, namorados e
irmãos.
Ela engoliu em seco, perguntando-se sobre Travis e rezou para que ele
estivesse bem. Tremendo, ela levou sua carruagem para casa. E naquela noite
admitiu em suas orações que amava Travis Aylwin, e que mesmo que fosse um
ianque, ela queria que Deus o vigiasse sempre.
*
Em setembro estava ocupada escolhendo o último dos legumes de verão de
seu pequeno jardim quando ouviu Peter chamando-a ansiosamente. Ela veio
correndo ao redor da casa, limpando as mãos no avental. Peter estava na
varanda, ansiosamente apontando para o leste. Isabelle protegeu os olhos do sol
da tarde. Cavaleiros estavam chegando. Ela podia vê-los. Seu coração começou a
bater mais rápido. Havia cerca de vinte ou trinta homens a cavalo. No azul da
União.
Seu coração bateu. Travis estava vivo!
Mas e se não fosse Travis? E se fosse algum outro ianque que não tivesse o
senso de certo e errado de Travis Aylwin, mesmo no meio da guerra?
Ela virou-se para a varanda e subiu correndo as escadas, empurrando Peter
fora de seu caminho. No final do corredor, abriu a caixa das armas e pegou a
espingarda. Com os dedos trêmulos ela tentou carregá-la. Uma mão caiu sobre
seu ombro e ela gritou, girando ao redor.
— Você vai atirar em mim de novo? Maldição, eu não sobrevivi a
Chancellorsville e Gettysburg apenas para ser atingido por você, Isabelle!
Estava magro, muito magro, raquítico. E ainda assim seus olhos escuros
estavam vivos como fogo. Ela começou a se mover e a arma levantou-se com o
seu movimento. Seus olhos se arregalaram, e ele pegou-a dela, fazendo-a voar
pelo chão. Então ele a tomou em seus braços e beijou-a com força, e ela não
podia começar a lutar com ele, não até que a aliviasse de sua prisão. Agarrou-a
com força para ele, seus dedos apertados em torno de seus braços. — Diga-me
que sentiu minha falta, Isabelle. Diga-me que você está feliz por eu estar vivo!
Ela engoliu em seco. Era uma sulista, uma virginiana. Seu coração estava
vivo e parecia que a respiração a tinha abandonado, mas não podia se render
enquanto o Sul lutava. Ela afastou-se dele. — Estou feliz por você estar vivo,
ianque, mas eu desejo sinceramente que você não estivesse aqui!
Ela correu para cima, onde passeou em seu quarto enquanto os ianques se
estabeleciam. Quando a escuridão caiu, ela ouviu seus passos na sala ao lado.
Ouviu-os chegar perto de sua porta; ouviu-os recuar. De novo e de novo.
Não foram duas semanas depois que o cavaleiro ianque veio correndo para a
casa. Ele se apressou para dentro da casa, em seguida, correu para o refúgio com
Travis. Isabelle veio correndo escada abaixo, perguntando o que estava
acontecendo. Os homens estavam entrando em sua casa, derrubando o vidro
das janelas e depois ocupando posições com seus rifles. Travis saiu do refúgio a
tempo de vê-la ao pé da escada. — Isabelle, você tem de descer ao porão.
— Por quê? O que está acontecendo?
— Rebeldes. Brigada de Clancy.
— Brigada de Clancy? — Ela disse, com o rosto pálido.
— Sim, a brigada de Clancy, — ele repetiu. — Eles estão a caminho daqui.
Ouviram que ianques estavam ocupando esta casa e a cidade, e eles querem uma
batalha.
Ela ia cair, pensou. Estava fraca demais para ficar de pé.
— Isabelle, o que é?
— Steven está com a brigada de Clancy. Meu irmão Steven.
Ela viu em seus olhos que ele sentiu a dor dela, mas ela viu, também, que
nesse momento estava no comando de seus homens, que esta era a guerra, e que
ele tinha que lutar para vencer. — Você tem de descer ao porão.
— Não!
Travis virou-se para o mordomo, que tinha acabado de entrar em cena. —
Peter! Peter, não sei quem vai ganhar ou perder aqui hoje, mas eu seja
amaldiçoado se vou deixar Isabelle se tornar uma vítima desta guerra! Leve-a lá
em baixo.
Peter colocou seu braço ao redor dela e correu-a para as escadas do porão.
Atordoada, ela o deixou forçá-la para baixo.
Quando ouviu o primeiro rugido de canhão, ela gritou e bateu as mãos sobre
os ouvidos. Então a casa estremeceu, e ela ouviu uma explosão de fogo e
conchas, e os gritos de cavalos e homens. Ela nunca soube o que a incitou, mas
não poderia suportá-lo, sabendo que Steven estava lá fora, bombardeando sua
própria casa. Ela escapou de Peter e saiu correndo, esquivando-se enquanto
balas zuniam pelas janelas abertas. Ela não sabia o que esperava conseguir, é
claro que queria que os confederados ganhassem. Mas encontrou o privado
Darby com suas sardas, dentes tortos e sorriso fácil, e havia sangue escorrendo
de seu ombro, e parecia como se ele estivesse em estado de choque. Isabelle
arrastou rapidamente para a janela ao seu lado, rasgando-a anágua, encontrando
pano para curar a ferida, para estancar o fluxo de sangue.
— Obrigado, senhorita Hinton, obrigado, — ele disse a ela uma e outra vez.
Esticou-o no chão; em seguida, ouviu Travis gritando seu nome em fúria.
— Isabelle! — Foi um rugido. Ele veio correndo até ela, girando-a para longe
da janela, pressionando-a contra a porta. — Você poderia ser morta, sua
pequena tola!
Ela não ouviu suas palavras. Estava olhando para fora da janela e queria
gritar. Steven, em seu ouro malhado e cinza, estava chegando cada vez mais
perto da casa, esgueirando em direção à traseira. Ele parecia tão perto que quase
podia estender a mão e tocá-lo. Em seguida, ele endureceu e o vermelho
floresceu em todo o cinza de sua camisa de cavalaria, e ele caiu sobre a grama.
— Steven! — Ela gritou o nome de seu irmão e se libertou de Travis para
correr em direção a uma das janelas. Ela não sentiu nada quando escorregou
sobre o parapeito da janela com seu vidro quebrado. Não conhecia o medo
quando correu pela linha de batalha até à forma silenciosa de seu irmão. —
Steven, oh, Steven! — Ela chorou desesperadamente.
— Abaixe-se!
Travis estava atrás dela, jogando-se em cima dela, trazendo-a para o chão.
Balas voavam por eles, cravando-se na casa, no chão de modo muito perto
deles. — Tola! Você vai levar um tiro!
— Esse é o meu irmão, eu não vou voltar para a casa sem ele!
— Você tem que voltar!
— Ele poderia morrer!
— Entre na casa! Se você for, eu vou levá-lo de volta. Eu juro. Por tudo que
é sagrado, Isabelle, tenho uma chance! Você não tem nenhuma!
Ele rolou-a para longe com um empurrão. Então, antes que ela pudesse
protestar, ele foi-se, correndo pelo gramado para chegar a Steven. Um soldado
confederado levantou-se, com a espada erguida para o combate corpo-a-corpo.
Travis não estava preparado e caiu com o homem sobre a grama verdejante.
Isabelle mordeu as costas da mão, reprimindo um soluço. Então ela viu Travis
novamente, viu-o chegar a Steven, viu-o erguer seu irmão e cambalear em
direção à casa.
Quando ele se aproximou dela, vários de seus próprios homens correram ao
seu encontro. Steven foi deitado no chão da sala de estar. Isabelle caiu ao lado
dele, rasgando sua camisa, descobrindo que a bala tinha perfurado o peito,
assustadoramente perto de seu coração. Ela estancou o fluxo de sangue,
descobriu que a bala tinha passado limpa através dele e envolveu a ferida, com
lágrimas caindo pelo seu rosto o tempo todo. Ela percebeu de repente que o
som da batalha tinha diminuído, que mais armas soando, não mais gritos ou
gritos rebeldes subindo no ar. Ela virou-se para a porta. Travis estava lá,
apoiando-se na moldura da porta, observando-a.
Ela umedeceu os lábios. Os ianques tinham mantido seu território, mas ele
tinha trazido Steven para ela. Devia-lhe alguma coisa. — Obrigada — ela disse a
ele rigidamente.
Ele sorriu seu sorriso torto, tirando o chapéu. — Não foi nada, minha
senhora, nada.
Mas então de repente ele cambaleou e tombou com força no chão, e ela se
ouviu gritando quando viu o sangue jorrando de seu peito.
*
Travis iria sobreviver. O cirurgião ianque lhe prometeu que, embora ele
tivesse perdido muito sangue, ele iria sobreviver. Ele era resistente. A lesão de
Steven era de longe a pior das duas.
O ianque trabalhou duro sobre seu irmão. E ele parecia ser um homem com
conhecimentos, usando esponjas limpas para cada homem, lavando as mãos
ensanguentadas com regularidade. Ela não poderia ter pedido um melhor
atendimento para seu irmão. Os ianques tinham morfina, o que o manteve sem
dor. Deram-lhe o seu melhor.
Mas, de qualquer maneira, naquela noite Steven morreu. Ela segurou-o em
seus braços quando ele deu seu último suspiro e, em seguida, o segurou até o
amanhecer, soluçando. Ninguém poderia levá-la para longe dele.
Ela estivera apenas vagamente consciente, quando amanheceu, finalmente,
que Travis estava com ela. Em calças e pés descalços, o peito envolto em
ataduras, e não muito firme em seus pés, ele veio até ela. Ele fechou os dedos
sobre os dela, e ela lentamente relaxou seu domínio sobre o irmão que tinha
amado. Ele sussurrou para ela, a acalmou e ela caiu em seu ombro e permitiu
que as lágrimas fossem absorvidas por sua bandagem. Então percebeu quem
estava segurando-a e tentou se afastar, batendo os punhos contra ele. Não o viu
estremecer com a dor e de fato, aquilo não significava nada para ele. Embora
tivesse visto homens morrer uma e outra vez na guerra, ele teve pouca
oportunidade de ver o que significava para os entes queridos que ficavam.
E ele amava Isabelle Hinton.
— Solte-me ianque! — ela ordenou, mas ele não a soltou. E, finalmente, seus
soluços acalmaram. Com o tempo ele levantou-a nos braços e levou-a para cima,
onde a deitou em sua cama.
Horas mais tarde ela acordou. E ele ainda estava com ela. Enfaixado e em
suas calças olhava pela janela para os campos onde a guerra tinha chegado a
casa. Onde o sangue de seu irmão ainda manchava a grama.
— Travis? — ela sussurrou, e as lágrimas brotaram nos olhos dela, porque
queria acreditar que tudo tinha sido um sonho, um pesadelo. Ele veio para seu
lado, silencioso e grave. Olhou nos olhos dela e encontrou sua mão, apertando
os dedos. — Sinto muito, sinto tanto, Isabelle. Eu sei que você teria preferido
que tivesse sido eu, mas juro que nós tentá…
— Oh, Deus, Travis, não diga isso, por favor! Eu… — Ela parou,
balançando a cabeça. Suas lágrimas estavam muito perto de cair de novo; ela
sentiu que tinha sido destruída nos momentos em que Steven dera seu último
suspiro. — Obrigada — disse ela afetadamente. — Eu sei o quanto você tentou
salvá-lo. E você… Você não deveria estar em pé, você está ferido. — Na
verdade, ele parecia prostrado, cansado e abatido, e envelhecera nos meses em
que estivera fora.
— Eu estou bem — ele disse a ela.
Ela balançou a cabeça lentamente. — Eu também, — ela sussurrou.
— Eu estou sempre aqui se precisar de mim.
— Eu não posso precisar de você! — ela sussurrou.
Ele respirou profundamente, mas soltou sua mão, virou-se e deixou-a.
Naquela tarde enterraram Steven. Ficaram junto à sua sepultura, e o capelão
disse que ele tinha sido um soldado valente, lutando por aquilo em que
acreditava. Então Travis ordenou que os músicos tocassem “Dixie”. Isabelle não
ia chorar de novo, mas ela fez. Então correu para longe do túmulo e retirou-se
para seu quarto. Ela não falou com ninguém por dias. Peter trouxe comida em
uma bandeja, mas ela comeu muito pouco.
Steven estava morto há quase duas semanas, quando uma pancada na porta,
em seguida, um estrondo a tirou de sua letargia. Ela abriu a porta, furiosa por
sua privacidade estar sendo quebrada, mas quando teria protestado em vez disso
ficou em silêncio. Era o Dr. Allen Whaley, o cirurgião que tinha tentado tão
arduamente salvar Steven. Ele parecia sério e preocupado.
— O capitão está morrendo, senhorita Hinton. Achei que você deveria
saber.
— O quê? — ela engasgou, incrédula. — Mas ele estava bem! Eu o vi. Ele
estava bem, ele foi…
— Ele não deveria ter se levantado. Ele perdeu mais sangue e chegou perto
da infecção. Agora está ardendo em febre.
Isabelle correu para a porta de ligação de seu quarto com o de Travis.
Empurrou-a e correu para seu lado.
Ele estava queimando. A bandagem em volta do peito tinha sido cortada
para cobrir apenas a ferida e a carne ao redor dela estava escorregadia e quente.
O sargento Sikes estava sentado perto dele, enxugando inutilmente sua carne
com um pano molhado.
— Levante-se sargento! — Isabelle ordenou rapidamente. Ela assumiu a
tarefa de umedecer a testa e rosto de Travis com água fria. Tocou-lhe o pulso e
o sentiu. Ela se encolheu com o fogo da sua pele e olhou para o Doutor Whaley,
que acenou aprovando qualquer coisa que ela pudesse tentar. Lavou Travis de
sua cintura à garganta com a água fria. Ela começou a falar com ele e falou até
estar rouca.
Mais tarde o Doutor Whaley veio e retiraram as bandagens. O médico
lancetou e drenaram a infeção, em seguida, envolveu-o novamente. E ainda
assim a febre continuava queimando.
— Esta noite irá nos dizer: — O Doutor Whaley disse a ela. — Se você
quiser orar por um ianque, senhorita Hinton, rogue por este esta noite.
Ela tentou orar e continuou se movendo. Embebendo-o de novo e de novo,
tentando que arrefecesse. Enxugou sua testa e face; ela viu que a guerra gravara
linhas ao redor dos seus olhos e pensou em como amava seu fascinante e bonito
rosto. Se ele morresse, ele teria morrido por ela, percebeu. Ela queria Steven. Ele
tinha ido para Steven por ela.
— Não morra, não morra, maldito! Eu… eu preciso de você! — ela
sussurrou fervorosamente para ele.
Não poderia ter sido seu sussurro. Realmente não poderia ter sido. Mas ele
inalou de repente, um grande trago irregular, e então ficou tão quieto que ela
pensou que ele tinha morrido. Colocou seu ouvido contra o peito e ouviu que
ainda respirava. Ela tocou sua testa e estava perceptivelmente mais frio.
Começou a rir quando afundou na cadeira ao lado da cama. — Oh, meu Deus,
ele está melhor! — Ela soprou as palavras em voz alta.
E então o Doutor Whaley estava ao seu lado, levantando-a. — Sim, ele está
melhor, senhorita Hinton. E agora é melhor você descansar um pouco antes de
desmoronar sobre nós!
Ele a levou para longe, e quando dormiu naquela noite, ela dormiu
profundamente, com um sorriso nos lábios pela primeira vez desde que Steven
tinha morrido. Havia um Deus no céu; Travis tinha vivido.
*
Ele ficou na cama por uma semana antes de encontrar força suficiente para
ficar em pé. Isabelle manteve a distância dele, não confiando em si mesma.
Ouviu-o, porém, no dia em se levantou pela primeira vez. Ele gritou agora e,
em seguida, quando um de seus homens parecia pensar que precisava de mais
ajuda para se locomover do que ele necessitava. Seus soldados andavam naquele
dia com sorrisos satisfeitos, ignorando seu tom. Apenas estavam contentes de
tê-lo levantado.
Isabelle queria vê-lo, mas não teve coragem de fazê-lo. Evitou a sala de
jantar; evitou seu escritório. Estava com medo de ficar muito perto dele.
Novembro se foi. Dezembro chegou, e Isabelle fez seus planos de partir para
o Natal. Ela estava fazendo as malas quando percebeu que alguém estava
olhando para ela da porta aberta.
Esse alguém era Travis.
Ele estava completamente curado agora. Ainda estava magro, mas suas
feições eram tão impressionantes que sua magreza apenas acentuava as linhas
limpas do seu rosto. Seus olhos seguiram cada passo dela e onde quer que
caíssem, ela era tocada com calor, com fogo. Ele estava marcante nas calças de
lã azul, suas botas de cano alto e camisa regular de cavalaria, as insígnias de
oficial sobre o seu ombro. — O que você está fazendo? — Ele perguntou a ela.
— Empacotando.
— Por quê?
— Eu estou saindo para o Natal.
— Por quê?
— Porque não é um feriado para ser gasto com o inimigo.
— Eu não sou seu inimigo, Isabelle.
Ela deu de ombros e continuou empacotando.
Ele bateu a porta e atravessou a sala, pegando-a pelos ombros, arrancando-a
de sua tarefa. Seus olhos perfuraram os dela como punhais de ébano.
— Deixe-me ir! — ela chorou.
— Por quê, Isabelle?
— Porque, porque…
— Não! — ele gritou e atirou a maleta de couro para o chão, levando-a para
baixo em cima da cama. Seus dedos enrolados em torno dela, segurando as
mãos acima da cabeça.
— Travis, maldito!
— Eu preciso de você, Isabelle. Eu preciso de você!
Ela queria lutar com ele. Ela queria negar tudo o que acontecera, tudo que
sentia, mas pensou que talvez ele sempre tivesse vindo por isso, desde o início,
quando tinham caído juntos na neve. Ela abriu a boca para xingar, para
protestar, mas seu sussurro já estava entrando em sua boca.
— Eu preciso de você, Isabelle, meu Deus, eu preciso de você!
Em seguida, seus lábios estavam nos dela, seu beijo ardente, construindo um
fogo dentro dela. Ele sussurrou contra sua boca, e os seus lábios queimaram um
rastro de fogo em todo o rosto e sua garganta, contra o lóbulo da orelha, em
seguida, de volta para sua boca novamente. Sua língua brincou em seus lábios,
em seguida, mergulhou entre eles.
Ela colocou os braços ao redor dele, seus dedos se enredando em seus
cabelos, e ela ganhou vida, regozijando-se com a sensação de seu cabelo, a
ondulação dos músculos de seus ombros e costas. Não teve certeza de quando
isso aconteceu, mas parecia que a camisa se dissipara e estava dividida entre risos
e lágrimas quando suas mãos se moviam através de sua carne nua, deleitando-se
com o calor dele, na sensação de vida. Tocou as cicatrizes onde a guerra tinha
rasgado sua carne e colocou os lábios contra elas tão ternamente quanto
possível. Mas depois disso poucas coisas foram ternas, quando a tempestade
explodiu entre eles com um desespero e agitação súbita. Seu corpete de alguma
forma foi aberto e o rosto dele se encontrou enterrado contra o vale entre seus
seios. E então ele estava tomando um em sua boca, seus lábios e dentes quentes
sobre um pico rosado e a sensação foi estilhaçante, enviando tremores de fogo e
ansiedade através dela. Engasgou, agarrando-se a ele, então engasgou novamente
quando sentiu suas mãos sobre seus quadris nus, em seguida, entre as coxas. Ela
gemeu, fechando os olhos, tremendo e respirando profundamente contra seu
pescoço enquanto seu toque tornou-se ousado e íntimo, acariciando,
mergulhando, evocando necessidade e espalhando um calor abrasador e prazer
fundido...
As calças foram despidas; seu vestido era uma pilha emaranhada em torno
deles; suas feições eram tanto duras como ternas quando ele foi sobre dela.
Gentilmente puxou e afastou para longe o emaranhado de sua roupa até que
estava nua e tremendo debaixo dele. E ainda assim ela confiava nele, o inimigo;
ele viu em seus olhos. Ele deitou sua cabeça contra os seios, então estremeceu
com uma força assustadora. — Meu Deus, eu precisava de você, Isabelle. Eu
posso ser seu inimigo, mas nenhum inimigo nunca vai te amar tão ternamente.
Nenhum amigo poderia jurar com maior fervor ser tão gentil.
Ela gritou, encontrando seus lábios, se afogando em seu beijo. Enquanto eles
se beijaram, suas mãos viajaram pelo corpo dela. Ele tocou e acariciou
infinitamente, corajosamente, intimamente.
E gentilmente, ternamente.
Finalmente a paixão subiu rapidamente, desenfreadamente, dentro dela. O
desejo florescera tão completamente e com tal certeza que ela não soube nada
de sofrimento ou dor, e tudo sobre a beleza arrebatadora de ser tomada por um
homem que lhe deu amor. Ela conheceu a fúria de sua paixão e a riqueza de seu
êxtase quando ele a levou para um pico de êxtase tão doce que era o céu na terra
antes que ele estremeceu violentamente e caiu ao lado dela, os dois cobertos por
uma fina camada de seu próprio suor.
Eles ficaram em silêncio por muito tempo. Então ele estendeu a mão e tocou
um caracol na umidade de sua bochecha. — Sinto muito, Isabelle, eu não tinha
o direito...
Ela pegou sua mão. — Não! Shh. Por favor, não diga essas coisas, não agora!
Ele rolou, acariciou seu rosto e olhou descaradamente a ascensão e queda de
seus seios. — Eu te amo, sabia.
— Não! Não diga isso, também!
Ela se afastou, tremendo enquanto pegava sua roupa.
— Isabelle — disse ele, levantando-se, tentando impedi-la.
Ela não sabia por que estava tão chateada. Ela o queria… ela o tinha querido
desesperadamente! E ela o amava também.
Mas havia uma guerra.
— Travis, deixe-me em paz. Por favor.
— Isabelle, eu não…
— Não, Travis, você não me forçou. Não fez nada de errado. Você foi…
você foi o perfeito cavalheiro! Mas, por favor, deixe-me em paz agora. Tenho de
ficar sozinha.
Ele virou-se com raiva e puxou a camisa e calças, em seguida, suas botas. —
Vou esperar você no jantar esta noite — disse a ela.
Ela observou-o sair, então lavou-se, vestiu-se e terminou de empacotar. Ela
desceu as escadas em direção a seu escritório.
— Eu quero partir para o Natal, capitão — disse a ele.
Ele se levantou, olhando para ela do outro lado da mesa. — Não vá, Isabelle.
— É a guerra, capitão.
— Não entre nós.
— Eu não posso ficar! Você não entende? Eu não posso passar o Natal com
o inimigo!
— Mesmo que você durma com ele?
Ela lhe deu um tapa. Ele não fez nenhum movimento e ela mordeu o lábio,
desejando não o ter atingido. Não sabia o que estava fazendo para qualquer um
deles de qualquer maneira. Apenas que agora o som de canções de Natal a
faziam chorar. Ela queria tanto estar em casa para o Natal, mas não sabia mais
onde era casa.
— Vou escrever um passe para você imediatamente — disse ele secamente.
— O sargento Sikes olhará por você.
— Obrigada.
Ele escreveu o passe e entregou a ela, depois olhou para o trabalho
empilhado sobre a mesa.
Isabelle se virou e se dirigiu para a porta, então hesitou. Ela queria gritar para
ele; queria correr de volta.
Mas não podia. Algo profundo dentro dela lhe disse que ele simplesmente
não estava certo. Ela podia estar apaixonada pelo inimigo, mas ainda era errado
passar o Natal com ele.
Capítulo 3
Isabelle passou o Natal e Ano Novo com Katie Holloway. A casa de Katie
era uma antiga fazenda e Katie era tão sólida e robusta como o terreno que a
cercava. Ela tinha visto o cerco britânico de Fort McHenry durante a guerra de
1812 e vivera o suficiente para dizer, fazer e pensar o que queria.
— Está morrendo agora, você entende Isabelle. Esta guerra está quase no
fim.
— Isso não é verdade! Nossos generais correm em círculos ao redor deles. E
outra vez ganharemos o dia com muito menos tropas e…
Balançando na cadeira, Katie pousou suas agulhas de tricô e exalou
lentamente. — Quando nossos homens morrem, não sobra ninguém para
substituí-los. Sim, nós lutamos boas batalhas! Ninguém jamais vai esquecer os
gostos de Stonewall Jackson. Mas ele e muitos de sua espécie se foram agora,
ceifados como flores na primavera, e não podemos ir sem eles. Nem mesmo Lee
pode lutar esta guerra sozinho. Acabou. Em tudo, exceto para a morte.
Isabelle não tinha vontade de discutir com Katie; ela só tinha vontade de
chorar. Não sabia como seria a vida quando tudo estivesse terminado; apenas
sabia que tinha visto o suficiente e estava pronta para que acabasse. Ela tinha
enterrado um irmão; queria que o outro vivesse.
Ela queria que Travis vivesse.
— Eu acho que estou indo para casa amanhã — disse a Katie. Era final de
janeiro, a neve estava alta e ela não deveria ir para casa sozinha. O sargento Sikes
ou um dos homens tinham vindo a cada dois dias para ver se ela estava pronta
para partir. Ninguém viera por alguns dias, ela fora determinada ao dizer que
não ia voltar. Não até que a neve derretesse. Não até que os homens fossem
para a guerra novamente.
Mas agora, de repente, não queria que eles fossem para a guerra. Ela não
queria que Travis fosse para a guerra.
Ela pulou e beijou a face envelhecida de Katie, então correu para o quarto
para fazer as malas.
Era o final de janeiro, e nem mesmo o meio-dia trouxe muito calor. Apesar
dos protestos de Katie que ela não deveria viajar sozinha, Isabelle estava indo
para casa.
— Você deve esperar por uma escolta! O capitão Aylwin não vai ficar
satisfeito.
— Bem, Katie, eles ainda não ganharam a guerra. Eu ainda posso fazer o que
quiser — ela assegurou a amiga.
Montou sua égua baia e envolveu a capa calorosamente ao redor dela. Estava
determinada a não passar pela cidade, havia muitos soldados ianques que ela não
os conhecia. Então ela se dirigiu a leste, passando por pequenas propriedades e
mansões arruinadas. Tudo era inverno, sombrio e sua égua bufou contra o frio,
enchendo o ar com a névoa de sua respiração. As árvores estavam nuas e a
paisagem era estéril. Era sempre assim durante o inverno, disse a si mesma. Mas
não era. Tudo estava estéril por causa da guerra.
Cavalgara por uma hora quando chegou à fazenda deserta de Winslow. Com
sede e preocupada com sua égua, ela decidiu parar para ver se a calha tinha
congelado. Desmontou nos altos montes e levou a égua para o cocho. Suspirou
com alívio, porque a água tinha apenas uma fina camada de gelo. Rompeu o gelo
com o salto de sua bota, então deu um tapinha na égua enquanto ela abaixou a
cabeça para beber. Em seguida ouviu um barulho atrás dela e se virou.
Um soldado tinha saído para a varanda. Ele estava vestido em cinza
esfarrapado e avelã, sua barba era grande e seus olhos eram duros, hostis e
turvo. No início seu coração havia disparado, era um dos seus. Mas quando o
homem olhou de soslaio para ela a sensação de euforia transformou-se em
pavor. Ela soube imediatamente que ele era um desertor e estava ali se
escondendo dos confederados e os ianques.
Ela puxou as rédeas ao redor rapidamente, pronta para montar, mas sem
sucesso. O homem atirou-se contra ela, arrastando-a para baixo na neve. Ela
bateu seus punhos contra ele desesperadamente e seus gritos rasgaram o ar, mas
também não teve qualquer efeito sobre ele. Sua respiração era horrível e rançosa,
ele estava mais sujo do que ela alguma vez imaginara que um homem pudesse
estar, e o cheiro dele aterrorizava além da medida. Ela sabia o que ele pretendia
e pensou descontroladamente que realmente preferia morrer do que deixá-lo
tocá-la. Mas ela estava desarmada; não tinha nenhuma razão para viajar com
uma arma, Travis sempre cuidara de sua segurança.
E agora ela estava sozinha.
— Ei, senhora, eu estou apenas procurando alguma boa e velha
hospitalidade do sul! — ele provocou.
Ela libertou a mão e bateu em seu rosto. Um ruído duro assegurou-lhe que o
tinha ferido. Tomou a vantagem e deu uma joelhada na virilha com toda sua
força. Ele gritou com a dor, mas segurou o cabelo dela e puxou-a para seus pés,
em seguida, arrastou-a para a casa. Ela começou a gritar novamente, mas isso
não importava; ele a arrastou até as escadas e pela porta. Um fogo ardia na
lareira acesa, e ele atirou-a para baixo antes dele. Ela tentou se arrastar, mas ele
se lançou sobre ela. Ela torceu o rosto, frenético com medo, quando ele tentou
beijá-la.
Então, de repente, o homem foi arrancado longe dela e jogado duramente
através da sala. Travis estava lá. Travis, em sua capa de inverno, seus olhos
escuros de ébano queimando com fúria. Quando Isabelle se afastou viu o
desertor rebelde sacar sua pistola. — Travis! — Ela gritou em sinal de
advertência. Ela ouviu uma explosão de fogo, mas Travis não caiu. A mancha
vermelha espalhada pela camisa de seu atacante, e ela percebeu que Travis,
também, tinha puxado uma pistola. Ele não perdeu tempo apiedando-se do
rebelde mas caminhou rapidamente para Isabelle, pondo-a de pé.
— O que você estava fazendo sozinha? — Ele demandou.
— Eu estava voltando para casa.
Suas mãos estavam sobre ela. Ele estava tremendo; estava sacudindo-a. —
Idiota! — ele explodiu e afastou suas mãos para longe dela, virando as costas
paraela. Ela queria agradecer-lhe; queria dizer que estava grata por ele ter vindo.
Até queria gritar que o amava, mas não podia. Ele era o inimigo.
— Graças a Deus eu decidi vir por você esta manhã! Droga, Isabelle, você
não sabe o que poderia ter acontecido? Ele poderia ter estuprado você, cortado
sua garganta e abandoná-la na neve, e nós nem sequer teríamos sabido disso!
Ela umedeceu os lábios. Não podia dizer-lhe que estava ansiosa para voltar
para casa porque estava ansiosa para vê-lo. Ele a agarrou pelo braço e puxou-a
junto com ele, até que chegaram fora. Em seguida, levantou-a em sua égua antes
de montar seu próprio cavalo e partiram em silêncio. O silêncio manteve-se até
chegarem à casa, onde ele desmontou e se aproximou dela antes que ela pudesse
desmontar. Desceu-a com as mãos febris e fortes. Seu cabelo caiu em cachos
imprudentes ao redor de seu rosto, dourado sob o sol. — O que? — ele
perguntou de repente, irritado. — Você está chateada porque eu matei o
rebelde? Ele era um dos seus, certo? Um bom e velho rapaz sulista!
— Claro que não!
— Amigo ou inimigo, é isso, Isabelle? E eu estou sempre condenado como o
inimigo? — Seus olhos estavam vivos como fogo e seus dedos estavam
mordendo seus braços.
— O que você quer de mim? — ela chorou.
Seu aperto relaxou um pouco, e um sorriso lento e amargo apenas curvou os
cantos de seus lábios. — Natal, — ele disse a ela calmamente. — Eu quero
Natal.
E de repente o Natal era tudo, tudo o que ele queria e tudo o que ela não
poderia dar. Ela soutou-se de seus braços e correu para dentro da casa.
*
Travis se condenou a si mesmo milhares de vezes pela forma como lidou
com as coisas. Mas encontrá-la nos braços do desertor o assustara até os ossos, e
tremeu ao pensar que ele não teria estado lá se não tivesse determinado em ir
essa manhã à senhora Holloway ele mesmo e trazê-la de volta.
E ele tinha feito isso só porque suas ordens haviam chegado. Eles estavam
indo para fora outra vez. Deveria levar seus homens para montar com Sheridan.
Grant estava no comando na frente oriental agora, determinado a apanhar o
astuto Lee, custe o que custar. Grant sabia que os outros generais da União
tinham sido vencidos por Lee e intimidados por sua reputação.
Ele tinha apenas alguns dias restantes para ficar ali. Certo ou errado, estava
apaixonado por ela e depois dos intermináveis meses de tortura, descobriu que
ela não era apenas gelo e reserva, mas que poderia ser fogo e paixão também.
Ele queria um sabor do fogo em seus lábios quando partisse novamente.
Mas aquilo estava perdido agora, pensou.
Ele sentou-se na sala de jantar sozinho, à espera de Peter para servi-lo. Mas
então ficou impaciente consigo mesmo, com ela. Saiu da mesa e caminhou até as
escadas para o seu quarto, e, uma vez lá, irrompeu pela porta de ligação.
Parou bruscamente, pois já a tinha encontrado daquela forma antes. Ela
estava aninhada em uma espuma de bolhas, uma perna esbelta saindo da água
enquanto ela a ensaboava furiosamente. Seus olhos se encontraram quando ele
entrou no quarto e um rubor carmesim subiu para seu rosto. Mas ela não negou
sua presença e até sorriu suavemente. — Eu estava indo para jantar — ela disse
calmamente. Mordeu o lábio inferior. — É só que eu me senti tão... suja depois
de hoje.
Os cachos louro-dourado foram empilhados em cima de sua cabeça, alguns
fugindo para balançar suavemente contra seu rosto e a longa coluna de seu
pescoço. Ele não tinha resposta para ela que não fosse um grito rouco e os
passos largos que o levaram a ela. Ele não procurou seus lábios, mas parou na
base do banho, sorrindo tristemente quando caiu de joelhos, em seguida, pegou
o pequeno pé que empurrou as bolhas, e beijou o arco, provocando a carne
doce e limpa, com o toque de sua língua. Seus olhos encontraram os dela, que
brilhavam com névoa e beleza, e ele ouviu a ingestão aguda de sua respiração.
Seus cílios caíram, meio sensual, convidativo. Seus lábios se separaram, e ainda
seu olhar permaneceu sobre ele. Ele acariciou com seus dedos ao longo de sua
panturrilha, encharcando sua camisa quando se inclinou para a água, mas ele não
se importou. Descaradamente passou a mão ao longo de sua coxa. Em seguida a
levantou, pingando e com sabão da elegante banheira. Segurou-a na frente do
fogo, beijando-a, antes de caminhar com ela até a cama, deixou de lado a camisa
encharcada e as calças e se inclinou sobre ela.
Nenhuma mulher jamais tivera cheiro tão doce; nenhuma pele alguma vez
fora como seda pura. Ela era a coisa mais linda que ele já imaginara, com os
seios firmes e altos, cintura fina, quadris ondulantes. Beijou-a em todos os
lugares, ignorando seus gritos, bebendo da visão, paladar e som dela, precisando
de mais e mais dela.
Naquela noite, ela se atreveu a amá-lo em troca, acariciando-o com as unhas
pelo peito, deslumbrando-o com a ponta dos dedos. O jantar foi esquecido. A
noite demorou para sempre. Ele não a abandonou, nem pensou em se levantar
até que o sol estivesse cheio sobre eles e ele ouviu bater em sua própria porta.
Ele beijou seus lábios doces suavemente e se levantou. Entrando em suas
calças e botas, ele correu para seu próprio quarto e abriu a porta.
Havia um mensageiro lá de Sheridan, Sikes disse a ele. Era necessário descer
imediatamente.
Ele encontrou uma camisa limpa e desceu as escadas, onde se encerrou com
o batedor de cavalaria e recebeu as últimas notícias.
Tinha apenas até quatorze de fevereiro para se encontrar com outras tropas a
norte de Richmond.
*
Isabelle desceu mais tarde. Ela vestiu sua reserva novamente, como outra
mulher poderia usar uma capa. — Você está indo? — ela perguntou friamente,
sentando-se em frente a ele.
— Em breve.
Seus dedos se fecharam ao redor de sua cadeira, seus cílios abaixaram. Ele
levantou-se e ficou de pé diante dela, em seguida, ajoelhou-se tomando suas
mãos. — Case-se comigo, Isabelle.
— Casar com você! — Ela arregalou os olhos, incrédula. Cinza-esverdeado
brilhando contra a beleza suave de seu rosto, eles se encheram de descrença.
— Eu te amo. Eu morreria por você. Você sabe disso.
Ela engoliu dolorosamente, depois sacudiu a cabeça. — Não acabou ainda.
Eu não posso me casar com você.
— Isabelle, você me ama, também. — ele disse a ela.
Ela balançou a cabeça novamente. — Não. Não, eu não. — Ela parou por
um segundo, e ele sentiu as lágrimas atrás de sua voz. — Eu não posso amar um
ianque. Você não entende?
Ela saltou e foi embora. Não desceu para o jantar, e ele não quis ir até ela.
Ele comeu sozinho, então bebeu um conhaque, antes de finalmente atirar o
copo no fogo e tomar as escadas de dois em dois. Ele invadiu seu quarto e
encontrou-a vestida com uma suave camisola branca de seda e rendas, um
vestido simples, que se agarrava à perfeição requintada de suas formas. Ela
estava andando diante do fogo, mas quando o viu fez uma pausa. Ele caminhou
até ela, arrastando-a para os seus braços, sacudindo-a ligeiramenre, de modo que
seu cabelo caísse em uma cascata nas suas costas, e seus olhos se tornaram
desafiadores para os dele. — Se você não pode se casar comigo — disse ele
amargamente, — e não pode me amar, então venha para a cama comigo e
acredite que eu, pelo menos, amo você!
A princípio, ele pensou que ela iria lançar-se para ele em fúria. Ele se
inclinou, jogando-a por cima do ombro, e os dois caíram juntos na cama. Seus
olhos estavam brilhando, mas ela só roçou seu rosto suavemente com a palma
da mão.
— Eu não posso te amar, ianque! — ela sussurrou. Mas seus lábios
provocaram os dele, seu hálito doce como hortelã, e seu corpo era um fogo
debaixo dele. Sua boca se movia contra a dele. — Mas eu posso precisar de
você, e eu preciso muito de você hoje à noite!
*
Manteve-se assim entre eles nos dias que restavam. De dia ela mantinha a
distância, a fria e digna Senhorita Hinton, mas à noite ela era sua, criando
sonhos de paraíso.
Mas nem paraíso nem sonhos poderiam parar a guerra, e no devido tempo,
ele cavalgou para seu compromisso com a batalha. Ela estava na varanda e
observou quando ele montou em seu cavalo. E então, como fizera antes, chegou
tão perto quanto pôde até onde ela estava de pé na varanda.
— Eu te amo — lembrou ele gravemente.
— Não se deixe matar, Travis, — ela disse a ele. Ele balançou a cabeça e
começou a se afastar.
Ela o chamou de volta. — Travis!
Ele virou. Ela hesitou, em seguida, sussurrou: — Vou rezar por você.
Ele sorriu e balançou a cabeça novamente, em seguida, afastou-se. A guerra o
aguardava.
*
Eles disseram que o Sul tinha vindo a perder a guerra desde Gettysburg, mas
você não poderia dizer isso pela forma como eles estavam lutando, Travis
pensou mais tarde.
No final de fevereiro, quando Travis foi juntar-se com as forças de Sheridan,
o general Kilpatrick encenou um ataque mal concebido em Richmond.
Documentos encontrados no corpo do coronel Dahlgreen indicavam a intenção
de queimar a cidade e assassinar o presidente Jefferson Davis e seu gabinete.
Meade, questionado por Lee sob uma bandeira de trégua, negou vigorosamente
tais intenções e Lee aceitou que os papéis eram falsificações. Travis ficou feliz
em saber que ambos os lados poderiam questionar algo tão hediondo, e que,
mesmo no meio da guerra, algumas coisas poderiam ser discutidas.
Em maio, Travis e suas tropas estavam envolvidos na batalha de Wilderness,
que ficariam em sua memória para sempre. Rebeldes e ianques foram igualmente
apanhados, confusos e horrorizados, nas profundezas da floresta. Logo as
árvores estavam em chamas e mais homens morreram por causa da fumaça e
fogo do que de balas.
De lá, os sobreviventes se mudaram para a batalha de Spotsylvania. Em
seguida, Travis seguiu Sheridan na batalha de Yellow Tavern, onde a cavalaria,
dez mil homens, reuniu-se com as tropas do sul de Stuart, nos arredores de
Richmond. Stuart trouxe mais de quatro mil homens e a luta foi dura e
desesperada, mas Travis conseguiu sobreviver. No entanto, o grande cavaleiro
confederado Jeb Stuart foi mortalmente ferido. Ele morreu em Richmond dias
mais tarde.
No final de junho, Isabelle percebeu um homem se aproximando da casa a
pé. Ela estava lá em cima no quarto e observava da janela. Mordeu o lábio
inferior, perplexa. Ele usava um uniforme cinza, mas ela não podia mais confiar
em soldados confederados, não depois do que havia ocorrido em sua jornada da
casa de Katie.
Travis tinha dado a ela um dos novos rifles de repetição e ela correu pelas
escadas para o armário de armas para obtê-lo. Carregou a arma e correu para a
janela, mas sua preocupação desapareceu quando viu o homem se aproximando.
Com um grito feliz largou a arma e correu para fora, jogando-se nos braços dele.
Era seu irmão, James.
— Oh, meu Deus, você está em casa! — Ela o beijou e ele a abraçou e a
rodeou, e ela riu e então chorou. E então eles estavam na casa, e Peter estava ali
e os outros servos também, todos ansiosos para recebê-lo em casa. Ele só tinha
alguns dias de licença; era um tenente na artilharia e tinha tido a sorte de receber
mesmo depois de muito tempo.
Isabelle estava determinada a fazer seu tempo em casa perfeito. Ela ordenou-
lhe um banho fumegante, procurou suas roupas, supervisionou o jantar, e
quando ele estava vestido e em baixo novamente, ela estava pronta para sentar
com ele para uma refeição de guisado de carne de veado. Ele sorriu para ela, um
jovem muito sério com seus próprios olhos coloridos e curiosos, cabelo um
pouco mais escuro e, agora, rosto recém barbeado. Ele começou a comer
avidamente, como se não tivesse visto tal refeição em anos. Então, de repente,
ele jogou o garfo e olhou para ela, com os olhos cheios de fúria nua.
— Isto é ensopado ianque!
Isabelle afastou para trás em sua cadeira, sentando-se muito direita. Ela olhou
para suas mãos.
James ficou de pé, andando pela sala atrás dela. — Eu acabo de perceber o
que isso significa. A casa está de pé, e há comida nela. O que você pagou por
essas concessões, Isabelle?
Ela ofegou e pôs-se de pé. — Eu não paguei nada por concessões! — A
culpa a rasgou, mas nunca pagou por nada. Ela estava protegida, sim, mas nunca
pagara por essa proteção. Ela simplesmente se apaixonou. — Eles usam a casa
como sua sede, é por isso que ainda está de pé. E há comida na despensa,
porque eles a trazem, para seu próprio uso e o nosso também.
— E você ficou aqui! — ele acusou, suas mãos em seus quadris.
— Eu fiquei aqui, seu tolo, por você e Steven! Eu fiquei de modo para que
eles não queimassem a casa. Eu até tenho pegado os dólares ianques que o
sargento Sikes me dá como aluguel, e os guardei para manter este lugar vivo para
que você e... e Steven tivessem uma casa para voltar!
Ele saiu da sala de jantar, para o corredor e entrou no gabinete. Com fúria
empurrou os papéis de Travis da mesa de seu pai. Algo vibrou em seus pés, e ele
inclinou-se para pegá-lo. Era um registro de seu salvo-conduto para a casa de
Holloway para o Natal. Ele olhou do registro para Isabelle. — O que é isso?
— Salvo-conduto. Eu… Eu sempre parti para o Natal.
De repente, ele começou a rir, mas ela não gostou do som. — Oh, isso é
bom! Você joga a prostituta durante todo o ano, mas depois parte para o Natal!
Oh, Isabelle!
Ela tinha vontade de lhe dar um tapa no rosto, mas ele estava muito magro
por tudo o que tinha passado e além disso, sentia a terrível verdade de suas
palavras. Ela se virou, um soluço arrancando dela, e correu escada acima.
Explodiu em seu quarto, onde se deitou em sua cama e chorou. Era estranho,
pensou. Era pelo Natal que ela subitamente estava chorando, e não pela guerra,
a morte, a dor. Era a paz do feriado que tinha sido perdido, a paz e os sonhos
suaves, e a crença de que o homem poderia se elevar sobre seus pecados.
Sua porta se abriu. James entrou e se sentou ao lado dela na cama, em
seguida, pegou-a nos braços. — Sinto muito, Isabelle. Eu sinto muito. A guerra
me deformou. Eu a conheço Isabelle. Você é a irmã que banhava todos os meus
cortes e contusões quando eu pensei que era grande demais para os meus
amigos me verem chorar. Aquela que ficou por nossos pais. Aquela, Peter me
disse, que correu para fora no meio de uma chuva de balas para alcançar a
Steven. Isabelle, eu te amo. Se algum ianque a manteve segura, então eu estou
contente. Você pode me perdoar?
Ela o abraçou forte, porque as palavras não eram necessárias entre eles. Em
seguida, eles desceram para o jantar frio e quando tinham comido, Isabelle o
levou para o túmulo de Steven, e disselhe quão estranho tinha sido ouvir
músicos ianques tocando “Dixie”.
Ele colocou seu braço ao redor dela, em seguida, fez uma saudação silenciosa
para Steven antes de caminharem para a casa juntos.
Ao longo dos dias seguintes ele a puxou para fora. Ouviu os relatos da morte
de seu irmão e ouviu quando ela lhe contou, hesitante, sobre o desertor que a
tinha atacado. Ele também a ouviu falar sobre Travis. Não lhe deu nenhum
conselho, apenas a avisou — Isabelle, você está apaixonada por ele.
Ela balançou a cabeça, olhando o fogo. — Mesmo agora, ele poderia estar
morto. Ele está lutando em algum lugar ao sul daqui. — Ela engoliu em seco.
Era a frente para onde James iria voltar em breve.
James se inclinou para ela. — Você está apaixonada por ele. E parece que ele
te ama.
— Ele ainda é o inimigo.
— Será que ele se casará com você?
— James, não posso me casar com o inimigo!
— A guerra não pode continuar para sempre, mesmo que pareça que sim.
Mas me ensinou que a vida e o amor são doces, e muito facilmente roubados de
nós antes que possamos tocá-los.
James partiu no dia seguinte. Obrigou-se a sorrir quando ele abotoou o
casaco e colocou o chapéu na cabeça. — Você estará em casa logo e para
sempre! — ela lhe disse.
Ele sorriu. — Sim, eu prometo, eu prometo voltarei para casa para sempre.
— Ele beijou a bochecha dela, e ela o acompanhou até a varanda. Ele tinha que
ir alguns quilômetros a pé, uma vez que estava em território ianque. Em algum
lugar ao sul seria pego por um vagão de transporte. Cavalos eram raros agora, e
ele se recusou a levar a égua. — Eles apenas a iriam matar, Isabelle. Deixe-a
sobreviver a esta coisa. Posso precisar dela quando voltar!
Ela abraçou-o uma última vez, ferozmente, e então ele partiu. Ela observou-
o da varanda, e de repente ele se virou. — Isabelle, não se case com ele, se você
sente que não pode. Mas dê-lhe o Natal. Ele merece o Natal.
Então ele foi embora, e ela orou para que a guerra acabasse em breve. Ela
assegurou a Deus que realmente não se importava, no mínimo, se os ianques
ganhavam, contanto que alguém terminasse a maldita coisa.
*
As batalhas eram travadas rápido e furiosamente na frente oriental enquanto
o verão progredia. As mulheres eram desesperadamente necessárias para cuidar
dos feridos, e Isabelle encontrara transporte para sul, para os arredores de Cedar
Creek, onde uma antiga igreja estava sendo usada como hospital de campanha.
Uma batalha horrível tinha sido travada em dezenove de outubro. O Sul tinha
quase tomado o dia, mas, no final, a União tinha prevalecido.
Rebeldes e ianques ambos estavam sendo trazidos, e Isabelle estava grata de
ver que nenhum homem ferido estava sendo deixado no campo. Ainda assim,
cada vez que via um casaco azul com a listra vermelha da cavalaria seu coração
afundava. Travis tinha cavalgado para se juntar a Sheridan, e os homens de
Sheridan haviam vencido esta batalha. Travis tinha também montado
vitoriosamente para longe?
Por fim, ela descobriu que ele não tinha, pois uma tarde ela virou-se para
uma forma coberta para descobrir que era Travis.
Seu rosto estava branco como a morte e ele estava quase sem respirar. Ela
rasgou o uniforme para descobrir que um sabre tinha cortado selvagemente seu
flanco.
Isabelle se virou para procurar um dos cirurgiões. Ela queria o Dr. Hardy,
um homem com uma crença interessada em higiene. Se a ferida não matou
Travis, a infecção poderia.
— Seu pulso é bom, sua respiração é constante e até agora, sem febre, — Dr.
Hardy disse a ela um pouco mais tarde. — Mantenha a ferida limpa e ele deve
sobreviver.
Ela fez o que ele tinha dito. Teve o cuidado de atender a todos os homens,
mas reservava tempo diário de lavar e ligar a ferida de Travis.
No terceiro dia ele abriu os olhos. Olhou para ela, incrédulo; em seguida,
seus olhos se fecharam novamente. O esforço para mantê-los abertos era
demais. — Água — ele resmungou.
Ela umedeceu os lábios ressecados, advertindo-o a não beber muito
rapidamente. Ele conseguiu abrir os olhos novamente, e ela tentou não sorrir.
Apesar de seu cabelo longo, ainda era tão bonito. Seus olhos escuros cheios de
espanto quando percebeu que estava em um hospital confederado.
— Você poderia muito bem me deixar morrer — ele disse a ela.
— Não fale assim.
— Andersonville é a morte — lembrou ele bruscamente, e um pavor frio
encheu seu coração, porque rumores diziam que era verdade, que os soldados da
União morriam como moscas no campo de prisioneiros confederado.
— Você está doente demais para ser enviado para Andersonville agora — ela
disse a ele, então se afastou.
Na manhã seguinte ficou consternada ao descobrir que Travis tinha atraído o
interesse entre as mulheres do Sul que estavam ajudando como enfermeiras. Ela
foi incapaz de encontrá-lo sozinho. Se ele estava conseguindo tanto cuidado, ela
decidiu, iria manter à distância.
Ele se curou mais rapidamente do que qualquer um esperava. Duas semanas
depois de sua chegada ela foi fazer a cama ao lado da dele quando seus dedos de
repente apertaram em torno de seu pulso, e ele puxou-a para encará-lo.
— O que você está fazendo aqui? — ele exigiu asperamente.
Suas sobrancelhas arqueadas. — Ajudando! — Ela retrucou.
Ele balançou sua cabeça. — Você deveria estar em casa. Oh... Entendo.
Você quer encontrar o seu irmão.
— Meu irmão está bem, muito obrigado. Ele esteve em casa de licença
durante o verão. — Ela se afastou. — Talvez eu estivesse procurando por você,
Capitão. — ela disse a ele em voz baixa. Então o deixou. Tornava-se por demais
perturbador lidar com ele.
Não teve que lidar com ele muito mais tempo. Três dias mais tarde, quando
ela entrou ele se fora. Tremendo de pânico ela perguntou ao Dr. Hardy o que
tinha acontecido com ele.
— O ianque? Oh, ele se foi.
— Andersonville? — ela sussurrou em horror.
Hardy balançou a cabeça, observando-a de perto. — Ele escapou. Não que
nós tivéssemos muitos homens para vigiar os prisioneiros por aqui. Ele apenas
escapou durante a noite.
Três dias depois o Dr. Hardy a chamou, e quando ela se virou levou-a pelo
braço e conduziu-a para fora. Ela prendeu a respiração, com medo de que ele
fosse dizer que Travis tinha sido baleado durante sua tentativa de fuga.
Mas Hardy não a tinha chamado por causa de Travis. Ele limpou a garganta e
apertou a mão dela enquanto caminhavam ao longo do prado estéril. — Isabelle,
o tenente James Hinton está na nossa lista como prisioneiro de guerra. Ele foi
pego em Petersburgo.
— Não! — Ela gritou a palavra, em seguida caiu no chão, negando as
notícias de Hardy com tudo o que tinha. Ela queria gritar, continuar a gritar,
para fazer as palavras ir embora.
Hardy ajoelhou-se ao lado dela. — Isabelle, escute…
Ela não deu ouvidos. Agarrou seu braço. — Ele estava ferido? Eles estão
levando-o para oeste? Você…
— Ele não estava ferido, ele foi apenas obrigado por todas as adversidades a
se render. E ele está sendo levado para Washington. Isabelle, ele está vivo! E
bem. Provavelmente vai mesmo poder escrever para você. Isabelle, muitos
homens morreram em Petersburg! Seja grata por ele estar vivo. Pode ser melhor
naquela prisão Yankee. Pode ter a ceia de Natal.
Ela tentou sorrir, tentou acreditar em Hardy.
Duas semanas mais tarde, e dezembro já estava sobre eles e o lugar estava
praticamente vazio. Os feridos foram enviados para suas casas para se
recuperarem, ou de volta para o campo de batalha, ou tinham morrido.
Hardy chamou Isabelle em seu escritório improvisado e entregou-lhe um
documento selado. Ela olhou para ele. — Você está indo para casa, Isabelle.
Soldados confederados irão acompanhá-la para a linha da União. Essa carta
deve dar-lhe um salvo-conduto. Você precisa ir para casa. A guerra está parada
para o inverno. Eu estou seguindo em frente para Petersburgo.
Ele se levantou e a beijou em ambas as faces. — Feliz Natal, Isabelle.
Ela o beijou de volta. — Feliz Natal.
Ele sorriu e retirou algo de seu bolso, em seguida, entregou a ela. — Eu
receio que você não pense que é um Natal muito feliz. Acabei de receber essa
carta há duas horas. É para você, do seu irmão James. Ele ouviu que os ianques
entravam e saiam da casa, então ele escreveu através de mim.
Ela olhou para ele, em seguida, rasgou a carta, as lágrimas ardendo nos olhos.
Ele estava vivo; ele estava comendo; ele teve sorte, considerando o que poderia
ter acontecido.
Ele terminava sua carta com um comando: — Feliz Natal, irmã. Tenha fé no
Pai, e quem sabe, talvez no próximo Natal nos reúna de novo! .
Ela beijou o Dr. Hardy novamente, então correu para fora, pressionando a
carta em seu coração.
*
Como o Dr. Hardy tinha prometido, ela foi escoltada para a linha ianque por
dois soldados da cavalaria; em seguida seus papéis foram entregues e lhe foi
dada uma escolta através das linhas até sua porta. Ela tinha estado preocupada
todo o caminho com Travis. Ele devia estar fraco depois de sua provação; não
estava forte o suficiente para voltar à batalha. Esperava fervorosamente que ele
estivesse lá quando ela chegasse em casa.
Ele estava.
Travis estava esperando por ela na varanda. O sargento ianque com seus
papéis o saudou acentuadamente e respeitosamente, e disse que tinha trazido a
Senhorita Hinton para casa no comando da União, e que ele precisava de
permissão para voltar à sua própria unidade. Travis rapidamente concedeu-lhe
permissão, saudando em troca. Ele era alto e em linha direito, enquanto
observava Isabelle desmontar, então ordenou a um dos seus homens para pegar
seu cavalo. Quando ela subiu os degraus viu que seus olhos se iluminaram com
um prazer que desmentia suas feições solenes.
Ela passou por ele e entrou na sala, largando a gasta capa de viagem e o
chapéu jogando-os em uma cadeira. Segundos depois, Travis estava atrás dela,
puxando-a contra ele, pressionando seus lábios na garganta, sussurrando coisas
que eram totalmente incoerentes.
Ela virou-se, pronta para protestar, pronta para reprová-lo, mas as palavras
não viriam. Ela não dava a mínima, que estava na casa, quem viu o quê, ou o
que eles podiam pensar. Não naquele momento. Ela colocou os braços ao redor
de seu pescoço e ele a tomou em seus braços, em seguida, levou-a para a
enorme suíte principal que ele tinha reivindicado como sua. Um fogo queimava
na lareira, quente e ardente. A escuridão estava caindo, mas o fogo enchia a sala
com um brilho fascinante. Travis a deitou na cama, seus dedos tremendo
enquanto tirava sua roupa. Então, ele se despiu e montou-a, e começou a amá-
la.
O fogo lançou seu brilho sobre eles enquanto a noite passava. Naquela luz
curiosa, ele era elegante e acobreado e ela não podia manter os lábios afastados
de sua pele ou impedir os dedos de dançar sobre seus músculos ondulantes.
Mais cicatrizes foram gravadas agora em toda a sua carne e ela as tocou
suavemente, beijou-as com ternura. Amava-o tanto e agora ele era dela. Certo ou
errado, ela amava o inimigo.
Quando amanheceu, Isabelle não fez nenhuma pretensão de negação. Ela
beijou-o ansiosamente à luz do dia, encontrou seus olhos abertos, honestos e
sorriu para seu grito rouco quando foi arrastada para o ritmo ardente de seu
amor.
Ela jantou com ele naquela noite. Ele contou sobre as batalhas, sobre
Wilderness, sobre Cold Harbor, Chancellorsville. Havia tanta tristeza nele. Ela
manteve um rígido controle sobre suas próprias emoções quando lhe disse que
James tinha sido feito prisioneiro em Petersburgo, mas que tinha ouvido que ele
estava em Washington, e não em Camp Douglas, em Chicago, que os rebeldes
tanto temiam.
Duas noites mais tarde, os homens começaram a tocar canções de Natal.
Eles vieram e usaram o piano, e tocaram suas gaitas tristes. Sentia por eles, por
seu desejo de ir para casa.
Ela não fugiu quando eles cantaram e quando o sargento Sikes cutucou, ela
ainda subiu para cantar sozinha. Para a melodia de “Greensleeves”, ela cantou
sobre o nascimento do menino Jesus, e quando terminou, a sala ficou em
silêncio e imóvel, e os olhos de todos os homens no local estavam sobre ela. Por
fim Sikes limpou a garganta e o soldado Trent riu e disse que tinha feito uma
coroa de flores, saiu e trouxe-o. Ela disselhes que eles poderiam encontrar as
decorações domésticas no sótão, e eles correram para trazê-las. Logo o lugar
parecia, cheirava e brilhava a Natal.
Travis, que tinha observado ao lado do fogo, virou-se e saiu da sala. Ela
ouviu seus passos na escada.
Levantou-se determinada a segui-lo.
Ele estava no quarto que partilhavam, olhando para a maleta meio cheia que
tinha colocado em um canto. Ela olhou para ele em silêncio enquanto seus
olhos a desafiaram.
— Você está indo embora de novo?
— Sim.
Ele atravessou a sala para ela, prendendo-a contra a porta, as palmas das
mãos planas contra a madeira de cada lado da cabeça. Ele procurou os olhos por
um instante, depois se afastou para ficar na frente do fogo, com as mãos
cruzadas atrás das costas.
— Há algo para você sobre a mesa — ele disse a ela.
— O que é isso?
— Vá ver por si mesma.
Ela hesitou, depois atravessou a sala para a mesa redonda de carvalho perto
da janela. Havia um documento de aparência oficial envolto em papel vegetal e
fita vermelha.
— Travis...?
— Abra-o — ele comandou.
Ela fez isso, seus dedos tremendo. Havia um monte de linguagem oficial que
ela lia mais rapidamente e em confusão, e então viu o nome de seu irmão.
Tenente James L. Hinton. Ela continuou lendo, tentando fazer o sentido dos
termos legais e da escrita extravagante. Então percebeu que James iria ser
trocado por outro prisioneiro, que estava indo para ser enviado para casa.
Ela gritou e olhou para Travis. Não sabia como ele tinha arranjado, só que
ele tinha. Ela começou a correr em direção a ele, então parou, seu coração
martelando.
— Oh, Travis! Você fez isso!
Ele assentiu solenemente. — Feliz Natal. Você nunca me deixa dar-lhe um
presente. Este ano eu pensei que você poderia.
— Oh, Travis! — ela repetiu; então correu para seus braços. Ele a beijou
longa e profundamente, e tão quente e brilhante como o fogo. Sem fôlego, ela
apertou os lábios contra sua garganta. — Travis, é o presente mais maravilhoso
do mundo, mas não tenho nada para você. Eu lhe daria qualquer coisa…
— Então case-se comigo.
Ela ficou em silêncio. Viu a febre em seus olhos escuros, a intensidade
quebrando.
— Eu… eu não posso — disse ela.
Decepção encheu os olhos de ébano. Sua mandíbula endureceu, e ela podia
ouvir o ranger de seus dentes. — E amanhã à tarde você vai descer para o
escritório como se fôssemos perfeitos estranhos e vai pedir a minha bênção para
sair.
— Travis...
— Maldita seja! Maldita seja mil vezes, Isabelle! — Ele se afastou dela.
— Travis! — ela chamou novamente e ele se virou para ela.
Olhou para ela durante vários segundos agonizantes e em seguida, seus
passos largos o levaram a ela, e ele puxou-a com força em seus braços. Seu beijo
foi dado com força e fúria, e suas mãos foram menos do que ternas quando ele a
tocou. Ela não se importou. Conhecia sua fúria.
— Isabelle! — O nome dela rasgou dele amargamente enquanto seus dedos
se enfiavam em seu cabelo. No final, o amor foi doce, dolorosamente doce, e
acompanhado por murmúrios de quanto ele a amava.
Deitada de costas para ele, ela repetiu as palavras em silêncio. Eu te amo.
Mas a guerra ainda estava entre eles, ele ainda era o inimigo. Ela não podia ficar,
e não poderia dizer-lhe como se sentia.
Nem mesmo para o Natal.
*
Travis permanecia ao seu lado e observava a luz da lua, enquanto caia na
perfeição elegante de seu corpo. Suas costas eram longas e belas, e o brilho
marfim da lua as acariciava primorosamente. Seu cabelo estava livre e
emaranhado ao redor dele e ele pensou, com uma explosão impressionante de
dor, sobre o quanto a amava, o quanto precisava dela. E, talvez, Deus fosse
bom, porque ele estava vivo e capaz de segurá-la, e ela estava aqui com ele. E,
caramba, ele sabia que ela o amava!
Mas sabia, também, que amanhã viria, e que iria de fato entrar no estúdio e
exigir uma passagem segura.
De repente sorriu ironicamente. Ele podia se lembrar de ser jovem, podia
lembrar seus pais pedindo-lhe para escolher o que mais queria para o Natal. Ele
iria pensar cuidadosamente sobre isso, e eles sempre lhe deram o que escolheu.
Se apenas alguém lhe perguntasse agora. Ele não precisaria pensar. Só havia
uma coisa que iria pedir.
Isabelle.
Murmurou o nome dela, então se levantou, vestiu e saiu para o corredor. O
cheiro de castanhas assando estava no ar, juntamente com o aroma dos ramos
de pinheiro que os homens tinham trazido.
Amanhã seria véspera de Natal. Ela desceria por seu passe, e ele daria a ela.
*
Ele tinha razão. Ao meio-dia o sargento Hawkins veio para dizer-lhe que
Isabelle havia solicitado uma audiência com ele.
E agora ele estava sozinho.
Capítulo 4
Véspera de Natal de 1864