Você está na página 1de 24

Revista de Administração FACES Journal

ISSN: 1517-8900
faces@fumec.br
Universidade FUMEC
Brasil

Di Francesco Kich, Juliane Ines; Pereira Simon, Vanêssa; Fernandes Pereira, Mauricio; Marino Costa,
Alexandre
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
Revista de Administração FACES Journal, vol. 11, núm. 2, abril-junio, 2012, pp. 85-106
Universidade FUMEC
Minas Gerais, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=194023695006

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
ORGANIZAÇÕES
ORGANIZAÇÕES

RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO


DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
POWER RELATIONS IN STRATEGIC PLANNING PROCESS

Juliane Ines Di Francesco Kich Vanêssa Pereira Simon


Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina

Mauricio Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa


Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina

Data de submissão: 24 mar. 2011 . Data de aprovação:


02 fev. 2012 . Sistema de avaliação: Double blind review.
Universidade FUMEC / FACE . Prof. Dr. Henrique Cordeiro
Martins . Prof. Dr. Cid Gonçalves Filho.

RESUMO

O presente artigo teve como objetivo promover uma discussão de cunho


teórico e empírico acerca das relações de poder que envolvem o processo
de Planejamento Estratégico organizacional, tomando como objeto de
estudo o Laboratório Médico Santa Luzia. Para tanto, realizou-se uma
pesquisa de abordagem qualitativa descritiva e estudo de caso. Foi feito
um levantamento teórico sobre os dois principais temas do artigo – Poder
e Planejamento Estratégico – para, então, averiguar na prática como se
apresenta a presença das relações de poder nesse processo. Constatou-se
que as relações de poder, que se apresentam no processo de Planejamento
Estratégico, podem dificultar sua realização (definição de estratégias pelo
estilo top-down, resistência por parte dos representantes do poder informal
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

da organização e mudança de gestão), assim como facilitar o processo (apoio


da coalizão dominante formal). Dessa forma, as reflexões reunidas neste
trabalho pretendem contribuir para a compreensão da dimensão do poder
no processo de Planejamento Estratégico.

PALAVRAS-CHAVE

Poder. Planejamento. Estratégia. Relação. Prática.

ABSTRACT

This article aims to promote a theoretical and empirical discussion about the
power relations involving on the organizational Strategic Planning process,
taking as an object of study, the Santa Luzia Medical Laboratory. It was
conducted a qualitative descriptive approach and a case study. A theoretical
survey on the two main themes of the Article - Power and Strategic Planning
have being done to find out in practice how the presence of power relations
in this process takes place. It was found that power relations are given in
the Strategic Planning process may hinder their implementation (definition
of strategies for style top-down, resistance by the representatives of the
informal organization and change management), as well as facilitate the
process (formal support of the ruling coalition). Thus, reflections collected
in this study intended to contribute to the understanding of the dimension
of power in the process of Strategic Planning.

KEYWORDS

Power. Planning. Strategy. Relations. Practice.

INTRODUÇÃO E, justamente pelas organizações se


apresentarem em um mundo adverso do
As necessidades de transformação
que até então se afigurava, é que Bossidy
e as instabilidades que, nos dias de
e Charan (2005) afirmam que elas
hoje, envolvem o mundo dos negócios,
precisam desenvolver maior sensibilidade
provocam efeitos cada vez mais intensos
em relação ao meio ambiente e aprimorar
em todos os ramos empresariais, fazendo
com que as organizações atuem em um a agilidade da tomada de decisões, pois,
mundo no qual elas não exercem mais quanto mais demorada a tomada de
controle (DE GEUS, 2000). decisão, menor será o número de opções

86 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

disponíveis em função da grande dinâmica a presença das relações de poder no


mundial atual. processo de Planejamento Estratégico,
O processo de Planejamento por meio de um estudo de caso do
Estratégico se constitui em uma ferramenta Laboratório Médico Santa Luzia.
organizacional que serve de apoio à tomada
REVISÃO DE LITERATURA
decisão e interpretação do ambiente em
que a organização está inserida. Kaplan Poder: conceitos e enfoques
e Beinhocker (2003) e Robbins (1978)
O objetivo desta seção não consiste em
consideram o Planejamento Estratégico
exaurir o tema em face da complexidade
uma das tarefas mais importantes dos
do assunto e da grande variedade de
executivos, por preparar os tomadores
estudos a respeito, e das diferentes
de decisão das organizações para agirem
formas de expressão do mesmo. Pretende-
adequadamente, diante dos inevitáveis
se, apenas, levantar alguns conceitos
momentos de desafio que o mercado lhes
pertinentes, como aporte teórico para a
impõe.
pesquisa e, posteriormente, verificar como
A realização de um Planejamento ocorre a presença deles na organização
Estratégico é um processo que envolve estudada.
toda a organização. Dessa forma, passa
O estudo de poder e das relações de
a fazer parte do dia a dia da empresa,
poder, de acordo com Faria (2003), é, sem
influenciando e sendo influenciado
dúvida, um dos mais polêmicos e antigos
por uma série de fatores como sua
das ciências humanas, uma vez que pode
cultura, liderança, estrutura e formas de
ser encontrado já nos primeiros escritos
comunicação (KICH; PEREIRA, 2011),
de Platão e Aristóteles.
assim como também se insere na arena
política das organizações, sendo envolvido Os antigos filósofos gregos defendiam
pelas relações de poder que permeiam o poder como ser, desta forma afirmando
a mesma. Com isso, o objetivo central que não existe ser sem poder. E como
deste estudo é promover uma discussão poder é a capacidade de mudar, Heráclito
de cunho teórico e empírico acerca afirma que o ser se encontra em contínuo
das relações de Poder que envolvem o fluxo. Nietzsche, por sua vez, enfatiza o
processo de Planejamento Estratégico elemento do poder em todas as coisas
organizacional. vivas, como uma expressão do processo
vital (MAY, 1986; HILLMAN, 2001).
Para tanto, será realizada uma pesquisa
bibliográfica exploratória. Primeiramente, A origem da palavra poder é
será realizado um levantamento teórico apresentada por Hillman (2001, p.103):
sobre poder, seus principais conceitos, os Poder vem do latim potere (ser
diferentes enfoques que abordam o tema capaz), ela se define inocentemente
nas ciências sociais e algumas implicações como disposição para agir, fazer,
nas organizações. Em sequência, ser. A capacidade de desempenhar
serão apresentados os conceitos de um trabalho como energia elétrica
Planejamento Estratégico e todas as e poder muscular. Na verdade,
fases que envolvem esse processo para, poder e energia são abstrações
então, realizar uma análise que aborde induzidas pelo desempenho do

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 87
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

trabalho. Quando alguma coisa se - competitivo: poder contra outrem.


move ou sofre uma mudança, nós Em sua forma negativa, consiste em uma
postulamos e depois mensuramos pessoa subir, não por causa de qualquer
a razão invisível dessa alteração coisa que faz ou de qualquer mérito que
como sendo energia ou poder. De tenha, mas porque o seu antagonista
maneira mais ampla, o poder seria desce. Mas, positivamente, funciona
definido como pura potência ou como nos esportes, neutralizando o poder
potencialidade – não o fazer, mas competitivo que poderia levar as nações
a capacidade de fazer. a se engalfinharem em guerra.
Quando recuamos a etimologia - nutriente: é o poder para o outro.
europeia, a raiz da palavra é o grego Por exemplo: o que os pais normais
potis, que significa marido, senhor, dispensam a seus filhos.
mestre, daí vem dês-potes, “senhor - integrativo: poder com a outra
da casa”, composto de domos, casa, pessoa, ou seja, o meu poder apoia o
e posis, mestre. Dominus (o nosso poder do vizinho.
“dominar”, “dominante”) é o senhor, o
Hillman (2001) destaca que as noções
mestre, o possuidor. Os escravos romanos
mais comuns de poder são: liderança,
chamavam seu dono de dominus, assim
influência, resistência, autoridade,
como os escravos gregos chamavam seus
prestígio, tirania, controle e ambição. O
donos de despotes (de onde vem o nosso
autor advoga que estas muitas facetas
“déspota”).
talvez sejam os componentes do poder,
Desse modo, a história do termo os traços que, em conjunto, compõem
implica tudo o que é feito e como quer que sua força, sua capacidade de agir, fazer,
o seja, em um dualismo ativo/passivo, ir e pegar, ter e manter, escravizar e
senhor/escravo, e, eventualmente, destruir. Para o autor, talvez esses matizes
sádico/masoquista (HILLMAN, 2001). expliquem porque a ideia de poder
May (1986) define o poder como a tem tanto impacto e oferece tamanha
capacidade de causar ou impedir mudança. liberdade de sentido, ao mesmo tempo
Para o autor, há duas dimensões: uma é em que inflige tamanha maldição.
o poder como potencialidade, ou poder Nessa ideia de poder, segundo Hilmann
latente (um poder que ainda não foi (2001), constroem-se a hierarquia e a
totalmente desenvolvido): é a capacidade subordinação, e mesmo o despotismo. Na
para causar alguma mudança em algum tradição ocidental, acredita-se que atuar,
momento futuro; e a outra dimensão é fazer e agir envolve chefia, domínio, dar
o poder como realidade. O autor define ordens, controlar as coisas, as pessoas e
cinco tipos de poder: os ambientes. O próprio Deus da Igreja
- explorador: consiste em sujeitar as Romana é chamado Dominus, e humildes
pessoas a qualquer uso que elas possam humanos, feitos a sua imagem, tornam-se
ter para quem detém o poder. dominadores pelo simples fato de fazer
- manipulatório: é o poder sobre outra alguma coisa.
pessoa; pode ter sido originalmente Hillman (2001) aprofunda a questão,
provocado pela própria ansiedade ou afirmando que qualquer tipo de
desespero da pessoa. subordinação desperta o complexo de

88 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

poder, pois é afirmar o eu sobre o outro, natural, apropriado ou correto, leva o


rebaixando-o. Os meios para colocar-se indivíduo a se submeter.
acima seguem muitos caminhos, uma vez Por detrás desses instrumentos,
que, para impor a subordinação, pode- continua Galbraith (1986), estão as
se usar da coerção, força de vontade, fontes de poder. A personalidade está
persuasão por meio de estados de associada à liderança, ou seja, uma
espírito, argumentação lógica, conversão característica pessoal que dá acesso a
pela fé, convencimento pela razão, um ou mais instrumentos do poder e,
terror, manipulação, enredamento ou atualmente, está intimamente associada
logro. May (1986, p. 85) corrobora esse ao poder condicionado pela persuasão
pensamento acrescentando que seria ou geração de crenças. A propriedade
“utópico divorciar completamente o poder confere um aspecto de autoridade,
da força, compulsão e coerção; é cínico firmeza de propósito e está associada
identificar com elas todas as formas de ao poder compensatório, em que a
poder”. propriedade proporciona os meios de
Neste mesmo sentido, Hardy e Clegg comprar a submissão. Por último, a
(2001) também apresentam que o organização, indispensável quando se
poder tem sido visto tipicamente como a busca o poder ou se necessita dele, e que
habilidade de fazer os outros fazerem o está intrinsecamente associada ao poder
que você quer que seja feito. Entretanto, condicionado. A organização também
os autores afirmam que essa visão tem acesso ao poder condigno, por meio
destaca apenas os aspectos negativos das diversas formas de punição, além
do poder, e, por isso, tem sido criticada, de ter maior ou menor acesso ao poder
apesar de servir de ponto de partida para compensatório, conforme a propriedade
um diverso campo de literatura. que possua.
Outra visão de poder é a descrita Existe, portanto, uma multiplicidade
por Galbraith (1986), que afirma que de vozes diferentes que falam sobre o
há três instrumentos para manejá- poder. Os seus conceitos estão inscritos
l o o u e xe r c ê - l o ( p o d e r c o n d i g n o, nas diversas áreas do conhecimento, sob
compensatório e condicionado) e três distintos enfoques, independentemente
atributos (personalidade, propriedade e da área a que pertençam.
organização) que outorgam o direito de Com foco na questão do poder, dentro
usá-lo. das empresas, Hardy e Clegg (2001)
O poder condigno obtém a submissão afirmam que o poder, nas organizações,
infligindo ou ameaçando; o compensatório necessariamente refere-se à estrutura
conquista a submissão por meio de uma hierárquica dos cargos e a suas relações
recompensa positiva. Em ambos os casos, recíprocas, visto que ele está incrustado
o indivíduo se submete conscientemente, na hierarquia, sendo então normal e
seja compelido, seja por recompensa. inevitável, derivando do design formal da
O poder condicionado, por sua vez, é organização.
exercido mediante a mudança de uma Dessa forma, o poder está estruturado
convicção, em que a educação ou o dentro de um design organizacional,
compromisso social com o que parece onde as tarefas são fragmentadas, as

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 89
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

habilidades são diversas e o conhecimento com a resistência inerente, empregando


é diferentemente codificado, mantido os meios de poder possíveis, como
e avaliado. Assim sendo, o poder está influência, tirania, persuasão, medo e
implícito no conceito de autoridade e é controle.
constituído de regras, as quais envolvem Ainda dentro dessa perspectiva do
discrição e proveem oportunidades de poder dentro das organizações, Mintzberg,
resistência. Por isso, a interpretação de Ahlstrand e Lampel (2000) afirmam
poder deve ser disciplinada se não se que o poder e a política são utilizados
deseja a criação de novos poderes ou para negociar estratégias favoráveis a
a transformação de poderes existentes determinados interesses, que não são
(HARDY; CLEGG, 2001). necessariamente apenas econômicos. E
Nas organizações formais, reside a distinguem dois tipos de poder dentro
“autoridade”, um poder de influência das organizações: o poder micro, que
baseado na posição; já nas organizações lida com o jogo da política dentro das
informais existe o poder entendido organizações, e o poder macro, que se
como a capacidade real de influência, refere ao uso do poder pela organização.
fundamentado em uma série de fatores, O primeiro focaliza os agentes internos,
incluindo, certamente, a posição dentro em conflito com seus colegas, e o
da organização (HARDY; CLEGG, 2001). segundo vê a organização agindo em seu
Assim sendo, para Hardy e Clegg próprio interesse, em conflito ou até em
(2001), as organizações são locais nos cooperação com outras organizações.
quais a negociação, contestação e a disputa Por fim, a permeabilidade desse tema
entre agentes, organizacionalmente torna praticamente impossível captá-
ligados e divididos, são ocorrências lo inteiramente: há poder em todos os
rotineiras. lugares, portanto, pode ser explorado
Isso remete aos conceitos de Hillman sob diversos ângulos. Além disso, pelos
(2001), de controle e resistência. Para conceitos abordados, percebe-se que
o autor, o controle limita o poder ou, o conflito, a resistência e a incerteza
ainda, previne interferências e afirma caminham juntamente com o poder, como
que “a pessoa capaz de prevenir, dirigir se estivessem atrelados uns aos outros.
ou inibir essas eventualidades é, segundo Deste modo, abordados alguns conceitos
ensina Maquiavel, uma pessoa poderosa” e os principais enfoques teóricos, assim
(HILLMAN, 2001, p. 115).Esse conceito como algumas características da sua
domina, atualmente, as organizações. presença nas organizações, passa-se ao
Com relação à resistência, o segundo tema de estudo deste trabalho:
autor afirma que, sem resistência, a o Planejamento Estratégico.
subordinação não faz sentido, pois o
conceito de poder mais simples supõe que, Processo de Planejamento Estratégico
para um trabalho ser feito, é necessário Devido ao ambiente altamente dinâmico
algo que resista. Entretanto, enquanto que as organizações vêm enfrentando,
contrária ao emprego do poder, torna-o de acordo com Ackoff (1982), as mais
possível e, para gerenciar algo, seja uma aptas a sobreviverem nesse meio são as
tarefa ou uma pessoa, é necessário lidar empresas que possuem planejamento.

90 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

Para o autor, “planejamento é a definição define seus objetivos; examina a estratégia


de um futuro desejado e de meios eficazes e as táticas mais apropriadas para o
de alcançá-lo”, o que significa pensamento alcance desses objetivos, aumentando
futuro e controle desse futuro (ACKOFF, com isso a probabilidade de sua própria
1982, p. 1). sobrevivência (GREENLEY, 1986, apud
De acordo com Bethlem (1998), PEREIRA, 2010).
realizam o planejamento as organizações Além disso, Kaplan e Beinhocker (2003)
que não aceitam imobilismo e trabalham afirmam que, ao realizar o Planejamento
com aproximações da realidade, com Estratégico, os tomadores de decisão das
planos que expressam sua expectativa organizações ficam preparados para agir
do que venha a acontecer. Para tanto, adequadamente diante dos inevitáveis
segundo Robbins (1978), elas selecionam momentos de desafio que o mercado lhes
um rumo preferencial de ação, a partir impõe. Os responsáveis pelas decisões da
de duas ou mais alternativas, o que empresa passam a ter uma visão sólida do
transforma o planejamento em um empreendimento, compartilham a mesma
processo de tomada de decisões, por base de conhecimentos e concordam
meio de uma tentativa racional, do sobre questões essenciais, preparando-se
administrador, de alcançar seus objetivos. para eventuais incertezas.
O Planejamento Estratégico é definido, Entretanto, o Planejamento
por Robbins (1978, p. 35), como “a Estratégico, além de suas vantagens,
determinação antecipada dos objetivos a também apresenta algumas limitações,
serem atingidos e dos meios pelos quais entre elas, a resistência interna e a
esses objetivos devem ser atingidos”; “é falta de capacitação gerencial, pois nem
a decisão de que fazer, como fazê-lo e sempre há profissionais habilitados a
quem deverá fazê-lo”. Uma organização implantar o plano. É um grande desafio
que realiza o Planejamento Estratégico até as organizações aprenderem a lidar
conta com uma série de vantagens. com ele: é dispendioso, há limitações
Entre elas: possibilita o comportamento na maneira de conduzi-lo e o ambiente
sinérgico das áreas funcionais; ajuda pode não corresponder às expectativas
a ser proativa; minimiza os recursos e (GREENLEY, 1986, apud PEREIRA, 2010).
o tempo que são dedicados a corrigir N o q u e t a n g e à e l a b o ra ç ã o d o
erros e decisões; ordena as prioridades; planejamento, ela normalmente é
contribui para a motivação dos membros; realizada por uma equipe da empresa que
agiliza o processo decisório; desenvolve conta, ou não, com um consultor externo.
um processo descentralizado de Existem três formas de montar essa
planejamento; permite a obtenção de equipe: top-down (a cúpula que define
melhores resultados operacionais; aponta o que fazer e como será o processo),
os problemas que podem surgir antes bottom-up (todos participam do processo)
que eles ocorram; chama a atenção da e misto (participam do processo pessoas
organização para as mudanças e permite das mais diferentes áreas e níveis da
ações em resposta a elas; permite que organização). Existe, ainda, uma série
os gestores tenham uma clara visão do de metodologias disponíveis para a
negócio; encoraja o pensamento positivo; elaboração do Planejamento Estratégico,

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 91
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

entre as quais se destacam a de Ackoff fator que acelera o crescimento das


(1982) e a de Pereira (2010). Comparando organizações. Pois uma empresa, com
as metodologias de construção desses dois uma proposta de valor única, terá
autores, percebe-se que todas elas seguem mais oportunidades que aquela que
aproximadamente a mesma lógica de vagar sem rumo, querendo oferecer de
construção, partindo do estabelecimento tudo um pouco, lançando produtos que
dos objetivos da organização, análise do também poderão ser oferecidos por seus
ambiente e, então, a formulação de como concorrentes. Muitas vezes, os gerentes
alcançar seus objetivos. se sentem confusos sobre a necessidade
Para Mintzberg (1998), as estratégias de estabelecer estratégias e, assim,
representam o que deve ser feito para exercer opções, devido ao medo de tomar
que a empresa sobreviva. Mintzberg, uma decisão errada e, dessa forma, ficar
Lampel e Ahlstrand (2000) definiram dez para trás no mundo hipercompetitivo.
grandes linhas ou escolas de pensamento Contudo, os diferentes conceitos
estratégico: escola da concepção, do e diferentes linhas de pensamento,
planejamento, do posicionamento, da dos autores da área de estratégia,
prescrição, do espírito empreendedor, não parecem ser excludentes, mas se
cognitiva, do poder, da cultura empresarial, complementarem, uma vez que cada
do ambiente e da configuração. um acrescenta elementos importantes
Devido ao objetivo deste estudo, à compreensão da estratégia e encoraja
vale destacar a escola do poder, a qual a encarar questões fundamentais sobre
caracteriza a formação da estratégia as organizações, em geral. Segundo
como um processo aberto de influência, Mintzberg, Lampel e Ahlstrand (2002),
enfatizando o uso de poder e política o s m a i o r e s f ra c a s s o s d a á r e a d e
para negociar estratégias favoráveis a administração foram produzidos por
determinados interesses. Dessa forma, a executivos obcecados por uma única
estratégia pode ser moldada tanto como abordagem.
um processo dentro da organização, Por fim, com o plano estratégico
quanto como o comportamento da elaborado, parte-se para sua implantação,
organização em seu próprio ambiente uma vez que o Planejamento Estratégico
externo, de acordo com os conceitos não deve ser considerado apenas como
de poder micro e macro, referenciados uma afirmação das aspirações da empresa,
anteriormente (MINTZBERG; LAMPEL; pois inclui também o que deve ser feito
AHLSTRAND, 2000). para transformar essas aspirações em
Whittington (2002) corrobora a realidade, ou seja, faz parte dele o seu
perspectiva de Mintzberg, Lampel e processo de implantação.
Ahlstrand (2000), de que a palavra Hrebiniack (2006) considera o processo
estratégia possui diferentes conceitos, de implantação fundamental para o
e a aborda de quatro formas genéricas sucesso do Planejamento Estratégico.
- clássica, evolucionista, processual e Whittington (2002) acredita que as
sistêmica. estratégias, por mais que sejam bem
Para Porter (1999), a estratégia escolhidas, fracassarão se não houver
consiste em uma forma de fixar limites, uma boa implantação. Bossidy e Charan

92 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

(2002, p. 29) concluem que, no seu estratégia afeta sua execução é um dos
sentido fundamental, executar é: principais obstáculos da implantação do
[...] uma forma sistemática de plano, pois, ao passo que a estratégia
expor a realidade e sobre ela. define a arena na qual o jogo da execução
É um processo sistemático de será realizado, uma estratégia fraca
discussão exaustiva dos comos resultará em uma execução fraca. Neste
e quês, questionando, levando contexto, Bossidy e Charan (2002, p.
adiante o que foi decidido e 178) argumentam que “um bom processo
assegurando que as pessoas terão estratégico é umas das melhores formas
sua responsabilidade específica de ensinar as pessoas sobre execução”.
pela execução. Isso inclui elaborar Uma das formas de fazer a implantação
hipóteses sobre o ambiente de do plano funcionar é a criação, dentro da
negócios, avaliar as habilidades empresa, de um departamento ou fazer
da empresa, ligar estratégia à nomeações de pessoas responsáveis pela
operação e às pessoas que vão implantação. Esses responsáveis pela
implementá-la, sincronizando essas execução são encarregados de formalizar
pessoas e suas várias disciplinas e o processo de Planejamento Estratégico
atrelando incentivos a resultados. da empresa, de promover novas relações
Também inclui mecanismos para de trabalho e sinergias organizacionais,
mudar as hipóteses à medida que afora cobrar maior transparência e
a conjuntura muda e melhorar prestação de contas de quem põe em
as habilidades da empresa para prática a estratégia da empresa e avaliar
enfrentar os desafios de uma se as iniciativas estratégicas, em todos
estratégia ambiciosa. os níveis da organização, estão em
No entanto, Bossidy e Charan (2002) sintonia com normas e metas do grupo.
destacam que pensar na execução, apenas Ainda, são responsáveis pelas ideias
como o lado tático do Planejamento que circulam pela organização, incluindo
Estratégico, como alguma coisa que os pensamentos emergentes na pauta
líderes delegam enquanto se concentram das avaliações trimestrais e anuais de
em questões percebidas como “mais estratégia, onde também comunicam
importantes”, está muito errado. Os e analisam a estratégia, administram
autores afirmam que executar não iniciativas e compartilham as melhores
é simplesmente uma tática, é uma práticas (BREENE; NUNES; SHILL, 2007;
disciplina, um sistema, e deve estar KAPLAN; NORTON, 2005).
embutido na estratégia da empresa, em Por fim, Kich e Pereira (2011)
seus objetivos e em sua cultura, contando destacam a questão da interdependência
com um líder profundamente envolvido entre formulação e implantação do
com ela. Planejamento Estratégico, relação esta
Por isso, é preciso que os que se apresenta desde a primeira fase da
administradores compreendam que a elaboração (declaração de valores) até a
elaboração e a implantação da estratégia última função da implantação (avaliação e
são interdependentes. Segundo Hrebiniak controle). Os autores ainda destacam que
(2006), entender como a criação da o Planejamento Estratégico não pode ser

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 93
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

visto como um processo de gestão, mas organização, totalizando seis diretores,


como um processo que, uma vez iniciado, cada qual responsável por uma área da
acontece na organização, independente empresa. Também foram entrevistados
de quem está no comando e de suas gerentes setoriais da organização. Dentre
ideologias. os 29 gerentes da empresa, oito deles
Percebe-se que o Planejamento foram selecionados para participar da
Estratégico se mostra um processo pesquisa, de acordo com a disponibilidade
cíclico, sem fim, que, por englobar toda de tempo de cada um deles. Fizeram parte
a organização, se relaciona com todas as da pesquisa, também, 14 coordenadoras
partes da empresa e com todos os níveis de postos próprios de coleta. Cada posto
hierárquicos. próprio de coleta Santa Luzia possui
uma pessoa responsável por ele: esse
METODOLOGIA DE PESQUISA profissional é o “Coordenador do posto
A presente pesquisa se caracteriza de coleta”.
como um estudo teórico-empírico, Desse modo, foi possível avaliar como
utilizando o método indutivo, abordagem funcionam as relações de poder dentro da
de pesquisa qualitativa descritiva e estudo organização, contando com a percepção
de caso. A coleta de dados foi realizada dos diferentes níveis hierárquicos da
por meio de pesquisa bibliográfica, análise mesma, assim como foi possível analisar
documental, entrevistas semiestruturadas como ocorreu o processo de planejamento
e observação não participante. estratégico sob a percepção deles e qual
O sujeito de pesquisa, escolhido o envolvimento, de maneira a atingir o
intencionalmente para a realização do objetivo desta pesquisa. A análise de
presente artigo, trata-se da Empresa conteúdo dos dados foi realizada de forma
Santa Luzia Laboratório Médico, devido qualitativa, devido à natureza dos dados
ao fato de essa empresa obter a principal que foram coletados e os pressupostos
condição necessária para realização da teóricos que nortearam a investigação.
pesquisa, ou seja, possuir um Plano
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Estratégico, além de ser uma empresa
de referência na área em que atua e, O Santa Luzia Laboratório Médico: as
também, devido à oportunidade de a relações de poder e o Planejamento
pesquisadora ter acesso às diversas Estratégico da organização
fontes de informação e eventos que Antes de focar nas relações de poder
contribuíram para a realização do estudo. e no funcionamento do processo de
O universo da organização em estudo planejamento estratégico, esse item
conta com 600 funcionários. Dessa forma, apresenta primeiramente, em linhas
foram intencionalmente escolhidos os gerais, o contexto em que essas questões
sujeitos da pesquisa, de acordo com os foco se desenvolvem. Nesse sentido,
objetivos da mesma. apresenta-se a estrutura da empresa, a
Foi entrevistado o Diretor-Presidente fim de compreender o contexto em que
da Empresa Santa Luzia Laboratório as relações de poder são exercidas na
Médico e os demais diretores que, junto organização. O Santa Luzia Laboratório
com ele, formam o comitê de gestão da Médico, hoje, possui uma estrutura

94 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

que conta com aproximadamente 600 acabou por também organizar todo o
funcionários, e 40 unidades, entre clínicas organograma, criando as diretorias da
e hospitais, geridos sob sua marca. empresa. A partir de 2000, o organograma
O Santa Luzia iniciou suas atividades foi sofrendo pequenas alterações, com
em 1974 e está entre as maiores e mais o passar dos anos. Percebe-se que,
consolidadas empresas de Santa Catarina, hoje, além da estrutura administrativa
com indicadores de excelência em sua e técnica, existem outras estruturas de
área de atuação. A empresa nasceu com atendimento e coleta sob a coordenação
o objetivo de superar as expectativas da mesma gerente de atendimento,
de seus clientes, quando o médico exceto o posto Santa Luzia, de Itajaí, que,
João Nilson Zunino, há cinco décadas, por ser mais distante, possui uma gerente
começou a trabalhar em um laboratório, própria. A empresa também possui postos
com apenas de 13 anos de idade e deu de coleta dentro de hospitais e clínicas,
os primeiros passos no sentido de criar cada um com um gerente responsável.
uma empresa com excelência reconhecida Cada posto de coleta ainda conta com
no mercado. uma coordenadora, ligada à gerente do
O organograma da empresa começou setor.
a criar forma no ano 2000, com o auxílio Dessa forma, o organograma
da consultora externa Trevisan, de São do Laboratório Médico Santa Luzia,
Paulo, que foi contratada para auxiliar atualmente, assim se apresenta:
no processo de certificações ISO, e que Percebe-se que o organograma do Santa

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 95
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

FIGURA 1 - Organograma Santa Luzia Laboratório Médico


Fonte: Santa Luzia Laboratório Médico.

96 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

Luzia é capaz de demonstrar a distribuição as decisões mais operacionais, cabem


de poder dentro da organização, de forma aos gerentes de cada setor. Quanto aos
que a cúpula estratégica (comitê de colaboradores, dependendo do gestor que
gestão) está conectada, por uma linha possuem, têm autonomia maior ou menor
intermediária (gerentes setoriais), a um e participam mais ou menos no processo
núcleo operacional (colaboradores), o que de tomada de decisão.
indica que estão conectados por uma linha Tratando-se de tomada de decisão,
de autoridade formal. reporta-se ao outro foco deste estudo,
No entanto, os entrevistados destacam a ferramenta planejamento estratégico.
a flexibilidade do organograma, pois No Santa Luzia Laboratório Médico,
frequentemente ocorrem adições ou o primeiro planejamento estratégico
exclusões, e o organograma acaba sendo começou a nascer em 1998, contando
redesenhado, conforme relatou o Diretor com o apoio do Diretor-Presidente.
C: “a empresa tem o organograma, que Com o passar dos anos, o processo foi
realmente é um documento de uma se aperfeiçoando, até ser denominado
lógica, tem aquela estrutura tradicional Gestão Estratégica, com o intuito de
[...] mas transitamos dentro da estrutura, englobar, já na nomenclatura do processo,
temos as diretorias, as gerências e os também sua implantação. No Santa Luzia,
vínculos entre as atividades e áreas.” a cúpula da organização participa mais
No que tange à relação e integração efetivamente desse processo, porém,
entre as diferentes partes da empresa, a base hierárquica também é ouvida,
percebe-se que o maior elo entre elas por meio da representação de seus
acorre por conta da grande variedade de diretores e dos dados colhidos durante
projetos organizacionais que envolvem visitas setoriais, realizadas pelo Diretor-
mais de um setor, os diferentes meios de Presidente, pela Gerente da Gestão
comunicação disponíveis, como intranet Estratégica e sua Diretora (Diretora de
e jornal interno, e realização de reuniões Atendimento e Desenvolvimento).
e treinamentos. No entanto, por meio A elaboração e a implantação do
das entrevistas, ficou claro que a maior planejamento estratégico se mostram
integração entre os setores ocorre no integradas na empresa em estudo.
nível de diretoria, cujos membros (cada Para Hrebiniack (2006), a consciência
um de uma área) formam o comitê de dos executivos, de que formulação
gestão. e i m p l a n t a ç ã o d a e s t ra t é g i a s ã o
Já no que diz respeito à distribuição interdependentes e se influenciam
do poder, quanto à tomada de decisões, mutuamente, contribui para o
este se mostra tanto centralizado desenvolvimento do planejamento
quanto descentralizado, na organização estratégico nas organizações, impedindo
em estudo. No que tange às decisões que o foco fique apenas na formulação.
estratégicas macro, que envolvem a Ainda, no Santa Luzia há também
empresa toda, estas são centralizadas no flexibilidade para uso de estratégias
Diretor-Presidente e no comitê de gestão. emergentes. Assim sendo, o processo
As decisões estratégicas, que dizem de Gestão Estratégica mostra evoluir
respeito a apenas um setor, assim como a cada ano que passa, e a principal

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 97
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

responsável por ele, a gerente do setor, oferece-lhe mais poder no mercado em que
busca, em todo momento, formas de tal organização está inserida, aumentando
aperfeiçoar esse processo, contando com também seu poder de influência. Como
a colaboração de todos. Desse modo, afirma Deutsch (1966), apud Faria
naturalmente, o processo apresenta (2003), o poder é a capacidade que
pontos a melhorar, como maior respeito possui um indivíduo ou uma organização
aos prazos de execução e a instalação de impor extrapolações ou projeções,
de um software de acompanhamento de sua estrutura interna, em seu meio
que desonere o trabalho dos gestores, ambiente. Desse modo, a relevância da
de preencher manualmente as atuais empresa em estudo, no mercado em que
planilhas de acompanhamento. atua, também se justifica.
Vale destacar que, na empresa em Iniciando a análise pelo processo de
estudo, o planejamento estratégico é elaboração do Planejamento Estratégico,
visto como um processo de aprendizado, na empresa em estudo, Santa Luzia
o que estimula o seu desenvolvimento Laboratório Médico, de acordo com
e permite que melhoras no processo a gerente da Gestão Estratégica, o
sejam implantadas. De acordo com planejamento estratégico da empresa é,
Kaplan e Beinhocker (2003), Ackoff ao mesmo tempo top-down e bottom-up:
(1982) e De Geus (1997), transformar “nosso planejamento é top-down porque
as diretrizes partem de cima, mas acaba
o processo do planejamento estratégico
sendo bottom-up com a realização das
em aprendizado é uma das principais
visitas setoriais, as pessoas dizendo o
vantagens competitivas, pois prepara os
que tem que ser feito e levando para o
envolvidos para agir, adequadamente,
Diretor- Presidente. Então, ele acontece
diante dos inevitáveis momentos de
nas duas linhas, embora se caracterize
desafio que o mercado impõe.
como top-down.”
As relações de poder no processo de Na visão do Diretor-Presidente
Planejamento Estratégico: um estudo de da empresa, o último planejamento
caso estratégico foi feito com a participação
de todos, uma vez que a base da
O Planejamento Estratégico é visto,
organização também foi ouvida, assim
por Robbins (1978), como a principal
como as gerências. Ele argumenta
função da administração. O autor advoga
que, na elaboração do planejamento,
que as organizações que o usam, de
foram levadas em consideração todas
maneira formal, se desempenham melhor
as ideias e opiniões dos colaboradores,
que aquelas que não o usam, uma vez que principalmente no que se refere à
a ferramenta fornece direção, melhora formulação da visão e missão da empresa.
a continuidade das ações e reduz a Afirmou ainda que, “provavelmente, os
superposição e desperdício de atividades. colaboradores e gestores nem estavam
Desse modo, já se pode perceber, tomando conhecimento que ali estávamos
aqui, que um processo de Planejamento tratando de visão e missão, mas no
Estratégico - da elaboração à implantação diálogo que fazíamos com eles, estavam
- ao mesmo tempo em que contribui para questionando para formar isso.”
o melhor desempenho da organização,

98 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

No entanto, como visto na subseção nível hierárquico, no organograma,


anterior, o processo de elaboração do possuem diferentes níveis de influência.
planejamento estratégico do Santa Hillman (2001, p. 141) afirma que, “por
Luzia segue, respeitosamente, os níveis um lado, a influência flui para a vida dos
hierárquicos da empresa, visto que inicia outros fecundando e inseminando uma
com as decisões da alta cúpula (comitê de organização, sem a direta subordinação
gestão), o qual toma as maiores decisões, de outros. Por outro lado, a influência
para, então, ser passado à gerência, que significa uma sub-reptícia infiltração nos
se responsabiliza pelas estratégias de seu outros por meio de propaganda, punição,
setor, para então chegar ao colaborador. prêmios e manipulações”. No Santa Luzia,
Da mesma forma, ocorre o inverso: os essa questão se mostra presente também,
colaboradores trazem suas contribuições uma vez que foi possível observar que, em
aos seus gestores, que as passam aos determinados setores, os colaboradores
diretores e, assim, passam a fazer parte possuem mais influência, sobre seus
das reuniões do comitê de gestão. pares, que o gerente do setor que, muitas
Com isso, percebe-se que, mesmo que vezes, é até mesmo mais envolvido com
a organização conte com uma equipe do o Planejamento Estratégico, no sentido de
modo bottom-up, ou misto, permitindo colaborar na formulação e medição das
maior participação dos membros de estratégias setoriais.
cargos inferiores da organização, o Dessa forma é que Hamel (2000)
aval final sempre passará pelas mãos expõe que tanto a responsabilidade
da coalizão dominante, formal, da pela elaboração quanto pela execução
empresa. Nesse sentido é que Hardy e do planejamento estratégico deve
Clegg (2001) defendem que o poder de ser amplamente distribuída; a alta
definir a realidade é usado pelas classes administração deve renunciar ao seu
dominantes para apoiar e justificar sua monopólio, pois só assim será possível
dominação material, evitando, portanto, haver inovação e resultados eficazes.
desafios à sua posição. Para o autor, a pirâmide organizacional
Nota-se, aqui, que a posição hierárquica é a hierarquia da experiência, onde
afeta as relações de poder dentro da executivos seniores são promovidos por
empresa em estudo, no que tange ao serem muito bons em algo, mas não são,
Planejamento Estratégico, uma vez que necessariamente, capazes de fazerem
quem possui os cargos mais altos é quem, coisas novas. Por isso, a importância
em última instância, define as estratégias, do compartilhamento do poder, como
ou seja, o rumo da organização. afirma Hamel (2000, p. 149):“não se
No entanto, Hrebiniak (2006) advoga usam velhos mapas, para descobrir novas
que existe muito poder além da hierarquia, terras”.
como os gerentes de nível médio, por Nesse ponto, a empresa em estudo
exemplo, que frequentemente têm demonstra se esforçar para que aconteça
influência muito maior que a posição deles essa divisão das responsabilidades do
na empresa poderia sugerir. De acordo planejamento estratégico, uma vez que,
com o autor, em geral, as pessoas que no atual processo de Gestão Estratégica,
se encontram exatamente no mesmo o comitê de gestão, que envolve o Diretor-

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 99
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Presidente e os diretores de todas áreas da fazer a liberação de uma linha de


empresa, é o responsável pela elaboração crédito que, em tempo X, pelos
e acompanhamento das metas macro cronogramas que já teriam se fixado,
da organização. Entretanto, as metas nós gostaríamos de ter aquela
setoriais passaram a ser responsabilidade unidade aberta. Recentemente,
dos gestores de cada setor e o restante terminamos uma no Kobrasol, e
dos colaboradores participa do processo outra em Jurerê, muito bonitas.
por meio do trabalho, que desenvolvem De 2001 para cá, acrescentamos
com seus gestores, e das visitas de nossa rede em aproximadamente
acompanhamento realizadas pelo 30 pontos de coleta.
Diretor-Presidente, a Gerente da Gestão Assim, no Santa Luzia Laboratório
Estratégica e sua diretora. Em sua Médico, os gerentes possuem poder para
entrevista, o Diretor C, exemplifica bem tomar as decisões estratégicas de seu
essa questão: setor, como sugerem os autores Beer e
As metas são distribuídas em nível Eisenstat (2000). Segundo os autores,
setorial, para cada um fazer sua para que a implantação funcione, é
parte. Eu sou diretor daqui, mas necessária a presença de gerentes médios
tem o diretor comercial e outros, nas empresas, capazes de usar sua
e obviamente que, se o diretor autoridade de delegar responsabilidades
comercial vê que o presidente, e também capazes de dar autoridade
junto com o comitê, colocou como a seus subordinados, por meio de uma
meta o aumento do número de comunicação aberta.
receitas e exames, possivelmente No nível de diretoria e gerência, todos
o diretor comercial vai colocar, lá os diretores e gerentes entrevistados
na área dele, uma missão para afirmaram delegar responsabilidades aos
a pessoa dele sair atrás de fazer seus colaboradores. A Gerente 4 afirmou
convênio. Então, o cara vai ter “se eu não distribuir não consigo fazer
metas e objetivos para fazer algum nada”. No entanto, cada líder distribui
alcance. Da parte do meu setor, eu as responsabilidades a sua maneira. A
sei que vou ter que estar fazendo Diretora A declarou: “eu trabalho com
alguma expansão em algum posto gerentes, estabelecemos metas e cada
de coleta e tal; eu já começo a um vai fazer sua gestão e cada um tem
fazer uma avaliação da geração da sua forma de executar.”
expansão de custos próprios, que eu De acordo com a Diretora E, a
poderia estar tendo como fomento discrepância que existe entre os diretores
para aqueles investimentos, ou já e gestores, “principalmente os gestores”,
começo a ver no mercado alguma no que tange ao modo de conduzir o
linha de crédito disponível, e processo de planejamento estratégico,
alavancando, portanto, já, contatos, atrapalha sua implantação, pois em cada
vendo uma perspectiva, elaborando setor da empresa a implantação acontece
documentos, produzindo tudo de acordo com o modo com que o gestor a
quanto um banco, seja de fomento, conduz: há os que se empenham mais, os
seja comercial, possa querer para mais centralizadores, os que dividem mais

100 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

as informações e outros que são mais mais fácil executar uma estratégia quando
incrédulos, que não levam o planejamento ela tem o apoio de pessoas poderosas do
com a mesma seriedade e, talvez, mesma que quando ela cultiva e provoca a ira
empolgação. dos atores influentes, pois o poder facilita
Conforme dados da pesquisa, alguns tanto a formulação quanto a execução
líderes delegam as responsabilidades, no da estratégia. Hrebeniak (2006, p. 42)
que tange ao alcance de suas metas do afirma que “os programas de execução
planejamento estratégico, de acordo com que entram em contradição com a
a atividade que o colaborador executa; estrutura de poder, ou com a influência
outros se baseiam nas habilidades de de uma organização, estão condenados
seus colaboradores, independente da ao fracasso”.
sua função no setor; outros optam pelo Por isso, é importante destacar
que o colaborador gosta de fazer ou tem rapidamente algumas ideias a respeito de
mais afinidade. Como, por exemplo, o liderança e suas diferenças com relação a
Diretor C, que afirmou: “eu formo uma gestão. De acordo com Northouse (2004),
boa equipe e delego as obrigações de apesar de o processo ser similar, de muitas
fazer”. A Diretora E colocou: “eu divido formas, há algumas diferenças. Liderança
as responsabilidades de acordo com o produz movimento e mudança, busca
que cada um pode ou não contribuir, eu adaptação e construção de mudança,
os deixo bem à vontade”. A Gerente 2 enquanto a gestão está mais associada à
disse: “o processo de implementação da ordenação e consistência das organizações
gestão estratégica, preencher planilhas e busca a estabilidade. E continua: gestão
e tal, eu compartilho com toda a minha significa acompanhar atividades e rotinas
equipe, não faço isso tudo sozinha não”. e liderança é influenciar outros e criar
Mas, apesar das ações que envolvem visões de mudança.
os colaboradores e da autonomia Entretanto, continua o autor, há
que é dada aos gerentes, para se muita semelhança também entre os
responsabilizarem pelas metas de seu dois conceitos. Quando gestores estão
setor, alguns colaboradores da empresa envolvidos em influenciar um grupo de
em estudo sentem que recebem muita indivíduos, em direção a um objetivo da
coisa pronta e gostariam de participar organização, estão exercendo liderança
mais deste processo. No nível das e quando líderes estão envolvidos em
coordenadoras de postos de coleta, 30% planejar, organizar e controlar, estão
consideraram que o seu trabalho pouco atuando em gestão. Ambos os processos
contribui no processo de implementação estão associados para influenciar um
do planejamento estratégico, porém, grupo de pessoas em direção a alcançar
70% consideram sua contribuição muito um objetivo.
importante, ou seja, a maioria sente que No processo de planejamento
faz parte deste processo. estratégico do Santa Luzia Laboratório
Outra relação presente entre o poder Médico, é possível perceber um forte
e o processo de planejamento estratégico envolvimento da liderança formal, tanto
também é apresentada por Hrebiniak no que tange a sua elaboração quanto a
(2006), quando este expõe que é muito sua implantação. Desde o primeiro projeto

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 101
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

de planejamento estratégico, em 1998, a do trabalho delas, mas 10% afirmaram


liderança da empresa esteve envolvida. que ele não influencia muito nas suas
O primeiro planejamento estratégico da funções, porém nenhuma considerou que
organização, em 1997, foi estritamente ele seja uma ferramenta que atrapalhe as
top-down, mas, com o passar dos anos, suas atividades.
houve a mudança da nomenclatura E s t e e nvo l v i m e n t o d a c o a l i z ã o
para Gestão Estratégica e, entre outros dominante, no processo de planejamento
avanços, houve o maior envolvimento estratégico do Santa Luzia, se mostra
dos colaboradores da organização. No fundamental para a sua execução, pois
entanto, a liderança não deixou de se nem todos os membros da organização,
envolver e continuou a encabeçar o embora a maioria deles acredite na
desenvolvimento desse processo. ferramenta, se envolvem com as questões
Contudo, é possível perceber que a do Planejamento Estratégico por gosto,
coalizão dominante, formal, do Santa proatividade, empenho em contribuir.
Luzia, se envolve e acredita no processo Acontece de o fazerem por cumprimento
de planejamento estratégico, a começar de ordem e, muitas vezes, até o deixam
pela liderança maior da empresa, uma vez em segundo plano, considerando que
que o Diretor-Presidente afirmou: possuem “coisas mais importantes
O planejamento estratégico é e urgentes a serem feitas”, e assim
fundamental para que você possa, o plano estratégico tem dificuldades
sem dúvida nenhuma, não tomar em sua implantação. Aqui se percebe
susto no caminho, porque eu uma representação do denominado
entendo como planejamento poder condicionado, apresentado por
um negócio que você ensaia Galbraith (1986), como aquele que é
mentalmente, em conversações, exercido mediante a mudança de uma
e consegue ver onde que vai estar convicção, em que a educação, ou o
o gargalo pra poder fazer isso. É compromisso social com o que parece
fundamental para a evolução da natural, apropriado ou correto, leva o
empresa, e não existe forma mais indivíduo a se submeter.
eficaz para implantação disso do Sob esse aspecto, Hardy e Clegg
que quando o líder local acredita (2001) afirmam que o poder é mobilizado
naquilo que foi discutido, quando p a ra i n f l u e n c i a r i n d i r e t a m e n t e o
ele de fato participa das discussões. comportamento, ou seja, fazer com que
Ainda, todos os diretores e gerentes as pessoas participem da implantação,
entrevistados também demonstraram dando a resultados e decisões certos
acreditar na ferramenta planejamento significados, legitimando-os e justificando-
estratégico, visto que cem por cento os. Os autores acreditam que todos os
dos entrevistados reconhecem sua atores são, de alguma forma, capturados
importância. Da mesma forma, a grande pela rede dominante de relações de
maioria (90%) das coordenadoras de poder. Dessa forma, há um envolvimento
postos de coleta, que participaram desta de todos os membros da organização,
pesquisa, afirmaram que o planejamento apesar de diferentes níveis de interesse
estratégico contribui no desenvolvimento e comprometimento. Por isso é que, ao

102 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

se implantar o Planejamento Estratégico, postos, 70% afirmaram que recebem um


há normalmente, por parte da coalizão bom feedback, no que diz respeito a suas
dominante, uma maior satisfação na ações, no que tange ao planejamento
obtenção dos resultados, o que justifica estratégico; 30% afirmaram que recebem
muitas vezes a continuação do processo. pouco retorno; e nenhuma delas afirmou
Por parte dos demais membros, ao não que não recebe nenhum. Quando se
atribuírem nenhum significado relevante trata de estas profissionais agirem como
ao processo, não se justificam nem se líderes, coordenando seus postos de
legitimam a necessidade ou mesmo os coleta, 80% afirmaram que transmitem
resultados alcançados. feedback aos seus colaboradores.
Por isso, o Santa Luzia criou o cargo de Nessa relação entre o poder e a
Gerente Estratégico, ligado diretamente à elaboração do Planejamento Estratégico,
Diretoria, para que o profissional pudesse outro ponto que merece atenção, quando
exercer o controle sobre o empenho das a equipe for mista ou bottom-up, é o fato
pessoas em relação ao planejamento de ser aparentemente muito democrático
estratégico, e conseguir a dedicação e interessante contar com a colaboração
das mesmas, mediante a elaboração e e participação de todos. Como colocam
mensuração das estratégias, por meio Ackoff (1982) e Pereira (2010), o processo
do preenchimento das planilhas de de elaboração do planejamento será mais
acompanhamento. eficaz quando contar com todo o pessoal
Uma das formas que a coalizão da organização, buscando a manutenção
dominante possui para acompanhar e do consenso entre todos os níveis e
fazer acontecer a execução do plano as diferentes áreas. Entretanto, cabe
estratégico é, justamente, por meio da ressaltar que as incertezas e conflitos
avaliação e controle (ACKOFF, 1982; permeiam todo esse processo, não
CERTO; PETER, 1993), como feito no permitindo, muitas vezes, que ele ocorra
Santa Luzia. Hardy e Clegg (2001) de forma harmoniosa e tranquila.
definem o controle como práticas de Uma vez que quem define a estratégia
vigilância, as quais podem ser mais ou a ser tomada é quem possui o poder
menos medidas pela instrumentação. dentro da organização, no caso, os postos
Mas, além do controle e da organização hierárquicos mais altos, como fica o
de funções, Ackoff (1982) destaca membro da organização que, durante a
que os líderes precisam realizar um elaboração, tinha uma opinião contrária
feedback quanto ao desempenho real de e era a favor de a organização tomar
seus colaboradores. No Santa Luzia, o um rumo oposto? Esse membro pode
feedback aos gestores é realizado pelos vir a resistir e atrapalhar no momento
seus diretores e, também, pela gerente da implantação ou até mesmo boicotar
da gestão estratégica, por meio das o plano. Portanto, é necessário que
visitas e do preenchimento das planilhas quem decide, dentro da organização,
de acompanhamento. esteja consciente dessa possibilidade de
Entre as coordenadoras de postos de resistência, sabendo que essa incerteza é
coleta, que são responsáveis por preencher inerente ao processo, não sendo possível
as planilhas de acompanhamento de seus ignorá-la. Os sistemas e estruturas não

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 103
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

são neutros e apolíticos, possuindo estabilização do controle, esse controle


uma história de conflitos arraigada à nunca é total (HARDY; CLEGG, 2001).
organização. Percebe-se isso ao longo das análises
Tratando-se da resistência, Hardy e das entrevistas realizadas no Santa
Clegg (2001, p. 261) veem o poder como Luzia, quando gerentes e diretores
“um meio necessário para promover explicam que delegam tarefas, funções e
a ação coletiva”. No entanto, segundo responsabilidades, mas que nem sempre
isso é coordenado da mesma maneira,
Chanlat (2010), já faz mais de trinta anos
por toda a estrutura, e nem sempre todos
que a análise estratégica das organizações
obtêm um mesmo resultado. Nota-se que,
tem demonstrado, de fato, que qualquer
se não há uma resistência explícita, há
membro de uma organização é um
uma indiferença que pode ser tão nociva
ator, ou seja, um indivíduo dotado de
quanto no processo de planejamento
capacidade de agir, independente de seu
estratégico. Segundo a atual Gerente do
nível hierárquico e, portanto, não pode ser
setor Gestão Estratégica do Santa Luzia,
ignorado. Sendo um sujeito ativo, pode
o processo de planejamento estratégico
complicar um processo de implantação
da empresa não sofreu nenhuma forte
do Planejamento Estratégico que vá resistência durante sua evolução, ao
contra seus interesses, mesmo que o longo dos anos de implantação.
plano pretenda mover uma ação coletiva.
Contudo, como expõe a teoria e
Novamente, a incerteza e o conflito estão
se verifica na prática, segundo o caso
presentes no processo de planejamento
estudado, o processo de Planejamento
estratégico, não podendo ser ignorados.
Estratégico é permeado pelas relações
A capacidade de controlar essa incerteza
de poder, que fazem parte do dia-a
seria uma fonte potencial de poder. -dia da organização, sendo que estas
E Hillman (2001) afirma que o poder tanto proporcionam a efetividade de
quer problemas, enquanto um jogo de sua execução, quanto são capazes de
forças que se interessa pelos complexos dificultar a mesma.
relutantes, que não se submetem, como
um membro de equipe que não se ajusta. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Porém, Hardy e Clegg (2001) acreditam Este artigo teve, como principal
que, à medida que a resistência continua objetivo, promover uma discussão de
sem coordenação, por ser um movimento cunho empírico e teórico acerca das
disperso, pode ser facilmente contornada, relações de poder que envolvem o
impondo uma derrota aos elementos processo de Planejamento Estratégico
destoantes. organizacional, tomando, como objeto
Desse modo, resistência e poder de estudo, a empresa Laboratório Médico
compreendem um sistema de relações de Santa Luzia.
poder, no qual, inevitavelmente, existem A observação mais imediata sobre o
tanto possibilidades de dominação quanto tema “poder”, que se pode averiguar,
de liberação, assim como tensões entre é o da permeabilidade do tema, o que
tais aspectos, o que se apresenta no dificulta captá-lo inteiramente, uma
processo de Planejamento Estratégico. vez que diversas vozes observam esse
Ainda que o termo organização indique fenômeno sob diferentes enfoques.

104 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
JULIANE INES DI FRANCESCO KICH . MAURICIO FERNANDES PEREIRA . VANÊSSA PEREIRA SIMON . ALEXANDRE MARINO COSTA

No que tange ao processo de efetivamente na implantação do Plano


Planejamento Estratégico, embora boa Estratégico.
parte da literatura o separe em elaboração Por outro lado, também foi possível
e em execução, é possível perceber que identificar relações de poder que viabilizam
essas duas fases são interdependentes, o Planejamento Estratégico, pois, uma
influenciando-se mutuamente. Além vez que ele não conta com o apoio da
disso, percebe-se que o Planejamento coalizão dominante da organização, ele
Estratégico é um processo cíclico, que não conseguirá ser realizado, já que nem
envolve toda a organização e não pode sempre os membros se envolvem por
ser encarado como um plano de gestão. livre e espontânea vontade, mas pelo
Direcionando ao objetivo central deste cumprimento de ordens vindas de seus
artigo, e com base também no caso superiores.
estudado, vê-se que as relações de poder Enfim, evidencia-se forte ligação entre
fazem parte das práticas organizacionais, o processo de planejamento estratégico
inclusive no que tange à elaboração e e as relações de poder presentes nas
implantação do Planejamento Estratégico, organizações: quando ambos caminham
sendo capaz de facilitar ou dificultar esse lado a lado, o que envolve tanto as
processo. No momento de elaboração relações formais quanto as informais
das principais estratégias, quem detém de poder, nota-se que o processo se
o poder é quem toma as rédeas do desenvolve com maior facilidade.
processo. Neste caso, são as pessoas que Em virtude da complexidade do
possuem maior cargo hierárquico que tema “poder”, mostra-se importante
definem assim o rumo da organização, a realização de outras pesquisas que
correndo o risco de encontrar resistência evidenciem, também de forma teórica
entre os membros organizacionais que e empírica, a presença destas relações
não participaram da elaboração do plano nas empresas e como se apresentam
ou foram contra determinadas decisões no dia-a-dia no uso das ferramentas
tomadas. organizacionais.
Assim, o poder informal pode até Por fim, as reflexões reunidas neste
mesmo vir a boicotar o plano. Por isso, trabalho contribuem para a compreensão
é importante para os detentores do da dimensão do poder no processo de
poder não ignorar os conflitos inerentes Planejamento Estratégico, podendo
à organização. Eles existem e permeiam colaborar tanto para o avanço do
toda a estrutura, condicionando, muitas conhecimento a respeito das relações
vezes, a ação dos membros que não são de poder, como para a compreensão das
detentores do poder, mas podem interferir práticas de Planejamento Estratégico. >

R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa) 105
RELAÇÕES DE PODER NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

REFERÊNCIAS

ACKOFF, R. L. Planejamento São Paulo: Cengage Learning, KICH, J. D. F.; PEREIRA, M. F.


Empresarial. Rio de Janeiro: LTC 2010. Planejamento Estratégico: os
– Livros técnicos e Científicos De GEUS, A. A empresa viva. In: pressupostos básicos para uma
Editora, 1982. HARVARD BUSINESS REVIEW. implantação eficaz. São Paulo:
BEER, M.; EISENSTAT, R. A. Estratégias para o crescimento. Atlas, 2011.
The silent killers of strategy Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. MAY, R. Poder e inocência: uma
implementation and learning. 95-110. análise das fontes da violência.
Sloan Management Review, [S. FARIA, J. H. Poder e relações Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
l.], v. 41, n. 4, p. 29-40, Summer de poder nas organizações. In:
2000. MINTZBERG, H. A criação artesanal
VIEIRA, M. M. F.; CARVALHO, C. da estratégia. In: MONTGOMERY,
BETHLEM, A. S. Estratégia A. Organizações, instituições e C. A.; PORTER, M. E. Estratégia: a
Empresarial: conceitos, processo poder no Brasil. Rio de Janeiro: busca da vantagem competitiva.
e administração estratégica. São Editora FGV, 2003. p.67-121. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p.
Paulo: Atlas, 1998. 419-437.
GALBRAITH, J. K. Anatomia do
BREENE, R. T.; NUNES, P. F.; SHILL, poder. 2. ed. São Paulo: Pioneira, MINTZBERG, H.; L AMPEL,
W. E. The chief strategy officer. 1986. J.; AHLSTRAND, B. Safári de
Harvard Business Review, [S. l.],
H A R D Y, C . ; C L E G G , S . R . E s t r a t é g i a . Po r t o A l e g r e :
v. 85, n. 10, Oct. 2007. Disponível
Alguns ousam chamá-lo de Bookman, 2000.
em: <http://find.galegroup.com/
poder. In: CLEGG, S. R. et al.
itx/paginate.do?qrySerId=Locale MINTZBERG, H.; LAMPEL, J.;
(Org.). Handbook de estudos
%28en%2CUS%2C%29%3AFQE% AHLSTRAND, B. Todas as partes
organizacionais. São Paulo:
3D%28JN%2CNone%2C25%29% do elefante. In: JULIO, C. A.;
Atlas, 2001.
22Harvard+Business+Review%2 SALIBI NETO, J. (Org.). Estratégia
2%3AAnd%3ALQE%3D%28DA% HAMEL, G. Liderando a e Planejamento. São Paulo:
2CNone%2C8%2920071001%24 revolução. Rio de Janeiro: Publifolha, Coletânea HSM
&inPS=true&searchType=Public Campus, 2000. Management, 2002. p. 09-20.
ationSearchForm&prodId=AON HILLMAN, J. Tipos de poder: um NORTHOUSE, P.G. Leadership:
E&userGroupName=capes49>. guia para o uso inteligente do theory and practice. Thousand
Acesso em: 28 jun. 2009. poder nos negócios. São Paulo: Oaks, CA: Sage Publications,
BOSSIDY, L.; CHARAN, R. Desafio: Cultura Editores Associados, Axis 2004.
fazer acontecer, a disciplina de Mundi, 2001.
PEREIRA, M. F. Planejamento
execução nos negócios. 3. ed. Rio HREBINIAK, L. G. Fazendo a
de Janeiro: Negócio Editora, 2002. Estratégico: teorias, modelos e
estratégia funcionar: o caminho processos. São Paulo: Atlas, 2010.
BRENES, E. R.; MENA, M.; MOLINA, para uma execução bem-
G. E. Key success factors for sucedida. Porto Alegre: Bookman, PORTER, M. E. O que é estratégia?
strategy implementation in Latin 2006. In: PORTER, M. E. Competição
America. Journal of Business = on competition: estratégias
KAPLAN, S.; BEINHOCKERE, E.
Research, [S. l.], v. 61, p. 590–598, competitivas essenciais. Rio de
D. Os heróis do Planejamento
2008. Janeiro: Campus, 1999. p. 46-82.
Estratégico. HSM Management,
C E RTO, S . C . ; P E T E R , J. P. [S. l.], v. 40, p. 40-45, Sept./Oct. ROBBINS, S. P. O Processo
Administração Estratégica: 2003. administrativo: integrando
planejamento e implementação teoria e prática. São Paulo: Atlas,
KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P.
da estratégia. São Paulo: Makron 1978.
O depar tamento de gestão
Books, 1993. estratégica. Harvard Business WHIT TINGTON, R. O que é
CHANLAT, J. Gestão Empresarial: Review, [S. l.], v. 83, n. 10, p. 48- estratégia. São Paulo: Thomson,
uma perspectiva antropológica. 56, Oct. 2005l. 2002.

106 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 11 · n. 2 · p. 85-106 · abr./jun. 2012. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)

Você também pode gostar