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9.

Degradação de Energia

350
CONCEITOS

351
352 9.1. Convertendo energia

Alguns livros textos definem energia como a capacidade de realizar trabalho. Nos dois
capı́tulos anteriores, entretanto, nós vimos que a energia pode fazer mais do que isso. Ela
também pode ser utilizada para esquentar objetos, e nesse capı́tulo nós perguntamos (e res-
pondemos) duas questões importantes sobre energia: Até que ponto nós podemos usar ener-
gia mecânica para aquecimento e calor para realizar trabalho? E, mais especificamente, até
que ponto podemos converter a energia fornecida pela natureza em formas úteis para a tec-
nologia e a sociedade?
Os oceanos do mundo, por exemplo, contêm uma grande quantidade de energia térmica.
Se pudéssemos converter apenas uma pequena fração dessa energia em formas úteis, po-
derı́amos satisfazer as necessidades de energia do mundo por milhares de anos. Por quê um
navio não consegue absorver parte da energia térmica do oceano e usá-lo para propulsão?
Essa situação não viola a lei da energia: a energia térmica seria simplesmente convertida em
uma quantidade igual de energia mecânica. Como veremos neste capı́tulo, no entanto, a lei
da entropia impõe restrições sobre conversões de energia.

9.1 Convertendo energia


Anteriormente vimos que a energia é uma medida quantitativa do estado de um objeto e que
a lei de conservação de energia implica que qualquer mudança de estado deve ser acompa-
nhada por uma compensação. Sempre que um par complementar de mudanças de diferentes
tipos ocorrem, a energia é convertida de uma forma para outra. Por exemplo, a queima de
gás propano envolve duas mudanças de estado: uma mudança nas ligações quı́micas mole-
culares dos reagentes (que é uma forma de energia quı́mica) e uma mudança na temperatura
dos gases (que associamos ao calor). A combustão é irreversı́vel: seria bastante surpreen-
dente se os gases quentes subitamente começassem a se resfriar, reconstituindo o propano e
o oxigênio originais. Como o processo é irreversı́vel, podemos concluir que a entropia do gás
aumenta no processo de queima (ver seção 4 do capı́tulo anterior).
Uma bola acelerando em queda livre é outro exemplo de um par complementar de mudanças
de estado: uma mudança no estado de movimento da bola (que associamos à energia cinética)
e um mudança na configuração do sistema bola-Terra (que associamos com energia potencial
gravitacional). Esse processo é reversı́vel: um clipe de filme da bola caindo, reproduzido ao
contrário mostra uma bola se movendo para cima diminuindo a velocidade como se tivesse
sido jogado para cima (o que pode acontecer). Podemos, portanto, concluir que a entropia
do sistema da bola-Terra não muda.

Ponto de verificação 21.1: Para cada sistema, identifique as mudanças comple-


mentares de estado e energia associadas, e determine se a entropia do sistema
aumenta ou não. (a) Um disco desliza até parar em uma superfı́cie. Sistema:
disco e superfı́cie. (b) Uma mola comprimida é liberada e acelera um carrinho
em uma pista de baixa fricção. Sistema: mola e carrinho. (c) Um projétil é dispa-
rado de um canhão. Sistema: projétil, canhão e produtos quı́micos explosivos.
(d) Um objeto quente e um objetos frio são colocados em contato e alcançam o
equilı́brio térmico. Sistema: ambos os objetos.

Para analisar as conversões de energia que ocorrem em um processo, como as do Ponto


de Verificação 21.1, devemos escolher um sistema e analisar separadamente todas as trans-
ferências de energia para o sistema e que saem do sistema. Como vimos no capı́tulo anterior,
a energia pode ser transferida de duas maneiras: mecanicamente e termicamente. A Figura
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 353

9.1 mostra para esses dois tipos de transferências, com setas indicando a transferência de
energia para o sistema e uma seta representando a transferência de energia para fora do sis-
tema. Diagramas que mostram as entradas e saı́das de energia de um sistema são chamados
de diagramas de entrada-saı́da de energia.

Figura 9.1: Diagramas de entrada-saı́da de energia.

Entradas e saı́das de energia são sempre consideradas com o sinal positivo. O trabalho
realizado em um sistema é, portanto, a diferença entre o entrada mecânica de energia e
a saı́da mecânica de energia: W = Win − Wout . Da mesma forma, o calor trasnferido para
um sistema é a diferença entre a entrada de energia térmica e a saı́da de energia térmica:
Q = Qin − Qout .
A Figura 9.1 representa o funcionamento de qualquer dispositivo ou processo industrial.
A Figura 9.2 mostra o diagrama de entrada-saı́da de energia para dois dispositivos: um mo-
tor de carro e uma geladeira. Dentro de um carro, a combustão da gasolina fornece calor
para o motor (o sistema). O motor tem duas saı́das de energia: trabalho para as rodas do o
carro e calor para o ambiente (Figura 9.2 (a)). Em uma geladeira existem duas entradas de
energia (Figura 9.2 (b)): calor proveniente do que há dentro do refrigerador e trabalho rea-
lizado pelo motor do compressor para o resto da geladeira (o sistema). A geladeira também
tem uma saı́da de calor para o ambiente. (Você já deve ter notado que a parte de trás de uma
geladeira fica quente.)

Figura 9.2: Exemplos de diagramas de entrada-saı́da de energia.


354 9.1. Convertendo energia

Cada entrada ou saı́da de energia nas Figuras 9.1 e Figura 9.2 é acompanhada por mudanças
na entropia do entorno e do sistema. Para ganhar alguma prática determinando mudanças
de energia e entropia, vamos analisar a seguinte situação: Considere o dispositivo ilustrado
na Figura 9.3. Uma corda é presa a uma roda de pás que está imersa em um lı́quido viscoso
em um recipiente. Conforme a corda é puxada, a roda de pás gira em velocidade constante,
aumentando a temperatura do lı́quido de Ti para Tf .

Figura 9.3: Processo de aquecimento de um lı́quido viscoso utilizando uma corda ligada a
uma roda de pás.

O diagrama de entrada-saı́da de energia para esse sistema, que é formado pela roda de
pás e o lı́quido viscoso, é apresentado na Figura 9.4. Inicialmente, realizamos trabalho no
sistema puxando a corda, correspondendo a uma entrada de energia. Como o sistema não
é isolado termicamente, o trabalho é convertido em calor para o entorno à medida que a
temperatura do sistema aumenta. Por isso, o diagrama da Figura 9.4 (a) têm uma entrada
e uma saı́da. Como a temperatura do sistema aumenta, a energia do sistema aumenta e
então a energia que entra no sistema deve ser maior do que a energia que sai. O aumento da
temperatura do sistema aumenta sua entropia.

Figura 9.4: Diagramas de entrada-saı́da de energia para o processo realizado pelo dispositivo
da Figura 9.3.

Caso a roda de pás parasse de girar quando o sistema atinge Tf e esperássemos o lı́quido
resfriar até atingir Ti , os estados inicial e final do sistema seriam os mesmos, de tal forma
que tanto a mudança de energia quanto de entropia seriam nulas (Figura 9.4 (b)). O trabalho
realizano no sistema seria o mesmo que no caso da Figura 9.4 (a), entretanto o calor liberado
para o entorno seria igual a esse trabalho, uma vez que não há mudanças na energia do
sistema.
Observe que a lei de energia não impõe restrições sobre conversões de energia: A lei da
energia permite que qualquer forma de energia seja convertida inteiramente em qualquer
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 355

outra forma. O dispositivo discutido anteriormente, por exemplo, converte trabalho inteira-
mente em calor. Vamos agora olhar para a conversão de calor em trabalho.

Ponto de verificação 21.2: (a) Para a situação ilustrada na Figura 9.5, desenhe
um diagrama de entrada-saı́da de energia para o gás. (b) A energia e a entropia
do gás mudam? Ignore qualquer atrito no pistão e qualquer calor trasnferido
para fora do gás.

Figura 9.5: Quando um volume de gás é aquecido a pressão constante em um cilindro equi-
pado com um pistão móvel, tanto sua temperatura quanto seu volume aumentam.

Como você viu no Ponto de Verificação 21.2, o calor trasnferido para o gás realiza trabalho
no pistão, e assim o dispositivo converte calor em trabalho. Como a temperatura do gás sobe,
porém, a energia térmica do gás aumenta. Assim, nem todo o calor é convertido em trabalho
nesse dispositivo.
Para evitar que a energia térmica do gás aumente, poderı́amos imergir a configuração
em um reservatório térmico mantido em alguma temperatura fixa TR , conforme ilustrado
na Figura 9.6. Se removermos lentamente os grãos de areia que estão no topo do pistão, a
força para cima exercida pelo gás no pistão é um pouquinho maior do que a força para baixo
exercida pela areia restante no pistão, e assim o pistão se move para cima. Conforme o gás
se expande, ele realiza trabalho no pistão. Como a temperatura do gás permanece constante,
sua energia térmica não muda e, portanto, a energia necessária para elevar o pistão deve
vir do reservatório na forma de calor. Nessa situação o calor é totalmente convertido em
trabalho.

Figura 9.6: Um gás mantido a temperatura constante em um cilindro equipado com um o


pistão móvel se expande lentamente conforme a carga no pistão diminui.

Como um dispositivo, a configuração da Figura 9.6 não é muito prática porque para
manter o gá a uma temperatura constante, a expansão teria que ocorrer muito lentamente.
Além disso, para o gás continuar a realizar trabalho no pistão, seu volume teria que continuar
se expandindo.
356 9.1. Convertendo energia

Ao projetar dispositivos práticos para converter energia, geralmente queremos que eles
possam operar indefinidamente. Se o dispositivo continuar expandindo seu volume, como
o da Figura 9.6, ou ficar cada vez mais quente ou aumentar a pressão com o tempo, não
poderá ser operado por muito tempo. Por isso queremos que o estado do dispositivo que
converte energia permaneça o mesmo ou retorne ao mesmo estado depois de algum tempo.
Tal dispositivo é chamado de máquinas térmicas. Quando uma máquina térmica evolui de
um estado inicial por meio de uma série de processos e volta ao seu estado inicial, a série de
processos é chamado de ciclo. Durante a operação da máquina, cada ciclo é repetido con-
tinuamente. Para simplificar, devemos assumir que todas as máquinas térmicas envolvem
apenas processos quasistáticos e que nenhuma energia é dissipada por atrito.

Como os estados inicial e final de uma máquina térmica são o mesmo ao longo de um
ciclo, não há mudança na energia do sistema: ΔE = 0. Em um ciclo, portanto, a entrada de
energia deve ser igual à saı́da de energia: Win + Qin = Wout + Qout .

Para ver quais restrições são impostas pela lei da entropia (ΔS > 0 para um sistema fe-
chado se movendo em direção equilı́brio) nas entradas e saı́das de energia de um dispositivo,
examinamos as mudanças de entropia associadas com essas entradas e saı́das de energia. O
dispositivo não é um sistema fechado e, portanto, não podemos aplicar a lei da entropia
a ele. Já o dispositivo e seu entorno constituem um sistema fechado, e podemos escrever
ΔS = ΔSdis + ΔSamb ≥ 0. Como os estados inicial e final do ciclo são o mesmo, sabemos que
não pode haver qualquer mudança na entropia do dispositivo: ΔSdis = 0 para um ciclo. Por-
tanto, precisamos considerar apenas as mudanças de entropia no entorno quando lidamos
com máquinas térmicas e nos certificarmos de que essas mudanças satisfazem ΔSamb ≥ 0.

Como vimos na primeira seção do capı́tulo anterior, nenhuma mudança de entropia está
associada a um processo adiabático quase-estático. Como Q = 0 para entradas e saı́das de
trabalho e como assumimos que os processos em uma máquina térmica são quase-estáticos,
nós temos ΔSamb = 0 para Win e Wout . Portanto, as únicas mudanças na entropia do entorno
que precisamos considerar são aqueles causadas por entradas e saı́das de calor:

Máquinas térmicas operam sob duas restrições: (1) a entrada de energia deve
ser igual à saı́da de energia. (2) as entradas e saı́das de calor do dispositivo
devem aumentar a entropia do entorno (ou deixá-la inalterada).

No capı́tulo anterior vimos que a mudança de entropia associada à transferência de calor


tem o mesmo sinal que Q. Portanto, uma saı́da de calor aumenta a entropia do entorno.
Inversamente, uma entrada de calor diminui a entropia do entorno. A Figura 9.7 resume
essas mudanças de entropia devido aos vários tipos de entradas e saı́das de energia para
uma máquina térmica. Usamos um limite de sistema circular para indicar que o sistema é
uma máquina térmica. O diagrama representa as entradas e saı́das de energia durante um
ciclo completo.
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 357

Figura 9.7: Mudanças de energia e entropia associadas às entradas e saı́das de energia em
uma máquina térmica.

Agora estamos em posição de analisar máquinas térmicas que convertem energia. Pri-
meiro, considere uma máquina térmica que converte trabalho em calor. Tal dispositivo tem
uma entrada de energia na forma de trabalho e uma saı́da na forma de calor (Figura 9.8 (a)).
A entrada de energia não envolve mudanças na entropia do entorno; a saı́da de energia causa
um aumento na entropia do entorno. A entropia do entorno, portanto, aumenta, o que é per-
mitido pela lei da entropia. Isso significa que uma máquina térmica pode converter trabalho
inteiramente em calor.

Figura 9.8: Diagramas de entrada-saı́da de energia para dois tipos de máquinas térmicas.

Em seguida, considere uma máquina térmica que converte calor em trabalho (Figura 9.8
(b)). A entrada de energia causa uma diminuição na entropia do entorno; a saı́da de energia
não envolve mudanças na entropia do entorno. A entropia do entorno, portanto, diminui,
o que não é permitido pela lei da entropia para uma máquina térmica. Portanto, nenhuma
máquina térmica pode converter calor inteiramente em trabalho.
358 9.2. Energia útil

Ponto de verificação 21.3: Suponha que empurremos lentamente o pistão de


volta à sua posição original na Figura 9.6, o tempo todo mantendo o gás a uma
temperatura constante. (a) Ao longo do intervalo de tempo que inclui a ex-
pansão e a compressão do gás, há alguma conversão de energia? (b) A entropia
do gás aumenta, permanece a mesma, ou diminui ao longo desse intervalo de
tempo? (c) Se continuarmos repetindo a expansão e compressão, este disposi-
tivo é uma máquina térmica?

9.2 Energia útil


Nesta seção vamos desenvolver uma abordagem gráfica para observar as mudanças de entro-
pia no entorno causadas pelas máquinas térmicas que convertem energia. Vamos começar
considerando uma situação muito simples ilustrada na Figura 9.9 (a): Uma barra de cobre
está em contato térmico com um reservatório térmico de alta temperatura em uma extremi-
dade e um reservatório térmico de baixa temperatura na outra extremidade. Além de suas
pontas, a haste é termicamente isolada de seu entorno. Como as temperaturas dos reser-
vatórios térmicos são fixas, a haste permanece em um estado estacionário: uma extremidade
permanece na temperatura TH do reservatório de alta temperatura, e a outra extremidade
permanece na temperatura TL do reservatório de baixa temperatura. (Lembre-se de que
os reservatórios térmicos são grandes o suficiente de modo que qualquer calor transferido
para eles não altera sua temperatura) Como resultado da diferença de temperatura, calor é
trasnferido através da haste do reservatório de alta temperatura para o reservatório de baixa
temperatura. Embora a haste dificilmente se qualifique como um dispositivo, seu estado
não muda e, portanto, satisfaz os requisitos de que sua entropia e energia não mudem com
o tempo. (O ciclo para esse dispositivo pode ser considerado como qualquer intervalo de
tempo arbitrário.)

Figura 9.9: (a) Uma barra de cobre em contato térmico com um reservatório térmico de alta
temperatura e um reservatório de baixa temperatura. (b) Diagramas de entrada-saı́da de
energia para a haste e os reservatórios.

A Figura 9.9 (b) mostra os diagramas de entrada-saı́da de energia para a haste e para
os dois reservatórios térmicos. A mudança na energia do reservatório de alta temperatura
é igual ao calor que entra na haste, ΔEH = −Qin , enquanto a mudança na energia do reser-
vatório de baixa temperatura é igual ao calor que sai da haste, ΔEL = Qout . Como o estado
da haste não está mudando, nós sabemos que ΔErod = Qin − Qout = 0, então Qin = Qout e
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 359

portanto, ΔEH = −ΔEL . A quantidade de energia que sai do reservatório de alta temperatura
é igual à quantidade de energia que entra no reservatório de baixa temperatura.
A transferência de calor através da haste causa mudanças na entropia dos dois reser-
vatórios (ambos fazem parte do entorno da haste), embora suas temperaturas permaneçam
inalteradas. Como a energia é transferida para fora do reservatório de alta temperatura, sua
energia diminui, e assim sua entropia diminui também: ΔSH < 0. O aumento da energia
do reservatório de baixa temperatura faz com que sua entropia aumente: ΔSL > 0. Como a
transferência de energia é irreversı́vel, nós sabemos que a entropia do entorno deve aumen-
tar, então ΔSH + ΔSL > 0.
A razão pela qual a entropia aumenta pode ser entendida através da maneira que de-
finimos a temperatura em capı́tulos anteriores: dS/dE ≡ 1/(kB T ).1 A quantidade dS/dE,
chamada de gradiente de entropia, é uma medida da mudança na entropia causada por
uma dada mudança na energia. Pela equação dS/dE ≡ 1/(kB T ) vemos que a magnitude da
mudança de entropia causada por uma transferência de energia para um reservatório ou
saindo dele é inversamente proporcional à temperatura do reservatório. A mudança de en-
tropia ΔS causada por uma dada mudança de energia ΔE é, portanto, maior em magnitude
para o reservatório de baixa temperatura do que para o de alta temperatura. Como ΔSL é
positivo e ΔSH é negativo, segue que ΔSH + ΔSL > 0.

Ponto de verificação 21.4: Quais são os sinais de ΔER , ΔSR e ΔSR /ΔER para uma
transferência de calor (a) que entra e (b) que sai de um reservatório?

Você pode visualizar o gradiente de entropia como o “custo de entropia causado por
uma mudança de energia”. Quanto maior o gradiente de entropia (ou quanto mais baixa a
temperatura), maior será a mudança na entropia causada por uma dada mudança de energia.
Como você viu no Ponto de Verificação 21.4, o gradiente de entropia é sempre positivo,
independentemente da direção da transferência de energia. Isso porque ΔS e ΔE sempre
têm o mesmo sinal algébrico.
Podemos descrever o entorno da haste através de um diagrama em função do seu gra-
diente de entropia. Como o reservatório de alta temperatura tem o gradiente de entropia
menor, o colocamos à esquerda do reservatório de baixa temperatura na escala do gradi-
ente de entropia, como mostrado na Figura 9.10. Se representarmos a transferência de calor
através da haste da Figura 9.11 (a) por meio de uma seta curva, obtemos o diagrama mos-
trado na Figura 9.11 (b). A cauda da seta representa a entrada de calor do reservatório de alta
temperatura, e a ponta representa a saı́da de calor para o reservatório de baixa temperatura.

Figura 9.10: Gradiente de entropia. A região sombreada representa o entorno da haste, que
consiste no reservatório de alta temperatura (H) e o reservatório de baixa temperatura (L).

1 Como fizemos no capı́tulo anterior, assumimos que a energia cinética, a potencial e a energia que mantem
os reservatórios em suas temperaturas permanecem constantes, de modo que ΔE = ΔEth .
360 9.2. Energia útil

Figura 9.11: (a) Reorganizamos o dispositivo da Figura 9.9 para separar o sistema (máquina
térmica) de seu entorno (os reservatórios térmicos). (b) Usando essa montagem, construı́mos
um diagrama de entropia mostrando as conversões e transferências de energia na máquina
térmica. A entrada de calor causa mudanças de entropia no entorno de menor magnitude do
que a saı́da de calor, de tal forma que a entropia do entorno aumenta: ΔSH + ΔSL > 0.

Observe que podemos associar o sinal das mudanças de entropia nos reservatórios com
a direção da seta. A calda da seta (a entrada de energia) aponta para baixo e ΔSH < 0; a
ponta da seta (saı́da de energia) aponta para cima e ΔSL > 0. O diagrama na Figura 9.11 (b),
portanto, nos permite ver que a transferência de energia através da haste aumenta a entropia
do entorno: a haste consome uma certa quantidade de energia do entorno com baixo custo
de entropia (pequeno dS/dE) e retorna a mesma quantidade de energia para o entorno a um
custo de entropia maior (grande dS/dE). A magnitude dessa mudança de entropia causada
pela saı́da é, portanto, maior do que a magnitude da mudança de entropia causada pela
entrada. Como a entrada causa uma diminuição na entropia e o saı́da causa um aumento na
entropia, o efeito combinado é um aumento na entropia do entorno.

Agora, suponha que a barra de cobre de alguma forma transfira energia do reservatório
de baixa temperatura para o de alta temperatura, conforme ilustrado na Figura 9.12. A seta
curva que representa a transferência de energia agora aponta do reservatório de baixa tem-
peratura para o reservatório de alta temperatura e, como você pode verificar prontamente,
os sinais de mudança de entropia são o oposto dos sinais da Figura 9.11. A haste retira uma
certa quantidade de energia do entorno com grande dS/dE e retorna a mesma quantidade de
energia para o entorno com um dS/dE menor. A mudança de entropia do entorno neste pro-
cesso é, portanto, negativa, o que não é permitido pela lei da entropia. Na verdade, ninguém
jamais observou energia sendo transferida na forma de calor de um objeto frio para um
quente sem outras mudanças no sistema ou no entorno (ou seja, o objeto frio ficando mais
frio espontaneamente e o objeto quente ficando mais quente).
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 361

Figura 9.12: Diagrama de entropia para uma transferência de calor de um reservatório de


baixa temperatura (L) para um reservatório de alta temperatura (H), um processo proibido
pela lei da entropia.

Os diagramas nas Figuras 9.11 e 9.12 são chamados de diagramas de entropia. Um dia-
grama de entropia mostra as conversões e transferências de energia que ocorrem entre uma
máquina térmica e o seu entorno, esquematizado de acordo com um gradiente de entro-
pia, conforme mostrado na Figura 9.10. Setas no diagrama representam as transferências de
energia através do dispositivo durante um ciclo completo. As caudas das setas representam
entradas de energia para o dispositivo e as pontas representam saı́das de energia. Entradas
de calor (caudas) fazem a entropia do entorno diminuir, enquanto as saı́das de calor (pontas
de seta) fazem a entropia do entorno aumentar.
Os diagramas de entropia nos permitem acompanhar as mudanças de entropia que re-
sultam das conversões de energia por um dispositivo. Em particular:
Uma transferência de energia que aponta para a direita em um diagrama de
entropia causa um aumento na entropia do entorno; uma transferência que
aponta para a esquerda causa uma diminuição na entropia do entorno.
Como veremos mais adiante, os diagramas de entropia podem ser utilizados para derivar
informações quantitativas sobre mudanças de entropia no entorno.
Vamos agora voltar ao exemplo de uma roda de pás em um lı́quido viscoso. Desta
vez, porém, imergimos o recipiente contendo o lı́quido viscoso em um grande reservatório
térmico que mantém o lı́quido viscoso a uma temperatura constante TR (Figura 9.13). As
partes móveis e o lı́quido viscoso agora constituem uma máquina térmica. Uma pessoa tra-
balha no dispositivo puxando a corda e, em seguida, o dispositivo transfere energia para o
reservatório. O dispositivo, portanto, converte trabalho em calor.

Figura 9.13: O dispositivo de roda de pás discutido anteriormente é mantido a uma tempe-
ratura constante TR por um grande reservatório térmico de água.

Para desenhar um diagrama de entropia para essse processo de conversão de energia,


devemos primeiro determinar onde colocar a energia na forma de trabalho na escala do
362 9.2. Energia útil

gradiente de entropia. Lembre-se que realizar trabalho não causa nenhuma mudança na en-
tropia. Portanto ΔS = 0 e então ΔS/ΔE = 0. O gradiente de entropia associado com trabalho
é, portanto, zero. Transferências de trabalho, portanto, sempre aparecem na extremidade
esquerda da escala dS/dE (Figura 9.14).

Figura 9.14: Diagrama de entropia para o processo representado na Figura 9.13.

A única mudança de entropia na Figura 9.14 é causada pela produção de calor. Essa
mudança de entropia é positiva (a seta aponta para cima), e assim a entropia do entorno
aumenta.
O inverso do processo da Figura 9.14, ilustrado na Figura 9.15 - conversão de calor in-
teiramente em trabalho por uma máquina térmica - não pode ocorrer. Nesee processo, o
dispositivo iria retirar calor do entorno e trasnferir trabalho para o entorno. A a seta curva
agora aponta para a esquerda, causando uma diminuição na entropia do entorno, o que é
impossı́vel. Esse processo significaria que a roda de pás na Figura 9.13 poderia rebobinar
a corda e puxar a mão para a esquerda, retirando calor do reservatório e trasnferido para a
corda. A lei da entropia impede que isso aconteça.

Figura 9.15: Diagrama de entropia para a conversão de calor inteiramente em trabalho utili-
zando uma máquina térmica.

Resumindo, vemos que a conversão de energia com um baixo gradiente de entropia para
energia com alto gradiente de entropia utilizando uma máquina térmica (a seta aponta para
a direita no diagrama de entropia) aumenta a entropia do entorno e é permitido pela lei
da entropia. Inversamente, convertendo energia com um alto gradiente de entropia para
energia com um baixo gradiente de entropia utilizando uma máquina térmica (a seta aponta
para a esquerda no diagrama de entropia) diminui a entropia do entorno e não é permitido
pela lei da entropia.
Conforme a energia muda para a direita em um diagrama de entropia, a energia se torna
menos útil para, digamos, aquecer substâncias. Você pode fazer menos com uma banheira
de água morna do que com um balde de água fervente que contém a mesma quantidade de
calor que a banheira. Podemos, portanto, associar o gradiente de entropia com “qualidade”
da energia ou quão útil a energia é: Quanto menor dS/dE, menor será o custo de entropia
e mais energia pode ser utilizada para algum processo (Figura 9.16 (a)). A tendência da
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 363

entropia do entorno aumentar faz com que menos energia esteja disponı́vel para a realização
de algum processo (Figura 9.16 (b)). No dispositivo da Figura 9.13, por exemplo, trabalho
capaz de realizar algum processo, como levantar ou acelerar objetos, é irreversivelmente
transformado em calor menos útil.

Figura 9.16: Energia com um grande gradiente de entropia é menos útil para a relaziação de
processos em comparação com a energia com um pequeno gradiente de entropia.

Uma conversão de energia menos útil em para uma mais útil corresponde a uma seta
apontando para a esquerda nos diagramas de entropia e produz uma diminuição da entro-
pia do entorno (Figura Figura 9.16 (c)). Tais conversões não podem ocorrer em máuinas
térmicas que tem uma única entrada de energia e uma única saı́da de energia. Por exemplo,
é impossı́vel converter calor inteiramente em trabalho. É por isso que os navios não podem
ser alimentados pela conversão do calor do oceano inteiramente em trabalho que o permita
se mover.
Ponto de verificação 21.5: Para uma máquina térmica que tem uma única en-
trada de energia e uma única saı́da de energia, a conversão dessa energia para
a realização de processos aumenta, diminui ou permanece a mesma quando a
mudança na entropia do entorno é (a) positiva e (b) nula?

Ponto de verificação 21.6: Em um diagrama de entropia, qual dessas


declarações são verdadeiras? (a) A quantidade de energia útil é proporcional
ao gradiente de entropia. (b) A quantidade da energia é inversamente propor-
cional ao gradiente de entropia. (c) A energia vinda de um reservatório de alta
temperatura é mais útil para realizar trabalho do que energia de um reservatório
de baixa temperatura (e) A energia de um reservatório de baixa temperatura tem
um pequeno gradiente de entropia. (f) A energia de um reservatório de baixa
temperatura tem um grande gradiente de entropia.

9.3 Motores de calor e bombas de calor


Como acabamos de ver, não é possı́vel para uma máquina térmica que tem uma única en-
trada de energia e uma única saı́da de energia aumentar sua energia útil, ou seja, converter
364 9.3. Motores de calor e bombas de calor

todo o calor recebido em trabalho. A única maneira de uma máquina térmica transformar
calor em trabalho é trasnferir parte desse calor para o entorno de tal forma que a diferença
de entropia desses processos sejam positiva ou zero: ΔSenv = ΔSW + ΔSQ ≥ 0.
O processo ilustrado na Figura 9.17 é uma maneira de combinar dois processos que se
compensam. Uma máquina térmica recebe calor de um reservatório de alta temperatura,
converte parte dessa energia em trabalho, e a outra parte transfere na forma de calor para
um reservatório de baixa temperatura. Este processo é permitido desde que o aumento da
entropia associado com a saı́da de calor seja igual ou maior que a diminuição da entropia
associada com a conversão de parte do calor em trabalho. Uma máquina tpermica desse tipo
é chamada de motor de calor.

Figura 9.17: Diagrama de entropia para um processo que converte uma parte do calor rece-
bido em trabalho útil e descarta a outra parte.

Um motor de calor familiar que executa o processo ilustrado na Figura 9.18 é o motor
de um automóvel que discutimos brevemente no inı́cio do capı́tulo. Conforme mostrado na
Figura 9.18, a entrada de calor é fornecida pela combustão de gasolina em alta temperatura
(cerca de 2700 K). Aproximadamente dois terços dessa energia de entrada são descartados
no meio ambiente pelo sistema de exaustão e refrigeração do carro, ambos os quais estão a
aproximadamente 400 K. O um terço restante da energia é transformado em trabalho para
fazer o carro se mover (parte dessa energia se perde devido ao atrito das partes móveis do
carro). Como você pode ver pelos tamanhos relativos das setas Qout e Wout na Figura 9.18,
em um motor de carro tı́pico, mais energia é convertida em calor não utilizável do que em
trabalho útil a fim de satisfazer a lei de entropia e manter o estado final do motor igual ao
seu estado inicial.

Figura 9.18: Diagrama de entrada-saı́da de energia para um motor de automóvel, que é um


tipo de motor de calor.
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 365

Em um diagrama de entropia colocamos as entradas e saı́das de energia em uma escala


horizontal de de acordo com seu gradiente de entropia. Assim, o comprimento de uma seta
no diagrama é uma medida de ΔS/ΔE entre a entrada e a saı́da. Se tomarmos a largura de
cada seta para representar a quantidade de energia ΔE transferida, então a área da parte ho-
rizontal da flecha (o produto da largura e do comprimento da flecha) representa a magnitude
da mudança na entropia (Figura 9.19 (a)).

Figura 9.19: Obtenção de mudanças de entropia a partir de diagramas de entropia.

Devido a dificuldade em desenhar setas curvas e determinar sua área, simplificamos


nosso procedimento para desenhar diagramas de entropia, substituindo as setas por retângulos
(Figura 9.19 (b)). O comprimento do retângulo corresponde à entre a quantidade de calor
que entra e a que sai do sistema, e a altura do retângulo corresponde à quantidade de ener-
gia transferida na forma de trabalho. A área do retângulo representa, portanto, a mudança
de entropia no ambiente causada pela conversão ou transferência de energia. A direção da
transferência de energia é indicada por uma seta dentro do retângulo. Além disso, marca-
mos as entradas e saı́das de energia por setar verticais: para baixo indica entrada e para cima
indica saı́da. Por fim, como o gradiente de entropia dS/dE é igual a 1/(kB T ), rotulamos o
eixo por 1/(kB T ).

Existem duas maneiras de aumentar a magnitude da mudança de entropia. Quanto maior


for a diferença entre as temperaturas dos reservatórios, maior será a mudança de entropia.
Por exemplo, deslocar a seta correspondente à entrada de calor para a esquerda (aumentando
a temperatura do reservatório que fornece o calor de entrada) aumenta seu comprimento e,
portanto, sua área (que representa a mudança de entropia). Como você pode perceber pela
Equação ΔS = Q/(kB T ), a mudança de entropia também é proporcional à quantidade de ener-
gia Q sendo transferida. Assim, uma segunda maneira de induzir uma maior mudança de
entropia entre dois reservatórios com temperaturas fixas é aumentar a quantidade de energia
sendo transferida (representada pela maior altura do retângulo na Figura 9.19 (d)). Final-
mente, se a direção de uma transferência de energia é revertida, o sinal da mudança de en-
tropia é revertido, mas sua magnitude permanece a mesma (compare as Figuras 9.19 (e) com
9.19 (b)). A Figura 9.20 mostra o diagrama de entropia para um processo que utiliza parte
do calor que entra no sistema para realizar trabalho e o restante da energia é desperdiçado
no outro reservatório, com retângulos usados para representar as transferências.
366 9.3. Motores de calor e bombas de calor

Figura 9.20: Diagrama de entropia para um processo que converte uma certa quantidade de
calor Qout em trabalho útil e desperdiça uma quantidade Qout (compare com a Figura 9.17).

Como as entradas e saı́das de calor ocorrem em diferentes temperaturas, elas são separa-
das na escala dS/dE. Entradas e saı́das de trabalho, no entanto, são sempre localizados em
dS/dE = 0, e assim eles se sobrepõem em um diagrama de entropia. O final de uma seta (ou
retângulo) em dS/dE = 0, portanto, não representa Win ou Wout , mas sim a diferença entre
essas duas quantidades, W = Win −Wout , que é o trabalho realizado no sistema. Quando a seta
aponta para cima, trabalho é transferido do sistema para o seu entorno e, portanto, W < 0
(Figura 9.20). Quando a seta aponta para baixo, o trabalho é feito no sistema, indicando uma
transferência de energia para o sistema, W > 0.
Para uma máquina térmica, a lei da entropia exige que a mudança de entropia no en-
torno seja maior ou igual que zero, e assim a área do retângulo que representa a energia
desperdiçada no reservatório com menor temperatura deve ser maior ou igual à área do
retângulo que representa a energia útil para realizar trabalho. A Figura 9.21 (a) mostra um
processo para o qual essas conversões de energia causam mudanças iguais de entropia. Para
tal processo, a mudança de entropia é zero, então o processo é reversı́vel e permitido. A
Figura 9.21 (b) mostra um processo para o qual a magnitude da mudança de entropia na
conversão de calor em trabalho útil é menor do que a mudança de entropia causada pelo
desperdı́cio de calor. Para tal processo, a mudança de entropia é positiva, então o o processo
é irreversı́vel e permitido. A Figura 9.21 (c) mostra um processo para o qual a magnitude
da mudança de entropia causada pela conversão de calor em trabalho útil é maior do que a
magnitude da mudança de entropia causada pelo desperdı́cio de calor. Para tal processo, a
mudança de entropia é negativa, então o processo é proibido pela lei da entropia.

Figura 9.21: Para uma máquina térmica, a mudança de entropia no entorno deve ser maior
ou igual a zero

O diagrama de entropia para um processo irreversı́vel como o da Figura 9.21 (b) pode ser
visualizado como um diagrama de entropia para um desperdı́cio irreversı́vel de energia (ou
seja, quente para frio) sobreposto a um diagrama de entropia para um processo reversı́vel
(Figura ??). Os retângulos de conversão de calor em trabalho na Figura ?? (a) e (b) são iguais,
mas na Figura ?? (b) a altura do retângulo que representa o desperdı́cio de calor foi ajustada
de modo que as áreas dos retângulos de conversão de calor em trabalho e de desperdı́cio de
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 367

calor sejam as mesmas. A mudança de entropia na Figura ?? (b) é, portanto, zero, e o processo
representado por este diagrama de entropia é reversı́vel. A Figura ?? (c) mostra o restante
da energia transferida para o reservatório de baixa temperatura. Esse processo aumenta
a entropia do entorno e é irreversı́vel. O trabalho gerado na Figura ?? (b) é recuperável.
Como o processo é reversı́vel, o trabalho pode ser convertido de volta em calor. A energia na
Figura ?? (c), por outro lado, foi desperdiçada e é irrecuperável. Não pode ser transferida de
volta para o reservatório de alta temperatura sem algum outro desperdı́cio. Por enquanto,
os únicos processos que consideramos são aqueles reversı́veis para os quais a mudança de
entropia é zero.
Ponto de verificação 21.8: Por que o retângulo que representa o desperdı́cio de
calor na Figura 9.21 (a) tem uma altura maior do que o retângulo de conversão
de calor em trabalho?
Para exemplificar a discussão que fizemos nos parágrafos anteriores, vamos considerar
a seguinte situação. Um motor de calor converte parte do calor vindo de um reservatório à
temperatura Ti em trabalho e desperdiça o restante na forma de calor em um reservatório à
temperatura Tout < Tin . Tal processo é esquematizado através de um diagrama de entropia
apresentado na Figura 9.22.

Figura 9.22: Diagramas de entropia.

Esse processo é reversı́vel, portanto as mudanças de entropia na converção de parte do


calor Qin em trabalho W e na converção do restante em calor Qout são iguais. Ao reduzir a
temperatura Tout em relação ao diagrama da Figura 9.22 (a), não estamos alterando a quan-
tidade de trabalho que o dispositivo continua fazendo. Portanto, para que as mudanças de
entropia continuem as mesmas, tanto Qout quanto Qin devem diminuir. Assim, percebemos
que ao mudarmos a temperatura do reservatório em mais baixa temperatura, necessitamos
menos calor Qin para realizar a mesma quantidade de trabalho W .
Ponto de verificação 21.9: Suponha que você mantenha W e Tout no processo re-
versı́vel da Figura 9.22 (a) fixos, mas aumente Tin . As magnitudes dessas quan-
tidades aumentam, diminuem ou permanecem as mesmas: (a) ΔS da conversão
de parte de Qin em trabalho, (b) ΔS da conversão do restante de Qin em Qout , (c)
Qin ?
O caso da Figura 9.22 e o Ponto de Verificação 21.9 mostram que é benéfico absorver
energia na temperatura mais alta possı́vel e descartar a energia na temperatura mais baixa
possı́vel. Fazendo isso, minimizamos a quantidade de calor Qin para realizar uma quanti-
dade fixa de trabalho no entorno.
Podemos definir a eficiência de uma máquina térmica da seguinte forma:
368 9.3. Motores de calor e bombas de calor

A eficiência de um motor de calor é a proporção do trabalho feito pelo motor


no ambiente para uma quantidade de calor que entra no motor. Para um mo-
tor de calor operando entre dois reservatórios à temperatura fixa, a eficiência
é maior quando a entrada de calor ocorre na temperatura mais alta possı́vel e
a o descarte de calor ocorre na temperatura mais baixa possı́vel.
Vemos agora que nenhum motor de calor - mesmo um reversı́vel - pode ter uma eficiência
de 1,00 porque alguma fração da entrada de calor deve ser desperdiçada para compensar
a diminuição da entropia que ocorre no processo de conversão de calor em trabalho. A
eficiência imperfeita dos motores térmicos não tem nada a ver com o atrito nas partes móveis
ou outros fenômenos irreversı́veis; em vez disso, é uma consequência direta da lei da entro-
pia.
Ponto de verificação 21.10: Quando a temperatura do reservatório de saı́da na
Figura 9.22 é reduzida, o aumento de eficiência, permanece o mesmo, ou dimi-
nui?
Como você viu no Ponto de Verificação 21.7, há várias maneiras de compensar a con-
versão de calor em trabalho convertendo o restante desse calor em um calor desperdiçado.
Além daquela maneira mostrada na Figura 9.20. Por exemplo, você pode trocar as direções
em que as conversões ocorrem na Figura 9.20. O diagrama de entropia resultante, mostrado
na Figura 9.23 (a) representa o funcionamento de uma bomba de calor. Dentro desse dis-
positivo, trabalho é feito para transferir calor de uma região de temperatura mais baixa para
uma região de alta temperatura - uma direção oposta à direção natural em que o calor é
transferido. Observe que o trabalho é feito no dispositivo, então W > 0.

Figura 9.23: Conversões de energia em uma bomba de calor.

A geladeira é um exemplo familiar de bomba de calor (Figura 9.23 (b)). O interior da


geladeira constitui o reservatório em Tin ; o ar ao redor da geladeira é o reservatório em Tout
(as bobinas na parte traseira ou inferior da geladeira transferem a energia Qout para o ar).
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 369

Bombas de calor também são usadas para aquecer e resfriar casas. No verão, uma bomba
de calor funciona como um ar-condicionado e esfria uma casa movendo a energia de dentro
da casa para fora (do frio para o quente; Figura 9.24 (a)). No inverno, a mesma bomba de
calor aquece movendo a energia de fora da da casa para dentro (novamente do frio para o
quente, Figura 9.24 (b)).

Figura 9.24: Uma bomba de calor pode servir como um ar-condicionado no verão removendo
a energia de dentro de casa e como um aquecedor no inverno, transferindo calor de fora para
dentro de casa.

Ao projetar uma bomba de calor para resfriamento, queremos maximizar a quantidade


de calor trasnferida do reservatório de baixa temperatura para uma determinada quantidade
de trabalho realizado na bomba de calor. O coeficiente de rendimento de resfriamento de
uma bomba de calor é definido como a razão entre o calor retirado do ambiente que se deseja
resfriar e o trabalho realizado na bomba de calor.
ao projetar uma bomba de calor para aquecimento, queremos maximizar a produção de
calor trasnferida para reservatório a alta temperatura dada uma determinada quantidade de
trabalho feito na bomba. O coeficiente de rendimento de aquecimento de um uma bomba
de calor é definido como a proporção entre o calor que é entregue ao espaço que deve ser
aquecido e o trabalho realizado na bomba.
Aquecer, geralmente, envolve transferências de calor de um reservatório de alta tempe-
ratura (digamos, queima de combustı́vel) para um reservatório de baixa temperatura (uma
sala a ser aquecida, digamos), e a entrada de calor Qin é igual à saida de calor Qout (Figura
9.11). De forma equivalente, na Figura 9.14, W = Win > 0 é convertido em uma quantidade
idêntica de energia Qout . Em uma bomba de calor, no entanto, Qout > Qin , como indica a
Figura 9.24, porque Qout = Qin + W . Observe que, embora os motores de calor tenham uma
eficiência menor que 1, o coeficiente de rendimento e o de aquecimento sempre excedem 1.
Uma bomba de calor tı́pica tem um coeficiente de rendimento de aquecimento de 3 a 4.

Ponto de verificação 21.11: Estime essas quantidades para a bomba de calor da


Figura 9.24: (a) coeficiente de rendimento de resfriamento e (b) coeficiente de
rendimento de aquecimento.

9.4 Ciclos termodinâmicos


Motores de calor e bombas de calor são compostas de três componentes importantes: uma
coleção de peças móveis, reservatórios térmicos e uma substância de trabalho que sofre uma
série de processos termodinâmicos. Por exemplo, no motor de um automóvel, uma mistura
de ar e gasolina é a substância de trabalho que produz o movimento dos pistões que impul-
siona o automóvel. Energia térmica gerada na combustão é transferida termicamente para o
meio ambiente através do escapamento do motor, e assim o meio ambiente serve como um
370 9.4. Ciclos termodinâmicos

reservatório térmico. Em uma usina de energia, a substância de trabalho é a água, que move
as pás das turbinas a vapor. A caldeira a vapor e o ar externo funcionam como reservatórios
térmicos que transferem calor da água e para a água.
Nesta seção, examinamos os processos termodinâmicos que a substância de trabalho so-
fre durante a operação de um motor de calor ou bomba de calor. Como vimos, o motor ou a
bomba é uma máquina térmica: ela deve retornar periodicamente para um certo estado ini-
cial. A substância de trabalho deve, portanto, passar por um processo cı́clico - uma sequência
de etapas em que a substância de trabalho começa e termina no mesmo estado de equilı́brio
térmico. Nessas circunstâncias, a energia e a entropia da substância de trabalho retornam ao
seus valores iniciais em um ciclo.
A Figura 9.25 (a) ilustra um processo cı́clico que envolve uma expansão do estado 1 para
o estado 2 e, em seguida, uma compressão de volta para o estado 1 através de outro caminho.
Vimos no capı́tulo anterior que durante uma expansão o trabalho feito no sistema é negativo
e durante uma compressão o trabalho feito no sistema é positivo. Se a expansão ocorre com
menor pressão do que a compressão (como ocorre na Figura 9.25 (a)), o trabalho feito no
sistema durante a expansão é menor em magnitude do que o trabalho realizado durante a
compressão. Portanto, o trabalho feito no sistema durante um ciclo completo de 1 a 2 e de
volta a 1 é positivo.

Figura 9.25: O trabalho realizado em um sistema durante um processo cı́clico termo-


dinâmico é igual em magnitude à área delimitada pelas curvas que constituem o ciclo.

Como vimos no capı́tulo anterior, a magnitude do trabalho negativo feito no sistema


durante a expansão 1 → 2 é igual à área hachurada na Figura 9.25 (b) . A magnitude do
trabalho positivo feito no sistema durante a compressão 2 → 1 é igual à área sombreada
na Figura 9.25 (c). Adicionando essas duas áreas e levando em consideração seus sinais,
vemos que o trabalho feito no sistema durante um ciclo completo é igual à área sombreada
delimitada pelos caminhos que representam o ciclo, conforme ilustrado em 9.25 (d).
Ponto de verificação 21.12: Se você começar no estado 1 novamente, mas desta
vez percorrer o ciclo na Figura 9.25 no sentido horário ao invés de anti-horário,
quais são a magnitude e o sinal do (a) trabalho realizado no sistema e (b) o
trabalho realizado no entorno?
A Figura 9.25 e o Ponto de Verificação 21.12 demonstram um ponto importante:
A magnitude do trabalho realizado em um sistema durante um ciclo é igual
à área delimitada pelo caminho que representa o ciclo em um diagrama PV.
O trabalho feito no sistema é negativo para um ciclo no sentido horário e
positivo para um ciclo anti-horário.
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 371

Como os motores de calor realizam um trabalho positivo no entorno, seus ciclos são no
sentido horário. O contrário ocorre com o entorno. O entorno realiza trabalho positivo nas
bombas de calor e, portanto, seus ciclos são no sentido anti-horário.
Quais processos termodinâmicos ocorrem em uma máquina de calor? Para responder a
esta pergunta, vamos considerar primeiro o calor que vem do reservatório de alta tempe-
ratura. Esse processo ocorre a uma temperatura constante Tin e, portanto, é isotérmico. O
desperdı́cio de calor occorre no reservatório de baixa temperatura Tout < Tin e o processo
também é isotérmico. Não é possı́vel construir um ciclo de duas isotermas, então precisamos
de outros processos para conectar as duas isotermas. Como nenhuma outra troca de calro
ocorre, esses outros processos que estamos procurando deve ser isentrópico. A Figura 9.26
mostra um ciclo termodinâmico que consiste em dois processos isotérmicos (1 → 2 e 3 → 4)
e dois processos isentrópicos (2 → 3 e 4 → 1). Devido à sua importância na termodinâmica,
esse ciclo é chamado de ciclo de Carnot em homenagem ao fı́sico francês Sadi Carnot (1796-
1832), que produziu a primeira descrição com sucesso do funcionamento dos motores de
calor.

Figura 9.26: Diagrama PV para o processo termodinâmico conhecido como ciclo de Carnot.

Começando no estado 1 na Figura 9.26, a substância de trabalho se expande isotermi-


camente a uma temperatura Tin até atingir algum estado 2 (um ponto em que seu volume
aumentou). A substância de trabalho então sofre uma expansão isentrópica em que sua tem-
peratura cai de Tin para Tout . A partir deste estado 3, a substância de trabalho é comprimida
isotermicamente para o estado 4, onde sofre uma compressão isentrópica de volta ao estado
1, completando o ciclo.
o calor é trasnferido para dentro e para fora do sistema apenas durante os dois proces-
sos isotérmicos, mas todos os quatro processos envolvem trabalho. O trabalho realizado no
sistema durante o ciclo é igual à área delimitada pelo ciclo e foi hachurada na Figura 9.26.
Como W é negativo, a área é hachurada. (Lembre-se de que é isso que queremos: a máquina
de calor deve fazer um trabalho positivo em seu entorno, e, portanto, o trabalho realizado
no sistema é negativo.)
O ciclo de Carnot tem uma série de deficiências que o tornam impraticável para um
motor de calor. Em primeiro lugar, como você pode ver pela pequena área hachurada na
Figura 9.26, a quantidade de o trabalho feito no entorno em cada ciclo é pequena. Mais do
que isso, a presença das isotermas significa que o o ciclo não pode ser repetido rapidamente.
Como vimos no capı́tulo anterior, processos isotérmicos são muito lentos e, portanto, um
motor que opera no ciclo de Carnot gastaria energia mecânica a uma taxa muito baixa; ou
seja, seu poder seria muito pequeno.
372 9.4. Ciclos termodinâmicos

Para aliviar esses problemas, queremos evitar isotermas e “abrir” o ciclo para que mais
trabalho seja feito no entorno. Se substituirmos as duas isotermas da Figura 9.26 por curvas
isobáricas, obtemos o ciclo mostrado na Figura 9.27 (a). Esse ciclo, chamado de ciclo de
Brayton, realiza muito mais trabalho sobre o entorno do que o ciclo de Carnot e pode ser
realizado mais rapidamente. Turbinas a gás e motores a jato operam em um ciclo que é
muito próximo do ciclo de Brayton.

Figura 9.27: Processo termodinâmico conhecido como ciclo de Brayton.

No ciclo de Brayton, a substância de trabalho sofre dois processos isobáricos (1 → 2 e


3 → 4) e dois processos isentrópicos (2 → 3 e 4 → 1). O calor entra e sai do sistema durante
os processos isobáricos. Se nós começarmos e terminarmos a compressão isentrópica nas
Figuras 9.26 e 9.27 dos mesmos estados 4 e 1, a área hachurada delimitada pelo ciclo de
Brayton é muito maior do que a área do ciclo de Carnot. A maior área hachurada significa
que uma máquina térmica que opera no ciclo de Brayton consegue realizar mais trabalho
do que uma máquina que opera no ciclo de Carnot. Além disso, o isobárico e processos
isentrópicos podem ser realizados rapidamente, o que significa que a potência de saı́da em
um ciclo de Brayton pode ser alta.
Um motor de turbina a gás que opera no ciclo de Brayton tem três componentes prin-
cipais: um compressor de gás, uma câmara de combustão e uma turbina de expansão. Na
prática, tal motor é um sistema aberto: ar fresco entra em uma extremidade, e gases quentes
são expelidos na outra extremidade. Para o propósito da análise termodinâmica, no entanto,
podemos fingir que os gases de exaustão são reaproveitados na admissão.
A Figura 9.27 (b) mostra um fluxograma para um motor de turbina a gás. O gás - nor-
malmente o ar ambiente - é puxado pelo compressor, que o comprime isentropicamente a
alta pressão 4 → 1. O ar comprimido então flui para a câmara de combustão, onde é aque-
cido a temperaturas tão altas quanto 2000 K a pressão constante (1 → 2). O ar aquecido e
pressurizado se expande isentropicamente (2 → 3), e os gases quentes são expelidos em alta
velocidade pela parte traseira do motor, fazendo com que o motor vá para frente. Os gases
de exaustão então esfriam de volta para a temperatura que eles estavam quando entraram -
através de outro processo à pressão constante (3 → 4) - e o ciclo está completo.
Embora o ciclo de Brayton forneça mais energia e potência do que o ciclo de carnot, não
é tão eficiente, o que significa que o trabalho feito no ambiente dividido poela quantidade
de calor que entra no dispositivo é menor. O motivo dessa eficiência ser menor é ilustrado
na Figura 9.28 (a). No ciclo de Brayton, as entradas e saı́das de calor não ocorrem em tem-
peraturas fixas como no ciclo de Carnot. A entrada de calor no ciclo de Brayton começa
na temperatura T1 atingida durante a compressão e então sobe para uma temperatura mais
alta T2 durante a combustão. A saı́da de calor começa na temperatura T3 (a temperatura no
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 373

fim da expansão isentrópica) e, em seguida, diminui para a temperatura mais baixa T4 (a


temperatura no inı́cio da compressão isentrópica).

Figura 9.28: Diagramas de entropia para os ciclos de Brayton e Carnot.

Como vimos, a eficiência de um motor de calor é mais alta quando ocorre a entrada de
calor na temperatura mais alta possı́vel e a saı́da na temperatura mais baixa possı́vel. Assim,
a parte do ciclo em que a entrada de calor ocorre em T2 e saı́da ocorre em T4 tem a maior
eficiência. Todos as outras partes do ciclo têm menor eficiência, o que contribui para uma
eficiência geral inferior à eficiência que verı́amos se toda a troca de energia tivesse ocorrido
apenas na temperatura mais alta e mais baixa, T2 e T4 , respectivamente. Por contraste, a
entrada de calor em uma temperatura elevada e fixa e a saı́da em uma temperatura baixa e
fixa é exatamente o que acontece em um ciclo de carnot (Figura 9.28 (b)).
Executando o ciclo de Brayton ao contrário (Figura 9.29 (a)), obtemos uma bomba de
calor. O ciclo usado em refrigeradores, ar condicionado e bombas de calor domésticas é um
pouco mais complexo porque a substância de trabalho nesses dispositivos muda de lı́quido
para vapor e vice-versa. No entanto, se assumirmos que a substância de trabalho é um gás,
os processos termodinâmicos básicos são o isentrópico (3 → 2 e 1 → 4) e o isobárico (2 → 1 e
4 → 3) ilustrados na Figura 9.29 (a).

Figura 9.29: Um ciclo de Brayton executado ao contrário é o ciclo de uma bomba de calor.

A Figura 9.29 (b) mostra um fluxograma dociclo de Brayton reverso que ocorre em uma
374 9.4. Ciclos termodinâmicos

geladeira. A substância de trabalho é primeiro comprimida isentropicamente por um motor


movido a pistão (3 → 2). A compressão aumenta a temperatura e a pressão na substância de
trabalho, que é então resfriada a pressão constante em um longo tubo espiralado chamado
de condensador (2 → 1). Este tubo é exposto à temperatura ambiente. Depois de passar pelo
condensador, a substância de trabalho de alta pressão e agora um pouco mais fria passa por
uma válvula de expansão (1 → 4) e se expande isentropicamente. No processo de expansão, a
substância de trabalho esfria significativamente. Depois ela passa por um segundo conjunto
de bobinas denominado evaporador (4 → 3). Como a temperatura do espaço ao redor do
evaporador é mais alta do que a temperatura da substância de trabalho no evaporador, o calor
é trasnferido do espaço circundante para o evaporador. Como mostra a Figura 9.29 (b), esse
espaço ao redor do evaporador é o interior da geladeira, onde os alimentos são armazenados
e, portanto, mantidos resfriados. Depois de passar pelo evaporador, a substância de trabalho
é devolvida ao compressor, onde o ciclo se repete.
Observe que uma bomba de calor transfere energia do interior da geladeira em baixa
temperatura para o local em que a geladeira se encontra, geralmente em uma temperatura
mais alta. Para conseguir isso, a bomba precisa de energia para primeiro aumentar a tempe-
ratura da substância de trabalho acima da temperatura onde a geladeira está, de modo que o
calor trasnferido para fora da substância de trabalho, que está quente, para a sala que a ge-
ladeira se encontra. Assim, a temperatura da substância de trabalho é abaixada para abaixo
da temperatura do interior da geladeira para que o calor possa ser transferido do interior do
refrigerador para a substância de trabalho.

Ponto de verificação 21.13: Por que a transferência de calor do interior da gela-


deira para o local onde ela está não viola a lei da entropia?
ANÁLISE QUANTITATIVA

375
376 9.5. Restrições da entropia na transferência de energia

9.5 Restrições da entropia na transferência de energia

Nós vamos agora quantificar o que foi discutido sobre as variações de entropia no processo
de transferência ou conversão de energia em dispositivos cı́clicos (ou estáveis).
Em primeiro lugar, lembramos que nesses dispositivos, após um ciclo, o sistema perma-
nece nas mesmas condições, logo,

ΔE = 0 (9.1)

de onde temos que

Q+W = 0 (9.2)

Como Q = Qin − Qout , temos

W = Qout − Qin (9.3)

Como os estados inicial e final são os mesmos, temos também

ΔSdisp = 0 (9.4)

Mas, para todos os processos, a entropia total deve aumentar ou permanecer a mesma,
logo

ΔSdisp + ΔSamb ≥ 0 → ΔSamb ≥ 0 (9.5)

Vamos considerar agora um dispositivo de transferência de energia térmica de um re-


servatório a temperatura Tin para um reservatório a temperatura mais baixa, Tout < Tin (ver
figura 9.30(a)).
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 377

Figura 9.30: Diagrama de entropia para a transferência de energia térmica (a) de um resre-
vatório a temperatura alta para um reservatório a temperatura baixa e (b) de um reservatório
a temperatura baixa para um reservatório a temperatura alta.

Vimos que, para um processo a temperatura constante (isotérmico), a variação de entro-


pia é

Q
ΔS = (9.6)
kB T

A energia térmica transferida para fora do reservatório a alta temperatura é QH = −Qin <
0. A variação de entropia do ambiente é, portanto, negativa:
378 9.5. Restrições da entropia na transferência de energia

Qin
ΔSH = − (9.7)
kB Tin
Da mesma forma, a variação de entropia no reservatório a baixa temperatura é

Qout
ΔSL = (9.8)
kB Tout
A variação total de entropia no ambiente será

Qin Q
ΔSamb = ΔSH + ΔSamb = − + out (9.9)
kB Tin kB Tout
Mas,

ΔE = 0 → Qin − Qout = 0 → Qin = Qout (9.10)

e temos,
� �
Qout Qout 1 1
ΔSamb = − + = Qout − (9.11)
kB Tin kB Tout kB Tout kB Tin

É fácil verificar que o resultado da nossa conta equivale ao cálculo das áreas referidas na
discussão dos diagramas de entropia.
Como Tout < Tin , a variação de entropia do ambiente é positiva, de acordo com a segunda
lei da Termodinâmica.

Vamos analisar agora o processo inverso, transferindo energia térmica do reservatório a


baixa temperatura para o reservatório a alta temperatura. Seguindo os mesmos passos, o
resultado que temos é
� �
1 1
ΔSamb = −Qout − (9.12)
kB Tin kB Tout
que representa uma variação positiva da entropia, o que não é possı́vel, como vimos na
discussão da segunda lei da Termodinâmica. Uma transferência desse tipo, portanto, não
pode acontecer.

Vamos considerar agora um dispositivo que converte energia mecânica (trabalho) em


energia térmica. Para isso, consideramos um motor realizando trabalho em um gerador
elétrico o qual transfere energia elétrica a um cobertor elétrico, o qual, por sua vez, con-
verte a energia elétrica em energia térmica (ver figura 9.31). Como ΔE = 0, temos W = Qout .
Lembrando que a transferência de energia mecânica não altera a entropia, temos

Qout
ΔSamb = (9.13)
kB Tout
que é o resultado esperado.
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 379

Figura 9.31: Esquema de conversão de energia mecânica (motor) em energia térmica.

9.6 Desempenho de máquinas térmicas


Vamos considerar um dispositivo cı́clico que transfere energia térmica de um reservatório a
alta temperatura para um reservatório a baixa temperatura e realiza trabalho sobre o ambi-
ente (W < 0). Em um ciclo completo, temos (ver figura ??)

ΔSamb = ΔSelevar + ΔSdegradar (9.14)

onde traduzimos upgrade → ”elevar”e degrade → ”degradar”para ficarmos próximos da


terminologia do Mazur. O cálculo de ΔSdegradar é o mesmo que realizamos antes e obtivemos
380 9.6. Desempenho de máquinas térmicas

� �
1 1
ΔSdegradar = Qout − (9.15)
kB Tout kB Tin

Para o cálculo de ΔSelevar temos que lembrar que o trabalho realizado sobre o ambiente é
−W onde W = Qout − Qin . Seguindo o diagrama de entropia, lembrando que o retângulo vai
de 0 até 1/kB Tin , temos
� �
1
ΔSelevar = −(Qint − Qout ) (9.16)
kB Tin

Combinando, temos para a variação da entropia no ambiente,


� � � �
1 1 1
ΔSamb = −(Qin − Qout ) + Qout − (9.17)
kB Tin kB Tout kB Tin

ou ainda,

Qin Q
ΔSamb = − + out (9.18)
kB Tin kB Tout
Esse resultado é o mesmo obtido para a variação da entropia para o dispositivo mais
simples no qual ocorria apenas a transferência de energia térmica do reservatório a alta tem-
peratura para o reservatório a baixa temperatura. Isso era esperado uma vez que a realização
de trabalho mecânico não altera a entropia. Apenas as transferências de energia térmica nos
reservatórios contribuem para a variação de entropia.
Para uma máquina térmica reversı́vel, na qual ΔSamb = 0,temos

Qin Q Q T
− + out = 0 → out = out (9.19)
kB Tin kB Tout Qin Tin
Para um dispositivo reversı́vel que transfere energia térmica de um reservatório a tempe-
ratura Tin a energia degradada depende apenas de Tout e não depende do tipo de substância
envolvida no processo.
Vamos analizar agora a eficiência da máquina térmica. A figura 9.32 mostra o diagrama
de entrada e saı́da de energia. A eficiência foi definida como sendo a razão entre o trabalho
realizado sobre o ambiente (−W ) e a energia térmica de entrada, Qin :

−W Qin − Qout Q
η≡ = = 1 − out (9.20)
Qin Qin Qin
Esse resultado é válido para máquinas térmicas reversı́veis e irreversı́veis.
Como discutimos anteriormente, a maior eficiência é obtida para máquinas térmicas re-
versı́veis. Nesse caso, podemos escrever

Tout Tin − Tout


ηmax = 1 − = (9.21)
Tin Tin
Na prática, uma máquina térmica nunca é completamente reversı́vel. Observe que a
eficiência máxima depende apenas da razão entre as temperaturas dos reservatórios e não
depende dos detalhes da máquina térmica.
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 381

Figura 9.32: Diagrama de entrada e saı́da de energia de uma máquina térmica.

Se operarmos a máquina térmica de forma revertida temos uma bomba térmica (ver fi-
gura 9.33). Quando a utilizamos para aquecer definimos o coeficiente de rendimento de
aquecimento como

Qout
CRaquec ≡ (9.22)
W
Como W = Win > 0 e W = Qout − Qin , Qout é sempre maior que W e CRaquec é maior que
um. Fazendo as substituições, temos,

Qout 1
CRaquec = = (9.23)
Qout − Qin 1 − Qin /Qout
Para uma bomba térmica reversı́vel, temos

1 Tout
CRaquec,max = = (9.24)
1 − Tin /Tout Tout − Tin
e o rendimento é maior quanto mais próximo de 1 for a razão Tin /Tout .
Para o caso de resfriamento (ar-condicionado ou refrigerador), temos para o coeficiente
de rendimento de resfriamento

Qin
CRresf ≡ (9.25)
W
que podemos escrever na forma

Qout − W Qout
CRresf = = W − 1 = CDaquec − 1 (9.26)
W /
E, para o caso reversı́vel,

Tout Tin
CRresf ,max = −1 = (9.27)
Tout − Tin Tout − Tin
382 9.7. Ciclo de Carnot

Para um refrigerador o coeficiente de rendimento é, em geral, maior que 1 uma vez que
a temperatura no interior é da ordem de 255 K e a diferença de temperatura entre o exterior
e o interior é da ordem de 40 K.

Figura 9.33: Diagrama de entrada e saı́da de energia de uma bomba térmica.

9.7 Ciclo de Carnot

Consideremos agora o ciclo de Carnot (figura 9.35). Parte da energia mecânica recebida
do reservatório a alta temperatura é utilizada em energia mecânica e o resto é degradada e
liberada ao reservatório de baixa temperatura. A transferência de energia térmica acontece
apenas durante os dois processos isotérmicos nas temperaturas Tin e Tout .
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 383

Figura 9.34: Variações de energia e entropia na substância que compõe o dispositivo em um


ciclo de Carnot.

Vamos utilizar o gás ideal como substância que opera no dispostivo cı́clico. A tabela 9.34
mostra os resultados para a entropia e a transferência de energia térmica para os processos
envolvidos no ciclo de Carnot, isotérmicos e isentrópicos.

Figura 9.35: Diagrama PV para o ciclo de Carnot.

Para calcular a eficiência do ciclo de Carnot precisamos determinar W e Qin . O traba-


lho realizado sobre o ambiente (ou o sistema de interesse) durante o ciclo pode ser obtido
diretamente da Tabela:
384 9.8. Ciclo de Brayton

�� � �
V2 V
W = −N kB Tin ln − N kB Tout ln 4 (9.28)
V1 V3
Observe que as contribuições para o trabalho nos processos isentrópicos cancelam-se e
por isso não os incluı́mos acima.
A variação de entropia total do ciclo deve ser zero. Somando as entropias da Tabela,
temos

� � � �
V2 V
N ln + N ln 4 (9.29)
V1 V3
� � � �
V2 V
→ ln = − ln 4 (9.30)
V1 V3

ou ainda,

V2 V3
= (9.31)
V1 V4
Substituindo na expressão para o trabalho, temos
� �
V
W = −N kB (Tin − Tout ) ln 2 (9.32)
V1
Como V2 > V1 e Tin −Tout > 0, W é negativo. Ou seja, o trabalho realizado sobre o ambiente
é positivo (estamos considerando a orientação horária para o ciclo).
O reservatório a alta temperatura transfere energia térmica durante o primeiro processo
isotérmico (Tin . A grandeza Qin é igual a energia transferida termicamente no primeiro
processo isotérmico, ou seja,
� �
V
Qin = Q1→2 = N kB Tin ln 2 (9.33)
V1
Podemos agora calcular a eficiência,
�V �
−W N kB (Tin − Tout ) ln V1
2
T − Tout
η= = �V � = in (9.34)
Qin N kB Tin ln V 2 Tin
1

O ciclo de Carnot tem a eficiência máxima, para qualquer máquina térmica, indepen-
dente do dispositivo utilizado.

9.8 Ciclo de Brayton


O ciclo de Brayton está representado na figura 9.37. A tabela 9.36 apresenta as variações de
energia e entropia nos diversos processos do ciclo de Brayton. Novamente, a troca de energia
no ciclo é zero, logo W = −Q. Somando os termos referentes aos diversos processos, temos

W = −Q = −N CP (T2 − T1 + T4 − T3 ) (9.35)
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 385

Figura 9.36: Energia e entropia para a substância que compõe o dispositivo no ciclo de Bray-
ton.

Para calcularmos a eficiência, temos que ter −W e Qin , ambos valores positivos. Como
T2 > T1 , Q é positivo durante o primeiro processo isobárico (1 → 2) a alta pressão, PH . Da
mesma forma, T4 < T3 , Q é negativo durante o segundo processo isobárico (3 → 4) a baixa
pressão, PL . A energia transferida termicamente do ambiente para o sistema é igual a energia
transferida termicamente durante o processo isobárico 1 → 2:

Qin = N CP (T2 − T1 ) (9.36)

Figura 9.37: Diagrama PV para o ciclo de Brayton.

Podemos agora calcular a eficiência,


386 9.9. Problemas

−W T2 − T1 + T4 − T3 T − T4
η≡ = = 1− 3 (9.37)
Qin T2 − T1 T2 − T1
Vamos trabalhar essa expressão usando o fato que a variação da entropia do sistema
(dispositivo) deve ser zero. Temos então

� � � �
N CP T2 N CP T
ln + ln 4 = 0 (9.38)
kb T1 kb T3
� � � � � �
T2 T4 T
ln = − ln = ln 3 (9.39)
T1 T3 T4

ou seja,

T2 T3
= (9.40)
T1 T4
Temos então para a eficiência,
� �
T4 (T3 /T4 ) − 1 T
η = 1− = 1− 4 (9.41)
T1 (T2 /T1 ) − 1 T1
A temperatura T4 é a temperatura mais baixa do ciclo. A temperatura T1 é a tembperatura
do sistema quando a compressão isentrópica se encerra. Durante a compressão isentrópica,
temos

(PH )(1/γ)−1 T1 = (PL )(1/γ)−1 T4 (9.42)


onde γ = CP /CV . A razão entre as temperaturas pode então ser expressa em termos da
razão entre as pressões:
� �(1/γ)−1
T4 P
= H (9.43)
T1 PL
e a eficiência tem a forma
� �(1/γ)−1
P
η = 1− H (9.44)
PL
onde PH /PL é conhecido como razão das pressões.

9.9 Problemas

Atividade 9.1 O snowboarder da figura comoeça no topo da colina com neve e desce
a colina, o que produz uma variação de entropia ΔS1 . Uma vez atingindo o final da
colina, ele desliva sobre uma região de grama, a qual rapidamente diminui sua veloci-
dade produzindo uma mudança de entropia ΔS2 . Volta a subir a colina e desliza para
o outro lado, o qual é coberto de gelo em vez de neve, produziondo uma variação de
entropia ΔS3 . Classifique as variações de entropia pelo seu valor absoluto, começando
pela menor.
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 387

Figura 9.38: Figura Atividade 1

Atividade 9.2 A figura mostra diagramas PV para quatro ciclos termodinâmicos.


Em cada caso, o ciclo consiste de três ou quatro processos executados na mesma
substância que compõe o dispositivo, e cada processo é isotérmico, isobárico, isócrono
ou isentrópico. As pressões PH e PL têm os mesmos valores nos quatro ciclos. Qual
ciclo realiza maior trabalho no gás?

Figura 9.39

Atividade 9.3 Uma composição de vários processos ocorrem em um dispositivo estável


cujo diagrama de entropia está representado na figura. Qual é o valor de ΔS da
composição?
388 9.9. Problemas

Figura 9.40

Exercı́cio 9.1 Qual dos quatro ciclos termodinâmicos da figura 9.39 tem maior
eficiência?

Exercı́cio 9.2 Ciclos de Carnot A e B operam com a mesma substância e retiram suas
energias térmicas do mesmo reservatório a alta temperatura. Os dois ciclos começa a
operar ocupando diferentes volumes. Durante a expansão isotérmica, o ciclo A dobra
seu colume e o ciclo B triplica seu volume. Se o ciclo A realiza o dobro do trabalho do
ciclo B, qual dos ciclos é o mais eficiente e por quanto?

Exercı́cio 9.3 Uma bomba de calor elétrica opera em um ciclo de Carnot e é utlizada
para resfriar o interior de uma casa para 20 graus C em um dia cuja temperatura ex-
terna é de 38 graus C. (a) Para cada 1,0 J de energia elétrica utilizada, qual é a energia
térmica removida da casa? (b) Qual é o coeficiente de rendimento de resfriamento da
bomba?

Problema 9.1 O calor extraı́do de um refrigerador Qin e o trabalho realizado nele Win
podem ser definidos como


Qin = dQ (9.45)

Win = dW (9.46)
dW <0

onde refere-se a uma integral sobre um ciclo completo, na direção horária. A razão
entre as duas grandezas define o coeficiente de rendimento do refrigerador (CRresf , η =
Qin /Win . Aplique essa definiçõ e calcule o coeficiente em um refrigerador de Carnot
para um gás ideal monoatômico.

Problema 9.2 (a) Considere um ciclo circular no plano P −V dado por x2 +y 2 = 1 onde
x = (P − 2P0 )/P0 e y = (V − 2V0 )/V0 . Se esse ciclo opera como uma máquina térmica,
qual sera sua eficiência? A substância que o compõe é um gás ideal monoatômico. (b)
Encontre a variação de entropia por partı́cula nesse sistema na parte do ciclo onde o
calor está entrando. (c) Se o ciclo opera como um refrigerador, qual será o valor de
CRresf ?
Capı́tulo 9. Degradação de Energia 389

Problema 9.3 Se o ciclo de Brayton representado na figura opera em 4,0 mol de um


gás ideal, quantos graus de liberdade as partı́culas do gás possuem?

Figura 9.41

Lista de problemas escolhidos para aula exploratória:

Atividades 1,2, 3, Exercı́cios 1,e 2 , Problemas 1,2 e 3.

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