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Psicologia

Geral e do
Desenvolvimento

Prof.ª Fernanda de Paula Carvalho


Prof.ª Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes

Indaial – 2022
1a Edição
Elaboração:
Prof.ª Fernanda de Paula Carvalho
Prof.ª Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

C331p

Carvalho, Fernanda de Paula

Psicologia geral e do desenvolvimento. / Fernanda de Paula Carvalho;


Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes. – Indaial: UNIASSELVI, 2022.

134 p.; il.

ISBN 978-85-515-0491-8

1. Psiquismo. – Brasil. I. Fernandes, Maria Clara Alves de Barcellos.


II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 158

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Psicologia Geral e do
Desenvolvimento. A Psicologia é a ciência que se dedica a estudar o comportamento
e os processos mentais humanos (psiquismo). Dessa forma, ao afirmar que se trata
de uma ciência, pressupõe-se entender que a Psicologia é orientada pelas mesmas
leis do método científico, que pautam outras ciências, no sentido de buscar um
conhecimento objetivo, sustentado em fatos empíricos. No entanto, o conhecimento
psicológico precisou percorrer todo um processo para se constituir como ciência.

O recorte histórico dessa evolução será acompanhado ao longo da Unidade


1, que apresentará a formação das principais escolas da Psicologia, bem como as
possibilidades de atuação profissional nos tempos atuais. Assim, veremos a evolução
histórica do conhecimento psicológico até a sua constituição como ciência, passando
pelas ideias psicológicas vinculadas à Filosofia até a constituição do primeiro laboratório
de experimentos psicológicos e das principais escolas da Psicologia.

Na Unidade 2, trataremos da Psicologia do desenvolvimento e das fases


da infância e da adolescência, com objetivo de oferecer um amplo debate sobre os
diferentes aspectos que compõem a constituição da criança e do adolescente.

Por fim, na Unidade 3, discutiremos os temas emergentes em Psicologia,


abordando os assuntos mais urgentes da sociedade e como a Psicologia desdobra
determinadas temáticas, como família, violência, sexualidade, meios de comunicação
de massa e suas tecnologias.

Bons estudos!

Prof.ª Fernanda de Paula Carvalho


Prof.ª Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes
GIO
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No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

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os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
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e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR
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mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
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SUMÁRIO
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA: AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO..................................... 1

TÓPICO 1 — A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA PSICOLÓGICA.................3


1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3
2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS.............................................................................................3
2.1 A PSICOLOGIA FUNCIONALISTA...........................................................................................................7
2.2 A ESCOLA DO ESTRUTURALISMO..................................................................................................... 9
2.3 ASSOCIACIONISMO............................................................................................................................... 9
3 FUNDAÇÃO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA ....................................................................... 10
3.1 O ADVENTO DO CAPITALISMO EMERGENTE................................................................................. 10
3.2 NOVAS DESCOBERTAS DO SÉCULO XIX E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A EVOLUÇÃO
DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA........................................................................................................ 11
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 13
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................14

TÓPICO 2 — PSICOLOGIA DO SÉCULO XX: PERSPECTIVAS ATUAIS................................. 17


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 17
2 BEHAVIORISMO................................................................................................................. 18
2.1 CARL ROGERS E A VISÃO HUMANISTA .......................................................................................... 19
2.2 A GESTALT: A PSICOLOGIA DA FORMA............................................................................................21
3 SIGMUND FREUD E A PSICANÁLISE................................................................................ 24
3.1 A PSICANÁLISE ....................................................................................................................................25
3.2 A ORIGEM DA PSICANÁLISE.............................................................................................................25
3.3 A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE............................................................................................... 27
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 29
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 30

TÓPICO 3 — ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA.................................................. 33


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 33
2 AS ÁREAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ....................................................................... 33
2.1 O OBJETIVO DE TRABALHO DO PSICÓLOGO ...............................................................................34
2.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO .........................................................................................................................35
2.3 A ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO....................................................................................... 37
3 O PSICÓLOGO E A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL.......................................................... 38
3.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO EM UMA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL ............................38
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 40
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 42
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 43

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 45

UNIDADE 2 — A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO......................................47

TÓPICO 1 — UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO..................................... 49


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 49
2 A CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS E
BIOPSICOSSOCIAIS.......................................................................................................... 50
3 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS................ 51
4 DIMENSÕES E PROCESSOS SUBJACENTES AO DESENVOLVIMENTO HUMANO......... 53
5 INFÂNCIA E SUAS CARACTERÍSTICAS DESENVOLVIMENTISTAS................................ 54
6 ADOLESCÊNCIA: AS INFLUÊNCIAS SOBRE OS PROCESSOS BÁSICOS........................ 55
7 ADULTO E O ENVELHECIMENTO: OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS................................. 56
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 58
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................59

TÓPICO 2 — CONHECENDO AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO.................... 61


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 61
2 URIE BRONFENBRENNER: A TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO............................................................................................................................ 62
3 HENRI WALLON: A AFETIVIDADE COMO ELEMENTO DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO............................................................................................................................ 63
4 SIGMUND FREUD: OS PROCESSOS PSICODINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO............................................................................................................................ 65
5 ERIK ERIKSON: TEORIA DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL ................................ 68
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................72
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................73

TÓPICO 3 — O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO: JEAN PIAGET E LEV VYGOTSKY..........75


1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................75
2 PIAGET: A CONCEPÇÃO COGNITIVA ................................................................................75
2.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO ................................................................................................. 76
2.2 PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO, ACOMODAÇÃO E ASSIMILAÇÃO........................................... 77
3 LEV VYGOTSKY: A TEORIA SOCIOCULTURAL – DESENVOLVIMENTO COGNITIVO .......79
3.1 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL ................................................................................... 80
3.2 A FALA NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ............................................................................... 81
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 83
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 89
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 90

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 92

UNIDADE 3 — TEMAS EMERGENTES EM PSICOLOGIA.......................................................95

TÓPICO 1 — FAMÍLIA: A BASE PARA O DESENVOLVIMENTO..............................................97


1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................97
2 A HISTÓRIA DA FAMÍLIA: SUA CONTEXTUALIZAÇÃO.....................................................97
3 TIPOS DE FAMÍLIA E MODELOS PARENTAIS................................................................... 98
4 A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO:
ETAPAS DE CICLO VITAL...................................................................................................99
5 TEORIA GERAL DOS SISTEMAS......................................................................................103
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................106
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................107

TÓPICO 2 — VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE.......................................................109


1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................109
2 CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO .............................................................................109
3 SEXUALIDADE ..................................................................................................................111
4 VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA: O BULLYING.............................................................. 113
5 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER..................................................................................... 114
5.1 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ...........................................................115
5.2 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER...................................................................................116
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................ 118
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 119

TÓPICO 3 — MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA.......................................................... 121


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 121
2 A TELEVISÃO E O CINEMA............................................................................................... 121
3 RÁDIO...............................................................................................................................123
4 PROPAGANDA .................................................................................................................123
5 AS NOVAS TECNOLOGIAS: A INTERNET E OS GAMES...................................................125
5.1 REDES SOCIAIS E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE ................................................................ 125
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................128
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................130
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 131

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................133
UNIDADE 1 —

PSICOLOGIA: AS ORIGENS E
O DESENVOLVIMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os aspectos históricos que contribuíram para a constituição da Psicologia


como ciência psicológica;

• apresentar a Psicologia como ciência com suas áreas de estudo;

• apresentar a Psicologia como profissão com as áreas de atuação dos psicólogos;

• atuação do profissional psicólogo na equipe multiprofissional.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA PSICOLÓGICA

TÓPICO 2 – PSICOLOGIA DO SÉCULO XX: PERSPECTIVAS ATUAIS

TÓPICO 3 – ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA

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UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 —
A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA
COMO CIÊNCIA PSICOLÓGICA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos a evolução da Psicologia como ciência. Para tanto,
será feito um resgate histórico do conhecimento psicológico, desde a Filosofia até o que
entendemos como saber próprio da Psicologia.

Quando falamos de conhecimento psicológico, tratamos de ideias psicológicas


que surgiram a partir do momento em que o homem passou a produzir respostas sobre
os fenômenos que faziam parte do seu cotidiano. Essas respostas eram explicadas
através de mitos; posteriormente, elas se tornaram orientadas pela razão. A Filosofia
deu a sustentação necessária a essas respostas.

Quando falamos de saber próprio da Psicologia, estamos nos referindo ao


conhecimento produzido a partir de métodos e técnicas específicos e independentes
da Filosofia, atingindo, assim, o status de ciência. É, portanto, esse caminho – da história
das ideias psicológicas à ciência psicológica – que iremos acompanhar neste tópico.

2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS
Seja qual for a criação humana – um lápis, um dogma, um notebook, uma pintura
ou uma elaboração científica –, vem no rastro de uma composição de diferentes homens,
que, no passado, se questionaram, se intrigaram, fizeram experimentações, produziram
descobertas, criaram técnicas para lidar com essas descobertas e construíram suas
teorias. Logo, na retaguarda de toda a criação material ou espiritual, pressupõe-se uma
história.

Para que possamos entender fenômenos de hoje, precisamos nos deter com
dedicação ao estudo dos acontecimentos que os precederam e entender as razões
pelas quais alguns processos se dão da maneira que são hoje. Dessa forma, entender
algo que faz parte do nosso universo corresponde a trazer de volta a sua história.

3
IMPORTANTE
Passado e futuro sempre estão contidos no presente, seja como
estrutura, seja como referência. Quando o psicólogo atende um
paciente em sofrimento, é preciso entrar em contato com a história
de vida do atendido, recorrer a alguns elementos do passado para
acessar a sua constituição como sujeito e a forma como ele foi
ensinado a responder aos processos de sua vida.

A extensão da história de um determinado objeto pode ser mais ou menos longa


para as diversas dimensões da produção humana. No que diz respeito à Psicologia,
sua história tem aproximadamente dois milênios, período que abrange a Psicologia no
Ocidente, com início entre os gregos, na época anterior à era cristã.

Para compreender a riqueza e a pluralidade da Psicologia hoje, é imprescindível


recuperar a sua história. A história de sua constituição está conectada, em cada
período histórico, às demandas de saber da humanidade, às diferentes outras áreas
do saber humano, às condições políticas e econômicas de cada tempo e sociedade e à
incontornável exigência do homem de entender a si mesmo e a realidade que o cerca.

A história do pensamento humano data seu momento grandioso na Antiguidade,


entre os gregos, especialmente no intervalo de tempo de 700 a.C. até a dominação
romana, nas proximidades da era cristã (DAVIDOFF, 2001).

Os gregos se constituíram na sociedade mais desenvolvida do período. Com


um sistema de produção profundamente estruturado e exitoso, foi possível a edificação
das primeiras cidades-estados (pólis). A vigência dessas cidades exigia a produção de
mais riquezas, as quais sustentavam também a autoridade dos cidadãos (integrantes
da classe dominante na Grécia Antiga) (DAVIDOFF, 2001).

Esse avanço no desenvolvimento permitiu a exploração do conhecimento


na Física, na Geometria e na teoria política (incluindo a elaboração do conceito de
democracia), possibilitando também que o cidadão explorasse as questões do espírito,
como a Filosofia e a Arte. Alguns filósofos, ainda hoje, muito lidos e conhecidos, como
Platão e Aristóteles, na época, se esforçaram para entender o espírito explorador do
conquistador grego, isto é, a Filosofia passou a se ocupar acerca do homem e da
sua interioridade. É, portanto, através dos filósofos gregos, que emerge o primeiro
empreendimento em estruturar uma Psicologia (DAVIDOFF, 2001).

Etimologicamente, a denominação psicologia advém do grego psyché, que


corresponde à alma, e de logos, definido como razão. Dessa forma, psicologia significa
“estudo da alma”. A alma ou espírito era entendido como o elemento imaterial do ser

4
humano e compreenderia o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade,
o desejo, a sensação e a percepção. Os filósofos pré-socráticos (assim denominados
por precederam Sócrates, importante filósofo grego) ocupavam-se em estabelecer a
relação do homem com o mundo por meio da percepção. Interrogavam-se entre si se
o mundo existe, porque o homem o percebe ou se o homem percebe um mundo que
já existe. Nesse tempo, existia um embate de concepções entre os idealistas (a ideia
forma o mundo) e os materialistas (a matéria que forma o mundo já é oferecida para a
percepção) (DAVIDOFF, 2001).

No entanto, é com o filósofo Sócrates (469-399 a.C.) que a Psicologia na


Antiguidade adquire densidade. A sua atenção estava voltada em definir o limite que
distingue o homem dos animais. Assim, afirmava que o fundamental aspecto humano
era a razão, a qual concedia ao homem ir além dos instintos, elemento que comporia
a irracionalidade. Ao estruturar a razão como particularidade do homem, ou como
essência humana, Sócrates apontou para um conhecimento que seria muito trabalhado
mais adiante pela Psicologia (CAMPOS, 2008). A Figura 1 representa a marcante frase
do filósofo: “Só sei que nada sei”, que traz as bases da formação do pensamento
psicológico, a partir de um ponto de dúvida para um ponto em que podemos ampliar o
conhecimento sobre nós mesmos.

FIGURA 1 – FRASE “SÓ SEI QUE NADA SEI” DO FILÓSOFO SÓCRATES, GRAVADA EM UMA PEDRA DE MÁRMORE

FONTE: <https://s5.static.brasilescola.uol.com.br/img/2018/06/frase_socrates.jpg>. Acesso em: 1 dez. 2021.

As teorias da consciência são, de algum modo, efeitos dessa primeira


investigação na Filosofia. O caminho posterior é fornecido por Platão (427-347 a.C.),
discípulo de Sócrates, que buscou estabelecer uma “localidade” para a razão no nosso
próprio corpo. Ele estabeleceu que essa localidade era a nossa cabeça, lugar em que
está a alma do homem. A medula seria, assim, o componente de junção da alma com o
corpo. Esse componente de junção era importante, pois Platão entendia a alma separada
do corpo. Assim, ao falecer, a matéria (o corpo) desapareceria, mas a alma permaneceria
livre para ocupar outro corpo (FIGUEIREDO, 2014).

5
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, foi um dos mais renomados
pensadores da História da Filosofia. Sua colaboração possibilitou novas formas de pensar
que alma e corpo não podem ser separados. Para Aristóteles, a psyché se constituiria
como o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta tem a
sua psyché ou alma (FIGUEIREDO, 2014).

Aristóteles também investigou as divergências entre a razão, a percepção e as


sensações. Essa investigação está organizada no Da anima, que pode ser definido como
o primeiro tratado em Psicologia. Assim, 2.300 anos antes do surgimento da Psicologia
científica, os gregos já tinham composto duas “teorias”: a platônica, que tratava da
imortalidade da alma e a entendia como separada do corpo; e a aristotélica, que postulava
a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo (FIGUEIREDO, 2014).

Próximo ao advento da era cristã, emerge um novo império que iria governar
a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Um dos fundamentais
elementos dessa etapa histórica é o surgimento e crescimento do Cristianismo – uma religião
que, paulatinamente, se constituiu como a política preponderante (FIGUEIREDO, 2014).

Ainda que, com as invasões bárbaras, em meados de 400 d.C., o Cristianismo


permaneceu e ganhou mais força, emergindo como a religião dominante da Idade Média,
etapa que, então, se iniciou com o fim do Império Romano. Quando pensamos acerca
da Psicologia, nesse momento, é possível associá-la ao saber religioso, visto que, em
paralelo ao poderio econômico e político, a Igreja Católica também centralizava o saber
e, assim, a investigação sobre o psiquismo (FIGUEIREDO, 2014).

Nessa direção, dois notórios filósofos simbolizam esse período: Santo Agostinho
(354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Santo Agostinho, seguindo Platão,
também trabalhava com a ideia da separação entre alma e corpo. No entanto, para ele,
a alma não era apenas o lugar da razão, mas a materialização de uma demonstração
divina no homem. A alma era considerada imortal, por ser o elo que liga o homem a
Deus. Considerando a alma também como a morada do pensamento, a Igreja começou
a se ocupar também de sua compreensão (FIGUEIREDO, 2014).

São Tomás de Aquino teve como base os pensamentos de Aristóteles, para


compor a diferenciação entre essência e existência. Como o filósofo grego, São Tomás
de Aquino entendeu que o homem, em sua essência, procura a perfeição por meio de
sua existência. No entanto, diferentemente de Aristóteles, apresentou a sua perspectiva
pela via religiosa, postulando que apenas a Deus seria concedida a capacidade de
agregar a essência e a existência, em se tratando de igualdade. Assim, a procura pela
perfeição pelo homem seria a busca por Deus. São Tomás de Aquino fundamentou suas
ideias em argumentos racionais, para explicar os dogmas da Igreja e sustentar para ela
a exclusividade da investigação do psiquismo (FIGUEIREDO, 2014).

6
Passados pouco mais de 200 anos da morte de São Tomás de Aquino,
emergiu um período de mudanças radicais no mundo europeu, compreendido como
Renascimento ou Renascença. O mercantilismo levou à conquista de novos territórios
(a América, o caminho para as Índias, a rota do Pacífico), movimento que permitiu o
armazenamento de riquezas pelas nações em formação, como França, Itália, Espanha e
Inglaterra (FIGUEIREDO, 2014).

Na passagem para o Capitalismo, surgiu um novo modo de organização


econômico e social, assim como um movimento de valorização do homem. As ciências
também fazem parte desse desenvolvimento. Em 1543, Copérnico produziu uma
transformação no conhecimento humano ao observar que o nosso planeta não era o
centro do universo. Em 1610, Galileu investigou a queda dos corpos, colocando em prática
as primeiras experiências da Física moderna. Esses acontecimentos proporcionaram o
início da organização do conhecimento científico, quando foram estruturados métodos
e regras fundamentais para a edificação do conhecimento científico (FIGUEIREDO, 2014).

Nesse momento, René Descartes (1596-1659), um filósofo muito importante


para a constituição da ciência, afirmou a separação entre mente (alma, espírito) e
corpo, assegurando que o homem possui uma coisa material (res extensa) e uma coisa
pensante (res cogito), e que o corpo, destituído do espírito, é somente uma máquina.
Tal entendimento é explicado com a célebre frase de Descartes: “penso, logo existo”, em
que o autor coloca a existência (corpo) definida apenas pela possibilidade do pensamento,
da razão (FIGUEIREDO, 2014).

Esses dois componentes antagônicos (mente-corpo) permitiram as pesquisas da


anatomia e da fisiologia, matérias que, no início, deram subsídio para o desenvolvimento
da Psicologia.

2.1 A PSICOLOGIA FUNCIONALISTA


A partir da história do desenvolvimento da Psicologia, podemos dizer que
a Psicologia moderna nasceu na Alemanha, no final do século XIX. Wilhelm Wundt,
Weber e Fechner, importantes nomes no desenvolvimento da Psicologia como ciência,
trabalharam juntos na Universidade de Leipzig. Ainda nesse país, também se reuniram
outros importantes investigadores dessa nova ciência, que era a Psicologia, como o
inglês Edward B. Titchener e o norte-americano William James (DAVIDOFF, 2001).

7
ATENÇÃO
Para obter o status de ciência, a Psicologia precisou se desvincular da
Filosofia e começar a seguir as novas metodologias de produção de
conhecimento do século XIX, que corresponderam a:

• estruturar seu objeto de estudo (o comportamento, a consciência);


• demarcar seu campo de estudo, distinguindo-se de outras áreas
de conhecimento, como a Filosofia e a Fisiologia;
• compor métodos próprios de estudo desse objeto;
• elaborar teorias, com objetivo de estruturar uma materialidade
consistente dos conhecimentos na área (DAVIDOFF, 2001).

Essas teorias precisavam seguir aos padrões básicos da metodologia científica,


ou seja, faz-se necessário trabalhar a partir de um viés neutro, os dados precisam ser
replicáveis, quando testados, sujeitos à comprovação, e constituir-se como referência
para outros experimentos e investigações na área. Os autores iniciais da Psicologia
buscaram, dentro da margem oportunidades e com os recursos disponíveis, alcançar
tais padrões e elaborar teorias. Entretanto, os conhecimentos fabricados, a princípio,
definiram-se muito mais como atitudes metodológicas, que orientavam a pesquisa e a
elaboração teórica (DAVIDOFF, 2001).

Ainda que a Psicologia científica tenha emergido na Alemanha, é nos Estados


Unidos que ela ganha consistência para um acelerado desenvolvimento – efeito
do grande progresso econômico do país nesse momento –, emergindo as pioneiras
abordagens ou escolas em Psicologia, as quais ofereceram estofo às inúmeras teorias
que conhecemos atualmente. Essas abordagens são (DAVIDOFF, 2001):

• o Funcionalismo, de William James (1842-1910);


• o Estruturalismo, de Edward Titchener (1867-1927);
• o Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949).

O Funcionalismo é entendido como a primeira escola fundamentalmente norte-


americana de conhecimentos em Psicologia, que defendia ter como norte de pesquisa
as perguntas “o que fazem os homens” e “por que o fazem” (DAVIDOFF, 2001).

Para responder a esses questionamentos, W. James escolheu a consciência


como o ponto central de suas investigações. A pesquisa se orientou para o entendimento
de seu funcionamento, no ponto em que o homem utiliza a consciência para se adaptar
ao meio (DAVIDOFF, 2001).

8
2.2 A ESCOLA DO ESTRUTURALISMO
O Estruturalismo está orientado para investigar o mesmo fenômeno que o
Funcionalismo: a consciência. No entanto, distintamente de W. James, Edward Titchener
trabalhou em suas características estruturais, ou seja, os estados elementares da
consciência como estruturas do sistema nervoso central (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Essa escola foi implementada por Wundt, mas foi seu discípulo, Titchener,
que utilizou a nomenclatura estruturalismo pela primeira vez, com o sentido de distingui-
la do Funcionalismo. O método de observação de Titchener, bem como o de Wundt, é
o introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos fabricados são essencialmente
experimentais, ou seja, constituídos a partir do laboratório (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

O estruturalismo entende a Psicologia como uma ciência da consciência e da


mente, designação advinda de Wundt. Entende-se que a mente consistiria em uma
soma de processos estruturais e que a consciência e a mente eram efeitos dessa
estruturação (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Titchener postulava que consciência e mente eram entes dissociados, com


funções divergentes na experiência de vida do indivíduo. Um dos principais objetivos
da Psicologia estruturalista é entender as características estruturais da mente, o modo
pelo qual se estrutura e os elementos da consciência (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

2.3 ASSOCIACIONISMO
No Associacionismo, a relevância de Edward L. Thorndike foi ter se configurado
no autor de uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Seus estudos se
concentravam mais em uma perspectiva da utilidade desse conhecimento que nas
pretensões filosóficas que atravessam a Psicologia (DAVIDOFF, 2001).

A denominação Associacionismo pressupõe que a aprendizagem se dá por um


processo de associação das ideias – das mais simples às mais complexas. Dessa forma,
para aprender um conteúdo complexo, a pessoa necessitaria, antes de tudo, entender
as ideias mais simples, vinculadas àquele conteúdo (DAVIDOFF, 2001).

Thorndike postulou a Lei do Efeito, muito importante para a Psicologia


Comportamentalista, a qual defendia que todo comportamento de um organismo
vivo (um homem, um pombo, um rato etc.) inclina-se a se repetir forem ofertadas
recompensas (efeito) para o organismo, assim que este expressar o comportamento.
No entanto, o comportamento não é propício a acontecer se o organismo for castigado
(efeito) após a sua manifestação (DAVIDOFF, 2001).

9
Dessa maneira, o organismo irá relacionar essas situações com outras parecidas.
Por exemplo, se, ao pressionarmos um dos botões da televisão, formos “premiados”
com a nossa programação de televisão favorita, em outras situações, pressionaremos o
mesmo botão, assim como generalizaremos essa aprendizagem para outros aparelhos,
como aparelhos de som, gravadores, entre outros.

3 FUNDAÇÃO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA


Para falarmos da fundação da Psicologia científica, precisamos também analisar
os acontecimentos do século XIX, no que se refere ao papel da ciência e seu progresso
nesse momento.

O desenvolvimento da nova ordem econômica – o Capitalismo – ocorreu em


paralelo ao advento da industrialização, para o qual a ciência precisaria oferecer respaldo
e explicações práticas na área da técnica. Existia, assim, um investimento importante
no progresso da ciência, enquanto um apoio para a nova ordem econômica e social, e
das questões trazidas por ela (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

3.1 O ADVENTO DO CAPITALISMO EMERGENTE


O advento do Capitalismo trouxe uma mobilidade diferente para o mundo, com
a urgência de prover mercados e de produzir cada vez mais: era necessário obter novas
matérias-primas da natureza; surgiram novas necessidades; foi preciso o trabalho de
muitos, que, por sua vez, se tornaram consumidores das mercadorias fabricadas; foram
interrogadas as hierarquias, no sentido de tirar do poder a nobreza e o clero há tantos
séculos assentados (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

O universo também foi colocado em movimento. A partir de novas descobertas,


descobriu-se que o Sol era o centro do universo, que passou a ser percebido sem
hierarquizações. O homem, por sua vez, não era mais visto como o centro do universo
(antropocentrismo), sendo percebido como um ser livre, com capacidade de edificar
seu futuro. O servo (do feudalismo), liberto de seu laço com a terra, teve a chance de
escolher o seu trabalho e o seu lugar no estrato social (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Dessa forma, o Capitalismo mudou a relação do homem consigo mesmo e com


a possibilidade de consumo das mercadorias produzidas. O conhecimento foi separado
da fé e os dogmas da Igreja foram colocados em questão. O mundo se moveu. A razão
e a capacidade de pensamento do homem surgiu, assim, como a significativa aposta de
construção do conhecimento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

10
Nesse novo cenário, estavam estipuladas as circunstâncias materiais
necessárias para o progresso da ciência moderna. As propostas dominantes deram base
à essa construção: o conhecimento como efeito da razão e a oportunidade de descobrir
a natureza e suas leis pela observação rigorosa e objetiva. A procura de um método
rigoroso, que oferecesse a observação para a evidenciação dessas leis, direcionava
para a urgência de que os homens edificassem novos modos de produzir conhecimento
– que não era mais fornecido pelos dogmas religiosos e/ou pela autoridade eclesial.
Surgiu a necessidade da ciência (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

A partir de então, a concepção de verdade se torna, imperiosamente, depende


do carimbo da ciência. A própria Filosofia ajusta-se às transformações dos novos tempos,
com a emergência do Positivismo de Augusto Comte, que afirmava a importância de
maior rigor científico na constituição dos saberes nas ciências humanas. Desse modo,
estabelecia-se o método da Ciência Natural, a Física, como referência de produção de
conhecimento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

3.2 NOVAS DESCOBERTAS DO SÉCULO XIX E A SUA


IMPORTÂNCIA PARA A EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA COMO
CIÊNCIA
Em meio a todas essas transformações ocorridas no século XIX, é importante
localizar a marca de construção da Psicologia como ciência. Foi em meados desse
século que as problemáticas e as temáticas da Psicologia, até então investigadas
especificamente pelos filósofos, também passaram a ser pesquisadas pela Fisiologia e,
em particular, pela Neurofisiologia (DAVIDOFF, 2001).

O progresso da ciência também se refletiu nessas áreas, culminando


na elaboração de teorias sobre o sistema nervoso central, que mostraram que o
pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram frutos desse sistema.
É importante relembrar que o capitalismo trouxe consigo a máquina, cuja participação
primordial passou a definir o modo de se ver o mundo (DAVIDOFF, 2001).

O mundo visto à semelhança de uma máquina; o mundo como um relógio.


Todo o universo começou a ser visto como uma máquina, ou seja, podemos entender o
seu modo de funcionar, a sua constância, o que nos coloca diante da oportunidade de
conhecimento de suas leis. Esse modo de conceber foi refletido também nas ciências
do homem. Para entender o psiquismo humano, mostrou-se urgente entender os
mecanismos e o modo de funcionamento da máquina de pensar do homem – o cérebro
(DAVIDOFF, 2001).

Desse modo, a Psicologia passa a se enredar pelos caminhos da Fisiologia,


Neuroanatomia e Neurofisiologia.

11
Os fisiologistas, daquela época, estudavam a Psicofísica, ou seja, entendiam os
fenômenos psicológicos a partir de uma aliança entre a física, a biologia e a psicologia.
Pesquisavam, por exemplo, a fisiologia do olho e a percepção das cores. As cores eram
explicadas pela Física, e a percepção pela Psicologia (DAVIDOFF, 2001).

Em torno dos anos de 1860, emerge a elaboração de uma lei fundamental na


área da Psicofísica: a Lei de Weber-Fechner, que estipula a relação entre estímulo e
sensação, concebendo a sua mensuração. Essa lei se mostrou muito relevante para
a História da Psicologia, pois estabeleceu a oportunidade de medida do fenômeno
psicológico, até então, tido como inviável. Dessa forma, os fenômenos psicológicos
ganharam a categoria de científicos, pois, para o entendimento de ciência da época, o
que não era mensurável não era sujeito a estudo científico (CAMPOS, 2008).

NOTA
Uma grande colaboração para o desenvolvimento da Psicologia partiu
de Wilhelm Wundt (1832-1920), que fundou, na Universidade de Leipzig,
Alemanha, o primeiro laboratório para efetuar experimentos na área
de Psicofisiologia. Por esse feito e por sua profícua produção teórica
no campo, ele é denominado como o pai da Psicologia moderna ou
científica (CAMPOS, 2008).

No início da estruturação da Psicologia como ciência, existia a necessidade


de convergir os eventos biológicos com a Psicologia para explicá-los. Assim, Wundt
criou a concepção do paralelismo psicofísico, que afirma que os fenômenos mentais
correspondem a fenômenos orgânicos. Para investigar a mente ou a consciência do
indivíduo, Wundt elabora um método a que dá o nome de introspecção. Nessa proposta
metodológica, a pessoa que realiza a experiência questiona ao sujeito, especificamente
instruído para a auto-observação, os lugares trilhados no seu interior por uma
estimulação sensorial (por exemplo, a picada de uma agulha) (CAMPOS, 2008).

12
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A diferenciação entre as ideias psicológicas e a Psicologia como ciência. As ideias


psicológicas relacionadas ao campo da Filosofia e a Psicologia como ciência, quando
ela se desvincula da Filosofia em rumo a um saber próprio, seguindo os padrões
científicos.

• A importância dos aspectos históricos para a constituição da Psicologia como ciência.


O acesso à história da Psicologia permite compreender quais elementos formaram
esse saber como o conhecemos hoje.

• As ideias psicológicas advindas com as interrogações da Filosofia ao homem em


movimento até que a Psicologia se distanciasse da Filosofia, para a formação de um
saber próprio.

• A apresentação da Psicologia como ciência e a formação de suas escolas no século


XIX: o estruturalismo, o funcionalismo e o associacionismo.

13
AUTOATIVIDADE
1 Há cerca de 140 anos, a Psicologia teve seu objeto de estudo definido e seus
fundamentos estabelecidos, tornando-se disciplina independente em relação à
Filosofia. Ao final do século XIX, o método científico foi adotado como recurso para
tentar resolver problemas da Psicologia e, em 1879, foi implantado, na Alemanha, o
primeiro laboratório de Psicologia do mundo. A respeito do autor desse laboratório,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Wilhelm Wundt.
b) ( ) Edward Bradford Titchener.
c) ( ) William James.
d) ( ) B. F. Skinner.

2 Para que possamos entender fenômenos da atualidade, precisamos nos deter com
dedicação ao estudo dos acontecimentos que nos precederam e entender as razões
pelas quais alguns processos se dão da maneira que são hoje. Dessa forma, entender
algo que faz parte do nosso universo corresponde a trazer de volta a sua história.
Com base na evolução histórica da Psicologia, analise as afirmativas a seguir:

I- A história da produção de conhecimento psicológico tem seu início no Império


Romano.
II- Ao entender a razão como característica própria do homem ou como essência
humana, Sócrates abriu uma passagem que seria muito trabalhada pela Psicologia.
As teorias da consciência são, de algum modo, efeitos dessa primeira organização
na Filosofia.
III- O termo Psicologia vem do latim psyché, que significa consciência, e logos, que
significa estudo. Portanto, originalmente, Psicologia significa “estudo da consciência”.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

3 Próximo ao advento da era cristã, emergiu um novo império, que iria governar a Grécia,
parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Um dos principais aspectos
dessa época foi o surgimento e o desenvolvimento do Cristianismo. Nesse contexto,
emergem alguns importantes pensadores que lançariam sementes para a formação
da Psicologia como conhecimento próprio. Considerando as contribuições desses
pensadores da Idade Média e do Renascimento, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

14
( ) Santo Agostinho, inspirado em Platão, também fazia uma separação entre alma
e corpo. Entretanto, para ele, a alma não era apenas o lugar da razão, mas a
confirmação de uma existência divina no homem.
( ) São Tomás de Aquino, inspirado em Aristóteles, afirmava a separação entre essência
e existência. Como Aristóteles, ele acreditava que o homem, em sua essência,
procura a perfeição através de sua existência.
( ) René Descartes (1596-1659), um filósofo muito importante para a constituição da
ciência, propunha o entendimento da inseparabilidade entre mente (alma, espírito)
e corpo, assegurando que o homem possui uma coisa material (res extensa) e uma
coisa pensante (res cogito).

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A partir da História da Psicologia, foi possível perceber que o seu status de ciência
é conquistado no momento que se “desprende”, pouco a pouco, da Filosofia, que
teve forte contribuição na sua estruturação, convocando novos estudiosos e
pesquisadores, que, sob os novos enquadres de produção de conhecimento, se
autorizam a produzir ciência psicológica. Disserte sobre quais critérios os novos
pesquisadores precisaram assumir para compor pesquisas científicas.

5 Ainda que a Psicologia científica tenha se manifestado, primeiramente, na Alemanha,


foi nos Estados Unidos que ela ganhou espaço para um acelerado desenvolvimento,
efeito do grande desenvolvimento econômico que pôs o país na primazia do sistema
capitalista. É nesse território que emergem as primeiras abordagens ou escolas em
Psicologia, que fecundaram as diferentes teorias que vigoram atualmente. Disserte
sobre o Estruturalismo, uma dessas escolas em Psicologia criadas naquela época.

15
16
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
PSICOLOGIA DO SÉCULO XX:
PERSPECTIVAS ATUAIS

1 INTRODUÇÃO
A Psicologia como uma vertente da Filosofia investigava a alma. A Psicologia
científica emergiu a partir do momento em que, seguindo com as normas da ciência do
século XIX, Wundt priorizou a Psicologia sem alma, isto é, sem estar mais vinculada à
Filosofia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

IMPORTANTE
O saber, entendido como científico, precisava ser aquele construído
em laboratórios, com a utilização de mecanismos de observação e
medição. Se antes a Psicologia estava submetida à Filosofia, no século
XIX, ela começou a coligar-se ao ramo da Medicina, que adotava o
método de investigação das ciências naturais como padrão rígido
de edificação do conhecimento. A Psicologia científica, que consistiu
em três escolas – Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo
–, sendo substituída no século XX por diferentes teorias. As três
mais relevantes propostas teóricas da Psicologia nesse período são
reconhecidas por diversos pesquisadores como o Behaviorismo ou a
Teoria S-R (do inglês stimuli-respond – estímulo-resposta), a Gestalt e
a Psicanálise (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

O Behaviorismo, pensado primeiramente por Watson e que ganhou uma grande


repercussão nos Estados Unidos, em razão de suas aplicabilidades práticas, consagrou-
se como importante por ter estipulado o fato psicológico, de forma consistente, a partir
da concepção de comportamento (behavior) (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

A Gestalt, que nasceu na Europa, afirmava que não existe a possibilidade de se


fragmentar processos psicológicos, por exemplo, o entendimento do funcionamento
mente e corpo, como vinham aparecendo nas abordagens da Psicologia científica do
século XIX, defendendo a importância de se entender o homem como uma totalidade
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

A Psicanálise, criada por Freud, na Áustria, foi resultante da prática médica,


resgatando, para a Psicologia, a relevância da afetividade e trazendo a proposta do
inconsciente como objeto de estudo, desconstruindo a herança da Psicologia como
ciência da consciência e da razão (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

17
Neste tópico, abordaremos cada uma dessas importantes escolas teóricas, a
partir da introdução de alguns de seus conceitos básicos.

2 BEHAVIORISMO
A denominação Behaviorismo foi desenvolvida pelo norte-americano John B.
Watson. O termo inglês behavior significa “comportamento” e, por isso, para se referir
a essa vertente teórica, utilizamos Behaviorismo – e também Comportamentalismo, Teoria
Comportamental, Análise Experimental do Comportamento, Análise do Comportamento
(BAUM, 2006).

Watson, tomando o comportamento como objeto de estudo da Psicologia,


emprestava a essa ciência a solidez que os psicólogos do período precisavam – um
objeto que fosse observável, mensurável, cujos experimentos fossem passíveis de ser
reproduzidos em diversas circunstâncias e sujeitos (BAUM, 2006).

Esses aspectos foram importantes para que a Psicologia ganhasse o status de


ciência, promovendo uma ruptura definitiva com a sua vertente filosófica. Watson também
apostava em uma visão funcionalista para a Psicologia, ou seja, o comportamento
precisaria ser investigado como função de determinadas variáveis do meio. Quando
realizado dado estímulo, o organismo reage a partir de certas respostas e isso acontece,
pois os organismos se adaptam aos seus ambientes através de mecanismos hereditários
e pela construção de hábitos (BAUM, 2006).

Watson, em seu trabalho, procurava a constituição de uma Psicologia sem


alma e sem mente, sem se utilizar de termos mentalistas e de métodos subjetivos,
e que oferecesse a possibilidade de prever e controlar. Ainda que estabelecesse o
“comportamento” como objeto de estudo da Psicologia, o Behaviorismo foi, desde
Watson, transformando o modo de se entender essa palavra (BAUM, 2006).

Nos dias atuais, não se concebe comportamento como uma ação destacada
de um indivíduo, mas, sim, como uma inter-relação entre o que o indivíduo faz e o meio
onde o seu “fazer” acontece. Desse modo, o Behaviorismo se debruça na pesquisa das
inter-relações entre o indivíduo e o seu meio, entre as atividades do indivíduo (suas
respostas) e o seu meio (as estimulações) (BAUM, 2006).

Os psicólogos que trabalhavam com essa vertente cunharam os nomes


“resposta” e “estímulo” para indicar àquilo que o organismo faz e às diferentes
inconstâncias ambientais que se relacionam com o indivíduo (BAUM, 2006).

O objeto de estudo comportamento, concebido como a inter-relação indivíduo-


ambiente, compõe o início para uma ciência do comportamento. O homem passa a ser
investigado a partir de sua relação com o meio, sendo olhado, ao mesmo tempo, como
autor e fruto dessas relações.

18
Na História da Psicologia, localizando os estudiosos do comportamento,
podemos falar sobre a importância de B. F. Skinner (1904-1990) como sucessor de
Watson. O Behaviorismo de Skinner tem uma grande repercussão no trabalho de muitos
psicólogos norte-americanos e de diferentes países, onde a Psicologia norte-americana
tem importante inserção, como o Brasil (BAUM, 2006).

Essa vertente de pesquisa ficou designada como Behaviorismo radical,


nomenclatura adotada pelo próprio Skinner, em 1945, para se referir a uma teoria da
Ciência do Comportamento (que ele se colocou a resguardar), por meio da análise
experimental do comportamento. A estrutura da vertente skinneriana se encontra na
elaboração do comportamento operante (BAUM, 2006).

DICA
Para entender o Behaviorismo, sugerimos o filme Laranja Mecânica,
de 1971, uma produção britânico-americana, adaptada, produzida e
dirigida por Stanley Kubrick, que teve como referência o romance de
mesmo título, escrito por Anthony Burgess, em 1962.

O comportamento operante abarca um grande conjunto das ações humanas


–comportamentos como correr, andar, pular, ou seja, comportamentos voluntários.
Partindo da referência do estudo do comportamento respondente, advindo dos
acontecimentos do meio anteriores à resposta do organismo, o comportamento operante
é gerenciado, primordialmente, pelos acontecimentos ambientais que ocorrem depois
da resposta de um indivíduo. São exemplos de comportamento operante ler, digitar uma
mensagem, fazer uma prova, tocar um instrumento etc. (BAUM, 2006).

2.1 CARL ROGERS E A VISÃO HUMANISTA


O norte-americano Carl Rogers (1902-1987) foi um pesquisador muito importante
tanto para a Psicologia quanto para a educação. Nas duas áreas, a colaboração de
seus estudos se tornou extremamente singular, indo ao encontro de ideias e práticas
hegemônicas nos consultórios e nas escolas (FIGUEIREDO, 2014).

A teoria de Carl Rogers – que apresenta uma grande coletânea de conceitos


próprios – surgiu como uma terceira via entre os dois campos hegemônicos da Psicologia
por volta do século XX. A linha de Rogers foi intitulada como humanista, posto que,
em oposição a corrente freudiana, se apoia em uma concepção otimista do homem
(FIGUEIREDO, 2014).

19
A terapia rogeriana se afirmou como aposta não diretiva e centrada no
cliente (termo que Rogers elegia como sendo melhor ao termo paciente), pois é de
responsabilidade do cliente a direção e o progresso do tratamento. Na concepção de
Rogers, o terapeuta somente auxilia o processo terapêutico. Já em sua construção de
entendimento na educação, a função do professor é parecida com a do terapeuta e a
do aluno, com a do cliente, ou seja, o papel do professor é intermediar o processo de
ensino-aprendizagem, fornecer o aprendizado que o aluno administrará a sua maneira
(FIGUEIREDO, 2014).

Para Rogers (2009), a saúde mental e o avanço integral das potencialidades


subjetivas de cada sujeito são aspectos que fazem parte da evolução humana. Retiradas
circunstanciais situações difíceis nesse processo, os sujeitos recuperam a progressão
construtiva. Rogers focou a sua dedicação para a formação do sujeito, a urgência de investir
em uma existência que procure estar em harmonia consigo mesma e com o seu meio.

Rogers apostava que o organismo humano – bem como todos os outros,


incluindo o das plantas – contém uma predisposição a recriar-se, tendo como finalidade
a autonomia. Na teoria rogeriana, a predisposição a se recriar é a exclusiva força
condutora dos seres vivos. Em se tratando dos seres humanos, de acordo com Rogers,
o desenvolvimento contínuo produziu a sociedade e a cultura, que se constituem como
forças independentes dos sujeitos e podem operar em oposição ao progresso de suas
potencialidades (ROGERS, 2009).

Outro elemento importante da concepção teórica de Rogers é que o organismo


humano entende o que é melhor para si e, nessa operação, se favorece dos sentidos
aperfeiçoados no decorrer da evolução da espécie. Tato, olfato e paladar identificam
coisas como prazerosas (por exemplo, sabor e cheiro aprazíveis), o que é salutar. Assim
como nossos instintos estão preparados para engrandecer a “consideração positiva”,
o conceito rogeriano que aponta para ações como cuidado, carinho, atenção etc.
(ROGERS, 2009)

DICA
Para entrar em contato com a obra de Carl Rogers (2009) e
entender a sua teoria, leia o livro Tornar-se Pessoa, a partir do
qual é possível compreender como ele entendia o processo de
tornar-se pessoa, a psicoterapia como uma construção do cliente,
os modos de conceber a ciência e as reflexões sobre o processo
de ensino-aprendizagem. Acesse: https://psicologadrumond.files.
wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf.

20
Rogers acreditava, então, que as pessoas reconhecem o que é interessante para
elas e conseguem achar aquilo de que precisam na natureza e na família. No entanto,
de acordo com o autor humanista, a sociedade e a cultura estruturam instrumentos
que vão ao encontro dessas relações potencialmente saudáveis. Entre os instrumentos
que se entendem como mais perigosos estão a “valorização condicional”, o costume
e a tradição familiar, escolar e de outras instituições sociais, que podem responder às
necessidades do sujeito se ele se garantir merecedor.

Essa ação tem como consequência o que Rogers nomeou como a “consideração
positiva condicional” – em que a manifestação característica é o reconhecimento dos
pais ofertado como recompensa por bom comportamento – e a “autoconsideração
positiva condicional” – produzida pela predisposição que os sujeitos possuem a reter
os atributos culturais e usá-los como medida para o reconhecimento de si mesmos
(FIGUEIREDO, 2014).

Da dimensão conflitante entre o sujeito (“sou”) e o que se demanda dele (“devo


ser”), cresce o que Rogers nomeia como incongruência, que produz sofrimento. Esse
é o caminho que, para ele, se estrutura a neurose. Ao se ver constrangido a atender
às expectativas sociais, o sujeito se percebe em uma situação ameaçadora, o que o
induz a erguer defesas psicológicas. Perante a essa situação, o trabalho do psicólogo
e do professor é possibilitar que seus clientes e alunos se transformem em sujeitos
“plenamente funcionais”, isto é, saudáveis (FIGUEIREDO, 2014).

Entre as formas de visualização do efeito dessa intervenção do profissional


que segue essa corrente teórica, estão a pessoa conseguir se abrir para as novas
experiências, a aptidão de viver o aqui e o agora, a segurança nos próprios desejos e
intuições, a liberdade e a responsabilidade de agir, e a vontade para criar.

Na teoria humanista, é entendido que, para se constituir em uma pessoa


saudável, o sujeito precisa escutar a si mesmo e colocar seus desejos em ato. Assim, o
que um bom terapeuta ou professor de abordagem humanista pode fazer é auxiliar nesse
processo e intervir o menos possível. É nesse caminho que corresponde o conceito de
ser um terapeuta “não diretivo”, a referência básica do rogerianismo (FIGUEIREDO, 2014).

2.2 A GESTALT: A PSICOLOGIA DA FORMA


A Psicologia da Gestalt é reconhecida como uma das vertentes teóricas mais
consistentes e coerentes da história da Psicologia. Seus autores tinham por objetivo
constituir não só uma teoria sólida, mas uma estrutura metodológica robusta, que desse
substância para uma teoria forte (DAVIDOFF, 2001).

Gestalt é um nome alemão que se refere à forma ou configuração. No fim do


século XIX, muitos pesquisadores buscavam entender o fenômeno psicológico em suas
dimensões naturais (primordialmente no que tange à mensurabilidade) (DAVIDOFF, 2001).

21
Nessa época, a Psicofísica estava em evidência. O físico Ernst Mach (1838-1916)
e o filósofo e psicólogo Christian von Ehrenfels (1859-1932) elaboravam uma Psicofísica
com pesquisas sobre as sensações (o dado psicológico) de espaço-forma e tempo-
forma (o dado físico) e tiveram seu reconhecimento como os mais diretos precursores
da Psicologia da Gestalt (DAVIDOFF, 2001).

Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-


1941), instrumentalizados pelas pesquisas da Psicofísica, que correlacionavam a forma
e sua percepção, edificaram a estrutura de uma elaboração teórica, acima de tudo,
psicológica. Eles, então, começaram suas investigações pela percepção e sensação do
movimento (DAVIDOFF, 2001).

Os gestaltistas buscavam entender quais os processos psicológicos atrelados à


ilusão de ótica, quando o estímulo físico é visto pelo indivíduo como um modo distinto do
que ele possui na realidade. É o exemplo do cinema: ao olhar uma fita cinematográfica,
entende-se que ela é feita de fotogramas estáticos, mas a dinâmica que percebemos
na tela é uma ilusão de ótica, produzida pela pós-imagem retiniana (a imagem fica
um pouco mais morosa para “desaparecer” em nossa retina). A partir dos movimentos
das imagens se superpondo em nossa retina, ficamos com a sensação de movimento.
Entretanto, o que está contido na tela é uma fotografia estática (DAVIDOFF, 2001).

A percepção é onde começam os estudos da Gestalt e um dos carros-chefes


dessa teoria. Os trabalhos com a percepção conduziram os pesquisadores da Gestalt
à problematização de um entendimento contido na corrente behaviorista – que existe
vinculação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta –, pois, para os teóricos da
Gestalt, entre o estímulo que o ambiente emite e a resposta do sujeito, está o processo
de percepção. Logo, o que o sujeito percebe e como percebe são elementos cruciais
para o entendimento do comportamento humano (DAVIDOFF, 2001).

O conflito entre a Gestalt e o Behaviorismo está na concepção que cada uma das
vertentes defende perante o objeto da Psicologia – o comportamento –, porque tanto
um quanto outro entendem a Psicologia como a ciência que investiga o comportamento
(DAVIDOFF, 2001).

O Behaviorismo, assumindo uma posição de objetividade, investiga o


comportamento utilizando-se da relação estímulo-resposta, buscando afastar o estímulo
que se refere à resposta esperada e descartando os conteúdos de “consciência”, pela
inviabilidade de regular cientificamente essas variáveis (DAVIDOFF, 2001).

A Gestalt questiona a teoria behaviorista, por acreditar que o comportamento,


quando investigado de modo distanciado de uma conjuntura mais ampla, acaba
desapossado de seu significado (a sua compreensão) para o psicólogo (DAVIDOFF, 2001).

22
Na perspectiva dos pesquisadores da Gestalt, o comportamento precisaria ser
investigado nos seus conteúdos mais globais, incluindo as condições que modificam
a percepção do estímulo. Para sustentar essa hipótese, eles se instrumentalizavam
na ideia do isomorfismo, que pressupunha uma unidade no universo, cuja parte está
sempre associada ao todo (DAVIDOFF, 2001).

Quando percebemos uma parte de um objeto, acontece uma operação de


recuperação do equilíbrio da forma, mantendo a compreensão do que percebemos.
Esse evento da percepção é orientado pela nossa procura por fechamento, simetria e
regularidade dos pontos que compõem uma figura (objeto).

NOTA
A Gestalt, trabalhando com os fenômenos da percepção, consegue capturar
as condições para o entendimento do comportamento humano. O modo
como percebemos um certo estímulo irá influenciar a manifestação do nosso
comportamento. Em muitos momentos, os nossos comportamentos estão
estritamente ligados aos estímulos físicos, enquanto, em outros, eles são
totalmente diversos do esperado, pois “compreendemos” o meio que nos
cerca de um modo diverso da sua realidade. Um exemplo são as ocasiões
em que acenamos para uma pessoa familiar a distância, mas que, ao
nos aproximarmos, percebemos não a conhecer. Um “equívoco”
de percepção nos conduziu ao comportamento de acenar para o
desconhecido. Nesse caso, quando confundimos a pessoa, estávamos
mesmo acreditando acenar para um conhecido. Esse equívoco mostra
que a nossa percepção do estímulo (a pessoa desconhecida) naquele
contexto, naquelas condições que estão dadas, é intermediada pelo
modo como damos sentido ao conteúdo percebido (DAVIDOFF, 2001).

Se, nos componentes percebidos, não existe harmonia, simetria, invariabilidade


e simplicidade, não teremos a boa forma. O componente que queremos entender precisa ser
exposto em características básicas, que possibilitem a sua decodificação, isto é, a percepção
da boa forma. Nesse sentido, o todo é sempre mais que a simples soma das partes.

A propensão da nossa percepção em procurar a boa forma possibilitará a relação


figura-fundo. Quanto mais nítida for a forma (boa forma), melhor será a distinção entre a
figura e o fundo. Quando esse mecanismo não acontece, torna-se complicado separar o
que é figura e o que é fundo, como é no exemplo da Figura 2. A ambiguidade entre fundo
e figura superpõe-se, submetendo-se à percepção de quem os percebe, não sendo
possível distinguir a taça e os perfis ao mesmo tempo.

23
FIGURA 2 – FIGURA IDENTIFICADORA DE FUNDO, SEGUNDO A ESCOLA DE GESTALT

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/three-times-figureground-perception-face-
vase-1138779650>. Acesso em: 1 mar. 2022.

É claro que nem todas as vezes os acontecimentos vividos irão se colocar de


forma tão nítida que nos possibilitem a sua percepção instantânea. Esses acontecimentos
podem se definir como obstáculo no processo de aprendizagem, posto que não emitem
uma nítida distinção da figura-fundo, impossibilitando a relação parte/todo. Pode ocorrer
de, em um primeiro momento, uma figura não ter qualquer sentido, mas, momentos
depois, sem nenhum empenho maior para isso, a relação figura-fundo se esclarecer.
A esse fenômeno a Gestalt chama de insight. O conceito se refere a um entendimento
instantâneo, enquanto uma forma de “entendimento interno” (DAVIDOFF, 2001).

3 SIGMUND FREUD E A PSICANÁLISE


As teorias científicas emergem sempre atravessadas pelo contexto histórico,
nos seus mais diversos fatores sociais, econômicos, políticos, culturais etc. São,
portanto, efeitos históricos produzidos por homens concretos, que vivenciam a sua
época e colaboram ou transformam, de modo visceral, o progresso do conhecimento.

Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que mudou, drasticamente,


a forma de ver a vida psíquica. Freud foi um pensador de vanguarda ao entender as
“dinâmicas misteriosas” do psiquismo, suas “regiões obscuras”, ou seja, as fantasias,
os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do homem, como questões científicas.
A pesquisa sistemática dessas questões intrigantes para o homem daquele tempo
conduziu Freud à inauguração da Psicanálise (DAVIDOFF, 2001).

24
3.1 A PSICANÁLISE
O nome Psicanálise é utilizado para designar uma teoria, um método de
investigação e uma prática profissional. Como teoria, ela se afirma por uma coletânea
de saberes organizados sobre o funcionamento da vida psíquica, pois Freud, a partir
de uma vasta obra, documentava suas descobertas e elaborava leis gerais sobre a
estrutura e o funcionamento da psique humana.

Como método de investigação, a Psicanálise se utiliza do método interpretativo,


que, através da palavra do analisando, tenta escutar seu sintoma e, com ele, investiga as
formações do trauma. Na escuta do analisando, o psicanalista tenta escutar as formas
de manifestação do seu inconsciente, que se manifestam através dos sonhos, dos
sintomas, dos chistes, das associações livres e dos atos falhos. A prática profissional traz
o modo como a Psicanálise efetua o tratamento (denominado de análise), que se orienta
para a escuta do inconsciente ou a cura, que acontece pela via do autoconhecimento
(DAVIDOFF, 2001).

Nos dias de hoje, a prática da Psicanálise acontece de muitos outros modos,


isto é, pode servir como estrutura para psicoterapias e orientação ou ser utilizada
no trabalho com grupos, em instituições. A Psicanálise também se mostra como um
mecanismo fundamental para a análise e entendimento de eventos sociais expressivos:
as novas modalidades de sofrimento psíquico, o crescimento do individualismo como
expressão social e individual na contemporaneidade, o crescimento da violência, entre
outros eventos do nosso tempo (DAVIDOFF, 2001).

Trabalhar com a Psicanálise se refere, sobretudo, a seguir os passos de Freud,


acompanhando com ele a edificação do seu conhecimento ao longo dos seus anos
de atendimentos e pesquisas. A vinculação entre autor e obra se transforma em mais
relevante quando sabemos que ampla parte de sua pesquisa foi estruturada em
experiências pessoais, reproduzidas com rigor em diferentes partes de suas obras,
como em A interpretação dos sonhos (1900) e A psicopatologia da vida cotidiana (1901),
entre tantas outras (DAVIDOFF, 2001).

3.2 A ORIGEM DA PSICANÁLISE


A formação de Freud foi em Medicina na Universidade de Viena, em 1881,
onde ele se especializou em Psiquiatria. Fez algumas pesquisas em um laboratório de
Fisiologia e lecionou a disciplina de Neuropatologia no instituto em que trabalhava. Por
razões financeiras, ficou impossibilitado de se dedicar mais à atividade acadêmica e
de pesquisador. Iniciou, assim, a sua prática clínica, atendendo pessoas que possuíam
“problemas nervosos” (DAVIDOFF, 2001).

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Ganhou uma bolsa de estudo para Paris, onde conheceu Jean Charcot e passou
a trabalhar com ele. Charcot era um psiquiatra francês que cuidava das chamadas
histerias, com o método da hipnose. Em 1886, Freud regressou a Viena e tornou a clinicar,
e sua metodologia de trabalho primordial na extinção dos sintomas dos distúrbios
nervosos foi, naquele primeiro momento, a sugestão hipnótica (DAVIDOFF, 2001).

Em Viena, Freud começou a trabalhar com Josef Breuer, um médico e cientista,


que contribuiu bastante as suas pesquisas. Nessa direção, o caso clínico de uma
paciente de Breuer foi de fundamental importância. Ana O. (nome fictício) demonstrava
um grupo de sintomas que a colocavam em sofrimento: paralisia com contratura
muscular, inibições e dificuldades de pensamento. Esses sintomas passaram a aparecer
quando ela cuidara do pai doente. Na época em que executava essa responsabilidade,
ela havia tido pensamentos e afetos que se relacionavam a um desejo de que o pai
morresse. Esses pensamentos e sentimentos foram recalcados/reprimidos e trocados
pelos sintomas (DAVIDOFF, 2001).

Conscientemente, Ana O. não conseguia dizer o motivo pelo qual apresentava


todos aqueles sintomas, porém, quando estava sob a sugestão da hipnose, falava
sobre a origem de cada um deles, que estavam conectados a experiências anteriores,
vinculadas ao evento da doença do pai. Com a retomada dessas cenas e vivências
através do efeito da hipnose, os sintomas sumiam (DAVIDOFF, 2001).

Tal sumiço não acontecia de modo mágico, mas, sim, pela razão da liberação das
reações emotivas vinculadas a situação traumática – a doença e o desejo inconsciente
da morte do pai doente. Breuer intitulou de método catártico o tratamento que torna
possível a liberação de afetos e emoções conectadas a eventos traumáticos, que não
conseguiram ser manifestos no momento da experiência repugnante ou dolorosa (o
desejo de que o pai doente morresse) (DAVIDOFF, 2001).

DICA
Para entender melhor o percurso do pai da psicanálise Sigmund
Freud e a sua teoria, assista ao filme Freud além da alma, de 1962,
que traz os anos iniciais da montagem da psicanálise de Freud,
a sua teorização inicial sobre o complexo de édipo e os estudos
sobre a histeria. Acesse: https://vimeo.com/142402784.

Essa liberação de afetos conduz à extinção dos sintomas. No começo de sua


atividade médica, Freud utilizava a hipnose não somente com a finalidade de sugestão,
mas também para coletar a história da raiz dos sintomas. Logo após, passou a usar o
método catártico e, ao longo de seus atendimentos com seus pacientes, adaptou a

26
técnica de Breuer, deixando de usar a hipnose como prática, pois nem todos os pacientes
conseguiam se submeter a hipnose. Freud elaborou a técnica de concentração, na qual
a lembrança sucessiva dos fatos era realizada através da conversação normal e, por
fim, após a sugestão de uma jovem paciente, passou a não fazer tantas perguntas e
adotou a técnica da associação livre, em que o paciente se põe a falar de acordo com as
ideias que lhe vêm à mente, com o objetivo de que, nessa associação, adviesse algo do
inconsciente (DAVIDOFF, 2001).

3.3 A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE


Um questionamento acompanhava a prática inicial de Freud em sua clínica: qual
poderia ser a razão pela qual os pacientes não se lembravam de tantos acontecimentos
de sua vida interior e exterior?

Esse conteúdo esquecido era sempre algo muito difícil para a pessoa – e era
precisamente por ser difícil para a pessoa que era esquecido. Além disso, o difícil não
expressava, obrigatoriamente, sempre algo ruim, mas tinha a possibilidade de estar
atrelado a algo bom, mas que se perdera ou que fora vivamente desejado.

Quando Freud decidiu renunciar às perguntas em sua prática clínica com os


pacientes e os permitiu falar livremente, percebendo que, em muitos momentos, eles
se viam constrangidos, envergonhados com alguns pensamentos ou imagens que lhes
acometiam. Freud chamou de resistência esse mecanismo psíquico que se insurgia
a um conteúdo ser tornado consciente. Além disso, denominou como repressão/
recalque o mecanismo psíquico que objetiva esconder, ocultar da consciência, uma
ideia ou representação insuportável e penosa, que está na raiz do sintoma do sujeito
(DAVIDOFF, 2001).

NOTA
O inconsciente representa o agrupamento dos conteúdos não
identificados no momento presente na consciência. É formado por
conteúdos reprimidos, que não possuem entrada aos sistemas
pré-consciente/consciente, pela atividade de censuras internas,
que impedem o seu acesso. Esses conteúdos inconscientes podem
ter sido conscientes, em algum momento, mas foram recalcados,
ou seja, “migraram” para o inconsciente, ou ainda podem ser
verdadeiramente inconscientes. O inconsciente é um sistema do
aparelho psíquico, mantido por leis próprias de funcionamento. Ele
é atemporal, ou seja, não possui as noções de passado e presente
(DAVIDOFF, 2001).

27
Com o efeito do recalque que atua para proteger o indivíduo de se haver com uma
lembrança ou pensamento dolorosos, esses conteúdos psíquicos vão para o inconsciente.
Freud concebia, assim, o aparelho psíquico estruturado em três instâncias, conhecidos
como primeira tópica: pré-consciente, consciente e inconsciente. Além disso, ele as
localizava com as suas devidas funções em nosso psiquismo (DAVIDOFF, 2001).

A descoberta do inconsciente e o mecanismo de funcionamento do aparelho


psíquico freudiano resultaram na estrutura primordial do entendimento das neuroses e
promoveram grandes transformações na atividade clínica. O objeto da Psicanálise passou a
ser desvendar os recalques e tentar entender a razão pela qual eles se erigiam, para que o
analisando pudesse dar um outro destino ao seu sofrimento (DAVIDOFF, 2001).

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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A Psicologia científica emergiu a partir do momento em que, seguindo com as normas


da ciência do século XIX, Wundt priorizou a Psicologia “sem alma”.

• As três mais relevantes propostas teóricas da Psicologia do século XX são reconhecidas


por diversos pesquisadores como sendo o Behaviorismo ou Teoria (S-R), a Gestalt e a
Psicanálise.

• O Behaviorismo, tomando o comportamento como objeto de estudo da Psicologia,


emprestava à ciência psicológica a solidez que os psicólogos do período precisavam –
um objeto que fosse observável, mensurável, cujos experimentos fossem passíveis de
ser reproduzidos em diversas circunstâncias e sujeitos.

• A Gestalt, trabalhando com os fenômenos da percepção, conseguiu capturar as


condições para o entendimento do comportamento humano.

• A teoria de Carl Rogers – que apresentou uma grande coletânea de conceitos próprios –
nasceu como uma terceira via entre os dois campos hegemônicos da psicologia por
volta do século XX.

• Freud foi um pensador de vanguarda ao entender as “dinâmicas misteriosas” do


psiquismo, suas “regiões obscuras”, ou seja, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos
e a interioridade do homem como questões científicas.

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AUTOATIVIDADE
1 A Psicologia, quando vinculada à Filosofia, investigava a alma. A Psicologia científica
emergiu justamente quando, seguindo as normativas para se constituir enquanto
ciência do século XIX, Wundt preconizou a Psicologia sem alma. O saber, lido como
científico, é aquele produzido em laboratórios, com a utilização de ferramentas de
observação e medição. Essa Psicologia Científica, que consistia antes de três escolas
– Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo –, foi trocada, no século XX, por
novas abordagens. As três correntes teóricas da Psicologia mais relevantes, nesse
século, são encaradas por diversos pesquisadores a partir de uma nomenclatura
específica. A respeito do tema, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Gestalt, Humanista e Psicanálise.


b) ( ) Behaviorismo ou Teoria S-R (de estímulo-resposta), Gestalt e Psicanálise.
c) ( ) Psicanálise, Centrada na Pessoa e Jungiana.
d) ( ) Behaviorismo, ou Teoria S-R (de estímulo-resposta), Gestalt e Psicologia Analítica.

2 No artigo O que é a psicologia? (1956), o pensador Georges Canguilhem realizou


uma das críticas mais vorazes às tentativas de se buscar um objeto de estudo que
unificasse toda a Psicologia. Assim, propôs tratar a Psicologia no plural (Psicologias),
para abarcar toda a sua multiplicidade de objeto de estudo e teorias. Nessa direção,
é necessário que cada profissional de Psicologia entenda que a sua formação
deve englobar o domínio mínimo das diferentes correntes teóricas. Com base, nas
correntes teóricas da Psicologia, analise as afirmativas a seguir:

I- O estruturalismo de Titchener trabalhou a diferença, em outro momento, realizada


por William James, entre estruturalismo e funcionalismo. Na concepção do
estruturalismo, o foco se destina sobre aquilo que “é”, enquanto, para o funcionalismo,
a problemática gira entorno do “para que”.
II- A Psicologia da Gestalt emergiu como uma proposta questionadora à concepção
elementarista em Psicologia. Na concepção da Gestalt, o todo é sempre mais que a
simples soma das partes.
III- Para o Behaviorismo de Watson, a Psicologia tem como foco prever e elaborar
leis sobre o comportamento. Seu método fundamental é a investigação do
comportamento operante, o qual é realizado pelo organismo, e não provocado por
uma estimulação externa, como exemplo do comportamento reflexo.
IV- São elementos primordiais da Psicologia humanista: foco na experiência consciente;
aposta na integralidade da natureza e da conduta do ser humano; e aposta no livre-
arbítrio e na espontaneidade.

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Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

3 Para entender a Psicologia hoje, é preciso passar pela história de sua configuração,
pois isso fornece as bases e os motivos de terem sido utilizados determinados
caminhos ao longo de seu desenvolvimento. A respeito da história da Psicologia
e a história das ideias psicológicas e representações sociais, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Podemos separar a história da Psicologia em dois principais assuntos: a história das


ideias psicológicas e a história da Psicologia científica.
( ) Apenas podemos considerar uma história da Psicologia científica, com início no final
do século XIX, período em que a proposta de edificação de uma ciência psicológica
efetivamente atingiu um sentido. Wundt foi o pioneiro nessa implementação.
( ) O pensamento acerca dos acontecimentos da vida humana que são, hoje, objeto
da Psicologia – a percepção, o pensamento, a imaginação e os afetos – já era
reconhecido há bastante tempo no campo da história das ideias, através da Filosofia,
da Metafísica e de outros saberes.
( ) O estudo da História das ideias psicológicas estruturou a Psicologia como ciência.
Investigar as ideias e os conceitos fabricados em diversos momentos históricos
sobre os fenômenos psicológicos significa rever a própria consciência humana
sobre si mesma.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – V – V – V.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – V.

4 A denominação Behaviorismo foi desenvolvida pelo norte-americano John B. Watson.


O termo inglês behavior significa “comportamento” e, por isso, para se referir a essa
vertente teórica, utilizamos o nome Behaviorismo – e também Comportamentalismo,
Teoria Comportamental, Análise Experimental do Comportamento e Análise do
Comportamento. Disserte sobre a corrente teórica do Behaviorismo de Watson.

5 As teorias científicas emergem sempre atravessadas pelo contexto histórico, nos


seus mais diversos fatores sociais, econômicos, políticos, culturais etc. São, portanto,
efeitos históricos, produzidos por homens concretos, que vivenciam a sua época
e colaboram ou transformam, de modo visceral, o progresso do conhecimento.
Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que mudou, drasticamente, a
forma de ver a vida psíquica. Disserte sobre a descoberta do inconsciente por Freud.

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32
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —
ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Anteriormente, vimos a Psicologia como ciência e o seu percurso ao longo dos
anos. Uma ciência que procura entender o homem desde o seu mundo interno, sua
subjetividade, que é a origem das expressões do sujeito, suas atividades, seus sonhos,
seus projetos, suas emoções, sua consciência e seu inconsciente.

Neste tópico, estudaremos a Psicologia como profissão, ou seja, enquanto


exercício profissional e aplicabilidade dos saberes construídos pela ciência psicológica.

No Brasil, é uma profissão estabelecida pela Lei nº 4.119, de 27 de agosto de


1962. São psicólogos, aptos à prática profissional, aqueles que integralizam o curso de
graduação em Psicologia e se registram no órgão profissional competente.

A prática da profissão está vinculada à utilização de métodos e técnicas da


Psicologia (que é exclusivo dos psicólogos), com a finalidade de realizar psicodiagnóstico,
avaliação comportamental, recrutamento e seleção de pessoas, orientação psicopedagógica
e atendimento clínico.

2 AS ÁREAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO


O psicólogo tem ganhado reconhecimento, sendo posicionado cada vez mais
como profissional de saúde, que, em parceria com muitas outras profissões, emprega
conhecimentos e técnicas da Psicologia para promover a saúde.

De acordo com as definições da Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde


é concebida como o “estado de bem-estar físico, mental e social” (SEGRE; FERRAZ,
1997). Se desenvolvermos um pouco mais essa definição, quando tocamos no assunto
da saúde, aludimos a um universo de possibilidades produzidas coletivamente e que
possibilitam a permanência da própria sociedade.

Assim, faz-se referência aos recursos básicos (de alimentação, de educação,


de lazer, de participação na vida social etc.), que criam condições para um grupo social
produzir e reproduzir-se de forma harmoniosa e equilibrada.

É a partir desse lugar que ocupamos que podemos pensar no nosso modo de
pensar e ocupar as diferentes possibilidades de áreas de atuação em Psicologia.

33
2.1 O OBJETIVO DE TRABALHO DO PSICÓLOGO
Quando concebemos o psicólogo como profissional de saúde, entendemos que
cabe a ele aplicar seus conhecimentos em Psicologia para a melhoria da qualidade de
vida no conjunto social em que habita e trabalha, ou seja, que esteja voltado a sua
responsabilidade como cidadão e como profissional.

Dessa forma, o profissional de Psicologia compõe sua prática vinculado às


circunstâncias gerais de vida de uma sociedade, ainda que se volte para a subjetividade
dos sujeitos e/ou suas expressões comportamentais. Trabalhar com a saúde das
pessoas corresponde a trabalhar com as necessidades objetivas e subjetivas de vida,
de forma inseparável (CAMPOS, 2008).

É importante salientar que a atuação do psicólogo precisa se direcionar pelo


emprego dos conhecimentos e técnicas da Psicologia na melhoria da saúde. Essa
atuação pode ser executada nos mais diferentes espaços: consultórios, escolas,
hospitais, creches e orfanatos, empresas e sindicatos de trabalhadores, bairros,
presídios, tribunais de justiça, varas de família ou da criança, instituições de reabilitação
de deficientes físicos e mentais, ambulatórios, postos e centros de saúde e outros
(CAMPOS, 2008).

NOTA
Nesse sentido, é primordial não se esquecer de que o comprometimento
do psicólogo em pensar sobre as condições sociais de vida da população
não comprometerá a sua atuação ao deparar-se com os transtornos
mentais e a importância da cura desses indivíduos. Ao encontrar com
pessoas que manifestem algum tipo de transtorno e sofrimento psíquico,
que precisem de uma interferência clínica curativa, deve-se recorrer a
melhorias por meio de terapias pela palavra ou corporais.

Portanto, a atividade do psicólogo como profissional de saúde será definida


pelo emprego dos saberes psicológicos em direção a uma atuação própria voltada para
indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de autoconhecimento, desenvolvimento
pessoal, grupal e institucional, em um compromisso com a promoção da saúde.

Nesse momento, surge a dúvida: o que queremos dizer quando falamos da


atuação na melhoria e nas condições da saúde da população? O psicólogo, ao mesmo
tempo que precisa intervir na saúde específica dos indivíduos, não pode deixar de
pensar nas condições sociais de vida da sociedade em que vive e como essas condições
afetam a saúde da população de modo geral (CAMPOS, 2008).

34
A Psicologia possui, como matéria de investigação, o fenômeno psicológico, que
está vinculado a movimentos internos ao indivíduo. A subjetividade, que corresponde
ao seu universo interior, formado no percurso da vida, através das relações sociais e de
suas minúcias, com todas as suas potencialidades e restrições (CAMPOS, 2008).

Quando falamos de saúde mental, nos referimos à capacidade de um sujeito


poder se ver como ser histórico, ou seja, entender que a sua construção como pessoa
(sua subjetividade) se dá a partir das suas relações sociais, da conjuntura social, política,
econômica e cultural em que está inserido.

Possuir e conservar uma posição saudável do psiquismo corresponde a


entender-se como um sujeito imerso em uma sociedade, em uma inter-relação de
aspectos sociais, que é o meio em que o sujeito se constitui como homem. Dessa
maneira, a saúde mental de um sujeito está pontualmente conectada à qualidade de vida
que ele dispõe, pois a escassez de condições, representada pela fome, falta de moradia,
falta de saneamento básico, acesso precário ou inexistente à saúde, desemprego,
analfabetismo e altas taxas de mortalidade infantil se transformam em situações
que debilitam e dificultam o desenvolvimento do sujeito inserido nesse contexto
(CAMPOS, 2008).

Como exemplo para ilustrar essa situação, podemos refletir sobre como
constituir um universo psíquico, se não existe matéria-prima própria para isso? As
construções desse psiquismo serão precárias. Em resumo, o psicólogo atua para a
melhoria da saúde, ou seja, para que os indivíduos possam construir um entendimento
cada vez mais amplo de sua vinculação com as relações sociais e de sua formação
histórica e social como ser humano. Quanto mais certo sobre esse processo o sujeito
estiver, melhores serão as capacidades de ele responder às adversidades cotidianas que
o perpassam, estabelecendo o que fazer, planejando ações para mudar a si e a realidade
em que habita, entendendo as relações nas quais está inserido e, assim, estabelecendo
um conhecimento sobre si mesmo e sobre o outro.

2.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO


Após conhecermos o objetivo da atuação profissional do psicólogo, é importante
listarmos as áreas e os lugares nos quais o psicólogo pode trabalhar.

Em consultórios, clínicas psicológicas, hospitais, ambulatórios, centros de


saúde, organizações não governamentais (ONGs), escolas, presídios, judiciário, para
elencar algumas instituições de saúde em que é possível atuar, os psicólogos sempre
trabalharão para promover a saúde. Nesses ambientes, os transtornos e distúrbios
mentais aparecerão e, assim, serão alvo de intervenções psicoterapêuticas (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

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Evidentemente, o psicólogo deverá lançar mão do conhecimento da Psicologia
para realizar um diagnóstico, intervir e avaliar. A atuação do psicólogo na clínica é muito
reconhecida; visualizamos muitas de suas técnicas, como testes psicológicos, entrevistas
e terapias, pois costuma ser veiculado em novelas, filmes, séries e livros. O senso comum
alude a esse psicólogo como “o terapeuta” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Na escola ou nas instituições educacionais (creches, instituições de abrigamento


etc.), o processo pedagógico, evidentemente, será o foco. Assim, a atuação do psicólogo
estará vinculada a tudo o que contribui ou atrapalha o processo educacional. Esse
direcionamento irá submetê-lo à utilização de técnicas que se adequem às demarcações
que a sua atuação possuirá, colocada pela realidade educacional em que ele atua.
Ainda que em ambiente educacional, ele continua sendo psicólogo, pois disporá do
conhecimento da ciência psicológica, para entender e promover ações de bem-estar,
porém, nessa realidade, com o foco de estabelecer melhorias na saúde em um território
educacional (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

Quando se trata da atuação do psicólogo nas empresas, isso significa falar


das relações de trabalho e da dinâmica produtiva da empresa, que serão o foco de
atuação na intervenção primordial do psicólogo, colocados como a realidade principal
do psicólogo. Dessa maneira, os saberes e as técnicas que o profissional disporá
estarão atreladas ao universo do mundo trabalho e dos requisitos necessários para
aquele ambiente. A promoção da saúde, nessa área de atuação, também corresponde
ao seu foco principal de trabalho. Assim, psicólogos que trabalham em empresas têm
como atividade primordial de atuação o cuidado com a saúde mental do trabalhador, as
relações de trabalho e a seleção de pessoas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

No entanto, embora sejam entradas diferentes de trabalho, em cada ambiente


em que o psicólogo atue, o que existe e deve se manter é a Psicologia como campo de
conhecimento científico, empregada em processos individuais ou nas relações entre
pessoas, nas escolas, nas empresas e nas clínicas, assim como em hospitais, presídios,
organizações não governamentais (ONGs), ambulatórios, centros de saúde etc. (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

É evidente que não se passa desapercebido que os psicólogos, na medida


em que se inserem nessas áreas de atuação, começam a estabelecer discussões,
debates e pensamento específicos dessas áreas. Esse movimento tem como efeito
a elaboração de conhecimentos muito singulares da área em que trabalha: acerca
de sua população-alvo de intervenção, das abordagens utilizadas, dos problemas
característicos, produzindo, dessa forma, áreas de conhecimento dentro da Psicologia.
Por exemplo, a Psicologia Educacional possui as suas especificidades: aprendizagem
do aluno, problemas de desajuste, relação professor-aluno, fracasso escolar, educação
especial etc. A Psicologia do Trabalho também tem seus saberes próprios de situações,
que são produzidas exclusivamente dentro de um ambiente de empresa: o estresse, as
consequências psíquicas do trabalho, a saúde do trabalhador, os métodos de seleção, o
treinamento etc. (CAMPOS, 2008).

36
Existe ainda a oportunidade de o psicólogo se candidatar à docência no ensino
superior e à pesquisa, como professor do curso de Psicologia. Esses profissionais estão
mais vinculados à Ciência Psicológica como campo de conhecimentos, construindo e
lecionando esses conhecimentos. Essas áreas são tidas como trabalhos de base na
profissão, posto que, para se formar como psicólogo, as pessoas precisam da produção
do conhecimento e da formação enquanto tal (CAMPOS, 2008).

2.3 A ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO


Quando falamos da prática do psicólogo, precisamos atentar aos usos que
fazemos tanto de nossas técnicas quanto da posição que ganhamos diante da população
como profissionais de saúde, isto é, quando não estamos utilizando o conhecimento a
serviço da promoção da saúde da coletividade. Para tanto, os conselhos de Psicologia
(tanto na esfera federal quanto na regional) têm a incumbência de analisar a prática do
psicólogo nas suas mais diversas áreas de atuação, a fim de saber se ele está pautado
no exercício de sua profissão, de acordo com o Código de Ética Profissional do Psicólogo
(CFP, 2005).

NOTA
Todas as profissões precisam partir de um conjunto de práticas que
procure abraçar as exigências sociais, orientadas por profissionais
qualificados e padrões técnicos testados, assim como pela presença
de normas éticas que confirmem a apropriada relação de cada
profissional com seus semelhantes e com a sociedade de forma geral.
Para saber mais sobre o Código de Ética Profissional do Psicólogo,
acesse: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-
de-etica-psicologia.pdf.

Ainda assim, para além do guia de práticas fornecido pelo Código de Ética,
existe a construção da ética de cada profissional no exercício de sua atuação, que exige
reflexão, estudos e orientação, como o uso da Psicologia em práticas repressivas de
punição e castigo, que podem ocorrer em escolas, presídios, instituições educacionais
e/ou de reabilitação, hospitais psiquiátricos, entre outros locais.

Agir eticamente na condução do conhecimento da Psicologia significa estar


aberto para a diferença; estudar as mais diversas problematizações sobre a construção
do lugar da doença na sociedade, da loucura, da função do medo; e poder expandir
esse conhecimento de desconstrução de preconceitos para a sociedade, haja visto que
eles são produtores de sofrimento psíquico e que o papel de um psicólogo é promover
a saúde mental e a qualidade de vida (CAMPOS, 2008).

37
3 O PSICÓLOGO E A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL
Tendo expostos os objetivos e as possibilidades de campos de atuação para
o psicólogo, fica evidente, assim, que a Psicologia detém um conhecimento essencial
para o entendimento da realidade e, por isso, ela é usada, por psicólogos ou outros
profissionais, em diferentes espaços de trabalho.

Assim, ao trabalhar nessas áreas, os profissionais da Psicologia necessitam dos


conhecimentos dos outros campos de saberes para ter uma perspectiva sistêmica do
evento pesquisado e alvo de intervenção.

Na Educação, por exemplo, o psicólogo precisa dos conhecimentos da


Pedagogia, da Sociologia e da Filosofia. Na área da Justiça, é necessário entrar em
contato e estudar elementos próprios do Direito. Na maioria dos postos de trabalho,
os psicólogos não estão sozinhos, sendo instados a trabalhar em conjunto com equipes
multidisciplinares, nas quais cada trabalhador, com seu conhecimento particular, busca
juntar suas reflexões e efetivar um entendimento mais integral do fenômeno pesquisado
e uma atuação mais conjunta com os seus pares.

3.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO EM UMA EQUIPE


MULTIPROFISSIONAL
Para que o psicólogo possa atuar em conjunto a uma equipe multiprofissional,
é necessário atentar para a exigência de articulações com outros profissionais, para que
juntos possam alcançar a realidade das pessoas que precisam e buscam tratamento, e
entender como que o contexto interfere no processo de subjetivação de cada sujeito.

Com receptividade e escuta especializada, o psicólogo inserido em uma


proposta interdisciplinar pode representar o fio de conexão para uma construção de
demanda original. Junto aos outros profissionais da equipe, ele pode trabalhar em um
projeto de intervenção no espaço em que estiver (seja ele escola, hospital, empresa etc.),
preconizando o sujeito em sofrimento, além de investir também no acolhimento da sua
estrutura familiar (se for o caso de um ambiente hospitalar ou centros de saúde). Assim,
a equipe multiprofissional necessita afirmar a urgência de uma intervenção, levando
em conta os aspectos sociais, biológicos e psicológicos inseridos na queixa da pessoa.
Desse modo, o trabalho de interdisciplinaridade mostra-se uma alternativa com mais
sucesso para o cuidado na sua integralidade (CAMPOS, 2008).

38
NOTA
A interdisciplinaridade é definida pela ajuda mútua, presente entre
diferentes disciplinas ou entre setores distintos de uma mesma ciência.

O trabalho de uma equipe multiprofissional com uma proposta interdisciplinar


agrega no projeto para um atendimento mais sistêmico e exitoso, pois os profissionais
tentam chegar entre si a um lugar de tratamento comum e, portanto, mais benéfico ao
paciente/indivíduo/empresa. Dessa maneira, oferece uma estrutura teórica e científica,
a qual se torna essencial para entender a estruturação e a qualidade das ligações das
relações humanas; a qualidade de vida das pessoas; bem como, sugerir ações que
contribuam para o bem-estar coletivo (CAMPOS, 2008).

A equipe multiprofissional se coloca a refletir sobre projetos que contemplem


as necessidades que advém da realidade concreta do espaço em que se atua e do
desenvolvimento dos sujeitos.

Os desafios que atrapalham a efetuação da interdisciplinaridade na atuação


das equipes é a formação de alguns profissionais, que preconizam seus próprios
conhecimentos técnicos obtidos, invalidando as práticas do contexto social em que se
trabalha e as dos outros profissionais.

As práticas que podem favorecer o trabalho interdisciplinar são: os incentivos


a ações conjuntas, a integralidade e a interligação entre os profissionais de diferentes
áreas do conhecimento.

A prática interdisciplinar precisa contar com a criatividade, a originalidade e a


plasticidade diante da enormidade de modos de fazer, das questões que surgem e de
suas consequentes possibilidades de respostas.

Assim, é buscando o espaço de diálogo constante, em que se consegue


colaborar para a construção de outros modos de conhecimento, de forma a compartilhar
e atuar, favorecendo a superação dos desafios profissionais diários, oferecendo uma
melhor qualidade de atendimento e construindo, coletivamente, um melhor modo de
compreender a realidade social.

39
LEITURA
COMPLEMENTAR
REFLEXÕES SOBRE O ESTUDO DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

Lenita Gama Cambaúva


Lucia Cecilia da Silva
Walterlice Ferreira

Neste artigo, as autoras argumentam sobre a necessidade de alguns


subsídios fundamentais para se entender a psicologia como produção humana e,
consequentemente, entender suas problemáticas atuais bem como as possibilidades
de sua transformação. Apontam a importância de se apreender os conhecimentos
psicológicos – sejam as ideias psicológicas, seja a psicologia científica, seja a própria
formação do psicólogo – pela e através da história dos homens que os construíram.

“A reflexão sobre o que é a Psicologia, de onde vem, para que e a quem serve, é
algo tão imprescindível para o psicólogo como o conteúdo de suas teorias e o domínio
de suas técnicas” (ANTUNES, 1989, p. 32-33).

Ao ministrar disciplinas que versam sobre os fundamentos da psicologia, temos


tido a preocupação de fazer com que os alunos reflitam sobre a ciência em que estão
sendo formados. Julgamos que a reflexão deva ser feita com o objetivo de se entender
a produção histórica da ciência psicológica para, a partir daí, entendermos a psicologia
que estamos fazendo e que rumos ela vem tomando. Temos, sobretudo, a preocupação
de formar um profissional que possa contribuir com sua ciência de maneira ativa e
crítica. Nesse sentido, tem este artigo o objetivo de argumentar sobre a necessidade
de se estudar a psicologia de uma perspectiva histórica, ou seja, a partir do ponto de
vista que apreende a ciência psicológica como uma prática social e que entende serem
os seus fundamentos, históricos e filosóficos, intimamente ligados à própria forma de o
homem viver e se expressar na sociedade.

Partindo dessa perspectiva, entendemos que a psicologia vai sendo construída


à medida mesmo que os homens vão construindo a si e a seu mundo. A preocupação do
homem com as chamadas atividades subjetivas é tão antiga quanto as primeiras formas
do pensamento racional, ou seja, quando o homem pensa acerca do mundo, dos outros
homens e de si mesmo, elabora ideias psicológicas, ideias que se referem a processos
individuais e subjetivos, como as percepções e as emoções.

40
O homem, sendo personagem principal desse processo de desenvolvimento
do pensamento, cria ideias, entre elas as ideias psicológicas. Ele cria as ciências
como forma de compreensão do mundo; entre essas ciências cria a psicologia, tendo
como objetivo o entendimento do que hoje chamamos subjetividade, bem como a
interpretação desta na sua relação com o mundo e com outros homens. Isso significa
que a psicologia pode ser considerada uma ciência social, e seu objeto o homem. Ao
falarmos do desenvolvimento da psicologia, estamos, ao mesmo tempo, nos referindo
ao desenvolvimento, ao processo, à elaboração e à criação do pensamento humano.
Ou seja, assumimos e entendemos que o homem está em constante movimento. Como
analisa Lane (1985), ele “fala, pensa, aprende e ensina, transforma a natureza, o homem
é cultura, é história” (p. 12).

Estudando a psicologia numa dimensão histórico-social, é possível entender


a sua constituição em ciência e entender seus debates atuais no interior mesmo das
relações sociais desenvolvidas pelos homens. Concebemos, como primeiro ponto a ser
levado em conta, que a psicologia não é uma criação mágica ou abstrata. Pelo contrário,
é uma criação humana e bem concreta: inicialmente, enquanto ideias psicológicas
imersas na filosofia; depois, enquanto disciplina científica, tendo, nos dois momentos,
o objetivo de compreender as ações, as atitudes, os comportamentos e tantos outros
estados subjetivos humanos que se revelam dinamicamente na relação dos homens
entre si no mundo em que vivem.

O segundo ponto a considerar é que a psicologia, por muito tempo, foi tema da
filosofia. Muitos estudiosos consideram que ela se emancipou da filosofia em meados do
século XIX. Sendo assim, nos parece que não podemos resgatar a história da psicologia
sem entendermos a filosofia como primeira forma de desenvolvimento do pensamento
humano racional, quando das primeiras indagações do homem sobre o mundo.

E, ainda, um terceiro aspecto a se observar é que o aparecimento da consciência


humana é concomitante ao aparecimento do pensamento racional, já que o homem
de simples animal passa a ser humano, social e histórico. Essa consciência que em
primeira mão é a consciência de si, leva o homem a elaborar os primeiros conceitos
sobre a subjetividade humana, que nada mais são do que as próprias ideias psicológicas,
embriões da futura ciência psicológica.

Sobre esses três pontos é que desenvolvemos algumas reflexões que têm nos
ajudado a compreender e ensinar a história da psicologia.

FONTE: CAMBAÚVA, L. G.; SILVA, L. C. da; FERREIRA, W. Reflexões sobre o estudo da história da Psicologia.
Estudos de Psicologia, [s. l.], v. 3, n. 2, p. 207-227, 1998. Disponível em: https://www.scielo.br/j/epsic/a/
yHVhwWSrcQ7wpJfbGnBjqQK/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 29 dez. 2021.

41
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• No Brasil, a Psicologia é uma profissão estabelecida pela Lei nº 4.119/1962. São


psicólogos, aptos à prática profissional, aqueles que integralizam o curso de
Graduação em Psicologia e se registram no órgão profissional competente.

• O psicólogo tem ganhado reconhecimento, sendo posicionado cada vez mais como
profissional de saúde, que, em parceria com muitas outras profissões, emprega
conhecimentos e técnicas da Psicologia para promover a saúde.

• Quando concebemos o psicólogo como profissional de saúde, entendemos que


cabe a ele aplicar seus conhecimentos em Psicologia na melhoria da qualidade de
vida no conjunto social em que habita e trabalha, ou seja, que esteja voltado a sua
responsabilidade como cidadão e como profissional.

• Em consultórios, clínicas psicológicas, hospitais, ambulatórios, centros de saúde,


ONGs, escolas, presídios, judiciário, para elencar algumas instituições possíveis de
se atuar, os psicólogos sempre trabalharão para promover saúde. Nesses ambientes
de trabalho, os transtornos e distúrbios mentais aparecerão, que serão alvo de
intervenções psicoterapêuticas.

• Na maioria dos postos de trabalho, os psicólogos não estão sozinhos, sendo instados a
trabalhar em conjunto com equipes multidisciplinares, em que cada trabalhador, com
seu conhecimento particular, busca juntar suas reflexões e efetivar um entendimento
mais integral do fenômeno pesquisado e uma atuação mais conjunta com os seus pares.

42
AUTOATIVIDADE
1 A Psicologia é um saber que procura entender o homem desde o seu mundo interno,
sua subjetividade, que é a origem das expressões do sujeito, suas atividades, seus
sonhos, seus projetos, suas emoções, sua consciência e seu inconsciente. Sobre
a Psicologia enquanto exercício profissional, com a aplicabilidade dos saberes
construídos pela ciência psicológica, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Psicologia no Brasil é uma profissão, porém ainda não possui regulamentação


em conselho profissional.
b) ( ) São psicólogos, aptos à prática profissional, aqueles que integralizam o curso de
graduação em Psicologia, realizam especialização em Psiquiatria e se registram
no órgão profissional competente.
c) ( ) A prática da profissão, no modo como aparece na Lei nº 4.119/1962, está vinculada
à utilização (por diferentes profissionais das mais diversas especialidades) de
métodos e técnicas da Psicologia.
d) ( ) O psicólogo tem ganhado reconhecimento, sendo posicionado cada vez
mais como profissional de saúde, que emprega conhecimentos e técnicas da
Psicologia para promover a saúde.

2 Quando concebemos o psicólogo como profissional de saúde, entendemos que cabe


a ele aplicar seus conhecimentos em Psicologia para a melhoria da qualidade de
vida no conjunto social em que habita e trabalha, ou seja, que esteja voltado a sua
responsabilidade como cidadão e como profissional. Acerca do objetivo da prática do
psicólogo, analise as sentenças a seguir:

I- O profissional de Psicologia compõe sua prática vinculada às condições subjetivas


de seu paciente/cliente, estando atento tão somente aos aspectos de manifestação
de distúrbios de comportamento e sofrimento psíquico.
II- A atuação do psicólogo precisa estar direcionada ao emprego dos conhecimentos e
das técnicas da Psicologia na melhoria da saúde. Trabalhar com a saúde corresponde a
trabalhar com as necessidades objetivas e subjetivas de vida, de forma inseparável.
III- A atividade do psicólogo, como profissional de saúde, será definida pelo emprego
dos saberes psicológicos em um compromisso com a promoção da saúde.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

43
3 A Psicologia, ao longo dos anos, conquistou cada vez mais reconhecimento e
valorização e, na esteira desse reconhecimento, ganhou mais espaço, inserindo-se
em diferentes campos de atuação. Assim, em parceria com muitas outras profissões,
o psicólogo emprega conhecimentos e técnicas da Psicologia para promover a saúde.
Sobre as áreas de atuação do psicólogo, classifique V para as sentenças verdadeiras
e F para as falsas:

( ) Na escola ou nas instituições educacionais (creches, instituições de abrigamento etc.),


o processo pedagógico, evidentemente, será o foco. Assim, a atuação do psicólogo
estará vinculada a tudo o que contribui ou atrapalha o processo educacional.
( ) Quando se trata da atuação do psicólogo nas empresas, isso significa falar das
relações de trabalho e da dinâmica produtiva da empresa, que serão o foco de
atuação na intervenção primordial do psicólogo.
( ) Em cada área de atuação em que o psicólogo trabalhe (seja em escola, empresa,
hospital, centros de saúde, presídios, Justiça etc.), ele precisa abrir mão das suas
técnicas para acolher o que o ambiente de trabalho em que ele está inserido
necessita.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Quando falamos da prática do psicólogo, precisamos atentar aos usos que fazemos
tanto de nossas técnicas quanto da posição que ganhamos da população como
profissionais de saúde. Disserte sobre a ética profissional do psicólogo.

5 Ao trabalhar em diferentes áreas de atuação (escola, hospitais, centros de saúde,


presídios, comunidades etc.), os psicólogos necessitam de conhecimentos dos
outros campos de saberes, para que possam ter uma perspectiva sistêmica do evento
pesquisado e do alvo de intervenção. Nesse contexto, disserte sobre a importância
do trabalho do psicólogo em uma equipe multiprofissional.

44
REFERÊNCIAS
BAUM, W. M. Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. 2.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao


estudo de psicologia. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

BRASIL. Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em


psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l4119.htm. Acesso em: 1 mar. 2022.

CAMBAÚVA, L. G.; SILVA, L. C. da; FERREIRA, W. Reflexões sobre o estudo da história


da Psicologia. Estudos de Psicologia, [s. l.], v. 3, n. 2, p. 207-227, 1998. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/epsic/a/yHVhwWSrcQ7wpJfbGnBjqQK/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 29 dez. 2021.

CAMPOS, R. H. de F. (org.). História da Psicologia: pesquisa, formação, ensino. Rio de


Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.

CFP – CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional do


Psicólogo. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2005. Disponível em: https://site.
cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf. Acesso em:
28 dez. 2021.

DAVIDOFF, L. L. Introdução à Psicologia. 3. ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 2001.

DEAQUINO, C. T. E. Como aprender: andragogia e as habilidades de aprendizagem.


São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

FIGUEIREDO, L. C. Matrizes do pensamento psicológico. Petrópolis: Vozes, 2014.

ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
Disponível em: https://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-
pessoa-carl-rogers.pdf. Acesso em: 29 dez. 2021.

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia moderna. São Paulo: Cengage


Learning, 2019.

SEGRE, M.; FERRAZ, F. C. O conceito de saúde. Ponto de Vista: Revista Saúde Pública,
São Paulo, v. 31, n. 5, p. 538-542, 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/
ztHNk9hRH3TJhh5fMgDFCFj/?lang=pt. Acesso em: 28 dez. 2021.

45
46
UNIDADE 2 —

A PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
HUMANO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conceituar o desenvolvimento humano nos ciclos de vida;

• relacionar as influências e as contribuições da Psicologia para o estudo do


desenvolvimento humano;

• identificar as diferentes perspectivas teóricas na Psicologia, que subsidiam os


estudos do desenvolvimento humano;

• distinguir os diferentes enfoques teóricos do desenvolvimento humano de Piaget,


Vygotsky e Wallon.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO

TÓPICO 2 – CONHECENDO AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

TÓPICO 3 – O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO: JEAN PIAGET E LEV VYGOTSKY

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

47
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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48
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
UM OLHAR SOBRE O
DESENVOLVIMENTO HUMANO

1 INTRODUÇÃO
Para entendermos como mudamos, aprendemos e nos desenvolvemos, existem
teorias que buscam descrever o desenvolvimento humano, ou seja, o que somos
capazes de fazer, aprender e relacionar em cada etapa do nosso desenvolvimento. Em
especial, sobre a relação com os estudos que envolvem a Nutrição, pode surgir a dúvida:
por que estudar o desenvolvimento humano?

Os campos profissionais que lidam com o atendimento às pessoas apresentam


grandes desafios aos profissionais envolvidos. Para lidar com o público, é importante
conhecer sobre os sujeitos, as relações humanas e, em alguns casos, o desenvolvimento
humano. Por exemplo, essa é a realidade que será enfrentada por muitos nutricionistas
que, em suas práticas profissionais, escolhem lidar diretamente com o atendimento.
Para além das relações humanas, é importante pensar em estratégias de atendimento,
assim como conhecer as possibilidades motoras, cognitivas e sociais dos sujeitos que
serão atendidos.

Hoje, sabe-se que um dos fatores que influenciam o desenvolvimento infantil


é a nutrição (Lei nº 13.257/2016 – Marco Legal da Primeira Infância; BRASIL, 2016),
pois questões sobre a amamentação, a desnutrição e as carências de determinadas
substâncias no corpo tanto do bebê quanto da mãe são diagnosticadas como causas
de uma série de problemas no desenvolvimento da criança.

Para além desses elementos, podemos pensar também outros exemplos


práticos: nos processos de introdução alimentar de crianças, como saber se a criança
já é capaz de usar sozinha os talheres? Para isso, é necessário conhecer aspectos do
desenvolvimento psicomotor que são discutidos, por exemplo, em determinadas fases
ou estágios de desenvolvimento infantil.

Outro exemplo é a capacidade de a criança criar histórias ou compreender


fantasias. No consultório, para poder trabalhar recursos lúdicos para inclusão de
novos alimentos à dieta, é importante conhecermos a capacidade de compreensão
de elementos imaginários e abstratos, o que também diz respeito aos seus processos
de desenvolvimento.

49
No entanto, será que todo mundo desenvolve e aprende da mesma forma? Essa
pergunta traduz o grande desafio encontrado pelas ciências, em especial, a Psicologia
ao longo da história. Se não somos iguais, conforme a Psicologia nos ensina, como
podemos criar teorias gerais que explicam quem somos ou como nos desenvolvemos
em cada fase da nossa vida?

O fato é que o desenvolvimento é único para cada sujeito. É necessário ter


sempre o cuidado para não homogeneizar e padronizar as pessoas. Os conhecimentos
que são produzidos partem de estudos e pesquisas rigorosas sobre os temas, e, a
partir da sistematização desse conhecimento, são desenvolvidas teorias para permitir,
ao longo do tempo, dizer as diferentes formas de se compreender o desenvolvimento
humano. Algumas dessas teorias serão apresentadas nesta unidade.

IMPORTANTE
É importante ressaltar que, para apresentação de teorias complexas,
é necessária a escolha de elementos prioritários. Assim, podemos
transmitir um conhecimento inicial, que sirva de base para a busca
de outros estudos e possíveis aprofundamentos, já que as teorias
envolvem muito mais discussões e conceitos do que os que serão
apresentados nesta unidade.

2 A CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS


HISTÓRICOS E BIOPSICOSSOCIAIS
É comum observar em textos relacionados aos estudos sobre a criança a
informação de que a infância é uma invenção da Modernidade, uma vez que, até tal
período, as crianças não tinham espaço nos estudos e reflexões sobre as subjetividades
e a infância não se apresentava como objeto de estudo às ciências ou às filosofias.

De acordo com Hillesheim e Guareschi (2007, p. 84), “Os primeiros estudos sobre
o desenvolvimento infantil no âmbito da Psicologia datam do final do século XIX, a partir
do movimento funcionalista, cujo foco era a adaptação do indivíduo ao meio”. Dessa
forma, próximo ao século XX, as crianças foram vistas e tratadas apenas como pequenos
adultos, fazendo prevalecer, por muitos anos, um grande desconhecimento sobre elas e
reduzindo as possibilidades de compreensão não somente de elementos característicos
da infância, mas também dos aspectos importantes do desenvolvimento nas outras
etapas da vida (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981). Assim, as crianças não eram objeto
de estudo e pouco se compreendia sobre os elementos constitutivos dos processos de
seu desenvolvimento e das diferenças nas subjetividades delas e, consequentemente,
dos adultos.

50
Com o tempo e o desenvolvimento das ciências, essa compreensão se
modificou. A história da Psicologia e sua consolidação como ciência apresentam novos
temas e perspectivas de investigação. Logo, novos estudos surgiram, por exemplo, a
partir da descrição de comportamentos em cada faixa de idade e a organização de
escalas de desenvolvimento que permitiam medir, comparar e definir comportamentos
e desenvolvimentos considerados “normais” (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981). Assim,
o que se produzia no sentido do conhecimento sobre as crianças, nessa época, seguia
o propósito de construir análises e orientar intervenções baseadas, por exemplo, na ideia
de normalidade ou de necessidade de adaptação, em especial, daqueles que fugiam
dos parâmetros esperados para cada fase da vida.

É importante ressaltar que essas noções sobre a criança em desenvolvimento,


parte da história da Psicologia, são perspectivas em desconstrução na atualidade.
A Psicologia superou a ideia de normalidade, entendendo que não cabe a ela e a
nenhuma outra ciência propor ou impor às sociedades como os sujeitos devem ser
nem técnicas adaptativas. A produção do conhecimento psicológico precisa ser
pautada em um compromisso social e ético com os sujeitos, cientes das diferenças,
podendo, assim, contribuir para o melhor conhecimento dos sujeitos e seus processos
de desenvolvimento.

Dessa maneira, hoje, o caminho que a Psicologia segue nos estudos referentes
às crianças está pautado na diversidade, um elemento inquestionável, assim como no
entendimento da importância das fases e de todo o processo de desenvolvimento humano.

3 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS E


CARACTERÍSTICAS
À medida que a criança/infância ocupa espaços nas pesquisas e nos estudos
sobre o desenvolvimento humano, o interesse em compreender como e por que realizam
ou não determinadas atividades em certos momentos de suas vidas tornou-se objeto
para as ciências, em especial para a Psicologia. Esse interesse faz surgir o campo da
Psicologia do Desenvolvimento, cuja função é oferecer conhecimentos teóricos, a partir
de pesquisas científicas, que referenciem não somente o trabalho clínico dos psicólogos,
mas também produzam material para a atuação de profissionais em diferentes áreas
como a educação, a saúde etc.

Rappaport, Fiori e Davis (1981, p. 4) ensinam que a Psicologia do Desenvolvimento


é “[…] uma disciplina específica que tem como objetivo pesquisar e conhecer conceitos
fundamentais do desenvolvimento das crianças, adolescentes e adultos orientando assim
práticas profissionais em diferentes campos”. Portanto, é uma forma de compreender e
descrever como acontecem as mudanças psicológicas e as capacidades das crianças e de
adolescentes no decorrer do tempo, assim como de entender a relação do adulto sobre o
desenvolvimento da criança e a influência da criança no desenvolvimento do adulto.

51
Como visto, o interesse pelos estudos da infância foi inexistente por muitos
anos, o que fez com que houvesse um total desconhecimento sobre a criança e
todos os processos que envolvem o seu desenvolvimento. Quando essa compreensão
começou a se modificar, os estudos passaram a apresentar elementos essenciais para
a compreensão tanto da infância como das demais fases do desenvolvimento humano.

Segundo Rappaport, Fiori e Davis (1981, p. 22), as pesquisas e as teorias


elaboradas pelos psicólogos do desenvolvimento são referência para compreender
tanto as capacidades, potencialidades, limitações e emoções de cada fase da vida,
como também identificar dificuldades, desvios que levam a problemas de diferentes
níveis, como social, escolar, emocionais.

Bock, Furtado e Teixeira (2004, p. 127) conceituam a Psicologia do Desenvolvimento


como uma “[…] área de conhecimento da Psicologia [que] estuda o desenvolvimento do
ser humano em todos os seus aspectos: físico motor, intelectual, afetivo-emocional e
social – desde o nascimento até a idade adulta”. Dessa maneira, os autores adicionam a
compreensão de desenvolvimento elementos, que diz respeito ao psiquismo (objeto da
Psicologia), mas também a relação com o social e o biológico.

Logo, podemos concluir que a Psicologia do Desenvolvimento é uma área


da Psicologia que busca compreender o desenvolvimento humano, a partir de uma
noção ampliada que envolve diferentes ciclos da vida e que se constitui a partir de
diferentes aspectos (sociais, biológicos, cognitivos, afetivos e outros), que orientam o
desenvolvimento de pesquisas e formulações de teorias que servirão de referência para
diferentes práticas profissionais.

É importante destacar que esses estudos e essas teorias elaboradas pela


Psicologia do Desenvolvimento são diversos e apresentam diferentes perspectivas
e orientações teóricas sobre o desenvolvimento humano. Assim, não existe uma
compreensão ou explicação única sobre o desenvolvimento humano, mas autores que
deram grandes contribuições e se tornaram referências nas suas épocas e, até hoje,
subsidiam pesquisas a partir de seus principais conceitos teóricos.

Esse é o caso dos autores que conheceremos nesta unidade: Urie Bronfenbrenner
(1917-2005), Henri Wallon (1879-1962), Freud (1856-1939) e Erik Erikson (1902-1994),
Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934).

52
4 DIMENSÕES E PROCESSOS SUBJACENTES AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Os sujeitos sempre devem ser entendidos em sua integralidade e os elementos
do desenvolvimento humano compreendidos de maneira global. Entretanto, para
fins de estudo e análise, é importante nomear e diferenciar aspectos ou dimensões
do desenvolvimento humano. Bock, Furtado e Teixeira (2004) apresentam uma
sistematização interessante, exemplificando o que são esses aspectos.

IMPORTANTE
A explicação fragmentada dos aspectos do desenvolvimento
humano é sempre uma maneira didática para o entendimento
das propostas teóricas dos autores. Entretanto, para buscarmos
compreender os sujeitos, devemos sempre ter em mente a sua
integralidade, ou seja, que sempre falamos de um indivíduo
integral, e não em partes; indivíduos complexos, compostos
de relações e articulações desses diferentes elementos que,
pedagogicamente, são apresentados separados.

O Quadro 1 demonstra a caracterização proposta por esses autores e exemplos


desses aspectos de uma maneira objetiva. Novamente, é importante destacar a interrelação,
pois vemos, através dos exemplos, como os aspectos estão sempre relacionados.

QUADRO 1 – ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Aspecto Características
São elementos referentes às questões orgânicas e biológicas do corpo,
como desenvolvimento neurológico, fisiológico, motor. Esses aspectos
Aspecto
podem ser reconhecidos, por exemplo, na capacidade motora da criança,
físico-motor
ao fazer o movimento de pinça com os dedos e já conseguir levar sozinha
o alimento à boca.
Esse aspecto diz respeito à capacidade adquirida pela criança, relacionada
a elementos cognitivos, como raciocínio, pensamento. Por exemplo, a
Aspecto intelectual
capacidade da criança em uma certa idade de já resolver tarefas como
encontrar objetos escondidos dentro de caixas.
São elementos relacionados à vivência da afetividade, como as
Aspecto experiências relacionadas às emoções, aos sentimentos. Exemplos são
afetivo-emocional a vergonha, a alegria, o medo. Nessa dimensão, a questão da sexualidade
tem papel importante.
Diz respeito à relação com o outro. São elementos que dizem da
importância das relações, dos contextos e do outro no processo de
Aspecto social
desenvolvimento humano. Por exemplo, as experiências de socialização
das crianças quando brincam, dos adolescentes ao constituir grupos.

FONTE: Adaptado de Bock; Furtado; Teixeira (2004)

53
A partir da caracterização e dos exemplos apresentados no Quadro 1,
resumidamente, podemos observar como os aspectos não acontecem isoladamente. Isso
significa, por exemplo, que a definição de um aspecto como social não exclui a condição
de que aspectos de afetivos-emocionais e intelectuais também estejam acontecendo.

ATENÇÃO
É importante compreendermos que existem diferentes formas
de conceituar e caracterizar os aspectos do desenvolvimento
humano, e é isso que diferencia as abordagens teóricas. As teorias
têm o mesmo objeto – o desenvolvimento humano. Entretanto,
cada teórico o explica a partir de focos e prioridades definidas
pelos seus estudos.

5 INFÂNCIA E SUAS CARACTERÍSTICAS


DESENVOLVIMENTISTAS
O que é a infância? Essa é a primeira pergunta que podemos fazer para
compreender a criança nos estudos sobre os processos de desenvolvimento humano.
Como já visto, a infância é uma construção social e não é desde sempre que essa fase
da vida teve espaço nos estudos e pensamentos que se interessavam em explicar o
desenvolvimento dos sujeitos.

De acordo com Hillesheim e Guareschi (2007, p. 75), temos que:

Tomar a infância como invenção, ou seja, como construção social,


significa considerar o sujeito infantil como constituído nas práticas
culturais e pelas mesmas, sendo que mesmo o conhecimento sobre
a infância é produzido por uma determinada construção histórica e,
ao mesmo tempo, produz o objeto que se propõe conhecer.

A infância é, portanto, um conceito que se modifica ao longo da história, assim


como modifica a forma de se compreender a importância dos estudos sobre elas na
produção de conhecimento sobre o desenvolvimento humano.

É fato que, na infância, ocorre uma série de transformações orgânicas,


cognitivas, sociais, afetivas etc. no indivíduo. Observando o desenvolvimento de
uma criança, podemos perceber que, em alguns anos, um bebê de colo passa a ser
uma criança que aprende a andar, falar, pensar, opinar etc. No entanto, assim como
fizeram Hillesheim e Guareschi (2007, p. 80), podemos nos perguntar “[…] quem traduz/
representa a infância? Como as crianças são representadas?”. Essas transformações
são visíveis, mas conhecer como elas se dão no nível psíquico é o objetivo enfrentado,

54
há tempos, pelos adultos e pelas teorias de desenvolvimento. Isso significa dizer que
quem representa as crianças são os adultos, que, com o decorrer dos anos, observam,
registram, pesquisam, classificam e produzem conhecimento sobre elas, permitindo
encontrar, ao longo da história, uma série de discursos sobre o que é infância.

Para as perspectivas que se propõem a compreender as características do


desenvolvimento das crianças, a escola possui um lugar muito importante, sobretudo
a partir do surgimento da escola e da necessidade de organização do sistema de
ensino, tendo sido necessário realizar definições, como a classificação por idades, para
organizar as salas de aula. Essa é uma marca importante nos estudos da Psicologia do
Desenvolvimento, pois se partiu da classificação e da mensuração das condutas que
ordenavam as crianças, de acordo com o desempenho, para definir o que se entendia
ou não como infância (HILLESHEIM; GUARESCHI, 2007).

Hoje, vê-se uma série de estudos rediscutindo esses elementos classificatórios


das teorias do desenvolvimento, questionando, por exemplo, a organização clássica da
infância meramente a partir da questão do tempo, que, em prol de uma produção de
conhecimento sobre a infância, homogeneizou e excluiu as diferenças.

Nesse sentido, a importância dos estudos constantes e atuais sobre as crianças


está posta não somente para compreendermos melhor como as crianças sentem, pensam,
agem e aprendem, mas também para entendermos como os adultos se tornam quem são –
esse foi o caminho das teorias de desenvolvimento que conheceremos a seguir.

6 ADOLESCÊNCIA: AS INFLUÊNCIAS SOBRE OS


PROCESSOS BÁSICOS
Diante de algumas situações que envolvem crises e conflitos, quem nunca ouviu
a frase: “isso é coisa de adolescente”. Por muito tempo, entendemos a adolescência
como meramente uma fase transitória da infância para o mundo adulto, caracterizada
por conflitos. Particularmente no século XX, a adolescência se tornou um tema de
crescente interesse na história da Psicologia (SENNA; DESSEN, 2012). Entretanto,
apesar de ser uma fase da vida que realmente envolve transformações e crises, reduzi-
la somente a essas características impediria que se conhecesse melhor sobre os
processos de desenvolvimento específicos dessa fase do ciclo da vida.

Hoje, a adolescência é reconhecida como um período essencial no


desenvolvimento humano (SENNA; DESSEN, 2012). A partir da atenção dada pelas
teorias de desenvolvimento, tornou-se possível conhecer outros elementos, para
além dos conflitos identitários que, comumente, ocorrem nesse período. A partir de
estudos, pesquisas, observações e experimentos, tem sido possível perceber elementos
específicos da adolescência, em especial os processos básicos como emoção,
percepção, cognição etc.

55
Outro destaque importante é a ideia de uma adolescência única. Especialmente
as teorias com perspectiva sócio-histórica ou contextuais demonstram como as
experiências, sejam elas afetivas, cognitivas ou sociais, influenciam diretamente na
vivência da adolescência dos sujeitos. Assim, é possível entender que um adolescente
negro, morador de periferia, com acessos restritos a direitos como saúde, educação e
lazer, não terá a mesma experiência de desenvolvimento que um outro sujeito com a
mesma idade, branco, estudante de escola particular e morador de uma região nobre da
cidade. Além disso, são diferentes as experiências de adolescência daqueles que vivem
em regiões rurais, ribeirinhas e quilombolas em relação a adolescentes moradores de
grandes centros e metrópoles.

Portanto, é importante saber que, de acordo com Senna e Dessen (2012, p. 107):

a adolescência não é algo acabado, que tenha um início e um fim


bem definidos. A delimitação deste período ultrapassa aspectos
cronológicos e biológicos e esbarra em condições sociais, culturais,
históricas e psicológicas específicas. Portanto, ela precisa ser
compreendida tendo como base a noção de que um mesmo resultado
em desenvolvimento pode ser alcançado por diferentes meios e em
contextos relativamente diferentes.

Dessa forma, estudos específicos sobre a adolescência apresentam elementos


essenciais que têm contribuído para o reconhecimento da importância da adolescência
nas teorias do desenvolvimento e, consequentemente, para a compreensão do
desenvolvimento humano.

7 ADULTO E O ENVELHECIMENTO: OS ASPECTOS


PSICOLÓGICOS
Como me tornei o adulto que sou? Essa é uma questão importante, que ajuda a
compreendermos o caminho que as teorias do desenvolvimento, em especial, aquelas
que vão além dos estudos da infância, seguiram. Essas teorias passaram a compreender
que os processos de aprendizagem e o desenvolvimento humano não se findam na fase
adulta, pois somos sujeitos em constante transformação.

A fase adulta foi considerada, por muito tempo, como um momento de


estabilidade da vida, no que diz respeito às questões psicológicas, relacionado à
ideia de que, ao se tornar adulto, se fecha o ciclo do desenvolvimento. Contudo, as
mudanças que acontecem nesse período, como casamento, filhos, perdas importantes,
não nos transformariam psiquicamente? Essa ideia já não é referência aos estudos do
desenvolvimento humano.

56
Também se entende que ser o adulto que sou ou envelhecer não são meramente
consequências da vivência das outras fases do ciclo da vida (infância, adolescência). De
acordo com Oliveira (1992, p. 214), “a maturação biológica, essencial para o processo de
desenvolvimento, não representa a totalidade do desenvolvimento: as transformações
mais relevantes para a constituição do desenvolvimento tipicamente humano não estão
na biologia do indivíduo, mas na psicologia do sujeito”.

Assim, as transformações que ocorrem ao longo de toda a vida e o que se


vive no presente estão relacionados a um conjunto complexo de fatores, que precisa
ser levado em consideração e, por isso, a importância de estudarmos os aspectos
psicológicos de todas as fases da vida. Será possível, assim como problematizamos
para a adolescência, afirmar que existe uma fase adulta ou de envelhecimento que
todos vivenciam da mesma forma?

Há um consenso de que isso não é possível, como demonstra Oliveira (1992, p. 215):

A perspectiva universalizante não contempla, tampouco, a própria


essência do desenvolvimento, isto é, a transformação. Como
explicar os inúmeros casos de pessoas que superam condições
adversas ocorridas em sua infância? Ou dos jovens que percebem
sua adolescência mais como continuidade do que como ruptura com
seu percurso anterior? Onde ficaria o potencial transformador das
intervenções educativas na idade adulta? E os idosos que iniciam
uma nova atividade em idade avançada e tornam-se criativos,
produtivos, independentes?

Assim, as experiências são várias, e cada pessoa passa pelos ciclos da vida
a partir das suas realidades sociais, culturais e individuais. O psiquismo humano se
constitui em um processo permanente de produção, portanto, tem, nessa relação, a
constituição dos seus aspectos psicológicos, que não são imutáveis, mas, sim, passíveis
de transformação ao longo da vida, o que dá sentido e significado também à produção
de conhecimento sobre essas etapas de desenvolvimento humano.

57
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os elementos históricos que mostram como os estudos sobre a infância e o


desenvolvimento humano se modificaram ao longo do tempo.

• A conceituação de Psicologia do Desenvolvimento a partir do conhecimento sobre o


seu objeto de estudo.

• Características e exemplos de aspectos (físico-motor, intelectual, afetivo-emocional


e social) que compõem as compreensões sobre os indivíduos e seus processos de
desenvolvimento.

• Elementos dos estudos da Psicologia do Desenvolvimento nos diferentes ciclos da


vida (infância, adolescência, adultos e envelhecimento).

58
AUTOATIVIDADE
1 A compreensão do desenvolvimento humano, a partir da noção ampliada, envolve,
além dos diferentes ciclos da vida (infância, adolescência, adultos e velhice), a
perspectiva de que ela deve se dar a partir de diferentes aspectos que contemplam
a complexidade humana. Sobre os aspectos de desenvolvimento, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) O aspecto intelectual corresponde ao desenvolvimento no que diz respeito à


capacidade de o sujeito controlar seus movimentos.
b) ( ) O aspecto social diz respeito ao desenvolvimento biológico da criança.
c) ( ) O aspecto afetivo emocional é o sentir e tem a sexualidade como um elemento
importante.
d) ( ) O aspecto físico-motor relaciona-se ao desenvolvimento da capacidade de
pensamento e raciocínio.

2 Até a Modernidade, era grande o desconhecimento sobre os processos da infância.


Com a mudança desse paradigma, a importância dos estudos de desenvolvimento
ficou clara, passando a ser realizados pela Psicologia do Desenvolvimento. Com base
nas discussões históricas, analise as afirmativas a seguir:

I- Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento infantil, no âmbito da Psicologia,


datam do final do século XIX.
II- Os primeiros conhecimentos sobre o desenvolvimento humano contestavam
práticas adaptativas e intervenções que se baseavam na ideia de normalidade.
III- Nos estudos iniciais da Psicologia do Desenvolvimento, a organização de escalas
de desenvolvimento permitiu medir, comparar e definir comportamentos e
desenvolvimentos considerados “normais”.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

3 Conceituar, de forma sucinta, um campo de conhecimento é sempre um


desafio. Entretanto, alguns autores apresentam definições para a Psicologia do
Desenvolvimento a partir do destaque de algumas características e elementos
prioritários. Sobre esses conceitos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

59
( ) O objeto de estudo da Psicologia do Desenvolvimento se relaciona ao desenvolvi-
mento de pessoas nos diferentes ciclos da vida.
( ) Psicologia do Desenvolvimento é um disciplina que tem o objetivo pesquisar e
conhecer as características específicas da infância.
( ) Os estudos da Psicologia do Desenvolvimento devem-se voltar também para a
orientação de práticas profissionais em diversos campos e saberes.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Tendo em vista que os sujeitos são únicos e que os processos de desenvolvimento


acontecem de forma singular, é sempre um desafio às ciências, que se propõem a
conhecê-los, elaborar teorias que não generalizem ou criem regras que homogeneízam
as diferenças. Diante dessa problematização, disserte sobre a forma como as teorias
do desenvolvimento precisam ser vistas e utilizadas pelos variados saberes.

5 A Psicologia do Desenvolvimento tem como objetivo pesquisar e conhecer conceitos


fundamentais do desenvolvimento humano, orientando, assim, práticas profissionais
em diferentes campos. Tendo como referência a Nutrição como um dos campos
de diálogo com as Teorias de Desenvolvimento, discorra sobre a importância de se
estudar o desenvolvimento humano na formação do profissional nutricionista.

60
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
CONHECENDO AS TEORIAS DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

1 INTRODUÇÃO
Ao acompanhar um bebê em seu processo de desenvolvimento, descobrindo seu
corpo, o espaço onde está, as pessoas que estão a sua volta, manipulando a comida,
levando objetos a boca, dando os primeiros passos, pode surgir a dúvida: o que vai
acontecer nos próximos anos? Se ele engatinhar, podemos pensar: será que já está na
hora de ele caminhar sozinho? Se ele já levar os alimentos à boca: será que ele já saberá
usar os talheres? Se, ao contar uma história, se observa medo em suas feições: será que
ele entende que isso é uma fantasia?

Todas essas perguntas e infinitas outras já foram, em algum momento, objeto de


observação, investigação e pesquisa, e permitiram aos estudiosos identificar elementos
comuns, em especial, por faixas etárias. Esses estudos deram origem a diferentes
teorias, que, a partir do destaque para alguns elementos, compõem, ao longo do tempo,
as teorias do desenvolvimento humano.

Como definição, o desenvolvimento humano pode ser entendido, conforme


propõe Mota (2005, p. 105), como “[…] o estudo de variáveis afetivas, cognitivas, sociais
e biológicas em todo ciclo da vida”. Em outras palavras, devemos compreender o
desenvolvimento humano a partir da junção de diferentes aspectos (afetivos, cognitivos,
sociais e biológicos), articulando questões que dizem respeito aos desenvolvimentos
mental e orgânico. Para fins de estudo, “[…] significa conhecer as características comuns
de uma faixa etária, permitindo-nos reconhecer as individualidades, o que nos torna
mais aptos para a observação e interpretação dos comportamentos” (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2004, p. 129).

Portanto, partindo da compreensão da articulação desses aspectos e da


complexidade que é conhecer os sujeitos, ao longo do tempo, as teorias seguem em
busca de encontrar explicações com base em estudos e definições de perspectivas.

Neste tópico, conheceremos algumas dessas teorias e seus principais conceitos.


Apresentaremos a Teoria Bioecológica, de Urie Bronfenbrenner (1917-2005), a Teoria
Psicogenética, de Henri Wallon (1879-1962), os processos psicodinâmicos a partir da
Psicanálise de Freud (1856-1939) e, por fim, a Teoria do desenvolvimento psicossocial,
de Erik Erikson (1902-1994).

61
2 URIE BRONFENBRENNER: A TEORIA BIOECOLÓGICA
DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (TBDH), proposta por Urie
Bronfenbrenner, surgiu no final da década de 1970, em contraposição às teorias do
desenvolvimento que eram referências naquele tempo, especialmente as perspectivas
associacionistas e os modelos experimentais e positivistas de ciência, que, segundo
seu fundador, fragmentavam o estudo do desenvolvimento humano (BENETTI et al.,
2013). A teoria foi reformulada pelo autor ao longo do tempo, passando por adaptações
até chegar ao que se entende como Modelo Bioecológico de desenvolvimento humano.

O termo bioecológico é entendido como a relação constante do indivíduo


com o ambiente que o constitui, pois Bronfenbrenner defendia que a melhor forma
de compreender o desenvolvimento humano seria considerando “[…] todo o sistema
bioecológico que envolve o indivíduo, enquanto ele se desenvolve” (BENETTI et al., 2013,
p. 92). Isso significa que, para entendermos o comportamento humano, seria necessário
compreendermos o desenvolvimento humano em relação aos contextos e a partir de
dimensões que estão inter-relacionadas: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo –
Modelo PPCT.

De acordo com Senna e Dessen (2012, p. 104):

Neste modelo, o adolescente, como qualquer pessoa, apresenta


características próprias – individuais, psicológicas e biológicas –
além de uma forma própria de lidar com suas experiências de
vida. Ele é visto como um sujeito ativo, produto e produtor do seu
desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1999), que ocorre na interação
com o contexto (C). O contexto é definido por uma hierarquia de
sistemas interdependentes – micro, meso, exo e macrossistemas –
e é composto pelas atividades, papéis e relações interpessoais
presentes, por exemplo, nas suas famílias, nos grupos de amigos,
na vizinhança, na comunidade, e nas instituições educacionais e de
saúde, sociais e políticas.

O Quadro 2 mostra o que significa cada uma das dimensões da Teoria


Bioecológica que compõem o Modelo PPCT.

62
QUADRO 2 – MODELO PPCT, DE BRONFENBRENNER

O processo constitui o elemento fundamental da teoria. Relaciona-se às formas


de interação entre os sujeitos e o ambiente que ocupa ao longo de suas vidas.
Processo
Diz respeito às relações com pessoas, objetos e símbolos, que estão presentes
no ambiente ao seu redor.
São características que são determinadas biopsicologicamente e também
Pessoa constituídas na relação com o ambiente. São características que se relacionam
tanto como produtoras do desenvolvimento quanto como produtos dele.
Contexto se refere a interações que acontecem em diferentes níveis ambientais,
Contexto chamados na teoria como microssistemas, mesossistema, exossistema e
macrossistema.
O tempo é o que permite observar mudanças e continuidades que influenciam no
desenvolvimento humano ao longo da vida. É analisado em três níveis: microtempo,
Tempo
mesotempo e macrotempo, ou seja, o tempo é o que permite analisar as
transformações em relação às pessoas, ao ambiente e na relação pessoa-ambiente.

FONTE: Adaptado de Narvaz; Koller (2004)

A partir do Quadro 2, podemos observar que o modelo proposto por Urie


Bronfenbrenner consiste na compreensão de que o desenvolvimento humano se dá
a partir de um processo de interação entre a pessoa e o contexto que vivencia ao
longo da sua vida, e que são esses processos de interação recíproca que permitirão
que o desenvolvimento ocorra. Esses elementos dão à Teoria de Bronfenbrenner as
características contextualista e interacionista: “Segundo o modelo bioecológico, há uma
constante interação entre os aspectos da natureza e o ambiente, onde os aspectos
hereditários da pessoa influenciam e são influenciados pelo ambiente” (NARVAZ, KOLLER,
2004). Nesse entendimento, o sujeito tem papel ativo e capacidade de modificar a si e
o ambiente.

3 HENRI WALLON: A AFETIVIDADE COMO ELEMENTO DO


DESENVOLVIMENTO HUMANO
Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962) é o representante da chamada Teoria
Psicogenética. Entende-se por Psicologia genética, ou psicogenética, aquela perspectiva
que se propõe a estudar a gênese/origem dos processos psíquicos (GALVÃO, 2007).

Em seus estudos sobre o desenvolvimento humano, Wallon destaca a dimensão


afetiva como o elemento central do desenvolvimento humano. Wallon compreendia o
sujeito em sua integralidade, mas, em sua teoria do desenvolvimento, para fins de estudo
e análise, dividiu os aspectos do desenvolvimento humano em: processos cognitivos,
afetivos e motores, sempre interligados e relacionados uns aos outros. Isso significa que
compreenderíamos o desenvolvimento humano e a constituição dos sujeitos a partir da
inter-relação desses três aspectos, com centralidade ao papel da afetividade, que inclui
emoções e sentimentos (LOOS-SANT’ANA; GASPARIM, 2013).

63
Segundo Galvão (2007), Wallon considera que os estudos da criança permitem
compreender não somente o desenvolvimento humano, mas também contribuem
para a educação, concepção que fez com que seus estudos trouxessem contribuições
importantes também para o campo Pedagogia, à medida que discute o processo de
desenvolvimento e também os processos de ensino-aprendizagem, destacando a
importância dos vínculos entre crianças e adultos como facilitadores desse processo.

A teoria psicogenética de Wallon tem como base o materialismo dialético, que


o leva a compreender o psiquismo humano a partir da relação contraditória, mutável e
passível de transformação de sujeito e objeto, organismo e sociedade, matéria viva e
consciência. Dessa forma, o sujeito é indissociavelmente biológico e social, e, portanto,
o estudo do psiquismo não pode desconsiderar, de maneira nenhuma, essa relação
(GALVÃO, 2007).

Como processo metodológico, Wallon adotou como instrumento a observação


de crianças, permitindo acessar a criança e suas atitudes em seu contexto.

Wallon apresenta o desenvolvimento humano, assim como outros autores, a


partir de uma sequência de estágios em uma dimensão temporal (Quadro 3).

QUADRO 3 – ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DE HENRI WALLON

Principal(is)
Estágio Idade Características
aprendizagem(ns)
Logo no início da sua vida, a
criança já estabelece com o
ambiente um tipo de relação
Impulsivo- afetiva. Uma relação basicamente “O que eu sou?” –
0 a 1 ano
emocional motora, ainda com movimentos recorte corporal.
descoordenados, mas que tem a
função de chamar atenção para
aquilo que é a sua necessidade.
Fase em que a criança começa a
Sensório-motor se voltar para o mundo externo “Eu sou diferente dos
1 a 3 anos
através da exploração de objetos objetos”.
Projetivo e do próprio corpo.
A criança começa a estabelecer “Eu sou diferente dos
Personalismo 3 a 6 anos um outro tipo de relação, agora outros” – consciência
com um outro. de si.
Criança já se expressa a partir
“O que é o mundo?” –
de gestos coordenados, precisos
descoberta de
e com elaborações mentais. Há
semelhanças e
Categorial 6 a 11 anos a formação do pensamento, a
diferenças entre
partir de categorias que auxiliam
os objetos, ideias,
na organização do mundo, e uma
representações.
compreensão melhor de si.

64
Pensamento categorial fortalecido
“Quem sou eu? Quais
e consciência de si. Constituição
Puberdade- 11 anos em são os meus valores?
de novos contornos para a
adolescência diante Quem serei no futuro?” –
personalidade. Questões morais e
consciência temporal
existenciais à tona.
Reconhecimento de si, de suas
“Eu sei quem sou e o
Adulto possibilidades, limitações, valores,
que esperam de mim”.
sentimentos.

FONTE: Adaptado de Mahoney; Almeida (2005)

Observa-se que Wallon define as etapas de desenvolvimento seguindo uma


sequência temporal, sendo dependente uma etapa para a subsequência da outra.
Assim, cada etapa modifica as características das atividades da etapa anterior, mas
também elementos da etapa anterior permanecem configurando etapas seguintes.

Para Wallon, fatores orgânicos e sociais coexistem. Os orgânicos são os que


definem uma sequência fixa de estágios, porém não há como garantir o tempo de
duração de cada estágio, que podem sofrer influência direta dos fatores sociais da vida
dos sujeitos (GALVÃO, 2007).

As contribuições de Wallon ao processo de ensino-aprendizagem se mostram


claras, à medida que o professor, compreendendo as características de cada estágio,
poderá adequar as atividades e planejar o seu processo de ensino, tornando-o mais
assertivo e produtivo, de acordo com cada fase do desenvolvimento (MAHONEY;
ALMEIDA, 2005).

A partir da dimensão psicogenética de Henri Wallon, a afetividade toma


lugar central, tanto para a constituição da pessoa quanto para seus processos de
conhecimento, sendo vista também como um elemento fundamentalmente social, pois
fornece o primeiro e mais forte vínculo entre os sujeitos (DANTAS, 1992).

Ao longo do desenvolvimento humano, a afetividade modifica a sua relação


dependente de fatores corporais, assumindo um papel importante na constituição do
dos sujeitos.

4 SIGMUND FREUD: OS PROCESSOS PSICODINÂMICOS


DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Com a Psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939) apresentou ao racionalismo
característico da ciência da época (por volta dos anos de 1895 e 1900) uma outra
dimensão quanto à infância e aos estudos do psiquismo e desenvolvimento humano. Ele
inaugurou não somente um lugar de escuta e tratamento para o que se consideravam

65
anormalidade e distúrbio, que não era comum àquela época, como também apresentou
teorias sobre o desenvolvimento, tendo a criança, ou a infância, como etapa essencial e
especial na constituição da personalidade dos adultos. Assim, a Psicanálise apresentou
ao mundo a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento psíquico
saudável dos sujeitos, levantando discussões e conceitos importantes para a Psicologia.

Com o objetivo de compreender e descrever como funciona a mente humana


e, assim, também estudar como se dá o desenvolvimento humano, Freud propôs, em
um primeiro momento da sua teoria, um esquema que apresentava a estrutura psíquica
a partir dos conceitos de consciente, pré-consciente e inconsciente. O conceito
de inconsciente é uma marca muito importante da Psicanálise até os dias atuais.
Posteriormente, em 1923, após publicar a obra O ego e o id, Freud propôs uma segunda
perspectiva para o psiquismo a partir das estruturas: id, ego e superego, conforme
mostra o Quadro 4 (XAVIER; NUNES, 2015).

QUADRO 4 – ESTRUTURAS DO PSIQUISMO HUMANO

É a estrutura que representa o inconsciente. Possui a dimensão de satisfação


Id incondicional do organismo e funciona como grande reservatório da libido. São
os instintos que têm a característica de impossibilidade de controle consciente.
O ego é o sujeito a partir da relação com o meio. É o que é visível de nós e que
Ego
equilibra a relação com o outro.
Superego é a estrutura em que estão as normas, os valores e os princípios
Superego
morais. É o que controla o id e o ego.

FONTE: Adaptado de Xavier; Nunes (2015)

Essas estruturas e a maneira de apresentar o funcionamento psíquico, proposto


por Freud, foram essenciais aos estudos relacionados ao desenvolvimento humano e
ainda permanecem como referência muito importante para os estudos da Psicologia. De
acordo com Xavier e Nunes (2015, p. 14), “O desenvolvimento humano é, então, marcado
pela força da libido que assume várias formas e se localiza em determinadas regiões do
corpo, nas quais o sujeito encontra mais satisfação na medida em que se desenvolve”.
A organização da libido, em torno de uma zona de produção de prazer, é expressa na
Teoria psicanalítica a partir de diferentes fases, que caracterizam o desenvolvimento
com base na perspectiva freudiana (Quadro 5).

66
QUADRO 5 – FASES DO DESENVOLVIMENTO – PSICANÁLISE

Neste momento do desenvolvimento, a libido está direcionada


na zona oral. A estrutura sensorial mais desenvolvida do bebe
é a boca, e é por onde ele começa a conhecer o mundo. Tudo
Fase oral (0 a 1 ano)
que a criança pega ela leva à boca. A sua primeira descoberta
afetiva é a seio materno, onde ela estabelece suas primeiras
relações de amor e ódio.
Nesse período, a libido passa a se organizar sobre a zona
erógena anal. A criança começa a ter maturação do controle
muscular, começa a andar, falar e a controlar os esfíncteres.
A criança passa por dois processos básicos: a elaboração de
Fase anal (2 a 3 anos)
fantasias sobre as suas primeiras produções que geram prazer
e apresenta ao mundo (nesse momento, representado nas
fezes); e o segundo processo é a relação que ela estabelece a
partir desse produto a partir das relações de projeção e controle.
Nova organização da libido e a erotização passa a ser dirigida
Fase fálica
(3 anos) para os genitais. As crianças tocam os órgãos genitais e inicia-se
(3 anos)
a fantasia de serem possuidores ou não de um pênis.
A energia da libido fica por um tempo sem se direcionar aos
Fase/período
(3 a 5 anos) objetivos sexuais e é canalizada para outras finalidades, como
latência
para o desenvolvimento intelectual e social da criança.
Puberdade-
Fase genital Fase alcançada no pleno desenvolvimento do adulto normal.
fase adulta

FONTE: Adaptado de Tourrette; Guidetti (2009)

Cada uma dessas fases representa o modo do funcionamento psíquico, definido


pelo direcionamento pulsional. A libido, na teoria psicanalítica, é um conceito que
representa a ideia de uma energia psíquica, presente nos nossos corpos, relacionada
aos desejos sexuais – pulsões. “Ela representa a energia derivada das pulsões sexuais
que vai distribuir-se, diferentemente, à medida do desenvolvimento da criança”
(TOURRETTE; GUIDETTI, 2009, p. 30).

Cada uma das fases de desenvolvimento corresponde a uma etapa do


desenvolvimento/direcionamento da libido, em que predomina uma determinada zona
erógena – oral, anal, fálica e genital, e uma forma específica de relação do sujeito com
o objeto. São também as fases que organizam conflitos específicos e a maneira de defesa
dos indivíduos.

Com essa discussão, Freud apresentou aos estudos do desenvolvimento uma


outra noção de infância, em especial, vinculada à sexualidade infantil, destacando a
ideia de que a criança possui desejos, afetos e conflitos.

67
IMPORTANTE
Freud apresenta a sexualidade infantil a partir de um sentido
diferente do que é comumente associado à sexualidade adulta,
como a relação com o genital, a prática sexual e o biológico. A
sexualidade infantil está na descoberta do próprio corpo e das
questões ligadas ao desejo e à fantasia que permeiam a relação
com os pais.

5 ERIK ERIKSON: TEORIA DO DESENVOLVIMENTO


PSICOSSOCIAL
Erik Erikson propôs uma Teoria de Desenvolvimento que, entre outras
contribuições, ampliou os estágios a outros ciclos da vida, destacando a adolescência
como etapa fundamental do desenvolvimento humano. Erikson iniciou seus estudos
na Psicanálise, mas os ampliou no que diz respeito ao desenvolvimento humano,
reconhecendo os elementos sociais, históricos e culturais relacionados à constituição
das personalidades (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981).

Para Erikson, “[…] o desenvolvimento acontece no sentido da formação da


identidade através de diferentes estágios, ou fases da vida, que se caracterizam pelas
crises que ele denominou de ‘oito idades do homem’” (ERIKSON, 1971 apud XAVIER;
NUNES, 2015, p. 94).

Algumas características dessas fases são apresentadas no Quadro 6.

68
QUADRO 6 – FASES DE ERIK ERIKSON: AS OITO IDADES DO HOMEM

Fases Infância Infância Infância Infância Adolescência Adulta Adulta Adulta


Idade 12 a 18/20 Até os 30 Após os 60
0 a 2 anos 2 a 3 anos 3 a 6 anos 7 a 12 anos 30 a 60 anos
(aproximada) anos anos anos
Confiança Autonomia Identidade
Indústria Intimidade Generatividade Integridade
básica versus versus Iniciativa versus
Características versus versus versus do ego versus
desconfiança vergonha e versus culpa confusão de
inferioridade isolamento estagnação desesperança
básica dúvida papel
As quatro primeiras fases correspondem aos estágios oral,
São fases específicas da teoria de Erikson que correspondem da
Comparação anal, fálico e período de latência de Freud, porém Erikson
adolescência à velhice.
adiciona os elementos sociais antes dos biológicos.

FONTE: Adaptado de Erikson (1971)

69
As oito fases apresentadas no Quadro 6 representam quando as transformações
dos sujeitos em diferentes aspectos – cognitivos, sexuais, físicos – desencadeiam
crises. A partir da resolução dessas crises internas, terão origem novos processos e
o desenvolvimento dá continuidade. É importante entender que a dimensão de crise,
apresentada por Erickson, não remete a algo negativo, como normalmente é associada,
mas a um momento decisivo e necessário quando o desenvolvimento muda de direção,
mobiliza recursos e realiza uma nova diferenciação.

Diferentes autores e diversos estudos elementos e produziram variadas


interpretações para o que Erikcson registrou em sua obra. Assim, destacamos alguns
elementos diretamente adicionados a partir da obra de Erickson:

• confiança básica versus desconfiança básica: as primeiras relações de confiança


e desconfiança da criança são estabelecidas logo ao nascimento, nas primeiras
experiências que estabelece com a mãe e em relação a sua alimentação, sono e ao
funcionamento do intestino. Tem início uma rudimentar identidade de ego, que se
estabelece a partir de reconhecimento inicial de que há algo (sensações e imagens
internas) relacionado com o externo (coisas e pessoas familiares);
• autonomia versus vergonha e dúvida: as experiências que a criança passa a ter
a partir do desenvolvimento muscular permitem que ela vivencie momentos hostis
ou favoráveis. É uma fase importante quando a criança começa a vivenciar uma
rudimentar autonomia (pegar e soltar objetos, dar os primeiros passos, esconder o
rosto) e experiências de autocontrole e controle externo;
• iniciativa versus culpa: em cada etapa, a criança adquire uma nova capacidade, e,
nesse período, parece haver uma fusão pessoa e corpo. Com a autonomia adquirida na
fase anterior e iniciativa, a criança passa a ser ativa, planejar, empreender, realizar as
tarefas com energia e prazer. Entretanto, o fracasso pode levar a temores e medos;
• indústria versus inferioridade: período em que as crianças recebem instruções,
capacitam-se ao mundo, são instruídas em leitura, escrita e nos processos de
aprendizagem. As tarefas se tornam mais complexas e, assim, a possibilidade de
insucessos que pode levar a sentimentos de inadequação e inferioridade. É uma
etapa socialmente decisiva, por ser o momento de estar com o outro e de realizar
atividades com outras pessoas;
• identidade versus confusão de papel: fim da infância e advento da puberdade.
Momento de mudanças e transformações que faz com que tudo que era uniforme e
contínuo, referente às aquisições das outras fases, se torne discutível. Constituição
da identidade de ego;
• intimidade versus isolamento: adulto jovem, que estava em busca de uma
identidade, se dispõe a fundir sua identidade com a de outros e a constituir relações
de intimidade. O reverso seria a tendência ao isolamento. Momento que se desenvolve
plenamente a genitalidade;
• generatividade versus estagnação: preocupação em guiar uma nova geração; seria
também o momento de produtividade e criatividade. O negativo seria a estagnação;

70
• integridade do ego versus desesperança: momento de segurança do ego, aceitação.
Final do processo psicossocial e momento de avalição das experiências. A perda da
integração é o medo da morte, a desesperança e o descontentamento de si.

Para Erikson, o desenvolvimento saudável se dá na busca da constituição da


identidade, a partir da relação de elementos biológicos, sociais e individuais. Por isso, a
importância da adolescência, pois, apesar de não ser só nesse período que os indivíduos
constituem suas identidades, é quando ele pode adquirir pré-requisitos fisiológicos,
maturidade mental e responsabilidade social, elementos que o auxiliarão na vivência e
a superar as crises de identidade (XAVIER; NUNES, 2015).

Além do destaque na sua teoria à constituição da identidade, que, ainda hoje,


é referência para muitos estudos sobre a adolescência, Erikson também apresentou
uma dimensão social e a investigação das questões culturais para a infância que
foram muito importantes aos estudos do desenvolvimento humano. A teoria, também
denominada de Teoria psicossocial, adicionou ao desenvolvimento humano aspectos
sociais e culturais, além de uma possibilidade do próprio sujeito de se transformar.

ATENÇÃO
A faixa etária indicada pelas teorias deve ser sempre analisada como
uma referência, e não como regra absoluta.

71
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A conceituação do desenvolvimento humano a partir da concepção ampliada, que


envolve a relação de diferentes aspectos nesse processo – cognitivos, sociais,
biológicos, afetivos etc. – e também inclui outros ciclos da vida, como a adolescência,
a fase adulta e o envelhecimento.

• A Teoria Bioecológica, de Urie Bronfenbrenner, e o modelo bioecológico de desenvol-


vimento.

• A Teoria Psicogenética, de Henri Wallon, e a importância da afetividade no desenvol-


vimento humano.

• Os processos psicodinâmicos e as fases de desenvolvimento propostas pelos estudos


de Sigmund Freud.

• A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial e as oito fases de desenvolvimento,


propostas por Erik Erikson.

72
AUTOATIVIDADE
1 Conhecer como o ser humano se desenvolve tem sido, por muito tempo, objeto de
diferentes ciências e filosofias. A Psicologia, ao longo da sua constituição enquanto
ciência, buscou desenvolver uma série de pesquisas e estudos, a fim de compreender
as diferentes fases da vida, assim como quem somos, como aprendemos e como nos
desenvolvemos. Com base nas definições de desenvolvimento humano, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) O desenvolvimento humano pode ser entendido como o estudo de diferentes


variáveis, como afetivas, cognitivas, sociais e biológicas.
b) ( ) Estudar o desenvolvimento humano significa levar em consideração as
experiências dos sujeitos na infância.
c) ( ) Os aspectos que dizem respeito ao desenvolvimento biológico não são interesse
das teorias que estudam o desenvolvimento humano.
d) ( ) Para compreender o desenvolvimento humano, deve-se focar detalhadamente
em um dos aspectos de constituição das experiências dos indivíduos.

2 Uma das importantes teorias, elaborada por Urie Bronfenbrenner, no final da década
de 1970, foi a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, que se tornou
referência por apresentar o Modelo Bioecológico de desenvolvimento humano. Com
base nas características da Teoria Bioecológica, analise as afirmativas a seguir:

I- O Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano surgiu em contraposição


às Teorias de Desenvolvimento que tinham como referência a noção de ciência
experimental e os modelos positivistas da Psicologia da época.
II- O Modelo PPCT, proposto por Bronfenbrenner, articula os aspectos relacionados a
processo, pessoa, cognição e tempo.
III- A relação dos indivíduos com o ambiente e os contextos, a partir de dimensões que
estão inter-relacionadas, é um ponto importante do Modelo Bioecológico.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

3 A Teoria Psicogenética, de Henri Wallon, tem como elemento central do desenvolvimento


humano a questão da afetividade, a qual tem grande importância em todos os estágios
apresentados pelo autor. De acordo com essa teoria, classifique V para as afirmativas
verdadeiras e F para as falsas:

73
( ) No primeiro estágio do desenvolvimento, denominado impulsivo-emocional, as
crianças expressam sua afetividade em seus movimentos, que, nesse período,
ainda se apresentam desordenados.
( ) É na puberdade que se adquire a consciência corporal e quando se tem, de forma
mais clara, os limites de autonomia e de dependência.
( ) A diferenciação da criança com o mundo externo e a capacidade de se diferenciar
dos objetos são características do período denominado personalismo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Com o surgimento da Psicanálise, o grande desafio enfrentado por Freud foi apresentar
à sociedade e à ciência uma outra dimensão para as discussões sobre a sexualidade
na infância. Entretanto, o sentido dado por Freud à sexualidade tinha características
bem específicas, que, até hoje, acompanham a Teoria Psicanalítica. Disserte sobre
qual é a perspectiva de sexualidade infantil que Freud apresenta em sua teoria.

5 A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, de Erik Erikson, destacou um dos ciclos da


vida que o autor considerou como a etapa fundamental. Trata-se de uma fase em que
o indivíduo adquire pré-requisitos fisiológicos, maturidade mental e responsabilidade
social, elementos que o auxiliarão na vivência e a superar as crises de identidade.
Identifique qual é essa fase e disserte sobre algumas características desse momento
do ciclo de vida, segundo a teoria.

74
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO:
JEAN PIAGET E LEV VYGOTSKY

1 INTRODUÇÃO
São diversos os estudos e as teorias que apresentam possibilidades de se
compreender o indivíduo e o seu desenvolvimento. Nesse caminho, há duas teorias
com foco no desenvolvimento cognitivo que serviram, e ainda são, grandes referências
aos estudos atuais: a Teoria de Jean Piaget e a Teoria sociocultural, de Lev Vygotsky.

Neste tópico, conheceremos algumas características importantes sobre esses


dois grandes paradigmas, a partir da concepção cognitiva de Jean Piaget e, em seguida,
da Teoria Sociocultural, de Lev Vygotsky.

2 PIAGET: A CONCEPÇÃO COGNITIVA


Jean Piaget (1896-1980), motivado por compreender o funcionamento cognitivo
(a inteligência) e como ele influencia no desenvolvimento humano, propôs uma teoria
do desenvolvimento infantil com foco nos processos cognitivos.

A partir do método clínico, construiu sua teoria tendo como base a experiência
imediata das crianças. Assim, Piaget acompanhava crianças e pedia, por exemplo, para
que elas descrevessem, a partir da proposição de algumas tarefas: o que elas estavam
fazendo, o porquê e como estava fazendo aquela atividade. Assim, ele estudou a:

evolução do pensamento e da moralidade, observando o modo


como crianças e adolescentes, em diferentes idades, solucionam
diversos testes, experimentos e exercícios. Constatou, então, que a
criança e o adulto, embora possuam níveis diferentes na capacidade
de conhecer, utilizam os mesmos mecanismos cognitivos (XAVIER;
NUNES, 2015, p. 73).

A partir dessas observações, Piaget propôs a organização da teoria em estágios


de desenvolvimento (Quadro 7). Para esse autor, o desenvolvimento humano tem
início na infância e se finda na idade adulta, porém também sistematiza os estágios de
desenvolvimento até a adolescência. Para Piaget, a inteligência e os órgãos do corpo
amadurecem biologicamente até alcançarem um nível de estabilidade ou certo equilíbrio.
Portanto, o desenvolvimento (cognitivo, afetivo e social) acontece progressivamente, a
partir de processo de equilibração. À medida que o indivíduo cresce, o equilíbrio dos
sentimentos aumenta, assim como sua capacidade cognitiva e de relações sociais
(PIAGET, 1999). De acordo com La Taille, Oliveira e Dantas (1992, p. 110):

75
a inteligência humana deve ser entendida como um sistema
cognitivo, sistema eset ao mesmo tempo aberto e fechado; aberto
no sentido em que se alimenta, através da ação e da percepção do
sujeito, de informações extraídas do meio social e físico, e fechado
no sentido em que o sistema em questão não se confunde com
uma página em branco, sobre a qual as informações recebidas
simplesmente se inscreveriam, mas é sim, dotado de capacidade de
organização (ciclos). O desenvolvimento cognitivo ocorre, então, pelo
constante contato do sistema cognitivo com informações vindas
do meio, e pelo não menos constante processo de reestruturação
que visa, justamente, fazer com que o sistema atinja o equilíbrio e
nele permaneça.

Dessa forma, Piaget entendeu o desenvolvimento humano como um processo


contínuo, de equilibração progressiva, que, a partir da comparação que o próprio autor
faz, equivaleria a uma construção de um prédio que, à medida que se acrescentam
materiais, se torna mais sólido. Assim, à medida que o sujeito ganha idade, ele vive
novas experiências, aprendendo e passando pelos estágios de desenvolvimento e se
tornando mais capaz e estável.

A busca pelo equilíbrio é, segundo Piaget (1999), um movimento contínuo,


que caracteriza a ação humana, ou seja, sempre em busca do reajustamento ou da
equilibração, o que se pode observar desde os primeiros estágios de desenvolvimento
do bebê, mesmo que em um nível mais rudimentar e sensorial.

2.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO


É inquestionável a importância das contribuições de Piaget para a compreensão
do desenvolvimento infantil e, segundo o autor, “[…] existem formas diferentes de
interagir com o ambiente nas diversas faixas etárias. A estas maneiras típicas de agir e
pensar, Piaget denominou estágio ou período” (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981). Assim,
Piaget utiliza a organização dos estágios de desenvolvimento por períodos etários,
porém formados por outros fatores para além da maturação biológica.

Dessa maneira, não é só atingir certa idade que fará com que a criança alcance
determinado estágio do desenvolvimento, uma vez que os estágios são organizados
a partir do surgimento de novas capacidades dos indivíduos em cada momento do
desenvolvimento. Tais capacidades estão relacionadas a quatro fatores principais:
a maturação biológica, o papel da experiência, a transmissão social e a equilibração
(GOMES; BELLINI, 2009).

No Quadro 7, podemos conhecer esses estágios e algumas características de


cada período.

76
QUADRO 7 – ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, DE JEAN PIAGET

Período/
Idade Características
Estágio
Corresponde ao período do nascimento até a aquisição da
linguagem. Nesse período, acontecem transformações distintas, que
Sensório-
0 a 2 anos se iniciam com os reflexos, depois a organização de percepções e
motor
hábitos até a inteligência sensomotora. Ainda não há diferenciação
entre o eu e o mundo exterior.
Considerada a primeira infância, apresenta mudanças nas
dimensões afetiva e intelectual, a partir da aquisição da linguagem.
A criança torna-se capaz de iniciar um processo de socialização à
medida que já consegue criar narrativas de suas ações e realizar
Pré- trocas entre os indivíduos. Nesse período, ocorre a interiorização
2 aos 7 anos
operatório da palavra, ou seja, o pensamento tem início, a criança já
consegue operar por signos internos. Por fim, também já é capaz
de interiorizar a ação a partir de experiências mentais. Nessa fase,
ainda se desenvolvem sentimentos como simpatia, respeito e uma
afetividade mais estável.
Nessa fase, ocorrem modificações decisivas no desenvolvimento
mental da criança. Corresponde à idade de início escolar. Novas
Período formas de organização permitem mais estabilidade às capacidades
7 aos
operatório adquiridas nas fases anteriores e apresentam novas construções.
12 anos
concreto Quando ocorrem progressos na socialização, a criança torna-se
capaz de cooperar, por passar compreender o ponto de vista do
outro. Reconhecimento de regras. Início das construções lógicas.
Maior equilíbrio ao pensamento e à afetividade que apresentam
Período novas operações ao pensamento e comportamento social
12 anos aos
operatório no nível da afetividade. O adolescente já é capaz de elaborar
15-16 anos
formal teorias e constituir sistemas. Capacidade de abstração-raciocínio
dissociado do conteúdo.

FONTE: Adaptado de Piaget (1999)

Para explicar esse processo de desenvolvimento, Piaget apresentou alguns


conceitos essenciais: acomodação, assimilação e equilibração.

2.2 PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO, ACOMODAÇÃO E


ASSIMILAÇÃO
Entre os três importantes conceitos que explicam como se dá o processo de
desenvolvimento, Piaget busca, na Biologia, a noção de assimilação, para se referir a
um processo que se baseia no que é construído pelo sujeito a partir da relação com
o objeto. Segundo Tourrette e Guidetti (2009, p. 19): “A assimilação é, portanto, um
mecanismo bastante geral que permite explicar a integração de qualquer novo elemento
nas estruturas mentais do indivíduo. Ela produz-se em todos os domínios – motor,
perceptivo, intelectual”.

77
Isso quer dizer que a assimilação corresponde ao processo de integração
de elementos novos às estruturas que já existem. É quando aquilo que se aprende
(externo) é “conectado” aos esquemas (internos) dos sujeitos. Por si só, a assimilação
desse novo não corresponde ao desenvolvimento de novas estruturas, pois esse novo
está associado às estruturas já existentes. Para o desenvolvimento de novas estruturas
(o que é importante para a sequência dos estágios de desenvolvimento), é necessário
outro processo complementar: a acomodação.

Acomodação podem ser consideradas as modificações necessárias para


adaptação ao meio: “[...] diz-se que existe acomodação quando, após assimilação
aos esquemas do sujeito, a inteligência modifica esses esquemas para ajustá-los aos
novos dados” (TOURRETTE; GUIDETTI, 2009, p. 20). Dessa maneira, significa que, após
assimilado, o conhecimento adquirido precisa de “ajustar”, ser acomodado aos esquemas
psíquicos dos sujeitos, para ser criada uma nova estrutura.

Assim, os processos de acomodação se caracterizam por modificar as estruturas,


pois, ao assimilar algo novo, que não está integrado ao que já existe, é necessário modificar
as estruturas para que aquilo possa “caber” ali e, então, se tenha uma nova estrutura.

De modo simplificado, podemos entender da seguinte forma: quando aprendemos


algo novo, aquilo, obviamente, não existia na nossa estrutura psíquica/cognitiva. Logo,
esse “conteúdo” novo precisa ser inicialmente assimilado (integrado às estruturas que
já existem), para, posteriormente, ser acomodado, ou seja, ele irá modificar aquelas
estruturas já existentes, de maneira a acomodar esse novo. A partir desses processos
psíquicos e em busca de um equilíbrio, ocorre o desenvolvimento humano.

“Equilíbrio” é uma palavra para qual Piaget chama a atenção, pois o que ele quer
representar não está relacionado à ideia de estabilidade, imobilidade ou de passividade,
sentidos que são normalmente associados ao conceito de equilíbrio. Para ele, o sentido
de equilíbrio é “[…] como um sistema de compensações progressivas, quando estas
compensações são alcançadas, ou melhor, logo que o equilíbrio é obtido, a estrutura
está constituída em sua reversibilidade” (PIAGET, 1999, p. 128). Daí surge a noção de
equilibração ou processo de equilibração (que significaria essa sequência de níveis de
equilíbrio), no qual, para se alcançar determinado nível, é necessário ter atingido o nível
anterior (GOMES; BELLINI, 2009).

Esse processo representa a tendência de o funcionamento psíquico buscar um


equilíbrio (dinâmico) na organização das estruturas mentais do indivíduo, a partir dos
processos de assimilação e acomodação, de modo a facilitar o equilíbrio no entorno. Logo:

em cada fase do desenvolvimento, a criança consegue uma


determinada organização mental que lhe permite lidar com o
ambiente. Esta organização mental (equilíbrio) será modificada
à medida em que o indivíduo conseguir atingir novas formas de

78
compreender a realidade e de atuar sobre ela e tenderá a uma forma
final que será atingida na adolescência e que consistirá no padrão
intelectual que persistirá durante a idade adulta (RAPPAPORT; FIORI;
DAVIS, 1981, p. 62).

Dessa forma, para Piaget, cada período se caracteriza por aquilo que o sujeito
é capaz de fazer naquela idade e, portanto, naquele estágio do seu desenvolvimento.
Todos passamos por todas as fases na mesma sequência, porém a maneira, o início e
o término delas será sempre uma questão singular (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2004).
Quanto ao equilíbrio, é importante concebê-lo como algo constante, dinâmico e que se
dá a partir de cada um dos estágios de desenvolvimento.

3 LEV VYGOTSKY: A TEORIA SOCIOCULTURAL –


DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Lev Vygotsky (1896-1934) apresentou a teoria sociocultural sobre desenvolvimento
humano partindo da compreensão de que o desenvolvimento cognitivo e a socialização
das crianças se relacionam diretamente com os contextos que ela vivencia. Assim, “[…]
falar da perspectiva de Vygotsky é falar da dimensão social do desenvolvimento humano”
(OLIVEIRA, 1992, p. 24). Isso significa que, em contraposição às ideias naturalistas, que
relacionam o desenvolvimento somente a uma questão de maturidade biológica, Vygotsky
apresentou a dimensão do social, em especial da importância dos contextos históricos
e sociais na constituição dos sujeitos, associada à ideia de um sujeito sempre ativo, em
transformação, cujo desenvolvimento se dá gradativamente a partir das relações com
os contextos históricos e sociais que o vivencia.

De acordo com Oliveira (1992, p. 24):

Vygotsky tem como um dos seus pressupostos básicos a ideia de


que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua relação com o
outro social. A cultura torna-se parte da natureza humana num
processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e
do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem.

Tendo como fundamento o materialismo histórico e dialético de Karl Marx,


Vygotsky apresentou, entre outras bases teóricas, a ideia de que as funções psicológicas
são produtos da atividade humana, ou seja, o homem se forma na relação dialética com
a realidade social. Nesse sentido, o que acontece não é uma mera transição do plano
social para o individual, mas algo que se produz como resultado de um processo de
configuração que se dá a partir da relação entre o social-individual (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2004). Vygotsky rejeita, portanto, a ideia de que as funções mentais são
fixas, imutáveis, entendendo que as estruturas do cérebro são plásticas e podem ser
moldadas ao longo das experiências individuais e de espécie.

79
Para elaboração da sua teoria, Vygotsky trabalhou com conceitos importantes,
podendo-se destacar dois elementos centrais: a zona de desenvolvimento proximal e
a linguagem.

3.1 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL


Um dos conceitos importantes na teoria de Vygotsky é chamado “Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZPN)”. Para compreendermos esse conceito, é importante
conhecermos dois outros níveis de desenvolvimento:

• 1º nível – Nível de Desenvolvimento Real (NDR): é aquilo que o sujeito é capaz de


fazer sozinho, sem auxílio de uma outra pessoa. A criança já desenvolveu, a partir
dos ciclos de desenvolvimento, um nível das funções mentais que a permite resolver
determinadas atividades sozinha, sem o auxílio.
• 2º nível – Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP): refere-se às situações que
os indivíduos dão conta de realizar – ações, sentir, pensar – com auxílio de alguém
que já tem experiência. Podemos percebê-los a partir da capacidade de solução de
problemas sob orientação de um adulto ou um outro mais capaz.

A ZDP representa o caminho entre o que o indivíduo dá conta de fazer sozinho


e o que ele só faz com a ajuda de um outro. Esse “intervalo” é onde está a ZDP, que
representa, de acordo com Vygotsky (1984, p. 97):

distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar


através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes.

Portanto, Vygotsky constatou, através de testes de inteligência aplicados em


crianças, que apesar de terem a mesma capacidade cognitiva/intelectual, algumas
conseguiam realizar os testes sozinhas e outras não. No entanto, se houvesse uma
intermediação de alguém experiente, essas crianças poderiam ter conseguido resolver
o problema. Assim, mesmo que haja possíveis parâmetros que assemelhem as crianças
nos seus níveis de desenvolvimento, a forma como elas aprendem ou desenvolvem
apresenta diferenças; é essa diferença entre resolver sozinha ou com a ajuda de alguém
mais capaz que caracterizará a ZDP.

80
3.2 A FALA NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
A observação e os experimentos de Vygotsky fizeram com que ele apresentasse
um elemento essencial na sua teoria: a linguagem. Para Vygotsky, a fala da criança é tão
importante quanto a ação, sendo estas duas atividades parte de uma mesma função
psicológica, relacionada à solução de um problema. De acordo com Rodriguero (2000,
p. 102), na concepção de Vygotsky:

A linguagem desempenha importante papel na percepção, pois


a criança começa a perceber o mundo não apenas através dos
olhos, mas também da fala, que se torna parte essencial do
seu desenvolvimento cognitivo. A fala desempenha funções na
reorganização da percepção e na criação de novas relações entre as
funções psicológicas.

Isso significa que, para a criança resolver uma determinada tarefa, ela precisa
tanto da ação – fazer a atividade – quanto da fala, ou seja, dizer, perguntar, usar as
palavras. A partir dessa compreensão, a fala toma um lugar central na teoria sociocultural.
Assim, “[...] antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a controlar
o ambiente com a fala. São produzidas novas relações com o meio, além de nova
organização do próprio comportamento” (RODRIGUERO, 2000, p. 105).

o estudo da linguagem tem uma posição central, por favorecer


a constituição do sujeito e a gradativa apropriada da cultura e da
experiência acumulada ao longo da história. [...] é pela intervenção ou
interposição do outro na relação da criança com o mundo, que ela se
apropria dos modos culturais (OLIVEIRA; BRAZ-AQUINO; SALOMÃO,
2016, p. 458).

Para Vygotsky, a relação da criança com o social (que, como vimos, é um


importante elemento da sua teoria) se dá a partir da aquisição da fala. Tanto o que
a criança aprende e interpreta do mundo como também a sua capacidade de se
relacionar e de modificar esse mundo se dão a partir da fala. Uma fala que se apresenta,
inicialmente, a partir da função de comunicação com o social, mas que, ao longo do
tempo, permitirá também a constituição de uma “fala interna”, que seria a capacidade
de organizar o pensamento, operar por símbolos e significados.

De acordo com Souza e Andrada (2013, p. 358), “A palavra, que era inicialmente
para a criança uma propriedade externa do objeto, passa a ter um significado simbólico,
que o autor denomina de função simbólica da fala. Essa conquista abre portas para a
criança se apropriar de uma gama maior de experiências circundantes em sua realidade”.

Dessa forma, segundo Vygotsky, à medida que a comunicação verbal com a


social se torna mais complexa, o pensamento também se apresenta mais desenvolvido,
assim como as funções psíquicas da criança se tornam mais avançadas. Portanto, o

81
desenvolvimento infantil, para Vygotsky, pressupõe interação social, que se dá desde
o nascimento da criança, mediada pela fala do adulto. À medida que a criança se
desenvolve, ela ativamente incorpora essa aprendizagem a suas experiências, e seus
processos psicológicos se tornam mais complexos.

DICA
O Instituto Claro lançou uma série de vídeos sobre Pensadores na
Educação, em que especialistas comentam sobre as obras e as
ideias de teóricos importantes. Assista aos episódios sobre Piaget
e Vygotsky, conforme indicado a seguir:

• Pensadores na Educação: Jean Piaget, disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=MwKEO2pkLP8.
• Pensadores na Educação: Lev Vygotsky, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=BS8o_B5M9Zs.

82
LEITURA
COMPLEMENTAR
DESENVOLVIMENTO INFANTOJUVENIL E OS DESAFIOS DA REALIDADE
CONTEMPORÂNEA

Cleon S. Cerezer

“A mãe (não necessariamente a própria mãe do bebê) suficientemente boa é


a que faz uma adaptação ativa às necessidades do mesmo, uma adaptação ativa que
gradativamente diminui, de acordo com a crescente capacidade do bebê de suportar as
falhas na adaptação e de tolerar os resultados da frustração” (Winnicott).

A tarefa de escrever sobre o desenvolvimento humano, principalmente focado


no que diz respeito às crianças e adolescentes na atualidade contemporânea, é tão
importante quanto a iniciativa do município de Porto Alegre em realizar uma capacitação
prévia para os possíveis candidatos a conselheiros tutelares, cidadãos constituídos por
esta cidade. Os efeitos dessa ação cidadã e responsável são diretos, tendo em vista
a possibilidade multiplicadora de informações importantes com relação a cuidados
realmente necessários para crianças e adolescentes em desenvolvimento.

Cuidar de uma criança, no sentido mais amplo do termo, significa comprometer-


se com um tempo e um espaço que possibilite um viver criativo. Significa “olhar” para
um ser em desenvolvimento e reconhecer nele um potencial orgânico e emocional para
desenvolver-se protegidamente. Protegido não significa sufocante, por isso o termo
“suficientemente boa” da epígrafe, que vai nos remeter a uma condição de equilíbrio
entre frustração e gratificação das necessidades orgânicas e emocionais do ser humano
desde bebê. “Mãe suficientemente boa” é aquela que gratifica e frustra seu bebê “na
medida certa”. Sabemos que não há uma medida certa, mas uma “mãe” (qualquer
pessoa que desempenha esse papel – ambiente cuidador) deve permitir-se mostrar
como um cuidador que cuida, protege e gratifica e, ao mesmo tempo, o que interdita,
proíbe e frustra. Sem falar que um cuidador também pode (e deve) mostrar que é falho,
pois nas falhas do ambiente que lhe cuida, é que o bebê é convidado a rumar para uma
constituição de sua individualidade criativa.

Metaforicamente como um leque, o desenvolvimento humano, desde


o nascimento até o momento adolescente, abre-se em novas realidades que o
complexizam e comprometem o indivíduo a superar uma fase anterior.

83
A forma que escolho para abordar mais especificamente o desenvolvimento
humano neste texto é apresentando as fases do desenvolvimento, baseando-me em
dois referenciais teóricos: o psicanalítico e o piagetiano. É muito difícil prescindir de
uma visão maturacionista para pensar e organizar didaticamente o desenvolvimento
humano para estudo.

No início, há um desejo inconsciente ou conscientizado de que a espécie


humana permaneça, um imperativo biológico que se mescla com um desejo de
encontrar a plenitude, realização e continuidade. Num primeiro momento, período
pré-natal e nascimento, o corpo da mãe serve como espaço para que a criança se
desenvolva biologicamente (gestação) e, portanto, os fatores ambientais influenciam
significativamente nessa fase, inclusive como emocionalmente essa mãe está passando
por essa experiência, de maneira prazerosa ou traumática. O momento do nascimento
é muito importante, pois há uma ruptura de um estado para outro. De um estado de
dependência integral do corpo da mãe, o bebê infla, pela primeira vez, os pulmões e
começa sua trajetória unitária. Nascemos para morrer, e esta não é uma frase trágica ou
apenas de efeito. Entre nosso nascimento e nossa morte, há um espaço, um espaço de
vida, no qual devemos buscar sentido e realização plena.

A seguir, na primeira infância, o recém-nascido depende da amamentação e


de todos os cuidados do ambiente em que vive. Não podemos nos esquecer de que
até possuirmos um nível mínimo de relativa independência, somos da espécie mais
dependente, inclusive logo depois que nascemos. Um potrinho, numa questão de horas
após nascer, está de pé e mamando na mamãe égua. O bebê humano não sobrevive se
não é cuidado por outro.

Para Piaget, esse momento inicial do desenvolvimento caracteriza-se por


sensação e motilidade. Aproximadamente dos 0 aos 2 anos: a atividade intelectual da
criança é de natureza sensorial e motora (período sensório-motor). Acredita-se que a
criança ainda não representa mentalmente os objetos. Sua ação é direta sobre eles.
Essas atividades serão o fundamento da atividade intelectual futura. A estimulação
ambiental interferirá na passagem de um estágio para o outro. Nesse período, também
já ocorre início do amadurecimento dos precursores da linguagem, por isso é importante
estimular sempre o bebê em todas as áreas do desenvolvimento.

No que diz respeito ao desenvolvimento da personalidade e social, baseado nos


referencias psicanalíticos de Freud e Erickson, encontramos as fases do desenvolvimento
psicossexual e psicossocial, respectivamente. Impossível não pensá-las interconectadas
entre si. Freud pensou as fases psicossexuais tendo em vista a predominância de
determinada zona erógena biológica que nos remeteria a explicações metapsicológicas
do desenvolvimento emocional infantil como grande motor para fixações e configuração
de aspectos personificadores do indivíduo na fase adulta. Eric Erickson postulava que
as pessoas são seres ativos buscando adaptar-se ao seu ambiente, mais que passivos
escravos dos impulsos, por isso os aspectos sociais e culturais interessaram tanto a
este autor.

84
A primeira fase do desenvolvimento psicossexual infantil é chamada fase oral-
sensorial e o conflito básico seria de confiança x desconfiança (0-1 ano). A zona erógena
predominante é a boca (alimentação) e as relações com o ambiente cuidador é que
vai balizar se o “mundo” (ambiente cuidador) é confiável ou não para este indivíduo se
desenvolver.

A segunda fase psicossexual é chamada fase muscular-anal, na qual a


descoberta do controle esfincteriano anal torna-se uma fonte de interação substancial
com o mundo externo e os movimentos de retenção e expulsão formam substratos
personais, como autocontrole, rigidez, obsessividade e sentimentos de perseguição. O
conflito básico, neste momento, é autonomia x vergonha e dúvida (1-3 anos).

Ingressando num período, também chamado de segunda infância, no âmbito


cognitivo (Piaget), inicia-se o estágio pré-operacional, mais ou menos de 2 a 6 anos:
a criança desenvolve a capacidade simbólica; “já não depende unicamente de suas
sensações, de seus movimentos, mas já distingue um significador (imagem, palavra ou
símbolo) daquilo que ele significa (o objeto ausente), o significado”. Para a educação, é
importante ressaltar o caráter lúdico do pensamento simbólico. O brincar, não apenas o
brinquedo, entra nesse cenário como potente elaborador de conflitos e capacitador de
formação de vínculos concretos e simbólicos.

Esse estágio pré-operacional caracteriza-se pelo egocentrismo, isto é, a criança


ainda não se mostra capaz de colocar-se na perspectiva do outro, o pensamento pré-
operacional é estático e rígido, a criança capta estados momentâneos, sem juntá-
los em um todo; pelo desequilíbrio: há uma predominância de acomodações e não
das assimilações; pela irreversibilidade: a criança parece incapaz de compreender a
existência de fenômenos reversíveis, isto é, que se fizermos certas transformações,
somos capazes de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio original, como a água que se
transforma em gelo e aquecendo-se volta à forma original.

No que diz respeito ao desenvolvimento da personalidade e social (Freud


e Erickson), é o momento da fase fálica. A zona erógena predominante é a dos
genitais, a diferenciação sexual de gêneros é percebida mais evidentemente nesse
momento, é por isso que, também nessa fase, ocorre o chamado complexo de Édipo,
pois a diferença masculino/feminino evidencia-se e há um “apaixonamento” pelo
cuidador (ou representante deste) do sexo oposto. O conflito básico aqui é: iniciativa
versus culpabilidade (3-6 anos). Depois dessa fase, Freud acreditava que o indivíduo
ingressava, por força da repressão dos instintos sexuais após o período edípico, num
período chamado de latência, no qual regras e leis encontrariam maior propriedade
para serem respeitadas e compreendidas, paradoxalmente uma proibição que permite.
Esse momento também é quando acontece o início da escolarização formal (no Brasil,
o Ensino Fundamental). A maturidade neuro-biológica-emocional encontra vazão de
forma significativa para seu êxito.

85
Na terceira infância, ocorre o chamado estágio das operações concretas, mais
ou menos dos 7 aos 11 anos: a criança já possui uma organização mental integrada,
os sistemas de ação reúnem-se todos integradamente. Piaget fala em operações de
pensamento ao invés de ações. É capaz de ver a totalidade de diferentes ângulos. A
criança conclui e consolida as conservações do número, da substância e do peso. Apesar
de ainda trabalhar com objetos, agora representados, a flexibilidade de pensamento
permite um sem número de aprendizagens por parte da criança. O conflito básico neste
período é o de atividade x inferioridade (7-11 anos) e corresponde ao chamado Período
de Latência para Freud, conforme já descrito antes.

A fase seguinte é o período de transição conhecido como adolescência. Para


Piaget, no estágio das operações formais, mais ou menos dos 12 anos em diante, ocorre
o desenvolvimento das operações de raciocínio abstrato. A criança se liberta inteiramente
do objeto, inclusive o representado, operando agora com a forma (em contraposição a
conteúdo), situando o real em um conjunto de transformações. A grande novidade do
nível das operações formais é que o sujeito se torna capaz de raciocinar corretamente
sobre proposições em que não acredita, ou que ainda não acredita, que ainda considera
puras hipóteses. É capaz de inferir as consequências. Têm início os processos de
pensamento hipotético-dedutivos. Os que tiveram a experiência de apaixonar-se pela
primeira vez na vida, isto foi um momento adolescente em que as operações formais
piagetianas foram experimentadas com toda intensidade, principalmente contrastando
com o período cognitivo anterior de pensamento concreto. Essa é mais uma das
mudanças significativas neste momento da vida.

Pensando, o desenvolvimento humano metaforicamente como um leque, como


referimos anteriormente, no momento adolescente, o indivíduo, depois de ter nascido
num meio familiar, estar inserido numa realidade escolar, abre-se finalmente para
sociedade e cultura onde estiver inserido.

Atualmente, vivemos um período em que a sociedade e a cultura sofrem intensas


mudanças e transformações de paradigmas e valores que incidem poderosamente
na existência dos adolescentes. A atualidade e suas complexidades incrementam
ainda mais este período evolutivo chamado adolescência, no qual transformações
biopsicossociais acontecem, pois determina um momento de passagem do conhecido
mundo da infância ao tão desejado e temido mundo adulto.

As transformações da adolescência ocasionam flutuações que se caracterizam


por momentos progressivos – onde predomina, entre outros aspectos, o processo
secundário, o pensamento abstrato e a comunicação verbal – e momentos regressivos
– com a emergência do processo primário, da concretização defensiva do pensamento
e a retomada de níveis não verbais de comunicação.

86
Com relação ao aspecto da sexualidade na adolescência temos de pensar a
partir da puberdade (modificações biológicas) e da mudanças psicossocioculturais que
estão implicadas no processo adolescente. Puberdade é um processo biológico que se
inicia em torno dos 9 anos e estende-se até em torno dos 14 anos. Como fenômeno
orgânico de maciço desenvolvimento hormonal, é o que origina os chamados “caracteres
sexuais secundários”. Percebemos que o adolescente, após isso, já estaria maduro
organicamente para exercer sua genitalidade, porém cabe pensar nesse momento se
estaria “pronto” para viver a plenitude de sua sexualidade. Sabemos que genitalidade e
sexualidade não são sinônimos, ou seja, a primeira significa o ato puro de uma relação
sexual, enquanto a segunda é muito mais abrangente, englobando, além do ato da
relação sexual, todo o envolvimento afetivo necessário para a completude de uma
relação amorosa. Genitalidade está entre as pernas, sexualidade está entre as orelhas.

A identidade sexual, que começa a se organizar desde o nascimento, adquire


sua estrutura, seu perfil definitivo, na adolescência. É nessa etapa da vida que ocorre a
passagem da bissexualidade básica (infantil) para a heterossexualidade (adulta). Esse
processo integra a vivência do indivíduo de maneira muito significativa, tanto em termos
externos (sociais, culturais) como internos (pessoais, afetivos).

A adolescência é caracterizada por inúmeros elementos, dos quais podemos


referir alguns: a perda do corpo infantil, dos pais da infância e da identidade infantil;
a passagem do mundo endogâmico ao universo exogâmico; a construção de novas
identificações, assim como de desidentificações; a reorganização de novas estruturas e
estados de mente; a aquisição de novos níveis operacionais de pensamento (do concreto
ao abstrato) e de novos níveis de comunicação (do não verbal ao verbal); a apropriação
do novo corpo; vivência de uma nova etapa do processo de separação-individuação;
a construção de novos vínculos com os pais, caracterizados por menor dependência
e idealização; a primazia da zona erótica genital; a busca de um “objeto” amoroso; a
definição da escolha profissional; enfim, de muitos outros aspectos que seria possível
seguir citando, mas, em síntese, referem-se a organização da identidade em seus
aspectos sociais, temporais e espaciais. Se pudéssemos resumir muito sucintamente o
período adolescente, diríamos uma palavra – identidade.

Adolescência é um momento de vida caracterizado por uma busca constante de


diferenciação, discriminação e consecução de uma identidade. Deve ser vivenciado com
“flexibilidade”, ou seja, o ambiente que tem um adolescente no convívio deve permitir esta
experiência vital de forma flexível, que não significa nem permissividade muito menos
repressividade. É poder dar-se conta que na família que tem adolescentes toda a família
adolesce. Superar esse momento para conquistar amadurecimento é o desafio.

É importante salientar que nossos atos precisam de significados, precisam ser


simbolizados para podermos nos conectar com a dimensão subjetiva das relações que
estabelecemos com os outros (nossos semelhantes), senão nos tornaremos vazios,
desamparados e tristes.

87
Uma vez ouvi que: “Aos filhos devemos dar raízes e asas”. Embora seja uma
metáfora um pouco incoerente, ela se presta muito para pensarmos a tarefa de cuidar
de uma criança ou adolescente. Raízes seriam de onde vão nutrir-se e sempre terão para
onde voltar. Asas para alçarem voos, inclusive mais altos que os pais. Se dermos muitas
raízes, ficarão dependentes, não irão muito longe. Se dermos muitas asas, poderão
perder-se ou andar sem rumo, sem sentido. No processo do desenvolvimento humano,
para que crianças e adolescentes se desenvolvam saudavelmente, é necessário
proteção e segurança por parte dos ambientes que lhes cuidam. O equilíbrio da proteção
e do cuidado é da ordem que não sufoque e não restrinja o amplo amadurecimento e
permita um viver criativo. O caminho se faz caminhando...

FONTE: Adaptada de CEREZER, C. S. Desenvolvimento infanto-juvenil e os desafios da realidade


contemporânea. Ministério Público do Paraná, Curitiba, 2007. Disponível em: https://crianca.mppr.
mp.br/pagina-74.html. Acesso em: 5 jan. 2022.

88
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As características da Teoria do Desenvolvimento proposta por Jean Piaget.

• A partir de algumas características do desenvolvimento, os estágios propostos por


Jean Piaget (sensório motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal).

• Os processos de desenvolvimento essenciais para a compreensão da teoria de Jean


Piaget: assimilação, acomodação e equilibração.

• As características da Teoria sociocultural, de Lev Vygotsky.

• Dois conceitos importantes da teoria de Vygotsky, que se relacionam com a forma


como se dá o processo de desenvolvimento humano: a Zona de Desenvolvimento
Proximal e a linguagem.

89
AUTOATIVIDADE
1 Duas importantes Teorias do Desenvolvimento serviram, e ainda são, grandes
referências aos estudos da infância, em especial àqueles que se propõem a conhecer
como as crianças e os adolescentes aprendem: a Teoria cognitiva, de Jean Piaget, e
a Teoria sociocultural, de Lev Vygotsky. Com base nas características dessas teorias,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O método estatístico foi a referência metodológica de observação de Jean Piaget.


b) ( ) A organização das fases de desenvolvimento por períodos/estágios é caracte-
rística da teoria de Lev Vygotsky.
c) ( ) Equilibração é um conceito importante na teoria de Jean Piaget.
d) ( ) Considerar os elementos históricos e sociais no desenvolvimento humano é uma
dimensão importante na teoria de Piaget.

2 Jean Piaget tem uma teoria muito respeitada sobre o desenvolvimento infantil. Os
estágios de desenvolvimento cognitivos apresentam elementos importantes para
a compreensão das capacidades dos indivíduos, servindo de base para as práticas
profissionais nos mais variados campos de estudos. Tendo como referência os
estágios de desenvolvimento propostos na teoria de Piaget, analise as afirmativas
a seguir:

I- O período pré-operatório se caracteriza pela interiorização da ação.


II- O início das operações mentais se dá no período sensório-motor.
III- A capacidade de abstração, assim como de raciocínio dissociado do conteúdo, é
característica do período operatório formal.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
c) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

3 Para construir sua teoria, Vygotsky adotou alguns conceitos importantes, que se
tornaram referência na compreensão sobre o desenvolvimento humano. Um desses
conceitos é a Zona de Desenvolvimento Proximal. Classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

90
( ) O nível de desenvolvimento real é aquilo que o indivíduo é capaz de realizar sem o
auxílio de um outro mais experiente.
( ) O nível de desenvolvimento proximal envolve situações em que os indivíduos
realizam as ações com auxílio de alguém.
( ) Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento
real e o nível de desenvolvimento potencial.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 A partir da observação da experiência imediata das crianças, Piaget elaborou a teoria


sobre o desenvolvimento cognitivo, que se tornou uma das principais contribuições
para o entendimento de como o ser humano aprende e se desenvolve. Um dos
conceitos centrais na teoria de Jean Piaget é o de “equilibração”, que traz a perspectiva
de equilíbrio, porém com a clareza do dinamismo do psiquismo do indivíduo. Disserte
sobre essa relação entre equilíbrio e dinamismo na teoria de Jean Piaget.

5 Uma importante diferenciação do homem para os demais animais foi, sem dúvida,
a aquisição da linguagem. Na teoria de Vygotsky, a fala se apresenta como elemento
essencial no desenvolvimento cognitivo. Descreva e utilize exemplos da fala no
desenvolvimento das funções psicológicas, segundo Vygotsky.

91
REFERÊNCIAS
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Pensando Psicologia, [s. l.], v. 9, n. 16, p. 89-99, 2013. Disponível em: https://revistas.
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BRASIL. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a
primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e
do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo
Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de
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F937bxTgC9GgpBJ8QhCKs6F/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 5 jan. 2022.

TOURRETTE, C.; GUIDETTI, M. Introdução à Psicologia do Desenvolvimento: do


nascimento à adolescência. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

XAVIER, A. S.; NUNES, A. I. B. L. Psicologia do Desenvolvimento. 4. ed. Fortaleza:


EdUECE, 2015.

94
UNIDADE 3 —

TEMAS EMERGENTES EM
PSICOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• situar a contribuição dos conceitos de Psicologia na família;

• situar a contribuição dos conceitos de Psicologia na sexualidade;

• situar a contribuição dos conceitos de Psicologia e violência;

• situar a contribuição dos conceitos de Psicologia e os meios de comunicação de


massa.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – FAMÍLIA: A BASE PARA O DESENVOLVIMENTO

TÓPICO 2 – VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE

TÓPICO 3 – MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

95
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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96
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
FAMÍLIA: A BASE PARA O
DESENVOLVIMENTO

1 INTRODUÇÃO
A família é uma temática de suma importância para a Psicologia, pois, a partir
de sua estrutura, podem-se explorar muitas produções tanto dos sujeitos quanto das
sociedades ao longo das épocas. Ao mesmo tempo, não se pode esquecer que a família
é um assunto sobre o qual muitos pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento se
debruçam e contribuem para a interlocução e construção do conhecimento psicológico.

Neste tópico, abordaremos a contextualização da família no tempo; os tipos de


família e modelos parentais; e a importância da família para a constituição dos sujeitos,
levando em conta o diálogo com outras especialidades – a História, a Antropologia, a
Sociologia – para um entendimento que localize esse grupo social e seus encargos, na
correlação com outros eventos atuais e suas consequências para as subjetividades.

2 A HISTÓRIA DA FAMÍLIA: SUA CONTEXTUALIZAÇÃO


Não há muito tempo, o modelo de família instituído era representado pela
estrutura pai-mãe-filho(s). Esse protótipo de estrutura familiar era tido como ideal, pela
forma hegemônica de se pensar na sociedade e, por isso, servia de referência para
determinar todas as outras formas de ordenação familiar que não seguissem esse
modelo como desestruturadas, desordenadas ou desequilibradas (BACAL, 2013).

Nessa concepção dominante de família, existe um juízo de valor que não é


científico, mas moralista, posto que coloca um molde como diretriz e avalia os outros
como desajustados (BACAL, 2013).

Na contemporaneidade, é possível perceber, em pesquisas antropológicas,


reportagens e nos programas de entretenimento em meios de comunicação, a existência
de diversos modos de estruturação familiar: a família de pais separados que estabelecem
relacionamento com outras pessoas e, como efeito, nasce um novo convívio entre
os filhos das relações anteriores do casal e os seus novos filhos; a família liderada por
mulheres (em todas as classes sociais); as famílias formadas por pessoas LGBTQIA+,
homoafetivas e transcentradas; a família nuclear; a família extensa etc. (BACAL, 2013).

97
ATENÇÃO
Ao pensarmos em família, muitas imagens e configurações vêm
a nossa mente. A cultura em que os sujeitos estão inseridos e
os novos modelos de relações humanas, que se estabelecem
de acordo com a conjuntura política, econômica e social de
cada tempo, balizam e permitem o surgimento de diferentes
configurações familiares.

Por isso, é importante observarmos a História, para analisarmos quais foram as


condições que nos permitiram falar, hoje, sobre outros modelos de constituição familiar
e como eles são produtos e produtores de subjetividades.

3 TIPOS DE FAMÍLIA E MODELOS PARENTAIS


Para compreendermos sobre as transformações no que se entende por família,
o papel social desta instituição e a produção de subjetividade engendrada por ela, é
preciso fazer a sua contextualização histórica.

De acordo com a investigação do antropólogo americano Lewis Morgan (1818-


1881), é possível afirmar que, desde os primórdios da humanidade, existiram diferentes
configurações familiares, como mostra o Quadro 1.

QUADRO 1 – MODELOS PARENTAIS

Modelos Parentais Descrição


Família consanguínea O casamento entre irmãos e irmãs dentro de um grupo.

Um conjunto de homens casava-se com um conjunto de mulheres e a cada


Família punaluana uma das mulheres era permitido se casar com os maridos das irmãs e assim
acontecia também com os homens.

Família sindiásmica O casamento entre casais, no entanto, sem o compromisso de coabitarem. A


ou de casal permanência do casamento se dá a partir do desejo de ambos.

Família patriarcal O casamento de apenas um homem com diferentes mulheres.

Se refere ao casamento de duas pessoas, com compromisso de morarem juntos,


exclusividade e o homem com a centralidade das decisões sobre a esposa e
os filhos. Este modelo de família representa uma forma de estruturação social
resultante de uma época em que a importância da propriedade privada se
Família monogâmica
estabeleceu com o advento do capitalismo e era importante que o espólio
se mantivesse, através de herança, pertencente à família. Esse fato s6 seria
garantido se a consanguinidade estivesse mantida, por meio do domínio do
homem sobre a esposa e os filhos.

FONTE: Adaptado de Bock et al. (2004)

98
Em relação à família monogâmica, a referência de propriedade – produzir, ter e
controlar, por meio de direitos legais, o seu legado para os filhos – é o que caracteriza
esse modelo de estruturação familiar: é preciso a garantia sobre a paternidade dos filhos
e de que o espólio não sairá de dentro da família, isto é, o reino, as terras, as posses, os
escravos, a fábrica, o banco, imóveis etc. (BACAL, 2013).

Assim, tem-se a clareza de que a família, tal como a concebemos atualmente,


não é uma estruturação natural nem uma decisão divina. As disposições familiares
modificam-se no transcorrer do tempo.

A família está contida na formação da sociedade humana, isto é, são as


circunstâncias históricas e as transformações sociais que definem o modo como a família
irá se estruturar para atingir o seu papel social, o qual, naquele momento histórico, era
da certificação de que a propriedade privada e o status quo das categorias definidas
como superiores e a exploração da força de trabalho das classes subalternizadas fossem
mantidos (BACAL, 2013).

Pela perspectiva de sua estrutura e organização, a família possui, na


contemporaneidade, diferentes arranjos. Existe a família nuclear ou família conjugal,
composta por pai, mãe e filho; a família extensa, configurada pela família nuclear,
adicionando-se agregados ou parentes ancestrais, colaterais ou sucessores; a família
monoparental, liderada por um adulto responsável – nesse arranjo, é importante
trazer a família encabeçada por mulheres; a família homoafetiva, na qual é garantido o
mecanismo de filiação através da inseminação artificial e sua multiplicidade de métodos
reprodutivos; a família formada artificialmente, cujos bancos de sêmen cumprem função
fundamental; a família adolescente, uma ocorrência estipulada pela gravidez precoce
nas diversas classes sociais; a família substituta ou acolhedora, que faz a função, por
um determinado tempo, de figuras parentais para uma criança ou adolescente; e muitos
outros arranjos de estrutura e organização (BACAL, 2013).

4 A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO PROCESSO DO


DESENVOLVIMENTO HUMANO: ETAPAS DE CICLO VITAL
A família também é conhecida pelo seu papel de preservar a procriação. Dessa
maneira, ela é incumbida do cuidado físico e psicológico das crianças, afirmando-se
como o primeiro grupo de intercessão do indivíduo com a sociedade. É dentro da família
que acontecem os primeiros contatos com as convenções e os costumes da cultura,
como a aquisição da linguagem, que registra o pertencimento a uma identidade cultural,
sendo um instrumento fundamental para que a criança se apodere do mundo ao seu
redor (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014).

99
IMPORTANTE
Por ser peça-chave para a sociedade, a família é um grande
veículo de transmissão de princípios ideológicos. O papel social
atrelado à família é passar os preceitos da cultura, as concepções
hegemônicas do momento histórico em que se está inserido,
ou seja, capacitar as novas gerações de acordo com as ideias
vigentes de normas, regras e comportamento. Nessa direção,
pode-se perceber o aspecto tradicional e de conservação social
que a família tem: o seu papel social.

É também dentro da família que se materializa, no primeiro momento, o


funcionamento dos direitos da criança e do adolescente: o direito às circunstâncias
básicas, para o seu crescimento e desenvolvimento físico, psíquico e social. Quando
falamos sobre o indivíduo e a sociedade, trazer a dimensão da família é falar de um
grupo tão básico que, em sua falta, pela lei, à criança ou ao adolescente, deve ser
garantida uma “família substituta”, ou a criança ou o adolescente precisa de instituições
de acolhimento que possam ocupar as posições materna e paterna (aqueles que irão
cuidar e se responsabilizar de perto pela transmissão dos princípios morais e costumes
culturais – exigências para a seguida atuação na coletividade) (PILETTI; ROSSATO;
ROSSATO, 2014).

Dessa forma, na ausência da família biológica, outro grupo precisará ocupar


esse papel. Ao longo do tempo de vida da criança, o desempenho desses papéis será
compartilhado com outras instâncias socializadoras: as instituições educacionais –
creches, pré-escolas, jardins de infância, escolas – e os meios de comunicação de massa.

É fundamental ressaltar que, na atualidade, em todas as classes sociais, as


crianças se apresentam nas instituições educacionais cada vez com menos idade. As
razões são as mais diferentes, desde a inserção da mulher no mercado de trabalho, seja
para constituir e compor a renda familiar, seja pela realização profissional; até a vontade dos
pais de que o estímulo ao aprendizado escolar da criança se dê mais cedo. Assim, nessa
configuração, estamos diante de mais uma transformação cultural – tanto no que tange
às discussões dos espaços que a mulher se insere e das condições sociais de vida atuais
quanto da competitividade do mercado de trabalho –, uma questão que interfere na relação
dos pais com os seus filhos (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014).

É importante observar como a família se coloca diante das imposições do mundo


social e de diferentes circunstâncias históricas que compõem sujeitos diferentes e
novas subjetividades. Trazer essas dimensões é relevante para que fiquemos vigilantes
sobre as diversas determinações do humano, desde o nascimento até a sua vida adulta.
Indica também entender as razões pelas quais o homem, que nasceu por volta do

100
século XX e inserido na sua família sob os cuidados intensivos de sua mãe, privado
de escutar conversas de adulto, com temáticas tidas como impróprias (doenças, sexo
etc.), está bem distante da criança de hoje, que precisa ir para a creche, fica sujeita a
uma diversidade de estímulos visuais e auditivos desde que nasce, assiste a vídeos no
celular e escolhe a roupa que vai vestir.

Segundo o psicanalista Jacques Lacan (2002, p. 13):

Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel


primordial na transmissão de cultura. Se as tradições espirituais, a
manutenção dos ritos e dos costumes, a conservação das técnicas
e do patrimônio são com ela disputados por outros grupos sociais, a
família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na
aquisição da língua acertadamente chamada de materna. Com isso, ela
preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico.

Podemos ver que Lacan considera a família de suma importância para o


desenvolvimento psíquico da criança, levando em conta os aspectos da educação, da
sexualidade e da linguagem e como a criança dialoga com tais aspectos.

Freud (1914), em seu texto Sobre o narcisismo: uma introdução, afirmava que,
antes mesmo de nascer, a criança já é falada e ocupa um lugar específico no imaginário
dos pais: existe uma preocupação com a cor que o bebê usará, a escolha de seu nome,
a profissão que se deseja que o filho exerça.

Desse modo, antes de seu nascimento, a criança constitui uma posição na


família, na coletividade, e a consequente absorção da cultura que ela fará dos hábitos
e valores intermediados pela família, já presentes nas expectativas da família, seja
nas diferenças biológicas (parecido com o pai ou a mãe), no gênero e a sua conduta
esperada e no seu comportamento.

Se a cor é azul ou rosa, se os enfeites são bolas de futebol ou bonecas, se são


lacinhos, brincos, é com essa informação que se constitui a primeira educação. Essa
produção é muito natural, pois foi incorporada pela cultura. Por exemplo, a criança irá
estruturar seu aprendizado a partir de como os adultos mais próximos se comportam –
como lidam com a dor, com a raiva, como tratam o seu semelhante, a ideias que têm do
mundo, principalmente quando se trata do aprendizado em relação ao comportamento
em função da diferença anatômica dos sexos. Os pais são as primeiras referências para
uma criança de como é ser homem e ser mulher, embora os modos de se comportar
que, em nossa cultura, sejam essencialmente divergentes.

Dessa forma, é no seio da família que a cultura que a criança aprenderá é


retratada. Além disso, cabe lembrar que a criança é marcadamente dependente de
seus cuidadores para sobreviver (precisa ser alimentada, trocada e banhada) e também
do cuidado psicológico (do amor, atenção). Essa relação com a família está permeada

101
de afetos, mas também de poder. O medo de perder o amor (e os cuidados) desses
cuidadores, que lhe são tão essenciais, é um forte regulador de seu comportamento.
Assim, a criança pode abraçar uma pessoa que seus pais lhe pediram para abraçar,
ainda que lhe faça mal, apenas para não deixar de ser amada pelos adultos (BUCHER-
MALUSCHKE, 2008).

A relevância da primeira educação é crucial no desenvolvimento da criança.


No decorrer de sua vida, outras experiências serão somadas às referências trazidas por
seus primeiros cuidadores, estabelecendo um outro lugar para a família na subjetividade
daquele ser (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

Outro elemento importante trazido pela família é o modo como ela trata a
questão da sexualidade (no sentido da concepção freudiana de sexualidade).

NOTA
Sigmund Freud compreende a sexualidade um sentido bem mais amplo do
que o comum. Segundo a Psicanálise – que investiga o homem moderno
ocidental e as suas dinâmicas inconscientes –, a sexualidade é constitutiva
da subjetividade humana. A sexualidade vai além do campo da
reprodução e não se define somente pelas atividades prazerosas
atreladas ao aparelho genital.
A sexualidade, para Freud, então, corresponde a um conjunto de
excitações e desejos presentes no sujeito desde a sua infância. Como
exemplo dessa atividade, podemos citar a sucção do bebê, o controle
dos esfíncteres, os exibicionismos, o manejo dos genitais, entre outras.
Por meio dessas atividades, o corpo se transforma em erotizado, desde a
infância, em diversas áreas, tidas como zonas erógenas.

Quando o bebê nasce, ele não consegue se distinguir do que é ele (eu) do que é
o outro (mundo externo). O externo, nesse momento, é representado pela mãe. É como
se o bebê estivesse fusionado com a mãe. Essa distinção progressivamente se constrói
e o tempo (cronológico) que o bebê aguarda para a satisfação de suas necessidades
é fundante para a sua constituição psíquica. A criança sente um incômodo, produzido
pela fome, o qual não é prontamente superado; ela necessita esperar que o seio ou
a mamadeira cheguem, para acabar com o desconforto e, esse movimento está
subordinado à mãe ou ao adulto cuidador. A espera (não muito longa, obviamente), ao
mesmo tempo que é frustrante e traumática, é importante para a base psíquica do bebê,
pois traz o lugar de distinção do eu e produz outras formas de objeto de satisfação para
ele (chuchar a própria boca, chupeta), posto que para além de suprir a fome (FREUD,
1996). Freud (1905) entendeu, assim, que o mecanismo de sucção que o bebê utiliza
para mamar é prazeroso para o bebê.

102
Além dessa dimensão do desejo e da sexualidade, existem outras dimensões que
fazem parte da construção psíquica da subjetividade humana para a Psicanálise. Freud
(1912-1914) em sua obra “Totem e tabu” partiu da mitologia para explicar a constituição
primeira da humanidade: a interdição – lei social que define a necessidade da repressão
do desejo, seja dos impulsos agressivos, seja dos impulsos eróticos para construção
da civilização. Em outras palavras, é preciso que o homem reprima seus impulsos para
poder conviver em sociedade.

Na dinâmica familiar, a criança absorve uma série de proibições atreladas à


conquista do prazer e à manifestação de seus sentimentos hostis, pois ela quer ser
amada. Por exemplo, “Não pode colocar a mão aí, é feio!” é uma fala que muitas crianças
escutam no momento que estão se masturbando ou “Não pode bater no amiguinho,
tem que conversar”.

Outra aquisição importante trazida pela família é a linguagem, exigência


fundamental para a inserção da criança na sua realidade social e uma ferramenta
de apoderamento sobre o significado das coisas e sua leitura de mundo, para que a
compreendendo possa intervir nele. É essa ação que caracteriza o ser humano e o seu
viver em sociedade (BOCK et al., 2004).

A linguagem é um mecanismo fundamental para o compartilhamento e a


comunicação com a realidade social e consigo próprio. É por meio dela que a criança
consegue nomear o que sente, o que deseja, compartilhando com o outro, estabelecendo
trocas e entendendo o que sente. Ao mesmo tempo que a linguagem dá contorno ao
que se sente, ela também coloca a questão do limite, o que pode e o que não pode
(BOCK et al., 2004).

A família, como primeiro grupo de referência do sujeito, é, portanto, em nossa


sociedade, o lugar em que essas aquisições acontecem. Por isso, é importante o estudo
do modo de funcionamento familiar.

5 TEORIA GERAL DOS SISTEMAS


Em razão do progresso tecnológico, o termo “sistemas” tem sido cada vez mais
utilizado em nossa sociedade. A urgência em buscar diferentes formas para a execução
de atividades fez nascer profissões que se utilizam da concepção sistêmica, com o
propósito não apenas de efetuar a atividade necessária, mas de executá-la com o mais
competência e menor custo possível (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

A concepção sistêmica tem sido trabalhada pela Biologia, no que tange aos seres
vivos e aos sistemas sociais. O principal entendimento da teoria é que o todo é maior que as
partes, trocando uma proposta linear de causalidade por uma proposta circular, isto é, um
modelo de causa-efeito por um modelo interativo (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

103
Quando falamos da abordagem sistêmica na Psicologia, tratamos de um
conhecimento produzido por diferentes profissionais descontentes com a prática da
terapêutica em família, e não propriamente de um saber acadêmico.

Essa abordagem emerge na década de 1950, muito atrelada à Terapia Familiar.


Os terapeutas familiares sistêmicos trabalham com a ideia de que a família é um sistema,
com diferentes outros subsistemas (conjugal, paterno/materno, filial, fraterno etc.), que
opera sustentado nas qualidades distintivas do sistema familiar (hierarquia, fronteiras,
regras, modos de comunicação etc.) (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

Entre os diferentes termos da Teoria dos Sistemas/Abordagem Sistêmica


na Psicologia, a transmissão multigeracional é determinada para o entendimento do
mecanismo de repetição de modelos de relacionamento na família em consecutivas
gerações (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

IMPORTANTE
A frequência da repetição de modelos está atrelada ao grau de
diferenciação de cada sujeito componente de uma família. Esse nível
de distinção é influenciado por relações da família biológica, sendo
passado no decorrer das gerações, e está bastante vinculado à
dinâmica emocional da família, bem antes do nascimento do sujeito.
Constituir uma distinção do outro é muito importante para a saúde
mental dos sujeitos, para que seja possível a ele constituir a sua
individuação e seu desenvolvimento psicológico não submetido dos
padrões familiares (BACAL, 2013).

No entanto, embora a distinção seja importante, o pertencimento também é


crucial para o progresso saudável, correspondendo ao sujeito se ver fazendo parte,
se identificando com hábitos, costumes, princípios e confidências da família ou de
um grupo social. Cada família possui características que são transmitidas ao longo do
decorrer da vida familiar, lidas como fidelidades, atravessando gerações, muitas vezes,
sem serem explicitamente manifestas (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

Essas fidelidades representam uma função importante no equilíbrio familiar, no


qual são registrados créditos e débitos intergeracionais, que criam o compromisso de
dar, receber e retribuir. Quem ganha, contrai uma dívida com o representante que deu,
assim, com a responsabilidade de retribuir e atender às expectativas desse, seguindo
nesse ciclo por gerações, estabelecendo o equilíbrio das relações (BACAL, 2013).

104
As fidelidades inconscientes podem ser vistas na repetição de padrões por
meio das gerações. Esses esquemas familiares podem estar vinculados a uma função
executada por um de seus componentes, a um problema ou a uma reclamação repetitiva,
ou às escolhas pessoais, amorosas e profissionais (BUCHER-MALUSCHKE, 2008).

Essas repetições, conscientes ou inconscientes, acontecem para garantir


a preservação da identidade familiar, trazendo a marca do laço com as gerações
precedentes (BACAL, 2013). As fidelidades são expressas na repetição de modelos
transgeracionais, em razão da correlação de movimentos psicossociais de pertencimento
e de diferenciação do indivíduo na família. Como a criança nasce comumente sem se
distinguir da sua família, sua mais importante ação de desenvolvimento é distinguir-
se para ganhar autonomia e ser independente para a constituição de sua identidade
(BACAL, 2013).

105
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A família é uma temática de suma importância para a Psicologia, pois, a partir dessa
estrutura, podem-se explorar muitas produções tanto dos sujeitos quanto das
sociedades ao longo das épocas.

• O modelo de família instituído era representado pela estrutura pai-mãe-filho(s). Esse


protótipo de estrutura familiar era tido como ideal pela forma hegemônica de se pensar
na sociedade e, por isso, servia de referência para determinar todas as outras formas
de ordenação familiar, que não seguissem esse modelo, como desestruturadas,
desordenadas ou desequilibradas.

• É importante olharmos para a História, para analisarmos quais foram as condições


que nos permitiram falar, hoje, sobre outros modos de constituição familiar e como
eles são produtos e produtores de subjetividades.

• Por ser peça-chave para a sociedade, a família é um grande veículo de transmissão


de princípios ideológicos. O papel social atrelado à família é passar os preceitos da
cultura, as concepções hegemônicas do momento histórico em que se está inserido.

106
AUTOATIVIDADE
1 Ao tocar na temática sobre família, aborda-se um tópico de fundamental importância
não só para os estudos da Psicologia, mas também de outras áreas de saber, como
a Sociologia e a Antropologia, que investigam o tema a partir de suas perspectivas.
Sobre a família, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Ao estudar a família, é preciso compreender que existem diferentes arranjos


familiares e, no momento que se estabelece um modelo como certo, pode-se
estar incorrendo à patologização das demais configurações.
b) ( ) Deve ser considerada família aquela que apresenta a estrutura monogâmica, em
que o pai é chefe da família e os filhos e as esposas estão submetidos ao seu
controle e decisões.
c) ( ) O modelo de família patriarcal é aquele que foi instituído pela Constituição de
1988, que define que é possível que um casal possa se constituir como família
ainda que não morem na mesma casa.
d) ( ) No modelo de família monogâmica, torna-se crucial o fato de que os bens
familiares se mantenham dentro da própria família através de herança, não
sendo um critério a consanguinidade.

2 A criança se torna efetivamente humana a partir da relação com outros humanos.


A relação do bebê com os traços da cultura se dará a partir da intermediação
desse grupo social que definimos como família. Sobre a importância da família no
desenvolvimento físico e psicológico da criança, analise as afirmativas a seguir:

I- A função social vinculada à família é transmitir os preceitos da cultura e as


concepções hegemônicas do momento histórico em que se está inserido, ou seja,
educar as novas gerações de acordo com as ideias vigentes de normas, regras e
comportamento.
II- É dentro da família que acontecem os primeiros contatos com as convenções e os
costumes da cultura e a aquisição da linguagem, que registra o pertencimento a
uma identidade cultural, para que a criança se aproprie do mundo ao seu redor.
III- À família, é reservado o papel social de desenvolvimento das potencialidades físicas,
cognitivas e afetivas do indivíduo, através do processo pedagógico, capacitando-o
a se tornar um cidadão participativo na sociedade em que vive.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

107
3 Hoje, temos visto a presença cada vez mais precoce das crianças nas instituições
educacionais. É importante que os pesquisadores considerem esses movimentos
mais como frutos e necessidades de um tempo e analisem os seus efeitos, em vez
de tecerem pareceres de culpabilização das famílias. Classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) A inserção da mulher no mercado de trabalho, seja para constituir e compor a renda


familiar, seja pela realização profissional e independência, é uma das razões pelas
quais as crianças com menor idade estão frequentando creches.
( ) O impacto gerado na subjetividade das crianças, que entram cada vez mais cedo
nas escolas e se afastam da convivência familiar, é o aumento da agressividade e o
crescimento da exposição a televisores e celulares.
( ) Ao analisar as famílias, é importante não cair em uma certa padronização do que é
certo e errado, entendendo o que é possível dentro da dinâmica familiar a partir do
seu contexto social, cultural e econômico.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Lacan (2002) considera que a família é de suma importância para o desenvolvimento


psíquico da criança, levando em conta os aspectos da educação, da sexualidade
e da linguagem e como a criança dialoga com esses aspectos. Disserte sobre a
importância da família na aquisição da linguagem da criança.

5 Quando falamos da Abordagem Sistêmica na Psicologia, tratamos de um saber que é


produzido por diferentes profissionais descontentes com a prática da terapêutica em
família, e não propriamente de um saber constituído pela Academia. Disserte sobre o
olhar que a Abordagem Sistêmica tem para a relação indivíduo-família.

108
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE

1 INTRODUÇÃO
Com base nos diferentes saberes que compuseram a Psicologia tal como ela
se constitui hoje – como campo de conhecimento estruturado e validado –, a Filosofia,
a Sociologia e a Antropologia contribuíram muito para a edificação do conhecimento
sobre o homem.

No que tange ao tema da violência e a sua relação com o homem, diferentes


teóricos de diferentes áreas apresentaram sua visão acerca dessa expressão humana.
Por isso, neste tópico, abordaremos as diferentes manifestações da violência e o
entendimento dessa manifestação no homem, visando a compreensão de seus
conceitos e contextualização.

2 CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO
O filósofo Jean Jacques Rousseau (2011) afirmou que “o ser humano nasce bom,
mas a sociedade o corrompe”, atribuindo as ações do homem a um reflexo do meio em
que ele vive. Já Thomas Hobbes (2019) entendia que “o homem é o lobo do homem”, ou
seja, que o homem é capaz de grandes atrocidades contra a sua própria espécie.

É importante ressaltar que essas concepções contribuíram bastante para que


teóricos da Psicologia apresentassem como questionamento se o homem é bom ou é
mau em sua essência, ou se é o meio que produz o indivíduo violento.

De acordo com a Psicanálise, o ser humano é, em sua constituição, agressivo.


Essa declaração pode levar a interrogações, pois, ao mesmo tempo, existem pessoas
muito boas, que não fariam mal a ninguém. No entanto, partindo desse ponto, atribui-se
a agressividade a algo exclusivamente comportamental. Ainda que esse sujeito possa
não manifestar em comportamento a sua agressividade, ela, necessariamente, tem
impulsos e pensamentos que podem se voltar ou para a fora (heteroagressão) ou dentro
dele mesmo (autoagressão) (BOCK et al., 2004).

109
ATENÇÃO
É preciso compreender a agressividade como um impulso,
uma energia que está contida em todo o ser humano e que o
impulsiona adiante, para fazer as coisas. A agressividade, então,
constitui a vida psíquica, compondo o binômio amor/ódio, pulsão
de vida/pulsão de morte.

A agressividade está, para a Psicanálise, atrelada às ações de pensamento,


imaginação ou de ação verbal e não verbal. Assim, uma pessoa que se diz boa pode
apresentar fantasias bastantes destrutivas ou sua agressividade pode ser expressa
pela ironia ou pela negação de ajuda. A agressividade não se manifesta somente pela
humilhação, intimidação ou aniquilamento do outro, pela via verbal ou física sobre o
mundo (FALBO, 2020).

Para conter esses impulsos destrutivos, o papel da educação e as interdições


efetuadas pela lei e os costumes procuram submeter e controlar essa agressividade.
Dessa forma, a criança incorpora, a partir dos limites colocados pelo social, a atitude de
reprimir seus impulsos e a não os manifestar de modo excessivo; ao passo que a cultura
produz meios para que o indivíduo consiga canalizar, desvirtuar esses impulsos para
movimentos lidos socialmente como positivos, como a produção intelectual, a produção
artística, os esportes etc. (FALBO, 2020).

Nessa perspectiva trazida pela Psicanálise, a agressividade é pertencente ao


ser humano e, na mesma direção, eleva-se a importância da cultura, do convívio social,
como reguladoras dos impulsos destrutivos. Esse papel regulador acontece no processo
de socialização, em que existe a expectativa de que, por meio dos laços importantes que
o sujeito constitui com o outro, ele possa estruturar seus meios de regulação. A partir do
momento que o sujeito constitui essa autorregulação (superego), ele não precisa mais
de um regulador externo (por exemplo, figuras parentais) (FALBO, 2020).

A violência é um dos usos que se pode fazer da agressividade, com finalidade


destrutiva. Essa violência pode ser: voluntária (intencional), racional (pensada e planejada
com finalidade de aniquilamento do outro) e consciente; ou pode ser involuntária,
irracional (a violência se encaminha para um objeto substituto, por exemplo, por ódio ao
colega de trabalho, o sujeito agride o filho) e inconsciente (FALBO, 2020).

A agressividade está na composição da violência, mas não é o seu único elemento.


É fundamental entender como a estrutura social produz, incita e condiciona diferentes
formas de violência. A incitação pode acontecer tanto no estímulo à competição escolar
e no mercado de trabalho como no estímulo a que cada um dos cidadãos proveja a sua
própria segurança pessoal e econômica, sem dar maiores subsídios garantidos por lei
(FALBO, 2020).

110
A defesa da violência em nosso modo de vida se manifesta, por exemplo, na
guerra, na disputa contra o inimigo religioso ou o inimigo político. A manutenção da
violência acontece quando não se oferecem condições humanas de existência, o
que culmina com a práticas de crimes atrelados a sobrevivência (furtar para comer,
a prostituição precoce de crianças e jovens). A violência também ocorre quando as
circunstâncias de convívio são pouco efetivas para a garantia do crescimento e da
realização pessoal, encaminhando o indivíduo para movimentos de autodestruição,
como o uso de drogas, o alcoolismo e o suicídio (FALBO, 2020).

Desse modo, é preciso levar em conta que a violência não é somente a prática
de delitos e a criminalidade. Essa é uma relação bastante realizada pelos meios de
comunicação de massa (rádio, televisão e internet) e que, culturalmente, reproduzimos.
Entretanto, há outras formas que não associamos como atos de violência e que estão
incorporadas no cotidiano, atos que, por muitas vezes, já nos habituamos, como
a violência doméstica, na escola, no trabalho, do Estado e dos seus aparatos, da
negligência do atendimento à saúde, da repressão à sexualidade etc.

3 SEXUALIDADE
As emoções, por estarem em estreita conexão com a vida afetiva – aos
afetos básicos de amor e ódio –, estão conectadas também à sexualidade. A profusão
de formas de entendimento e manifestação da sexualidade e a incapacidade de
lidarmos e conhecermos todas essas formas nos fazem ficar perdidos e, até mesmo,
criar muitos preconceitos. Ainda que seja a nossa sexualidade, ela emerge como algo
obscuro, envolto por preconceitos, moralismo, incertezas e informações equivocadas.
Essa ambivalência – de ser algo importante e, ao mesmo tempo, algo errado – tem
transformado a sexualidade em um tabu (BOCK et al., 2004).

Quando essa temática perpassa o campo da juventude, ela demonstra estar


sempre no limiar entre desejo e moral, que produz uma ambivalência que torna o sexo um
tabu, entre desejo e repressão. Existe a vinculação do sexo e da sexualidade à questão
da reprodução, mas ela não se resume apenas a isso: a homossexualidade (doença ou
mais uma forma de se expressar a sexualidade?); o orgasmo (uma prerrogativa apenas
masculina?); o aborto (um crime ou um direito?). Portanto, o que é relativo a sexualidade
provoca ansiedade na maioria dos jovens (BOCK et al., 2004).

A Psicologia entende que a questão da sexualidade, por estar envolta ao


moralismo e desconhecimento, gera muita angústia para o jovem. Entretanto, não é
apenas o jovem que passa por angústias com a sexualidade, mas o adulto e o idoso
também. Quando se trabalha com saúde, é preciso que, de alguma forma, possamos
suspender nossos juízos de valor e ajudar a pessoa que sofre a encontrar caminhos
mais saudáveis para o escoamento da sua sexualidade (BOCK et al., 2004).

111
No entanto, não é assim que acontece em nossa sociedade. Por que enfrentamos
tantas restrições e tabus acerca de algo que nos constitui? Entre diferentes áreas do
conhecimento que se debruçaram com o intuito de responder a essa pergunta, veremos
essa vertente através da Psicanálise.

NOTA
Freud (1905) entendia a sexualidade não como algo exclusivamente
atrelado ao coito e à reprodução, mas referente à energia sexual, à
energia que usamos para tudo – para trabalhar, nos relacionarmos
com as outras pessoas, criar conhecimentos, ou seja, a energia
motivadora da criação da civilização humana.

Para Freud (1930), o homem tem impulsos que podem ser destrutivos, logo,
para frear esse movimento de destruição e formar a civilização, foi necessário produzir
restrições e limites para o uso de sua energia sexual, canalizando-a para outros
caminhos, que não o exclusivamente sexual, como o trabalho, as artes, a religião etc.
Esse freio surgiu quando o homem criou leis e normas para barrar o impulso e garantir
a sobrevivência da espécie. O casamento monogâmico, a limitação na escolha dos
parceiros e as limitações sexuais colocadas às crianças são expressões dos modos que
a civilização encontrou para ganhar energia para se sustentar como civilização.

Freud (1930) afirma que, para manter a civilização, o homem substituiu o prazer
pela segurança: renunciou às próprias vontades para atender às necessidades do
coletivo. A essa dinâmica de criar outra rota para a energia sexual para fins não sexuais e
importantes, Freud denominou de sublimação. Por exemplo, durante a leitura, a pessoa
canaliza a energia sexual, sublimando a libido para uma atividade que também é fonte
de prazer.

Marcuse (1982), um sociólogo alemão, acreditava que, em nossa sociedade


capitalista, sustentada pela exploração da mão de obra humana, existe uma repressão da
energia sexual que vai além do é preciso para a nossa sobrevivência. Para que o capital
progredisse, foi necessário redirecionar um quantum (quantidade) de energia sexual
muito maior que o necessário; a lógica capitalista “dessexualizou” o homem, reprimiu
sua libido e a investiu na produção de riquezas, privilegiando um grupo dominante na
sociedade: os capitalistas.

Para garantir a sobrevivência da civilização, é preciso reprimir energia sexual.


No momento em que, no nosso desenvolvimento, incorporamos os códigos e regras
sociais, transformamos nossa moral sexual, com todos os seus tabus, interessantes à
conservação da sociedade capitalista, ou seja, desviando parte considerável da nossa
energia para o trabalho. Quando um jovem incorpora os referenciais culturais do que é ser

112
homem, ele será pressionado interna e externamente a se apresentar como forte, viriI,
masculino; já a menina apresentará o tabu da virgindade, o medo da gravidez, os efeitos
da inexperiência sexual, do seu corpo e do ser mulher. Descontentes sexualmente,
nossos cidadãos poderão se dispor, com bastante energia, ao trabalho (FALBO, 2022).

São as formas ineficientes de desvio desses impulsos destrutivos ou energia


sexual, portanto, oferecidas pela sociedade, que podem determinar caminhos para a
violência.

4 VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA: O BULLYING


Sabemos que a violência perpassa a relação do indivíduo consigo mesmo e com
o outro. As inovações tecnológicas atuais não só não trouxeram o bem-estar dos sujeitos,
como parecem incrementar o agravamento das condições de vida em sociedade.

Assim, violência precisa ser compreendida como efeito e produtora desse


agravamento da precariedade, como patologia ou doença social que se espalha por
toda a sociedade – mesmo dentro dos grupos ou instituições que mais defendem seus
integrantes, como a família ou a escola (CALHAU, 2010).

Parece que vivemos um tempo em que a nossa cultura não é mais capaz de
redirecionar a agressividade – presente em todos nós – em produtos mais socialmente
salutares. É como se a energia humana não tivesse vias, modos de se expressar contidos
nas divisórias da lei, das normas. A escalada da violência movimenta a agressividade
como destrutividade: o aniquilamento do outro e de nós mesmos. Dessa forma, se não
banalizamos a violência, é possível encontrá-la em suas mais diversas, minúsculas e
primitivas manifestações em nosso cotidiano (CALHAU, 2010).

O bullying, embora seja uma terminologia mais recente, sempre habitou o


cenário escolar como uma brincadeira ou uma piada aparentemente inofensiva. O termo
emerge nos anos 1980, na Noruega, uma vez que o verbo to bully significa ameaçar,
intimidar. No entanto, na língua portuguesa, não encontramos uma expressão singular
para denominar tal modo de violência (CALHAU, 2010).

Bullying, assim, compreende qualquer ação agressiva, seja ela verbal ou física,
perpetrada entre semelhantes, de forma intencional e com frequência. De acordo
com Calhau (2010), as práticas que configuram o bullying podem ser divididas nos
seguintes tipos:

• bullying verbal: ofensas, apelidos pejorativos;


• bullying físico: agressões físicas;
• bullying psicológico: falas ou atitudes que produzam mal-estar psicológico inten-
cionalmente;

113
• bullying social: calúnias, exclusão de grupos;
• bullying sexual: carícias, toques sem consentimento;
• ciberbullying: prática de atos agressivos utilizando-se de dispositivos tecnológicos
e do meio digital.

As possíveis consequências psicológicas do bullying para a vítima são descritas


no Quadro 2.

QUADRO 2 – POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DO BULLYING

Vítima Agressor
Retraimento Fortalecimento dos comportamentos agressivos/violentos.
Ganhar notoriedade a partir de um tipo de personalidade impulsiva
Baixa autoestima
e agressiva.
Suicídio Restrições ao cumprimento de regras e limites.
Transformar-se
Pouca consideração pelo outro e por seus sentimentos.
em um agressor

FONTE: As autoras

Para prevenir essa prática, é fundamental instruir crianças e jovens quanto ao


que configura bullying e como agir quando se é vítima ou espectador de uma prática
violenta. A desinformação, por vezes, é uma questão para o reconhecimento dessa
situação, posto que nem sempre as modalidades de agressão são aparentemente
óbvias (por exemplo, bullying psicológico). Além disso, a criança ou o jovem pode não
saber a quem informar esses momentos (CALHAU, 2010).

As famílias também precisam ser um canal de informação para seus filhos,


informando o que é o bullying e como eles devem atuar (por exemplo, comunicar a um
adulto de sua confiança na escola; informar aos pais etc.).

As escolas, por sua vez, precisam incentivar programas de prevenção a serem


aplicados na instituição, esclarecendo os alunos sobre o que o bullying representa e
os seus efeitos. Além disso, precisam investir em práticas de mediação e resolução de
conflitos, disponibilizando auxílio para ambas as partes envolvidas (CALHAU, 2010).

5 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER


A violência contra a mulher corresponde a toda a ação lesiva, que tenha como
efeito prejuízo físico, psicológico, sexual ou patrimonial, apontando como alegação
principal o gênero, ou seja, é efetuada contra mulheres claramente pelo fato de serem
mulheres (NARVAZ; KOLLER, 2006).

114
A violência contra a mulher pode ser cometida na esfera da vida privada em
práticas individuais, como assédio, violência doméstica, estupro, feminicídio e violência
obstétrica. Entretanto, a violência contra a mulher também pode ser perpetrada como
prática coletiva, como políticas estatais de mutilação genital feminina que, ainda hoje,
ocorrem em alguns lugares do mundo. Além disso, a prática coletiva de violência pode
ser realizada por organizações criminosas, como a rede de tráfico de mulheres para
prostituição coagida (NARVAZ; KOLLER, 2006).

5.1 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER


A violência de gênero, não só como agressão física, mas aquela que corresponde
ao desmerecimento e à submissão social da mulher, é uma prática tão antiga quanto a
própria humanidade. Ainda que possamos lembrar de algumas civilizações lideradas por
mulheres, a grande maioria das sociedades foram chefiadas por lideranças masculinas
(NARVAZ; KOLLER, 2006).

Assim, trata-se de sociedades patriarcais que não contavam com uma


fiscalização pública sobre a dimensão da vida privada. Por isso, as discrepâncias de
poder no território doméstico não sofriam normatizações ou regulações pelo âmbito
político. Tal falta de intervenção deixava esse modelo livre para quem tivesse mais
poder econômico no âmbito familiar ditar as regras – no caso, o homem. Exemplos
de exercícios do modelo patriarcal são a compulsoriedade da mulher de ter relações
sexuais com seu marido contra a sua própria vontade, a denominada “legítima defesa
da honra masculina”, que, durante algum tempo, era mantida por lei e socialmente
legitimada (NARVAZ; KOLLER, 2006).

Na história das conquistas políticas das mulheres no Brasil, percebem-se alguns


ganhos pontuais em termos de direitos. No entanto, a maior conquista e ampliação de
direitos das mulheres no país ocorreu somente a partir da promulgação da Constituição
de 1988. Assim, a problemática da violência doméstica foi reconhecida, mais solidamente,
no âmbito público brasileiro através da criação de conselhos, pastas de governo com
enfoque nas mulheres e centros de defesa e políticas públicas específicas, na década de
1980. A primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) foi instituída
em 1985, em São Paulo, e a mais importante e recente lei para a prevenção e a sanção
da violência doméstica é a Lei Maria da Penha, regulamentada em 2006 (NARVAZ;
KOLLER, 2006).

115
ATENÇÃO
A violência contra a mulher tem como mote a produção desigual do
lugar das mulheres e dos homens nas mais diferentes sociedades.
Assim, a desigualdade de gênero é a estrutura em que todos os
modos de violência e destituição contra mulheres se formam, se
apoiam e se conservam.

A desigualdade de gênero tem a ver com uma relação de desigualdade de


poder, em que os lugares sociais, o conjunto de comportamentos, a liberdade sexual,
as chances de escolha de vida, os níveis de liderança, o leque de escolhas profissionais
é restrito ou inexistente para o gênero feminino em relação ao masculino. As origens
e as causas para a violência contra a mulher são, dessa forma, estruturais, históricas,
político-institucionais, econômicas e culturais. A atividade social da mulher foi, por
longas décadas, limitada à esfera doméstica, que era uma propriedade de comando
particular (que só cabia ao homem gerir) e, assim, não estava submetida à mesma
legislação dos espaços públicos (sem as leis de proteção e garantias culturais para as
mulheres) (NARVAZ; KOLLER, 2006).

A violência doméstica não é estritamente fruto de um golpe de azar ou de


uma má escolha, mas apresenta estruturas socioculturais mais complexas, o que está
comprovado a partir do momento em que as mulheres decidem denunciar ou procurar
por justiça, mas sofrem o impacto de uma reação da estrutura de desigualdade de gênero
no desencorajamento, na suspeita realizada sobre a vítima em vez de no agressor. A
razão estrutural, que é a desigualdade de gênero, é escalonada por outras dimensões
que incrementam a vulnerabilidade à violência, como a pobreza, a xenofobia e o racismo
(NARVAZ; KOLLER, 2006).

5.2 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER


A partir da nossa cultura, ainda bastante orientada para o modo patriarcal, é
importante compreendermos que a violência contra mulher não se limita somente à
violência física. Segundo a discriminação efetuada pela Lei Maria da Penha – Lei nº
11.340, de 7 de agosto de 2006 (BRASIL, 2006) –, que coíbe a violência doméstica e
familiar contra a mulher, existem cinco tipos de violência contra a mulher:

• violência física: qualquer prática que atinja a dignidade ou a saúde física da mulher;
• violência psicológica: qualquer prática que produza danos à saúde psicológica
e à autonomia, como intimidação, degradação, ridicularização, exclusão, ameaça,
chantagem, controle entre outras da mulher;

116
• violência sexual: qualquer prática que limite a efetuação dos direitos sexuais ou
reprodutivos da mulher, como imposição a presenciar ou participar de relação sexual
sem consentimento, proibição do uso de recursos contraceptivos, incentivo ou
coação ao aborto ou à prostituição etc.;
• violência patrimonial: qualquer prática que represente retenção, roubo, degradação
parcial ou total de objetos, bens, recursos, documentos pessoais, ferramentas de
trabalho etc.;
• violência moral: qualquer prática que represente calúnia, injúria ou difamação.

117
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• De acordo com a Psicanálise, o ser humano é, em sua constituição, agressivo. A


agressividade é compreendida como um impulso, uma energia que está contida
em todo o ser humano e que o impulsiona para a frente, para fazer as coisas. A
agressividade, então, constitui a vida psíquica, compondo o binômio amor/ódio,
pulsão de vida/pulsão de morte.

• A violência é um dos usos que se pode fazer da agressividade, com finalidade


destrutiva. Essa violência pode ser: voluntária (intencional), racional (pensada
e planejada com finalidade de aniquilamento do outro) e consciente; ou pode ser
involuntária, irracional (a violência se encaminha para um objeto substituto, por
exemplo, por ódio a um colega de trabalho, o sujeito agride o filho) e inconsciente.

• São as formas ineficientes de desvio dos impulsos destrutivos ou da energia sexual


da constituição humana, portanto, oferecidas pela sociedade, que podem determinar
caminhos para a violência.

• Bullying compreende qualquer ação agressiva, seja ela verbal ou física, perpetrada
entre semelhantes, de forma intencional e com frequência.

• A violência contra a mulher compreende toda a ação danosa, que tenha como
consequência agravo físico, psicológico, sexual ou patrimonial, com a justificativa
fundamental do gênero, ou seja, é praticada contra mulheres essencialmente pela
circunstância de serem mulheres.

118
AUTOATIVIDADE
1 Muitos são os campos do saber que se detiveram nas pesquisas sobre a violência
e as suas formas de manifestação pelo homem. Podemos destacar a Sociologia, a
Filosofia e a Antropologia como as áreas do conhecimento que contribuem para o
estudo realizado pela Psicologia e pela Psicanálise sobre os fenômenos da violência.
Sobre a perspectiva da Psicanálise quanto aos fenômenos da violência, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Para a Psicanálise, o ser humano é, em sua constituição, agressivo. A agressividade


é compreendida como um impulso, uma energia que está contida em todo o ser
humano e que o incentiva a seguir adiante, para fazer as coisas.
b) ( ) Para a Psicanálise, o homem nasce como uma tábula rasa, ou seja, o homem
nasce sem nenhum repertório de bondade ou maldade, e é o processo de
educação no meio em que vive que fará com que ele se encaminhe ou não para
a violência.
c) ( ) Para a Psicanálise, o homem nasce bom e puro, porém, ao entrar em contato
com a sociedade, que é má, o indivíduo se corrompe e se torna igualmente mau.
d) ( ) Para a Psicanálise, o homem nasce neutro e a cultura e os registros sociais é
que farão o papel ou de educá-lo ou de incentivar um processo violento nele,
libertando ou aprisionando o seu psiquismo.

2 Sigmund Freud (1856-1939), criador da Psicanálise, foi um teórico à frente do seu


tempo. Ele teorizou acerca da estruturação psíquica do ser humano e afirmou que
os sujeitos não são senhores da sua própria casa, ao descrever nossos processos
inconscientes. Sobre como Freud entendia a agressividade, analise as afirmativas
a seguir:

I- A agressividade está na composição da violência, mas não é o seu único elemento; a


violência é um dos usos que se pode fazer da agressividade, com finalidade destrutiva.
II- A agressividade constitui a vida psíquica, compondo o binômio amor/ódio, pulsão
de vida/pulsão de morte.
III- A agressividade é um disfuncionamento do ser humano, que acontece quando a mãe
não ofereceu ao seu bebê um ambiente de desenvolvimento suficientemente bom.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

119
3 A Psicanálise trouxe, no início do século XX, temáticas bastante polêmicas para
a sua época, ao afirmar, por exemplo, a existência da sexualidade infantil. O risco
que se corre ao julgar essa afirmação é atrelar a sexualidade somente ao sexo e à
reprodução, mas a Psicanálise se propõe a ir além disso. Sobre a sexualidade e o seu
entendimento pela Psicanálise, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

( ) Freud (1905) entendia a sexualidade como a energia motivadora da criação


da civilização humana, a energia que usamos para tudo – para trabalhar, nos
relacionarmos com as outras pessoas e criar conhecimentos.
( ) Para Freud (1930), para frear o movimento de destruição constitutivo e formar a
civilização, o homem precisou produzir restrições para o uso de sua energia sexual,
canalizando-a não exclusivamente para o sexo, mas para o trabalho, as artes e a
religião.
( ) Para Freud (1930), são as formas ineficientes de desvio dos impulsos destrutivos
ou da energia sexual, portanto, oferecidas pela sociedade, que podem determinar
caminhos para a violência.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A escalada da violência movimenta em nós a agressividade como destrutividade:


o aniquilamento do outro e de nós mesmos. Dessa forma, se não banalizarmos a
violência, é possível encontrá-la em suas mais diversas, minúsculas e primitivas
manifestações em nosso cotidiano. Disserte sobre o que é o bullying.

5 A violência de gênero, não só como agressão física, mas aquela que corresponde ao
desmerecimento e à submissão social da mulher, é uma prática tão antiga quanto a
própria humanidade. Disserte sobre o que é a violência contra a mulher.

120
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —
MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

1 INTRODUÇÃO
Os meios de comunicação de massa têm cumprido função social essencial nas
últimas décadas. Pela extensão de sua possibilidade de alcance e domínio da opinião
pública, muitos denominam esses veículos de “o quarto poder”.

O material produzido e as referências que os meios de comunicação de massa


propagam são estudados e investigados por alguns campos de saber, como teorias
da comunicação, da semiótica e da Psicologia. Nessa direção, a Psicologia tem papel
essencial na intercessão com aquilo que é produzido pelos meios de comunicação,
principalmente no que tange ao conhecimento sobre a subjetividade humana.

Dessa forma, neste tópico, abordaremos os meios de comunicação de massa,


reconhecidos também como mídia, discutindo sua função e o papel que exercem na
produção de subjetividades.

2 A TELEVISÃO E O CINEMA
A comunicação é uma das estruturas da constituição humana. Foi através dela
que, enquanto seres humanos, conseguimos edificar as nossas produções e (sobre)
viver em sociedade (BOCK et al., 2004).

Essa competência nos singulariza radicalmente dos outros animais e fabrica


o psiquismo humano. Nesse sentido, conseguimos usar e entender a nossa realidade,
produzir conhecimento sobre ela e viver a partir desse conhecimento. A comunicação é
a ferramenta crucial para essa dinâmica, sem a qual nada disso seria possível.

Como parte integrante, nossa função na evolução histórica da espécie foi agregar
e maximizar os modos de comunicação, como a criação dos meios de comunicação.
Do mesmo modo como aconteceu com a ferramenta, os utensílios de trabalho, que
assumiram a função de intercessores entre o ser humano e a natureza, os meios de
comunicação são os intercessores entre a produção simbólica e a sua propagação, visto
que possibilitam que o emissor de uma mensagem consiga alcançar muitos receptores
através do assunto emitido. Esse é o mecanismo da comunicação de massa.

O desenvolvimento das grandes cidades e o seu decorrente aumento


populacional demandaram estratégias e instrumentos de comunicação cada vez mais
refinados. Representam os meios de comunicação desde o aparelho de rádio, a televisão

121
e, até mesmo, as estradas de rodagem, ferrovias, hidrovias e rotas aéreas. De acordo
com a necessidade de estabelecer uma maior relação com o outro, principalmente com
os movimentos de globalização, mais ferramentais tecnológicos são produzidos (BOCK
et al., 2004).

O meio de comunicação é, assim, caracterizado por tecnologias e instrumentos


de apoio dessa tecnologia. A televisão é um modo de transmissão de sinais codificados
que estão à disposição para captação por um aparelho. Os sinais podem ser emitidos
pelo ar (TV aberta) ou a cabo (TV por assinatura). Um jornal impresso ou digital necessita
de todo um aparato para realizar a matéria, assim como de jornalistas, profissionais de
webdesign e técnicos que mantenham o site no ar. Todos os meios de comunicação
precisam dispor de uma tecnologia e de diversos equipamentos para o seu funcionamento
(BOCK et al., 2004).

IMPORTANTE
Quando falamos do papel dos meios de comunicação de massa, é
importante lembrar que eles são cruciais na formação da opinião pública,
haja visto que a veiculação não é neutra. Os programas de televisão e
rádio, a difusão de notícias e as análises de acontecimentos (políticos,
econômicos, esportivos, do cotidiano, artísticos etc.) são regidos por uma
linha editorial, sendo possível perceber uma vertente mais conservadora
ou progressista conforme a linha editorial de cada veículo.

É claro que existe o aspecto ético, que precisa ser garantido pelos donos
de jornais, emissoras de rádio, canais de televisão e sites informativos na internet,
elaborado a partir de um acordo coletivo. Avalia-se o grau de regulação midiática a partir
das leis, da cultura e do quadro político de cada país – em alguns lugares, não existe a
regulamentação e o que se encontra é o controle da informação pelo poder político ou
pelo poder econômico (BOCK et al., 2004).

Quando falamos sobre o cinema e a sua linguagem, podemos dizer que ela
pode ser utilizada como fonte de pensamento, mas também de propaganda ideológica,
manipulando a opinião pública. Um exemplo foi o período durante e pós-Segunda Guerra
Mundial, em que o cinema foi instrumentalizado pelos norte-americanos com finalidades
publicitárias. Os alemães também utilizaram o mesmo artifício e Goebbels, ministro da
propaganda de Hitler, foi tido como um grande publicitário pelo modo como conquistou
e convenceu, com a sua propaganda, boa parte do povo alemão a se associar aos ideais
nazistas. Após a derrota do nazismo, os norte-americanos passaram a utilizar a indústria
cinematográfica para engrandecer o american way of life (o jeito norte-americano de viver
a vida). Percebemos essa influência do cinema norte-americano na produção de outros
países, mas também nos nossos modos de viver (BOCK et al., 2004).

122
A linguagem cinematográfica é a linguagem da imagem, a qual traz elementos
subjetivos de maneira bem singular. Nas campanhas eleitorais, são disponibilizados
todos os artifícios de mídia e de linguagem cinematográfica para a exibição de projetos
de governo ou de atividade parlamentar, garantindo a essas campanhas uma proximidade
cada vez maior com a da linguagem publicitária (os denominados “marqueteiros”
políticos) e se afastando da disputa ideológica. Quando se consegue manter uma
campanha mais para o campo das posições políticas, é importante se questionar acerca
da influência dos meios de comunicação de massa nessa disputa.

Como a mídia está restrita a alguns empresários (fundamentalmente os canais


de boa circulação ou audiência), as perspectivas desses empresários são transmitidas
por suas empresas de comunicação, manifestas em editoriais e notícias, que podem
interferir na opinião do eleitorado de modo categórico sobre uma certa concepção
política (BOCK et al., 2004).

3 RÁDIO
Quando falamos sobre as rádios na contemporaneidade, não podemos dizer que
elas apresentam toda a expressividade de outros tempos. No entanto, as denominadas
rádios livres ou comunitárias ainda representam um importante papel no movimento
de problematização do monopólio de alguns poucos grupos econômicos que estão
no controle das rádios de maior alcance. No Brasil, encontramos apenas nove famílias
gerenciando 85% dos meios de comunicação (BOCK et al., 2004).

Uma emissão de rádio, de pequeno alcance, é algo bastante simples, e os


membros do movimento Rádio Livre estimulavam as pessoas a realizarem emissões
de curto alcance, para o público que se situasse num raio de poucos quilômetros do
ponto de emissão. Algumas rádios conquistaram algum sucesso nesse processo,
porém, como essas emissões eram entendidas como ilegais, não puderam mais dar
continuidade às transmissões. No entanto, surgiram as rádios comunitárias, que usam
do mesmo método das rádios livres (pequeno raio de ação) e trabalham com uma
programação para um público mais local. É o exemplo de emissoras localizadas em
favelas com centros comunitários bem estruturados, cujas rádios fornecem trabalho de
informação aos moradores, ou de rádios comunitárias de igrejas católicas e evangélicas,
que realizam a difusão de conhecimento religioso para o público fiel (BOCK et al., 2004).

4 PROPAGANDA
A publicidade também se localiza no campo dos meios de comunicação. Os
comerciais têm por objetivo não abordar questões produtoras de conflitos em seu
público. Trabalham com a exibição de um universo mais puro e ideal, atrelando o produto
à venda a uma realidade sem defeitos ou conflitos (BOCK et al., 2004).

123
Em paralelo, é preciso que conservem dados de semelhança com a realidade,
para que o público não se sinta afastado do universo proporcionado pela propaganda:
embora a pessoa não tenha aquilo está no alcance de suas mãos, aquela seria a
realidade ao adquirir determinado produto. É nesse instante que a nossa subjetividade é
conquistada e aprisionada. Esse aprisionamento acontece de modo muito imperceptível,
fato que impossibilita oferecer alguma resistência a esse movimento (BOCK et al., 2004).

O publicitário se respalda, em alguma medida, na Psicologia para atingir uma


espécie de persuasão que nos coloca diante de um dilema ético. Ainda que seja
complicado resistir, há meios de se ficar mais atento a estas ofertas (BOCK et al., 2004).

O mecanismo de persuasão publicitária pode ser tanto racional quanto irracional


(de cunho emotivo), estando vinculados ao conteúdo cognitivo da mensagem que
se quer passar. Esse mecanismo faz com que a pessoa que recebe a mensagem seja
convencida muito mais pela esfera subjetiva do que propriamente objetiva do conteúdo
veiculado pela propaganda. A publicidade é a área da comunicação que mais se utiliza
desse dispositivo. A técnica mais usual é vincular uma certo utilidade social ao produto
objeto da propaganda (BOCK et al., 2004).

Esse procedimento não é evidente e claro para os espectadores e, na maioria


das vezes, não se tem a percepção das capturadas desenvolvidas pelas propagandas
– e é exatamente por conta dessa não percepção que ela funciona. Por exemplo, as
campanhas publicitárias de bebidas alcóolicas, geralmente, trazem um cenário de praia,
dia ensolarado, pessoas com trajes de banho, modelos alegres, reunião de amigos; as
propagandas de perfume associam seu uso a encontros amorosos bem-sucedidos,
enquanto as de produtos de limpeza trazem o cenário de uma casa bem arrumada e
de uma família feliz. Sexo, poder, riqueza e aventura são promessas recorrentes das
propagandas. Um universo de prazeres que não vivenciamos em nosso dia a dia e que,
porém, são lançados como promessas quando se adquire determinado produto (BOCK
et al., 2004).

Para a Psicologia, esse movimento se explica a partir do ponto em que


constatamos que a nossa rotina cotidiana possui uma certa constância, algumas
imutabilidades e determinações. Acordamos, tomamos café, trabalhamos, jantamos,
assistimos à televisão, e assim sucessivamente. O descanso e os passeios são deixados
para os fins de semana ou as férias. Mesmo quando saímos um pouco dessa configuração,
não é nada que nos desorganize tanto. Quando alguma imprevisibilidade atravessa o
nosso caminho, vira algo do qual precisamos nos reestruturar psicologicamente e algo
que podemos, mais adiante, contar para as pessoas. Esse movimento de uma certa
regularidade e de uma certa rotina é um recurso psicológico que nos protege de termos
que lidar com as frustrações consequentes de quando algo sai de nosso controle. Tal
recurso nos habilita a experimentarmos as limitações a que a cultura nos submete
e aquelas que são postas pelo sistema econômico (não ter recursos financeiros para
algumas coisas). Atua, assim, como um mecanismo de defesa para lidarmos melhor
com as restrições.

124
O lugar da publicidade, nesse processo, é nos oferecer/vender recorrentemente
o modo de vida perfeito, a possibilidade de crescimento financeiro, o sonho e a
materialização dele em possibilidade, aspectos que a cultura e as limitações políticas e
econômicas barram ou tornam bem mais difíceis. É esse o mecanismo de produção de
subjetividades operado pelos meios de comunicação (BOCK et al., 2004).

Uma outra vertente da propaganda é a propaganda ideológica, que opera


com argumentos ideacionais, com perspectivas que buscam influenciar e mudar a
percepção e o pensamento dos indivíduos. A opinião é conquistada por três dimensões:
o movimento do indivíduo atrelado em suas convicções, o afeto lançado a essa
convicção e o próprio saber da existência do objeto dessa convicção. Se uma pessoa for
tolhida de se manifestar ou de se expressar segundo a sua convicção, essa interdição
culminará em um quadro de desequilíbrio, o que terá como efeito a pessoa esforçar-se
em acabar com o conflito produzido pela interdição. Dessa forma, a pessoa se inclinará
para fugir da situação, em que sua convicção é proibida, ou mudará seu pensamento.
É importante situar que, em muitos momentos, as pessoas conseguem criar meios de
resistir aos mecanismos de controle produzidos pelas propagandas ideológicas (BOCK
et al., 2004).

5 AS NOVAS TECNOLOGIAS: A INTERNET E OS GAMES


Cada vez mais integrada ao cotidiano das pessoas, as redes sociais se
transformaram em um canal de socialização fundamental na contemporaneidade.
Figurando de diferentes maneiras e sistemas, as redes sociais oferecem a oportunidade
de as pessoas expressarem opiniões, ideias, indignações, afetos, predileções, fotos,
vídeos, entre outros recursos. Sem a demarcação de caracteres e com a inexistência
dos limites impostos pelas distâncias geográficas, as redes sociais serviram como uma
grande vitrine para depoimentos da vida privada, trazendo outros modos de ser, pensar
e agir, a partir das possibilidades de compartilhamento com um grande público.

É, portanto, crucial que a Psicologia possa entender a interferência da mídia


virtual na formação e na transformação da subjetividade, principalmente a sua presença
nas relações de trabalho e nos novos modos de relacionamentos pessoais através dos
meios digitais.

5.1 REDES SOCIAIS E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE


A subjetividade representa o caráter do que é subjetivo e diz respeito ao sujeito;
por exemplo, o julgamento, os sentimentos, os hábitos etc., de cada indivíduo (SIBILIA,
2016). Considerando essas acepções, a subjetividade envolve todas as singularidades
presentes à condição de ser do sujeito, englobando as características sensoriais, afetivas,
imaginárias e lógica de um certo indivíduo, em todas as suas manifestações. Diante da

125
expansão do uso e da relevância da tecnologia, e principalmente das redes sociais nos
dias de hoje, é fundamental debater sobre os efeitos desses dispositivos virtuais nas
transformações da subjetividade humana (SIBILIA, 2016).

As redes sociais são sistemas produzidos com o propósito de impulsionar e


otimizar os relacionamentos humanos. Elas se tornaram um dispositivo de socialização
do nosso tempo. De acordo com Santaella (2010), as redes sociais se estruturam, hoje,
como um lugar de construção de identidade e de intersubjetividades intermediadas por
sistemas computacionais. Assim, os sites das redes sociais possibilitam as manifestações
de autoexpressão, como uma espécie de diário pessoal, em que os sujeitos são vistos,
lidos e reconhecidos, conquistando pertencimento e identificação.

Sibilia (2016) afirma que as novas formas de expressão e comunicação que


assumiram a chamada web 2.0 são, também, dispositivos para a criação de si e da
relação com o outro. Desse modo, estar on-line permite que o usuário experimente
estar em uma comunidade, menos dirigida, mas possuidora de regras e normas, como
se estivesse fisicamente presente em uma comunidade. Além disso, o progresso
tecnológico não somente aprimorou as formas de comunicação, mas também fez
emergir uma nova cultura, em que a tecnologia dita os rumos da nossa velocidade, da
noção de espaço, dos nossos modos de acessar informação, de se relacionar, pensar,
comer, vestir etc.

DICA
O filme-documentário Dilema das Redes, dirigido por Jeff Orlowski,
lançado em 2020, é uma excelente dica para entender melhor
o impacto das redes sociais em nossa subjetividade, pois traz
depoimentos de especialistas na área de tecnologia e construções
de argumentos para mostrar os efeitos sociais do crescimento do
uso das redes em nossa vida.

Com a expansão cada vez mais ampla da tecnologia na vida social da população,
a procura por jogos eletrônicos como modo de distração também cresceu, estando
disponíveis em diferentes plataformas, como celulares, computadores ou consoles. Por
exemplo, uma pessoa, que chega cansada depois de uma exaustiva rotina de trabalho,
inclina-se a buscar por jogos que acalmem e relaxem a sua mente.

Os jogos eletrônicos cada vez mais têm um protagonismo na faixa etária infantil,
superando as antigas brincadeiras como esconde-esconde e pique-pega, que já não
compõem com efusiva atenção o leque de distrações das gerações nascidas no século
XXI. Atualmente, é difícil vermos as crianças se distraírem, por exemplo, sem o uso de
um smartphone ou de jogos eletrônicos (SANTAELLA, 2010).

126
No entanto, entre os pontos positivos dos jogos eletrônicos, grosso modo,
podemos citar a demanda por atenção, foco, trabalho em equipe, raciocínio lógico e
veloz, capacidade de resolução de problemas, aprimorando, assim, a coordenação
motora e fortalecendo a habilidade de o jogador em lidar com as frustrações. Dessa
forma, através desse mecanismo lúdico produzido pelos jogos, o indivíduo consegue
transportar esse aprendizado para a sua realidade material (SANTAELLA, 2010).

Ademais, os jogos, para além do seu caráter de distração, também podem ser
usados para a educação, trabalhados por programadores em aliança com pedagogos,
psicólogos e professores. Com o apoio do professor, podem contribuir bastante para o
ensino-aprendizado (SANTAELLA, 2010).

Todavia, ao serem utilizados com regularidade excessiva, os jogos eletrônicos


podem se tornar um vício, semelhante a qualquer outro. Alguns dos efeitos deletérios
mais considerados do uso excessivo dos jogos são: baixo desempenho escolar, perder
o controle sobre o de tempo de uso do jogo, exclusão social e privilegiar o jogo a outras
atividades sociais. É comum ainda o aparecimento de complicações físicas: postura
inadequada, interferências na audição (visto que muitos jogam com fones de ouvido em
volume muito alto), problemas oculares (por conta da luminosidade) (SANTAELLA, 2010).

Em junho de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) introduziu uma nova


Classificação Internacional de Doenças (CID), acrescentando o vício em videogames
como um distúrbio mental. O diagnóstico leva em conta a ausência de controle e a
preferência dos jogos na vida pessoal. Pesquisadores dos efeitos dos jogos virtuais na
subjetividade humana ainda apontam uma tendência de que os jogos violentos possam
produzir prejuízos à saúde mental, como transtorno depressivo, fobia social, ansiedade
e baixo rendimento escolar, afetando no desenvolvimento fundamental e também na
vida adulta (AGÊNCIA BRASIL, 2018).

127
LEITURA
COMPLEMENTAR
CONSIDERAÇÕES SOBRE O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO

Gisele Falbo

Introdução

O mal-estar na civilização é uma obra escrita depois da elaboração da segunda


tópica, e que permite esclarecer e dissipar as ambiguidades, presentes na obra de Freud,
sobre as dificuldades nos relacionamentos entre os homens. Nesse texto, Freud discute
as questões suscitadas pela busca da felicidade e do prazer em face aos paradoxos da
satisfação. E é por isso que deve ser lido, antes de tudo, como uma reflexão ética. Para
apreender a importância fundamental desse escrito para o campo da ética, lembramos
que o assunto em foco é o antagonismo irremediável entre as exigências da pulsão e
as restrições impostas pela cultura. Muito embora tal discussão tenha atravessado toda
elaboração teórica de Freud, em 1930, ela é retomada sob uma nova ótica: o prisma da
pulsão de morte.

O antagonismo entre a cultura e a satisfação dos impulsos eróticos já havia


sido o ponto alto de textos como Sobre a tendência à depreciação universal na esfera
do amor (1912). Entretanto, ainda que, nesse escrito, já esteja indicada a existência
de algo intrínseco à satisfação, que é fonte de desprazer e sofrimento, Freud ainda
não havia levado essa ideia até as últimas consequências. Tal radicalização só ocorre
quando se explicita a existência do campo além do prazer. Assim, retomando as ideias,
inicialmente esboçadas em Além do princípio do prazer (1920), e sem fazer concessão à
pusilanimidade, Freud apresenta suas teses sobre a condição humana.

A discussão sobre a condição humana, que atravessa o texto, parte do diálogo


travado entre Freud e Romain Rolland sobre a origem da religiosidade e sua relação
com o “sentimento oceânico”. Na verdade, a correspondência entre estes dois escritores
iniciara-se anos antes, em 1923, quando Freud lhe envia o texto Psicologia das massas
e a análise do eu (1921). Nessa ocasião, ele escreve ao poeta dizendo-lhe que o nome de
Romain Rolland será sempre uma lembrança feliz, pois estará indissociavelmente ligado
“à mais preciosa das lindas ilusões, a de que o amor se estende a toda humanidade”.
No entanto, já nessa ocasião, Freud observa que, por ser judeu e pertencer a uma raça
que vem sendo alvo de discriminações e perseguições ao longo dos séculos, não lhe é
possível partilhar de tais ilusões.

128
Todavia, ainda que não compartilhe dessa utopia, Freud acredita que, se no
curso do tempo, o ser humano não for capaz de “distrair” seus impulsos agressivos
do ato de destruir sua própria espécie, se continuarmos a odiar uns aos outros por
pequenas disputas e a matar por ganhos mesquinhos, em face ao progresso científico,
será difícil preservar a existência da humanidade em meio ao conflito entre nossa
“natureza” e as exigências da civilização. O escrito de Freud não visa, como os do
poeta, a trazer conforto e refrigério ao leitor, mas a apresentar um caminho de análise
do sujeito e reflexão sobre a sociedade. Assim, se, em O mal-estar, Freud advoga em
favor do estabelecimento de algum modo de unidade, ele não o faz por sentimentalismo
ou idealismo, mas por motivos “econômicos”, pois, frente às tendências destrutivas e
ao modo como se estabelecem os laços entre os homens, ele é forçado a considerar
o esforço de Eros necessário à preservação da humanidade. Contudo, não o faz sem
indicar seu limite, Tanatos, e sem nos advertir sobre a contrapartida que acompanha a
unidade estabelecida pelo amor: o incremento da agressividade inerente à dimensão
dual e a exacerbação da severidade do supereu.

Eros, como necessário é, portanto, a conclusão do percurso que Freud traça


passo a passo em seu texto, e não um princípio. Essa trilha inicia-se com a desconstrução
da ideia de que o sentimento oceânico – a sensação de fazer um com o próximo – é
um vínculo primário, passa pelo Homo homini lupus – a agressividade inerente ao ser
humano –, para só, então, concluir que a civilização é um mal necessário.

FONTE: Adaptada de FALBO, G. Considerações sobre o mal-estar na civilização. Niterói: Instituto


de Psicologia, Universidade Federal Fluminense, 2020. Disponível em: http://slab.uff.br/wp-content/
uploads/sites/101/2020/01/Texto_Gizelle_Falbo_selecao2020.pdf. Acesso em: 19 jan. 2022.

129
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Grande parte do material veiculado pelos meios de comunicação de massa é pesquisado


nas áreas das teorias da comunicação, da semiótica e da Psicologia. Nessa direção, a
Psicologia cumpre uma função importante no estudo desses meios de comunicação,
principalmente no que tange ao conhecimento sobre a subjetividade humana.

• Quando falamos do papel dos meios de comunicação de massa, é importante lembrar


que eles são cruciais na formação da opinião pública, haja visto que a veiculação
não é neutra. Os programas de televisão e rádio, a difusão de notícias e as análises
de acontecimentos (políticos, econômicos, esportivos, do cotidiano, artísticos etc.)
são regidos por uma linha editorial, sendo possível perceber uma vertente mais
conservadora ou progressista conforme a linha editorial de cada veículo.

• Quando falamos sobre o cinema e a sua linguagem, podemos dizer que ele pode
ser utilizado como fonte de pensamento, mas também de propaganda ideológica,
manipulando a opinião pública. A linguagem cinematográfica é a linguagem da
imagem, a qual traz elementos subjetivos de maneira bem singular.

• As rádios, na contemporaneidade, não apresentam toda a expressividade de outros


tempos. No entanto, as denominadas rádios livres ou comunitárias ainda representam
um importante papel no movimento de problematização do monopólio de alguns
poucos grupos econômicos que estão no controle das rádios de maior alcance.

• A publicidade se localiza no campo dos meios de comunicação. Os comerciais têm


por objetivo não abordar questões produtoras de conflitos em seu público. Trabalham
com a exibição de um universo mais puro e ideal, atrelando o produto à venda a uma
realidade sem defeitos ou conflitos.

• As redes sociais são sistemas produzidos com o propósito de impulsionar e otimizar


os relacionamentos humanos; elas se tornaram um dispositivo de socialização do
nosso tempo e se estruturam, hoje, como um lugar de construção de identidade e de
intersubjetividades intermediadas por sistemas computacionais.

130
AUTOATIVIDADE
1 Para ampliar as nossas possibilidades de comunicação e, assim, permitir a
progressão do desenvolvimento humano, o homem criou inúmeros dispositivos
de comunicação. Os meios de comunicação de massa conquistaram um lugar tão
especial na constituição humana que, pela sua capacidade de influência e alcance,
muitos os denominam de o quarto poder. Sobre a publicidade e a propaganda e a sua
interferência na produção da subjetividade, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Uma vertente da propaganda é a propaganda ideológica, que opera com


argumentos ideacionais, com perspectivas que buscam influenciar e mudar a
percepção e o pensamento dos indivíduos.
b) ( ) A propaganda, tanto a comercial quanto a ideológica, possui uma linha editorial,
sendo possível perceber uma vertente mais conservadora ou progressista dessa
linha editorial conforme são apresentados elementos que influenciam a visão
dos espectadores.
c) ( ) Quando falamos do papel da publicidade, já não podemos dizer que ela apresenta
toda a expressividade de outros tempos, porém, as chamadas propagandas
livres ainda têm a sua importância na difusão de ideias.
d) ( ) As propagandas são sistemas produzidos com o propósito de impulsionar e
otimizar os relacionamentos humanos; elas se tornaram um dispositivo de
socialização do nosso tempo.

2 A comunicação é uma das bases da constituição humana. Foi através dela que,
enquanto seres humanos, conseguimos fabricar as nossas produções e (sobre)
viver em sociedade. Essa competência nos particulariza diante dos outros animais e
constrói o psiquismo humano. Sobre os meios de comunicação de massa, analise as
afirmativas a seguir:

I- Quando falamos do papel dos meios de comunicação de massa, é importante


lembrar que a sua veiculação segue uma abordagem neutra, de apuração dos fatos
e consequente transmissão.
II- Quando falamos sobre o cinema e a sua linguagem, podemos dizer que ele pode ser
utilizado como fonte de pensamento, mas também de propaganda ideológica.
III- A linguagem cinematográfica é a linguagem da imagem, a qual traz elementos mais
objetivos, sem explorar tanto a criatividade, tentando atender às demandas de
empresários.

131
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.

3 Quando falamos sobre o aumento do consumo de bens entre as pessoas, é inegável a


produção, a influência e a interferência que os meios de comunicação desenvolvem no
imaginário popular. Sobre o funcionamento da publicidade e propaganda, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os comerciais têm por objetivo não abordar questões produtoras de conflitos em


seu público. Trabalham com a exibição de um universo mais puro e ideal, atrelando
o produto à venda a uma realidade sem defeitos ou conflitos.
( ) A propaganda cria um universo que se aproxima do espectador, para que ele
entenda que, embora não tenha aquele produto, a felicidade, produzida pela sua
aquisição, é facilmente comprada.
( ) O publicitário se respalda, em alguma medida, na Psicologia, para atingir uma espécie
de persuasão, que objetiva colocar o indivíduo diante de um dilema ético: entregar-
se à captura e consumir ou resistir na medida em que não se precisa daquele objeto.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Com o avanço tecnológico, percebemos as redes sociais cada vez mais integradas ao
cotidiano das pessoas, transformando-se em um canal de socialização fundamental
na contemporaneidade. Disserte sobre as redes sociais e os efeitos na produção da
subjetividade.

5 Com a expansão cada vez mais ampla da tecnologia na vida social da população,
a procura por jogos eletrônicos como modo de distração, diversão, socialização e
educação cresceu nos últimos tempos. Apesar dos efeitos positivos que os jogos
podem trazer, também podem trazer efeitos nocivos ao indivíduo. Disserte acerca
dos efeitos nocivos dos jogos eletrônicos.

132
REFERÊNCIAS
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doença. Agência Brasil, Brasília, 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.
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Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o
Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília: Presidência
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