Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Voltaire - Tratado Sobre A Tolerancia - 2
Voltaire - Tratado Sobre A Tolerancia - 2
Voltaire - Tratado Sobre A Tolerancia - 2
A TOLERÂNCIA
A propósito da morte de Jean Calas
Volta ire
Tradução
PAULO NEVES
Martins Fontes
São Paulo 2000
O Trrlltlll. Wrw" Toler4ncúz, de Voltaire,
W ,..tiplo em 1762 e teve como origem
o MDMMO cuo Jean Calas. Neste epis6dio
� eacontrou uma va mais a opor
...id.de pua encetar um novo combate
pela lihenbde. Esta lição de universali
. � que continua válida ainda em nos-
101 cliaa, � um magnífico testemunho
..._ o iluminiamo. No mundo em que
fttei&Oit doia lku.los depois de Voltaire,
a ani-.enalidade faz da tolerincia um
dcwr.
TRATADO SOBRE
A TOLERÂNCIA
Título origina/, TRAI7É SUR LA 7DLÉRANCE.
Copyright © Flamarion, Paris, 1989, para o aparelho crítico.
Copyright ()Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, 1993, para a presente edição.
l' edição
setembro de /993
21 edição
junho de 2000
Tradução
PAULO NEVES
Tradução do prefklo
Maria Ermantina Galvão
Revisão da tradução
Eduardo Brandão
Revisão .,.,nca
Andrta Stah<l M. da Silva
/vete Batista dos Santos
Produção arM!ca
Geraldo Alves
PqlnaçãoiFotolilos
Studio 3 Duenvolvim<nto Editorial (Ó957-7653)
00-1860 CDD-194
,,
VII
_______ Voltaire __________
VIII
---- Tratado sobre a tolerância ----
* * *
IX
_______ Voltaire ___________
X
______ Tratado sobre a tolerância ________
XI
_______ Voltaire __________ _
XII
______ Tratado sobre a tolerância ________
• • •
XIII
Voltaire ___________
XIV
------ Tratado sobre a tolerância ________
XV
_______ Voltaire ___________
XVI
------ Tratado sobre a tolerância ________
XVII
_______ Voltaire ___________
XVIII
------- Tratado sobre a tolerância _______
XIX
______ Voltaire __________
• • •
XX
------ Tratado sobre a tolerância ________
XXI
______ Voltaire __________
• • •
XXII
------ Tratado sobre a tolerância ________
• Raymond Polin, John Locke, Lettre sur la tolérance, PUF, 1965, introdu
ção, p. XLVIII.
XXIII
______ voltatre __________
XXIV
------ Tratado sobre a tolerância ________
XXV
_______ Voltaire ___________
XXVI
------ Tratado sobre a tolerância ________
• • •
XXVII
_______ Voltaire ___________
XXVIII
______ Tratado sobre a tolerância ________
XXIX
_______ Voltaire ___________
• • •
XXX
------ Tratado sobre a tolerância ________
XXXI
Cronologia
XXXIII
______ Voltaire __________
XXXIV
------- Tratado sobre a tolerâncta -------
XXXV
______ Voltaire __________
XXXVI
------- Tratado sobre a tolerância _______
XXXVII
______ Voltaire __________
XXXVIII
------- Tratado sobre a tolerância ______
_
XXXIX
TRATADO SOBRE
A TOLERÂNCIA
3
_______ Voltaire ___________
4
------ Tratado sobre a tolerância ________
5
_______ Voltaire ___________
6
------ Tratado sobre a tolerância ________
7
_______ Voltaire __________
8
______ Tratado sobre a tolerància ________
9
_______ Voltaire ___________
10
____ Tratado sobre a tolerância ________
11
_______ Voltaire ___________
12
______ Tratado sobre a tolerância ________
13
CAPÍTULO 11
Conseqüências do suplício
de Jean Calas
15
_______ Voltaire __________
16
CAPÍTULO III
17
_______ Voltaire ___________
18
------ Tratado sobre a tolerância ________
19
_______ Voltaire ___________
20
CAPÍTULO IV
Se a tolerância é perigosa, e em
que povos ela é permitida
21
_______ Voltaire ___________
22
------ Tratado sobre a tolerância ________
23
_______ Voltaire __________
24
---- Tratado sobre a tolerância ________
25
_______ Voltaire __________
26
______ Tratado sobre a tolerância ------
27
CAPÍTULO V
29
_______ Voltaire ___________
30
------ Tratado sobre a tolerância ------
31
_______ Voltaire __________
32
CAPÍTULO VI
Se a intolerância é de direito
natural e de direito humano
33
_______ Voltaire ___________
34
CAPÍTULO VII
35
_______ Voltaire __________
36
------ Tratado sobre a tolerância ________
37
CAPÍTULO VIII
39
_______ Voltaire __________
40
------ Tratado sobre a tolerância ------
41
_______ Voltaire __________
42
------ Tratado sobre a tolerância ________
43
CAPÍTULO IX
45
______ _ Voltaire __________
46
______ Tratado sobre a tolerância ________
47
_______ Voltaire ___________
48
______ Tratado sobre a tolerância ________
49
_______ Voltaire __________
50
---- Tratado sobre a tolerância ________
51
_______ Vo/taire ___________
52
------ Tratado sobre a tolerância ------
53
CAPÍTULO X
55
_______ Voltaire __________
56
------ Tratado sobre a tolerância ________
57
_______ Voltaire ___________
58
____ Tratado sobre a tolerância ________
59
_______ Voltaire __________
60
------ Tratado sobre a tolerância ________
61
CAPÍTULO XI
Abuso da intolerância
63
_______ Voltaire ___________
64
------ Tratado sobre a tolerância ________
65
_______ Voltaire __________
66
------ Tratado sobre a tolerância ________
67
CAPÍTULO XII
69
_______ Voltaire ___________
70
---- Tratado sobre a tolerância ----
71
_______ Voltaire __________
72
____ Tratado sobre a tolerância ----
73
_______ Voltaire ___________
74
---- Tratado sobre a tolerância ________
75
Voltaire __________
76
------ Tratado sobre a tolerância ________
77
CAPÍTULO XIII
79
_______ Voltaire __________
80
------ Tratado sobre a tolerância ----
--
81
CAPÍTULO XIV
83
_______ Voltaire __________
84
------ Tratado sobre a tolerância ________
85
_______ Voltaire __________
86
______ Tratado sobre a tolerância ________
87
_______ Voltaire ___________
88
---- Tratado sobre a tolerância ----
89
_______ Voltaire ___________
90
CAPÍTULO XV
91
______ Voltaire __________
92
______ Tratado sobre a tolerância ________
93
CAPÍTULO XVI
O bárbaro
O moribundo
9S
_______ Voltaire __________
O bárbaro
O moribundo
O bárbaro
O moribundo
O bárbaro
96
______ Tratado sobre a tolerância ________
O moribundo
O bárbaro
O moribundo
O bárbaro
O moribundo
O bárbaro
97
_______ voltaire ___________
O moribundo
O barbaro
98
CAPÍTULO XVII
99
_______ Voltaire __________
100
------ Tratado sobre a tolerância ------
101
_______ Voltaire __________
102
____ Tratado sobre a tolerância ________
1 03
CAPÍTULO XVIII
105
_______ Voltaire ___________
1 06
------ Tratado sobre a tolerância ------
1 07
CAPÍTULO XIX
109
_______ Voltaire ___________
jes u íta?
- Em absoluto - respo ndeu o holandês . - Este
homem tem opiniões quase tão extravagantes quanto as
desse jesuíta, que procura aqui ser gentil convosco . Não
há como concordar com eles.
- Não vos entendo - disse o mandarim. - Não sois
todos os três cristãos? Não viestes todos os três ensinar o
cristianismo em nosso império? E não deveis por conse
guinte ter os mesmos dogmas?
- Vede, Excelência - falou o jesuíta . - Esses dois aí
são inimigos mortais, e ambos disputam contra mim; é
evidente que ambos estão errados, e que a razão está
apenas do meu l ado.
- Isso não é tão evidente - asseverou o mandarim. -
Poderia perfeitamente ocorrer que estivésse is todos os
três errados; eu teria curiosidade de vos ouvir um após o
outro.
1 10
------ Tratado sobre a tolerâ ncia ------
111
CAPÍTULO XX
1 13
_______ Voltaire __________
1 14
______ Tratado sobre a tolerâ ncia ------
115
_______ Voltaire ___________
1 16
CAPÍTULO XXI
1 17
_______ Voltaire ___________
1 18
______ Tratado sobre a tolerâ ncia ________
1 19
CAPÍTULO XXII
121
_______ Volta ire __________
122
______ Tratado sobre a tolerância ________
1 23
_______ Volta ire ___________
1 24
CAPÍTULO XXIII
Oração a Deus
125
_______ Voltaire ___________
1 26
CAPÍTULO XXIV
Pós-escrito
• A s sabichonas, Moliere .
127
_______ Voltaire __________
1 28
______ Tratado sobre a tolerâ ncia ------
1 29
_______ Voltaire __________
1 30
______ Tratado sobre a tolerância ________
131
Voltaire ___________
1 3Z
CAPÍTULO XXV
Continuação e conclusão
1 34
______ Tratado sobre a tolerância ________
1 35
_______ Voltaire ___________
1 36
____ Tratado sobre a tolerância ________
1 37
Artigo posteriormente acrescentado,
no qual se fala da última
sentença pronunciada em favor
da família Calas
1 39
_______ Voltaire ___________
1 40
------ Tratado sobre a tolerância ________
141
_____ Voltaire ___________
142
______ Tratado sobre a tolerância ________
1 43
Notas
1 45
_______ Voltaire _____________
filha; ela foi chicoteada completamente nua, mas Deus cobriu-a com
uma nuvem branca; seu pai, enfim, conou-lhe a cabeça. Eis o que re
lata a Flor dos santos.
O segundo exemplo é o do príncipe Hermenegildo. Revoltou-se
contra o rei, seu pai, enfrentou-o numa batalha em 584 , foi vencido
e mono por um oficial: fizeram dele um mánir, porque seu pai era
ariano . (Nota de Voltaire.)
9. Um dominicano veio até meu cárcere e me ameaçou com o
mesmo tipo de mone se eu não abjurasse. É o que atesto perante
Deus. 23 de julho de 1 762 . PIERRE CALAS . (Nota de Voltaire.)
1 0 . Ela foi acolhida em casa dos senhores Dufour e Mallet, ban
queiros, e depois por d'Argental e Damilaville. (M .)
1 1 . Mémoíre à consulter, et Consultation pour la dame Anne
Rose Cabibel, veuve Calas, et pour ses enfants, 23 aout 1 762. (M.)
12. Mémoire pour Donat, Píerre et Louis Calas. (M .)
13. Mémoire pour dame Anne-Rose Cabibel, veuve du sieurjean
Calas, L. et L . -D. Calas, leursfils, et A n ne-Rose et Anne Calas, leursfil
Ies, demandeurs en cassation d 'un arrêt du parlament de Toulouse,
du 9 mars 1 762. (M.)
14. Eles foram imitados em várias cidades e a senhora Calas per
deu a vantagem dessa generosidade. (Nota de Voltaire.)
1 5 . Choiseul ocupava-se, então, em fazer a paz com a Ingla
terra . (M.)
16. Devoto vem da palavra latina devotus. Os devoti da antiga
Roma eram os que se dedicavam à salvação da república: eram os
Curtius, os Decius. (Nota de Voltaire.)
1 7 . Alusão à obra apologética do abade Houtteville, La religion
chrétienne prouvée par les faits, Paris, 1 7 2 2 .
18. Ou seja, conselheiros do parlamento. (M .)
19 . As anatas eram a taxa que pagavam à Santa Sé os detentores
de um benefício eclesiástico. Foram abolidas pela Assembléia Cons
tituinte em 1 789.
20. Eles reiteravam a opinião de Bérenger sobre a Eucaristia;
negavam que um corpo pudesse estar em cem mil lugares diferentes,
mesmo com a onipotência divina; negavam que os atributos pudes
sem subsistir sem sujeito; acreditavam que era absolutamente impos
sível que o que é pão e vinho para os olhos, o paladar e o estômago,
desaparecesse de uma hora para outra; sustentavam todos esses erros,
146
_______ Tratado sobre a tolerância -------
147
_______ Vo/taire _____________
1 48
------- Tratado sobre a tolerância _________
149
_______ Voltaire _____________
dez milhões por ano; e tudo isto por causa da perseguição . (Vejam
se os relatórios dos intendentes, em 1698.) Leve-se em conta sobretu
do o número de oficiais de terra e mar, e marinheiros, que foram obri
gados a ir servir contra a França, geralmente com uma funesta vanta
gem, e vejam se a intolerância não causou mal nenhum ao Estado.
Não se tem aqui a temeridade de propor idéias a ministros cujo
gênio e opiniões abalizadas são bem conhecidos e cujo coração é tão
nobre quanto seu nascimento. Eles perceberão muito bem que o res
tabelecimento da marinha demanda alguma indulgência para com os
habitantes das nossas costas. (Nota de Voltaire.) Os dois ministros
-
1 50
------- Tratado sobre a tolerância _________
151
------- Voltaíre _____________
152
_______ Tratado sobre a tolerância -------
feito de Roma lhe tenha exigido o dinheiro dos cristãos; que o diáco
no Lourenço tenha tido tempo de reunir todos os pobres da cidade;
que tenha ido até o prefeito para levá-lo ao lugar onde estavam esses
pobres; que lhe tenham aberto um processo e feito um interrogató
rio; que o prefeito tenha encomendado a um ferreiro uma grelha bas
tante grande para assar um homem; que o primeiro magistrado de
Roma tenha assistido pessoalmente a esse estranho suplício; que São
Lourenço, nessa grelha, lhe tenha dito: "Estou bastante assado de um
lado, podes me virar do outro se queres me comer. " Essa grelha não
faz muito o gênero dos romanos . E como se explica que nenhum au
tor pagão tenha falado dessas aventuras? (Nota de Voltaire.)
48. Basta abrir Virgílio para ver que os romanos reconheciam
um deus supremo, soberano de todos os seres celestes .
1 53
_______ Voltaire _____________
1 54
---- Tratado sobre a tolerância ----
155
_______ Vo/taire _____________
1 56
_____ Tratado sobre a tolerância _________
1 57
_______ Voltaire _____________
1 58
______ Tratado sobre a tolerância ------
1 59
_______ Voltaire _____________
1 60
______ Tratado sobre a tolerâ ncia ------
161
_______ Voltaire _____________
162
------- Tratado sobre a tolerância -------
causa horror, proveio dos antigos judeus. Com efeito, foram eles que
ensinaram, numa parte da Europa, a feitiçaria. Que povo! Tão estranha
infâmia parecia merecer um castigo comparável ao ocasionado peio
bezerro de ouro; no entanto, o legislador contenta-se em fazer-lhe
uma simples defesa. Relatamos aqui esse fato apenas para fazer
conhecer a nação j uda ica : nela, a bestialidade devia ser comu m , por
ser a única nação conhecida na qual as leis foram forçadas a proibir
um crime jamais suspeitado alhures por algum legislador.
É de supor que nas fadigas e na penúria que os judeus expe
rimentaram nos desertos de Farã, Oreb e Cades-Barné, a espécie fe
minina , mais frágil que a outra, tenha sucumbido. É provável, de fato,
que os j u deu s carecessem de mulheres , já que sempre lhes foi orde
nado, quando se apoderavam de uma cidade ou aldeia, seja à esquer
da, seja à direita do lago Asfaltite, matar todos, exceto as jovens
núbeis.
Os árabes que habitam ainda uma parte desses desertos estipu
lam sempre, nos tratados que fazem com as caravanas, que lhes
É possível que os rapazes, nessa região terrível,
darão jovens núbeis .
levassem a depravação da natureza até acasalarem-se com cabras,
como é dito de alguns pastores da Calábria.
Resta saber se esses acasalamentos produziram monstros e se há
algum fundamento nos antigos contos de sátiros, faunos, centauros e
minotauros; a história o afirma, mas a física não nos esclareceu ainda
sobre esse assunto monstruoso . (Nota de Voltaire.)
79. Josué, cap. XXIV, v. 1 5 ss. (Nota de Voltaire. )
80. Números, cap. XXI , v. 9. (Nota de Voltaire.)
8 1 . //. Paralip., cap. IV. (M.)
82. 11. Reis, XII , 28. (M.) [Corresponde a I Reis.]
83. Ibid. , 31. (M.)
163
--------�-- Volta ire ___�-�----�--
84. Reis, liv. III, cap . XV, v. 14 [corresponde a I Reisl; ibid. , cap.
XXII, v . 44. (Nota de Voltaire.)
85 . Reis, liv. IV, cap . XVI . (ld.) [li Reis]
86. Ibid., liv. III [/ Reis] , cap. XVIII, v. 38 e 40; ibid. , liv. IV, cap.
II, v. 24. (Id.)
87 . IV Reis [/I Reis] , II, 24. (M.)
88 . Números, cap. XXXI . (Nota de Voltaire.)
89 . Mádian não fazia parte da terra prometida. Era um pequeno
cantão da Iduméia, na Arábia Pétrea; começa ao norte no curso do rio
Arnon e vai até o Zared , em meio aos rochedos e na margem orien
tal do lago Asfaltite. Essa região é hoje habitada por uma pequena
horda de árabes; deve ter cerca de oito léguas de comprimento e um
pouco menos de largura . (Jd.)
90. Números, XXXI 32 ss. (M .)
,
92. É certo pelo texto ( juízes, XI , 39) que Jefté imolou sua filha .
"Deus não aprova esses sacrifícios, diz dom Calmet em sua Disserta
ção sobre o juramento dejefté; mas quando foram oferecidos, ele quer
que os executem, ainda que para punir aqueles que os faziam, ou
para reprimir a leviandade com que seriam feitos se não temessem a
execução." Santo Agostinho e quase todos os padres condenam a
ação de Jefté. É verdade que a Escritura (juízes, XI, 29) diz que elefoi
tomado pelo espírito de Deus, e São Paulo, em sua Epístola aos hebreus,
cap. XI, v. 32, faz o elogio de Jefté; equipara-o a Samuel e Davi.
São Jerônimo, em sua epístola a Juliano, diz : "Jefté imolou sua
filha ao Senhor, e é por isso que o apóstolo o inclui entre os santos. "
Eis aí, de u m lado e de outro, julgamentos sobre os quais não nos é
permitido acrescentar o nosso; deve-se temer inclusive ter uma opi
nião. (Nota de Voltaire.)
93 . Pode-se considerar a morte do rei Agag como um verdadei
ro sacrifício. Saul havia feito esse rei dos amalecitas prisioneiro de
guerra e aceitara negociar com ele; mas o sacerdote Samuel ordenou
lhe nada poupar; disse-lhe com estas palavras (1. Sam uel, XV, 3):
"Nada lhe poupes, porém matarás homem e mulher, meninos e crian
ças de peito. "
"E Samuel despedaçou a Agague perante o Senhor em Gilgal . "
" O zelo que animava o profeta" , diz dom Calmet, "pôs-lhe a espa
da na mão nessa ocasião para vingar a glória do Senhor e para humi
lhar Saul . "
164
------- Tratado sobre a tolerância _________
165
_______ Voltaire _____________
1 66
------ Tratado sobre a tolerância ------
167
_______ Volta ire _____________
1 68
_____ Tratado sobre a tolerância -----
1 69
_______ Voltaire _____________
suas tendas e seus bens, e que eles foram precipitados vivos na mo
rada dos mortos. Certamente esse lugar não se refere às almas des
ses três hebreus, nem aos tormentos do inferno, nem a uma punição
eterna.
É estranho que, no Dictionnaire encyclopédique, no termo IN
FERNO, seja dito que os antigos hebreus reconheceram sua realida
de. Se fosse assim, haveria uma contradição insustentável no Penta
teuco. Como se explicaria que Moisés tivesse falado numa passagem
isolada e única dos castigos após a morte e que deles não tivesse fala
do em suas leis? Cita-se o trigésimo segundo capítulo do Deutero
nômio (versículos 2 1 -24), mas de maneira truncada; ei-lo aqui na ín
tegra: "Provocaram-me com aquilo que não era Deus, e irritaram-me
com sua vaidade; também eu os provocarei naquilo que não é um
povo, e os irritarei com uma nação insensata . Porque se acendeu o
fogo de minha cólera, e ele arderá até ao fundo da terra; devorará a
terra com seus produtos e abrasará os fundamentos das montanhas;
e acumularei sobre eles os males, e empregarei contra eles minhas
flechas; serão consumidos pela fome, as aves os atacarão com bica
das dolorosas; mandarei sobre eles os dentes das feras e das serpen
tes que se arrastam com furor sobre a terra . " •
Acaso existe alguma relação entre essas expressões e a idéia das
punições infernais tais como as concebemos? Parece antes que essas
palavras só tenham sido mencionadas para tornar evidente que nosso
inferno era ignorado pelos antigos judeus.
O autor desse artigo no Dictionnaire encyclopédique cita ainda
a passagem de Jó, no capítulo XXIV ( 1 5- 1 9) . "Aguardam o crepúscu
lo os olhos do adúltero; este diz consigo: Ninguém me reconhecerá ;
e cobre o rosto. Nas trevas minam as casas, de dia se conservam en
cerrados, nada querem com a luz. Pois a manhã para todos eles é
como sombra de morte; mas os terrores da noite lhes são familiares.
Vós dizeis: Os perversos são levados rapidamente na superfície das
águas; maldita é a porção dos tais na terra; já não andam pelo cami
nho das vinhas . A secura e o calor desfazem as águas da neve; assim
faz a sepultura dos que pecaram." Ou então: "O túmulo dissipou os
170
------ Tratado sobre a tolerâ ncia __________
que pecam" ; ou ainda, segundo a versão dos Setenta, "Seu pecado foi
trazido à memória".
Cito as passagens inteiras, e literalmente, sem o quê é sempre
impossível formar-se a respeito delas uma idéia verdadeira .
Existe aí, eu vos pergunto, a menor palavra a partir da qual se
possa concluir que Moisés ensinou aos judeus a doutrina clara e sim
ples dos castigos e recompensas após a morte?
O livro de ]ó não tem relação com as leis de Moisés. Ademais, é
muito provável que ]ó não fosse judeu: é a opinião de São Jerônimo
em suas questões hebraicas sobre o Gênesis. A palavra Satanás, que
está em ]ó (I, 1 , 6, 1 2) , não era conhecida dos judeus, e jamais apa
rece no Pentateuco. Os judeus só ficaram sabendo desse nome 'na
Caldéia, assim como os nomes Gabriel e Rafael , desconhecidos antes
de sua escravidão na Babilônia. Portanto Jó é muito mal citado a esse
respeito.
Cita-se ainda o último capítulo de Isaías (23, 24): "E de uma lua
nova à outra, e de um sábado a outro, virá toda a carne a adorar
perante mim, diz o Senhor. Eles sairão, e verão os cadáveres dos ho
mens que prevaricaram contra mim; porque o seu verme nunca mor
rerá, nem o seu fogo se apagará; e eles serão um horror para toda a
carne . "
Certamente, s e são expostos à visão dos passantes e comidos
pelos vermes, isso não quer dizer que Moisés ensinou aos judeus o
dogma da imortalidade da alma; e as palavras O fogo não se apagará
não significam que cadáveres expostos à visão do povo sofram as
penas eternas do inferno.
Como se pode citar uma passagem de Isaías para provar que os
judeus do tempo de Moisés receberam o dogma da imortalidade da
alma? Isaías profetizava, segundo o cálculo hebraico, no ano 3380 do
mundo. Moisés viveu por volta do ano 2500; transcorreram oito sécu
los entre um e outro. É um insulto ao senso comum, ou uma simples
brincadeira, abusar assim da permissão de citar e pretender provar
que um autor sustentou tal opinião através de uma passagem de um
autor vindo oitocentos anos depois e não falou dessa opinião. É indu
bitável que a imortalidade da alma, os castigos e as recompensas
após a morte são anunciados, reconhecidos, constatados no Novo
Testamento, e é indubitável que não se encontram em nenhum lugar
do Pentateuco; e isto é o que o grande Arnauld diz claramente e com
vigor em sua apologia de Port-Royal .
171
_______ Voltaire __________ ___
Jesu s Cristo jamais ensinou essa dou trina, e é difícil adivinhar o sentido
de Santo Ir ineu
.
Santo Hilário é mais formal e mais posit ivo em seu comentário sobre
Santo Mate u s . Atribui cla ramen te uma substância corporal à alma : "Corpo
re a m naturae suae substantiam sortiuntur."
Santo Ambrósio, acerca de Abraão , livro II, cap . VIII, afirma que não
há na da de separado da matéria, a não ser a substância da Santíssima
Trindade.
esses homens respeitáveis de fazerem má filo
Poder-se-ia censurar
sofia ; mas no fundo, sua teologia fosse ba stan te correta,
é de supor que,
uma vez que, não conhecendo a natureza incompreensível da alma , asse
guravam-na imortal e a queriam cristã .
Sabemos que a alma é espi ritual mas não sabe mos em absoluto o
,
que vem a ser o espírito. Conhecemos muito i mp erfe ita mente a ma téria ,
e nos é impossível ter uma idéia clara do que não é matéria. Muito pouco
informados sobre o q ue afeta nossos sent id os nada p odemos conhecer
,
por nós mesmos acerca do que está além dos sentidos. Transpor
tamos algumas palavras de no s s a linguagem comum aos abismos da
metafísica e da teologia , para termos uma vaga idéia das coisas que
não podemos conceber nem exprimir; procuramos nos apoiar nessas
palavras, para sustentar, se possível , nosso frágil entendimento nes
sas regiões ignoradas.
Assim, utilizamo-nos da palavra espírito, que corresponde a so
pro e vento, para exprimir algo que não é matéria; e dessas pa lavra s
1 72
---- Tratado sobre a tolerância ----
1 73
------- Voltaire _____________
1 74
_______ Tratado sobre a tolerância _________
1 27 . João, VIII, 1 1 . (M .)
1 28. João, II, 9. (M.)
1 29 . Mateus, XXVI , 52; João, XVIII, 1 1 . (M.)
130. Lucas, IX, 55. (M.)
1 3 1 . Lucas, XXIII, 34. (M.)
132. Lucas, XXII, 44. (M.)
1 33. São Mateus, cap. XXIII. (Nota de Voltaire.)
1 34. Jbid., cap. XXVI, v. 59. (Nota de Voltaire.)
1 3 5 . Mateus, cap. XXVI, v. 6 1 . (Nota de Voltaire.)
1 36. Mateus, cap. XXVI, v. 63. (M. )
1 3 7 . Era d e fato muito difícil aos judeus, para não dizer impos
sível, compreender, sem uma revelação particular, esse mistério ine
fável da encarnação do Filho de Deus, do próprio Deus. O Gênesis
(cap. VI) chama filhos de Deus os filhos dos homens poderosos; do
mesmo modo, os grandes cedros, nos salmos (LXXIX , 1 1) , são cha
mados cedros de Deus. Samuel (I. Reis, XVI , 1 5) diz que um terror de
Deus tomou conta do povo, ou seja, um grande terror; um grande
vento, um vento de Deus; a doença de Sau l , melancolia de Deus. No
entanto, parece que os judeus entenderam literalmente que Jesus se
disse filho de Deus no sentido próprio; mas, se consideraram essas
palavras uma blasfêmia, talvez seja uma prova a mais de sua ignorân
cia a respeito do mistério da encarnação e de Deus, filho de Deus,
enviado à terra para a salvação dos homens. (Nota de Voltaire.)
1 38. Mateus, XXVI, 64. (M.)
1 39 . Acta apost. , XXV, 16. (M. )
140. Capítulo 1 3 , "Admoestação mui respeitosa aos Inquisidores
da Espanha e Portugal" .
1 4 1 . E m 1 653, o papa havia condenado n o Augustinus d e Jan
senius cinco proposições. Os jansenistas opuseram uma longa resis
tência, baseando-se no fato de que elas não aparecem literalmente no
Augustínus.
1 42 . João, XIV, 28. (M.)
143. La Rochefoucauld, máxima 223 .
144. Quando escrevíamos assim, em 1 762, a ordem dos jesuítas
não havia sido abolida na França. Se eles tivessem sido injustiçados,
o autor certamente os teria respeitado. Mas que se saiba para sempre
que foram perseguidos apenas porque haviam sido perseguidores; e
175
_______ Voltaire _____________
que seu exemplo faça tremer aqueles que , sendo mais intolerantes
que os jesuítas, gostariam de oprimir um dia os concidadãos que não
abraçassem suas opiniões duras e absurdas. (Nota de Voltaire.) Essa
nota foi acrescentada em 1 77 1 . (M.)
145. O padre Le Tellier foi o confessor de Luís XIV ao final de sua
vida. Acusavam-no de haver inspirado a política intolerante do rei.
146. A pólvora de canhão. (M. )
147. Em 1 7 1 4 , ano em que Voltaire supõe ter sido escrita a carta
que forma esse capítulo, só existiam na França doze parlamentos. (M.)
1 48. Essa inicial é a do nome de Ravaillac; é o próprio Voltaire
que o informa em seu A vis au public sur les parricides imputés aux
Calas e aux Sirven [Esclarecimento ao público sobre os parricídios
imputados aos Calas e aos Sirven] . (M. )
149. Act., v . 2 9 . (M . )
1 50. Voltaire fala também dessa seita, sem dar s e u nome, num
adendo ao artigo "Batismo" do Dictionnaire philosophique ( 1 767) e
no capítulo 42 de Dieu et les hom mes (1 769) .
1 5 1 . Voltaire refere-se a oito crianças ressuscitadas, em seu ver
bete sobre São Francisco Xavier do Dictionnaire philosophique. (M .)
1 52 . O arrabalde Saint-Marceau , no bairro que conserva ainda
hoje esse nome, um dos bairros mais miseráveis de Paris no século
XVIII, onde se encontravam o cemitério de Saint-Médard e o túmulo
do diácono Pâris, local de reunião dos "convulsionários" jansenistas.
Uma pediculose é uma doença "na qual se forma um grande núme
ro de piolhos" (Littré).
1 5 3 . I. Cor. , XV, 36. (M.)
1 54 . Veja-se o excelente livro intitulado Le manuel de l 'Inquisi
tion. (Nota de Voltaire.) O livro que Voltaire recomenda aqui, com
-
176
------- Tratado sobre a tolerância -------
1 77
Bibliografia
1 79
______ Voltaire ____________
1 80