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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO

MIZZAELY SUIANNY LACERDA DE SALES

INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL E CAPITALISMO MONOPOLISTA: uma


introdução às origens

NATAL/RN
2021
MIZZAELY SUIANNY LACERDA DE SALES

INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL E CAPITALISMO MONOPOLISTA: uma


introdução às origens

Dissertação de mestrado apresentada como parte dos


requisitos exigidos para fins de obtenção do Título de
Mestra no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social (PPGSS) vinculado ao Centro de Ciências Sociais
Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), sob a orientação do Prof. Dr.
Henrique André Ramos Wellen.

Área de Concentração: Sociabilidade, Serviço Social e


Política Social.

Linha de pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão


Social.

Natal/RN
2021
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Sales, Mizzaely Suianny Lacerda de.


Industrialização cultural e capitalismo monopolista: uma
introdução às origens / Mizzaely Suianny Lacerda de Sales. -
2021.
117 f.: il.

Dissertação (Mestrado Serviço Social) - Universidade Federal


do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal, 2021.
Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen.

1. Serviço Social - Dissertação. 2. Excedente econômico -


Dissertação. 3. Industrialização cultural - Dissertação. 4.
Capitalismo monopolista - Dissertação. I. Wellen, Henrique André
Ramos. II. Título.

RN/UF/CCSA CDU 361


Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/440
MIZZAELY SUIANNY LACERDA DE SALES

INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL E CAPITALISMO MONOPOLISTA: uma


introdução às origens

Dissertação de mestrado apresentada como parte


dos requisitos exigidos para fins de obtenção do
Título de Mestra no Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social (PPGSS) vinculado ao Centro
de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).

APROVADA EM: 28/05/2021.

COMISSÃO EXAMINADORA:

__________________________________________
Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen
(Orientador – UFRN)

__________________________________________
Prof. Dr. Newton Narciso Gomes Junior
(Examinador Externo – UnB)

__________________________________________
Prof. Dr. Ranieri Carli de Oliveira
(Examinador Externo – UFF)

__________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Braz Moraes dos Reis


(Examinador Suplente – UFRN)
AGRADECIMENTOS

Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-se ler que tudo existe em constante
mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que vida ou
morte, sono ou vigília, juventude ou velhice são realidades que se transformam
umas nas outras. O fragmento n° 91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê que
um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio. Por quê? Porque da segunda
vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio (ambos terão
mudado). [...] Marx não era Heráclito, o Obscuro. Ele sabia que, quando um
homem se banha duas vezes num determinado rio, é inegável que a segunda vez o
homem terá mudado, o rio também terá sofrido alterações, mas apesar das
modificações o homem será o mesmo homem (e não um outro indivíduo qualquer) e
o rio será o mesmo rio (e não um outro rio qualquer)1.

O término de um ciclo deixa-me nostálgica, com um profundo sentimento de gratidão


a todos aqueles que participaram dele e seguraram, firmemente, a minha mão do início ao fim.
Este ciclo concluiu-se e um novo ciclo se iniciará devido aos corações amáveis e às mentes
críticas que estiveram ao meu lado, ajudando-me a superar cada fase. Sem dúvidas, cada um
deixou, ao longo do caminho, uma parte de si em mim e, assim, me transformaram. Por isso,
quero destiná-los os meus breves agradecimentos.
À minha avó Luzia Lacerda pelo carinho, apoio, confiança e todos os esforços a mim
dedicados. Agradeço por ser a minha grande incentivadora, sempre acreditando que eu posso
vencer cada etapa, seja ela qual for. À minha mãe Milúzia Lacerda pela coragem de enfrentar
a vida e pela força que tem e transfere um pouco para mim. Aos meus primos Flávio Segundo,
Pedro Henrique e Laura Laís pela alegria cotidiana. Aos meus padrinhos, Elisabethe de
Aquino e Adalberto Ribeiro, pela presença e incentivo durante o mestrado e em momentos
decisivos da minha vida.
Ao meu orientador Henrique Wellen pela orientação desta dissertação com
compromisso. Agradeço pela solidariedade, sobretudo nos primeiros passos desta caminhada
– certamente, os mais difíceis. Sou grata, ainda, pelo incentivo aos estudos, pelas avaliações
críticas empreendidas e por ter dedicado uma parte de seu tempo na leitura do texto para que
eu tentasse avançar nas análises.
Ao Prof. Newton Narciso pela boa receptividade com esta pesquisa, encorajamento,
generosidade e simplicidade acadêmica com rigor. Agradeço, também, pelas análises críticas
realizadas no decorrer de sua disciplina e por ter participado da banca examinadora desta
dissertação.

1
Leandro Konder em O que é dialética, na publicação de 2008.
Ao Prof. Ranieri Carli por sua grande solicitude de aceitar, de imediato, o convite para
participar, duas vezes, da banca examinadora desta dissertação. Agradeço pela leitura atenta e
minuciosa do texto, pelas avaliações e sugestões dadas na qualificação e na defesa, com
profissionalismo e respeito às reflexões construídas.
Ao Prof. Marcelo Braz pela rica, longa e exaustiva análise realizada na ocasião do
Exame de Qualificação. Quero deixar registrado que o amadurecimento do processo de
investigação, que ganhou forma e conteúdo no termo “industrialização cultural”, se deu a
partir de uma de suas observações.
À Profa. Gláucia Russo pelos anos de acompanhamento na iniciação científica, cujas
experiências foram fundamentais para despertar em mim a vontade de continuar pesquisando.
Também devo agradecer pela orientação no momento de engatinhar nas primeiras
inquietações sobre a “indústria cultural” na sua relação com a infância.
À Camila Morais pela presença e amizade, compartilhando todas as alegrias e as
angústias dos processos acadêmicos e da vida. À Jessica Linhares pela amizade e
solidariedade durante o processo de seleção do mestrado e as mudanças de cidade.
À Maria Eiband por ter sido mais do que uma locadora: pela hospitalidade, afeto e
cuidado nos momentos em que precisei. À Arthur Vinícius e Luana Santos por terem sido
vizinhos prestativos, plenos de gentileza.
Às pessoas solidárias da UFRN. À Julliane Trindade pelo acolhimento solidário e
companhia na UFRN e nos primeiros dias de aventuras em Brasília. Agradeço, igualmente,
pelas indignações políticas e pensamentos críticos compartilhados. À Ozileia Cardoso pelos
inúmeros cafés tomados na UFRN, pelo afeto, conversas sinceras e conselhos sempre
certeiros. À Roberta Pedroni pelos abraços e diálogos acolhedores pelos corredores da
UFRN. À Burnier Sales pela partilha da vida de mestrando na universidade e nos momentos
alegres de lazer. À Lucinha, pela companhia nos almoços, incentivo acadêmico e por todas as
vezes que me direcionou quando precisei de alguma informação.
Às meninas da Colina e às pessoas solidárias da UnB. À Laísa Castro, agradeço pela
força, solidariedade nordestina, companhia diária na Colina, conversas motivacionais e
passeios. À Erika Kou pelo afeto, solidariedade latina e comida mexicana. À Manuela
Sanchez e Misael Júnior pela receptividade, por terem dividido a rotina na universidade e as
inquietações da academia, da política e da vida. Agradeço, no mais, pelos momentos
descontraídos e as comemorações. À Jorge Riveros agradeço pelos ensinamentos acadêmicos,
o diálogo incentivador e a disposição genuína de ajudar.
À Profa. Ilena Felipe Barros e à turma do Estágio de Docência Assistida pela grande
oportunidade que me deram de vivenciar a primeira experiência no processo de ensino-
aprendizagem da docência, com boa receptividade, paciência e entusiasmo.
À turma de mestrado, pelos lanches e trocas de conhecimento em sala de aula.
Aos trabalhadores geradores de excedente econômico, que financiaram esta pesquisa
por meio da Capes.
Todo esforço consequente para apresentar a realidade sem preconceitos, isto é,
com toda a sinceridade, ajuda-nos a avançar. Por si só, a sinceridade pode
representar de maneira apenas fragmentária a complexa realidade de nosso
tempo. Sem a sinceridade, contudo, não se pode fazer coisa alguma.

(Ernest Fischer).

O mal canceroso do capitalismo monopolista não está em dissipar grande parte


de seus recursos na produção dos meios de destruição, de permitir às empresas
que se dediquem à publicidade liminar e subliminar, em vender produtos
adulterados, em inundar a vida humana com uma diversão imbecilizante, uma
religião comercializada, e uma “cultura” degradada. O mal canceroso do
sistema, que faz dele um obstáculo formidável ao progresso humano, é não ser
tudo isso uma coleção de atributos fortuitos da ordem capitalista, mas a própria
base de sua existência e viabilidade.

(Paul Baran).
RESUMO

Esta dissertação teve como objetivo analisar as determinações econômicas que possibilitaram
as origens da industrialização cultural a partir de bibliografias que tratam das principais
tendências do capitalismo monopolista. Embora a industrialização cultural esteja presente na
realidade atual do século XXI, envolvendo a economia, a política e a cultura, a sua origem e,
portanto, o seu estudo, não aparecem nos dias de hoje. A sua investigação é iniciada no século
XX pelos filósofos alemães da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, com
a publicação de Dialética do esclarecimento, em 1947. Nessa obra, ela aparece com um
sentido próprio sob o termo “indústria cultural”, apresentando-se, de modo central, como uma
expressão do avanço da razão instrumental presente na técnica fordista de produção em série
de produtos culturais voltados para o seu valor de troca. A preocupação dos frankfurtianos,
contudo, não estava direcionada para as origens materiais da industrialização cultural, na sua
constituição e no seu desenvolvimento. Mas, fundamentalmente, voltaram-se aos efeitos
sociais nos indivíduos, enquanto meio de controlá-los, manipulá-los e integrá-los na
sociedade capitalista, na medida em que padroniza ideias, predileções e hábitos de consumo.
Seguindo esse pensamento, seu trato analítico superdimensionou o poder de controle da
“indústria cultural”, demonstrando-se pessimista em relação às possibilidades de resistência
popular capazes de alcançar uma razão crítica emancipatória e suprimir a dominação do
homem pelo homem. Nesse sentido, percebeu-se que, dando ênfase aos efeitos sociais da
“indústria cultural”, os filósofos alemães se ausentaram de análises que considerem o
fundamento estrutural e a processualidade histórica da industrialização cultural, a partir das
particularidades e contradições do capitalismo monopolista, ainda que não tenham negado a
existência de determinações materiais. Diante disso, a presente investigação parte do seguinte
questionamento: a partir de uma análise das determinações econômicas, quais as origens da
industrialização cultural? Quanto aos objetivos específicos, a pesquisa concentrou-se em: i)
apreender os fundamentos do excedente econômico e da crise na transição da fase
concorrencial para a monopolista; ii) analisar o fordismo como processo de trabalho e
produção de mais-valia relativa na constituição da industrialização cultural; e iii) investigar
qual é a funcionalidade da industrialização cultural para a reprodução de capital, com foco nas
campanhas de vendas. Para tanto, à luz do materialismo histórico dialético, empreendeu-se
uma pesquisa teórica explicativa de tipo bibliográfica e natureza qualitativa, recorrendo-se a
bibliografias que versam sobre as principais tendências do capitalismo monopolista. Como
instrumento de coleta e produção de dados, fora utilizado um roteiro de leitura organizado em
eixos, com aplicação durante a leitura reflexiva das obras selecionadas. Concluiu-se que a
industrialização cultural se constituiu no período do imperialismo clássico e se desenvolveu
no capitalismo tardio. As suas condições originárias foram gestadas nos EUA e se alastraram
para a Europa, especialmente a Alemanha, na década de 1930. As principais tendências de sua
constituição e desenvolvimento são: i) a tentativa de realizar a mais-valia contida na
mercadoria, no âmbito da circulação, por meio de um esforço de vendas; e ii) a necessidade
do capital pelo controle de novos mercados. Identificou-se, ainda, que a industrialização
cultural tem uma dualidade própria da contradição entre capital e trabalho. Expressa, portanto,
a dialética entre o parasitismo do capital, via campanhas de vendas, e a necessidade de
consumo cultural dos trabalhadores por serviços artísticos humanistas. Tal necessidade
cultural não é criada pelo capital, mas, antes, pelas forças produtivas do trabalho.

Palavras-chave: Excedente econômico. Capitalismo monopolista. Industrialização cultural.


ABSTRACT

This dissertation aimed to analyze the economic determinations that made possible the origins
of cultural industrialization from bibliographies that deal with the main tendencies of
monopoly capitalism. Although cultural industrialization is present in the current reality of the
21st century, involving economy, politics and culture, its origin and, therefore, its study, do
not appear today. His investigation began in the 20th century by the German philosophers of
the Frankfurt School, Theodor Adorno and Max Horkheimer, with the publication of
Dialectics of Enlightenment, in 1947. In this work, it appears with its own meaning under the
term "cultural industry", presenting itself, in a central way, as an expression of the
advancement of instrumental reason present in the Fordist technique of serial production of
cultural products aimed at their exchange value. The concern of the Frankfurtians, however,
was not directed towards the material origins of cultural industrialization, its constitution and
its development. But, fundamentally, they turned to the social effects on individuals, as a
means of controlling, manipulating and integrating them into capitalist society, as it
standardizes ideas, predilections and consumption habits. Following this thought, his
analytical approach overestimated the power of control of the “cultural industry”, showing
himself to be pessimistic in relation to the possibilities of popular resistance capable of
achieving an emancipatory critical reason and suppressing the domination of man by man. In
this sense, it was noticed that, emphasizing the social effects of the "cultural industry", the
German philosophers were absent from analyzes that consider the structural foundation and
the historical process of cultural industrialization, based on the particularities and
contradictions of monopoly capitalism, although they have not denied the existence of
material determinations. Therefore, this investigation starts from the following question: from
an analysis of economic determinations, what are the origins of cultural industrialization? As
for the specific objectives, the research focused on: i) capture the fundamentals of the
economic surplus and the crisis in the transition from the competitive to the monopolistic
phase; ii) analyze the fordism as a work process and production of relative surplus value in
the constitution of cultural industrialization; and iii) investigate what is the functionality of
cultural industrialization for capital reproduction, focusing on sales campaigns. Therefore, in
the light of dialectical historical materialism, an explanatory theoretical research of a
bibliographical type and qualitative nature was undertaken, using bibliographies that deal with
the main tendencies of monopoly capitalism. As an instrument for data collection and
production, a reading script organized in axes was used, with application during the reflective
reading of the selected works. It was concluded that cultural industrialization was constituted
in the period of classical imperialism and was developed in late capitalism. Its original
conditions were created in the USA and spread to Europe, especially in Germany, in the
1930s. The main trends of your constitution and development are: i) an attempt to realize the
surplus value contained in the merchandise, within the scope circulation, through a sales
effort; and ii) need for capital to control new markets. It was also identified that cultural
industrialization has a duality inherent to the contradiction between capital and labor.
Therefore, it expresses a dialectic between the parasitism of capital, via sales campaigns, and
the need for cultural consumption by workers for humanistic artistic services. Such cultural
need is not created by capital, but rather by the productive fource of work.

Keywords: Economic surplus. Monopoly capitalism. Cultural industrialization.


LISTA DE SIGLAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.


CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
CCSA – Centro de Ciências Sociais Aplicadas.
EUA – Estados Unidos da América.
FASSO – Faculdade de Serviço Social.
MPC – Modo de Produção Capitalista.
PPGSS – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.
PROCAD – Programa Nacional de Cooperação Acadêmica.
UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
UFAL – Universidade Federal de Alagoas.
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora.
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
UFF – Universidade Federal Fluminense.
UnB – Universidade de Brasília.
UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 14

1.1 A indústria cultural em Adorno e Horkheimer: da razão instrumental ao fundamento


econômico .......................................................................................................................... 27

2 OS FUNDAMENTOS DO EXCEDENTE ECONÔMICO E DA CRISE NO MODO


DE PRODUÇÃO CAPITALISTA .................................................................................... 32

2.1 A criação do excedente na sociedade de classe e a sua particularidade na dinâmica de


acumulação capitalista ................................................................................................... 32

2.2 Concorrência, concentração e centralização de capitais excedentes ................................ 46

2.3 Crise do capital excedente e as alternativas capitalistas às manifestações da crise ........... 57

3 INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL NO CAPITALISMO MONOPOLISTA:


condições originárias e de desenvolvimento ..................................................................... 64

3.1 A produção fordista e a crise do capital: condições originárias da industrialização cultural


no imperialismo clássico ..................................................................................................... 64

3.2 A ampliação do mercado de consumo de massa: condições para o desenvolvimento da


industrialização cultural no capitalismo tardio ..................................................................... 82

4 ENTRE O PARASITISMO E A NECESSIDADE DE CONSUMO NA


INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL ........................................................................ 95

4.1 Atividades improdutivas parasitárias x necessárias: as campanhas de vendas e os serviços


artísticos humanistas ............................................................................................................ 96

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 112


REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 115
14

1 INTRODUÇÃO

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.


E examinai, sobretudo, o que parece habitual
(Bertolt Brecht).

Este estudo trata das origens da industrialização cultural e tem como objetivo
analisar as determinações econômicas que possibilitaram o seu surgimento a partir de
uma pesquisa teórica, de natureza qualitativa, com bibliografias que versam sobre as
principais tendências do capitalismo monopolista.
A predileção por pesquisar as determinações econômicas das origens da
industrialização cultural no capitalismo monopolista, especialmente, em obras que se
aproximam da crítica da economia política, se reveste de motivações acadêmicas,
profissionais, políticas, assim como teóricas e práticas. Partimos do entendimento,
primeiramente, de que este objeto de pesquisa é duplamente relevante para o Serviço
Social: como área de conhecimento e profissão.
Essas duas dimensões foram bem tratadas por Mota (2013) ao discutir sobre a
particularidade do Serviço Social brasileiro de ter se constituído, também, como uma
área de produção de conhecimento em meados da década de 1980 – quando a profissão,
no seu movimento de intencionar romper com Serviço Serviço tradicional, transita da
vertente estrutural-funcionalista para as vertentes histórico-críticas, construindo uma
ampla massa crítica no curso do desenvolvimento da pós-graduação na referida área.
Concordamos com a autora quando revela que há uma unidade entre a dimensão
da área de conhecimento e da profissão, mas não necessariamente uma identidade. Com
isso, não se trata de afirmar uma distinção entre teoria e prática. Noutro sentido,
significa tão somente o reconhecimento de “patamares diferenciados da intervenção
social do Serviço Social” (idem, p. 19), pois

[...] enquanto a produção teórico-intelectiva pode não materializar


respostas imediatas às demandas da prática profissional, o exercício
profissional, também ele referenciado por aquela produção, mobiliza
outras mediações e instrumentalizações que são inerentes ao mundo
do cotidiano, das ações institucionais e das condições objetivas sob as
quais se dá a efetivação de políticas e projetos sociais (MOTA, 2013,
p. 19, grifos nossos).
15

Existem, portanto, especificidades em cada uma dessas dimensões que são


próprias ao seu universo. Em contrapartida, como elas expressam uma unidade, ainda
que determinadas produções do conhecimento não respondam imediatamente às
demandas da prática profissional, elas se constituem como necessárias no âmbito da
formação do assistente social, sendo capazes de refletir no seu trabalho. Evidentemente,
essa incidência no exercício da profissão não ocorre de maneira instantânea, mas como
processo formativo mediato que provoca ao longo da formação, apoiada no tripé ensino,
pesquisa e extensão, o desenvolvimento da capacidade crítica, investigativa e analítica
para conhecer a realidade social na qual se vive e atua profissionalmente.
Nesse sentido, este estudo das origens da industrialização cultural, à primeira
vista, pode parecer longínquo do Serviço Social. Mas, se olharmos profundamente, as
categorias que se conectam a este objeto de pesquisa – ainda que se remetam às suas
raízes em séculos anteriores – tentam explicar fenômenos atuais da vida social
contemporânea. Destarte, ele se insere, dentro da formação profissional, no núcleo de
fundamentos teórico-metodológicos da vida social, contido nas Diretrizes Curriculares
da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, que objetiva “uma
compreensão do ser social, historicamente situado no processo de constituição e
desenvolvimento da sociedade burguesa” (ABEPSS, 1996, p. 10).
Logo, as origens da industrialização cultural se relacionam com o estudo da
sociedade burguesa, estabelecendo articulações com a análise do capitalismo
monopolista, particularmente, do processo de concentração e centralização de capital,
das crises econômicas, das campanhas de vendas, com os seus estímulos à venda e ao
consumo, e, paralelamente, da impossibilidade de consumir os meios de subsistência
necessários. Todos esses elementos fazem parte do cotidiano dos seres sociais e, por
isso, precisam ser submetidos ao exame da crítica dentro do Serviço Social.
Em relação às produções sobre essa temática no âmbito das pós-graduações em
Serviço Social, ao nos reportarmos ao Catálogo de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foi possível
visualizar que a industrialização cultural não é um tema desconhecido nesse espaço,
mas ainda é pouco discutido.
Foram identificados alguns trabalhos publicados na última década que
abordaram a categoria “indústria cultural” referenciando Adorno e Horkheimer, embora
de maneira transversal para analisar distintos objetos de pesquisa, sem direcionar a
pesquisa para essa temática em específico, a saber: as teses de doutorado de Kropf
16

(2017), Murad (2016) e Jorge (2013), assim como as dissertações de mestrado de Silva
(2015), Melo (2015), Lima (2014), Santos (2014) e Pimentel (2014).
O conjunto desses trabalhos localizou-se nos Programas de Pós-Graduações em
Serviço Social de quatro universidades: 1) Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), na área de concentração Cultura, Cidadania e Serviço Social; 2) Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), na área de concentração Questão Social, Território,
Política Social e Serviço Social; 3) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP), na área de concentração Trabalho e Sociedade; 4) Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), na área de concentração Serviço Social, Trabalho e
Questão Social.
Já nas demais áreas das ciências sociais aplicadas e ciências humanas e sociais, a
categoria “indústria cultural” apresentou uma vasta literatura, sobretudo no campo da
sociologia, filosofia, antropologia, artes cênicas, educação, psicologia, administração,
comunicação social e economia. Nesse amplo arsenal de produções científicas, destaca-
se a tese de doutorado em Economia de Bolaño (1998) intitulada Capital, Estado,
Indústria Cultural, que se mostrou próxima dos caminhos investigativos adotados neste
estudo.
Além das motivações acadêmicas e profissionais, há, ainda, uma motivação
política para investigar o objeto de pesquisa proposto. Como se sabe, o conhecimento
não se constrói neutro, desvinculado do modo de ser e estar no mundo daqueles que o
produzem. Ele não é fruto de uma abstração independente, mas é criado por seres
sociais reais, pertencentes a uma sociedade específica. Esta última, por sua vez, é
repleta de contradições e embates entre as classes sociais que convivem com interesses
distintos.
Para uns, a sociedade capitalista os beneficia, para tantos outros, é o seu algoz.
Nesse meio, nós, como pesquisadores, não estamos numa ilha deserta e não somos uma
tabula rasa. Na verdade, como seres sociais, carregamos conosco, diante da nossa
relação com a realidade, vivências e visões de mundo que podem estar em consonância
com a afirmação ou negação do atual modo de organização material da vida social.
No nosso caso, trata-se de uma perspectiva de negação que decorre de uma
construção de visões de mundo tanto por meio do contato teórico e prático com a
realidade social dos trabalhadores e de suas famílias ao longo da formação profissional
em Serviço Social, quanto a partir da nossa própria realidade e daqueles que estão à
nossa volta, os quais, de diferentes formas, também são atingidos pelas desigualdades
17

econômicas e sociais cotidianamente. Fazemos, assim, parte da grande parcela dos


despossuídos. Ou seja, da grande massa de trabalhadores disponíveis ao trabalho
assalariado que, para se reproduzir, precisa vender a sua força de trabalho em um
mercado instável, cuja lógica de funcionamento, determinada pelo modo de produção e
reprodução de capitais, impede a absorção da totalidade dos trabalhadores aptos ao
trabalho.
Nesse sentido, se temos alguma possibilidade de realizar nossa investigação,
sobretudo no contexto econômico e político brasileiro de desemprego, aumento do custo
de vida e cortes nas bolsas de incentivo à pesquisa das universidades públicas, deve-se
aos recursos públicos que restaram no nosso Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social (PPGSS). Recursos esses advindos, materialmente, da riqueza social gerada pelo
trabalho produtivo da classe trabalhadora deste país – para quem devemos retorno na
forma de conhecimento – e, politicamente, das lutas sociais pela valorização da pesquisa
pública de qualidade.
Diante desse universo de condicionalidades, nos motiva a construção de um
conhecimento que desvele a estrutura e superestrutura que comportam a vida social e,
ao mesmo tempo, aponte para a classe trabalhadora o horizonte de uma nova forma de
produção e reprodução social. Optamos, neste estudo, pelo referencial teórico-
metodológico pautado na teoria social de Marx por considerarmos dois aspectos
fundamentais.
O primeiro aspecto é a sua atualidade na análise das causas dos fenômenos
sociais contemporâneos por meio da sua contribuição científica no âmbito da crítica da
economia política. E, o segundo, é a direção política voltada à construção de uma
sociedade que consiga responder, efetivamente, as necessidades dos produtores de
riqueza social: os trabalhadores e as trabalhadoras.
Em relação ao referencial teórico-metodológico, nos norteamos, portanto, à luz
do materialismo histórico dialético, concebendo a realidade social como histórica,
contraditória e em constante movimento, para analisar as condições econômicas das
origens da industrialização cultural. Com efeito, identificamos, a partir dessa realidade,
a conexão do nosso objeto de estudo com a base estruturante das relações sociais, no
sentido de apreender o seu surgimento para além de uma expressão única da razão
humana.
Isso porque consideramos que o modo como se organiza a produção da vida
material, atualmente em sua fase monopolista, condiciona de forma primária as demais
18

esferas da vida social: política, jurídica e, também, cultural. É um condicionamento


primário, na medida em que a reprodução da existência dos seres humanos depende,
fundamentalmente, da produção material.
Nossos esforços teórico-metodológicos estiveram centrados em reproduzir no
plano ideal o movimento real do objeto de pesquisa. Conforme Netto (2011), quanto
mais fiel o pesquisador for a esse movimento, mais verdadeira será a construção do
conhecimento teórico, pois sua verdade está na prática social e histórica. Contudo, tal
reprodução não se constitui como descrição sistemática do que está sendo observado.
Ao contrário, considerando a distinção entre aparência e essência, consiste em
transitar da dimensão mais imediata apresentada por um fenômeno social até a sua
essência, em suas estrutura e dinâmica concretas. Esse trânsito, como o leitor poderá
perceber ao longo do texto, não se dá rapidamente e acontece de forma paulatina,
conforme o pesquisador for se aproximando continuamente do objeto de estudo. Por
isso mesmo,

[...] começa-se “pelo real e pelo concreto”, que aparecem como dados;
pela análise, um e outro elementos são abstraídos e, progressivamente,
com o avanço da análise chega-se a conceitos, a abstrações que
remetem a determinações as mais simples. [...] depois de alcançar
aquelas “determinações mais simples”, “teríamos que voltar a fazer a
viagem de modo inverso, [...] mas desta vez não como uma
representação caótica de um todo, porém como uma rica totalidade de
determinações e relações diversas” (NETTO, 2011, p. 42-43, grifo do
autor).

Para capturar esse conjunto de determinações e relações diversas do nosso objeto


de estudo, realizamos uma pesquisa teórica de natureza qualitativa, recorrendo a
bibliografias previamente selecionadas. O critério de seleção bibliográfica consistiu nos
avanços teóricos obtidos, dentro do campo da crítica da economia política, sobre a
conformação do capitalismo monopolista e suas principais tendências.
Trata-se, então, de uma pesquisa bibliográfica com fonte material em obras
literárias. E, quanto aos seus objetivos, assume a tipologia explicativa, que tem como
“preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a
ocorrência dos fenômenos” (GIL, 2002, p. 42). No nosso caso, permitiu identificar e
analisar os elementos econômicos que possibilitaram o surgimento da industrialização
cultural na etapa monopolista do capital.
19

Após a seleção das obras literárias, recorremos à etapa de coleta e produção de


dados, utilizando como instrumento um roteiro de leitura organizado a partir dos
seguintes eixos investigativos: 1) Modo de Produção Capitalista; 2) Transição do
capitalismo concorrencial ao monopolista; 3) Superprodução e superacumulação; 4)
Excedente econômico; 5) Atividades improdutivas parasitárias; 6) Fordismo; 7)
Campanhas de vendas; e 8) Meios de comunicação.
O roteiro de leitura foi preenchido conforme as leituras foram se concretizando.
Inicialmente, realizamos uma leitura reflexiva das obras selecionadas a fim de
sistematizar as informações encontradas e apreender o pensamento dos autores. Em
seguida, executamos a leitura interpretativa, buscando visualizar as relações entre os
conteúdos filtrados das obras, de acordo com os eixos acima elencados, e o nosso
problema de pesquisa. Ao final, considerando os dados obtidos e o conjunto de suas
reflexões e interpretações, construímos nossas sínteses e fizemos a exposição em
capítulos, apresentando os resultados a que chegamos com este estudo.
Como principais categorias, trabalhamos com o capitalismo monopolista e o
excedente econômico. Em relação à primeira categoria, nosso trato analítico se pautou
no pensamento de Marx sobre o fundamento histórico e a lei geral de acumulação do
capital como tendência explicativa da transição do capitalismo concorrencial ao
monopolista e da origem de um excedente crescente.
Ademais, utilizamos a contribuição de Lenin no estudo do processo de
exportação de capitais excedentes que se inicia, mais fortemente, no final do século
XIX, acompanhado da concorrência internacional entre as empresas e, de forma mais
ampla, entre as potências imperialistas na disputa pelo controle dos mercados no cenário
mundial. Recorremos, ainda, ao pensamento de Mandel acerca da concentração e
centralização internacional de capital e das suas análises sobre as particularidades e
contradições do capitalismo monopolista durante o pós-guerra.
Na categoria excedente econômico, de forma mais específica, tomamos como
base as análises de Marx, Mandel, Netto e Braz para descortinar a sua criação no âmbito
da produção e, também, as contribuições de Baran e Sweezy no debate das suas formas
de alocação na esfera da circulação, concebendo o modo de absorção de excedente
como “o indispensável mecanismo que liga a base econômica da sociedade com o que
os marxistas chamam de sua superestrutura política, cultural e ideológica” (BARAN;
SWEEZY, 1978, p. 17).
20

Seguindo o referencial teórico-metodológico adotado, surgiram inquietações


teóricas e práticas em torno do nosso objeto de pesquisa. É fato que a industrialização
cultural faz parte da realidade atual do século XXI, envolvendo a economia, a política e
a cultura. No entanto, a sua origem e, portanto, o seu estudo, não aparecem nos dias de
hoje. A sua investigação, por exemplo, remonta ao século XX, durante o segundo pós-
guerra, com a contribuição dos filósofos alemães da Escola de Frankfurt, Theodor
Adorno e Max Horkheimer. Eles abordaram a categoria “indústria cultural” pela
primeira vez na obra Dialética do esclarecimento, publicada em 1947. Dentro dela,
dedicaram-se a essa temática em um fragmento filosófico intitulado A indústria
cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, cujo significado da indústria
cultural apresenta-se de forma particular.
No geral, o fio condutor do estudo de Dialética do esclarecimento é uma crítica
à crise da razão contemporânea, tendo como objeto de investigação a autodestruição do
esclarecimento. O esclarecimento2, para esses autores, é algo positivo e negativo. Isso
porque ao mesmo tempo em que permite aos seres humanos progredirem ao se
libertarem do conhecimento mítico sobre o mundo por meio dos avanços científicos, ele
também opera uma regressão a uma racionalidade mistificadora que elimina o
pensamento crítico. Trata-se de uma crítica ao avanço e, simultaneamente, o retrocesso
à razão instrumental, na medida em que esta última estaria suprimindo a reflexão e a
criticidade e enaltecendo o cálculo, o método e a técnica voltados a um fim útil: o
capital.
Nessa crítica, a especificidade da origem da “indústria cultural” aparece
expressando a crise da razão contemporânea marcada pela ascensão da razão
instrumental e dominadora em detrimento da razão crítica e emancipatória. A razão
instrumental é visualizada na produção em série de produtos culturais, a exemplo de

2
Refere-se à Aufklärung, cuja tradução é esclarecimento, iluminismo ou ilustração. Em algumas
traduções, como a de Julia Elisabeth Levy, recorre-se ao termo iluminismo e o fragmento filosófico se
apresenta sob o título A indústria cultural – o Iluminismo como mistificação das massas. No nosso texto,
utilizamos a tradução de Guido Antonio de Almeida, pois concordamos com a concepção do tradutor.
Para ele, o termo expresso em Dialética do esclarecimento é usado para se remeter ao “processo de
“desencantamento do mundo”, pelo qual as pessoas se libertam do medo de uma natureza desconhecida”.
Portanto, “o esclarecimento de que falam não é, como o iluminismo, ou a ilustração, um movimento
filosófico ou uma época histórica determinados, mas [...] o processo de racionalização que prossegue na
filosofia e na ciência.” (1985, p. 07-08). Nesse sentido, se tivéssemos adotado a tradução literal de Julia
Elisabeth Levy, incorreríamos no erro fatal de seguir a perspectiva de que esses frankfurtianos seriam
anti-iluministas. Apesar de não se enquadrarem automaticamente nesse rol – discussão que pode ser
encontrada em Rouanet (1987) –, é notória a presença de elementos irracionalistas nos seus escritos.
Certamente, isso guarda conexões com o momento histórico da construção do pensamento desses autores,
acompanhado das influências pessimistas e irracionalistas da filosofia clássica alemã no século XX.
21

filmes e músicas, e na sua reprodução pelos meios de comunicação com a finalidade de


obter lucro.
Mas, para Adorno e Horkheimer (1985), a “indústria cultural”, além de ser uma
produção em série de mercadorias culturais semelhantes, provoca, ainda, o efeito social
de padronização de ideias, predileções e hábitos de consumo, possuindo uma
funcionalidade à economia. Essa função econômica, por sua vez, está na capacidade
técnica3 da indústria cultural de controlar, manipular e integrar a consciência dos
indivíduos na sociedade capitalista, por meio daquela padronização. Para os
frankfurtianos, “Quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez registrado em
sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o
participante da reforma agrária ao capitalismo” (idem, p. 108).
Nesse sentido, sua análise acabou desaguando no pessimismo em relação às
possibilidades de resistência popular capazes de alcançar uma razão crítica
emancipatória e suprimir a dominação do homem pelo homem na sociedade capitalista
administrada – o que lhes renderam sérias polêmicas pela propagação de um
imobilismo. Em razão disso, tanto o filósofo húngaro Mészáros (2004) quanto o
economista belga Mandel (1982) desenvolveram críticas a esse pensamento. Mandel
(1982), particularmente, criticou, em sua obra O capitalismo tardio, com primeira
versão em 1972, a crença na onipotência da tecnologia como forma específica da
ideologia burguesa no capitalismo tardio, decorrente do processo de decadência
ideológica. A seu ver,

[...] um profundo pessimismo em relação à cultura e à civilização e


uma misantropia fundamental servem de suporte auxiliar à ideologia
da “racionalidade técnica” em sua justificativa global da ordem
social vigente. [...] a suposta “integração” da classe operária à
sociedade capitalista depara-se inevitavelmente com uma barreira
intransponível – a incapacidade que tem o capital de “integrar” o
trabalhador como produtor em seu local de trabalho e proporcionar-
lhe um trabalho criativo, ao invés do trabalho alienado, como meio de
“auto-realização”. Os acontecimentos na Europa e fora dela desde a
rebelião francesa de maio de 1968 demonstraram isso plenamente. [...]
Os filósofos que se tornam vítimas do fetichismo da tecnologia e
superestimam a capacidade que tem o capitalismo tardio de conseguir

3
Em termos de causa e efeito, a causa do efeito social da padronização e do controle exercido, para esses
autores, localiza-se na razão instrumental contida na indústria cultural, que pode ser visualizada no
fordismo. No entanto, notamos que o fordismo é concebido por eles muito mais como um método
organizacional de produção do que criação e acumulação de mais-valia relativa situadas numa
determinada fase do desenvolvimento das forças produtivas.
22

a integração das massas se esquecem, de maneira característica, da


contradição fundamental entre valor de uso e valor de troca, que
dilacera o capitalismo, quando tentam prover a impossibilidade de
resistência popular à ordem social vigente (MANDEL, 1982, p. 354-
356, grifos nossos).

De fato, o pessimismo e a ênfase à racionalidade técnica estão presentes no trato


analítico da indústria cultural em Adorno e Horkheimer (1985), havendo um
superdimensionamento do poder das técnicas de produção e difusão das mercadorias
culturais de exercer controle, manipular e integrar as massas ao capitalismo, como
apontamos anteriormente. A conclusão a que se chega é a impossibilidade do indivíduo
resistir e se libertar4 do poder de manipulação ideológica da indústria cultural.
Percebe-se que, nessa abordagem, existe uma ausência de análises sobre as
determinações da origem da indústria cultural a partir das particularidades e
contradições do desenvolvimento da economia capitalista. Incluindo aí, como outrora
indicou Mandel (1982), a contradição entre valor de uso e valor de troca, como algo
que impede a “integração” das massas e pode incitar formas de enfrentamento popular.
Para ele, essa contradição aparece de maneira mais visível e contínua no capitalismo
tardio, relacionando-se com o que ele chamou de industrialização generalizada
universal atingindo a esfera da reprodução social na forma de serviços, devido o
processo de superacumulação e supercapitalização de capitais excedentes que exigem
novos investimentos.
Com essa contradição, Mandel destacou os danos à existência humana. Trata-se
do fato, já identificado por Marx, de que “[...] o capital só poderia desenvolver-se (e
desenvolver as forças produtivas) saqueando simultaneamente as fontes da riqueza
humana, da terra e do trabalho” (MANDEL, 1982, p. 403). No capitalismo tardio, a
contradição entre valor de uso e valor de troca “encontrou sua forma de expressão mais

4
No texto Tempo livre, de 1969, o indivíduo não aparece mais inteiramente integrado à sociedade.
Segundo Adorno (2016, p. 69-70): “as pessoas aceitam e consomem o que a indústria cultural lhes
oferece para o tempo livre, mas com um tipo de reserva, de forma semelhante à maneira como mesmo os
mais ingênuos não consideram reais os episódios oferecidos pelo teatro e pelo cinema. [...] É evidente que
ainda não se alcançou inteiramente a integração da consciência e do tempo livre. Os interesses reais do
indivíduo ainda são suficientemente fortes para, dentro de certos limites, resistir à apreensão [Sfassung]
total. Isto coincidiria com o prognóstico social, segundo o qual, uma sociedade, cujas contradições
fundamentais permanecem inalteradas, também não poderia ser totalmente integrada pela consciência. A
coisa não funciona assim tão sem dificuldades, e menos no tempo livre, que, sem dúvida, envolve as
pessoas, mas, segundo seu próprio conceito, não pode envolvê-las completamente sem que isso fosse
demasiado para elas. Renuncio a esboçar as consequências disso; penso, porém, que se vislumbra aí uma
chance de emancipação que poderia, enfim, contribuir algum dia com a sua parte para que o tempo livre
[Freizeit] se transforme em liberdade [Freizeit]”.
23

dramática na produção em massa de meios de destruição”. E, também, no


“estabelecimento de prioridades públicas por pequenas facções da classe dominante”,
capaz de gerar um “desperdício adicional de recursos materiais”, uma vez que “na
estrutura do modo de produção capitalista, esses projetos sempre serão marginais”
(idem, p. 403-404).
Uma expressão desse último aspecto é o avanço das privatizações diretas e
indiretas (parcerias público-privadas) – movido por aquele processo de
superacumulação e supercapitalização de capitais excedentes – de forma mais intensa,
por exemplo, nos setores da educação, da saúde, da previdência etc. Todos eles têm
convivido, historicamente, com uma incapacidade de atender as necessidades
socialmente úteis da sociedade de maneira universal e com qualidade, fazendo parte, até
hoje, da agenda de lutas do conjunto dos trabalhadores. Desse modo, do ponto de vista
do valor de uso para a reprodução humana, eles se constituem como forma de
desperdício de recursos materiais, como ocorrem, também, com a produção de armas
nucleares, as campanhas de vendas e as campanhas políticas via financiamento estatal
ou empresarial.
Em Dialética do esclarecimento, a contradição entre valor de uso e valor de
troca também é identificada por Adorno e Horkheimer (1985) no produto cultural da
indústria cultural, sobretudo dentro da crítica à sua conversão em mercadoria e ao seu
entrelaçamento com a propaganda, seja ela comercial ou política. Para eles, a primazia
do valor de troca afasta o produto cultural de sua utilidade à humanidade enquanto meio
de fomentar o pensamento crítico e livre.
Contudo, há uma diferença aqui. Se, para Mandel, a contradição entre valor de
uso e valor de troca, a partir da crítica da economia política, é capaz de incitar
resistência popular e gerar movimento, para os frankfurtianos – que enfatizam a
manipulação e localizam os embates no plano da razão humana – essa contradição
aprisiona a consciência e gera um imobilismo, integrando os indivíduos na sociedade
capitalista.
A ausência, portanto, de um conjunto de determinações materiais próprias do
capitalismo monopolista, no trato analítico de Adorno e Horkheimer sobre a indústria
cultural, nos provocou o seguinte questionamento: superando essa ausência, como
surge a industrialização cultural? É importante destacarmos que, no pensamento dos
frankfurtianos, a ausência de análises que considerem as contradições da estrutura
econômica de nossa sociedade, assim como a presença de uma subestimação da
24

capacidade de resistência popular devem-se, em grande medida, à forma como o


marxismo ocidental se configurou no século XX.
Segundo Anderson (1984), há pelo menos três características principais do
marxismo ocidental. A primeira é a ênfase nas questões de método e estudos no campo
da estética, especialmente da arte e da ideologia. A segunda é a separação entre teoria e
prática política. A teoria começa a se afastar da prática política 5, deslocando-se dos
sindicatos e partidos políticos para, apenas, os institutos de pesquisa e departamentos
universitários.
A Escola de Frankfurt, fundada em 1924 com a criação do Instituto de Pesquisa
Social, marca esse deslocamento e a consequência disso foi, engendrando a terceira
característica do marxismo ocidental, uma “alteração do foco intelectual”. Nesse
sentido, “Enquanto Marx em seus estudos mudou sucessivamente da filosofia para a
política e desta para a economia, o marxismo ocidental inverteu sua rota”, havendo uma
“revivescência do discurso filosófico adequado” (ANDERSON, 1984, p. 19). Ele
retomou legados filosóficos anteriores a Marx, sobretudo o pensamento de Hegel, Kant,
Espinosa, Kierkegaard e Schelling (idem).
A leitura marxiana realizada pelos integrantes da Escola de Frankfurt esteve
mais concentrada em obras do jovem Marx como, por exemplo, os Manuscritos
econômico-filosóficos, de 1844. As Teses sobre Feuerbach, publicada em 1845,
aparece, curiosamente, dentro de um ensaio de autoria de Adorno chamado Crítica
cultural e sociedade, escrito em 1949 e publicado em 1955 no livro Prismas. Porém, ao
invés de incorporá-la em suas análises, o autor demonstra recusa à crítica ao
pensamento de Ludwig Feuerbach no momento em que empreende críticas à Alemanha
Nazista de Hitler e à União Soviética de Stalin 6.
Como se pode observar, os escritos sobre a indústria cultural surgem na Escola
de Frankfurt em meio à retomada da filosofia clássica alemã, com a particularidade da
ausência de análises que desvele a estrutura econômica no âmbito da crítica da
economia política. Isso ocorre, entretanto, sem negar a existência da determinação da
economia capitalista. Em alguns momentos, os filósofos alemães ainda chegam a

5
Com exceção da teoria produzida pelos fundadores do marxismo ocidental: Lukács, Korsch e Gramsci,
os quais continuavam vinculados ao movimento popular e, portanto, nos termos de Anderson (1984), não
se inserem nessa separação entre teoria e prática política.
6
Nos termos de Adorno (1998, p. 20), “Desde que toda associação político-econômica avançada passou a
considerar óbvio e evidente que o que importa é modificar o mundo, e que é bobagem ficar interpretando-
o, tornou-se difícil simplesmente invocar as Teses contra Feuerbach. A dialética inclui também a relação
entre ação e contemplação”.
25

sinalizar uma relação com o processo de concentração de capital internacional, apesar


de não terem aprofundado esse debate, como indicam os trechos a seguir:

Não é à toa que o sistema da indústria cultural provém dos países


industriais liberais, e é neles que triunfam todos os seus meios
característicos, sobretudo o cinema, o rádio, o jazz e as revistas. É
verdade que seu projeto teve origem nas leis universais do capital.
Gaumont e Pathé, Ullstein e Hugenberg7 conheceram o sucesso
seguindo a tendência internacional; a dependência econômica em face
dos Estados Unidos, em que se encontrou o continente europeu depois
da guerra e da inflação, teve uma parte nesse processo. A crença de
que a barbárie da indústria cultural é uma consequência do cultural
lag, do atraso da consciência norte-americana relativamente ao
desenvolvimento da técnica, é profundamente ilusória. Atrasada
relativamente à tendência ao monopólio cultural estava a Europa pré-
fascista. Mas era exatamente esse atraso que deixava ao espírito um
resto de autonomia e assegurava a seus últimos representantes a
possibilidade de existir ainda que oprimidos (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 109, grifo nosso).

E acrescenta, também, noutro texto:

Do ponto de vista econômico, eles [os promotores da indústria


cultural] estavam à procura de novas possibilidades de aplicação de
capital em países mais desenvolvidos. As antigas possibilidades
tornam-se cada vez mais precárias devido a esse mesmo processo de
concentração, que por seu turno só torna possível a indústria cultural
enquanto instituição poderosa (ADORNO, 1978, p. 288, grifo nosso).

Por não terem desenvolvido os caminhos analíticos acima sinalizados, torna-se


relevante resgatá-los neste estudo, fornecendo elementos que recuperam o fundamento
estrutural e a processualidade histórica das origens da “indústria cultural” como
processo, ou seja, as origens da industrialização cultural. É preciso ampliar o seu escopo
explicativo, tratando de não considerar a razão instrumental 8 como elemento
fundamental da expansão de produtos culturais dessa indústria. Mas, noutra direção,
recuperar as determinações materiais as quais possibilitaram, no curso da história, o
surgimento da industrialização cultural. Esta última aparece comportando as campanhas
de vendas e, também, o cinema, com origem na França em 1895, como uma das grandes
invenções e principais formas de arte dos séculos XX e XXI.

7
Empresas europeias dos ramos cinematográfico, editorial e publicitário.
8
Embora a análise frankfurtiana esteja se referindo à razão instrumental capitalista que, de fato, é uma
razão acrítica e não-emancipatória, ela acaba se transformando numa aversão à razão instrumental em si –
que é necessária ao desenvolvimento das forças produtivas para satisfazer as necessidades humanas.
26

Como havia afirmado Marx (2008), a arte está ligada a certas formas de
desenvolvimento social e pressupõe a existência de condições sociais para o seu
florescimento, no processo de interação do homem com a natureza. A arte grega, por
exemplo, é compatível com a mitologia grega, ou seja, com uma determinada
concepção da natureza e das relações sociais que, por seu turno, desenvolveram-se a
partir de possibilidades derivadas do patamar de desenvolvimento das forças produtivas.
Por isso, questiona Marx (2008, p. 270-271): “A concepção da natureza e das
relações sociais, que se acham no fundo da imaginação grega, e portanto da arte grega, é
por acaso compatível com as máquinas automáticas, as estradas de ferro, as locomotivas
e o telégrafo elétrico?”. Ao final do parágrafo, ele conclui: “A arte grega não podia
surgir, em nenhum caso, em uma sociedade que exclui toda relação mitológica com a
natureza” (idem).
A reflexão de Marx nos permite pensar que, no nosso tempo, ainda que seja
possível apreciar a arte grega, surgiram novas formas artísticas e culturais hegemônicas.
O cinema, que tem atingido um público mais amplo, é uma delas. A sua existência
pressupõe uma nova forma de interação do homem com a natureza que corresponde a
certo nível de desenvolvimento das forças produtivas. Noutra forma de sociedade, esse
desenvolvimento tem ocorrido dentro de um modo de organização da vida material
orientado, primariamente, para a produção e reprodução de capitais.
Logo, partimos do pressuposto de que a industrialização cultural, como produto
da nossa época histórica, se realiza em uma estrutura fruto do trabalho produtivo
(aparelhagem técnica para comunicação e toda a infraestrutura que possibilita os
serviços), indicando o nível de desenvolvimento das forças produtivas. Ao mesmo
tempo, configura-se como uma alternativa de absorção de excedente econômico pelos
setores que empregam trabalho improdutivo, com a particularidade de que, neles, estão
presentes as atividades improdutivas necessárias (atividades artísticas e culturais) e as
improdutivas parasitárias (campanhas de vendas).
Com efeito, a industrialização cultural surge tendo como pano de fundo a
organização do processo trabalho em bases fordistas, as crises de superprodução e
superacumulação, a expansão do setor de serviços, o avanço dos meios de comunicação
e o crescimento das campanhas de vendas. Considerando todos esses aspectos, que
formam um todo articulado, estabelecemos três objetivos específicos para esta pesquisa:
i) Apreender os fundamentos do excedente econômico e da crise na transição da
fase concorrencial para a monopolista.
27

ii) Analisar o fordismo como processo de trabalho e produção de mais-valia


relativa na constituição da industrialização cultural.
iii) Investigar qual é a funcionalidade da industrialização cultural para a
reprodução de capital, com foco nas campanhas de vendas.
Esses caminhos de investigação expressam inquietações que surgiram ao longo
do primeiro ano do mestrado e se somam aquelas que se originaram no trabalho
monográfico realizado no âmbito da Faculdade de Serviço Social (FASSO) da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Naquela ocasião, analisamos
como um produto cultural da indústria cultural influencia os hábitos de consumo na
infância.
Mas, já em nossas análises iniciais, surgia a necessidade de apontar os elementos
que permitiram o surgimento da industrialização cultural para, em seguida, analisar a
sua influência no consumo infantil. Ao aponta-los no referido trabalho, os meios de
comunicação apareceram como insuficientes para engendrá-la. No fundo, o avanço de
uma economia baseada numa produção massificada de bens no capitalismo
monopolista, assim como o surgimento de uma cultura de consumo particular se
mostraram como determinantes, o que não significa dizer que os meios de comunicação
não tiveram o seu papel.
Neste estudo, se nos remetermos, em algum momento, ao termo “indústria
cultural” não estaremos nos referindo ao significado atribuído por Adorno e Horkheimer
em Dialética do esclarecimento. De modo distinto, tentaremos recuperar as suas origens
dentro do processo de constituição e desenvolvimento do capitalismo monopolista,
concebendo-a como processo: o processo de industrialização cultural.
Por isso, pedimos ao leitor paciência no decorrer da leitura, pois a nossa
aproximação ao objeto de estudo é gradual. Ao final, ensejamos que as reflexões
realizadas, ao atingirem parcialmente o todo, sejam apreendidas, contribuindo para
provocar novas reflexões no leitor.

1.1 A indústria cultural em Adorno e Horkheimer: da razão instrumental ao


fundamento econômico
28

A indústria cultural como fenômeno social foi analisada por Theodor Adorno e
Max Horkheimer, pensadores da Escola de Frankfurt9, aparecendo pela primeira vez no
livro Dialética do Esclarecimento, em 1947. A obra, contudo, não tratou de um estudo
pormenorizado do processo de industrialização cultural, em sua constituição e
desenvolvimento. Na sua essência, ocupou-se de uma crítica à razão contemporânea e à
sociedade que a acompanha, tendo como objetivo primário de investigação, no geral, a
autodestruição do esclarecimento. Logo, a discussão da indústria cultural e, de modo
semelhante, as reflexões sobre o antissemitismo 10, se inserem nessa crítica mais ampla
enquanto elementos que estariam respaldando a regressão do esclarecimento.
No decorrer de seus escritos, os autores mostram que o processo de libertação do
homem em relação aos mitos possui um movimento contraditório entre o positivo e o
negativo, cujo elemento predominante é o negativo. Na busca pela superação das
superstições, que aparece de maneira explícita na racionalização da ciência e da
filosofia, eles identificam uma tendência de regressão às mistificações. Seguramente,
para esses filósofos, tal busca é visualizada como algo positivo 11 quando dá
credibilidade à razão, especialmente durante a ascensão do Iluminismo no século XVIII.
O problema identificado por eles, entretanto, está no fato de que “o conceito
desse pensamento [esclarecedor], tanto quanto as formas históricas concretas, as
instituições da sociedade com as quais está entrelaçado, contém o germe para a
regressão que hoje tem lugar por toda parte”. (idem, p. 13, grifo nosso). Para eles, ao
tornar-se pragmatizado, o pensamento esclarecido surge imbricado com uma forma
específica de sociedade – capitalista –, sem espaço para reflexão crítica e autocrítica dos
seus elementos destrutivos que impedem o progresso. Dessa forma, tende a ser
regressivo e indisposto à busca da verdade. Noutros termos, ao não ser conduzido por

9
A Escola de Frankfurt foi formada por um conjunto de pensadores, no século XX, de diferentes áreas do
conhecimento – filosofia, economia, direito, sociologia e psicanálise –, dentre os quais se destacam:
Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Leo Löwenthal, Friedrich
Pollock, Jürgen Habermas e Erich Fromm, com suas diversas particularidades que os fazem ser
teoricamente e politicamente distintos. Inicialmente, na sua gênese, havia o objetivo de construir um
programa de pesquisa interdisciplinar de viés marxista. No geral, essa Escola é conhecida por elaborar
uma Teoria Crítica da Sociedade. Para uma análise crítica de suas contribuições e lacunas, consultar:
SLATER, Phil. Origem e significado da Escola de Frankfurt: uma perspectiva marxista. Tradução de
Alberto Oliva. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
10
Estamos nos referindo ao fragmento filosófico intitulado Elementos do antissemitismo: limites do
esclarecimento, que também compõe a obra citada.
11
Nas suas palavras: “Não alimentamos dúvida nenhuma – e nisso reside nossa petitio principii – de que
a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985,
p. 13).
29

uma razão crítica, mas tão somente por uma razão meramente instrumental, o
esclarecimento acabou subordinando os seres humanos a uma nova mistificação.
Se antes o homem era dominado pela natureza, agora ele aprofunda a sua
condição de dominação pelo próprio homem – dominação do homem pelo homem –,
em uma sociedade administrada e integrada, onde predomina o desenvolvimento da
técnica que, por sua vez, é controlada por aqueles que detêm o poder econômico. Nessa
sociedade, o pensamento crítico e o discernimento (razão crítica e emancipatória) cedem
a uma nova forma de saber expressa pelo cálculo e pela técnica voltados a um
determinado fim útil (razão instrumental e dominadora). Esse saber,

Do mesmo modo que está a serviço de todos os fins da economia


burguesa na fábrica e no campo de batalha, assim também está à
disposição dos empresários, não importa sua origem. [...] A técnica é a
essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer
do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o
capital. As múltiplas coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra
nada mais são do que instrumentos: o rádio, que é a imprensa
sublimada; o avião de caça, que é uma artilharia mais eficaz; o
controle remoto, que é uma bússola mais confiável. O que os homens
querem aprender da natureza é como empregá-la para dominar
completamente a ela e aos homens. Nada mais importa. Sem a menor
consideração consigo mesmo, o esclarecimento eliminou com seu
cautério o último resto de sua própria autoconsciência (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 18, grifos nossos).

Aqui se encontra o núcleo das análises dos frankfurtianos sobre a indústria


cultural, vista como expressão da dialética do esclarecimento, da razão contemporânea
que elimina a razão crítica e se torna instrumental para dominar a natureza e, também, o
próprio homem. A crítica realizada traz um descontentamento em torno da irrealização
das promessas emancipatórias da modernidade. Logo, a inquietação deles é “descobrir
por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se
afundando em uma nova espécie de barbárie” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.
11).
A barbárie é percebida por todos os lados, dentro de um contexto específico.
Lembremos que o pensamento desses autores se remete às primeiras décadas do século
XX, marcadas por uma série de acontecimentos catastróficos: as duas grandes Guerras
Mundiais (1914-1918; 1939-1945), os bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki
(1945), a propagação do antissemitismo e o avanço do fascismo acompanhado de sua
máquina de propaganda.
30

Ao mesmo tempo em que a barbárie é visualizada nesses episódios, eles


também a enxergam nos produtos culturais submetidos à razão instrumental. Para os
filósofos alemães, a indústria cultural consiste em uma dessas tragédias ocasionadas
pela ascensão da razão instrumental: a própria manipulação das pessoas sob o domínio
das técnicas de produção de produtos culturais que disseminam suas ideologias pelo
cinema, rádio e televisão nos marcos do século XX. Essa razão aparece presente tanto
na fábrica e no campo de batalha, quanto no conhecimento, na música, na literatura, no
cinema etc.
Nesse pensamento, a responsabilidade pelo não estabelecimento de um estado
verdadeiramente humano de liberdade e igualdade, em todas as esferas da vida social, é
atribuída à razão instrumental no marco do fracasso das promessas emancipatórias da
modernidade. Conforme enfatiza Netto (2000), essa perspectiva de responsabilização da
razão instrumental pela barbárie da sociedade moderna é problemática na medida em
que apaga o terreno no qual o projeto iluminista fincou suas raízes: a construção do
mundo burguês e as disputas que a envolvem.
O autor supracitado elucida que, nesse projeto, havia duas linhas de forças: 1)
vetor instrumental: diz respeito a uma defesa intransigente de um conhecimento do
mundo para controlá-lo e explorá-lo na obtenção de recursos e bens materiais que
pudessem aperfeiçoar as condições de reprodução social, sanando as carências
materiais; e 2) vetor emancipatório: refere-se à ideia da possibilidade de organizar a
sociedade, utilizando um conhecimento racional, para garantir autonomia e liberdade
aos seres sociais.
Na sua origem, chama-nos atenção Netto (2000) para o fato de que essas duas
linhas de forças do projeto iluminista não possuem, automaticamente, tendências
regressivas. Decerto, elas não se apresentam apenas como uma expressão dos interesses
individuais da burguesia. Expressam, além deles, os anseios da humanidade, inclusive
dos diversos trabalhadores que aspiravam construir uma nova ordem societária que não
fosse a feudal. Uma ordem social pautada na racionalidade crítica, contra o poder
absolutista, as desigualdades econômicas e sociais, e em defesa da autonomia dos
sujeitos, da ciência e da igualdade não somente formal, mas real.
Contudo, estava em curso um elemento determinante: um capital em expansão
que só se mantém na medida em que se expande. Nesse cenário de expansão do capital,
o vetor instrumental de controlar a natureza para explorá-la torna-se funcional à lógica
capitalista de acumulação. É essa lógica que incorpora o vetor instrumental e elimina os
31

elementos emancipatórios. No fundo, significa dizer que a razão instrumental não é


imediatamente uma razão de subordinação social. Ela se insere na construção da
sociedade burguesa, na sua lógica de acumulação e, determinada por ela, se torna
dominadora. Por isso, não se trata, automaticamente, de um problema da razão
instrumental que elimina a razão emancipatória12 como se os embates estivessem no
campo da razão. Na verdade, foram colisões de interesses e formas de desenvolvimento
sociomaterial que estavam em curso e em disputa (NETTO, 2000).
Nesse sentido, os desastres da sociedade moderna, como as guerras, o fascismo,
o antissemitismo, a degradação ambiental, o desperdício, a fome, o desemprego, a
indústria cultural etc., não são expressões fundamentadas na razão instrumental. O seu
fundamento está na sociedade regida pela produção e reprodução de capital, onde “a
legitimidade das necessidades humanas só pode ser reconhecida até o ponto em que a
produção do valor de uso pode ser subordinada aos ditames materiais do valor de troca
em auto-expansão” (MÉSZÁROS, 2004, p. 504).
Portanto, neste estudo, mostraremos os resultados da nossa investigação sobre as
origens da industrialização cultural, ultrapassando a determinação da razão instrumental
como responsável pela barbárie da modernidade. Com isso, não queremos negar a sua
existência e o seu papel na sociedade capitalista, mas tão somente desvelar as
determinações materiais e históricas que incidem sobre ela, dentro da lógica
expansionista de acumulação de capital, em especial, na sua etapa monopolista. Para
tanto, começaremos com a exposição dos fundamentos do excedente econômico e da
sua crise, na transição do capitalismo concorrencial para o monopolista.

12
A razão emancipatória diz respeito a uma racionalidade crítica, caudatária do projeto iluminista, que é
capaz de criticar processos sociais e fomentar a conscientização da sociedade em direção à liberdade e à
igualdade do gênero humano.
32

2 OS FUNDAMENTOS DO EXCEDENTE ECONÔMICO E DA CRISE NO


MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Este capítulo trata da análise dos fundamentos do excedente econômico e de sua


crise, tomando como lapso temporal a transição do capitalismo concorrencial ao
monopolista. Para tanto, perpassaremos, primeiramente, pela origem sócio-histórica e a
forma que o excedente assume com a grande indústria.
Notaremos que o excedente assume formas diferentes no curso da história
humana. Entretanto, é no modo capitalista de produção que ele ganha uma
particularidade mais geral. Não é mais, apenas, um excedente de produção que obtém
lucro na circulação (capitalismo comercial), mas, agora, é excedente de força de
trabalho, mercadorias e capitais, tendo no seu centro a busca pela valorização de mais-
valia criada na produção, realizada ou não na circulação e manifestada no consumo.
Aqui reside o nosso primeiro esforço para encontrar as determinações que
possibilitaram uma industrialização cultural. Começamos, portanto, pela categoria
excedente econômico, pois é ela que cria a possibilidade de desenvolvimento de outras
categorias da realidade: indústria, Estado, arte, ciência, técnicas, meios de comunicação
e campanhas de vendas.
É a partir da análise dos fundamentos da criação e da dinâmica do excedente
que chegamos a um nível elevado de concentração e centralização de capitais, às
permanentes crises econômicas e às alternativas impulsionadas para contê-las. Com
isso, processualmente, vamos desvelando o movimento dos fios invisíveis que
interligam a economia, a política e a cultura.

2.1 A criação do excedente na sociedade de classe e a sua particularidade na


dinâmica de acumulação capitalista

Ao partirmos da produção de excedente econômico, tornam-se visíveis as


possibilidades que se abrem para a origem e o desenvolvimento de novas classes,
interesses, necessidades de consumo, hábitos e instituições na sociedade. Em A origem
da família, da propriedade privada e do Estado, com primeira edição em 1884, Engels
(2012) demonstra, notadamente, no capítulo em que se dedica à transição do estado de
barbárie à civilização, como essas esferas indicadas no título do livro surgem por meio
de condições econômicas mais gerais.
33

Por meio dessas condições, no decorrer da transição dos estágios pré-históricos


de cultura, foram se originando as classes sociais, a família patriarcal e o Estado.
Segundo Engels (2012, p. 199), elas “minavam a organização gentílica13 da sociedade, e
acabaram por fazê-la desaparecer, com a entrada em cena da civilização”. Se numa fase
anterior da história da humanidade havia, por exemplo, uma distribuição coletiva da
produção dentro dessa organização, na fase superior da barbárie aparece condições que
impedem essa distribuição.
Dentre as condições econômicas que influíram nesses efeitos, o aparecimento
de um excedente produtivo é decisivo por ter criado, essencialmente, a possibilidade de
disputas pelo enriquecimento individual, ao mesmo tempo em que contribuiu com o
progresso das forças produtivas. Nesse sentido, ele é apresentado na referida obra de
Engels como indicativo de que a força de trabalho humana produziu um excedente de
produção após atender às suas necessidades imediatas. Primeiramente, deu-se a partir da
expansão da criação e domesticação do gado e dos instrumentos de trabalho que
permitiram, ainda, o desenvolvimento da agricultura e do artesanato.
Contudo, a obra mostra que, ao assumir a forma de um excedente produtivo
privado, ele também surge como o elemento que possibilita a expansão e consolidação
do comércio e da concentração de excedente, gerando agrupamentos de indivíduos que
começam a expressar diferenciações socioeconômicas e entre os sexos14. Aparecem, no
quadro histórico, homens possuidores de excedente produtivo que procurarão expandi-
lo por meio do trabalho forçado de outros. O fato de possuí-lo e acumulá-lo o coloca em
uma posição de poder na sociedade e abre espaço para reverberar a exploração do
homem pelo homem – aqui se localiza o seu fundamento. O senhor e o escravo surgem,
então, como núcleos das primeiras classes sociais.
A transição à civilização, ao se fundamentar no excedente privado e, portanto,
engendrar diferenciações econômicas e sexuais, gerava necessariamente as condições
favoráveis à escravidão. Isso porque conforme se aumentavam a concentração de
excedente privado e a necessidade de expandir a produção para as trocas, também
crescia a demanda por força de trabalho (ENGELS, 2012). Por isso, “Passou a ser

13
Grupos extensos de indivíduos que se uniam pelos seus laços consanguíneos, compartilhavam dos
mesmos hábitos, assim como possuíam interesses coletivos baseados na produção e distribuição
coletivizadas.
14
Entre as tarefas que competiam ao homem e à mulher, o trabalho produtivo como função do homem, ao
se constituir como fonte de enriquecimento privado, ganhou centralidade em detrimento do trabalho
doméstico exercido pela mulher. (ENGELS, 2012).
34

conveniente conseguir mais força de trabalho, o que se logrou através da guerra; os


prisioneiros foram transformados em escravos” (idem, p. 203).
O modo de produção escravista surgiu a partir de um progresso econômico das
forças produtivas e um regresso civilizatório, devido às relações de exploração e
dominação originadas. Com ele, instituições sociais como o Estado e a família
patriarcal15 nascem e assumem uma forma em consonância com a forma escravocrata
de produzir. Ao mesmo tempo, ela acaba gerando, também, dentro da sociedade de
classe, as condições para o desenvolvimento da arte16 e da ciência.
Ora, já que o trabalho manual gerador de um excedente de produção é função do
escravo, pequenas frações vinculadas à classe dominante nascente terão o tempo livre
para exercitar as suas habilidades criadoras e se dedicar a novas atividades e funções.
Nesse sentido, o fato de apenas uma pequena parcela possuir as condições objetivas
para realizar novas atividades na divisão do trabalho (como a arte e a ciência, por
exemplo) – em comparação com um grande exército de escravos que se ocupava do
trabalho manual –, encontra, de algum modo, uma relação material com a baixa
produtividade do trabalho na escravidão, a qual ainda não havia gerado um excedente
que originasse a necessidade de inserção da classe dominada nas atividades
superestruturais. Vejamos:

Enquanto o trabalho humano era tão pouco produtivo e mal oferecia


um excedente depois de atendidas as necessidades mais imperiosas da
vida, não se poderia pensar em desenvolver as forças produtivas,
estender as relações comerciais, articular o Estado e o direito, fundar
uma arte ou uma ciência senão valendo-se de uma divisão
intensificada do trabalho à base, necessariamente, da divisão do
trabalho entre as massas dedicadas ao simples trabalho manual e uns
quantos privilegiados que se encarregavam da direção deste trabalho,
do comércio, dos negócios públicos e, mais tarde, do cultivo da arte e
da ciência (ENGELS, 1990, p. 158-159 apud MARX; ENGELS,
2012, p. 179).

Podemos inferir que, no modo de produção escravista, o excedente ainda não


havia se ampliado ao ponto de requisitar massas maiores para as atividades

15
O próprio sentido da palavra família, entre os romanos, nasce atrelado à escravidão antiga patriarcal,
revelando as novas relações de poder entre senhores e escravos, bem como entre homens e mulheres. Nas
palavras de Engels (2012, p. 78), “Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto de
escravos pertencentes a um mesmo homem”. Em Roma, fora utilizada para “designar um novo organismo
social, cujo chefe mantinha sob o seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos, com o pátrio
poder romano e o direito de vida e morte sobre todos eles”.
16
A discussão sobre arte será retomada no último capítulo desta dissertação.
35

superestruturais e, portanto, a classe dominada ficou retida à produção efetiva.


Entretanto, quando ele se expande e começa a ser canalizado para a grande indústria, o
trabalho torna-se mais produtivo, a produção aumenta e o excedente concentrado no
comércio e no Estado se amplia. O comércio é ampliado, de maneira geral, ao agir no
processo de manipulação do excedente produzido, gerando alternativas no mercado. E o
Estado, por seu turno, se desenvolve pela canalização desse excedente na forma de
impostos, atuando, primariamente, a partir de uma necessidade crescente de proteção à
propriedade privada.
O que queremos destacar é que o excedente abre possibilidade de um
redimensionamento das instâncias superestruturais e promove uma reconfiguração nas
classes, criando tanto aquelas fundamentais que são responsáveis pela criação e
administração do excedente, quanto as intermediárias, cuja posição se situa entre as
duas classes principais de um modo de produzir. No capitalismo industrial, por
exemplo, surge e cresce, em maior número, a massa dos trabalhadores produtivos, o
proletariado industrial e rural. Paralelamente, também aumenta, embora em proporção
menor em comparação com o proletariado, a classe comerciária e os funcionários
atrelados às estruturas do Estado, assim como se forma uma nova classe dominante
conhecida por capitalista ou burguesia.
Essa incidência condicionada pelo excedente será percebida no decorrer do
nosso tratamento analítico. Nesse momento, basta indicarmos: 1) o seu caráter social e
histórico que pressupõe a relação do homem com a natureza e o aperfeiçoamento dos
instrumentos de trabalho como meio para elevar a produtividade; e 2) o aparecimento
do excedente na forma privada, determinando a conformação das classes ao fomentar a
concentração.
O excedente, nessa forma privada, encontra condições propícias para se
desenvolver no modo capitalista de produção a partir da sua dinâmica de acumulação.
Num determinado estágio de desenvolvimento – monopolista –, tal dinâmica chega a
uma superacumulação. Contudo, para chegar numa superacumulação, teve-se como
ponto de partida uma acumulação inicial, denominada por Marx (1984) de acumulação
primitiva – conhecida também por originária. Em linhas gerais, trata-se de uma etapa
histórica marcada pela dissociação entre o produtor e os meios de produção, sendo
determinante na conformação de uma classe disponível ao trabalho assalariado.
É certo que cada país possui as suas particularidades no processo de acumulação
primitiva, envolvendo as especificidades de sua formação econômica e social. Embora
36

Marx analise a condição da Inglaterra, sua contribuição é interessante devido à situação


desse país no cenário mundial. A Inglaterra foi colonizadora e emblemática durante a
Revolução Industrial, tornando-se uma potência capaz de exercer influência no mundo
inteiro. Se por um lado Marx apresenta particularidades próprias desse país, por outro,
ele nos brinda também com determinações gerais que nos permitem a visualização de
uma sociedade burguesa se construindo econômica e politicamente. Exatamente por
isso, consideramos relevante neste estudo, especificamente na análise das condições que
permitem a expansão do excedente privado no modo de produção capitalista.
Pois bem, uma determinação geral importante apontada por Marx (1984) é a
dissociação entre produtor e meios de produção. O antigo produtor direto transforma-se
em assalariado. No plano aparente, o trabalho assalariado aparece apenas como uma
libertação da servidão e da coerção da sociedade feudal. Há um enaltecimento do ex-
servo que agora é livre para vender a sua força de trabalho à classe dos capitalistas e, ao
mesmo tempo, um apagamento das determinações dessa relação. Por outro lado, o autor
de O capital mostra que a relação de compra e venda da força de trabalho somente
torna-se possível devido à expropriação dos meios de produção, durante o processo de
substituição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista.
No caso da Inglaterra, Marx (1984) revela que houve uma expropriação dos
meios de produção dos produtores rurais, cuja maior parte da população do país, após o
fim da servidão no século XIV, consistia em camponeses livres que produzia de forma
autônoma, fazendo uso de terras coletivas, as quais eram compartilhadas com outros
lavradores. O fim da servidão é acompanhado da retirada dos meios de produção do
enorme contingente populacional da época, o campesinato, a partir de sua expulsão das
propriedades comunais. As terras foram cercadas e transformadas em pastagens
destinadas à criação de ovelhas, em razão do impulso das manufaturas de lã e do
aumento de seu preço. Com isso, uma grande massa de camponeses migra para as
cidades em busca de trabalho.
Conforme Wood (2000), entre os séculos XVI e XVIII, estava em curso uma
pressão para a extinção dos direitos costumeiros, típicos do feudalismo, que estavam
interferindo na acumulação capitalista. Para extingui-los, fez-se necessário substituir a
concepção tradicional de propriedade pelo conceito capitalista de propriedade. Neste
último conceito, predomina não somente o pertencimento da terra a um determinado
dono, mas, essencialmente, o alijamento de outros indivíduos da sua utilização com o
37

objetivo de ampliar as possibilidades de ocupação de grandes extensões de terra para


fins capitalistas.
Agora, a nova concepção de propriedade nos moldes capitalistas, que fora
sistematizada nas teorizações de John Locke (1632-1704) no século XVII, está baseada
nos princípios do “melhoramento”, devendo ser produtiva e lucrativa. Caso a
propriedade configure-se “sem melhoramento”, isto é, improdutiva e sem lucratividade
no sentido capitalista, como fora o caso das terras indígenas colonizadas, aquele que
tenha interesse de “melhorá-la” possui o direito de se apropriar. A ética do
melhoramento consistiu como uma justificação para a expropriação de terras nas
colônias e na metrópole inglesas, legitimando o enclosure: a privatização e o
cercamento de terras comunais e a supressão dos direitos costumeiros (WOOD, 2000).
Além do cercamento de terras comunais, o processo de acumulação primitiva
ocorre, ainda, via confisco de bens eclesiásticos no século XVI, pela Dinastia Tudor,
retirando os habitantes que viviam nas terras sob a posse da Igreja Católica, bem como
via saques aos bens do Estado. Grandes extensões de terras foram canalizadas para a
agricultura capitalista por meio da aliança do rei com a nascente classe dos homens de
dinheiro: a burguesia (MARX, 1984).
A aliança do Estado absolutista com a burguesia contribuiu, portanto, com a
acumulação primitiva e, consequentemente, com o surgimento do capitalismo industrial
na metade do século XVIII. Convém o destaque de que o Estado absolutista entra em
cena com o enfraquecimento econômico e político dos senhores feudais em meados do
século XV e com o papel cada vez mais significativo dos comerciantes e industriais.
Em História da Riqueza do Homem, Huberman (1982) nos indica os diversos
fatores que corroboraram para a centralização do poder político nas mãos do rei. Dentre
eles, destacam-se, por exemplo, a vantagem de ampliar e facilitar as atividades
econômicas através da unificação das cidades em um Estado nacional com uma
regulamentação única; a luta dos mercadores, mestres e trabalhadores para libertar as
cidades, recém-surgidas nos burgos, dos senhores feudais acusados de extorquir os
cidadãos via impostos; e a necessidade de uma segurança eficaz para proteger o
transporte de mercadorias nas estradas, tendo em vista que os exércitos feudais
encarregados de proteção não mais cumpriam essa função social e, por não receberem o
pagamento regular por este serviço pelos senhores feudais, saqueavam as cidades.
A aliança do rei com comerciantes e industriais se dá por uma troca de
interesses. O rei necessitava de dinheiro para custear as despesas administrativas do
38

Estado absolutista – a contratação de um exército bem equipado e permanente, não


estando mais condicionado às relações de lealdade de seus vassalos, serve de
exemplificação. Mas, só conseguia captá-lo de forma satisfatória conforme a
prosperidade do comércio e da indústria, daí vem o seu interesse de fomentá-los. Ao
mesmo tempo, a burguesia concedia parte de sua riqueza ao rei em troca das vantagens
oferecidas: leis para o comércio, estabelecendo uma única medida e peso; segurança
nacional para proteger a propriedade privada; legitimidade da subordinação dos
trabalhadores comuns aos seus ditames; além de sua ocupação em cargos no governo
(HUBERMAN, 1982).
É nessa quadra histórica e com esses canais facilitadores que se processa a
acumulação primitiva. Mas, além dos privilégios concedidos pelo Estado absolutista à
burguesia nascente, dos saques aos bens eclesiásticos e ao Estado e da transformação da
propriedade comunal em propriedade privada, existiram outros métodos de acumulação
primitiva:

A descoberta das terras do ouro e da prata, na América, o extermínio,


a escravização e o enfurnamento da população nativa nas minas, o
começo da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação
da África em um cercado para a caça comercial às peles negras
marcam a aurora da era de produção capitalista. Esses processos
idílicos são momentos fundamentais da acumulação primitiva. De
imediato segue a guerra comercial nas nações europeias, tendo o
mundo por palco. [...] Na Inglaterra, em fins do século XVII, são
resumidos sistematicamente no sistema colonial, no sistema da dívida
pública, no moderno sistema tributário e no sistema protecionista.
Esses métodos baseiam-se, em parte, sobre a mais brutal violência,
por exemplo, o sistema colonial. Todos, porém, utilizaram o poder do
Estado, a violência concentrada e organizada da sociedade, para ativar
artificialmente o processo de transformação do modo feudal de
produção em capitalista e para abreviar a transição (MARX, 1984,
285-286).

O fundamental a ser destacado aqui é a contribuição do processo de acumulação


primitiva – que nasce ainda na sociedade feudal e percorre todo o período manufatureiro
do capitalismo comercial, entre o século XVI até a primeira metade do século XVIII –
para a emersão do capitalismo industrial.
O papel da acumulação primitiva foi consolidar, segundo Marx (1984), duas
tendências: 1) a expropriação completa do produtor direto, possibilitando a criação de
um mercado interno, uma vez que ele passa a produzir e consumir, doravante, pela
mediação das trocas mercantis, utilizando o salário obtido com a venda de sua força de
39

trabalho para ter acesso a uma parcela ínfima dos meios de subsistência; e 2) a
concentração dos meios de produção nas mãos de uma classe: a burguesia.
São essas condições engendradas, na transição para o modo capitalista de
produção, que o excedente na sua forma privada ganha possibilidades para se
desenvolver privadamente. Mas, é importante fazermos o destaque sobre a
particularidade desse excedente no modo de produção supracitado. Nele, o excedente
tem uma particularidade que o difere dos modos anteriores de capturar excedente: há,
especialmente, a criação de mais-valia.
Como afirmaram Netto e Braz (2012), na produção mercantil capitalista
controlada pelo capitalista, diferentemente da produção mercantil simples controlada
pelo comerciante, os ganhos não vêm da circulação, mas da produção. Nessa forma de
produzir de modo capitalista, o dinheiro acrescido não é um lucro decorrente da
diferença de preços da compra e venda de uma mercadoria no mercado, tal qual ocorre
com o comerciante. Na verdade, “provém de um acréscimo de valor gerado, na
produção, pela intervenção da força de trabalho” (idem, 2012, p. 97, grifo dos autores).
Trata-se, agora, de uma busca primária por mais-valia obtida pela diferença de valores
“entre o valor produzido pelo operário e o valor da sua própria força de trabalho [isto é]
[...] as suas próprias despesas de manutenção” (MANDEL, 1975, p. 21, grifo nosso).
Em Mandel, a definição de excedente articula o seu caráter social, a forma que
ele assume no capitalismo e a perspectiva da diferença de valores. Nesse sentido, ele é
considerado um sobreproduto social, que é produzido pela classe produtora, mas é
apropriado pela classe dominante “seja sob a forma de produtos naturais, de
mercadorias destinadas a serem vendidas, ou ainda sob a forma de dinheiro” (idem, p.
05). Portanto, a mais-valia é uma das formas assumidas pelo excedente:

A mais-valia é apenas A FORMA MONETÁRIA DO


SOBREPRODUTO SOCIAL, quer dizer a forma monetária dessa
parte da produção do proletário que é cedida sem contrapartida ao
proprietário dos meios de produção. Como é que esta cedência se
efetua praticamente na sociedade capitalista? Produz-se através da
troca, como todas as operações importantes da sociedade capitalista,
que são sempre relações de troca. O capitalista compra a força de
trabalho do operário, e em troca desse salário, apropria-se de todo o
produto fabricado por esse operário, de todo o valor novamente
produzido que se incorpora no valor desse produto (MANDEL, 1975,
p. 21, grifo nosso).
40

Por isso, a generalização da força de trabalho como mercadoria, com a


instauração do trabalho assalariado, e a potencialização da produtividade, via utilização
de novos meios de produção, são condições necessárias para gerar mais-valia. Elas são
alcançadas, pela primeira vez, com o desenvolvimento da grande indústria, na metade
do século XVIII, produzindo em larga escala mercadorias e criando, para a sua
absorção, um mercado mundial que avança, sobretudo, na metade do século XIX –
momento da divisão internacional do trabalho.
É no século XIX que uma série de transformações significativas ocorre com o
amadurecimento do capitalismo industrial, apoiado na livre concorrência. Ele começa a
dar sinais mais evidentes não só da sua impossibilidade de prover, por meio da
mercadoria, os meios de subsistência às necessidades humanas de seus produtores na
esfera do consumo, sejam elas provenientes do “estômago ou da imaginação”, como
definiu Marx (2014). Mas, traz à tona, também, a irracionalidade de sua lógica interna
de produção quando, em 1825, explodiu a primeira grande crise geral de superprodução,
revelando mais nitidamente os seus elementos internos e os seus efeitos – fato que fora
observado por Engels:

Cinco vezes repete-se a mesma história desde 1825, e presentemente


(1877) estamos vivendo-a pela sexta vez. E o caráter dessas crises é
tão nítido e tão marcante que Fourier as abrangia todas ao descrever a
primeira, dizendo que era uma crise pléthorique, uma crise nascida da
superabundância. [...] Todo o mecanismo do modo de produção falha,
esgotado pelas forças produtivas que ele mesmo engendrou. Já não
consegue transformar em capital essa massa de meios de produção,
que permanecem inativos, e por isso precisamente deve permanecer
também inativo o exército industrial de reserva. Meios de produção,
meios de vida, operários em disponibilidade: todos os elementos da
produção e da riqueza geral existem em excesso. Mas a
"superabundância converte-se em fonte de miséria e de penúria"
(Fourier), já que é ela, exatamente, que impede a transformação dos
meios de produção e de vida em capital, pois na sociedade capitalista
os meios de produção não podem pôr-se em movimento senão
transformando-se previamente em capital, em meio de exploração da
força humana de trabalho (ENGELS, 2005, p. 82-83, grifo nosso).

Quando ocorre a primeira crise geral de superprodução do capital, em 1825,


estava em curso as ideias dos franceses Saint-Simon e Charles Fourier e do inglês
Robert Owen, que conformaram o chamado socialismo utópico. Esses pensadores
expressaram, em seus escritos, uma crítica à sociedade capitalista que, após a Revolução
Francesa de 1789, pretendendo ser livre, igualitária e fraterna, convertia-se no seu
41

contrário. Contudo, Engels (2005) destaca que, devido os limites de seu tempo, com um
modo capitalista de produção ainda pouco desenvolvido, eles acabaram não captando e
demonstrando cientificamente as suas leis de funcionamento.
Coube à Karl Marx, ao se basear na economia política inglesa valendo-se dos
avanços de Adam Smith e David Ricardo, dar fundamentação científica. Ele dissecou
em seus pormenores o modo de funcionamento da produção e reprodução do capital e
de suas crises, apresentando as suas leis internas. Nesse sentido, a afirmação de Charles
Fourier de que “a superabundância converte-se em miséria e penúria” (ENGELS, 2005,
p. 83) é demonstrada por Marx na lei geral da acumulação capitalista, presente no
capítulo XXIII de O Capital, primeiro livro, publicado originalmente em 1867.
Essa lei explica como a operacionalização do modo capitalista de produção, no
seu movimento de acumulação de capital, incide na grande massa de operários que
vende a sua força de trabalho ao capitalista. Dentre os rebatimentos, ela fornece a
fundamentação sobre a persistência do desemprego, assim como das oscilações nos
salários. Estes últimos, dependendo da necessidade de valorização do capital, podem
tornar-se ainda mais incondizentes com o valor adequado para a manutenção da força
viva de trabalho.
Ao mesmo tempo, essa incidência ou, se quisermos, efeitos, só se tornam
visíveis, dentro da análise de Marx, na medida em que ele avança na investigação das
suas causas, encontradas no exame da dinâmica de reprodução ampliada da acumulação
de capital. É essa dinâmica que, buscando valorizar o capital, gera um excedente de
força de trabalho, de mercadorias e de capitais.
Por isso, o primeiro passo, para desvelar o excedente no modo capitalista de
produção, é entender como ele é intensificado no movimento da acumulação a partir das
modificações no que Marx (2014) chama de composição orgânica do capital, cujo
conteúdo revela, basicamente, os componentes de sua criação.
Como ele demonstrou, essa composição divide-se tanto do ponto de vista do
valor: a proporção dos capitais ou valores constante e variável aplicados (composição-
valor), quanto da matéria: proporção das massas vivas de meios de produção e
quantidade de força de trabalho aplicadas (composição-técnica). Entre essas
composições, “existe uma estreita correlação. Para expressá-la, chamo a composição de
valor do capital, porquanto é determinada pela composição técnica do capital e reflete
suas modificações, de composição orgânica do capital” (idem, p. 835-836, grifo nosso).
42

Isso significa que, nessa correlação entre matéria e valor apontada por Marx
(2014), é a matéria que determina o valor. O seu apontamento explicativo é puramente
lógico. O valor, para continuar se expandindo na forma de capitais, exige a ampliação
da matéria: mais massa de meios de produção e de força de trabalho. Entre essas duas
massas, esta última é determinante no processo de produção, pois é a sua massa que, ao
movimentar a massa de meios de produção, permite valorizar o capital anteriormente
aplicado.
Os meios de produção pressupõem, portanto, a transformação realizada pela
força de trabalho. Eles dependem disso tanto para existir quanto para se movimentar. E
é essa massa de força de trabalho em movimento que gera, então, uma mais-valia, cuja
transformação em capital permite ser utilizado na geração de uma nova mais-valia.
Por outro lado, o sentido dessa correlação entre matéria e valor, em Marx,
também se expressa no fato de que, ao mesmo tempo em que a utilização da força de
trabalho é uma necessidade para reproduzir e incrementar a mais-valia criada por ela,
também aparece como a necessidade de reprodução dessa força de trabalho. Uma vez
estando numa relação de dependência para se reproduzir, isto é, para consumir os meios
de subsistência e continuar movimentando-se e gerando a mais-valia contida na
mercadoria, a força de trabalho precisa ser continuamente revendida. Logo,
considerando essa correlação, diz Marx:

A reprodução da força de trabalho, que tem incessantemente de se


incorporar ao capital como meio de valorização, que não pode
desligar-se dele e cuja submissão ao capital só é velada pela mudança
dos capitalistas individuais aos quais se vende, constitui, na realidade,
um momento da reprodução do próprio capital. Acumulação do
capital é, portanto, multiplicação do proletariado (idem, 2014, p. 841,
grifo nosso).

Posteriormente, em páginas depois, ele revela o elemento central da acumulação


– a criação de mais-valor ou excedente econômico –, mostrando que, embora capital e
trabalho explicitem uma correlação, os interesses entre essas duas esferas não são
idênticos. No caso do capitalista,

O objetivo perseguido por este último [capitalista] é a valorização de


seu capital, a produção de mercadorias que contenham mais trabalho
do que o que ele paga, ou seja, que contenham uma parcela de valor
que nada custa ao comprador e que, ainda assim, realiza-se mediante
a venda de mercadorias. A produção de mais-valor, ou criação de
excedente, é a lei absoluta desse modo de produção. A força de
43

trabalho só é vendável na medida em que conserva os meios de


produção como capital, reproduz seu próprio valor como capital e
fornece uma fonte de capital adicional em trabalho não pago (idem,
p. 847, grifo nosso).

A força de trabalho é incorporada à produção como um meio de valorização de


capital. Tendo em vista esse objetivo, o valor pago por ela, expresso no salário, é
inferior àquele valor criado por ela mesma durante a sua jornada de trabalho. Esta
última, ainda que não se tenha uma linha divisória visível aos olhos, divide-se em duas
partes.
No geral, uma parte corresponde ao tempo de trabalho necessário para produzir
o salário do trabalhador; refere-se ao tempo de trabalho pago. E, a outra parte, diz
respeito ao tempo de trabalho excedente, no qual o trabalhador nada recebe por ele,
chamado por Marx (2010; 2014) de sobretrabalho ou excedente de tempo de trabalho
não pago realizado na produção de sobreprodutos. É nessa parte da jornada que o
excedente econômico de valor, incorporado na mercadoria, é produzido.
Essa discussão, em Marx, é apresentada, anteriormente à sua obra O Capital, no
texto Salário, Preço e Lucro, em 1865. Nele, esse pensador expõe que o valor criado
pela força de trabalho em movimento, a que se chama trabalho, é superior ao valor
recebido por ela. É o valor que ela cria, mas não o recebe na sua totalidade, que
possibilita a existência de um excedente de valor (mais-valia) acumulado pela classe
capitalista na forma de capitais.
Esse excedente é criado pela matéria força humana de trabalho em movimento,
ao produzir uma mercadoria, e se expressa na forma de capitais conforme se reproduz a
acumulação na sua “contínua reconversão de mais-valor [mais-valia] em capital”
(MARX, 2014, p. 849). Daí porque não é adequada a afirmação de que é o capitalista
que gera a mais-valia, mas sim a capacidade de trabalho do conjunto dos trabalhadores
produtivos, o qual dispõe de uma força viva criadora de uma nova matéria e de um novo
valor para dar continuidade à acumulação.
Na produção, o capitalista apenas decide os rumos de sua aplicação. Por
exemplo, para reproduzir essa acumulação, ele é impulsionado pela concorrência a
realizar uma nova ampliação da capacidade produtiva para elevar, ainda mais, a
produtividade do trabalho e gerar uma nova mais-valia durante a produção de
mercadorias.
44

Nessa ampliação da capacidade produtiva, ocorre uma alteração na composição


orgânica do capital quando os capitalistas diminuem de maneira relativa ou absoluta o
capital variável (força de trabalho) em relação ao capital constante (meios de produção).
O investimento em incremento tecnológico para expandir a produção é, cada vez mais,
em termos proporcionais, priorizado em detrimento do investimento em força de
trabalho, devido às vantagens oferecidas de produzir mais em menos tempo (MARX,
2014; 2017).
Essa tendência acaba por criar, também, um excedente de força de trabalho, uma
“superpopulação relativa”, “supranumerária”, nos termos de Marx (2014), seja via
demissão de trabalhadores ou, ainda, por meio de uma incorporação mais lenta,
percebidas na permanente taxa de desemprego, nas poucas vagas de emprego existentes
e na existência de uma grande massa buscando a sua inserção no mercado de trabalho –
o que desencadeia maior concorrência entre os trabalhadores e leva à redução no salário
ofertado.
Esse excedente de força de trabalho é criado no próprio movimento de expansão
da produção que, por sua vez, provoca a sua contração, oscilando entre a incorporação
de trabalhadores e a sua expulsão. Tal dinâmica pode ser observada nos escritos de
Marx (2014, p. 860, grifo nosso):

A expansão súbita e intermitente da escala de produção é o


pressuposto de sua contração repentina; esta última, por sua vez,
provoca uma nova expansão, a qual é impossível na ausência de
material humano disponível, isto é, se o número dos trabalhadores não
aumenta independentemente do crescimento absoluto da população.
Ela é criada pelo simples processo que “libera” constantemente parte
dos trabalhadores, por métodos que reduzem o número de
trabalhadores ocupados em relação à produção aumentada. Toda a
forma de movimento da indústria moderna deriva, portanto, da
transformação constante de uma parte da população trabalhadora em
mão de obra desempregada ou semiempregada. A superficialidade da
economia política se mostra, entre outras coisas, no fato de ela
converter a expansão e a contração do crédito, que é o mero sintoma
dos períodos de mudança do ciclo industrial, em causa destes últimos.
Tão logo iniciam esse movimento de expansão e contração
alternadas, ocorre com a produção exatamente o mesmo que com os
corpos celestes, os quais, uma vez lançados em determinado
movimento, repetem-no sempre. Os efeitos, por sua vez, convertem-se
em causas, e as variações de todo o processo, que reproduz
continuamente suas próprias condições, assumem a forma da
periodicidade. Uma vez consolidada essa forma, até mesmo a
economia política compreende que produzir uma população excedente
relativa, isto é, excedente em relação à necessidade média de
valorização do capital, é uma condição vital da indústria moderna.
45

Nesse trecho, o pensador alemão nos indica com clareza a dinâmica inerente e
periódica da indústria moderna: ao expulsar trabalhadores, substituindo-os por novas
técnicas e máquinas para aumentar a produtividade, o trabalho do contingente humano
que permaneceu é intensificado. E, ao permitir uma nova expansão, os trabalhadores
disponíveis em “reserva” – os quais são imprescindíveis para um novo ciclo
expansionista – são incorporados novamente. Depois, são expulsos mais uma vez
durante os períodos de contração. Esse vai e vem, ao final, possibilita que um excedente
de força de trabalho esteja sempre de prontidão para ser utilizado, até mesmo por um
salário inferior àquele que anteriormente se recebia.
A partir dessas análises, é possível visualizar que a constante reprodução
ampliada da acumulação gera um excedente de valor (mais-valia) – criado por meio de
um excedente de tempo de trabalho realizado pela força de trabalho em movimento, o
qual é expresso em mercadorias e, por conseguinte, em capital – como também um
excedente na forma de força humana de trabalho.
Trata-se de uma dinâmica da expansão da acumulação do capital que tem na sua
essência a constante busca por capturar mais-valia e convertê-la em capital, utilizando-
se, para tanto, da intensificação da força de trabalho e, também, das invenções
tecnológicas, dentro do âmbito produtivo, para potencializar aquela captura. Temos, aí,
as condições postas à produção de um excedente crescente e, em contrapartida, uma
apropriação privada pelo capitalista, numa proporção maior, ao longo do
desenvolvimento das técnicas.
É nesse sentido que Engels (2010), ao escrever a introdução do texto Trabalho
Assalariado e Capital, na edição de 1891, acrescenta que “No estado atual da produção
[monopolista], a força de trabalho humana não produz só, num dia, um valor maior do
que ela própria possui e custa”, mas que, “a cada nova descoberta científica, a cada nova
invenção técnica, esse excedente do seu produto diário sobe acima dos seus custos
diários” (idem, p. 28, grifo nosso).
Ele chama atenção para a tendência crescente de ampliação do tempo de trabalho
excedente, enquanto o tempo de trabalho destinado à produção do valor da força de
trabalho diminui, isto é, menos tempo é necessário para produzir o valor equivalente aos
salários. Intensifica-se uma forma de extração de mais-valia: a mais-valia relativa, cuja
dinâmica, ao invés de se basear na extensão da jornada de trabalho tal qual a mais-valia
absoluta, se ampara em novas técnicas na produção que permitem essa ampliação de
excedente por meio de uma mudança na proporção das partes constitutivas da jornada
46

de trabalho. Contudo, é necessário o destaque de que, embora a mais-valia relativa


venha a se ampliar, a forma absoluta não é eliminada. Na verdade, essas duas formas de
captura de mais-valia, absoluta e relativa, se combinam.
Esse processo de acumulação culminará num novo patamar de concentração,
que levará a uma centralização de capitais a nível nacional e internacional. Ele
desencadeará um maior controle da produção e, a partir dela, do trabalhador e do
mercado. A classe capitalista consolida-se como o dirigente da produção, administrando
o salário e a jornada de trabalho do trabalhador, assim como os rumos do excedente
econômico e da atuação do Estado, especialmente nas crises econômicas.
A seguir, iremos nos deter, por enquanto, aos principais elementos daquelas
tendências que demarcam uma nova fase do capitalismo: a monopolista.

2.2 Concorrência, concentração e centralização de capitais excedentes

Conforme Netto e Braz (2008), com a produção mercantil capitalista, o modo de


produção entra, então, numa nova fase. Se em fases anteriores criou-se um mercado
local dentro das cidades e, posteriormente, nacional dentro dos países, no período do
capitalismo concorrencial – entre a segunda metade do século XVIII e final do século
XIX – marca o desenvolvimento de um mercado mundial e a expansão da exportação de
mercadorias.
A fase mais desenvolvida do capitalismo concorrencial, no século XIX, ocorre
simultaneamente com a já bastante conhecida pressão da Inglaterra, nos países
periféricos, visando à abolição do trabalho escravocrata para implantar o trabalho
assalariado. Havia o interesse econômico, com isso, de criar dentro deles um mercado
consumidor com capacidade para absorver as mercadorias da grande indústria. Mas, é
necessário acrescentar que, ao mesmo tempo em que promoveu, de fato, um
alargamento do mercado para as vastas mercadorias produzidas, por outro lado, isso
permitiu um acúmulo de valor nos países capitalistas desenvolvidos.
Essencialmente, nas relações de troca entre as nações, operou-se uma
transferência de valor17 dos países periféricos às economias centrais, de modo que os
primeiros se inseriram numa relação de dependência no marco da divisão internacional

17
Essa discussão pode ser encontrada em Dialética da dependência, de Ruy Mauro Marini. Nessas trocas
entre países, o cientista social brasileiro revela que ocorre uma troca desigual. Opera-se uma
transferência de valor aos países capitalistas centrais.
47

do trabalho. Aqueles países não só se tornam consumidores, mas, ainda, potenciais


provedores de valor nas trocas realizadas, através de três mecanismos principais: 1)
venda de matérias primas e alimentos a baixo custo, permitindo uma elevação da
capacidade produtiva dos países centrais; 2) consumo das manufaturas dos grandes
centros; e/ou 3) pagamento da dívida externa. (MARINI, 2017).
Isso se conecta com a perspectiva de subsunção de Marx (1984). Na fase do
capitalismo concorrencial, ocorre o que ele chamou de subsunção formal do trabalho ao
capital. Essa subsunção alcança o nível internacional ao gerar entre os países uma
dependência, mas o seu nascedouro aparece no processo de expropriação dos meios de
produção no interior de cada país, a partir da relação entre as novas classes
fundamentais: o capitalista e o trabalhador18.
Nesse sentido, na medida em que se dá a ampliação da produção e da
acumulação de capital na grande indústria, por meio de novos métodos e técnicas de
fomento à produtividade, da intensificação da força de trabalho e do domínio de novos
ramos de produção, a subsunção formal transforma-se, segundo Marx (1984), numa
subsunção real. Ela acontece quando, por meio daquela expansão capitalista nacional e
internacional, se amplia o controle da produção e dos nichos de mercado pela classe
capitalista, notadamente, com o progressivo desenvolvimento dos monopólios ainda
dentro da fase concorrencial em seu estágio maduro.
Os monopólios começam a se originar em meados da década 1860, no século
XIX, ainda que na forma de “germes quase imperceptíveis” (LENIN, 2012, p. 44) no
interior do capitalismo concorrencial, decorrente do patamar de concentração nacional.
Não se poderia falar, nesse momento, em um capitalismo monopolista como tendência
universalizada, não obstante os seus sinais já fossem perceptíveis.
Esses germes do monopólio foram suficientes para Marx apontar em O capital,
com o seu primeiro livro publicado em 1867, as tendências à concentração e à
centralização nascidas pela via da concorrência. É a concorrência que impõe, ao
capitalista, a acumulação progressiva e a expansão da capacidade produtiva para
baratear os preços das mercadorias e levar vantagem na luta concorrencial. É isso que
ele nos revela ao afirmar que

18
Como indicamos na seção anterior, o trabalhador, desprovido desses meios, entra numa relação de
dependência com o capitalista quando o acesso aos meios de subsistência está hipotecado à sua condição
de assalariado.
48

[...] o desenvolvimento da produção capitalista faz do contínuo


aumento do capital investido numa empresa industrial uma
necessidade e a concorrência impõe a todo capitalista individual as
leis imanentes do modo de produção capitalista como leis coercitivas
externas. Obriga-o a ampliar seu capital continuamente para
conservá-lo, e ampliá-lo ele só o pode mediante acumulação
progressiva (MARX, 1984, p. 172, grifo nosso).

E acrescenta posteriormente:

A luta da concorrência é conduzida por meio do barateamento das


mercadorias. A barateza das mercadorias depende, caeteris paribus19,
da produtividade do trabalho, esta porém da escala da produção. Os
capitais maiores derrotam portanto os menores (idem, p. 196, grifo do
autor).

A concorrência entre as empresas capitalistas, inicialmente dentro dos países, faz


com que elas acumulem cada vez mais capitais excedentes, no seu processo de
reprodução ampliada, e, também, aumentem a sua capacidade produtiva, absorvendo
mais matérias primas, máquinas, energia, força de trabalho etc. Segundo Lenin (2012),
elas concentram a produção no seu interior, o que permite incorporar uma quantidade
maior de operários, embora “a concentração da produção [seja] muito mais intensa do
que a dos operários, pois o trabalho nas grandes empresas é muito mais produtivo”
(idem, p. 37).
Ao concentrar a produção, aumentando a capacidade produtiva, um número
reduzido de grandes empresas passa a dominar os ramos industriais. Tal dinâmica
promove o desenvolvimento de uma centralização de capitais nas mãos de algumas
grandes empresas. Conforme Netto (2011), estas últimas se fundem e estabelecem
acordos entre si, na forma de cartéis ou trustes, tendo como objetivo primário “o
acréscimo dos lucros capitalistas através do controle dos mercados” (idem, p. 20, grifo
do autor).
Como dito anteriormente, os sinais da monopolização aparecem na década de
1860 no âmbito nacional. Mas, Mandel (1982) explica que o elemento decisivo que
desencadeou uma transição efetiva para o capitalismo monopolista, intensificando as
fusões, consistiu no que ele denomina de “onda longa com tonalidade de estagnação”,
de 1873 a 1893. Na essência desse fenômeno, está o aumento da composição orgânica

19
Expressão que significa “todo o resto mantendo-se constante”.
49

do capital no setor que produz os meios de produção e o desencadeamento de uma


supercapitalização.
O economista belga aponta que, no primeiro século após a Revolução Industrial,
a composição orgânica do capital era maior no Departamento II – destinado a produzir
bens de consumo –, sobretudo na indústria têxtil. Já no Departamento I, cuja produção
concentrava-se em produzir máquinas e matérias primas, a composição do capital era
baixa, comparada ao Departamento II, e os seus métodos de produção eram de base
artesanal. Esse cenário apenas começa a ser alterado com a progressiva utilização das
máquinas a vapor e da construção das ferrovias que permitiram o estímulo da produção
e o acúmulo de valor no Departamento I, no período expansionista de 1847 a 1873,
fazendo-o predominar em relação ao Departamento II. Todavia,

Tão logo os mais importantes ramos industriais nos países capitalistas


se viram equipados com motores a vapor de produção mecânica –
situação provavelmente atingida desde o início da década de 70 do
século XIX – a capacidade de produção do Departamento I não pôde
mais ser utilizada a pleno volume. Essa foi uma das causas principais
da onda longa com tonalidade de estagnação, entre 1873/93. No
entanto, isso implicava que uma parcela importante da mais-valia
realizada pelo Departamento I e uma parcela nada insignificante da
mais-valia produzida no Departamento II, mas apropriada pelo
Departamento I mediante o nivelamento da taxa de lucros, não mais
podiam ser valorizadas. Nos cinquenta anos precedentes, os limites ao
desenvolvimento contínuo do modo de produção capitalista
assumiram a forma de uma superprodução no Departamento II; no
último quarto do século XIX, tomaram a forma da supercapitalização
no Departamento I. O resultado lógico foi uma alteração no impulso
principal da tendência capitalista à expansão: a exportação de bens de
consumo para regiões pré-capitalistas deu lugar à exportação de
capitais (e de artigos comprados com esses capitais, especialmente
vias férreas, locomotivas e instalações portuárias, isto é,
aparelhamento infra-estrutural para simplificar e baratear a exportação
de matérias primas produzidas com o capital metropolitano).
(MANDEL, 1982, p. 131, grifo do autor).

Decerto, a entrada na onda de estagnação revelava os limites de expansão: a


capacidade de produção e os capitais existiam em excesso. Não havia como reproduzir a
acumulação sob as mesmas condições de produção e realização da mais-valia. E, nesse
sentido, eram necessários novos impulsos. Essa situação encontra saída provisória com
a segunda revolução tecnológica na década de 1890, quando a produção de motores a
vapor fora substituída, predominantemente, por motores elétricos, elevando de maneira
significativa a composição orgânica do capital no setor que produz os meios de
50

produção: “Houve um crescimento enorme no mínimo de capital requerido para se


poder competir nesse campo”. (MANDEL, 1982, p. 132).
A estagnação gerada a partir da supercapitalização, combinada com a
substituição dos motores a vapor e a elevação da composição orgânica do capital,
criaram, portanto, as condições para a intensificação da formação dos monopólios,
especialmente na indústria pesada (petróleo, energia elétrica etc.), e de uma nova
tendência: a exportação de capitais excedentes, que entra em cena de maneira
expressiva e passa a coexistir com a exportação de bens de consumo.
Tal exportação de capitais excedentes já começa simultaneamente à estagnação
(1873-93), ganhando destaque no final do século XIX e entrada do século XX. Por isso
mesmo, em A Era dos Impérios, Hobsbawm (1988) apontou que esse período havia sido
alvo de questionamentos posteriores de alguns historiadores quanto à existência ou não
de uma Grande Depressão. Questionava-se o fato de a produção mundial ter verificado
uma expansão na produção de ferro e aço e novos países terem se industrializado nesse
lapso temporal, a exemplo dos Estados Unidos da América (EUA) e da Alemanha.
Além disso, “O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos
nos anos 1880, quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e
tanto a Argentina como o Brasil atraíram até 200 mil imigrantes por ano” (idem, p. 38).
Por outro lado, esse pensador alerta que, para os contemporâneos da época de
diversas nacionalidades, não havia dúvida de que se tratava de um momento de
depressão: queda dos preços, dos juros e dos lucros. No fundo, uma parcela de
historiadores não considerou que, nessa etapa do ciclo do econômico20, os capitais
excedentes encontram dificuldades para continuar se expandindo no âmbito de seus
mercados internos e, com isso, são impelidos à exportação para os países periféricos, a
fim de sair da fase de estagnação. Logo, essa fase pode coincidir com picos elevados de
investimentos.
Trata-se de um modo de operacionalização da própria fase do ciclo: a depressão.
Ocorre uma tentativa de investir excedente em novos mercados e buscar matérias
primas para criar novos estímulos à produção e recuperar a elevação de preços e lucros
(NETTO; BRAZ, 2012). As economias centrais passam, então, a exportar capital para
as economias periféricas, pois, nelas, são encontradas as possibilidades de atingir

20
É composto por quatro fases indicadas por Netto e Braz (2012, p. 172): “a crise, a depressão, a
retomada e o auge”.
51

maiores taxas de lucro devido às condições existentes que permitem uma produção e
realização de mais-valia em maior grau. Como destaca Lenin,

Nestes, o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o


preço da terra e os salários, relativamente baixos, e as matérias primas,
baratas. A possibilidade da exportação de capitais é determinada pelo
fato de uma série de países atrasados já terem sido incorporados na
circulação do capitalismo mundial; de terem sido aí construídas as
principais ferrovias ou estarem em vias de construção; de estarem
asseguradas as condições elementares para o desenvolvimento da
indústria etc. A necessidade da exportação de capitais se deve ao fato
de o capitalismo ter “amadurecido excessivamente” em alguns países,
e o capital (dado o insuficiente desenvolvimento da agricultura e a
miséria das massas) carecer de campo para a sua colocação “lucrativa”
(LENIN, 2012, p. 94, grifo nosso).

Evidentemente, essa exportação de capitais não acontece sem conflitos. O


interesse de aplicação de capitais excedentes no mercado externo convive com acordos
entre os grandes grupos capitalistas, mas a concorrência internacional não é eliminada.
O desenvolvimento desigual entre as empresas capitalistas impede a eliminação da
concorrência e uma estabilidade total nos monopólios. Estes últimos, para continuar
acumulando e existindo nesse ambiente competitivo, tendem a se expandir ainda mais
com a abertura de filiais em vários países e novos acordos e fusões. É a concorrência
nacional e internacional que fomentam, assim, a concentração internacional da
produção e do capital (MANDEL, 1982).
Na década de 1890, inaugurando a fase do imperialismo clássico, houve um
acirramento da concorrência internacional. A sua expressão máxima é visualizada na
disputa por colônias entre os países imperialistas, com a presença da força militar do
Estado para garantir as condições de expansão de capital no mercado internacional. Há
um avanço na apropriação de imensos territórios coloniais, tanto pelas velhas potências
– Inglaterra, França e Rússia –, quanto por aquelas emergentes – Alemanha, Estados
Unidos da América (EUA) e Japão (LENIN, 2012). Só na última década do século XIX
eclodiram três guerras que exemplificam o avanço aos territórios coloniais.
De 1894 a 1895, explode a Primeira Guerra Sino-Japonesa entre Japão e China
pelo controle da Coréia. A vitória do Japão fez a China conceder-lhe as ilhas chinesas
de Taiwan e Pescadores, e a Península de Liaotung, na Manchúria. Poucos anos depois,
em 1898, desenvolve-se a Guerra Hispano-Americana entre EUA e Espanha pelo
controle de Cuba. De um lado, os EUA, que aspiravam controlar mercados em Cuba e,
52

do outro, a Espanha, que possuía o interesse de mantê-la como sua colônia. Com a
vitória dos EUA, o Tratado de Paris estabeleceu a concessão das ilhas espanholas de
Guam, Filipinas e Porto Rico aos norte-americanos. E, um ano após essa última guerra,
entre 1899 a 1902, eclode a Segunda Guerra Anglo-Boer entre o Império Britânico e as
Repúblicas de Transvaal e do Estado Livre de Orange, formadas pelos povos bôeres 21,
pelo controle da África do Sul. A vitória do Império Britânico lhe permitiu incorporar
os territórios sul-africanos sob o seu domínio.
Como se pode observar nessas guerras por colônias, as potências emergentes
também estavam se apropriando de territórios. Mas, as extensões territoriais apropriadas
pelas potências mais velhas, como a Inglaterra e a França, foram bem maiores. É
importante recordarmos que o imperialismo britânico exercia, nesse momento da
história, hegemonia mundial. O seu domínio era tão forte que ele chegou a ser visto por
todos os cantos do globo terrestre como um império onde “o sol nunca se põe” – de
fato, não havia pôr do sol para aqueles que estavam na linha de frente das guerras, assim
como para os operários ingleses e escravos subjugados nas colônias apropriadas.
Em Imperialismo, fase superior do capitalismo, Lenin já indica, em algumas
partes da obra, que a disparidade na expansão das colônias se inscreve dentro de uma
lógica que é imanente deste modo de produção capitalista: o desenvolvimento desigual
entre as empresas capitalistas e, mais amplamente, entre os países imperialistas, que se
desenvolvem com ritmos diferentes de expansão capitalista e, portanto, podem acumular
um volume maior ou menor de capital. Nas palavras desse autor,

A desigualdade na expansão colonial é muito grande. Se


compararmos, por exemplo, a França, a Alemanha e o Japão, que não
são muito diferentes quanta à área e ao número de habitantes,
verificamos que o primeiro desses países adquiriu quase três vezes
mais colônias (do ponto de vista da área) que o segundo e o terceiro
junto. Mas, pelo volume do seu capital financeiro, a França, no início
do período considerado, também era, talvez, várias vezes mais rica
que a Alemanha e o Japão juntos. As condições estritamente
econômicas não são as únicas a influenciar o desenvolvimento das
possessões coloniais; também jogam o seu papel condições
geográficas e outras. Por mais vigoroso que tenha sido, durante as
últimas décadas, o nivelamento do mundo e das condições econômicas
e de vida dos diferentes países sob a pressão da grande indústria, do
comércio e do capital financeiro, a diferença continua a ser, no
entanto, considerável; e entre os seis países mencionados [Inglaterra,
Rússia, França, Alemanha, Estados Unidos e Japão] encontramos, por

21
Descendentes de colonos calvinistas da Holanda, Alemanha e França que se estabeleceram na África do
Sul.
53

um lado, países capitalistas jovens que progrediram com uma rapidez


extraordinária (a América do Norte, a Alemanha e o Japão), e, por
outro, há países capitalistas velhos que, durante os últimos anos,
progrediram muito mais lentamente do que os anteriores (a França e a
Inglaterra); em terceiro lugar, o país mais atrasado economicamente (a
Rússia), no qual o imperialismo capitalista moderno se encontra
envolvido, por assim dizer, numa rede particularmente densa de
relações pré-capitalistas (LENIN, 2012, p. 114-115, grifos nossos).

Essa dinâmica de desenvolvimento se dá de maneira desigual e combinada,


aglutinando “relações de produção capitalistas, semicapitalistas e pré-capitalistas numa
unidade orgânica” (MANDEL, 1982, p. 220). Isso acontece tanto no interior de um
mercado nacional, combinando distintas etapas de produção, com ramos avançados e
menos avançados de diferentes regiões nacionais, quanto no mercado internacional entre
a produção dos países capitalistas desenvolvidos e aqueles periféricos.
Seguindo esse desenvolvimento, outras potências imperialistas apoiadas no
capital monopolista aparecem no cenário mundial, a exemplo dos EUA e da Alemanha.
Em relação à exportação de capitais, Huberman (1978) destaca que nos EUA,
particularmente, a sua expansão é verificada após 1900 quando as grandes corporações
já se encontravam controlando as principais indústrias – energia elétrica, petróleo e aço,
além das novas companhias de telefone e telégrafo e automóveis – e os seus capitais
excedentes penetraram e controlaram outros países22.
De maneira geral, a entrada no século XX sinaliza um novo boom econômico e
cultural, conhecido pela chamada belle époque cenário mundial. É nesse período, entre
o final do século XIX até o alvorecer da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que a
publicidade cresceu e as artes se transformaram, atingindo massas maiores a partir da
produção cultural do cinema e do jazz. (HOBSBAWM, 1988). Ademais, importantes
invenções tecnológicas se desenvolveram, sendo que algumas delas têm origem ainda
no final do século XIX. Esse foi o caso do fonógrafo, do telefone e do telégrafo; e,
próprios do século XX, aparecem: a transmissão de rádio, o automóvel e o avião – todos
eles possibilitados por uma Era da Eletricidade consolidada e por um excedente
disponível a ser aplicado nessa época.
Nesse momento, os meios de comunicação e de transporte se revolucionaram
estimulados por aquela transformação que já estava se processando na indústria pesada,
com a substituição dos motores a vapor por elétricos. Paralelamente, os avanços na

22
“Além da Nicarágua, Cuba, Filipinas, Porto Rico e Guam, os Estados Unidos possuem e controlam o
Havaí, Samoa, Panamá, São Domingos, Haiti, Alaska e as Ilhas Virgens”. (HUBERMAN, 1978, p. 232).
54

ciência e tecnologia também foram utilizados para o desenvolvimento da indústria


bélica, com sua produção acelerada de canhões, granadas, metralhadoras e armas
químicas tóxicas nos países imperialistas.
O progresso do boom econômico, com o retorno da elevação das taxas de lucros,
atingiu-se graças ao controle das matérias primas dos países periféricos e da
intensificação da captura de mais-valia do conjunto dos trabalhadores, tanto da periferia
como do centro. Segundo Hobsbawm (1988, p. 49, grifo do autor), durante o boom, “a
economia estava estruturada de maneira a transferir essa pressão dos lucros para os
operários. [...] Na França e na Grã-Bretanha, houve uma queda efetiva do salário real
entre 1899 e 1913”. Isso, por sua vez, gerou outro movimento: foi “uma das causas da
tensão e das explosões sociais ressentidas dos últimos anos anteriores a 1914” (idem).
O progresso das grandes invenções conviveu, também, como citamos outrora,
com o regresso: a ampliação de investimento na indústria bélica. O avião, ao mesmo
tempo em que permitiu o transporte de pessoas e bens de consumo com maior rapidez –
em comparação com os transatlânticos – acaba sendo utilizado como meio primário para
diminuir o tempo de rotação do capital de outros ramos e para aplicar o próprio capital
na produção de aviões de guerra. Do mesmo modo ocorreu com as transmissões de
rádio que, por um lado, colocou para a humanidade a possibilidade de ampliar o acesso
à informação social e à produção cultural musical e, por outro, “encontrou um uso
militar durante a Primeira Guerra Mundial” (DUARTE, 2010, p. 22).
O que estava na essência do elemento regressivo era a necessidade de continuar
expandindo capital, agora, em um maior grau de concentração e centralização atingido
pelos monopólios. A expansão da indústria bélica constituiu-se como uma alternativa de
investimento de excedente e como meio necessário para disputar mercados no plano
internacional. Ao descrever o elemento decisivo que incitou a Primeira Guerra Mundial,
Hobsbawm é muito claro:

[...] essa guerra, ao contrário das anteriores, tipicamente travadas em


torno de objetivos específicos e limitados, travava-se por metas
ilimitadas. Na Era dos Impérios, a política e a economia se haviam
fundido. A rivalidade política internacional se modelava no
crescimento e competição econômicos, mas o traço característico
disso era precisamente não ter limites. “As fronteiras naturais da
Standard Oil, do Deutsche Bank ou da De Beers Diamond-
Corporation23 estavam no fim do universo, ou melhor, nos limites de

23
Monopólios do petróleo, do capital financeiro e de diamantes, com origens norte-americana, alemã e
inglesa respectivamente.
55

sua capacidade de expansão” (Hobsbawm, 1987, p. 318) 24. [...] Na


década de 1900, no auge da era imperial e imperialista, tanto a
pretensão alemã a um status global único (“O espírito alemão
regenerará o mundo”, diziam) quanto a resistência a isso de Grã-
Bretanha e França, ainda inegáveis “grandes potências” num mundo
eurocentrado, continuavam intatas. (HOBSBAWM, 1988, p. 277).

Com uma tendência expansionista de capital cada vez mais acelerada, as


potências emergentes pressionaram uma nova partilha dos territórios que estavam, em
grande medida, sob a posse dos países capitalistas mais velhos. Essa nova partilha
ganha forma nas guerras imperialistas, do século XX, entre dois grandes blocos de
potências: as novas e as velhas.
Nesse contexto, a concorrência internacional aparece se desdobrando, entre os
países capitalistas mais desenvolvidos, numa disputa por aquilo que os territórios
podem lhes proporcionar: novos mercados consumidores (para escoar as mercadorias da
indústria) e campos de investimentos (para a exportação de capitais), com a
particularidade de que cada um busca exercer hegemonia econômica e cultural 25 a nível
mundial. Destacam-se, por exemplo, durante as guerras mundiais, a tentativa de
hegemonia da Alemanha contra a Inglaterra e a França; e, posteriormente, a busca de
hegemonia dos EUA, apoiado num nacionalismo revestido por um forte sentimento de
superioridade em relação à economia, ao estilo de vida e aos valores sociais capitalistas.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) beneficiou os EUA, o qual se torna
uma potência imperialista hegemônica. O mundo assiste a sua ascensão e a dependência
econômica dos países aliados europeus ao seu capital para o financiamento da guerra.
Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a sua hegemonia é consolidada com a
entrada maciça do seu capital nos países periféricos e centrais (HUBERMAN, 1978;
MANDEL, 1982).
Nesse período de pós-guerra, o capitalismo entra numa nova fase. Ela recebeu a
denominação, pelo economista Mandel (1982, p. 05), de “era do capitalismo tardio”.
Essa fase ou era não se trata de “uma nova época do desenvolvimento capitalista;
constitui unicamente um desenvolvimento ulterior da época imperialista, de capitalismo
monopolista”.
Para esse autor, é apenas nessa fase que podemos falar, realmente, numa
centralização internacional de capital, entendida como um “controle central de capital
24
Citação do próprio autor, resgatando um trecho de sua anterior A Era do Capital.
25
Sobre os meios de construir e tentar generalizar a hegemonia cultural nos países periféricos, consultar:
IANNI, Octavio. Imperialismo e cultura. Petrópolis: Vozes, 1976. (Sociologia brasileira, v. 5).
56

de diferentes origens e controles nacionais” por meio de “uma transferência de


propriedade, seja de um país para o outro, seja de um grupo nacional de proprietários de
capital para outros” (MANDEL, 1982, p. 227-229, grifo do autor).
Portanto, a centralização internacional distingue-se da abertura de filiais nos
diversos países e dos acordos estabelecidos, que seria parte da concentração
internacional. Para além disso, a centralização internacional pressupõe, no sentido
mandeliano, uma absorção de empresas e se constitui como uma forma de retirar a
soberania nacional de determinados países e exercer hegemonia econômica no cenário
mundial – de forma decisiva, no capitalismo tardio.
De maneira geral, a síntese que podemos elaborar disso tudo é que a
centralização não elimina a concorrência e esta última gera, ainda mais, concentração e
centralização de capitais nas economias capitalistas centrais. É a concorrência entre as
empresas capitalistas que impulsiona a fusão entre economia e política, desencadeando
uma luta, primariamente econômica, entre os Estados nacionais. O aumento da
capacidade produtiva dos monopólios, a fim de elevar as taxas de lucro, necessita, cada
vez mais intensamente, da intervenção desses Estados para continuar se expandindo
internacionalmente.
Ao conseguir aumentá-la, derivam-se dois fenômenos: 1) a produção torna-se
socializada e internacionalizada: dependente de um grande número de trabalhadores, de
uma grande massa de meios de produção em todo o mundo e, portanto, de um volume
maior de capital; e 2) há uma expansão na produção de mercadorias (superprodução) e
na acumulação de capital (superacumulação) que, por sua vez, promove uma
dificuldade de valorização de capital excedente (supercapitalização), nos termos de
Mandel (1982).
Como vimos, a crise de supercapitalização que ocorreu na grande depressão de
1873-1893, teve um papel central para impulsionar o capitalismo da fase concorrencial
para a monopolista. Para sair da crise e se reinventar, foi preciso escoar capitais
excedentes, fazendo uso dos estímulos das exportações de capitais nas economias
periféricas, da segunda revolução tecnológica, das grandes invenções e da indústria
bélica.
Na próxima seção, veremos quais são os fundamentos da crise do capital
excedente e algumas alternativas que buscam aliviá-la temporariamente.
57

2.3 Crise do capital excedente e as alternativas capitalistas às manifestações da


crise

A dinâmica de acumulação de capital no Modo de Produção Capitalista (MPC) é


caracterizada por funcionar a partir do movimento gerado pela luta de forças contrárias
entre capital e trabalho. Essas forças contrárias exigem uma unidade para sobreviver,
isto é, para continuar valorizando capital. Por isso, a instauração de uma crise capitalista
é o momento em que as contradições entre capital e trabalho tornaram-se agudas e a
unidade fora alcançada à duras penas, lançando diversos efeitos para o lado do trabalho.
A crise, portanto, é o resultado do conflito de contradições e, ao mesmo tempo, o
caminho que se abre para resolvê-lo temporariamente. A definição de Marx é muito
sintética e expressou exatamente isso. Segundo ele, “O conflito entre as forças
antagônicas desemboca periodicamente em crises. Estas são sempre apenas violentas
soluções momentâneas das contradições existentes, erupções violentas que restabelecem
por um momento o equilíbrio perturbado.” (MARX, 2017, p. 248).
Mas, quais são essas contradições especificamente? No geral, elas são fundadas
na dinâmica da produção do capital e se revelam nas relações sociais entre as classes
sociais no processo de produção e na sociedade26. Entre o conjunto de várias outras
contradições, uma delas é a contradição entre a expansão da produção e a valorização
do valor expresso em mercadorias e capitais.
A valorização do valor é o objetivo e a expansão da produção é o meio para
alcançar tal objetivo. A contradição acontece quando as forças produtivas se
desenvolvem, produzem de forma ilimitada e se autonomizam do seu objetivo primário,
imprimindo uma tendência contrária à valorização do valor e às relações entre as classes
na produção. Nas palavras de Marx (2017, p. 248), trata-se da tendência de se
desenvolver “abstraindo do valor – e do mais-valor nele incorporado – e também das
relações sociais no interior das quais se dá a produção capitalista”.
Como a expansão da produção ocorre pelo aumento da capacidade produtiva e,
como esta última acontece por uma diminuição absoluta ou relativa de capital variável
(força de trabalho) em relação ao capital constante (meios de produção), isso provoca

26
O capital possui um “caráter processual [...] que é valor que busca valorizar-se, expandir-se – capital é
movimento, dinamizado pelas suas contradições”. Em paralelo, também é uma “relação social e as
relações sociais são, antes de mais, relações de essência histórica: são mutáveis, transformáveis.
Resultantes da ação dos homens, exercem sobre eles pressões e constrangimentos, acarretam efeitos e
consequências que independem da sua vontade; mas, igualmente, são alteráveis e alteradas pela vontade
coletiva e organizada das classes sociais”. (NETTO; BRAZ, 2012, p. 169, grifo dos autores).
58

uma queda tendencial da taxa de lucro. Mas, longe de permanecer nela e desencadear o
fim da produção de capital, influências se manifestam e tentam revertê-la por um
momento, quais sejam: i) aumento do grau da exploração do trabalho; ii) diminuição do
salário abaixo do seu valor real; iii) barateamento do capital constante; iv)
superpopulação relativa; v) comércio exterior; e vi) aumento do capital portador de
juros (MARX, 2017). É por isso que a crise, ao mesmo tempo em que explicita
contradições, se configura como um período de reinvenção.
Ao lado da queda tendencial da taxa de lucro, também se manifestam a anarquia
da produção e do mercado e o subconsumo das massas (NETTO; BRAZ, 2012). Em
relação à anarquia da produção-mercado, Wellen (2012) destaca que o interesse
individual de cada um dos capitalistas de aumentar a produtividade de sua empresa
colide com a incapacidade de absorção da produção global da classe capitalista pelo
mercado. Se, no seu interior, cada empresa pode controlar a produção e aumentar sua
capacidade produtiva, o mesmo não pode ocorrer externamente no mercado. Não há
como assegurar um retorno de vendas:

[...] o momento de realização da venda requer outras mediações, nem


sempre apreendidas pelos capitalistas, visto que o mercado não é
controlado ou controlável da mesma forma que se organiza e planeja
a produção dentro das empresas. Para que a venda seja realizada é
preciso que existam pessoas que executem sua compra e, nesse
ínterim, sempre vão existir margens de imprevisão. Mesmo que a
empresa invista nas mais diversas formas de manutenção e ampliação
de sua clientela, a busca incessante pela ampliação da acumulação e
o aumento da maior produtividade provocarão um desequilíbrio
constante entre os interesses internos e a capacidade de realizá-los.
Torna-se inevitável, portanto, a colisão entre produção e venda.
(WELLEN, 2012, p. 371, grifo nosso).

Essencialmente, essa contradição é condicionada por outra contradição mais


fundamental:

Como, dentro dos marcos do capitalismo, não existe forma de efetivar


a apropriação social, a contradição entre planejamento interno na
empresa e anarquia no mercado alcança, nos seus níveis mais
elevados, uma marca na economia que se faz sentida por todos: um
elevado descompasso entre a produção e consumo, gerando crises
históricas. (WELLEN, 2012, p. 373, grifo nosso).

Como Wellen apontou, não existe uma forma de apropriação social da produção
social. As crises aparecem explicitando, então, a contradição estrutural do MPC entre a
59

produção social e a apropriação privada. Nesse sentido, não se trata de algo natural
decorrente de desastres ambientais, guerras ou pandemias, embora tais condições se
configurem como detonadores e tornem as contradições mais visíveis. No fundo, há
uma determinação econômica e social na crise capitalista que deriva da lógica do modo
de produzir e das relações sociais que são estabelecidas no entorno dessa produção entre
produtores e apropriadores.
Em se tratando do seu modo de produzir, é preciso distinguir dois processos da
dinâmica de acumulação que são interdependentes, mas se constituem como momentos
distintos: 1) a captura de mais-valia, no âmbito da produção; e 2) a sua realização na
esfera da circulação. Sendo momentos diferentes, a mais-valia não se realiza
imediatamente.
A realização da mais-valia depende, de fato, da capacidade de venda das
mercadorias. Ao mesmo tempo, aquela mais-valia já convertida e acumulada em capital
requer novos investimentos. Nesse sentido, uma superprodução de mercadorias pede
uma intensa capacidade de venda e, do mesmo modo, uma superacumulação de capitais
requer superinvestimentos.
No debate das crises, há perspectivas que enfatizam um ou outro polo para
explicá-las. Mandel (1990) traz essa discussão ao tratar das crises em A crise do
capital: os fatos e suas interpretação marxista. Ele indica que há duas escolas que se
confrontam: por um lado, a que explica as crises pelo “subconsumo das massas
(superprodução de bens de consumo)”. E, de outro, a escola que as explica pela
“superacumulação de capitais (insuficiência de lucro para continuar a expansão de
capital)” (idem, p. 209).
A crítica de Mandel refere-se ao isolamento dessas explicações, ao realçar um
polo em detrimento do outro, e a consequência disso: subsidiar saídas mecanicistas para
as crises. Enquanto aquela primeira abre brechas para uma saída pela via do aumento
dos salários para gerar capacidade de pagamento, na perspectiva keynesiana de criação
de demanda efetiva, aquela última pode recair nas alternativas do aumento dos
investimentos capitalistas e da redução salarial para retomar o crescimento dos lucros –
todas elas como possíveis soluções para a crise.
Para Mandel, ambas as escolas deram contribuições valiosas, mas o erro
cometido foi separar o que está organicamente ligado, uma vez que “O modo de
produção capitalista é, ao mesmo tempo, produção mercantil generalizada e produção
para o lucro das empresas” (MANDEL, 1990, p. 209). É, ainda, um “sistema voltado
60

para a produção de uma massa incessantemente crescente de mais-valia (de


sobretrabalho) e um sistema em que a apropriação real dessa mais-valia subordina-se
à possibilidade de vender realmente as mercadorias que contêm tal mais-valia” (idem,
grifo nosso).
Como se pode perceber, Mandel relaciona a produção de mercadorias com o
lucro que, por sua vez, depende da captura de mais-valia na produção e de sua
realização na circulação, as quais requerem a ampliação das respectivas capacidades de
produção e de venda. Essa relação é importante ao entendimento de que, para além de
uma superprodução de bens de consumo, de valores de uso nos termos de Marx, no
capitalismo monopolista se produz mercadorias para a obtenção de superlucros ou, pelo
menos, de lucros médios, para usar os termos de Mandel (1982).
Por isso, o economista belga aponta, mais à frente, que a superprodução é,
essencialmente, uma superprodução de valores de troca. Isso significa que as
mercadorias não encontram, no mercado, capacidade de venda a preços suficientes para
atingir os lucros esperados. Da mesma forma, aqueles capitais recentemente
superacumulados27 encontram dificuldade de empreender novos investimentos no setor
produtivo que venham a garantir tais lucros no mercado e, logo, tendem a ser
canalizados para outros setores menos rentáveis. Ou seja, os capitais passam a penetrar
cada vez mais nos setores improdutivos, em vez de setores produtivos. Nesse sentido,
podemos dizer que existem entraves tanto no interior da produção, como na esfera da
circulação.
A contribuição de Mandel na explicação da crise é, portanto, de que não dá para
explicá-la somente pela via da produção ou apenas pela via do mercado, mas é preciso
considerar a sua relação. Ele recupera, então, a unidade na diversidade entre produção e
circulação, na medida em que considera a influência recíproca de uma sobre a outra,
ainda que sejam momentos diferentes.
Entretanto, não obstante elas se relacionem reciprocamente, o autor concebe a
produção como elemento determinante, tendo em vista que ela é o ponto inicial do ciclo
a partir da ampliação da capacidade produtiva – por meio da alteração da composição
orgânica do capital –, que permite a existência de um excedente de produção
(mercadorias). Tal pensamento está em consonância com o que Marx havia explicitado

27
Em O capitalismo tardio, esse pensador elucida que “O conceito de superacumulação não é jamais
absoluto, mas sempre relativo: não há nunca capital “em demasia”, em termos absolutos; há muito capital
em disponibilidade para que se atinja a taxa média social de lucros esperada”. (MANDEL, 1982, p. 75-
76).
61

na sua Introdução à crítica da economia política, de 1857, quando tratou da


organicidade do ciclo do capital, vejamos:

O resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, a


troca, o consumo, são idênticos, mas que todos eles são membros de
uma totalidade, diferenças em uma unidade. A produção excede-se
tanto a si mesma, na determinação antitética da produção, que
ultrapassa os demais momentos. O processo começa sempre de novo a
partir dela. Compreende-se que a troca e o consumo não possam ser o
elemento predominante. O mesmo acontece com a distribuição como
distribuição dos produtos. Porém, como distribuição dos agentes de
produção, constitui um momento da produção. Uma [forma]
determinada da produção determina, pois, [formas] determinadas do
consumo, da distribuição, da troca, assim como relações recíprocas
determinadas desses diferentes fatores. A produção, sem dúvida, em
sua forma unilateral, é também determinada por outros momentos;
por exemplo, quando o mercado, isto é, a esfera das trocas, se estende,
a produção ganha em extensão e divide-se mais profundamente. Se a
distribuição sofre uma modificação, também varia a produção; por
exemplo, com a concentração do capital, com uma distribuição
diferente da população na cidade e no campo etc. Enfim, a
necessidade de consumo determina a produção. Uma ação recíproca
ocorre entre os diferentes momentos. Esse é o caso para cada todo
orgânico. (MARX, 2008, p. 257, grifo nosso).

Em conformidade com a análise marxiana do ciclo do capital, a perspectiva


mandeliana de crise é concebida como “uma manifestação da queda tendencial da taxa
de lucro, ao mesmo tempo em que revela a superprodução de mercadorias” (MANDEL,
1990, p. 213). Nesse pensamento, há três elementos marxianos incorporados na análise
da crise, quais sejam: 1) a lei geral da acumulação capitalista que leva a uma elevação
da composição orgânica do capital e uma queda da taxa tendencial de lucro – inevitável
em meio à concorrência e a necessidade de expansão da acumulação; 2) a teoria do
valor-trabalho a partir de Marx; e, implicitamente, 3) a contradição estrutural entre a
produção social e a apropriação privada da riqueza socialmente produzida, determinada
na produção e manifestada nas esferas da circulação e do consumo.
Dando ênfase a esse terceiro elemento, mas sem desconsiderar as leis
fundamentais, Carcanholo (1996), na sua investigação, acrescenta ao debate das crises
tratando da sua causa e formas de manifestação. Ele chama atenção para a necessidade
de distinção entre causa e manifestação da crise, demarcando o seu conteúdo e as suas
formas. Para ele, a causa da crise apresentada por Mandel consistiu numa síntese do
conjunto de interpretações sobre as suas manifestações, ou seja, são elementos que se
62

expressam quando a crise já está acontecendo. Para encontrar a causa, é preciso definir e
entender o conteúdo da crise.
Tal conteúdo reporta-se à própria característica deste modo de produzir que
seria, a seu ver, o fundamento da crise: “Produção ilimitada de mercadorias,
consumidores abundantes e barreiras para o consumo, tudo isto provocado pelas
mesmas leis, pela dinâmica do capitalismo, este é o conteúdo do fenômeno crise”
(CARCANHOLO, 1996, p. 175, grifo do autor). E, a partir desse conteúdo da crise, é
possível chegar à sua causa:

A crise nada mais é do que a consequência violenta da contradição


entre o caráter social da produção e a característica privada da
apropriação capitalista. A causa do aparecimento de crises no modo de
produção capitalista é a divergência entre as condições de produção e
as de realização (apropriação). É a divergência entre o caráter social
de uma e o caráter privado da outra. Esta contradição, que se encontra
na essência do modo de produção capitalista, é o que explica a
irrupção de crises no processo de acumulação de capital
(CARCANHOLO, 1996, p. 181).

Uma vez que a causa da crise se situa nessa contradição mais fundamental entre
produção social e realização privada, as alternativas à crise, no curso da história, não
foram capazes de eliminá-la, pois estiveram direcionadas às suas formas de
manifestações capitalistas, atuando também de forma capitalista na produção-venda e na
produção-consumo.
Na produção-venda, ocorre uma ampliação e controle dos mercados via
exportação de capitais e formação de monopólios, assim como um estímulo à venda. E,
na produção-consumo, atua-se tanto no estímulo à venda, quanto na geração da
capacidade de pagamento por meio do crédito e das iniciativas do Estado. Em tempos
de crise e retomada da acumulação, essa atuação pode se intensificar, não obstante ela
se faça presente continuamente.
Anteriormente, vimos que é necessário, para o excedente produzido
(mercadorias e capitais), encontrar um modo de realização no mercado. Se esse
excedente não se dirige, suficientemente, para as grandes massas, que convive com o
persistente subconsumo – decorrente daquela contradição mais fundamental –, para
onde, então, ele vai?
Baran e Sweezy (1978) nos entregam algumas pistas sobre isso, ao se
debruçarem sobre as formas alternativas de absorção do excedente no âmbito da
63

circulação28, tomando por base a dinâmica do capitalismo monopolista nos EUA. De


acordo com eles, o excedente pode ser consumido, investido ou desperdiçado. Nesse
sentido, existem quatro formas principais de absorção de excedente: 1) consumo dos
capitalistas e os seus investimentos; 2) campanhas de vendas; 3) administração civil
(governo); e 4) militarismo.
Quanto aos investimentos capitalistas, especialmente as exportações de capitais
ao exterior que vimos na seção anterior, eles mostram que se trata apenas de um
remédio. Como tal, tem um efeito temporário e, de quebra, ainda pode trazer sequelas,
pois o investimento no exterior acaba transferindo mais excedente para o país
investidor. Portanto, eles não podem ser considerados como um escoadouro capaz de
resolver o acúmulo de excedente em longo prazo.
Para Baran e Sweezy (1978), o capitalismo monopolista possui uma dinâmica
autocontraditória que cria excedente e, simultaneamente, não consegue desenvolver
formas de absorvê-lo na mesma proporção de seu crescimento. Contudo, reafirmam a
existência de forças contrárias capazes de reverter tendências por um momento. A seu
ver, as forças contrárias que se situam na circulação e impedem um colapso total do
capitalismo são os setores improdutivos, os quais atuam como escoadouros de
excedente econômico: as campanhas de vendas, o Estado e o militarismo.

28
Para esses economistas, existe um problema, no capitalismo monopolista, em relação à tendência
decrescente da taxa de lucro, qual seja: considerar que as barreiras à expansão capitalista estão na
escassez de excedente para impulsionar a acumulação e não na sua abundância. Segundo eles, no
capitalismo monopolista, há uma substituição da lei da tendência decrescente da taxa de lucro pela lei do
excedente crescente. Eles tratam de maneira separada aquilo que se vincula de forma orgânica (produção
e circulação), como apontou anteriormente Mandel (1990). E acrescentaríamos, além disso, o fato de
associar a tendência decrescente da taxa de lucro com massa menor de excedente. Apesar das lacunas
existentes no debate da criação do excedente, a contribuição desses pensadores é pertinente ao tratar das
alternativas de absorção de um excedente crescente no âmbito da circulação, que também consiste numa
análise fundamental para o entendimento das saídas do capital para os setores improdutivos.
64

3 INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL NO CAPITALISMO MONOPOLISTA:


condições originárias e de desenvolvimento

O objetivo deste capítulo é analisar o papel do fordismo na constituição das


condições para a industrialização cultural, tendo como ponto de partida dois eixos
principais: o processo de trabalho e a intensificação da produção de mais-valia relativa
na indústria produtiva e a sua necessidade de realização na circulação.
Contudo, diferentemente do primeiro capítulo, cuja ênfase estava nos
fundamentos da geração e crise do excedente econômico, neste segundo nosso esforço é
transitar, ao longo do texto, para a circulação e o consumo em tempos históricos
específicos – o imperialismo clássico e o capitalismo tardio –, embora incorporando a
centralidade da produção e da crise do excedente de força de trabalho, mercadorias e
capitais para a industrialização cultural.
No decorrer da análise, identificaremos que a origem da industrialização cultural
localiza-se nos EUA e, na década de 1930, se alastra para a Europa, impulsionada pela
crise econômica de 1929/32. É a centralidade dessa crise que coloca entraves para a
produção fordista e exige novos estímulos para a absorção excedente. Como grandes
invenções de uma época, veremos que o cinema falado e o rádio serviram como um
desses estímulos, ao vincular o monopólio da indústria pesada com o monopólio da
cultura.
Com o avanço da análise, ficará notório que o sentido do termo “industrialização
cultural” remete-se tão somente à penetração do fordismo como processo de trabalho na
circulação, na medida em que se desenvolve o “mercado de consumo de massa”. Isso,
portanto, não significa, do ponto de vista da produção global, uma indústria cultural
produtiva que cria mais-valia, mas uma indústria mecanizada, na perspectiva da
organização fordista do trabalho, que a absorve na circulação.

3.1 A produção fordista e a crise do capital: condições originárias da industrialização


cultural no imperialismo clássico

No capítulo anterior, visualizamos que o capital excedente chega num patamar


alto de concentração e centralização, conformando uma nova fase do capitalismo onde
predomina os monopólios. Nessa fase, a captura de mais-valia é mais elevada devido às
tecnologias e métodos aplicados na produção. Na virada para o século XX, essa busca
65

por mais-valia, na sua forma relativa, determinou uma das características do capitalismo
monopolista: o fato de obter, além do controle da escala da produção e do mercado,
maior controle sobre o processo de trabalho.
Na indústria produtiva, o objetivo desse último controle é potencializar a captura
de mais-valia relativa pela via da intensidade do movimento da força de trabalho em um
tempo menor. Evidentemente, ele não pode ser visto descolado, primeiramente, da
Grande Depressão que vigorou entre 1873/93 (MANDEL, 1982) e, posteriormente, da
estagnação de 1907/15 (BARAN; SWEEZY, 1978), as quais exigiram uma
reorganização do processo de trabalho.
Nos termos de Hobsbawm, se alterou o modus operandi, pois se percebeu que,
para “maximizar os lucros”, era necessário “racionalizar a produção e a direção das
empresas aplicando "métodos científicos" não só à tecnologia, mas também à
organização e aos cálculos” (1988, p. 52, grifo nosso). Os grandes monopólios
passaram a aderir à organização taylorista na produção capitalista.
A organização taylorista teve como principais métodos a transferência do
controle do processo de trabalho para um corpo de gerentes contratados; tempo e
movimento cronometrados; e o sistema de pagamento de salários por produção. Ela
surge entre meados de 1880 a 1890 com a formulação das ideias do norte-americano
Frederick Taylor a partir da sua experiência na indústria siderúrgica estadunidense
(HOBSBAWM, 1988).
Já o fordismo, nasce em 1913, idealizado pelo norte-americano Henry Ford,
tendo como principais características a produção em massa por meio da linha de
montagem, a elaboração de produtos homogêneos, a redução dos custos de produção e
do preço unitário de venda, o trabalho parcelado, as fábricas concentradas e
verticalizadas, combinando com os métodos tayloristas de controle (ANTUNES, 1998;
GOUNET, 1999). As fábricas de Ford introduziram as “oito horas e cincos dólares”
para estimular a elevação da produtividade do trabalho no menor tempo possível – fato
que dependia do ritmo do trabalhador – e, ao mesmo tempo, forçar um consumo em
massa. Constrói-se a perspectiva de que esse trabalhador, que trabalha com uma jornada
de trabalho reduzida, deverá dedicar o seu tempo livre a utilizar o seu salário,
consumindo no mercado a produção em massa.
A análise do papel do fordismo na industrialização cultural, portanto, tem como
ponto de partida, na investigação, a sua relação com dois eixos principais: do ponto de
vista do processo de trabalho, ou seja, em como o trabalho se organiza para produzir
66

em diferentes ramos; e se relaciona, simultaneamente, do ponto de vista da produção de


mais-valia relativa, na indústria produtiva, e a sua necessidade de se realizar na esfera
da circulação pela mediação da venda da mercadoria.
Em relação ao processo de trabalho, Gounet (1999) alerta que as transformações
que ocorreram na organização do trabalho dentro do setor automobilístico se
espalharam para outros ramos industriais. Dentre esses ramos, se inseriram aqueles que
se vinculam à cultura: os ramos que produzem mercadorias culturais, como a produção
cinematográfica e musical, por exemplo, e os ramos que produzem os aparelhos
necessários para reproduzi-los: o gramofone, que reproduz em série o som dos discos
musicais, e o cinematógrafo, destinado à projeção de imagens em movimento, isto é, de
filmes. Na relação de interdependência entre esses ramos – da produção cultural e dos
aparelhos –, é a produção da aparelhagem que facilita a reprodução em série dos
produtos culturais.
Vejamos o que nos diz Duarte (2010) sobre as repercussões de uma dessas
grandes invenções para a industrialização cultural:

Pressuposto dessa indústria [fonográfica] foi o rápido


desenvolvimento da tecnologia de gravações de som: já em 1877,
Thomas Edison conseguiu pela primeira vez registrar mecanicamente
vozes humanas num cilindro de cera, num aparelho a que ele atribuiu
o nome comercial de “fonógrafo”. Esse aparelho tinha ainda grandes
desvantagens, tais como a má qualidade de som e o fato de que cada
gravação podia ser usada numa só audição. O aperfeiçoamento desse
aparelho foi o “gafofone”, de Alexander Graham Bell, cujos cilindros
permitiam múltiplos usos de uma mesma gravação, mas tinham o
inconveniente de exigir uma gravação por cilindro, não permitindo
sua reprodução em série. (DUARTE, 2010, p. 23, grifo nosso).

E continua:

O avanço decisivo nessa direção coube, em 1887, a um inventor de


origem alemã, residente nos Estados Unidos, Emile Berliner, que, com
seu “gramofone”, eliminou os cilindros e introduziu os discos,
inicialmente feitos de vidro, de zinco ou mesmo de plástico. A forma
plana permitia a reprodução em série, a partir de um discomestre, o
que facilitou a produção industrial, com a consequente inclusão da
gravação sonora na categoria de meio da cultura de massas. Emile
Berliner foi também um exímio negociador de suas invenções, pois,
pouco tempo depois de inventar o gramofone, fundou a empresa The
Gramophon Company, para a qual contratou cantores como Enrico
Caruso e Nellie Melba, num movimento que deu origem a gravadoras
importantes no período posterior como a Deutsche Grammophon e a
Gramophone Co. inglesa. [...] Beliner vendeu o direito de fabricação à
67

Victor Talking Machine Company (RCA), que iniciou a produção


massiva dos aparelhos. (DUARTE, 2010, p. 23, grifo nosso).

Como podemos observar, no caso da indústria fonográfica, a invenção do


gramofone introduziu os discos e a possibilidade técnica de sequência musical, assim
como a sua produção estimulou a origem de gravadoras de som e a contratação de
cantores. Contudo, ainda que o Gramofone tenha surgido em 1887, nos EUA, ele não é
produzido e consumido em massa de imediato.
Conforme Duarte (2010, p. 24, grifo nosso), “tanto os gramofones quanto os
discos com gravações musicais eram muito caros” e somente barateou o consumo
quando “a economia de escala permitiu um barateamento dos custos de produção”.
Noutras palavras, produziu-se em massa quando a escala de produção dos monopólios
culturais penetrou na indústria de discos e aparelhos, acompanhados da forma
organizativa do fordismo, a qual fora adotada pelas mais diversas empresas.
Na mesma linha ocorre com o cinematógrafo que, embora tenha surgido na
França, em 1895, introduzindo-se nas experiências de indústria cinematográfica na
Europa, a produção massiva de filmes acompanhado do seu monopólio não ocorre
imediatamente nos países europeus, mas localiza-se nos EUA, a partir da “ascensão de
Hollywood como principal centro produtor de filmes em bases verdadeiramente
industriais”. Para sermos mais exatos, o marco dessa produção se dá “[...] depois de
1910 [quando] começaram a ser construídos grandes estúdios cinematográficos na
Califórnia [...] que ficaria depois famosa como a meca da produção cinematográfica:
Hollywood” (DUARTE, 2014, p. 22-23).
Além disso, dentro da própria crítica realizada por Adorno e Horkheimer (1985
p. 109) à “indústria cultural”, também é possível identificar que a produção em massa
de larga escala e monopolizada não se deu, primeiramente, na Europa. Eles chegam a
afirmar que “a Europa pré-fascista” estava “atrasada relativamente à tendência ao
monopólio cultural”, afirmando, em seguida, que “era esse atraso que deixava ao
espírito um resto de autonomia”.
Ou seja, isso significa que, até 1930, para esses filósofos alemães, os produtos
culturais produzidos nos países europeus e, em especial na Alemanha, mantinham ainda
certa autonomia em relação ao mercado, no sentido de que as produções culturais dos
artistas não estavam completamente submetidas às decisões do monopólio da cultura.
Outrossim, em Mandel (1982), o período que corresponde entre 1890 até o ano de 1933,
68

na Alemanha, também é considerado como um momento de certa autonomia para as


“realizações culturais do proletariado”, somente perdendo essa característica após o
período supracitado. Nas suas palavras,

As realizações culturais do proletariado, conquistadas pela ascensão e


luta da moderna classe operária (livros, jornais, a auto-educação, os
esportes, a organização etc.) perderam aquelas características de
atividade genuinamente voluntária e de autonomia com relação ao
processo capitalista de produção e circulação de mercadorias, que as
definiam no período do imperialismo clássico (especialmente notável
na Alemanha, entre 1890 e 1933), e foram introduzidas cada vez mais
na produção e circulação capitalista (MANDEL, 1982, p. 275).

Seguramente, até 1933 a monopolização cultural e a produção em massa de


mercadorias culturais não haviam penetrado na Alemanha. Em contrapartida, nos EUA,
os estúdios cinematográficos de Hollywood, com sua produção de filmes em larga
escala, já dava os seus primeiros passos. A nosso ver, a explicação da demora da
consolidação do fordismo na Europa pode ser buscada nas tendências gerais econômicas
e políticas, as quais colocaram entraves à generalização da produção em massa fordista-
taylorista dentro dos EUA que, por conseguinte, refletiu nos países europeus.
Harvey (2008) aponta que a universalização do fordismo-taylorismo só
aconteceu no segundo pós-guerra e localiza os entraves dando ênfase à esfera política, a
qual estaria impedindo a sua generalização: 1) o estado das relações de classe; e 2) a
atuação do Estado que precisava ser alterada. O primeiro se refere à resistência dos
trabalhadores em aderir a um processo de trabalho rotinizado, parcelado, intenso e sem
qualquer poder de decisão do trabalhador sobre o ritmo da produção. Nesse sentido,
dada à hostilidade dos trabalhadores norte-americanos aos novos métodos e técnicas,
Ford recorreu de início à força de trabalho imigrante.
Já o segundo elemento diz respeito à demanda por uma nova forma de
intervenção estatal que, no fundo, fosse capaz de “atender aos requisitos da produção
fordista”. Tal alteração somente foi possível com o início da “depressão selvagem e do
quase-colapso do capitalismo na década de 30” (HARVEY, 2008 p. 124). Noutros
termos, criava-se, com a crise do capital, a necessidade de uma intervenção estatal na
economia para conter os efeitos manifestados na segunda Grande Depressão de
1929/32, estimulando a produção em massa e o consumo.
É o que Harvey (2008) chama da exigência, que parte do regime de acumulação,
por uma “regulamentação social e política” que se associe a ele e o mantenha
69

funcionando, ainda que temporariamente. Isso pressupõe uma mudança na


operacionalização do Estado e, acrescentaríamos ainda, o desenvolvimento de um
mercado29 de consumo na sociedade. Ambos, por sua vez, foram condicionados pelas
crises de superprodução e superacumulação, ou seja, pela produção de um excedente
em expansão que explicitava as suas dificuldades de realização, sinalizando o
esgotamento de velhos estímulos e a necessidade de novos para absorver o excedente –
que, como vimos no capítulo anterior, é sempre excedente de força de trabalho,
mercadorias e capitais.
Embora o início do século XX tenha sido de grande expansão do imperialismo
norte-americano com suas exportações de capitais excedentes a nível mundial, a
conjuntura econômica dos EUA no período que a antecede (1907-1915), cujos últimos
três anos coincidem com o surgimento da combinação fordista-taylorista, fora marcado
por dificuldades de realização de excedente.
Não era, ainda, uma Grande Depressão nas proporções da Crise de 1929, mas
Baran e Sweezy (1978) destacam que havia fortes indícios de uma estagnação (1907-
1915) expressos, principalmente, no aumento brusco do desemprego e na capacidade
ociosa da produção nos EUA. Além disso, exatamente em 1907 nota-se um
enfraquecimento do principal estímulo externo do capitalismo monopolista dos anos
anteriores: as construções das estradas de ferro. Elas terminam, nesse ano, a sua era de
meio basilar de aplicação de grandes investimentos.
Nesse sentido, Baran e Sweezy (1978) formulam a seguinte questão: como
existe uma dificuldade de absorção de um excedente crescente no capitalismo
monopolista, ele precisa de estímulos externos para tentar absorvê-lo e neutralizar os
efeitos depressivos. Para eles, esse é o papel assumido pelas grandes invenções de uma
época, as quais impactam radicalmente a economia, criando novos bens e serviços e, a
partir disso, elas absorvem excedente e ampliam mercados para investimentos.
Esse também é o papel das guerras e suas repercussões, ou seja, o momento de
combate em que o excedente é aplicado nas despesas militares e, após ele, o período de
reconstrução dos países afetados, que abre uma nova oportunidade para novos
investimentos.

29
Trataremos sobre o desenvolvimento do mercado de consumo no capitalismo tardio na próxima seção.
70

No entanto, esses estímulos não são capazes de neutralizar efeitos depressivos de


forma permanente, pois eles próprios tendem a enfraquecer ou até mesmo a
desaparecer. As ferrovias servem de exemplo de um estímulo enfraquecido:

Se estivermos certos, foi em 1907 que o maior estímulo externo da


história capitalista [ferrovias] perdeu sua tremenda força. [...] O
impulso produzido por um invento que marcou época se tinha
esgotado. O invento de vulto que se seguira, o automóvel, acaba de
aparecer no cenário econômico e até aquele momento exercia pouca
ou nenhuma influência, globalmente, na economia. Ainda decorria
boa parte de uma década antes que os Estados Unidos entrassem numa
guerra importante (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 227).

E, por outro lado, a Primeira Guerra Mundial a partir de 1914, juntamente com a
produção de automóveis em bases taylorista-fordistas, no período da guerra, se
apresentaram como novos estímulos:

[...] se a Primeira Guerra Mundial não tivesse ocorrido a década 1910-


1920 ficaria na história dos Estados Unidos como um período de
extraordinária depressão. Não estamos querendo afirmar que a Grande
Depressão teria ocorrido uma década e meia antes. Por volta de 1915,
a era do automóvel já estava em pleno andamento e o grande impacto
que provocou nos padrões de vida e nos hábitos de consumo
provavelmente teria originado um surto de prosperidade mesmo se a
guerra não tivesse chegado. Mas, antes disso, o país teria recebido
uma boa lição de quão profundas e penetrantes são as forças da
pressão em atividade numa economia capitalista monopolista; e
certamente a Grande Depressão, quando viesse, não causaria tamanho
choque (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 233).

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) se apresentou, essencialmente, como o


impulso necessário para o excesso de produção e de capitais norte-americanos. De fato,
cresceram as exportações de “Automóveis [norte] americanos, máquinas de escrever,
material elétrico, lâminas de barbear, filmes, banheiras, canetas tinteiro”, pois havia
“um excesso de produção do qual tinham que se desfazer, mas também excesso de
capital” (HUBERMAN, 1966, p. 227).
Enquanto a Europa vivenciava a guerra, os EUA, no primeiro momento30,
assumiram uma postura isolacionista de não participar diretamente do conflito, mas
entraram como principal financiador. Dessa forma, além de terem expandido as
exportações das mercadorias indicadas anteriormente, os EUA proveram os
mantimentos da guerra – alimentos, armamentos e empréstimos de dinheiro aos países

30
Em 1917, os EUA declara guerra contra a Alemanha.
71

aliados. O resultado desse surto de exportações foi que, ao terminar a guerra, esse país
se tornou uma potência imperialista de grande influência 31 no cenário mundial.
Com o desaparecimento do estímulo externo da guerra em 1918, foi o surto
automobilístico que serve como novo estímulo principal até 1929, tanto devido à
produção em massa do automóvel em si e a existência de mercados consumidores
externos, quanto aos efeitos que essa produção trazia para outros setores, promovendo
“suburbanização, construção de rodovias, indústrias derivadas etc.” (BARAN;
SWEEZY, 1978, p. 234). Além de atingir esses setores de maneira indireta, a produção
de automóveis aplicou, diretamente, investimentos no setor cultural. Henry Ford, por
exemplo, foi um grande investidor de produções cinematográficas próprias da Ford
Motor Company. Segundo França (2016, p. 60),

A Ford foi a primeira indústria de bens de consumo norte-americana a


possuir o seu próprio estúdio cinematográfico. Entre 1914 e 1932,
produziu filmes com a mesma eficiência e com o mesmo objetivo com
que produzia carros: estabelecer territórios de existência
comercializados, impondo nas mentes e nos corpos das pessoas que
vivem da renda do trabalho, a percepção de que estão perpetuamente
sedentos pelo consumo de novas maneiras de ver e de sentir, de ser e
de perceber. Em abril de 1914, após a produção de seu primeiro filme,
How Henry Ford Makes One Thousand Cars a Day32 (1914), o
empresário decide investir maciçamente no departamento de
publicidade da empresa. Seguindo os passos de seu amigo pessoal
Thomas Edison, em poucos meses já estava em pleno funcionamento
um dos maiores estúdios cinematográficos fora de Hollywood.

O objetivo de Henry Ford foi, claramente, aplicar seus capitais em um novo


nicho de mercado que estava se desenvolvendo: o ramo cinematográfico. No fundo,
longe de ser apenas uma produção cultural ao trabalhador estadunidense, tal ramo
possibilitava dar visibilidade à empresa, ao se configurar como um modo de
propagandear os automóveis produzidos e o estilo de vida norte-americano urbanizado.
Com isso, visava-se estimular as vendas da Ford, fato que pode ser constatado pelo
formato e o conteúdo das produções cinematográficas divulgadas ao público.

31
Segundo Huberman (1966, p. 230-232), “A América se tornava a maior força política e financeira do
mundo capitalista. Havia se transformado de país devedor em país que emprestava dinheiro. Era agora
uma nação credora. O capital em excesso foi empregado em oportunidades de investimento em todos os
recantos do globo, em países novos ou antigos. [...] Em 1900 calculava-se que os Estados Unidos
dispunham de 86 bilhões de dólares. Em 1929 calculava-se em 361 bilhões. O período que ia desde a
Guerra Civil até 1900 foi de grande expansão. Mas a expansão de 1900 a 1929 foi tão tremenda que fez
parecer que nos anos anteriores o país estivera estagnado”.
32
No português, “Como Henry Ford Faz Mil Carros por Dia”.
72

Conforme o levantamento das produções cinematográficas33 realizado por


França (2016), o departamento de publicidade da Ford ocupou-se de produzir jornais
cinematográficos, os cinejornais, que duravam cerca de 10 a 15 minutos, diminuindo,
em 1916, para 2 a 8 minutos. Em relação ao conteúdo abordado, o autor destaca que os
temas variavam, retratando: a relação de Henry Ford com celebridades; o processo de
trabalho realizado dentro da indústria da Ford; os impactos positivos dos automóveis da
Ford na vida dos trabalhadores rurais e urbanos; além de temas mais gerais sobre o
progresso da economia e da democracia norte-americana e a influência da
industrialização no estilo de vida dos trabalhadores urbanos.
Entretanto, a era do automóvel como estímulo ao excedente econômico,
gerando investimentos diretos e indiretos, não foi capaz de evitar a Grande Depressão
de 1929 e uma nova ociosidade da capacidade produtiva. Como todo estímulo à
absorção de excedente é temporário, ele pode reverter, mas não superar as tendências
depressivas do modo de produção capitalista. Ao lado do surto automobilístico,
permaneciam os problemas estruturais.
Coggiola (2009) chama atenção para a permanência desses problemas durante
toda a década de 1920 nos EUA: 1) alta concentração de renda; 2) baixa taxa de lucros;
3) aumento do nível de desemprego, especialmente em 1925; 4) aprofundamento das
desigualdades; 5) o crescimento do mercado não acompanhava o ritmo da produção; 6)
consumo cada vez mais dependente de financiamento pela venda a crédito; 7)
acumulação de estoques; e 8) redução nas exportações à Europa ao final da década, após
a reconstrução das indústrias e cidades europeias afetadas pela guerra. Ao chegar em
1929, verifica-se uma grande crise de superprodução e superacumulação, radicalizando
as suas manifestações: falências de empresas e bancos, aumento do desemprego,
redução dos salários e diminuição da produção, incluindo a de automóveis que fora
reduzida em 80%.
Durante essa década, os esforços empreendidos na produção-venda se davam via
financiamento por meio da venda a crédito e pela publicidade e propaganda (campanhas
de vendas) que “se transformaram em um „departamento‟ separado da produção,
consumindo, em 1929, 2% da renda nacional” dos EUA (COGGIOLA, 2009, p. 151). O
modo capitalista de produzir demandou uma intervenção na relação produção-consumo,

33
Algumas delas foram: In conversation with Helen Keller (1914); Henry Ford Camping (1921); Hurry
Slowly (1921); Industrial Working Conditions (1920); Texas Farm Boys Tour (1920); A Visit to the Ford
Motor Company (1917); A Century of Progress (1920); Democracy in Education (1919); Landmarks of
the American Revolution (1920) (FRANÇA, 2016).
73

uma vez que a mais-valia relativa criada na produção em massa requisitava uma
realização pelo consumo de mercadorias em massa.
Contudo, o setor privado somente poderia intervir na produção-consumo pela
mediação de uma relativa intervenção na produção-venda. Não conseguia por si só
elevar a capacidade de pagamento dos trabalhadores aumentando, suficientemente, os
empregos e salários ou utilizando aqueles esforços de vendas: fornecimento de crédito e
campanhas de vendas.
Tanto as campanhas de vendas, que alcançavam as grandes massas na
divulgação das mercadorias e atuavam no convencimento, como o próprio crédito, o
qual permitia alguma facilidade provisória nas possibilidades das vendas, ambos
dependiam da capacidade de pagamento. E essa capacidade, por sua vez, estava
dependente, dentre outros fatores, dos salários, do poder de compra dos trabalhadores.
Se esse poder de compra estava sendo ineficiente à produção em massa capitalista e se
essa mesma produção não conseguia resolver o desemprego crônico e absorver o
excedente de força de trabalho, o tratamento desses efeitos foi assumido, cada vez mais,
pelo Estado. Ele teria condições de executar uma saída macrossocial para minimizar os
entraves.
Nesse sentido, em 1926, o economista Keynes, antes de lançar a sua obra Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, em 1936, que viria a inspirar o keynesianismo,
já registrava suas críticas ao laissez-faire (no português, “deixe fazer”), revelando o
conflito entre o interesse privado e o social, em um artigo publicado. Tais críticas
demarcavam as causas dos “males econômicos” no interesse individual que nem sempre
coincidia com o interesse social sendo, portanto, frutos de aspectos morais individuais:
“do risco, da incerteza e da ignorância” de indivíduos particulares.
Considerando isso, apontou que a cura para os males na economia residiria fora
das atividades dos indivíduos, pois poderia ser do “interesse destes o agravamento da
doença”. Ele propôs, então, uma separação entre os serviços técnicos de caráter social e
aqueles de caráter individual. O Estado, concebido por ele como uma esfera “fora das
atividades dos indivíduos”, capaz de atingir o interesse social e fornecer serviços
técnicos para os males econômicos, ficaria encarregado de realizar, apenas, as funções
que deixaram de ser realizadas no âmbito individual pelo empresariado. Nos seus
termos,
74

Devemos aspirar à separação dos serviços que são tecnicamente


sociais dos que são tecnicamente individuais. A mais importante
Agenda do Estado não diz respeito às atividades que os indivíduos
particularmente já realizam, mas às funções que estão fora do âmbito
individual, àquelas decisões que ninguém adota se o Estado não o faz.
Para o governo, o mais importante não é fazer coisas que os
indivíduos já estão fazendo, é fazê-las um pouco melhor ou um pouco
pior, mas fazer aquelas coisas que atualmente deixam de ser feitas.
[...] Muitos dos maiores males econômicos de nosso tempo são frutos
do risco, da incerteza e da ignorância. E, porque indivíduos
específicos, afortunados em sua situação ou aptidões, são capazes de
se aproveitar da incerteza e da ignorância, e também porque, pela
mesma razão, os grandes negócios constituem frequentemente uma
loteria, que surgem as grandes desigualdades de riqueza; e estes
mesmos fatores são também a causa do desemprego dos trabalhadores,
ou a decepção das expectativas razoáveis do empresariado, e da
redução da eficiência e da produção. Entretanto, a cura reside fora das
atividades dos indivíduos; pode até ser do interesse destes o
agravamento da doença. (KEYNES, 1926, p. 07-08, grifo nosso).

A crise de 1929 veio para demonstrar que a produção capitalista e o liberalismo


econômico tinham limites e muitas funções não se realizaram nesses marcos. A
economia capitalista, combinada com o aparente projeto político de negação da
regulação estatal da economia e de promoção do bem-estar da sociedade através das
tendências naturais do mercado, apresentou-se como um fracasso nos EUA quando se
deflagrou a Grande Depressão. Mas, para a escola keynesiana, os “males econômicos”
se reportavam muito mais aos princípios do liberalismo ortodoxo do que propriamente à
forma capitalista de produzir. Se alterasse o perfil do Estado, imprimindo algumas
reformas e controle, mas mantendo a produção em bases capitalistas, a cura chegaria.
No cenário mundial, a crise de 1929/32, que fora iniciada nos EUA, impeliu
novas formas de atuação do Estado e novos estímulos à absorção de excedente também
na Europa. Alguns países assumiram regimes estatais autoritários para enfrentar à crise
econômica que agonizava as taxas de lucro dos monopólios: eclodiram os regimes
fascistas na Itália, no Japão e na Alemanha, financiados pelos capitais industrial e
financeiro.
Durante os regimes fascistas, o cinema falado e o rádio estavam em vias de
desenvolvimento e foram aproveitados como meio de realizar a propaganda política,
tendo em vista que um dos pilares de consolidação desses regimes foi o amplo
investimento em propaganda para disseminar o culto à personalidade dos chefes
estatais, valores nacionalistas e racistas. Com isso, construía-se, na sociedade, um
75

ambiente favorável às guerras imperialistas em benefício dos novos investimentos do


grande capital.
Segundo Konder (2009), o fascismo foi o primeiro movimento conservador a
aplicar métodos modernos de propaganda. Ele seguiu a tendência em curso do
capitalismo na sua fase imperialista clássica, qual seja: o fato de controlar o consumo
pela via de um amplo investimento na propaganda dos produtos para convencer o
consumidor. Acompanhando essa tendência da “sociedade de massa de consumo
dirigido”34, “O fascismo percebeu, agilmente, que esse crescente investimento na
propaganda, servindo-se de novas técnicas e de novos meios de comunicação, abria
também novas possibilidades para a ação política” (KONDER, 2009, p. 47). Nesse
sentido, o fascismo dedicou-se às formas simples de discurso, em escala massiva,
aproveitando-se das possibilidades oferecidas pelo cinema falado e pelo rádio.
Para Konder (2009, p. 48), “Hitler cuidou inclusive de promover o fabrico barato
de uma grande quantidade de aparelhos de rádio padronizados – os “rádios do povo” –
para que todas as famílias da “comunidade popular” alemã pudessem ouvir em casa, em
condições de “igualdade”, a voz do Fuhrer”. Por outro lado, esse autor traz um
questionamento importante: quem tornava possível o grande investimento em
propaganda dos regimes fascistas? De onde vinha o dinheiro aplicado? A resposta
trazida por Konder é bastante precisa: ora, o dinheiro vem daqueles que o possuem. E
em grandes proporções. Ou seja, vem dos monopólios do capital industrial e, também,
do capital financeiro.
A forma das campanhas políticas seguiu a forma das campanhas de vendas dos
monopólios e se ampliaram patrocinadas por estes últimos, em um contexto de crise do
capital. A crise de 1929/32 impulsiona os investimentos em uma forma política que
promovesse maior abertura para os capitais monopolistas. E tais investimentos nas
campanhas políticas, juntamente com os investimentos já em curso nas campanhas de

34
Uma expressão semelhante é encontrada, originalmente, sob o termo “sociedade burocrática de
consumo dirigido” em A vida cotidiana no mundo moderno, de Lefebvre (1991), para designar o fato de a
sociedade do século XX ser dirigida por uma classe (burguesia) que, para efetuar a sua gestão, lança mão
de uma estratégia de classe de caráter integrador, cujas contradições levam à desintegração da classe
operária: gera-se um mal-estar na satisfação das necessidades, na medida em que ela oscila para a
insatisfação. Para ele, a sociedade é organizada repressivamente pela ideologia da tecnicidade e dos
especialistas estatais, pela ideologia da liberdade, pela ideologia do consumo e, sobretudo, pela realidade
desse consumo, que se revela vazio, desprovido de sentido. A obsolescência programada dos objetos e, ao
mesmo tempo, a obsolescência das motivações para consumi-los (via publicidade), ou seja, o estímulo à
efemeridade configura-se, para Lefebvre, uma estratégia de classe no cotidiano. Mas, pelas contradições
dessa estratégia, ao invés de gerar o bem-estar prometido, gera-se um mal-estar em relação à satisfação
das necessidades de consumo.
76

vendas, contribuíram, na esfera da circulação, para alimentar as condições materiais


favoráveis à expansão e consolidação de duas grandes invenções: o cinema falado e o
rádio, acompanhados de suas respectivas produções culturais. Isso, por sua vez,
permitiu a absorção de massas de capitais industrial e financeiro.
Walter Benjamin, ao tratar sobre a transição para o cinema falado na década de
1930, revela a centralidade da crise econômica, que determina tanto os novos
investimentos no cinema falado, quanto a necessidade do Estado fascista nesse período.
Para ele,
É certo que o cinema falado representou, inicialmente, um retrocesso;
seu público restringiu-se ao delimitado pelas fronteiras linguísticas, e
esse fenômeno foi concomitante com a ênfase dada pelo fascismo aos
interesses nacionais. Mais importante, contudo, que registrar esse
retrocesso, que de qualquer modo será em breve compensado pela
sincronização, é analisar sua relação com o fascismo. A
simultaneidade dos dois fenômenos se baseia na crise econômica. As
mesmas turbulências que de modo geral levaram à tentativa de
estabilizar as relações de propriedade vigentes pela violência aberta,
isto é, segundo formas fascistas, levaram o capital investido na
indústria cinematográfica, ameaçado, a preparar o caminho para o
cinema falado. A introdução do cinema falado aliviou
temporariamente a crise. E isso não somente porque com ele as
massas voltaram a frequentar as salas de cinema, como porque criou
vínculos de solidariedade entre os novos capitais da indústria elétrica
e os aplicados na produção cinematográfica (BENJAMIN, 1987, p.
172, grifo nosso).

Como mostram os elementos analíticos trazidos pelo autor, os vultosos


investimentos aplicados na produção cinematográfica, na década de 1930, indicam,
fundamentalmente, a crise do capital, que exigiu novos campos de investimentos. A
transição para o cinema falado foi uma das alternativas à depressão econômica de
1929/32, não só porque as massas trabalhadoras, atraídas por essa nova grande
invenção, voltaram a consumir massivamente os novos filmes. Conforme destacou
Benjamin, o estímulo à crise também se remetia ao fato de possibilitar a vinculação
entre o monopólio da indústria elétrica e da indústria cinematográfica. Isso porque o
cinema falado, também conhecido por cinema sonoro, exigia a aplicação de capitais em
novos equipamentos elétricos: “o cinema sonoro era, sobretudo, um processo elétrico de
leitura, amplificação e reprodução de som, exigindo o fornecimento constante e regular
de energia elétrica, além de cabeamento da cabine de projeção até os alto-falantes”
(FREIRE, 2013, p. 23).
77

Logo, o cinema falado criou a possibilidade de investimento para a indústria


cinematográfica e, também, se configurou como um campo de investimento para o
monopólio da indústria elétrica. Essa tendência da criação de vínculos entre os
monopólios da indústria pesada (elétrica, aço, petróleo, química) e a “indústria
cultural”, assim como entre os bancos (capital financeiro) e a “indústria cultural”, levou
Adorno e Horkheimer (1985) a conceberem esta última como um sistema de poder
econômico, no qual participam diferentes setores interligados. No entanto, nessa relação
entre eles, são os monopólios da cultura que se encontram numa condição de
dependência aos monopólios industrial e financeiro. Nos seus termos,

Se, em nossa época, a tendência social objetiva se encarna nas


obscuras intenções subjetivas dos diretores gerais, estas são
basicamente as dos setores mais poderosos da indústria: aço,
petróleo, eletricidade, química. Comparados a esses, os monopólios
culturais são fracos e dependentes. Eles têm de se apressar em dar
razão aos verdadeiros donos do poder, para que sua esfera na
sociedade de massas [...] não seja submetida a uma série de expurgos.
A dependência em que se encontra a mais poderosa sociedade
radiofônica em face da indústria elétrica, ou a do cinema
relativamente aos bancos, caracteriza a esfera inteira, cujos setores
individuais por sua vez se interpenetram numa confusa trama
econômica (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101, grifo nosso).

Existe uma dependência, primariamente material, dos monopólios culturais aos


monopólios da indústria pesada e do capital financeiro. São estes últimos que o
financiam, movidos pela tendência de controlar novos mercados. Para controlá-los,
além de combinarem as diferentes etapas da produção de uma mercadoria, eles
combinam diferentes ramos, tanto da produção quanto da circulação, colocando-os sob
um único controle.
Segundo Mandel (1982), as grandes companhias tendem a dominar as unidades
de distribuição como forma de minimizar os riscos de investimento, assegurando
superlucros ou, pelo menos, uma taxa média de lucros no mercado. Por exemplo, a
tendência é que as combinações tenham ou não vinculação direta com a mercadoria do
monopólio, como é o caso da combinação mais direta do monopólio do petróleo, que
domina os postos de gasolina, e o monopólio do aço, que controla as companhias de
aviação. Por outro lado, há, ainda, combinações mais diversas, sem qualquer ligação
direta com a mercadoria da produção, que absorvem tão somente o capital do
monopólio: serve de exemplificação o monopólio da eletricidade, que aplica
78

investimentos no setor educacional, e o próprio banco que investe capital financeiro 35


em cinema.
Na década de 1930, o cinema falado e o rádio constituíram-se, portanto, como
alternativa à crise econômica, ao absorver excedente econômico de indústrias e bancos.
Por outro lado, é preciso que as grandes massas tenham alguma capacidade de
pagamento para consumir os aparelhos de reprodução e as produções culturais. O
exemplo da produção cinematográfica é bastante elucidativo. Ora, a grande massa de
trabalhadores não frequenta continuamente o cinema, sobretudo em um contexto de
crise econômica. Do mesmo modo, ocorre com o consumo dos aparelhos de rádio. São
necessários alguns estímulos externos para esse consumo.
A prioridade do trabalhador, especialmente aqueles que se encontram em
condições objetivas mais precárias, é aplicar o seu baixo poder de compra,
primeiramente, na satisfação das necessidades mais imediatas, como a do “estômago”.
Já as necessidades da “imaginação”, criadas socialmente em uma época histórica, nas
quais se inserem o acesso às formas contemporâneas de lazer, arte e cultura, não
conseguem ser plenamente satisfeitas, devido ao processo de privatização, que exige, na
maioria das vezes, poder de compra para ter acesso às necessidades criadas na sociedade
capitalista.
Nesse sentido, como a produção capitalista não é suficiente para suprir as
necessidades humanas na sua totalidade e não funciona sem estímulos externos, o
Estado assume o papel de intervir para aliviar os obstáculos do capital. E, ao tentar
aliviá-los, ele cria uma relativa capacidade de pagamento ao consumo e uma
infraestrutura pública.
Nos EUA, como resposta à crise econômica de 1929/32, a intervenção estatal na
economia se deu pelo estabelecimento do New Deal, durante o governo de Roosevelt
(1933-1945), que viria a se apoiar no pensamento econômico de Keynes. O New Deal
atuou em três eixos principais entrelaçados: auxílio, recuperação e reforma. A sua
intervenção se ocupou de utilizar o excedente econômico contido no Estado para criar
capacidade de pagamento; reverter o excesso de produção, gerando subsídios no setor
agrícola em troca da diminuição da produtividade; recuperar a alta dos preços e lucros;
estimular um novo surto da produção capitalista; e realizar investimentos em reformas

35
“Concentração da produção; monopólios resultantes dela; fusão ou junção dos bancos com a indústria:
tal é a história do aparecimento do capital financeiro e do conteúdo deste conceito. [...] O imperialismo,
ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no seu grau superior”. (LENIN, 2012, p. 75-89).
79

nas áreas da educação, saúde, moradia, cultura e lazer, que permitissem uma economia
futura dos gastos do governo ao diminuir indicadores sociais como o adoecimento, o
analfabetismo e a criminalidade (HUBERMAN, 1966).
Essa intervenção se expressou na criação do sistema de Seguridade Social,
fornecendo auxílios aos trabalhadores, e no estímulo à contratação de trabalhadores
desempregados. Eles foram incorporados ao trabalho, embora precarizado, em troca de
um salário de seguro ofertado pelo Estado, cujo valor correspondia a “19 dólares por
mês, para os operários não-qualificados, no sul, até 103,40 dólares por mês para
trabalhadores técnicos, no norte” (HUBERMAN, 1966, p. 252).
O conjunto da força de trabalho excedente, desempregada, fora utilizado para
construir diversas obras públicas, as quais acabaram estimulando a produção das
indústrias privadas que produziam os meios materiais necessários para a construção da
infraestrutura. Os impactos da incorporação da força de trabalho excedente pelo Estado
e da aplicação do excedente econômico, presente nas suas estruturas, dirigiram-se para o
aquecimento da produção industrial privada. Dessa forma, impulsionou a extração de
mais-valia, ao mesmo tempo em que gerou pouca capacidade de pagamento ao
trabalhador individual, mas, numa perspectiva global, somando-se o conjunto dos
trabalhadores, criou-se uma razoável capacidade de pagamento à economia capitalista,
vejamos:

Os homens não tinham o que fazer. As máquinas estavam em repouso.


A indústria particular estava descansando. O governo podia fazer
reviver a indústria, através de verbas gastas em larga escala, com as
obras públicas. Os gastos do governo iriam bombar a primeira carga
de atividade para a indústria. A fim de executar os milhares de
projetos de construção do governo, seriam necessários homens e
material. O emprego direto, em projetos do governo, iria criar
indiretamente emprego nas indústrias particulares, que teriam de
fornecer materiais. (A experiência provou que o emprego resultante da
ação indireta da A.O.P. [Administração de Obras Públicas] foi 2,5
maior que o emprego direto). Além dos salários pagos aos
trabalhadores engajados nos projetos do governo, havia os salários
pagos aos operários das indústrias particulares estimuladas (mais os
salários pagos aos trabalhadores que recebiam auxílio de
Administração para o Progresso do Trabalho) (HUBERMAN, 1966, p.
267-68).

A totalidade dessa construção pública gerou a infraestrutura necessária para


realizar os serviços vinculados à saúde, à educação, ao transporte, à arte e ao lazer, na
medida em que criava “centenas de milhares de pontes, parques, edifícios públicos,
80

escolas, hospitais; centenas de aeroportos, parques infantis, piscinas, parques de recreio”


(HUBERMAN, 1966, p. 252). Ao mesmo tempo, se desenvolveu “a vida cultural do
país, através de escritores, atores, artistas e músicos”, que haviam “escrito livros,
pintado quadros, encenado peças de teatro, executado música para milhões de ouvintes”
(ibidem).
Esse desenvolvimento da produção cultural foi, então, o resultado produzido por
meio de investimentos do Estado que procurava reduzir as manifestações da crise
econômica. Todavia, tendo em vista o caráter parcial da intervenção estatal e os seus
limites, os serviços criados não possuíram um caráter universal em termos quantitativos
e qualitativos. Ou seja, por um lado, não atingiram todos os trabalhadores, e, por outro,
não conseguiram responder o conjunto de necessidades humanas na sua diversidade.
Huberman (1966) atenta, por exemplo, para outros milhões de pessoas que ficaram fora
dos serviços do Estado e, dentre aqueles inseridos, destaca o padrão de vida baixo que
lhes era oferecido, apenas permitindo manterem-se vivos com auxílios mínimos.
Com essa intervenção, o Estado promoveu não a cura, mas um alívio dos
sintomas derivados da lógica de acumulação do capital, absorvendo parte da força de
trabalho excedente e gerando alguma capacidade de pagamento a nível global. Isso
permitiu, fundamentalmente, acelerar a produção nas indústrias privadas. Entretanto, em
1937-38 se instala uma nova crise econômica. De acordo com os dados apresentados
por Coggiola (2009), houve, de fato, nos EUA, uma redução do número de
desempregados comparando os anos de 1934-35 (10 milhões) com os anos de 1936-37
(8 milhões). Mas, no ano de 1938, a quantidade de desempregados volta a se elevar
atingindo o maior número da década: 11 milhões.
Nesse momento (1937-38), demarca-se uma interrupção das iniciativas estatais
anteriores efetuadas nos EUA. O estímulo do Estado ao consumo pela via da ampliação
do orçamento para área social começa a enfraquecer, mas ganha força o impulso em
outro setor. Com a entrada na crise, ocorre uma mudança na destinação dos recursos
públicos do Estado. De um lado, aparecem os cortes no orçamento de seguros sociais e
investimentos em infraestrutura e, do outro, um aumento do orçamento público no
fomento à indústria bélica. Conforme Coggiola (2009, p. 164), “o New Deal virou [...] o
War Deal, com a amputação, em 1938, de 800 milhões de dólares destinados ao seguro
social e aos trabalhos públicos, e o aumento dos gastos de defesa (200 milhões de
dólares a mais em 1938, 400 milhões de dólares em 1939)”.
81

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) consistiu, assim, o novo estímulo dado


à produção capitalista contribuindo, mais uma vez, para aquecer a indústria de produção
de armamentos. Ao terminar a guerra, os capitais excedentes norte-americanos
seguiram-se, novamente, para a reconstrução das indústrias e mercados na Europa,
sobretudo com a exportação de maquinário. É nesse contexto de reconstrução dos países
europeus, durante o pós-guerra, que a produção fordista, enquanto organização do
processo trabalho, acumulação de capital, produção de mercadorias em massa em
diversos ramos, incluindo o da cultura, se generalizou nos EUA e na Europa. Conforme
Harvey, o fordismo

Foi consolidado e expandido no período de pós-guerra, seja


diretamente, através de políticas impostas na ocupação [...] ou
indiretamente, por meio do Plano Marshall e do investimento direto
americano subsequente. Este último, que começou aos poucos nos
anos entre-guerras, quando as corporações americanas procuravam
mercados externos para superar os limites da demanda efetiva interna,
tomou impulso depois de 1945. Essa abertura do investimento
estrangeiro (especialmente na Europa) e do comércio permitiu que a
capacidade produtiva excedente dos Estados Unidos fosse absorvida
alhures, enquanto o progresso internacional do fordismo significou a
formação de mercados de massa globais e a absorção da massa da
população mundial fora do mundo comunista na dinâmica global de
um novo tipo de capitalismo (HARVEY, 2008, p. 131, grifos nossos).

Tem-se, aqui, um condicionante econômico fundamental: a passagem de uma


“onda longa com tonalidade de estagnação (1914-39)” para uma “onda longa com
tonalidade de expansão (1940-65)”, ao entrar na fase do capitalismo tardio (MANDEL,
1982). Nessa fase, são formadas as condições para o desenvolvimento de um mercado
de consumo de massa, que se coloca como necessário à produção fordista, absorvendo
mercadorias, capitais e parte da força de trabalho. É no interior desse mercado, na esfera
da circulação, que se dá a expansão da industrialização cultural, de maneira expressiva
no capitalismo tardio.
A seguir, veremos o conjunto de condições materiais que possibilitaram a
ampliação desse mercado de consumo na fase supracitada, assim como o sentido da
“industrialização” cultural, que se remete, de modo fundamental, à penetração do
fordismo como processo de trabalho na circulação.
82

3.2 A ampliação do mercado de consumo de massa: condições para o


desenvolvimento da industrialização cultural no capitalismo tardio

O desenvolvimento da produção fordista é simultâneo à criação de condições


econômicas para o mercado de consumo massificado. E essas condições apenas
poderiam se gestar com a entrada do excedente econômico em um novo patamar de
acumulação, alcançado com a concentração e centralização nacional e internacional,
combinado com novos estímulos de absorção de excedente. Alguns desses estímulos
consistiram, além da segunda guerra mundial, na terceira revolução tecnológica – com o
aparecimento das máquinas eletrônicas e o uso de energia nuclear – e no
aprofundamento da intervenção estatal na economia, que se expressa no conhecido
Estado de “Bem-Estar Social” de inspiração keynesiana.
Ao investigar o capitalismo tardio, entre as décadas de 1940 a 1960, Mandel
conseguiu sistematizar e demonstrar as condições para o alargamento do mercado de
consumo. Isso significa, em outros termos, as condições que geraram uma expansão da
esfera da circulação e das necessidades de consumo, diferenciando-se substancialmente
da alegação da “sociedade de consumo”, como se todos acessassem ao consumo 36.
As condições para o mercado de consumo se gestam a partir de dois elementos
principais de caráter econômico e técnico, respectivamente: i) a tendência do aumento
dos capitais excedentes acumulados que precisam ser valorizados (supercapitalização);
e ii) a terceira revolução tecnológica, que lança seus efeitos para o funcionamento da
produção e circulação capitalistas e para as novas necessidades de consumo da
humanidade.
Do ponto de vista do estímulo à absorção de capitais excedentes, a terceira
revolução tecnológica se configurou como uma alternativa provisória de grande
impacto. Isso porque na medida em que se produziam novas máquinas (meios de
produção) para abastecer a indústria de bens de consumo e o setor agrícola, igualmente
se transformavam as máquinas dos meios de comunicação e de transporte, os quais são
36
Nos termos de Netto (2013, p. 08), “Na sequência da Segunda Guerra Mundial e no processo de
reconstrução econômica e social que então teve curso, especialmente na Europa Ocidental, o capitalismo
experimentou o que alguns economistas franceses denominaram de “as três décadas gloriosas” – da
reconstrução do pós-guerra à transição dos anos 1960 aos 1970, mesmo sem erradicar as suas crises
periódicas (cíclicas), o regime do capital viveu uma larga conjuntura de crescimento econômico. Não por
acaso, a primeira metade dos anos 1960 assistiu à caracterização da sociedade capitalista – evidentemente
desconsiderado o inferno da sua periferia, o então chamado Terceiro Mundo – como “sociedade
afluente”, “sociedade de consumo” etc. Tratava-se, obviamente, de uma caracterização falseadora; na
crítica a esta visão apologética, Lefebvre cunhou a expressão “sociedade burocrática de consumo
dirigido””.
83

impulsionados a acompanhar o ritmo da produtividade da indústria de bens de consumo.


Tal fato possibilitou, então, que um enorme volume de capital excedente se valorizasse,
ao se direcionar para a renovação do maquinário em vários ramos. Como indicou
Mandel,
Não é difícil fornecer elementos para mostrar que cada uma das três
revoluções fundamentais na produção mecanizada de fontes de
energia e máquinas motrizes transformou progressivamente toda a
tecnologia produtiva da economia global, inclusive a tecnologia dos
sistemas de transporte e comunicações. Considerem-se, por exemplo,
os vapores transatlânticos e locomotivas diesel, os automóveis e as
radiocomunicações na época dos motores elétricos e a combustão; e os
aviões de transporte a jato, as redes de comunicação por televisão,
telex, radar e satélite e os cargueiros de containers, movidos pela
energia atômica, da era eletrônica e nuclear. A transformação
tecnológica resultante das revoluções da tecnologia produtiva de base
das máquinas motrizes e fontes de energia conduz assim a uma nova
valorização do excesso de capitais que vem se acumulando, de ciclo
em ciclo, no âmbito do modo de produção capitalista. (MANDEL,
1982, p. 82-83, grifo nosso).

As transformações tecnológicas das máquinas da produção dos meios de


produção condicionam, portanto, a alteração das demais máquinas existentes na
sociedade. De um lado, as novas máquinas criam, de fato, novas oportunidades de
valorização do capital excedente. Mas, por outro, ao mesmo tempo em que permite esse
novo surto de valorização, a terceira revolução tecnológica das máquinas gera o efeito
de acelerar a produção dos meios de produção e, por conseguinte, dos bens de consumo,
colocando as possibilidades de um novo acúmulo de mercadorias, capitais, e força de
trabalho excedente.
Nesse sentido, ao tratar dos efeitos da terceira revolução tecnológica para a
produção e circulação capitalistas, Mandel (1982) destaca a sua funcionalidade à
produção, ao reduzir o tempo de rotação do capital fixo (maquinário) acelerando a
velocidade das máquinas e a sua substituição. Isso ocorre dentro de um contexto de
contínuo estímulo da inovação tecnológica para atingir os “superlucros” pelas chamadas
“rendas tecnológicas” – daí porque é típico do capitalismo tardio a “realocação do
capital industrial, investido não apenas na atividade direta de produção mas também, em
escala crescente, nas esferas pré-produtivas (Pesquisa e Desenvolvimento)” (idem, p.
157).
Ao atingir a redução do tempo de rotação do capital fixo, a expectativa é gerar o
efeito de redução do tempo de rotação do capital circulante, a partir de uma pressão para
84

elevar a massa e taxa de mais-valia, de modo que se compense o aumento da


composição orgânica do capital, em virtude da ampliação do investimento no capital
fixo. A compensação implica tanto numa maior intensificação do processo de trabalho,
como uma aceleração do consumo dos operários, conforme nos indica Mandel:

A aceleração do tempo de rotação do capital fixo também tem


repercussões sobre o tempo de rotação do capital circulante. [...]
aumenta o interesse do capital numa aceleração ainda maior do tempo
de rotação do capital circulante enquanto fonte de produção
adicional de mais-valia, que se torna ainda mais importante na medida
em que a aceleração do tempo de rotação do capital fixo aumenta a
composição orgânica do capital e, assim, cria uma pressão adicional
no sentido de um acréscimo compensador na massa e taxa de mais-
valia. O resultado é uma tendência no sentido de uma “aceleração”
de todos os processos capitalistas, a qual se expressa, entre outras
maneiras, nos fenômenos paralelos de uma intensificação mais aguda
do processo de trabalho e de uma “aceleração” mais rápida
(diferenciação quantitativa e deterioração qualitativa) do consumo
dos operários – isto é, da reprodução da força de trabalho.
(MANDEL, 1982, p. 158, grifo nosso).

A aceleração da rotação do capital fixo, assim, acaba acelerando a rotação do


capital circulante. Aqui, nos cabem algumas breves distinções para não cairmos em
confusões. Recuperando a perspectiva de Marx (2014), esses dois tipos de capitais, que
integram o capital produtivo, não podem ser tratados como sinônimos de capital
constante e variável. O capital constante refere-se ao capital investido em meios de
produção. Contudo, os próprios meios de produção dividem-se entre o meio de trabalho
(maquinário, por exemplo) e o objeto de trabalho (matérias primas e materiais
auxiliares).
Entre eles, apenas o “meio de trabalho” é considerado capital fixo, porque, para
Marx, uma parte do seu valor é transferido para a mercadoria, mas outra parte
permanece no processo de produção. A sua transferência de valor é gradual e se dá no
decorrer do seu tempo de vida, de durabilidade do “meio de trabalho”. Ao transferir
parte de seu valor à mercadoria, de fato, é necessária a realização desse valor contido na
mercadoria, por meio da venda, para obtê-lo na forma-dinheiro.
Entretanto, Marx aponta que o capital fixo não percorre todo o ciclo de rotação
do capital, sofrendo uma interrupção no momento do retorno à nova produção: “sua
reconversão de forma-dinheiro em forma de uso separa-se da reconversão da
mercadoria em seus demais elementos de produção” (MARX, 2014, p. 243). Noutras
palavras, não há uma reaplicação imediata da sua forma-dinheiro numa nova máquina
85

para produzir uma nova mercadoria. Isso só ocorre quando o tempo útil de uma
máquina se encerra, o que pode levar alguns anos. Enquanto isso não acontece, “seu
valor irá se acumulando gradualmente na forma de um fundo monetário de reserva”
(idem, p. 244).
Já as matérias primas e materiais auxiliares, Marx destaca que elas possuem a
particularidade de percorrer todo o ciclo de rotação do capital. No consumo produtivo,
transferem todo o seu valor para a mercadoria. Essa mesma dinâmica ocorre com a
força de trabalho: ela é incorporada no processo de produção e, ao ser consumida
produtivamente, transfere o seu valor por inteiro à mercadoria produzida.
Nesse sentido, as matérias primas e a força de trabalho, consumidas
rapidamente, precisam ser continuamente repostas, isto é, recompradas para produzir
uma nova mercadoria. Elas são consideradas capital circulante, pois o seu valor
percorre todo o ciclo de rotação do capital: “Este [o valor] circula, portanto,
integralmente por intermédio do produto, converte-se em dinheiro e, a partir deste,
reconverte-se nos elementos de produção da mercadoria. Sua rotação não é
interrompida, como a do capital fixo” (MARX, 2014, p. 246, grifo nosso).
Considerando essas distinções, fica mais compreensível o objetivo de encurtar o
tempo de rotação do capital fixo aumentando a velocidade da máquina e diminuindo a
sua durabilidade para acumular o seu valor – que tem uma acumulação gradual como
vimos – mais rapidamente. Igualmente, é perceptível a pressão que isso impõe à
redução do tempo de rotação do capital circulante, requisitando a intensificação do
movimento da força de trabalho e de matérias primas, mas também exigindo estímulos
que atuem na rápida conversão da mercadoria em dinheiro. E isso só ocorre por meio da
concretização da venda.
Nessa esteira, a funcionalidade da terceira revolução tecnológica é,
primeiramente, acelerar a produtividade na esfera da produção e, também, fazer com
que as mercadorias circulem mais rapidamente na esfera da circulação. Para atingir essa
função, a tecnologia precisa penetrar, além da produção, na própria circulação na
forma de investimentos de capitais excedentes. Esse aspecto é importante para não
escorregarmos nos determinismos tecnológicos. A tecnologia somente penetra na
circulação pela mediação dos capitais excedentes.
Logo, a tendência de supercapitalização (capitais excedentes ociosos) que
predomina no capitalismo tardio é o elemento que permite a conformação do que
Mandel (1982) chamou de industrialização generalizada universal, atingindo a esfera
86

da reprodução. Tal termologia empregada pelo economista não pode ser confundida
com a produção industrial, propriamente dita, que cria mais-valia.
Em outra direção, significa a introdução, identificada por ele, da “mecanização”,
“padronização”, “super-especialização” e “fragmentação do trabalho” também na esfera
da circulação, mais especificamente, no interior dos serviços capitalistas. Ao assumir
essas características, os serviços se tornam industrializados no sentido de atuar, do
ponto de vista do processo de trabalho, nos moldes da produção industrial fordista-
taylorista, em termos de técnicas e métodos de organização da produção e do trabalho.
Também se assemelha quanto ao processo de concentração e centralização de capitais:
há os monopólios dos serviços de transporte, de comunicação, de educação, de saúde,
de cultura e lazer etc.
Essas características do fordismo-taylorismo foram detectadas por Adorno
dentro do sentido da “indústria cultural”, de modo que também não se refere a uma
produção industrial propriamente dita. Trata-se, na verdade, de um termo para se
remeter à padronização do produto e dos consumidores e à forma industrial de
organização do trabalho, marcada pelos altos investimentos em tecnologia. Nas suas
palavras:

De resto, não se deve tomar literalmente o termo indústria. Ele diz


respeito à estandartização da própria coisa – por exemplo, tal como o
western conhecido por todo frequentador de cinema – e à
racionalização das técnicas de distribuição, mas não se refere
estritamente ao processo de produção. Enquanto o processo de
produção no setor cultural da indústria cultural – o filme – se
aproxima de procedimentos técnicos através da avançada divisão do
trabalho, da introdução das máquinas, e da separação dos
trabalhadores dos seus meios de produção [...] conservam-se também
formas de produção individual. Cada produto apresenta-se como
individual. [...] Ela [indústria cultural] é industrial mais no sentido da
assimilação – frequentemente observada pelos sociólogos – às formas
industriais de organização do trabalho nos escritórios, de preferência a
uma produção verdadeiramente racionalizada do ponto de vista
tecnológico. É por essa razão que os investimentos inadequados da
indústria cultural são tão numerosos, e precipitam seus setores,
constantemente ultrapassados por novas técnicas, nas crises
(ADORNO, 1978, p. 290).

É a crise econômica, manifestada na supercapitalização, que impulsiona a


expansão da circulação por meio de serviços culturais altamente mecanizados e de
grandes investimentos. A supercapitalização se manifesta quando “o capital
gradualmente se acumula em quantidades cada vez maiores, e uma parcela considerável
87

do capital social já não consegue nenhuma valorização” (MANDEL, 1982, p. 272).


Como apontamos antes, com a contínua introdução da inovação tecnológica na
produção industrial, coloca-se a possibilidade de um novo acúmulo de capital
excedente, em decorrência daquela aceleração do tempo de rotação do capital (fixo e
circulante).
Se o capital não consegue se valorizar completamente na indústria produtiva,
através de uma nova expansão da produção, “as novas massas de capital penetrarão cada
vez mais em áreas não produtivas, no sentido de que não criam mais-valia” (MANDEL,
1982, p. 272), o que não significa dizer que não existem lucros. O fato de tais áreas não
criarem mais-valia não as impede de se tornarem uma mercadoria, monopolizarem-se e
obterem lucratividade a partir do incremento tecnológico e de condições de trabalho
precárias na esfera da circulação.
Do ponto de vista da produção global, os serviços, por exemplo, como áreas não
produtivas, absorvem parte do excedente acumulado gradualmente. E não somente na
forma de capitais. Absorvem, também, parte do excedente de força de trabalho que não
foi incorporado na indústria produtiva e, sem dúvidas, imprime um impulso à produção,
seja por sua função mediadora de facilitar a produção, no caso dos transportes, ou de
estimular a venda, no caso das campanhas de vendas; seja por criar trabalhadores
assalariados com alguma capacidade de pagamento ou, ainda, por se constituir como
novas necessidades de consumo pela mercadoria serviço.
A absorção do excedente e a própria funcionalidade dos serviços ficam mais
nítidas, portanto, se analisarmos nesse ponto de vista da produção global. Um caminho
analítico para pensar os serviços sob essa perspectiva é considerar como ponto de
partida a socialização da produção. É preciso não perder de vista que é na medida em
que o excedente se expande, aplicando-se no aumento da escala da produção e, por
conseguinte, da circulação, que tal produção se torna cada vez mais coletiva,
interdependente e internacionalizada, envolvendo uma ampla divisão social do
trabalho. Essa ampla divisão é verificada na expansão das funções desempenhadas
pelos diversos trabalhadores do setor de serviços.
Com a socialização da produção, simultaneamente a ela, se desenvolve o que
Mandel (1982) designou por socialização objetiva dos serviços, devido os altos custos
envolvidos que demandam um amplo número de consumidores. Um exemplo são as
empresas multinacionais de petróleo e gás natural que, “[...] para conseguir atingir
centenas de milhares de consumidores, essas corporações são obrigadas, por sua vez, a
88

incentivar o estabelecimento de inúmeros postos de gasolina e garagens” (MANDEL,


1982, p. 271). Do mesmo modo, os serviços de água, luz e gás organizados em
instalações públicas atingem milhões de consumidores e demandam, por sua vez, outros
serviços voltados para a encanação, a eletricidade e as vendas (ibidem).
Na mesma linha, ocorre com a produção cinematográfica típica do capitalismo
monopolista que, devido aos altos investimentos, precisam atingir vastos consumidores.
E, para isso, dependem da propagação dos serviços de exibição. Nesse sentido,
Benjamin, ao tratar da especificidade da mercadoria cultural desse ramo, destaca que a
produção e o consumo de um filme se diferenciam de outras mercadorias culturais.
Conforme revela Benjamin (1987, p. 172), “Nas obras cinematográficas, a
reprodutibilidade técnica do produto não é, como no caso da literatura ou da pintura,
uma condição externa para sua difusão maciça”. Ou seja, reproduzir materialmente
livros ou quadros como condição para uma repercussão, um consumo em massa.
Na verdade, o autor chamou a atenção para o fato de a técnica empregada na
produção de um único filme ter permitido não apenas a sua reprodução, mas também
exigido, obrigatoriamente, a sua propagação para milhares de pessoas. Essa propagação
ou massificação é obrigatória, pois “a produção de um filme é tão cara que um
consumidor que poderia, por exemplo, pagar um quadro, não pode mais pagar um filme.
O filme é uma criação da coletividade” (BENJAMIN, 1987, p. 172). Os recursos
tecnológicos envolvidos na produção cinematográfica encarecem os custos dos
investimentos dispendidos.
É possível, então, perceber, explicitamente em Mandel e implicitamente em
Benjamin, que o ponto inicial da socialização objetiva dos serviços é a produção na
indústria pesada, onde se inicia a revolução tecnológica energética. No processo de
socialização objetiva dos serviços culturais, segue-se essa lógica.
Como vimos na seção anterior, os monopólios culturais são dependentes do
capital financeiro e industrial37. O capital industrial, no qual se insere a indústria pesada,
assume uma função fundamental no abastecimento da produção material, altamente
produtiva, dos aparelhos técnicos que, na fase do capitalismo tardio, servem como
meios eletrônicos de comunicação – a exemplo das “redes de comunicação por
televisão, telex, radar e satélite”, próprios da “era eletrônica e nuclear” (MANDEL,
1982, p. 82-83). O desenvolvimento dessa aparelhagem torna possível, tecnicamente, a

37
O capital financeiro contém coágulos de capital industrial. A separação efetuada nesta análise é
inteiramente para fins de organização da exposição.
89

reprodução em massa, para amplos consumidores, dos produtos culturais (filmes,


músicas, programas de TV etc.). Eles, por sua vez, se realizarão atrelados aos serviços
(cinema, agências de shows e eventos, pacotes de canais de TV etc.).
Contudo, a função da indústria pesada não se limita a contribuir, materialmente,
com o avanço da aparelhagem técnica, mas contribui também com o próprio capital que
sustenta os investimentos dos produtos e serviços culturais. Em termos de investimentos
de capital, participam da industrialização cultural tanto a indústria pesada, quanto a
indústria de bens de consumo e os bancos.
Particularmente, na indústria de bens de consumo, existe um grande interesse de
investimento no ramo cultural para utilizá-lo como meio de propagar as suas campanhas
de vendas. Servindo a esse objetivo, os produtos e serviços culturais acabam se
vinculando aos serviços de publicidade e propaganda, tornando-se, inclusive,
dependente do capital investido nesse esforço de vendas.
Nesse sentido, grande parte do capital envolvido na industrialização cultural
aumenta na medida em que cresce o investimento em campanhas de vendas vinculadas
à indústria de bens de consumo, no interior dos produtos culturais. O contexto de
crescimento desses investimentos é condicionado pela tendência da indústria de bens de
consumo de, por um lado, diminuir o preço da unidade da sua mercadoria a cada
consumidor e, por outro, para compensar o alto custo do investimento, estimular pelas
campanhas de vendas o consumo ampliado e acelerado.
Dessa forma, a aceleração do consumo dos operários apontada por Mandel
(1982) como tendência do capitalismo tardio, pode ser concebida a partir de duas
pressões ao consumo. A primeira é a pressão para, de fato, realizar a mais-valia contida
nas mercadorias em massa pelo ato do estímulo à venda. E a segunda pressão é a
necessidade de consumo por determinados bens e serviços que se tornam
imprescindíveis para a reprodução da força de trabalho e para o gênero humano, numa
determinada época histórica.
No que refere a essa primeira pressão para concretizar as vendas, as mercadorias
adquirem o que Mandel chamou por “diferenciação quantitativa”, ou seja, aumentam
em quantidade. No entanto, sofrem uma “deterioração qualitativa” que, no fundo,
significa a redução de sua durabilidade/qualidade para estimular uma nova produção e
venda em menor tempo 38. Segundo o economista belga,

38
Sobre essa discussão, é válida a contribuição de Mészáros (1989) na obra Produção destrutiva e estado
capitalista. A partir dela, é possível a análise dessa tendência nos marcos do capitalismo contemporâneo.
90

A conversão de muitos dos antigos bens de luxo em bens de consumo


de massa geralmente leva a uma queda sistemática na qualidade
desses bens. As dificuldades de realização da mais-valia estimulam a
tendência crescente dos monopólios em alterar perpetuamente a forma
das mercadorias, muitas vezes de maneira absurda do ponto de vista
do consumo racional. Nesse contexto, Kay fala de uma redução do
“período de consumo” das mercadorias que, no caso dos bens de
consumo duráveis ou semiduráveis, faz-se acompanhar da
deterioração da qualidade. (MANDEL, 1982, p. 276).

Foi captando essa tendência da redução da qualidade dos produtos culturais e da


pseudodemocratização da cultura dominada pelos monopólios, que Adorno e
Horkheimer (1985) realizaram uma crítica qualitativa das produções culturais oferecidas
ao consumidor. Ao se massificarem seguindo a padronização típica da racionalidade
instrumental do fordismo e a monopolização, elas se tornaram sempre as mesmas, sem
distinção no seu conteúdo e dissociadas da sua finalidade de promover a reflexão e a
crítica. Ademais, ao se tornarem uma mercadoria e se subordinarem às campanhas de
vendas, o objetivo econômico acabou se sobressaindo muito mais do que a qualidade
dos produtos culturais enquanto meio de emancipar e enriquecer o gênero humano.
Por outro lado, o desenvolvimento dos produtos culturais não se restringe a
servir às campanhas de vendas, embora exista uma primazia delas em termos de
investimentos econômicos no ramo cultural. Como necessidade de consumo de um
tempo histórico, eles estão em consonância com um processo de trabalho que, buscando
extrair mais-valia relativa, intensifica o ritmo da força de trabalho e, portanto, exige a
intensidade da reposição da energia tanto física como psíquica do trabalhador durante o
seu tempo livre.
Logo, os produtos culturais servem, ao mesmo tempo, à força de trabalho e ao
processo de trabalho da qual faz parte. Conforme indicaram Adorno e Horkheimer
(1985, p. 113), na “indústria cultural”, “a diversão é o prolongamento do trabalho no
capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar do processo de trabalho
mecanizado, para se por de novo em condições de enfrentá-lo”. Decerto, uma das
alternativas para recompor a capacidade física e psíquica de trabalhar é pela via da
utilização do tempo livre para o consumo de produtos culturais como forma de lazer, os
quais assumem a função fundamental de reconstituição da força de trabalho.
91

É nesse sentido que Mandel destaca que, no capitalismo tardio, a pressão ao


consumo de determinados bens e serviços não deriva, apenas, de um estímulo às
vendas. Ou seja, os sujeitos não consomem somente orientados pelas campanhas de
vendas. A pressão decorre, ainda, da ampliação das necessidades de consumo para a
reprodução da força de trabalho e o gênero humano, vejamos:

[...] hoje, já não é economicamente possível para o assalariado médio


ir a pé para o trabalho, não se envolver com um plano de seguro de
saúde, usar privadamente para aquecimento o carvão industrializado
ao invés de briquetes, petróleo, gás ou eletricidade. É preciso fazer
uma distinção entre dois aspectos dessa imposição social. Por um
lado, o aumento substancial da intensidade do trabalho torna
necessário um nível de consumo mais elevado (entre outras coisas, de
alimentos de melhor qualidade, maior consumo de carne etc., a fim de
que a força de trabalho possa reconstituir-se). Por outro lado, a
expansão crescente das metrópoles capitalistas aumenta de tal modo o
tempo de circulação entre a casa e o trabalho que os bens de consumo
que poupam tempo também se transformam em condição necessária
para reconstituição efetiva da força de trabalho. (MANDEL, 1982, p.
276).

E acrescenta:

[Há uma] Ampliação genuína das necessidades (padrão de vida) do


assalariado, que corresponde a uma elevação de seu nível de cultura e
de civilização. No final, podemos acompanhar praticamente todo o
curso desse processo de conquista de um tempo maior de lazer, tanto
quantitativamente (semana de trabalho reduzida, fins de semana livres,
férias remuneradas, antecipação da idade para aposentadoria e um
período mais longo para a educação) quanto qualitativamente (a
ampliação efetiva das necessidades culturais, à medida que a
comercialização capitalista não as banalize ou as prive de seu
conteúdo humano). (MANDEL, 1982, p. 276-277).

Com efeito, os produtos culturais desenvolvem-se, também, como necessidades


culturais dos trabalhadores assalariados – necessidades que se ampliam e colocam novas
possibilidades de desenvolvimento do gênero humano na sua diversidade de
predileções. Lembra-nos Mészáros (2011) que as necessidades de consumo se
expandem na medida em que aumenta a produtividade, mais especificamente o
excedente socialmente produzido que, atingindo certo patamar, pode ser canalizado para
novas aplicações.
Mas, o filósofo húngaro alerta que, para a emancipação humana, o avanço da
produtividade não pode ser apenas quantitativo, no sentido de volume de bens
92

disponíveis numa sociedade. Além disso, precisa garantir a dimensão qualitativa que
pressupõe não só a criação, mas, ainda, a satisfação das novas necessidades criadas.
Como não há, todavia, uma satisfação universal das novas necessidades criadas,
ele considera que há um retrocesso no capitalismo avançado, pois na medida em que
cria novas necessidades e elas não são satisfeitas, rompe-se com a produção voltada
para a necessidade, que fora predominante no estágio primitivo 39. Nesse sentido, é um
retrocesso em termos de relação entre a produtividade e a necessidade – dito de outra
forma: entre o volume de bens, as necessidades criadas no seu tempo histórico e a
satisfação delas.
Numa fase avançada como a fase monopolista do capitalismo, “sob as condições
de produção generalizada de mercadorias [...] o fetichismo da quantificação domina
completamente a dimensão qualitativa do processo de produção” (MÉSZÁROS, 2011,
p. 606). Dessa forma, a lógica de reprodução ampliada do capital, na circulação, exige e
prioriza quantitativamente a realização do máximo de mercadorias produzidas pela
mediação da venda, contudo, faz em uma sociedade tipicamente dividida em classes,
que convive com a persistente tendência ao subconsumo.
Noutras palavras, seguindo o “fetichismo da quantificação” a lógica da
reprodução ampliada de capital precisa incitar o consumo ampliado para promover as
vendas, ao mesmo tempo em que impõe limites à satisfação desse consumo. Diante
disso, são produzidas mercadorias de alta qualidade, mas com preços mais altos, e
mercadorias de qualidade inferior com preços relativamente menores, em comparação
com aquelas primeiras.
São, portanto, as mercadorias de menor qualidade que se dirigem ao consumo
parcial das grandes massas trabalhadoras, especialmente daqueles trabalhadores
envolvidos na extração de mais-valia absoluta. Já as mercadorias de maior qualidade,
também de maneira parcial, se dirigem para a camada de trabalhadores vinculada à
captura de mais-relativa, a qual possui maior poder aquisitivo.
Essa disparidade no consumo dos trabalhadores se expressa mais intensamente
no capitalismo tardio, pois é nessa fase que a mais valia relativa se generaliza –

39
Com essa análise, não se quer atribuir valoração ao estágio primitivo, caracterizando-o como ruim ou
bom, tampouco aspirar ao seu retorno, pois, com isso, se escorregaria nas amarras do socialismo utópico
em detrimento do socialismo científico. Trata-se, na verdade, de apontar apenas a tendência regressiva do
modo de produção atual que, ao avançar na mercantilização, retira a possibilidade de satisfazer as
necessidades criadas na sua época – inclusive, a satisfação daquelas necessidades mais básicas como a
alimentação, por exemplo, que, noutra época histórica, era uma necessidade imediata satisfeita.
93

articulada à mais valia absoluta 40 –, gerando uma camada de trabalhadores com maior
qualificação, melhores salários e jornadas menores, a chamada “aristocracia operária”
definida por Lenin (2012). É exatamente essa camada que apresenta condições
aquisitivas de participar, de fato, do mercado consumidor dos “30 anos dourados”. Por
outro lado, permanecem com um consumo inferior e de menor qualidade os operários
que produzem, sobretudo, as matérias primas e os bens de primeira necessidade. Esta
última camada, ao contrário, tem condições de trabalho mais precárias, baixos salários e
um poder de consumo menor, mas, continuam contribuindo para fornecer, a baixo
custo, os meios necessários à extração de mais-valia relativa (LESSA, 2013).
Nessa linha, tratando da diferenciação do consumo dos trabalhadores, com foco
na funcionalidade da política de valorização e desvalorização da força de trabalho,
Faleiros (2009) acrescenta à discussão ao mostrar, ainda, as distinções entre as
condições de trabalho e consumo dos trabalhadores atrelados ao setor monopolista41 e
aqueles que trabalham no setor concorrencial. Nos seus termos,

A camada que trabalha no setor monopolista se beneficia de um


acúmulo de vantagens sociais: melhores salários, restaurantes,
transporte, contratos mais claros, férias, abonos, roupa de trabalho,
fundos de pensão, maior segurança, além de uma sólida organização
sindical. [...] Os trabalhadores do setor concorrencial contribuem e
usufruem dos seguros sociais, mas não têm as mesmas vantagens de
salário e de condições de trabalho que os do setor monopolista. Eles
são pagos abaixo do valor quotidiano da força de trabalho,
considerando-se que o salário mínimo não permite a subsistência do
trabalhador. [...] Os trabalhadores do setor monopolista estão em
melhores condições de beneficiar-se da política de habitação, de
educação, de lazer, de saúde. Os trabalhadores do setor concorrencial,
por sua vez, dificilmente teriam acesso a casas, lazer, já que
consomem a quase totalidade de seus salários em alimentação e
vestuário (FALEIROS, 2009, p. 73).

Nesse sentido,

40
Direcionando a análise aos trabalhadores produtivos, Lessa (2013, p. 103) revela: “Como, todavia, só
pode haver mais-valia relativa se houver sido produzida mais-valia absoluta, o desenvolvimento da
aristocracia operária será sempre acompanhado pelo desenvolvimento, nos países imperialistas e na
periferia do sistema (porém, de modo diferenciado, na periferia e no centro), do outro setor operário,
desqualificado e bem menos organizado, e que é a fonte da mais-valia absoluta, imprescindível ao
funcionamento de todo o sistema do capital”.
41
É necessário destacar que não são todos os trabalhadores do setor monopolista que convivem nessas
condições. Levando em consideração que o monopólio é composto por combinações entre setores
avançados e menos avançados, tanto da produção como da circulação, nem sempre haverá melhores
condições de trabalho no setor monopolista. A distinção é válida, portanto, ao comparar a parte do setor
monopolista que se dedica à extração de mais-valia relativa.
94

Em realidade, nos países capitalistas, encontra-se a diferença de


qualidade e de quantidade das mercadorias, numa escala adequada a
todos os orçamentos, isto é, desde a mais baixa até a mais alta
qualidade. Uma vez que o consumidor de baixa renda escolheu
qualidade, ele começa a diminuir a quantidade do que quer comprar,
segundo o seu orçamento. Assim terá o refrigerador usado, móveis,
utensílios e comida de segunda categoria, e na quantidade limitada à
sua renda (FALEIROS, 2009, p. 20).

No capitalismo tardio, a necessidade de consumo cultural é posta, ao mesmo


tempo, como necessidade de reprodução da força de trabalho e do gênero humano.
Todavia, na medida em que a produção cultural se desenvolve como uma mercadoria
por meio da utilização do excedente econômico, cujo acúmulo incita o desenvolvimento
dos investimentos improdutivos – especialmente em cenários de crise – os bens e
serviços culturais dependem da mediação das trocas no mercado.
Ao se generalizar como mercadoria, numa sociedade de classes, o patrimônio
cultural de qualidade produzido pela humanidade se encontra, predominantemente,
acessado por aqueles que possuem maiores recursos econômicos para ampliar a
satisfação de suas necessidades humanas. À grande massa de trabalhadores, dirigem-se
as formas culturais que seguem a lógica do “fetichismo da quantificação” e da
“massificação”. Nessa lógica, se insere o entretenimento, que tem como expressão
máxima os programas de TV e determinadas produções cinematográficas reproduzidos
nos meios de comunicação, sobretudo na televisão. É nessa aparelhagem expandida no
capitalismo tardio, no contexto da era eletrônica, que triunfam as campanhas de vendas.
A industrialização cultural, portanto, contém no seu interior um
desenvolvimento produtivo para as necessidades humanas, mas ao mesmo tempo
submete tal desenvolvimento à expansão de atividades improdutivas parasitárias, as
quais não criam mais-valia e não possuem uma função necessária à qualidade de vida
humana, embora assumam uma função necessária na produção capitalista, como é o
caso das campanhas de vendas.
95

4 ENTRE O PARASITISMO E A NECESSIDADE DE CONSUMO NA


INDUSTRIALIZAÇÃO CULTURAL

O objetivo deste capítulo é apreender a funcionalidade da industrialização


cultural para a reprodução de capital, a partir das campanhas de vendas. No decorrer de
nossa análise, o leitor se deparará com uma dualidade própria da industrialização
cultural. De um lado, os resultados apontaram a sua funcionalidade à reprodução do
capital e, por outro, à necessidade de consumo cultural dos trabalhadores.
Essa dualidade ocorre porque, no seu interior, há a participação tanto do trabalho
produtivo quanto improdutivo. E, em relação ao trabalho improdutivo, participam da
industrialização cultural dois tipos de atividades improdutivas diferentes: parasitárias
(campanhas de vendas) e necessárias (serviços artísticos humanistas).
Para a reprodução do capital, as campanhas de vendas não aparecem como
improdutivas tampouco como parasitárias. Para a economia capitalista, elas são custos
tão necessários como o maquinário ou a força de trabalho empregada, pois o conceito de
produtividade está associado ao capital. Nesse sentido, qualquer atividade que se
relacione com a geração ou reprodução de capital é considerada produtiva para essa
economia, seja uma atividade localizada na produção ou circulação.
Além do conceito de produtividade capitalista, veremos que mesmo uma leitura
crítica que parta da existência do trabalho combinado – afirmando ser produtivo todo o
trabalho envolvido, de algum modo, com a mercadoria – pode levar a uma mistificação
da função das campanhas de vendas. Nessa perspectiva, considera-se somente da
divisão social do trabalho e da utilidade de um trabalho, em detrimento da perspectiva
de produtividade que considera o critério da mais-valia.
Por isso, a concepção de Marx sobre trabalho produtivo, como aquele que gera
diretamente mais-valia, será fundamental para desvelarmos a funcionalidade das
campanhas de vendas. Perceberemos, então, que estas últimas não geram mais-valia e,
no fundo, se constituem como uma mediação para transferir o valor de uma forma para
outro: da forma-mercadoria para a forma-dinheiro. Nesse sentido, para atingir a sua
finalidade, é preciso utilizar força de trabalho, não para criar valor, mas para atuar na
transferência, na mutação da forma do valor.
96

A seguir, o leitor poderá desfrutar de um breve diálogo que se condensou,


sobretudo, a partir das contribuições de Baran (1984), Baran e Sweezy (1978), Marx
(1978; 2014) e, por fim, Fischer (1977).

4.1 Atividades improdutivas parasitárias x necessárias: as campanhas de vendas e os


serviços artísticos humanistas

A categoria trabalho improdutivo foi utilizada, anteriormente à Marx, por Adam


Smith em A Riqueza das Nações. Naquele momento, tratou-se de uma crítica ao
parasitismo do Antigo Regime, especialmente do Estado absolutista, em meio às
disputas contra a ordem política e econômica feudal no século XVIII. Em vista disso, ao
mesmo tempo em que ele defendeu o “esbanjamento e imprudência dos particulares 42”
como incapazes de empobrecer as nações, apontou os funcionários e instituições do
Estado feudal enquanto responsáveis por tal empobrecimento, devido a sua função
improdutiva43.
Entretanto, como elucidou Baran, tão logo a ordem capitalista é conquistada,
“deixaram de ser analisadas a produtividade e a essencialidade de qualquer tipo de
atividade exercida no seio da sociedade capitalista” (1984, p. 53, grifo nosso). A agenda
da economia trata, então, de justificar o capitalismo, concebendo o mercado como o
único capaz de promover eficiência, racionalidade e progresso (idem), ao passo em que
oculta suas debilidades, em especial, a base sobre a qual ele se sustenta. Desse modo,
ocorre um apagamento do excedente gerado e, principalmente, do excedente aplicado
no trabalho improdutivo na sua forma parasitária.
Em síntese, em se tratando de capitalismo monopolista, desaparece o fato de,
nele, existir uma captura maior de mais-valia no trabalho produtivo, permitindo uma
superacumulação que, por sua vez, provocará o que Mandel (1982) chamou de
supercapitalização, ou seja, uma dificuldade de valorização dos capitais. O conjunto de
capitais excedentes passa a ser aplicado em setores operacionalizados com trabalho

42
Refere-se à burguesia nascente.
43
Nas suas palavras, havia “uma corte numerosa e esplêndida, um grande estabelecimento eclesiástico,
grandes esquadras e exércitos, que em tempos de paz nada produzem, e em tempo de guerra nada
adquirem que possa compensar os gastos de sua manutenção, mesmo enquanto perdura a guerra. Essas
pessoas, que nada produzem, são mantidas pela produção do trabalho de terceiros” (SMITH, 1983, p.
294).
97

improdutivo, os quais não produzem mais-valia, embora possuam uma função


necessária para o capital. Sobre isso, nos cabem algumas considerações.
Evidentemente, um trabalho improdutivo pode ser capaz de facilitar a captura
ou estimular a realização de mais-valia, mas não de criá-la. Tomemos como exemplo
uma empresa de produção de frutas onde há, além dos trabalhadores rurais, alguns
técnicos. Imaginemos, então, um enfermeiro do trabalho. Uma de suas funções é atuar
nos casos de acidentes de trabalho, tendo, portanto, uma função necessária na
recuperação da saúde dos trabalhadores. Dessa forma, a sua funcionalidade contribui
para a reprodução da força de trabalho, sendo capaz de facilitar a extração/captura de
mais-valia, na medida em que contribui na recuperação física do trabalhador, o
recolocando em tempo hábil no âmbito produtivo. Isso permite, inclusive, que as faltas
ao trabalho, em virtude da sua condição de saúde debilitada, sejam evitadas ou
amenizadas.
Contudo, facilitar a captura de mais-valia não é sinônimo de criar. Nesse caso,
os trabalhadores rurais criam mais-valia contida nas frutas. Ao vendê-las no mercado, o
capitalista adquire essa mais-valia na forma de dinheiro e, assim, parte dela é realizada
no pagamento do salário desse enfermeiro44 que, em troca, continuará facilitando a
captura de mais mais-valia e não a criando propriamente.
Noutro exemplo, acrescentaremos, agora, o fato de essa mesma empresa
contratar serviços publicitários. A publicidade terá uma função necessária: dar
visibilidade à mercadoria, estimulando a sua venda. Não obstante os monopólios
estabeleçam acordos entre si, a concorrência não é eliminada. Segundo Baran e Sweezy
(1978), ela é visível, também, no campo publicitário, numa disputa entre as marcas
comerciais no setor de vendas.
Logo, considerando a sua função no âmbito da circulação, não dá para afirmar
que o publicitário, nessa situação, está criando mais-valia. Na verdade, por um lado,
assim como o enfermeiro do trabalho, ele absorve parte dessa mais-valia advinda do
trabalho dos trabalhadores rurais e, por outro, tenta estimular a sua realização na esfera
da circulação e do consumo ao auxiliar no esforço de vendas das frutas.

44
Esse trabalhador tem uma relação, duplamente, alienada com os capitalistas. Por um lado, é
despossuído enquanto classe trabalhadora, pois tudo que possui é a sua força de trabalho para vender e,
conseguindo vender, o seu consumo está limitado ao seu salário. Por outro, facilita a exploração da sua
classe pertencente, constituindo-se no braço direito dos capitalistas. A figura do gerente é mais fácil de
visualizar esse braço.
98

Com essas distinções, conseguimos visualizar que o trabalho produtivo alimenta


o improdutivo com excedente econômico, seja ele na forma monetária da mais-valia
acumulada usada no pagamento dos salários, seja com produtos e equipamentos45
necessários para a execução do trabalho improdutivo. Já o improdutivo, atua na
absorção da massa de excedente, possuindo alguma função necessária para a sociedade
capitalista e pode ou não atuar na reprodução humana e social, visando um progresso
real na qualidade de vida do conjunto da sociedade. Há, portanto, dentro do próprio
trabalho improdutivo, uma divisão entre as atividades que vamos chamá-las de
improdutivas parasitárias e improdutivas necessárias.
As atividades improdutivas parasitárias perpetuam o desperdício, não sendo
capazes de retornar aos trabalhadores produtivos, que lhes sustentam, qualidade de vida
universal na forma de serviços prestados. A absorção do excedente tem como horizonte
não o retorno à sociedade numa perspectiva racional de um progresso universal, mas à
reprodução de uma pequena classe de capitalistas e, ao reproduzi-la, alguns agregados
podem até receber uma fatia considerável desse excedente. Dada a sua importância para
o capitalismo de base monopolista, são desenvolvidas plenamente com alta absorção de
excedente. Nela, estão inseridos os trabalhadores improdutivos que se ocupam

[...] na produção de armamentos, de artigos de luxo de toda espécie,


de objetos de ostentação e indicativos de posição social. Outros são
funcionários governamentais, membros das forças armadas e do clero,
advogados especialistas em fraudes fiscais, técnicos em relações
públicas etc. Outros grupos de trabalhadores improdutivos são
constituídos por agentes de publicidade, intermediários, comerciantes,
especuladores etc. [...] O que é crucial lembrar é que o trabalho
improdutivo [...] não se relaciona diretamente ao processo de
produção indispensável e é mantido por uma parte do excedente
econômico da sociedade (BARAN, 1984, p. 58-59).

Por outro lado, as atividades improdutivas necessárias são chamadas de


improdutivas apenas para estabelecer uma distinção entre aquelas que se situam no
âmbito produtivo. Elas também são mantidas com o excedente econômico gerado pelos
trabalhadores produtivos. Mas, ao contrário das atividades improdutivas parasitárias,
retornam para a sociedade um conjunto de serviços capazes de potencializar a qualidade
de vida dos trabalhadores em sua universalidade e, nesse sentido, são muito produtivas
para essa classe. Embora no capitalismo não consigam se desenvolver plenamente,

45
Na situação do enfermeiro do trabalho, o trabalho é impraticável sem um Equipamento Individual de
Proteção (EPI), um estetoscópio, um medidor de pressão arterial e demais materiais para a realização de
curativos. O trabalho do publicitário, por sua vez, depende fundamentalmente de um computador.
99

possuem essa capacidade, também desperdiçada. Trata-se do trabalho essencial


exercido por “Cientistas, médicos, artistas, professores e pessoas com profissões
semelhantes às indicadas [que] vivem do excedente econômico, mas exercem uma
atividade cuja procura, numa sociedade racionalmente organizada, longe de
desaparecer, seria multiplicada” (BARAN, 1984, p. 59).
Na ordem monopólica, essas duas formas de trabalho improdutivo aparecem
mistificadas e difíceis de serem percebidas pelo binômio produtividade-essencialidade
(BARAN, 1984). Isso ocorre devido ao conceito de produtividade que impera na
sociedade capitalista, associado à captura e realização de mais-valia. Nesse pensamento,
tende a ser considerada produtiva qualquer atividade que se relacione, de algum modo,
com a geração e reprodução do capital, seja na produção ou na circulação. Por vezes,
sob a afirmação de ser “indiretamente” produtiva por contribuir “indiretamente” com a
produção.
As campanhas de vendas, a título de exemplo, são consideradas produtivas para
esta sociedade porque estariam aquecendo a economia capitalista, ao investir capitais,
gerar empregos e estimular a capacidade de venda das mercadorias. O binônimo
produtividade-essencialidade das campanhas de vendas está submetido à lógica do
capital – ao valor de troca, em detrimento do valor de uso.
Nesse sentido, na medida em que as campanhas de vendas são consideradas
produtivas à economia capitalista, seus investimentos aparecem não como um
excedente aplicado em um custo extra e parasitário. Ao contrário, aparecem como um
custo tão necessário quanto o maquinário. Como afirmou Baran, “o capitalismo
monopolista não só gera lucros, renda e juros, como elementos do excedente
econômico, mas oculta sob o rótulo de custos uma importante parcela do excedente”
(1984, p. 17). A ocultação acontece com os investimentos em campanhas de vendas, ao
se apresentarem enquanto “custos necessários”, no mesmo patamar dos meios de
produção e da força de trabalho.
Em obra escrita posteriormente, Baran e Sweezy (1978) refletem que essa
ocultação se dá quando a produção e as campanhas de vendas combinam-se, de modo
que se interpenetram na fase monopolista do capitalismo. Como já se sabe, é fato que
um mesmo monopólio tente dominar tanto as etapas de produção quanto de circulação.
No capítulo anterior, vimos, por exemplo, que Henry Ford foi pioneiro em combinar os
investimentos da indústria automobilística com cinematecas que atuavam como forma
100

de propaganda. Para os autores supracitados, nessa situação seria mais simples separar
os custos de venda dos custos socialmente necessários, pois,

Enquanto a “indústria” de vendas e os departamentos de venda das


empresas produtoras forem separados e não influírem sobre o
departamento de produção, tudo é simples. Nesse caso, os custos de
venda, como a renda e o juro, podem ser facilmente identificados
como uma forma de excedente a ser subtraído dos custos agregados a
fim de chegarmos aos custos de produção que sejam na verdade
socialmente necessários. Mas como devemos fazer quando os custos
de venda são literalmente indistinguíveis dos custos de produção,
como por exemplo no caso da indústria automobilística? Ninguém
duvida de que uma grande parte do trabalho real na produção de um
automóvel [...] tem a finalidade não de fazer um produto mais útil,
mas um produto mais vendável. Mas o automóvel, depois de
planejado, é uma unidade produzida pelos esforços combinados de
todos os trabalhadores na oficina e na linha de montagem. Como
distinguir os trabalhadores produtivos dos improdutivos? Como
separar os custos de venda e os de produção? (BARAN; SWEEZY,
1978, p. 137-138, grifo nosso).

A partir desse questionamento, chegam à seguinte resposta:

A resposta é que eles não podem ser distinguidos e separados à base


de qualquer dado registrado na contabilidade das companhias
automobilísticas. O único processo sensato consiste em comparar os
custos reais dos automóveis, tais como são, inclusive todas as suas
características destinadas a promover venda, com os custos prováveis
dos automóveis planejados para executar as mesmas funções, mas de
modo mais seguro e eficiente. Os custos destes últimos seriam, então,
os custos socialmente necessários dos carros, e a diferença entre eles
e os custos reais dos automóveis seria denominada de custos de venda.
[...] tal comparação nos proporcionaria uma estimativa do volume de
excedente hoje oculto pela interpenetração das vendas e da produção.
(BARAN; SWEEZY, 1978, p. 138-142, grifo nosso).

A interpenetração das vendas dentro do processo de produção se expressa já na


etapa inicial de design, inserindo-se no planejamento do modelo do automóvel a fim de
torná-lo mais vendável e não necessariamente mais útil, em termos de segurança e
eficiência. Essa interpenetração, por seu turno, contribui para o apagamento, no plano
da aparência, da distinção entre o trabalho produtivo na produção e o trabalho
improdutivo realizado nos processos de vendas.
Isso faz com que ambos os custos envolvidos sejam considerados como “custos
socialmente necessários”, ao ter como ponto de partida o fato de o automóvel, após o
planejamento, ser derivado do trabalho combinado de diferentes trabalhadores. Nessa
101

perspectiva aparente, ao levar em consideração somente a divisão social do trabalho e a


utilidade de todos os trabalhos dentro dessa divisão socializada, concebe-se como
produtivo o conjunto do trabalho envolvido no processo de produção e esforço de venda
de um automóvel.
No capítulo VI, inédito, que ficou fora da publicação original dos livros de O
Capital, Marx apresenta diversas inquietações decorrentes do processo de investigação
da sua pesquisa. A nosso ver, elas avançam e ganham mais consistência, em termos de
demonstração fundamentada, com a exposição da inteireza de sua análise no livro II de
O Capital quando, ao tratar dos custos fortuitos de circulação, desvela qual é a função
do trabalho improdutivo, envolvido na circulação, para a produção global capitalista.
No entanto, já nas suas inquietações presentes neste referido capítulo, Marx
aponta possíveis caminhos para desvendar as armadilhas das confusões entre trabalho
produtivo e improdutivo. Ele é muito objetivo ao afirmar, por exemplo, que o trabalho
produtivo não é definido pela sua utilidade ou valor de uso do objeto criado por esse
trabalho. Na verdade, isso mais atrapalha do que ajuda a perceber as distinções entre tais
tipos de trabalho (produtivo e improdutivo) para o capital. Vejamos:

O que constitui o valor de uso específico [do trabalho produtivo] para


o capital não é seu caráter útil determinado, como tampouco as
qualidades úteis peculiares ao produto no qual se objetiva, mas seu
caráter de elemento criador de valor de troca (mais-valia). O
processo capitalista de produção não é simplesmente produção de
mercadorias. É processo que absorve trabalho não pago, que
transforma os meios de produção em meios de sucção de trabalho não
pago. Do que precede resulta que trabalho produtivo é uma
determinação daquele trabalho que em si mesmo nada tem a ver com
o conteúdo determinado do trabalho, com sua utilidade particular ou
valor de uso peculiar no qual se manifesta. (MARX, 1978, p. 75,
grifos nossos).

Em Marx (1978), portanto, o critério que define um trabalho produtivo é “o


trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (idem, p. 71,
grifo nosso). Noutras palavras, é trabalho produtivo aquele trabalho que aumenta o
capital adiantado, o qual é formado por coágulos de valor derivados da força de trabalho
humana em movimento aplicada. Essa força, ao movimentar-se, “não só em parte
conserva e em parte reproduz os valores de capital adiantados, mas [...] ao mesmo
tempo aumenta-os” (idem, p. 72, grifo do autor).
102

É preciso ter atenção ao tratar sobre a afirmação marxiana da definição do


critério do trabalho produtivo para não escorregar em deturpações. Nessa definição
objetiva, Marx não abriu brechas para diferentes interpretações a respeito da criação da
mais-valia. A “criação direta de mais-valia” e “valorização de capital” não são dois
momentos separados. Isso significa que a expressão “isto é” utilizada por Marx, não
pode se converter em “ou” – noutros termos, em “ou isso”, “ou aquilo”. Na verdade,
quer dizer que “isso é, também, isso”.
Nesse sentido, não podemos considerar a “criação de mais-valia” como um
46
suposto momento separado da “valorização” , mas, sim, conceber como único. A
valorização não pode ser concebida, equivocadamente, como sinônimo de realização
de mais-valia. Isso, inclusive, pode levar a um caminho de análise – a nosso ver
inconsistente –, em que se afirma que é possível a valorização de capital (criação de
mais-valia) na circulação.
Para Marx, criação de mais-valia é, ao mesmo tempo, valorização, ou seja, a
própria produção de mais-valia. Após a produção de mais-valia (valorização), é preciso
que ela caia na circulação para se realizar e, nesse processo de realização, a mais-valia
na forma-mercadoria passa para a forma-dinheiro. Criação de mais-valia não é
automaticamente realização, como vimos no primeiro capítulo desta dissertação.
Criação de mais-valia é valorização, mas a valorização não é realização, porque a
própria criação não é a realização – embora a realização continue sendo um momento
necessário na reprodução do capital. A valorização e a criação de mais-valia não são,
portanto, termos diferentes para fatos distintos.
Especialmente no livro em que se ocupou com mais ênfase ao processo de
circulação, Marx revela, com mais profundidade, a função do trabalho improdutivo,
com foco no processo de venda. Ele destaca que o trabalho empreendido no processo de
venda, no qual se vincula a campanha de vendas, é considerado improdutivo do ponto
de vista do processo de valorização, isto é, da criação de mais-valia.
Esse trabalho entra, então, nos “custos de circulação”, cuja função nessa esfera é
transferir valor da forma-mercadoria para a forma-dinheiro e da forma-dinheiro para a
forma-mercadoria, contribuindo para potencializar as operações de compra e venda das

46
Por valorização entende-se o “Processo pelo qual o capital aumenta o seu próprio valor mediante
produção de mais-valia. Marx apresenta o processo de produção de mercadorias como uma unidade de
dois processos distintos – o processo de trabalho através do qual a força de trabalho produz valores de
uso, e o processo de valorização através do qual a força de trabalho produz um valor adicional ao superior
ao seu próprio valor”. (MANDEL, 1982, p. 416, grifo nosso).
103

mercadorias que contêm valor. Para isso, “A mudança de estado custa tempo e força de
trabalho, mas não para criar valor, e sim para transferir valor de uma forma a outra”
(MARX, 2014, p. 210, grifo nosso).
Um exemplo muito interessante dado por Marx para nos auxiliar a entender o
trabalho improdutivo, com foco na sua função de transferência de valor, é o ato de
compará-lo com o trabalho de combustão do carvão para a produção de calor. Ele
destaca, remetendo-se a uma reação química, que na combustão há a combinação de
elementos para alterar, fisicamente, o estado sólido do carvão ao estado gasoso. Deve-se
utilizar o carvão como combustível e combiná-lo com oxigênio para alcançar o estado
gasoso durante o processo de combustão. Nas suas palavras,

Esse trabalho [de transferência de valor] – que é um momento


necessário do processo capitalista de produção em sua totalidade,
processo que também inclui a circulação ou é nela incluído – é
semelhante ao trabalho de combustão de um material para produzir
calor. Esse trabalho de combustão não produz calor, embora seja um
momento necessário do processo de combustão. Por exemplo, para
consumir carvão como combustível, tenho de combiná-lo com
oxigênio, convertendo-o, para isso, do seu estado sólido ao gasoso
(pois, sob a forma de dióxido de carbono, o resultado da combustão, o
carvão encontra-se no estado gasoso), ou seja, operando uma alteração
física em sua forma de existência ou em seu estado. A separação das
moléculas de carbono, combinadas num todo sólido, e a explosão da
própria molécula em seus átomos individuais têm de preceder à sua
nova combinação, o que custa certo dispêndio de força que não se
converte em calor, mas deve ser dele descontado. (MARX, 2014, p.
210, grifo nosso).

Para apreender essa exemplificação na sua relação com o processo capitalista de


produção como totalidade, é preciso atentar para os dois termos diferentes utilizados por
Marx: o trabalho de combustão e o processo de combustão. Veja, o trabalho de
combustão é um momento necessário dentro do processo, mais geral, de combustão. Ele
é necessário, pois esse processo de combustão, na sua totalidade, precisa de um
dispêndio de força na separação e explosão das moléculas para atingir o estado gasoso
do carvão. Tal dispêndio de força, ao invés de gerar calor, o desconta, consumindo parte
dele.
De maneira semelhante, acontece com as campanhas de vendas. Elas se
constituem como um momento necessário para o processo de produção capitalista como
totalidade, no capitalismo monopolista, para promover as mercadorias, aumentar as
operações de compra e venda e, ao aumentá-las, estimular uma nova produção. Mas,
104

para isso, as campanhas de vendas precisam que os capitalistas comprem a força de


trabalho de um conjunto de trabalhadores. Tais trabalhadores, durante o seu tempo de
trabalho, poderão atuar tanto numa indústria produtiva quanto numa agência de
publicidade sem, contudo, alterar a função desse trabalho improdutivo.
Isso significa que, ainda que esses trabalhadores – atuantes no esforço de vendas
– estejam dentro de uma indústria produtiva, a função do seu trabalho no processo
capitalista de produção, como totalidade, não se altera. Do ponto de vista da criação de
mais-valia, a força de trabalho em movimento continuará contribuindo com a
transferência de valor da sua forma-mercadoria para a forma-dinheiro e vice-versa,
servindo, portanto, como “mediação à mudança da forma do valor” (MARX, 2014, p.
210, grifo nosso). Logo, em vez de criar valor, absorverá parte dele. Nesse sentido,

[...] se por efeito da divisão do trabalho uma função que em si mesma


é improdutiva mas constitui um momento necessário da reprodução
converte-se de uma operação acessória realizada por muitos em
operação exclusiva de poucos, em tarefa específicas destes, com isso
não se altera em nada o caráter da função. (MARX, 2014, p. 211).

E desenvolve, posteriormente:

Em todo o caso, o tempo empregado nessa função é um custo de


circulação que não acrescenta nada aos valores transferidos. Ele é o
custo necessário para transferi-los da forma-mercadoria à forma-
dinheiro. Quando o produtor capitalista de mercadorias aparece como
agente de circulação, ele só se distingue do produtor direto de
mercadorias pelo fato de vender e comprar numa escala maior e, por
isso, atuar como agente de circulação numa escala também maior.
Mas mesmo que o volume de seu negócio o obrigue ou capacite a
comprar (alugar) seus próprios agentes de circulação como
trabalhadores assalariados, o fenômeno permanece substancialmente
o mesmo. Até certo grau, a força e o tempo de trabalho têm de ser
gastos no processo de circulação (considerado mera transmutação de
forma). Mas isso aparece, agora, como investimento adicional de
capital; uma parte do capital variável precisa ser investida na compra
dessas forças de trabalho que só atuam na circulação. Esse
adiantamento do capital não cria nem produto nem valor. Ele reduz
pro tanto o volume em que o capital adiantado atua produtivamente.
(MARX, 2014, p. 213, grifo nosso).

Se aplicarmos tais fundamentos na análise da industrialização cultural, veremos


que, no seu interior, ela opera pela combinação de trabalho improdutivo e produtivo.
Em relação ao trabalho produtivo, trata-se apenas de um pressuposto material, pois não
105

há criação de mais-valia, mas a absorção. O ramo cultural, ao invés de produzir, absorve


o excedente criado na indústria produtiva. É inegável que, por um lado, a indústria
produtiva dos meios eletrônicos de comunicação e a indústria pesada, que fornece
energia, abastecem materialmente a industrialização cultural como condição de
desenvolvimento. Por outro, como indicamos no segundo capítulo, os capitais
excedentes da indústria pesada e da indústria de bens de consumo tendem a ser
absorvidos na industrialização cultural pela mediação das campanhas de vendas.
Aparentemente, numa análise rápida, as campanhas de vendas se colocam como
“financiadoras” dos serviços artísticos e culturais. Entretanto, no fundo, as próprias
campanhas de vendas são financiadas pela indústria produtiva onde se cria o excedente.
As campanhas de vendas são, no capitalismo monopolista, a mediação para fornecer
serviços artísticos e culturais.
Evidentemente, elas não são a única mediação, tendo em vista que o Estado
também se insere como mediação das iniciativas no âmbito da cultura, ainda que de
forma bastante limitada no emprego dos recursos públicos, podendo a vir a cortá-los
para alocá-los em setores mais rentáveis para a economia capitalista. De todo modo,
algo é certo: o excedente aplicado vem da indústria produtiva e utiliza as mediações das
campanhas de vendas e do Estado para fornecer arte e cultura à sociedade.
As campanhas de vendas e os serviços artísticos e culturais são, portanto,
concebidos como atividades improdutivas e se constituem como alternativas de
absorção de excedente. No entanto, entre essas atividades há diferenças e
particularidades, como já foi colocado no início deste texto. A primeira é improdutiva
parasitária, então, à criação de mais-valia e, também, à qualidade de vida humana. Ela
é parasitária não somente porque opera uma função improdutiva para a geração de mais-
valia, mas também porque, ao operar dentro da lógica geral de acumulação de capital,
concentra e desperdiça capital excedente e não fornece, enquanto serviço, um retorno
benéfico à sociedade de maneira universal.
O que queremos dizer é que, ao atingir o seu fim último de aumento das vendas,
o benefício recai, visivelmente, para a classe capitalista: aumento de sua riqueza privada
para ser utilizada nos seus novos investimentos e no seu consumo. Já para os
trabalhadores, sobretudo aqueles que produzem as campanhas de vendas, assim como a
grande camada que se encontra em condições precárias no comércio para auxiliar nas
vendas como vendedor assalariado, o benefício é reduzido à “oportunidade de
106

emprego”, expressando a mistificação 47 de que o emprego é criado pelos capitalistas


para os trabalhadores. Para essa perspectiva, que leva em si o interesse da classe
capitalista, tal “oportunidade” seria suficiente para “justificar” à classe trabalhadora a
legitimidade dos investimentos destinados a manter o parasitismo dessas atividades de
esforço de vendas.
Em outra direção, os serviços artísticos e culturais são uma atividade
improdutiva necessária à qualidade de vida e ao desenvolvimento do gênero humano.
Qualquer que seja a sua forma – com alta tecnologia, pouca ou nenhuma tecnologia,
seja um quadro pintado à mão ou um filme coberto por efeitos técnicos – deve ser
estimulada desde que não elimine do conteúdo o seu momento de humanidade, como
destacou Fischer (1977) em A Necessidade da Arte. Ele considerou esse “momento de
humanidade” como o elemento capaz de permanecer na arte carregando um senso de
coletividade, mesmo que a sociedade passe por transformações tornando-se mais
individualizada, a exemplo da sociedade de classes, e a função da arte seja
transformada:

[...] a função da arte se transforma em um mundo que se está


transformando. A razão de ser da arte nunca permanece inteiramente
a mesma. A função da arte, numa sociedade em que a luta de classes
se aguça, difere, em muitos aspectos, da função original da arte. No
entanto, a despeito das situações sociais diferentes, há alguma coisa na
arte que expressa uma verdade permanente. E é essa coisa que nos
possibilita – nós, que vivemos no século XX – o comovermo-nos com
as pinturas pré-históricas das cavernas e com antiquíssimas canções.
[...] na arte historicamente condicionada por um estágio social não
desenvolvido, perdurava um momento de humanidade; e nisso Marx
reconheceu o poder da arte de se sobrepor ao momento histórico e
exercer um fascínio permanente. (FISCHER, 1977, p. 17, grifo do
autor).

Na referida obra, Fischer, poeta e filósofo austríaco, revela que a função da arte,
desde as suas origens pré-históricas, esteve atrelada à luta pela sobrevivência humana,
sendo, portanto, tão antiga quanto o homem. Os pioneiros da arte foram homens que, na
sua relação com a natureza, buscaram fazer um instrumento alterando a forma de uma
pedra para lhes servir, e até mesmo se disfarçaram de animal a fim de melhorar a sua
técnica de caça para se alimentar.

47
Segundo Mandel (1975, p. 45), “Não é, pois, exato afirmar que é o capitalista que cria o emprego, visto
que é o operário que produziu a mais-valia, e é esta mais-valia produzida pelo operário que é capitalizada
pelo capitalista e utilizada normalmente para admitir operários suplementares”.
107

Isso significa que a arte foi, nas suas origens, fundada na centralidade do
trabalho e se configurou como trabalho que transforma o mundo e o próprio homem.
Ela o enriquece, despertando seus sentidos. Na pré-história, despertou o sentido de
poder sobre a natureza e os inimigos, por exemplo, por meio das danças tribais como
um ritual antes da caça; da pintura guerreira e dos gritos de guerra para tornar o homem
mais disposto ao combate; das pinturas de animais nas cavernas para dar ao homem
segurança durante a caça; e das cerimônias religiosas, que fortaleciam a ligação do
indivíduo com o coletivo. Nos termos de Fischer (1977, p. 47),

A arte não era uma produção individual e sim coletiva [...] em todas as
suas formas – a linguagem, a dança, os cantos rítmicos, as cerimônias
mágicas – era a atividade social par excellence, comum a todos e
elevando todos os homens acima da natureza, do mundo animal. A
arte nunca perdeu inteiramente esse caráter coletivo, mesmo muito
depois da quebra da comunidade primitiva e da sua substituição por
uma sociedade divida em classes.

Numa sociedade de classes, esse autor revela que a arte, hegemonicamente,


passa a servir a propósitos particulares: ela se coloca como meio de glorificação do
poder da aristocracia e da ordem social que lhes favorece. Noutra direção, diante da
dialética do desenvolvimento econômico e cultural da sociedade, surge uma
contratendência. Surge uma arte que permanece com um senso de coletividade
expressando uma recusa à sociedade de classes baseada na propriedade privada; por
vezes, um desejo de retornar aos velhos tempos e deuses; e, ainda, uma vontade de viver
em um tempo marcado pelo bem comum e pela justiça. De todo modo, Fischer alerta
que o artista permanece sendo o porta-voz da sociedade, possuindo a habilidade de
refletir a experiência comum de uma classe (ideias, sentimentos, necessidades e
aspirações) em um determinado tempo histórico.
No processo de consolidação do capitalismo, novos sentidos foram despertados,
provocados, dentre outros elementos, pela divisão e fragmentação do trabalho, pela
competição e acumulação de capital e pela arte burguesa, sendo o mais notável deles a
busca pela realização das liberdades individuais. Contudo, ao mesmo tempo em que
colocava como possibilidade a ser concretizada, o capitalismo negava, e ainda nega, o
próprio indivíduo: “[...] o capitalismo punha em prática a sua ideia peculiar de
liberdade, sob a forma de escravidão assalariada. Subordinava o prometido livre
108

desenvolvimento das capacidades humanas individuais à lei das selvas da competição


capitalista”. (FISCHER, 1977, p. 62).
Essa negação do indivíduo se expressará, inclusive, na arte pelo o que Fisher
48
chamou de uma “desumanização” no seu conteúdo, que deriva da própria realidade
social gerada pelo modo de produção capitalista em decadência. Ela diz respeito a um
processo de anulação do homem como “criador de si mesmo e propulsor do
desenvolvimento social” (FISCHER, 1977, p. 104). Na arte, o homem é eliminado para
dar lugar a objetos ou é apresentado como um ser incapaz de apreender a sua relação
com o mundo e gerar transformações.
Inserindo-se na economia capitalista da competição e da acumulação, a arte é
submetida às suas leis, e, com isso, é capaz de revelar em si o irracionalismo e a
decadência da sociedade baseada na exploração da força de trabalho. Mas, simultânea e
dialeticamente, aparece uma arte que permanece carregando as potencialidades de sua
origem, qual seja: vincular o indivíduo – agora pertencente a uma determinada classe e
fragmentado pela ampla divisão social do trabalho – ao coletivo e despertar os seus
sentidos comuns de classe, sentidos que os unificam na forma de ideias, sentimentos,
necessidades e aspirações que possuam semelhanças.
No capitalismo monopolista, especialmente na etapa do imperialismo clássico e,
mais fortemente, no capitalismo tardio, onde ele se consolida, a arte que se insere no
processo de industrialização cultural sofre, por um lado, a decadência típica do
capitalismo dos monopólios. A nosso ver, a decadência reside tanto no aumento
quantitativo da apropriação privada de um excedente econômico produzido socialmente
pela força de trabalho em movimento, quanto na destinação qualitativa desse excedente
em atividades parasitárias, como as campanhas de vendas. Se perguntássemos a
qualquer trabalhador, independente da sua condição salarial, sobre o uso de recursos
econômicos nessa atividade, boa parte é capaz de dizer que é um desperdício e, ainda, a
seu modo, apontar o prejuízo que ela causa ao investimento em outros serviços. Isso é
um fato evidente.

48
Na arte anti-humanista, é possível até encontrar descrições verdadeiras sobre a sociedade capitalista e
os seus efeitos para a classe trabalhadora. Entretanto, nela, há uma aceitação dessa realidade e um
pessimismo que não permite apontar saídas para alterá-la. Nessa perspectiva, Fischer (1977) cita, como
grande expressão de um processo de decadência, na arte e na literatura, o niilismo. Na literatura, tem
como notável expoente Nietzsche. Em A destruição da razão, Lukács (2020) o chamou de “o fundador do
irracionalismo do período imperialista”, apontando o seu “[...] relativismo, pessimismo, nihilismo etc.
autocomplacente, narcisista e frívolo, mas que muitas vezes se converte [...] em um sincero estado de
desespero e, como consequência, numa atmosfera de rebeldia (messianismo etc.)” (idem, p. 276).
109

Por outro lado, não podemos afirmar, simplificadamente, que os trabalhadores


que se ocupam na criação das campanhas de vendas são parasitários. Veja, não é o
trabalhador que é parasitário, mas a função que a sua atividade assume no processo
capitalista de produção. Dito de outra forma, há trabalhadores altamente qualificados
que possuem capacidades criativas e, em alguns casos, ousaríamos dizer que eles têm
habilidades artísticas e não recebem a devida valorização, assim como não estão,
inclusive, imunes ao desemprego. Outros também possuem muita facilidade de
comunicação, cuja habilidade precisa ser resgatada e aproveitada assumindo uma
função social. 49
Ora, as capacidades e habilidades de um trabalhador, desenvolvidas e
acumuladas historicamente na sua relação com o mundo, transcendem um modo de
produção específico e, ao invés de serem automaticamente eliminadas, são
aperfeiçoadas. Numa sociedade mais racional e planificada no que diz respeito à
produção e à utilização do excedente econômico, elas não sumirão de um dia para noite
– a ideia de desaparecer completamente chega a soar antidialético –, mas se recuperará a
sua função social.
Nessa função social, as potencialidades de um trabalhador envolvido nas
campanhas de vendas poderão ser aperfeiçoadas para criar canais de diálogo com os
demais trabalhadores. Por exemplo, é preciso divulgar à sociedade, com muita
transparência, a informação social de números referentes ao estoque de determinados
produtos disponíveis ao consumo. Outrossim, é igualmente necessário divulgar as
invenções tecnológicas e os novos produtos criados pelos trabalhadores, apontando as
suas possíveis funções qualitativas, ao invés de apelos irreais para estimular as vendas.
Dessa forma, concordamos com Mandel quando ele afirma que há,
especialmente no capitalismo tardio, “a tendência a uma vasta expansão tanto dos custos
de venda (publicidade, marketing e, em certa medida, embalagens caras e outras
despesas improdutivas)” (idem, 1982, p. 281, grifo nosso) que podem vir a desaparecer
com a decadência do capitalismo, somente por se tratar de uma determinação própria da
crescente dificuldade de realização de capitais excedentes. Ou seja, por serem
determinadas “socialmente e não tecnicamente” (ibidem).

49
Realidade que já está acontecendo na forma de germes – que precisam se desenvolver – no nosso
cotidiano com a formação e o trabalho profissional dos comunicadores sociais. Alguns deles são cientes
de sua função social e outros ainda estão submersos nas ideologias da decadência capitalista.
110

Nesse pensamento, entendemos que se trata apenas da eliminação da sua forma


parasitária. Isso significa dizer que a tendência é, em contrapartida, de permanência
dos elementos que não são determinados pelo modo de produção capitalista
especificamente, mas, de forma mais ampla, pela “enorme expansão das forças
produtivas sócio-técnicas e científicas e o crescimento correspondente das necessidades
culturais e civilizadoras dos produtores”, “como algo distinto do mero consumo de
mercadorias” 50. (MANDEL, p. 282, grifo nosso).
Então, quais seriam esses elementos determinados pela expansão das forças
produtivas que promovem a ampliação das necessidades culturais? Ao longo de todos
os capítulos deste texto dissertativo destacamos a centralidade do aumento da
produtividade que tem, como resultado, a ampliação do excedente econômico e vice-
versa. Este último passa a ser aplicado em um amplo mercado cultural, impulsionando a
criação de novas necessidades culturais. Os meios eletrônicos de comunicação e o
cinema, por exemplo, expressa um avanço das forças produtivas e, antes de ser um meio
de valorização de capital, a aparelhagem técnica envolvida foi uma invenção científica –
não do capital, mas do trabalho. Mas, o capital se apropria das grandes invenções como
meio de obter lucratividade.
A questão central é que o excedente econômico e os meios de produção para
produzi-lo, desde a indústria pesada até a indústria de bens de consumo, se encontram
sob a forma privada, enquanto meio de enriquecimento individual capitalista. Logo, a
destinação desse excedente reflete as prioridades de investimentos dos grandes
monopólios, que concentram e dirigem os recursos econômicos para alcançar interesses
privados em detrimento dos interesses sociais daqueles que, de fato, produzem o
excedente econômico.
50
Em um trecho elucidativo, Marx nos alerta para o caráter mistificado que a força produtiva do trabalho
assume, ao se apresentar ora como força produtiva do capital, ora como se trabalho e capital fossem
idênticos. Isso nos leva a nos manter continuamente atentos para a mistificação das afirmações que
colocam o capital e, portanto, a sua personificação – o capitalista –, como criador do desenvolvimento
social. Nas suas palavras: “As forças produtivas sociais do trabalho, ou as forças produtivas do trabalho
diretamente social, socializado (coletivizado) por força da cooperação; a divisão do trabalho na oficina, a
aplicação da maquinaria, e em geral a transformação do processo produtivo em aplicação consciente das
ciências naturais, mecânica, química etc., para fins determinados, a tecnologia etc., assim como os
trabalhos em grande escala corresponde a tudo isso (só esse trabalho socializado está em condições de
utilizar no processo imediato de produção os produtos gerais do desenvolvimento humano, como a
matemática etc., assim como, por outro lado, o desenvolvimento dessas ciências pressupõe determinado
nível do processo material de produção); [...] tudo isso se apresenta como força produtiva do capital, não
como força produtiva do trabalho; ou como força produtiva do trabalho apenas na medida em que este é
idêntico ao capital, e em todo caso nunca como força produtiva quer do operário individual, quer dos
operários associados no processo de produção. A mistificação implícita na relação capitalista em geral,
desenvolve-se agora muito mais do que podia ou teria podido se desenvolver no caso da subsunção
puramente formal do trabalho ao capital”. (MARX, 1978, p. 55, grifo do autor).
111

Nesse sentido, na industrialização cultural, as campanhas de vendas, na sua


forma parasitária, configuram-se como a necessidade da reprodução do capital,
especialmente na circulação, para a realização de mais-valia. Já os serviços artísticos
humanistas, por sua vez, dizem respeito à necessidade cultural dos produtores: da classe
trabalhadora.
Portanto, levando em consideração o movimento contraditório da ruptura e da
permanência, isto é, de transformar, permanecendo com os elementos humanistas e
civilizatórios, concordamos com Fischer (1977) quando afirma que o entretenimento
dirigido às massas, para o divertimento, não desaparecerá. Contudo, a diferença é que,
em termos de realização das liberdades individuais, o trabalhador – seja qual for o
trabalho que realiza – terá a possibilidade de, efetivamente, escolher o que deseja
consumir: entretenimento ou arte, na sua vida cotidiana social.
112

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois primeiros elementos a serem destacados são onde e quando se inicia a


industrialização cultural. Seguramente, nossos resultados apontaram para os Estados
Unidos da América. Não obstante a Europa já tivesse algumas experiências anteriores
na indústria cinematográfica, por exemplo, a industrialização cultural ocorre nos EUA a
partir da concentração de capital em Hollywood, na segunda década do século XX.
Apenas na década de 1930, o monopólio da cultura, acompanhado das técnicas fordistas
de organização do trabalho e da produção em massa, penetra na Europa, especialmente
na Alemanha.
A sua origem, sobretudo nos EUA, pode ser explicada pelo processo de
formação dos monopólios da cultura, que se formaram na transição para o capitalismo
monopolista no início do século XX, nos marcos de uma Era da Eletricidade em
ascensão com alta aplicação de excedente durante o imperialismo clássico. Como vimos
no primeiro capítulo desta dissertação, os EUA se tornaram uma potência imperialista
e, na entrada do século XX, encontraram-se monopolizando os principais ramos da
indústria pesada: energia elétrica, petróleo e aço; e da indústria de bens de consumo,
sobretudo as companhias de telefone e telégrafo e automóveis.
O terceiro elemento a ser destacado é porque se inicia a industrialização cultural.
Além das condições materiais e históricas próprias do imperialismo dos EUA, os
monopólios da cultura se formaram a partir de duas tendências gerais econômicas que
se relacionam mutuamente: 1) a tentativa de realizar mais-valia contida na mercadoria,
no âmbito da circulação, por meio de um esforço de vendas; e 2) a necessidade do
capital pelo controle de novos mercados.
Os EUA foi berço das técnicas fordistas de organização da produção e do
trabalho. Mas, antes disso, a classe capitalista norte-americana acumulou e concentrou
excedente e, com o fordismo, a força de trabalho em movimento o potencializou e
aquela classe concentrou ainda mais. Em 1929, tem início nesse país uma crise de
superacumulação e supercapitalização, com um excedente de mercadorias, capitais e
força de trabalho (maiores taxas de desemprego). Podemos afirmar que essa crise foi um
efeito da técnica fordista? Nossas análises indicaram que não necessariamente. Na
essência do fordismo está um elemento econômico determinante e regressivo que cria a
crise: a concentração privada de excedente e a utilização da força produtiva do trabalho,
113

e das tecnologias desenvolvidas pelo trabalho, de forma privada, que, em outras


palavras, se trata da contradição entre produção social e apropriação privada.
No fundo, o fordismo, como técnica, é capturado como parte das potencialidades
das forças produtivas a serviço do capital. O fordismo como expressão concreta da
razão instrumental não é, automaticamente, a razão instrumental do capital, como
apontou Netto (2000) nas suas ressalvas sobre esse tipo de razão. Decerto, ele foi
capturado pela lógica de acumulação, mas pode existir independente dela. No entanto, o
fordismo dentro da lógica de acumulação de mais-valia relativa já é a sua face à
disposição da valorização de capital. Por isso, analisamos o fordismo do ponto de vista
do processo de trabalho e do processo de valorização (produção de mais-valia relativa)
para analisar o seu papel na constituição das condições para a industrialização cultural.
Em síntese, nosso estudo apontou que a industrialização cultural apenas se
desenvolveu com a penetração do fordismo como processo de trabalho na circulação, na
medida em que cresce o “mercado de consumo de massa”, estimulado pela crise do
excedente e pela terceira revolução tecnológica no capitalismo tardio 51.
Aprofundando mais, a partir dos fundamentos expostos em Mandel (1982),
identificamos que a industrialização cultural é industrial somente no sentido de atuar,
do ponto de vista do processo de trabalho, nos moldes da produção industrial fordista-
taylorista, em termos de técnicas e métodos de organização da produção e do trabalho .
Mas, do ponto de vista da produção de mais-valia, constitui-se, na verdade, como um
serviço da circulação 52 que absorve a mais-valia, realizando-a. De fato, só conseguimos
visualizar essa absorção se levarmos em consideração: 1) a produção global do capital:
produção, circulação e consumo; 2) a indústria pesada como ponto de partida da
revolução tecnológica e da socialização dos serviços culturais; e 3) a necessidade da
mais-valia de se realizar pela via das atividades improdutivas: campanhas de vendas e,
menos, serviços artísticos.
A necessidade de realizar mais-valia, além da constatação lógica alcançada com
o resgate dos fundamentos críticos da economia política, foi identificada no caso
específico do norte-americano Henry Ford. Ele, ao empreender a produção fordista em

51
A industrialização cultural nasce na fase do imperialismo clássico, mas se desenvolve no capitalismo
tardio.
52
A circulação, inclusive, pode penetrar na produção sem, contudo, deixar de ser circulação. Por
exemplo, as campanhas de vendas podem se constituir como um setor dentro da indústria produtiva,
atuando no planejamento de um veículo para torna-lo mais vendável. Mas, mesmo assim, não perde a sua
função de esforço de vendas, ou seja, a sua função de intermediário para a realização da mais-valia, como
nos mostrou os fundamentos dados por Marx (2014).
114

massa de automóveis, foi pioneiro de investimento de capital no setor cinematográfico,


no âmbito da indústria de bens de consumo. Os investimentos nas cinematecas
indicaram, no fundo, uma forma de propagandear os automóveis da Ford Motors
Company e, ao mesmo tempo, de controlar um novo mercado em desenvolvimento – o
cinematográfico –, combinando etapas de produção (automóveis) e circulação
(campanhas de vendas).
E, aqui, entra nosso quarto elemento: como ocorre a industrialização cultural. De
maneira mais geral, nossas análises indicaram que ela é abastecida, portanto, pelo
excedente das campanhas de vendas da indústria pesada, da indústria de bens de
consumo, pelo capital financeiro dos bancos e, ainda, em menor grau, pelas iniciativas
do Estado. O elemento que impulsiona uma aplicação de excedente contido nessas
esferas é, como apontamos no texto, a crise de superacumulação e supercapitalização
(MANDEL, 1982), que incita alternativas de investimento nas atividades improdutivas.
Por fim, o quinto elemento a ser enfatizado é o resultado da industrialização
cultural: a dialética entre o parasitismo e a necessidade de consumo cultural. De um
lado, o parasitismo próprio do capital expresso no amplo investimento em campanhas
de vendas, com uma funcionalidade somente para a reprodução de capital, qual seja:
atuar como um mediador no processo de realização da mais-valia. E, por outro lado, há
a necessidade de consumir serviços artísticos humanistas pelos trabalhadores que se
encontram dependentes – tanto os consumidores como os trabalhadores da arte –, no
capitalismo monopolista, das mediações das campanhas de vendas e do Estado para
existir. Essa necessidade da arte, como revelaram os pressupostos ontológicos de
Fischer (1977), possui existência anterior ao capital. Nesse sentido, não é primeiramente
uma necessidade do capital, mas é criada, antes, pelas forças produtivas do trabalho:
pela massa de meios de produção e força de trabalho em movimento.
115

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