Você está na página 1de 4

DELIBERAÇÃO DO CONSELHO PEDAGÓGICO DE 12 DE NOVEMBRO DE 2008

Na sequência da tomada de posição dos docentes signatários do abaixo-assinado


apresentado ao Conselho Pedagógico da Escola Secundária de Leal da Câmara a 5 de
Novembro de 2008, expressão colectiva da vontade da esmagadora maioria dos docentes
desta Escola, e ao qual este Conselho decidiu manifestar o seu acordo, se não na forma pelo
menos na substância, vimos chamar a atenção de V. Exª para o seguinte:

Conforme dispõe o nº 2 do art. 40º do Decreto-Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro, o


processo de avaliação do desempenho do pessoal docente (ADD) devia ter como objectivos
«(…) a melhoria dos resultados escolares dos alunos e da qualidade das aprendizagens e
proporcionar orientações para o desenvolvimento profissional, no quadro de um sistema de
reconhecimento do mérito e da excelência». Seria de pressupor que, com o foco nestes
objectivos, o modelo de ADD proposto pela tutela adoptasse como pilar fundamental da sua
justificação e operacionalização a avaliação formativa, no sentido de se conseguir um cada
vez melhor desempenho dos professores nas várias dimensões da sua actividade docente. A
primeira objecção, de fundo, que se levanta contra o modelo proposto e que se tenta
implementar, é exactamente o de evidenciar a reduzida importância que é atribuída à
avaliação formativa dos docentes, conforme é claramente reconhecido na Recomendação nº
2/CCAP/2008 quando refere que «(…) a regulamentação do modelo e o modo como se tem
vindo a concretizar se orientam numa lógica que parece valorizar insuficientemente o
carácter formativo da avaliação». Por conseguinte, o quadro legal, o modelo de
operacionalização e o processo pesadamente burocrático desta ADD inibe, subverte e
impossibilita os professores de avaliarem adequadamente, com rigor, objectividade, equidade
e pendor formativo o resultado da sua prática pedagógica e profissional.
A excessiva burocratização de todo o processo desvia-o dos seus objectivos
fundamentais que, como ficou dito, deveriam ser a melhoria do desempenho dos professores e
a melhoria dos resultados escolares dos alunos. Para além da evidente complexidade do
quadro conceptual inerente ao modelo (“parâmetros classificativos”, “indicadores de
classificação”, “itens de avaliação”, “níveis de desempenho”), a exigência de construção de
evidências tem um tal peso no desenvolvimento do processo de avaliação que muitas das
acções do professor, antes realizadas com a espontaneidade necessária e exigida pelas boas
práticas do processo de ensino-aprendizagem, têm que passar a ser, sistematicamente, objecto
de registo/relatório, traduzindo-se, na maioria dos casos, no acréscimo de trabalho burocrático
do professor e na redução do tempo disponível para as tarefas que efectivamente
contribuiriam para a melhoria da formação e dos resultados escolares dos alunos. Esta
situação obrigará os professores a viverem frequentes dilemas éticos e deontológicos que se

1
revelam insanáveis, na medida em que o docente terá muitas vezes que optar entre tarefas que
pretensamente evidenciam, à luz do modelo de avaliação, o seu desempenho profissional e as
tarefas de preparação das actividades lectivas, de acompanhamento dos alunos e da avaliação
das suas aprendizagens, mesmo quando – ou especialmente quando! – estas não se traduzem
em evidências daquele mesmo desempenho passíveis de serem incorporadas em registos e
relatórios.
Por outro lado, a inadequação de muitos dos indicadores ao carácter multidimensional
de uma escola secundária, com a diversidade de formação científica dos seus docentes, dos
seus cursos e regimes de ensino-aprendizagem e dos próprios alunos, torna absolutamente
arbitrária a aplicação do modelo, com nefastas consequências ao nível da objectividade, do
rigor e da justiça dos resultados da avaliação, com a agravante dos mesmos virem a ter
consequências não só na progressão na carreira, mas também, como já se perspectiva, nos
concursos e nos quadros.
Os docentes desta Escola sentem-se ainda claramente prejudicados pelo facto de o
Centro de Formação da Associação de Escolas de Sintra não ter conseguido dar resposta às
necessidades de formação nos últimos três anos. De salientar que nem mesmo as acções de
formação propostas pela DGDIC no âmbito da ADD foram levadas a cabo, apesar de todos os
agentes envolvidos no processo de avaliação se terem inscrito atempadamente.
Apesar da Escola ter desenvolvido, através dos seus diferentes órgãos, um continuado
esforço para minorar alguns dos aspectos mais negativos referenciados, nomeadamente
através da elaboração de descritores que respeitem a Recomendação nº 2/CCAP/2008, a qual
recomenda que «o progresso dos resultados escolares dos alunos não seja objecto de aferição
quantitativa», e elaborando ainda instrumentos de registo diversificados e dotados do rigor e
da objectividade possíveis dentro do quadro legal da actual ADD, o Conselho Pedagógico,
sem pretender fazer o escrutínio dos aspectos mais negativos do actual modelo de avaliação,
vem por este meio solicitar à tutela o esclarecimento de algumas questões tão centrais quanto
concretas, as quais claramente evidenciam a impossibilidade de aplicação do modelo. Este
Conselho tem ainda plena consciência de que as suas legítimas dúvidas e perplexidades não
podem deixar de suscitar uma resposta por parte da tutela, sob pena do processo de avaliação
não poder ser, de todo, implementado, devido a não se descortinar a possibilidade da sua
aplicação e operacionalização.
A impossibilidade da aplicação do actual modelo de ADD radica não só na
insustentável carga burocrática que necessariamente paralisará o funcionamento da Escola,
mas também na mais que discutível legalidade de muitos dos procedimentos exigidos para a
sua cabal implementação. Na fase actual da ADD, três questões prementes se colocam – a par
de outras que se poderiam colocar nas fases subsequentes do processo –, as quais
consubstanciam as legítimas dúvidas dos signatários quanto à real possibilidade da sua
implementação:

a) A contratualização dos objectivos individuais – Segundo o ponto 1 do artº 9 do


Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, «[o]s objectivos individuais
são fixados, por acordo entre o avaliado e os avaliadores [sublinhado nosso],
através da apresentação de uma proposta do avaliado no início do período em
avaliação (…).» O mesmo diploma refere, no seu artº 23º, que «[a] entrevista

2
individual dos avaliadores com o respectivo avaliado [sublinhado nosso]», na
quinta e última fase do processo de ADD, «tem por objectivo dar conhecimento da
proposta de avaliação e proporcionar a oportunidade da sua apreciação conjunta,
bem como a análise da ficha de auto-avaliação.» Entretanto, o ponto 1 do artº 12º
do mesmo Decreto Regulamentar identifica os avaliadores: «[e]m cada
agrupamento de escolas ou escola não agrupada, são avaliadores: a) [o]
coordenador do departamento curricular; b) [o] presidente do conselho executivo
ou o director.» Os pontos 2 e 3 do mesmo artigo definem a delegação de
competências do coordenador noutros professores titulares do departamento
curricular e do presidente do conselho executivo ou do director em outros
membros da direcção executiva. Finalmente, o ponto 5 refere que «[n]a ausência
ou impedimento de qualquer dos avaliadores a que se refere o nº 1, a avaliação é
assegurada pela comissão de coordenação da avaliação do desempenho
[sublinhado nosso].» Os signatários põem em causa a viabilidade de cumprir a
exigência legal dos docentes contratualizarem com os dois avaliadores os seus
objectivos individuais, sabendo-se que, neste caso, o presidente do conselho
executivo ou o membro do conselho executivo em que delegou competências teria
que conduzir, sobrepostas a todas as restantes tarefas de gestão, cerca de 150
entrevistas de negociação e contratualização de objectivos individuais! Porém, tais
objectivos individuais vão ser objecto de avaliação precisamente pelo presidente
ou por outro membro do órgão de gestão, de tal maneira que o que é
manifestamente inviável no plano dos factos se revela, no quadro actual da ADD,
simultaneamente necessário e consistente no plano do direito, o que evidencia
claramente uma completa inadequação do modelo à realidade das escolas e, em
especial, das escolas secundárias. Reveste-se assim de uma real impossibilidade
dar cumprimento àquela exigência legal, não podendo a tutela de maneira alguma
eximir-se de dar uma resposta cabal, concreta e exequível, passível de ser
operacionalizada sem contrariar o quadro legal da ADD a esta questão que se
reporta ao acto primeiro do próprio processo de avaliação.
b) A garantia de imparcialidade e os casos de impedimento inscritos no Código
de Procedimento Administrativo (CPA) – Atendendo ao facto dos avaliadores
não coordenadores de departamento curricular concorrerem para as mesmas quotas
dos docentes que vão avaliar, parece existir uma manifesta situação de
impedimento, mesmo quando a responsabilidade da avaliação é do próprio
coordenador. De facto, o artº 44º da secção IV do CPA, relativo aos casos de
impedimento, sustenta que «nenhum titular de órgão ou agente da Administração
Pública pode intervir [sublinhados nossos] em procedimento administrativo ou em
acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos
seguintes casos: a) [q]uando nele tenha interesse, por si [sublinhado nosso] (…).»
Importa assim que a tutela esclareça claramente, fundamentando a sua posição no
próprio CPA, se existe ou não incompatibilidade entre o actual modelo de ADD e o
referido Código, tanto mais que o impedimento respeita, não à responsabilidade do
agente, mas à sua própria participação ou intervenção, o que é manifestamente o
caso dos referidos avaliadores.

3
c) A ferramenta informática de apoio ao desenvolvimento da ADD – A DGRHE
está a desenvolver, como é referido no seu sítio da internet, uma «ferramenta
informática de apoio ao desenvolvimento da avaliação de desempenho de docentes,
que permita o registo e controlo, pela própria escola, dos procedimentos e fases do
processo.» [http://www.dgrhe.min-edu.pt/Portal/WebForms/Escolas/PDF/AD2008/
DivulgacaoaplicacaoADD.pdf]. É entendimento dos signatários que tal aplicação
informática contraria inequivocamente o disposto no artº 49º do ECD,
designadamente o ponto 1, que sustenta que «o processo de avaliação tem
carácter confidencial [sublinhado nosso], devendo os instrumentos de avaliação
de cada docente ser arquivados no respectivo processo individual.» O próprio
Decreto Regulamentar nº 2/2008, no ponto 1 do artº 39º, refere que «[n]o final do
período de avaliação, cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada
apresenta ao conselho científico para a avaliação de professores um relatório,
sem referências nominativas [sublinhado nosso], sobre o cumprimento e os
resultados da avaliação de desempenho.» Acresce o facto da referida ferramenta
informática não estar prevista na legislação da ADD, implicar uma carga
burocrática acrescida e contrariar o próprio ponto 4 do artº 11 do diploma acima
citado quando refere que «[é] garantido ao docente o conhecimento dos
objectivos, fundamentos, conteúdo e funcionamento do sistema de avaliação do
desempenho.» Importa assim que a tutela dê esclarecimentos inequívocos acerca
da obrigatoriedade, do âmbito, das consequências e da legalidade da referida
ferramenta informática.

Face ao acima exposto, o Conselho Pedagógico, plenamente consciente da


responsabilidade subjacente quer à sua acção quer à sua inacção, vem por este meio
comunicar a suspensão do processo de avaliação até que a tutela esclareça as questões
acima referenciadas e que, efectivamente, impossibilitam a implementação do actual modelo
da ADD, incompatibilizando-o, de facto, com o funcionamento da Escola e com o próprio
quadro legal vigente, designadamente o Estatuto da Carreira Docente.

Aprovado em Conselho Pedagógico

Rio de Mouro, 12 de Novembro de 2008

Você também pode gostar