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Aristóteles e a filosofia prática

• Ponto de Partida: o problema ainda não


solucionado da legislação, da vida de acordo com
as leis, da vida em concordância com a razão;
• Filosofia prática: se pergunta pelo fundamento e
pela medida da virtude e da ação boa e justa;
• A ação boa, a ação justa não é a ação do
indivíduo isolado (como na modernidade), mas a
ação humana, situada num feixe de relações;
• O ético, em Aristóteles, só é inteligível a partir
do “etos”, do costume, da maneira concreta
de viver vigente na sociedade;
• o etos envolve o costume, o uso, os modos
convenientes de comportamento e,
sobretudo, a virtude (valor supremo); além
disso, engloba as instituições que sustentam
esses modos de viver: a casa, o culto aos
deuses, os pactos de amizade, as alianças de
guerra, a festa;
• A determinação do que é ético se faz não por
normas e valores em si, mas pelos modos e
valores instituídos e institucionalizados na
sociedade, através dos costumes e mediados
pela linguagem e pela ação dos homens
(sempre em conformidade com eles);
• O indivíduo torna-se justo, corajoso, prudente
etc. à proporção que, agindo, ele se “habitua”
(adquire o hábito) ao que, na cidade, é
eticamente justo, corajoso, prudente;
• Portanto, a ação do indivíduo têm suas raízes
no costume e no uso.
• A ética possui um interesse prático, no sentido
não-instrumental, mas ético da palavra práxis;
práxis diz respeito ao ser vivo e constitui a vida
como atividade, modo de vida, isto é, o agir como
movimento específico de determinado ser vivo e
que constitui para ele seu existir;
• Aristóteles distingue a práxis do agir
instrumental, do produzir, do fazer (poiésis); a
práxis atinge todas as formas de atividade vital de
um ser vivo; em suma, ela exprime a maneira de
viver própria de um determinado ser vivo.
• Portanto, a filosofia prática reflete sobre a
práxis humana, em contraposição ao
pensamento moderno, que parte do
princípio da liberdade e da autonomia do
indivíduo; Aristóteles parte do indivíduo, mas
em sua vida organizada pelas instituições;
• O indivíduo livre é o que vive para si e não
para o outro, mas a liberdade não tem
sentido na vida do indivíduo isolado,
somente na vida inserida nas instituições
sociais éticas da pólis.
• A realidade da pólis, enquanto comunidade de
homens livres, é a realidade da liberdade; o
fim da pólis é a realização dessa comunidade
de homens livres; a tarefa fundamental da
pólis é tornar possível a vida, eticamente
configurada dos cidadãos, enquanto a vida de
homens livres, portanto, atingir a comunidade
numa “vida boa”;
• O cidadão só é cidadão em suas instituições,
em seus costumes da vida comum com os
outros cidadãos;
• A tarefa fundamental da Pólis: possibilitar a práxis
de cidadãos livres; a ética, que emerge da própria
pólis, procura refletir sobre essa realidade na
intenção de melhorá-la em suas qualidades
éticas;
• A reflexão ética representa para o agente ético
um passo rumo à autotransparência de sua ação:
a ética é a razão refletindo sobre sua
racionalidade;
• A melhoria do homem por meio da reflexão
prática (ética) não se faz por meio de indicação
de receitas prontas, mas por meio do próprio
saber, à medida que o homem desce às raízes do
seu agir;
• A reflexão ética é o ato através do qual o
homem rompe o caráter opressor de todo
ethos e transforma sua vida, até então
realizada ingenuamente no seio de um
determinado ethos, numa vida racional,
produzida pela razão consciente de si;
• A reflexão ética-prática não destrói o etos
vigente, mas dá legitimidade racional à ação
humana; dar legitimidade racional à ação
significa compreender as razões que justificam
tal modo de agir;
• O homem é, por essa razão, essencialmente
ordenado à pólis e suas instituições: a pólis é a
autorrealização da natureza do homem; a
plenitude da pólis e de suas instituições
políticas é o resultado da plenitude da própria
natureza humana; ou seja, a melhoria da
natureza humana é o seu fim;
• A pólis é entendida por Aristóteles como a
“comunidade completa”, pois é só nela que o
homem chega a sua realização;
• A política, enquanto teoria, tem como
conteúdo a autorrealização do ser racional e
livre nas instituições éticas; a tarefa da pólis é
fazer com que todos os homens, em todas as
suas instituições, cheguem à realização de si
mesmos;
• A tese contida na obra de Aristóteles é a de
que o fim da atividade política é a consecução
de uma vida feliz, em acordo com a essência
do homem, assim que toda práxis política
deve ser julgada a partir do critério de
autorrealização do homem;
• O sentido da ciência política: a busca do bem
para o homem; a natureza do homem só
pode ser conhecida no momento em que ela
se atualiza; a atualização da natureza do
homem, em Aristóteles, é precisamente a
pólis;
• Por isso, o fundamento da ciência prática é a
própria vida política do homem; a ciência
política é a mais nobre de todas as ciências
porque ela tem a ver com o supremo fim do
homem, sua realização total (de sua
natureza).
• O Bem supremo e pólis: o homem realiza-se
não, naturalmente, como os seres vivos em
geral, mas através de decisões racionais;
felicidade, como bem supremo, é a situação
vital do homem em que ele se possui a si
mesmo e a tudo o que é necessário a uma vida
autônoma;
• A felicidade é um momento em que o homem
supera toda espécie de alienação que impede
sua realização como ser livre; por isso, o bem
supremo do homem é a realização de suas
possibilidades.
• A pólis é a cidade-estado grega: é uma
comunidade de cidadãos, de membros plenos
da cidade, e não simplesmente dos que
moram na cidade;
• Cidadão é aquele a quem é conferido o direito
de cidadania, que consiste fundamentalmente
na participação ativa na administração, na
jurisdição e na legislação da cidade-estado [
aqui está o sentido original da palavra
politéia];
• O fazer político significa agir como cidadão; a
vida política é a forma de vida do cidadão.
• Em resumo: a pólis, como comunidade de
cidadãos, é a comunidade de homens livres, pois
o próprio da pólis é possibilitar a liberdade dos
cidadãos e garantir essa liberdade;
• É essa liberdade que distingue de forma radical é
o homem do escravo: o escravo é aquele cujo
próprio ser não está nele mesmo, mas num
outro, o senhor;
• O cidadão é aquele que vive não em função de
um outro, mas de si mesmo; quem vive sob o
despotismo não tem ser próprio nem vontade
própria; numa ordem política os cidadãos
possuem ser próprio; seus conceitos políticos
têm como conteúdo a liberdade do ser livre.
Ética a Nicômaco
• A Ética a Nicômaco, de Aristóteles (384-22
a.C), é considerada o primeiro tratado de ética
da tradição filosófica Ocidental;
• Além disso, Aristóteles é o pioneiro do uso do
termo “ética” no sentido em que o termo é
utilizado ainda hoje: um estudo sistemático
sobre as normas e os princípios que regem a
ação humana e com base nos quais essa ação
é avaliada em relação aos seus fins;
• Nos Capítulos 4 ao 7 do Livro I,
especialmente, no Capítulo 6, encontramos a
caracterização aristotélica da felicidade
(eudaimonia) como objetivo visado
por todo ser humano.
• O termo eudaimonia é entendido como
bem-estar, especialmente como bem-estar em
relação a algo que se realiza (para Aristóteles,
existem bens que são superiores à outros
bens. Os bens na alma são superiores aos
bens do corpo);
• A felicidade está relacionada à
realização humana e ao sucesso naquilo que
se pretende obter, o que só se dá se aquilo
que se faz é bem-feito, ou seja, corresponde à
excelência humana e depende de uma virtude
(areté) ou qualidade de caráter que torna
possível essa realização;
O conceito de bem
• O bem é o fim de todas as coisas = todas as
coisas, todas as atividades e todas as artes visam
um bem; o bem dos olhos é a visão; o bem do
corpo é a saúde; o bem da medicina (ciência) é a
saúde do homem; a razão é o bem alma; o bem
do artesão (uma arte) é a perfeição do objeto
fabricado; etc.
• Para Aristóteles, existe um bem que é superior à
todos os outros – o bem supremo; ele nos remete
à forma do bem;
• “Acontece o mesmo em relação à
forma do bem; ainda que haja um bem
único que seja um predicado universal
dos bens, ou capaz de existir separada e
independentemente, tal bem não poderia
obviamente ser praticado ou atingido pelo
homem, e agora estamos procurando algo
atingível. Talvez alguém possa pensar que
vale a pena ter conhecimento deste bem, com vistas
aos bens atingíveis e praticáveis; com efeito,
usando-o como uma espécie de protótipo,
conheceremos melhor os bens que são bons
para nós e, conhecendo-os, poderemos
atingi-los. Este argumento tem alguma
plausibilidade, mas parece” [...]
• O bem supremo é evidentemente final;
• Chamamos aquilo que é mais
digno de ser perseguido em si
mais final que aquilo que é digno
de ser perseguido por causa de
outra coisa, e aquilo que nunca é
desejável por causa de outra
coisa chamamosde mais final que as
coisas desejáveis tanto em si quanto
porcausa de outra coisa,
• Portanto, chamamos absolutamente final
aquilo que é sempre desejável em si, e
nunca por causa de algo mais.
Parece que a felicidade, mais que
qualquer outro bem, é tida
como este bem supremo, pois a
escolhemos sempre por si mesma, e
nunca por causa de algo mais;
• [...] mas as honrarias, o prazer, a
inteligência e todas as outras
formas de excelência, embora as
escolhamos por si mesmas [...]
escolhemo-laspor causa da felicidade,
pensando que através delas seremos
felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a
felicidade por causa das várias
formas de excelência, nem,de um modo
geral, por qualquer outracoisa além dela
mesma.
• A excelência moral é um meio-termo e
em que sentido ela o é, e que
ela é um meio-termo entre duas
formas de deficiência moral: uma
pressupondo excesso e outra
pressupondo falta, e que a excelência
moral é assim porque sua
característica é visar às situações
intermediáriasnas emoções e nas ações.
• Aristóteles afirma que a virtude (areté,
“excelência”) pode ser ensinada; A virtude
não é inata, mas resulta do
hábito (ethos, raiz do próprio termo
“ética”), ou seja, é necessário praticá-
la, exercê-la efetivamente para nos
tornarmos virtuosos.
• A ação correta do ponto de vista
ético deve evitar os extremos,
tanto o excesso quanto a falta,
caracterizando-se assim pelo equilíbrio,
ou justa medida;
• A sabedoria prática (phrönesis) consiste
na capacidadede discernir essa medida,
cuja determinação poderá variar de
acordo com as circunstâncias e
situações envolvidas

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