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Características da crônica:
Ambiguidade;
Efemeridade;
Subjetividade;
Brevidade.
Vida cotidiana e cidade: a
permanência das trocas
O mito de Babel – A cidade, imã que atrai as pessoas,
fragmenta-se para constituir-se em sua forma mais
representativa: as “várias” cidades. (ROLNIK, 1988, p.15).
A cidade escrita – As cidades invisíveis (1972), de Italo
Calvino, é um caso exemplar de expressão de “cidade” como
conceito essencialmente ligado à existência humana.
Cidade e cotidiano – a cidade é palco abrangente das
experiências e das trocas entre as pessoas. Essa ação é muito
mais intensa no ambiente urbano porque ele tem a capacidade
de atrair as pessoas, como um imã. Ampliam-se, portanto, na
cidade, as possibilidades de interação indireta e “corpo-a-
corpo” que denunciam a construção coletiva do cotidiano.
Cotidiano - Na perspectiva sociológica proposta por Agnes
Heller (1992), a vida cotidiana é a vida de todo homem.
3. Cidade, crônica de vida cotidiana
Rachel faz uso do cotidiano no Rio de Janeiro
escrito e inscrito nas crônicas para “desautomatizar” a
vivência de cada dia, dando importância aos
acontecimentos mais prosaicos. Assim, “na sua
despretensão humaniza”, como assinala Antonio
Candido (1992), a respeito da crônica.
Para o cronista, o que interessa do prosaico é a
possibilidade de extrair-se dele o momento que
consagra os personagens como atores de uma
realidade em sua dinâmica. “A vida de todo homem”,
segundo o conceito proposto por Agnes Heller (1992),
é o que fornece matéria digna de registro e
representação.
Rio, cidade crônica
A cidade mostrada nas crônicas de Rachel é dicotômica tanto espacial
quanto temporalmente. Espacial porque apresenta duas cidades contidas na
grande cidade. Uma é a Ilha do Governador, ambiente que carrega em si a
ambigüidade do meio-termo.
A Ilha é urbana porque se insere na cidade do Rio de Janeiro e rural
porque apresenta aspectos que fogem à “regra” do espaço urbano. Em plena
metade do século XX, a Ilha estava imersa num ambiente marcado pelas
vivências que denotam a presença de uma cultura ainda a salvo da
urbanização destruidora não só de edifícios, mas de costumes. Já o restante
do Rio de Janeiro é apresentado nas crônicas que relatam um cotidiano
oposto ao que se vive na Ilha do Governador. É o Rio do turismo, das praias,
de quem tenta a vida na cidade grande e da transformação moral advinda da
modernidade que atinge também a instituição da família. Em Rachel percebe-
se claramente a existência de duas cidades: a Ilha e o Rio de Janeiro.
As grandezas do que é miúdo
A marca da subjetividade
As crônicas Diálogo das grandezas da Ilha do Governador, As chagas de Jó, Mimiro e Retrato de
um brasileiro mostram o olhar da cronista sobre a ilha onde fixou morada juntamente com o
marido, Oyama de Macêdo, em 1945.
Em Diálogo das grandezas da Ilha do Governador, publicada em maio de 1944, Rachel escreve
sobre a visita à Ilha em busca de uma casa para comprar. Na verdade, a descrição da visita é
pretexto para falar das “grandezas” e peculiaridades da Ilha e as primeiras impressões que a
cronista tem do bairro.
O foco narrativo oscila entre primeira e terceira pessoa do singular;
É crônica-poema segundo a classificação de Massaud Moisés.
Em As chagas de Jó, de 1945, a autora principia o texto falando sobre o encontro, durante a espera
de um bonde, com um leitor o qual aponta um erro gramatical cometido por ela em uma crônica.
Tal encontro é pretexto para narrar aspectos da vida e personalidade do personagem, um homem
pobre, triste e culto, que mora na Ilha do Governador.
A ironia é utilizada pela cronista na descrição das ações do personagem;
A ênfase no acontecimento leva-nos a classificar o texto como crônica-conto;
Observamos uma ênfase na individualidade do personagem, tornando-a unitária;
O narrador é sempre o autor, segundo afirma Jorge de Sá (1997).
Na crônica Retrato de um brasileiro (1945), também salta aos olhos a figura do
personagem descrito pela narradora. É o retrato de um vigia noturno cujo hobby é criar galos-de-
briga. O cerne do enredo da crônica é o cotidiano do vigia morador da Ilha que toma posse da
qualidade de eleitor na perspectiva de vender o próprio voto, o da filha mais velha e o da
companheira, diante das dificuldades financeiras. A cronista descreve a família dele e os filhos
que lhe restaram dos amores passados, como o enteado “canhoto”.
Marcas da oralidade característica da crônica desde o Modernismo;
Presença de expressões regionalistas;
Tom de crítica social.
Em outra crônica, A Moça (1960), Rachel traça o perfil de uma jovem mineira que veio ao
Rio tentar a carreira de atriz. A profissão podia ser ambicionada por muitas moças à época, mas
Rachel mergulha na apreensão da personagem. A crônica é mais uma das conversas de Rachel
com figuras que casualmente encontra na rua, na parada do bonde ou no próprio bonde.
Aproximação com o leitor através da atitude ou pensamento que poderiam vir de
qualquer pessoa;
O personagem ganha voz na crônica em detrimento da narração em primeira pessoa.
O olhar (de) dentro do bonde
O bonde é espaço de vivência e observação do cotidiano nas duas cidades. “De dentro
dele” a cronista observa o mundo ao seu redor; como numa viagem vai captando aspectos gerais
dos lugares por onde passa. “Nele”, ela encontra o outro, os personagens dos textos, e, como
quem não quer nada, inicia um “monodiálogo” consigo, com os personagens e com o leitor. É
também o bonde a agulha que costura a “cidade real” em seu itinerário tracejado, indo dos
bairros ricos aos populares e vice versa. Para a análise escolhemos quatro crônicas que mostram a
relação entre o tema da crônica e o espaço do bonde, são elas: O neto de Luís XIV (1945); Viagem
de bonde (1953); Saudades do carnaval (1945) e Os bondes (1975).
Em O neto de Luís XIV, a cronista ouve casualmente dois idosos sentados ao lado dela
conversando acerca de linhagens e genealogia. Um dos homens é supostamente neto do antigo
rei da França, Luís XIV.
Subjetividade e fuga da cena “real”;
Emprego da primeira pessoa do singular.
Na crônica Viagem de bonde (1953) a escritora aborda uma cena comum nos bondes do
Rio de Janeiro: a superlotação.
Tom humorístico;
Aproximação com o leitor através do dialogismo.
Em outra crônica, Saudades do Carnaval (1945), a cronista recorda os tempos do carnaval
na praça, com gente alegre e se divertindo de forma amena. Ela destaca o ambiente da Ilha do
Governador como lugar onde se conservam “muito do que se passou ou do que nunca houve
aqui no Rio”.
Recorte de uma situação atual para evocar o passado;
Memorialismo;
Cronista assume explicitamente no discurso a posição de observador.