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“A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” fala

de família, mais especificamente, da relação tão


querida pelo cinema americano entre pais e
filhas. A trama se passa em dias que nos
lembram os dias atuais, mas com uma estética de
figurino que lembra os anos 1980/1990, quando a
jovem Kate Mitchell passa para a faculdade de
Cinema, o seu pai Rick decide levá-la até a
faculdade em uma viagem de carro com a mãe
Linda e o irmãozinho Aaron.
Este seria mais um filme de viagem em família onde
aos poucos vão surgindo complicações progressivas,
se uma assistente virtual de celular chamada PAL não
iniciasse a revolução das máquinas porque o seu
criador disse a ela que ela era como se fosse “da
família” e depois a jogou no lixo na frente de uma
grande plateia. “Magoada”, a assistente virtual lidera
uma revolução que vai tirar os humanos do planeta,
criando um mundo mais ordeiro e até um pouco mais
“sensível” do seu ponto de vista. E aí a família Mitchell,
absolutamente comum, é que vai salvar o dia.
O filme apresenta várias ideias interessantes. De início, apesar do
movimento da família ser contra as máquinas, em nenhum momento é
dito que a culpa é da tecnologia. Os personagens sabem com clareza
que quem produz a tecnologia é o ser humano e que, portanto, as falhas
no sistema, e na sociedade, devem ser resolvidas por eles. Outro ponto
a ser explorado é o ritmo do filme. É um filme acelerado, cheio de
intervenções na imagem tal como fazemos hoje em dia em
nossos storys: o filme usa memes, desenhos em 2D e colagens por
cima da computação gráfica para criar camadas de intervenção nas
imagens, que funcionam ora como o sentimento da personagem
principal, ora como um momento meme da cena que está sendo
apresentada. O uso da trilha sonora do filme também funciona como
intervenção, pois muitas vezes é a personagem que coloca a música
para tocar para dar “o clima” da cena. É a obra propositalmente
intervindo na obra, e essa é uma brincadeira muito boa.
Outro ponto interessante é a relação do pai, Rick Mitchell, com a
tecnologia e a filha. Katie é uma jovem que posta no YouTube curtas
caseiros, nos quais usa o cachorro da família. O seu pai gostaria que
ela passasse menos tempo fazendo esses vídeos pois teme que isso
não a leve a lugar algum. Na família, ele é o único que consegue ficar
longe do celular sem sofrer. No entanto, ele possui uma relação super
interessante com a sua câmera de vídeo. É através dela que ele
reconstrói as suas lembranças, assim como os demais personagens
gravam suas lembranças com a câmera do celular. É como se o filme
mostrasse o início da revolução caseira na forma de construir memórias
audiovisuais que a câmera portátil permitiu a todos, e exacerbasse essa
relação tecnológica na figura dos outros personagens e seus celulares
com filtro.
Mas não são só os aspectos técnicos e criativos que têm
chamado a atenção das mídias e dos críticos para a
obra. Este filme é o primeiro longa de animação
produzido por grandes estúdios, com censura livre que
tem uma protagonista feminina, jovem, pertencente à
comunidade LGBTQ+.
A construção da personagem é super delicada: desde o
início do filme, Katie comenta que conheceu uma
menina legal online na universidade, assim como desde
o início da história a personagem usa
um botton LGBTQ+ no casaco.
No final do filme, a mãe de Katie pergunta se Katie e a
amiga estão namorando, mas isso não faz a menor
diferença para o desenvolvimento da narrativa do filme, o
que nos faz pensar: deveria fazer diferença para as
nossas vidas a opção sexual ou a identidade de gênero
das pessoas? Para o filme, não, e essa é uma afirmação
política colocada na obra que fala da importância da
representação da identidade nos nossos dias e do
posicionamento de parte da indústria cinematográfica em
relação a essa questão.
“A Família Mitchell e a Revolução das Máquinas”,
foi o grande ganhador do “Annie Awards”, uma
premiação que ocorre desde 1972, criada pela
Associação Internacional de Filmes Animados de
Los Angeles, incluindo melhor direção e melhor
roteiro. Vale saber como as questões abordadas
pelo filme serão capazes de motivar debates
dentro e fora do meio cinematográfico.

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