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SDE3956 AULA 06
As dificuldades inerentes ao processo de escolha profissional
Escolher faz parte da nossa vida. O tempo inteiro temos de decidir por uma ou outra coisa: o que comprar, o
que comer, o que fazer, aonde ir. Sabemos que decidir não é nada fácil, porque toda escolha implica em uma
perda. Mas sabemos que todas as escolhas implicam também em um bônus e um ônus.
Nas palavras da escritora Martha Medeiros2, “quando fazemos uma escolha, qualquer escolha, estamos
dizendo sim para um lado e não para o outro”. Então algum sofrimento sempre vai haver. Se faço algo porque
ganho uma coisa, perco a outra coisa que não foi a escolhida. O que não podemos perder de vista é a gênese
dessas disposições, em que prazer e dor vivem em constante revezamento, constituindo faces de uma mesma
moeda; sendo que, simbolicamente falando, a unidade monetária desse jogo consiste em nosso mecanismo de
compensação psíquica, capaz de nos impulsionar para a escolha, ainda que sabedor, consciente ou
inconscientemente, da perspectiva de consequências mais adiante.
Nesse sentido, procurar estabelecer um diálogo interior, o mais franco possível, entre metas que desejamos alcançar e o
preço do sacrifício subjacente a elas torna-se condição fundamental para que obtenhamos decisões cada vez mais
sensatas e menos passionais. Aqueles que tentam fugir do peso do compromisso que toda escolha resulta, fatalmente
estarão abandonando “o barco no meio do caminho”, considerando que talvez tenham se equivocado na opção
assumida, quando, na verdade, a falha pode estar residindo na capacidade individual de manutenção do processo de
escolha.
Como bem enfatizou certa vez, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre3 : “Viver é isso; ficar se equilibrando o tempo
todo, entre escolhas e consequências”. Costumo brincar com meus alunos sobre estarmos em um momento no qual
ninguém quer “perder” nada – e, por isso mesmo, evitamos as escolhas. A esse tempo chamo carinhosamente de
“momento churrascaria”; é uma maravilha, lá encontramos de tudo: carne, peixe, frango, sushi, macarrão e até camarão
e pizza. De um modo geral, as pessoas põem no prato um pouco disso, um pouco daquilo e comem de tudo. Ou seja,
simples e fácil: não há escolhas nem tomadas de decisão, tudo é bem-vindo!
A essa altura, você está com um largo sorriso e se pergunta: que mal há
nisso? O que tem a ver a escolha profissional com o que vou comer na
churrascaria? De fato, caro aluno, não me julgue intrometida, mas você
já parou para refletir se você escolhe de fato seus caminhos ao tomar
suas decisões ou empurra com a barriga? Será que você escolhe de
forma consciente ou vai tentando ora o que o amigo indicou, ora o que
a família orientou, ora fica literalmente esperando que alguém decida
por você? Ou, ainda, aguarda a solução “mágica” que venha do além e
determine a sua melhor possibilidade?
O resultado do conflito instituído pela necessidade de escolher é,
muitas vezes, uma sensação de incapacidade, de incompetência.
Bock (2002) afirma que nem sempre uma escolha é de fato do
indivíduo, pois, ao escolher entre o que é oferecido, existe a
realidade impondo limites e possibilidades, ou seja, ao
escolher, o indivíduo pode sofrer influência da sociedade, do
grupo a que pertence, dos valores ditados por modismos, a
televisão, o marketing, e assim questiona-se se a pessoa
realmente escolheu. Para ela, a tensão desse momento está
ligada às pressões sociais (p. 319 - 321).
A escolha da profissão demarca um momento tão especial e muitas vezes significa a entrada no mundo
adulto. Outros questionamentos podem surgir, mas, para trabalhar em orientação profissional, a melhor
possibilidade é ter consciência daquilo que nos determina e, a partir disso, escolher. A tomada de
consciência, que não acontece de forma abrupta ou súbita, pode ser compreendida como uma construção
advinda das relações do sujeito com o objeto, conforme nos ensina Piaget (1977), sendo a mesma vista
como uma conceituação, isto é, uma passagem de uma assimilação prática (assimilação do objeto a um
esquema) a uma assimilação por meio de conceitos. Já a conceituação, que é um nível superior de tomada
de consciência, se dá através de regulações ou reações a perturbações geradas por obstáculos à
assimilação e à acomodação, e vão surgindo e se aperfeiçoando no decorrer do desenvolvimento do sujeito
Mas Soares (2002) questiona: como se conquista a tomada de consciência? E complementa: “a
liberdade de escolha está diretamente relacionada ao nível de resolução desse conflito, isto é,
quanto menos ansiosa for a escolha, mais livre podemos dizer que ela é, pelo menos nos
determinantes psicológicos”. Uma escolha, mesmo que seja livre, sofre influências de fatores
externos e internos; para tanto, há necessidade então de se conhecer a realidade exterior e a
interior para que o processo de avaliação e tomada de decisão resulte numa probabilidade de
adequação e um determinado grau de satisfação entre o escolhido e a realidade, o que situa a
liberdade de escolha num jogo constante entre probabilidade e assertividade.
Porém, muitas vezes o problema da liberdade de escolha consiste
em saber deixar, saber perder, saber aceitar as limitações de não
poder ter tudo, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Na
escolha, deve estar consciente a necessidade de se reconhecer que
a liberdade humana é situada, enquadrada no real, condicionada
ou relativa. (BOHOSLAVSKY, 1998)
Soares (2002) apresenta uma relação de fatores que determinam a
escolha profissional e que, embora apresentados no quadro a
seguir de forma separada, sempre atuam juntos.
Os conflitos na escolha
A escolha da profissão implica em uma dimensão temporal que precisa ser integrada e percebida pelo jovem: o
que se quer ser no futuro implica em reconhecer o passado, as influências sofridas na infância. Para a autora, as
expectativas das pessoas quanto ao seu futuro estão carregadas de afetos, esperanças, medos e inseguranças;
não somente seus, como dos familiares mais próximos (Soares, 2002). Moffatt (1982) fez um diagrama para
esclarecer melhor a dimensão atemporal, conforme exposto no quadro abaixo
É interessante notar que o processo de submissão ao qual o
jovem se encontra, já que dificilmente precisa decidir coisas
importantes de sua vida, como onde estudar, por exemplo,
deixa-o surpreso diante da necessidade de escolher. Sabemos,
também, que a escolha ocupacional está ligada à ideia de ser
feliz e realizado. Mas a necessidade de ser feliz e realizado na
sua profissão pode ser um fardo bem pesado e gera mais
insegurança, além do medo de errar.
Outro elemento importante da escolha, informa Bock (2002), é que, diante da dúvida ou de um
conflito, a pessoa precisa se posicionar por um dos objetos. Assim, toda escolha implica em uma
perda, como já comentado no início deste capítulo. Por isso, Bock (2002) afirma que “escolher é
um ato de coragem”. Ao escolher o que você vai obter, escolhe também aquilo que vai deixar de
ter. Na escolha ocupacional, também é assim. Mas essa é uma escolha que pode ser refeita,
retomada, modificada. Os critérios utilizados para uma escolha hoje podem ser diferentes dos de
amanhã. Geralmente, escolhemos o que é melhor nesse momento da nossa vida e nem sempre
acertamos. Mas quando temos consciência do nosso projeto de vida e conseguimos ter a
percepção que a escolha feita foi inadequada, ainda podemos rever as possibilidades e formar
novas escolhas.
A escolha e a saúde mental