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EMOÇÕES

A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO


Para perceber a importância das emoções ao longo da vida, basta parar um
minuto e pensar nos eventos significativos pelos quais já passamos. O nas-
cimento de um filho, a perda de alguém amado, a realização de um sonho,
uma viagem, uma decepção. Esses são alguns exemplos de momentos im-
portantes na vida de muitos de nós. Mesmo algo aparentemente simples,
como tomar café com um amigo, pode se tornar marcante, dependendo
de como nos sentimos e de como isso afeta a nossa vida. Essa qualidade
intrinsecamente ligada àquilo que é vivido, seja bom ou ruim, agradável ou
desagradável, e que faz o momento ser significativo corresponde a aspectos
cruciais daquilo que chamamos de emoções. A famosa citação de Maya
Angelou nos faz refletir sobre o papel das emoções em nossas vidas e rela-
ções: “Eu aprendi que as pessoas irão esquecer o que você falou, que irão
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esquecer o que você fez, mas nunca irão esquecer como você as fez sentir”.
As emoções, portanto, dão qualidade às experiências e, por isso, a discussão
sobre este assunto acompanha a história da humanidade.
Na Grécia Antiga, utilizava-se a palavra pathéna (paixão) para desig-
nar passividade ou situações sobre as quais não se tem controle, no mesmo
sentido que hoje é atribuído à comoção provocada pelas emoções (Frijda,
2008). Platão advertia que as emoções impediam as pessoas de agir racio-
nalmente. Portanto, os objetivos dessas deveriam ser o controle e a capaci-
dade de refletir, pensar e filosofar sobre o problema (Plato, 1943). Aristóte-
les, por sua vez, afirmava que, para ter uma vida saudável, os seres humanos
deveriam estar atentos à moderação no que diz respeito às paixões: nem
demais, nem de menos, sendo esse equilíbrio fruto da ponderação racional
(Aristotle, 1984). Assim, desde os tempos remotos e, de certa maneira, até
os dias de hoje, as emoções vêm sendo vistas como algo inferior, quando
comparadas à razão. Essa visão tradicional advoga que as emoções devem
ser controladas pela razão (Aristotle, 1984).
Nas últimas décadas, entretanto, inúmeros estudos conjugando áreas
diversas, como neurociências, psicologia, medicina, filosofia, antropologia,
entre outras, têm demonstrado a real importância das emoções em guiar e
direcionar nossas vidas, muito antes de qualquer processo lógico e racional
entrar em cena. Os pensamentos e crenças, por melhor articulados que
sejam, não são considerados suficientes para gerar ação e mudança (Da-
masio, 1999; Frijda, 2005). No campo da psicoterapia, especificamente,
alguns autores descrevem a época atual como a de uma mudança de para-
digma. Depois de presenciar, durante os últimos 20 anos, o predomínio
dos aspectos cognitivos e racionais, temos, agora, em curso, a mudança
para a ênfase nos aspectos emocionais da experiência (Goldman & Green-
berg, 2015; Johnston & Olson, 2015; Whelton, 2004).
Damasio (2018) compreende que as emoções existem não apenas a
partir das pressões evolucionárias para a sobrevivência, mas também devi-
do à estrutura complexa e de sofisticação cultural da espécie humana. Na
perspectiva do autor, como são os sentimentos que comunicam ao corpo,
sem qualquer palavra, se a direção da vida é boa ou ruim, eles podem ser
considerados os catalisadores de processos particularmente humanos, como
o questionamento e a busca de entendimento e de solução de problemas.
A clínica das emoções 15

O estudo das emoções tem sido considerado por muitos psicólogos


uma das áreas mais confusas da ciência (Plutchik, 2005). Apesar da exis-
tência de toda essa diversidade e discussões sobre o tema, existe, atualmen-
te, certo consenso sobre a definição do que são emoções (Mendes, 2015).
As emoções fazem parte do mais importante sistema de processamento
de informação dos organismos e tiveram origem na história evolutiva das
espécies, trazendo vantagens de sobrevivência na medida em que, diante de
determinadas situações, acionam respostas de rápido processamento e de
maneira automática. São processos determinados biologicamente, mas que
podem adquirir novos significados a partir da interação com o ambiente.
No caso do ser humano, as experiências pessoais e a cultura são impor-
tantes fatores para moldar as emoções (Damasio, 2010; Greenberg, 2002;
Mendes, 2015).
As emoções nos retiram de nossa linha de base habitual, chamando
a atenção para o que está acontecendo no momento, nos levando a agir/
reagir. O pano de fundo dessa mudança no organismo é um conjunto
complexo de reações químicas e neurais que formam padrões diferentes do
habitual. Isso é bem claro nas emoções que envolvem grande excitabilida-
de, com fortes respostas corporais, em uma espécie de valência ou qualida-
de (Damasio, 2010; Elliot & Greenberg, 2017). As emoções, portanto, são
corporificadas, ocorrendo no organismo como um todo e não apenas na
mente. O corpo é, na verdade, o grande palco da experiência emocional.
Ciência à parte, todos sabemos o que é uma emoção quando a sen-
timos, pois ela nos afeta e nos guia. Quando a emoção é ativada, podemos
mudar os comportamentos e pensamentos instantaneamente e ter reações
corporais também imediatas. As emoções estão sempre em relação a algo
ou a alguém, seja esse estímulo interno ou externo. Temos a tendência
natural de nos aproximar daquilo que possa promover nossa sobrevivência
e bem-estar e nos afastar daquilo que possa prejudicá-los. Essa busca para
sobreviver e prosperar é operada por meio do processamento emocional,
que funciona como uma espécie de sistema de regulação afetiva, fazendo
com que nos movamos na direção daquilo que nos afeta positivamente e
que é prazeroso e que nos afastemos daquilo que nos afeta negativamente
e é ruim. São as chamadas características motivacionais ou tendências para
a ação presentes nas emoções, como o impulso de fugir diante de algo que
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nos desperta medo (Greenberg, 2019; Mendes & Bruno, 2019). Essen-
cialmente, as emoções indicam que algo importante está acontecendo e
necessita ser observado e que mudanças no organismo ou na sua relação
com o ambiente podem ser necessárias para lidar melhor com a situação.
As emoções também se relacionam aos sistemas de significados cons-
truídos a partir das experiências. O medo está presente em todos nós quan-
do observamos algo ameaçador e nos sentimos desprotegidos. Podemos,
no entanto, experienciar fragilidade e medo em diversas situações que não
são necessariamente perigosas para todos. Falar em público, por exemplo,
apesar de não envolver ameaça direta à sobrevivência, pode adquirir signi-
ficado pessoal bastante aversivo, caso tenhamos passado por experiências
anteriores de vergonha, humilhação ou, ainda, de muita ansiedade, se a
situação é importante para a concretização de um objetivo.
Ainda, as emoções envolvem não apenas a relação com terceiros
(interpessoal), mas também conosco (intrapessoal), dependendo de nosso
grau de exigência e de expectativas, de nosso desejo de reconhecimento,
entre outros aspectos. Portanto, as emoções nos dão informações sobre a
qualidade das experiências, se elas são boas ou ruins para nós, se as coi-
sas estão caminhando como gostaríamos, nos guiando em direção ao que
necessitamos, bem como nos auxiliam a modificar, manter ou terminar
determinada relação com a situação ou com o objeto (Greenberg, 2019).
Além disso, muito mais do que buscar o prazer e evitar a dor, seres huma-
nos procuram dar sentido à sua existência, e as emoções fornecem qualida-
des que ajudam a construir esse mesmo sentido (Mendes & Pereira, 2018;
Mendes et al., 2021).
Somos sistemas dinâmicos e complexos. Como as experiências mol-
dam as emoções, cada um de nós é um verdadeiro labirinto de significa-
dos pessoais, no qual é muito fácil se perder. Para aproveitar o papel que
as emoções podem ocupar e para alcançar o conhecimento profundo e
corporificado do que sentimos, precisamos entrar em contato com nossas
experiências. As emoções informam o que realmente importa para as nos-
sas vidas.
Aumentando ainda mais essa complexidade, as emoções não são
entidades estáticas e facilmente distintas, com processos independentes.
A experiência emocional é o produto da síntese de inúmeros processos, que
A clínica das emoções 17

se iniciam a partir de estruturas biológicas e que, gradativamente, incor-


poram aspectos comportamentais, motivacionais e cognitivos (Greenberg,
2019).
Outro aspecto importante para estar atento é perceber se os rótulos
e estereótipos criados por nós mesmos e pela cultura na qual estamos in-
seridos realmente se encaixam em nossas experiências. Em outras palavras,
as emoções são universais, mas também têm rótulos e significados especí-
ficos relacionados ao contexto sociocultural. Em algumas sociedades, por
exemplo, sentir raiva pode ser sinal de profundo desrespeito à hierarquia
social, enquanto sentir tristeza pode ser sinal de fraqueza. Estereótipos de
gênero também se fazem presentes nesse sentido, como em sociedades que
condenam homens que se permitem chorar, por exemplo.
Para a terapia focada nas emoções (TFE), as emoções envolvem si-
tuações e avaliações que fazemos das nossas relações com os outros, co-
nosco e com o ambiente, têm significados incorporados, tendências para a
ação, acontecem em nosso corpo e são simbolizadas não apenas por meio
das sensações que sentimos ao experienciar a emoção (nó na garganta, ta-
quicardia, calor no peito), mas também por meio da linguagem, dos pro-
cessos reflexivos e das narrativas que criamos sobre aquilo que sentimos.

EMOÇÕES E COGNIÇÕES: QUEM VEM


PRIMEIRO?
Existem dois processos básicos por meio dos quais produzimos emoções:
os processos automáticos e os reflexivos. Em seu clássico trabalho, Cére-
bro emocional, LeDoux (1996) descreveu a existência de caminhos específi-
cos no cérebro para a produção das emoções, o que nos auxilia a entender
melhor o funcionamento e a interação desses processos. LeDoux (1996,
2012) descreve a existência de duas vias de processamento de informações.
A via secundária mais rápida e mais curta (low road/short loop), mediada
pela amígdala cerebral, e a via principal mais lenta e mais longa (high road/
long loop), mediada pelo córtex. Uma vez deflagrada a emoção pelo proces-
samento automático, que é o responsável pela primeira avaliação dos even-
tos, a informação chega mais rapidamente à amígdala cerebral do que ao

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